UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE HISTÓRIA
LEONARDO GEDEON
O PASSADO EM RUÍNAS: TURISMO E PATRIMÔNIO
ARQUEOLÓGICO EM TORRES (1900- 1970)
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2009.
LEONARDO GEDEON
O PASSADO EM RUÍNAS: TURISMO E PATRIMÔNIO
ARQUEOLÓGICO EM TORRES (1900 – 1970)
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de Bacharel e Licenciado no curso de História da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC.
Orientador(a): Prof. (ª) Msc. Lucy Cristina Ostetto
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2009.
LEONARDO GEDEON
O PASSADO EM RUÍNAS: TURISMO E PATRIMÔNIO
ARQUEOLÓGICO EM TORRES (1900- 1970)
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Bacharel e Licenciado, no Curso de História da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Patrimônio Histórico- Cultural
Criciúma, xx de ..............de 2009. (data da defesa)
BANCA EXAMINADORA
Prof. (ª) Msc. Lucy Cristina Ostetto - (UNESC) - Orientadora
Prof. Msc. Nivaldo Aníbal Goularte - (UNESC)
Prof. Msc. Paulo Sérgio Osório - (UNESC)
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Ao amigo Fábio Zampolli (in memoriam)
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço ao Eterno Criador, Reis dos Reis, Senhor dos
Senhores, o Leão Conquistador da Tribo de Judah, o mais Alto JAHOVIA, Selah
RastafarI, que nos ensina a superar todos os obstáculos em UM SÓ AMOR! Tudo na
medida exata. Agradeço à Mika pelo dom da Vida e pelo exemplo de bondade e
ética, típica de uma Gedeon; ao Wal pelos ensinamentos e ao meu pai Ciro Luís e
sua família pela positividade. À minha companheira de todas as horas, Bê pelo
amor, carinho e força, além do preparo das muitas xícaras de café e sanduíches.
Sou grato ao Fabão e a IoIô, pela inabalável confiança e paciência, e por estarem
sempre conosco nos momentos felizes e nos momentos tempestuosos.
Sou demasiadamente agradecido à Lucy, minha orientadora que
depositou fé na pesquisa e confiou nos meus esforços. Ao irmão Ed Matias pelos
conselhos e pelo companheirismo na luta e na esperança, Georg Macaco pela
amizade e pelo empréstimo do GPS novinho!! Valeu Rapá!! Sempre quis agradecer
oficialmente, aos meus incentivadores incondicionais na carreira intelectual, prof.
Geraldo Medeiros e o mestre João Barcellos, por sempre disponibilizarem seus
acervos fotográficos e referências bibliográficas para a pesquisa, além das longas
conversas de perder a hora. Sou grato à Casa de Cultura de Torres, instituição na
qual trabalhei e iniciei minhas pesquisas. À professora Adriana Kessler por me
introduzir na pesquisa acadêmica e o prof. Eduardo Mattos Cardoso pelo incentivo.
As amigas Nathy e Grazy pelos momentos de alegria e descontracão. Valeu
Joelzinho Da Cal pela amizade e pela companhia e assessoria na etapa de campo.
A raça do Rincão Beach, que sempre me apoiou com muito carinho. Ao povo
torrense, minha fonte de inspiração! Marisqueiros, bicuíras, pescadores e surfistas
da Praia da Cal, meus sinceros desejos de felicidades à todos.
A cada Eu&Eu, RastafarI, Give up!... chegou a nossa hora! O Leão rugiu e
a Babilônia caiu! Fyah! O fogo vai queimar... Aos Reis e Rainhas, príncipes e
princesas RastafarI espalhados por todo Brasil, é mais um irmão representando
nosso povo!!! Uma etapa vencida, que venha a próxima!
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“O ambiente acadêmico pode ser muito
insalubre, do ponto de vista humano e
mesmo intelectual. Freqüentemente se
observam casos terríveis de miopia, quando
não de cegueira: os olhos ficam tão
acostumados aos textos científicos e aos
laboratórios que acabam por se tornar
incapazes de ler literatura e de ver o mundo
real.”
Rubem Alves
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RESUMO
Esta pesquisa analisa a relação entre turismo e patrimônio arqueológico nos limites do perímetro urbano da cidade de Torres. Para isso, traz uma abordagem histórica da formação e invenção dos conceitos de patrimônio e turismo. Elucida os processos de introdução e consolidação do turismo em território torrense e sua influência na gestão e preservação dos sítios arqueológicos. A metodologia fundamenta-se no estudo da cultura material através de procedimentos propostos pela arqueologia histórica. Por fim, estabelece um diagnóstico do potencial arqueológico dos sítios históricos como proposta de gestão e preservação do patrimônio aliado ao turismo cultural. Palavras-chave: Turismo. Preservação. Patrimônio arqueológico
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Uma nesga verde na aridez sem cor: Torres. Aquarela atribuída a Debret. s/d. Acervo Casa de Cultura de Torres. Figura 2 - Vista do núcleo urbano da Vila de Torres na primeira metade do século XIX.Réplica da aquarela atribuída à Debret doada por Ruben Ruschel à Casa de Cultura de Torres. Foto do autor Figura 3 e 4 - Vista da Vila de Torres e seus primeiros turistas visitando o Morro das Furnas, no início do século XX. Acervo Geraldo Medeiros Figura 5 - Cartão postal divulgando a sede do Hotel Picoral. Acervo Geraldo Medeiros Figura 6 - Vista aérea de Torres na década de 1930. Percebe-se a configuração urbana e o Quadrado Picoral na porção oriental (canto esquerdo da foto). Acervo Geraldo Medeiros
Figura 7 - Toldos na praia para os membros da SAPT. Acervo Geraldo Medeiros Figura 8 - 1950. A vila transforma-se em cidade. Acervo Geraldo Medeiros Figura 9 - Década de 50. Expansão urbana rumo à porção norte de Torres. Acervo Geraldo Medeiros Figura 10 - Vista aérea de Torres em 1970. Acervo Geraldo Medeiros Figura 11 - Esquema confeccionado por Serrano (1937) na Jazida de Torres. Figura 12 - Perfil estratigráfico desenhado por Ascânio Ilo Frediani (1952) do Sambaqui do Mampituba. Figura 13 – Zoólitos provenientes de Torres do sítio já destruído na Praia da Cal.
Figura 14 - Ruschel em pesquisa de campo. Figura 15 - Igreja São Domingo das Torres em out/2009. Foto: Leonardo Gedeon Figura 16 - Detalhe de erosão na fachada da Igreja São Domingo das Torres. out/2009 Foto: Joel Couto Figura 17 - Casa n°1, localizada no centro histórico de Torres. out/2009 Foto: Leonardo Gedeon Figura 18 - Década de 40. Antiga Rua de Cima, na foto Rua Carlos Flores e atual José A. Picoral. Acervo Geraldo Medeiros
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Figura 19 - Antiga Rua Cima (atual José A. Picoral). À direita era o local do Hotel Sartori. Out/2009. Foto: Leonardo Gedeon Figura 20 - Rua de Baixo no início do século XX. Acervo Casa de Cultura de Torres.
Figura 21 - Parede de pedra e cal evidenciado em casario localizado na antiga Rua de Baixo. Out/2009 Foto: Joel Couto
Figura 22 - Vista geral do platô onde estaria localizado os vestígios das fortificações. Out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Figura 23 - Vista panorâmica da área de extração de sedimento para a olaria. Out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Figura 24 - Medição da canaleta de escoamento da área de extração de sedimento para olaria. Out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Figura 25 - Extremidade meridional da Praia da Cal, ambiente onde estavam localizados a Olaria e uma das Caieras.out/2009. Foto: Leonardo Gedeon
Figura 26 - Na banda oriental da Torre do Meio estava fixado a estação Marégrafo de Torres.
Figura 27 - Sulcos na rocha evidenciam o engate da base do Marégrafo de Torres. out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Figura 28 - Área de fixação do marégrafo de Torres, em frente à Furninha. Out/2009 Foto: Joel Couto
Figura 29 - 1890. Construção parcial do Porto Marítimo de Torres na Praia da Guarita. Acervo João Barcellos
Figura 30 - Vestígios arqueológicos do Porto Marítimo de Torres. out/2009 Foto: Joel Couto
Figura 31 - Detalhe das marcas de explosão à dinamite utilizada para extrair as
rochas para a construção do Porto de Torres. out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Figura 32 - Vista parcial da área de extração de matéria prima para a construção do Porto de Torres. out/2009 Foto: Joel Couto
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Entrada de turistas no Rio Grande do Sul, segundo procedência em 1970.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... .10
2 O PREÂMBULO DO TURISMO E DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-
CULTURAL................................................................................................................11
2.1 As viagens...........................................................................................................11
2.2 As viagens pedagógicas do Grand Tour, o articulador Thomas Cook e a
Revolução Industrial – o embrião do turismo moderno.......................................15
2.3 Patrimônio: uma introdução..............................................................................19
2.4.Turismônio..........................................................................................................24
3 A PERSPECTIVA HISTÓRICA DO TURISMO E DO PATRIMÔNIO
ARQUEOLÓGICO EM TORRES...............................................................................25
3.1 As origens das Torres .......................................................................................26
3.2 O poder das águas marítimas e os primeiros visitantes................................28
3.3 As Torres Usurpadas: a consolidação do turismo.........................................32
3.4 A expansão turístico- urbana e a preservação do patrimônio
arqueológico.............................................................................................................41
4 DIAGNÓSTICO DO PASSADO MATERIAL: subsídios da arqueologia histórica
para o turismo cultural.............................................................................................52
4.1 Arqueologia histórica e Turismo cultural........................................................52
4.2 Os sítios históricos do perímetro urbano de Torres......................................56
4.2.1 Igreja Matriz de São Domingos......................................................................57
4.2.2 A casa n° 1.......................................................................................................59
4.2.3 Rua de Cima e Rua de Baixo..........................................................................60
4.2.4 As fortificações militares de Torres..............................................................63
4.2.5 A Olaria e os Fornos da Cal............................................................................65
4.2.6 Marégrafo de Torres........................................................................................69
4.2.7 Porto Marítimo de Torres................................................................................71
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 75
6 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 76
10
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa consiste na análise da relação entre turismo e patrimônio
arqueológico na área urbana da cidade de Torres. Procuramos compreender como a
atividade turística foi introduzida no balneário e como se comportou frente aos
testemunhos arqueológicos ali existentes. Optamos por um recorte temporal de 1900
a 1970, para investigar os processos históricos que culminaram num contexto
favorável para a introdução e consolidação do turismo em Torres e sua influência na
gestão e preservação do patrimônio material.
No primeiro capítulo, trazemos uma abordagem histórica dos conceitos de
turismo e patrimônio. A história do turismo perpassa pelas noções de deslocamento
e viagens e se diferencia das mesmas, não correspondendo a mesma definição.
Para um melhor entendimento do que o turismo representa enquanto atividade
econômica e social foi necessário empreender uma investigação sobre seu
desenvolvimento histórico, caracterizando enquanto uma atividade típica da
sociedade moderna e a partir daí estabelecemos um parâmetro para nosso estudo.
A noção de patrimônio e seus significados foram discutidos para elucidar suas
representações sociais. Delimitamos o surgimento das práticas preservacionistas e
seus objetivos. Para nosso estudo de caso, era imprescindível perceber que a
relação entre turismo e patrimônio se desenvolveu há muito tempo atrás.
No segundo capítulo, tratamos de investigar a história do turismo em
Torres no processo de introdução e consolidação desta atividade. Paralelamente,
fomos analisando sua influência no patrimônio material da cidade, trazendo alguns
dados das pesquisas arqueológicas desenvolvidas em nossa área de estudo.
Procuramos contextualizar as relações de poder que eram engendradas com a
população local e suas conseqüências sociais.
No terceiro capítulo, realizamos um diagnóstico do patrimônio material
enfatizando os sítios históricos do perímetro urbano. Utilizamos a metodologia de
campo da arqueologia histórica para registrar as condições atuais dos sítios.
Estabelecemos uma relação entre a arqueologia histórica e o turismo de cunho
cultural para propor alternativas para uma atividade agregadora e sustentável
baseada nos bens culturais. Este trabalho conta ainda com as considerações finais e
as referências.
11
2 O PREÂMBULO DO TURISMO E DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO- CULTURAL
“Pela alta noite, pela vida inteira, de lágrima a papel, de roupa em roupa, andei nestes dias angustiados. Fui o fugitivo da polícia: na hora de cristal, na mata de estrelas solitárias, cruzei cidades, bosques, chácaras, portos, da porta de um ser humano a outro, da mão de um ser a outro ser, a outro ser. Grave é a noite, mas o homem dispôs seus signos fraternais, e às cegas por caminhos e por sombras cheguei à porta iluminada, ao pequeno ponto de estrela que era o meu, ao fragmento de pão que no bosque os lobos não haviam devorado.” Pablo Neruda, fragmento de O fugitivo (1948) Canto Geral (1980, p.299)
Este capítulo traz uma abordagem introdutória, de como o turismo e o
patrimônio histórico- cultural se desenvolveram ao longo da História. De maneira
incipiente, procuramos investigar a correlação entre turismo e patrimônio e como
foram inventados os respectivos conceitos.
2.1 As viagens
Viajar... Viajar!
Ato tão antigo quanto respirar, acompanha o curioso intelecto humano na
árdua tarefa de desbravar ambientes inóspitos até habitar e conhecer todas as
regiões do planeta. A história humana está repleta de aventuras proporcionadas por
longos movimentos migratórios em busca de melhores condições de adaptação,
manutenção e perpetuação de sua espécie. As experiências oriundas desta
mobilidade alteraram o comportamento físico e psíquico da comunidade homo
sapiens e sua relação com o meio físico natural. A interpretação do mundo,
apreendida por sucessivas observações do meio ambiente, resultou numa bagagem
cognitiva indispensável. Childe (1978, p.64) destaca que
12
O homem tem de aprender as estações adequadas para a caça das diferentes espécies de animais, ou para a coleta de diferentes tipos de ovos e frutas [...] decifrar o calendário dos céus; tem de observar as fases da Lua e o movimento das estrelas [...] o homem teve que descobrir, pela experiência, as melhores pedras para fazer ferramentas, e onde elas se encontravam. Mesmo para os homens primitivos, o êxito na vida exigia um corpo considerável de conhecimento astronômico, botânico, geológico e zoológico. Ao adquirir e transmitir tal conhecimento, nossos predecessores estavam lançando as bases da ciência.
Surge com a constante movimentação das populações autóctones o
conhecimento empírico necessário para produção da cultura material, organização
social e suas elaborações místico-religiosas. Deste modo, é impossível pensar no
desenvolvimento tecnológico e intelectual da humanidade sem sua sensibilidade
para explorar novos ambientes.
No domínio religioso, podemos citar as representações simbólicas das
peregrinações de Moisés, Buda, Jesus e Maomé, lideranças espirituais que em
algum momento de suas vidas empreenderam jornadas metafísicas que lhes
renderam ensinamentos fundamentais. As mensagens imbricadas nas jornadas
completam a saga destes heróis, ora como desafios e castigos, outrora como júbilo e
glórias. (CAMPBELL, 1988)
De qualquer modo, viajar desencadeia uma enxurrada de emoções nas
pessoas no plano físico e espiritual.
No mundo antigo, o advento da moeda pelos sumérios (Babilônia) e o
desenvolvimento das transações comerciais pelos povos mesopotâmicos, por volta
do ano 4.000 a.c proporcionaram uma dinâmica entre as vias e os meios de
transportes e as acomodações, criando as condições necessárias para a expansão
das viagens. Por sua vez, as classes privilegiadas egípcias gozavam dos primeiros
cruzeiros fluviais do mundo. Em matéria de navegação e comércio, os fenícios se
destacariam na antiguidade pela amplitude de suas rotas marítimas. (BARBOSA,
2002)
Os gregos mantinham enorme assiduidade em relação ao seu calendário de
eventos religiosos e esportivos.
