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ISSN 1646-6977 Documento publicado em 03.12.2017
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O PERDÃO NAS RELAÇÕES DIÁDICAS DE INTIMIDADE
Seminário de Projeto realizado no âmbito do Mestrado Integrado em Psicologia Clínica e da Saúde, com o
objetivo apoiar o/a estudante no desenvolvimento de um projeto de dissertação de mestrado.
2016
Ana Isabel Mendes Teixeira
Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da
Universidade do Porto (FPCEUP) (Portugal)
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RESUMO
O Homem é um ser genuinamente social e relacional que desde o nascimento necessita da
interação com os seus semelhantes para o alcance de um desenvolvimento pleno. Já Bowlby (1978)
postula, na sua teoria da vinculação, a necessidade humana universal de os indivíduos
desenvolverem ligações afetivas de proximidade com outros significativos ao longo da existência.
O percurso que fazemos, desde o berço até à morte, é pautado pelas interações diádicas, sejam
estas complementares - com os progenitores - ou recíprocas - com os amigos, namorados,
cônjuges…. Das inúmeras relações que estabelecemos ao longo da vida, as relações românticas
emergem como as mais significativas. Estas relações de intimidade não são estáticas e imutáveis,
mas antes, pautam-se por diversas experiências, por prazeres e desprazeres. Como tal, torna-se
impossível conceber uma relação em que não haja divergências (Costa, 1998), pelo que no
seguimento destas divergências facilmente surgem mágoas. Efetivamente, é na relação com que
mais se ama que facilmente se é ofendido (Allemand, Amberg, Zimprinch & Fincham, 2007).
Palavras-chave: Perdão, relações de intimidade, relações amorosas, conjugalidade,
determinantes do perdão, processo.
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1. INTRODUÇÃO
A importância do perdão para a saúde física e mental passou a ser amplamente reconhecida
(e.g. Harris & Thoresen, 2005; Toussaint, Williams, Musick, & Everson, 2001; cit in Fincham,
Hall & Beach, 2006), pelo que diversos investigadores têm revelado que o perdão pode
proporcionar não só uma maior saúde emocional como relacional (Enright & Fitzgibbons, 2000).
Embora seja um processo complexo, o perdão está na vanguarda das relações humanas, do
desenvolvimento emocional, espiritual e físico (Hill, 2001). Tal como Aponte (1998) sugere, o
amor incondicional é a fonte espiritual do perdão, pelo que, deste modo, torna-se de extrema
importância estudar que papel o perdão poderá ter no seio das relações românticas, consideradas
por muitos como o alicerce da vida humana e onde o vínculo emocional existente é o maior que
possa existir (Dillow, Malachowski, Brann & Weber, 2011).
2. O CONCEITO DE PERDÃO
2.1. Da religião à psicologia
O interesse pelo estudo do perdão é relativamente recente. Tradicionalmente, o perdão foi
sempre compreendido como um conceito puramente teológico e uma componente essencial para
melhorar a saúde espiritual das comunidades (Newberg, d’Aquili, Newberg & Marici, 2000; cit in
Neto, Ferreira & Conceição, 2006). Já Fitzgibbons (1986; cit in Barnett & Youngberg, 2004)
especulava que investigadores e psicoterapeutas evitavam o estudo do perdão por ser um conceito
reservado primordialmente aos teologistas. Só recentemente, teóricos sociais começaram a estudar
o construto e os seus processos, tendo Gartener (1992; cit in Neto, Ferreira & Conceição, 2006)
referindo o perdão como sendo um objetivo de investigação fundamental tanto para os especialistas
em assuntos religiosos como para psicólogos. Tal como Worthington (1998, 2005; cit in Rique &
Camino, 2009) informa, só a partir de 1968 é que publicações sobre o tema começaram a surgir,
com um crescimento significativo durante as décadas de 1980 e 1990, permanecendo o interesse
sobre o tema desde então (Rique & Camino, 2009). Ainda assim, é possível identificar já na década
de trinta artigos teóricos e trabalhos empíricos desenvolvidos para compreender minimamente
alguns aspetos relacionados com o comportamento de perdoar (McCullough, Pargament &
Thoresen, 2001). Deste modo, dois períodos na história do perdão podem ser destacados. O
primeiro período foi de 1932 a 1980, refletindo várias discussões teóricas e investigações empíricas
modestas destinadas a lançar uma luz sobre certos aspetos do perdão como um conceito
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(McCullough et al., 2001). Já o segundo período, de 1980 até o presente, demonstrou “uma reflexão
mais intensa e séria do conceito de perdão” (McCullough et al., 2001, p. 3).
