O uso de imagens de povos indígenas nos livros didáticos “Viver a História” (2002) e “Teláris História” (2018) para o 9º ano do Ensino
Fundamental Rozely dos Santos Souza
Universidade Estadual de Maringá Isabel Cristina Rodrigues
Universidade Estadual de Maringá
RESUMO
O uso das imagens nas aulas de histórias pode provocar importantes reflexões e debates atuando como um excelente recurso didático-pedagógico, não apenas para dinamizar as aulas tornando-as visualmente mais atraentes, mas especialmente, no intuito de impulsionar a formação de uma consciência histórica de jovens estudantes mais apurada, acerca dos diferentes contextos históricos. Desta forma, escolhemos imagens presentes nas unidades e capítulos que abordam a presença indígena na história do Brasil, não apenas pelo cumprimento da Lei 11.645/08, mas por entender serem esses povos, sujeitos politicamente atuantes na construção da história brasileira. Assim, decidimos pesquisar o uso de imagens que retratam os povos indígenas em dois livros didáticos de história destinados ao 9º ano do ensino fundamental: “Viver a História” de Cláudio Vicentino, integrante do PNLD de 2005 e “Projeto Teláris”, referente a escolha do PNLD de 2020, tendo neste, José Bruno Vicentino como coautor. O objetivo é analisar e comparar quais e como as imagens dos povos indígenas são apresentadas nos 2 livros, considerando que um é anterior à lei 11.645/2008 e o outro é posterior. Dessa forma, espera-se averiguar se e em que medida, as imagens associadas aos conteúdos, contribuem para extirpar ou reforçar
estereótipos, preconceitos e abordagens etnocêntricas.
Palavras-chave: História indígena; povos Indígenas; Lei 11.645/08; PNLD; ensino
de história.
Introdução
Reconhecemos os desafios enfrentados cotidianamente por professores
das mais variadas disciplinas, etapas e contextos educacionais: indisciplina,
desinteresse, conflitos sociais, entre outros desafios que nos obrigam a buscar
alternativas que além de aulas significativas, possam garantir também aulas
mais dinâmicas e atrativas.
Como profissionais da disciplina de história, outros desafios nos são
colocados: proporcionar aos alunos não apenas a apropriação do
conhecimento historicamente construído, mas a reflexão sobre o mesmo,
buscando a superação de preconceitos, desconstruindo informações
inverídicas intencionalmente produzidas e disseminadas por fontes duvidosas e
demonstrando a importância de todos os sujeitos na construção da história.
Reconhecemos esses desafios e defendemos um ensino que reconheça
esses sujeitos “esquecidos”, intencionalmente silenciados e ocultados pela
historiografia até poucas décadas, em especial os povos indígenas. É para isso
que temos a Lei 11.645/2008, que determina no seu Art. 26-A. “Nos
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena”. (BRASIL,2008). Entre outros objetivos, essa lei procura valorizar a
história desses povos, incentivando o ensino desta temática em todos os níveis
da Educação Básica.
Um recurso interessante para promover esse ensino de forma
significativa, prazerosa e que proporcione condições de reflexões através do
tempo e espaço, é o uso de imagens. Como afirma Bittencourt (2010)
Embora a introdução de gravuras e mapas no ensino de história, há cerca de um século, e a multiplicação de imagens apresentada atualmente como material didático demonstrarem a importância desse recurso na cultura histórica escolar, a reflexão sobre o papel que efetivamente desempenham no processo de ensino e aprendizagem é escassa. [...] pouco se conhece sobre as formas de leitura de imagens utilizadas em sala de aula, independentemente do suporte didático em que elas são apresentadas (BITTENCOURT, 2010, p. 70)
Como afirma a autora, apesar de ser um recurso de importância, há
poucas reflexões acadêmicas sobre este, o que torna ainda mais legítimo
nosso interesse, uma vez que, ainda segundo Bittencourt (2010) “Atualmente
as obras didáticas estão repletas de ilustrações que parecem concorrer, em
busca de espaço, com os textos escritos”. O que importa saber é: qual a
intenção do autor ao utilizar a imagem? Quais critérios foram elencados na
escolha das imagens? Como ocorre o direcionamento do trabalho pedagógico
em relação à interação com o conteúdo abordado? Ou, as imagens são apenas
ilustrações que visam apresentar uma estética agradável – algo não
desprezado, mas insuficiente para justificar tal utilização.
