UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
GABRIEL VICTOR RODRIGUES PINTO
OPERAÇÃO CARNE FRACA: UMA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO
DOMÍNIO ECONÔMICO EM SUA MODALIDADE FISCALIZATÓRIA
Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto
NATAL/RN
2017
Gabriel Victor Rodrigues Pinto
OPERAÇÃO CARNE FRACA: UMA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO
DOMÍNIO ECONÔMICO EM SUA MODALIDADE FISCALIZATÓRIA
Monografia apresentada ao Curso de Direito
como requisito parcial para obtenção do
título de Bacharel em Direito, do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos
Silveira Neto
NATAL/RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Pinto, Gabriel Victor Rodrigues.
Operação carne fraca: uma análise da intervenção estatal no domínio
econômico em sua modalidade fiscalizatória / Gabriel Victor Rodrigues Pinto.
- Natal, RN, 2017.
76f.
Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto.
Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Direito.
1. Operação Policial – Monografia. 2. Intervenção Indireta - Domínio
Econômico - Monografia. 3. Fiscalização Estatal - Monografia. I. Silveira
Neto, Otacílio dos Santos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, àqueles que, com esplêndida ternura, me ensinaram o significado do
amor. Pai e mãe, o carinho que sinto por vocês é puro e divino.
Ao meu irmão Daniel, por ser o meu melhor amigo e companheiro.
À minha prima Victoria, por estar sempre ao meu lado.
Ao meu avô Diassis e à minha avó Ié, que me educaram sobre a bondade e o bem-
querer, e que levarei para sempre no meu coração, seja lá onde estiverem.
À minha tia Shirley, por estar me guiando lá do céu.
Aos meus tios Eurides e Eudes, que inadvertidamente escolhi como segunda mãe e
segundo pai.
À minha avó Veva, que nunca me negou amor.
À minha Tia Marlúcia, por sempre ter me recebido de braços abertos.
A Deus, por ser a minha fonte inesgotável de força.
À UFRN, por ter me acolhido como aluno e por ter transformado a minha
compreensão do mundo.
Ao Professor Otacílio, por ter, prontamente, aceitado a minha orientação.
A Cybelle e Lucas, por, muitas vezes, terem sido a minha fortaleza.
A Matheus, por ser o meu antro de força e paz.
A Jarson, por ter me ensinado o significado da amizade.
A Laísa, Juliana, Lissa, Lucas e Renê, por terem aceitado ser meus amigos para uma
vida toda.
A Giovana Meireles Fixina Barreto, por ter crescido ao meu lado sob o ensinamento
de companheirismo e simplicidade.
A Jullyet, Priscila e Mônica, que levarei para todo o sempre em meu coração.
A Thaís, Guedes e Laura, que sempre me fizeram sorrir.
A Mariana, Lucas, Duda e Dezza, por terem me ajudado a enfrentar os meus desafios
com maior leveza e ternura.
RESUMO
O presente trabalho traça um paralelo entre a operação Carne Fraca e a modalidade
fiscalizatória da intervenção estatal no domínio econômico. A dita operação foi deflagrada
pela Polícia Federal em março de 2017 e teve como alvo um conjunto de frigoríficos do
centro-sul do país, acusados, dentre outros crimes, de fraudar e adulterar produtos cárneos. O
decorrer desta monografia esclarece a relação entre esses dois temas, bem como analisa o
efetivo cumprimento da fiscalização brasileira no setor agropecuário e os seus possíveis
gargalos. Preferiu-se utilizar o estudo de caso como principal método, realizando-se, sempre
que possível, um comparativo e aprofundamento com a doutrina e jurisprudência nacional. Ao
fim, ficaram esclarecidas as razões para que a intervenção estatal no domínio econômico seja
indispensável e, também, as dificuldades enfrentadas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF),
cujo dever é fiscalizar todo o sistema brasileiro de produtos de origem animal. Esse trabalho
representa uma breve introdução para aqueles que queiram estudar e propor o
aperfeiçoamento do SIF e discutir a competitividade da carne brasileira no mercado externo.
Palavras-chave: Operação Policial. Intervenção Indireta no Domínio Econômico.
Fiscalização Estatal.
ABSTRACT
This paper draws a parallel between the brazilian’s Weak Flesh Federal Investigation
and the State intervention in the economic domain. The inestigation was announced by the
Brazil’s Federal Police in March-2017 and targeted some brazilian flesh companies, accused
of fraud and adulteration of meat products. The course of this monograph clarifies the relation
between these two themes, as well as analyzes the effective compliance of the Brazilian
inspection in the agricultural sector and what the possible bottlenecks faced by it. It was
preferred to use the case study as the main method, along side a comparative with the law’s
doctrine and jurisprudence. At the end, the paper proves the necessity of the state intervention
and clarifies questions such as difficulties faced by the brazilian Federal Inspection Service
(SIF), whose duty it is to supervise the entire system of animal products. This work represents
a brief introduction for those who wish to study and propose the improvement of SIF and to
discuss a competition of the brazilian meat in the external market.
Keywords: Federal Investigation. State intervention in the economic domain. Government
oversight.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
2 A OPERAÇÃO CARNE FRACA ...................................................................................... 13
2.1 Os Efeitos Internacionais da Carne Fraca ................................................................. 22
2.2 A Pecuária Brasileira e a Operação Carne Fraca em Números............................... 23
3 HISTÓRICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO ......... 27
3.1 As Distorções do Liberalismo de Adam Smith e o Seu Colapso ............................... 32
3.2 O Neoliberalismo de Friedman e a Atual Globalização ............................................ 35
4 A ATUAL ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: AGENTES
E MEIOS DE INTERVENÇÃO ............................................................................................ 37
4.1 O Art. 173, caput, da CRFB/88 e o Princípio da Subsidiariedade ........................... 40
4.2 A Intervenção Direta do Estado no Domínio Econômico: o Estado Empresário ... 43
4.3 A Intervenção Indireta do Estado no Domínio Econômico ...................................... 45
4.3.1 O Estado indutor da economia ............................................................................. 47
4.3.2 O Estado e o planejamento econômico ................................................................ 49
4.3.3 O Estado Fiscalizador ........................................................................................... 51
5 A CARNE FRACA E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO
ECONÔMICO ........................................................................................................................ 57
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 64
7 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 68
9
1 INTRODUÇÃO
Em março de 2017, mais uma grande operação policial foi deflagrada pela Polícia
Federal. Dessa vez, porém, o foco não estava em Brasília. O seu alvo era um conjunto de
frigoríficos do centro-sul do país, acusados de fraudar e adulterar produtos cárneos.
Essa notícia tomou rapidamente grandes proporções, pois estava relacionada a um
dos mais importantes setores econômicos do país: a agropecuária. Esse ramo é responsável,
hoje, por uma parcela significativa das exportações brasileiras e, também, é tido como um
fator determinante no Produto Interno Bruto nacional. A matéria encontrava relevância não só
para o consumidor interno, mas também aos diversos mercados internacionais importadores
da carne brasileira.
Nesse caso, a discussão passa a tomar um rumo mais complexo – se antes os fatos
estavam muito mais limitados a um caso de polícia, agora já se discutia não só as reais
implicações financeiras dessa operação, mas também qual era a medida da responsabilidade
do Estado.
Daí surgiu, então, a ideia preliminar deste trabalho. Tornou-se imperioso entender a
relação existente entre a Operação Carne Fraca e a intervenção (ou não) do Estado no
Domínio Econômico. Precisávamos encontrar respostas que explicassem quais eram os
gargalos enfrentados por nosso sistema fiscalizatório, bem como os desafios a serem
enfrentados pelo nosso controle de qualidade – tão importante para a competitividade dos
nossos produtos no mercado externo. Esta problemática também coloca em discussão a
própria legitimidade que o Estado possui para intervir no domínio econômico, compreensão
que foi amadurecida lentamente ao longo da história econômica mundial. Se essa intervenção
for possível, é imperioso atentar até que ponto ela pode ocorrer e em que medida ela seria
benéfica para a estabilização da ordem econômica.
Essa discussão ganha tônica se considerarmos o delicado momento político vivido
em nosso país. Além da falta de representatividade política, o Poder Público enfrentou nos
anos recentes os piores índices econômicos e uma verdadeira eclosão social. É nessa ótica que
se torna importante discutir de que modo o Estado pode agir para beneficiar o seu povo. Em
suas mãos, a Administração Pública, aliada ao Poder Legislativo e Judiciário, possui
instrumentos capazes de influir diretamente nos setores econômicos – seja por incentivo ou
regulação. Esses instrumentos, quando bem manejados, podem sanar as distorções do
mercado e reequilibrar o clico de agentes econômicos.
10
A troca de presidência em meados de 2016 pode servir de exemplo para melhor
destacar essa instrumentalização da política econômica. Mesmo com a baixa popularidade e
um quase inexistente poderio político, o Governo Temer tem apresentado um melhor sucesso
nos índices econômicos. Isso se deve a algumas das medidas feitas pelo Governo, que além de
acertadas, se mostraram necessárias, pois reorganizam um quadro econômico não tão
favorável deixado por sua antecessora. Um exemplo chave para esse caso é a maior
independência dada ao Banco Central, que ultimamente tem respondido com maior fluidez
aos anseios do mercado. Lentamente, o país absorve essas mudanças e começa a dar os
primeiros sinais de recuperação econômica, uma vez que temos em vista um resultado
positivo para o Produto Interno Nacional.
Insta dizer, contudo, que essa comparação não possui qualquer intuito de
manifestação ou defesa política. Longe disso. Em verdade, o seu objetivo é ilustrar a clara
influência da Administração no meio econômico e como isso tem virado pauta nos noticiários
nacionais.
Ora, essa mudança de política econômica promove uma alteração radical na vida da
sociedade brasileira, podendo ela servir tanto para a sua melhoria quanto para a sua derrocada.
É por esse motivo que esse trabalho buscou estudar essa temática, pois se entende que o
Estado é um importante agente de transformação social, cabendo a ele o dever de regulação e
normatização da economia – assunto de interesse de toda a sociedade.
Diante dessas considerações, vale dizer que a presente monografia passeia por alguns
tópicos principais, explicando os detalhes relativos à operação em comento e, também,
abrindo portas para um retrato doutrinário do Direito Econômico. Essa divisão de capítulos
permite ao leitor absorver o conteúdo de forma concatenada e lógica, pois se realiza uma
contextualização fática do caso em estudo, e, logo em seguida, parte-se para uma análise
jurídico-econômica das questões posta em debate.
Veja-se, portanto, que cada tópico trabalhado possui a sua particular importância e
pertinência. Inicialmente, escolheu-se pormenorizar as minúcias apresentadas pela operação
policial. Neste primeiro tópico, o trabalho cuida de analisar diversas peças processuais
pertinentes ao caso, como o inquérito policial, a representação apresentada ao juízo
competente e, também, a decisão judicial por ele emanada. Na oportunidade, também se
analisa o boom midiático provocado pela operação, fazendo-se um comparativo, inclusive,
sobre a abordagem feita por alguns dos principais meios de comunicação e telejornais.
Em seguida, o mesmo capítulo ainda retrata outras importantes questões para o
trabalho. Primeiro, se pontua a repercussão internacional da operação, na qual se discute as
11
medidas de suspensão e embargos tomadas pelo mercado externo e o prejuízo financeiro
causado a este setor econômico. Após, optou-se por apresentar um apanhado de dados e
números que sugerem a importância da agropecuária para a economia brasileira.
Vencido esse capítulo fático, entendeu-se que não seria adequado partirmos
diretamente para uma análise jurídica do caso. Primeiramente, era necessário que o leitor
estivesse ciente da evolução histórica e conceitual da intervenção do Estado no Domínio
Econômico. Nessa senda, partimos da longínqua queda do império romano e caminhamos até
o conceito de Estado contemporâneo. Abordamos o surgimento do liberalismo e o seu
colapso, e, depois, partimos para a compreensão do estado de bem-estar social e o surgimento
da doutrina neoliberal.
Posteriormente, decide-se abrir um capítulo que se dedique, especialmente, à ordem
constitucional econômica brasileira. Neste ponto do trabalho, apresenta-se de que forma a
CRFB/88 organiza o nosso sistema econômico e, também, quais os princípios elencados por
ela. Em seguida, dá-se maior vigor à discussão relativa à intervenção do Estado no domínio
econômico. Primeiro, se destrincha o princípio da subsidiariedade – importantíssimo para o
tema – e, só então, se apresenta as modalidades de intervenção autorizadas por nossa
Constituição.
Ao fim, o trabalho propõe um capítulo unicamente para fazer a relação entre os
tópicos abordados entre ele, sobretudo, na relação existente a operação “Carne Fraca” e o
papel desempenhado pelo Estado na fiscalização das empresas frigoríficas.
Veja-se, inclusive, que todo esse trabalho tem como ponto-central responder algumas
perguntas ainda sem respostas para aqueles que acompanharam o desenrolar da operação, tais
como: se o Estado está cumprindo com eficiência a sua função fiscalizatória e quais as falhas
existentes no nosso sistema de inspeção.
Ademais, como objetivos específicos, cumpre observar também de que modo a
intervenção estatal pode influir e beneficiar na ordem econômica e, igualmente, verificar
quais seriam os benefícios desse tipo de intervenção numa economia predominantemente
neoliberal. Outrossim, merece realizar um levantamento histórico sobre a evolução da
intervenção estatal no domínio econômico e qual o atual quadro fiscalizatório do setor
agropecuário no Brasil. Isso inclui, claro, discutir as soluções e problemáticas de um modelo
fiscalizatório federal, cujo investimento e unidade se destaca frente aos demais modelos de
fiscalização nas demais esferas do poder público.
Para se responder essas questões, o método utilizado na consecução da presente
pesquisa inclui a abordagem indutivo-observativo e dialético-qualitativa. Ele é indutivo na
12
medida em que o raciocínio ora proposto leva em consideração um caso concreto e algumas
proposições jurídicas – princípios e normas constitucionais –, dos quais se retira uma verdade
geral. Também é observativo, pois não tem o propósito de alterar a realidade em que se
encontra, mas tão somente observá-la e, daí, inferir determinadas conclusões sociojurídicas.
Já em relação ao seu aspecto dialético, constata-se que o método escolhido também
assume um viés qualitativo, visto que todo fato deve ser considerado a partir de um contexto
social e, não, meramente abstrato. Em razão disso, trata-se de um diálogo voltado à própria
contradição e oposição de ideias (síntese e antítese), que, ao fim, dá origem a novos
questionamentos.
Nesse ponto, indica-se que as fontes estudadas foram analisadas a partir de um
conceito exploratório. Isso porque a pesquisa desenvolvida foi muito mais bibliográfica,
focada em livros e revistas científicas, dos quais se extraiu os principais dados doutrinários e
jurisprudenciais.
Ademais, o trabalho também se importou em coletar, ostensivamente, diversos dados
públicos relacionados ao tema, como a quantidade de carne exportada por nosso país, a
proporção desse valor no Produto Interno Bruno nacional e outros dados de incrível
relevância. Pela natureza do tema, foi necessário ponderar os benefícios da liberdade
econômica defendida em nossa Constituição com a, diametralmente oposta, necessidade de
intervenção estatal – também autorizada pela Carta Magna.
Dada essa introdução ao trabalho, partimos agora para o aprofundamento do tema,
nos moldes que já foi apresentado, para que assim seja apresentada a problemática deste
trabalho e os resultados colhidos ao longo da pesquisa.
13
2 A OPERAÇÃO CARNE FRACA
Na manhã de 17 de março de 2017, a Polícia Federal do Brasil noticiou a maior de
suas operações policiais. De acordo com comunicado emitido pela instituição1, foram
convocados por volta de 1.100 agentes para desarticular uma associação criminosa formada
por empresários do agronegócio e fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA).
A operação resultou no cumprimento de 309 mandados judiciais, dentre os quais 27
eram prisões preventivas, 11 prisões temporárias, 77 conduções coercitivas e 194 buscas e
apreensões. Todas essas ordens judiciais foram expedidas pela 14ª Vara da Justiça Federal de
Curitiba/PR2 e cumpridas simultaneamente no Distrito Federal e em outros seis Estados
Federados: São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Minas Gerais.
A operação tinha como foco um dos setores mais expressivos da economia brasileira:
o agronegócio; que corresponde atualmente a altas cifras da exportação nacional. De acordo
com VIEIRA, a relevância desse setor pode ser verificada a partir de dados disponibilizados
pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento3, os quais revelam que em 2016
“foram abatidos mais de 24 milhões de bovinos e 5,5 bilhões de aves sob a responsabilidade
dos Serviços de Inspeção de Produtos de Origem Animal das Superintendências Federais da
Agricultura” 4.
Diante desse cenário, e ciente da gravidade das acusações, a Polícia Federal coletou
ostensivamente, por mais de dois anos, diversas provas e depoimentos, que hoje formam os
autos do Inquérito Policial (IPL) 0136/2015-SR/PF/PR.
Os delitos averiguados indicavam a atuação criminosa de agentes públicos e privados
na adulteração sistêmica de produtos alimentícios de origem animal – dentre os quais carnes
bovinas, frangos, linguiças e salsichas. Esses alimentos eram destinados tanto ao mercado
1 BRASIL. Comunicação Social da Polícia Federal em Curitiba/PR. PF desarticula esquema criminoso
envolvendo agentes públicos e empresários. 2017. Disponível em:
<http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2017/03/pf-desarticula-esquema-criminoso-envolvendo-agentes-
publicos-e-empresarios>. Acesso em: 07 set. 2017. 2 BRASIL. 14ª Vara Federal de Curitiba - Seção Judiciária do Paraná. Decisão interlocutória no pedido de
prisão preventiva nº 5002951-83.2017.4.04.7000/PR. Disponível em:
<http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2017/03/DECIS%C3%83O-
PARTE-1.pdf.compressed.pdf>. Acesso em: 21 de ago. 2017. 3 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Quantidade de Abate Estadual por
Ano/Espécie. Disponível em:
<http://sigsif.agricultura.gov.br/sigsif_cons/!ap_abate_estaduais_cons?p_select=SIM>. Acesso em: 26 set. 2017. 4 VIEIRA, E. S. de S. Defesa Agropecuária e Inspeção de Produtos de Origem Animal: uma breve reflexão
sobre a Operação Carne Fraca e possíveis contribuições ao aprimoramento dos instrumentos normativos
aplicáveis ao setor. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Março/2017 (Texto para
Discussão nº 230). Disponível em: <www.senado.leg.br/estudos>. Acesso em 28 de março de 2017.
