UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O SISTEMA FINANCEIRO COMO MEIO PARA O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
HERIVELTON VIEIRA
Itajaí-SC, outubro de 2006
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O SISTEMA FINANCEIRO COMO MEIO PARA O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
HERIVELTON VIEIRA
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Esp. FABIANO OLDONI
Itajaí-SC ,Outubro de 2006
AGRADECIMENTOS
A DEUS em primeiro lugar
Aos meus pais, por todo amor e carinho a mim dedicados, exemplos de perseverança e
honestidade que me transformaram na pessoa que sou hoje.
A minha irmã Josiane, pelo incentivo durante todo o curso.
Ao meu orientador Fabiano Oldoni pela atenção dedicada na elaboração deste trabalho.
E a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para o sucesso desta caminhada,
em especial o Dr. Rogério Nassif Ribas.
A todos, muito obrigado!
DEDICATÓRIA
Dedico o presente trabalho a minha noiva Claciani Beatriz Valgas, parte essencial da minha vida.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí-SC, outubro de 2006.
Herivelton Vieira Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Herivelton Vieira, sob o título O
SISTEMA FINANCEIRO COMO MEIO PARA O CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO, foi submetida em 10 de Novembro de 2006 à banca examinadora
composta pelos seguintes professores: Fabiano Oldoni (Orientador e Presidente
da Banca), José Ildefonso Bizato (Membro) Antônio Augusto Lapa (Membro) e
aprovada com a nota [ 9.6 ] ( Nove, ponto seis ).
Itajaí-SC, 10 de Novembro de 2006.
Prof. Esp. Fabiano Oldoni Orientador e Presidente da Banca
Prof. Msc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BACEN Banco Central do Brasil
COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras
CVM Comissão de Valores Mobiliários
DRCI Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional
FIU Representativa da expressão Financial Intelligence Unit, e em português, Unidade de Inteligência Financeira.
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Lavagem de dinheiro
A Lavagem de dinheiro constitui um conjunto de operações comerciais ou
financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos,
bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos.1
Offshores
Uma empresa constituída de acordo com as leis de um determinado país, com
objetivo de desenvolver suas atividades exclusivamente em países distintos
daquele onde ela foi constituída, ficando ainda, por força da lei, proibida, muitas
vezes, de estabelecer qualquer tipo de vínculo comercial com outras empresas
constituídas na mesma jurisdição. Neste tipo de empresa, há garantias de
confidencialidades.2
Paraísos Fiscais
Países que proporcionam incentivos fiscais aos investidores, isentando ou
diminuindo consideravelmente a carga de tributos por determinado período de
tempo, ou para determinados tipos de aplicações financeiras, ou ainda diminuindo
a carga tributária especificamente para determinados negócios que ali venham a
se estabelecer.3
1 CARTILHA sobre Lavagem de dinheiro. Disponível em <http//www.fazenda.gov.br/coaf/português/publicações/livro_lavagem.htm>.Acesso em 01.06.06 2 HARAD, Marcelo Kyoshi. Elevada carga tributária e os paraísos fiscais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n.806, 17 set. 2005. Disponível em: <http//jus2.uol.com.br/doutrin/texto.asp?>. Acesso em 26 set 06. 3 Fonte: COAF. Disponível em www.fazenda.gov.br/coaf. Acesso em 01.06.06
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................... IX INTRODUÇÃO .............................................................................................................. ..1 CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. ..3 O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL........................................................................ ..3 1.1 PREVISÃO LEGAL................................................................................................. ..3 1.2 CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL ................................................................. ..4 1.3 BANCO CENTRAL DO BRASIL ............................................................................ ..4 1.4 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS............................................................ ..4 1.5 O SIGILO BANCÁRIO ............................................................................................ ..8 1.5.1 Da Natureza Jurídica do Sigilo Bancário .............................................................. ..9 1.5.2 Limites Legais do Sigilo Bancário.........................................................................11
CAPÍTULO 2 ................................................................................................................18 DA LAVAGEM DE DINHEIRO .....................................................................................18 2.1 CONCEITO ............................................................................................................18 2.2 HISTÓRICO ...........................................................................................................20 2.3 ETAPAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO ................................................................22 2.3.1 Colocação ...........................................................................................................23 2.3.2 Ocultação ou Dissimulação .................................................................................23 2.3.3 Integração ...........................................................................................................25 2.4 CRIMES ANTECEDENTES DA LAVAGEM DE DINHEIRO ..................................26 2.4.1 Indícios de Crime Antecedente ...........................................................................33 2.5 COMBATE A LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL ..........................................36 2.5.1 Conselho de Controle de Atividades Financeiras ................................................36 2.5.2 Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional .39
CAPÍTULO 3 ................................................................................................................42 O SISTEMA FINANCEIRO COMO FERRAMENTA PARA O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO ....................................................................................................................42 3.1 PARAÍSOS FISCAIS ..............................................................................................42 3.2 EMPRESAS OFFSHORES ....................................................................................44 3.2.1 Ilha de Man ..........................................................................................................45 3.2.2 Ilhas Cayman ......................................................................................................46 3.2.3 Uruguai ................................................................................................................47 3.3 A LEI 9.613/98 E O SISTEMA FINANCEIRO ........................................................48 3.3.1 Casos Práticos ....................................................................................................51 3.3.1.1 Primeiro Caso ...................................................................................................52 3.3.1.2 Segundo Caso ..................................................................................................53 3.3.1.3 Terceiro Caso ...................................................................................................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................57 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .....................................................................60
RESUMO
O presente trabalho de monografia dedica-se a analisar o
uso do sistema financeiro como meio para o crime de lavagem de dinheiro,
analisando desde o funcionamento do sistema financeiro nacional, até os
mecanismos legais criados pelo governo para combater esta prática. O objetivo
principal é o de analisar os meios utilizados dentro do sistema financeiro para se
efetuar a prática deste crime, e o que vem sendo feito no sentido de se combater
esta prática. O estudo realizado fundamenta-se na legislação penal, processual
penal e constitucional, bem como em leis esparsas e eventuais acordos
internacionais sobre a matéria.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto de estudo o sistema
financeiro como meio para o crime de lavagem de dinheiro.
O seu objetivo é analisar a forma como o sistema financeiro é
utilizado para a lavagem de dinheiro, e os meios utilizados pelas autoridades para
se combater esta prática.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando do Sistema
Financeiro Nacional, o funcionamento do sistema financeiro no Brasil, os órgãos
que o compõem e sua fiscalização, bem como a questão do sigilo bancário.
No capítulo 2, tratando da lavagem de dinheiro, estudou-se as
etapas que a compõem, os crimes antecedentes, e os órgãos encarregados de
combater este crime.
No capítulo 3, tratando do sistema financeiro como ferramenta
para a lavagem de dinheiro, foi estudada a questão dos paraísos fiscais, do uso de
offshores para colocação do dinheiro novamente no mercado e do sistema
bancário frente à lei 9.613/98.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre a lavagem de dinheiro através do sistema financeiro.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
* Mesmo sem a comprovação da existência do crime
antecedente, o Ministério Público pode oferecer denúncia pelo crime de lavagem
de dinheiro.
* O sistema financeiro constitui-se no meio mais utilizado para a
lavagem de dinheiro no Brasil.
* A quebra do sigilo bancário ainda se constitui num grande
entrave para as investigações sobre lavagem de dinheiro no Brasil.
* Por manter dinheiro em paraísos fiscais, alguém pode ser
acusado de lavagem de dinheiro.
Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de tratamento de Dados o
Método Cartesiano, e, o Relatório dos resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.
CAPÍTULO 1
O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
1.1 PREVISÃO LEGAL
O Sistema Financeiro Nacional está previsto na Constituição
Federal do Brasil, em seu Artigo 192, que dispõe o seguinte:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003).
O Sistema Financeiro Nacional é também definido pela Lei
4.595/64, em seu Artigo 1º e Incisos, com a seguinte Estrutura Organizacional:
Art. 1º - O Sistema Financeiro Nacional estruturado e regulado pela
presente Lei, será constituído:
I – do Conselho Monetário Nacional;
II- do Banco Central da República do Brasil;
III –do Banco do Brasil S/A;
IV- do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico;
V – das demais instituições financeiras públicas e privadas;
AZEVEDO conceitua o Sistema Financeiro Nacional como: um grupo de conjuntos ordenados de instituições, distintas entre si, com natureza, finalidades e atuação específicas, que se inter relacionam, interpendem e interatuam, com o objetivo global de suprir, de forma adequada e oportuna, os recursos financeiros necessários ao funcionamento normal dos diversos setores da economia brasileira.4
Portanto estes são os órgãos que compõem o Sistema
Financeiro Nacional, sendo que alguns serão analisados individualmente a seguir:
1.2 CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL
O Conselho Monetário Nacional (CMN), que foi instituído pela
Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, é o órgão responsável por expedir
diretrizes gerais para o bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional.
Integram o CMN o Ministro da Fazenda (Presidente), o Ministro do Planejamento,
Orçamento e Gestão e o Presidente do Banco Central do Brasil. Dentre suas
funções estão: adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades
da economia; regular o valor interno e externo da moeda e o equilíbrio do balanço
de pagamentos; orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras;
propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros; zelar
pela liquidez e solvência das instituições financeiras; coordenar as políticas
monetária, creditícia, orçamentária e da dívida pública interna e externa.5
1.3 BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN
O Banco Central do Brasil (Bacen) é uma autarquia vinculada
ao Ministério da Fazenda, que também foi criada pela Lei 4.595, de 31 de
dezembro de 1964. É o principal executor das orientações do Conselho Monetário 4 AZEVEDO, Denny Paulista. Sistema Financeiro Nacional, Cetec Consultores e editores técnicos Ltda, São Paulo, 1995, p. 10 5 Disponível em http//www.bcb.gov.Br/pré/composição/cmn acesso em 10.04.2006
Nacional e responsável por garantir o poder de compra da moeda nacional, tendo
por objetivos: zelar pela adequada liquidez da economia; manter as reservas
internacionais em nível adequado; estimular a formação de poupança; zelar pela
estabilidade e promover o permanente aperfeiçoamento do sistema financeiro.
Dentre suas atribuições estão: emitir papel-moeda e moeda metálica; executar os
serviços do meio circulante; receber recolhimentos compulsórios e voluntários das
instituições financeiras e bancárias; realizar operações de redesconto e
empréstimo às instituições financeiras; regular a execução dos serviços de
compensação de cheques e outros papéis; efetuar operações de compra e venda
de títulos públicos federais; exercer o controle de crédito; exercer a fiscalização
das instituições financeiras; autorizar o funcionamento das instituições financeiras;
estabelecer as condições para o exercício de quaisquer cargos de direção nas
instituições financeiras; vigiar a interferência de outras empresas nos mercados
financeiros e de capitais e controlar o fluxo de capitais estrangeiros no país. Sua
sede fica em Brasília, capital do País, e tem representações nas capitais dos
Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Bahia, Pernambuco, Ceará e Pará.6
1.4 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS – CVM
A Lei que criou a COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS -
CVM Lei (6385/76) e a Lei das Sociedades por Ações (6404/76) disciplinaram o
funcionamento do mercado de valores mobiliários e a atuação de seus
protagonistas, assim classificados, as companhias abertas, os intermediários
financeiros e os investidores, além de outros cuja atividade gira em torno desse
universo principal.
A Comissão de Valores Mobiliários tem poderes para
disciplinar, normatizar e fiscalizar a atuação dos diversos integrantes do mercado.
6 Disponível em http//www.bcb.gov.Br/pré/composição/bacen Acesso em 10.04.20006
Seu poder normatizador abrange todas as matérias referentes
ao mercado de valores mobiliários.
