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O PENSAMENTO EDUCACIONAL DE INEZIL P. MARINHO: ESCRITOS DA
DÉCADA DE 1940
Ricardo Adriano de Andrade1
Universidade Estadual de Campinas
Agência Financiadora: CAPES
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo analisar o pensamento educacional de
Inezil Penna Marinho e sua relação com a ideologia educacional brasileira durante a
década de 1940. Nessa perspectiva, buscou-se compreender de que maneira se expressa
o pensamento educacional do autor a respeito da educação física, diante das mudanças
econômicas, políticas, sociais e culturais ocorridas no Brasil durante esse período.
Sumariamente, Marinho, professor de educação física e advogado, nasceu no
Rio de Janeiro, onde viveu grande parte da vida. Durante a década de 1940, atuou como
técnico em educação no Ministério de Educação e Saúde Pública (MES). Diante desse
itinerário do autor cabem as questões: quais eram as circunstâncias históricas que
ofereciam possibilidades para a formulação da interpretação de Marinho a respeito da
educação brasileira? Que função o autor atribui a educação física em seu pensamento
educacional? Quais eram os limites da interpretação e propostas de ensino de Marinho
em face ao debate educacional ocorrido durante a década de 1940?
Assim, para o desenvolver esta pesquisa foram elencados três objetivos
específicos: (a) apresentar o contexto histórico que baliza o ideário educacional em
disputa no período da década de 1940; (b) expor e esclarecer as principais contradições
do pensamento do autor por meio do confronto de seus textos; e (c) demonstrar os
limites de suas propostas de ensino da educação física em face do debate educacional
ocorrido no período.
Pode-se dizer que as razões que justificam esse estudo são as seguintes: não há
1 Mestrando em Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação – UNICAMP.
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trabalhos sobre o pensamento educacional de Marinho2; as obras produzidas durante a
década de 1940 oferecem os principais fundamentos teórico-metodológicos da
interpretação do autor a respeito dos aspectos educacionais da realidade brasileira; e é
também esse período o de maior produção do autor sobre a temática educacional.
Em relação ao referencial teórico-metodológico optou-se em tratar as questões
teóricas relativas a ideologia balizando-se nas determinações apresentadas pelas escritos
de Marx e Engels. Especificamente foram utilizadas as obras: “A ideologia alemã”,
somente os textos sobre Feuerbach; “Miséria da Filosofia”; e o Prefácio de “Para crítica
da economia política”. Já sobre a relação entre ideologia e educação foram revisadas as
seguintes teses: “Reflexões sobre educação e ensino nas obras de Marx e Engels” de
autoria de José Claudinei Lombardi; e “A determinação marxiana da ideologia”
defendida por Ester Vaisman.
Nesse sentido, em grossa pinceladas, o “pensamento educacional” foi debatido
nessa pesquisa como uma parte constitutiva de uma ideologia de uma determinada
classe. As ideias educacionais de Marinho alinhavam-se a uma determinada visão de
mundo de uma determinada classe. Assim, não tratou-se “ideologia” como falsa
consciência mas como um ponto de vista de classe possível dentre outros. Ou seja, no
contexto deste trabalho, tomou-se por perspectiva discutir a função que determinadas
ideias exercem na realidade, podendo ser falsas ou não.
As fontes utilizadas foram: as obras (fontes primárias) de Marinho (livros e
trabalhos publicados pelo autor ou pelo MES), produzidas durante a década de 1940 e
relacionadas a temática educacional; e bibliografia de autores que tratam do contexto
histórico brasileiro, tanto na forma de registro de acontecimentos (documentos oficiais,
legislação, livros e artigos de periódicos e jornais) à análises sobre a historiografia da
educação.
Com efeito, para fins deste texto, e em face de uma pesquisa em
desenvolvimento, optou-se por privilegiar o segundo objetivo, centrando-se na análise
histórica de quatro obras de Marinho: Bases Científicas da Educação Física, 1944;
2 Os bancos de dados utilizados: Banco de Teses da CAPES, criado em 2001; Banco de Currículos da
Pltaforma Lattes, desde 1999; e NUTESES, desde em 1994. Consultas: a) 5. Maio. 2012 e b) 10. feveiro.
2013. O nome “Inezil Penna Marinho” foi utilizado nos filtros: assunto, palavra-chave e/ou expressão
exata. Apresentam 31 produções – a maoiria relacionada a trabalhos sobre a concepção histórica do autor
e não sobre o seu pensamento como uma totalidade.
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Condições a que deverá satisfazer um método nacional de educação física, 1944; Lugar
da Educação Física no Plano Educacional, escrito em 1945 (obra publicada
postumamente); e Objetivos e características da Educação Física no ensino secundário,
1946. Tais obras não esgotam o pensamento educacional do autor mas podem ser
consideradas sínteses do mesmo.
O conceito de educação física no pensamento educacional de Marinho
Em 10 de novembro de 1942, a DEF, com a finalidade de dedicar-se ao estudo
de um método nacional de educação física, tendo em vista a insatisfação ocasionada
pela prática predominante da educação física, ministrada em âmbito nacional,
fundamentada no Método Francês de Educação Física, lançou um inquérito destinado a
ouvir a opinião dos técnicos, professores e de todos que se dedicavam ao assunto
(BRASIL, 1944b).
O documento orientava que a contribuição dos interessados deveria ser
manifestada por meio de propostas, críticas e sugestões baseadas no plano geral, “O
Método Nacional de Educação Física”, elaborado pela DEF, disponibilizado com o
inquérito.
No “Método Nacional de Educação Física” recomendava-se que os trabalhos
encaminhados deveriam considerar enquanto método um conjunto sistemático de
princípios e práticas orientadores do trabalho educativo. E ponderar também, educação
física enquanto “prática de desenvolvimento físico, psíquico e social” e, por meio de seu
viés higienista, simultaneamente, promotora de recursos para conservação da saúde
(BRASIL, 1942, p. 5). Ainda, se advertia a considerar o conceito moderno de educação
física, isso é, caracterizar a educação física como elemento da educação evidenciando
sua fundamentação científica nas bases biológica (vida orgânica), psicológica (vida
psíquica) e sociológica (vida social).
