UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
EVY HANNES
O PARQUE DA JUVENTUDE: UMA ÁREA VERDE MEMORÁVEL DA CIDADE DE
SÃO PAULO E SUA INSERÇÃO AMBIENTAL
SÃO PAULO 2008
EVY HANNES
O PARQUE DA JUVENTUDE: UMA ÁREA VERDE MEMORÁVEL DA CIDADE DE
SÃO PAULO E SUA INSERÇÃO AMBIENTAL
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Pós Graduação Lato Sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Desenho Ambiental e Arquitetura da Paisagem.
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria de Assunção Ribeiro Franco
SÃO PAULO 2008
EVY HANNES
O PARQUE DA JUVENTUDE:
UMA ÁREA VERDE MEMORÁVEL DA CIDADE DE SÃO PAULO E SUA INSERÇÃO AMBIENTAL
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Pós Graduação Lato Sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Desenho Ambiental e Arquitetura da Paisagem.
Aprovado em
Profª. Drª. Maria de Assunção Ribeiro Franco – Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Aos meus pais Howard e Mariza (em memória), que desde cedo me mostraram a importância do conhecimento e do desenvolvimento intelectual.
AGRADECIMENTOS
Às colegas de curso que sempre tão companheiras compartilharam muitas alegrias nesses quase dois anos juntas. À Profª. Drª. Pérola Felipette Brocaneli que compartilhou seus conhecimentos de forma tão prazerosa, sempre nos estimulando e direcionando ao caminho correto da pesquisa e busca de informações. A todos os colegas que de alguma forma contribuíram para a finalização desse trabalho. E por final agradeço a querida orientadora Profª. Drª. Maria de Assunção Ribeiro Franco, que me abriu as portas para o desenvolvimento do conhecimento do Desenho Ambiental, sempre apoiando e dando forças para a realização desse trabalho, mesmo nos momentos mais difíceis.
RESUMO
Este trabalho faz uma leitura do projeto do Parque da Juventude sob
a ótica ambiental, tratando da sua inserção ambiental no território da
cidade de São Paulo. Apresenta questões históricas pertinentes ao bairro
de Santana, onde se localiza o parque e a trajetória da Casa de Detenção
do Carandiru, desde seus tempos áureos até sua desativação. Trata da
Inserção Ambiental do projeto do parque com ênfase na ausência de
preocupações ambientais e ecológicas no desenho dele, bem como de
possíveis potencialidades que o local apresenta para o desenvolvimento de
um desenho e planejamento ambientais. Ao falar de Inserção Ambiental
não podemos deixar de falar de questões urbanas, já que esses pontos
deveriam ser tratados conjuntamente para o desenvolvimento de um
desenho ambiental, baseado em princípios ecológicos e com respeito às
características da região estudada. Nesse cenário, a Operação Urbana
Carandiru/Vila Maria também é destaque e é questionado o porque, em
um momento onde o mundo todo discute questões de sustentabilidade e
preservação de recursos naturais, esses pontos não foram considerados
no desenvolvimento das diretrizes de projeto de seu Plano Urbanístico.
Palavras-chave: parque da Juventude, desenho ambiental, inserção
ambiental, operação urbana, paisagem, Carandiru.
ABSTRACT
This work makes a reading of the project of the Parque da
Juventude under the environmental optics, treating to its environmental
insertion in the territory of the city of São Paulo. It presents pertinent
historical questions to the district of Santana, where the park is located
and the trajectory of the Carandiru Penitentiary, since its golden times
until its desactivation. It deals with the environmental insertion of the
project of the park with emphasis in the absence of environmental and
ecological concerns in the project of it, as well as of possible potentialities
that the place presents for the development of an environmental drawing
and planning. Dealing with ambient insertion we cannot leave behind the
urban questions, since these points would have to be treated together for
the development of an environmental drawing, based in ecological
principles and with respect to the studied region natural characteristics. In
this scene, the Urban Operation Carandiru/Vila Maria also is prominence
and is questioned because, at a moment where the world all argues
questions of sustentability and preservation of natural resources, these
points had not been considered in the development of the lines of
direction of project of its Urban Plan.
Keywords: parque da juventude, environmental drawing, environmental
insertion, urban operation, landscape, Carandiru.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................10
1 HISTÓRICO.....................................................13
1.1 A FORMAÇÃO DO BAIRRO DE SANTANA.............13
1.2 O COMPLEXO PENITENCIÁRIO DO
CARANDIRU.........................................................22
1.3 A CRIAÇÃO DO PARQUE DA JUVENTUDE............32
2 O PARQUE DA JUVENTUDE.......................36
2.1 O PROJETO DO PARQUE DA JUVENTUDE............36
2.1.1 PARQUE ESPORTIVO................................................40
2.1.2 PARQUE CENTRAL....................................................45
2.1.3 PARQUE INSTITUCIONAL..........................................53
2.2 APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO DO PARQUE.............56
2.3 TRANSFORMAÇÕES DA PAISAGEM......................58
3 INSERÇÃO AMBIENTAL..............................62
3.1 ASPECTOS FÍSICOS.............................................62
3.1.1 REDE HÍDRICA........................................................62
3.1.2 VEGETAÇÃO............................................................63
3.1.3 GEOMORFOLOGIA DO SOLO......................................67
3.1.4 FATORES MICROCLIMÁTICOS....................................70
3.2 POTENCIALIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO
DE UM DESENHO AMBIENTAL DENTRO DA
ÁREA DO PARQUE................................................71
3.3 POTENCIALIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO
DE UM DESENHO AMBIENTAL NA MICROBACIA
HIDROGRÁFICA DO CARANDIRU........................77
3.4 SEMELHANÇAS E DIVERGÊNCIAS EM RELAÇÃO
A PARQUES PROJETADOS A PARTIR DE
DIRETRIZES ECOLÓGICO-AMBIENTAIS..............88
4 INSERÇÃO URBANA....................................96
4.1 USOS E OCUPAÇÃO TERRITORIAL DA ÁREA
E ENTORNO.........................................................96
4.2 ZONEAMENTO DO SOLO.....................................98
4.3 INFRA-ESTRUTURA URBANA.............................104
4.4 PLANO REGIONAL ESTRATÉGICO SANTANA /
TUCURUVI..........................................................107
4.5 OPERAÇÃO URBANA CARANDIRU/VILA MARIA.116
4.6 OPERAÇÃO URBANA X PLANEJAMENTO
AMBIENTAL........................................................124
CONCLUSÃO..............................................................131
REFERÊNCIAS...........................................................134
ANEXOS
10
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é estudar o Parque da Juventude,
analisando seu processo de criação e implantação, o projeto do parque,
seus usos e ocupação pela população. Será enfatizada a importância do
parque como pólo gerador de qualidade ambiental para o bairro de
Santana e arredores e sua potencialidade para o desenvolvimento de um
desenho ambiental através da sua relação com o desenvolvimento da
Operação Urbana Carandiru/Vila Maria, onde é questionada a inexistência
de planejamento e diretrizes ambientais ligadas à mesma.
O Parque da Juventude é o parque de recente implantação com
maior relevância para a cidade de São Paulo, pois além de ter sido
pioneiro ao ocupar a área da antiga Casa de Detenção do Carandiru, está
inserido em área de valioso potencial urbano e ambiental. O parque ficou
conhecido por ter sido implantado na área onde funcionava a penitenciária
do Carandiru, reintegrando essa área à cidade e à população do bairro e
trazendo um uso tão pacífico e agradável a um local conhecido por gerar
horror, rebeliões e mortes. Esse aspecto foi tão amplamente explorado
pela mídia que outros de grande importância deixaram de ser expostos.
Um deles é o desenho do parque, que é bem contemporâneo e nos remete
a recentes parques europeus, como o Parc la Villette, em Paris.
Outro aspecto é o fato de não terem sido levadas em consideração
no projeto as questões ecológicas e potencialidades ambientais da área
tratada. O parque não adota medidas mitigadoras em relação ao córrego
poluído que corta sua área e desemboca no Tietê, nem em relação às
enchentes que ocorriam em quarteirões lindeiros na época do
desenvolvimento de seu projeto. Também não propõe nenhum tipo de
ligação com outras áreas verdes do entorno, como o Campo de Marte,
corredor do Tietê e a matriz da Serra da Cantareira, importante banco
genético e ecológico localizado a apenas 6km de distância do parque.
11
O projeto também é pioneiro por ser gerador de uma operação
urbana para o bairro, que trará melhorias e ordenará o crescimento
gerado pela implantação do pólo de atração imobiliária que é o parque.
Essa é uma questão muito importante, pois já que está sendo
desenvolvida devido à implantação de um parque, essa operação não
deveria ter em seus princípios, diretrizes de desenho ambiental?
A metodologia empregada para o desenvolvimento desse trabalho
foi o método Hipotético-Dedutivo, onde o processo de análise inicia-se
pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos, acerca da qual
formulam-se hipóteses e, pelo processo de raciocínio dedutivo, testa a
possibilidade da ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese no
assunto abordado.
O primeiro capítulo do trabalho fala sobre a história que envolve o
Parque da Juventude. Esse histórico foi desenvolvido em três partes. A
primeira trata da formação do bairro de Santana, onde está localizado o
parque. Fala de sua história como antiga fazenda dos jesuítas que
abastecia o centro da cidade, de seu lento processo de ocupação devido
ao seu isolamento do centro pelo rio Tietê e de seu processo de
urbanização já no século XX. A segunda aborda a história da casa de
detenção do Carandiru, seu processo de criação, seu auge como prisão
modelo e centro de recuperação de detentos até seu processo de
decadência e desativação. A terceira parte fala do processo de surgimento
do parque da Juventude, desde a especulação sobre a desativação do
Complexo Penitenciário e discussões sobre qual o destino da área, até o
surgimento do Concurso de Idéias do Instituto dos Arquitetos do Brasil, o
IAB.
O segundo capítulo fala sobre o projeto do parque, seu desenho e
projeto. Explica a divisão da área em três setores e o que existe em cada
um deles, fala dos materiais utilizados e das intenções da criadora do
projeto, a arquiteta Rosa Grena Kliass. Faz uma análise da apropriação do
espaço do parque pelos seus usuários e das transformações ocorridas na
paisagem local.
12
O terceiro capítulo do trabalho enfoca a Inserção Ambiental. Nele
analiso os aspectos físicos da área estudada através da análise da área de
toda a Bacia Hidrográfica do Carandiru. São levantados dados sobre
vegetação, rede hídrica, geomorfologia do solo e microclima local.
Também são analisadas as potencialidades ambientais para o
desenvolvimento de um desenho ambiental na área do parque e em toda
a área da microbacia onde ele se insere, como revitalização e
renaturalização do córrego Carajás, criação de wetlands e piscinas de
contenção de enchentes, ligação através de corredores verdes e
ecológicos com o Campo de Marte e outras áreas de potencial
desenvolvimento para a criação de um sistema de áreas verdes e
principalmente a ligação com a matriz da Cantareira. Nesse capítulo ainda
é feita uma comparação entre o parque da Juventude e outros parques,
no Brasil e no mundo, onde o projeto dos mesmos tenha sido
desenvolvido com base em diretrizes ambientais.
O quarto capítulo trata da Inserção Urbana do parque na cidade.
Nele é feita uma análise do uso e ocupação da área do parque e de seu
entorno e da infra-estrutura urbana existente no local, bem como do
conteúdo do Plano Regional Estratégico (PRE) desenvolvido para essa
subprefeitura e da Operação Urbana Carandiru/Vila Maria, ainda em fase
de estudo, mas que foi desenvolvida devido à criação do parque. Um
ponto importante do presente trabalho é a relação entre a operação
urbana e as questões ambientais.No caso da Operação Urbana Carandiru,
criada após discussões sobre desativação do presídio e implantação do
parque, tratamos de um caso pioneiro onde um parque norteou o
desenvolvimento de uma operação urbana, ainda que a mesma não tenha
considerado, em seu desenvolvimento, as questões ecológicas relativas a
uma área com grande potencial para o desenvolvimento de um desenho
ambiental.
13
1 HISTÓRICO
1.1 A FORMAÇÃO DO BAIRRO DE SANTANA
Santana é o mais antigo núcleo de povoamento situado na zona
norte da capital e tem sua origem com a doação de uma sesmaria1 do
Colégio da Companhia de Jesus, em 1673. Em seu primeiro momento
nada mais seria do que uma zona despovoada e sem recursos, um
afastado bairro rural cuja propriedade mais importante era a fazenda dos
jesuítas.2 Figura 01
Carta de Chácaras, Sítios e Fazendas da Província de São Paulo – 1775
Disponível em: TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. 1996.
1. Sesmaria - sistema português transplantado para o Brasil, previsto nas cartas de doação e forais das capitanias hereditárias, onde uma extensão de terra definida da capitania era concedida a terceiros, pelo donatário desta, para exploração econômica, sob pagamento de apenas um tributo, o dízimo - décima parte da produção. 2. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Coleção Historia dos bairros de São Paulo: o bairro de Santana. 1 ed. São Paulo: Prefeitura do município de São Paulo, Departamento de Cultura, 1970.
14
De acordo com a Certidão de meia-légua da cidade de São Paulo,
datada de 1769, a partir da Capela de Nossa Senhora da Luz mediu-se
meia-légua que chegou além da Ponte Grande do rio Tietê, onde seriam
concedidas terras para cultivo. Essas terras eram cortadas pelos caminhos
de tropeiros e bandeirantes em seu movimento de conquista de terras no
interior da cidade no séc. XVI. Ao longo desses caminhos, as sesmarias
davam origem a sítios, chácaras e casarões.3
A extensa várzea do Tietê formava uma faixa de separação entre a
área urbanizada, do centro até região da Luz, e a área rural, onde se
encontrava a fazenda de Santana, na área que ia até as montanhas da
Cantareira. Essa área, muitas vezes ilhada devido a inundações do rio,
permaneceu mais tempo que os outros bairros com aspecto rural,
adquirindo características muito especiais e vindo a industrializar-se
apenas no séc. XX.
4
Figura 02
Solar da Fazenda Sant´Ana. Disponível em: TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Coleção Historia dos bairros de São Paulo: o bairro de Santana. 1970.
Aos poucos, os jesuítas foram organizando a fazenda Santana e em
meados do séc XVIII ela era a mais importante de São Paulo, com terras
muito férteis, fornecendo leite, mandioca, legumes e frutas à cidade. A
fazenda passa para a Coroa portuguesa e em 1776 era a quinta maior 3. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Ibidem. 4. PONCIANO, Levino. Os bairros de São Paulo de A a Z. 1ed. São Paulo: Senac, 2001.
15
propriedade da cidade, estendendo-se de um lado até a estrada de Jundiaí
e de outro até as várzeas do Tietê.5
A paisagem da região era rústica e pobre, sem contar a exuberante
mata que lhe servia de fundo, a Serra da Cantareira e a bela vista além
Tietê, do centro da cidade que se desenvolvia. O bairro, extremamente
rural, não tinha ainda um ar de prosperidade.
6
A região continua, na primeira metade do séc. XIX, um modesto
bairro rural, onde muitos moradores tinham também casa na cidade,
utilizando a residência além Tietê como sítio para produção de bens
agrícolas ou mesmo para descanso. São Paulo ainda possuía um ar
provinciano, com modestas casas de taipa de pilão e pontes de madeira,
muitas vezes em estado precário. A precariedade da Ponte Grande, única
ligação com o centro da cidade, contribuía para isolar os habitantes de
Santana da área central.
7
Figura 03
Santana no início do séc XIX.
Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/pintassilgo/mig_pintassilgo.aspx?op=2&cod=21999&comarca=Santana>. Acesso em 17 de Setembro de 2007, 14:58.
A principal via do local era a Estrada de Santana, que através da
Ponte Grande dava acesso à Estrada da Luz e ao centro da cidade. Com a
canalização do córrego do Tamanduateí, a população começa a construir
5. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit. 6. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit. 7. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
16
casarões ao longo da Estrada Luz, em direção a Ponte Grande. Em 1882,
Santana passa a ser incluída nos subúrbios da capital e um sinal de
progresso em sua direção é a colocação de um chafariz em frente à
penitenciária pela Companhia Cantareira. Em 1883, é feito o
prolongamento das linhas de bonde do comércio da Luz até a Ponte
Grande. Tal melhoria do sistema de transportes contribui para o aumento
da ocupação da região e em 1888 é implantado um sistema econômico de
iluminação (lampiões) até o Alto de Santana.8
Figura 04
Cidade de São Paulo em 1881
Disponível em: TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. 1996.
No final do século se instala uma constante epidemia de varíola e
em 1875 o Governo Provincial manda estabelecer um cemitério junto à
capela da Santana, para nele serem sepultadas as vítimas da doença,
08. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
17
evitando-se assim o seu transporte pelas ruas de maior movimento. Um
lazareto9 já havia sido implantado às margens do Tietê para abrigar essas
vítimas e encontrava-se em estado precário.10
Figura 05
Hospital da Câmara Municipal, ou dos varilosos, depois denominado Hospital de Isolamento. Construído entre 1879 e 1880. Desenho de Jules Martin. Disponível em:< http://www.fotoplus.com/dph/info07/index.html>. Acesso em 19 de Novembro de 2007, 18:57. No final do século, a economia do café está em expansão. Esse
fator, aliado à campanha abolicionista, contribui para o início de uma
política imigratória. Com isso a fazenda Santana teve parte de suas terras
loteadas para a criação de um núcleo colonial. O núcleo não prospera. A
fazenda Santana já sofria um processo de decadência, desde sua
transferência para a Coroa, e passará no séc. XIX, sucessivamente, de
Núcleo Educacional (1825) e de Assistência Social a Hospital e Cemitério
de varilosos e a Colônia de Imigrantes. O antigo casarão é transformado
em Quartel e em 1916 é demolido para serem construídas as atuais
instalações do Exército, na Rua Alfredo Pujol. No final do séc. XIX Santana
apresenta grande número de cortiços e alta taxa de mortalidade infantil,
chamando a atenção das autoridades para a questão do saneamento. As
terras alagadiças transformaram-se em oferta de terrenos a baixo custo
em localização “longínqua” da cidade.11
09. Edifício para pessoas em quarentena com suspeita de contágio 10. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit. 11. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
18
Certos fatores dificultarão o desenvolvimento de Santana, que
apesar de possuir magnífica localização, apresentava o problema de
transportes por caminhos quase intransponíveis, a instalação do Hospital e
do cemitério para vítimas de varíola que não criavam condições atrativas
à instalação de novos moradores no bairro. Em 1890 é instalada uma
linha de bondes da Ponte Grande à Serra da Cantareira. Em 1889 a região
é transformada em distrito de paz e o bairro de Santana começa a trilhar
seu futuro como capital da zona norte. 12
Figura 06
Vista de Santana em 1925 com a Penitenciária do Carandiru ao fundo, onde hoje se localiza o Parque da Juventude. Disponível em: TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Coleção Historia dos bairros de São Paulo: o bairro de Santana. 1970.
Nos últimos anos do séc. XIX, com o desenvolvimento urbano,
diminuiu-se o interesse por festas religiosas e a população encontrava
novos passatempos. Com isso, a região de Santana se tornou um pólo de
lazer e cultural e começou a se desenvolver mais rapidamente, tendo
como principal artéria a Rua Voluntários da Pátria, antiga estrada de
Santana, onde começam a se instalar estabelecimentos comerciais e de
ensino.13
12. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit. 13. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
19
O sistema de transportes estava melhorado, com o Tramway da
Cantareira14, que ligava o bairro à cidade e com a linha de Bondes a
tração animal. Ao norte da região, nas colinas, a população começou a se amontoar em lotes baratos com casas modestas e ruas mal planejadas.
Mas aos poucos as antigas chácaras vão se reorganizando, com um visual
mais moderno e graças às vantagens do clima ameno nas proximidades
da serra, vão sendo instalados em suas redondezas, hospitais e
restaurantes campestres. Santana passa a se reorganizar como subcentro
e deixará de ser um bairro agrícola para se tornar um bairro residencial e
de recreio. Os bondes elétricos chegam a região em 1908. Ao longo do
Tietê surgem os clubes, em 1905 o Clube de Regatas de São Paulo e à sua
frente o Clube Espéria, em 1912 o Clube Tietê.15
Figura 07
A ponte pequena em 1900 vendo-se nela um bonde puxado por burros. Disponível em: TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Coleção Historia dos bairros de São Paulo: o
bairro de Santana. 1970.
14. o Tramway da Cantareira foi criado em 1893 para facilitar o contato com o Reservatório de Águas da Serra e foi, de fato, o primeiro transporte coletivo da Zona Norte. 15. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
20
Figura 08
O Tramway da Cantareira. Disponível em: PONCIANO, Levino. Os bairros de São Paulo de
A a Z. 2001.
São Paulo passa a metrópole industrial. A cidade cresce e surgem
muitos bairros residenciais, como o Jardim São Bento. Os melhoramentos
urbanos, aos poucos, atingem o bairro e em 1916 a Light passa a fornecer
luz elétrica às vias públicas. A Comissão de melhoramentos do Rio Tietê,
estuda, já em 1927, o projeto de expansão da cidade ao longo da várzea
do rio, com a implantação de novos ramais de estradas de ferro,
retificação, canalização e urbanização de suas margens, bem como
construção de várias pontes e a substituição de algumas antigas. Foi
instalado um serviço de dragagem a jusante do rio, o que permitia sua
navegação por pequenas embarcações. Em 1940 Santana passa a ser
mais integrada à cidade devido a um conjunto de três grandes avenidas16
que cruzam a cidade desde o Tietê. A nova Ponte das Bandeiras marca o
eixo da Nova Avenida Tiradentes e recebe um tipo de iluminação de luxo
“igual às da Avenida Ipiranga”.17
A população cresce rapidamente e em 1950 chega, em Santana, a
90 mil habitantes. Surge a idéia de se implantar uma Linha Metropolitana,
16. Sistema “Y” previsto no Plano de Avenidas de Prestes Maia que era composto pela nove de Julho, 23 de Maio e Avenida Tiradentes. 17. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
21
idéia que persiste no “Plano de Avenidas” de Prestes Maia. Em 1960 foi
adotada a idéia de que essa linha fosse integrada a uma rodoviária,
localizada na Ponte das Bandeiras, antiga Ponte Grande, devido ao fácil
acesso pelas marginais.18
Figura 09
Altas colinas da margem direita do Tietê, no bairro e Santana (1949). Trata-se da área mais urbanizada no conjunto dos bairros além Tietê. Disponível em: AB’SABER, Aziz
Nacib. Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo. 2007.