Cabe à Comissão de Valores Mobiliários, entre outras,
disciplinar a seguinte matéria:
Registro de companhias abertas;
Registro de distribuições de valores mobiliários;
Credenciamento de auditores independentes e administradores
de carteiras de valores mobiliários;
Organização, funcionamento e operações das bolsas de
valores;
Negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários;
Administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários;
Suspensão ou cancelamento de registros, credenciamentos ou
autorizações;
Suspensão de emissão, distribuição ou negociação de
determinado valor mobiliário ou decretar recesso de bolsa de
valores;
O sistema de registro gera, na verdade, um fluxo permanente
de informações ao investidor. Essas informações, fornecidas periodicamente por
todas as companhias abertas, podem ser financeiras e, portanto, condicionadas a
normas de natureza contábil, ou apenas referir-se a fatos relevantes da vida das
empresas. Entende-se como fato relevante, aquele evento que possa influir na
decisão do investidor, quanto a negociar com valores emitidos pela companhia.
A Comissão de Valores Mobiliários não exerce julgamento de
valor em relação a qualquer informação divulgada pelas companhias. Zela,
entretanto, pela sua regularidade e confiabilidade e, para tanto, normatiza e
persegue a sua padronização.
A atividade de credenciamento da Comissão de Valores
Mobiliários é realizada com base em padrões pré-estabelecidos pela Autarquia
que permitem avaliar a capacidade de projetos a serem implantados.
A Lei atribui à Comissão de Valores Mobiliários tem
competência para apurar, julgar e punir irregularidades eventualmente cometidas
no mercado. Diante de qualquer suspeita a Comissão de Valores Mobiliários pode
iniciar um inquérito administrativo, através do qual, recolhe informações, toma
depoimentos e reúne provas com vistas a identificar claramente o responsável por
práticas ilegais, oferecendo-lhe, a partir da acusação, amplo direito de defesa.
O Colegiado tem poderes para julgar e punir o faltoso. As
penalidades que a Comissão de Valores Mobiliários pode atribuir vão desde a
simples advertência até a inabilitação para o exercício de atividades no mercado,
passando pelas multas pecuniárias.
A Comissão de Valores Mobiliários mantém, ainda, uma
estrutura especificamente destinada a prestar orientação aos investidores ou
acolher denúncias e sugestões por eles formuladas.
Quando solicitada, a Comissão de Valores Mobiliários pode
atuar em qualquer processo judicial que envolva o mercado de valores mobiliários,
oferecendo provas ou juntando pareceres. Nesses casos, a Comissão de Valores
Mobiliários atua como "amicus curiae" assessorando a decisão da Justiça.
Em termos de política de atuação, a Comissão persegue seus
objetivos através da indução de comportamento, da auto-regulação e da
autodisciplina, intervindo efetivamente, nas atividades de mercado, quando este
tipo de procedimento não se mostrar eficaz.
No que diz respeito à definição de políticas ou normas voltadas
para o desenvolvimento dos negócios com valores mobiliários, a Comissão de
Valores Mobiliários procura junto a instituições de mercado, do governo ou
entidades de classe, suscitar a discussão de problemas, promover o estudo de
alternativas e adotar iniciativas, de forma que qualquer alteração das práticas
vigentes seja feita com suficiente embasamento técnico e, institucionalmente,
possa ser assimilada com facilidade, como expressão de um desejo comum.
A atividade de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários
realiza-se pelo acompanhamento da veiculação de informações relativas ao
mercado, às pessoas que dele participam e aos valores mobiliários negociados.
Dessa forma, podem ser efetuadas inspeções destinadas à apuração de fatos
específicos sobre o desempenho das empresas e dos negócios com valores
mobiliários.7
1.5 O SIGILO BANCÁRIO
A Constituição Federal não se refere especificamente ao Sigilo
bancário e sim, o direito à intimidade e o direito à privacidade. Por conta disto os
doutrinadores tem entendido que o direito ao sigilo bancário, está inserido no
direito à intimidade.
Várias são as definições de sigilo bancário elaboradas pelos
especialistas do tema:
7 Disponível em http//www.cvm.gov.br Acesso em 10.04.2006
Para COVELLO, sigilo bancário é “a obrigação que têm os
Bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que venham a obter em
virtude de sua atividade profissional”.8
Já para OLIVEIRA o sigilo bancário é “o dever jurídico imposto
às instituições financeiras, consistente em não revelar a terceiros, sem motivos
justificados, dados pertinentes a sua clientela, que tenham chegado a seu
conhecimento, por decorrência da relação jurídica que os vincula”.9
ABRAÃO entende como:
A obrigação do banqueiro – a benefício do cliente – de não revelar certos fatos, atos, cifras ou outras informações de que teve conhecimento por ocasião de sua atividade bancária e notadamente aqueles que concernem a seu cliente, sob pena de sanções muito rigorosas, civis, penais ou disciplinares.10
Como se pode observar o sigilo bancário é entendido, tanto
como uma obrigação jurídica das agências bancárias, quanto um dever ético de
seus funcionários. E este dever de sigilo deve ser observado não somente aos
clientes propriamente ditos, mas, a todos aqueles que utilizam os serviços do
banco.
1.5.1 Da Natureza Jurídica do Sigilo Bancário
Entre os doutrinadores não há um consenso sobre a natureza
do sigilo bancário. Para COVELLO11, trata-se de obrigação jurídica dos Bancos e
8 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil, São Paulo: Livraria Editora Universitária de Direito, 1991, p. 69. 9 OLIVEIRA, Ary Brandão. Direito Civil, Imobiliário e Empresarial, 1983, p. 114. 10 ABRAÃO, Nelson. Sigilo Bancário e Direito Falimentar. São Paulo, Editora Revista dos tribunais. 11 COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil, São Paulo: Livraria Editora Universitária de Direito, 1991, p. 72.
seus funcionários. Para JIMENEZ,12 “a natureza do sigilo é moral, pois tem sede
no campo da deontologia profissional bancária”.
Os elementos que compõem o sigilo bancário como relações
obrigacionais são: sujeito passivo, sujeito ativo e objeto.
O sujeito passivo é o que está obrigado a observar sigilo, é o
Banco ou quem exerça suas atividades de mediação ou interposição de crédito, a
pluralidade de atos interponentes e o exercício profissional dessa atividade.
Equipara-se aos Bancos as instituições financeiras em geral e outras entidades
subordinadas à lei que regula o sistema financeiro nacional.
O sujeito ativo da obrigação de sigilo é o cliente que mantém
relações habituais e regulares com a instituição financeira. Por outro lado existe o
entendimento de que não só o cliente habitual, mas qualquer pessoa posta em
contato com o Banco em virtude da atividade profissional da empresa faz jus à
proteção de sua intimidade e tem direito subjetivo ao sigilo bancário.
O art. 38 da Lei 4.595/64 adotou esse critério quando omitiu, na
redação, a palavra cliente: “as instituições financeiras conservarão sigilo em suas
operações ativas e passivas e serviços prestados”. E o art. 18 da Lei 7.496/86,
também adotou o mesmo sistema: “violar sigilo de operação ou serviço prestado
por instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de títulos
imobiliários de que tenha conhecimento, em razão do ofício: Pena – Reclusão de 1
(um) a 4 (quatro) anos e multa”.
Das disposições legais enfocadas, verifica-se que o sujeito
passivo é o cliente ou qualquer pessoa cujos detalhes particulares sejam
conhecidos pelas instituições financeiras em virtude da atividade profissional.
12 JIMENEZ, Rafael. O Sigilo Bancário. Curitiba, Editora Juruá, 1992.
Das disposições legais enfocadas, verifica-se que o sujeito
passivo é o cliente ou qualquer pessoa cujos detalhes particulares sejam
conhecidos pelas instituições financeiras em virtude da atividade profissional.
Objeto é o dever de abstenção, de não revelar dados ou fatos
de que a instituição teve ciência em função de sua atividade financeira.
1.5.2 Limites Legais do Sigilo Bancário
Apesar de ser reconhecido como um direito em praticamente
todos os países do mundo, não é o sigilo bancário um direito absoluto. Como todo
direito, o sigilo bancário comporta limitações, certamente limites legais.
Os limites legais do sigilo bancário são traçados pela Lei, jamais
portaria ou decreto. São sempre fundados em motivos de ordem pública, e são
obrigações legais de prestar informações.13
A lei complementar 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das
operações financeiras, diz o seguinte em seu artigo 1º, § 4º:
Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas
operações ativas e passivas e serviços prestados.
(...)
§ 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária
para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do
inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes
crimes:
I – de terrorismo;
13 ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário & Direito à Intimidade, Curitiba, Editora Juruá, 2002, p. 95.
II -de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material
destinado a sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra o sistema financeiro nacional;
VI – contra a administração pública;
VII – contra a ordem tributária e previdência social;
VIII- lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e
valores;
IX - praticado por organização criminosa;
Ao limitar o sigilo bancário, o Estado busca facilitar a atuação
da Justiça para apurar os crimes e possibilitar ao fisco uma atuação efetiva de
descobrir a riqueza que se oculta, existe também a preocupação bastante
acentuada nos dias de hoje, do uso do sistema financeiro para as operações de
Lavagem de dinheiro.
A quebra do sigilo bancário é um dos itens indispensáveis nesta
luta.
Dentre os estados contemporâneos, todos reconhecem a
obrigação de se desvendar o sigilo ante requisição judicial.
No Brasil, em face da legislação comercial ser excessivamente
protetiva do comerciante na garantia do segredo de seus livros, os bancos, como
atividades comerciais, pretendem valer-se das mesmas prerrogativas.14
Entretanto, mesmo antes da entrada em vigor da Lei
complementar 105, o Poder Judiciário, já se manifestava no sentido de que o sigilo
bancário cede perante os interesses da justiça.
Nesse contexto, uma célebre decisão do juiz da 16ª Vara Cível
de São Paulo, Dr. Edgar de Moura BITTENCOURT, merece ser citada por seu
ineditismo, na época em que proferida:
Oficie-se aos Bancos e casas bancárias, solicitando-se as informações pedidas pela autora. Não há razão para o cerceamento de provas nesse processo. Quanto mais pondero sobre o incidente, mais me convenço de que o sigilo profissional e da escrituração bancária não tem o alcance que lhe emprestam os réus. O direito não criou o sigilo para impedir a apuração da verdade, procurada honestamente. E acresce que quanto mais uma parte se opõe a uma prova tanto mais cresce a curiosidade do juiz. Ocorre ainda que o direito (se assim pudesse designar a impugnação dos réus) não se exerce abusivamente, e os réus não demonstraram que prejuízo lhes advêm da revelação de suas transações bancárias. E, se tais prejuízos forem por ventura o possível desfecho favorável desta demanda, então se vê que a diligência pode ter influência na decisão, sendo impossível indeferi-la. No reverso da situação, poder-se-á dizer que a diligência é inócua: caso não se justifica a impugnação. Já argumentei, com base em doutrinadores nacionais e estrangeiros, que o segredo profissional não é absoluto; pode ceder quando se trata de auxiliar a justiça, pois o interesse da sociedade prima sobre o dos indivíduos. É bem de ver ainda que, no caso dos Bancos, não se trata de segredo decorrente de imperativo legal expresso; decorre do
14 ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário & Direito à Intimidade, Curitiba, Editora Juruá, 2002, p. 100.