A respeito de cada uma dessas bases científicas, o documento propunha que:
relativo a biologia deveriam ser elencados os conhecimentos da “evolução orgânica do
homem”; sobre a psicologia seria necessário indicar, baseando-se no “estudo dos
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processos de aprendizagem e das diferenças individuais”, os “meios mais adequados
para o rendimento certo e seguro das atividades educacionais”; e em relação a
sociologia, alicerçando-se pelo estudo das estruturas sociais, apresentar como a
educação poderia “estar adaptada ao seu ambiente” para atender “aos objetivos exigidos
pela coletividade nacional, em seu conjunto” (Ibidem, p. 6). O plano geral também
propunha a necessidade de apresentar condições – fins e meios adequados – que
conduzissem, de forma geral, ao “desenvolvimento integral” do indivíduo (Ibidem, p. 6-
7).
Após a publicação de um inquérito apresentando as contribuições recebidas, a
DEF promoveu, em 24 de julho de 1943, o concurso de “Contribuições para o Método
Nacional de Educação Física”. Recomendavam-se as mesmas orientações quanto ao
plano geral e limitavam-se as inscrições de trabalhados de “autores brasileiros, natos ou
naturalizados” (BRASIL, 1944b, p.72). Dentre os cinco trabalhos inscritos, Bases
Científicas da Educação Física, trabalho apresentado pela Sociedade de Estudos dos
Problemas da Educação Física (SEPEF), entidade fundada por Marinho e Paulo Araújo,
obteve a melhor colocação.
Para década de 1940, o trabalho, Bases Científicas da Educação Física, inovava
ao sugerir a inclusão da Filosofia como quarta base científica na composição do
conceito moderno de Educação Física. E pode-se dizer que neste trabalho, de maneira
panorâmica, apresenta-se os fundamentos teórico-metodológicos do pensamento
educacional de Marinho que seriam desenvolvidos e explorados em seus estudos
posteriores. Com efeito, essa obra é ponto de chegada de problemas enfrentados pelo
autor desde seus primeiros trabalhos sobre o assunto.
Composta por uma introdução mais e sete capítulos é em Bases Científicas da
Educação Física que se destaca a interpretação de Marinho a respeito do “Método
Nacional de Educação Física” e o desenvolvimento dos fundamentos científicos
propostos no conceito moderno de educação física.
Esse trabalho se principia com uma introdução remetendo a inclusão da filosofia
como uma das bases científicas da educação física e sugerindo a alteração do sentido
ordinário dessas bases: de “Biologia, Psicologia e Sociologia” para “Filosofia, Biologia,
Sociologia e Psicologia”.
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[...] de acordo com as tendências modernas, que concedem à filosofia
o lugar de destaque que outrora ela ocupou entre os conhecimentos
humanos, em primeiro plano devem figurar os fundamentos
filosóficos da educação. A filosofia é indispensável para que se possa
conhecer o que é educação. [...]
Ora, a sociologia é que determina os fins em educação e nós sabemos
que esses fins variam de um grupo social para outro e, até dentro do
mesmo grupo, de uma época para outra. A psicologia nos indica os
meios com os quais deveremos alcançar os fins colimados.
Consequentemente, a contribuição da sociologia deve preceder a da
psicologia, porque os fins variam, os meios, forçosamente, deverão ser
diversos, nem o problema poderá ser compreendido de outra forma,
uma vez que os meios são parcelas dos fins (BRASIL, 1944a, p. 6-7,
grifo do autor).
As justificativas de Marinho são condizentes no itinerário desta obra, contudo
em trabalhos posteriores apresenta-se frequentemente o conceito bio-sócio-psico-
filosófico.
No segundo capítulo, adota o mesmo procedimento de exposição do capítulo
anterior. Destacam-se, em especial, passagens de obras de Lourenço Filho das quais
Marinho se alicerça para afirmar, novamente, que educação física é educação, ou seja,
educação física é um elemento indissociável da educação.
Entre as obras transcritas dos autores referidos por Marinho, são recorrentes as
seguintes: “Educação e Sociologia” de Émilie Durkheim; “Democracia e Educação” de
John Dewey; “Introdução a Escola Nova”, “Educação e Educação Física” e “Psicologia
e Edução Física” de Lourenço Filho; e “Educação Progressiva” de Anísio Teixeira.
No terceiro capítulo, de maneira sumária, são elencadas e desenvolvidas as
contribuições de cada área científica que constitui o conceito moderno de educação
física empregado por Marinho.
Começa-se, no quarto capítulo, pela Filosofia entendendo-a enquanto
procedimento metodológico realizado pelo ser humano para interpretar a realidade em
que vive. Em seguida, relata, de forma sintética, a evolução da filosofia oriental e
ocidental, por meio da exposição de breves biografias dos autores que considera
referência. Ressalta, dentre aqueles que discutiram a educação, Dewey.
Os pontos de vista de Dewey sobre a educação são reflexos da
revolução industrial e do desenvolvimento da democracia. Reage
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fortemente contra as relações clássicas e os métodos autoritários das
épocas aristocráticas, quando a educação consistia em aprender mais a
maneira de falar sobre as coisas do que fazê-las. Manifesta grande fé
na educação como o instrumento mais adequado à reconstrução social,
política e moral, consideradas a maleabilidade dos instintos e a
capacidade ilimitada de progresso da Humanidade. Acredita que as
nossas dificuldades atuais são próprias de uma adolescência caótica e
da desproporção que existe entre nossas capacidades e nossos
conhecimentos (BRASIL, 1944a, p. 38-39).
Em consonância com essa interpretação de Dewey, Marinho prossegue
constantemente realizando comparações entre as ideias da escola tradicional e da escola
nova, argumentando a respeito da necessidade da educação ser direcionada ao “novo”,
privilegiando “a ação”, “o fazer”, o “espírito de inciativa”, oferecendo condições
objetivas para que “a criança se transforme num homem-feito” desenvolvendo sua
capacidade de “dirigir” e “governar” sob as determinações de uma sociedade
democrática (BRASIL, 1944a, p. 40-41).
Conforme já mencionado, remetendo-se a escola tradicional, Marinho utiliza
adjetivos, advérbios ou verbos no pretérito e, destacando seu emprego da análise de
Dewey, caracteriza a educação enquanto “instrumento mais adequado à reconstrução
social, política e moral” de “capacidade ilimitada de progresso da Humanidade”. E
enfatiza a necessidade de desenvolver a capacidade de “dirigir” e “governar” de cada
“criança”. Nessas afirmações, repara-se que a generalização do indivíduo “criança”
torna-se, aparentemente, inconsistente quando confrontada com as possibilidades de
governar e dirigir – já que se há quem governe também há quem seja governado, e,
simultaneamente, a existência de quem dirige é garantida pela existência do dirigido. Ou
seja, quais seriam há condições concretas de generalização dessa capacidade?