A civilização grega foi a primeira a oferecer aos indivíduos – e à sociedade – os benefícios do equilíbrio saudável entre trabalho e lazer, incluindo as viagens. Há provas de viagens com propósitos puramente recreacionais, como a hospedagem por parte dos gregos de visitantes internacionais durante os primeiros jogos Olímpicos em 776 a.c. ( YOUELL, 2002, p.20 )
13
Estes jogos surgiram em homenagem ao deus Zeus na cidade de Olímpia e
aconteciam de quatros em quatro anos. Para este evento era necessário uma infra -
estrutura adequada com vias terrestres e hospedarias para atender os anseios das
classes dominantes1.
No império romano (entre o século II a.c e o ano 476 d.c), a ampliação da
rede de estradas e hospedarias ao longo das vias tornou as viagens, relativamente,
mais seguras e dinâmicas. Para alguns autores, os romanos foram pioneiros em
utilizar as viagens para o lazer e para a cultura. (BARRETO, 1995; YOUELL, 2002;
BARBOSA, 2002, entre outros) Minimizavam os conflitos bélicos, aumentavam as
viagens para “o campo, o mar, as águas termais, os templos e os festivais”.
(BARRETO, 1995, p.45) Esta visão do uso intencional do ócio desenvolveu zonas
balneárias de cunho medicinal e instalações públicas de lazer. Com a derrocada do
império romano, as viagens de lazer deram lugar as peregrinações religiosas e as
estradas sem manutenção, foram deteriorando-se durante o período medieval.
As cruzadas e as peregrinações estavam engendradas nos mecanismos de
controle social impostas pelo clero e pela nobreza. A sociedade feudal - distribuída
em nobres, clérigos, guerreiros e campesinato - exercia profunda exploração do
modo de produção servil para legitimar as relações sociais de poder. O
obscurantismo desta interpretação negativa do mundo material e os precários
índices de expectativa de vida associada a epidemias e guerras, impulsionaram
sobremaneira as peregrinações. Tinham como destino Jerusalém, Roma, Santiago
de Compostela, Meca, o Extremo Oriente, Canterbury entre outros templos e locais
sagrados. Tudo se explicava pela teologia, em que as peregrinações expiavam os
pecados dos peregrinos e as cruzadas eram as guerras santas que lavavam as
almas dos cruzados. Urry (1996 apud BARBOSA, 2002, p.25) observa “que nos
séculos XII e XVI as peregrinações haviam se tornado um amplo fenômeno servido
por uma indústria crescente de redes de hospedarias para viajantes, mantidas por
religiosos e por manuais de indulgência produzidos em massa. Essas peregrinações
incluíam freqüentemente uma mescla de devoções religiosas, cultura e prazer.”
1 Passaram-se os milênios, as Olimpíadas omitem o panteão grego e privilegiam o
aquecimento econômico, o faturamento capitalista e os investimentos milionários nos países que sediam os jogos olímpicos. Esta herança grega se tornou a mais rentável atividade turística da sociedade moderna.
14
Para Youell (2002, p.20) o período medievo legou “o termo [em inglês]
Holiday (férias ou feriado) nasceu de holy day (dia santo) [...] designado pela Igreja
no fim da Idade Média, o que concedeu à maioria da população suas principais
oportunidades de lazer.”
No furor da Renascença e dos questionamentos da Reforma Protestante a
ruptura com os limitados horizontes feudais, os protagonistas foram as viagens
transoceânicas.
Com o surgimento da Idade Moderna, aparecia uma dupla vertente no sentido de viagem; num primeiro momento, as viagens dos descobrimentos tinham um sentido expansionista: ampliação dos territórios europeus além- mar. Num segundo momento, ocorreu a expansão das fronteiras culturais, surgindo o Grand Tour das classes privilegiadas, a precursora do turismo. (BARBOSA, 2002, p.29)
A partir de meados do século XV e no decorrer do século XVI, as grandes
navegações foram o resultado da política mercantilista européia de implantação de
colônias de exploração no Novo Mundo. Tais empreendimentos visavam o acúmulo
de riquezas para as potências européias, - encabeçadas por Espanha, Portugal,
França, Holanda e Inglaterra - na aquisição de ouro, prata, pedras preciosas,
escravos, madeira e outros congêneres. “O fruto da política mercantilista é a guerra.
A luta pelos mercados, pelas colônias – tudo isso mergulhou as nações rivais numa
guerra após a outra”. (HUBERMAN, 1984, p.142)
Todas as viagens têm um objetivo evidente e estão submetidas ao modo
econômico de produção e ao nível tecnológico de sua época. Estas viagens
preliminares, não caracterizam a atividade turística em si. Movimentos migratórios ou
deslocamento de contingentes humanos e viagens não compreendem o conceito de
turismo. A diferença entre o conceito de viagem e turismo é que a primeira sugere o
deslocamento, o ir e vir, a partida e o retorno; enquanto a segunda, implica uma
atividade econômica e social extremamente complexa, tornando-se evidente a partir
da Revolução Industrial (séc. XVIII e XIX) até seu desenvolvimento durante o século
XX. Barreto (1995, p.44) parte de uma abordagem conceitual gramsciana
15
de superestrutura, em que o turismo2 enquanto atividade econômica “[...] implica a
existência [...] de recursos, infra-estrutura e superestrutura jurídico-administrativa”. O
turismo é fruto das relações comerciais capitalistas e do tempo livre remunerado
(férias). Esta distinção é fundamental para a compreensão da história do turismo.
2.2 As viagens pedagógicas do Grand Tour, o articulador Thomas Cook e a
Revolução Industrial – o embrião do turismo moderno
O desenvolvimento das viagens segmentadas e organizadas, o impacto
econômico da industrialização aliado a expansão e melhoria das comunicações e
meios de transportes, associado à práticas educacionais elitistas proporcionaram a
incorporação do caráter capitalista da atividade turística.
O Tour3 pode ser caracterizado como viagens com propósitos
estritamente culturais e educativos que tornou-se popular entre a aristocracia
britânica durante os séculos XVII e XVIII. Este precursor do turismo era uma
complementação dos estudos dos jovens da elite. Boyer (2003, p. 39) considera o
tour uma revolução turística, pois
os aristocratas [...] ameaçados de perder uma parte de seu poder em proveito da burguesia ascendente, entenderam distinguir-se ao exaltar valores da gratuidade: a riqueza ociosa, uma cultura greco-romana, jogos e esportes com regras complexas (o que desencorajava a imitação), viagens sem obrigação e para os jovens educados nos melhores colégios, a educação recebia seu acabamento com The Tour.
O refinamento pessoal advindo com a experiência de vida adquirida nas
viagens culturais era utilizada por estes jovens4 turistas para assumir cargos
2 Veremos a seguir a etimologia e definição de turismo.
3 Significa “volta” em francês.
4 Vale ressaltar que era restrito para os jovens do sexo masculino (com raríssimas exceções das
mulheres), sob a tutela de uma guia ou professor e tinham como itinerários principais Paris e Roma. Havia distinção dos locais de destino de acordo durabilidade dos roteiros turísticos, sendo Petit Tour para roteiros relativamente mais curtos (apenas Paris e arredores) e Grand Tour para roteiros mais abrangentes.
16
importantes na nobreza e nas classes dirigentes. Os estudantes do Tour dispunham
de guias e panfletos que apresentavam os lugares as serem visitados- museus e
galerias, visitação ao patrimônio histórico- cultural (exemplo de Grécia e Roma).
Era de suma importância o contato inter-étnico e a observação do modus
vivendi de outros povos, requisito fundamental na incorporação do conhecimento
cultural que elevaria o status quo dos viajantes, que após o retorno, “eram
gentlemen [...] tinham o espírito cosmopolitan [...]” (BOYER, 2003, p.40).
Desfrutavam ambientes de instrução e lazer.
O século XVIII despertou o fascínio pela paisagem, difundindo entre as
camadas sociais que viajavam o chamado “turismo romântico”, tendo como atrativos
principais as exuberantes manifestações da natureza; montanhas, ar puro, a
imensidão dos oceanos, a fauna e flora de ambientes preservados. Este tipo de
turismo de contemplação da natureza terá cada vez mais adeptos como resultado da
deterioração da qualidade de vida nos grandes centros urbano- industriais. Até o
século XIX, a natureza era vista pelo homem como um desafio, algo selvagem que
devia domesticar; depois da industrialização começa a ser vista como algo a ser
preservado e desfrutado. (BARRETO, 1995, p.50)
As modificações na estrutura econômica, política e social com o processo
de industrialização acarretou na popularização do turismo. A mecanização e a
produção fabril foram fatores decisivos para acelerada urbanização, desencadeada
pelo êxodo em massa dos camponeses para as cidades. Concomitantemente, ao
crescimento demográfico e a energia a vapor houve “no século XVIII [...]
melhoramentos na construção de estradas, aberturas de canais, etc. O crescimento
da população, as revoluções nos transportes, agricultura e indústria – tudo [...]
estava correlacionado. Agiam e reagiam mutuamente. Eram forças abrindo um
mundo novo”. (HUBERMAN, 1984, p.186).
17
O capitalismo emergente5 desenvolveu rapidamente o turismo para a
burguesia. A ampliação do comércio e a máquina a vapor levaram a consolidação de
navios, da locomotiva e a distribuição de ferrovias na Inglaterra e Europa.
Por volta de 1841, Thomas Cook6 impulsionou o que conhecemos como
agenciamento do turismo. Investiu em campanhas publicitárias de marketing no
transporte de passageiros com tarifas reduzidas angariando cada vez mais os
trabalhadores e engrossando sua clientela.
Cook estava “dando início a um tipo de viagem ou de turismo de massa
voltado exclusivamente para o lucro em larga escala, resultante da popularização
das viagens”. (BARBOSA, 2002, p.53).
Iniciou suas viagens excursionadas organizando um pequeno grupo para
um encontro de uma entidade contra o alcoolismo em Leicester. No próximo
encontro, em Loughborough, Cook fretou um trem e juntou 570 pessoas que
compravam os bilhetes dele. Em 1846, organizou outra viagem para Londres a
Glasgow na Escócia com cerca de 800 pessoas que utilizavam seus serviços. Era
uma “excursão organizada” ou a projeção do turismo coletivo. (BARRETO,1995)
Daí por diante, Thomas Cook conquistou o mundo com suas viagens. Nas
próximas décadas excursionou pelos Estados Unidos, levou grupos a conhecer o
Egito e a Terra Santa e em 1872 foi a vez de dar a volta ao mundo em 222 dias.
(BARRETO, 1995) No entanto, conforme Dias (2006, p.9)
A inovação da viagem de Cook foi tornar as viagens acessíveis a um maior número de pessoas, o que ele conseguiu organizando a viagem com um pacote de serviços, tais como: transporte, acomodação e atividades no local de destino. Desse modo, Cook tornou as viagens atrativas e possibilitou que
5 Leo Huberman (1984) faz uma excelente constatação da relação de trabalho entre os proprietários
dos meios de produção, as máquinas e o proletariado quando as máquinas, que poderiam ter tornado mais leve o trabalho, na realidade fizeram pior. Eram tão eficientes que tinham de fazer sua mágica durante o maior tempo possível. Para seus donos, representavam tamanho capital que não podiam parar – tinham de trabalhar, trabalhar sempre. Além disso, o proprietário inteligente sabia que arrancar tudo da máquina, o mais depressa possível, era essencial porque, com novas invenções, elas podiam tornar-se obsoletas. Por isso os dias de trabalho eram longos, de 16 horas. Quando conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, os trabalhadores consideraram tal modificação como uma benção. (p. 189) Apesar de avanços consideráveis, a industrialização deixou o turismo ainda mais restrito até o movimento trabalhista lutar e adquirir alguns direitos. Neste contexto, podemos imaginar quem eram os turistas. Para uma minoria viajar, era preciso que a maioria trabalhasse para eles. 6 Cook era um vendedor de bíblias e foi um dos pioneiros no empreendedorismo e na articulação dos
pacotes do turismo agenciado, com custos de translado, refeições e demais despesas das viagens.
18
um maior número de pessoas pudesse gozar férias em lugares distantes do seu local de residência.
Sob a ótica capitalista, Cook expandiu seus negócios na era industrial
(apesar de não ter o monopólio das viagens), divulgando lugares inóspitos,
seduzindo as classes dominantes e os trabalhadores com os benefícios do turismo e
publicando seus próprios guias de viagens.
Neste sentido, Barbosa ( 2002, p. 58) aponta
que as viagens, a partir do momento em que foram chamadas de turismo, passaram a ter uma característica mais apelativa, ou mágica, que seduzia o viajante. No fundo, o turismo acabou sendo um neologismo em função de que o homem sempre viajou, seja por prazer ou por necessidade.
A conjuntura histórica que difundiu as viagens pedagógicas do Grand
Tour, as condições impostas pela industrialização, a energia a vapor e o
investimento capitalista personalizado por Thomas Cook possibilitaram a difusão do
turismo moderno. Este tripé de fatores econômicos e sociais teve seu
desenvolvimento durante o século XX.
Segundo alguns autores, que abordam com mais profundidade a história
do turismo (BARBOSA, 2002 ; BARRETO, 1995 entre outros), afirmam que a
etimologia da palavra Turismo teve sua origem no tourism (inglês), que por sua vez
foi uma adaptação do tourisme (francês). Também teve sua origem do hebraico Tur,
significando uma viagem de reconhecimento, em que Moisés teria enviado um grupo
para reconhecer à terra de Canaã.
A definição do termo turismo amadureceu conjuntamente com os estudos
realizados na área a partir das primeiras décadas do século XX. É chamado de
“indústria sem chaminés” ou “indústria de viagens de prazer”, porém esta atividade
não está atrelada somente à economia, necessita de uma abordagem interdisciplinar
que abrange áreas de pesquisa em turismo, geografia, sociologia, antropologia,
psicologia e história - apenas para citar algumas disciplinas. Trata-se de movimentos
de pessoas, que se deslocam por um determinado período, permanecem em
determinado lugar fazendo atividades que distinguem do seu cotidiano e retornam
para seus locais de origem. “O consenso de uma definição de grande amplitude de
19
turismo, fácil de entender e universalmente aceita provou-se difícil.” (YOUELL, 2002,
p. 28)
Para esta pesquisa utilizamos, o conceito recomendado pela World
Tourism Organisation (WTO)7 (1993 apud YOUELL, 2002 p. 29) que define o turismo
como “as atividades de pessoas que estão viajando e vão se hospedar em lugares
fora do ambiente habitual em que vivem por não mais que um ano consecutivo, por
motivos de lazer, negócios e outros.”
Esta breve introdução sobre a trajetória histórica das viagens e do turismo
teve como objetivo demonstrar a invenção desta atividade. No próximo capítulo,
abordaremos as características do turismo no século XX e sua relação com o
patrimônio arqueológico, num estudo de caso de uma das cidades turísticas mais
importantes do Rio Grande do Sul: Torres. No escopo turismo x patrimônio, teremos
que compreender alguns aspectos históricos que caracterizaram outra invenção: o
conceito de patrimônio.
2.3 Patrimônio: uma introdução
Assim como a concepção de turismo foi se modificando de acordo com a
conjuntura histórica de cada período, a noção de patrimônio foi elaborada
paralelamente aos interesses das elites em imprimir uma memória social,
sentimentos de unidade e nacionalidade nas massas. Turismo e patrimônio foram
construções elitistas que foram absorvidos pela classe trabalhadora.
A produção material sempre fascinou as mais diversas sociedades desde
os tempos mais remotos. No domínio da materialidade se configuram inúmeros
aspectos do comportamento humano. “Artefatos oriundos de um passado
desconhecido foram coletados por algumas sociedades tribais. Pontas de projéteis,
cachimbos de pedra e ferramentas nativas de cobre, feitas a milhares de anos antes,
são encontradas em sítios iroqueses dos séculos XV e XVI, no leste da América do
Norte. (TRIGGER, 2004, p.28) As sociedades arcaicas tinham inúmeras
interpretações sobrenaturais para estes artefatos. Ao longo da história, a curiosidade
7 Organização Mundial do Turismo (OMT).
20
e investigação humana possibilitaram a coleta de objetos e a observação de
monumentos que persistiram ao tempo.