raciocínio em torno de textos, cuja interpretação não se deve desviar do fim essencial do Estado na realização da boa justiça. Tais fundamentos me conduzem a requisitar dos Bancos e casa bancárias todas as informações pedidas pelos autores.15 AZEVEDO, advogado vitorioso da causa, publicou matéria em
apologia ao dever dos Bancos de informar à Justiça os depósitos e levantamento
de dinheiro efetuado por seus correntistas. Seu argumento mor era o seguinte:
Se existe nos meios bancários o costume de prestar informações até sobre a idoneidade dos clientes, com muito mais razão deverão os Bancos prestar informes à justiça, sem que isso constitua quebra de discrição. Por outro lado, considerava justa causa, para a revelação do segredo, a determinação judicial no sentido de serem prestadas informações de sorte que nenhum crime se poderia imputar ao depoente.16
Já era também o entendimento jurisprudencial:
Tributário. Sigilo bancário. O sigilo bancário não é absoluto, podendo ser quebrado, pois os infratores fiscais não podem ser acobertados. Mas, o contribuinte não pode ficar à mercê do Fisco, de devendo conseqüentemente, o Poder Judiciário decidir se é caso ou não de quebra de sigilo. 17 Sigilo bancário. Quebra. Indispensabilidade. Legalidade da medida. Se é certo que o ordenamento jurídico consagra a obrigação de as instituições financeiras não revelarem a terceiros, sem motivo justificado, informações pertinentes à sua clientela, não é menos exato que essa regra não se mostra absoluta, comportando, ao reverso, exceções previstas na Lei 4.595/64, dada a preeminência do interesse público sobre o
15 ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário & Direito à Intimidade, Curitiba, Editora Juruá, 2002, p. 103. 16 AZEVEDO, Noé. “ A questão do Sigilo Bancário”. São Paulo, Empresa Gráfica Revista dos Tribunais. 17 TRF 4Região – Ag. Reg. Em Ag. de Inst. 26.513-0 J. em 05.10.96 – DJ 29.11.96 – Rel. Juiz Tourinho Neto.
interesse particular, incumbindo à autoridade judiciária zelar pelo sigilo das informações.18
De outro lado não constitui violação do sigilo bancário os casos
previstos nos Incisos I a VI, do artigo 1º, da Lei Complementar 105/2001, que
dispõe:
§ 3o Não constitui violação do dever de sigilo:
I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins
cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas
as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco
Central do Brasil;
II - o fornecimento de informações constantes de cadastro de
emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores
inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as
normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco
Central do Brasil;
III – o fornecimento das informações de que trata o § 2o do art. 11 da
Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996;
IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de
ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de
informações sobre operações que envolvam recursos provenientes
de qualquer prática criminosa;
V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento
expresso dos interessados;
18 TRT 12ª Região – Mandado de Segurança 2.659/98 – J. em 03.02.99 – DJ 17.02.99 – Rel. Juíza Lílian L. Abreu.
VI – a prestação de informações nos termos e condições
estabelecidas nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º desta Lei
Complementar.
Também não constitui quebra de sigilo os casos previstos no
artigo 4º § 1º da Lei Complementar 105, bem como o caso previsto no Art 7º da
mesma Lei Complementar 105, que dispõem:
Art. 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores
Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições
financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e
os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem
necessários ao exercício de suas respectivas competências
constitucionais e legais.
§ 1o As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua
competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as
informações e documentos sigilosos de que necessitarem,
diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco
Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.
Art. 7º Sem prejuízo do disposto no § 3o do art. 2o, a Comissão de
Valores Mobiliários, instaurado inquérito administrativo, poderá
solicitar à autoridade judiciária competente o levantamento do sigilo
junto às instituições financeiras de informações e documentos
relativos a bens, direitos e obrigações de pessoa física ou jurídica
submetida ao seu poder disciplinar.
Conforme se pode concluir embora o sigilo bancário seja um
direito do cliente das instituições financeiras e bancárias, há também por parte
destas mesmas instituições o dever de colaborar com o Banco Central e
Comissão de Valores Mobiliários, seja para a instauração de inquéritos
administrativos, seja para apuração de crimes envolvendo o Sistema Financeiro
Nacional.
No capítulo seguinte será tratado especificamente do processo
que envolve a lavagem de dinheiro, suas várias etapas, bem como os crimes
antecedentes e os meios utilizados pelas autoridades para combater este delito.
CAPÍTULO 2
DA LAVAGEM DE DINHEIRO
2.1 CONCEITO
Lavagem de dinheiro é o processo pelo qual se transforma
recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com uma origem aparentemente
legal. Essa prática geralmente envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a
origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem
comprometer os criminosos.
Pela definição mais comum, segundo o Conselho de Controle
de Atividades Financeiras – COAF “a lavagem de dinheiro constitui um conjunto
de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia
de cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a
atos ilícitos”.19
Já para MENDRONI “Lavagem de dinheiro poderia ser definida
como o método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os
ganhos financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando trazer a sua
aparência para obtidos licitamente”.20
Para BARROS:
A lavagem de dinheiro é produto da inteligência humana. Ela não surgiu do acaso, mas foi e tem sido habitualmente arquitetada em toda parte do mundo. A bem da verdade é milenar o costume utilizado por criminosos no emprego dos mais variados mecanismos
19 CARTILHA sobre lavagem de dinheiro. Disponível em <http// www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/publicacoes/livro_lavagem.htm>. Acesso em 01.06.06 20 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 7
para dar aparência lícita ao patrimônio constituído de bens e capitais obtidos mediante ação delituosa.21
Portanto, como se observa dos conceitos acima, em síntese
lavagem de dinheiro nada mais é do que a forma pelo qual se transforma ativos
oriundos de atividades criminosas em ativos legítimos, através de um processo de
inserção destes ativos novamente no mercado, porém em atividades lícitas.
A lavagem de dinheiro está diretamente ligada ao crime
organizado que, para poder sobreviver, necessita basicamente de duas coisas:
cooperação de agentes do Estado e lavagem de dinheiro, sem estes dois itens o
crime organizado não existe.
Sobre o tema escreveu CALLEGARI:
De acordo com Estudos realizados pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro se encontra estreitamente vinculada à criminalidade organizada, pois, na maioria dos casos, a comissão desse delito requer uma estrutura não só para a comissão da lavagem de dinheiro, como também do delito previsto, o que origina os bens que serão lavados. É certo que, na maioria das vezes, o delito que gera mais ganhos é o de tráfico de drogas e, portanto, está muito vinculado à lavagem de dinheiro. Porém, no Brasil, não somente ele gera grandes quantidades aptas à lavagem. Assim, podemos citar outras atividades criminosas com as quais se obtêm grandes somas de dinheiro ou bens, como o jogo ilícito, o contrabando, o tráfico de seres humanos com fins a prostituição, os crimes contra a administração pública, o roubo de cargas, etc. As organizações criminosas se movem pela facilidade de obtenção de grandes quantias de dinheiro com a comissão de alguns delitos que ultrapassam as fronteiras dos países. Essas grandes somas tendem a ser recicladas mediante sua introdução nos circuitos financeiros, obtendo assim uma aparência de legalidade.22
21 BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações correlatas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. 22 CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro. Barueri, SP: Manole, 2004.
Daí o porque do combate a lavagem de dinheiro ser importante
para os governos na luta contra o crime organizado.
2.2 HISTÓRICO
Aproveitando o levantamento histórico feito por
LANCELLOTTI23, tem-se que a origem da prática de lavagem de dinheiro teve
início no mesmo período em que se iniciou nos Estados Unidos às atividades da
Máfia.
Por volta do ano de 1920, estava em vigor nos Estados Unidos
a Lei Seca. Esta Lei proibia a comercialização de bebidas alcoólicas em todo o
país. Por conta disto a Máfia iniciou o contrabando de bebidas, que eram trazidas
especialmente do Canadá, posteriormente sendo distribuídas nos bares, que
possuíam salas secretas para que os clientes pudessem beber sem ser vistos,
negócio este que gerou grandes lucros para a máfia.
A expressão “lavagem de dinheiro” surgiu porque os mafiosos
daquela década procuravam ocultar a origem ilícita do seu dinheiro aplicando em
negócios com rápido giro, como lavanderias de roupas e lavações de automóveis.
Conforme CASTELLAR:
A expressão lavagem de dinheiro originou-se, historicamente, no costume das máfias norte americanas, da segunda década do século 20, de usar lavanderias para ocultar a procedência ilegal de seu dinheiro. Deve-se observar que em muitos países, em vez de ‘lavagem de dinheiro’ é usado o termo ‘branqueamento de dinheiro’. Esta terminologia vem recebendo algumas críticas no meio jurídico pela sua falta de rigor técnico devido sua origem popular. Alguns
23 LANCELLOTTI, Silvio. Honra ou Vendetta, Porto Alegre, Ed. L&PM, 2001.
doutrinadores preferem utilizar o termo Lavagem de Capitais, pelo seu caráter mais abrangente.24 O mais notável mafioso da época era Al Capone, que operava
especialmente na cidade de Chicago. Para manter-se no poder Al Capone se valia
de homicídios, extorsões, e principalmente do pagamento de propinas a policiais,
políticos, e juízes. No entanto o governo americano não conseguia provar nenhum
crime contra ele, até que uma força tarefa do governo federal, formada por
agentes do tesouro conseguiu colocá-lo na prisão por sonegação de impostos, já
que Al Capone possuía altos rendimentos sem demonstrar a origem deles.
Outro notável mafioso da época era Meyer Lansky. Lansky
praticamente profissionalizou a lavagem de dinheiro, quando contratou contadores
especialmente para legalizar os ativos ganhos ilicitamente.
Parte do dinheiro de Meyer Lansky foi utilizado na construção
do primeiro Hotel Cassino de Las Vegas em associação com outros mafiosos.
Além disso Lansky também enviou dinheiro para Cuba e logo foi seguido por
outros mafiosos que transformaram a ilha – que na época era governada pelo
ditador Fulgêncio Batista - em uma espécie de paraíso fiscal da Máfia.
Mais tarde a prática da Lavagem de dinheiro passou a ser
adotada por organizações criminosas de outros países, que passaram a utilizar
diversas formas de legalizarem o dinheiro ganho através de suas atividades
criminosas.
Hoje a lavagem de dinheiro transformou-se em um problema
para os governos de diversos países, que tentam, seja através de ações internas,
seja em colaboração com outros países combater esta prática.
24 CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro – A questão do bem jurídico. Rio de Janeiro, Revan, 2004.
2.3 ETAPAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO
A Lavagem de dinheiro é normalmente subdividida em três
etapas: Colocação, Ocultação ou Dissimulação e Integração.
2.3.1 Colocação
A primeira etapa do processo de lavagem de dinheiro é a
colocação do dinheiro no sistema econômico. Nesta etapa utilizam-se as
atividades comerciais e as instituições financeiras, tanto bancárias, como não
bancárias, para introduzir montantes em espécie, geralmente divididos em
pequenas somas, no circuito financeiro legal.
De acordo com o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras - COAF na maioria das vezes, o agente criminoso movimenta o
dinheiro em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um
sistema financeiro liberal (paraísos fiscais e centros off-shore). A introdução de
dinheiro em espécie é normalmente direcionada para a instalação de atividades
comerciais, que tipicamente, também trabalham com dinheiro vivo. Assim, os
recursos ilícitos se misturam aos recursos obtidos em atividades legais e são
posteriormente depositados em bancos.25
É muito importante esclarecer que “paraísos fiscais” são países
que proporcionam incentivos fiscais aos investidores, isentando ou diminuindo
consideravelmente a carga de tributos por determinado período de tempo, ou para
determinados tipos de aplicações financeiras, ou ainda diminuindo a carga
tributária especificamente para determinados negócios que ali venham a se
estabelecer. Não significa e não podem, entretanto, consentir que o dinheiro
aplicado, ou investido, tenham origem criminosa no país de onde provém. É
preciso então distinguir que uma coisa é oferecer incentivos fiscais, e outra
25 Fonte: COAF. Disponível em www.fazenda.gov.br/coaf. Acesso em 01.06.06.
totalmente diversa é admitir a introdução de dinheiro sujo como forma de
aplicação financeira ou investimento qualquer. Essa totalmente vedada pela
comunidade internacional.
De acordo com MENDRONI26 os criminosos normalmente
recebem o dinheiro sujo em espécie, que dificulta o registro de sua origem.