A contextualização histórica do período traz pistas importantes para
compreender porque se expressa essa inconsistência na interpretação do autor. Durante
as décadas de 1920 e 1930, as crescentes mobilizações em torno de reivindicações
educacionais tornaram-se oportunas diante da crise das atividades agroexportadoras e
dos primeiros ensaios para uma rearticulação econômica. Desse modo, “do ponto de
vista das classes dominantes” era necessário cumprir “a função de canalizar as
insatisfações sociais face um estado crônico de carência e exploração, sempre
incompreendido e nunca resolvido” (XAVIER, 1990, p. 63). Por isso,
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[...] o sucesso e a incorporação definitiva dos pressupostos
educacionais liberais na crença das camadas subalternas, inquietas
mas ignorantes das verdadeiras causas da miséria, no discurso das
camadas médias mais sequiosas de participação nos privilégios do que
eliminação dos mesmos e da estrutura que os sustentava e na retórica
das camadas dirigentes, que exploravam e alimentavam essas ilusões.
[...]
A modernização do ideário liberal nacional se deu, nesse período,
através da assimilação do pensamento escolanovista, que atendia
perfeitamente aos objetivos conservadores das classes dominantes, às
aspirações reformistas das classes médias, e acenava com promessas
de democracia e progresso para as classes inferiores (XAVIER, 1990,
p. 63-64).
Essa generalização, nesse sentido, seria possível somente em relação a
determinados grupos sociais que configuravam a sociedade brasileira durante o período
da década de 1940.
O autor segue no quinto capítulo abordando a fundamentação biológica.
Descreve-se a evolução das pesquisas sobre a biologia – apresentando gráficos de
crescimento e tabelas estatísticas sobre desenvolvimento motor –, destacando os estudos
sobre fisiologia e morfologia. “Biologia Educacional” de Antônio Almeida Júnior é a
referência mais utilizada para alicerçar a interpretação do autor. Em suma, para Marinho
(BRASIL, 1944a, p. 69), “a educação vale-se da Biologia como auxiliar” e partir dessa
ciência projeta-se a compreensão da “constituição e a função do organismo humano”.
Tal projeção oferece, então, possibilidades de “permutar que os ritmos da nossa
existência sejam traduzidos pelas impressões cinestésicas, que, como o leve arfar de um
motor de seus cilindros, ocupam o fundo na nossa consciência quando estamos
silenciosos e meditamos” (BRASIL, 1944a, p.61).
A interpretação de Marinho a respeito da base biológica, descrita nesse capítulo
(o mais breve da obra), ressalta os aspectos fisiológicos e as possibilidades motoras do
organismo humano. Esse traço da análise do autor relaciona-se a necessidade de reiterar
a correspondência entre o conceito moderno de educação física e a educação,
confrontando-o com conceito de educação física que predominou no Brasil no inicio do
século XX, cujo “cuidado era apenas com a forma e nunca com a função” (BRASIL,
1944a, p. 58).
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Nesta direção, se “a filosofia” permite “a discussão daquilo que deveremos
entender por educação” e a “biologia” possibilita conhecer “aquele que é necessário
educar” (BRASIL, 1944a, p.27), qual é a finalidade da educação física?
O caminho percorrido no sexto capítulo a respeito da Sociologia, seguindo a
mesma dinâmica dos anteriores (expondo autores, breves biografias e transcrição de
passagens de algumas de suas obras), oferece pistas para uma resolução correspondente
a questão sobre a finalidade da educação física. Fundamentando-se, principalmente, em
Durkheim, Marinho argumenta:
Cabe, pois, à sociologia a determinação dos fins em educação, isto é,
da finalidade que deverá ser alcançada pelo educando, para que ele se
torne um elemento útil a si mesmo e aos membros da comunidade em
que vive. Como o ambiente social varia de uma sociedade para outra e
considerando que a educação é a socialização da criança, fácil nos será
deduzir que as finalidades da educação nunca poderão ser as mesmas
para todos os grupos sociais. Cada um destes apresenta certas
características que precisam ser atendidas de modo especial (BRASIL,
1944a, p. 61).
O autor, ainda, afirma que comunidade é a associação de indivíduos com um
interesse comum que desenvolvem uma ação comum (BRASIL, 1944a, p. 91). Cuja
família é a unidade fundante, “a base de todo edifício social” e os indivíduos são seres
sociais, porque apresentam uma “inclinação natural para viver em comunidade”, e
dotados de inteligência, pois possuem a capacidade de ajustar-se ao meio em que vivem
ou mais precisamente, apresentam “uma capacidade inata, maior ou menor, segundo o
patrimônio hereditário, suscetível de ser mais ou menos desenvolvida de acordo com as
condições do meio, e que permite definir novas situações com a experiência obtida das
situações velhas” (BRASIL, 1944a, p. 94).
Em resumo, para Marinho, conforme essas proposições, a finalidade da
educação está circunstanciada pelo “ambiente social” que varia de uma sociedade para
outra, logo, “as finalidades da educação” não podem ser as mesmas “para todos os
grupos sociais”. Contudo, essa finalidade deve “ser alcançada pelo educando para que
ele se torne um elemento útil a si mesmo e aos membros da comunidade em que vive”,
já que o indivíduo, ser social e dotado de inteligência, na perspectiva de ser tornar “um
elemento útil”, precisa ajustar-se correspondentemente ao seu grupo social, às
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condições do meio e aos interesses da sociedade em que vive.
Em contrapartida, os desajustados3, isso é, esses indivíduos, de um determinado
meio social que desobedecem ao padrão de vida estipulado, incompatibilizando-se com
esse meio, tornam-se, assim, um problema. Portanto, “precisam, antes de tudo, serem
adaptados”, ajustados “ao referido meios social” (BRASIL, 1944a, p. 98).
Assim, partindo desse raciocínio, Marinho chega a seguinte conclusão.
[...] cada grupo social apresenta os seus problemas peculiares, cujas as
soluções terão de ser encontradas dentro das condições do meio social
em que vive o grupo.
O êxito e o insucesso dos indivíduos se relacionarão sempre com o
padrão do grupo que pertençam. O padrão jamais poderá ser
individual, mas sempre social. Assim, um indivíduo poderá ser
comparado a outro, desde que ambos pertençam ao mesmo grupo
social e este grupo social será então confrontado com os outros grupos
sociais.