Ao longo do processo histórico, as sociedades foram atribuindo uma série
de valores e representações simbólicas a produção material, até chegar ao que
conhecemos com patrimônio. De origem latina, patrimonium, para os romanos
significava o que pertencia ao pater famílias (pai de família). Na sociedade romana,
“o patrimônio era um valor aristocrático e privado, referente à transmissão de bens
no seio da elite patriarcal romana”. (FUNARI e PELEGRINI, 2006, p. 11) Esta
expressão encerra em si um direito familiar, bens de herança com fins estritamente
particular e individual.
Com a ampliação da fé cristã e o predomínio da Igreja Católica durante a
Idade Média, o patrimônio recebeu conotações religiosas e coletivas. Manteve-se o
caráter aristocrático, porém o culto aos santos e a valorização das relíquias
religiosas impulsionados pelas peregrinações revelou um profundo sentimento de
coletividade aos artefatos e monumentos sacros. Porém, durante este período a
Igreja Católica aplicou sucessivos ataques aos monumentos do passado; só era
preservado o que lhes interessava como legitimador de poder. Choay (2006, p.35)
traça um paralelo de destruição dos monumentos clássicos, testemunhos materiais
destes séculos,
Em uma Europa coberta de monumentos e edifícios públicos pela colonização romana, esses séculos causaram uma terrível destruição. Dois fatores principais levaram a isso. De um lado, o proselitismo cristão: certamente as invasões bárbaras dos séculos VI e VII devastaram menos que o proselitismo dos missionários à mesma época, ou o dos monges teólogos que, no século XIII, transformaram em pedreira o anfiteatro de Treves, demoliram os anfiteatros de Mans (1271) e o templo de Tours. De outro, a indiferença em relação aos monumentos que haviam perdido seu sentido e seu uso, a insegurança e a miséria: os grandes edifícios da Antiguidade são transformados em pedreiras, ou então recuperados e desvirtuados [...]
A autora exemplifica que em Roma durante o século XI, “os arcos do
Coliseu são fechados, ocupados por habitações, depósitos, oficinas, enquanto na
arena se constrói uma igreja e a fortaleza dos Frangipani [...] os arcos de Pompéia
são ocupados por comerciantes de vinho [...]” entre outros processos de ocupações
que desvirtuaram as antigas funções destes edifícios. (CHOAY, 2006, p. 35) Existia
21
a monumentalização de igrejas, a criação de catedrais e a valorização dos rituais
coletivos. Em lugares elevados eram construídos os templos que ligavam o mundo
material e espiritual e estrategicamente impunham autoridade através das
edificações. (FUNARI e PELEGRINI, 2006)
Apenas no renascimento, imbuído pelo sentimento iluminista é que houve
uma mudança de paradigma.
O conceito de patrimônio passou a se identificar com uma de suas dimensões valorativas atuais, os objetos passaram a ter um valor histórico como produtos culturais de uma época determinada. Além disso, os renascentistas dotaram o patrimônio de valor artístico e passaram a venerá-lo também por sua beleza estética, particularmente nos séculos XV e XVI, com a difusão da arte clássica. (DIAS, 2006, p.69)
Os iluministas tinham como premissa básica se desvencilhar da ideologia
da Idade das Trevas; e para isso apregoavam uma revalorização dos elementos
figurativos da Antiguidade Clássica. Era prática da abordagem humanista colecionar
e catalogar objetos do passado com apelo estético: moedas, vasos cerâmicos,
estátuas, inscrições cuneiformes, artefatos de bronze e metais, medições detalhadas
de ruínas e edificações. O colecionismo desta época lança as bases do
Antiquarianismo. (TRIGGER, 2004; FUNARI e PELEGRINI, 2006) A valorização
histórica dos monumentos surge com a necessidade da República de criar um
sentimento de igualdade e cidadania. Em meio aos distúrbios sociais e lutas civis na
Revolução Francesa, a burguesia em ascensão apropria-se dos bens da monarquia
e do clero em nome da nova ordem e do novo Estado. A república francesa tinha
premente preocupação com a conservação do patrimônio histórico, criando
comissões, restaurando e elaborando leis para a preservação dos monumentos
históricos.
No século XIX, o estudo dos monumentos históricos estava restrito ao
estudo da história da arte, “os historiadores que queriam e sabiam olhar os
monumentos antigos eram exceções e continuariam sendo por muito tempo”.
(CHOAY, 2006, p.129) Os historiadores priorizavam a análise das fontes primárias
em detrimento de outras fontes; oficialmente era a história política das instituições. A
ruptura incitada pela Revolução Industrial galgou o conceito de patrimônio e o antigo
22
antagonizava com os precedentes de modernidade expressa pela industrialização.
“O isolamento do patrimônio em museus destacava-o e separava-o do presente,
tornava-o objeto de visitação e, desse modo, contribuiu para a expansão do turismo”.
(DIAS, 2006, p. 71)
O Estado nacional era o que faltava para invenção do patrimônio
histórico. As leis específicas tornaram o patrimônio edificado em um legado cultural
coletivo. O patrimônio nacional adquiriu aspectos extremos nos períodos das duas
grandes guerras do século XX. Os vestígios mais longíquos no tempo eram
associados aos países imperialistas e justificam sua expansão e anexação de
territórios vizinhos8. Os movimentos nacionalistas utilizavam a ciência arqueológica
como ferramenta político-ideológica no estudo dos vestígios materiais e na
composição do que era considerado como patrimônio histórico cultural, cultuado e
oficialmente reverenciado pela nação. (FUNARI, 2003)
A composição ideológica da concepção de patrimônio fundamenta-se nos
valores estéticos burgueses, considerando apenas o que é belo, suntuoso e
exuberante; as grandes construções e sítios de alta visibilidade.
Para Marly Rodrigues (2003, p.16)
A construção do patrimônio cultural é um ato que depende das concepções que cada época tem a respeito do que, para quem e porque preservar. A preservação resulta, por isso, da negociação possível entre os diversos setores sociais, envolvendo cidadãos e poder público. O significado atribuído ao patrimônio também se modifica segundo as circunstâncias de momento.
Abordagens menos restritivas de cultura surgiram pós- segunda guerra,
em 1945 com a criação de órgãos internacionais, a ONU (Organização das Nações
Unidas) e a Unesco, tendo como prioridade o desenvolvimento da educação, ciência
e cultura. O diálogo mais estreito entre as Nações propicia uma legislação específica
mais rígida em relação aos bens culturais. As Cartas patrimoniais são resultados das
convenções internacionais preocupadas com a adoção de normas de proteção e
8 Existem lamentáveis exemplos: a Alemanha Nazista e sua ancestralidade ligada aos vestígios
germanos, os italianos construíram sua identidade nos grandes feitos de Roma inspirando o movimento nacionalista, entre outros.
23
preservação, imprimindo “novos parâmetros de análise à questão do patrimônio, na
medida em que propuseram a ampliação do conceito de monumento, recomendando
também a preservação de obras consideradas modestas que tenham adquirido
significação cultural e a proteção de conjuntos, bairros ou aldeias que apresentem
interesse histórico e cultural.” (FUNARI e PELEGRINI, 2006, p.33) A evolução do
pensamento preservacionista, encaminha-se em 1931 com a Carta de Atenas
redigido pela Sociedade das Nações e discorre durante todo o século XX e início do
século XXI com determinações e formalizações legais de conceitos que abarcam o
significado de patrimônio cultural e sua diversidade. Em novembro de 1972, a Carta
de Paris define a convenção sobre a salvaguarda do patrimônio mundial, cultural e
natural.
Art.1° Para fins da presente convenção serão considerados como “patrimônio cultural”:
os monumentos : obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte e da ciência;
os sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como as áreas que incluam sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (CURY, 2004, p. 178)
Nesta pesquisa, utilizaremos o conceito de “patrimônio arqueológico” que
compreende sítios pré- coloniais e sítios históricos. Na Carta de Lausanne (1990), “o
patrimônio arqueológico constitui testemunho essencial sobre as atividades
humanas do passado. Sua proteção e gerenciamento são, portanto, indispensáveis
para permitir aos arqueólogos e outros cientistas estudá-lo e interpretá-lo, em nome
das gerações presentes e a vir, e para seu usufruto”. (CURY, 2004, p. 303) Esta
carta versa sobre a gestão do patrimônio arqueológico, complementando cartas
anteriores que previam a integridade dos vestígios arqueológicos.
Art 1° O “patrimônio arqueológico” compreende a porção do patrimônio material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos
24
primários. Engloba todos os vestígios da existência humana e interessa todos os lugares onde há indícios de atividades humanas, não importando quais sejam elas; estruturas e vestígios abandonados de todo tipo, na superfície, no subsolo ou sob as águas, assim como o material a eles associados. (CURY, 2004, p. 304)
2.4.Turismônio
Como vimos, o turismo e a concepção de patrimônio histórico - cultural
foram se consolidando através dos séculos. O turismo se organizou de acordo como
as diferentes sociedades viam as viagens e seus objetivos, por isso a inserção do
capitalismo é o marco inicial do turismo enquanto atividade econômica. O patrimônio
histórico- cultural e arqueológico comunga com o turismo de cunho cultural como
atrativo educacional. O patrimônio, primeiramente foi objeto de curiosidade e
colecionismo, fundamentado em investigações amadoras, restritivas e individuais. O
advento dos Estados – Nação, o que era individual começou a ter significado para o
coletivo, conjugando sentimentos de identidade e unidade nacional. Para isso, era
preciso restaurar e conservar os monumentos do passado. Turismo e patrimônio
nasceram de um desejo das elites e tornaram-se atividades e atrativos de massa,
numa relação ambígua de preservação e destruição.
25
3 A PERSPECTIVA HISTÓRICA DO TURISMO E DO PATRIMÔNIO
ARQUEOLÓGICO EM TORRES
“Muitos são os lugares de veraneio famosos onde a população autóctone sente um mal- estar crescente face ao boom turístico e seus perigos. O senso crítico dos autóctones já está particularmente desenvolvido nas regiões de tradição turística, e começa também a tomar pé nos países emergentes. O que poderíamos chamar de “revolta dos autóctones” começa, em geral, com movimentos de protesto e reações de rejeição não planejadas. A resistência se organiza apenas numa segunda fase e pode ser conduzida a uma terceira e última fase, em que se manifesta uma forte vontade política militante em favor de um desenvolvimento moderado e autodeterminante do turismo.”
Jost Krippendorf (2001,p.96)
Neste capítulo abordaremos o processo histórico da introdução e
consolidação do turismo enquanto atividade econômica e sua correlação com o
patrimônio arqueológico nos limites do perímetro urbano de Torres. Analisaremos
como o processo de turistificação do território afetou os diversos sítios arqueológicos
existentes. Nossa abordagem é concordante com a afirmação de Boyer (2003, p.96),
em que “a história do turismo é inteligível somente no longo prazo e em uma
perspectiva sociocultural”. Para compreendermos porque as belas praias de Torres
despertaram o interesse dos viajantes e turistas, analisaremos o contexto histórico
da atividade turística no início do século XX e sua perpetuação e expansão
econômica durante as sete décadas seguintes (1970) com a invasão do turismo
estrangeiro. Este recorte temporal justifica-se pela análise da história do turismo
enquanto um fenômeno social e sua influência no patrimônio arqueológico local.
Uma pesquisa pontual não contemplaria os objetivos propostos. Portanto, far-se-á
uma história que contemple as mudanças sociais engendradas pelo turismo e seu
impacto nos bens materiais da cidade de Torres.
26
3.1 As origens das Torres
Figura 1 - Uma nesga verde na aridez sem cor: Torres. Aquarela atribuída a Debret. s/d. Acervo Casa de Cultura de Torres.
Viajantes e naturalistas que adentravam a Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul por via terrestre, obrigatoriamente passavam pelo sítio das Torres.
Em 1820, o naturalista Auguste de Saint- Hilaire (1987, p. 11) descreve a paisagem
em seu diário de viagem:
TORRES, 4, segunda-feira, 5 de junho de 1820 – Sempre areia e mar. Enquanto nos dias anteriores só avistávamos uma praia esbranquiçada que se confundia com o céu na linha do horizonte, hoje, ao menos, deparamos dois montes denominados Torres, porque realmente avançam mar adentro, como duas torres arredondadas.
As torres como referência topográfica aquebrantava a monotonia da
paisagem litorânea. Esta era a visão de quem vinha do norte para o sul, pois existem
mais afloramentos rochosos na porção meridional. Saint- Hilaire permanece mais
alguns dias e faz descrições detalhadas das falésias e da flora existente nos
arredores da Vila de Torres. As progressões geológicas e as sucessivas
transgressões e regressões marítimas são responsáveis pela formação destas
falésias. Ao longo da evolução geomorfológica da planície costeira meridional,
ocorreram sucessivos derrames vulcânicos que deram origem à Serra Geral e as
elevações rochosas de Torres. “As rochas eruptivas basálticas apresentam-se
27
esparramadas em lençóis sucessivos, sobre uma base de arenitos triássicos de
Botucatu”. (KERN, 1997, p.18)
O panorama das Torres é um testemunho da história geológica da cisão
continental. A conformação do ambiente propiciou o povoamento primitivo do litoral
norte por grupos humanos distintos, evidenciados pelos diferentes vestígios
arqueológicos.
Abrigos [sob rocha] que se encontram nas encostas da Serra Geral foram ocupados por grupos caçadores – coletores. Acampamentos e aldeias de grupos horticultores são encontrados nas várzeas e nas áreas propícias à plantação de espécies cultiváveis. Próximos à orla marítima, muitos acúmulos de conchas indicam atividades de pesca e coleta em períodos de sazonalidade favorável, tanto por parte dos caçadores – coletores como por parte dos horticultores que os sucederam. (KERN, 1997, p. 167)
Na área de pesquisa, os sambaquis9 evidenciavam a densidade
populacional existente na região. Inúmeros são os sítios arqueológicos pré- coloniais
e históricos que se depararam os primeiros visitantes e turistas. Esta materialidade
resulta de um longo processo de povoamento da região proporcionado pelas
condições geográficas favoráveis. A região de fronteira entre as províncias do
extremo sul do Brasil (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) caracteriza o
povoamento colonial de Torres com medidas militares. Nas últimas décadas do
século XVIII, transfere-se de Tramandaí para a Itapeva (localidade ao sul da futura
vila de Torres, que se consolida no início do século XIX) um posto militar e fiscal, a
Guarda e Registro. Após alguns anos, houve outra mudança para um ponto
estratégico privilegiado para a instalação da Guarda e Registro, a encosta ocidental
da Torre Norte, na passagem obrigatória entre a zona alagadiça da lagoa e o mar.
Em 1777, com a invasão espanhola em Desterro as autoridades
portuguesas construíram um posto de defesa na Torre Norte: o Forte São Diogo das
Torres. O fortim se transformou em Presídio após a independência do Brasil (1822) e
em Baluarte Ipiranga em 1824, provavelmente exercendo suas atividades até 1840
ou na segunda metade do século XIX. (RUSCHEL, 2003; 2004 p.549; 1999 p. 56) A
9 A palavra sambaqui seria derivada de tamba (marisco) e ki (amontoado) em tupi. Trata-se, portanto,
de uma acumulação artificial de conchas de moluscos, vestígios da alimentação de grupos humanos. (PROUS, 1992, p. 204)
28
vila de São Domingos das Torres vai surgindo a partir destas iniciativas militares. As
primeiras edificações coloniais são construídas para as autoridades militares, como
a casa n° 1 que pertencia ao Alferes Manoel Ferreira Porto. Em 1824, é construída a
Freguesia de São Domingos das Torres e constituí-se o processo de centralização
administrativa, o povoamento da sede da vila e do interior do município com a
instalação de colônias de imigrantes alemães e italianos10.