2.2. O que não é o perdão: diferença entre perdão e outros construtos
Uma das grandes questões que caracteriza o estudo do perdão está relacionada com a
definição deste construto, sendo que atualmente não existe uma definição consensual (Hill, 2001),
pelo que alguns autores interpretam esta falta de acordo como um dos problemas mais importantes
do campo (Elder, 1998; Enright & Coyle, 1998; Enright, Freedman, & Rique, 1998; Enright,
Gassin, & Wu, 1992; cit in Santana & Lopes, 2012). Curiosamente, parece existir mais consenso
sobre o que não é o perdão, existindo diversas distinções realizadas por autores entre perdão e
outros conceitos frequentemente confundidos como sinónimos, tais como desculpa, esquecimento,
reconciliação e aceitação. A realização destas distinções parece particularmente útil no campo da
intervenção, uma vez que crenças negativas sobre o perdão e concetualizações erróneas podem
levar a que os clientes hesitem em trabalhar no sentido do perdão, assim como os próprios
terapeutas podem abster-se de o incentivar (Fincham et al., 2006).
Apesar de em Portugal não existir uma distinção clara entre o conceito de desculpa (excusing)
em contraponto com o de perdão (Soares, 2014), sendo provavelmente dois conceitos bastante
confundidos pelo senso comum, o termo desculpa sugere que o ofensor possui uma justificação
para ter cometido a ofensa. No entanto, mesmo que exista uma razão, perdoar não é simplesmente
compreender que não existiu intencionalidade (Enright e Coyle, 1998; cit in Santana & Lopes,
2012).
Em relação ao esquecimento, este traduz a ideia de que a memória da ofensa foi removida da
consciência, pelo que perdoar vai mais além do que não pensar ou recordar a ofensa (Fincham et
al., 2006). Aliás, segundo Fincham (2009), perdoar implica o reconhecimento da ofensa, ao invés
de uma posição passiva.
No que respeita à reconciliação, esta sugere a renovação ou restauração do relacionamento.
Segundo Fincham e colaboradores (2006) o perdão não exige necessariamente a reconciliação,
sendo que este apenas aumenta a sua probabilidade (Hall & Fincham, 2006). Como tal, é possível
a existência de perdão sem reconciliação e vice-versa, pois embora os relacionamentos possam
continuar depois de uma ofensa, isso não significa necessariamente que a ofensa seja perdoada.
Por outro lado, a decisão de terminar o relacionamento não impede que os parceiros se perdoem
(Fincham et al., 2006).
Relativamente à aceitação, enquanto esta implica que a vítima mude o seu ponto de vista
relativamente à ofensa, o perdão não exige que a transgressão seja vista como algo menos do que
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é, ou seja, que a vítima mude a sua visão acerca da ofensa, considerando-a menos repreensível do
que verdadeiramente é (Fincham et al., 2006).
O perdão também difere de outros construtos relevantes, tais como a negação, que indica uma
falta de vontade para perceber o dano da ofensa cometida, e a absolvição, a qual é concedida
primordialmente por um representante da sociedade, tal como um juiz (Fincham et al., 2006).
2.3. Da ofensa ao perdão
Para que o perdão ocorra é necessário que exista, previamente, algum tipo de ofensa ou
transgressão que leve o outro a sentir-se magoado. Deste modo, torna-se relevante definir num
primeiro momento o conceito de transgressão. Segundo Worthington, Maezzo e Carter (2005), a
transgressão leva a uma violação dos limites morais, físicos ou psicológicos pela não
correspondência do ofensor às expectativas que a vítima possui para determinada situação ou
acontecimento dentro do relacionamento. Após sofrer a ofensa, a vítima tem a escolha voluntária
de perdoar ou não (Martín, González & Fuster, 2011). Então, o que é o perdão? Etimologicamente,
o verbo perdoar tem origem no verbo perdonare do latim vulgar (Santana & Lopes, 2012). Através
de uma leitura do Glossarium Mediae et Infimae Latinitatis (Du Cange, 1850; cit in Santana &
Lopes, 2012) é possível constatar que os significados iniciais do verbo perdonare seriam os de
dar/conceder. O prefixo per possui o sentido de por (através de) e de plenitude, sendo que, desta
forma, do ponto de vista etimológico o perdão pode ser concebido como um superlativo do conceito
de doação (Santana & Lopes, 2012). O perdão não é algo a que o transgressor tem direito, mas é,
no entanto, concedido, o que levou alguns estudiosos a descrevê-lo como uma dádiva altruísta (e.g.,
Enright et al., 1998; Worthington, 2001; cit in Fincham et al., 2006) ou como o cancelamento de
uma dívida (Exline & Baumeister, 2000).
2.4. Perdão: um fenómeno controverso
Com o interesse crescente pelo estudo do perdão, torna-se compreensível o surgimento de
diversas definições e perspetivas que muitas vezes são contraditórias entre teóricos, suscitando
pontos de desacordo sobre o construto. Efetivamente, três pontos de discordância visam sobre o
perdão (McCullough et al., 2001): (1) se é um fenómeno intrapessoal ou interpessoal, (2) se está
mais relacionado a abrir mão de sentimentos, pensamentos e comportamentos negativos ou se
inclui também o acréscimo de fatores positivos ou a substituição daqueles por estes, e (3) em que
extensão o perdão é um evento especial ou algo bastante comum na experiência humana.