As condições médias de cada grupo nós denominamos padrão. Temos
[...] padrões sociais, intelectuais, físicos, econômicos, etc. (Ibidem, p.
99-10).
E por conseguinte, ao tratar-se de educação física é necessário frisar que “não é
possível aplicar os exercícios físicos indiferentemente a todos os indivíduos”, ou seja,
“um método ideal de educação física” precisa ter por “principal escopo as condições
sociais dos indivíduos”, levando em consideração “principalmente aqueles que se
encontram desajustados” (Ibidem, p. 98).
Relacionando as proposições anteriores com essas assertivas, para Marinho, cabe
a educação física, enquanto meio social, ajustar os indivíduos aos padrões do grupo
social a que pertencem. E uma vez que cada grupo na sociedade “apresenta certas
características que precisam ser atendidas de modo especial”, a educação física, assim,
necessitando corresponder aos interesses e ações de cada grupo social específico,
precisa ajustar os indivíduos de forma especificamente distinta. Em suma, a finalidade
da educação é ajustar o indivíduo ao padrão que é determinado pelos interesses da
sociedade que variam conforme cada sociedade.
3 As formas de desajustamento indicadas por Marinho são: “de condição (miséria e pauperismo); de
espírito (alienação); dos sentidos (cegueira, surdez e mudez); de saúde (alcoolismo, lepra, moléstias em
geral e vícios); de econômica (desemprego e greves); político (revolução e guerra)” (BRASIL, 1944a,
p.94 ).
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O autor finaliza o capítulo expondo breves propostas metodológicas para o
ensino da educação física nas modalidades primário, secundário, superior, industrial,
comercial, emendativo e escolas especializadas.
A Psicologia é abordada no sétimo e último capítulo da obra. A dinâmica
descritiva do autor é semelhante ao dos capítulos anteriores: exposição de breves
biografias de autores da psicologia e psicanálise, e transcrição de passagens de algumas
de suas obras. “Educação Funcional” de Claparède é a obra mais referida por Marinho.
A psicologia nos facultará um maior conhecimento do mundo psíquico
daqueles que vamos educar, de maneira tal que realizem as tarefas
com prazer desde que estas correspondam aos seus interesses, aos seus
desejos. É preciso penetrar na alma do educando para conhecer aquilo
que lhe agrada fazer e o que lhe repugna parcial ou completamente
(BRASIL, 1944a, p. 64).
[...]
Do mesmo modo que o ambiente influi na formação física também o
faz, e com razão, no desenvolvimento mental (Ibidem, p. 124).
[...]
Deve-se entender por meio, ou ambiente, o conjunto de fatores que
influem sobre a criança depois que nasce, de modo normal ou
eventual, tais como o processo de criação física, com predominância
da alimentação; criação psíquica, intelectual e moral – educação –
representada pelo ambiente familiar e escolar; os climas e as estações
traduzindo o ambiente físico; os fatores mórbidos e o ambiente social
e econômico (Ibidem, p. 123).
Para o autor, a edificação da subjetividade do indivíduo necessita: respeitar a
evolução de seus interesses (o chamado período de interesses baseado no
desenvolvimento biológico e psíquico do ser humano conforme Claparède em
“Educação Funcional”); está relacionada as condições, meio e grupo social em que vive;
e associa-se diretamente à prática, no caso da educação física, a atividade motora.
Ressaltando o último aspecto, o autor argumenta que “aprender é um processo ativo,
aprendemos as reações que praticamos” (BRASIL, 1944a, p. 128). Por isso,
O indivíduo humano no seu processo de crescimento apresenta vários
meios de se comportar, todos fazendo parte da nossa compreensão da
personalidade e o modo como se encontra e se ajusta às barreiras que
aparecem no seu campo de ação.
[...] a educação tem por objetivo primordial desenvolver ao máximo a
personalidade do indivíduo, fazendo de cada homem, sempre que
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possível, um líder (Ibidem, p. 138).
O capítulo e a obra encerram-se propondo que os programas escolares de
educação física estejam baseados nas atividades escolares práticas, privilegiando, no
caso da educação física, as atividades motoras.
Assim sendo, nesse momento da presente pesquisa, pode-se dizer que a
edificação do pensamento educacional de Marinho, delimitando-se a análise da década
1940, apresenta deliberações precisas, em relação a interpretação do conceito moderno
de educação física e método correspondente, principalmente na obra Bases Científicas
da Educação Física.
Em síntese, de acordo com as assertivas de Marinho no decorrer dessa obra, é
possível indicar, provisoriamente, as seguintes resoluções sobre o pensamento
educacional do autor:
a) educação física é educação.
b) educação para o autor é um meio social que tem por perspectiva ajustar os
indivíduos aos fins, ou seja, aos interesses da sociedade em que vivem – levando em
consideração os grupos sociais a que pertencem, seu desenvolvimento morfológico,
fisiológico (orgânico) e psicológico (personalidade) individuais.
Cabe, nesse sentido, demonstrar, por meio da análise histórica, qual é acepção
que o autor atribui a “interesses da sociedade” e quais são as alternativas concretas para
efetivar seu ideário educacional.
A função social da Educação Física nas proposta de ensino de Marinho
Em fins de 1944, no “Concurso de Trabalhos sobre Educação Física” para Seção
Pedagógica, promovido pela DEF, a monografia Condições a que deverá satisfazer um
método nacional de educação física de Marinho é premiada com o primeiro lugar entre
os inscritos. No percorrer deste trabalho, o autor desvela o sujeito do conteúdo oculto na
expressão “interesses da sociedade”.
A obra é composta por uma introdução (plano) e três capítulos. O primeiro
capítulo apresenta a concepção de método adotada, o segundo versa sobre o conceito
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“nacional” e o terceiro expõe as condições necessárias para satisfazer um método
nacional de educação física (MARINHO, 1945).
O que é particular no primeiro capítulo – já que, em sua maior parte, o autor
reproduz o conceito de método e educação desenvolvidos em obras anteriores – é a
ênfase na discussão sobre a dinâmica entre meios e fins. De acordo com Marinho (Idem,
p. 8, grifo do autor), sob o ponto de vista educacional, define-se método enquanto
“conjunto de meios dispostos convenientemente para chegar a um fim que se deseja”,
ou seja, “método é uma adequação dos meios aos fins”.
A razão dessa ênfase corresponde a necessidade de desenvolver um método
nacional de educação física correspondente as condições educacionais brasileiras do
período, abrangendo suas distinções regionais e culturais.