Em 1964 é aprovado o projeto da linha Norte-Sul do Metropolitano
(conhecido hoje como Metrô) desde a Av. Cruzeiro do Sul até a estrada de
ferro Sorocabana. O trenzinho da Cantareira deveria, agora, parar na
estação anterior a ponte, que seria derrubada para a construção da Av.
Cruzeiro do Sul. Em 1969 são iniciadas as obras do metrô. Com a
desativação do Sistema Cantareira há um verdadeiro colapso no sistema
de transportes para os bairros da zona norte da cidade e o sistema viário
é reestudado e novas avenidas são abertas e alargadas, como a Cruzeiro
do Sul.19
É construído o primeiro campo de Aviação da cidade, nas planícies
aluviais do Tietê, entre a Ponte Grande e o bairro de Santana. Em 1939 foi
18. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit. 19. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
22
transformado em “Parque da Aeronáutica” e futuramente ele viria a ser
conhecido com “Campo de Marte”.20
Com o desenvolvimento do bairro e com as melhorias de
comunicações com o centro da cidade, antigas chácaras foram sendo
loteadas e prédios modernos foram sendo construídos. Árvores foram
sendo derrubadas e já não há lugar, no bairro, para quase nenhuma
praça. Todo o bairro está praticamente construído. Urbanizado, o bairro
de Santana perdeu sua paisagem pitoresca dando espaço a um novo
aspecto urbano, perdendo aquilo que fez dele um dos locais mais
agradáveis do final do séc XIX e início do séc XX.
21
1.2 O COMPLEXO PENITENCIÁRIO DO CARANDIRU
O pequeno núcleo de povoamento que se desenvolveu lentamente em torno da rústica capela dos jesuítas, construída em terras que pertenceram a antigos moradores de São Paulo do Campo, perde seus dois aspectos típicos dos séculos anteriores, isto é, católico e agrícola, para adquirir um novo, constituído de múltiplas facetas. Mais moderno, com maiores comodidades, com as vantagens do séc. XX, parte integrante da grande e moderna metrópole paulista, Santana se torna uma espécie de centro comercial, industrial e hospitalar da Zona Norte. [...] (Torres, 1970, p.127).
O início do séc. XX, na cidade de São Paulo, caracteriza-se pelo
crescente processo de urbanização e adensamento populacional. Esse
fenômeno urbano provocou o início das lutas sociais pela sobrevivência,
ascensão social e econômica, o que gerou um aumento na criminalidade e
manifestações populares. A crescente necessidade de revisão do sistema
penitenciário se fazia necessária para o controle e ordem da vida pública.
20. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit. 21. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. op. cit.
23
Foi então construída a Penitenciária do Estado de São Paulo, com a
finalidade de suprir o déficit de estabelecimentos penais, bem como
substituir o antigo Recolhimento de Presos, localizado em frente ao
Convento Nossa Senhora da Luz, inaugurado em 1852, que tornara-se
insuficiente para abrigar os sentenciados.22
Com a República foi instituído um novo Código Penal, que entrou em
vigor em 1890. O novo código instituiu como pena, a prisão celular, o
banimento, a reclusão e a prisão com trabalho obrigatório. Introduziu a
racionalização do processo de aprisionamento, que implicava na
substituição do suplício ou a pena de morte, pela pena proporcional ao
delito cometido e a exposição do infrator às técnicas sociais de disciplina e
reconstrução moral do preso.
23
A nova penitenciária do Estado foi criada aos moldes do novo
sistema penal e adotou o Regime Progressivo de Reclusão, o qual
determinava que o cumprimento da pena se fizesse por estágios. O
primeiro seria a reclusão absoluta; o segundo, isolamento noturno, com
trabalho coletivo durante o dia e o terceiro estágio seria cumprido em
penitenciária agrícola, com trabalho extramuro.
24
Embora a orientação do novo sistema penitenciário tenha sido a da
regeneração, o Carandiru apresentava um quadro bastante controverso
sob o ponto de vista do tratamento direcionado aos presos. Ao mesmo
tempo em que se distinguia do restante das prisões existentes por seus
princípios penais baseados na organização, limpeza, condições de
habitabilidade, sistema celular e modernidade, a instituição também
representava um lugar de opressão e sofrimento.
25
A escolha do bairro do Carandiru, no Distrito de Santana, zona norte
da cidade, para a construção da Penitenciária do Estado atendia a dois
22. AZEVEDO, José Eduardo. A Penitenciária do Estado: a preservação da ordem pública paulista. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, v. I, n. 9, p.91-102, jan/jun. 1997. 23. CANCELLI, Elisabeth. O Carandiru: a prisão, o psiquiatra e o preso. 1 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2005. 24. CANCELLI, Elisabeth. op.cit. 25. CANCELLI, Elisabeth. op.cit. 26. AZEVEDO, José Eduardo.op.cit.
24
pré-requisitos. A área possuía uma localização relativamente próxima ao
centro da cidade, 6 km de distância, e possuía terrenos com baixo valor
imobiliário. No entanto, as manifestações populares, criaram outra
preocupação, a de resguardar a segurança da população em casos de
fugas e rebeliões. Ao mesmo tempo, o governo justificava a localização
dizendo que a tranqüilidade ambiental oferecida pelo bairro suburbano
contribuiria com o processo de recuperação dos criminosos.26
No dia 24 de Novembro de 1905 foi autorizada a construção da nova
penitenciária de São Paulo na zona norte da cidade em um terreno com
área de 305.104,11m2. Para a definição do projeto foi realizado um
concurso sendo o ganhador o engenheiro-arquiteto Samuel das Neves,
Em discurso para o Congresso Legislativo de São Paulo em 1909,
Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, governador do Estado, reforça sua
decisão de erguer a Penitenciária do Estado na região norte da capital:
[...]"dando preferência a qualquer outra situação, dirigiu o governo as suas vistas para o bairro de Santana, já servido de bondes, com luz elétrica e água, e cortado pelo Tramway da Cantareira, de propriedade do Estado. Esta última circunstância influiu decisivamente, porque, dada a feição industrial do novo edifício, o transporte das matérias primas e dos produtos manufaturados, assim como a condução de presos e de soldados de guarnição serão feitos por esse caminho de ferro, a que o governo poderá dar horários mais convenientes às necessidades penitenciárias, e prover de vagões celulares e de ramais que penetrem mesmo nos estabelecimentos penais". (Azevedo, 1997. pg 98)
Na realidade, a intenção do governo era a de manter a penitenciária
em uma área suburbana da cidade, longe, mas não isolada, do centro e
da elite industrial que se formava. A localização do bairro de Santana
atendia perfeitamente a esse requisito, já que era ainda uma área pouco
desenvolvida da cidade e separada da mesma pelo rio Tietê e sua extensa
várzea alagadiça. A idéia não era novidade aos moradores de Santana,
que já no século XIX conviviam com o cemitério municipal e com o
lazareto dos varilosos.
25
que se inspirou na penitenciária de Fresnes, na França, para o
desenvolvimento do projeto. A administração do projeto ficou a cargo do
escritório do engenheiro-arquiteto Ramos de Azevedo.27
A penitenciária foi inaugurada em 21 de Abril de 1920 e o custo de
sua obra foi de aproximadamente quatorze mil contos de réis. (o custo
padrão de uma prisão para a época era de mil réis). Em 31 de Julho de
1920 têm início as atividades no Carandiru. Classificada como prisão de
segurança máxima, era destinada a abrigar detentos do sexo masculino
com pena mínima oito anos.
28
A construção do presídio modelar rompia com os paradigmas
relativos ao sistema. Desde seu projeto arquitetônico até o seu modelo
organizacional, o Carandiru vinha inovar o sistema penitenciário nacional,
era um modelo único de organização, limpeza e sistema de recuperação
dos detentos.
29 Sua arquitetura e organização espacial interna eram
inspiradas nos modelos franceses, que dispunham as celas paralelamente,
em um modelo denominado poste telegráfico.30 Os materiais utilizados
eram de primeira linha, elementos pré-moldados foram trazidos da Bélgica
e Inglaterra.31
O regime de reclusão individual, acompanhado pelo trabalho nas
oficinas internas, visava disciplinar e subordinar o preso ao trabalho, sua
ferramenta de reintegração à sociedade. O trabalho também era visto
como forma de pagamento de suas despesas internas. A grande aposta
era de que o silêncio, a reclusão individual e a falta de intimidade
impostos pelo sistema extremamente rígido e controlador gerassem a
despersonalização do preso, o que o afastaria de seus antigos hábitos e
vícios.
32
27. AZEVEDO, José Eduardo.op.cit. 28. AZEVEDO, José Eduardo.op.cit. 29. CANCELLI, Elisabeth.op.cit. 30. O sistema denominado poste telegráfico consistia num corredor central para o qual convergiam todas as alas construídas, perpendicularmente, a esse corredor. 31. AZEVEDO, José Eduardo.op.cit. 21. CANCELLI, Elisabeth.op.cit.
26
Contava com médicos especializados e laboratórios aptos a análises
e estudos antropológicos, fisiológicos, psíquicos e psicológicos dos
internos. A religião e educação eram recursos utilizados no processo de
“regeneração”. Isso tudo fica muito explícito nos dizeres à frente do
edifício central: “Instituto de Regeneração - Aqui o trabalho, a disciplina e
a bondade resgatam a falta cometida e reconduzem o homem à
comunhão social".33
O Carandiru era um dos cartões postais da cidade e a maior prisão
da América Latina. Era aberto à visitação pública e recebia desde
estudantes de direito e curiosos até personalidades internacionais, como
Levis Strauss e o famoso crítico judeu, Stefan Zweig, amigo pessoal de
Sigmund Freud. Esse, impressionado com a limpeza e administração tão
humanas da casa de detenção escreveu em um de seus livros
34 sua
impressão com o local e declarou-se impressionado com o sentido
humano com que era tratado o problema penitenciário, ressaltando que a
limpeza e higiene exemplares faziam com que o presídio se transformasse
em uma “fábrica do trabalho”. Segundo Cancelli, “eram os presos que
faziam o pão, preparavam os medicamentos, prestavam os serviços na
clínica e no hospital, plantavam legumes, lavavam a roupa, faziam
pinturas e desenhos e tinham aulas”.35
O prédio contava, a princípio, com dois pavilhões, sendo o terceiro
construído em 1929, durante o governo de Júlio Prestes. Cada pavilhão foi
projetado com cinco pavimentos e dois pátios de lazer. Possuíam um pátio
central que facilitava sua ventilação e iluminação. As celas foram
dispostas paralelamente ao longo de corredores centrais. Elas foram
projetadas para abrigar um único preso, medindo 7,5 m2 e dotadas de um
vaso sanitário, uma cama, uma mesa, um banco e caixotes para que os
presos guardassem seus utensílios e roupas. A porta era de madeira
33. CANCELLI, Elisabeth.op.cit. 34. Encontros com homens, livros e países. 35. Cancelli, Elizabeth. Repressão e controle prisional no Brasil: prisões comparadas. História Questões & Debates, América do Sul, 42 13 03 2006.
27
maciça, com 8 cm de espessura com uma abertura central para passagem
de alimentos e acima desta um orifício para observação dos presos. As
janelas de ferro possuíam venezianas internas. Algumas celas possuíam
chuveiro privativo. O espaço interno da Penitenciária do Estado é limitado
por duas muralhas com dez metros de altura e cinco metros de subsolo,
com um caminho de ronda onde circulam os guardas da Polícia Militar, e
um espaço vazio de 4,30 metros entre elas, para impedir investidas de
presos em caso de fuga. Nos quatro cantos dessas muralhas elevam-se
torres de vigilância.36
Em 1921 o número de encarcerados era entorno de 280. Em 1940,
chegou a 1230 homens, atingindo sua capacidade máxima. No governo
Jânio Quadros foi realizada uma reforma que visava aumentar a
capacidade do presídio. Finalizada em 1956 ela agora tinha capacidade de
abrigar 3.250 detentos.
37
Daí em diante esse número aumentou progressivamente, e o
sistema modelar foi se mostrando ineficiente e o a casa de detenção se
deteriorando cada vez mais. Nos últimos anos de seu funcionamento o
Carandiru era uma “cidade”, com 8.000 presos vivendo em condições sub-
humanas de habitabilidade e onde a organização, outrora exemplar, deu
lugar ao crime organizado, que comandava não só as atividades internas,
mas também as facções criminosas externas ao presídio.
Figura 10
Vista aérea do Carandiru poucos anos antes de sua implosão.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/galeria/album/p_cadeiao_11.shtml. Acesso em 30 de Agosto de 2008, 21:46.
15. AZEVEDO, José Eduardo.op.cit. 16. AZEVEDO, José Eduardo.op.cit.
28
Foi palco de inúmeras fugas e rebeliões, como os famosos
massacres de 1990. Um dos fatos mais divulgados de sua história,
chegando a ter repercussão mundial, foi o massacre de 1992, onde a
Polícia Militar, após invadir a casa de detenção na tentativa de conter uma
rebelião iniciada após uma briga, deixou 111 vítimas fatais entre os
presos. Estes afirmam que esse número está bem abaixo da realidade e
que cerca de 250 homens teriam sido mortos pela polícia.
Mesmo não sendo mais a prisão modelo e o cartão postal da cidade,
o Carandiru continuou fazendo história. O filme que leva seu nome é
muito fiel ao descrever o que acontecia dentro de seus muros e os seus
cenários foram muito bem reproduzidos, fazendo referências aos
diferentes usos de cada pavilhão e de como era feita a separação dos
presos entre os prédios.
Figura 11
Foto durante a rebelião de 1992 onde os detentos arremessam objetos pela janela e
colocam fogo nas celas. Disponível em:
<http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/foto/0,11600556>. Acesso em 29 de Outubro de 2007, 16:34.
29
Figura 12
Vítimas da rebelião de 1992 após a invasão da polícia à casa de detenção.
Disponível em: <http://www.enem.coc.com.br/temas_c5_t3.asp>. Acesso em 30 de Agosto de 2008, 11:47.
A organização interna dos pavilhões era muito similar, mas eles
diferenciavam muito no que diz respeito aos seus moradores. Em comum
possuíam a “Rua Dez”, que por se localizar de forma oposta as escadas
era considerada como o local ideal para acerto de contas.38
O pavilhão 2 era o local onde os recém chegados recebiam as “boas
vindas”. Eram registrados, recebiam corte de cabelo característico e as
calças beges, que eram as únicas permitidas. Nele também acontecia a
palestra inicial que introduzia as regras da casa de detenção. Desse
pavilhão eram encaminhados para seus locais definitivos.
39
O Pavilhão 4 foi criado para abrigar a ala médica e apesar de nunca
ter chegado a esse fim adotou tais características por abrigar no térreo os
tuberculosos, no segundo andar os doentes mentais e a enfermaria no
quinto andar. Por se tratar da ala médica possuía celas individuais, o que
fazia com que fosse um local bastante desejado pelos detentos. Era
38. PORTAL WIKIPÉDIA. A enciclopédia livre. Casa de Detenção de São Paulo. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_de_Deten%C3%A7%C3%A3o_de_S%C3%A3o_Paulo>. Acesso em 25 de Outubro de 2007, 16:46. 39. PORTAL WIKIPÉDIA. Ibidem.
30
nesse pavilhão que ficavam as “masmorras”, celas no pavimento térreo,
apertadas, úmidas e escuras, onde ficavam os presos jurados de morte.40
O pavilhão 5 era o mais populoso e humilde. No térreo ficavam as
celas de castigo, semelhantes às masmorras, onde os presos ficavam por
cerca de trinta dias como forma de penitencia por delitos cometidos
dentro do presídio. No terceiro andar ficavam os estupradores, justiceiros
e os que haviam sido expulsos de outros pavilhões. O quarto andar tinha
um perfil semelhante ao terceiro, mas abrigava muitos travestis. O quinto
andar ficou famoso e conhecido como amarelo, pois abrigava muitos
pesos jurados de morte, que por não saírem para o banho de sol
acabavam por ficar com um aspecto amarelado da pele.
41
No pavilhão 6 ficava a cozinha, já desativada há muitos anos, um
antigo cinema que após ser destruído em uma rebelião foi transformado
em auditório e salas de administração. Também abrigava celas, no quarto
e quinto andares, destinadas aos presos com o mesmo perfil que o
pavilhão amarelo, devido a sua super lotação.
42
O Pavilhão 7 era o mais calmo dos pavilhões e chegou a ficar três
anos sem ocorrência de mortes. Foi criado para ser um local de trabalho e
abrigou os presos que exerciam essas atividades. Era o mais procurado
pelos que tentavam fugir por ser o mais próximo das muralhas.
43
O pavilhão 8 abrigava os criminosos reincidentes e portanto os mais
respeitados dentre os presos, que já conheciam as regras internas e
sabiam como se portar dentro do presídio. Era ao seu lado que ficava o
maior campo de futebol da casa.
44
No Pavilhão 9 ficavam os réus primários, ainda sem experiência de
convívio dentro de um local como o Carandiru e por isso acabavam por
gerar muitas brigas e conflitos. Ficou famoso fora da casa e deu nome a
um conhecido grupo de Rap.
45
40. PORTAL WIKIPÉDIA. op.cit. 41. PORTAL WIKIPÉDIA. op.cit. 42. PORTAL WIKIPÉDIA. op.cit. 43. PORTAL WIKIPÉDIA. op.cit. 44. PORTAL WIKIPÉDIA. op.cit. 45. PORTAL WIKIPÉDIA.op.cit.
31
Até a desativação do Carandiru, o complexo que leva seu nome era
formado pela Casa de Detenção/Penitenciária do Estado, pela
Penitenciária Feminina, e pelo Centro de Observação Criminológica,
abrangendo uma área de 427.600 metros quadrados, 20% dos quais de
área construída,46
Em 2002 o governador Geraldo Alckmin decretou a desativação do
Carandiru e os presos começaram a ser transferidos para outros
presídios. Em 15 de setembro do mesmo ano foram transferidos os
últimos 74 presos marcando o final da história do presídio, que foi
implodido em 08 de dezembro de 2002.
cercada de vegetação em parte nativa da Mata
Atlântica de cerca de 16.000 metros quadrados.
47
Figura 13
Implosão do Carandiru em 08 de Dezembro de 2002.
DISPONÍVEL EM: http://geraldofreire.uol.com.br/conteudoPrimeirapagina0210.7.htm. Acesso em 30 de Agosto de 2008., 20:37.
46. PORTAL WIKIPÉDIA.op.cit. 47. SÃO PAULO. SECRETARIA ESTADUAL DE ECONOMIA E PLANEJAMENTO.Notícias: Com a desativação da Casa de detenção surge o parque da Juventude. Disponível em: < http://www.planejamento.sp.gov.br/NOTICIAS/WebNoticias/one_news.asp?IDNews=167>. Acesso em: 29 de Outubro de 2007, 17:43.
32
1.3 A CRIAÇÃO DO PARQUE DA JUVENTUDE
Em virtude das notícias de que o Governo previa a desativação do
Complexo Penitenciário do Carandiru, foi criada no dia 10 de Abril de 2001
uma Comissão Especial de Estudos na Câmara Municipal de São Paulo
destinada a estabelecer os parâmetros de ocupação para a área.
Integraram essa Comissão, que elegeu como seu presidente o vereador
Erasmo Dias, as Comissões de Constituição e Justiça, de Política Urbana,
Metropolitana e Meio Ambiente, de Trânsito, Transportes e Atividade
Econômica e de Finanças e Orçamento.48
Alguns Projetos de Lei foram votados, a maioria visando transformar
a área em Zona Mista de ocupação residencial, comercial e de serviços,
mas na maior parte das vezes destinando parte da área para a criação de
um parque. Foram realizadas audiências públicas e a população e o
movimento ambientalista da Zona Norte enfatizaram seu desejo de que a
Desde 1995 o Governo estudava a desativação do complexo. As
primeiras considerações a respeito da desativação pretendiam destinar
uma parcela da área à construção de um parque público, que seria
construído com fundos levantados pela venda da outra parcela da área do
Carandiru.
A decisão quanto ao futuro uso do local era de grande importância
para a região e seus moradores, já que se tratava de uma área muito
passiva de especulação imobiliária por contar com ótima infra-estrutura e
excelente localização. Estava situada próxima a estações do metrô, o que
lhe garantia ótima acessibilidade, cercada de empreendimentos de grande
porte como o Shopping Center Norte, o Centro de Exposições Anhembi,
Campo de Marte e do Terminal Rodoviário do Tietê, contava com boa
topografia e ainda possuía vasta área de cobertura vegetal.
48. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Comissão Especial de Estudos sobre o Carandiru. Relatório Final. Disponível em: <www.camara.sp.gov.br/central_de_arquivos/vereadores/cecar.pdf>. Acesso em 17 de Outubro de 2007, 21:47.
33
área fosse destinada a cultura e lazer de sua população, que durante
tantos anos teve que conviver com o medo de fugas e rebeliões no
Carandiru.49
Outro fator de grande influência para a decisão do uso dado à área
foi o Concurso Nacional de Idéias para o Carandiru, realizado em parceria
entre a Secretaria de Administração Penitenciária e o Instituto de
Arquitetos do Brasil, em 1998 e que previa em seu edital que fosse
preservada a vegetação existente e os edifícios de caráter histórico e que
os projetos fossem desenvolvidos com cunho institucional.
50
Para as reuniões da Comissão Especial de Estudos foram convidados
representantes de diversos órgãos e entidades, como: Secretaria de
Estado de Governo e Gestão Estratégica, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Procuradoria do Patrimônio Imobiliário do
Estado de São Paulo, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT,
Departamento Patrimonial da Secretaria de Negócios Jurídicos, Secretaria
Municipal de Planejamento Urbano – SEMPLA, Empresa Municipal de
Urbanização – EMURB, Departamento do Patrimônio Histórico da
Secretaria Municipal de Cultura- DPH/SMC, Secretaria Municipal de Meio
Ambiente – SMMA, Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB/SP, Movimento
Defenda São Paulo, Conselho Comunitário Santana/Tucuruvi e arquiteto
Roberto Aflalo.
Em abril de
1999 foram divulgados os resultados e entre os 56 trabalhos inscritos o
primeiro lugar foi para a equipe do arquiteto Roberto Aflalo, que
posteriormente convidou a arquiteta Rosa Grena Kliass para desenvolver
seu projeto paisagístico.
51
Nessas reuniões foram discutidas questões como a propriedade da
área, questões de preservação, desativação do complexo, estudos do
49. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. op.cit. 50. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. op.cit. 51. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. op.cit.
