O que os conceitos de inclusão, justiça social e democracia
podem significar para a educação matemática?
Ilhéus 2014
Ole Skovsmose
Um outo titulo:
Imaginação Pedagógica!
Educação matemática para a justiça social
• Sriraman, B. (Ed.) (2008). International Perspectives on Social Justice in Mathematics Education. The Montana Mathematics Enthusiast, Monograph 1. Charlotte, NC: Information Age Publishing, Inc.
• A. A. Wager, A. A. and D. W. Stinson, D. W. (2012) (Eds.), Teaching Mathematics for Social Justice: Conversations with Mathematics Educators. NCTM, National Council of Mathematics Teachers, USA.
Conceitos intrinsecamente positivos
• Parece óbvio que uma “educação matemática para justiça social”, uma “educação matemática inclusiva”, e uma “educação matemática para a democracia” sejam abordagens boas.
• Aparentemente conceitos como justiça social, inclusão, e democracia são intrinsecamente positivos.
• Renato Marcone, R. and Skovsmose, O. (in print). Inclusion-exclusion:
An explosive problem. In O. Skovsmose, Critique as uncertainty. Charlotte, North Carolina, USA: Information Age Publishing.
Que papéis?
• Eu vou falar sobre tais conceitos aparentamente intrinsecamente positivos.
• Que tipos de rótulos são esses?
• Que papéis esses conceitos poderiam representar em educação matemática?
Inquiry processes: Processos de investigação
• No livro Democracy and Education (1916), John Dewey apresenta visões de uma profunda harmonia entre democracia e processos educacionais.
• Processos científicos podem ser caracterizados a partir dos seguintes elementos: – experiência de algumas coisas; perguntar alguma coisa; identificar
algo como um problema; trabalhar com o problema; fazer experimentações; identificar soluções provisórias; negociar e questionar tais soluções.
• Esses são processos que envolvem investigação (inquiry processes).
Harmonia de Dewey
• Segundo Dewey, não há diferença principal entre os processos de pesquisa científica e o processo de aprendizagem: ambos são processos de investigação.
• Dewey acha também que processos de democracia também podem ser caracterizados como processos de investigação.
• Então uma educação baseada na investigação será uma educação para a democracia. Esta é a principal ideia de harmonia de Dewey.
• Um exemplo da harmonia de Dewey na educação matemática: Colin Hannaford (1998): “Mathematics Teaching is Democratic Education”.
Perspectiva Moderna
• A Modernidade refere-se à revolução científica, à revolução industrial, e ao Iluminismo. Modernidade inclui o otimismo científico e tecnológico que prosperou durante o século 19. Só na parte final do século 20, essa visão tornou-se amplamente questionada.
• A Perspectiva Moderna assume que existe uma profunda harmonia entre o pensamento científico, racionalidade matemática, desenvolvimento tecnológico, processos educacionais, bem estar humana e progresso sócio-político.
• A harmonia de Dewey faz parte dessa perspectiva.
A Perspectiva Moderna: uma auto-interpretação falsa?
• No entanto, não podemos ignorar que as formas mais brutais de colonização e racismo fizeram parte da Modernidade.
• Racismo não só funciona como um preconceito popular. Durante o século 19, era bem comum tentar sustentar o racismo por meio de argumentos “científicos”.
Orientalismo: Um exemplo de racismo
• Edward Said: Orientalism (1979).
• Orientalismo faz parte da perspectiva Moderna.
• Said cita um discurso feito por Arthur James Balfour no Parlamento Inglês, em Junho de 1910. Balfour falava sobre a questão egípcia: por que deveríamos, o Império Inglês, estar incomodados com o Egito?
Balfour:
• “Primeiro de tudo, olhar para os fatos do caso. Nações ocidentais [...] mostram capacidade de autogoverno. [ ...]. Pode-se olhar através de toda a história dos orientais [...] e nunca se encontrará sinais de autogoverno.”
• Governar é uma tarefa que “nós assumimos no Egito e em outros lugares”. É “um trabalho sujo, um trabalho inferior, mas um trabalho necessário”.
Balfour:
• “É uma coisa boa para estas grandes nações – eu admito sua grandeza – que este governo absoluto deve ser exercido por nós? Eu acho que é uma coisa boa. Eu acho que a experiência mostra que eles têm sob nós muito melhor governo do que em toda a história do mundo que já teve antes, e que não só é um benefício para eles, mas, sem dúvida, um benefício para todo o Ocidente civilizado.”
• “Estamos no Egito não apenas por uma questão do egípcio, embora nós estejamos lá por causa deles, estamos também por causa da Europa em geral.”