Em relação ao primeiro ponto, há teóricos que descrevem o perdão como um processo
intrapessoal, que ocorre interiormente no indivíduo e que conduziria a mudanças ao nível das
cognições, emoções, motivações e comportamentos da pessoa ofendida, pelo que estudos a partir
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desta perspetiva focam-se essencialmente na pessoa ofendida, processos através dos quais as
pessoas perdoam e consequências resultantes para as mesmas (McCullough et al., 2001). Já outra
linha de investigação concetualiza o perdão como um processo interpessoal. Neste sentido, Exline
e Baumeister (2001) chamam a atenção para o facto de que as transgressões envolvem
frequentemente pessoas próximas, como familiares, amigos, colegas de trabalho ou cônjuges.
Também, Madanes (1990; cit in Barnett & Youngberg, 2004) postula que o perdão não é uma
qualidade individual, mas antes uma interação entre indivíduos, desenvolvida ao longo da vida e
mantida no contexto familiar. Desta perspetiva, é o relacionamento, em vez da pessoa ofendida, a
unidade de análise dos estudos do perdão. Ainda, há autores que defendem que o perdão possui
elementos tanto intrapessoais como interpessoais. Neste sentido, McCullough e colaboradores
(2001) propuseram uma definição que fosse suficientemente ampla e capaz de englobar os aspetos
intra e interpessoais envolvidos no processo de perdoar. Segundo os autores, o perdão
corresponderia a uma “mudança intra-individual, pró-social em direção a um transgressor que
está situado dentro de um contexto interpessoal específico” (McCullough et al., 2011, p. 9).
Relativamente ao segundo ponto de divergências, o que se tem verificado é que comum à
maioria das definições de perdão está a ideia de uma mudança em que uma pessoa se torna menos
motivada para pensar, sentir e comportar de forma negativa em relação ao infrator (Worthington,
2005). Deste ponto de vista, o perdão adquire uma visão unidimensional, com o foco na diminuição
da negatividade face ao ofensor. Estudos recentes, porém, têm desafiado esta visão unidimensional,
que predominou numa fase mais precoce da investigação do construto, e destacado uma dimensão
positiva adicional ou benevolência, que envolve agir de boa vontade para com o ofensor (Fincham,
2000; Fincham & Beach, 2002; Fincham et al, 2004; cit in Fincham et al., 2006). Ainda neste
sentido, Enright e o The Human Development Study Group (1991) destacaram a importância de
se considerar a natureza multidimensional do perdão ao tentar definir o constructo, propondo que
quando uma pessoa perdoa, ocorrem mudanças nos sistemas afetivo, cognitivo e comportamentais.
As emoções negativas, como a raiva, o ódio, o ressentimento e a tristeza, são abandonadas e
substituídas por emoções mais neutras e, eventualmente, por afeto positivo (Yaben, 2009).
Também na mesma linha, Watkins e colaboradores (2011) postulam que o perdão possui dois
processos distintos, mas convergentes entre si: o perdão decisional (ou comportamental), que diz
respeito à escolha voluntária por parte do ofendido para diminuir os comportamentos negativos
face ao ofensor e, possivelmente, renovar os comportamentos positivos, e o perdão emocional, que
implica a experiência interna de substituir emoções negativas por positivas.
Na verdade, o perdão pode ser unidimensional em relacionamentos não contínuos
(Worthington, 2005), mas parece conter tanto elementos positivos (benevolência) como negativos
(falta de perdão) em relações próximas. Também Fincham e Beach (2002) postulam que reduções
na dimensão negativa do perdão podem desencadear menos evitamento por parte dos parceiros,
mas só esta mudança não levará necessariamente a comportamentos de aproximação, fundamentais
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para retomar a intimidade de um relacionamento próximo. Deste modo, e embora as definições do
perdão na literatura variem entre si, o campo de estudos está a mover-se no sentido de uma
definição mais consensual, pelo que no centro das várias abordagens está a ideia de uma
transformação na qual a motivação para procurar a vingança e evitar o contacto com o ofensor é
diminuída, e a motivação pró-social em direção a este é aumentada (Fincham, Paleari & Regalia
2002). Assim, e tendo em conta a perspetiva da vítima, o perdão diz respeito a uma diminuição dos
julgamentos, sentimentos e comportamentos negativos em relação ao ofensor, existindo, ao mesmo
tempo, um aumento dos sentimentos, julgamentos e comportamentos positivos (Rique & Camino,
2009). Também Enright e colaboradores (1998) procuraram estudar o perdão a partir da perspetiva
das vítimas, tendo definido este construto como “uma atitude moral na qual um indivíduo
considera abdicar do direito ao ressentimento, julgamentos negativos e comportamentos negativos
para com a pessoa que ofendeu injustamente. E, ao mesmo tempo, nutrir a compaixão, a
misericórdia e, possivelmente, o amor para com o ofensor” (p. 46-47). Dir-se-á, então, que estes
processos são complementares e indissociáveis. Note-se, ainda, que a redução dos elementos
negativos sem o aumento dos positivos não significa um perdão genuíno, mas, possivelmente, uma
etapa do processo (Enright & The Human Development Study Group, 1991). Deste modo, uma
questão pertinente poderá ser levantada: será então exequível perdoar de forma completa ou
incompleta? Neste sentido, Fincham (2009) faz a distinção entre indivíduos que perdoam
completamente (completely forgivers) e os que perdoam de forma incompleta (uncompleted
forgivers), fazendo, ainda, a divisão entre perdão explícito e implícito, sendo que para o autor o
perdão completo/genuíno só é conseguido quando se alcança ambos.