Se os materiais didáticos vêm investindo no uso de imagens e bem
sabemos o quanto o livro didático é utilizado cotidianamente por professores e
alunos, devemos verificar se esses manuais contemplam, não apenas o uso
imagético, mas se possibilitam o uso de imagens que apresentem os povos
indígenas, não apenas no/do passado, mas, especialmente, os do presente,
possibilitando o aprendizado de sua história e levando os alunos a
compreender a história do Brasil não apenas a partir da interpretação dos
europeus, mas também dos indígenas e africanos como determina a já citada
Lei 11.645/08.
Como afirma Rodrigues (2001) o livro didático é o recurso mais utilizado
pelos professores de história em sala de aula e, sabendo da necessidade de
dinamizar as aulas tornando-as visualmente mais atraentes, identificar livros
que fazem uso adequado de imagens pode ser um interessante exercício,
capaz de provocar importantes reflexões, problematizações e debates atuando
como um excelente recurso didático-pedagógico, não apenas para, mas
especialmente, no intuito de impulsionar a formação de uma consciência
histórica de jovens estudantes mais apurada, acerca dos diferentes contextos
históricos.
Desta forma buscaremos analisar o uso das imagens nos livros didáticos
de história destinados a 9º ano do ensino fundamental: “Viver a História” (2002)
de Cláudio Vicentino, integrante do PNLD de 2005 e “Projeto Teláris” (2018),
referente a escolha do PNLD de 2020, tendo neste, José Bruno Vicentino como
coautor.
A escolha destes livros se deu pelo fato que foram bem avaliados em
PNLDs anteriores e serem adotados em muitas escolas do Paraná, em
especial numa onde atua uma das autoras deste artigo.
O objetivo é analisar e comparar quais e como as imagens dos povos
indígenas são apresentadas nos dois livros, considerando que um é anterior à
Lei 11.645/2008 e o outro, é posterior. Dessa forma, averiguamos em que
medida, as imagens associadas aos conteúdos, contribuem para extirpar ou
reforçar estereótipos, preconceitos e abordagens etnocêntricas.
Retomando Bittencourt, (2010) entendemos que refletir sobre as
ilustrações presentes nos livros didáticos é uma questão importante devido ao
seu papel no processo pedagógico. A autora também apresenta a importância
das análises imagéticas lembrando que esta não deve estrar desconexas dos
textos, mas sim como um complemento a este.
Segundo Rodrigues (2001) até a década de 1990, muitos livros didáticos
traziam informações incorretas, que demonstravam desconhecimento da
história dos povos indígenas e, por isso, eram carregadas de estereótipos e
preconceitos. Desta forma, o uso inadequado de imagens, podem reforçar
visões estereotipadas assim como o contrário, como imagens dos povos
indígenas do presente, podem favorecer uma aprendizagem histórica mais
consistente da história dos diferentes povos indígenas que habitam o território
brasileiro na atualidade.
Frente a estas reflexões, apresentamos a disposição dos conteúdos e
como a história indígena vem sendo apresentadas nestes livros e o que mudou
desde 2008 com a criação da Lei 11.645.
A análise dos livros
Analisando o livro “Viver a História” nos deparamos apenas com uma
imagem que refere-se aos povos indígenas presente no capítulo “Brasil: a
construção da República”. Observe:
Figura 01: Cândido Rondon com povos indígenas. Fonte: VICENTINO, 2002, p. 37
Não há nenhuma orientação para reflexão sobre a imagem, apenas o
comentário sobre a criação do SPI, sem especificar etnia e data da foto,
focando o protagonismo no Marechal Cândido Rondon e não na história
indígena ou na história do povo que aparece na foto. O que podemos inferir é a
ideia ambígua sobre Cândido Rondon, apresentado como um personagem
habilidoso no trato com os indígenas que na frase: “Morrer se for preciso, matar
nunca” expressa uma aparente ideia de proteção em relação a esses povos, ou
seja, reforça o projeto civilizatório e integracionista, no qual os povos indígenas
foram tratados juridicamente como incapazes e por isso a justificativa da
implantação do regime tutelar sob a responsabilidade do SPI e, posteriormente,
da FUNAI, que vigorou até 1988, quando com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, os povos indígenas conquistaram vários direitos, dentre os
quais, o direito à cidadania.
Como não temos mais imagens para analisarmos no livro “Viver a
História 8ª série” (hoje 9º ano) nos debruçaremos no “Projeto Teláris 9º ano”.
Iniciamos a partir da mesma imagem, a qual é mantida neste livro pelos
autores, mas acrescentam importantes informações como a etnia a qual
pertenciam o povo que aparece na imagem, afirmando serem indígenas
Pianaroti. Nessa edição há o acréscimo de mais duas imagens, (figuras 02 e
03) todas com legendas e pequenos textos que contextualizam os documentos.