Um argumento: Democracia-não-é-para-todos
• Ao longo da Modernidade, o argumento democracia-não-é-para-eles foi usado muitas vezes.
• Foi fundamental para o regime de apartheid na África do Sul: negros tinham de ser excluídos.
• Durante longos períodos, o mesmo argumento barrava mulheres de participar na democracia. Assim as mulheres só tiveram o direito geral de voto na Reino Unido em 1928, na França em 1944, na Suíça em 1971, enquanto na Arábia Saudita está prometido para ser autorizado a votar em 2015.
Um Mito
• Durante Modernidade ideia de democracia tem interpretações muito diferentes, também em relação as ideias racistas e sexistas.
• A profunda harmonia entre o pensamento científico, racionalidade matemática, desenvolvimento tecnológico, processos educacionais, bem estar humana e progresso sócio-político é um mito da Modernidade.
Além da Perspectiva Moderna
• Jean-François Lyotard: The Postmodern Condition: A Report on Knowledge, (1979/1984).
• Dentro a condição pós-moderna as “grandes histórias” (“the big stories”) (grandes conceitos) da Modernidade perdem significado.
• Essas grandes histórias são formadas por noções como progresso, democracia, liberdade, justiça e igualdade.
• Mas essas grandes histórias ficam desconstruídas como mitos da Modernidade.
Conceitos contestadas
• Depois da desconstrução dessas grandes histórias as noções de progresso, democracia, liberdade, justiça e igualdade tornam-se conceitos contestados.
• Esse conceitos podem representar interesses diferentes e perspectivas contraditórias.
• Não são necessariamente harmônicos.
Então...
• Devemos deixar de lado noções como justiça social, a inclusão, e democracia?
• Esta não é a minha sugestão.
• Acho que essas noções podem ser extremamente úteis, também para a discussão da educação matemática.
• Meu ponto é que os conceitos contestados podem ser conceitos construtivos (enquanto eu não penso neles como conceitos justificativos).
Imaginação sociológica
• Charles Wright-Mills: The Sociological Imagination (1959).
• Uma imaginação sociológica é uma concepção de alternativas para o que de fato está ocorrendo.
• Tal imaginação ajuda a revelar que alguns “fatos sociais” não são “fatos necessários”, mas “fatos contingentes”.
• A imaginação sociológica é fundamental para mostrar que as alternativas sócio-políticas são possíveis.
Imaginação pedagógica
•A imaginação pedagógica é fundamental para mostrar que as alternativas educacionais são possíveis.
• Imaginação pedagógica precisa de combustível. Imaginações precisam ser conceituadas.
•Conceitos contestados como justiça social, inclusão e democracia, podem nos ajudar nas formulações de imaginações pedagógicas.
Vamos jogar com
Democracia
e em particular com
Cidadania
Cidadania: Capacidade de fazer compras
• Para a cidadania é importante dominar as funções básicas de questões financeiras: Como funcionam juros? Como uma dívida está crescendo? Quanto custa, de fato, um aparelho de TV quando a opção é pelo pagamento parcelado?
• De modo mais geral, considera-se importante, por meio da educação matemática, preparar os futuros cidadãos como sendo capazes de operar como consumidores.
Cidadania: Capacidade de produzir respostas
• Um outra interpretação de cidadania tem sido expressa através da noção responsiveness: uma capacidade de produzir respostas.
• Um educação matemática “responsiva” trabalha com uma capacidade de “falar de volta para a autoridade”.
• Greer, B. Mukhopadhyay, S., Powell, A. B. e Nelson-Barber, S. ( Eds.)
(2009). Culturally responsive mathematics education. New York: Routledge.
Cidadania: Capacidade de ler e escrever o mundo
• A noção de cidadania também abre-se para novas direções quando relacionada às noções cunhadas por Paulo Freire sobre ler e escrever o mundo.
• Lê-lo: interpretando-o mundo; e escrevê-lo: alterando-o mundo.
• Tais ideias, que também tem a ver com justiça social, são expressas em:
• Gutstein , E. (2006). Reading and writing the world with mathematics: Toward a pedagogy for social justice. Nova York e Londres : Routledge.
Vamos jogar com
Inclusão
Necessidades especiais
• Em muitos casos é comum falar sobre alunos com necessidades especiais. Por exemplo, com referência aos alunos cegos e surdos.
• A expressão “necessidades especiais” também é aplicada a estudantes com a chamada “falta de capital cultural”. Tal falta de capital precisa de compensações, e em nesse sentido os alunos têm “necessidades especiais”.
• A terminologia “necessidades especais” também faz parte dos discursos sobre as ações afirmativas.