14
nacional quanto às exportações, por mais que fossem impróprios para o consumo humano, em
um claro atentado à saúde pública e à economia popular.
O modus operandi narrado pelo IPL era cristalino. Empresas frigoríficas de grande
capital, localizadas nos Estados do Paraná, Minas Gerais e Goiás, tentavam aumentar a sua
produtividade e lucro a partir de dois artifícios: a reutilização de carne estragada e a
adulteração de produtos alimentares. No primeiro caso, as empresas se utilizavam de carne
vencida, que, após ser tratada com ácido sórbico5, ganhava novamente o aspecto de bem
consumível. Já no caso da adulteração, verificou-se que alguns dos frigoríficos investigados
falsificavam a composição das carnes, injetando nos alimentos diversas substâncias, como
papelão6 e água.
Ainda de acordo com a narrativa do inquérito, as empresas corruptoras pagavam
propina a agentes fiscais do MAPA, que, em retorno a esse incentivo ilícito, realizavam
fiscalização omissa aos alimentos adulterados. Isso significa dizer que, de acordo com as
investigações capitaneadas pela Polícia Federal, mesmo sem a verificação efetiva e o rigor
técnico, as carnes degeneradas recebiam os certificados sanitários e eram postas à venda,
gerando lucro às empresas de grande capital em detrimento à segurança do consumidor.
Em razão do objeto investigado e dos crimes cometidos, a operação realizada pela
Polícia Federal foi batizada como “Carne Fraca”. A razão da escolha foi esclarecida no
primeiro comunicado da PF à imprensa, emitido ainda em 17 de março de 2017, quando foi
dito que
o nome da operação faz alusão à conhecida expressão popular em sintonia
com a própria qualidade dos alimentos fornecidos ao consumidor por
grandes grupos corporativos do ramo alimentício. A expressão popular
demonstra uma fragilidade moral de agentes públicos federais que deveriam
zelar e fiscalizar a qualidade dos alimentos fornecidos à sociedade7.
5 O ácido sórbico (C6H8O2) é uma substância comumente utilizada como conservante alimentar, responsável
por evitar o crescimento de diversos micro-organismos, tais como fungos e leveduras. Disponível em:
<http://aditivosingredientes.com.br/upload_arquivos/201601/2016010628577001453487283.pdf>. Acesso em:
02 ago. 2017. 6 A acusação de uso de papelão na produção de carnes por algumas das empresas investigadas na Operação
Carne Fraca foi alvo de grande repercussão na mídia brasileira, tornando-se um dos assuntos mais comentados
no Twitter e nos noticiários em geral. Em resposta a essa polêmica, o Ministro brasileiro da Agricultura, Blairo
Maggi, disse haver um equívoco na narrativa do inquérito, apontando que, na verdade, o papelão mencionado na
investigação serviria às embalagens dos produtos e, não, para a sua adulteração. Disponível em:
<http://www.agricultura.gov.br/noticias/maggi-garante-controle-de-saida-de-produtos-de-frigorificos> 02. ago.
2017. 7 Op. Cit..
15
Um fato que chamou a atenção, contudo, é que as investigações feitas pelas
autoridades policiais não teriam se iniciado em data próxima à deflagração da operação. Em
verdade, a abertura do inquérito ocorreu em 14 de janeiro de 2015 e chegou a perdurar até 15
de abril de 2017, quando o Delegado da Polícia Federal Maurício Morcardi Grillo emitiu o
seu relatório final.
O fato desencadeador para as investigações foi uma notícia apresentada pelo Fiscal
Federal Agropecuário (FFA) Daniel Gouvêa Teixeira, que suspeitava haver fraude na entrega
de alimentos à Secretaria de Educação do Estado do Paraná. À época, o noticiante estava
convencido de uma possível adulteração nos alimentos que se destinavam à merenda infantil,
levando-o a fazer a devida denúncia perante as autoridades policiais.
Conforme pode ser visto no Relatório Final do IPL 0136/2015-SR/PF/PR8, em seu
depoimento, Daniel Teixeira confidenciou ter percebido um esquema de corrupção dentro do
MAPA, pois desconhecia razões técnicas para as remoções de fiscais lotados na fiscalização
de empresas de grande capital. Inclusive, o noticiante chegou a declarar que, enquanto ocupou
o cargo de Chefe Substituto do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SIPOA),
constatou que as ditas remoções eram articuladas pelos chefes das Unidades Técnicas
(UTRA) e que ocorriam com o único propósito de evitar fiscalizações, não possuindo
qualquer razão ou critério técnico.
Para fortalecer ainda mais suas suspeitas, o noticiante recebeu ordens de sua
superior, Maria do Rocio Nascimento, determinando a remoção imediata de fiscais contrários
aos interesses da cúpula da Superintendência Regional da Agricultura/PR e das indústrias de
grande capital. Irresignado com o episódio, o denunciante informou o ocorrido ao seu
sindicato e foi, no mesmo dia, exonerado de seu cargo de chefia e removido para outra
localidade – levando a crer que sua denúncia teria contrariado diretamente os interesses de
seus superiores.
Ainda de acordo com o Relatório Final do IPL 0136/2015-SR/PF/PR9, quando
Daniel Teixeira chegou à nova lotação, teve contato imediato com um pequeno abatedouro,
onde constatou diversas irregularidades, “como o aproveitamento de animais mortos para a
produção de gêneros alimentícios e o pagamento de propinas a fiscais federais, [ironicamente]
chamada de ‘ajuda de custo’”. Na oportunidade, também passou a fiscalizar a indústria de
8 BRASIL. Superintendência da Polícia Federal do Estado do Paraná. Relatório Final do IPL 0136/2015-
SR/PF/PR. 2017, pp. 3. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-
content/uploads/sites/41/2017/04/246_REL_FINAL_IPL1.pdf >. Acesso em: 21 de ago. 2017. 9 Ibid., pp. 4.
16
processamento PECCIN AGROINDUSTRIAL LTDA, que também foi autuada após a
verificação de irregularidades em sua linha de produção.
Ocorre que, tão logo o fiscal denunciante autuou a PECCIN, determinado a
suspensão de suas atividades, soube que sua superior estaria afastando-o de suas funções. A
Portaria que cancelou a nomeação de Daniel Teixeira para a fiscalização da PECCIN,
inclusive, foi publicada naquela mesma data.
No mais, durante as investigações realizadas pela Polícia Federal, três depoentes
vieram a corroborar com as informações prestadas pelo primeiro denunciante. Todas elas
eram ex-funcionárias da PECCIN, chamadas de Daiane Marcela Maciel, Joyce Igarashi
Camilo e Vanessa Letícia Charneski. Dentre as acusações mais graves apontadas pelas
testemunhas, estavam: a adulteração de carne por meio do uso de ácido sórbico; a fraude de
notas de carne e o pagamento de propina a fiscais federais.
Com o passar da investigação, novos depoimentos colhidos passaram a indicar
possíveis irregularidades em outras duas empresas frigoríficas, a NOVILHO NOBRE e a
MASTERCARNES – que se tornaram alvo de suspeitas pela PF.
Diante desse novo panorama, a autoridade policial representou perante o Juízo
competente requisitando a interceptação telefônica de diversos investigados, bem como a
quebra do sigilo bancário e fiscal – o que foi prontamente deferido.
A partir daí, a Polícia Federal teve ciência de que se tratava de uma extensa
organização criminosa, baseada na fraude de alimentos e no pagamento de propina aos
agentes fiscalizadores. Isso levou ao ponto ápice da investigação:
Diante da necessidade de coligir maiores elementos e desarticular os grupos
criminosos detectados, foi elaborada Representação por buscas e apreensões,
conduções coercitivas, prisões temporárias e preventivas, além de bloqueios
de contas judiciais e sequestros de bens móveis e imóveis [...]10
.
A dita Representação11
foi analisada no Pedido de Prisão Preventiva nº 5002951-
83.2017.4.04.7000/PR, cujo Juízo competente era a 14ª Vara Federal de Curitiba – Seção
Judiciária do Paraná.
Quando foi dada a oportunidade, o Ministério Público Federal se manifestou nos
autos alegando concordância parcial com as diligências pedidas, de modo que as autoridades
10
Ibid., pp. 10-1. 11
BRASIL. Superintendência da Polícia Federal do Estado do Paraná. Ofício nº 0485/2017 - IPL 0136/2015-4
SR/PF/PR. 2017.
17
policiais viram a necessidade de apresentar aditamento à Representação formulada em juízo.
A título de exemplo, uma das alterações sugeridas foi a diminuição dos pedidos de prisão
preventiva – que de 40 foram minoradas para 27.
Findadas as manifestações do parquet, coube ao Juiz Federal proferir a sua decisão12
,
expedindo, assim, as ordens judiciais que entendia cabíveis. Foram 413 páginas para
fundamentar e deferir todos os 309 mandados judiciais – deles, como já dito, eram 27 prisões
preventivas13
, 11 prisões temporárias14
, 77 conduções coercitivas e 194 buscas e apreensões.
Os números impressionaram e fizeram da Operação Carne Fraca a maior ação
policial já ocorrida no Brasil, se considerado o número de mandados cumpridos. Inclusive,
com esse status o assunto virou tema dos principais meios de comunicação do país –
especialmente os telejornais e as mídias sociais. Eram centenas de mandados sendo cumpridos
simultaneamente, sem que a população soubesse a real extensão do que estava sendo
investigado e quais empresas eram alvos das medidas.
Em verdade, toda a investigação ocorreu sobre segredo de justiça, só se tornando
pública quando foi finalmente deflagrada, no dia 17 de março de 2017. O sigilo é facilmente
justificável, tendo em vista que o conhecimento prévio da operação policial poderia colocar
em risco a obtenção de provas e a prisão preventiva dos acusados. Ocorre que a maneira
abrupta em que a operação foi deflagrada, aliada com a falta de transparência de informações,
gerou uma falha de comunicação entre os fatos publicados pela imprensa e aqueles
efetivamente investigados.
A desinformação criou um efeito sensacionalista que foi inesperado tanto para o
Poder Público, quanto para o Mercado. As chamadas feitas pelos principais noticiários não
eram capaz de distinguir quais os frigoríficos interditados, levando a crer que a prática fosse
generalizada por todos os produtores de carne do país.
Uma amostragem se faz precisa.
12
Op. Cit. 13
As ordens de prisão preventiva foram expedidas em face dos seguintes representados: Carlos Cesar, Daniel
Gonçalves Filho, Eraldo Cavalcanti Sobrinho, Fabio Zanon Simão, Flávio Evers Cassou, Georcio Luiz Bonesi,
Gil Bueno de Magalhães, Idair Antônio Piccin, José Eduardo Nogalli Giannetti, Josenei Manoel Pinto, Juarez
José de Santana, Luiz Carlos Zanon Junior, Maria do Rocio Nascimento, Nair Klein Piccin, Nilson Alves
Ribeiro, Nilson Umberto Saccheli Ribeiro, Normélio Peccin Filho, Paulo Rogério Sposito, Renan Menon,
Roberno Brasiliano da Silva, Roney Nogueira dos Santos, Sebastião Machado Ferreira, Sergio Antônio de Bassi
Pianaro, Tarcísio Almeira de Freitas, André Luis Baldissera e Dinis Lourenço da Silva. 14
As prisões temporárias foram expedidas em nome dos seguintes representados: Alice Mitico Nojiri Gonçalves,
Brandízio Dario Junior, Celso Dittert de Camargo, Leomar José Sarti, Luiz Alberto Patzer, Marcelo Tursi
Toledo, Osvaldo José Antoniassi, Rafael Nojiri Gonçalves, Sidiomar de Campos, Antônio Garcez da Luz e
Mariana Bertipaglia de Santana.
18
Quando noticiou a operação, o G1 (portal de notícias da Rede Globo) preferiu fazer
uma narrativa mais enxuta, usando como manchete o seguinte título: “Polícia Federal deflagra
operação de combate a venda ilegal de carnes” 15
. No texto da notícia, inclusive, é aberto um
tópico sob a seguinte passagem: “veja o que se sabe até o momento” – indicativo de que a
grande mídia ainda tinha pouco conhecimento sobre os detalhes da operação.
Por sua vez, o jornal Carta Capital priorizou uma abordagem um pouco mais
sensacionalista da matéria, conforme demonstra o título a seguir: “Carne Fraca: Frigorífico
colocava carne de cabeça de porco em linguiça” 16
.
Essas diferentes abordagens serviram até como estudo e discussão para a área de
comunicação social. Um exemplo disso é o artigo publicado na Revista de Estudos
Universitários (REU) da Universidade de Sorocaba, cujo título é “Carne Fraca via SBT: como
a emissora narrou o início dessa operação?”. Na publicação, os autores Hergesel e Silva
apontam que “a imprensa narra a explosão desse acontecimento de diferentes formas, algumas
focando a parte econômica, outras atingindo os valores morais” 17
. Em seguida, fazem uma
análise profunda sobre o perfil comunicativo escolhido pelo SBT durante o dia 17 de março
de 2017:
A Operação Carne Fraca é, indubitavelmente, uma narrativa que surpreendeu
a população brasileira e marcou o mês de março de 2017, ganhando
variações estilísticas dentro de um mesmo veículo de comunicação. Por meio
dos fragmentos analisados, percebe-se que o SBT encontrou três maneiras de
transmitir a mesma notícia: pelo viés apelativo, pelo posicionamento
emotivo e pela vertente referencial. O jornal Primeiro Impacto, por meio de
interrogativas, diálogos diretos e exemplificações envolvendo o “povo”,
mostrou-se muito mais focado no espectador, colocando-o como vítima da
situação, numa tentativa de compaixão midiática. [...] O jornal SBT Brasil,
por sua vez, faz uma abordagem mais séria e moralista do assunto, com
matéria editada e imagens exclusivas, mas sem deixar de lado o tom
15
G1. Polícia Federal deflagra operação de combate a venda ilegal de carnes. 2017. Disponível em:
<http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2017/03/policia-federal-deflagra-operacao-de-combate-venda-ilegal-de-
carnes.html>. Acesso em: 21 set. 2017. 16
CARTA CAPITAL. Carne Fraca: Frigorífico colocava carne de cabeça de porco em linguiça. 2017.
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/carne-fraca-frigorifico-colocava-carne-de-cabeca-
de-porco-em-linguica>. Acesso em: 21 set. 2017. 17
HERGESEL, João Paulo; SILVA, Míriam Cristina Carlos. Carne Fraca via SBT: como a emissora narrou o
início dessa operação?. Revista de Estudos Universitários - REU, [S.l.], v. 43, n. 1, p. 151-167, ago. 2017. ISSN
2177-5788. Disponível em: <http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/reu/article/view/3010>. Acesso em: 10 set.
2017. doi: http://dx.doi.org/10.22484/2177-5788.2017v43n1p151-167.
19
opinativo. [...] Por fim, é (n)o Jornal SBT Notícias [...] que se percebe mais
neutralidade na condução da narrativa. Sem palavras de ordem ou vínculo
passional explicitado, tem-se uma trama organizada cronologicamente, que
resume e inclui novidades com base nos fatos, na réplica do que foi
oficialmente mencionado, por meio de paráfrases que, muitas vezes, tornam
a matéria redundante18
.
A abordagem midiática escolhida pela imprensa preocupou os economistas e
estudiosos do ramo agropecuário. Em tom de alerta, José Otávio Menten (2007), professor
associado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, unidade de ensino da
Universidade de São Paulo, ponderou que dos 4837 frigoríficos fiscalizados do país, apenas
21 deles estavam sendo investigados por irregularidades – valor inferior a 0,5%19
. Além disso,
apontou que dos 11.000 fiscais e agentes sanitários do Ministério da Agricultura, apenas 33
deles (menos de 0,3%) estavam sendo afastados de seus serviços.20
Em seguida, o artigo de
opinião assinado pelo professor considera que
os procedimentos para divulgação da Operação, sem esclarecimentos
técnicos que poderiam ter sido fornecidos pelo Ministério da Agricultura,
podem ter causado sérios problemas para a economia brasileira. A imagem e
a reputação dos alimentos produzidos no Brasil podem ser seriamente
prejudicadas. E isto pode afetar todo o agro Brasil e a nossa economia, que
vem tentando superar a maior recessão de nossa história. O agro foi o
principal responsável pela crise não ter sido ainda maior e é o setor que mais
poderá contribuir para a retomada do crescimento, aumentando a renda,
exportações, geração de empregos.21
No mesmo sentido das considerações feitas pelo especialista, merece destacar que
dentre as 21 empresas investigadas na operação, apenas duas delas possuem grande inserção
no mercado nacional: a BRF S.A (grupo controlador da Sadia e Perdigão) e a Seara Alimentos
LTDA (pertencente ao grupo JBS). Em relação à BRF, apenas a unidade de Mineiros/GO foi
alvo da operação. A SEARA também só teve uma interdição, ocorrida no frigorífico
18
Idem. 19
MENTEN, José Otavio. Operação Carne Fraca: comunicação adequada?. 2017. Disponível em:
<http://www.folhadelondrina.com.br/colunistas/espaco-aberto/espaco-aberto-973215.html>. Acesso em: 10 set.
2017. 20
Idem. 21
Idem.
20
localizado em Lapa/PR. Em razão disso, é preferível imaginar que os demais frigoríficos
dessas empresas seguem respeitando os padrões sanitários instituídos pelo MAPA – o que
tornava injustificável a demonização dessas empresas e da qualidade da carne brasileira.
Em vista dos acontecimentos, é esperado dizer que o Ministério da Agricultura foi
bastante vagaroso em indicar as empresas envolvidas no escândalo e o destino dos alimentos
produzidos por elas. Essa omissão de dados técnicos foi talvez um dos principais agravantes
dos efeitos econômicos da operação Carne Fraca. Isso porque o Mercado esperava uma
posição oficial do Governo, para só então ter conhecimento das perdas enfrentadas pela
indústria agropecuária nacional. Essa resposta, contudo, somente veio no dia 19 de março,
dois dias depois que a operação foi deflagrada. Na oportunidade, a pasta anunciou a
publicação de uma lista22
relatando “as empresas citadas na Operação Carne Fraca, para onde
elas haviam exportado nos últimos 60 dias, em quais mercados chegaram e os produtos
comercializados” 23
.