34
SEMPLA para a área, perspectivas de uso e ocupação do solo e diretrizes
propostas pela comissão.52
Os estudos sobre preservação defendiam a conservação da
vegetação existente e do Edifício da Penitenciária do Estado, vendo este
como edifício de interesse histórico, estando o mesmo em processo de
tombamento pelo COMPRESP. Sobre a desativação do Complexo, ficou
decidido que deveria ser feita em duas etapas. A primeira desativaria
apenas a Casa de Detenção, que apresenta os maiores problemas, devido
a abrigar quase duas vezes sua capacidade máxima de presos. A segunda
fase desativaria a Penitenciária do Estado, a Penitenciária Feminina e o
Centro de Observação Criminológica.
53
A SEMPLA pretendia estudar uma Operação Urbana para a área que
visava transformar em recursos financeiros, destinados ao Poder Público,
a valorização trazida ao entorno com a desativação do Carandiru. O
Governo vinha discutindo com o IAB o uso dado à área e sua intenção não
era de manter exatamente o que foi estabelecido para o concurso e sim
de dar á área um caráter institucional, aproveitando sua boa infra-
estrutura de transportes públicos, e apoiando-se em parcerias com o
SESC, SENAC, SENAI e SEBRAE.
54
As diretrizes elaboradas pela comissão concluíram, depois de muitos
debates a respeito do tema, que o melhor uso para a área era o de um
parque com equipamentos sócio-culturais, devendo bloquear qualquer
intenção de transformar a área em zona de ocupação comercial e
residencial e devido a isso o Zoneamento atual seria mantido.
55
A Lei de Zoneamento Urbano classifica a área ocupada pelo
Complexo Penitenciário como Z8-003, zona de uso especial, onde são
permitidas exclusivamente atividades institucionais que se enquadrem nas
categorias de uso E3 e E4 e onde não são permitidos novos parcelamentos
do solo. A categoria de uso E3 abrange atividades de educação
52. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. op.cit. 53. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. op.cit. 54. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. op.cit. 55. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. op.cit.
35
(faculdades, universidades), de lazer e cultura (auditórios para
convenções, feiras, conferências, exposições, parque de diversões), de
saúde (hospitais, sanatórios, com mais de 2.500m2 de área construída),
de assistência social (albergues, centros de orientação profissional com
mais de 2.500m2 de área construída) e de culto (templos e igrejas com
mais de 2.500m2 de área construída). A categoria de uso E4 inclui
atividades como aeroportos, estações de tratamento, estações de
telecomunicações, helipontos, monumentos históricos, parques de animais
selvagens, ornamentais e de lazer, parques públicos, penitenciária,
quartéis e outros.56
56. SÃO PAULO. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Op.cit.
Vale ressaltar que os estudos foram realizados anteriormente à
decisão do Governo Estadual de desativar o Complexo do Carandiru e
adiantaram a discussão sobre o destino que se daria à área em questão.
Desde o início de sua formação a comissão estudou a área do complexo
penitenciário como um todo e as diretrizes estabelecidas para a área
foram elaboradas e pensadas dessa maneira. Mais tarde, o poder publicou
decidiu desativar apenas uma parcela do complexo, que corresponde
apenas aos blocos da casa de detenção. A Penitenciária do Estado, a
Prisão Feminina e o centro de Observações Criminológicas continuariam
em funcionamento. Assim, O projeto do parque teve seus 427 mil metros
quadrados originais reduzidos para cerca de 240 mil metros quadrados e
teve que ser redesenhado.
Em 2002, quando o governador Geraldo Alckmin decretou
efetivamente sua desativação, a área ocupada pela casa de detenção já
tinha seu futuro escrito e viria a se tornar o Parque da Juventude. Em
2003, o escritório vencedor do concurso realizado em 1999, Aflalo &
Gasperini, foi contratado pelo Governo Estadual para realizar o desenho
definitivo do parque.
36
2 O PARQUE DA JUVENTUDE
2.1 O PROJETO DO PARQUE DA JUVENTUDE
O Parque da Juventude foi construído em uma área de 240.000
m257 que conta com duas áreas de extensa cobertura vegetal sendo a
maior delas uma área em estágio secundário de evolução de 16.000m2 de
mata nativa e exótica. O projeto é dividido, de leste a oeste, em três
setores; o Parque Esportivo, o Parque Central e Parque Institucional. Sua
construção foi feita em etapas, iniciando no lado leste com o Parque
Esportivo e finalizando a oeste com o Parque institucional, ainda não
inteiramente inaugurado. Figura 14
Setorização do projeto e etapas de construção do parque. Disponível em: Disponível em:
<http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura492.asp>. Acesso em: 29 de Outubro, 20:45.
57. KLIASS, Rosa Grena. Rosa Kliass: desenhando paisagens, moldando uma profissão. 1 ed. São Paulo: Senac, 2006.
37
Inicialmente concebido pelo escritório dos arquitetos Aflalo e
Gasperini, o projeto passou a ser coordenado pela equipe da arquiteta
paisagista Rosa Kliass quando de seu desenvolvimento, já que sua área de
projeto foi drasticamente reduzida devido à desativação apenas da Casa
de Detenção do Carandiru e não de todo o Complexo Penitenciário como
havia sido anteriormente previsto, e o projeto passou a ter um caráter
mais paisagístico do que arquitetônico. A cargo do escritório de
arquitetura ficou a parte construída, como guaritas, construções de apoio
(vestiários e lanchonetes) , reciclagem dos prédios mantidos da antiga
penitenciária e novo prédio de exposições, bibliotecas e escola de dança.
Os setores são interligados pela “alameda central” que corta toda a
extensão do parque e é parcialmente pavimentada com solo-cimento, um
material natural e permeável que atenua a irradiação de calor e contribui
para manter a temperatura local mais amena. Para as vias secundárias foi
utilizado pedrisco.58
No projeto de plantio foram utilizadas espécies nativas, rústicas e de
fácil manutenção, entre elas 25 espécies de porte arbóreo, como a Pata-
de-Vaca (Bauhinia fortificata), Jacarandá-de-Espinho (Machaerium
leucopterum), Paineira (Chorisia speciosa) e a Sibipiruna (Caesalpinea
peltophoroides). Entre as forrações podemos citar a Vedélia (Wedelia
paludosa) e o Agapanto (Agapanthus umbellatus).
A área de vegetação remanescente encontra-se cercada e protegida,
sendo seu uso controlado e restrito às trilhas para caminhada e aos
equipamentos de arvorismo e tirolesa que foram instalados entre a
vegetação e formam o maior circuito livre de arvorismo do país. Na trilha
são realizados passeios monitorados com duração de 30 minutos onde os
monitores contam aos visitantes histórias voltadas a preservação
ambiental.
59
Em toda a extensão do parque foi instalado mobiliário urbano como
bancos, bebedouros e lixeiras que também separam o lixo para
58. KLIASS, Rosa Grena. op. cit. 59. KLIASS, Rosa Grena. op. cit.
38
reciclagem. Nos acessos foi colocado estacionamento para bicicletas e
bebedouros para pessoas e cachorros.
A intenção do projeto era de reestorar o orgulho da vizinhança,
apagando o traço tão fortemente marcado de violência e em troca
oferecer espaços que contemplem a paz e o bom convívio com os homens
e com a natureza. Como disse a própria autora do projeto, a arquiteta
Rosa Kliass:
...eu senti que o que eu tinha que trazer para lá era o contrário, alegria... lugar de encontro, era exatamente o contrário, entende. E eu fico muito satisfeita porque eu sei que aquele lugar é exatamente isso. Você olha, você vê o muro e você não sente que lá trás você tem uma penitenciária, porque os fluidos aqui são tão fortes... era isso que eu queria e eu acho que consegui isso; essa eu acho que é a minha grande vitória no parque do..., que não é o parque do Carandiru, que é o Parque da Juventude, é isso.60
Mesmo as coisas que ficaram de memória, elas foram requalificadas como coisas lúdicas e são usadas como coisas lúdicas sem esconder a história, mas o reuso é lúdico. [...] É uma reqüalificação, é diferente.
Dos elementos existentes na área que permaneceram no projeto do
parque não houve a intenção de preservá-los como memória. Foram
mantidos os elementos que poderiam ser transformados e utilizados de
alguma forma pela população, como a muralha que se transformou em
passarela de observação. A intenção era de dar á eles um caráter lúdico,
como disse a arquiteta Rosa Kliass:
61
60. Entrevista a mim concedia pela arquiteta Rosa Kliass sobre o Parque da Juventude, em 13 de março de 2008. 61. Idem.
39
Figura 15
Implantação do Parque da Juventude. Disponível em: CAVALCANTI, Lauro. Parc de la Jounesse, São Paulo, SP.Rosa Grena Kliass architecte paysagiste. L’architecture D’aujourd’hui, 2005. Legenda da autora.
Legenda:
A – acesso ao Parque Institucional - Av. Cruzeiro do Sul B – acesso ao Parque Central – Av. Gal. Ataliba Leonel C – acesso ao Parque Esportivo – Av. Zaki Narchi 1 – ETEC’s nos pavilhões reciclados do Carandiru 2 – Praça seca 3 – Centro de exposições, escola de dança e bibliotecas 4 – Teatro previsto em projeto mas não ainda executado 5 – playground 6 - córrego Carajás 7 – acesso ao Passeio da Muralha 8 – ruínas 9 – área naturalista com morrotes para contemplação e descanso 10 – 16.000m2 de mata pré-existente e preservada 11 – ligação entre parque esportivo e central, com portões 12 – apoio ao parque esportivo com lanchonete e banheiros 13 – alameda central
40
2.1.1 Parque Esportivo
O Parque Esportivo é o menor setor do projeto e foi o primeiro a ser
construído. Conta com área de 35.000 m2, foi inaugurado em setembro
de 2003 e é resultado de um investimento de 7,2 milhões de reais do
Governo do Estado.62 Situa-se no extremo leste da gleba em área onde
antigamente localizava-se um bota-fora onde era despejado o lixo
proveniente do presídio.
Seu acesso é feito pela Avenida Zachi Narchi, uma das mais
importantes vias do bairro de Santana, o que lhe confere fácil acesso e
garante sua conexão visual com a paisagem local. Nesse acesso encontra-
se um bolsão de estacionamento gratuito aos visitantes do local. As
calçadas de acesso ao parque foram alargadas e arborizadas. No acesso
encontra-se uma pequena guarita construída em concreto aparente e dela
tem-se acesso à alameda principal, que nesse setor é acompanhada por
belos Guapuruvus (Schizolobium parahyba), que já alcançam uma boa
altura e possuem uma copa bem desenvolvida.
Figura 16
Acesso com bolsão de estacionamento – foto da autora, julho de 2007
62. PORTAL DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo: Parque da Juventude. Disponível em: <http://www.sejel.sp.gov.br/parquedajuventude/>. Acesso em 16 de Agosto de 2008, 14:01.
41
Figura 17
Pista de Skate Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura492.asp>. Acesso
em: 29 de Outubro, 20:45.
Figura 18
Corte da Pista de Skate Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura492.asp>. Acesso em: 29 de Outubro, 20:45.
Adentrando o parque nos deparamos com as quadras esportivas e a
pista de skate. São dez quadras esportivas, sendo duas de futebol e oito
poliesportivas, dispostas dos dois lados da alameda central e protegidas
por painéis metálicos ou “biombos”, como os chamam a equipe de
projeto, que substituem os alambrados comuns conferindo graça e leveza,
além de um tom de modernidade e de integração ao conjunto das
quadras. A topografia do terreno permitiu que pequenas arquibancadas
fossem construídas ao longo das quadras esportivas. Localizado a sul da
alameda principal foi desenhado um passeio secundário, de linhas
42
sinuosas e formado por pedriscos que leva a pequenas áreas de estar e
recreação infantil.
Figura 19
Painéis metálicos que protegem as quadras ou “biombos”
Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura492.asp>. Acesso em: 29 de Outubro, 20:45.
Figura 20
Quadras esportivas e Alameda Central – foto da autora, julho de 2007
43
Figura 21
Arquibancadas criadas a partir de desnível natural do terreno
Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura492.asp>. Acesso em: 29 de Outubro, 20:45.
O setor esportivo termina em uma marquise de concreto aparente e
aço corten (materiais que marcam forte presença na composição de toda
a área do projeto) que abriga lanchonete, vestiários e sanitários. Esse
elemento construído, disposto perpendicularmente ao passeio, funciona
como barreira quando o setor seguinte, o Parque Central, encerra suas
atividades. Como a área esportiva funciona até mais tarde, o projeto de
iluminação teve papel importante na concepção do projeto.
44
Figura 22
Marquise que comporta lanchonete e sanitários
Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura492.asp>. Acesso em: 29 de Outubro, 20:45.
Figura 23
Vista noturna da lanchonete e sua área com mesas e bancos
Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura492.asp>. Acesso em: 29 de Outubro, 20:45.
45
Os eventos que o Parque oferece no Parque Esportivo são: Projeto
Skate no parque, que oferece aulas aos diversos níveis da modalidade de
terças a domingo; Esporte Inclusão, que oferece aulas gratuitas de tênis,
vôlei, futsal , handebol, basquetebol, alongamento e ginástica de segunda
a sexta das 7:30h às 18:30h; Aulas de Taekwondo, oferecidas
gratuitamente as terças, quintas e sábados; e Passeio Monitorado que
envolve trilha ecológica e as ruínas do Carandiru II que acontece todas as
tardes durante a semana e aos sábados quando pré-agendadas.63
2.1.2 Parque Central
O Parque Central foi o segundo a ser construído dos três setores que
compõe o projeto do Parque da Juventude. Conta com área aproximada
de 95.000 m2 e foi inaugurado em outubro de 2004, pouco mais de um
ano após a inauguração do Parque Esportivo e nele foram investidos R$
6,3 milhões.64
Limita-se de um lado pela marquise que comporta os
equipamentos de apoio ao parque esportivo e de outro pelo córrego dos
Carajás, onde tem início o terceiro setor do projeto, o Parque
Institucional. O acesso á área é feito pela Avenida Ataliba Leonel, também
de grande importância para o bairro e pela alameda principal, que se
desenvolve desde o acesso leste do parque.
63. PORTAL DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo: Parque da Juventude. op. cit. 64. PORTAL DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo: Parque da Juventude. op. cit.
46
Figura 24
Acesso ao Parque Central pela Avenida Ataliba Leonel – foto da autora, julho de 2008
Essa área apresenta um caráter fortemente naturalista e foi
projetada para funcionar como área de descanso e contemplação, um
“oásis urbano”.65
65. KLIASS, Rosa Grena. op. cit.
É composta por uma área representativa de cobertura
vegetal, predominantemente formada por Tipuanas (Tipuana tipu) que
surgiram espontaneamente na área. Possui duas áreas de recreação
infantil, extremamente opostas nas faces norte e sul da local. Esse
playground localizado na face sul está sempre cheio de crianças, em sua
maioria moradores de um conjunto habitacional localizado nas redondezas
do parque.
47
Figura 25
Massa de Tipuanas existente no Parque Central – foto da autora, Julho de 2007
Figura 26
Playground próximo ao Parque Institucional – foto da autora, Maio de 2008
48
O parque central possui três fortes elementos que marcam sua
paisagem. O primeiro deles marca a área de transição entre esse setor e o
setor esportivo e é composta pelos morrotes gramados que conferem à
área um caráter dinâmico e ao mesmo tempo bucólico. A paisagem foi
completamente remodelada e a antiga planície deu lugar a um relevo mais
natural e convidativo, que intriga o visitante e o convida a percorre-lo e
descobrir as surpresas e diferentes vistas que se descobre ao caminhar
por entre os morrotes. A área é dotada de bancos, mas nada á mais
convidativo ao descanso do que próprio relevo e suas suaves elevações.
Parte dessas elevações foi formada com o entulho dos pavilhões
demolidos.
Figura 27
Morrotes no Parque Central – foto da autora, Julho de 2007
49
Figura 28
Corte da área com morrotes. Fonte: KLIASS, Rosa Grena. Rosa Kliass: desenhando paisagens, moldando uma profissão. 1 ed. São Paulo: Senac, 2006.
Figura 29
Alameda Central pavimentada em solo-cimento corta o Parque Central atravessando todo o Parque da juventude
Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura566.asp>. Acesso em: 29 de Outubro de 2008, 20:51.
Outro elemento que confere forte identidade ao projeto é o conjunto
de estruturas abandonadas em meio à vegetação. Essas estruturas dariam
origem ao Carandiru II, construção que teve início na década de 90 e foi
abandonada após o massacre de 1992. O que sobrou da construção foram
50
pilares e vigas de concreto que hoje se perdem em meio à massa de
Tipuanas que cresceu ao seu redor. As estruturas foram mantidas e o
espaço foi tratado como área de descanso e contemplação. Foi construído
um deck de madeira, elevado aproximadamente 30 cm do solo para não
interferir com a vegetação que se apropriou do local e um especial
cuidado foi dispensado à iluminação, que lança luzes amarelas de baixo
para cima no esqueleto de concreto e confere ao conjunto um ar de
dramaticidade, transformando-o em um cenário com aspecto de ruínas.
Figura 30
Foto noturna da iluminação das estruturas remanescentes das ruínas do Carandiru II.
Fonte: MARTIGNONI, Jimena. Free in Brazil: on the site of a former prison, a youth park offers multiple spaces and uses in a Brazilian metropolis. Landscape Architecture: The Magazine of the American Society of Landscape Architects, Washington, jun. 2006.
51
O último elemento é o “passeio da muralha”.66 Ele foi construído
sobre dois trechos inacabados dos muros de vigia da penitenciária, possui
quase 300 metros de extensão, aproximadamente 1 metro de largura e
uma altura de 7 metros que atinge a copa das árvores. Para acessar o
passeio foram projetadas grandes estruturas em madeira e aço corten,
cuja cor avermelhada e forte contrasta com o verde da vegetação. O
acesso ao nível superior é feito em três pontos por escadas de madeira.
De cima pode-se avistar a prisão feminina, o córrego que corre por traz da
muralha e o próprio parque, em um jogo de descobertas.
Figura 31
Estruturas que dão acesso ao “Passeio da Muralha” Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura566.asp>. Acesso
em: 29 de Outubro de 2008, 20:51.
66. KLIASS, Rosa Grena. op. cit.
52
Figura 32
Vista das estruturas de acesso ao Passeio da Muralha. Disponível em: CAVALCANTI, Lauro. Parc de la Jounesse, São Paulo, SP.Rosa Grena Kliass architecte paysagiste.
L’architecture D’aujourd’hui, 2005
Figura 33
“Passeio da Muralha” construído nas antigas muralhas de vigia da casa de detenção Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura566.asp>. Acesso
em: 29 de Outubro de 2008, 20:51.
Duas pontes de madeira cruzam o córrego do Carajás, fazendo a
ligação com o terceiro setor do conjunto, o Parque Institucional.
53
Figura 34
Ponte de madeira sobre O Córrego Carajás – foto da autora, Julho de 2007
Em junho desse ano o Parque da Juventude foi escolhido para
receber o “monumento ao Peregrino”, uma escultura em bronze recebida
como presente do Governo Espanhol que homenageia os milhões de
brasileiros que fizeram a rota de peregrinação na cidade de Santiago de
Compostela. O monumento foi colocado na intersecção da Alameda
Central com uma via secundária, na área central do parque.67
O Parque Institucional encontra-se no extremo oeste da área e tem
acesso pela Avenida Cruzeiro do Sul. Pode ser considerado o acesso
principal ao parque, por localizar-se na via de maior movimento e mais
fácil acesso aos meios de transporte público, principalmente o metrô. O
2.1.3 Parque Central
67. PORTAL DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo: Parque da Juventude. op. cit.
54
acesso é feito através de uma grande praça que se localiza em meio aos
03 edifícios existentes nessa área do projeto. Nessa área há uma
marquise que liga o passeio público ao acesso dos três edifícios e possui
sinalização podotátil no piso.
Figura 35
Praça de acesso pela Av. Cruzeiro do Sul no Parque Institucional com pavilhões 4 e 7 do Carandiru reciclados ao fundo. Disponível em: < http://www.arcoweb.com.br/lightdesign/lightdesign67.asp>. Acesso em: 22 de Agosto de 2008; 16:10.
Essa área possui forte cunho institucional e conta com escolas
profissionalizantes, como a ETEC e atividades do terceiro setor.68
68. O Terceiro Setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que tem como objetivo gerar serviços de caráter público.
Para a
construção dos novos prédios foram mantidos dois pavilhões da casa de
detenção, o pavilhão 4 e o 7. Os prédios foram remodelados e receberam
placas cimentícias como acabamento em suas fachadas. Os vãos centrais
foram mantidos e cobertos, criando agradáveis espaços internos às novas
55
construções. Nesses dois pavilhões estão localizadas as ETEC’s69, uma
delas já em funcionamento. Nesse pavilhão localiza-se também um posto
do “Acessa São Paulo”70com 110 computadores.
Figura 36
Pavilhão do antigo Carandiru reformado dando lugar a ETEC
Fonte disponível em: < http://picasaweb.google.com/lh/photo/>. Acesso em 16 de agosto de 2008, 17:58.
O edifício que dará lugar à escola de dança, bibliotecas e salas de
exposições já foi concluído mas suas atividades ainda não estão em
funcionamento.
O projeto contava com a presença de estacionamentos subterrâneos
que não foram construídos. O teatro com capacidade para 530
espectadores e palco com largura de 14m, que permite a apresentação
de orquestras completas, ainda será construído, mas sem data prevista,
pois depende de parcerias com a iniciativa privada. A área, que apresenta
69. Escola Técnica Estadual (ETEC) refere-se as instituições de ensino mantidas pelo governo do estado de São Paulo e subordinadas ao Centro Paula Souza, que ministram aulas de cursos técnicos e ensino médio. 70. O Acessa São Paulo é um programa de inclusão digital do Governo do estado de São Paulo coordenado pela Secretaria de Gestão Pública, com apoio da Prodesp, Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo, instituído em julho de 2000, que oferece à população do estado o acesso às novas tecnologias da informação e comunicação, em especial à internet.
56
um forte caráter formal, conta com um anfiteatro ao ar livre, com
capacidade para 10 mil pessoas.71
Figura 37
Anfiteatro a céu aberto, com os três edifícios que compõe o Parque Institucional ao fundo
- foto da autora, Maio de 2008
Nesse setor do parque corre o Córrego Carajás que corta a área do
parque no sentido norte-sul e corre por uma calha de concreto. O
programa “Córrego Limpo” que é fruto da parceria entre a Prefeitura
Municipal de São Paulo e da Sabesp, lançado em Março de 2007, já atua
no local com bons resultados.