Direitos especiais
• Durante a Guerra do Vietnã, muitos soldados dos EUA foram mortos, enquanto outros retornaram para casa com deficiências devastadoras. Eles certamente tinham necessidades especiais.
• Mas a terminologia "necessidades especiais" tendia a individualizar o problema. No entanto, os soldados tinham arriscado suas vidas para a nação. Eles tinham sofrido a brutalidade da guerra.
• Parece mais apropriado falar de pessoas que tem direitos especiais.
Mudar terminologia
• Em vez de falar de alunos com necessidades especiais pode-se falar de alunos com direitos especiais.
• Pode-se tentar aplicar essa terminologia para alunos cegos, surdos, alunos com qualquer tipo de diferença. Eles são estudantes com direitos especiais.
Violência estrutural
• Grupos diferentes sofrem diferentes formas de violência estrutural.
• Um exemplo principal de violência estrutural é a fala de Balfour no parlamento. Esse é uma expressão de violência da colonização.
• Violência estrutural não só tem uma expressão na colonização, mas também na pós-colonização, na exclusão econômica, na pobreza, no racismo e no sexismo.
Violências estruturais – direitos especiais
• Enquanto os soldados norte-americanos sofreram a violência física explícita de guerra, muitos grupos de estudantes nas sociedades de hoje sofrem violências estruturais.
• Pode-se pensar de qualquer um desses grupos de alunos como pessoas com direitos especiais.
• Por exemplo, podemos ver as ações afirmativas como expressão de direitos especiais. Estamos falando de grupos de estudantes que sofrem violência do mundo pós-colonizado.
Não tenha medo...
• Não tenha medo de noções contestadas, como a inclusão, justiça social e democracia.
• Trabalhe com tais noções.
• Elas podem trazer novas perspectivas para o que você está fazendo.
Jogar com conceitos
Conceitos contestados podem fornecer um terreno fértil para a imaginação pedagógica. (No entanto, não pensar que esses conceitos trazem justificativas automáticas para o que você está fazendo.)
Obrigado!
Referências-1
• Bauman, Z. (1989). Modernity and the holocaust. Cambridge, UK: Polity Press & Blackwell Publishing Ltd.
• D’Ambrosio, U. (2012). A broad concept of social justice. In A. A. Wager and D. W. Stinson (Eds.), Teaching mathematics for social justice: Conversations with mathematics educators (201-213). NCTM, National Council of Mathematics Teachers, USA.
• Dewey, J. (1966). Democracy and education. New York, USA: The Free Press (First edition 1916).
• Greer, B. Mukhopadhyay, S., Powell, A. B. and Nelson-Barber, S. (Eds.) (2009). Culturally responsive mathematics education. New York: Routledge.
Referências-2
• Gutstein, E. (2006). Reading and writing the world with mathematics: Toward a pedagogy for social justice. New York and London: Routledge.
• Hannaford, C. (1998). Mathematics Teaching is Democratic Education. Zentralblatt für Didaktik der Mathematik, 98(6), 181-187.
• Lyotard, J.-F. (1984). The Postmodern Condition: A Report on Knowledge. Translated by Geoff Bennington and Brian Massuni; foreword by Fredric Jameson. Manchester: Manchester University Press. (Original French edition 1979.)
• Renato Marcone, R. and Skovsmose, O. (in print). Inclusion-exclusion: An explosive problem. In O. Skovsmose, Critique as uncertainty. Charlotte, North Carolina, USA: Information Age Publishing.
• Martin, D. B. (2009). Mathematics teaching, learning, and liberation in the lives of black children. New York: Routledge.
Referências-3
• Said, E. W. (1979). Orientalism. New York: Vintage Books.
• Skovsmose, O (2012c). Justice, Foregrounds and Possibilities. In Cotton, T. (Ed), Towards an Education for Social Justice: Ethics applied to Education (41-62). Oxford: Peter Lang.
• Silva, Lessandra M.S. (2010). As história em quadrinhos adaptadas como recuso para ensinar matemática para alunos cegos e videntes. Master Dissertation. Graduate Program in Mathematics Education. Universidade Estadual Paulista (Unesp) at Rio Claro, São Paulo.
• Sriraman, B. (Ed.) (2008). International Perspectives on Social Justice in Mathematics Education. The Montana Mathematics Enthusiast, Monograph 1. Charlotte, NC: Information Age Publishing, Inc.
Referências-4
• Wager, A. A. and Stinson, D. W. (Eds.) (2012). Teaching mathematics for social justice: Conversations with mathematics educators. NCTM, National Council of Mathematics Teachers, USA.
• Wright Mills, C. (1959). The Sociological Imagination. Oxford: Oxford University Press.