Além do MAPA, a Polícia Federal também precisou ouvir críticas em relação à
maneira como divulgou a Carne Fraca. No afã de veicular a operação como a maior de sua
história, a instituição teria pecado em dar uma conotação técnica e sanitária à investigação,
quando o verdadeiro enfoque da comunicação deveria ter sido a corrupção de servidores
públicos por empresas privadas. Corroborando com esse pensamento, o Presidente da
Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Sobral,
admitiu ter havido um equívoco na comunicação feita pelas autoridades policiais. No seu
entender,
A operação foi necessária, [pois] havia corrupção, servidores públicos
envolvidos e alguns frigoríficos. Havia crime e a investigação aconteceu. Ao
final, a nota da PF diz que foi a maior operação da história. [...] Só que você
dizer que é a maior [operação], envolve uma série de variáveis com
importância, repercussão econômica, social. Ao dizer que é a maior, dá uma
dimensão muito grande, que talvez tenha gerado essa interpretação de que
22
BRASIL. Tabela com controle de saída de produtos de frigoríficos. 2017. Disponível em:
<http://www.agricultura.gov.br/noticias/maggi-garante-controle-de-saida-de-produtos-de-frigorificos/copia-de-
tabela.pdf>. Acesso em: 10 set. 2017. 23
BRASIL. Ministro garante controle de saída de produtos de frigoríficos. 2017. Disponível em:
<http://www.agricultura.gov.br/noticias/maggi-garante-controle-de-saida-de-produtos-de-frigorificos>. Acesso
em: 10 set. 2017.
21
aqueles fatos eram um problema sistêmico de todo o mercado produtivo
brasileiro.24
No dia 21 de março, a ANVISA também se pronunciar sobre as informações
divulgadas pela Polícia Federal. De acordo com essa Agência Sanitária, é competência do
MAPA a normatização e o controle de abatedouros, frigoríficos e indústrias de
processamento. A ela apenas caberia “o estabelecimento das normas relativas aos aditivos
permitidos a serem utilizados em alimentos”25
.
Na oportunidade, a ANVISA também se pronunciou em relação ao uso de ácido
sórbico nas carnes de algumas empresas investigadas. O órgão negou que a substância tenha
efeito cancerígeno, divergindo do que foi narrado no inquérito:
O ácido sórbico (INS 200), por sua vez, é um aditivo autorizado em alguns
produtos cárneos com a função de conservador, ou seja, para impedir ou
retardar a alteração dos alimentos provocada por microrganismos ou
enzimas. Essa substância pode ser empregada nos produtos secos, curados
e/ou maturados embutidos ou não e nos produtos salgados crus. Nesses
casos, seu limite de uso é de 0,02g por 100g do produto e sua aplicação está
limitada ao tratamento externo da superfície desses produtos.
Reavaliação de risco realizada em 2015 pela Autoridade Europeia de
Segurança de Alimentos (EFSA) concluiu que doses diárias de até
300mg/kg/dia, o equivalente a 18 gramas/dia com base num peso corporal de
60 kg, não representaria risco à saúde. Os estudos toxicológicos avaliados
não identificaram nenhum efeito adverso. Ressaltamos que o ácido sórbico
não é classificado como carcinogênico pela Agência de Pesquisa sobre
Câncer (IARC) da OMS.26
De todo modo, pouco tempo após as primeiras notícias veiculadas, o boom midiático
em cima da operação gerou um dos seus primeiros efeitos colaterais: a desconfiança
internacional.
24
Pronunciamento dado por Carlos Eduardo Sobral, Presidente da Associação Nacional dos Delegados de
Polícia Federal, durante a abertura do VII Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ocorrida em
Florianópolis no dia 21 de março de 2017. 25
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Nota da Anvisa sobre a Operação "Carne
Fraca". 2017. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-
/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/nota-da-anvisa-sobre-a-operacao-carne-fraca-
/219201/pop_up?inheritRedirect=false>. Acesso em: 11 set. 2017. 26
Idem.
22
2.1 Os Efeitos Internacionais da Carne Fraca
A repercussão dada à Carne Fraca fez com que os países importadores da carne
brasileira colocassem em dúvida a qualidade do produto nacional. Logo, vários países
anunciaram restrições ou embargos à importação de gêneros cárneos brasileiros.
Essa reação, contudo, não pareceu surpreender. Se até no Brasil não se sabia a real
dimensão dos frigoríficos investigados, é fácil imaginar que os demais países iriam preferir
tomar precauções em relação às proteínas importadas.
Num primeiro momento, Nações como Argélia, Qatar, Marrocos, Zimbábue, São
Cristóvão e Névis, Chile, China, Arábia Saudita, México, Trinidad e Tobago, São Vicente de
Granadina e Bahamas decidiram por suspender de forma geral as importações de carne
brasileira27
. A decisão também foi seguida por Hong Kong, que é o principal destino da carne
bovina congelada, fresca ou refrigerada do Brasil, representando, sozinho, a parcela de 19%
das exportações de janeiro a agosto de 201728
, de acordo com os dados disponibilizados pelo
Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).
União Europeia, Japão, Canadá, África do Sul, Egito, Suíça, Emirados Árabes,
Vietnam, Peru e Bahrein também decidiram suspender as importações de carnes brasileiras,
mas apenas de forma parcial, pois somente restringiram a entrada de produtos dos frigoríficos
investigados.
Enquanto isso, Estados Unidos, Malásia e Argentina decidiram por reforçar o
controle de suas autoridades sanitárias, aumentando o rigor na inspeção dos produtos cárneos
importados do Brasil. Já Israel, Rússia, Barbados e Irã realizaram apenas pedidos de
informações, sob a tentativa de colher melhores detalhes sobre o escândalo.
Certamente, essas restrições estavam fora dos planos do Governo Brasileiro e da
indústria nacional do agronegócio, e representaram um forte retrocesso nos avanços do Brasil
no mercado mundial de alimentos. Atualmente, o país é responsável por, aproximadamente,
27
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Situação nos mercados importadores de
carne - 27 de março de 2017 - 13h00. 2017. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/noticias/lista-de-
restricoes-inclui-suspensao-temporaria-ate-esclarecimentos/situacao-mercados-2703.jpg>. Acesso em: 23 set.
2017. 28
BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Carne de bovino congelada, fresca ou
refrigerada. 2017. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-
exterior/comex-vis/frame-ppe?ppe=1100>. Acesso em: 23 set. 2017.
23
7% de todas as exportações mundiais do agronegócio29
. A depender do MAPA, porém, esse
número pretende ser elevado, visto o Governo quer expandir a influência do Brasil no
mercado mundial de alimentos, mirando numa porcentagem um pouco mais expressiva, na
casa dos 10%30
.
A impressão geral das autoridades brasileiras é a de que a Carne Fraca foi um grande
arranhão na imagem do Brasil perante o Mercado Internacional, podendo, até mesmo, ter
representado um atraso nos planos brasileiros de expansão.
Em face desse cenário crítico, o MAPA tentou zelar pela boa imagem do produto
nacional e tentar recuperar a confiança da comunidade internacional. Como primeira medida,
a pasta decidiu interditar administrativamente três dos frigoríficos investigados e afastar 33
servidores envolvidos na operação Carne Fraca.31
Além disso, tanto o Presidente Temer como
o Ministro Blairo Maggi se reuniram com embaixadores e empresários, sob o intuito de
fortificar os laços comerciais e evitar novas restrições.
A iniciativa rendeu frutos imediatos. Em 27 de março de 2017, apenas dez dias
depois da operação, o MAPA publicou uma lista atualizada com a situação dos países
importadores da carne brasileira. De acordo com esse documento, a situação caminhava para
uma melhora. China, Chile, Egito e Coréia do Sul teriam reaberto os seus mercados para o
produto cárneo brasileiro, cancelando a suspensão antes imposta e normalizando a
comercialização com o Brasil.
Passados alguns meses, outros países passaram a revisar suas restrições e embargos,
o que parece ser uma tendência, visto que a repercussão midiática sobre a operação vem
perdendo força e o mercado está se normalizando.
Os impactos econômicos deixados pela operação, todavia, foram significativos e
merecem lembrança.
2.2 A Pecuária Brasileira e a Operação Carne Fraca em Números
29
BRASIL. Secretária de Comunicação Social da Presidência da República. The Brazilian Meat Industry –
Production and Inspection. 2017. Disponível em: <http://www.brazilgovnews.gov.br/menu-de-
relevancia/factsheet-carne-english.pdf>. Acesso em: 23 set. 2017. 30
EXAME. Ministério da Agricultura quer elevar de 7% para 10% a participação do Brasil no
agronegócio mundial. 2017. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/dino/ministerio-da-
agricultura-quer-elevar-de-7-para-10-a-participacao-do-brasil-no-agronegocio-mundial-shtml/>. Acesso em: 26
set. 2017. 31
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Ministério da Agricultura interdita
frigoríficos e afasta 33 servidores. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/noticias/ministerio-da-
agricultura-interdita-frigorificos-e-afasta-33-servidores>. Acesso em: 21 set. 2017.
24
Beira o contrassenso falar da Carne Fraca e não mencionar o seu surpreendente
impacto na economia. Em que pese apenas 21 frigoríficos estivessem sob alvo de
investigação, quando deflagrada, a operação conduzida pela Polícia Federal ganhou contornos
inesperados e atingiu seriamente um dos setores mais expressivos da economia brasileira: o
agronegócio.
Para ter uma dimensão de sua importância, relatório da Associação Brasileira de
Indústrias Exportadores de Carne (ABIEC) indicam que, em 2015, “o PIB do agronegócio
alcançou R$1,26 trilhão, representando 21% do PIB total brasileiro”. Desse montante,
R$400,7 bilhões foram gerados somente da pecuária, o que significa 30% de todo o
agronegócio brasileiro 32
– ou, aproximadamente, 6,3% do PIB nacional.
Esse setor também tem números expressivos na exportação nacional. Se
considerados os valores de janeiro a agosto de 2017, conforme divulgado pelo balanço mensal
do MDIC33
, a carne de bovino congelada, fresca ou refrigerada do Brasil soma o valor
exportado de US$ 3.143,69 (em milhões) – ou 2,15% das exportações totais.
Quando considerado o peso dessa carne exportada, os dados indicam ser este valor o
equivalente a 753.093,7 toneladas. Se tomássemos por base o consumo per capita de carne
bovina no Brasil (atualmente em 36,9 kg/ano) 34
, toda essa proteína exportada seria suficiente
para alimentar uma mesma pessoa durante 20.409.043 anos.
Em 2016, os principais destinos da carne bovina brasileira foram: Hong Kong (17%),
Irã (15%), China (14%), Rússia (8,6%) e Egito (7,4%). Dessas exportações, a maior parte do
gado saiu dos Estados de São Paulo (23,9%) e Mato Grosso (20,5%).
Outro produto expressivo nas exportações tupiniquins é o frango. O mesmo balanço
do MDIC 35
, que considera os valores de janeiro a agosto de 2017, aponta a soma do valor
exportado de frango em US$ 4.342,26 (em milhões) – ou 2,98% das exportações totais. Como
este produto é naturalmente mais leve, ele correspondente ao equivalente a 2.661.200
toneladas – o suficiente para alimentar muitas famílias.
Em 2016, os principais destinos do frango brasileiro foram: Arábia Saudita (19%),
China (15%), Japão (12%), Emirados Árabes Unidos (7,8%) e Hong Kong (5,8%). Dessas
32
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INDÚSTRIAS EXPORTADORES DE CARNE. Perfil da Pecuária no
Brasil: Relatório anual 2016. São Paulo: Newsprime, 2017. 46 p. 33
BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Carne de bovino congelada, fresca ou
refrigerada. 2017. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-
exterior/comex-vis/frame-ppe?ppe=1100>. Acesso em: 23 set. 2017. 34
VALOR ECONÔMICO. Reação ao consumo de carne no horizonte. 2017. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/agro/4849380/reacao-do-consumo-de-carne-no-horizonte>. Acesso em: 21 set. 2017. 35
Idem.
25
exportações, as maiores parcelas vieram dos Estados do Paraná (36%) e Santa Catarina
(22,2%).
Também merece destaque o comércio exterior de carne suína. De janeiro a agosto de
2017, o MDIC36
aponta uma exportação total de US$ 1.006,09 (em milhões) – ou 0,69% das
exportações totais. Somente em 2016, a Rússia foi responsável por importar 36% da carne
suína brasileira, seguida por Hong Kong (18%) e China (17%).
Esses números mostram, por si, a força da pecuária nacional e sua importância dentro
da economia brasileira. Nesse caso, chega a ser compreensível a preocupação dos
economistas e do próprio Mercado com a repercussão negativa que a operação Carne Fraca
poderia gerar em cima da proteína comercializada pelo Brasil.
Logo no dia 21 de março, primeira terça-feira após a deflagração da operação, dados
pouco animadores foram divulgados pelo MDIC, indicando uma queda drástica na exportação
de carne brasileira. Naquele dia, foram embarcados para o exterior apenas o equivalente a
US$ 74 mil, quando a média diária era de US$ 63 milhões - uma diminuição aproximada de
99,9% das exportações.
Quando se pronunciou sobre o assunto, o Ministro Blairo Maggi disse ser incerto “o
tamanho da pancada que [o mercado pecuário iria] levar” 37
. É fácil imaginar, contudo, a
razão da queda. Com o fechamento dos mercados externos para a carne brasileira e a
repercussão negativa que ainda pairava sobre os produtos cárneos nacionais, é fácil imaginar
que os frigoríficos preferiram segurar a carne no território nacional ante as incertezas que o
mercado demonstrava.
A mudança de panorama, contudo, veio com o passar dos dias. Diante da força-tarefa
montada pelo MAPA, bem como pelos esforços das autoridades brasileiras em minimizar os
danos, as exportações voltaram a um patamar próximo à normalidade.
Em balanço divulgado pelo MDIC no dia 27 de março, constou-se que, para as
“carnes, a média diária de exportações da quarta semana foi de US$ 50,5 milhões, com queda
de 19% em relação ao valor registrado até a terceira semana de março (US$ 62,2 milhões)” 38
.
Essa repercussão negativa também chegou ao mercado financeiro. Tanto a JBS
quanto a BRF, maiores frigoríficos brasileiros, viram suas ações perderem radicalmente o
36
Idem. 37
Pronunciamento dado por Blairo Maggi, Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, perante a
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado em sessão conjunta com Comissão de Agricultura e
Reforma Agrária (CRA), ocorrida em Brasília no dia 22 de março de 2017. 38
BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Quarta semana de março tem superávit de
US$ 1,6 bi. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/index.php/noticias/2392-quarta-semana-de-marco-tem-
superavit-de-us-1-6-bi>. Acesso em: 26 set. 2017.
26
valor durante o pregão de 18 de março do IBOVESPA. Conforme foi noticiado pelo Valor
Econômico,
o maior recuo em valor de mercado ocorreu nos papéis da JBS. Na quinta-
feira, a empresa valia na Bolsa R$ 32,7 bilhões. Ao final do pregão de
ontem, o montante era de R$ 29,3 bilhões, uma perda de quase R$ 3,5
bilhões de uma só vez, fruto do recuo de 10,59% na cotação de suas ações --
cada uma vale agora R$ 10,72. No mercado americano, os recibos de ações
(ADRs, na sigla em inglês) registraram um tombo de 9,26%. O valor de
mercado da BRF também teve forte queda: caiu R$ 2,4 bilhões, para R$ 30,1
bilhões. As ações desabaram 7,25%, para R$ 37,10. Nos ADRs, a perda foi
de 7,73%. 39
Apresentados esses números, e justificada a importância do agronegócio para a
economia brasileira, é importante que este trabalho siga adiante, discutindo não só a
relevância da Operação, mas também o seu significado enquanto intervenção do Estado no
domínio econômico.
39
VALOR ECONÔMICO. Frigoríficos perdem R$ 5,9 bilhões em valor de mercado em um só
pregão. 2017. Disponível em: <http://www.valor.com.br/agro/4904148/frigorificos-perdem-r-59-bilhoes-em-
valor-de-mercado-em-um-so-pregao>. Acesso em: 25 set. 2017
27
3 HISTÓRICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO
Entender a intervenção estatal no domínio econômico requer um olhar para o
passado. Somente desse modo é possível assimilar o presente e conhecer o significado das
normas vigentes em nosso ordenamento.
Ora, podemos dizer que a História ampara a compreensão da atual ordem econômica
constitucional brasileira, bem como a própria existência do Art. 170 da Constituição da
República de 1988 – dispositivo central ao Direito Econômico pátrio.
Nesse caso, merece pontuar que o exercício hermenêutico desenvolvido por um
jurista deve ser sempre de alta complexidade, uma vez que devem ser levadas em
consideração as diversas razões para o significado da norma, além de sua origem e lógica.
É nesse entender que Savigny40 define a norma como produto dos ditames e
aspirações sociais, a qual, em sua essência, está passível de mutação, visto que ela acompanha
as diversas transformações ocorridas na sociedade. Assim, não basta ao jurista buscar apenas
o significado imposto pelo legislador, mas, sobretudo, fazer uma ponderação entre i) os
fenômenos atuais e ii) o cenário existente à época da publicação da norma.
Nessa comparação, o jurista poderá se questionar se as escolhas jurídicas feitas pelo
legislador seriam possivelmente idênticas caso naquela época vigorassem os mesmos
fenômenos sociais.
A partir desse entendimento, lança-se uma análise ao passado – considerando as
premissas que deram fôlego ao pensamento liberal, bem como o status atual de intervenção
estadista.
Essa retrospecção nos leva, inicialmente, a um momento chave da história humana: a
desestruturação e queda do império romano ocidental.
Veja-se que, naquele momento, e diante da ausência de um poder centralizado, o
território europeu se viu esfacelado – dividido e a mercê das guerras e das invasões bárbaras.
A vida nas cidades, antes consideradas o antro cultural e mercantil civilizatório, não
representava mais vantagens e benefícios à população, que se viu obrigada a fugir para os
campos – onde encontravam proteção, terra e moradia; cedidas pelos senhores feudais.
Esse quadro motivou a formação de um sistema econômica baseado não mais no
comércio, mas principalmente nas culturas agrícolas e trocas comerciais. O território, por sua
40
SAVIGNY, 1886 apud REALE, 2002, p. 423.
28
vez, era descentralizado, com pequenos centros de poder, concentrados nos feudos, porções
de terras dominadas pelos já citados senhores feudais. A época também foi marcada pela
relação de submissão entre uns e outros mestres. O binômio proteção-poder alimentava um
sistema de hierarquia e lealdade entre o vassalo (submisso) e o suserano (domínio) – sistema
que deu vigor por longas datas ao Feudalismo.