2.2 APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO DO PARQUE
São inegáveis o sucesso do projeto do Parque da Juventude e sua
aceitação pelo público. A população do entorno do Complexo Penitenciário
do Carandiru sonhava com sua desativação. A proximidade com o “barril
de pólvora” ou “panela-de-pressão”, como era apelidada a casa de
71. PORTAL DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo: Parque da Juventude. op. cit.
57
detenção pela sua vizinhança, gerava um clima de tensão no bairro, que
estava sempre ameaçado pelas constantes fugas e rebeliões no presídio.
O parque é muito freqüentado pela população local, principalmente
nos fins de semana, e recebe aproximadamente 120 mil visitantes por
mês.72
Durante os dias da semana o caráter de visitação é outro e o parque
recebe poucos visitantes. Ele é muito usado nesse dias pelos alunos da
ETEC, situada no parque institucional, que procuram a área central do
parque para ler, estudar e relaxar. Os playgrounds são muito procurados
por crianças que vem com as mães andar de bicicleta e brincar. Estão
sempre cheios, em especial o que se localiza na divisa com a área
institucional, que é muito freqüentado pelas crianças do conjunto
A maior parte das pessoas que vem em busca de lazer no local é
residente da Zona Norte, aproximadamente 05% dos visitantes vem de
outras regiões da cidade e de fora dela, sendo essa massa trazida pela
curiosidade em ver a transformação ocorrida na área onde funcionava o
famoso Carandiru.
Nos fins de semana os três setores do parque ficam bastante cheios,
em especial os playgrounds, área central e quadras, as grandes favoritas.
O setor esportivo é o mais procurado; todas as dez quadras existentes no
local ficam cheias o dia todo, com fila de espera para os próximos times,
assim como a pista de skate e patins, que são utilizadas por jovens e
crianças. Os morrotes da área central ficam repletos de gente deitada na
grama, fazendo piquenique, ou caminhando pelo “passeio da muralha”,
que é depois das quadras o elemento mais procurado do projeto. Esse
setor, com seus bosques, jardins, e árvores frutíferas tem um caráter
naturalista e vem sanar a busca do cidadão do séc XXI por um contato
maior com a natureza. Já o setor institucional funciona mais como porta
de entrada do parque, por estar situado ao lado da estação do metrô e na
via de maior circulação do local.
72. PORTAL DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo: Parque da Juventude. Disponível em: <http://www.sejel.sp.gov.br/parquedajuventude/>. Acesso em 16 de Agosto de 2008, 14:01.
58
habitacional Cingapura, na avenida Zaki Narchi. Nos dias de semana o
parque ainda é procurado por idosos que vem se exercitar. À noite o
parque central é fechado e o setor esportivo fica aberto até mais tarde.
Continua sendo bastante utilizado, mas sua freqüência ainda não se
compara à dos fins de semana.
As atividades oferecidas pela Secretaria do Esporte, Lazer e Cultura,
são muito utilizadas pelos visitantes, como as aulas de skate, ginástica e
Taekwondo. Os eventos realizados no parque também atraem grande
índice de visitantes, como campanhas preventivas de doenças e combate
ao tabagismo.
O parque, que foi premiado na Bienal Internacional de Quito em
2004 e que também recebeu o prêmio internacional de arquitetura
paisagística Primer, já se tornou um dos motivos de orgulho da população
da Zona Norte da cidade de São Paulo. Ele é visto como uma jóia, um
oásis em meio ao caos dos veículos e vias turbulentas, um local de respiro
e de renovação de energias, local de encontro, alegria e paz, exatamente
como planejou a autora do projeto, que se diz freqüentadora assídua do
mesmo.
2.3 TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM LOCAL
Quando o assunto discutido é paisagem, é indiscutível o ganho
obtido através da implantação do projeto do Parque da Juventude. Ele não
só transforma, como também renova a paisagem urbana da Zona Norte
da cidade de São Paulo, trazendo o projeto de um belíssimo parque
urbano à área antigamente ocupada pelo Complexo Penitenciário do
Carandiru.
O bairro de Santana teve um processo de ocupação lento, ficando as
margens dos primeiros processos de urbanização da cidade, ainda no
59
século XIX, por estar “do outro lado do rio”. O rio Tietê apresentava ainda
seus meandros e áreas naturais de cheia, o que dificultava ainda mais o
acesso à região. Com o passar dos anos e com o crescimento da cidade,
foram construídas pontes que facilitassem a chegada ao bairro de
Santana, antiga Fazenda dos Jesuítas, e aos poucos o local começou a ser
procurado para construção de casas de fim de semana e como local de
lazer devido aos seus encantos naturais e proximidade a Serra da
Cantareira. O clima fresco e a paisagem bucólica eram os principais
atrativos da região.
O crescimento da cidade acabou atingindo a Zona Norte,
principalmente após a implantação do metrô, que mudou definitivamente
a cara da região. Esses bairros urbanizaram-se e passaram a integrar a
paisagem urbana da megalópole, com seus prédios e grandes avenidas. O
curso do rio foi retificado, suas margens estreitadas, sua calha
aprofundada e por fim o rio foi transformado em canal, tendo suas
margens concretadas. A paisagem já não lembrava em nada o bairro
calmo e tranqüilo do século passado e as altas torres de edifícios
bloqueavam a visão da Cantareira. A imagem da casa de detenção
superlotada contribuía ainda mais para a degradação dessa paisagem
local. Simbolizava o caos e refletia a mesma desorganização presente no
caos urbano da metrópole.
O Parque da Juventude não só reciclou esse espaço e o reintegrou a
cidade como também fez a população local “respirar aliviada”, trazendo de
volta ao bairro de Santana um pouco do clima bucólico e da tranqüilidade
de outrora. A quadra antes fechada pelos altos muros da penitenciária se
transformou em um belíssimo parque, com largas calçadas e com seu
acesso principal totalmente aberto ao público convidando-o a um passeio.
Quem passa pelo local de dentro dos vagões do metrô, não mais avista os
prédios com suas paredes pichadas e degradadas, e sim uma bela massa
arbórea e belos jardins. Os dois pavilhões que não foram demolidos,
foram revitalizados e, a não ser pelo formato, em nada lembram a antiga
60
imagem desses edifícios. Essa transformação na paisagem local pode ser
vista quando comparamos as imagens abaixo.
Figura 38
Imagem aérea do Complexo Carandiru
Fonte disponível em: <http://mcempada.files.wordpress.com/2007/09/carandiru.jpg>.
Acesso em: 22 de agosto de 20008.
Figura 39
Parque da juventude
Disponível em: < http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura566.asp>. Acesso em: 29 de Outubro de 2008, 20:51.
61
A paisagem do local é outra, o clima é outro, as vibrações são
outras. O projeto do parque foi uma intervenção pontual na cidade que
muito contribuiu para a revitalização de sua paisagem e funciona, como
dito por Jaime Lerner (2005), como uma acupuntura urbana:
Sempre tive a ilusão e esperança de que, com uma picada de agulha, seria possível curar doenças. O princípio de recuperar a energia de um ponto doente ou cansado por meio se um simples toque tem a ver com a revitalização deste ponto e da área ao seu redor. Acredito que algumas “magias” da medicina podem, e devem, ser aplicadas às cidades, pois muitas delas estão doentes...cutucar uma área de tal forma que ela possa ajudar a curar, melhorar, criar reações positivas e em cadeia. É indispensável intervir para revitalizar, fazer o organismo trabalhar de outra maneira. (...) Em alguns casos, as intervenções se dão mais por necessidade do eu por desejo, para recuperar feridas que o próprio homem produziu na natureza...com o tempo, estas feridas criaram uma nova paisagem. O aproveitamento destas paisagens e das correções do que o homem havia feito de errado é acupuntura de excelente resultado.
A explicação não poderia caber melhor para a descrever a
transformação ocorrida na área do parque. Uma atuação pontual mas que
transformou positivamente a paisagem e qualidade urbana do bairro,
restaurando não só a dignidade da vizinhança como trazendo ao bairro
uma qualidade de vida que já não se via desde o início do século passado.
62
3 INSERÇÃO AMBIENTAL
Esse capítulo faz uma análise de como o projeto do parque se
relaciona com as questões ambientais, não só dentro de seus limites como
também com toda a região da microbacia do Carandiru. Analisa também
as características naturais da região e traz um comparativo do projeto do
parque da Juventude com outros parques que foram projetados a partir
de fundamentos ambientais.
3.1 ASPECTOS FÍSICOS
3.1.1 REDE HÍDRICA
A região onde se localiza o Parque da Juventude está inserida na
Bacia Hidrográfica do Córrego Carandiru, com área aproximada de 8,14
km² de extensão. A provável localização da nascente do córrego
Carandiru é onde hoje se localiza o cruzamento das ruas Cel. Marcilio
Franco e Rosalina Alves. Seu principal contribuinte é o Córrego Carajás,
que atravessa parte do bairro de Santana e corta a área do parque da
Juventude antes de desaguar no rio Tietê. O canal do córrego Carajás
encontra-se em grande parte de sua extensão canalizado, correndo a céu
aberto, sobre calha de concreto, por uma extensão de aproximadamente
1,5 km no percurso que vai do parque até o rio Tietê. Nesse percurso,
suas margens contam com uma estreita área ajardinada que faz limite
com a via pública onde existem árvores de pequeno e médio porte.
63
O local constitui as áreas naturais de várzea do Tietê, sua planície
de inundação, onde o rio originalmente corria com seus meandros
formando lagos, lagoas, áreas brejosas, alagadiças e ilhas fluviais.
Os córregos Carandiru e Carajás, que apresentavam índice de
poluição bastante elevado, passaram recentemente por um projeto de
despoluição entitulado “Córrego Limpo” que é fruto da parceria entre a
Prefeitura Municipal de São Paulo e da Sabesp, lançado em Março de
2007. Com uma metodologia inovadora que dispensa a construção de
estações de tratamento, o programa visa além de tratar da despoluição
das águas através da expansão e monitoramento da linha de coleta de
esgotos, a manutenção das áreas através de uma conscientização
ambiental dos moradores da área e dos usuários do parque. 73
Figura 40
Microbacia do Carandiru, mostrando o Córrego Carajás desaguando no Tietê. Montado
pela autora a partir de informações do Gegran e Sara Brasil.
73. PORTAL SABESP. Programa Córrego Limpo: Primeiros Resultados. Disponível em: http://www.sabesp.com.br/sabesp/filesmng.nsf/61DE181E78FA31AD832572FA00757E0F/$File/situacao_corregos.pdf>. Acesso em 27 de Janeiro de 2008, 14:16.
64
3.1.2 VEGETAÇÃO
A área da microbacia do Carandiru se insere no Domínio
Morfoclimático Brasileiro de Mares de Morros onde predominam florestas
tropicais biodiversas dotadas de variadas biotas. No caso da cidade de São
Paulo a biota dominante é a da Mata Atlântica, que já chegou a ocupar
16% do território nacional. Hoje contamos apenas com 7,3% de sua área
original. 74
Dentro dos limites do parque encontramos duas áreas importantes
de cobertura vegetal. Uma delas, localizada em área limítrofe a Av. Ataliba
Leonel, constitui uma área de 16.000 m² de mata secundária, onde a
vegetação apresenta um estágio de evolução avançado, mas ainda não
atingiu seu estágio clímax. Não existe ainda um levantamento florístico
das espécies que compõe a mata, mas podemos observar a presença
marcante de variadas espécies de eucaliptos. A mata encontra-se cercada
e recebe manutenção e limpeza periódica pela administração do parque.
Figura 41
Ao fundo a área da mata preservada no parque.
Disponível em: < http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=430060>. Acesso em: 10 de Julho de 2008, 15:46.
74. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. IBAMA / MMA. Ecossistemas Brasileiros: Mata Atlântica. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/fauna/>. Acesso em 15 de Setembro de 2008, 19:12.
65
A segunda cobertura vegetal de relevante importância localiza-se no
centro do parque e adjacente a área de mata protegida e consiste em
13.000 m² de área coberta por tipuanas (Tipuana tipu). Essa área faz
parte da Área Central do Parque da Juventude e é aberta ao público.
Figura 42
Massa de Tipuanas (Tipuana tipu).
Disponível em: < http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=430060>. Acesso em: 10 de Julho de 2008, 15:46.
Fora dos limites do parque, mas ainda dentro da área que
compreendia o Complexo Penitenciário do Carandiru, em área limitada
pela Av. Ataliba Leonel e pelos muros da Penitenciária do Estado,
encontra-se uma área de mata de aproximadamente 30.000 m². Nela há
uma heterogeneidade de espécies e observamos a presença de
Abacateiros, Paineiras, Jacarandás, Tipuanas, Sibipirunas, Eucaliptos e
diversas espécies de palmeiras. Ela é a única área de vegetação que
funcionaria como uma “Buffer Zone”, ou área de amortecimento de
impactos urbanos.
66
Figura 43
Diagramas de classificação a vegetação existente na área do parque e área lindeira.
Imagem do Google Earth com diagramas desenvolvidos pela autora.
Não se encontram, em um raio de 2 km ao redor do parque, outras
áreas verdes de relevante importância em termos de cobertura vegetal.
As próximas áreas com considerável área de mata são o Campo de Marte,
situado 2,5 km a oeste do parque e o Parque da Luz, a uma distância de
5,8 km a sul da área estudada. A 4,2 km a norte inicia-se a área de mata
da Serra da Cantareira, a 7,8 km a leste o Parque Ecológico do Tietê e a
9,5 Km a sudoeste o Parque do Ibirapuera. Além dessas manchas
principais outras tantas menores foram reconhecidas. Em geral pequenas
praças, áreas privadas ou algumas ruas mais densamente arborizadas
A área ao redor do parque é densamente urbanizada e a arborização
das calçadas é praticamente inexistente.
67
Figura 44
Áreas verdes significativas do entorno.
Imagem do Google Earth com anotações da autora.
3.1.3 GEOMORFOLOGIA DO SOLO
A região onde se localiza o parque é formada pelas Planícies Aluviais
Quaternárias e pela Bacia Sedimentar Terciária da cidade de São Paulo.75
75. SÃO PAULO. SECRETARIA ESTADUAL DO VERDE E MEIO AMBIENTE / SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO. Atlas Ambiental do Município de São Paulo. São Paulo: SVMA, 2004.
O solo é do tipo hidromórfico ou aluvionar, solo presente em áreas de
várzea de rios, rico em argila e matéria orgânica. Trata-se de um tipo de
solo saturado, já que são áreas de retenção de águas de transbordo do
rio, com baixíssima capacidade de infiltração e com grande presença de
68
sedimentos em sua formação, o que lhe atribuiu baixa capacidade de
firmamento. Figura 45
Composição morfológica do solo do Município de São Paulo.
Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA ESTADUAL DO VERDE E MEIO AMBIENTE / SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO. Atlas Ambiental do Município de São Paulo. 2004. A seção geomorfológica da Serra da Cantareira e Rio Tietê mostram
a formação do solo das baixas colinas do bairro de Santana com seu
embasamento em granito e camadas mais superficiais em areia, argila e
cascalhos. Figura 46
Seção geomorfológica da Serra da Cantareira.
Fonte: AB’SABER, Aziz Nacib. Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo. 2007.
69
A área da Bacia Hidrográfica estudada, a Bacia do Carandiru, possui
uma estrutura de relevo bem marcada, iniciando-se bem plana na área da
várzea do rio, por volta da cota 723, e formando colinas, bem
características da cidade de São Paulo, conforme adentra o território em
direção a Serra da Cantareira, ao norte, atingindo sua cota mais alta aos
825m. A geomorfologia natural do terreno foi bastante alterada em função
da retificação do Rio Tietê e as áreas naturais de várzea encontram-se
hoje extremamente urbanizadas e impermeabilizadas.
Figura 47
Topografia e drenagem da Zona Norte da cidade de São Paulo.
Fonte: Fonte: AB’SABER, Aziz Nacib. Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo. 2007.
70
3.1.4 FATORES MICROCLIMÁTICOS
De acordo com o mapa das Ilhas de Calor, o Parque da Juventude
está inserido em área de altas temperaturas, terceira maior na escala.
Isso se deve ao fato de estar localizado em área de alta concentração
urbana, com alto índice de impermeabilização do solo e cercada por vias
arteriais de grande circulação de veículos na cidade, como as marginais
Tietê e a Av. Cruzeiro do Sul.
A quantidade de chuvas na região varia entorno de 270mm ao ano,
estando inserida no índice mais alto da cidade de São Paulo. 76
Figura 48
Distribuição Espacial da Temperatura do Solo Inferida pelo Satélite
Landsat 7 em 03/09/1999 (final da estação seca) . Fonte: Atlas Ambiental do Município de São Paulo. São Paulo: SVMA, 2004.
76. SÃO PAULO. SECRETARIA ESTADUAL DO VERDE E MEIO AMBIENTE / SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO. Atlas Ambiental do Município de São Paulo. São Paulo: SVMA, 2004.
71
3.2 POTENCIALIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DE UM DESENHO AMBIENTAL DENTRO DA ÁREA DO PARQUE DA JUVENTUDE
No momento em que vivemos, onde a população mundial está cada
vez mais consciente da realidade e grandeza dos problemas ambientais
que nosso planeta enfrenta e entende que o aquecimento global deixou de
ser uma teoria distante e passou a representar uma ameaça real à vida
humana, temos que nos conscientizar da importância do pensamento
ecossistêmico, pois o Planeta Terra é um sistema de organismos que
funcionam como um todo único.77 Dessa forma, o desequilíbrio ecológico
de uma região gera efeitos colaterais, muitas vezes devastadores, em
outra, mesmo que do outro lado do planeta, alterando todo o
funcionamento desse sistema. O excesso de produção de gás carbônico,
grande vilão da história, nas cidades da América do Norte ou do Sul,
aumenta a temperatura dos oceanos e por conseqüência provoca o
derretimento das calotas polares, o que acarreta no aumento dos níveis
de água dos oceanos, provocando assim a destruição de cidades costeiras
na Austrália e na China, do outro lado do planeta.78
No caso do Parque da Juventude, trabalhamos em escala ainda
menor que a municipal, já que os reflexos das intervenções locais são
As ações para reverter, ou pelo menos diminuir a velocidade desse
processo devem ser pensadas primeiramente em escala global, cabendo
aos líderes de cada território aplicá-las em uma escala menor, de nível
nacional a municipal. Por isso é fundamental que a dinâmica das cidades
seja alterada e que os processos de evolução e transformação do território
sejam fundamentados em fortes princípios ambientais e ecológicos,
respeitando a lógica dos ecossistemas que os compõe, através do
Planejamento e do Desenho Ambiental.
77. FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Desenho Ambiental: uma introdução à arquitetura da paisagem com o paradigma ecológico. P.99. 78. GORE, Albert. An Inconvinient Truth: the crisis of global warming. 1 ed. New York: Rodale, 2006.
72
sentidas apenas pelos moradores do bairro de Santana e vizinhança
próxima, pois tratamos de intervenções pontuais em área bastante
reduzida. Para que possamos estender os benefícios gerados pela
melhoria da área do parque a moradores de regiões mais distantes
devemos pensar no parque como elemento potencializador de um
sistema, como um pólo gerador de benfeitorias ambientais e
conseqüentemente de qualidade de vida, que se propague em todas as
direções a partir de um núcleo comum, com diretrizes de projeto baseadas
nas características da bacia hidrográfica em que está inserido, respeitando
ordens e recursos naturais existentes e recuperando-os quando os
mesmos se encontrarem degradados ou destruídos pela ação humana.
Entre os pontos que poderiam ter sido desenvolvidos de maneira
ambientalmente mais consciente e responsável, dentro dos limites da área
do Parque da Juventude, podemos citar:
- a preocupação com a despoluição e renaturalização do córrego que
corta sua área;
- a criação de lagoas de contenção de água de chuvas que
diminuíssem a velocidade da chegada das águas do córrego ao Rio
Tietê;
- a arborização adequada das margens dos cursos d’água.
A questão da despoluição e renaturalização dos córregos e rios
apresenta, além dos aspectos de reestruturação ambiental, uma ligação
com aspectos sociais que abordam a reaproximação do homem a natureza
e a revalorização dos cursos naturais das águas que compõe o território
que ele habita. A imagem do rio e principalmente a do córrego foi
transformada e hoje esses elementos são vistos como locais de depósito
de lixo e esgoto. Esse processo se iniciou com a retificação do Tietê e seu
conseqüente afastamento da prática de esportes79
79. PESSOA, Denise Falcão. Utopia e cidades:proposições. P.109.
e se intensificou com o
crescimento desacelerado da cidade, que não foi acompanhado pela infra-
73
estrutura urbana de saneamento e coleta de esgotos, o que proporcionou
o crescente processo de despejo de esgoto in natura nos córregos da
cidade. Para romper esse paradigma deve-se recriar a relação entre os
cursos d’água, a paisagem da cidade e seus moradores, agregando a eles
valores de recreação, esportes, lazer e contemplação, através da
conservação, tratamento e exibição das águas.
O processo de renaturalização de rios e córregos vem sendo
amplamente utilizado em cidades americanas e européias e parte do
princípio de que o rio deve ter sua forma e função original recuperadas, o
mais natural o possível de acordo com as condições locais, trazendo de
volta seus meandros, cascateamento, áreas naturais de transbordo e
permitindo a recuperação do seu ecossistema aquático e terrestre. 80
Figura 49
80. SEMADS, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do estado do Rio de Janeiro. Projeto Planágua – Revitalização de Rios. P.09.
74
Esboço de seções transversais de cursos d’água mostrando sua renaturalização.
Fonte: RIO DE JANEIRO. SECRETARIA DE ESTADO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Revitalização de Rios – Orientação Técnica. 2001.
Os benefícios do processo, além da recomposição da paisagem natural,
são o melhor funcionamento do sistema hídrico das microbacias.
Devolvendo aos rios sua capacidade de funcionamento original, estamos
também contribuindo com o processo de combate às enchentes, que foi
agravado com a impermeabilização excessiva dos solos e com a
canalização de rios e córregos, que aceleraram a chegada da água das
chuvas às áreas mais baixas da cidade. Obviamente o processo só é
possível se contarmos com uma rede eficiente de coleta de esgotos que
garanta que ele não será mais diretamente descarregado nos córregos. Na
área estudada isso é possível, pois recentemente a microbacia do
Carandiru foi alvo do Projeto Córrego Limpo, implantado em parceria
entre a Prefeitura de São Paulo e a SABESP.
Outro aspecto importante que poderia ter sido abordado no projeto do
parque é a utilização de lagoas de contenção, piscinões naturais que
acumulassem a água das chuvas e retardassem sua chegada ao Tietê,
evitando a sobrecarga do sistema de captação de águas pluviais e
minimizando assim o risco de enchentes na região, que já sofreu bastante
com o problema antes da concretagem da calha do rio Tietê. Essas lagoas
possuem uma área permanente cheia e uma borda de alagamento
generosa, com o objetivo de manter a maior capacidade de água
75
reservada possível. Essa borda alagável pode ser utilizada pela população
em épocas de seca.