Há ainda dois textos complementares que abordam questões acerca do direito
à terra, o que nos leva a compreensão que o uso dessas imagens não
acontece aleatoriamente, faz parte de um contexto, acrescido de uma
orientação didática aos professores sobre o SPI e, como podemos perceber na
imagem, todas contém legenda que as contextualizam no tempo e no espaço.
A imagem abaixo é uma foto do internato de Taracuá, em que mostra
crianças indígenas em uma sala de aula. Observe as imagens:
Figura 02: Foto de crianças indígenas no internato de Taracuá. Século XIX, Amazonas
Fonte: VICENTINO, VICENTINO, 2018, p.52.
É uma imagem que pode proporcionar um amplo debate e os autores,
acertadamente propõem isso. Em uma orientação aos professores eles
explicam a importância dos povos indígenas na formação do Brasil, sugerem
reflexões sobre as mudanças e permanências e no texto ao lado da foto,
explicam a realidade a que muitas crianças eram submetidas como a
catequese e seus desdobramentos.
A Figura 03 proporciona uma reflexão sobre o tempo passado
“Primeira República”, mas também pode ser uma premissa para o tempo
presente, onde se pode discutir o espaço dos povos indígenas, hoje tão
ameaçados quanto neste período retratado na imagem. Os autores deixam
clara essa intenção quando acrescentam textos sobre a questão da terra,
deixando evidente que o uso imagético é repleto de intencionalidade.
Figura 03: Construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Fonte: VICENTINO, VICENTINO, 2018, p.52.
O próximo capítulo que traz imagem sobre a temática indígena é “Brasil:
da democracia à Ditadura”
Figura 04: Trecho da construção da Rodovia Transamazônica, no Pará. 1972 Fonte: VICENTINO; VICENTINO, 2018, p. 158
Ao apresentar essa imagem (figura 04) os autores não trazem reflexões
sobre a mesma, mas apresentam um texto complementar que, diante de um
olhar atento do professor pode propiciar um interessante debate que leve
estudantes a refletirem sobre as obras públicas que infringem os direitos
indígenas, tema sempre presente ao longo de toda história do Brasil e muito
atual na nossa realidade social.
Sabemos que a história dos povos indígenas no Brasil, no período da
Ditadura Militar foi, por muito tempo ignorada pelos livros didáticos. Nesse livro,
os autores trazem orientações didáticas sobre a perseguição indígena neste
período, sugerindo a reflexão sobre as conquistas constitucionais destes
povos.
Ainda no contexto da Ditadura Militar no Brasil, os autores apresentam a
imagem a seguir (figura 05):
Figura 05: Deputado Federal Mário Juruna durante uma entrevista me Brasília, em 1983. Fonte: VICENTINO; VICENTINO, 2018, p. 159.
Esta foto é de 1983, um ano após ser eleito como o primeiro
representante indígena na Câmara dos Deputados. Mário Juruna, cacique
Xavante representa a luta destes povos na manutenção e conquista de seus
direitos. Apesar dos autores não trazerem questões específicas para as
imagens, sempre há orientações que visam assegurar a compreensão por
parte dos professores da intencionalidade dos autores. A exemplo disso, há
nas orientações didáticas encaminhamentos como: “Reforce que, apesar do
aspecto violento e discriminatória das políticas oficiais [...] os povos indígenas e
a população negra brasileira lutaram constantemente contra essas formas de
opressão.” (Vicentino; Vicentino, 2018)
No capítulo, “O nosso tempo” os autores trazem um grafite, e desta vez,
aparecem reflexões específicas sobre as imagens, como:
Figura 06: Grafite: Salve os Tapajós, de Simone Siss, SP, 2016 Fonte: VICENTINO; VICENTINO, 2018, p. 239
A imagem é belíssima e uma escolha importante dos autores, no entanto
ele prioriza as questões explícitas, como quem o produziu e a sua localidade,
apenas uma questão implícita que diz: “Na sua opinião que mensagem a artista
quis passar através de sua obra? Não há nenhum encaminhamento a respeito
da temática, sugerido pelos autores, mas há possibilidades de serem
exploradas pelos professores no trabalho em sala de aula, partindo de
reflexões como: Quem é a criança representada na imagem? Como você
chegou a essa conclusão? Quem são os indígenas pertencentes à etnia
Tapajó? Vamos pesquisar a história desse povo indígena?