O colapso desse sistema só ocorreu por volta do Século XIV, quando o território
europeu foi duramente castigado com a peste bubônica. Com a morte de 1/3 da população
europeia, a produção agrícola sofreu grandes baixas, dando espaço para a ascensão de uma
nova classe: a burguesia. Esse grupo social fazia do comércio a sua fonte de renda, tendo em
vista os aparentes óbices mostrados pela alternativa agrícola. No passar do tempo, a burguesia
passou a ter maior influência na sociedade medieval, inclusive passando a adquirir terras dos
falidos senhores feudais.
Esse novo cenário alterou substancialmente o eixo econômico do continente europeu.
O território que antes era dominado pelas lavouras agrícolas passou a inclinar a sua atividade
econômica para o comércio, fato motivado, especialmente, pela ascensão burguesa e
desaparecimento dos senhores feudais.
O poder passou, então, a ser mais centralizado, e o sucessor natural para detê-lo foi o
monarca, o rei, que aliado à classe comerciante passou a ser soberano perante um território
definido. Enquanto o rei ganhava para si poder, os burgueses ganhavam influência. Para estes
últimos, era claro que divisão territorial em nada facilitava o comércio, pois impossibilitava as
rotas comerciais e tornava inviável a infraestrutura desejada pela burguesia.
Segundo Elias 41
, tal mudança no cenário possibilitou uma inversão na ordem de
poderio militar, pois a força de armas antes concentrada no Estado Nobre foi deslocada para
as mãos de um único indivíduo: o príncipe ou rei. Este tinha, com um domínio apoiado na
renda tributária de uma maior parcela territorial, plenas condições de manter um maior e mais
forte exército. Em razão disso, a nobreza foi lentamente deixando sua autonomia de lado para
ser compreendida como guerreiros e oficiais assalariados a serviço do suserano.
A relação intrínseca entre soberano e burguesia foi a gênese para a intervenção
estatal no domínio econômico. Isso porque dela nasceram os Estados Nacionais europeus,
expoentes do século XVII e primeira expressão do Estado tal como conhecemos.
Esse paralelo também foi observado por João Bosco Leopoldino da Fonseca,
conforme transcrito in verbis:
41
ELIAS, 1993 apud GRAU, 2010, p. 14.
29
[...] começam a formar-se os Estados modernos, como termo inicial das
indagações sobre a atuação do Estado no âmbito da relação direito –
economia, principalmente porque, a partir dessa época, começam a delinear-
se as diversas formas de atuação do Estado no que respeita à condução de
políticas econômicas. A Inglaterra realiza sua unidade a partir do reinado de
Henrique VII (1485-1509), a França consegue a sua unidade nacional a
partir do reinado de Luís XI (1461-1483), a Espanha se unifica a partir de
1469, com o casamento de Fernando de Aragão com Isabel de Castela,
Portugal consolida sua independência a partir de 1640, quando se separa de
Espanha.
O mercantilismo surge como reflexo das concepções ideológicas daquele
momento. A ideia de nacionalidade começa a afirmar-se, o Estado se propõe
a solidificar seu poder perante as nações estrangeiras, o poder central se
desenvolve e, com isso, ascendem as despesas públicas, o comércio
internacional se desenvolve em busca de riquezas, dando-se ênfase aos
metais preciosos como instrumentos de troca, e, ao mesmo tempo, desperta
o espírito capitalista42
Daí em diante, com a inauguração da Idade Moderna no continente europeu, o
Estado se agiganta – dando solo fértil para a ascensão do mercantilismo enquanto política
econômica.
Esse modelo toma para si as concepções ideológicas existentes na época para fixar
quatro premissas principais, sejam elas: i) o acúmulo de metais preciosos – cujo propósito era
dar maior segurança financeira ao Estado, pois serviam como lastro de riqueza; ii) o
protecionismo – de onde se passou a encorajar o equilíbrio da balança comercial; iii) a
xenofobia e iv) as políticas de Estado, com o pressuposto de incentivar o fortalecimento do
poder central.
Essas premissas, juntas, indicam a ordem ideológica vigente, a qual estava
alicerçada, sobretudo, nas trocas comerciais e exaltação da identidade nacional. À época, o
amor à pátria e a supramencionada xenofobia se justificavam pela grande quantidade de
guerras ocorridas no território europeu, tendo em vista que os Estados Nacionais ainda
estavam em formação e lutavam por sua independência.
42
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
30
Como já mencionada, esse panorama deu força para que o poder central ganhasse
espaço e influência por todo o território. O modelo dava abertura para o nascimento da
chamada monarquia absolutista, onde o Rei tudo era e tudo podia. O maior retrato desse poder
incondicional repousa na pessoa do rei francês Luís XIV, que em célebre momento se
reconheceu como o próprio ente estatal, pois proclamou: “o Estado sou eu”43
.
O ato, que pode causar indignação e desconforto quando visto na perspectiva
contemporânea, retrata de forma fidedigna a figura do monarca moderno. Em melhor
precisão, Eros Grau44
define que “na monarquia absoluta, o governo, que detinha o monopólio
da violência (poder de polícia) e tributação, consistia em um monopólio pessoal de um único
indivíduo”. Apesar disso, o Monarca dependia diretamente da renda proveniente da
arrecadação tributária. Surge, então, o primeiro sinal de intervenção estatal no domínio
econômico, pois, para se aparelhar, o Estado necessitava interferir na propriedade privada.
Lembre-se que, na França, essa realidade incomodou mais profundamente o povo –
em especial a burguesia. Isso porque, apesar dos altos impostos pagos, os privilégios
continuavam destinados apenas à nobreza e ao clero, que representavam um número ínfimo
da população.
O colapso somente surgiu na revolução francesa, que levantou os motes da liberdade,
igualdade e fraternidade. Nas coxias da revolução, preponderavam as ideais filosóficas
pautadas na liberdade e nos direitos individuais. Essa quebra de paradigma, ressalta André
Ramos Tavares45
, deu azo para o surgimento de Estado democrático liberal, no qual todos, até
mesmo os governantes, deveriam sujeitar-se aos ditames genéricos albergados nas leis.
Daí surgiu o liberalismo, que assumiu diversas formas – incluindo a filosófica e
política –, e que também foi defendido na sua perspectiva econômica. De acordo com essa
linha teórica, a economia seria um sistema autorregulável, capaz de se adequar por intermédio
de suas leis naturais e dispensando, assim, qualquer tipo de intervenção estatal. Essa ideia foi
defendida com maior vigor por Adam Smith, cujo ideário partia do pressuposto de que:
sem qualquer intervenção da lei, os interesses privados e as paixões dos
homens levam-nos, naturalmente, a dividirem e a distribuírem o capital de
qualquer sociedade entre os diferentes empregos com ele realizados, tanto
quanto possível, na proporção mais vantajosa para o interesse de toda a
43
Do francês “L’état c’est moi”. 44
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.
16. 45
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 46.
31
sociedade. As várias regulamentações do sistema mercantil vêm,
necessariamente, perturbar mais ou menos esta distribuição natural e muito
vantajosa do capital. 46
Ainda desenvolvendo sua teoria, Smith destaca que o homem é um maximizador dos
seus interesses, o que faz da economia um sistema independente e autoajustável:
Cada indivíduo esforça-se continuamente por encontrar o emprego mais
vantajoso para qualquer que seja o capital que detém. Na verdade, aquilo que
tem em vista é o seu próprio benefício e não o da sociedade. Mas o juízo da
sua própria vantagem leva-o, naturalmente, ou melhor, necessariamente, a
preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade. Portanto, como cada
indivíduo tenta, tanto quanto possível, aplicar o seu capital no apoio à
indústria interna e, por consequência, dirigir essa indústria de modo a que a
sua produção tenha o máximo valor, cada um trabalha, necessariamente, para
que o crédito anual da sociedade seja o maior possível. Na realidade, ele não
pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o
está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está
a pensar na sua própria segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a
sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho,
e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão
invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções. Nem nunca
será muito mau para a sociedade que ele não fizesse parte das suas intenções.
Ao tentar satisfazer o seu próprio interesse promove, frequentemente, de
uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente
o pretende fazer.
O estadista que tentasse orientar as pessoas privadas sobre o modo como
deveriam aplicar os seus capitais, não só se estaria a sobrecarregar com uma
tarefa desnecessária, como ainda assumiria uma autoridade que não só
dificilmente poderia ser confiada a uma única pessoa como, nem sequer, a
qualquer conselho ou senado, e que representaria um perigo nas mãos de um
homem que tivesse a loucura e a presunção suficientes para se considerar
capaz de a exercer. 47
46
SMITH, 1983, p. 199 apud FONSECA, 2014. 47
SMITH, 1983, p. 755, 757-758 apud FONSECA, 2014.
32
Após a consolidação do modelo liberal, a economia europeia entrou em um período
de enorme pujança – época também marcada pelo surgimento das indústrias e dos
conglomerados empresariais.
Diante dessa a riqueza gerada, a burguesia – a quem foi atribuída a alcunha de
Terceiro Estado –, lentamente esqueceu-se que inclusive liberdade possui o seu limite.
3.1 As Distorções do Liberalismo de Adam Smith e o Seu Colapso
Distanciado de qualquer intervenção estatal, o liberalismo pregou a autorregulação
como um dogma absoluto. Prevalecia a lógica de que apenas os mais fortes e hábeis
conseguiriam sobressair-se perante os demais, o que significava um filtro natural imposto pelo
próprio Mercado.
Essa competição desregrada inaugurou uma série de distorções no sistema
econômico. As empresas mais bem sucedidas passaram a projetar-se não apenas no mercado
local, mas também regional, impulsionando, assim, o seu crescimento e sua influência aos
consumidores. A dita “seleção natural” promovida pelo mercado fez solo infértil para o
surgimento de novos empresários, levando a um status de supressão da concorrência. Daí
surgiram os monopólios e oligopólios, símbolos de concentração econômica e dominação
pelo capital.
Nesse contexto, Eros Grau48
aponta que o modelo clássico de mercado preferia
ignorar o seu óbvio poder econômico. Isso porque, agarrados na égide de um princípio sem
princípios – o livre mercado, indica o autor –, aqueles que detinham o grande capital estavam
plenamente conscientes de seu poder de dominação, e, por isso, interessados em mantê-lo.
A partir desse ponto, fica evidente a distorção mais grave causada pelo liberalismo: a
inversão de mercado. Esse fenômeno indica uma alteração de rumo na própria ordem
econômica, pois é a sociedade servindo ao Mercado, quando ele, na verdade, deveria estar
servindo ao seu povo.
Em abordagem semelhante, Silveira Neto49 menciona que a ideia de liberdade está
necessariamente associada à definição de algumas regras, quando se pretende vê-la exercida
por todos. Essa liberdade, ou qualquer outro direito concernente ao homem moderno, encontra
regramento no próprio código jurídico de nossa sociedade, pois esta seria uma das funções
48
Ibid., p. 20. 49
SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A intervenção direta do Estado no domínio econômico - Limites
constitucionais à atuação no mercado das empresas públicas. Revista de Direito Público da Economia, Belo
Horizonte, n. 43, p.157-173, 2013, p. 160.
33
precípuas do Direito. Não faria sentido, por certo, que não houvesse um regramento também
para a economia, que alimentada por um contexto de liberdade extrema, resultou em uma
inegável disfunção social do mercado, voltado apenas para seu próprio benefício e, não, do
cidadão.
Com o distanciamento estatal da seara econômica, o papel desenvolvido pelo ente
político se limitava muito mais à própria manutenção do laissez faire50
, sem que este
intervisse diretamente na inversão de mercado promovida pelo liberalismo.
O colapso desse sistema só foi claramente definido em 1929, quando ocorreu a
quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. O episódio fez transparecer a insustentabilidade
do modelo até então adotado, fazendo reconhecer que as ideias antes desenvolvidas por Adam
Smith mereciam revisão.
Nada obstante a grande depressão americana ter ocorrido somente em 1929, com
alguns anos de antecedência já se discutia um novo modelo de Estado, baseado na intervenção
mínima e na imposição de balizas à liberdade econômica.
Esse movimento foi inaugurado pela Constituição mexicana de 1917, quando se
impôs a supremacia do interesse público ao interesse privado e o combate às práticas de
monopólio e concentração de poderio econômico. Seguiria nessa mesma esteira a
Constituição de Weimar de 1919, a qual, sem muitos rodeiros, definiu uma liberdade
econômica nos limites da lei.
A nova linha de pensamento, contudo, não viria para extinguir a liberdade econômica
ou obstaculizá-la em seu sentido máximo. A história já teria provado os benefícios do livre
mercado. O que seria necessário, dali em diante, seria definir regras basilares para que do
mercado “se possa extrair o máximo de proveito a todos (empresariado, Estado e
sociedade)”51
.
Foi mérito também dessas recentes Constituições capitalistas introduzir uma nova
noção de Estado, o qual se baseava no desenvolvimento social e na melhoria de vida dos seus
cidadãos. Estava lançada a ideia de que não se bastava o aumento de capital de uma nação, era
necessário que houvesse a repartição dessa riqueza e a melhoria conjunta de qualidade de vida
por todo o povo.
Essa nova fórmula de Estado promovia o bem estar social, baseado, sobretudo, na
escola de pensamento desenvolvida por Jonh Maynard Keynes. Esse economista inglês foi
50
Símbolo máximo do liberalismo econômico, o Laissez-faire é uma expressão francesa que define o puro
capitalismo e a liberdade de mercado, uma vez que prega a não intervenção no mercado e sua autorregulação. 51
Ibid., p. 163.
34
responsável por publicar, em 1936, o livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, que
instruía o Estado a assumir um papel de controle econômico.
Nesse caso, caberia ao ente político não só buscar o pleno emprego de sua
população, mas atuar diretamente na economia, minimizando os danos causados por eventuais
recessões econômicas – que, naquele ponto, se mostravam como cíclicas e inevitáveis.
Seguindo essa mesma senda, Dellagnezze aponta que:
A escola keynesiana se fundamenta no princípio de que o ciclo econômico
não é auto-regulado como pensam os neoclássicos, uma vez que é
determinado pelo "espírito animal" (animal spirit, no original em inglês) dos
empresários. É por esse motivo, e pela incapacidade do sistema capitalista
conseguir empregar todas as pessoas que querem trabalhar, que Keynes
defende a intervenção do Estado na economia.
A teoria keynesiana atribuiu ao Estado o direito e o dever de conceder
benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida
como a criação do salário minimo, do seguro-desemprego, da redução da
jornada de trabalho (que então superava 12 horas diárias) e a assistência
médica gratuita.52
Ao assumir esses deveres sociais, o novo modelo de Estado passa a promover
políticas públicas voltadas à população, o que, consequentemente, expande a estatização de
setores econômicos e a influência pública no domínio privado. No Brasil, por exemplo, essa
estatização foi percebida com maior vigor após a criação da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) e da Petrobrás – ambas gigantes estatais criadas na metade do século XX.
Esse modelo, contudo, foi lentamente se mostrando insustentável. A ideia de um
Estado agigantado se prejudicou com a decorrência da crise do petróleo ocorrida na década de
70. Além disso, os governos passaram a ter dificuldades orçamentárias em relação aos
programas sociais antes defendidos e a empresas estatais não se mostravam tão eficientes o
quanto se esperava. Essa ineficiência estava justificava, principalmente, porque as empresas
controladas pelo Estado não possuíam em sua essência o principal combustível para o sistema
capitalista: a busca pelo lucro.
52
DELLAGNEZZE, René. O estado de bem estar social, o estado neoliberal e a globalização no século XXI.
Parte II - O estado contemporâneo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <
https://goo.gl/1Bgj2G>. Acesso em out 2017.
35
Diante desses entraves, retorna ao ideário popular a defesa do livre mercado. Isso se
deu por intermédio de uma doutrina reformada e mais moderna do liberalismo, chamada de
neoliberal.
3.2 O Neoliberalismo de Friedman e a Atual Globalização
A filosofia neoliberal teve seu principal arrimo com a publicação do livro
“Capitalismo e Liberdade”, escrito pelo economista norte-americano Milton Friedman, em
1962. Pensando sob uma visão reformada das ideias liberais, o novo modelo desenvolvido por
Friedman pedia o regresso do livre mercado e o diminuição do Estado. Sua principal
preocupação seria o caráter estatizado da economia, que havia se desenvolvido durante o
welfare state53
.
Mesmo por conta de seu caráter de renovação, a política neoliberal possuía
consciência das distorções provocadas pelo liberalismo, e, por isso, pregava uma liberdade de
mercado mais equilibrada, com a possibilidade de intervenção do Estado em casos mais
pontuais. Seria uma intervenção mínima, sobretudo nos casos de regulação de mercado.
De forma semelhante, o neoliberalismo incentivava a diminuição da influência
estatal no domínio privado, razão pela qual se iniciou, a partir da década de 70, uma onda de
privatizações das empresas anteriormente controladas pela Administração Pública.
Os consumidores, por sua vez, seriam os principais beneficiados com o predomínio
do mercado. A livre concorrência seria responsável por filtrar de forma natural os melhores
produtos e serviços disponíveis no mercado, visto que a população sempre preferirá aderir à
melhor oferta disponível.
Na Europa, essa doutrina econômica foi bastante impulsionada pela Primeira-
Ministra britânica Margareth Thatcher, que liderou uma série de privatizações no Reino
Unido. Ao seu tempo, no Brasil, esse movimento foi iniciado pelo Presidente eleito no início
da década de 90, Fernando Collor, e continuada durante os dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso.
Eis que, porém, caminhando ao lado da ideologia neoliberal, surge também um
fenômeno inaugurado após a Segunda Guerra Mundial: a globalização. Seu conceito continua
sendo alvo de discussão perante a academia, mas pode ser um pouco simplificado, se
considerarmos que a globalização nada mais é do que um fato histórico. Por meio da terceira
53
A expressão welfare state ficou consolidada como um dos principais pilares da política keynesiana, adotada
especialmente na segunda metade do século XX. Essa expressão é normalmente traduzida como Estado de bem
estar social, já que este modelo representou a institucionalização de vários direitos sociais.
36
revolução industrial, marcada pelo aprimoramento dos meios de comunicação e de
transportes, as distâncias foram encurtadas e o mundo está cada vez mais conectado entre si.
Em questão de segundos, uma transação financeira entre o Brasil e a Austrália pode ser
finalizada em um simples apertar de botão.
Ao fazer um paralelo, contudo, Eros Grau54
pondera que “a globalização é [apenas]
um fato histórico, [enquanto que] o neoliberalismo, uma ideologia”. Esse autor ainda ressalta
“que não há uma relação necessária entre a globalização e o neoliberalismo, e que, outras
fossem as condições político-sociais, a globalização poderia conviver com outras ideologias
que se tornassem hegemônicas”. Seria possível imaginar, nesse sentido, um mundo socialista
globalizado, visto que não se relacionam os planos da globalização e do capitalismo.