3.2 O poder das águas marítimas e os primeiros visitantes
Figura 2 - Vista do núcleo urbano da Vila de Torres na primeira metade do século XIX.Réplica da aquarela atribuída à Debret doada por Ruben Ruschel à Casa de Cultura de Torres. Foto do autor
A Vila de Torres na transição do século XIX para o século XX era baseada
na economia agrícola e na pesca de subsistência. Flores (1996, p. 102) traz alguns
dados dos inventários que constam no Arquivo Público RS, “25 engenhos (para
fabricar açúcar, rapadura, aguardente) 15 atafonas (de mandioca e de milho), 12
alambiques (de cobre e de monte), 2 moendas ferradas.[...], em média, cada duas
famílias possuíam 3 dessas fábricas caseiras que transformavam a cana de açúcar e
o cereal em farinha”. O comércio incipiente concentrava-se na sede da vila e a
comunidade se voltava para os produtos coloniais vindos do interior do município.
10
Os alemães chegaram em 1826 e nos anos seguintes se instalaram em duas colônias; uma em
Três Forquilhas de alemães protestantes outra em São Pedro de Alcântara de alemães católicos. Os italianos chegaram em 1890 e fixaram-se na localidade de Morro Azul.
29
As primeiras levas de visitantes que chegavam a Vila de São Domingos
das Torres eram atraídos pelas águas oceânicas como instrumento de cura. Os
moradores do planalto, os “serranos” foram os primeiros a usufruir dos benefícios da
balneoterapia, antes mesmo de haver uma popularização desta prática entre as
camadas privilegiadas dos centros urbanos. (RUSCHEL, 2003; CARDOSO, 2008, p.
59) A descoberta do balneário marítimo com valores medicinais inauguram o turismo
na Vila de Torres. “O banho de mar constituía um prazer masoquista; a imersão
brutal no mar fresco provocaria um saudável sufoco”. (BARBOSA, 2002, p. 42)
Ruschel (2003) destaca que
Os banhos eram tomados bem cedo, quase de madrugada, resumindo-se num número contado e ritualístico de ondas. [...] moradores de Porto Alegre e do vale dos Sinos, com espírito aventureiro, arriscavam-se a aparecer. Alugavam casa e ficavam parte do verão em Torres, tomando banhos de mar antes do sol alto.
Nesta época a sede da vila se resumia em duas ruas principais: a Rua de
Baixo e a Rua de Cima, área administrativa onde se localizava a Igreja São
Domingos das Torres, a Superintendência Municipal e os casarios da comunidade,
era o embrião do núcleo urbano. Por volta de 1910, era prática dos visitantes
alugarem as casas dos moradores locais para passar alguns dias ou os meses de
verão; nascia o turismo de veraneio11. Nos anos seguintes, desenvolvem-se as
pensões e os primeiros hotéis para acomodar a demanda crescente de veranistas.
11
Do início do século XX, até os dias atuais essa prática do “aluguel de casas” se difundiu como atividade econômica rentável entre a população receptora. Percebe-se nas edificações dos moradores locais, a construção de um “puxadinho”, um cômodo extra, para onde a família se desloca durante o verão para desocupar a casa central, que então é alugada.
30
Figura 3 e 4 - Vista da Vila de Torres e seus primeiros turistas visitando o Morro das Furnas, no início do século XX. Acervo Geraldo Medeiros
O empreendimento turístico nos moldes burgueses materializou-se na
temporada de 1915 e 1916 com o Balneário Picoral. A infra- estrutura impulsionada
pelo turismo balnear, iniciou a exploração da comunidade local e o usufruto do
território litorâneo, até então esquecido. José Antônio Picoral tinha que administrar
um hotel auto- suficiente em sua gestão. Oswaldo Goidanich (1993, p. 20) trata com
méritos a rede hoteleira que se disseminou pelo litoral do Rio Grande do Sul,
enfatizando o pioneirismo de Picoral.
Na orla atlântica, surgiu o Grande Hotel Atlântico, no Cassino, que só encontrava no Grande Hotel Piccoral, em Torres. Este último, um notável esforço de auto-suficiência, tinha de prover tudo: água potável e encanada, luz elétrica, gelo, armazenamento de gêneros e bebidas, refeições, pão e leite, serviços de lavanderia, farmácia e ainda animação feita de jogos e bailes e até mesmo cinema
12.
A sede do hotel era um pavilhão de madeira com área superior a 1.500m²,
os quartos eram cabanas ou chalés distribuídos no “Quadrado do Picoral” conjunto
de 14 chalés e 8 maiores para acomodar as famílias numerosas, na parte alta da vila
próximo ao mar. “Os menos confortáveis, foram apelidados de Colônia Africana.
Outros avulsos, às vezes até casas arrendadas pelo hotel, espalhavam-se por toda
parte. O hotel chegava hospedar simultaneamente 500 pessoas”. (RUSCHEL, 2003)
12
O Hotel Picoral contou com intensa propaganda publicitária, promovendo o primeiro documentário
de divulgação turística do Estado (RUSCHEL, 1995; GOIDANICH,1993)
31
Figura 5 - Cartão postal divulgando a sede do Hotel Picoral. Acervo Geraldo Medeiros
Este empreendimento turístico integrado recrutou numerosa mão de obra local e
trazia especialistas em áreas específicas a cada temporada. Na análise otimista de
Ruschel (2003), “a vila inteira passou a ter vínculos de dependência econômica com
a empresa”. O Hotel Picoral exerceu suas atividades até 1941. Para Cardoso (2008,
p.99) “a elevação da vila de Torres a categoria de destino da elite porto-alegrense
para passar a temporada de veraneio, a estação calmosa, não foi por acaso. Sua
paisagem distinta e peculiar no estado, sem dúvida ajudou na sua invenção, entre
outras motivações, como pessoas que rumaram para Torres, principalmente da
capital”. O belo panorama litorâneo e a natureza intocada despertavam o ímpeto
aventureiro dos turistas.
Boyer (2003, p. 97) afirma que “a reação da elite de nascença, das
pessoas de alta renda; elas reafirmam suas diferenças de cultura e inventam
práticas de distinção, entre as quais as migrações turísticas sazonais”. Vale
ressaltar, que o Hotel Picoral era acima de tudo um empreendimento
segregacionista, típico do modelo liberal burguês. O choque cultural, a dependência
econômica e o atrelamento ideológico provocam na comunidade local um sentimento
de estarem sendo constantemente usurpados de sua vivência tradicional. O Hotel
Picoral representa, como a atividade turística ditou suas regras na relação unilateral
com a população receptora.
32
3.3 As Torres Usurpadas: a consolidação do turismo
O desencadear das duas grandes guerras mundiais do século XX, o
turismo em Torres sofreu poucos arranhões. Hobsbawn (1995, p.30) sugere que
[...] o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas da guerra mundial, quando suas colunas ruíram. Não há como compreender o Breve Século XX sem ela. Ele foi marcado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam. Sua história e, mais especificamente, a história de sua era inicial de colapso e catástrofe devem começar com a guerra mundial de 31 anos.
As preocupações com as guerras mundiais minimizaram, mas não
interromperam os merecidos descansos à beira-mar das elites dos centros urbanos.
No primeiro cartel do século XX, Sinval Saldanha, veranista e cronista, relata no livro
comemorativo Memórias da SAPT (1996, p.21), cita as “ilustres famílias” que
freqüentavam as temporadas de verão, adquiriam terrenos e construíam chalés de
veraneio em Torres eram: os Drs. Borges de Medeiros (Presidente do Estado),
Protásio Alves (Vice- Presidente do Estado), Possidônio Cunha, Firmino Torely,
Carlos Júlio Becker, Oswaldo Kroeff, Antônio Ribeiro Franco, Severino Lessa,
Ricardo Porto, Antônio Chaves Barcellos, Renato Costa, Alcides Flores Soares,
Vieira Pires, Otacílio Carvalho da Costa, A. Chiaradia, J. Paz Moreira, Nicolau Roco
e Sinval Saldanha. Com eles vinham os modelos de civilidade, modernidade e
progresso. Nos círculos sociais, Torres era difundida como “A mais bela” e
posteriormente, “A Rainha das Praias Gaúchas”. Concomitantemente, a incipiente
especulação imobiliária e a rede hoteleira vão se expandindo.
Barreto (1995, p.53) ao caracterizar os fatores que impulsionaram o
turismo no período dos conflitos bélicos do século XX, destaca que,
A Primeira Guerra Mundial demonstrou a importância do automóvel e, como conseqüência, os anos entre 1920 e 1940 tornam-se a era do automóvel e do transporte terrestre em geral. No período entre – guerras, as férias remuneradas passaram a ser uma realidade [...] permitindo que outras classes sociais menos favorecidas
33
economicamente também começassem a viajar, e que todas as classes começassem a aspirar a uma viagem de férias.
Figura 6 - Vista aérea de Torres na década de 1930. Percebe-se a configuração urbana e o Quadrado Picoral na porção oriental (canto esquerdo da foto). Acervo Geraldo Medeiros
A partir de 1930, Torres já estava cerceada pelos interesses da crescente
burguesia que se instalara anteriormente. A fama estava conquistada e “as pessoas
distintas e importantes como conhecidos chefes políticos (presidentes, vice-
presidentes, entre outros), desembargadores, médicos, professores ilustres, grandes
empresários [...] buscavam cada vez mais fazer de Torres um lugar de distinção, de
destaque e de luxo, [...] exigiam da Vila e sua infra- estrutura o novo, o que ela não
tinha [...]” (CARDOSO, 2008, p. 115). Esta camada privilegiada que se apropriou das
temporadas em meio às torres, julgava a vila muito atrasada e para isso o
desenvolvimento e o progresso eram palavras de ordem. Em 1936, no salão de
eventos do Hotel Picoral, foi criada a Sociedade dos Amigos da Praia de Torres –
SAPT. Os “ilustres cavalheiros” tinham como objetivo estabelecer metas para a
administração municipal, numa aliança que atravessou os tempos. “A SAPT, aliada
informal da Municipalidade, surgia justamente no momento em que as autoridades
torrenses passaram a considerar a vocação natural de Torres para o turismo.
Assumia, corajosamente, posição de vanguarda como força de pressão social e
política, no apoio e na solução dos problemas básicos da cidade”. (CHAIEB; DINIZ;
34
MIRANDA, 1996, p.41) Algumas ações foram imediatas: a distribuição de água
potável e energia elétrica, melhoria dos acessos e estradas, assistência médica,
posto de salvamento e a implantação de taxa balnear, com fins de custeio das obras
necessárias. Também monopolizaram a praia de banho, hoje Praia Grande, com a
instalação do Abrigo (edificação à beira- mar) e os serviços de toldos na praia.
Figura 7 - Toldos na praia para os membros da SAPT. Acervo Geraldo Medeiros
Nas décadas seguintes, a SAPT consolidou ações estruturais do ponto de
vista econômico e político, estreitando laços com o poder estatal e idealizando como
o turismo deveria progredir em Torres. O novo modelo administrativo tratou de
representar seus ideais desenvolvimentistas através da construção de um suntuoso
Hotel Modelo. Na segunda quinzena de abril de 1949, o jornal O Torrense anuncia
orgulhosamente em manchete de capa “Torres constróe o terceiro dos maiores
edifícios da América do Sul”, parabenizando a grandiosa iniciativa da SAPT que
pretendia terminar a obra no final do mesmo ano. No berço do turismo torrense, a
porção alta da Vila, onde existia a sede do Hotel Picoral é projetado o Hotel da
SAPT. Uma sucessão evidente que legitima as relações de poder introduzidas pela
atividade turística nas primeiras décadas do século XX. A construção do Hotel da
SAPT está imbuída de um significado simbólico; primeiramente substituir o antigo
Hotel do Picoral, extinto em 1941, e alocando sua sede no mesmo lugar do anterior
35
e segundo, manter uma tutela política de como o turismo deveria se comportar em
Torres. Um hotel com grandes dimensões representa um refinado “templo do
turismo”, ditando a classe social dos turistas. O Hotel da SAPT (depois chamado de
Grand Hotel Torres) foi construído em etapas, inaugurando a era de modernidade no
turismo torrense, a partir de 1950. Em 1953, as obras iniciam e em oito meses “a
construção foi terminada com instalações completas, incluindo finíssimo mobiliário.
Satisfazia a todos os requisitos de estabelecimento modelo, equiparável aos
melhores do Continente”. (CHAIEB; DINIZ; MIRANDA, 1996, p.57)
A orla marítima e a turistificação de pontos panorâmicos de Torres estava
entre as prioridades administrativas. Para isso, foram distribuídos bancos de cimento
em lugares considerados turísticos, como a Torre Norte (Morro do Farol), melhoria
no acesso aos pesqueiros e às furnas na porção oriental da Torre do Meio (Morro
das Furnas). Em 50, houve considerável melhoria nas condições de saneamento,
água e luz, principalmente na alta temporada. Foi o período de investimentos no
Aeroporto de Torres e renovação do prédio de Correios e Telégrafos. A transferência
do Cemitério Municipal13 e das sepulturas do platô da Torre Norte para às margens
da BR-101, ocorreu no início da década de 60. Também, ocorreu o início do
processo de desapropriação das imediações da Praia da Guarita, localizada ao sul
do perímetro urbano, para fins da implantação de um Parque Estadual que
valorizasse os aspectos geológicos e naturais. Idealizado pelo ambientalista José
Lutzemberger, só foi construído na década de 70.
Para com a população local, este modelo administrativo exercia a prática
do assistencialismo, no verão apareciam oportunidades de empregos e no inverno,
retornavam a atividade pesqueira e de extração de mariscos, também dependiam de
“obras sociais” e “atividades beneficentes”, ou o trabalho na construção civil que
vinha se intensificando com a crescente especulação imobiliária.
Houve um episódio emblemático que figura com nitidez a disputa de
poder entre os “Amigos da Praia” e a elite local: a instalação do primeiro
supermercado.
13
A municipalidade e seus aliados ao remover o cemitério tradicional, tinham o nítido interesse de
selecionar o que era atrativo turístico ou não; a vista exuberante do mar e das praias é considerada um atrativo, porém o jazigo mortuário, as sepulturas das gerações antecessoras da comunidade torrense não despertaram interesse histórico.
36
Figura 8 - 1950. A vila transforma-se em cidade. Acervo Geraldo Medeiros
A chegada de um grande supermercado na praia de Torres, o
Supermercado Real, devidamente não agradou os comerciantes locais.
Na década de 50, Torres ainda não desfrutava de um supermercado moderno. Os veranistas traziam seus “ranchos” da cidade de origem, tal a precariedade do fornecimento de bens de consumo disponíveis e dos altos e escorchantes preços a que eram submetidos os menos avisados. [A iniciativa] Acabou vencendo [...] a resistência dos velhos e pequenos armazéns que, com ameaças, não queriam a presença de um estabelecimento moderno na cidade. (CHAIEB; DINIZ; MIRANDA, 1996, p.84)
As mudanças sociais engendradas pelo turismo, não foram pacíficas e
tiveram resistências locais, tanto da classe trabalhadora como da burguesia. No
processo de configuração espacial, percebe-se a ocupação dos lugares privilegiados
ao longo da orla marítima pelos veranistas, principalmente as primeiras quadras
próximo ao mar. Inevitavelmente, inicia a verticalização da cidade. A crescente
especulação imobiliária aliada à economia do turismo modificou e expandiu a malha
urbana. Para Graciano (2004, p.21)
37
Nos ano 60, já percebia-se na cidade a movimentação rumo a realização de construções cada vez mais voltadas para o turismo de veraneio. A construção de edifícios era uma inovação para a época, em termos de construção civil. Porém, uma inovação que se apresentaria posteriormente para a cidade, como um dos principais sustentáculos do seu desenvolvimento sócio-econômico, no que se referia à indústria da construção civil.
Em vista do crescimento demográfico e urbano, foram criadas
regulamentações para a construção de edifícios com limites de sete metros de altura
próximos à beira-mar. A lei de 728/62 de 04/12/1962 privilegiava a parte central e a
porção da cidade explorada pelos veranistas, excluindo as regiões periféricas.