Há ainda neste capítulo uma demonstração visual da diversidade dos
povos indígenas a América, no século XXI, através do mapa abaixo, que
apresenta dados percentuais importantes das populações indígenas em
relação às não indígenas:
Figura 07: Panorama dos Povos Indígenas no Século XXI Fonte: VICENTINO; VICENTINO, 2018, p. 244
Os autores apontam nas orientações aos professores, uma explicação
sobre as influências dos impactos ambientais na vida das comunidades
indígenas. Também discutem as violências enfrentadas pelos indígenas a partir
da ação de grupos não indígenas que desejam ocupar suas terras.
Além dessa fonte imagética aqui apresentada e outro mapa que analisa
projetos extrativos de minerais e hidrocarbonetos em territórios indígenas, os
autores propõem nas orientações didáticas, que se discuta os impactos das
transformações ambientais no modo de vida dos povos indígenas e sugerem a
consulta a obras de outros autores, como CARELLI, (2014) e incluindo autor
indígena, JECUPÉ (1998), como fontes complementares de consultas.
Figura 08: Mapa da América Latina e os territórios indígenas com projetos extrativos no setor de minerais e hidrocarbonetos.
Fonte: VICENTINO; VICENTINO, 2018, p. 245
Para análise desse mapa há dois textos complementares que discutem a
questão da terra, abordando de maneira eficaz a importância de valorizar a
história dos povos indígenas e respeitar seus direitos tão duramente
conquistados.
Figura 08: Indígenas bloqueando a rodovia Panamericana, Colômbia, 2017. Fonte: VICENTINO; VICENTINO, 2018, p. 245
Por fim, esta imagem mostra os indígenas se mobilizando na defesa de
seus interesses e direitos, na construção de sua história, na defesa de suas
vidas. A imagem é uma rica oportunidade de falar dos povos indígenas no
presente, apontar seus protagonismos e suas lutas.
Essa tabela demonstra, em números, a diferença dada à temática
indígena, no que se refere ao uso de imagens sobre os livros aqui trabalhados
antes e após a Lei 11.645/2008
Considerações Finais
Não há dúvidas que ao longo dessas duas décadas do século XXI, tem
havido uma melhora na abordagem da temática indígena nos livros didáticos
de História, e cremos que seja um aumento impulsionado pela obrigatoriedade
da Lei 11.645/2008, mas também pela difusão de uma abordagem histórica,
teórica e metodológica difundida a partir dos anos de 1990, a História Indígena,
pautada nos estudos interdisciplinares, como os estudos históricos,
antropológicos e etnohistóricos.
A conclusão otimista não se deve apenas ao número de imagens
utilizadas no segundo livro, mas às escolhas imagéticas. Como quisemos
demonstrar, os autores selecionaram imagens que demonstram os povos
indígenas na atualidade, construindo suas histórias, lutando, como sempre
fizeram, na garantia da manutenção de suas culturas e seus modos próprios de
0
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8
10
Livros dos 9ºs anos
Número de vezes em que aparece imagem ou mapa sobre a temática indígena
Viver a História
ser e de existir proporcionando o conhecimento de suas historicidades e de
seus protagonismos históricos.
Referências
BITTENCOURT. Circe Maria Fernandes O saber histórico na sala de aula. Ed. 11. São Paulo: Contexto, 2010.
_____________, Circe Maria Fernandes. História das populações indígenas na escola: memórias e esquecimentos. In: PEREIRA, Amilcar Araujo; MONTEIRO, Ana Maria (Orgs.). Ensino de histórias afro-brasileiras e indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013. p. 101-132.
________________, Circe Maria Fernandes. Produção didática de história: trajetórias de pesquisas Revista de História, núm. 164, enero-junio, 2011, pp. 487-516 Universidade de São Paulo São Paulo, Brasil.
______________, Circe Maria Fernandes. Produção didática de história: trajetórias de pesquisas Revista de História. 2011, p. 487-516 Universidade de São Paulo São Paulo, Brasil. RODRIGUES, Isabel Cristina. A Temática Indígena nos livros Didáticos de História do Brasil do Ensino Fundamental– 5a a 8a séries. Dissertação de Mestrado. PPE/UEM. Maringá,
2001.
VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, José Bruno. Teláris História. Ensino Fundamental, anos finais. 9º ano. – 1ª edição. São Paulo, Ática história, 2018.
VICENTINO, Cláudio. Viver a História. Ensino Fundamental: 8ª série/Cláudio Vicentino – São Paulo Scipione, 2002.