Entretanto, na sociedade atual também são muito utilizadas formas de
pagamentos através cheques, cartões de crédito ou títulos outros de crédito,
especialmente para a transferência ou pagamentos de grandes quantias.
A colocação é o estágio primário da lavagem de dinheiro, por
assim dizer e, portanto, mais vulnerável à sua detecção.
2.3.2 Ocultação ou dissimulação
A segunda etapa do processo consiste em dificultar o
rastreamento contábil dos recursos ilícitos. Nesta etapa, o agente desassocia o
dinheiro de sua origem passando-o por uma série de transações, conversões e
movimentações diversas. Quanto mais operações forem realizadas nesta etapa,
tanto mais difícil será a sua conexão com a ilegalidade e, por conseguinte mais
difícil será provar sua origem.
Pode-se dizer que esta é a mais importante das etapas da
lavagem de dinheiro.
Conforme BARROS:
Na segunda etapa do processo de lavagem de dinheiro pratica-se a dissimulação, também conhecida por fase de controle ou
26 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 58, 59.
estratificação, que corresponde ao acúmulo de investimentos, que visam maquiar a trilha contábil dos lucros provenientes do crime antecedente. Nesta fase da ação criminosa, a conduta se reveste de várias e sucessivas operações e transações econômico-financeiras, inclusive nos chamados “paraísos fiscais”, feitas com o emprego de sofisticados meios eletrônicos e com o propósito de disfarçar a ilícita origem do dinheiro sujo, sendo então utilizadas muitas contas bancárias, investimentos diversificados, etc., envolvendo a participação de pessoas físicas e jurídicas empenhadas em camuflar os ativos ilícitos. É no desenrolar desta superposição de transações que o ciclo de lavagem basicamente se efetiva, eis que é inerente à dissimulação o objetivo final de estruturar o lucro ilícito com nova aparência de ativos lícitos. Portanto, nesta fase, também se apresenta a estrutura, ou seja, a ação do agente lavador que efetua aplicações de grandes volumes de dinheiro gerados pela atividade criminosa (crimes antecedentes), porém, estruturados ou divididos em quantias menores, abaixo do valor para o qual a lei exige o registro da operação”.
Uma vez que o dinheiro foi colocado, faz-se necessário efetuar
diversas operações complexas, tanto no plano nacional como internacional,
visando dificultar o rastreamento contábil do mesmo. O objetivo do criminoso
nesta etapa é cortar a cadeia de evidências, ante a possibilidade de eventuais
investigações sobre a origem do dinheiro. Geralmente, o dinheiro é movimentado
de forma eletrônica e transferido para contas anônimas.
De acordo com o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras – COAF não raramente, o agente consegue obter documentos
extraviados de alguém, ou então criar pessoa fictícia através de formas variadas
seja através de falsificadores especializados, seja através de funcionários de
órgãos próprios de confecção de carteiras de identidade ou certidões de registros
públicos. De posse desse documento, ele se dirige a uma agência bancária e abre
uma conta, obtém senha, cartões e a movimenta livre e anonimamente.
Descoberta a fraude, ele já tratará de abrir outra conta através da mesma
sistemática.27
Outra opção é o depósito em contas de empresas fantasmas,
pertencentes às próprias organizações criminosas. No processo de transferência,
o dinheiro ilícito pode ser misturado com quantias movimentadas legalmente de
forma a ter sua origem disfarçada. O desenvolvimento da Internet e da tecnologia
do dinheiro digital amplia as possibilidades de ação dos agentes criminosos,
propiciando-lhes maior rapidez nas transações e garantia do anonimato.
Para MENDRONI a intenção do agente lavador é afastar o
dinheiro da sua origem ilícita, afastando-o o quanto possível, ocultando-o ou
dissimulando-o, para que tome ares de origem legal.28
2.3.3 Integração
Nesta última etapa, os ativos são incorporados formalmente ao
sistema econômico. O agente cria justificações ou explicações aparentemente
legítimas para os recursos lavados e os aplica abertamente na economia legítima,
sob forma de investimentos ou compra de ativos.
As organizações criminosas buscam investir em negócios que
facilitem suas atividades e, uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais
fácil legitimar o dinheiro ilegal. Integração é, portanto, o estágio final para
transformação de dinheiro sujo em dinheiro aparentemente lícito.
De acordo com MENDRONI é extremamente difícil para as
autoridades conseguirem detectar os fundos de origem ilícita nesta fase do
27 Fonte: COAF. Disponível em www.fazenda.gov.br/coaf. Acesso em 01.06.06 28 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 60.
procedimento da lavagem, pois já passaram por outras duas etapas e a esta altura
estarão com aparência significantemente limpa.29
2.4 CRIMES ANTECEDENTES DA LAVAGEM DE DINHEIRO
Para a tipificação do crime de lavagem de dinheiro se faz
necessário à comprovação de um crime antecedente e a ocultação ou
dissimulação de valores provenientes deste crime antecedente.
O rol destes crimes está previsto no Artigo 1º da Lei 9.613/98:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
Sendo um tipo aberto, abrange todas as condutas da legislação
que configuram a prática de tráfico de entorpecentes, configuradas, atualmente,
na Lei 11.343/06.30
No Brasil, da mesma forma ocorre em outros países, o tráfico
de drogas movimenta grandes quantias de dinheiro e muitas vezes esses valores
acabam financiando outros tipos de crimes, para depois então serem lavados, e
investidos em negócios lícitos. Importante destacar que muitas vezes os valores
obtidos com o tráfico de drogas, estão em cédulas de pequeno valor, tornando um
pouco mais difícil a lavagem destas somas.
29 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 61. 30 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 40.
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de
9.7.2003).
Pretende-se, evidentemente, evitar que o dinheiro obtido
ilicitamente através de ações de grupos terroristas possa ser reutilizado para
financiar as mesmas ações, colocando em risco a segurança pública nacional.
SAINT- PIERRE assim definiu o terrorismo: “Em termos gerais,
o terrorismo é uma ação violenta que procura, mediante a espetaculosidade do
ato, provocar na população uma reação psicológica de medo, um pavor
incontrolável, o terror”.31
Para este tipo legal não existe legislação específica no Brasil,
definindo o que seria “crime de terrorismo”, por isso o dispositivo pode deixar de
ser aplicado. Pois pelo princípio da Legalidade “não há crime sem lei anterior que
o defina”. Damásio entende desta forma: não possuímos lei ordinária definindo o
delito de terrorismo. Assim, se for introduzido no Brasil bem proveniente de
terrorismo cometido no estrangeiro, não incide a Lei n. 9.613/98.32
III – De contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção.
A referência encontra respaldo direto nas previsões da Lei nº
10.826/03, o Estatuto do Desarmamento, no artigo 17, caput sob o título
“Comércio Ilegal de Armas de Fogo”, e no artigo 18, caput, sob o título “Tráfico
Internacional de Armas de Fogo”
31 SAINT- PIERRE, Héctor Luis. Terror, política e história. Disponível em: www.universiabrasil.net, acesso em 14/06/2006. 32 JESUS, Damásio E. de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2818>. Acesso em: 18 jul. 2006.
Para MENDRONI sendo ambas modalidades de tráfico –
comercialização ilegal -, entende-se que, enquanto na forma do artigo 17 as
condutas ocorrem dentro do território nacional, na forma do artigo 18, com conduta
“de “ ou “para” o exterior.33
IV – De extorsão mediante seqüestro
Esta previsão está diretamente ligada com a previsão do
Código Penal, artigo 159, caput: “seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou
para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço de resgate: pena –
reclusão de 08 a 15 anos”.
Para MENDRONI com o objetivo de ampliar o combate a esta
prática criminosa o legislador, reforçou-a com a possibilidade de punição, também
pela prática de crime de lavagem de dinheiro obtido em decorrência do resgate34.
E este é um tipo de crime que após conseguir lavar o dinheiro
obtido com o mesmo, é muito comum entrar a figura do “laranja”, porque muitas
vezes a polícia, após prender os seqüestradores, não consegue localizar o
dinheiro obtido com o resgate, porque o dinheiro já foi lavado e aplicado em
imóveis ou outro tipo de investimentos, porém em nome de terceiros.
V – Contra a administração pública, inclusive a exigência, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou
preço para a prática ou omissão de atos administrativos.
De acordo com o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras estes são os crimes de maior proporção numérica na obtenção de
33 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 44. 34 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 44.
ganhos destinados à lavagem de dinheiro no Brasil, portanto, não poderiam deixar
de estar previstos.
Tais crimes envolvem metade de todo o dinheiro lavado no
Brasil. Isto não é muito difícil de se imaginar, haja vista o grande número de casos
de corrupção envolvendo dinheiro público no Brasil.35
E é incrível mesmo a quantidade deste tipo de crime no Brasil,
volta e meia é visto nos noticiários casos de corrupção envolvendo agentes
públicos, empresas privadas, e parlamentares no desvio de grandes quantias de
dinheiro público, e como, geralmente, não se trata de crimes cometidos com
violência ou grave ameaça normalmente as prisões dos envolvidos é apenas a
prisão temporária, o que de certa forma faz com que os mesmos não tenham
medo de cometer tais crimes.
Segundo QUAGLIA, representante da ONU, a corrupção causa
uma sangria grande nas reservas de países em desenvolvimento, como o Brasil, e
afeta o crescimento da economia. No caso brasileiro, conforme o dirigente, os
danos causados pelo crime estão mais para 5 % do que para 2% do PIB: “Há um
consenso na comunidade internacional de que, para um país se desenvolver,
precisa combater o crime organizado de todas as formas, porque ele tem impacto
direto sobre o desenvolvimento econômico e social”.36
VI – Contra o sistema financeiro nacional
Neste item o legislador procurou incriminar também os crimes
praticados contra o sistema financeiro nacional, previstos na Lei nº 7.492/86 (Lei
que define os crimes contra o sistema financeiro nacional). Tal como no caso do
35 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 45 36 QUAGLIA, Giovanni. Diário popular, Pelotas, 2 de setembro de 2004. Acesso em 17.06.2006
crime de Tráfico de Drogas, trata-se de tipo aberto em que a lei contempla
diversas situações que geram alto potencial ofensivo à criminalidade econômica.
VII – Praticado por organização criminosa.
A exemplo dos casos de Terrorismo, não existe na legislação
penal brasileira definição de organização criminosa ou mesmo de crime
organizado.
O professor MINGARDI apresentou a seguinte definição:
Grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da Lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de território.37
Esta definição dada por MINGARDI se assemelha muito aos
grupos mafiosos da Itália que controlam territórios, e lembra também os grupos
criminosos que atuam nas favelas do Rio de Janeiro, com suas atividades
voltadas para o tráfico de drogas e sua imposição a lei do silêncio e controle de
morros.
Decorre daí, em precária suposição, que organização criminosa
seja um organismo ou empresa, tendo como objetivo a prática de crimes, ou seja,
a prática de atividades ilegais. É, portanto, empresa voltada à prática de crimes.
37 MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. Boletim do IBCCrim 2004, p. 82
Para MENDRONI considerando-se que não seria possível
distinguir determinadas espécies de infrações penais para efeito de
estabelecimento da organização criminosa, segue-se que, uma vez configurada a
sua existência, com intuito de prática de qualquer tipo de infração penal, desde
que obtenha, dessas atividades, bens, direitos e valores, a partir de indícios das
condutas, será possível processar os seus integrantes que de qualquer modo
concorrerem, por crime de lavagem de dinheiro, tendo como situação antecedente
“pertencer”, por se tratar de crime praticado por organização criminosa.38
Damásio comenta o assunto:
Não temos definição de "organização criminosa". No Brasil, as duas leis que tratam do crime organizado (Lei n. 9.034/95 e Lei n. 10.217/01) não conceituam esse elemento normativo. E o Brasil ainda não ratificou a Convenção da ONU sobre a Delinqüência Organizada Transnacional. Além disso, a Convenção só cuida das organizações criminosas internacionais.39
Este é o caso das atividades ligadas a exploração do jogo do
bicho e das máquinas “caça-níqueis”. Por não estarem estas atividades elencadas
no rol de crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, teoricamente não se
poderia processar alguém por lavagem de dinheiro, tendo como antecedente a
prática do jogo do bicho ou da exploração de máquinas caça-níqueis, ou até
mesmo da exploração de qualquer outro tipo de jogo. Porém ficando comprovado
que o dinheiro lavado provém destes tipos de atividades e que as mesmas são
efetuadas por organizações criminosas, é possível aplicar a Lei de lavagem de
dinheiro.