Quanto ao terceiro ponto de divergência, McCullough e colaboradores (2001) afirmam que
é importante notar que teóricos que definem o perdão como algo pouco comum têm focado,
sobretudo, em vítimas que experienciam transgressões intensas, sendo necessário ter em conta que
as ofensas entre significativos no quotidiano são certamente mais frequentes, resultando em formas
de perdão mais vulgares.
3. MODELOS TEÓRICOS DO PERDÃO
Na literatura é possível encontrar quatro grandes modelos sobre o perdão: modelos baseados
em teorias psicológicas particulares, modelos processuais descrevendo tarefas envolvidas no ato
de perdoar, modelos baseados na estrutura do desenvolvimento moral e tipologias do perdão
(Denton & Martin, 1998). Contudo, os modelos que atualmente mais prevalecem são,
aparentemente, os modelos processuais (Orathinkal, 2006), pelo que de seguida serão abordados
alguns destes modelos.
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3.1. O perdão enquanto processo
Devido ao interesse crescente pelo estudo do perdão, vários modelos têm sido desenvolvidos
no sentido de compreender que tipo de processo subjaz ao perdão, pois a compreensão das
possíveis fases subjacentes a este processo parece ter particular relevância no âmbito da
intervenção. Apesar de ainda não ser consensual a definição das fases deste mecanismo, é de
acordo comum que o perdão é melhor visualizado como um processo em vez de um ato específico
(e.g., Enright & Fitzgibbons, 2000; Fincham, 2000; cit in Fincham et al., 2006), pois tal como
Patton (1985, p.16; cit in Hill, 2010) afirma “O perdão humano não é fazer algo, mas descobrir
algo – que eu sou mais parecido com aqueles que fizeram-me mal do que diferente.”
Worthington (2006; cit in Worthington, Jennings & DiBlasio, 2010) desenvolveu um modelo
psicoeducacional do perdão composto por cinco passos, os quais o ofendido tem que concretizar
para alcançar o perdão: num primeiro momento, este deve recordar a mágoa provocada pela ofensa
(R-Recall of the hurt); em seguida, deverá existir uma tentativa de empatizar (E-Empathize to
emotionally replace), que consiste na substituição de emoções negativas por positivas; o passo
seguinte toma a forma de um presente altruísta (A-Altruistic gif), em que por meio da humildade e
empatia o ofendido decide emocionalmente experienciar o perdão; já o quarto passo envolve o
compromisso (C-Commit), com o objetivo de consolidar a experiência emocional anterior e a
decisão de perdoar; por fim, a preservação (H-Hold) toma lugar, havendo a conservação da decisão
de perdoar ao longo do tempo.
Para Enright, o crucial na sua definição é a visão do perdão como um processo que integra
as esferas do comportamento, da cognição e do afeto (Worthington, 2005). A partir desta
perspetiva, Enright elabora um modelo heurístico de como os indivíduos perdoam, constituído por
vinte passos que se agrupam em quatro fases (Santana & Lopes, 2012): fase da descoberta, onde o
ofendido se confronta com a própria mágoa; fase da decisão, que engloba uma análise detalhada
dos vários fatores envolvidos; fase do trabalho, a qual está subjacente um esforço de compreensão
e reflexão acerca do ofensor e da ofensa; e, por fim, a fase dos resultados, onde o perdão é
alcançado.
Já Hill (2001) fornece um paralelismo interessante, sugerindo que as etapas subjacentes ao
processo do perdão não são diferentes das tarefas básicas do luto. Assim, o ofendido deve
reconhecer a realidade da perda, experienciar a dor que precede o perdão, fazer os ajustamentos
necessários e reinvestir a energia emocional, com vista a potenciar a reconciliação (Hill, 2001). Na
mesma linha, Coleman (1998) declara que todas as ofensas envolvem a perda, pelo que o processo
de perdão começa quando a pessoa é capaz de identificar a perda específica que ocorreu; a segunda
fase do processo abrange a confrontação do ofensor, “para confirmar que a vítima está
profundamente magoada e deixar claro que a ofensa não pode ser ignorada” (Coleman, p.89); na
terceira fase, o ofendido deve procurar dar sentido ao sofrimento, o que muitas vezes implica um
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diálogo entre ambas as partes; por fim, a quarta fase corresponde ao alcance do perdão, que
Coleman descreve como a renovação da confiança no relacionamento.
Ainda, é de destacar o modelo proposto por Gordan, Baucom e Snyder (2000), um modelo
de três etapas que postula que a vítima deve lidar com o impacto da ofensa, encontrar um sentido
para a transgressão e, em seguida, avançar com um novo conjunto de crenças relativas ao
relacionamento. Este modelo parece mais apropriado para transgressões que Gordon e
colaboradores (2000) denominaram de trauma interpessoal, como infidelidades. De facto,
intervenções empregando este modelo têm mostrado sucesso preliminar em ajudar casais com
questões de infidelidade, havendo uma diminuição da angústia emocional e conjugal e um aumento
do perdão (Gordon, Baucom & Snyder, 2004).