O fato é que, diante da predominância do capital frente à tendência globalizada,
formou-se o que se conhece de globalização financeira, não mais associada às trocas de
mercado, mas baseado, sobretudo, em um sistema financeiro – não baseado na produção de
riquezas, mas puramente baseado em títulos e especulações.
Certamente, falar do presente se torna uma tarefa mais árdua, quando comparado
com o simples relato dos acontecimentos passados. O atual cenário é fruto da História recente
e não pode servir como prelúdio para o futuro, servindo apenas como uma expectativa.
Com tudo, sabemos que a atual influência do modelo neoliberal foi determinante
para fixar os parâmetros da ordem econômica constitucional delineada pela Constituição da
República Federal do Brasil, promulgada em 1988. As ideias nela contidas aspiram ao ideário
neoliberal e isso pode ser claramente percebido por meio da leitura do Art. 170 em diante,
conforme será minuciosamente discutido no tópico vindouro.
54
Ibid., p. 53-54.
37
4 A ATUAL ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA: AGENTES
E MEIOS DE INTERVENÇÃO
O local de partida para compreender a atual ordem econômica brasileira deve ser a
Constituição. É nesta norma primária que o jurista encontrará as principais diretrizes
apontadas pelo constituinte, e, também, de onde ele poderá extrair toda a organização e
política econômica de seu Estado.
No Brasil, esta tarefa fica a cargo da Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 1988. Nela, o constituinte, já no seu Art. 1º, IV, apontou como um dos
fundamentos da República os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o que, em outros
termos, significa dizer que o Estado Brasileiro fez uma clara opção pelo sistema capitalista.
Com essa escolha, o constituinte não só reconhece o livre mercado como meio de
crescimento e desenvolvimento econômico, como também defende a livre iniciativa como
instrumento de transformação social.
Tudo isso, claro, sob a preciosa defesa e valorização do trabalho, visto que está
vedada qualquer desvalorização da dignidade humana e de sua força laboral.
Além do Art. 1º, a CRFB/88 consegue ir mais longe, dedicando uma única parte de si
para a organização da ordem econômica e financeira. Trata-se do Título VII, cuja divisão
ocorreu em quadro capítulos: i) dos princípios gerais da atividade econômica; ii) da política
urbana; iii) da política agrária e fundiária e reforma agrária e iv) do sistema financeiro
nacional.
Essa disciplina, por óbvio, não é capaz de organizar, sozinha, toda a política
econômica do nosso país. Pelo contrário, é largamente sabido que a Constituição de 1988
optou por cumprir uma finalidade programática, isto é, de balizar projetos e políticas públicas
que melhorem ou estabilizem em longo prazo a organização do Estado. É por essa razão que
Eros Grau55
prefere apontar a nossa Constituição como dirigente, cujo propósito principal é
implantar e planejar uma nova ordem econômica56
.
Essa última expressão, contudo, nem sempre é bem compreendida. Apesar do seu
uso corriqueiro nos textos jurídicos, o dizer “ordem econômica” pode ser aplicado sob
55
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.
174. 56
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1950/SP. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min.
Eros Grau. Brasília, 03 de novembro de 2005. Disponível em: <https://goo.gl/EoLFhU>. Acesso em 01 nov.
2017.
38
diversos sentidos. Aqui opta-se, porém, pelo sentido escolhido por André Ramos Tavares57
,
segundo a qual trata-se da “parcela do sistema normativo voltada para a regulação das
relações econômicas que ocorram em um Estado”.
Se assim for, podemos dizer que a parcela mais substancial desse sistema normativo
está compreendida no Art. 170 da Constituição, no qual estão previstas as principais garantias
e liberdades dos agentes econômicos:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.58
Com efeito, uma leitura desses princípios revela que não há certa homogeneidade
entre eles, conforme foi apontado pelo Ministro Luís Roberto Barroso59
. Todavia, é
justamente no exercício conjunto dessas normas e princípios que se mantém possível o
ambiente econômico, porquanto, cumprindo esse regramento, tem-se uma sociedade livre, na
qual os agentes econômicos poderão livremente atuar – e gerar uma máxima prosperidade
econômica.
57
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 82. 58
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 nov.
2016. 59
BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de
preços. Revista de Direito Administrativo, [s.l.], v. 226, p.187-212, 9 mar. 2015. Fundação Getúlio Vargas.
39
Esses ditos agentes econômicos correspondem justamente àqueles indivíduos ou
instituições que, em razão de suas escolhas ou ações, interferem direta ou indiretamente no
quadro econômico60
. São eles: as famílias, as empresas, a administração pública e o mercado
externo. Todos eles interagem entre si, num ciclo natural e vicioso. As empresas são
responsáveis pela maior geração de riqueza e oferecem serviços e produtos às famílias e ao
mercado externo, ao passo que são fiscalizadas pelo Estado, representado na Administração
Pública. É com esta interação inquestionável que, juntos, esses agentes econômicos dão
sentido e movimento à Economia.
A boa manutenção desse elo, contudo, depende da observância dos princípios acima
elencados. Cada um deles, em certa medida, corresponde a uma face da ordem econômica a
qual deve ser respeitada.
O respeito à propriedade privada, por exemplo, prevista no Art. 170, II, da CRFB/88,
merece uma interpretação completamente diferenciada daquela retratada no Art. 5º, XXII, da
mesma carta normativa. Enquanto que o respeito à propriedade privada elencada no rol de
direitos fundamentais se refere à defesa individual dos bens e patrimônios de um único
cidadão, a propriedade privada existente nos incisos do Art. 170 merece outra compreensão.
Esta se refere àquela propriedade privada que está em pujança, gerando riqueza. Essa
propriedade pujante merece prioridade em sua defesa porque está dando retorno à sociedade e
cumprindo a sua função social. Com isso, se está evitando os abusos de propriedade e
maximizando o rendimento dos agentes econômicos.
Outro princípio que merece particular destaque é aquele previsto no Art. 170, VIII: a
busca do pleno emprego. Este também não pode ser interpretado de forma literal, cabendo a
ele uma interpretação muito mais extensiva. Nesse caso, o que interessa à ordem econômica
constitucional é o pleno emprego dos fatores de produção. Isso significa dizer que o nosso
Estado vive uma busca incessante de máximo rendimento de seus setores econômicos. Para
isso, o Estado eventualmente precisa intervir na economia, com o objetivo de que os fatores
de produção não se tornem subutilizados, estando eles sempre em níveis ótimos, que significa,
dentre várias coisas, um máximo de trabalhadores empregados, uma indústria naval e
automotiva funcionando bem, bom setor de serviços, etc.
Esse último princípio, assim como vários outros, poderia ser alvo de melhor
aprofundamento, podendo ele, quiçá, ser palco de outro ensaio acadêmico. Por isso, seria
60
CARVALHO, Cristina Maria Jesus; RIBEIRO, Leonor Carmona. OS AGENTES ECONÓMICOS E AS
SUAS RELAÇÕES. 2007. 11 f. TCC (Graduação) - Curso de Engenharia Civil, Departamento de Engenharia
Civil, Instituto PolitÉcnico de Coimbra, Coimbra, 2007.
40
impossível falar de forma tão detalhada e profunda sobre ele, razão pela qual se optou pela
economia de palavras.
Foi precioso falar desse princípio, contudo, porque é justamente na discussão
levantada sobre o pleno emprego dos fatores de produção que passamos a discutir o imperioso
papel exercido pelo Estado na economia – este, sim, um ponto chave para este trabalho.
Ora, se já sabíamos que a Administração Pública é um agente econômico e que sua
existência é indispensável para a boa manutenção desse ciclo, falta elucidar de que forma e
em que medida essa atuação poderá ocorrer.
Pois bem, antes de tudo, impede ressaltar que o Estado poderá intervir no domínio
econômico a partir diferentes óticas: direta ou indiretamente. Essa intervenção, contudo, é
comedida e obedece às restrições impostas pela Constituição Federal, visto que qualquer
ausência de regramento poderia significar em verdadeiro estorvo para o livre mercado.
Essa normatização poderá ser entendida com maior clareza no tópico subsequente,
vez que aqui se pretende dar maior amplitude ao tema e discuti-lo de forma mais minuciosa.
4.1 O Art. 173, caput, da CRFB/88 e o Princípio da Subsidiariedade
Em que pese isso já tenha sido asseverado, é importante relembrar que a intervenção
desmedida do Estado, quando não necessária, pode causar um desequilíbrio no ciclo de
interação entre os agentes econômicos. Pensando nisso, o constituinte optou por delimitar, de
forma bastante clara, as oportunidades de intervenção capitaneadas pelo Estado.
Essa previsão normativa foi impressa no teor do Art. 173, caput, da Constituição
Federal, segundo o qual:
Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei 61
.
O recém-mencionado dispositivo constitucional é límpido. Quando ele aponta que a
intervenção do Estado brasileiro se dará apenas em caráter de exceção, ele também reconhece
que a regra escolhida pelo constituinte foi a da livre iniciativa e livre mercado, sem qualquer
interferência do Estado.
61
Idem.
41
Essa lição é especialmente importante porque analisando a evolução da dinâmica
entre Estado e economia, algumas coisas foram aprendidas. Dentre elas, com certeza deve se
destacar que uma intervenção estatal acentuada no domínio econômico pode ser muito custosa
para a sociedade.
Inclusive, esse tema possui bastante visibilidade no ordenamento brasileiro, visto que
tivemos, recentemente, um histórico não desejável de intervenções econômicas – movidas
especialmente pelo Governo Federal.
Apesar disso, não se pode olvidar que, por muitas vezes, a intervenção pode ser
muito benéfica ao sistema econômico, vindo, sobretudo, para organizá-lo. Exatamente por
isso que a nossa Constituição trouxe, em si, autorização normativa para esse tipo de
intervenção.
Existem três principais razões para que a intervenção seja possível em um Estado
predominantemente pautado no livre mercado. Cada uma delas delineada com maior vigor por
João Bosco Leopoldino da Fonseca62
:
A primeira e mais importante razão para que a intervenção seja possível é o seu
potencial de corrigir as falhas existentes no mercado. É com a intervenção que o Estado
consegue garantir de forma mais eficaz a livre competição e reestruturar o mercado, dando a
ele maior sustentabilidade. Conforme sobrelevado por Avelãs Nunes63
, quando o Estado
intervém no quadro econômico, ele não deve ser encarado como um mero estorvo ou
impedimento para os objetivos empresariais, mas, principalmente, como um minimizador dos
riscos de um sistema capitalista. Isso porque se para Adam Smith o homem é, naturalmente,
maximizador de seus interesses, merece resguardar que, sem regulação, ele pode vir a
prejudicar os seus iguais.
A segunda razão a justificar a intervenção advém do imperioso papel assumido pelo
Estado de garantir a distribuição de renda. É de fácil compreensão que o livre mercado é o
principal caminho para geração de riqueza. Apesar disso, a sua lógica é baseada, sobretudo,
na acumulação de capital, base do sistema capitalista. Cabe ao Estado, portanto, garantir que
haja a distribuição da riqueza gerada. O caminho mais natural para isso é, por óbvio, a
despesa pública. É a partir de seus grandes investimentos que o Estado faz movimentar a
economia – desde a compra de pequenas canetas até a construção de grandes rodovias.
Por último, mas não menos importante, se destaca a terceira razão para que haja a
intervenção no domínio econômico: a necessidade de rápidas respostas à política econômica.
62
Idem. 63
NUNES, António José Avelãs. Do capitalismo e do socialismo. Coimbra: Atlântida, 1972, p. 125.
42
Ora, se sabemos que a economia é fluida e que os seus fatores (como o câmbio, oferta e
demanda) são variáveis, é importante que o Estado tenha mecanismos de autoajuste e saiba
combater de forma rápida e eficaz algumas distorções. Essa concepção do Direito Econômico
se mostrou útil para qualquer modelo da sociedade moderna, não devendo essa matéria ser
apresentada tão somente como um “modelo jurídico antiliberal”, conforme indicado por
Washington Peluso64
.
Essa intervenção, todavia, só será permitida em casos excepcionais, seja para
cumprir os imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo. É justamente
dessa excepcionalidade que advém o princípio da subsidiariedade. Esse princípio está
diretamente relacionado à ideia de que, ao Estado, só cabe agir na economia quando a ele for
imperativo complementar ou suplementar onde há distorções.
Veja-se que para José Alfredo de Oliveira Baracho65
, o princípio da subsidiariedade
se aplica também no direito econômico, pois apesar dele sugerir normalmente um papel de
suplência, para a economia ele pode ser interpretado como meio de “conter ou restringir a
intervenção do Estado”.
Sendo assim, a permissão contida no Art. 173, caput, dá azo para que a intervenção
ocorra em duas circunstâncias principais: quando imperativo para a segurança nacional e
quando houve interesse coletivo. É bem verdade que essas duas expressões não possuem
definição muito clara, o que acaba tornando a análise do caso mais subjetiva e aberta. Apesar
disso, é válido tentar compreendê-las em certa medida.
O imperativo de segurança nacional está normalmente relacionado à própria defesa
do território nacional e dos planos estratégicos de um país. Para Alvacir Nicz66
, requer-se que
algumas iniciativas não estejam concentradas nas mãos de particulares, como é o caso do
petróleo e da energia atômica, pois além de possuírem alto potencial bélico, são importantes
para a independência econômica da nação.
O interesse coletivo, por sua vez, está muito mais relacionado à própria vida em
sociedade. Isso porque o interesse individual nem sempre merece prevalecer, sendo muito
mais útil que se valorize a vontade implícita da maioria, representada na soma de vários
interesses individuais – e normalmente defendida pelo Estado.
64
SOUZA, Washington Peluso Albino de; CLARK, Giovani. Direito Econômico e a Ação Estatal na Pós-
modernidade. São Paulo: LTR, 2011, p. 25. 65
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Princípio de Subsidiariedade: Conceito e Evolução. Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 35, p.13-52, 1995. 66
NICZ, 1981, p. 114 apud TAVARES, 2011, p. 279.
43
Nesse caso, a intervenção poderá assumir dois diferentes meios: a direta e a indireta.
Cada uma delas com suas particularidades e suas especificidades, conforme se pretende
apresenta-las no tópico a seguir. Inicialmente, se introduzirá de que forma a Administração
Pública pode intervir diretamente na economia, para só então dissecar melhor as modalidades
de intervenção indireta.
4.2 A Intervenção Direta do Estado no Domínio Econômico: o Estado Empresário
Em determinadas circunstâncias, o Estado pode perceber que um setor econômico
está em dificuldade, se vendo, assim, obrigado a absorvê-lo ou ajudá-lo, por meio da criação
de uma Estatal. Nessa conjuntura, entende-se que o Estado precisará imergir completamente
nesse setor econômico, tomando para si a função empresária.
Diante desse panorama, Eros Grau67
aponta que, ao assumir uma intervenção direta,
o Estado estará intervindo no domínio econômico por meio de uma dessas duas modalidades:
absorção ou participação.
Será considerada a absorção caso o setor econômico esteja completamente
descoberto, sendo necessário que o Estado assuma uma função de monopólio e supra as
necessidades do mercado. Por sua vez, a dita participação ocorre quando, mesmo já havendo a
livre iniciativa de particulares para determinada área, a demanda não esteja sendo suprida,
fazendo crer que o Estado precisará ajudar essas empresas a dar vazão ao mercado, por meio
de suas estatais.
Em ambos os casos, a Administração age no campo econômico em sentindo estrito,
ou seja, assume uma posição de frente e figura como um dos agentes econômicos principais,
dando ação ao ciclo econômico. Essa tarefa não cabe somente à União. Quando evocado, o
dito “exploração direta da atividade econômica pelo Estado abrange todas as entidades
estatais (União, Estados, Distrito Federal e Município)”, conforme desenha o
constitucionalista José Afonso da Silva68
.
Não de pode olvidar, contudo, que existem algumas “atividades reputadas como de
alta relevância nacional e social”69
que, por sua natureza, implicam num modelo irrenunciável
de monopólio. Por muitas décadas esse caso se aplicou ao petróleo nacional, que chegou a ser
expresso na redação da Constituição Federal de 1967, Art. 162, segundo o qual a pesquisa e a
67
Ibid., p. 147. 68
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
804. 69
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 281
44
lavra do petróleo seriam monopólio da União70
. Outro caso célebre é o manuseio de minérios
nucleares.
Essa concentração é, por muitas vezes, justificada, mas pode sofrer algum tipo de
flexibilização, a depender, especialmente, das necessidades de mercado e do momento vivido
pela nação.
Essa discussão é particularmente recente, se considerarmos que hoje o Brasil
experimenta um momento particularmente interessante em relação à abertura de exploração
do Pré-sal para o mercado externo. Ao leiloar algumas bacias de petróleo na região do pré-
sal71
, o Governo Federal desobriga a Petrobrás a explorar áreas estrategicamente pouco
vantajosas para a empresa, possibilitando que a petroleira consiga potencializar sua eficiência
e produção. Por outro lado, com a concessão das demais áreas, o Estado consegue arrecadar
bons capitais externos – bastante convenientes para o momento fiscal em que vivemos.
Ainda assim, é importante citar a Petrobrás como exemplo, porque essa empresa tem
se mostrado nos últimos tempos especialmente autônoma. Essa característica é, inclusive, um
dos centros de discussão, porque nos remete à distinção entre a Administração direta e
indireta.
Pois bem, ao longo de seu tempo, a Administração Pública percebeu que não era tão
vantajoso centralizar em si todo o poder e responsabilidade de seus órgãos. Eventualmente,
portanto, passou a criar novas pessoas jurídicas, com o objetivo de distribuir a elas suas
competências.
Para Di Pietro72
, esse fenômeno é chamado de descentralização e resume os casos em
que a Administração distribui competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica. Com
esse fenômeno jurídico que se dá vida às quatro espécies da administração indireta:
autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Dessas quatro, duas dela tem como função principal a participação no quadro
econômico, sejam elas: as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A definição
jurídica de cada uma delas encontra respaldo no Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967:
Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:
[...]
70
Idem. 71
BRASIL. Pré-Sal: 2ª e 3ª Rodadas arrecadam R$ 6,15 bilhões. 2017. Disponível em: <goo.gl/WLd7XW>.
Acesso em: 02 out. 2017. 72
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2015, p. 516.