38 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 46 39 JESUS, Damásio E. de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2818>. Acesso em: 18 jul. 2006.
VIII – Praticado por particular contra a administração pública estrangeira.
Este dispositivo foi recentemente inserido no texto da lei, e tem
o objetivo de coibir, especialmente a prática de processamento de lavagem de
fundos contrariamente aos dispositivos legais e regulamentares das
administrações públicas estrangeiras, buscando fechar ainda mais as
possibilidades de sua operacionalização a partir de critérios proibidos de outro
país.40
Já o § 1º, da lei, dispõe que “incorre na mesma pena quem,
para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de
qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo”
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em
garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou explora bens com valores não correspondentes
aos verdadeiros.
E o § 2º, traz, ainda: ‘Incorre, ainda, na mesma pena, quem: ‘
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos
ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos
crimes antecedentes referidos neste artigo;
40 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 51
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo
conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é
dirigida à prática de crimes previstos nesta lei.
Trata-se aqui de crime de mera conduta. A ação de participar
de qualquer forma de grupo, associação ou escritório, sabendo que sua atividade
principal ou secundária é dirigida a prática dos crimes de lavagem de dinheiro.41
Neste caso específico é importante tomar muito cuidado,
porque se faz necessário que o agente tenha conhecimento destas atividades, não
se podendo punir um contínuo que faça serviços de banco para um escritório de
contabilidade ou advocacia, sem saber que ali se pratica os crimes de lavagem de
dinheiro. O mesmo entendimento é claro, não se aplica aos sócios ou dono do
escritório que realiza estas atividades, sejam elas principais ou secundárias, pois
neste caso há incidência da prática do crime previsto no inciso II deste parágrafo.
É importante observar, que embora pela prática destes crimes
haja penas previstas a eles cominados, o mais importante seria o seqüestro dos
bens e valores obtidos com os delitos cometidos. Porque os indivíduos que
praticam tais crimes e depois conseguem lavar o dinheiro obtido com os mesmos,
sentiriam um peso maior da lei e até mesmo uma sensação maior de punibilidade
se ficarem sem este dinheiro ganho ilegalmente. Ao invés de apenas tiverem que
cumprir uma pena privativa de liberdade. É claro que se faz necessária à
aplicação da Lei no sentido de condená-los a alguma pena, no entanto é também
muito importante que o dinheiro ganho ilegalmente seja confiscado pelo Estado.
2.4.1 Indícios de crime antecedente
41 MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006 p. 52
É necessária a existência de um crime antecedente para
caracterizar o crime de lavagem de dinheiro, no entanto este fato não precisa estar
configurado por prova evidente, conforme estabelece o art. 2º, § 1º, da Lei
9.613/98: “A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do
crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que
desconhecidos ou isento de pena o autor daquele crime”.
Sobre o tema é o comentário de BARROS:
Ao receber a denúncia pode o juiz fundamentar a sua decisão consignando estar convencido de que constatou a presença de indícios da ocorrência do crime de ‘ lavagem de dinheiro’ e de sua autoria, bem como, que existem indícios suficientes da prática do crime antecedente. Sem que existam sérios indícios da ocorrência do crime antecedente, a denúncia não pode ser recebida pelo juiz, isto por faltar justa causa para o início do processo. ‘ Sérios indícios’, segundo a doutrina espanhola, correspondem áqueles ‘plenamente acreditados’, conforme assevera Miguel Angel Montañes Pardo, ao dizer ser necessário que os indícios sejam fatos plenamente acreditados e não meras conjecturas ou suspeitas, pois não é possível construir certezas sobre simples probabilidades. Ademais, os indícios devem ser provados, como é óbvio, por provas lícitas e legalmente obtidas como se tratasse de qualquer outro fato. A satisfação deste pressuposto reafirma o entendimento de que embora prestigiado o princípio da autonomia dos processos, a independência destes não é total, pois a lei exige a apresentação de denúncia lastreada em razoável base de materialidade ou da existência do delito anterior.42
Na hipótese prevista no Art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, o Juiz
poderá receber a denúncia e dar andamento normal ao processo, porém a grande
questão que se coloca é no momento em que chegar na fase de sentença, como
deverá agir o Juiz no caso de não haver provas concludentes da existência de um
crime antecedente. Qual deverá ser sua decisão?
42 BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações correlatas, São Paulo, revista dos tribunais, 2004, p. 220.
Na opinião de BARROS:
A sentença condenatória exige a formação do convencimento jurisdicional seguro, a respeito da existência do crime antecedente. Nesta etapa do processo, os indícios, por si só, não dão a necessária sustentação ao juízo condenatório. A comprovação da ocorrência do crime básico configura uma questão prejudicial do próprio mérito da ação penal em que se apura a prática do crime de lavagem de dinheiro. Desse modo, ao fundamentar a sentença condenatória, o juiz tem o dever funcional de abordar essa questão, afirmando estar convencido da existência do crime antecedente, apontando as provas dos autos que o levam a formar essa convicção. Obviamente, no processo criminal de lavagem de dinheiro, não se julga delito anterior, mas é absolutamente necessário mencionar, de forma expressa, que de fato ocorreu. Se, ao findar a instrução do processo, para o juiz ainda pairar dúvida sobre a existência do crime básico, a solução do processo criminal atenderá à máxima in dúbio pro reo, absolvendo-se o imputado por falta de provas.43
É também o entendimento de CALLEGARI:
Existem fortes argumentos para que se aceite a premissa de que os indícios do crime antecedente não são suficientes para a condenação do sujeito pelo posterior delito de lavagem de capitais. Como o legislador brasileiro exigiu a existência suficiente de indícios do crime antecedente, ao menos o fato deve ser típico e antijurídico. Pode ser que ocorra no delito antecedente a exclusão da tipicidade ou da antijuridicidade, não correndo, assim, um crime antecedente. Portanto, se não há crime antecedente, não se pode aplicar o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei de lavagem de dinheiro.44
43 BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações correlatas, São Paulo, revista dos tribunais, 2004, p. 224. 44 CALLEGARI, André Luís. Barueri, São Paulo, Ed. Manole, 2004, p. 92.
2.5 COMBATE A LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL
Nos últimos anos o Brasil vem executando ações com objetivo
de prevenir e combater a lavagem de dinheiro. Seja com a participação e
ratificação de Tratados e Convenções internacionais, seja com a criação de Leis e
órgãos que atuem neste sentido.
Dentre estas ações o Brasil criou dois importantes órgãos que
visam prevenir e combater a lavagem de dinheiro, quais sejam:
- O Conselho de controle de Atividades Financeiras – COAF
ligado diretamente ao Ministério da Fazenda, e que é o mais importante órgão
desta área no Brasil;
- O Departamento de Recuperação de Ativos e Coordenação
Jurídica Internacional – DRCI, ligado diretamente ao Ministério da Justiça, que
atua na recuperação do dinheiro enviado de forma ilegal ao exterior, bem como na
recuperação do dinheiro ilegal, que está depositado no país.
2.5.1 Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF – foi
criado, seguindo padrão internacional deste tipo de órgão, pela Lei 9.613. Seu
estatuto é o decreto do Presidente da República e a Portaria é do Ministério da
Fazenda, e tem as seguintes competências principais:
- Coordenar e propor mecanismos de cooperação no
combate à lavagem de dinheiro.
É um trabalho voltado para a verificação do que pode ser feito
para melhorar a apuração desse tipo de crime, sensibilizando a sociedade para o
seu combate.
- Receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas
de Lavagem de dinheiro, com a finalidade de enviá-las aos órgãos
competentes.
- E por último disciplinar e aplicar as penas administrativas.
Aqueles setores nos quais não existia órgão regulamentador e
fiscalizador próprio, passaram a ser objeto de uma resolução do COAF.
Na sua competência de regulamentação da Lei, o COAF
expede resoluções para os seguintes setores:
- Imobiliário;
- de Factoring;
- de Jogos;
- de jóias, pedras e metais preciosos;
- de bingo.
E, claro, qualquer descumprimento dessas resoluções, tanto as
do COAF quanto às dos outros órgãos, implica aplicação de pena. Podem ser
aplicadas administrativamente, cumulativamente ou não, as seguintes sanções:
- advertência;
- multa pecuniária e variável;
- inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos para o
exercício do cargo de administrador;
- cassação da autorização para operação ou funcionamento.
O Decreto nº 2.799, de 08-10-1998, e a portaria do Ministro de
Estado da Fazenda nº 330, de 18-12-98, aprovaram, respectivamente o Estatuto e
o Regimento Interno do COAF, determinando a seguinte estrutura interna:
a) Presidência
O Presidente do Conselho é nomeado pelo Presidente da
República, mediante indicação do Ministro da Fazenda, sendo exigida dedicação
exclusiva.
b) Plenário
Composto pelo presidente e por servidores públicos, nomeados
pelo Ministro de Estado da Fazenda, escolhidos dentre os integrantes do quadro
de pessoal efetivo:
- do Banco Central do Brasil;
- da Comissão de Valores Mobiliários;
- da Superintendência de Seguros Privados;
- da Procuradoria-geral da Fazenda Nacional;
- da Secretaria da Receita Federal;
- da Subsecretaria de Inteligência do Poder Executivo;
- do Departamento de Polícia Federal; e:
- do Ministério das Relações Exteriores
c) Secretaria-Executiva
A secretaria executiva é composta por um Secretário Executivo,
nomeado pelo Ministro da Fazenda, seis assessores e dois auxiliares.
O órgão hoje está totalmente regulamentado; significa que no
atual estágio toda a economia brasileira já está tomando medidas preventivas de
combate de dinheiro com a identificação do cliente, com registros das transações
e com a comunicação das operações suspeitas.45
2.5.2 Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional – DRCI
O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
jurídica Internacional – DRCI, foi criado por meio do Decreto 4.991, de 18 de
fevereiro de 2004, e está subordinado a Secretária Nacional de Justiça (SNJ) do
Ministério da Justiça O Departamento tem como principais funções analisar
cenários, identificar ameaças, definir políticas eficazes e eficientes, bem como
desenvolver cultura de combate à lavagem de dinheiro. Essas funções têm como
objetivo a recuperação de ativos enviados ao exterior de forma ilícita e de
produtos de atividades criminosas, tais como as oriundas do tráfico de
entorpecentes, do tráfico ilícito de armas, da corrupção e do desvio de verbas
públicas. Além disso, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Jurídica Internacional, é responsável pelos acordos internacionais de cooperação
jurídica internacional, tanto em matéria penal quanto em matéria civil, figurando
como autoridade central no intercâmbio de informações e de pedidos judiciais por
parte do Brasil.
O Departamento, por meio de sua Coordenação-geral de
Recuperação de Ativos, desempenha importante papel na atividade estatal de
recuperação de ativos relacionados à prática de atividades criminosas.
No intuito de tornar mais efetivas as ações públicas para a
recuperação de ativos tanto no exterior quanto no país, o DRCI é responsável por
executar as seguintes atividades:
45 Fonte: COAF. Disponível em www.fazenda.gov.br/coaf. Acesso em 01.06.06
• Colaborar com as polícias, o Ministério Público, o Judiciário e
os órgãos competentes para recuperar, no Brasil e no exterior, ativos derivados de
atividades ilícitas.