4. OS DETERMINANTES DO PERDÃO
Como tem sido possível constatar, o perdão é um construto complexo, influenciado por
características intra e interpessoais. Como tal, será de esperar que o processo de perdoar seja único
para cada indivíduo, até porque perdoar envolve uma decisão voluntária, pelo que é possível que
no final deste processo a conclusão mais viável seja a de não perdoar. Como um processo que
engloba diversas fases, poder-se-á esperar que estas etapas possam ser influenciadas por diversos
fatores, facilitando ou não o alcance do perdão. Neste sentido, McCullough e colegas (1998)
introduziram um modelo em que postulam a existência de quatro determinantes do perdão:
determinantes sociocognitivos, determinantes relacionados com a transgressão, determinantes do
relacionamento e determinantes associados a características de personalidade da pessoa ofendida.
De acordo com o modelo, as variáveis sociocognitivas estão relacionadas com a forma como a
vítima pensa e sente em relação ao ofensor e à transgressão (e.g., atribuições ou emoções
empáticas), sendo os determinantes mais proximais do perdão (Fincham et al., 2002). Em
comparação com as variáveis sociocognitivas, determinantes da transgressão, como a severidade
percebida da ofensa, a intencionalidade do ofensor e o pedido de desculpas, são vistos como menos
determinantes do perdão e, assim, moldam o perdão indiretamente através das variáveis
sociocognitivas (Fincham et al., 2002). Ainda, mais distal do que os determinantes sociocognitivos
são os determinantes do relacionamento em que a transgressão tem lugar, como a satisfação
relacional, compromisso, proximidade da relação e o nível de intimidade (Fincham et al., 2002).
4.1. Determinantes sociocognitivos
Relativamente aos determinantes sociocognitivos, há o destaque para o papel das atribuições
e da empatia. Em relação às atribuições, uma série de estudos tem demonstrado que as atribuições
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ou explicações para o comportamento ofensivo predizem o perdão, nomeadamente as atribuições
positivas, que estão associadas a níveis maiores de perdão do que atribuições negativas (e.g., Boon
& Sulsky, 1997; Bradfield & Aquino, 1999; Weiner, Graham, Peter, & Zmuidinas, 1991; cit in
Fincham et al., 2006). Entre cônjuges, Fincham e colegas (2002) encontraram que atribuições
benignas predizem o perdão quer de forma direta como indiretamente, através de uma diminuição
das reações emocionais negativas face à ofensa e pelo aumento da empatia face ao parceiro
(Fincham, 2000). Ainda, é de referir que uma robusta literatura sobre as atribuições conjugais tem
sugerido que atribuições positivas tendem a estar associadas com casamentos mais satisfatórios
(Bradbury & Fincham, 1990; cit in McNulty, 2008).
No que toca à empatia, esta é uma variável que tem sido alvo de grande atenção na
comunidade científica, embora no que respeita ao perdão seja uma variável ainda pouco estudada
(Fehr, Gelfand & Nag, 2010). De facto, a empatia é um construto relacional que aparenta possuir
um papel importante no processo de perdão (McCullough et al., 1998), constatando-se que
comportamentos de perdão são facilitados por afetos pró-sociais, dos quais se destaca a empatia
perante o ofensor (Worthington & Wade, 1999). No mesmo sentido, a meta-análise de Fehr e
colaboradores (2010) aponta a empatia como um relevante preditor do perdão, sugerindo que
quanto maior a capacidade de empatizar com o ofensor, mais facilmente o ofendido perdoará. Uma
vez que a empatia implica a capacidade cognitiva de se colocar no lugar do outro, poderá então
esperar-se que a tomada da perspetiva permita ao ofendido uma maior compreensão das
motivações que levaram à ofensa e, como tal, suscite uma maior probabilidade de perdão.
Por fim, será interessante referenciar um estudo realizado por Fincham e colaboradores
(2002) com casais sobre o papel da qualidade conjugal, atribuições e empatia, o qual revelou que
enquanto as atribuições de responsabilidade foram mais fortemente relacionadas ao perdão nas
esposas, a empatia emocional era mais fortemente associada com o perdão nos maridos.
4.2. Determinantes da ofensa
Ao nível dos determinantes da transgressão, destaca-se a severidade da ofensa. Tem sido
demonstrado que quanto maior a severidade da ofensa, maior a culpa por parte do ofensor e menor
a vontade de perdoar por parte do ofendido, promovendo a criação de impressões negativas do
ofensor (Boon & Sulsky, 1997; cit in Taysi, 2010). Também, a literatura tem evidenciado que
quanto maior for a responsabilidade ou a intenção do ofensor, menor será a probabilidade de existir
perdão (Fehr et al., 2010). Um estudo realizado por Taysi (2010) com 80 casais de uma cultura não
ocidental, onde o perdão foi examinado no contexto das atribuições, da satisfação com o
relacionamento e da severidade da transgressão, revelou, tal como esperado, que quanto maior a
severidade da ofensa, menor o perdão. Ainda ao nível da severidade da transgressão, o estudo
demonstrou a existência de diferenças de género, no sentido em que mulheres casadas afirmam
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serem mais ofendidas do que os seus maridos, o que é consistente com a literatura (Taysi, 2010).