Além de estocar excedentes de água das chuvas e de agregar valores
paisagísticos de contemplação e recreação ao local, as lagoas podem
contar com um sistema de tratamento dessas águas, devolvendo-as
limpas aos rios. É indicado que os fundos desses lagos permitam que a
água infiltre no solo, pois ele funciona como filtro natural de impurezas e
as águas recarregam o sistema de águas subterrâneas. Como a água
estocada apresenta impurezas acumuladas no percurso de escoamento
superficial, como sujeira, entulho, metais pesados e fezes de animais, um
primeiro tratamento deve ser feito antes de permitir essa infiltração para
evitar o risco de contaminação do solo e do lençol freático.
Figura 50
Esquema de uma lagoa natural de contenção de cheias.
Disponível em: < http://www.stormwatercenter.net/Assorted%20Fact%20Sheets/Tool6_Stormwater_Pract
ices/Wetland/Wetland.htm>. Acesso em 16 de Setembro de 2008, 20:42.
76
Às margens das lagoas poderiam ser agregadas Wetlands, áreas
alagadiças que além de propiciar a reprodução de várias espécies animais
e contribuir para a manutenção da biodiversidade, também funcionariam
como área de filtragem das águas. O tratamento também pode utilizar
espécies com características filtrantes e de absorção de poluentes, como o
Aguapé (Eichornia crassipes). Filtros de areia e minerais, como carvão
ativado e a Zeólita, rocha que vem sendo extensivamente utilizada no
processo de filtragem de águas contaminadas, cuidam do restante do
processo de tratamento.
Figura 51
Esquema de uma wetland, mostrando terras altas a alagadas com vegetação endêmica. Disponível em: < http://www.ducks.ca/resource/general/wetland/work1.html>. Acesso em 16 de Setembro de 2008, 20:50.
O projeto de plantio das áreas de margem dos cursos d’água deve
ser criteriosamente elaborado, levando em consideração a utilização de
espécies adequadas aos locais onde estão sendo propostas, como
vegetação típica de Mata Ciliar para as bordas dos cursos d’água e
77
vegetação própria a áreas alagadiças para as Wetlands e área de
transbordo das lagoas de contenção.
Essas medidas, que inicialmente nos parecem utópicas e impossíveis
de aplicar em cidades já com processo de urbanização consolidado, vem
sendo empregadas em várias cidades do mundo com grande sucesso e,
adotadas em conjunto ou separadamente, trariam ao Parque da
Juventude um toque especial e atual de preocupação com as questões
ambientais, assunto fundamental para projetos no século XXI.
3.3 POTENCIALIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DE UM DESENHO AMBIENTAL NA MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO CARANDIRU
Como dito no capítulo anterior, as intervenções na área do parque
da Juventude, tem um raio de beneficiamento ambiental e ecológico
reduzido e para que possamos estendê-las a toda a área da bacia do
Carandiru e também aos bairros vizinhos, devemos pensar no parque
como um pólo gerador de transformações, analisando suas relações e
conectividades com áreas potenciais do entorno. Partimos então da
atuação na escala do lote para uma escala maior, que abrange toda a
bacia hidrográfica onde se insere a área estudada.
Quando falamos em Desenho Ambiental, podemos abordar diversos
pontos e conceitos, que se implantados e desenvolvidos de maneira
sistêmica, podem resultar em áreas onde o meio biótico e abiótico
convivam em harmonia, considerando a conservação das características
ambientais locais e originando uma ordem ecossistêmica e um ambiente
de equilíbrio, onde “natureza e sociedade fundem-se numa totalidade
organizada”.81
81. FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Desenho Ambiental: Uma Introdução à Arquitetura da paisagem com o Paradigma Ecológico. 1997, pg. 99.
78
Entre as diretrizes presentes em projetos de Desenho Ambiental,
sempre elaboradas a partir de princípios de preservação e recuperação
dos recursos naturais, considerando as características intrínsecas às
regiões estudadas, freqüentemente encontramos: conservação de áreas
verdes e cursos d’água existentes, recuperação de cursos d’ água
degradados, regulação do ciclo hidrológico (prevenção contra cheias
urbanas, permeabilidade do solo, recarga do lençol freático), criação de
conectividade e mobilidade entre áreas verdes criando uma estrutura
verde urbana, criação de “buffer zones” (áreas de amortecimento de
impactos), criação de condições de habitabilidade e desenvolvimento da
vida silvestre, manutenção da biodiversidade, regulação bio-climática,
considerações sócio-culturais da população residente e flutuante,
regulamentação do crescimento da mancha urbana e da emissão de
resíduos poluentes, organização do tráfego de veículos, priorização do
transporte publico e do pedestre, ligação com a educação ambiental e
envolvimento da comunidade, abordagem multidisciplinar de questões,
sustentabilidade, entre muitos outros.
Conceitualmente, poderíamos aplicar todas essas diretrizes, com
adaptações de uso e escala, na área da bacia hidrográfica do Carandiru.
Mas para que essa atuação se torne possível é necessário que ela seja
apoiada em um plano de ação a longo prazo, implantado em diferentes
etapas e com um plano de manejo fortemente estruturado. Além disso, é
necessária a criação de leis que garantam sua continuidade de
implantação mesmo com as trocas de Gestão do Poder Público. Na cidade
de São Paulo esse mecanismo existe e é conhecido como “Operação
Urbana”. Parte da área da bacia hidrográfica estudada está dentro da área
de implantação da “Operação Urbana Carandiru/Vila Maria”, ainda em fase
de revisão e aperfeiçoamento. Mais adiante, abordaremos questões
relativas à inserção de diretrizes ambientais nas áreas de Operações
Urbanas e como as mesmas poderiam ser desenvolvidas na área de
estudo.
79
Entre os pontos com potencial para o desenvolvimento de um
desenho ambiental na área da Bacia Hidrográfica do Carandiru, que
podem ser criados a curto prazo, sem grandes interferências com a malha
viária e a estrutura urbana local, podemos citar:
- criação de conectividade entre áreas verdes, independente de sua
escala, com base na “Teoria dos Ecossistemas”82
- arborização urbana extensiva;
;
- manejo do programa Córrego Limpo e do sistema de coleta de
esgotos;
- início de um processo de permeabilização do solo;
- controle de combate a enchentes.
O bairro de Santana, mais precisamente a área compreendida pela
bacia do Carandiru, é bastante carente em termos de área verde. A
fotografia aérea do local apresenta uma mancha urbana predominante
sobre a totalidade do território e onde as áreas não edificadas não
apresentam cobertura vegetal. A reduzida área de cobertura vegetal
existente é fragmentada, resultado de um projeto de urbanização
desordenado.
2. A Teoria dos Ecossistemas trata da interação entre os elementos de um povoamento vivo e o meio físico no qual se organiza. (FRONTIER, 2001)
80
Figura 52
Limite da Bacia Hidrográfica do Carandiru sobreposto à fotografia aérea mostra que as áreas verdes mais significativas presentes no local são as manchas de vegetação do
parque da Juventude. Imagem do Google Earth trabalhada pela autora.
Para suprir a carência de cobertura vegetal, já que a área não
possui demais áreas disponíveis para a criação de parques e praças,
poderiam ser implantados programas de arborização dos lotes e ruas e
principalmente das extensas áreas de estacionamento existentes na
região, como é o caso dos estacionamentos do Shopping Center Norte e
Lar Center.
81
Além das benfeitorias paisagísticas, a vegetação urbana tem um
papel preponderante na manutenção da qualidade ambiental no meio
urbano, tanto em seus aspectos ecológicos como sócio-econômicos. Está
também muito atrelada ao conceito de qualidade-de-vida. Entre seus
benefícios podemos citar: estabilização e melhoria micro-climática (as
árvores contribuem suavizando as temperaturas extremas ao filtrar os
raios do sol, conservam a umidade do ar através do processo de
evapotranspiração e diminuem os efeitos da ilha de calor nas cidades);
diminuição da poluição atmosférica (as árvores no meio urbano tem
considerável potencial de remoção de partículas e gases poluentes da
atmosfera, o processo de fotossíntese produz a reciclagem do ar,
purificando-o); diminuição da poluição sonora (a massa vegetativa pode
diminuir em até 10db/m de vegetação os ruídos externos); evitam
processos de erosão do solo ao evitar o contato direto das águas da chuva
com o mesmo; auxiliam no combate a enchentes (as folhas das árvores
não só absorvem água das chuvas, como também retardam sua chegada
ao solo); fornece abrigo e alimento à fauna e proporciona a melhoria
estética das cidades (a presença das árvores diversifica a paisagem,
quebrando a monotonia provocada pelo excesso de edificações e também
ornamenta e valoriza o espaço urbano).
Para criar uma unidade entre as áreas verdes fragmentadas,
transformando-as em um “sistema de áreas verdes”83
83. Segundo Bartalini (2007), “o Sistema de áreas verdes é o conjunto de espaços públicos ou particulares vegetados, considerados de interesse público para o satisfatório cumprimento das finalidades paisagísticas, ecológico-ambientais, funcionais, produtivas, de lazer e prática de sociabilidade.”
, devemos ligá-las
através de corredores verdes. Por se tratar de uma área já com
urbanização fortemente estruturada, esses corredores verdes poderiam
ser implantados através de densa arborização urbana, tanto das calçadas
como dos canteiros centrais das principais ruas e avenidas locais,
priorizando vias arteriais que apresentem calçadas mais largas
possibilitando, assim, o plantio de espécies de maior porte.
82
Dentre os limites da bacia do Carandiru, a área verde de maior
significância é a cobertura vegetal encontrada no próprio parque da
Juventude. As demais áreas com significativa cobertura vegetal situam-se
em áreas pertencentes a outras bacias hidrográficas, mas não por isso
devam deixar de ser consideradas para efeito de conectividades e
estabelecimento de um sistema de áreas verdes.
Analisando possíveis conectividades com essas áreas, podemos
perceber que a única área próxima onde existe hoje uma conectividade
real com o parque é o Campo de Marte, que se localiza fora da área da
bacia hidrográfica do Carandiru, porém a apenas dois quarteirões de
distância do Parque da Juventude. A conectividade entre as áreas poderia
ser reforçada com a arborização intensa das vias que as ligam. Outra
interessante conexão pode ser estabelecida se considerarmos que as
árvores plantadas nas margens do Tietê consistem de fato um corredor
verde, pois através delas conseguimos chegar a uma importante área
verde do município, o Parque Ecológico do Tietê. Do parque da Juventude
ao rio a conexão é feita através da arborização existente as margens do
córrego Carajás, que corta o parque e deságua no Tietê. Mas entre essas
conexões, a mais importante é, sem dúvida, a que se estabelece com a
Matriz Ecológica da Cantareira, localizada a 6 km de distância. A 4 km de
distancia já encontramos extensas áreas verdes de sua borda e entre tais
manchas e o parque estudado, a ocupação do solo, apesar de intensa, se
faz com edifícios baixos e muitos lotes residenciais, onde podemos
identificar certa arborização. Essa conexão garante com que a matriz
ecológica cumpra seu papel de disseminadora de espécies e de banco
genético, garantido as trocas necessárias para a manutenção do
ecossistema e do sistema verde.
83
Figura 53
Esquema de possíveis conexões verdes com o parque da Juventude.
Imagem Google Earth trabalhada pela autora.
O Plano Diretor estratégico já previa a criação de corredores verdes
na região, passando pelas margens do Tietê, até o Parque Ecológico de
mesmo nome, e até a Serra da Cantareira, e o Plano regional Estratégico
Santana/Tucuruvi também aponta alguns desses corredores, mas ainda
não fazendo a ligação completa entre essas áreas verdes.
Em análise do projeto da prefeitura de São Paulo denominado “100
parques”, que pretende implantar 36 novos parques na cidade totalizando
100 unidades até o ano de 2008, não encontramos unidades próximas à
área de estudo que pudessem ser incorporadas ai sistemas de áreas
verdes.
84
Figura 54
Parques Lineares e parques Propostos. Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. 2004.
85
Figura 55
PRE Santana / Tucuruvi - Plano Urbanístico Ambiental Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi. 1ed. São Paulo: Sempla, 2004.
86
Para garantir a salubridade do único curso d’água que ainda corre a
céu aberto da região estudada é necessário a manutenção do programa
“Córrego Limpo” da Prefeitura da cidade de São Paulo em conjunto com a
SABESP. O programa que restaurou a qualidade de água do Córrego
Carajás, através da ampliação da rede de coleta de esgotos e limpeza
manual das margens do córrego deve ser mantido e implementado para
garantir que a água que deságua no rio Tietê continue com os baixos
índices de poluentes que apresenta hoje.
O processo de permeabilização dos solos não só está ligado a
questões de recarga do lençol freático, como também a questões de
combate de enchentes. O problema das enchentes já é familiar aos
grandes centros urbanos e à cidade de São Paulo. Com o crescimento
desenfreado da cidade, a mancha urbana avançou sobre as várzeas dos
rios e muitos córregos foram canalizados para melhorar as questões de
saneamento. Esses dois fatores, aliados, geraram conseqüências
catastróficas. A impermeabilização excessiva do solo interrompe o ciclo
hidrológico da água, que não mais infiltra para poder dar continuidade ao
ciclo. Ao invés de infiltrar nos solos (constituindo sua umidade natural ou
percolando para os aqüíferos), correr para os rios e lagos, evaporar e
precipitar, as águas das chuvas escoam pelas ruas e áreas construídas da
cidade, em velocidade até maior que a das chuvas, até chegar aos rios.
Esse caminho é ainda mais rápido se a água pegar um “atalho” por algum
córrego canalizado, onde a superfície lisa dos canais acelere sua chegada
aos rios, nos pontos mais baixos da cidade. Para agravar ainda mais o
problema, esse rio, hoje, não possui mais usa área de várzea e de
contenção de cheias para acomodar todo o excedente de água, pois essas
várzeas foram tomadas pela urbanização que avançou sobre ela com ruas,
avenidas e construções. Esse é o quadro geral encontrado hoje na maior
parte das grandes cidades.
87
Figura 56
Evolução da impermeabilização do solo na região de Santana (1930, 1945 e 2000). Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. 2004.
Por isso é tão importante garantir a permeabilidade do solo,
principalmente nas áreas mais altas da cidade, para garantir a
microdrenagem local e retardar a chegada da água nas baixadas. Essa é
uma das principais medidas de combate a enchentes. Essa permeabilidade
pode ser garantida com a troca do pavimento das calçadas para pisos
drenantes e com leis e programas de incentivo a permeabilidade parcial
dos lotes.
Outra medida que já vem sendo bastante utilizada em cidades como
Chicago e Colorado, é a criação de piscinas de microdrenagem local,
especialmente sob grandes áreas de estacionamentos, que armazenam a
água durante a chuva e depois liberam a mesma gradativamente ao
sistema de coleta de águas pluviais84
84. SPIRN, Anne Whiston. O Jardim de Granito, 1947.
. Se essas piscinas de contenção não
estiverem em área de solo saturado, como no caso dos estacionamentos
presentes na área estudada, elas podem contar com um fundo drenante
que faça com que a água armazenada seja aos poucos absorvida pelo
solo.
88
3.4 SEMELHANÇAS E DIVERGÊNCIAS EM RELAÇÃO A PARQUES PROJETADOS A PARTIR DE DIRETRIZES ECOLÓGICO-AMBIENTAIS
Como exemplo de comparação foram utilizados três projetos de
grande expressão quando o assunto tratado aborda os parques criados a
partir de diretrizes ecológico-ambientais. São eles: o Parque Cidade de
Toronto, localizado na cidade de São Paulo, Brasil; o Red Ribbon – Tanghe
River Park, que se localiza na cidade costeira de Qinhuangdao, na China e
o Emerald Necklace, mais conhecido como o Sistema de Parques de
Boston, localizado na cidade de Boston, Estados Unidos da América.
O Parque Cidade de Toronto foi criado em 1992, em uma área
remanescente do loteamento “City América” de 109.100m2, e surgiu da
reivindicação dos moradores de criar um parque na área devido ao vários
acidentes que ocorriam no lago ali existente e que era muito procurado
como forma de lazer dos habitantes da região. Seu projeto surgiu do fruto
de um programa de Cooperação Técnica entre as prefeituras de São Paulo
e Toronto, no Canadá, que tinha como finalidade o aprimoramento
profissional e a troca de conhecimentos entre os técnicos das duas
cidades. Foi o lago ali existente, característica tão comum na paisagem
canadense, que motivou a escolha desse local para o desenvolvimento do
projeto em intercâmbio entras as prefeituras.
O parque foi objeto de um projeto de recuperação de áreas
degradadas, através da implantação de árvores nativas que tinham como
função a proteção de encostas contra erosão, a redução do assoreamento
do lago, a melhora da qualidade da água, a proteção das nascentes e
preservação e enriquecimento do ecossistema local. Dessa forma, foram
plantadas espécies nativas características de mata ciliar; espécies
aquáticas, também nativas e outras árvores, distribuídas de maneira
esparsa para possibilitar sombreamento às áreas de estar. Para marcar a
parceria Brasil-Canadá foi criado um bosque de espécies coníferas, as
89
mais características da paisagem canadense. Uma considerável porção do
parque é formada por brejos (wetlands) e pelo lago, por essa razão há no
local a existência de uma fauna típica desse ecossistema. No brejo os
animais encontram abrigo, alimentação abundante e locais privilegiados
para a construção de seus ninhos.85.
Figura 57 Figura 58
Parque Cidade de Toronto – Lago Parque Cidade de Toronto – Brejo (wetland) Fonte disponível em: <http://images.goo- Fonte disponível em: <http://images.google gle.com.br/imgres?imgurl>Acesso em: 04 .com.br/imgres?imgurl=http:// farm1.static. de agosto de 2008. flickr.com/112/301471810_ d155507460.jpg &imgrefurl> Acesso em: 04 de agosto de 2008. Projetos de controle de cheias de rios tem se tornado uma das
formas mais comuns de projetos públicos de paisagismo na China, já que
os problemas gerados pela intensa expansão urbana, como as enchentes,
tornaram-se graves no país. Em uma área de aproximadamente 200.000
m2, às margens do Rio Tanghe, foi construído em 2007, o Red Ribbon
Park86
85. PORTAL DA PREFEITURA DE SÃO PAULO. Secretaria do Verde e Meio Ambiente: Parques. Disponível em: <
. Com diretrizes de projeto fortemente calçadas em questões
ecológicas de respeito ao meio ambiente local e caráter contemporâneo de
projeto, o parque teve como finalidade recompor a área de várzea do rio,
devolvendo sua área de transbordo através de um corredor verde,
http://www2.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/meio_ambiente/parques/cidade_de_toronto/0001>. Acesso em: 04 de Agosto de 2008, 13:42. 86. PADUA, Mary G.. A Fine Red Line: Design tests the boundary beween art and ecology. Landscape Architecture: The Magazine of the American Society of Landscape Architects, Washington, v. 98, n. 01, p. 90-99, jan. 2008.
90
tratado com espécies nativas, adequadas às variações de volume d’água
do rio e reconstituindo o ecossistema local. O parque é inovador por duas
razões: por introduzir o conceito de controle natural de cheias em uma
cidade que tratava o assunto canalizando seus cursos d’água para dar
maior vazão ao volume excedente na época de cheias e por apresentar
design ousado ao inserir um banco de fibra na cor vermelha que percorre
o parque com seus 500m de extensão. O banco funciona como uma
metáfora que se refere aos meandros naturais do rio e se apresenta na
cor vermelha que para os chineses represente o sucesso.
Figura 59
Red Ribbon Park - Implantação
Fonte: Landscape Architecture, v. 98, jan. 2008, p.93.
91
Figura 60
Red Ribbon Park – vista do banco e do Rio Tanghe com suas áreas de cheia transbordadas Fonte disponível em: <http://blog.mlive.com/michigan_travel/2008/03/20080326-red-ribbon-tanghe-river-park.jpg>. Acesso em: 08 de agosto de 2008. O Emerald Necklace (Colar de Esmeraldas), ou Sistema de Parques
de Boston, como é mais conhecido, é um conjunto de 4,5km2 de área
verde distribuídos entre 09 parques ligados por corredores verdes. O
conjunto foi projetado por Frederick Law Olmsted (1822-1903) e conecta
o Boston Common – primeiro parque público da cidade datado de 1634,
período colonial – através do rio Muddy e lago Jamaica até o grande
Franklin Park. A extensão do conjunto é de aproximadamente 11,5km e
atravessa 09 parques: Boston Common, Public Garden, Commonwealth
Avenue Mall, Back Bay Fens, Riverway, Olmsted park, Jamaica Pond Park,
Arnold Arboretum e Franklin Park87
87. OFFICIAL WEB SITE OF THE CITY OF BOSTON. Parks and recreation department: Emerald Necklace. Disponível em: <
.
http://www.cityofboston.gov/parks/emerald/>. Acesso em: 08 de Agosto de 2008, 13:18.
92
A idéia do conjunto surgiu na década de 1870, quando Olmsted foi
chamado pelo governo para escolher as áreas da cidade com potencial
para serem transformadas em parque com o intuito de limpar e controlar
a área pantanosa e poluída em que se transformava a Back Bay e Fens.
Com sua visão muito além de seu tempo, Olmsted apontou as áreas
pantanosas da Back Bay ao longo do Rio Charles e áreas ao longo do rio
Muddy, que seguia do lago Jamaica até o Fens para compor um sistema
de parques que funcionasse realmente como um sistema88. O sistema foi
projetado com o objetivo de criar espaços onde a população pudesse fugir
da poluição, barulho e tumulto da vida na cidade e redesenhou a
topografia original do terreno, resolvendo problemas de drenagem de
águas pluviais e esgoto, criando um ambiente mais rústico e bucólico. No
projeto, o rio Muddy foi dragado diretamente para o rio Charles através de
um córrego serpenteante e se transformou em um parque linear. O
percurso do rio foi redesenhado e ela ganhou uma área de várzea para
transbordo de água das cheias com vegetação característica. A idéia de
Olmsted era de criar um parque linear ao longo do curso do rio que
conectasse vários pequenos lagos de controle de cheias.
Figura 61
The Riverway – vista do Rio Muddy com suas áreas de transbordo
Fonte disponível em: < http://excitablemedia.com/tcs/elwood1.jpg>. Acesso em: 08 de agosto de 2008.
88. FREDERICK LAW OLMSTED WEBSITE. Work (Planned Communities/Landscapes): Boston´s Emerald Necklace. Disponível em: <http://www.fredericklawolmsted.com/Bostonframe.htm>. Acesso em: 08 de Agosto de 2008, 13:55.