45
II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado,
com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a
exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de
contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das
formas admitidas em direito.
III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de
direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma
de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à
União ou a entidade da Administração Indireta.
[...]
Nessa toada, podemos usar como exemplo os dois maiores bancos nacionais: a Caixa
Econômica Federal e o Banco do Brasil. Enquanto a primeira é uma empresa pública, cujos
recursos advêm exclusivamente da União, o Banco do Brasil se mostra atualmente como uma
sociedade de economia mista, sob a forma de sociedade anônima.
Se fôssemos considerar a classificação feita por Eros Grau, trata-se de intervenção
direta em sua modalidade de participação, visto que ambos os bancos convivem
harmoniosamente com outros bancos privados.
A intervenção direta não é, contudo, a única forma de intervenção do Estado na
economia. Essa intervenção poderá ocorrer também na sua forma indireta, conforme será
explicado no tópico seguinte.
4.3 A Intervenção Indireta do Estado no Domínio Econômico
As experiências somadas ao longo do Século XX foram particularmente importantes
para o Estado. Por um lado, descobrimos que, algumas vezes, se torna imperioso intervir no
domínio econômico. Por outro, contudo, vimos que essa intervenção nem sempre precisa
ocorrer de forma direta, isto é, com o Estado realizando a função empresária.
Silveira Neto73
retrata que a nossa Constituição Federal tem conhecimento que num
mercado competitivo, os espaços econômicos são preenchidos naturalmente pela livre
concorrência. Além disso, o autor afirma que o Estado reconhece não ser um bom
administrador privado, pois jamais alcançaria um alto desempenho com a eficiência e rapidez
que o setor privado conseguiria. Essa realidade parece realmente lógica. Se o homem é o
73
SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A Instrumentalidade da atividade financeira do Estado como
indutora do desenvolvimento econômico – o papel dos incentivos fiscais na promoção da livre concorrência e
da livre iniciativa. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, n. 41, p.119-134, 2013. p. 131.
46
maximizador de seus interesses, terá plena vontade de ver o seu negócio dando seu mais alto
rendimento – panorama que nem sempre é visto na Administração Pública.
Essa lição abriu portas para que o Estado começasse a pensar em outros meios de
intervenção na economia, afinal é mais interessante e menos custosa que sua atuação
ocorresse de forma indireta. Ora, ao seu favor, o Estado concentra, dentre tantas funções, o
poder de polícia e a ação legiferante, que são fortes aliadas para uma intervenção bem
sucedida na economia. Assim, não há razão para que o Estado prefira criar uma estatal se
existem caminhos mais simplificados para corrigir uma falha de mercado.
É o caso, por exemplo, do Estado que assume as funções de agente normativo e
agente regulador da economia.
Quando estiver na função normativa, o Poder Público será o responsável por criar as
regras de funcionamento do mercado. Dentre outras coisas, ele estabelecerá quais os regimes
de exploração de determinado bem de consumo, de que forma ocorrerá a sua
conservação/venda ou qual o limite para determinada substância em sua composição.
Daí decorre, também, a criação de um marco legal para determinado seguimento
econômico – no Brasil, temos como exemplo a exploração do petróleo. Esse conjunto
normativo possibilita um ambiente de maior segurança jurídica para o mercado e torna o
investimento externo mais previsível, o que dá mais confiança ao investidor.
Por sua vez, quando assumir o papel regulador, o Estado agirá como organizador do
sistema econômico, impedindo que as diversas falhas de mercado ocorram.
Para esse caso, André Ramos Tavares74
aponta que o modelo regulador é o novo
formato de intervenção contemporânea, pois, por mais que o Estado tenha se afastado da
prestação econômica efetiva, este passou a regular e acertar, de longe, a conduta privada.
Esse panorama coloca a interferência direta em segundo plano, visto que ela deixa
de ser uma regra e passa a ser uma excepcionalidade75
do Estado, que passa a priorizar uma
atuação normativa e regulatória.
Logo, considerando essas duas concepções, o Poder Constituinte optou por indicar,
no próprio texto constitucional, por quais modalidades o Estado cumprirá o seu papel
normativo e regulador, conforme pode ser visto na redação do Art. 174, caput, da CRFB/88,
in verbis transcrito:
74
TAVARES, 2003, p. 289-290 apud PAVANI, 2013, p. 4. 75
PAVANI, Daniela Elias. Regulação e Agências Reguladoras no Direito Brasileiro. Revista Virtual da
AGU, [s. l], v. 132, n. 13, p.1-16, fev. 2013.
47
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
[...] 76
Cada uma dessas modalidades merece um estudo mais aprofundado, o que será feito
no subtópico a seguir, pois elas guardam em si diversas particularidades e discussões.
4.3.1 O Estado indutor da economia
A atuação do Estado deverá ocorrer sempre que um determinado segmento da
economia não esteja funcionando como o esperado. Nesse caso, para tentar corrigir essa
distorção, o ente estatal poderá se utilizar de sua função indutora e criar implementos para
tornar uma atividade econômica mais atraente.
Logo, a despeito da atividade continuar sendo exercida pela iniciativa privada, “os
benefícios e vantagens concedidos pelo Estado incidem na autonomia dos particulares,
guiando-a ao interesse público” 77
. Esse incentivo, porém, não pode ocorrer de tal forma que
impossibilite ou desequilibre a livre concorrência, isto é, “o benefício de um não pode
significar a derrocada de outros”, conforme aponta André Ramos Tavares78
.
Em verdade, esse tipo de intervenção deve ocorrer por meio de regras instrumentais,
que, ao interferirem indiretamente na economia, poderão incentivar ou desincentivar uma
determinada prática79
. Trata-se de um estímulo que favoreça o desenvolvimento de um
segmento ou prática econômica, da qual proverá o seu melhor e mais adequado resultado80
.
O papel exercido por esse incentivo econômico já foi palco de discussão, inclusive,
no plenário do Supremo Tribunal Federal, quando o Ex.º Ministro Relator Eros Grau proferiu
o seu voto na ADI 3512, responsável por julgar a constitucionalidade da Lei Estadual
7.737/2004, do Espírito Santo:
Quando o faz, por indução, o Estado manipula os instrumentos de intervenção em
consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.
76
Idem. 77
Ibid., p. 308. 78
Idem. 79
SILVA, Bruno Mattos e. Limites Constitucionais à Ação Estatal na Economia. In: SENADO
FEDERAL. Constituição de 1988: O Brasil 20 Anos Depois - Estado e Economia em Vinte Anos de Mudanças.
4. ed. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, 2008, p. 12. 80
NASCIMENTO, 1989, p. 34 apud TAVARES, 2011, p. 308.
48
No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos com preceitos que,
embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que
afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não,
contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção de
Modesto Carvalhosa (Considerações sobre Direito Econômico, tese, São Paulo,
1971, pág. 304) no de “leva-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social
que transcende os limites do querer individual”. Nelas, a sanção, tradicionalmente
manifestada como comando, é substituída pelo expediente do convite – ou, como
averba Washington Peluso Albino de Souza (Direito Econômico, Saraiva, São
Paulo, 1980, pág. 122) – de “incitações, dos estímulos, dos incentivos, de toda
ordem, oferecidos, pela lei, a quem participe de determinada atividade de interesse
geral e patrocinada, ou não, pelo Estado”. Ao destinatário da norma resta aberta a
alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à prescrição nela
veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto resultará juridicamente vinculado
por prescrições que correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência dessa
adesão. Penetramos, aí, o universo do direito premial81
.
Não se pode olvidar, sobretudo, que essa função de incentivo se relaciona
diretamente com o Art. 170, VII, da CRFB/88, segundo o qual a ordem econômica buscará a
redução de desigualdades regionais e sociais de nosso país.
Pois bem, é verdade que a evolução histórica do Brasil e o nosso desenvolvimento
socioeconômico resultaram na concentração de riquezas em alguns polos industriais,
notadamente as regiões Sul e Sudeste. Para driblar essa distorção, os Estados brasileiros
passaram a adotar uma política de incentivo fiscal, tornando o seu território mais atraente para
a fixação de fábricas e polos industriais.
Essa prática, contudo, vem gerando um ambiente de desconforto entre as unidades
federativas, que hoje não só competem entre si para sedear determinadas empresas, como
também vivem uma chamada guerra fiscal. A arma principal, claro, é o ICSM – imposto sobre
circulação de mercadorias e prestação de serviços – que é de competência estadual e a
principal moeda de barganha entre os Estados82
.
Merece lembrança, inclusive, que medida semelhante já foi tomada pela União
quando instituiu a Zona Franca de Manaus por meio do Decreto-Lei 288/1967, o qual
impulsiona o desenvolvimento econômico da Amazônia Ocidental. A título de informação,
81
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3512/ES. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min.
Eros Grau. Brasília, 15 de fevereiro de 2006. Disponível em: < https://goo.gl/sR1tEz>. Acesso em 20 out. 2017. 82
VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem Ganha e Quem Perde. Brasília: IPEA, Julho/1997
(Texto para Discussão nº 500). Disponível em: <https://goo.gl/m3dVNQ>. Acesso em: 20 set. 2017.
49
para as empresas que desejem se instalar na região, por exemplo, há uma redução de até 88%
do imposto de importação (II) sobre os insumos destinados à industrialização; isenção de
imposto sobre produtos industrializados (IPI); redução de 75% de imposto de renda para
pessoa jurídica e restituição parcial ou total do ICMS83
.
Outro exemplo de incentivo capitaneado pelo Poder Público são os subsídios dados a
determinado seguimento econômico. Nesse caso, o interesse da Administração não está
alicerçado no desenvolvimento econômico de determinada região, mas sim em melhorar a
competitividade de um determinado produto nacional, barrando, assim, as importações e
aumentando as exportações. É uma típica prática protecionista, a qual tem sido combatida
com bastante afinco pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em caso recente, essa Organização decidiu, inclusive, em favor do Brasil, ao
condenar as barreiras impostas pelos Estados Unidos ao suco de laranja aqui produzido. Isso
mostra que o estímulo dado pelo Estado a determinada área econômica poder ser até mesmo
exagerado, causando óbices ao livre mercado (interno e externo) e prejudicando diretamente o
consumidor.
Ao implementar essas medidas, então, o Estado precisa ser cauteloso e não
personalizar o incentivo, pois poderia estar favorecendo um único grupo industrial em
detrimento dos demais. Se assim for, a atuação estatal em nada estará contribuindo para
corrigir as distorções de mercado, mas sim as agravando, pois estará na contramão da livre
concorrência e do livre mercado.
No mais, ao tratar esse assunto, sabe-se, com muita clareza, que dentre os princípios
que regem a Administração Pública está o da impessoalidade. Esse princípio se traduz, nas
palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, na qualidade da Administração de “tratar a
todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas, [visto que] simpatias
ou animosidades pessoais [...] não podem interferir na [sua] atuação administrativa” 84
.
4.3.2 O Estado e o planejamento econômico
A ideia de planejamento deriva de um processo de racionalização da ciência
econômica. Esse momento coincide justamente com o advento das ideias liberais
desenvolvidas por Adam Smith, que sistematizou, pela primeira vez, a economia.
83
BRASIL. Modelo Zona Franca: Incentivos. 2017. Disponível em: < https://goo.gl/cdzCNe >. Acesso em: 02
nov. 2017. 84
MELLO, 2011 apud BARRETO, 2014.
50
O planejamento em si, porém, surge apenas no início do século XX, “como forma de
imprimir ao mercado um direcionamento diverso daquele que o regeria se deixado às suas
‘leis naturais’” 85
.
É compreensível, inclusive, que essas ideias tenham surgido na primeira metade do
século passado, especialmente em razão dos efeitos adversos deixados pela Grande Depressão
de 192986
. Naquele momento, a falha de mercado provocada pelos excessos da década de
ouro causou um descompasso tão significativo na economia, que se fez necessário repensar a
política econômica vigente na época.
Nesse caso, não bastava corrigir as distorções deixadas pelo liberalismo exacerbado,
era necessário um planejamento econômico capaz de impedir que uma crise como a de 29
voltasse a se repetir. Nesse panorama, apesar de sabermos que uma sociedade livre é muito
capaz de gerar riqueza, é sabido também que todo o capital gerado virá de forma desordenada.
Para se organizar e se desenvolver, então, é necessário que o Estado planeje as suas ações.
Assim, esse planejamento econômico surge para ordenar a economia. Seu propósito
principal seria o de criar “um conjunto de medidas previstas para a adoção corretiva dos
desequilíbrios estruturais, bem como os desvios conjunturais para uma determinada
economia” 87
.
Para André Ramos Tavares 88
, esse processo de planejamento envolve três fases,
quais sejam: a decisão de planejar, o plano em si e a implementação do plano. Naquele
primeiro momento, quando se decide planejar, é comum que o Poder Público primeiro faça
uma análise diagnóstica sobre o quadro econômico e, em seguida, proponha objetivos que
solucionem as distorções. Quando falamos do plano em si, estamos nos retratando ao
enquadramento concentro da decisão, enquanto que a implementação é o momento em que
serão realizados os objetivos e, claro, os resultados começarão a ser percebidos.
Merece destaque, todavia, que o planejamento se dá de forma determinada apenas
para o setor público, sendo ele meramente indicativo para o setor privado. Essa previsão
normativa constante no Art. 174, caput, da CRFB/88, teve como objetivo principal garantir a
liberdade de atuação e decisão das empresas privadas. Embora os particulares ainda estejam
subordinados às regras de fiscalização e incentivo emitidas pelo Estado, certamente eles não
estão vinculados a todas as normas expedidas pelo Poder Público. Isso ocorre justamente para
85
Idem. 86
Conhecida crise econômica vivida pelos Estados Unidos da América após a quebra da Bolsa de Valores de
Nova York, em 1929. 87
Conceito formulado a partir dos ensinamentos do Professor Raimundo Bezerra Falcão, da Universidade
Federal do Ceará. 88
Ibid., p. 310.
51
que o Estado não tenha em suas mãos o poderio necessário para engessar a economia e
planificá-la.
Adentrada essa discussão, é imperioso ressaltar que existe uma diferença substancial
entre o planejamento econômico e a planificação. Enquanto o primeiro tem por objetivo
adotar medidas corretivas no reajuste econômico, a planificação se assemelha mais aos casos
de planejamento compulsório, impositivo – modelo escolhido pela antiga União Soviética.
Nesse último caso, a produção é prévia e racionalmente planejada por especialistas, de modo
que não haja escassez ou excesso de determinado produto, mantendo-se um preço fixo para
cada produto.
Esse tipo de intervenção, contudo, deixa o seu caráter indireto para se aproximar
muito mais a uma intervenção direta, visto que o Estado passa a tomar conta de todos os
meios de produção.
De qualquer forma, ainda falando sobre o planejamento na ordem econômica
brasileira, não se pode olvidar que o Art. 182 da Constituição Federal de 1988 tem ampla
relação com o planejamento econômico. Em verdade, apesar de sua redação ser muita mais
voltada ao próprio indicativo de planejamento urbano, sabe-se que uma cidade bem
estruturada extrai de si o seu melhor rendimento. Basta que haja um bom funcionamento dos
meios de transporte, indústrias bem amparadas para o escoamento de sua produção e uma
infraestrutura bem delineada.
Assim, é fácil perceber que, quando bem planejada, a economia, ou qualquer outra
ciência próxima, terá melhores condições para seu desenvolvimento, estando ela muito mais
preparada para enfrentar determinadas distorções ou eventuais gargalos.
4.3.3 O Estado Fiscalizador
A modalidade fiscalizatória de intervenção estatal no domínio econômico é digna de
uma atenção especial para este trabalho. Isso ocorre porque esse meio de intervenção indireto
se relaciona diretamente com o objeto de estudo, isto é, a “Operação Carne Fraca”.
Eis que, em certa medida, a maioria das irregularidades verificadas durante a
supramencionada operação ocorreu em razão de um desvio de conduta de alguns fiscais
agropecuários, que certamente não cumpriram com excelência o trabalho a eles designado.
52
Pois bem, no exercício de sua função fiscalizadora, cabe ao Estado controlar a
juridicidade dos atos realizados por agentes econômicos89
, manifestando-se como um agente
regulador90
. No caso, ele analisará se há correspondência entre o que é normalmente praticado
pelo empresariado e as normas do nosso ordenamento econômico. Essa atividade é
especialmente importante porque é o freio dado pelo Poder Público à atividade empresarial –
é o momento em que a vontade do particular passa a ser modulada pelos interesses coletivos,
ouse já, aqueles que estão impressos na norma legal.
No mais, a fiscalização estatal é o principal aliado na boa prestação de serviços e
produtos ao consumidor. Este, cuja hipossuficiência é latente, jamais poderia ter condições de
averiguar se a produção de determinado bem cumpre os padrões legais ou se aquela
determinada empresa tem cumprindo um plano de produção sustentável/ecológico.
Ora, não é difícil imaginar que um empresário tenha pleno interesse na maximização
dos seus lucros. Esse objetivo, contudo, não pode ser alcançando a troco de uma péssima
prestação de serviços. Não seria razoável aceitar que o empresariado tentasse aumentar tanto a
sua margem de lucro, que sequer se importasse com a vida útil dos bens produzidos ou com o
seu padrão de segurança. Sendo assim, a fiscalização pública ajuda a impor limites à própria
atuação de particulares, que, no afã de alargar seus interesses financeiros, poderiam colocar
no mercado produtos e serviços que fossem indesejáveis ao interesse e à saúde pública.
Muito provavelmente dessa lógica advém uma célebre anotação feita por Eros
Grau91
, segundo o qual “o direito moderno é o instrumento de que se vale o Estado para
defender o capitalismo dos capitalistas”. Com efeito, somente no exercício dessas normas que
o sistema econômico poderá perpetuar o seu caráter sustentável, pois, ao contrário, os agentes
econômicos serão os responsáveis por sua própria implosão.
Essa temática coloca em oposição dois dos principais pontos de convergência do
Direito Administrativo moderno: as liberdades individuais e a autoridade exercida pela
Administração Pública. Nesse passo, ao tempo que o particular pretende exercer com
plenitude os seus direitos individuais, a Administração Pública precisa condicionar tal
exercício ao bem-estar coletivo 92
.
89
Ibid., p. 304. 90
Anote-se que há distinção conceitual entre o que entendemos por regulação e regulamentação. Enquanto a
regulação está muito mais relacionada ao estudo do Direito econômico, visto que o Estado cumpre um papel de
ordenador da economia, a regulamentação é matéria estudada pelo Direito Administrativo e decorrente do Art.