Uma possível explicação para tal poderá estar relacionada com o facto de as mulheres casadas
ruminarem mais as dificuldades do casamento e, portanto, perceberem a transgressão dos maridos
mais severamente (Taysi, 2010).
Por fim, torna-se também relevante abordar o papel do pedido de desculpas, uma vez que a
literatura evidencia uma relação positiva entre este pedido e o perdão, ou seja, o uso do pedido de
desculpas como uma tática de reparação, com o intuito de modificar as perceções do ofendido,
aumenta a probabilidade de o ofensor ser perdoado pela ofensa cometida (Fehr et al., 2010). Já
McCullough, Worthington e Rachal (1997) postulam que a relação entre estas duas variáveis possa
ser compreendida pela tomada de perspetiva, ou seja, pelo aumento da empatia por parte do
ofendido. Ainda, no contexto das relações íntimas, indivíduos que estão mais satisfeitos nas suas
relações são mais propensos a considerar o pedido de desculpas dos seus parceiros como
expressões autênticas de arrependimento do que indivíduos menos satisfeitos (Schumann, 2012).
4.3. Determinantes do relacionamento
No que respeita aos determinantes relacionais, de acordo com Huston e Vangelisti (1991),
desde meados do século XX que pesquisadores têm vindo a examinar os fatores que contribuem
para a satisfação conjugal. Como Bradbury, Fincham e Beach (2000) observaram, a razão para o
estudo da satisfação conjugal deriva da sua centralidade no bem-estar conjugal e familiar (Stack &
Eshleman, 1998; cit in Orathinkal, 2006), dos benefícios que advêm para a sociedade quando
casamentos fortes são formados e mantidos (Laub, Nagin, & Sampson, 1998; cit in Orathinkal,
2006) e da necessidade de desenvolver intervenções empiricamente validadas para adultos que
permitam colmatar possíveis problemas conjugais (e.g., Baucom, Shoham, Mueser, Daiuto, e
Stickle, 1998; cit in Orathinkal, 2006). Dada a centralidade da satisfação com o relacionamento na
literatura mais ampla, não é de estranhar a atenção substancial dada à relação entre a satisfação
conjugal e perdão (Fincham et al., 2006). Efetivamente, vários estudos têm documentado uma
associação positiva entre satisfação com o relacionamento e perdão (e.g., Fincham, 2000; Gordon
& Baucom, 2003; Kachadourian, Fincham, & Davila, 2004; Paleari, Regalia, & Fincham, 2003;
cit in Fincham et al., 2006). Apesar de robusto, o mecanismo subjacente à relação entre satisfação
e perdão permanece obscuro, existindo várias questões por resolver, nomeadamente se a relação é
causal e, em caso afirmativo, qual a direção de possíveis efeitos (Fincham & Beach, 2007). Ainda,
parece que a associação entre o perdão e a satisfação com o relacionamento possa ser bidirecional;
há uma evidência emergente de que a satisfação conjugal prediz o perdão (Paleari, Regalia &
Fincham, 2003), bem como os dados que dizem que o perdão prediz posteriormente a satisfação
conjugal (Vaughan, 2001; cit in Fincham et al., 2006).
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Tendo em conta a perspetiva dos próprios parceiros, Fenell (1993; cit in Fincham et al., 2002),
ao examinar as características de casamentos de longo prazo, encontrou que os cônjuges
reconheceram que a capacidade de procurar e conceder o perdão é um dos fatores mais importantes
que contribuiu para a longevidade e satisfação conjugal. Já Gordon e Baucom (1998; cit in
Orathinkal, 2006) encontraram que, quanto mais os cônjuges perdoam, mais fazem suposições
conjugais positivas, sentem igual equilíbrio de poder nos seus casamentos e têm relações conjugais
próximas e bem-ajustadas.
Já em relação à proximidade da relação, a literatura evidencia o seu papel facilitador, no
sentido em que quanto maior a proximidade, maior será a probabilidade de se perdoar (Fehr et al.,
2010). McCullough e colaboradores (1998) postulam que subjacente a esta relação está a maior
motivação do ofendido para preservar a relação. No entanto, esta variável não tem apenas
influência na vítima, mas também ao nível do ofensor, pois quanto maior for a proximidade
relacional, maior será a probabilidade de procura do perdão por parte do ofensor (Riek, 2010).
Na mesma linha, o compromisso parece também desempenhar um papel relevante, no sentido
em que um maior compromisso na relação tem sido associado a níveis superiores de perdão,
provavelmente pelo facto de parceiros mais comprometidos nas suas relações permaneceram,
também, mais motivados nas mesmas e investirem mais (Fincham, 2009).