(GRACIANO, 2004) O processo de urbanização teve sua expansão a partir da parte
alta da cidade, a porção onde se desenvolveu a vila de Torres. As zonas periféricas
eram habitadas desde muito tempo, porém permaneciam excluídas. A domesticação
de ambientes que antes não ofereciam condições adequadas para o loteamento foi
aos poucos sendo transformadas. Exceto a parte alta, no sopé da Torre Norte, onde
se estabeleceu a vila de Torres, o ambiente costeiro era formado por cordões de
dunas e áreas alagadiças.
Figura 9 - Década de 50. Expansão urbana rumo à porção norte de Torres. Acervo Geraldo Medeiros.
38
Os anos 70 inauguram uma recolonização do território, associado à
migrações sazonais e a população flutuante: a invasão de turistas estrangeiros em
larga escala. Este período na história do Brasil ficou conhecido como “milagre
econômico” e era caracterizado pelo avanço da industrialização, baixa inflação e
investimentos estrangeiros no país. A euforia da classe média alimentava os desejos
da burguesia em prol dos negócios e da economia crescente. O setor turístico era
visto como a grande promessa para a economia do Brasil. “A partir do aumento da
entrada de turistas estrangeiros no Estado, os órgãos de fomento ao turismo
estrangeiro intensificaram suas estratégias rumo à lucratividade, atraindo
principalmente turistas argentinos e uruguaios para o Rio Grande do Sul,
[...]”(GRACIANO, 2004, p.28)
Tabela 1 - Entrada de turistas no Rio Grande do Sul, segundo procedência em 1970.
Turistas Dezembro Janeiro Fevereiro Março Abril
Argentinos 2.232 3.750 2.468 1.557 1.889
Uruguaios
2.211
4.375
3.468
2.005
5.519
Fonte: Anuário Estatístico EMBRATUR. Rio de Janeiro, 1970, v. 3, p. 137. Extraído de GRACIANO, 2004, p.28
Em dissertação de mestrado, a historiadora Carini Tassinari Graciano
(2004) analisa o impacto que o turismo estrangeiro exerceu sobre a cidade de
Torres. Houve uma nova adequação na infra estrutura, alargamento de ruas e
avenidas e a construção de novos hotéis para atender a demanda. A autora enfatiza
que o turismo interno (visitantes e veranistas) ficou em segundo plano, pois a
economia local e a administração municipal priorizavam a valorização monetária dos
turistas estrangeiros. As transformações impostas pelo modelo de absorção de
turistas estrangeiros revelou o despreparo do poder público e a falta de
planejamento turístico, prejudicando substancialmente a comunidade local e seus
bens culturais. O resultado foi a formação de uma “identidade turística totalmente
voltada para o turista estrangeiro, desvalorizando aspectos do turismo interno como
também da sua própria comunidade”. (GRACIANO, 2004, p.62) A autora identifica o
comportamento da comunidade local em quatro estágios: assimilação, euforia,
adaptação e contradição. Estes estágios buscam definir as reações básicas da
39
comunidade receptora e seus visitantes. Primeiramente, os estrangeiros são
percebidos como fonte lucrativa de divisas, de enriquecimento. A euforia acompanha
a movimentação da população flutuante a cada temporada e o desenvolvimento
econômico da cidade. A adaptação recorre à impossibilidade de reversão deste
cenário de invasão turística e a constante modificação das relações sociais para
atender os anseios dos turistas. E, por fim, a contradição, o sentimento de gratidão
aos turistas se revertia numa aversão generalizada às praticas impostas: a
usurpação do território, o servilismo e a preferência do comércio ao capital
estrangeiro.
Figura 10 - Vista aérea de Torres em 1970. Acervo Geraldo Medeiros
Silva (2001, p. 177) observa que
[...] em muitas comunidades, a população é praticamente isolada em seu próprio ambiente, bem como culpalizada por uma série de interesses (os “saberes” e “fazeres” de um povo) que, no entender de muitos agentes e turistas, são atividades ou estilos de vida próprios de comunidades “sem cultura” devendo ser reformulados ou totalmente banidos [...], em prol do progresso e das expectativas da demanda turística.
40
São relações de alteridade impostas pelo turismo de massa, em que a
comunidade local sofre transformações sociais e econômicas radicais. Jost
Krippendorf (2001, p.87) resume o proceder destas relações.
O resultado é que se chega a uma incompreensão mútua, em vez de um entendimento entre os povos. Às vezes, chega-se ao confronto, em vez do encontro. E, até mesmo, no pior dos casos, ao desprezo, em vez do respeito. Os turistas desprezam estes autóctones “subdesenvolvidos”, os quais, em contrapartida, desprezam estes estrangeiros “liberados”.
O turismo em Torres foi uma atividade que se desenvolveu no século XX.
Iniciou como um balneário de cura e prazer e se consolidou com o turismo de massa
que se desenvolveu no Pós- Guerra, associado ao desenvolvimento dos meios de
comunicações e transportes, estradas e as conquistas de direitos trabalhistas,
essencialmente o tempo livre remunerado. “O turismo contemporâneo é o herdeiro
das formas elitistas. Passou-se de um pequeno número às massas sem revolucionar
o conteúdo.” (BOYER, 2003, p.31) O turismo em Torres manteve seu caráter elitista,
da apropriação do balneário das torres por Picoral até seu desenvolvimento
alavancado pelos interesses da SAPT (Sociedade dos Amigos da Praia de Torres)14.
Para nosso estudo foi incorporado o modelo existencial da sociedade industrial
baseado no trabalho – moradia – lazer – viagem, de Jost Krippendorf (2001, p.26).
Justificando a difusão do turismo de massa do século XX. Corroborou para nossa
interpretação a análise de Marc Boyer (2003) sobre o processo de formação do
turismo contemporâneo ou de massas a partir do paradigma de imitação capilar. A
imitação capilar está baseada na invenção da distinção e a difusão pela imitação,
onde as elites inventaram o usufruto do tempo livre e as camadas menos
privilegiadas copiaram seus comportamentos e práticas.
14
Para este autor, o Hotel Picoral e a influência política da SAPT conformaram o papel e a função
que o turismo exerceria em Torres. Paralelo à criação destas duas instituições, a rede hoteleira se expandiu, ora fazendo alianças comerciais para impulsionar o turismo torrense, ora fazendo concorrência comercial. Como o objetivo desta pesquisa não é elaborar uma cronologia dos hotéis em Torres, sugiro a averiguação em GRACIANO (2004) e CARDOSO (2008).
41
3.4 A expansão turístico- urbana e a preservação do patrimônio arqueológico
O turismo de sete décadas que se instalou como atividade econômica no
município de Torres teve três períodos distintos: a) a introdução do curismo (turismo
de cura) no início do século XX; b) a consolidação desta atividade com o
desenvolvimento de infra-estrutura turística em meados do século e; c) uma nova
configuração social e econômica imposta pelas migrações sazonais estrangeiras
(principalmente uruguaios e argentinos), entre os anos 60 e 70 em diante. No
primeiro momento, a preocupação dos turistas era interpretar o ambiente litorâneo e
se adaptar as suas condições sociais. Encontraram uma comunidade pesqueira e
agrícola baseada na economia colonial; para os veranistas a excentricidade
despontou em algo a ser explorado. Portanto, a instalação e ocupação dos locais
privilegiados da vila não foram por acaso, existia uma análise acuidada das áreas de
melhores investimentos comerciais, aliando potencial turístico e mão - de - obra
barata. Assim nasceu o turismo de veraneio em Torres. A partir da década de 40,
percebe-se a expansão urbana sendo distribuída num sentido radial, do núcleo para
as extremidades do território da vila. Durante muito tempo, as autoridades
municipais lutavam constantemente para impedir o avanço das dunas na parte sul
da Rua de Baixo (atual Júlio de Castilhos). (RUSCHEL, 2003)
Em 1950, a infra- estrutura e o markenting turístico consagram a
“vocação” e o destino de Torres. Apesar da propagação do turismo de massa, Torres
manteve-se elitizada pelos esforços da administração municipal e os “ilustres
Amigos da Praia”, logicamente amparados pelas forças políticas locais, inclusive a
burguesia, que detinham investimentos no setor de prestação de serviços
(pousadas, hotéis, restaurantes, etc). O desenvolvimento do turismo em Torres teve
seu xeque mate, com a invasão maciça dos hermanos platinos, principalmente
uruguaios e argentinos, aproveitando o potencial econômico de seus países vinham
com a carteira recheadas de dólares e pesos e mandavam e desmandavam em
território torrense. Usufruíam das praias e de todo o conforto que podiam. Nos anos
70, houve modificações profundas na estrutura social e econômica da cidade, numa
estreita relação entre a construção civil e o turismo. O processo de introdução e
consolidação da atividade turística culminou na negociação ímpar em que a cidade e
sua população estão à mercê desta fonte de renda, como se estivessem à venda. O
42
turismo como a única economia da região, resultou numa expansão urbana
desordenada. Na década de 60, em comunicação sobre as características gerais
dos vestígios arqueológicos, um curso ministrado por Claude Masset (1966, p.9) na
USP para a formação de arqueólogos profissionais, já existia uma preocupação
premente a respeito da integridade física dos sítios e seus agentes tafonômicos.
O crescimento demográfico, de uma parte, e as exigências de construções de concreto e das grandes obras, de outra parte, destruíram com rapidez inimaginável, o patrimônio arqueológico da humanidade, [...] mais exatamente os seus arquivos, sob olhar indiferente da opinião pública. [...] daqui a um século ou dois, a arqueologia será uma coisa do passado: não haverá mais arqueólogos por falta de sítios para explorar.
Os sítios arqueológicos detêm recursos com bases em matriz finita, ou
seja, a sua destruição impossibilita a construção de conhecimento do passado
através da cultura material. As prospecções e escavações arqueológicas também
são um modo de “destruir” os sítios, pois o que é alterado só pode ser reconstituído
por métodos científicos apropriados. O conhecimento centrado no patrimônio
material e sua difusão não estavam no programa das elites turísticas que iam para
Torres. As divisas geradas pela exploração turística não foram aplicadas em prol de
um desenvolvimento que privilegie os valores da comunidade local. A imposição de
interesses alienígenas em detrimento dos interesses locais, representaram uma forte
influência nos parâmetros de preservação da cultura, identidade e do patrimônio
material da região. A produção material de determinado período, têm uma relação
direta na construção de significados sociais e coletivos.
[...] as condições materiais contribuem para a estruturação das relações sociais. No processo de estruturação social, a cultura material desempenha um papel ativo e variável Não espelha a sociedade; pelo contrário, pode construir, manter, controlar e transformar as relações sociais. [...] A cultura material é carente de significado por si mesma, e só adquire uma dimensão ativa e ideológica dentro de um sistema cultural determinado. [...] os objetos produzidos e utilizados pelos homens são ativos, dinâmicos, portadores e geradores de significados [...] uma linha alternativa para estudar as pessoas e seu mundo social. (ZARANKIN; SENATORE, 2002, p. 9)
43
No que tange o passado material, no território de Torres localizam-se
sítios históricos e pré-coloniais de grande expressão científica. Nosso estudo traz um
enfoque da relação da expansão turístico- urbana na gestão do patrimônio
arqueológico na área urbana de Torres. Para isso, recorremos a bibliografia que
registrou a presença dos testemunhos arqueológicos na área em tela. Ruy Ruben
Ruschel veranista consagrado e erudito escritor, evidenciou o processo de
urbanização e registrou em seus artigos e crônicas as condições dos sítios
arqueológicos de Torres. Este autor15 acompanhou diretamente as intervenções
realizadas nos sambaquis pelos colecionadores, pesquisadores amadores e pela
primeira geração de arqueólogos profissionais. Na literatura arqueológica, há
referências a pesquisas desenvolvidas no litoral norte do Rio Grande do Sul.
Utilizamos as pesquisas do arqueólogo Arno A. Kern sobre as paleopaisagens do
litoral e seu povoamento primitivo e as valiosas contribuições dos projetos
acadêmicos sobre os sambaquis do litoral norte, estudos realizados pelo arqueólogo
Gustavo P. Wagner16.
Nas imediações da vila de Torres, existiam alguns sambaquis que eram
utilizados para fins econômicos desde o século XIX. O material malacológico dos
sambaquis servia para a estruturação das estradas e ruas e na construção das
edificações coloniais da comunidade. Bastos (2007, p.19) elenca alguns fatores de
destruição dos sambaquis do litoral sul de Santa Catarina e que servem para nosso
estudo.
[...] A industrialização de conchas dos sítios para a fabricação de cal [...] Utilização dos vestígios arqueológicos diretamente no solo para melhoramento das lavouras [...] para aterros, misturas para argamassas e obras particulares [...] para a pavimentação de estradas, vias, ruas, ruelas e logradouros públicos em geral [...]
A abundância de concheiros naturais, dos sambaquis e das rochas
basálticas ao longo da orla, proporcionaram as condições materiais necessárias para
15
Ruschel realizava coletas de artefatos em superfície e fazia medições e descrições detalhadas dos sambaquis. 16
Este pesquisador produziu sua dissertação de mestrado intitulada Ceramistas pré-coloniais do litoral norte (2004) e sua tese de doutorado intitulada Sambaquis da barreira da itapeva: uma perspectiva geoarqueológica (2009), ambos projetos orientados pelo arqueólogo Klaus Hilbert – PUC/RS.
44
a construções das edificações de “pedra e cal”. As primeiras descrições dos sítios
arqueológicos de Torres de que se tem registro, foram feitas por viajantes e
naturalistas que passavam pela região nas últimas décadas do século XIX. Alguns
que pertenciam a vanguarda de pesquisadores eram Carl Von Kozeritz e Theodor
Bischoff , que descreveram e coletaram artefatos de alguns sambaquis ao longo do
litoral norte17. No início do século XX,o pesquisador do Museu Nacional Edgar
Roquette Pinto empreende uma expedição científica ao litoral, registrando alguns
sambaquis. Na área de estudo são registrados quatro sambaquis. (WAGNER, 2009;
RUSCHEL, 2003)
Em Torres existem quatro grandes sambaquis; um logo ao chegar à vila, e outros três depois dela, próximo ao Mampituba. O primeiro tem dado alguns zoólites
18 semelhantes àqueles que têm sido encontrados em Santa
Catarina.Os três últimos são montes de conchas (Vênus, Olivanciaria) de alguns metros, onde se encontram muitos núcleos de pedra e pedaços de cerâmica.(..) (ROQUETTE-PINTO, 1906, apud WAGNER, 2009, p.44)
Possivelmente, estes sambaquis localizados na área de entorno da vila, já
eram motivo de especulação dos primeiros veranistas do século XX. Ruschel (2004,
p.838) destaca que além dos quatros sambaquis mencionados havia “outros; como
estivessem meio fora de mão para os moradores (Guarita, Curtume) não foram
vistos por Roquette”. Estes últimos estariam localizados na porção sul, um nas
proximidades da lagoa (Violão) e outro na praia da Guarita. Já em 1937, o
pesquisador argentino Antônio Serrano descreve apenas três sambaquis: a Jazida
de Torres, o sambaqui de Torres e o sambaqui do Mampituba. (WAGNER, 2009,
p.44) O sitio descrito por Roquette Pinto, como o primeiro “logo ao chegar à vila”, foi
registrado como a Jazida de Torres e anos seguintes como Paradeiro de Torres.
17
No Museu Paulista existe uma coleção de materiais arqueológicos proveniente de Torres atribuída à Kozeritz. (JACOBUS, 1996, p. 42). Em 1898, Bischoff publica em alemão um estudo sobre os sambaquis do litoral do Rio Grande do Sul. Cita a existência de sítios importantes em Torres, porém priorizou a investigação das zonas lagunares da planície costeira.( WAGNER, 2009, p.43) 18
Zoólitos são esculturas líticas zoomorfas e também antropomorfas com acabamento refinado e forte apelo estético.
45
Foi alvo das ações de vandalismo e da curiosidade de colecionadores
pela abundância de material arqueológico associado à confecção de artefatos líticos
e zoólitos19. Ao conteúdo cultural deste sítio é atribuída a maioria das peças da
Coleção Balbino de Freitas e a Coleção Élcio Lima20. Entre as décadas de 30 e 40,
no período de desenvolvimento da aviação os vestígios arqueológicos do Paradeiro
de Torres foram utilizados para aterrar a área que serviria de aeroporto.