84 da CRFB/88, segundo o qual o Poder Executivo detém o poder regulamentar para publicar Decretos que
esclareçam a Lei. 91
GRAU, Eros Roberto. Direito Posto e Pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 132. 92
Ibid., p. 155. 155 2014
53
Para Zanobini93
, essa oposição enfrentada entre a vontade do particular e o dever da
Administração não parece ser incompreensível, visto que “a ideia de limite surge do próprio
conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também
juridicamente limitado”.
Logo, percebe-se que o próprio poder fiscalizatório detido pelo Estado, por muitas
vezes, se materializa no exercício de poder de polícia ostentado pela Administração, cujo
significado, segundo desenha Di Pietro 94
, nada mais é do que a “atividade do Estado
consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.
O exercício desse poder de polícia, contudo, pressupõe que o Estado anteriormente
tenha cumprido o seu papel de agente normativo, conforme aponta Santos Júnior95
. Tal
assertiva é verdadeira porque a normatização é justamente o instrumento capaz de estabelecer
os limites e parâmetros da atividade fiscalizatória. Sem ela, não haveria segurança jurídica e o
Estado poderia atuar a seu bel prazer, cometendo qualquer tipo de arbitragem que julgasse
necessária.
Assim, a norma deve ser pública e bem conhecida, pois é na publicidade que os atos
administrativos passam a ter alguma eficácia. Quando não conhecidos, inclusive, esses atos e
normas gerais perdem um pouco de sua efetividade, porque o seu descumprimento, embora
nem sempre desejado pelo particular, se torna automático.
Uma boa referência para entender o descumprimento de uma norma pelo seu
desconhecimento é o local proibido de se estacionar. Caso não haja uma placa indicando tal
proibição, não se pode exigir que o particular a cumpra, pois a ele não recai o dever de saber a
existência de um ato administrativo não publicizado.
Na vigência da norma, agirá a Administração, cuja atuação será chamada quando
imprescindível para garantia do interesse público. Se o administrador extrapolar essa medida,
estará cometendo abuso, mesmo porque há poder pelo simples poder.
Esse instrumento de controle demonstrado pela Administração possui duas formas de
exercício: a vinculada e discricionária. Quando o ato administrativo for vinculado, este
obedecerá objetivamente todos os elementos constantes na lei, sem dar ao administrador
qualquer margem de escolha96
. O mesmo não ocorre, porém, no exercício discricionário de
93
ZANOBINI, 1968, p. 191 apud DI PIETRO, 2014, p. 155. 94
Ibid., p. 158. 95
SANTOS JUNIOR, Althair Ferreira dos. Intervenção estatal sobre o domínio econômico: fiscalização,
incentivo e planejamento. Revista de Direito Público, Londrina, v. 3, n. 3, p.244-264, set. 2008. Quadrimestral.
p. 258. 96
CAVALCANTI, Rodrigo. Ato administrativo: discricionariedade x vinculação. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, VI, n. 13, maio 2003. Disponível em: <https://goo.gl/aScgDQ>. Acesso em nov 2017.
54
um ato administrativo. Diferente do primeiro caso, o administrador terá uma margem de
escolha, poderá definir com base nos seus critérios de oportunidade e conveniência97
. Não se
trata de uma escolha arbitrária, mas sim na margem da lei.
O poder de polícia, contudo, poderá, a um só tempo, assumir qualidades vinculadas
ou discricionárias, a depender do caso. É importante notar que, no exercício desse poder
administrativo, o Estado estará restringindo liberdades individuais, bem como o uso, gozo e
disposição da propriedade. Essas garantias são de tamanha importância, que devem ser
resguardadas que qualquer arbitrariedade. Sendo assim, é preferível dizer que a limitação
dessas liberdades ocorre sempre dentro dos ditames legais e constitucionais – o que
aproximaria o poder de polícia de um ato vinculado.
Ocorre, contudo, que o ato administrativo tomado pelo Estado, especialmente nos
casos em comento, de fiscalização, sempre levarão em consideração o caso concreto. Análise
da situação in loco, respeito às normas legais, observância de parâmetros internacionais etc.
Nesse caso, certamente a Administração terá uma margem de escolha, análise do caso, para só
então aplicar ou não determinada sanção administrativa.
Ora, ao se falar de sanção, não se poderia deixar de falar, também, dos reconhecidos
atributos pertencentes ao poder de polícia. Este, além de imperativo, poderá ser coercível e
autoexecutável. Será imperativo na medida em que a Administração pode impor determinada
obrigatoriedade aos seus atos. Será coercível porque ela poderá fazer uso de meios indiretos
de coerção, como a multa (que é um dos principais desincentivos ao descumprimento da
norma). E, também, poderá ser autoexecutável – motivado pela urgência ou por previsão legal
–, se a Administração for capaz de usar meios diretos para sanar a irregularidade.
O exercício do poder de polícia, entretanto, nem sempre estará concentrado apenas
nas mãos da Administração Pública Direta. Embora este seja o cenário mais comum, esse
poder administrativo também poderá ser exercido, em certos casos, pela Administração
Pública Indireta.
Normalmente, trata-se de uma prerrogativa dada aos modelos atuais de autarquias,
que representam, hoje, os principais sujeitos fiscalizatórios da Administração descentralizada.
Essa espécie de pessoa jurídica pode ser definida como uma entidade de serviço
autônomo, instituída por lei, a qual possui sua própria personalidade jurídica, patrimônio e
receita para a execução de atividades normalmente desenvolvidas pela Administração Pública,
conforme o Art. 5º, I, do Decreto-lei nº 200/67.
97
Idem.
55
A autonomia da autarquia comum, todavia, está sujeita ao controle de sua função
finalística, o que normalmente a vincula a algum órgão da Administração direta. A princípio,
esta relação não resultaria em comprometimento de sua independência. Contudo, com o
passar do tempo, a intervenção feita pela administração foi cada vez mais direta, o que acabou
por criar óbices ao bom funcionamento dessas pessoas jurídicas.
Para escapar desse gargalo, então, foram criadas as autarquias sob regime especial,
“que se distinguem da autarquia comum apenas por lhe conferir a lei maiores privilégios, de
modo a ampliar a sua autonomia e possibilitar o cumprimento adequado de suas
finalidades”98
. São bons exemplos desse tipo de autarquia: as agências reguladoras99
, o Banco
Central e os conselhos profissionais.
As agências reguladoras podem ser consideradas como novíssimos agentes de
controle estatal, cuja influência e autoridade estão delimitadas na sua própria esfera de
competência100
. Elas nada mais são do que entidades governamentais cujo propósito principal
é fiscalizar, controlar e regular os produtos e serviços de interesse público101
, atuando em
variados setores estratégicos, tais como: telecomunicações (ANATEL), serviço de saúde
suplementar (ANS), aviação civil (ANAC), energia elétrica (ANEEL) etc.
O papel fiscalizatório desenvolvido por essas agências reguladoras são, em verdade,
um grande benefício ao mercado, pois são elas as responsáveis por estabelecer as regras de
funcionamento para o setor – que, normalmente, são bastante adequadas, tendo em vista a alta
especialidade em que a agência reguladora se encontra. Nesse contexto, a gestão deixa de ser
política para se torna técnica, o que torna adequada e previsível a atuação fiscalizatória.
O Banco central exerce papel semelhante na ordem econômica brasileira102
. Embora
essa entidade não seja considerada como uma agência reguladora, seu caráter suis generis
acaba por aproximá-lo dessa espécie de autarquia, cujo serviço a ser fiscalizado e regulado é a
própria moeda do país.
Os conselhos profissionais, por sua vez, também são reconhecidos como autarquias
sob regime especial. Isso porque, embora não exerçam qualquer serviço público, os conselhos
98
AZEVEDO, Eurico de Andrade. Agências reguladoras. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
213, p. 141, jul./set. 1998. 99
PINHEIRO, Ivan Antônio; MOTTA, Paulo Cesar Delayti. A condição de autarquia especial das agências
reguladoras e das agências executivas e as expectativas sobre a qualidade da sua gestão. RAP, Rio de Janeiro, v.
3, n. 36, p.459-483, maio 202. Bimestral. 100
PHILIPPE, 1996, p. 93 apud BUENO, 2015, p. 5. 101
IDEC. Conheça o papel das agências reguladoras. 2011. Disponível em: <https://goo.gl/XJ3U6K>. Acesso
em: 15 out. 2017. 102
VIOLIN, Tarso Cabral. Aspectos gerais das agências reguladoras no direito brasileiro. Revista Jus
Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 844, 25 out. 2005. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/7423>. Acesso em: 1 nov. 2017.
56
detêm poder de polícia. Nesse caso, jamais poderiam ser considerados como pessoas jurídicas
de direito privado, pois a elas não pode ser delegado poder de polícia, visto que se trata de
uma atribuição tipicamente estatal, conforme foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos
autos da ADI 1.717/DF103
.
Outra importante autarquia sob regime especial em funcionamento no nosso país é o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Este órgão surgiu em 1962104
com o
propósito de fiscalizar a gestão econômica e a contabilidade das empresas. Essa entidade,
todavia, se transformou com o tempo e hoje é o principal agente responsável na instrução e
apuração de infrações à ordem econômica, bem como fiscalizador dos atos de concentração e
conglomeração de empresas105
.
Essa atuação prometida pelo CADE é especialmente importante para garantir os
princípios do Direito Concorrencial. Sem ela, haverá a formação de monopólios ou
oligopólios que comprometam a livre concorrência, principal fator de melhora na eficiência
do mercado. Para isso, é necessário que o CADE participe no processo de formação de
estruturas de mercado, sob o pretexto de evitar fusões não benéficas para a sociedade.
No que concerne ao tema do trabalho, contudo, merece constar que a carne produzida
no Brasil é inspecionada no âmbito da própria Administração Direta, pelo chamado Serviço
de Inspeção Federal (SIF), vinculado ao Ministério da Agricultura. É justamente ele o
responsável pela averiguação da qualidade de todos os produtos de origem animal produzidos
em nosso país, seja ela comestível ou não, e destinados ao mercado interno ou externo106
. São
mais de cinco mil estabelecimentos de fiscalização por todo o país, todos sob supervisão do
Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal107
.
A relação entre a intervenção fiscalizatória do Estado e a Operação Carne Fraca será
desenhada com maior clareza em tópico próprio, visto que se trata de um tema central para o
presente trabalho.
103
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1717/DF. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min.
Sydney Sanches. Brasília, 07 de novembro de 2002. Disponível em: < https://goo.gl/XJ3U6K>. Acesso em 01
nov. 2017 104
BRASIL. Lei nº 4137, de 10 de setembro de 1962. Regula e Repressão Ao Abuso do Poder Econômico.
Revogada. 105
BRASIL. Histórico do CADE. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/agwufZ>. Acesso em: 03 nov. 2017. 106
BRASIL. Inspeção de Produtos de Origem Animal - DIPOA. Disponível em: <https://goo.gl/EPudJT>.
Acesso em: 01 nov. 2017. 107
Idem.
57
5 A CARNE FRACA E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO
ECONÔMICO
Certamente, este é o maior ponto de convergência entre os temas até aqui
trabalhados. É o momento de se fazer um paralelo entre a Operação “Carne Fraca” e a
intervenção do Estado no domínio econômico, especialmente no que diz respeito à sua
modalidade fiscalizatória.
Pois bem, quando anteriormente relacionamos a interação entre os variados agentes
econômicos, estávamos propondo, sobretudo, uma relação também entre os temas centrais do
trabalho. Veja que cada um desses agentes (empresa, famílias, mercado externo e Estado)
cumpre um papel no caso concreto analisado.
De um lado, têm-se as empresas, responsáveis por todo abatimento e processamento
dos produtos cárneos, ao passo que do outro, tem-se o mercado externo e as famílias
consumidoras. O Estado, ao seu tempo, permanece em outro plano, intervindo nessa relação
somente ao cumprir a sua função fiscalizadora.
Nessa senda, perde um pouco da relevância a análise da atividade indutora e de
planejamento do Estado, visto que, para este tema, elas se localizam em segundo plano. Seria
mais urgente, então, analisar qual foi o papel desempenhado pelo Estado brasileiro na
fiscalização do processamento da carne e quais medidas poderiam ter evitado a sua
adulteração, de modo que não fosse necessário sequer deflagrar tamanha operação policial.
Conforme já foi mencionado na seção anterior, o processo de fiscalização de
produtos de origem animal é realizado pelo Serviço de Inspeção Federal, vinculado ao
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Esse serviço é responsável por
registrar e aprovar os produtos cárneos, visando garantir o cumprimento de certificados
sanitários e tecnológicos tanto ao consumidor brasileiro108
quanto ao mercado externo.
Esse rigor fiscalizatório acaba assumindo uma dupla função: além de servir um
produto de qualidade aos consumidores brasileiros, também eleva o padrão de qualidade de
nossos produtos no mercado externo, possibilitando a eles uma melhor competitividade. Isso é
tão verdade, que o Brasil hoje exporta seus produtos para mais de 180 países, não podendo,
assim, haver falhas no seu serviço fiscalizatório.
Esse trabalho envolve diversos processos em operação, sejam eles: o registro do
estabelecimento produtores, a análise dos rótulos de produtos de origem animal, a emissão de
108
BRASIL. Serviço de Inspeção Federal (SIF). 2017. Disponível em: <https://goo.gl/EYdJke>. Acesso em:
01 nov. 2017.
58
certificados sanitários e os mapas estatísticos109
. É pelo SIF, também, que o Governo Federal
coordena e integra os serviços de fiscalização estaduais e municipais, conseguindo
harmonizar e unificar as ações e procedimentos de inspeção em todo o país110
.
Hodiernamente, inclusive, a norma responsável por disciplinar todo esse processo de
fiscalização é o Decreto 9.037/17, que regulamenta a Lei nº 1.283/50111
e a Lei nº 7.889/89112
– ambas relativas à inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal.
Essa norma cuida de alguns dos principais procedimentos realizados pelos
abatedouros, além de disciplinar a atuação do SIF durante todo o processo produtivo. Nela
consta que é necessária a presença de, pelo menos, um fiscal agropecuário (do quadro SIF)
para realizar os seguintes atos fiscalizatórios: i) inspecionar a chegada dos animais; ii)
inspecionar o procedimento post mortem (abate) e iii) realizar todo o controle de qualidade.
Se fizéssemos um recorte, os dispositivos a seguir seriam alguns dos mais
interessantes do Decreto 9.037/17113
:
Art. 85. O recebimento de animais para abate em qualquer dependência do
estabelecimento deve ser feita com prévio conhecimento do SIF.
[...]
Art. 102. Nenhum animal pode ser abatido sem autorização do SIF.
[...]
Art. 133. Durante os procedimentos de inspeção ante mortem e post mortem, o
julgamento dos casos não previstos neste Decreto fica a critério do SIF, que deve
direcionar suas ações principalmente para a preservação da inocuidade do produto,
da saúde pública e da saúde animal.
Parágrafo único. O SIF coletará material, sempre que necessário, e encaminhará
para análise laboratorial para confirmação diagnóstica.
Diante disso, e somando essa integração e eficiência, chega a ser até difícil acreditar
que o sistema tenha se esbarrado em tantos gargalos, possibilitando fraudes e adulterações tão
sérias nos frigoríficos que foram investigados na operação “Carne Fraca”.
109
BRASIL. Competências do SIF. 2017. Disponível em: <https://goo.gl/3zdefD>. Acesso em: 02 nov. 2017. 110
Idem. 111
BRASIL. Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950. Dispõe Sobre A Inspeção Industrial e Sanitária dos
Produtos de Origem Animal. Rio de Janeiro/RJ. 112
BRASIL. Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989. Dispõe Sobre Inspeção Sanitária e Industrial dos
Produtos de Origem Animal, e Dá Outras Providências. Brasília/DF. 113
BRASIL. Decreto nº 9013, de 29 de março de 2017. Regulamenta A Lei Nº 1.283, de 18 de Dezembro de
1950, e A Lei Nº 7.889, de 23 de Novembro de 1989, Que Dispõem Sobre A Inspeção Industrial e Sanitária
de Produtos de Origem Animal. Brasília/DF.
59
Ora, ao entrar nesse mérito, convém mencionar que talvez um dos principais
problemas enfrentados pela Administração Pública brasileira – especialmente quando
analisamos a sua ineficiência – é a falta de pessoal. A maioria dos órgãos e instituições
públicas enfrenta hoje um déficit razoável de funcionários, o que dificulta, sobremaneira, a
qualidade do serviço público prestado.
Da análise de números, percebe-se que o MAPA conta hoje com aproximadamente
11.000 fiscais e agentes sanitários, responsáveis pela fiscalização e controle dos 4.837
frigoríficos licenciados. Em rápida conta, pode-se aferir que, proporcionalmente, existe uma
média de 2,27 fiscais para cada frigorífico existente no país. Logo, se levarmos em
consideração que existem diferentes níveis de progressão para a carreira e que eventualmente
alguns desses funcionários estarão licenciados ou em período de férias, o número de fiscais
consegue ficar ainda menor – o que é motivo de alerta.
Em verdade, a contratação de novos funcionários para o quadro efetivo do MAPA já
era um pleito levantado na carreira fiscal agropecuária. Isso porque em agosto de 2016, sete
meses antes da operação “Carne Fraca”, o Sindicato Nacional dos Fiscais Federais
Agropecuários (ANFFA Sindical) já sinalizava a imperiosa necessidade de contratação de
novos funcionários. Para essa entidade sindical, o déficit existente não se limita apenas ao
número de pessoal, mas também à estrutura do Ministério, que é bastante falha114
.
Se tirarmos como exemplo o Estado do Rio Grande do Sul, este teve uma queda de
50% no número de seus fiscais entre 2008 a 2016115
, a qual foi motivada especialmente pela
aposentadoria de vários de seus servidores.
Esse, contudo, não é o único gargalo enfrentado pelo sistema fiscalizatório brasileiro.
Embora pareça um grande clichê, não há como desviar do fato de que o país ainda enfrenta
uma crise de corrupção nas mais diversas esferas do Poder Público. No caso da Carne Franca,
por exemplo, são 33 servidores investigados, que embora representem um número muito
baixo comparado ao número global de funcionários – menos de 0,3% –, são igualmente
responsáveis pelas adulterações ocorridas.
Ocorre que o combate à corrupção nem sempre é prática fácil. Não necessariamente
as vantagens oferecidas ao servidor público serão sempre financeiras. No caso em tela,
inclusive, muitos dos fiscais faziam vista grossa e recebiam como contraprestação apenas
produtos cárneos, e não necessariamente dinheiro.