Por fim, mas não menos importante, é também de realçar o papel da intimidade, tida como
principal componente das relações românticas. O que a literatura demonstra é que a existência de
níveis elevados de intimidade no relacionamento faz com que o perdão perante uma ofensa seja
muito mais provável (Rusbult, Hannon, Stocker & Finkel, 2005).
4.4. Determinantes da personalidade do ofendido
No processo de perdão, determinados aspetos de personalidade da pessoa ofendida parecem
assumir, também, um papel relevante. Segundo alguns teóricos, experienciar “cognições quentes”,
como a raiva e ruminar sobre a ofensa, aumenta a disposição para procurar a vingança junto do
ofensor, diminuindo assim a procura do perdão (Bies & Tripp, 1996; Worthington & Wade, 1999;
cit in Fincham et al., 2002). De um modo bidirecional, estudos empíricos têm apoiado a relação
entre atos individuais de perdão e redução da raiva (Huang & Enright, 2000; Weiner, Graham,
Peter, & Zmuidzinas, 1991; cit in Yaben, 2009). De facto, experienciar raiva parece ser natural e
inerente às fases mais precoces do processo de perdão, pois segundo Freedman (2011, p.334) “A
ideia de que o perdão pode ajudar indivíduos que foram profundamente magoados, implica que
estes tenham o direito de sentirem e expressarem raiva, de aprenderem novas formas de lidar com
emoções negativas e de seguir em frente.”. Por fim, Fehr e colaboradores (2010) na sua meta-
análise revelam que quanto mais elevados forem os níveis de raiva, quer enquanto traço, quer
enquanto estado, menor são os níveis de perdão.
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Já em relação aos cinco grandes fatores da personalidade, investigadores têm colocado como
hipótese de que o perdão está negativamente associado com o fator de personalidade neuroticismo
(Ashton, Paunonen, Helmes, & Jackson, 1998; McCullough, 2000; cit in Yaben, 2009), pelo que
quanto maior forem os níveis de neuroticismo, menores serão os níveis de perdão. Já a afabilidade,
enquanto tendência do indivíduo para se relacionar bem com os outros, encontra-se positivamente
relacionada com o perdão (Fehr et al., 2010).
O ajustamento psicológico e os níveis de depressão são também outros fatores a considerar.
Na meta-análise de Fehr e colegas (2010), os autores indicaram que quanto maior forem os níveis
de humor negativo na pessoa ofendida, mais difícil se torna a procura do perdão. Ainda, níveis
baixos de autoestima parecem influenciar negativamente o alcance do perdão, ao distorcer
negativamente reações afetivas face a transgressões (Fehr et al., 2010).
5. O PERDÃO NAS RELAÇÕES ÍNTIMAS ROMÂNTICAS
As relações íntimas satisfazem as nossas necessidades afiliativas mais profundas, mas
também são fonte das nossas maiores mágoas (Fincham et al., 2002). Devido à sua importância
nas relações íntimas românticas, o perdão começou a ser investigado no âmbito dos
relacionamentos românticos (Boon & Sulsky, 1997; Fincham, Jackson, e Beach, 2005; cit in Taysi,
2010) nos últimos anos, investigação alimentada pela visão de que o perdão é a pedra angular de
um casamento bem-sucedido (e.g., Worthington, 1994; cit in Fincham et al., 2006). Se o estudo do
perdão na psicologia é recente, o estudo dentro das relações íntimas românticas ainda o é mais
(Fincham, 2009).
É inevitável que no seio das relações românticas os parceiros tendam a ser, simultaneamente
ou em alternativa, autores e vítimas de transgressões (Leary, Springer, Negel, Ansell & Evans,
1998), e estas podem ser o resultado de uma variedade de causas, tais como preferências
incompatíveis, estratégias de resolução de conflito inadequadas, fontes externas de stress e, ainda,
relações extraconjugais (Finkel, Rusbult, Kumashiro & Hannon, 2002). No mesmo sentido, as
motivações que levam o parceiro ofendido a passar por todo o processo de perdão podem ser
múltiplas. Kelly (1998; cit in Fincham & Beach, 2002) constatou que, em narrativas sobre o perdão
envolvendo relações próximas, subjacente às motivações para perdoar o parceiro estavam o amor,
a restauração do relacionamento ou o bem-estar do parceiro. Além disso, a necessidade do
envolvimento no processo de perdão pode resultar de tentativas individuais para reconstruir ou
modificar antigas crenças sobre o seu parceiro e da relação, bem como de esforços para recuperar
a sensação de segurança interpessoal no relacionamento (Gordon et al., 2009).
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Nos últimos tempos, a investigação tem caminhado no sentido de desenvolver diversas e
novas intervenções conjugais que enfatizam o papel do perdão particularmente no contexto da
infidelidade conjugal (e.g., Gordon, Baucom, & Snyder, 2005; cit in Fincham & Beach, 2007),
uma vez que a infidelidade tem sido considerada como a ofensa mais grave no contexto do casal
(Abrahamson, Hussain, Khan e Schofield, 2012). No entanto, há situações em que a infidelidade é
o resultado da extrema solidão na relação, pelo que o cônjuge envolvido na traição poderá sentir
mais raiva do que o seu parceiro, por sentir que este último não transmite mais carinho, amor e
respeito (Abrahamson et al., 2012). Nestas situações, é a pessoa que cometeu a infidelidade que
possui maior dificuldade em perdoar e é o parceiro ofendido que precisa de fazer o trabalho árduo
de crescer na capacidade de se entregar mais emocionalmente ao outro (Abrahamson et al., 2012).