1 – Duna base.
2 – Camada arenosa húmica intermediária com cerca de 1m de espessura.
3 – Camada húmica rica em artefatos arqueológicos.
4 – Dunas atuais.
A – Pequenas concentrações conquiológicas.
Figura 11 - Esquema confeccionado por Serrano (1937) na Jazida de Torres. (WAGNER,2009, p.45)
O sambaqui de Torres, com área aproximada de 80 m x 30 m x 5m,
estava em condições precárias de preservação devido à intensa exploração de cal, e
o sambaqui do Mampituba com cerca de 30m x 20m, estava sofrendo acentuado
processo erosivo. Ruschel (2004, p.839) registra o esgotamento dos testemunhos
arqueológicos
19
O litoral norte [...] especialmente os sítios de Torres, parece ter sido um destes centros de produção e utilização destas esculturas predominantemente zoomorfas. Apenas do sítio Paradeiro de Torres, dez esculturas zoomorfas colecionadas indicam o alto grau técnico alcançado. Peixes, aves indeterminadas, uma coruja e possivelmente um tatu e um boto são exemplares que indicam a riqueza cultural destas manifestações artísticas dos pescadores-coletores de nossa pré-história. (KERN, 1997, p.176) 20
Morador e comerciante Balbino de Freitas, durante a década de 30, coletava materiais arqueológicos de vários sítios da região. Sua coleção se destacava com cerca de 900 peças que foram vendidas para o Museu Nacional. (JACOBUS, 1996; RUSCHEL, 2004) Na década de 50, Élcio Lima tinha uma coleção de 300 peças que foram vendidas para o Museu Júlio de Castilhos. (JACOBUS, 1996)
46
Quando me iniciei na arqueologia, 1947, dos 4 só restava o do Mampituba, reduzido a 2 cúpulas e material espalhado ao redor, cômoro abaixo. Na década seguinte, a Prefeitura repassou enorme área, 31 quarteirões próximos do rio e do mar, à firma Predial e Agrícola [...] A empresa usou grande máquinas para abrir ruas e emparelhar quadras, o que testemunhei pessoalmente.
A exploração econômica do material conchífero e a implementação de
quadras para o loteamento urbano foram fatores agravantes na destruição dos
sambaquis de Torres. As pesquisas arqueológicas se desenvolveram nas próximas
décadas, paralelo à exploração turística e urbana. O PRONAPA21 (Programa
Nacional de Pesquisas Arqueológicas) formou a geração pioneira de arqueólogos
gaúchos profissionais pelo Instituto Anchietano de Pesquisas. Os sambaquis da Vila
ou de Torres, do Mampituba, da Guarita, do Campo do Curtume, da Praia da Cal e a
oficina lítica (Jazida ou Paradeiro de Torres) localizados no perímetro urbano de
Torres foram objetos de pesquisa durante as décadas de 1950 e 197022.
Paulatinamente, o avanço urbano desordenado impactou diretamente os sítios
arqueológicos até serem exterminados por completo. O intelectual Paulo Duarte23 do
Instituto de Pré-História de São Paulo, durante uma conferência citou o caso de
Torres como “um dos índices que se envergonharão os homens lúcidos quando
Brasil compreender essas coisas”. (RUSCHEL, 2003) A lei Paulo Duarte, “deu um
tratamento autônomo ao patrimônio arqueológico nacional e estabeleceu restrições
e parâmetros para atividades econômicas que de algum modo possibilitassem a
21
O PRONAPA foi criado no período da ditadura militar sob orientação de Betty Meggers e Clifford Evans da Smithsonian Institution. Scatamacchia (2005, p.28) sugere que o programa trouxe avanços para a arqueologia brasileira, pois introduzindo uma nova metodologia de trabalho, sistematizou e acelerou as pesquisas em diversos Estados brasileiros. Além disso, partindo de uma mesma metodologia e nomenclatura, procurou elaborar um quadro geral das ocupações ao longo do litoral e das principais bacias fluviais. Funari (2003, p.26) discorda e ressalta que a arqueologia humanista universitária que vinha se desenvolvendo no Brasil começou a sofrer restrições em favor da implementação do PRONAPA. O autor destaca que no período de 1965 a 1971, Clifford Evans e Betty Meggers treinaram alguns brasileiros em uma prática de campo defasada, sem nenhuma preocupação interpretativa, deixando de lado qualquer pretensão acadêmica. 22
Na região em tela, os arqueólogos Pedro I. Schimitz, Eurico Théofilo Miller, José Proenza Bochado, Pedro Mentz Ribeiro, entre outros, pesquisaram durante este período os sambaquis do Mampituba, a estação lítica, o sambaqui da Guarita e outros sítios na região. Instituições de pesquisa arqueológicas como o Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP), PUCRS e UFRGS enviaram sucessivas expedições ao litoral. Com a coordernação dos arqueólogos Arno A. Kern, Fernando La Salvia, Guilherme Naue e Jussara Louzada as pesquisas se estenderam até a década de 80 com escavações no sambaqui da Pedra da Itapeva e outros sítios localizados ao sul de nossa área de investigação, ainda intocado pelo processo de urbanização localizado no Parque Estadual da Itapeva. (JACOBUS, 1996, p.43) 23
Responsável pela lei 3.924/61 específica para proteção do patrimônio arqueológico como bens de interesse da União. Conhecida como lei Paulo Duarte.
47
mutilação ou a destruição de bens arqueológicos”. (SOARES, 2007, p.68)
Reforçando o Decreto-lei n°25/37sobre os bens que integram o patrimônio histórico
e artístico nacional. O patrimônio arqueológico nacional também está amparado na
Lei n° 7.542/86, Lei de crimes ambientais n° 9.605/98,na Resolução do CONAMA
n°001/86 e Portarias do IPHAN24.
Em Torres, foi criada uma lei municipal n° 717, de 10/09/1962 de proteção
aos sambaquis nas áreas de loteamento. (RUSCHEL, 2004, p.840) Do papel à ação
há um distanciamento surpreendente quando não existe boa vontade política, pois
havendo bom senso por parte da municipalidade, muitos sambaquis estariam
preservados para pesquisas futuras. Porém, neste caso as políticas de incentivo ao
turismo tiveram prioridade em relação ao patrimônio arqueológico.
Figura 12 - Perfil estratigráfico desenhado por Ascânio Ilo Frediani (1952) do Sambaqui do Mampituba. (WAGNER,2009, p.47)
Na zona sul de Torres, entre a Torre Norte (Morro do Farol) e a Torre do
Meio (Morro das Furnas) existe um bairro chamado Praia da Cal, devido as caieras
que processavam cal para a construção civil. Nesta localidade, Arno Kern (1970
apud WAGNER, 2009, p.48) registrou o RS-98, o sambaqui Praia da Cal25 que fora
completamente destruído.
24
Acerca da legislação específica, BASTOS, Rossano Lopes; TEXEIRA, Adriana. Normas e Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico. GALLO, Haroldo; BASTOS, Rossano Lopes; SOUZA, Marise Campos de (orgs.). São Paulo: 9° SR/ IPHAN, 2005. 25
No século XIX, funcionava uma olaria nesta praia, posteriormente seriam empregados os fornos de cal, batizando como Praia da Cal.
48
Figura 13 – Zoólitos provenientes de Torres do sítio já destruído na Praia da Cal. (KERN, 1997,
p.183)
Um evento emblemático resume a relação entre turismo e patrimônio
arqueológico em Torres: a criação do Parque Estadual da Guarita. Na década de
60, a CRTur26 nas obras de implantação das vias de acesso ao parque, desmontou
o sambaqui da Guarita ou da Caiera (por estar próximo de um forno de cal). Este
sambaqui apresentava considerável variabilidade de material arqueológico. Tinha
cerca de 100m de comprimento, instrumental lítico variado, sepultamentos e nos
níveis superiores fragmentos cerâmicos com decoração externa (riscadas, pintadas).
(RUSCHEL, 2004, p. 840)
26
Companhia Rio-grandense de Turismo, órgão do governo estadual.
49
Figura 14 - Ruschel em pesquisa de campo. (RUSCHEL, 2004,p.184)
A negligência dos poderes municipais e estaduais no aparato legislativo
de proteção ao patrimônio arqueológico trouxe graves prejuízos para o estudo da
cultura material. Os remanescentes arqueológicos pré-coloniais foram arrasados
pelos anseios de turistificação do território litorâneo de Torres. Também os sítios
arqueológicos históricos27 foram abandonados à própria sorte. Durante a expansão
turístico-urbana evidenciada principalmente a partir dos anos 50, o legado material
do período colonial aos poucos foi substituído por edificações modernas e pela
ampliação das ruas da cidade. A marcante presença militar na região de fronteira
entre as províncias de São Pedro do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a vila de
Torres teve uma produção material específica nos séculos XVIII e XIX. Na área
urbana sofreram impactos direto da urbanização, a fortificação construída em 1777 e
os sobrados e casarios coloniais do século XIX e XX, dos quais sobraram poucos
remanescentes. O local que existia a fortificação na meia encosta da Torre Norte
sofreu um intenso processo de antropização28, com a ampliação do acesso para o
cume do morro, a construção de uma escola, uma caixa d’água da CORSAN e pelas
casas de veraneio. O centro histórico foi desfigurado pela pressão da especulação
27
Sítio arqueológico histórico em áreas urbanas são espaço geográficos delimitados pela presença de vestígios materiais oriundos do processo de ocupação do território pós-contato, tais como: [...] ruínas e edificações construídas com o objetivo de defesa ou ocupação (buracos, baterias militares, fortalezas e fortins) [...] vestígios das infra-estruturas (vias, ruas, caminhos [...] fundações remanescentes das mais diversas edificações, [...] que fizeram parte do processo de ocupação iniciado dos núcleo urbanos e em outros lugares [...] dentre outras especificações que compreendem a ocupação pós-contato de estruturas materiais pertencente a todos os setores sociais, exemplo das senzalas e das antigas fazendas. (BASTOS; TEXEIRA, 2005, p.33) 28
Meio físico modificado pela ação humana.
50
imobiliária que avança sem controle ao conjunto de casarios. Exceto a Igreja São
Domingos das Torres, o restante das edificações de cunho histórico estão em
situação de vulnerabilidade, pois são propriedades privadas e não existem critérios
que norteiem e fiscalizem as modificações em suas fachadas e estruturas internas.
Estes sítios históricos estão concentrados no perímetro do núcleo histórico, porém
do ponto de vista científico, existem outros não menos importantes29.
São inúmeros os casos de edificações ou mesmo de espaços “vazios” de valor reconhecido por poucos, enquanto a maioria da população lhes é indiferente. Essas construções ou esses espaços fatalmente, não resistirão ao tempo e darão lugar a estruturas novas. (MENESES, 2006, p.69)
O turismo tem uma relação ambígua com o patrimônio arqueológico. Uma
relação de amor e ódio, que fundamenta-se na apropriação do legado cultural ou
seu extermínio. Para medida de ilustração, existem muitos casos de amor e
comunhão com os bens materiais como atrativos turísticos: as Missões Jesuíticas,
no Rio Grande do Sul; o Parque Nacional da Serra da Capivara, sob a coordenação
da Fundação do Homem Americano, no Piauí; os conjuntos históricos e museus de
Ouro Preto, em Minas Gerais; o centro histórico de Recife, Pernambuco; as
escavações arqueológicas de Canudos, Bahia, entre outros. No caso de Torres, o
patrimônio material teve que dar lugar aos ideais de inovação e modernidade,
impondo uma relação de ódio, de recusa de seus bens culturais.
A ligação com a idéia de desenvolvimento fez com que em muitos locais ocorresse uma total negação dos vestígios e representações do passado, que acabaram resultando na destruição de bens materiais e no esquecimento das tradições. (SCATAMACCHIA, 2005, p.79)
O turismo elitista trouxe consigo valores cosmopolitas, de apropriação e
usufruto da localidade e de sua população. Os primeiros veranistas especulavam e
tinham como fonte de atrativo visitar e muitas vezes coletar artefatos dos sítios
29
Veremos no próximo capítulo o potencial dos sítios arqueológicos históricos como proposta para o turismo cultural.
51
arqueológicos das redondezas da vila. As praias foram elencadas como um local de
lazer e o senso preservacionista da elite letrada e intelectual que adentrava as
torres; que visitavam o patrimônio histórico-cultural e os museus consagrados da
capital e de outros lugares, contudo não priorizavam a preservação do patrimônio
material da região. Nesta queda de braço, o patrimônio arqueológico saiu perdendo
com o extermínio total dos sítios arqueológicos pré-coloniais e parcial dos sítios
históricos localizados na área urbana.
52
4 DIAGNÓSTICO DO PASSADO MATERIAL: subsídios da arqueologia histórica
para o turismo cultural
“O combate pelo desenvolvimento, contra a desertificação ambiental e o despovoamento rural, contra a poluição e a hiper concentração suburbana, far-se-á com pessoas plenas, conscientes, críticas, ou não se fará. É neste campo que a gestão do património assume um papel social relevante. Os sítios arqueológicos e históricos são espaços fisicamente vazios, mas são construtores de identidades, são utensílios para o preenchimento das vidas com múltiplos sentidos, são inimigos da alienação.”
Luiz Oosterbeek (2007, p.120)
Este capítulo trará os resultados do levantamento sistemático dos sítios
arqueológicos históricos da área urbana de Torres. Nesta etapa de campo,
registramos as coordenadas UTM com aparelho de localização via satélite GPS30 e
captamos imagens fotográficas dos referidos sítios. Avaliamos suas condições de
preservação e suas potencialidades para o turismo cultural.
4.1 Arqueologia histórica e Turismo cultural
Em sua grande maioria, os dados arqueológicos provêm de pesquisas no
âmbito da arqueologia pré-colonial, focadas em investigações sítios pré-cerâmicos e
cerâmicos. A arqueologia histórica é pouco desenvolvida na região de Torres. Nesta
perspectiva, procuramos dar visibilidade para os sítios pós-contato. A arqueologia
histórica31 é uma vertente de pesquisa da ciência arqueológica. Esta ramificação
autônoma da arqueologia teve seu desenvolvimento a partir da década de 1960 na
América do Norte. Orser Jr. (2000, p.21) complementa a definição utilizada em
nossa pesquisa, e caracteriza “como el estúdio arqueológico de los aspectos
materiales – em términos históricos, culturales, y sociales concretos – de los efectos
30
Global Position Sistem (Sistema Posicionamento Global, em português) 31
[...] o termo “Arqueologia Histórica” tem sido usado, em particular na América do Norte, para referir-se ao estudo de um período histórico específico, o moderno (sensu anglico i.e do século XV em diante, em geral nas Américas. [...] tal definição, não é usado na Europa e na Ásia, já que se entende por históricas diversas arqueologias, como a Clássica e a Egípcia,[...] (FUNARI, 2007, p.27)
53
del mercantilismo y del capitalismo traídos de Europa a fines del siglo XV y que
continúam em acción hasta hoy”. Através do estudo da cultura material da sociedade
moderna, a arqueologia histórica poderá trazer maiores interpretações a respeito de
um período que a história foi escrita basicamente com a análise das fontes
primárias. O Projeto Arqueológico Palmares coordenado pelos arqueólogos Charles
Orser Jr. e Pedro Paulo Funari realizou prospecções entre 1992 e 1993 na Serra da
Barriga revelaram um mosaico étnico que vivia no quilombo. Evidências surgiram no
estudo da cultura material da Serra da Barriga, a análise da cerâmica demonstrou o
caráter multi-étnico do quilombo de Palmares. (FUNARI, 2007, p. 136) Outro
exemplo da arqueologia histórica em solo brasileiro foi o Projeto de Salvamento
Arqueológico de Canudos, coordenados pelo arqueólogo Paulo Zanettini no anos de
1996 e 1997 no semi árido baiano. A pesquisa arqueológica do arraial de Canudos
revelou inúmeros sítios arqueológicos com rico conteúdo cultural. Foram mapeadas
as áreas de combate, a praça da Igreja e a fazenda Velha. Os registros históricos
indicam que Conselheiro procurou a região porque estava praticamente desabitada.