93
Figura 62
The Emerald Necklace Masterplan – Implantação do Sistema de Parques Fonte: EMERALD NECKLACE CONSERVANCY WEBSITE. Tour of the parks: The Emerald Necklace. Disponível em: <http://www.emeraldnecklace.org/index.cgi?page=necklace>. Acesso em: 08 de Agosto de 2008, 14:56. Analisando as semelhanças entre os três projetos percebemos que
todos foram desenvolvidos ao longo, ou ao redor, de cursos d’água. Não
só a existência da água foi o motivo de sua criação, como também a
preocupação com sua qualidade e manejo do sistema composto por ela.
Os projetos visam a recomposição de um ecossistema ciliar onde as
margens dos cursos d’água foram recuperadas e tratadas com vegetação
adequada, trazendo de volta a vida silvestre, em suas devidas proporções
de escala. No final do séc. XIX, Olmsted já se preocupou em controlar e
em prevenir problemas de cheias de rios criando parques ao longo de seu
percurso que preservassem suas várzeas e áreas naturais de transbordo,
criando lagoas naturais de contenção e meandros em um córrego que
desacelerassem sua chegada ao rio principal, evitando seu derramamento
94
de água. Tudo isso inserido em um sistema de áreas verdes que ligava
parques desde o centro da cidade de Boston até áreas mais periféricas e
que ainda funcionava como um corredor migratório de espécies. Já na
década atual, cidades em plena expansão urbana estão revendo suas
formas de atuação contra os problemas de enchente e criando parques,
ou corredores verdes, ao longo de seus rios que lhes garantam também
área de cheias, como é o caso do Red Ribbon Park, na China. E no Brasil o
Parque Cidade de Toronto vem mostrar que podemos preservar a
qualidade de nossas águas através de medidas não tão complicadas, como
a criação de wetlands e implantação de vegetação ciliar que proteja e
filtre margens e cursos d’água.
A semelhança entre os projetos acima analisados e o parque da
Juventude é a presença da água em seu interior. Mas o que foi feito, no
último caso, em relação ao manejo ou recuperação desse curso d’água? É
aí que está a grande diferença entre os projetos; no tratamento
dispensado ao sistema aqüífero existente nos locais e nas diretrizes de
desenvolvimento de desenho. O parque da Juventude não teve em seu
processo de criação, segundo a própria autora do projeto, a preocupação
com a criação de diretrizes ecológico-ambientais. Mas por que não? Por
que uma área já com expressiva cobertura vegetal de formação
secundária, cortada por um córrego que deságua em um dos principais
rios da cidade, com sérios problemas de inundação e poluição, não
considerou tais questões no desenvolvimento de seu projeto? Talvez
porque a intenção fosse apenas a de “maquiar” a área e o antigo
Complexo Penitenciário ali existente construindo em seu lugar um belo
parque que cumprisse apenas sua função cívica de local de encontro e
lazer? Ou talvez porque a cidade de São Paulo, uma das cinco maiores do
planeta em número de habitantes segundo a Organização das Nações
Unidas, ainda não tenha se conscientizado da importância das questões
ambientais para o equilíbrio ecológico e desenvolvimento sustentado de
um território?
95
Está mais do que na hora de começarmos a ver a cidade como um
sistema, um ecossistema urbano onde o bom funcionamento do todo
depende da manutenção de todos os itens que o compõe, como o manejo
das áreas verdes, cursos d’água e coleta de resíduos. Adotando um
modelo de planejamento urbano que incorpore, em suas diversas escalas
de atuação, a questão ecossistêmica, podemos melhorar a qualidade de
vida perdida com o desenfreado crescimento dos grandes centros urbanos
como a cidade de São Paulo.
96
4 INSERÇÃO URBANA
Esse capítulo faz uma análise das questões urbanas relativas ao
parque da Juventude e entorno. Analisa a infra–estrutura disponível, uso e
ocupação do solo, o Plano Regional Estratégico Santana/Tucuruvi e
também fala da Operação Urbana Carandiru/Vila Maria.
4.1 USOS E OCUPAÇÃO TERRITORIAL DA ÁREA E ENTORNO
A ocupação do bairro de Santana, e da maior parte da região
compreendida pela subprefeitura Santana / Tucuruvi (bairros de Santana,
Tucuruvi e Mandaqui), confunde-se com a história do crescimento da
cidade de São Paulo. Como já estudado no início do presente trabalho, a
região da Fazenda Santana, que inicialmente abastecia de alimentos a
região central da cidade de São Paulo, quando atingida com seu
crescimento, urbanização e retificação do Rio Tietê na década de 30,
passou a ser um pólo de oferta de lotes residenciais para a classe média.
Foi assim que se acentuou a sua ocupação, que com o passar dos anos e
o crescimento acelerado da metrópole, deu origem a uma transformação
de usos, principalmente ao longo das principais ruas e avenidas, trazendo
ao bairro de Santana um caráter mais comercial e com variada oferta de
serviços.
Devido a isso a ocupação do território se deu, em sua maior parte,
através de lotes menores, voltados à ocupação residencial de médio
padrão, em sua maioria através de sobrados geminados. Nos últimos 30
anos se instalaram na região algumas indústrias e comércio em lotes de
maior porte, o que transformou a estrutura fundiária da região, gerando
discordâncias, onde vemos sobrados residenciais ao lado de grandes
97
estacionamentos de empresas de ônibus, por exemplo. Isso se deve ao
fato do parcelamento descontrolado do solo que ocorreu após a retificação
do Tietê.89
De forma geral, a ocupação da área é de baixa densidade e amplos
terrenos permanecem desocupados ou pouco utilizados. Mas esse fato
tende a se reverter nos próximos anos pois o mercado imobiliário da zona
norte tem registrado altos índices de crescimento e no ano de 2005 o
bairro de Santana ocupou o terceiro lugar no ranking de lançamentos
residenciais do município, com 44 empreendimentos sendo lançados entre
janeiro e novembro do ano em questão.
Esses lotes de maior porte, ocupados por atividade industriais
e comerciais, estão localizados mais próximos ao rio. Conforme nos
afastamos dele a ocupação do território tem caráter diferenciado, mesmo
que ainda bastante comercial nas avenidas de maior tráfego, os lotes
começam a diminuir e o comércio se estabelece em antigas residências. A
foto aérea da região deixa isso bem claro através da grande mancha
marrom formada pelas coberturas das pequenas construções em telhas de
barro.
A diversidade de usos é grande, havendo predominância do uso
residencial horizontal, principalmente de médio a alto padrão nos bairros
de Santana e Tucuruvi, notando-se uma concentração de residências
multifamiliares verticais ao norte do Campo de Marte. Pode-se perceber o
crescimento de moradias de baixo padrão nas bordas da Serra da
Cantareira. O misto de comércio, serviços, indústria, armazéns e
residencial encontra-se espalhado por toda a região da subprefeitura,
sendo que o comércio apresenta uma concentração maior em Santana, ao
longo da linha de metrô.
90
89. Oliveira, José Geraldo Martins. Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 7 – Operação Urbana Carandiru – Vila Maria . Arquitextos nº 065.03. São Paulo, Portal Vitruvius, Outubro de 2005. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq065/arq065_03.asp>. Acesso em: 29 de maio de 2008, 13:01.
90. Orlowski, Maristela. A atenção se volta para o Norte. Então surgem os prédios. São Paulo, Diário do Comércio, 2008. Disponível em: <http://www.dcomercio.com.br/especiais/sp452_norte/6.htm>. Acesso em: 12 de Julho de 2008, 14:58.
98
Segundo os dados do Senso demográfico de 2000, a população do
distrito Santana / Tucuruvi é de 327.135 habitantes, sendo 14,05% dessa
população sendo constituída por idosos. Nos últimos anos a subprefeitura
teve um crescimento econômico marcante no setor terciário, o que gerou
grande oferta de empregos, e um declínio em sua atividade industrial. A
renda mensal dos chefes de família é de aproximadamente dois mil reais,
30% mais alta que a média do Município de São Paulo.91
A região não se encontra entre as mais bem estruturadas no que diz
respeito ao Serviço Público de Saúde, mas os índices de mortalidade
infantil são inferiores aos índices médios do município, o que reflete a
melhora da qualidade de vida na região nos últimos anos.
92
O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, define
através do artigo 147 de sua lei
4.2 ZONEAMENTO DO SOLO
93
91.SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos. Município de São Paulo, Subprefeitura Santana / Tucuruvi. 1ed. São Paulo: Sempla, 2004. 92. SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA), op. cit., p. 12. 93. Lei nº 13.340, de 13 de setembro de 2002, que institui o Plano Diretor Estratégico.
, um macrozoneamento do território que
o divide em duas grandes porções: a primeira de proteção ambiental e a
segunda de estruturação e reqüalificação urbana. A subprefeitura Santana
/ Tucuruvi está inserida em ambas. Trata-se de área, em linhas gerais,
pertencentes as Macroáreas de Urbanização Consolidada, ocupada em sua
maioria pela população de renda alta e média-alta, formado por bairros
estritamente residenciais ou que tem sofrido intenso processo de
verticalização; Urbanização e Qualificação, ocupada pela população de
baixa renda em áreas com infra-estrutura deficiente; Urbanização em
Consolidação, áreas que já alcançaram certo grau de urbanização e
requerem uma qualificação desse urbanismo e Reestruturação e
99
Reqüalificação da Política de Desenvolvimento Urbano, que inclui o centro
urbano e áreas já consolidadas há mais de meio século. Apresentam zona
de uso misto, com coeficiente de aproveitamento básico 1.0 em
aproximadamente 70% do território e com uma Operação Urbana Prevista
a ser implantada no local (assunto que será aprofundado mais adiante).94
Figura 63
Macrozoneamento com marcação da Bacia Hidrográfica do Carandiru. Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. 2004.
94. SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. 1ed. São Paulo: Editora Senac, 2004. p. 116, 118, 119, 121, 127, 160.
100
Figura 64
Zonas de uso com marcação da Bacia Hidrográfica do Carandiru. Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. 2004.
Figura 65
Política de desenvolvimento Urbano com marcação da Bacia Hidrográfica do Carandiru. Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. 2004.
101
Figura 66
Coeficiente de Aproveitamento com marcação da Bacia Hidrográfica do Carandiru. Fonte: SÃO PAULO. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo: 2002-2012. 2004.
Na área encontramos a predominância das zonas de uso e ocupação
do solo Z2, Z3 e z8, também encontrando áreas significativas das zonas
Z4, Z09 e Z17. As áreas de Z2 e Z3, constituem uso predominantemente
residencial de densidade demográfica baixa e média respectivamente e se
encontram mais ao centro da região, abrangendo os três bairros que
compõe a subprefeitura. As zonas de usos especiais definidas como Z8,
apresentam regulamentação específica para cada um de seus perímetros,
de acordo com as condições locais de uso e de ocupação do solo. Estas
zonas são assim caracterizadas por se tratarem de locais com usos
102
institucionais especiais, como aeroportos e penitenciárias, por se
encontrarem total ou parcialmente não ocupadas, ou ainda por estarem
submetidas a particular processo de transformação dentro da dinâmica da
cidade. Encontramos na área estudada, 07 pontos definidos como Z8 e
destinados a uso especial. São eles: o Campo de Marte (Z8-04); a área
constituída pelo Parque da Juventude, penitenciária Feminina e
Penitenciária do Estado (Z8-03); o Complexo Center Norte-Lar Center
(Z8-057); área lindeira ao Parque da Juventude, a norte, entre as
Avenidas General Ataliba Leonel e Cruzeiro do Sul (Z8-030), área verde
entre as avenidas do Horto Florestal e a avenida Nova Cantareira (Z8-
069); o Horto Florestal (Z8-067) e a Serra da Cantareira (Z8.100/5-003).
As áreas de zoneamento Z4 são áreas de uso misto com densidade
demográfica média a alta e estão localizadas onde há maior concentração
de comércio, em áreas típicas dos subcentros regionais, como no corredor
da Avenida Cruzeiro do Sul e entre as estações Parada Inglesa e Tucuruvi
do metrô. As áreas de uso Z09 são áreas de uso predominantemente ,
onde são apenas permitidas apenas casas (isoladas e geminadas) e
comércio e serviços locais. Ela está localizada nas bordas da Serra da
Cantareira, próxima ao Horto Florestal e também em uma pequena
mancha próxima ao Campo de Marte. As áreas de zoneamento Z17 são de
uso predominantemente residencial de densidade demográfica baixa,
sendo permitido comércio e serviços de âmbito local e prédios residenciais
com máximo de nove andares (25 metros de altura). São destinadas a
servir como gradação dos usos e da intensidade de ocupação nos limites
de zona estritamente residenciais, e também para garantir as
características residenciais das áreas com média densidade.
103
Figura 67
Zoneamento com marcação da Bacia Hidrográfica do Carandiru em vermelho e limite da Subprefeitura Santana/Tucuruvi em preto. Fonte: GEOLOG.
104
4.3 INFRA-ESTRUTURA URBANA
Podemos definir Infra-estrutura como:
[...]um sistema técnico de equipamentos e serviços necessários ao desenvolvimento das funções urbanas, podendo estas funções ser vistas sob os aspectos sociais, econômicos e institucionais. Sob o aspecto social, a infraestrutura urbana visa promover adequadas condições de moradia, trabalho, saúde, educação, lazer e segurança. No que se refere ao aspecto econômico, a infra-estrutura urbana deve propiciar o desenvolvimento das atividades produtivas, isto é, a produção e comercialização de bens e serviços. E sob o aspecto institucional, entende-se que a infraestrutura urbana deva propiciar os meios necessários ao desenvolvimento das atividades político-administrativas, entre os quais se inclui a gerência da própria cidade. (Zmitrowicz; Neto, 1997, p.2).
A área de abrangência da subprefeitura Santana / Tucuruvi é
servida de boa infra-estrutura urbana, principalmente no que diz respeito
a transporte público. Conta com 30 feiras livres, 14 Centros de Assistência
Social, 04 Bibliotecas Públicas, 02 Teatros, 13 Creches, 63 Centros de
Educação Infantil, 10 EMEIs (Escola Municipal de Ensino Infantil), 10
EMEFs (Escola Municipal de Ensino Fundamental), 02 EMEFMs (Escola
Municipal de Ensino Fundamental e Médio), 06 Clubes Esportivos, Pista de
Aeromodelismo, Junta do Serviço Militar, 03 Parques (Parque da
Juventude, Parque Estadual Albert Löefgren – Horto Florestal e Lions
Clube Tucuruvi), Corpo de Bombeiros, 02 Departamentos de Polícia,
Departamento de Investigação contra o Crime Organizado, Fórum
Regional de Santana, Penitenciária do Estado, Penitenciária Feminina da
Capital, Cartório, Academia de Polícia Barro Branco, Aeroporto Campo de
Marte, Prefeitura de Aeronáutica de São Paulo, Secretaria Estadual da
Fazenda e Sebrae, 06 Estabelecimentos Municipais de Saúde e o Cemitério
do Chora Menino.95
95. PORTAL DA PREFEITURA DE SÃO PAULO. Subprefeitura Santana / Tucuruvi: Equipamentos Públicos. Disponível em:
105
O sistema viário é bem heterogêneo, apresenta uma trama de vias
descontínuas e mal articuladas, o que agrava a questão do
congestionamento de veículos na região. O limite administrativo da
subprefeitura corre adjacente à única via expressa96 existente na região, a
Marginal Tietê, por 3,9 km de extensão. As vias arteriais97 de maior
circulação são a Av. Brás Leme, Av. Engenheiro Caetano Álvares, Av.
Santos Dumont, Av. Cruzeiro do Sul, Av. General Ataliba Leonel, Av. Luis
Dumont Villares, Av. Zaki Narchi, Av. Nova Cantareira e Av. Água Fria.
São vias de intensa circulação de veículos que apresentam grande índice
de congestionamento, principalmente nos horários de pico. A maior parte
dessas vias está localizada no distrito de Santana e três delas faceiam os
limites do Parque da Juventude, sendo elas: Av. Cruzeiro do Sul, Av.
Ataliba Leonel e Av. Zaki Narchi. As vias coletoras98 de maior expressão
na região são a Rua Voluntários da Pátria, Rua Doutor Zuquim, Rua
Alfredo Pujol, Av.Parada Pinto, Rua Alfredo Zunkeller, Av. do Guacá, Av,
dos Direitos Humanos, Rua Clementina, Av. Almirante Álvaro Alberto
Silva, Av. Adolfo Coelho, Rua Conselheiro Moreira Barros, Av. Dr. Fco.
Ranieri, Av. Tucuruvi, Av. Senador José Ermírio de Moraes e Rua do Horto.
As demais vias são vias de circulação local99
O sistema de transporte público dos três distritos que compõe a
subprefeitura Santana / Tucuruvi é muito bem servido de linhas de metrô
e ônibus, principalmente nos bairros de Santana e Tucuruvi. São seis
estações da Linha Norte-Sul de Metrô, a linha 1-Azul: Estação Portuguesa-
Tietê, Estação Carandiru, Estação Santana, Estação Jardim São Paulo,
Estação Parada Inglesa e Estação Tucuruvi. A Estação Portuguesa-Tietê
. Não há ciclovias para
complementar o sistema viário na região.
<http://portal.prefeitura.sp.gov.br/subprefeituras/spst/equipamentos_publicos/0001>. Acesso em: 13 de Julho de 2008, 9:37. 96. Vias expressas são vias de alta velocidade, unidirecionais, que não apresentam cruzamentos, que podem apresentar mais de uma pista de rolamento e acostamento. 97. Vias arteriais são vias que interligam áreas distantes, unidirecionais e normalmente chamadas de avenidas. 98. Vias coletoras são as vias que ligam os bairros ás vias arteriais. 99. Vias locais são as vias de bairro geralmente freqüentadas apenas por moradores locais.
106
está localizada na altura do número 1.777 da Av. Cruzeiro do Sul, tem
capacidade para 20 mil passageiros no horário de pico e possui integração
com Terminal de Ônibus Urbano, Terminal Rodoviário do Tietê e
estacionamento. A Estação Carandiru localiza-se na altura do número
2.487 da Av. Cruzeiro do Sul, tem capacidade para 20 mil passageiros no
horário de pico e dá acesso ao o Parque da Juventude. A Estação Santana
localiza-se na altura do número 3.173 da Av. Cruzeiro do Sul, tem
capacidade para 30 mil passageiros no horário de bico e possui integração
com o Terminal de Ônibus Urbano. A Estação Jardim São Paulo localiza-se
na altura do número 1.000 da Av. Leôncio Magalhães, tem capacidade
para 20 mil passageiros em horário de pico, possui acesso a pessoas
portadoras de deficiência e praça com paisagismo sob cobertura no seu
acesso. A Estação Parada Inglesa está localizada na altura do número
1.721 da Av. Dumont Villares, tem capacidade para 20 mil passageiros em
horário de pico, possui acesso a pessoas portadoras de deficiência e
integração com Terminal de Ônibus Urbano. A Estação Tucuruvi é a ultima
da Linha Azul e está localizada na altura do número 100 da Av. Dr.
Antônio Maria de Laet, tem capacidade para 30 mil passageiros em
horário de pico, possui acesso a pessoas portadoras de deficiência e
integração com Terminal de Ônibus Urbano.100
A região da subprefeitura não possui corredores e nem terminais de
ônibus urbanos e conta com 105 linhas de ônibus municipais que ligam a
região com as diversas áreas da cidade. Não há também linhas de trem
servindo a região. Está também localizada na região do bairro de Santana,
nas imediações do Parque da Juventude, o Terminal Rodoviário
Governador Carvalho Pinto, mais conhecido como a Rodoviária do Tietê. É
considerado o maior terminal rodoviário de venda de passagem da
América Latina e o 2º maior do mundo. O terminal, que tem ligação com a
estação Portuguesa-Tietê do metrô, funciona 24 horas por dia e atende 21
estados brasileiros além de 04 outros países (Argentina, Chile, Paraguai e
100. COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO. Estações. Disponível em: <http://www.metro.sp.gov.br/>. Acesso em: 13 de Julho de 2008, 13:34.
107
Uruguai). Do terminal também parte uma linha de ônibus especial para o
aeroporto internacional de Guarulhos.
O bairro de Santana, mais precisamente a área da bacia de
esgotamento do Carandiru, conta com 185 km de redes no sistema
coletor, incluindo coletores-tronco. O distrito todo é dotado de rede
coletora de esgotos, com um número médio de 21.152 ligações.101
TABELA 01 – QUADRO SITUACIONAL DO DISTRITO DE SANTANA
O
abastecimento de água na região fica por conta do Sistema Cantareira,
considerado um dos maiores do mundo.
4.4 PLANO REGIONAL ESTRATÉGICO SANTANA/TUCURUVI
Os Planos Regionais Estratégicos foram instituídos através da
segunda parte do Plano Diretor, com base nas 31 Subprefeituras da
cidade, e elaborados de maneira a adaptar as diretrizes de estruturação
urbana às características específicas de cada região administrativa. O PRE
da Subprefeitura Santana Tucuruvi foi aprovado pela lei 13.885 de 24 de
Agosto de 2004, pelo Anexo nºV do Livro nºV. A elaboração do Plano
contou com a participação da população, considerando suas reivindicações
para a criação de soluções que eliminassem ou amenizassem conflitos de
interesses entre sociedade e Poder Público.
Entre as questões levantadas pelos moradores do bairro de Santana,
por exemplo, podemos encontrar problemas relativos ao trânsito,
enchentes e áreas de risco, como podemos ver na tabela abaixo.
▪ congestionamento Rua Cônego Manuel Vaz;
▪ Avenida General Ataliba Leonel x Praça Orlando Silva;
101. MASSONE, Gilmar e PAIXÃO, Guilherme Machado. Córrego Carajás no Parque da Juventude. Despoluição em áreas urbanas. Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/meioambiente/ma10.htm>. Acesso em : 21 de Julho de 2008, 20:05.
108
Sistema viário
▪ Rua Dr. Zuquim x Manuel Soveral e Outeiro da Cruz;
▪ Avenida Leôncio de Magalhães;
▪ ausência de alças de acesso e retorno nas Pontes Cruzeiro do
Sul e das Bandeiras.
Transporte ▪ espaços públicos e privados utilizados para estacionamento de
lotação.
Áreas públicas x áreas privadas ▪ dificuldades no levantamento de áreas públicas e privadas
destinadas à execução das alças de acesso.
Operação Urbana
▪ questionava-se a viabilidade de adensamento em áreas da
operação urbana, como a área residencial do Jardim São Paulo;
▪ subutilização da Estação Jardim São Paulo do metrô;
▪ dúvidas sobre o impacto gerada pela operação urbana e sobre
os prazos das obras do sistema viário.