E para que o método vingue, principalmente entre nós, onde as
diferenças, não apenas individuais como as sociais, se apresentam de
forma marcante, o método deverá ser flexível, plástico, elástico,
atendendo e moldando-se com facilidade, sem se quebrar, às
necessidades características desta ou daquela instituição, deste ou
daquele grupo social. No presente caso, do Método Nacional de
Educação Física, para que este fosse rígido, necessário se tornaria que
todo o povo brasileiro constituísse um bloco homogêneo, definisse
sempre a sua situação do mesmo modo, quaisquer que fossem as
circunstâncias em que se encontrasse. O nosso método de educação
física, para ser nacional, não poderá de forma alguma ser rígido
(Ibidem, p. 9)
E se, para Marinho, educação física é educação, resoluções que encaminhem um
método nacional exclusivo de educação física são incoerentes. Reproduzindo passagens
da introdução e do primeiro capítulo da obra Bases Científicas da Educação Física, já
comentada na presente pesquisa, o autor esclarece esse argumento.
Também, como última observação deste primeiro capítulo a respeito da
concepção de método nacional de educação, o autor argumenta que a função do método
“é dirigir a ação do educando no sentido de que acumule aquelas experiências que lhe
desenvolvam capacidades exigidas pela sociedade atual” (MARINHO, 1945, p. 10).
Na concepção de método nacional de educação empregada por Marinho, por um
lado, a flexibilidade exigida refere-se: a possibilidade do método científico adequar-se
as condições regionais e culturais, e, conforme as bases sociológicas desenvolvidas pelo
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autor em obras anteriores, respeitar “as necessidades características das instituições e
grupos sociais”. Esta flexibilidade resulta da própria maneira de ser brasileiro(a), “onde
as diferenças, não apenas individuais como as sociais, se apresentam de forma
marcante” porque o “povo brasileiro” não constitui “um bloco homogêneo”. Por outro
lado, exigi-se rigidez na função do método: “dirigir a ação” dos estudantes para que
estes desenvolvam as “capacidades exigidas pela sociedade atual”.
Estabelece-se, entre essas assertivas de Marinho, uma diferença entre o “povo
brasileiro” e a “sociedade atual”, e uma correspondência entre função do método e
função da educação – ou seja, se o “povo brasileiro” não é a “sociedade atual”, a função
do método nacional de educação, coerentemente ajustada a função social da educação, é
satisfazer as exigências e aos interesses da “sociedade”.
Em agosto de 1943, período em que aumenta o número de navios brasileiros
afundados por torpedos de frotas marinhas dos países do eixo (Alemanha, Japão e
Itália), o Brasil marca sua entrada definitiva na Segunda Grande Guerra (1939-1945).
Essa deliberação, a respeito da participação brasileira ao lado dos países aliados
(Inglaterra, França, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Estados Unidos da
América), rompia com o estado de neutralidade sustentado pelo governo brasileiro
desde janeiro de 1942, após “pressão do governo estadunidense exercida sobre os países
americanos” na Terceira Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das
Repúblicas Americanas (CARONE, 1982, p. 61).
Nesse contexto, ampliam-se os procedimentos propagados pela campanha de
nacionalização do Estado Novo que buscava consolidar uma identidade nacional por
meio da restrição de culturas estrangerias em território brasileiro. No âmbito
educacional, essas medidas de propósitos nacionalistas atingiram as localidades
oriundas de imigração europeia, principalmente as regiões do sul do país. O ensino de
línguas estrangeiras, costumes e práticas religiosas foram proibidas nas instituições
educacionais. Na perspectiva da campanha, essas escolas constituíam locais
privilegiados de elaboração de conteúdos étnicos cujo papel educativo era estratégico,
ou seja, as escolas alemães direcionavam a educação dos estudantes para uma formação
estranha aos ideais democráticos da sociedade brasileira (SEYFERTH, 1999).
Essa contextualização histórica permite entender porque Marinho, no segundo
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capítulo a respeito do conceito “nacional”, se detêm no debate sobre o conceito
“soberania nacional”.
Baseando-se na sociologia jurídica4 o autor inicia esse capítulo, discutindo os
conceitos de homem, família (reproduzindo-os a partir do estudo desenvolvido no
trabalho Bases Científicas da Educação Física), população, povo, nação, Estado e
“soberania nacional”. De acordo com esse capítulo, para Marinho: população é “a massa
dos indivíduos que vivem em determinado território, em certo momento histórico”
(MARINHO, 1945, p. 14); povo são “os cidadãos que, em determinado momento
histórico, pertencem a um Estado” (Ibidem, p. 15; BRASIL, 1944a, p. 104); nação é o
povo organizado politicamente; Estado é a vontade nacional existente numa sociedade –
“uma corporação nacional fixada em um território, dotada originariamente de um poder
de governo” (Ibidem, p. 16; Ibidem); e soberania nacional é a autoridade outorgada ao
Estado5. Após precisar esses conceitos, o autor prossegue defendendo as restrições
rigorosas, em torno da educação, realizadas pelo governo brasileiro na tentativa de
constranger as influências estrangeiras, especialmente, as provenientes dos países do
Eixo.
Para além das exigências das ações governamentais do período, também,
observa-se nessa argumentação de Marinho que “Estado” e “população” são distintos
assim como “população” e “povo”. Da mesma forma, “os indivíduos” que habitam um
território não são, necessariamente, “cidadãos que pertencem ao Estado”, e, assim,
portanto, somente “cidadãos organizados politicamente” (nação) pertencem ao Estado,
que é a expressão da vontade de uma sociedade, e não dos indivíduos. Os indivíduos
não regem o “Estado”, mas é o “Estado” que rege o “indivíduos”.
No capítulo terceiro, o autor propõe a reunião das condições para o método
nacional de educação física em dois grupos: condições gerais e especiais. Em condições
gerais são reiterados os argumentos desenvolvidos na obra Bases Científicas da
Educação Física. Já em condições especiais, são apontados os diferentes princípios,
orientações e procedimentos didáticos, numa abordagem bastante genérica, para o
4 Marinho se apoia principalmente na obra “Princípios da Sociologia Jurídica” de Eusébio de Queiroz e
Lima. 5 Nas determinações a respeito de “população” e “cidadania”, o autor se baseia, também, na Constituição
Brasileira de 1937, cuja condição de cidadão está associada a capacidade do indivíduo exercer o direito ao
voto.