• Articular com os diversos órgãos das várias esferas do
governo no intuito de recompor os cofres públicos.
• Receber e analisar denúncias e informações sobre a
existência de fatos que possam configurar o crime de lavagem de dinheiro.
• Implementar, no âmbito da cooperação jurídica internacional,
ações da autoridade central, referentes à recuperação de ativos.
• Elaborar estudos para o aperfeiçoamento e a implementação
de mecanismos destinados à recuperação dos instrumentos e dos produtos de
crimes, objeto da lavagem de dinheiro.
• Disponibilizar informações e conhecimentos relacionados ao
combate à lavagem de dinheiro, à identificação de crimes antecedentes e à
recuperação de ativos no Brasil e no exterior.
• Subsidiar e fornecer elementos para auxiliar a instrução de
processos que visam à recuperação de ativos.46
Como se pôde verificar o processo de lavagem de dinheiro,
envolve diversas etapas, o que torna cada vez mais necessário, a criação de
formas de mecanismos de combate a esta prática, o que também podemos
verificar, vem sendo implementado pelo governo brasileiro.
46 Fonte: Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI. Disponível em www.mj.gov.br/DRCI, acesso em 08.06.2006
Com isto fecha-se o capítulo 2. No terceiro capítulo tratar-se-á
das ferramentas utilizadas para se lavar dinheiro através do Sistema Financeiro,
quais sejam: Paraísos Fiscais e Off Shores, bem como as medidas tomadas pelo
sistema bancário para prevenir esta prática.
CAPÍTULO 3
O SISTEMA FINANCEIRO COMO FERRAMENTA PARA O CRIME
DE LAVAGEM DE DINHEIRO
3.1 PARAÍSOS FISCAIS
Paraísos fiscais são países que proporcionam incentivos fiscais
aos investidores, isentando ou diminuindo consideravelmente a carga de tributos
por determinado período de tempo, ou para determinados tipos de aplicações
financeiras, ou ainda diminuindo a carga tributária especificamente para
determinados negócios que ali venham a se estabelecer47.
Segundo MORAES:
O que faz de um paraíso fiscal um lugar atraente é o sigilo bancário impenetrável, a lavagem de dinheiro não ser considerada um crime, a capacidade reduzida de investigação e de coibição da prática de lavagem de dinheiro, a falta de identificação no fechamento de uma operação financeira, falta de controle na entrada ou na saída de recursos do País, sistemas financeiros estranhos a prática bancária com legislação falha, estabilidade econômica e política do paraíso fiscal, revogação dos controles de câmbio ou das restrições de circulação internacional de moedas, ausência de impostos ou reduzidas alíquotas, liberdade de remessas financeiras de renda ou capital, legislação favorável para os ativos ocultos, boa estrutura de profissionais, adequada infra-estrutura de operações bancárias, adequada posição geográfica e avançada estrutura em telecomunicações.48
47 Fonte: COAF. Disponível em www.fazenda.gov.br/coaf. Acesso em 01.06.06 48 MORAES, Deomar. Paraísos fiscais, centros off-shore e lavagem de dinheiro. Seminário Internacional sobre Lavagem de dinheiro – série cadernos do CEJ – Conselho da Justiça Federal, 2004. p.98.
É justamente por conta destes atrativos, que os Paraísos fiscais
costumam atrair grandes investimentos, e de certa forma podemos considerar,
que caso não houvesse tais atrativos, dificilmente estes lugares teriam as grandes
fortunas lá depositadas, e certamente os donos destas quantias iriam procurar
outras formas de investir seu dinheiro.
Segundo o site Monitor das Fraudes:
Em todo o mundo, segundo dados da ONU, são lavados aproximadamente 500 bilhões de dólares todos os anos. Desse total, 400 bilhões de dólares vêm do narcotráfico. Os paraísos fiscais desempenham um importante papel nessas operações financeiras. Por esta razão existem movimentos internacionais que estão pressionando tais países, e outros que por alguma razão não estejam cooperando na luta à lavagem de dinheiro, a implantarem políticas e leis que coíbam tais práticas. Esse processo de pressão internacional, que está tendo um razoável êxito, é liderado por entidades oficiais que atuam publicando listas dos países que não cooperam, particularmente relevantes são as listas da OECD e o FATF-GAFI. Países com leis e estruturas bastante efetivas para coibir a lavagem de dinheiro, como a Alemanha ou a Itália, tomaram o cuidado de não subestimar o possível envolvimento de entidades não financeiras nos processos de lavagem de dinheiro.49 Entretanto como já dito anteriormente, o fato de alguém ter
dinheiro aplicado em paraísos fiscais não o torna um criminoso, o que ocorre é
que muitas vezes os paraísos fiscais acabam sendo utilizados para ocultar
dinheiro ilícito.
Conforme BARROS:
Em tese, a utilização dos ‘paraísos fiscais’ como instrumento de investimento externo e de transferência de recursos, não constitui ilícito penal. Desde que a operação realizada encontre amparo legal, prevalece o princípio da liberdade empresarial de conduzir os
49 fonte: site monitor das fraudes. www.fraudes.org.br, acesso em 20.09.2006
negócios, de modo que, os tributos que se deve recolher sejam os mais baixos possíveis, pois a ninguém se impõe a obrigação de adotar medidas que se tornem mais gravosas as prestações tributárias. Todavia, a adoção do princípio de liberdade empresarial não é aceita quando o objetivo que move a aplicação financeira é o de atingir especificamente a conversão dos ativos ilícitos (dinheiro sujo) em lícitos. No vasto campo da lavagem, os ‘paraísos fiscais’ são utilizados com freqüência pelos criminosos, sendo que estimativas não comprovadas apontam que, nas lavanderias do planeta, circulam aproximadamente ¼ (um quarto) das finanças mundiais.50
Porém não há dúvidas que diante do volume de dinheiro lavado
nos paraísos fiscais, cabe não só aos organismos internacionais, mas
principalmente aos governos dos países afetados, pressionarem para que as
autoridades dos paraísos fiscais contribuam na luta contra a lavagem de dinheiro,
por outro lado é claro, sabemos que a resistência destes países em colaborar,
muitas vezes está ligada ao volume de dinheiro movimentado, quanto mais estes
paraísos criarem dificuldades, quanto mais fiscalizarem estes recursos, menos
dinheiro eles receberão.
3.2 EMPRESAS OFF- SHORE
O termo off-shore, que literalmente seria “litoral”, “fora da costa”,
no mercado financeiro, é conceituado como “empresa em paraíso fiscal”.
Uma empresa off-shore é aquela constituída de acordo com as
leis de um determinado país, com objetivo de desenvolver suas atividades
exclusivamente em países distintos daquele onde ela foi constituída, ficando
ainda, por força da lei, proibida, muitas vezes, de estabelecer qualquer tipo de
50 BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações correlatas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. p. 82
vínculo comercial com outras empresas constituídas na mesma jurisdição. Neste
tipo de empresa, há garantias de confidencialidades.51
3.2.1 Ilha de Man
Um dos paraísos fiscais mais utilizados para a constituição de
off-shores é a Ilha de Man. Na Ilha de Man, há uma distinção entre companhia de
não-residente e companhia isenta. A companhia não residente é uma companhia
incorporada na Ilha de Man, a qual é de propriedade, gerenciada e controlada por
pessoas que residem fora da ilha. Não será sujeita à tributação, não existe
nenhum tipo de imposto, por outro lado há uma necessidade de uma taxa fixa por
ano. Para a companhia isenta, deve ser de propriedade não residente, mas deve
ter pelo menos um diretor residente na própria ilha e um secretário da companhia
profissionalmente qualificado; o status de isenção pode ser obtido desde que os
negócios da companhia sejam efetivados fora da ilha; as atividades bancárias
podem ser controladas na ilha e qualquer ingresso de lucros derivados da conta
não estarão sujeitos à tributação.52
Vamos nos estender um pouco neste exemplo da Ilha de Man,
por ser um paraíso fiscal bastante utilizado para constituição de off-shores, e
conseqüente lavagem de dinheiro.
A tributação, como já dito anteriormente, está isenta e apenas
há distinção entre os valores da taxa; há necessidade, no mínimo, de um sócio e
pode ser uma pessoa física ou propriamente uma pessoa jurídica, sendo que cada
companhia exige o mínimo de dois diretores e pessoas jurídicas não são
admitidas como diretores. Há a obrigação de um relatório anual para o país, um
51 HARADA, Marcelo Kyoshi. Elevada carga tributária e os paraísos fiscais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n.806, 17 set. 2005. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrin/texto.asp?id=7303>. Acesso em 26 set. 06. 52 MORAES, Deomar. Paraísos fiscais, centros off-shore e lavagem de dinheiro. Seminário Internacional sobre Lavagem de dinheiro – série cadernos do CEJ – Conselho da Justiça Federal, 2004. p.101.
tipo de declaração, mas não de imposto de renda, uma declaração financeira e um
tempo necessário para incorporar dentro de dez a quatorze dias; rapidamente a
pessoa pode estabelecer-se na ilha. E já existem inclusive relações prontas de
empresas para oferecimento. Apenas há restrições quanto a determinados nomes,
para os quais há necessidade uma aprovação prévia, com banco, seguro,
garantia, razão social – contendo um desses nomes passa a ter uma espécie de
aprovação prévia.53
Devido as facilidades concedidas pelos governos destes
lugares (paraísos fiscais) para a abertura de empresas off-shores, cada vez mais
este tipo de ferramenta vem sendo utilizada nas operações de lavagem de
dinheiro, especialmente por conta do sigilo oferecido por este tipo de operação, e
isto faz com que se torne mais difícil para os governos descobrir os donos do
dinheiro investido através das empresas off-shores.
3.2.2 Ilhas Cayman
Tem ainda as Ilhas Cayman – paraíso fiscal tão badalado
sempre que se aborda a questão da lavagem de dinheiro. Não há por parte das
Ilhas Cayman nenhum acordo de bi-tributação com qualquer parte do mundo. Os
crimes tributários não estão incluídos naqueles em que as ilhas Cayman
cooperam com outros países – hoje, existe uma série de procedimentos, nos quais
as ilhas passam a oferecer comunicação, mas todos vinculados à questão do
narcotráfico e de crimes conexos.
Suas taxas estão numa monta de 3.250 dólares para um capital
social autorizado de 50 mil dólares. Quarenta e cinco mil companhias offshore
estão estabelecidas nas Ilhas. Sua população total é da ordem de 36 mil
habitantes, o que nos dá uma relação de 1,25 empresas por habitante. Sua
53 MORAES, Deomar. Paraísos fiscais, centros off-shore e lavagem de dinheiro. Seminário Internacional sobre Lavagem de dinheiro – série cadernos do CEJ – Conselho da Justiça Federal, 2004. p.102.
movimentação financeira faz com que a Ilha seja o quinto centro financeiro do
mundo. Dos 596 bancos, só 110 possuem presença física dentro das Ilhas.
O principal serviço oferecido na Ilha é aquele prestado pelas
instituições financeiras. A obtenção de formulário é via internet ou pelo correio;
facilmente pode-se ter acesso com envio de cheque ou de remessa.54
Todas estas facilidades fizeram com que as Ilhas Cayman,
tenham se tornado o grande centro das offshores no mundo. Grande parte do
dinheiro ilegal, conseguida das mais diversas formas, acaba sendo transferida
para lá, para logo em seguida, após a constituição de uma empresa offshore, esse
mesmo dinheiro, agora teoricamente “legalizado”, seja investido em alguma
empresa no Brasil, ou em qualquer outra parte do mundo.
3.2.3 Uruguai
Para o Brasil, há grande facilidade, junto à questão do paraíso
fiscal, de criação de uma empresa no Uruguai, seja pelo aspecto geográfico, seja
por conta dos custos, e até mesmo porque existem escritórios de advocacia no
Brasil, que realizam este tipo de operação.