Uso do espaço público
▪ há questionamentos sobra a realização de megaeventos na
Praça Heróis da FEB e Campos de Bagatelle, por haver
deterioração do ambiente urbano.
Inundações ▪ problemas de inundação generalizados na região dos Terminais
Tietê/Carandiru e Santana e na Marginal do Tietê.
Áreas de risco
▪ favela do morro Zaki Narchi;
▪ ocupação irregular em área pública sobre talude com solo
impróprio e às margens de curso d’água;
▪ dificuldade de remoção da população residente no local;
▪ necessidade de estudo para implantação de parque, ligação
viária e reservatório natural de retenção das águas do córrego;
▪ região da Sezefredo Fagundes;
▪ necessidade de mapeamento de áreas de risco que não
constam no levantamento da Subprefeitura.
Meio ambiente ▪ conservação e manutenção das áreas verdes;
▪ escassa arborização das vias;
▪ excessiva impermeabilização do solo.
Campo de Marte ▪ preocupação quanto às propostas de reqüalificação para
aeroporto regional, parque ou área militar.
Centralidade Santana
▪ resolução dos conflitos com ambulantes instalados em áreas
públicas;
▪ avaliação de questões sobra abastecimento, sistema viário,
serviços básicos (água, luz, lixo) e enxurradas na Rua
Voluntários da Pátria.
Habitação ▪ necessidade de mapear os cortiços existentes.
▪ necessidade de inclusão da população excluída por intermédio
da capacitação dessa população e dos gestores em oferecer
109
Demandas
resíduos para reciclagem;
▪ centro cultural, creches, equipamentos esportivos mais bem
utilizados, biblioteca e portal de entrada para atividades
ecoturísticas;
▪ estímulo à vocação cultural e ecológica da região.
Adaptado de SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
(SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi,
2004.
O Plano Urbanístico Ambiental criado para a Subprefeitura
Santana/Tucuruvi foi desenvolvido com base nas características
específicas da região, visando sua potencialização, seguindo diretrizes que
possibilitem seu desenvolvimento sustentável e também a dinâmica de
relacionamento com as demais regiões da cidade. A região é notável foco
de desenvolvimento turístico, de negócios, hoteleiro e gastronômico, que
são impulsionados pela presença do Pólo Cultural Anhembi, com seu
complexo de feiras e exposições, da Expo Center Norte e do Mart Center e
pela proximidade ao aeroporto internacional de Guarulhos. A proximidade
do Parque da Serra da Cantareira potencializa a vocação para o
desenvolvimento de turismo ecológico e de contemplação na região
através das trilhas, cachoeiras e exemplares de exuberante fauna e flora
nativas.
O plano foi dividido entre Elementos Estruturadores do espaço e das
articulações urbanas e Uso e Ocupação do Solo. Entre os elementos
estruturados encontramos as quatro redes estruturais de maior dinâmica
na cidade: Rede Estrutural Hídrica Ambiental, Rede Viária Estrutural, Rede
Estrutural de Transporte Coletivo Público e Rede Estrutural de Eixos e
Pólos de Centralidades.
Os aqüíferos pertencentes à subprefeitura em questão pertencem ao
Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Foram estabelecidos como
objetivos de desenvolvimento e tratamento da Rede Estrutural Hídrica e
Ambiental: adotar a sub-bacia hidrográfica como elemento de
gerenciamento e ordenador de criação de diretrizes de projeto; combate e
110
prevenção de elementos de deterioração dos cursos d’água e promover a
utilização múltipla das águas superficiais e subterrâneas priorizando o
abastecimento da população. Foram propostas a criação de corredores
verdes e parques lineares ligando a região da Serra da Cantareira às
demais áreas verdes da região até o Parque Linear do Tietê, possibilitando
assim a criação de caminhos de mobilidade e eixos de conexão para a
fauna e flora, priorizando o não adensamento das regiões extremas
desses eixos que são o Rio Tietê e a Serra da Cantareira102.
Figura 68
Rede Estrutural Hídrica Ambiental Fonte: SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi, 2004, pg. 18.
A malha estrutural viária da região prioriza as ligações radiais no
sentido Norte-Sul, portanto o Plano da Rede Viária Estrutural prioriza a
criação de ligações no sentido Leste-Oeste entre bairros desafogando
assim os congestionamentos da Marginal Tietê. Prevê também melhor
conexão das vias arteriais e coletoras de trânsito local através de 102. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi, 2004
111
prolongamentos , alargamentos e melhoramentos das vias existentes e a
criação de ciclovias e tratamento paisagístico das vias. O plano visa o
tombamento da região da várzea do Tietê para fins de uso recreativo,
cultural e esportivo ligados à prática náutica trazendo de volta sua
vocação primária e propiciando a utilização do leito do rio como via de
transporte através da implementação do projeto da hidrovia. Essas
diretrizes dependem primeiramente da despoluição do rio e da criação de
condições de navegabilidade do mesmo103.
Figura 69
Rede Viária Estrutural Fonte: SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi, 2004, pg. 22. A Rede Estrutural de Transporte Coletivo Público prevê a criação de
um Terminal Intermodal junto à Estação Tucuruvi do Metrô, que já recebe
muitas linhas de ônibus intermunicipais e interbairros que fazem a ligação
ao norte da cidade, racionalizando assim as linhas de acesso á Zona Norte
e desafogando a demanda da centralidade Santana. Através do
2. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). op. cit.
112
desenvolvimento econômico da região pretende-se criar vagas de
empregos e habitação na mesma, diminuindo a necessidade de grandes
percursos de deslocamento diário da população. Enquanto os meios de
transporte em massa, como o metrô, não forem plenamente expandidos e
não suprirem a necessidade de deslocamentos radiais e no sentido Leste-
Oeste na região, faz-se necessário o uso de outros meios de transporte
que se encarreguem dessa função, como Corredores de Ônibus e VLP
(veículo leve sobre pneus) e também a racionalização das linhas de ônibus
que ligam a centralidade à região norte104.
Figura 70
Rede Estrutural de Transporte Coletivo Público Fonte: SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi, 2004, pg. 24.
104. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). op. cit.
113
Nos últimos anos as centralidades estabelecidas na região sofreram
um processo de degradação, o que fez a população de maior poder
econômico buscar locais com melhor qualidade ambiental para estabelecer
moradia. O plano regional estratégico da subprefeitura Santana/Tucuruvi
busca revitalizar a Rede Estrutural de Eixos e Pólos de Centralidades da
região através de várias medidas como reqüalificação da trama urbana,
criação de espaços públicos, renovação da infra-estrutura e rede de
serviços, reabilitação e proteção das edificações de caráter histórico,
criação de fundos de investimentos e manutenção da população residente
e atração de novos moradores.105
105. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). op. cit.
Quanto ao uso e ocupação do solo, o PRE cria diversas zonas de
usos e zonas especiais com a intenção de reorganizar o território e
controlar o desenvolvimento e crescimento da região, focando nas
características específicas e potencialidades de cada área que a compõe.
Dessa forma são criadas Zonas Especiais de Proteção e Preservação,
Zonas de Ocupação Especial, Zonas de Centralidade e Zonas Mistas que
regulamentam o espaço urbano, conforme ilustram as tabelas abaixo.
114
Figura 71
Zonas de Uso e Zonas Especiais Fonte: SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi, 2004, pg. 28.
115
Figura 72
Características de aproveitamento, Dimensionamento e ocupação dos lotes. Fonte: SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SEMPLA). Planos Regionais Estratégicos: Município de São Paulo, Subprefeitura Santana/Tucuruvi, 2004, pg. 29.
Diversas ferramentas foram usadas com o objetivo de promover o
desenvolvimento urbano do território, como o direito de preempção, a
outorga onerosa do direito de construir e a transferência do direito de
construir. Esses instrumentos dão ao Poder Público maior facilidade de
articular as questões de controle do crescimento urbano aos seus
interesses, de forma a construir um ambiente urbano menos fragmentado.
Umas das ferramentas de maior poder de transformação do território são
as Operações Urbanas. Na região da subprefeitura estudada foram
definidas duas áreas que serão foco de tais transformações, que são ao
116
longo da Avenida Engenheiro Caetano Álvares e Avenida Imirim e outra ao
longo da Avenida Luis Dumont Villares e trecho da Avenida Tucuruvi. Parte
do trecho pertencente à Operação Urbana Consorciada Carandiru/Vila
Maria está localizada em território da subprefeitura Santana/Tucuruvi e
trata com importante atenção a área onde está localizado o Parque da
Juventude. Devido a isso o tema será tratado mais detalhadamente no
item a seguir.
4.5 OPERAÇÃO URBANA CARANDIRU /VILA MARIA
Em 1998, rumores sobre a implosão do Complexo Penitenciário do
Carandiru despertaram o interesse do Poder Público e Iniciativa Privada
para a eminente valorização da área, que até então se mantinha
desvalorizada e com preços abaixo do mercado. A área além de se
localizar próxima ao centro da cidade, conta com ótima infra-estrutura
urbana e de serviços, o que tornaria sua valorização ainda mais intensa.
Em vista disso começaram, em 2001, os estudos para a criação de uma
Operação Urbana na região, a Operação Urbana Carandiru/Vila Maria, que
até a data da publicação desse trabalho não foi ainda aprovada e
transformada em lei.
Podemos definir Operação Urbana ou Operação Urbana Consorciada
como:
[...] o instrumento de transformação estrutural de uma porção da cidade, promovida basicamente por meio da parceria entre o poder público e o investimento privado...Tratando-se de instrumento de parceria público-privada para o desenvolvimento urbano, as operações urbanas apresentam elementos para que essa parceria se efetive. Os principais são os incentivos urbanísticos atrelados ao pagamento de contrapartidas...esses incentivos, definidos pelo Estatuto da Cidade, são a modificação de índices e características de parcelamento, o uso e a ocupação do solo e a alteração de normas de edificação. As operações urbanas recortam determinadas
117
áreas da cidade com o intuito de promover uma intervenção urbana de acordo com objetivos específicos definidos pelo plano diretor e pela política urbana municipal. Tal intervenção pressupõe medidas de gestão de efetivação a médio e longo prazo, tais como redesenho da estrutura fundiária, intervenções localizadas no espaço público, definição de potencial imobiliário, e regras de uso e ocupação do solo... (MONTANDOM; SOUZA, 2007, p. 78).
A área delimitada para implantação de tais regimentos, no caso da
OU em questão, compreende parte da várzea norte do Tietê e estende-se
até o início das colinas da Serra da Cantareira. Ao sul ocupa pequena
parte dos bairros do Bom Retiro, Ponte Pequena e Pari. Tem a Avenida
Brás Leme como divisa a oeste e a Via Dutra como divisa a leste. A maior
parte de seus 1752 ha constitui-se da área de várzea do Tietê ,
encontrando a desembocadura do Tamanduateí, área antigamente
alagável onde os rios serpenteavam com seus meandros.
Figura 73
Operação Urbana Carandiru – Vila Maria. Plano-Referência de Intervenção e Ordenação Urbanística. Posição e inserção metropolitana. Desenho Valandro Keating. Fonte disponível em: <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq065/arq065_03.asp>. Acesso em: 29 de maio de 2008.
118
Podemos citar como aspectos intrínsecos à região e que serão a
base do desenvolvimento das diretrizes de transformação da área
impostas pelo projeto da operação urbana: a concentração de
equipamentos de caráter metropolitano que promovem a atração de
público em grande escala, como o Centro de Exposições do Anhembi, a
Expo Center Norte e a Rodoviária Tietê, e que podem gerar o
desenvolvimento de atividades complementares ao seu entorno; a vasta
rede de infra-estruturada existente na região que é subutilizada devido a
ocupação da área ser de baixa densidade e a disponibilidade de vasta
extensão de áreas públicas, fragmentadas e dissolvidas na trama urbana e
portanto mal utilizadas106
No caso da Operação Urbana Carandiru/Vila Maria, podemos dizer
que ela é constituída de dois elementos ou mecanismos que a formam e
regulamentam: O Plano Referência de Intervenção e Ordenação
Urbanística (PRIOU) e o Projeto Urbanístico. O primeiro é o instrumento
básico de formulação da equação que define os números do processo,
como coeficiente extra a ser aproveitado e recursos a serem obtidos para
as intervenções previstas. O segundo é a ferramenta que trata da
configuração espacial que tomará o espaço, formulando as hipóteses de
aproveitamento do solo e definindo a configuração volumétrica das novas
construções. É dele que saem as diretrizes de projeto da operação
urbana
.
107
▪ estimular o maior adensamento possível do território e promover a mais
ampla diversidade de usos, que possibilitem usufruir toda a infra-estrutura
existente e a que ainda vai ser instalada, como a Linha 8 do Metrô, e criar
.
O projeto urbanístico da operação Carandiru/Vila Maria deu
ênfase a três diretrizes principais:
106. OLIVEIRA, José Geraldo Martins de. Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto. Parte 7 – Operação Urbana Carandiru – Vila Maria. Arquitextos nº 065.03. São Paulo, Portal Vitruvius, Outubro de 2005. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq065/arq065_03.asp>. Acesso em: 29 de maio de 2008, 13:01. 107. Ibid., p.3
119
a atração de atividades complementares e de suporte aos serviços
existentes na região.
▪ regenerar o ambiente e a paisagem urbana, gerando melhores condições
de habitabilidade, melhorando o padrão da população já residente na área
da intervenção e atraindo novos moradores.
▪ trazer mobilidade para o interior da área que hoje se encontra tão
desconecta e fragmentada através da criação de ligações entre ruas já
existentes e de outras a serem criadas108
▪ modelos de ocupação, fixados para as faixas de maior adensamento
através da definição de tipologia a ser seguida, como pode ser
b]verificado na figura abaixo
.
O PRIOU da operação Carandiru/Vila Maria está assentado em
quatro linhas de atuação:
▪ intervenções diretas, como obras públicas estruturais ou locais;
▪ programas de indução, promovidos com os recursos originados pela OU,
seguindo diretrizes estabelecidas pelo projeto urbanístico, no caso dessa
região voltados a erradicar a habitação subnormal, o remanejamento de
moradia precária e a transferência de atividades impróprias;
▪ parâmetros urbanísticos, especificados para cada uma das partes do
território de acordo com planta de setorização do projeto urbanístico;
109
.
108. Ibid., p.4 e 5 109. Ibid., p.4
120
Figura 74
Operação Urbana Carandiru – Vila Maria. Operação Urbana Carandiru – Vila Maria. Eixo de Adensamento Proposto – Pólo Vila Guilherme (Implantação da Linha 08 do Metrô. Fonte disponível em: <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq065/arq065_03.asp>. Acesso em: 29 de maio de 2008.
Entre as intervenções diretas através de obras estruturadoras do
espaço, está prevista a criação do: Eixo Estruturador Leste-Oeste; Eixo
Estruturador Norte-Sul; Parque Linear do Carajás; Via de Apoio Norte e
Via de Apoio Sul. O Eixo Estruturador Leste-Oeste é uma via articuladora
da malha urbana que corta a região no sentido leste-oeste, constituindo
um eixo de adensamento que visa atrair investimentos dos setores
habitacional, de serviços, comércio e escritórios, hotéis e atividades outras
culturais que tenham afinidade com o pólo cultural ali existente. O eixo
estende-se do Campo de Marte ao Parque do Trote e terá a configuração
de um grande eixo verde. O Eixo Estruturador Norte-Sul visa recuperar a
ligação histórica que existia antes da demolição da Ponte Grande, através
da transposição do Tietê com a ligação da Avenida Tiradentes à Rua
Voluntários da Pátria. Esse eixo será tratado com uma espinha dorsal da
região, uma via de centralidade linear reservada ao transito de acesso às
edificações e transporte de passageiros, através e passeio amplo com
calçadas largas e outras melhorias urbanas. O Parque Linear do Carajás
tem início no Parque Domingos Luiz, a norte da área, e desce sentido sul,
acompanhando o leito do córrego e cortando o Parque da Juventude até
unir-se a margem do Tietê. O Parque Linear do Córrego da Divisa segue o
121
percurso desse córrego, desde o Parque do Trote até encontrar o Parque
da Vila Maria, também proposto em projeto. A Via de Apoio Norte faz
parte das vias estruturais de apoio presentes no Plano Diretor Estratégico
do Município, que visam aliviar o trânsito nas Marginais do Tietê. Na OU
presente, essa via tem desenho que acompanha o limite da várzea do rio
e se aproveita do desnível entre as pistas da Avenida Brás Leme. Já a Via
de Apoio Sul é formada pelo prolongamento da Avenida Marquês de São
Vicente, Norma Pieruccini Gianotti e Sérgio Tomas110.
Figura 75
Operação Urbana Carandiru – Vila Maria. Plano-Referência de Intervenção e Ordenação Urbanística. Vista de conjunto da área de atuação. Fonte disponível em: <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq065/arq065_03.asp>. Acesso em: 29 de maio de 2008.
As intervenções diretas através de obras locais, são conduzidas
diretamente pela prefeitura e entre as obras propostas podemos citar:
criação do Parque da Vila Maria, em área desocupada, nas proximidades 110. Ibid., p.5, 6 e 7
122
do Rio Tietê; Parque da Casa Verde, com instalações destinadas à
utilização pelas escolas de samba, na preparação dos desfiles no
Sambódromo; Praça linear ao longo da Avenida Santos Dumont,
resultante da relocação da pista a oeste e canteiro central para junto da
outra situada à leste; Praça de eventos, junto à futura estação do Metrô, a
ser localizada nas proximidades do Parque Linear dos Carajás; melhorias
no sistema viário leste-oeste, em especial a ligação das vias Zaki Narchi
com Cel. Marques Ribeiro e o seu prolongamento pela Rua João Veloso;
construção das alças de acesso da avenida Brás Leme com a Avenida
Olavo Fontoura, junto à Ponte das Bandeiras e junto à Ponte Cruzeiro do
Sul e novos equipamentos, tais como Terminal de ônibus da Vila Maria e
Ginásio Esportivo junto á marginal Sul do Rio Tietê, na altura da Ponte
Cruzeiro do Sul111
Os Programas de Indução das Transformações Urbanas tem seus
recursos gerados através dos recursos obtidos da outorga onerosa
prevista no PRIOU. São dias as transformações de maior interesse na área
da OU Carandiru/ Vila Maria: a erradicação da moradia subnormal e das
empresas transportadoras na região, sendo a primeira de maior
importância para a operação por se tratar de um dos problemas mais
graves existentes no local. O quadro fica evidente quando analisamos os
.
Os Parâmetros urbanísticos, como dito anteriormente, foram
especificados de acordo com planta de setorização do projeto urbanístico,
e os modelos de ocupação devem adaptar-se a tais especificações. Para
tanto, os parâmetros de ocupação e cálculos de estoque adicional de área
construída foram estabelecidos de acordo com características propostas a
cada área do plano. Para a OU estudada, o total de área construída
adicional pode atingir 1.500.000 m2, distribuídos diferentemente entre os
usos de forma que o uso residencial é quase o dobro dos demais. Esse
adicional de área construída é distribuído através de CEPACs, certificados
de potencial adicional de construção, que são leiloados, por lote, seguindo
programação definida pela OU.
111. Ibid., p.7
123
casos da Favela Zaki Narchi, situada na divisa do Parque da Juventude, de
outros núcleos menores com as mesmas características localizados ao
longo de algumas vias e, principalmente dos cortiços, que é estão locadas
a maior parte da população de baixa renda da região. O plano não visa a
retirada dessa população e sim a manutenção das suas condições de
moradia para que possam usufruir a qualidade de vida trazida quando da
finalização da operação. No caso das empresas transportadoras, o
problema é que além de degradarem o ambiente do entorno, ocupam
grandes áreas que poderiam ser adensadas ou ainda possibilitar a
ampliação da malha viária da região.
Segundo José Geraldo, responsável pelo desenvolvimento da
Operação Carandiru/Vila- Maria, um dos principais fatores relativos às
operações urbanas é garantir a sua gestão e funcionamento de acordo
com a lei que lhe impõe:
Todo o arcabouço técnico e legal necessários para dar existência à Operação Urbana não terão sustentação se não estiver apoiado em aparato administrativo constituído de forma apropriada para conduzi-la e que a faça cumprir sua finalidade. Não basta, conforme ficou evidenciado em vários dos exemplos anteriores das Operações Urbanas na Cidade de São Paulo, que a Prefeitura cuide da elaboração e promulgação da lei, que lhe dá existência formal, e permaneça imóvel aguardando que os interessados se apresentem para fazer uso dos seus dispositivos.Tal organismo terá de, não apenas assegurar o funcionamento da mecânica e o monitoramento dos resultados da Operação Urbana. Deverá também ser constituído para atrair os investimentos, cuidar da exposição, difusão e discussão dos objetivos perseguidos no seu plano, além de analisar e conduzir os projetos e programas nela previsto (OLIVEIRA, 2008, p.9).
Por esse e outros aspectos a OU Carandiru/ Vila Maria, e as demais
operações em estudo, deverão ser inovadoras, tanto através da
implantação do PRIOU e projeto urbanístico, quanto à imposição das leis
que são introduzidas com eles, a fim de extinguir a opção por seguir ou
não as regras das OUs, o que só torna inútil sua implantação e
descaracteriza os seus objetivos.
124
4.6 OPERAÇÃO URBANA X PLANEJAMENTO AMBIENTAL
No subtítulo anterior falamos um pouco das características da
Operação Urbana Carandiru/Vila Maria; agora trataremos de como a
Operação Urbana se relaciona com as questões ambientais e como ela
pode ser uma alavanca para a transformação da qualidade ambiental da
cidade.
Como dito anteriormente, as Operações Urbanas são instrumentos
de transformações estruturais de porções da cidade, através de
contrapartidas oferecidas pela sua legislação a fim de trazer maior
desenvolvimento e aproveitamento ao território que lhe compõe. É nesse
ponto que entra a questão ambiental, que deveria ser considerada não só
na composição das diretrizes que formam o plano urbanístico da OU,
como também na delimitação e escolha das áreas a serem tratadas por
ela.
As áreas escolhidas para serem alvo de tais melhorias tem sido
definidas apenas através de fatores urbanos e imobiliários de valorização
do território, não levando em consideração, para delimitação de seu
perímetro, preocupações com o conhecimento da realidade do território,
de sua localização geoambiental. Para se ter uma abordagem ambiental, a
primeira questão relativa às OUs aparece nesse momento, no momento
da delimitação da área a ser beneficiada por suas intervenções, quando
deveriam ser considerados os limites das bacias hidrográficas existentes
na área. A bacia hidrográfica é considerada a unidade de paisagem mais
adequada ao estudo dos processos do meio físico e planejamento da
paisagem. Através da definição dos limites das áreas das Ous com base no
desenho das bacias hidrográficas do território podemos desenvolver um
plano de atuação mais realista, que promova o equilíbrio entre meio
biótico e abiótico, considerando as características geomorfológicas
125
específicas de cada região, como relevo, hidrografia, sistema de drenagem
pluvial e ecossistemas locais.