114
ANFFA. Auditores fiscais federais agropecuários rebatem matéria divulgada pelo Mapa sobre
mudanças no serviço de inspeção. 2016. Disponível em: <https://goo.gl/j71pZ2>. Acesso em: 15 out. 2017. 115
G1. Em nove anos, número de fiscais do Mapa cai 50% em abatedouros do RS. Disponível em:
<https://goo.gl/1BCLcx>. Acesso em: 12 out. 2017.
60
A própria organização do Estado brasileiro toma precauções para que a corrupção
seja minimizada. Uma prática normalmente bem difundida é a valorização do auditor fiscal,
que ao receber um bom salário do Estado, fica menos propenso a ser corrompido. Só a título
de curiosidade, insta mencionar que o salário inicial de um Auditor Fiscal do MAPA, com
formação em medicina veterinária, possui remuneração inicial de R$ 14.584,71, conforme
edital publicado para a carreira em 21 de setembro de 2017116
.
Nesse caso, uma das medidas tomadas pelo Governo para tentar minimizar os casos
de corrupção entre fiscais do MAPA e empresas frigoríficas foi reformular o sistema de
sanções. Como já mencionado, o Decreto 9.037 foi publicado apenas alguns dias depois da
operação “Carne Fraca” e representou uma das principais medidas governamentais tomadas
depois do escândalo.
Assim, além de reformular algumas práticas fiscalizatórias, o Estado aumentou
também as punições previstas para aqueles que cometessem as infrações e crimes elencados
nos incisos do Art. 496, Decreto 9.037/17.
Na oportunidade, foi formulado um sistema semelhante ao que hoje é aplicado nas
infrações de trânsito, com uma progressão de infrações leves até gravíssimas.
Ademais, é importante mencionar que a mudança principal deve partir também nos
próprios meios de fiscalização adotados pelo SIF. Torna-se indispensável uma coleta mais
acentuada de amostras feitas no interior dos abatedouros, o que significa dizer que ao MAPA
precisa ser destinada uma boa estrutura, para que, assim, essas amostras sejam bem avaliadas
– com o máximo rigor e detalhamento.
Ora, se alguns frigoríficos adulteravam seus produtos, certamente, ou número de
amostras era insuficiente ou os números estavam sendo maquiados – problemas que exigem
diferentes soluções.
No caso da insuficiência de amostras, seria necessário um aumento do número de
fiscais e também um aumento no número de colheitas, que deveriam ocorrer com maior
frequência e em lotes aleatórios – tomando como exemplo a revista aleatória feita em
aeroportos.
A outro giro, no caso de as amostras estarem sendo maquiadas, algumas outras
soluções devem ser buscadas. Em primeiro lugar, é imperioso que haja uma troca frequente de
116
BRASIL. Instrução Normativa nº 35, de 11 de setembro de 2017. O Secretário de Defesa Agropecuária, no
Uso das Atribuições Que Lhe Conferem Os Artigos 18 e 53 do Anexo I do Decreto N.º 8.852, de 20 de
Setembro de 2016, Tendo em Vista O Disposto no Decreto N° 24.548, de 3 de Julho de 1934, no Decreto N°
5.741, de 30 de Março de 2006, e O Que Consta do Processo 21000.034234/2017-87, Resolve:. [s. l.]: Diário
Oficial da União, 21 set. 2017. n. 182, Seção 1, p. 16.
61
fiscais, para que estes não criem vínculos com os funcionários e estabelecimentos
investigados. Além disso, poderia ser criado um sistema de visita surpresa de um segundo ou
terceiro fiscal, que poderia realizar uma coleta comparativa entre os resultados dados pelo
fiscal fixo e o fiscal volante.
Por óbvio que, para todas essas medidas, se faz necessário melhorar a estrutura e o
número de pessoal em função do MAPA. Contudo, merece dizer que o trabalho desenvolvido
por esses profissionais tem um retorno direto para a sociedade, pois a eles assiste o cuidado de
toda proteína nacional, um dos itens mais presentes nas mesas dos brasileiros. Sendo assim, o
gasto em pessoal e estrutura do MAPA deve ser encarado muito mais como um investimento,
e, não, como uma despesa – de onde não proveria retorno.
De qualquer modo, além do aspecto fiscalizatório, delineado até aqui na presente
seção, a operação “Carne Fraca” se relaciona com o tema da intervenção estatal no domínio
econômico a partir de outro enfoque. Sabe-se muito bem que a ciência econômica e o
ordenamento jurídico possuem, atualmente, íntima relação. “O Estado não mais intervém no
sistema econômico, integra-o”, conforme aponta Fábio Nusdeo117
.
Nessa senda, a Economia e o Direito fazem, hoje, parte de um único sistema, regido
de forma racional e lógica. Esta é uma abordagem que pode ser reconhecida como parte da
Análise econômica do Direito – teoria desenvolvida nos Estados Unidos na década de 70.
A ideia parte do pressuposto de que o Direito (seja na sua forma legislativa ou
jurisprudencial) pode ser um importante aliado da economia no processo racional de busca do
interesse público. Esse campo de conhecimento, aponta Gico Júnior, tem o propósito de
“empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para
expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e
a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências” 118
.
Ainda nesse tema, não se pode olvidar que essa matéria ajuda a compreender umas
das mais importantes questões para a ordem econômica: o equilíbrio entre os interesses
capitalistas e os interesses da coletividade – especialmente no que diz respeito aos lucros e a
inocuidade dos produtos de mercado. Um interessante exemplo desenhado pela doutrina e que
117
NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p. 189. 118
GICO JÚNIOR, Ivo T.. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. Economic
Analysis Of Law Review, Brasília, v. 1, n. 1, p.7-33, jan. 2010. Semestral.
62
possui íntima semelhança com a “Carne Fraca” está posto no livro “Law and Economics”, dos
autores Robert Cooper e Thomas Ulen119
, conforme se escreve abaixo:
Imagine que um fabricante saiba que seu produto poderá causar algum dano à saúde
de seu consumidor. O quão seguro ele fará o seu produto? A resposta dependerá de
duas variantes: primeiro, o real custo da segurança, que dependerá, por sua vez, dos
gastos com planejamento e fabricação do produto; e, depois, “o custo implícito” de
arcar com sua responsabilidade civil, quando o fabricante causar dano a seus
consumidores. Responsabilidade civil é a sanção aplicada a quem causa dano a
outrem. O produtor precisará da ajuda de seus advogados para estimar o valor desse
“custo implícito”. Após obter a informação desejada, o fabricante vai comparar o
preço da segurança com o preço implícito do fato. Para maximizar os lucros, o
fabricante vai ajustar o custo do seu produto até que os seus gastos adicionais seja
igual ao custo implícito com incidentes120
. (tradução nossa)
Esse exemplo se assemelha muito bem ao ocorrido na operação “Carne Fraca”, pois
faz uma relação a segurança do produto e à própria segurança pública. Em simples termos, o
empresário tenderá a minimizar ao máximo os seus gastos com o produto, até que ele consiga
estabelecer um equilíbrio entre o que ele gasta com a melhora do seu produto e eventuais
gastos que ele venha a ter por multas administrativas e condenações judiciais. No premente
caso, quando a fiscalização não é efetiva e as condenações judiciais não representam altos
custos para a receita global da empresa, muito mais vale a ele permanecer adulterando um
produto do que se preocupar com a saúde pública.
Essa lógica, apesar de perversa, parte de uma análise racional dos fatos. Se o
capitalista é um maximizador dos seus interesses, ele tenderá a buscar o seu lucro a todo
custo, devendo o Estado regular esse comportamento, em prol do interesse coletivo.
Por essa razão que a análise econômica do Direito ganhou importância para a seara
do Direito econômico, pois com ela, o Estado poderá prever de que forma os agentes
econômicos vão reagir a determinadas mudanças legislativas.
119
COOPER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. 3. ed. Estados Unidos da América: Addison
Wesley Longman, Inc, 2000. p. 3. 120
“Suppose that a manufacturer knows that this product will sometimes injure consumers. How safe will he
make the product? The answer depends upon two costs: first, the actual cost of safety, which depends in tirn upn
facts about design and manufacture; and the “implicit price” of injuries to consumers imposed through the
manufacture’s legal liability. Liability is a sanction for injuring others. The producer will ween the help of layers
to estimate this implicit price. After obtaining the needed information, the producer will compare the cost of
safety and the implicit price of accidents. To maximize profits, the producer will adjust safety until the actual
cost of additional safety equals the implicit price of additional accidents”.
63
Todavia, sabe-se que esse instrumento é muito complexo e que ele pode funcionar
como uma via de mão dupla. Da mesma forma que o Direito poderá se apresentar tanto como
um agente facilitador, ajudando o Estado a prever as reações de mercado, o Direito, quando
age inesperadamente, poderá ter um efeito desestabilizante na economia. Veja que, como já
foi retratado, com a deflagração da operação “Carne Fraca”, houve uma resposta quase
imediata da comunidade internacional, o que resultou em diversos prejuízos para o mercado
agropecuário brasileiro.
Por uma falha de comunicação e por uma falha de transparência, os agentes
econômicos não conseguiam prever qual era a medida da investigação feita pela Polícia
Federal e quais eram as empresas envolvidas no escândalo, o que acabou por penalizar todo o
sistema cárneo e causou sérios prejuízos à economia brasileira.
Diante desses fatos, fica evidenciado que a operação “Carne Fraca” revelou uma
evidente falha no sistema fiscalizatório agropecuário brasileiro e, também, se mostrou como
um complexo episódio jurídico da atualidade, cujas implicações econômicas alcançaram
cifras bilionárias – lição que, certamente, foi aprendida pelo Judiciário brasileiro e pelas
demais instituições fiscalizatórias.
64
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista das conclusões tecidas ao longo deste trabalho, nota-se que a operação
policial em comento possui uma íntima relação com o Direito Econômico, podendo ela,
inclusive, ser estudada por múltiplas frentes.
Entender o vínculo entre esses dois temas facilita a compreensão dos fenômenos
econômicos e permite que o Estado relembre a sua irrenunciável missão de regular a
economia nacional.
Resta patente que o setor agropecuário representa, hoje, um dos principais pilares da
economia brasileira. Em proporção, esse setor representa 1/5 de todo o produto interno
nacional, valor que, dada a sua proporção, revela o cuidado e atenção que o Estado deve
dedicar a ele. Não é difícil imaginar, aliás, que os produtos agropecuários ganharam também
espaço e vez nas nossas exportações, fato facilmente vislumbrado a partir dos dados colhidos
neste trabalho junto ao Ministério da Indústria e Comércio Exterior.
Neste giro, cumpre ressaltar que a atividade fiscalizatória desenvolvida pela
Administração Pública tem um papel decisivo no equilíbrio de mercado, pois a ela recai o
dever de garantir o interesse público e a competitividade dos produtos nacionais.
Vejamos, inclusive, que o tema em tela aponta alguns gargalos ainda existentes nessa
atividade fiscalizatória, como é o caso da falta de infraestrutura estatal – com destaque no
baixo número de servidores contratados – e a corrupção. Ambas se repetem nos mais diversos
setores econômicos fiscalizados pelo Estado e parecem existir de uma forma quase
institucionalizada. Isso inclui o Serviço de Inspeção Federal (SIF), atualmente responsável
pela averiguação dos produtos cárneos brasileiros, indicando que, mesmo nos setores que a
fiscalização é internacionalmente bem reconhecida, ainda é possível haver algumas falhas e
descompassos no controle de qualidade.
O caso em tela exige, portanto, uma remodelação do sistema fiscalizatório
desenvolvido pelo Governo Federal. Este, apesar de não ser em todo falho, merece alguns
pequenos ajustes, como demonstrado no presente trabalho. Inicialmente, não se pode olvidar
que a atividade fiscalizatória só poderá ser bem desenvolvida se houver uma boa estruturação
para esta atividade. É necessário que o fiscal tenha boas condições e bons materiais para fazer
a colheita de amostras e que, na mesma medida, os laboratórios de inspeção sejam bem
aparelhados, podendo, assim, responder com precisão e rapidez as demandas a eles
destinadas.
65
O número de fiscais, como já mencionado, também não pode continuar sendo um
problema para o setor. A contratação de pessoal para a fiscalização da carne produzida no
Brasil deve ser encarada, antes de qualquer coisa, como um investimento e, não, um gasto,
como está sendo encarado pelo Ministério do Planejamento. Veja que um sistema
fiscalizatório bem estruturado serve, primeiramente, à garantia da saúde pública do nosso
povo. Se o produto posto em mercado tem melhor qualidade e foi submetido a um rígido
padrão de fiscalização, certamente ele estará apto ao consumo humano e não causará qualquer
enfermidade aos seus consumidores. As medidas paliativas e de prevenção adotadas pelo
Estado são sempre mais baratas se compararmos aos gastos desenvolvidos pelo Estado para o
tratamento de enfermidades já adquiridas pela população.
O Brasil também precisa enfrentar uma das principais espinhas em seu calo: a
corrupção. Não há como progredir num sistema democrático sem que a população respeite as
normas e haja eticamente. O Estado só é corrompido porque há particulares para corrompê-lo.
Não basta enrijecer o sistema punitivo estatal, é preciso se criar uma consciência coletiva que
nos leve a evoluir enquanto sociedade e coletividade. O prejuízo humano causado pela
corrupção já se mostrou nefasto e, também, incompatível com as nossas pretensões
republicanas, o que significa dizer que precisamos mudar esse quadro.
As saídas, contudo, não parecem ser fáceis. Seria necessário, sobretudo, focar na
educação básica, possibilitando que os futuros cidadãos brasileiros não tenham em si uma
formação meramente acadêmica, mas também moral. É nos primeiros anos de nossa vida que
formamos o nosso caráter e adquirimos nossos principais valores, razão pela qual, justamente
nesse momento escolar, é que devem ser destinados os maiores investimentos educacionais.
No dia que alcançarmos uma melhor politização e formação de nosso povo é que poderemos
crescer enquanto Nação.
Ademais, merece dizer que a atividade fiscalizatória desenvolvida pelo Estado não
poder estar concentrada num único ente federado. Não apenas a União pode arcar com os
ônus e deveres estatais. Os Estados e Municípios também devem assumir para si essas
responsabilidades, agindo de forma complementar ao trabalho desenvolvido pelo SIF. O que
se verifica, diante do trabalho, é que essa fiscalização sempre ocorreu de forma concentrada
nos órgãos federais, sendo muitas vezes esquecidas pelas demais esferas do Poder Público.
Essa divisão do trabalho é importante, inclusive, para combater a própria corrupção
mencionada acima. Em verdade, ao passo que fiscais de diferentes esferas estatais participam
no processo fiscalizatório, o particular terá menos oportunidade para corromper esses
66
servidores, pois não mais estará submetido à inspeção de uma instituição, mas de,
minimamente, três.
É por todas essas razões que o Estado precisa estar em constante renovação,
atualizando o seu meio fiscalizatório e, se possível, buscando sempre estar à frente do
particular – ou seja, jamais deixando que ele vá de encontro com o interesse público.
Note que as normas que regem determinado setor econômico, não por acaso, são de
observância obrigatória. Foi visto ao longo do trabalho que a preservação da saúde pública é
importante para garantir o bem estar social e serve à manutenção da própria qualidade do
produto, o que determinará a sua competitividade no mercado. Dessa lógica, Grau121
ressalta
caber ao Estado o papel de salvar “o capitalismo dos próprios capitalistas”. Essa máxima se
justifica porque, sem a intervenção estatal adequada no domínio econômico, as próprias
empresas irão boicotar os seus produtos, tentando aumentar a sua margem de lucro em
detrimento à saúde e bem estar do consumidor.
Nessa senda, evoca-se apontamento levantado por Salomão Filho, segundo o qual “as
organizações empresariais devem respeitar a pluralidade de interesses envolvidos pelos bens
comuns” 122
. Essa ideia parte do pressuposto de que, quando as empresas tiverem para si
direitos que lhe garantam a posse ou propriedade de determinados bens, devem ter em mente
os efeitos que tal utilização empresarial pode ter sobre a comunidade em que atuam.
Nesse mesmo sentido, insta mencionar que os Poderes Judiciário e Legislativo
precisam estar mais prontos para lidar com o sistema econômico. Isso porque, como já
apresentado no trabalho, não só o Poder Executivo assumirá esse papel. Em verdade, as
decisões judiciais podem inferir diretamente na economia. O próprio caso da operação “Carne
Fraca” serve de prova a isso. O impacto da operação teve grave repercussão econômica, fato
que poderia ter sido previsto com antecedência e, certamente minimizado. No mesmo passo, o
Poder Legislativo também precisa estar ciente que as alterações normativas que propõe
podem mudar substancialmente algum setor econômico – isso vale, inclusive, para a
conversão ou não das medidas provisórias editadas pelo Presidente da República, que em
certos casos, são medidas genuinamente econômicas.
Diante dessas considerações, lembre-se que o Estado jamais poderá se eximir de
cumprir a sua obrigação constitucional, cabendo a ele sempre intervir na economia na medida
do necessário.
121
Ibid., p. 132. 122
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulamentação da atividade empresarial para o desenvolvimento. Revista de
Estudios Brasileños, Madrid, v. 1, n. 1, p.45-54, jul. 2014. Semestral. p. 51.
67
Ora, pode-se dizer que o atual momento econômico vivido por nosso país revela a
possibilidade de uma convivência saudável – e comprovadamente necessária – entre o livre
mercado e a intervenção estatal. Cada um deles, em certa medida, existe para ponderar os
excessos do outro e permitir que haja um equilíbrio na ordem econômica, sem que voltemos a
viver novamente o terror de uma inversão de mercado.
Atente-se que na oportunidade em que a livre concorrência e o livre mercado forem
respeitados, conforme proposto por nossa Constituição, estes farão com que o poder
econômico transmita à sociedade a sua máxima eficiência, ainda que involuntariamente, o que
potencialmente expandirá o desenvolvimento da nação brasileira123
.
A operação “Carne Fraca”, portanto, representa um desafio ao povo tupiniquim, pois
revela, em que medida, precisaremos amadurecer as nossas instituições. É um interessante
exercício de rememoração, que nos retira da zona de conforto e nos impulsiona ao trilho do
desenvolvimento.
123
SILVEIRA NETO, Otacílio dos Santos. A intervenção direta do Estado no domínio econômico - Limites
constitucionais à atuação no mercado das empresas públicas. Revista de Direito Público da Economia, Belo
Horizonte, n. 43, p.157-173, 2013. p. 173.
68
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