Os registros arqueológicos mostram ao contrário, pois foram encontrados uma
grande quantidade de louças inglesas, francesas e holandesas, dos séculos XVIII e
XIX indicando o povoamento contemporâneo da fazenda na época do arraial de Belo
Monte32. São dados arqueológicos que enriquecem a pesquisa científica
interdisciplinar e complementam as versões convencionais encontradas na maioria
das fontes históricas.
La arqueología histórica utiliza uma serie de fuentes de información em su investigación. Las principales son los artefactos y estructuras, la arquitectura, los documentos escritos, las informaciones orales y las imágenes pictóricas. (ORSER JR, 2000, p.27)
32
Informações obtidas através de artigo do arqueólogo Paulo Zanettini em meio eletrônico:
http://www.comciencia.br/reportagens/arqueologia/arq19.shtml. Esta foi uma pesquisa desenvolvida
para uma disciplina do curso de graduação em História –UNESC. O artigo (não publicado)
desenvolvido por Leonardo Gedeon intitula-se RESISTÊNCIA JAGUNÇA E SUAS MARCAS NA
TERRA: CANUDOS MAIS QUE UM CENTENÁRIO DE MEMÓRIAS – 1897/2007
54
Pesquisas no âmbito da arqueologia histórica poderão suscitar uma série
de informações que subsidiaram a noção de gestão do patrimônio e sua
conservação no espaço torrense. A priori o desenvolvimento das pesquisas
arqueológicas voltadas para a difusão de conhecimento para a comunidade local e
posteriormente como uma ferramenta que possa introduzir um turismo de cunho
cultural, com ênfase na participação dos locais nas etapas de investigação.
Para Meneses (2006, p. 12)
O desenvolvimento do Turismo Cultural, a conscientização do patrimônio histórico-cultural como recurso de desenvolvimento social e a exigência de rigor metodológico na interpretação da construção cultural passada implicam em novas formas de ação na gestão desses valores, exigindo articulação interdisciplinar entre diferentes atores do processo de planejamento e gestão do setor.
Uma interpretação e apropriação crítica dos bens culturais perpassam
pelos valores identitários e os significados coletivos que estes transmitem. Goodey
(2002, p. 136) coloca que a interpretação é primordial.
A primeira tarefa para a gestão do patrimônio cultural, além da restauração e da conservação, é a interpretação do sítio, do objeto ou do evento, para o público. Isto implica tanto um conhecimento aprofundado do bem, quanto a habilidade de refinar e comunicar elementos chave para a comunidade mais ampla, visitantes e moradores.
O “conhecimento aprofundado do bem” é gerado substancialmente pelo
avanço das pesquisas na área e sua propagação depende de atividades de
educação patrimonial. A pesquisa e sua difusão são fatores essenciais para o
turismo cultural. Dias (2006, p.36) observa que “o turismo cultural apresenta um
aspecto duplo: pode apresentar-se como um caminho para a obtenção de fundos
necessários à preservação da herança cultural e como uma ferramenta para
proporcionar o desenvolvimento econômico local, regional e até mesmo nacional”.
Esta prática de turismo não foi incentivada no caso de Torres. Não elencamos o
turismo cultural como uma fonte milagrosa de recursos e investimentos e melhorias
intermináveis na expectativa de vida dos atores sociais locais e na qualidade da
55
recepção e estadia dos turistas e visitantes. Apontamos, apenas como uma
alternativa que depende de planejamento e projetos de agremiação dos diversos
setores da sociedade, retirando a mordaça de refém dos locais e convidando-os
para serem sujeitos participativos no desenvolvimento desta atividade. Morais (2003,
p.98) ressalta a importância de se considerar dois critérios básicos na utilização do
patrimônio arqueológico para fins turísticos: a expectativa do núcleo receptor que
“detém no seu território e a imposição das normas legais vigentes que intervém na
interface arqueologia/ turismo”.
Barreto (2006, p.19) analisa o turismo sob o prisma da motivação, infinitas
possibilidades podem ser agrupadas em duas divisões: “o turismo motivado pela
busca de atrativos naturais e o turismo motivado pela busca de atrativos culturais”. A
autora cita uma ampla definição de turismo cultural, segundo a Organização Mundial
do Turismo, em que “seria caracterizado pela procura por estudos, cultura, artes
cênicas, festivais, monumentos, sítios históricos ou arqueológicos, manifestações
folclóricas ou peregrinações”. (BARRETO, 2006, p.20)
No caso de Torres, o longo processo de destruição dos bens materiais
impulsionados pela exploração turística e imobiliária, a priori parece uma situação
irreversível. A reversão deste quadro letárgico com o apoio da ciência arqueológica
aparece com o uso social dos sítios arqueológicos e a musealização de seus
artefatos. A arqueologia utiliza metodologias específicas de prospecções e
escavações, minuciosamente “os objetos do passado vão aparecendo e contando
sua história”. Os vestígios estão sob camadas de sedimentos e os níveis
estratigráficos são as “páginas do livro”. Portanto, por mais impactado que possa
estar o sítio, os níveis de sub-superfície registram todas as atividades que se
desenvolveram ali33. As camadas antrópicas deposicionais representam
cronologicamente, o conjunto e a variabilidade das ações humanas expressas na
sua produção material.
33
Desde que as camadas arqueológicas, a estratigrafia do sítio não esteja perturbada.
56
4.2 Os sítios históricos do perímetro urbano de Torres
Na etapa de campo, percorremos o sítio histórico central, que representa
a área onde a vila se consolidou e posteriormente se expandiu. O núcleo urbano
está localizado na encosta da Torre Norte (Morro do Farol) e compreende a Rua de
Cima (atual José A. Picoral) e a Rua de Baixo (atual Júlio de Castilhos). Perfilados
no sentido Norte/Sul, nestas duas ruas encontravam-se os sobrados e casarios
coloniais. Nesta área foi construída a Freguesia São Domingo das Torres em1824, a
casa n° 1 que pertencia ao Alferes Manoel Ferreira Porto, para citar apenas as
edificações mais antigas. Na porção superior, em meia encosta, foram fixadas as
fortificações de Torres, iniciando sua implantação em 1777. Provavelmente, a
Guarda e Registro34 estava fixada na porção inferior que afunilava no caminho que
cortava a vila entre a lagoa (Violão) e a falésia norte.
Na parte meridional, na Praia da Cal existiam fornos de processamento de
matéria-prima para a construção civil, primeiramente uma olaria e logo após as
caieras. Associado à este sítio, uma área de extração de argila para a olaria. A praia
da Guarita, dentro recorte territorial delimitado pela pesquisa, é a praia mais ao sul.
Entre a praia da Cal e a Guarita, na Torre do Meio (Morro das Furnas) na face leste
da elevação, há um sítio muito interessante associado ao Marégrafo de Torres. E por
fim, na Guarita encontra-se os vestígios da área de extração das rochas e do
quebra-mar pertencente ao Porto de Torres, projetado na primeira República durante
o governo de Deodoro da Fonseca, em 1890. Primeiro, descreveremos o grau de
preservação do patrimônio edificado; a Igreja São Domingos, a casa n° 1 e os
casarios remanescentes da Rua de Cima (atual José A. Picoral) de Baixo (atual Júlio
de Castilhos). Após, nos deteremos nos sítios arqueológicos dos Fortes, do Forno da
Cal, do Marégrafo e do Porto de Torres.
34
Ruschel (1999, p.15) pesquisou documentos do século XVIII que tinham menção à Guarda e Registro, inclusive sua transferência de Tramandaí para a Itapeva e, posteriormente fixada na sede da vila. Este autor sugere que nas últimas três décadas do século XVIII e nas duas primeiras do XIX funcionou no ponto estratégico das Torres uma Guarda de caráter militar, porém sem fins defensivos. A pequena guarnição ali sediada manteve somente funções de controle de passagem e de apoio aos objetivos fiscais do Registro. O ponto da Guarda é citado em áreas abrangentes, porém o local exato ainda é desconhecido, apenas sondagens de reconhecimento poderiam fornecer algumas informações.
57
4.2.1 Igreja Matriz de São Domingos
UTM: 623430/6753434
A portaria 05/83 de 03.02.8335 do IPHAE36 garantiu o tombamento legal
da Igreja São Domingos. Em 1820, Saint- Hilaire (1997, p.12) percebe as edificações
que estão sendo construídas na vila de Torres.
Como há projeto de se localizar em a sede de uma paróquia, começaram a construir aí uma igreja, da qual até agora existe apenas o madeiramento. Depois de passarmos por essa igreja, chegamos a um forte, cuja construção está sendo ultimada neste momento e junto ao qual se acha o alojamento dos soldados do posto e o do alferes que os comanda. Estas construções estão situadas no lado ocidental do monte, local donde gozei um panorama que se me afigurou mais encantador do que efetivamente era, por causa da monotonia dos areais áridos, batidos. [...]Empregam-se em sua construção, cerca de trinta prisioneiros, tomados a Artigas. À exceção de apenas um, os demais são índios.
Na descrição de Saint-Hilaire, é possível perceber a mão de obra escrava,
majoritariamente indígena empregada na construção do forte e da Freguesia de São
Domingos das Torres. A capela foi inaugurada no ano de 1824 e a torre só foi
concluída em 1898. (RUSCHEL, 2003)
O uso atual da edificação é destinado para cerimoniais religiosos, missas,
casamentos, etc. O estado físico deste bem material está comprometido por
infiltrações nas paredes - excesso de umidade -, a torre está comprometida e a
fachada esta num avançado grau de erosão pluvial e eólica. Na estrutura externa
evidencia-se a parte interior da parede composta por pedra e cal. Como mostra o
registro fotográfico.
35
Disponível em http://www.iphae.rs.gov.br/Main.php?do=BensTombadosDetalhesAc&item=15718, acessado em 10/09/09. 36
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado – RS.
58
Figura 15 - Igreja São Domingo das Torres em out/2009. Foto: Leonardo Gedeon
Figura 16 - Detalhe de erosão na fachada da Igreja São Domingo das Torres. out/2009 Foto: Joel
Couto
59
4.2.2 A casa n° 1
UTM 623409/6753418
Figura 17 - Casa n°1, localizada no centro histórico de Torres. out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
A casa n°1 de Torres, não é conhecida assim por acaso. Realmente ela é
a residência número 1do núcleo urbano. Era a moradia do oficial responsável pela
Guarda, Manoel Ferreira Porto e sua família. Ruschel (2003) considera Manoel
Ferreira Porto, o fundador da sede da vila. Certamente, já viviam pelas redondezas
outros sujeitos37 que não aparecem na história tradicional dos grandes feitos do
professor Ruschel. Ferreira Porto chega por volta de 1803, e estabelece sua
moradia. Já que era a residência oficial, da vila recebe as autoridades militares
políticas e eclesiásticas e os viajantes no século XIX38. Atualmente, pertence a
propriedade privada. Não localizamos o proprietário no dia 03/10/2009 que foi
realizado a etapa de campo, também não tivemos acesso ao interior da residência.
37
Pescadores e marisqueiros. Porque não descendentes indígenas ou afro-descendentes, já que o sítio das torres era um trecho transitório? 38
O que é praxe escutar dos moradores torrenses, foi a visita imperial de D. Pedro I em 1826 e a
passagem de Saint-Hilaire em 1820. Por certo, era um local de descanso para quem viajava pelo litoral.
60
Aparentemente, mantêm algumas características coloniais, mas é perceptível
algumas alterações na sua estrutura.
4.2.3 Rua de Cima e Rua de Baixo
Rua de Cima UTM 623508/6753418 Rua de Baixo - porção norte UTM 623489/6753575 - porção sul UTM 623312/6753326
Na Rua de Cima e na Rua de Baixo se concentravam os casarios da
antiga vila de Torres. Os casarios começaram a ser construídos conjuntamente com
o nucleamento da vila no início do século XIX e durante o século XX existiam
sobrados coloniais de algumas autoridades locais, a exemplo do sobrado do Padre
Lamônaco. Na Rua de Cima, já não há testemunhos materiais do início das
atividades balneares em Torres. Esta rua era o centrinho turístico até meados do
século XX, pois concentrava a rede comercial e os primeiros hotéis39.
Figura 18 - Década de 40. Antiga Rua de Cima, na foto Rua Carlos Flores e atual José A. Picoral.
Acervo Geraldo Medeiros
39
Hotel Picoral, Sartori, Cruzeiro, Farol entre outros. Na alta temporada era a região mais agitada de Torres.
61
Esta rua representa o modelo de reciclagem arquitetônica40 que
desconfigurou o centro histórico de Torres. Os antigos casarios deram lugar à
prédios e imobiliárias. Onde está localizado a Pousada da Prainha era o Posto de
Higiene do município de Torres que funcionava na década de 40. Ainda está de pé a
edificação que ficou conhecida como o Anexo do Farol Hotel. Mas, esta porção do
sítio histórico da comunidade torrense está totalmente modificado.
Figura 19 - Antiga Rua Cima (atual José A. Picoral). À direita era o local do Hotel Sartori. Out/2009. Foto: Leonardo Gedeon
A Rua de Baixo era um antigo caminho que cruzava a porção ocidental da
Torre Norte. Era percurso obrigatório para os viajantes que cruzavam o litoral. O
conjunto das habitações que compunham a configuração incipiente do complexo
urbanístico da vila.
40
No verão de 2008, este autor presenciou a derrubada da edificação do antigo Hotel Sartori do início da história do turismo em Torres. Era abundante a quantidade de material arqueológico associado à ocupação dos primórdios do século XX, devido ao conjunto de “lixeiras” de faiança e porcelana, além de talheres diversos.
62
A primeira dimensão é a da cidade como artefato. A cidade é coisa feita, fabricada. Artefato, no sentido mais genérico, é um segmento da natureza física socialmente apropriado, isto é, ao qual se impôs, segundo padrões sociais, uma forma ou uma função ou um sentido (seja conjuntamente, seja isoladamente, ou em diversas combinações). (MENESES, 2006, p.36)
Figura 20 - Rua de Baixo no início do século XX. Acervo Casa de Cultura de Torres.
A Rua de baixo se destacava pelo conglomerado comercial, bares,
armazéns, teatro, sede do jornal, presídio entre outras repartições. As casas
assentadas na posição leste estavam sobre um barranco de frente para a lagoa. Um
pouco abaixo do nível encontravam-se as casas que ficavam de costas para a lagoa.
A principal característica das construções deste período, é o contínuo segmento de
apoio, em que uma residência e outra são apoiadas, aproveitando as mesmas
paredes laterais. Percebemos o mesmo descaso, dos ocupantes destas residências
e da falta de fiscalização dos órgãos responsáveis. Há uma completa
descaracterização deste conjunto urbanístico. Evidenciamos uma parede externa
exposta e flagramos o interior da estrutura de pedra e cal, típico dos casarios
coloniais da vila de Torres.
63
Figura 21 - Parede de pedra e cal evidenciado em casario localizado na antiga Rua de Baixo. Out/2009 Foto: Joel Couto
4.2.4 As fortificações militares de Torres
Área aproximada UTM 623479/6753294
Uma das qualidades na produção historiográfica de Ruy Ruben Ruschel
(1995; 2004; 1999; et all) era sua constante preocupação com o patrimônio material
da região de Torres. No ano de 1999, foi publicada a obra Os Fortes de Torres41,
tratando sobre a cronologia, localização e aspectos materiais. Eram as temáticas
preferidas deste pesquisador: cultura material e história militar. Como vimos, Saint-
Hilare (1997) em 1820 descreve as construções que estão sendo implementadas
para de fato, centralizar e desenvolver as atividades eclesiásticas, administrativas e
militares. Era a vila de Torres em estágio embrionário. Para a construção do forte
utilizavam a mão de obra escrava dos indígenas aprisionados nas regiões
missioneiras. Um posto militar e fiscal era obrigatório na salvaguarda territorial, por
isso Torres no período colonial nasceu de medidas militares. A invasão dos
41
Ruschel era fidedigno historiador das fontes primárias e coletava informações orais dos moradores mais antigos de Torres. A obra referida fundamenta-se principalmente na fonte documental e informações complementares por fonte oral. Constantemente, o autor concluía com uma proposta de investigação arqueológica da área.