Além disso, essas áreas poderiam também ser planejadas como
uma rede112
As áreas de Ous utilizariam como elemento de interligação os rios e
córregos da cidade, através da implantação de parques lineares,
transformando-os em corredores verdes,de refrigeração e umidificação
das cidades
, de forma que fossem ligadas através de corredores verdes e
cursos d’água, trazendo um ganho ainda maior à cidade e dando maior
fluidez aos sistemas naturais, gerando uma diversificação ainda maior da
biodiversidade urbana. A Teoria dos Ecossistemas reforça essa idéia,
sendo abordada não só dentro de cada operação, mas no conjunto delas,
vendo cada área como uma mancha que interage com a outra, criando
conexões e redes de troca entre elas e ainda criando uma ligação
abrangente entre todas as regiões da cidade, norte-sul e leste-oeste, com
alcance até a matriz da Serra da Cantareira, Represa Guarapiranga e
matriz da Mata Atlântica na Serra do Mar.
113
1. BROCANELI, Pérola Felipette. A adaptação das empresas brasileiras ao conceito de sustentabilidade: Rede Plaza – Rede de Sustentabilidade. Trabalho apresentado à Rede Plaza, 2007 2. BROCANELI, Pérola Felipette. O ressurgimento das águas na paisagem paulistana: fator fundamental para a cidade sustentável. 2007. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo: Paisagem e Ambiente) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
, melhorando assim suas condições climáticas tanto nos dias
quentes de verão como nos dias secos de inverno, onde constantemente a
umidade do ar desce a níveis baixíssimos caracterizando a cidade a
condições de climas desérticos. No caso da cidade de São Paulo a ligação
entre as áreas de OU pode ser facilmente realizada através do corredor
Pinheiros-Tietê, já que as OUs existentes e previstas, de uma forma ou de
outra estão relacionas a esses rios, como pode ser visto na afigura abaixo.
126
Figura 76
Rede de ligações das áreas de Operação Urbana através dos rios Fonte: BROCANELI, Pérola Felipette. A adaptação das empresas brasileiras ao conceito de sustentabilidade: Rede Plaza – Rede de Sustentabilidade, 2007.
As diretrizes de transformação previstas nesses planos devem
englobar propostas urbanísticas que permitam, segundo Brocanelli
(2007), “implantar a teoria dos ecossistemas identificando seus
elementos dentro da cidade” e criando legislações que permitam o
desenvolvimento da conectividade entre essas áreas114
Analisando as áreas das OUs existentes e propostas na cidade de
São Paulo, podemos identificar algumas características comuns entre elas
que permitem o desenvolvimento de um Desenho Ambiental, como
ilustram as figuras abaixo baseadas no estudo de Brocanelli (2007).
. É fundamental
também que potencializem as diretrizes urbanístico-ambientais presentes
no Plano Regional Estratégico da região e na Agenda 21 do Município.
2. Ibid.
127
Figura 77
As Operações Urbanas no Plano Diretor Estratégico Fonte: BROCANELI, Pérola Felipette. A adaptação das empresas brasileiras ao conceito de sustentabilidade: Rede Plaza – Rede de Sustentabilidade, 2007.
Figura 78
Sobreposição das áreas de Operações Urbanas ao projeto de drenagem do Tietê (1924) Adaptado de BROCANELI, idem, 2007.
128
Figura 79
Sobreposição áreas de Operações Urbanas às manchas verdes do município de São Paulo Adaptado de BROCANELI, idem, 2007.
Figura 80
Sobreposição áreas de Operações Urbanas à drenagem urbana no município de São Paulo Adaptado de BROCANELI, idem, 2007.
129
Figura 81
Sobreposição áreas de Operações Urbanas à banda termal do município de São Paulo Adaptado de BROCANELI, idem, 2007.
Figura 82
Sobreposição áreas de Operações Urbanas ao mapa hidrológico do município de São Paulo Adaptado de BROCANELI, idem, 2007.
130
Figura 83
Sobreposição áreas de Operações Urbanas ao mapa hidrológico do município de São Paulo. Adaptado de BROCANELI, idem, 2007.
De acordo com esses estudos, fica mais do que evidente a grande
potencialidade das Operações Urbanas em se tornarem o elemento
fundamental de Planejamento e Desenho Ambientais da cidade de São
Paulo, aliando sempre a questão ambiental ao desenvolvimento
econômico para que se torne viável e atrativa a participação da iniciativa
privada e trazendo as noções de sustentabilidade à mesma.
131
CONCLUSÃO
Esse trabalho vem reafirmar a falta de planejamento ambiental e de
considerações ecossistêmicas nos projetos desenvolvidos atualmente no
cenário nacional, em especial na cidade de São Paulo, através do exemplo
do Parque da Juventude.
Vivemos em um momento onde nos encontramos em meio a
discussões latentes sobre o futuro do planeta e a possível extinção da raça
humana devido ao “Aquecimento Global”. Pesquisas recentes apontam o
desaparecimento de cidades costeiras em todo o mundo em um prazo de
menos de 50 anos devido ao derretimento das calotas polares e
conseqüente aumento do nível da água dos oceanos. Segundo estimativa
da Universidade das Nações Unidas (UNU), até 2010 o mundo terá 50
milhões de pessoas obrigadas a deixar seus lares, temporária ou
definitivamente, devido a problemas relacionados ao meio ambiente. Tal
acontecimento é devido ao consecutivo descaso da sociedade em relação
às questões de preservação ambiental e de recursos naturais, e gradativa
destruição do meio ambiente como um todo. O cenário atual é de
acentuado desequilíbrio ecológico e os reflexos dessa situação já podem
ser demonstrados através de catástrofes naturais ocorridas nos últimos 5
anos em todo o mundo, como o furacão Katrina, que inundou mais de
80% da cidade de New Orleans, nos Estados Unidos da América em 2005,
deixando cerca de mil mortos e mais de 650 mil desabrigados; e o
Tsunami115
Além dessas catástrofes, outra conseqüência do descaso às
questões ambientais é a consecutiva perda de qualidade de vida nos
grandes centros urbanos devido ao afastamento do homem à natureza.
Muitos estudos já provaram que a qualidade de vida do homem está
ocorrido em 2004 no Oceano Índico, que atingiu 11 países e
deixou aproximadamente 300 mil mortos e milhões de desabrigados.
115. Tsunami pode ser definido como uma onda gigantesca (até 30m de altura) causada por abalos sísmicos no fundo do mar que provoca efeitos devastadores quando atinge regiões costeiras.
132
intimamente ligada ao seu contato com o cenário natural, com o verde, a
água e os animais. Nos últimos anos essa busca pelo contato com a
natureza tem sido cada vez maior e uma prova disso é que os
empreendimentos imobiliários mais valorizados são os que vendem a
“vista para o parque” ou para a “reserva de área verde”.
É nesse ponto que entra a importância do desenho ambiental,
responsável pelo ato de projetar com consciência ambiental e
compreensão ecossistêmica, a fim de se construir espaços em equilíbrio
entre os meios biótico e abiótico, promovendo a sustentabilidade dos
mesmos, reforçando as bases do Paradigma Ambiental e contribuindo para
o reequilíbrio do ecossistema planetário.
O desenho ambiental não esta presente ainda na mentalidade da
grande maioria dos projetistas, mesmo dos arquitetos paisagistas e
responsáveis pelos desenhos urbanos de maior destaque no cenário da
produção nacional. Um exemplo disso é o caso das operações urbanas
desenvolvidas para a cidade de São Paulo, que seriam um excelente
instrumento de implantação do mesmo e que não contemplam em suas
premissas de implantação, diretrizes de planejamento ambiental. Elas são
o instrumento mais propício de inclusão de diretrizes ecológico-ambientais
no planejamento da cidade e paisagem urbana e poderiam, através de
suas leis, criar premissas de desenho que focassem o respeito aos valores
naturais de cada região, agregando valor ecológico às áreas onde hoje
encontramos uma urbanização consolidada e planejada com base em
princípios puramente econômicos e vinculados à especulação imobiliária.
Mas onde entra o Parque da Juventude nessa discussão? O projeto
do Parque da Juventude vem reafirmar essa questão. Partindo para uma
escala mais pontual, os parques implantados nos últimos anos na cidade
de São Paulo também não tiveram diretrizes de desenho ambientais
presentes no desenvolvimento de seus projetos e o parque da Juventude
é um exemplo disso. O parque tem potencial para funcionar como uma
alavanca de transformações do desenho da cidade, já que se consolidou
como ícone de transformação da paisagem ao transformar o espaço da
133
Casa de Detenção do Carandiru em um belo parque urbano, tendo grande
exposição nos cenários nacional e internacional.
Mas ainda há tempo de reverter essa situação e transformá-lo em
um primeiro exemplo de “Parque Urbano Ecológico”, principalmente pelo
fato de ele ser um parque gerador de uma Operação Urbana e pela
mesma ainda estar em processo de desenvolvimento e aprovação. O
parque que já é único pelo seu caráter transformador de usos e pelo seu
desenho contemporâneo deve também ser exemplo de desenho ambiental
e planejamento da paisagem. Para isso ele deve mostrar sua verdadeira
“cara”, sua “alma” à cidade, transformando e revitalizando seus valores
naturais, permitindo a expansão natural da área de mata existente em
seu interior, renaturalizando o córrego Carajás, trazendo um caráter mais
ecológico ao parque de maneira a criar um sistema em equilíbrio
ecológico, que combine preservação com lazer, esportes, cultura e
educação ambiental, e que possa lançar raízes por toda a área do seu
entorno. Raízes essas asseguradas pela operação urbana Carandiru/Vila
Maria que poderá vir a se tornar o primeiro instrumento de organização do
espaço urbano com caráter ecológico e verdadeiramente sustentável,
através da adoção de medidas ecossistêmicas em seus princípios, como
tem sido feito em projetos de destaque por todo o mundo.
134
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141
ANEXOS
Entrevista com a arquiteta Rosa Kliass realizada em
13.03.2008
Evy - Como começou o seu envolvimento com a história do Parque
da Juventude?
Rosa - O começo da história do parque foi com o concurso. O Gasperini
me chamou para trabalhar junto com ele. Nossa equipe ganhou o
concurso, mas como todo concurso brasileiro, não vingou. E no concurso
tinha muito de arquitetura porque toda a penitenciária iria ser reciclada.
Então era muita arquitetura, e o Gasperini, com a percepção de um
arquiteto muito consciente, viu que precisava realmente de um paisagista
e me chamou. Quando, anos depois, cinco anos depois, o chamaram para
fazer o contrato, a equipe vencedora foi chamada e o escritório do Aflalo e
Gasperini era o representante da equipe. Nós estávamos como paisagistas
agregadas, como colaboradores. Mas como o Gasperini, além de um
grande arquiteto é uma pessoa de um nível ético fantástico, ele me
chamou e disse: “Rosa, agora temos muito menos arquitetura e muito
mais paisagismo, então eu quero que você faça o projeto, acontece que
nós somos os que foram contratados, porque oficialmente, o concurso nó
que ganhamos. Mas eu quero que você saiba que o projeto é teu e que
nós vamos fazer arquitetura que estiver dentro do projeto”. Ele é de uma
ética fantástica! Raramente você encontra entre os colegas uma coisa
assim, e nós trabalhamos muito bem. Porque até ai então o que é que
tinha de arquitetura... tinha a parte do Carandiru mesmo, tinha, além
disso, as entradas, portaria, tinha a área de conforto público, como
vestiários, sanitários, lanchonete. Enfim, isso é o que tinha de arquitetura
e eles fizeram inclusive a parte de mobiliário urbano, que foi feita por um
escritório contratado por eles, que era o do...agora não me lembro o
142
nome... e nós fizemos então o projeto do parque. Bom, esse é o
preâmbulo, é de onde nasceu.
Evy - Você visitou o Carandiru antes da implosão? O que sentiu?
Isso influenciou de alguma forma o seu projeto?
Rosa - Eu quero dizer uma coisa para você, eu não tenho envolvimento
nenhum com o Carandiru, com o local de horror. Só de informações de
jornal, a mesma que qualquer cidadão paulistano ou brasileiro tem. Eu
não me envolvi com esse aspecto. Eu senti que o que eu tinha que trazer
para lá era o contrário, alegria... lugar de encontro, era exatamente o
contrário, entende. E eu fico muito satisfeita porque eu sei que aquele
lugar é exatamente isso. Você olha, você vê o muro e você não sente que
lá trás você tem uma penitenciária, porque os fluidos aqui são tão fortes...
era isso que eu queria e eu acho que consegui isso, essa eu acho que é a
grande vitória minha no parque do, que não é o parque do Carandiru, que
é o Parque da Juventude, é isso. Mesmo as coisas que ficaram de
memória, elas foram requalificadas como coisas lúdicas e são usadas
como coisas lúdicas sem esconder a história, mas o reuso é lúdico. Eu me
admiro muito toda vez que eu vou lá, e eu não vou poucas vezes, que eu
vejo gente sempre andando naquela...no passeio da muralha. A pessoa
vai andando, fazendo Cooper e vendo aquilo, é uma coisa fantástica, é
muito gostoso, né.
Evy - Então o que ficou, a intenção não era de que ficasse para
manter uma memória.
Rosa - Não. É uma requalificação, é diferente. É uma requalificação.
Aquilo que era .... aliás, é interessante porque na verdade da prisão
mesmo só ficou a última etapa, que é a do parque institucional, é que era
prisão. O resto era um nada.
143
Evy - Não tinha nada?
Rosa - Não tinha. Eram lugares de entulho, restos de uma construção que
foi demolida.
Evy - Então os blocos da prisão ficavam todos ali onde hoje temos
o Parque Institucional?
Rosa - É.
Evy - Houve em algum momento do projeto a participação da
população?
Rosa - Não houve.
Evy - Não houve?
Rosa - Não houve. E eu vou te contar uma historinha. Primeiro vou
colocar a minha posição em relação à participação. Eu acho que é um mito
criado essa coisa da participação. Não que eu não seja pela participação,
mas eu acho que tem que se colocar muito claramente a participação da
população e a responsabilidade do profissional, tá. O fato de você ter a
participação não isenta o profissional da sua responsabilidade de saber o
que é que tem que ser feito ali. Por exemplo, em São Paulo hoje tanta
gente que usa um parque, quanta gente já tinha usado um parque antes?
Como é que eu vou perguntar para ele o que ele quer no parque se ele
nem sabe o que é um parque, se ele nunca teve essa experiência?
Entende? Então o que precisa é a responsabilidade do profissional para ele
buscar a necessidade real daquela população e aquilo que um parque
pode trazer. E a historinha que eu quero te contar é a seguinte. Veio na
FAU um professor, Robin Moore, eu já o conhecia de uma outra viagem
que ele tinha vindo para cá, e ele é especialista em desenho participativo,
nos Estados Unidos, em paisagismo. E ele veio dar umas aulas na FAU, no
144
curso de Pós Graduação e uma das colegas de lá me procurou e disse:
“olha, nós estamos preparando a vinda do professor Moore e ele pediu um
local para fazer aula prática e que, pela descrição que ele fez do que
precisaria, nós achamos que o Parque da Juventude era o lugar ideal para
se fazer”. Daí eu ainda perguntei: “que dia vai ser a aula?” Ela disse que
na quinta, aí eu disse: “nesse dia vocês não vão ver nada porque lá, é de
sábado e domingo que enche. Mas vamos fazer o seguinte, quando ele
chegar, o Robin Moore, quando ele chegar aqui, fala para ele se comunicar
comigo, nós vamos lá, ele fica conhecendo o local e diz se é adequado ou
não para a aula. E daí então nós fomos ver o Parque da Juventude. Bom,
para você ter uma idéia só estava inaugurado o parque esportivo e ele
ficou uma hora e meia ali. Ele tirou acho que umas cem fotografias...ele
estava empolgadíssimo. Entre as perguntas que ele me fez, uma delas foi
essa: “vocês fizeram consulta à população?”. Então quando ele disse se
nós não tínhamos posto o alambrado, ele disse:” porque vocês não
fizeram o alambrado?” Nós achamos que não deveríamos por porque era
um espaço de recreação, não eram jogos de campeonato...e eu acho feio.
Achamos que não precisava. E ele disse: “vocês não tiveram medo de não
por?” E eu disse: veja bem, se não desse certo punha...(risos), né? E daí
vinha passando um guarda e eu perguntei: me diz uma coisa, o pessoal
reclama que não tem alambrado nas quadras? Ele olhou para as quadras e
disse que nem tinha reparado que não tinha alambrado. E disse: “não,
nunca ninguém reclamou!” E é uma coisa linda você ver o pessoal
jogando, a bola vai para o outro campo a pessoa pega e joga para
cá...quer dizer, é uma coisa de interação. Então isso eu acho que é uma
coisa na verdade que é um partido profissional que eu assumo, você tem
responsabilidade no programa. Você não pode receber demandas e
cumprir exatamente aquilo que lhe foi pedido. Quadras esportivas tem
alambrado...não, você tem que se perguntar toda vez se vai por
alambrado ou se não vai por alambrado. Nós fizemos uma proteção para
que as bolas não saíssem da área esportiva e atingissem as pessoas que
estavam passando. Essa é a função nesse parque, não de isolamento de
145
cada time. Não existem times, são famílias que vão e interagem ... e esse
resultado é maravilhoso e além do que não é feio. Eu estava com muito
entusiasmo e inclusive era isso que eu queria te dizer, eu não fiz isso
sozinha. Eu tive gente no escritório que colaborou, principalmente o Zé
Luis, que foi um colaborador fantástico. Hoje ele tem o escritório dele e
está fazendo projetos lindíssimos. Ele colaborou muito nisso! Então sobre
a participação o que eu queria te responder era isso. E essa coisa que eu
acho importante que é o envolvimento do profissional no programa. Eu
costumo dizer assim que o projeto ele tem algumas figuras vamos dizer
assim, você tem que ter um cliente, se não tiver cliente você não tem
projeto. Depois você precisa ter o objeto que é o lugar, o projeto fica em
um lugar. Você tem que ter um terreno na sua mão. E daí vem uma
demanda, o cliente faz uma demanda e você tem a parte onde você tem
que jogar essa demanda para virar um projeto. Esse projeto vai ser
usado. O usuário pode coincidir de ser o cliente ou não. Se ele é o dono de
uma casa e está dizendo que quer uma piscina ou ele quer uma
churrasqueira, certo? Agora, se é o prefeito que está chamando ou se é
um secretário que está chamando para fazer um parque público é
diferente, e você tem que ter muito claras essas coisas. E no projeto você
vai ter que refletir... você vai ter que atender o prefeito porque se não
você não pega o projeto e você vai ter que fazer um projeto que atenda a
população. Então essa negociação, esse papel de negociador, de
arquiteto, quando trabalhamos em áreas urbanas que é mais complexo do
que quando você faz uma casa ou um prédio de apartamentos. Uma casa
é muito mais simples, um prédio de apartamentos já começa a complicar.
Nesse caso o cliente é um empreendedor de uma empresa imobiliária eu
quer vender os apartamentos. Então isso é que eu acho que é importante
ser dito. A gente tem um papel de mediador e de configuração do projeto
muito grande. A gente assume esse papel e fica muito contente porque
deu certo.
146
Evy - Em algum momento vocês trataram diretamente com o
Governador do Estado?
Rosa - Foi o governo que encomendou o projeto, o terreno era do Estado.
A penitenciaria foi a Secretaria da Juventude que encomendou. Mas houve
um envolvimento direto do Governador.
Evy - E como foi esse processo principal com o Estado, em algum
momento o projeto mudou de caminho por intervenção deles?
Rosa - A primeira coisa foi o projeto global e a divisão em três áreas,
tinha que ser feito em partes, e a primeira etapa seria essa de fora por
diversos motivos. Primeiro porque é uma área menos comprometida com
todos os objetos, famílias. Segundo porque é uma área totalmente
independente. Poderia ser usada e estava abrindo uma nova rua, uma rua
importante de acesso ao parque, então como eu tinha que fazer uma área
importante, então decidimos que ela seria isolada, que funcionasse a
noite. Ela foi iluminada...Depois houve mudanças porque eram quatro
blocos do Carandiru que iam ficar e acabaram ficando só dois prédios.
Quando o governador foi visitar, foi ao parque central, ele (o governador),
disse: “esse é o parque Ibirapuera, é o Central Park”.
Evy - O projeto inicialmente era maior?
Rosa - Sim, porque incluía a parte da penitenciária feminina, mas foi a
menor parte que se trabalhou, porque na penitenciária tinha pouquíssima
coisa para se fazer de paisagismo, era uma proposta de construções, de
uma série de coisas, mudando na medida da construção.
Evy - Porque esse projeto tem entre outros um caráter
diferenciado?
147
Rosa - Cada projeto é um projeto, mas ali, o que eu acho ter lá, é uma
energia, uma força de resgate e uma lição como foi o Carandiru. É o
resgate de uma área que foi transformada em parque, a reqüalificação de
uma área. O que não é o caso do Villa Lobos, ele não é um resgate.
Evy - Então você acredita que essa é a verdadeira alma do Parque
da Juventude, um resgate de uma área da cidade que foi
transformado em parque?
Rosa - Tinha aquela palavra....eu percebo bem clara essa coisa...tinha na
cabeça essa coisa de significado...eu sou judia e passei duas semanas em
Israel, só vendo, eu nunca tinha ido lá em busca de projetos...e estava
tão empolgada, todas tinham um significado muito difícil de entender. E
eu me perguntava: Rosa, por que você está tão empolgada? Todas as
coisas em Israel tem significado, em tudo você vai achar um sentido.
Então esse resgate, como por exemplo quando fomos fazer o parque em
Salvador, eram taludes, entre uma avenida, uma praia, totalmente
desigualada e uma faixa, e a estrada no contorno com gatos que era
usada na habitação, e aquela estrada era toda com lixo e daí então a
paisagem do mar, passava ciclovias. Então a primeira coisa, o problema
foi criado pela intenção.
Evy - Você tem alguma obra que te influenciou no processo de
criação desse projeto?
Rosa – Não, isso foi realmente uma decisão que já estava formada, com
base na minha experiência profissional.
(a partir daqui a entrevista deixou de ser gravada, não sendo então
possível transcrevê-la).