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trabalho do técnico de educação especialista em educação física nas escolas, centros de
treinamento que envolvam atividades esportivas e ginástica (rítmica, artística e
higiênica) e escolas profissionalizantes.
A partir das considerações expostas nesta obra, pode-se estruturar a seguinte
argumentação: se, para Marinho, é o Estado que rege os indivíduos, e o Estado sendo a
expressão da vontade nacional de uma sociedade (uma forma de atuação dessa
sociedade), logo, é a “sociedade que rege os indivíduos”; assim, retornando-se ao início
da resolução, onde a função da educação é ajustar os indivíduos aos interesses da
sociedade, tem-se, agora, “sociedade” como algo diferente de “povo” e os indivíduos
enquanto indivíduos que pertencem a diferentes “grupos sociais”; nesse sentido, o
conteúdo da “expressão da vontade nacional” da sociedade, que, necessariamente, é a
nação, se apresenta enquanto “um grupo social” de “cidadãos politicamente
organizados”; portanto, ajustar os indivíduos aos interesses da sociedade, é, na
realidade, ajustar os indivíduos de determinados grupos sociais aos interesses de
determinado grupo ou grupos sociais politicamente organizados.
Cabe ressaltar que essa resolução de Marinho, de forma bastante estreita, se
aproxima da teoria social desenvolvida por Durkheim – principal matriz teórica do
autor. Para Durkheim (1965, p. 67), a educação é “o meio pelo qual a sociedade renova
perpetuamente as condições de sua própria existência” e
Se a educação […] primacialmente se apresenta como função coletiva,
se tem por fim adaptar a criança ao meio social na qual ela se destina
– é impossível que a sociedade se desinteresse desse trabalho. Como
poderia a sociedade alhear-se, se a sociedade tem de ser o ponto de
referência em vista do qual a educação deve dirigir seus esforços? É a
ela própria que incumbe lembrar ao mestre quais são as ideias e os
sentimentos a imprimir ao espírito da criança a fim de que o futuro
cidadão possa viver em harmonia com o meio. […]
Admitido que a educação seja função essencialmente social, não pode
o Estado desinteressar-se dela. Ao contrário, tudo o que seja educação,
deve estar, até certo ponto, submetido à sua influência (DURKHEIM,
1965, p. 37-38, grifo nosso).
Nesse sentido, revelado o sujeito do conteúdo da expressão “sociedade” –
determinado grupo ou grupos sociais politicamente organizados – é preciso apresentar
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seu predicado histórico.
No ano de 1945, com a intenção de submeter trabalho ao “Concurso de
Trabalhos sobre Educação Física”, promovido pela DEF, direcionado a Seção
Pedagógica, Marinho escreveu Lugar da Educação Física no Plano Educacional. A
partir das Leis Orgânicas promulgadas nas Reformas Capanema, esse trabalho apresenta
um panorama das propostas gerais do autor para cada modalidade de ensino.
Essa monografia está estruturada em Prolegômenos; Plano; Capítulo I – O lugar
da Educação Física nos mais importantes planos educacionais antigos, medievais e
modernos; Capítulo II – A primeira tentativa de um plano nacional de educação no
Brasil. O plano educacional de 1936. Interpretação e lugar da Educação Física; Capítulo
III – Lugar da Educação Física no conjunto das atuais leis orgânicas; Capítulo IV –
Sugestões para o lugar da Educação Física num plano nacional de educação; Capítulo V
– Resumo dos assuntos tratados nos capítulos anteriores.
Dentre esses capítulos, o capítulo quinto, oferece, de forma resumida, para cada
modalidade de ensino (pré-primário, primário, secundário, superior, normal, comercial,
industrial e emendativo) as seguintes proposições a respeito da educação física:
a) no ensino pré-primário – orientação essencialmente recreativa; os
exercícios artificiais6 (flexionamentos) só serão indicados a título de
ginástica corretiva; b) no ensino primário – orientação recreativa e utilitária; os exercícios
analíticos7 só serão empregados como ginástica corretiva ou no caso
de falta espaço; os jogos, a recreação em aparelhos, e os exercícios
naturais são formas de trabalho mais indicadas; c) no ensino secundário – orientação utilitária e estética para os alunos
do sexo feminino e orientação utilitária para os do sexo masculino;
para os primeiros os exercícios naturais e as atividades rítmicas, certos
jogos e o voleibol constituem as formas de trabalho mais indicadas;
para os últimos os exercícios naturais, os desportos e certos jogos
deverão constituir o quadro das atividades físicas;
d) no ensino industrial – a orientação será nitidamente profissional;
6 Conforme Regulamento número 7 ou “Método Francês de Educação Física” (BRASIL, 1934),
exercícios físicos naturais são atividades motoras que mimetizam o movimento humano desenvolvido
historicamente. Saltar, correr, nadar e trepar são classificados como naturais. Já atividades que
sistematizam a organização de procedimentos gestuais em função do aprimoramento de partes anatômicas
específicas são classificadas como artificiais. 7 Os exercícios analíticos podem ser classificados como aqueles que envolvem grandes grupamentos
musculares, porém, sua sistematização concentra-se em determinado segmento corporal. Já os exercícios
sintéticos envolvem grandes massas musculares concentrando sua sistematização na globalidade corporal
– comumente, enfatizam os exercícios naturais e as atividades de caráter aeróbico.
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serão utilizados exercícios analíticos, de relaxamento, aplicações,
desportos e jogos;
e) no ensino comercial – orientação e formas de trabalho idênticas às
preconizadas para o ensino secundário;
f) no ensino normal – a orientação para o primeiro ciclo será estética e
utilitária para os alunos do sexo feminino e utilitária para os do sexo
masculino; a orientação para o segundo ciclo será profissional;
g) no ensino superior – orientação atlético-desportiva, com práticas de
caráter facultativo;
h) no ensino emendativo [educação especial] – para os cegos
[deficientes visuais] orientação corretiva, recreativa e utilitária, com o
emprego de exercícios analíticos, aplicações, jogos e alguns desportos;
para os surdos-mudos [deficientes auditivos, afonicos], orientação e
essencialmente socializadora e utilitária8(MARINHO, 2005, p. 58).
Em certa medida, essas assertivas, foram indicadas pelo autor na obra Bases
Científicas da Educação Física. Contudo, o que é singular nessa monografia, é o
tratamento formulado por Marinho: para cada modalidade de ensino são propostas
atividades educativas específicas. Observa-se, também, que nas proposições
relacionadas ao ensino secundário, comercial e normal o caráter utilitário é apontado,
para ambos os sexos, como prioritário.