Um caso específico que resultou de uma investigação real, foi o
de um escritório de advocacia em São Paulo.
Uma pessoa física procurou o escritório para a realização de
uma operação, o escritório contatou seu correlato no Uruguai e o mesmo
promoveu a formação de três empresas para uma pessoa física, para um capital
de 50 mil dólares, com o custo total incorrido de 2.500 dólares. Suas taxas de
honorários foram de 2.500 dólares, a inclusão de um diretor Uruguaio, pelo valor
54 MORAES, Deomar. Paraísos fiscais, centros off-shore e lavagem de dinheiro. Seminário Internacional sobre Lavagem de dinheiro – série cadernos do CEJ – Conselho da Justiça Federal, 2004. p.103.
de 300 dólares; no total cinco mil e trezentos dólares, ou seja, em torno de 10% do
montante do capital inicial que constituía essas três empresas para uma pessoa
física que utilizava procedimentos ilícitos em nosso país. Rapidamente foram
estabelecidas e constituídas essas empresas, ocultando os ativos financeiros
dessa pessoa física.55
Podemos com isto concluir, que em muitos casos que envolvem
a criação de uma off-shore, há um propósito não muito nobre envolvendo estas
operações.
3.3 A LEI 9.613 E O SISTEMA FINANCEIRO
Dentre as formas de Lavagem de dinheiro através do sistema
financeiro, evidentemente os bancos desempenham papel de suma importância.
Por conta disto, tanto o Banco Central quanto o COAF, tem mantido uma estrita
fiscalização sobre as operações bancárias no Brasil, a fim de evitar a prática da
lavagem de dinheiro, bem como investigar eventuais casos suspeitos.
Segundo a disciplina ditada pelo Banco Central compete às
instituições financeiras manter controle e fiscalização das contas, investimentos e
aplicações, permanecendo atentas sempre que não houver relação de causa e
efeito entre os dados dos clientes e os valores que circulam nas operações
bancárias, cujo limite delineado é no importe de dez mil reais, estando os
infratores, no caso os bancos, sujeitos às multas, que podem alcançar valores
bastante expressivos, e nas hipóteses mais agudas a cassação para operar ou
funcionar, em virtude do descumprimento das determinações em vigor.56
55 MORAES, Deomar. Paraísos fiscais, centros off-shore e lavagem de dinheiro. Seminário Internacional sobre Lavagem de dinheiro – série cadernos do CEJ – Conselho da Justiça Federal, 2004. p.105. 56 ABRÃO, Nelson. Direito bancário, São Paulo SP, Ed. Saraiva, 2000, 6ª ed., p. 305.
Evidente que nem todas as operações com valores a partir de
dez mil reais constituem lavagem de dinheiro, daí a necessidade de que os
funcionários que lidam com estas informações recebam treinamento adequado,
tanto por parte do Banco Central, quanto do COAF, porque ao contrário todas as
pessoas que realizassem operações nesses valores passariam a condição de
suspeitas.
Segundo ABRÃO, por conta disto:
Torna-se fundamental a atualização dos dados cadastrais dos clientes, levantamento de relatórios com maior freqüência, observação a respeito da inclinação em relação às operações, porque sinais exteriores de riqueza, sem suficiente comprovação de renda, evidenciam o acionar do sistema de informações, deflagrando a responsabilidade do Banco Central e seus agentes na apuração dos fatos. Competem de antemão às instituições financeiras a identificação dos seus clientes e a manutenção atualizada de todas as instruções emanadas das autoridades do mercado, a conservação e a preservação dos registros operacionais, em moeda nacional ou estrangeira, de quaisquer títulos ou valores mobiliários, ficando atentas e no dever de informar transações suspeitas. 57
Ainda segundo ABRÃO:
Na eventualidade de equívoco da autoridade financeira que procedeu
a comunicação, mas notado o aspecto de boa fé que sinaliza seu ato
na preservação do mercado e na intenção de cumprir a lei,
conseqüentemente estará livre de qualquer sanção civil ou de
preceito administrativo.58
Neste ponto destaca-se reportagem publicada no jornal do
Brasil:
57 ABRÃO, Nelson. Direito bancário, São Paulo SP, Ed. Saraiva, 2000, 6ª ed., p. 306. 58 ABRÃO, Nelson. Direito bancário, São Paulo SP, Ed. Saraiva, 2000, 6ª ed., p. 314.
Um programa de computador que aprende é a mais nova arma dos bancos para detectar operações de lavagem de dinheiro. A família de softwares batizada como Proactive Risk Manager (PRM ), que utiliza redes neurais, é capaz de processar todas as transações realizadas por uma instituição financeira em questão de milésimos de segundos, classificando-as de acordo com a probabilidade de envolverem irregularidades. A rede neural pontua, de zero a 99, cada operação realizada no sistema, de acordo com o grau de desvio em relação ao comportamento normal do cliente. Quanto maior a pontuação, maior a probabilidade de ser uma fraude – explicou Eduardo Kfouri, presidente do braço brasileiro da ACI Worldwide, companhia americana que produz soluções para transações financeiras eletrônicas. Desde que foram anunciadas as novas medidas de combate à lavagem de dinheiro, a procura pelo software cresceu muito. A versão do PRM, para lavagem de dinheiro surgiu no exterior há menos de três anos. Suas redes neurais (passo imediatamente anterior à inteligência artificial) são capazes de aprender novas operações fraudulentas e incorporá-las à sua programação, gerando alertas mesmo sem ajuda humana. O software da ACI Worlwide – que ainda tem raros concorrentes, como o Falcon, da Fair Isaac – já equipa um dos cinco maiores bancos de varejo do país, cujo nome é mantido sob sigilo.59
A utilização de softwares como este, pelo sistema bancário
ajuda a prevenir à lavagem de dinheiro, no entanto para um efetivo trabalho de
prevenção torna-se necessário um trabalho em conjunto dos órgãos que
compõem o sistema financeiro nacional, inclusive com acordos internacionais de
cooperação.
No entanto o estreitamento de informações entre as instituições
públicas, privadas e o Banco Central é que fomenta um intercâmbio na direção de
retirar do mercado práticas ilegais, inclusive de administradores que fazem uso do
cargo para enriquecimento ilícito, tanto alheio, quanto para si, porque não há
dúvida que em certas situações existe conivência por parte de alguns
59 KISCHINHEVSKY, Marcelo. Tecnologia detecta fraudes em tempo real. Jornal do Brasil, 13 jul.2005.
administradores, que “deixam passar” algumas operações suspeitas, com o
objetivo de se beneficiarem financeiramente das mesmas.
3.3.1 Casos Práticos
A seguir serão apresentados três casos reais envolvendo a
lavagem de dinheiro através do sistema financeiro.
Os casos aqui relacionados aconteceram em diversos países
do mundo, e foram reunidos em um livro chamado “cem casos de lavagem de
dinheiro”, lançado pelo órgão de combate a lavagem de dinheiro nos Estados
Unidos, sendo que o mesmo foi traduzido para o português, e disponibilizado para
o público brasileiro pelo COAF – Conselho de controle de atividades financeiras
através de seu site.60
De acordo com o Conselho de controle de atividades
financeiras em todos os exemplos, os recursos objeto de lavagem estão
quantificados em dólares dos Estados Unidos, embora, nas descrições originais,
grande variedade de moedas tenha sido empregada. Essa transformação em
dólares americanos foi feita, em primeiro lugar, para homogeneizar o trabalho e
evitar a identificação do país de origem; em segundo lugar, para permitir a
comparação de volumes de recursos e em terceiro lugar, porque as FIUs
normalmente conhecem o valor em dólares dos crimes cometidos em sua própria
moeda e irão compreender mais facilmente a magnitude das operações de
lavagem de dinheiro.
Nos textos apresentados, é freqüente a inserção da sigla FIU,
representativa da expressão Financial Intelligence Unit, e em português, Unidade
de Inteligência Financeira, que é o órgão criado nos diversos países para a luta
contra a lavagem de dinheiro, equivale ao COAF no Brasil.
60 Disponível em: www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/download/100 acesso em 16.10.2006
3.3.1.1 Primeiro Caso
Uma FIU européia recebeu dois comunicados, de dois bancos
diferentes. Marvin, um cidadão estrangeiro, havia apresentado cinco cheques
bancários/administrativos para serem depositados na recém aberta conta de sua
empresa. Ele disse aos bancos que os US$ 1.600.000 depositados provinham da
venda de terras num país africano, transação efetuada por sua imobiliária. Os
bancos passaram as informações para a FIU nacional tendo em vista o montante
das transações e a falta de dados comprobatórios da parte de Marvin.
As investigações conduzidas pela FIU encontraram uma ligação
interessante com o pai de Marvin, que estava preso em outro país, condenado por
fraude, espionagem, corrupção e outras atividades criminosas.
Um pouco depois de recebida a comunicação inicial, Marvin
ligou para os banqueiros pedindo uma reunião para discutir novos investimentos a
serem feitos por sua empresa. Ambas as instituições informaram rapidamente a
FIU, para alerta-la das reuniões que iriam se realizar. A FIU contatou a polícia, que
colocou Marvin sob vigilância assim que ele entrou novamente no país. Marvin foi
depois preso, acusado de lavagem de dinheiro.
Uma troca de informações com o país estrangeiro facilitou a
preparação do processo criminal contra Marvin, que foi acusado de conspiração
criminosa, lavagem de dinheiro e fraude. As autoridades estrangeiras também
informaram a FIU que o pai de Marvin havia acumulado uma grande fortuna. Ele
havia reinvestido esse dinheiro em empresas imobiliárias e empresas de
financiamento registradas no seu próprio nome e no nome de Marvin e de outros
membros da família. No decorrer da investigação foi feita uma busca na casa de
Marvin. A polícia encontrou numerosos documentos relativos a transações
financeiras realizadas pelo pai de Marvin. Quando da preparação deste relatório,
ainda estavam em andamento os preparativos para o julgamento.
3.3.1.2 Segundo Caso
Tom era membro da Câmara de Deputados de seu país. Ele foi
capaz de sustentar sua família com seu modesto salário de funcionário público até
começar a ficar viciado no jogo. Cada vez mais endividado e desesperado por
dinheiro, ele formulou um plano para tornar-se rico o suficiente para poder
continuar jogando. Como planejador de projetos no Ministério das Finanças ele
tinha o poder de propor e aprovar projetos num setor específico do orçamento
anual de obras públicas. Ele teve a idéia de se oferecer para aprovar projetos em
troca de uma pequena retribuição em dinheiro. Esta parecia à solução ideal para
seus problemas financeiros. Não surpreendentemente, diversos empresários se
dispuseram a lhe dar um bom dinheiro em troca de garantia de negócios com o
governo. Graças às suas atividades corruptas, Tom logo se tornou rico.
Tom tinha uma amiga, Gina, dona de uma agência de câmbio e
de turismo, que se dispôs a fazer lavagem do dinheiro das propinas que ele estava
recebendo. Ela usou seus empregados como “testas de ferro” e criou várias
contas bancárias através das quais o dinheiro poderia ser lavado. Mais de US$
4.000.000 foram lavados por intermédio dessas contas. Como os pagamentos em
espécie e as subseqüentes transferências offshore poderiam chamar a atenção,
Tom desenvolveu um método mais sofisticado de lavagem – uma empresa de
entrega de frutas. Essa empresa, de propriedade do marido de Gina, lavou US$
2.700.000 em três meses. As transações eram encobertas com notas frias que
eram pagas pelos empresários, conforme as ordens de Tom. Desta maneira, não
haveria qualquer ligação direta entre Tom e as propinas, e os empresários tinham
notas para justificar os pagamentos no caso de alguém de fazer perguntas. A
empresa de frutas poderia depois transferir os recursos offshore, para saldar as
importações de frutas, sem levantar muitas suspeitas.