64
espanhóis em Desterro, forçou as autoridades portuguesas a se defenderem. Assim,
construíram o Forte São Diogo das Torres em 1777, para conter o avanço dos
espanhóis rumo ao sul. Este forte não tinha dimensões monumentais, era feito de
barro, terra e tábuas. Conforme Ruschel (1999, p.20) estava voltado para o norte,
era composto por tenalha de formato quadrangular e atrás da amurada, encostados
nos ângulos formados com os flancos, havia duas plataformas ou aterros destinados
a receber os dois canhões de ferro trazidos pelo contingente de granadeiros. No
interior da tenalha haviam seis quartéis, três em cada extremidade e no centro a
praça de armas. Com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, entre
Espanha e Portugal os conflitos territoriais minimizaram e o fortim de Torres fica
adormecido exercendo a função de um posto de defesa avançado. Vinte anos após
sua criação, o fortim recebe algumas reformas na sua estrutura e ganha dois
canhões que ficam montados nas plataformas da tenalha. (RUSCHEL, 1999)
Em 1820, Saint-Hilaire (1997) testemunha algumas alterações físicas do
Forte. Após o grito da independência em 1822, a fortificação ganha outra conotação.
Recebe o título de Presídio e posteriormente de Baluarte Ipiranga em 1824.
Segundo Ruschel (2004), foram as ameaças de invasão portuguesa na costa
meridional que fez com que os republicanos modificassem o nome e reforçassem o
forte com mais dois canhões. As atividades militares das fortificações torrenses
foram até cerca de 1840 ou segunda metade do século XIX. (RUSCHEL, 1999)
As informações orais coletadas pelo pesquisador supra-citado, nos dão
uma noção de como a arqueologia pode contribuir para “resgatar” a história da
produção material destas instalações militares.
Segundo vagas informações que colhemos na década de 1950, certos operários das obras da primeira caixa d’água da CORSAN teriam achado uma moeda portuguesa de 1809 e outras de cobre, do tempo de D. Pedro II, bem como balas de cartuchos de fuzil. [...] teriam visto no subsolo uma corrente de elos grandes, aparentemente esticada de lado a lado. [...] em dezembro de 1972, tendo sido aberta uma valeta desde a dita caixa d’água em direção noroeste, tivemos ensejo de examiná-las. Constatamos a um palmo abaixo da superfície, uma camada de até 5 cm de espessura de ostras e mariscos triturados em decomposição. Acamada mediria uns 15m de extensão e apresentava-se mais espessa na parte média. Por hipótese, poderia corresponder ao leito da estradinha que tangenciava o forte por aquele lado. (RUSCHEL, 1999, p.57)
65
As informações confirmam a existência de vestígios arqueológicos no
local. As fortificações de Torres, sem dúvida, deixaram suas marcas no relevo da
Torre Norte. Este sítio foi palco de sucessivas ocupações militares, e certamente é
um dos sítios históricos de maior relevância para as pesquisas científicas.
Atualmente, sofreu um intenso processo de antropização, com a ampliação do
acesso para o cume do morro, a construção de uma escola, uma caixa d’água da
CORSAN e pelas casas de veraneio.
Figura 22 - Vista geral do platô onde estaria localizado os vestígios das fortificações. Out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
4.2.5 A Olaria e os Fornos da Cal
UTM 623208/6752376
Entre a Torre Norte (Morro do Farol) e a Torre do Meio (Morro das
Furnas) localiza-se a praia da Cal, chamada assim devido ao processamento e
queima de cal para a construção das edificações da vila. No século XIX, era
chamada de praia da Olaria, pois na extremidade sul junto ao promontório
funcionava uma olaria que era responsável pela produção de telhas e tijolos.
66
Descrições minuciosas de 1844, do Ten. Cel. Francisco de Paula Soares de
Gusmão, ilustra com nitidez as atividades exercidas na olaria e a exploração
econômica dos recursos naturais.
Este 2° outeiro – conhecida pela Torre do Meio – em razão de sua situação entre as outras duas, não deixa de ser notável, porque no seu cimo tinha uma bacia ou depósito de águas da chuva, que formava uma lagoa, no fundo da qual / parecera? extraordinário / encontrei excelente barro para telha e tijolo, do qual me aproveitei, fazendo para o mar um profundo rasgamento [SIC] por onde a esgotei, a fim de aproveitar-me de todo o barro que tinha em si. Nesta mesma torre, para facilitar o serviço, arranjei o forno e a olaria a minha custa, pagando aos Mestres que vinham ensinar aos Profissionais, e assim consegui fabricar-se telha e tijolo para a Igreja, residência para mim e o Padre, e também para os moradores que quisessem aproveitar. Não menos interessante para nossos trabalhos foi encontrarmos entre esta Torre e a primeira, um prodigioso depósito de grandes caramujos que no tempo invernoso de grandes marés as águas sobem consideravelmente nestas praias, e depois retirando-se ficam os caramujos envolvidos na areia que o mar tenha lançado e foi-me de suma importância esta mina preciosa para as obras da Povoação das Torres, porque certamente seria muito dispendioso levar cal àquele lugar, é que quanto não seria preciso e com que transporte o faria eu? Entretanto eu consegui destes caramujos fazer excelente cal, melhor que a de marisco, e com ela edificou a Igreja, meu quartel do Capelão, o da guarnição e os depósitos indispensáveis para acomodar a Tropa da Guarnição, os presos empregados nos trabalhos da nova povoação e os objetos militares, assim pude ultimar o meu desempenho de criar a povoação sem despesa da Nação. (Correspondência de Soares de Gusmão ao Visconde de São Leopoldo datada de 24/09/1844, DUARTE, 1996, p.61)
As informações obtidas nesta correspondência nos remetem a uma área
de extração de sedimento argiloso para o fabrico de telhas e tijolos na parte superior
da Torre do Meio. A lagoa que Soares Gusmão cita está nas coordenadas UTM
623231/ 6752070 e o “rasgamento profundo em direção ao mar” ou canaleta para
escoar a água mede cerca de 1,70m de largura, ligando a lagoinha até a encosta
leste desta elevação, conhecida como paredão. O objetivo deste escoamento era
para facilitar o acesso dos trabalhadores à matéria prima tão desejada.
67
Figura 23 - Vista panorâmica da área de extração de sedimento para a olaria. Out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Figura 24 - Medição da canaleta de escoamento da área de extração de sedimento para olaria. Out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Concomitante ao funcionamento da olaria existia uma caiera de
propriedade de Soares de Gusmão. Ele ressalta a utilização dos concheiros naturais
68
que se formam na extremidade sul e norte da praia e que produz um cal de boa
qualidade. Vale ressaltar, que os fornos de cal exploravam além dos concheiros
naturais, os sítios arqueológicos tipo sambaqui pela abundância de material
conchífero. Esta prática resultou no desmonte de diversos sambaquis de Torres, a
prioridade eram as construções da povoação, principalmente as edificações dos
oficiais e párocos. Em correspondência da câmara municipal de 30/10/1881, um
“Quilolitro de cal” valia apenas 200 réis [...], seria produzido com a trituração e
queima de cascas de mariscos de sambaquis no “Rancho da Cal”, na extremidade
sul da Praia da Cal. (RUSCHEL, 2004, p.330) No século XX, o proprietário do
Rancho da Cal era Elói Krás Borges. Provavelmente, houve uma substituição
paulatina da olaria pelos fornos de cal que devem ter funcionado até os anos 40 ou
50. Tudo indica que por cerca de cem anos houve a exploração dos fornos de cal.O
avanço das pesquisas centradas na interpretação da cultura material, poderão trazer
nova luz sobre os dados existentes. Segundo as referências históricas, existia uma
olaria, porém o número de caieras ainda não foi quantificado. Em outra etapa da
pesquisa, poderemos ter uma idéia mais precisa sobre o processo de exploração de
cal.
Figura 25 - Extremidade meridional da Praia da Cal, ambiente onde estavam localizados a Olaria e uma das Caieras.out/2009. Foto: Leonardo Gedeon
69
4.2.6 Marégrafo de Torres
UTM 623128/6751823
Figura 26 - Na banda oriental da Torre do Meio estava fixado a estação Marégrafo de Torres. (RUSCHEL, 2004,p.784)
No local conhecido como “Furninha”, na porção oriental da Torre do Meio
estava fixado o Marégrafo de Torres. Existia o marégrafo e o marco RN IV localizado
na base da Torre Norte. (RUSCHEL, 2004) O datum de Torres foi o primeiro datum
altimétrico do Brasil e tinha registros entre os anos 1919 e 1920. A Comissão da
Carta Geral do Brasil estava estabelecendo uma rede altimétrica, medindo as
distâncias da costa atlântica e as altitudes em território brasileiro. Em 1958, o datum
de Torres foi substituído pelo datum de Imbituba, que contava com nove anos de
observações (1949-1957) quando a RAFB já tinha 30.000 quilômetros de
nivelamento. Ainda em 1946, foi feita uma “conexão com a RN4, determinada pelo
datum de Torres estabelecido pela estação marégrafa de Torres (RS) [...]” (SOUZA,
2006, p.29) Com a suspensão dos serviços do marégrafo, a estrutura de madeira foi
apodrecendo. A evidência material que ainda resistiu ao tempo, foi os engates que
apoiavam a base da casinha do marégrafo em ambos os lados da Furninha.
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Figura 27 - Sulcos na rocha evidenciam o engate da base do Marégrafo de Torres. out/2009 Foto:
Leonardo Gedeon
O que desperta fascínio neste sítio encontra-se no interior desta furna
onde se localizava o marégrafo. No lado direito de quem entra na furna, existe um
painel com grafites históricos. Na parede de basalto, na rocha suporte foram
encontrados muitos nomes inscritos. Em constatação pessoal42, pude perceber
nomes que acompanhavam a data da inscrição. Muitas datas coincidem com as
primeiras décadas do século XX. A problemática que se levanta, é quem eram os
sujeitos que inscreveram seus nomes acompanhados de datas? Eram os primeiros
veranistas, pescadores e moradores locais ou funcionários que trabalharam na
construção e manutenção da estação marégrafa? Hoje em dia não é muito comum
ver pessoas adentrando a furna, mas será que era uma prática corrente para os que
freqüentavam o local?
A utilização de metodologias de investigação de arte rupestre podem
auxiliar na captação dos dados referentes à este sítio.
42
Expedição recreativa que acabou descobrindo o painel com grafites históricos, ocorreu em 2006. Em breve terá uma expedição com fins científicos para investigar as técnicas empregadas no registro, a delimitação e posicionamento do painel na rocha suporte, assim como tentar saber quem eram essas pessoas pelos nomes, não sua maioria nomes completos. Alguns nomes levam um acabamento refinado, escritos com letras cursivas na base basáltica por técnica de picoteamento.
71
Figura 28 - Área de fixação do marégrafo de Torres, em frente à Furninha. Out/2009 Foto: Joel Couto
4.2.7 Porto Marítimo de Torres
UTM 622800/6751633
Figura 29 - 1890. Construção parcial do Porto Marítimo de Torres na Praia da Guarita. Acervo João Barcellos
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Durante a primeira República, inaugurada pelo Mal. Deodoro da Fonseca
em 1890, projetos portuários ambiciosos para o Sul do Brasil estavam na pauta de
governo. Em Torres, ponto estratégico no litoral norte, a praia da Guarita foi
escolhida pelos engenheiros e especialistas devido a abundância de matéria-prima
fornecida pelas elevações rochosas. A obra não teve conclusão pois Deodoro da
Fonseca não cumpriu seu mandato. Os aspectos materiais do porto marítimo de
Torres, ainda são vistos na base da Torre Sul. O molhe que adentrava o mar, já não
tem a mesma proporção.
Figura 30 - Vestígios arqueológicos do Porto Marítimo de Torres. out/2009 Foto: Joel Couto
[...] chegaram a ter inicio as obras do Porto de Torres. Na praia da Guarita foram estendidos trilhos e colocadas vagonetas, instrumentos vários foram instalados. As explosões de dinamite, para arrancar pedras, deixaram sinais que ainda hoje podem ser visto da Ponte (extremidade marítima da Torre das Furnas). (RUSCHEL, 2003
A área de extração de matéria-prima para a construção do porto está sob
as coordenadas UTM 623004/6751629. O local é chamado de Ponte, devido aos
trilhos que transportavam as rochas para o outro lado da praia da Guarita no período
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da construção do porto. Na pesquisa dos aspectos materiais do porto de Torres,
uma ramificação da ciência arqueológica terá papel fundamental: a arqueologia
subaquática. Através dos seus métodos de pesquisa poderemos obter medidas do
sítio e sua dispersão embaixo d’água. Gilson Rambelli (2002, p.64) exemplifica as
metodologias de reconhecimento de sítios submersos.
O levantamento subaquático sistemático é a única maneira de pesquisar grandes ou pequenas áreas com presença de sítios arqueológicos, permitindo assim conhecer e inventariar o patrimônio cultural subaquático no próprio local, antes de qualquer intervenção nele.
Na análise dos registros fotográficos, percebe-se uma diferença na
estrutura física do sítio que nos leva a indagar quais foram os fatores que fizeram
aquele quebra mar do final do século XIX quase desaparecer? A oscilação das
marés e o aterramento da baía pode ser uma hipótese. Ou a utilização de dinamites
para explodir o que já tinha sido construído, já que a obra não iria ser concluída. São
situações hipotéticas que só terão respostas após uma pesquisa detalhada do
processo de projeção, extração e deslocamento das rochas e construção do molhe
inacabado do Porto de Torres.
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Figura 31 - Detalhe das marcas de explosão à dinamite utilizada para extrair as rochas para a
construção do Porto de Torres. out/2009 Foto: Leonardo Gedeon
Figura 32 - Vista parcial da área de extração de matéria prima para a construção do Porto de Torres. out/2009 Foto: Joel Couto
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia teve como objetivo discutir os processos históricos
de formação dos conceitos de turismo e patrimônio e elaborar uma perspectiva
agregadora que possa servir como subsídio para se refletir a relação turismo x
patrimônio com ênfase na preservação e gestão responsável do legado cultural
material. Primeiramente, discutimos as origens da noção de turismo e patrimônio
para trazer alguns aspectos fundamentais para se entender as conseqüências desta
relação. A prática do turismo e a construção ideológica da noção de patrimônio
histórico-cultural são frutos de concepções elitistas. Para o caso de Torres, tornou-se
imprescindível essa assertiva.
No perímetro urbano de Torres, percebemos que o turismo reconfigurou o
território e as práticas sociais. E neste processo as principais vítimas foram os sítios
arqueológicos pré-coloniais e históricos. O impacto que a atividade turística exerceu
sobre o patrimônio material foi contra todo o aparato legislativo vigente
negligenciando os princípios de preservação e gestão destes bens culturais. As
elites políticas e econômicas que se apoderaram da praia das torres como ambiente
de ócio e lazer tinham um comportamento contraditório na relação com os
testemunhos materiais do passado. O turismo praticado foi extremamente nocivo no
que tange a preservação do patrimônio arqueológico.
Nossa proposta de estudo partiu da apropriação e difusão de
conhecimento centrada no patrimônio material. Valorizando estes vestígios
arqueológicos estaremos contribuindo para um novo paradigma de estruturação
social e turística. A arqueologia, ciência que estuda a cultura material é de suma
importância para a reversão desta situação, pois poderá mapear e encontrar os
sítios que para muitos, já estão extintos. Neste sentido, a administração pública
municipal tem por obrigação subsidiar as propostas de gestão do patrimônio cultural,
com programas continuados de educação patrimonial para moradores e turistas e a
implantação de museus temáticos ou por áreas do conhecimento, que sejam um
atrativo educacional de valorização do legado cultural regional. A nossa esperança é
que este estudo introdutório sirva como contribuição para futuras pesquisas.
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