Em Objetivos e características da Educação Física no ensino secundário,
escrito em 1946, Marinho disserta a respeito da relevância dos fundamentos científicos
da educação física em face as finalidades do ensino secundário. De fato, durante a
década de 1940, esse seria o quarto trabalho cujo autor dedicava estudo referente a
modalidade de ensino.
Nesta obra, Objetivos e características da Educação Física no ensino
secundário, Marinho inicia narrando, de forma sintética, o processo de transição do
método francês para a fundamentação das bases científicas do conceito moderno de
educação física. Num segundo momento, reproduz os objetivos estabelecidos para o
ensino secundário brasileiro conforme a Lei Orgânica do Ensino Secundário
promulgada na Reforma Capanema, em 9 de abril de 1942.
Marinho prossegue na obra reiterando considerações a respeito das condições
objetivas e subjetivas, desenvolvidas em A oportunidade da criação da carreira de
Técnico de Educação Física, para o ensino adequado da educação física no ensino
secundário. E finaliza a obra abordando a finalidade de cada base científica do conceito
8 Marinho não apresenta ou menciona uma possível proposta para Ensino Agrícola.
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moderno de educação física para essa modalidade de ensino.
Em relação as bases biológica e psicológica, abstraindo a exposição das
possibilidades orgânicas, anatômicas, motoras e psicológicas dos estudantes que,
comumente, frequentam essa modalidade de ensino, não há uma contribuição exclusiva
– o autor reitera os argumentos desenvolvidos em Bases Científicas da Educação
Física. Semelhante procedimento é realizado nas bases sociológica e filosófica,
entretanto, há duas observações especificamente destinadas ao ensino secundário.
Esclarecendo a contribuição da Sociologia e baseando-se nas sugestões
promulgadas pela DEF para o ensino secundário, Marinho comenta que,
Os estágios reclamados pela sociedade política no seu conjunto estão
representados pela parte final do conceito [...]; “tonar cada brasileiro,
de ambos os sexos, aptos a contribuir eficientemente para a economia
e defesa da Nação”. Esta frase, de grande singeleza na sua forma,
agiganta-se na sua expressão, porque dentro da economia e da defesa
da Nação está contida a segurança das instituições sociais que nos são
mais caras. Os estádios reclamados pelo meio especial a que a criança
particularmente se destina estão expressos no início do conceito,
quando afirma que a finalidade da educação física na escola
secundária deverá ser “proporcionar aos alunos o desenvolvimento
harmônico do corpo e do espírito, concorrendo assim para formar o
homem de ação, física e moralmente sadio, alegre e resoluto, cônscio
do seu valor e das suas responsabilidades, e preparar a mulher para a
sua missão no lar, dando-lhe ainda a possibilidade de substituir o
homem em trabalhos compatíveis com o sexo feminino” (MARINHO,
1946, p. 12-13, grifo do autor).
Já na discussão a respeito da fundamentação filosófica, o autor destaca.
A comunidade em que vivemos exige hoje que todos os seus membros
trabalhem, desta ou daquela forma. É necessário que o indivíduo seja
útil não apenas a si mesmo, mas, e principalmente, aos membros da
sociedade em que vive. Esta a razão pela qual o mais importante não é
desenvolver a força no indivíduo, mas ensiná-lo a utilizar
inteligentemente essa mesma força, obtendo o maior rendimento. Os
exercícios analíticos poderão desenvolvê-la, mas jamais ensinarão a
utilização inteligente dela. Tal só poderá ser alcançado pelas
aplicações, pelos jogos, pelos desportos coletivos, isto é, pelos
exercícios sintéticos. O exercício analítico, pela sua repetição, cria o
automatismo, a inconsciência, concorrendo, por esta forma, para
impedir a florescência da personalidade e trazendo, como
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consequência, a constituição de legiões de homens-feitos para
obedecer. Os exercícios sintéticos, muito ao contrário, desenvolvem o
espírito de iniciativa, pelo imprevisto das situações que o indivíduo
deverá resolver prontamente, possibilitando o desenvolvimento da
personalidade integral e trabalhando para a formação de homens com
vontade própria, conscientes de sua força e de seu valor, capazes de
governar a si mesmos e aos outros. Os líderes, pelas qualidades que
destes se exigem, nunca poderão ser obtidos com exercícios analíticos,
mas unicamente com exercícios sintéticos (MARINHO, 1946, p. 17-
18).
Se, para Marinho, uma diretriz de ensino utilitária da educação física para o
ensino secundário está baseada na promoção de “exercícios sintéticos”, pois estes estão
intimamente associados ao “desenvolvimento da personalidade integral”, a constituição
da subjetividade com vontade própria e espírito de iniciativa, que, por conseguinte,
permitem os estudantes alcançarem a capacidade de governar – contribuindo, assim,
para a garantia das “instituições sociais” e divisão sexual do trabalho daquele contexto –
, adversativamente, a promoção de “exercícios analíticos” esta associada à edificação do
“automatismo”, da “inconsciência”, e ao impedimento da “florescência da
personalidade” dos estudantes, que, por consequência, favorece a formação de
“homens-feitos para obedecer”.
Nesse sentido, Marinho propõe um ensino de educação física que direcione para
um horizonte de formação diferenciada aos estudantes do ensino secundário em relação
as outras modalidades de ensino: a capacidade de “dirigir” e “governar” sob “as
determinações de uma sociedade democrática” – patamar proposto de forma genérica,
desde de 1943, na discussão filosófica do trabalho Bases Científicas da Educação
Física.
Essa proposta de Marinho, corresponde, coerentemente, com sua referência
teórica, já que de acordo com Durkheim,
Em certo sentido, há tantas espécies de educação, em determinada
sociedade, quantos meios diversos nela existirem. É ela formada de
castas? A educação varia de uma casta a outra; a dos “patrícios” não
era a dos plebeus; a dos brâmanes não era a dos sudras. Da mesma
forma, na Idade Média, que diferença de cultura entre o pajem,
instruído em todos os segredos da cavalaria, e o vilão, que ia aprender
na escola paróquia, quando aprendia, parcas noções de cálculo, canto
e gramática! Ainda hoje não vemos que a educação varia com as
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classes sociais e com as regiões? A da cidade não é a do campo, a do
burguês não é a do operário (DURKHEIM, 1965, p. 29).