Entretanto, as primeiras transações não tinham passado
despercebidas das instituições financeiras envolvidas. Tendo em vista o grande
volume de depósitos em espécie e a rápida transferência desses recursos offshore
- sobretudo considerando-se que os titulares das contas diziam ter empregos com
baixa remuneração – as instituições decidiram fazer um comunicado à FIU.
Após as investigações conduzidas pela FIU, a polícia pôde
compreender as atividades corruptas de Tom e iniciou uma investigação completa.
As investigações indicaram que Tom usava assessores da Câmara dos
Deputados para ajuda-lo na aprovação de seus planos. Um assessor, que não
tinha qualquer ligação com a operação criminosa, teve sua assinatura falsificada
para que a autorização necessária pudesse ser obtida. Outro assessor tinha
ajudado Tom visitando a agência de cambio e turismo e recebendo cheques em
seu nome, uma vez recebidos os cheques, eles foram depositados numa das
contas de Tom.
Quando da elaboração deste relatório, a polícia estava tentando
estabelecer uma ligação entre este caso de corrupção e outro que está perante a
Suprema Corte. Estima-se que Tom tenha conseguido lavar cerca de US$
1.000.000.000, vale notar que as instituições apresentaram a denúncia por causa
do esquema inicial de lavagem de dinheiro. Parece que o plano posterior,
envolvendo uma empresa constituída, teria poucas chances de ser descoberto.
3.3.1.3 Terceiro Caso
Um banco reparou que a conta de um estabelecimento
comercial, que permanecera inativa por alguns anos, de repente foi ativada e
passou a receber grandes volumes de recursos. A conta bancária estava
originalmente registrada em nome de uma empresa numa jurisdição offshore.
Após receber um depósito de US$ 150.000., a firma usou esse dinheiro para
adquirir ações de uma recém privatizada empresa da Europa – ABC Corp.
Três meses depois, Brian, o representante que inicialmente
abrira a conta depositou US$ 250.000 em espécie na conta da empresa.
Imediatamente depois, ele quis transferir US$ 100.000, para uma conta pessoal
num outro banco, alegando que esses recursos eram seus. Quando o banco lhe
perguntou sobre a origem desses recursos pessoais, ele apresentou documentos
comerciais mostrando que havia vendido ações da ABC Corp – que valiam US$
150.000 – por US$ 250.000, para uma outra empresa da Europa, a DEF Corp.
Brian explicou a diferença de US$ 100.000, como sendo uma compensação pelo
risco envolvido, pois os US$ 150.000, em ações da ABC poderiam ter sido
desvalorizados. Esse seria um retorno excepcionalmente alto para o capital: um
lucro de US$ 100.000, em pouco mais de três anos meses equivaleria a uma taxa
anual de juros de mais de 200 por cento.
O banco repassou essas informações para a FIU nacional, ao
verificar seus próprios bancos de dados financeiros e de inteligência, e ao
contactar outros órgãos, a FIU encontrou indícios de que Brian era o verdadeiro
dono da empresa offshore. Também descobriu que Brian era integrante da
diretoria da empresa ABC. Isso a levou a supor que as ações da empresa ABC
poderiam ter sido vendidas novamente por um preço mais alto. Na realidade, Brian
lucrou US$ 100.000, usando sua própria empresa offshore como uma etapa oculta
na transferência de ações.
A FIU notificou as autoridades policiais e judiciais competentes
de que Brian era suspeito de lavagem de dinheiro e fraude. Como resultado da
investigação policial, Brian foi detido e julgado e o tribunal também confiscou os
US$ 100.000 em questão.
Como citado no início, os casos aqui relatados aconteceram em
diversos países do mundo, sendo que quando da confecção do livro sobre os
mesmos, não foi informado em que países especificamente eles aconteceram,
apenas que foram em países da Europa e nos Estados Unidos.
No Brasil ainda não há nenhuma obra tratando especificamente
da lavagem de dinheiro através do sistema financeiro, sendo que as obras que
tratam do tema lavagem de dinheiro, não trazem nenhum caso deste tipo, daí o
porque de ter se optado por exemplificar com estes casos ocorridos no exterior, já
que na Europa e Estados Unidos, o combate a estas operações ocorrem há
bastante tempo, bem como a estruturação dos órgãos responsáveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já mencionado na parte introdutória do presente trabalho,
o seu objeto de estudo consistiu na análise do sistema financeiro como meio para
o crime de lavagem de dinheiro, partindo desde as etapas iniciais, até a utilização
dos paraísos fiscais e offshores para a concretização da lavagem de dinheiro, bem
como as ferramentas utilizadas para o combate a esta prática.
Por conta do estudo realizado pode-se tecer as seguintes
considerações:
A pesquisa efetuada no primeiro capítulo, sobre o sistema
financeiro nacional, bem como sobre o sigilo bancário, justificou-se em virtude de
se esclarecer inicialmente o funcionamento do sistema financeiro nacional, sua
estrutura e os órgãos encarregados da sua fiscalização, bem como as atribuições
destes órgãos.
Em relação ao sigilo bancário a pesquisa foi importante para
saber qual tem sido a posição do judiciário brasileiro em relação este tema, já que
uma das dificuldades encontradas pelas autoridades brasileiras para se apurar a
lavagem de dinheiro, é a quebra do sigilo bancário, a fim de se descobrir a origem
do dinheiro lavado.
No capítulo 2, a pesquisa concentrou-se nos processos que
envolvem a lavagem de dinheiro. Foram vistas suas três etapas: Colocação,
ocultação e Integração, analisando como se procede em cada uma delas. Foram
também analisados os crimes antecedentes à lavagem de dinheiro, já que de
acordo com a lei 9.613/98, para que seja configurado o crime de lavagem de
dinheiro, se faz necessária à existência de um dos crimes antecedentes previstos
no artigo 1º e Incisos da referida lei. Por último foi analisada a atuação dos órgãos
encarregados de combater a lavagem de dinheiro no Brasil, mostrando que o país,
apesar de ainda estar engatinhando neste campo, vem buscando combater esta
prática, sendo que o mais recente passo neste sentido foi à criação do
Departamento de recuperação de Ativos, que tem como objetivo recuperar o
dinheiro enviado ilegalmente para o exterior, além de ser responsável pela
realização de acordos internacionais de cooperação nesta área.
No terceiro e último capítulo, foi analisada a utilização dos
paraísos fiscais como destino do dinheiro ilícito, mostrando o que faz de um país
um paraíso fiscal, e esclarecendo que o simples fato de uma pessoa ter dinheiro
depositado em um paraíso fiscal não a torna criminosa. Foram também analisadas
as empresas offshores, sua constituição e a forma como as mesmas são utilizadas
na lavagem de dinheiro, e por último a atuação do sistema bancário frente à lei
9.613/98, e as medidas utilizadas para prevenir a lavagem de dinheiro.
Verificou-se que a prática deste crime envolve vários
mecanismos, o que faz com que as autoridades tenham que agir com inteligência
seja com a criação de órgãos especializados – o que tem sido feito – mas também
com a qualificação de pessoal. Faz-se necessária também à fiscalização e
cooperação dos órgãos que compõem o sistema financeiro nacional.
Ao longo da Monografia foi possível confirmar as seguintes
hipóteses:
Primeira: Mesmo sem a comprovação da existência do crime
antecedente, o Ministério Público pode oferecer denúncia pelo crime de lavagem
de dinheiro, basta que existam fortes indícios da existência de um crime
antecedente, no entanto se durante o processo o mesmo não for confirmado, o
Juiz deverá absolver o réu.
Segunda: O Sistema financeiro se constitui no meio mais
utilizado para lavagem de dinheiro no Brasil, isto devido as facilidades oferecidas
pelo sistema, já que através do sistema financeiro é possível lavar milhões de
reais, de forma relativamente rápida.
Terceira: O sigilo bancário ainda se constitui num forte entrave
para as investigações envolvendo a lavagem de dinheiro no Brasil, principalmente
quando o dinheiro é remetido do exterior através das offshores, além disto
internamente muitas contas usadas na lavagem de dinheiro estão em nomes de
“laranjas”, o que dificulta ainda mais a quebra dos sigilos.
Quanto à última hipótese a mesma não foi confirmada: Manter
dinheiro em um paraíso fiscal não significa lavagem de dinheiro, alguém pode
manter dinheiro lícito em um paraíso fiscal, para se beneficiar dos incentivos
oferecidos por estes lugares.
Por fim, conclui-se, que o Brasil vem dando os primeiros passos
para a prevenção e combate a lavagem de dinheiro através do sistema financeiro,
principalmente com a criação de órgãos especializados, que realizam diversas
ações neste sentido, seja através do monitoramento de movimentações
financeiras suspeitas, seja na recuperação do dinheiro ilegal enviado para o
exterior. Importante ressaltar que este é um trabalho que se faz principalmente
com de inteligência, e para isto é imprescindível o treinamento dos funcionários
destes órgãos.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ABRAÃO, Nelson. Sigilo Bancário e Direito Falimentar. São Paulo, Editora Revista dos tribunais, São Paulo, Editora revista dos tribunais. ______________. Direito bancário. São Paulo SP, Ed. Saraiva, 6ª ed., 2000. AZEVEDO, Denny Paulista. Sistema Financeiro Nacional.Cetec Consultores e editores técnicos Ltda, São Paulo, 1995. AZEVEDO, Noé. “A questão do Sigilo Bancário”. São Paulo, Empresa Gráfica Revista dos Tribunais.
BANCO central do Brasil. Disponível em < http//www.bcb.gov.br>. Acesso em 10.04.2006. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações correlatas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro. Barueri, SP: Manole, 2004. CARTILHA sobre a lavagem de dinheiro. Disponível em < http // www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/publicacoes/livro_lavagem.htm>. Acesso em 01.06.2006. CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro – A questão do bem jurídico. Rio de Janeiro, Revan, 2004. COAF. Disponível em<http// www.fazenda.gov.br/coaf>. Acesso em 01.06.06. COMISSÃO de valores mobiliários. Disponível em <http//www.cvm.gov.br>. Acesso em 10.04.2006. COVELLO, Sérgio Carlos. O Sigilo Bancário, com particular enfoque na tutela civil, São Paulo: Livraria Editora Universitária de Direito, 1991. DEPARTAMENTO de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI. Disponível em <http// www.mj.gov.br/DRCI>. Acesso em 08.06.2006. HARADA, Marcelo Kyoshi. Elevada carga tributária e os paraísos fiscais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n.806, 17 set. 2005. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrin/texto.asp?id=7303>. Acesso em 26 set. 06. KISCHINHEVSKY, Marcelo. Tecnologia detecta fraudes em tempo real. Jornal do Brasil, 13 jul.2005.
MONITOR das fraudes. Disponível em<http// www.fraudes.org.br>. Acesso em 20.09.2006. JESUS, Damásio E. de. Ali-babá e o crime de lavagem de dinheiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2818>. Acesso em: 18 jul. 2006. LANCELLOTTI, Silvio. Honra ou Vendetta, Porto Alegre, Ed. L&PM, 2001. MENDRONI, Marcelo Batlouni. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, São Paulo SP, Ed. Atlas, 2006. MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. Boletim do IBCCrim 2004. MORAES, Deomar. Paraísos fiscais, centros off-shore e lavagem de dinheiro. Seminário Internacional sobre Lavagem de dinheiro – série cadernos do CEJ – Conselho da Justiça Federal, 2004. OLIVEIRA, Ary Brandão. Direito Civil, Imobiliário e Empresarial, 1983. QUAGLIA, Giovanni. Diário popular, Pelotas, 2 de setembro de 2004. Disponível em <http//www.diariopopular.com.br>. Acesso em 17.06.2006 ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário & Direito à Intimidade, Curitiba, Editora Juruá, 2002. SAINT- PIERRE, Héctor Luis. Terror, política e história. Disponível em <http//www.universiabrasil.net>. Acesso em 14/06/2006.