Com efeito, a resolução de conflitos é essencial para um relacionamento bem-sucedido e
pode-se argumentar que o ressentimento face a transgressões do parceiro é suscetível de alimentar
os conflitos e impedir a sua resolução bem-sucedida (Fincham et al., 2004). Em contraste, perdoar
o parceiro pela ofensa é um dos meios possíveis para encerrar o ciclo de reciprocidade negativa e
preparar o terreno para a reconciliação (Fincham et al., 2004). No mesmo sentido, Barnett e
Youngberg (2004) afirmam que o perdão é um recurso eficaz no evitar da escalda no seio conjugal,
pois na ausência de perdão é relativamente fácil o surgimento de cadeias de reciprocidade negativa,
com níveis crescentes de agressão e abuso psicológico que culminam na opressão dos aspetos
positivos do relacionamento (Fincham & Beach 2002). Especificamente, quando um dos parceiros
opta por ficar fora do ciclo de interação negativa, é menos provável que o outro parceiro continue
o seu comportamento negativo (Fincham et al., 2004).
É ainda possível que a incapacidade dos cônjuges em se perdoarem não tenha apenas impacto
na relação de ambos; em vez disso, as dimensões do perdão podem exercer influência sobre vários
âmbitos do funcionamento familiar mais amplo (Gordon, Hughes, Tomcik, Dixon & Litzinger,
2009). De facto, a literatura evidencia que a incapacidade de perdoar um parceiro pode contribuir
para padrões parentais pobres e expor as crianças ao conflito parental, o que acarreta implicações
negativas para o funcionamento da criança e suas perceções parentais (Gordon et al., 2009).
A terapia de casal pode beneficiar em muito com a introdução de intervenções centradas na
promoção do perdão (Allemand et al., 2007). De facto, a terapia do perdão no âmbito de
transgressões conjugais tem-se revelado significativamente associada quer com a esfera da
satisfação conjugal, quer com a esfera mais ampla do funcionamento familiar, nomeadamente a
aliança parental e perceções das crianças e adolescentes sobre funcionamento conjugal dos pais
(Gordon et al., 2009), tal como supracitado. Ainda, um estudo sobre cônjuges que sofreram abuso
emocional nos seus casamentos mostrou que aqueles que se envolveram numa terapia do perdão
tiveram melhorias significativamente superiores em relação à depressão, ansiedade-traço, sintomas
de stress pós-traumático e autoestima, do que os participantes que se envolveram em programas
de tratamento alternativos (Reed & Enright, 2006; cit in Enright & Fitzgibbons, 2015).
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Em contraponto, as limitações do perdão como intervenção terapêutica são ainda pouco
conhecidas (Sells & Hargrave, 1998). Quando é que o perdão poderá ser prejudicial e impedir o
progresso relacional? Será o perdão um elemento chave para todas as relações conjugais? Segundo
um estudo longitudinal efetuado por McNulty (2008) investigando os efeitos da tendência de 72
casais heterossexuais para perdoar os seus parceiros, ao longo de um período de dois anos,
verificou-se que o perdão acarretava custos a longo prazo quando moderado pelo papel da
negatividade e do contexto em que o perdão ocorria, incluindo a frequência de infrações do
cônjuge. Os efeitos benéficos do perdão pareceram ser mais prováveis entre os cônjuges que
raramente se envolviam em comportamentos negativos, ao passo que o perdão parecia revelar-se
prejudicial ao longo do tempo para os cônjuges cuja relação é marcada por elevados níveis de
conflitos, existindo, consequentemente, uma detioração na satisfação conjugal (McNulty, 2008).
De facto, a diminuição do perdão para os parceiros em que o comportamento negativo era frequente
revelou-se benéfica ao longo do tempo (McNulty, 2008). Esta pode ser uma razão para o esforço
relacional exercer um papel mediador entre o perdão e a satisfação com o relacionamento
(Braithwaite, Selby & Fincham 2011), pois quando apenas um parceiro faz investimentos na
relação, a probabilidade de sucesso relacional é reduzida (McNulty, 2008). Tais descobertas têm
levado Worthington, Witvliet, Pietrini, & Miller (2007) a salientar que "O perdão de estranhos é
fundamentalmente diferente do perdão a um ente querido." (p. 292).
Em suma, se o perdão pode ser um meio para oferecer a longevidade, saúde e regeneração
dentro dos relacionamentos, então, adicionar esta componente como âmbito de intervenção
psicoterapêutica para ajudar casais a reforçar a sua satisfação com o relacionamento, é, sem dúvida,
digno de consideração (Aalgaard, Bolen, & Nugent, 2016), pois a capacidade de perdoar um
parceiro pode ser um dos fatores mais importantes na manutenção de relacionamentos românticos
saudáveis (Fincham, 2009).
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