E, desta forma, conforme o autor supracitado, nem todos homens e mulheres são
formados para “refletir” e é necessário, para funcionamento harmônico da sociedade,
que existam homens e mulheres sensíveis a “ação” e outros sensíveis ao “pensamento”.
E a educação cumpri a função de ajustar os indivíduos a determinadas funções exigidas
pela sociedade em que vive (DURKHEIM, 1965, p. 30).
Comparando-se o total da população brasileira de idade entre 15 e 19 anos, do
ano de 1950, 18.826.409 habitantes – aproximadamente, metade da população nacional
– com o total de 4.924.226 matrículas, tem-se uma taxa de escolarização que de
21,43%, em 1940, passa para 26,15%, em 1950 (ROMANELLI, 1986, p. 64).
Quando se equipara a escolarização em cada modalidade de ensino, as regiões
brasileiras e o percentual da população em idade escolar, verifica-se, um aumento do
número de estudantes escolarizados em todas modalidades de ensino (ABREU, 2005),
entretanto, esses são parcela bastante reduzida da população. Em relação ao ensino
secundário, Abreu (2005, p.40-41) afirma que há desajustes “entre os princípios de
escola para classe dominante e as necessidades cada vez mais crescentes das classes
populares cada vez maiores” durante a década de 1940.
Xavier (1996, p. 90), destaca que as Reformas Capanema foram medidas
importantes para esse aumento de matrículas, e, no caso do ensino secundário reitera
que essas mesmas medidas imprimiam, nessa modalidade de ensino, a finalidade de
“formar as elites que desempenhariam a condução da vida nacional e o esclarecimento
da consciência popular”. Nessa mesma perspectiva, Romanelli (1986, p. 158), acentua
que o objetivo do ensino secundário era “preparar para o ingresso no ensino superior” e,
por conseguinte, seu caráter classista estava direcionado para a formação das
individualidades condutoras.
Algumas considerações
Chega-se nessa pesquisa a seguinte indagação: quem era esse grupo social,
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parcela reduzida da sociedade brasileira que estava apta a conduzir e, porque sensível ao
pensamento, esclarecer outros grupos sociais, a qual o ensino secundário estava
destinado, com um programa de ensino adequado para atingir essa finalidade de
governar na sociedade brasileira democrática? De forma mais precisa, alicerçando-se na
perspectiva histórica deste estudo: quem era essa classe dirigente no Brasil durante a
década de 1940?
Perseguindo o movimento histórico, percebe-se, que a partir de 1930, a
modernização da agricultura cafeeira e o crescente processo de industrialização e
urbanização brasileiros são acompanhados e, em certa medida, efetivados pela ascensão
de uma burguesia que está relacionada diretamente a esses processos: a burguesia
industrial.
A aproximação da burguesia industrial ao Estado e aos processos de
institucionalização da educação era expressa tanto no artigo 129 da Constituição de
1937 assim como na primeira Lei Orgânica do Ensino das Reformas Capanema. O
Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de 1942 legitima o artigo 129 da Constituição de
1937. A própria legitimação constitucional, inversamente, argumenta que, as demais
modalidades de ensino são destinadas as classes favorecidas ou mais favorecidas9.
De fato, a partir do confronto entre as propostas sugeridas por Marinho para
cada modalidade de ensino e a determinação, contida no segundo parágrafo do artigo
129 da Constituição 1937, é possível estruturar o seguinte raciocínio: se o ensino
secundário, que era “meio para” o ensino superior, tinha a finalidade de formar sujeitos
dirigentes, necessariamente, as demais modalidades de ensino, que “encerram-se em si
mesmas” já que direcionadas a atuação profissional, tinham, portanto, como propósito
formar sujeitos dirigidos, governados, “sensíveis a ação” – esse grupo social é a classe
assalariada, a classe trabalhadora ou proletária.
Marinho reconhece as desigualdades sociais entre os diferentes grupos sociais
brasileiros. E, conforme já comentado, reconhece a educação como meio mais adequado
para ajustar os desajustados aos interesses da sociedade. As assertivas desenvolvidas na
9 Conforme o arito 129 da Constituição Brasileira de 1937, o ensino pré-vocacional profissional destinado
às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar
execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos
Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais (BRASIL, 1937).
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dimensão sociológica do trabalho Bases Científicas da Educação Física expressam essa
análise do autor.
O sistema educativo é responsável em grande parte pela miséria em
que vivem as massas proletárias, às quais não se dá sequer uma
orientação vocacional que lhes permita uma vida regular pelo
exercício de qualquer profissão como pleno conhecimento (BRASIL,
1944c, p. 101).
Todavia, durante a década de 1940, seu pensamento educacional está voltado
para a arquitetura de uma educação física apropriada a formação das classes dirigentes
brasileiras. Por isso a especificidade no desenvolvimento de obras a respeito da
educação física direcionadas para o ensino secundário. Para as demais classes, a
educação direcionada especificamente a atuação profissional e a condição de dirigidos
garantia o funcionamento harmônico e natural da sociedade – “a comunidade em que
vivemos exige hoje que todos os seus membros trabalhem, desta ou daquela forma”
(MARINHO, 1946, p. 17).
Nesse sentido, o ideário educacional de Marinho aproxima-se da proposta liberal
de educação brasileira que, durante a década de 1940, era a expressão educacional da
burguesia industrial: tornava-se a educação obrigatória, para todos, porém diferenciada
pela oferta de modalidades de ensino extremamente direcionadas a formações
especificas. Uma educação que formava, simultaneamente, classes dirigentes e dirigidas
– onde a ideologia modelar ideal era das classes dirigentes.
Chega-se, então, ao predicado histórico que torna concreta a segunda resolução
que edifica a ideologia educacional de Marinho: a burguesia industrial é o grupo social,
ou mais precisamente, a classe dirigente e, por consequência, suas ideias e interesses são
os fins da educação nesse período.
Em suma, diante do debate educacional durante a década de 1940,
principalmente entre o grupo dos escolanovisas e dos católicos – vertente predominante
da escola tradicional no período –, é possível dizer que Marinho se posiciona de
maneira explícita ao ideário da escola nova.
Assim sendo, também pode-se dizer que o ideário da escola nova – expressão, na
educação, da ideologia da burguesia industrial no Brasil –, ao mesmo tempo que
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promovia uma formação diferenciada entre as classes dirigentes e classes dirigidas;
incorporava de modo sistematizado a educação física a um projeto educacional. O
pensamento educacional de Marinho e suas obras, publicadas durante a década de 1940,
é uma expressão dessa contradição.
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