Educaçs e Matematica n"50
Analisar o processo curricular passado Ã
sobretudo importante na medida em que pode
contribuir para perspectivar o futuro. Como evoluir de uma
pratica curricular fortemente centralizada
para uma concepçà mais descentralizada e
dinâmica O que deve ser hoje o currÃcul de
Matemátic do 1 O ao 1 2 O anos de escolaridade? Qual deverà ser hoje a
orientaçà unificadora do currÃculo
32
Os currÃculo de Matemática como tê evoluÃdo
Joana Porf'rio
Nos último tempos tem aumentado o debate em tomo das questõe ligadas ao curr'culo de Matemática Neste artigo, depois de uma breve introdu- à § i em que se procuram clarificar os diferentes significados com que tem sido usado o termo curr'culo, salien- tam-se algumas das principais carac- terÃstica dos currÃculo de Matemáti caportuguesesdesdeosanos50atà aos nossos dias. Finalmente, procura- se sintetizar o modo como, do ponto de vista curricular, os dados estã lançados
CurrÃculo que significados?
Ao longo dos tempos os currÃculo de Matemátic têm-s alterado de forma significativa. De uma forma geral podemos dizer que estas mudança reflectem, sobretudo, alteraçõ ao nÃve das necessidades de ordem social e polltica, ao nÃve da forma de encarar a Matemátic e ao nivel das teorias educativas. De facto, o desenvolvimento curricular é em primeiro lugar, fortemente influenciado pelo contexto social: principais problemas, necessidades e caracterÃs ticas. També a forma como se encara o que à importante em mate- mátic e quais as principais caracterÃs ticas da sua natureza influenciam a prioridade dos temas a incluir no currÃcul e a forma de os trabalhar. Finalmente, todo o conjunto de ideias ligadas ao modo como deve decorrer o processo de aprendizagem (como aprendem os alunos, qual o papel do professor e dos alunos, quais as estratégia que contribuem para facilitar a aprendizagem, ... 1. desem- penha també um importante papel na construçà dos cum'culos
Tanto os conteúdo currÃculare como o entendimento do que à um currÃcul tê mudado significativamente. Durante bastante tempo este foi identificado com o "programa", sendo constituido por conteúdo organiza- dos por temas, anos de escolaridade e/ou ciclos. Posteriormente surgem argumentos defendendo que os conteúdo e os método nã podem ser vistos isoladamente e que ambos sà podem ser planificados de forma adequadaquandosãoclaroso objectivos educacionais. em geral, e os da educaçà matemática em particular. D'Ambrósi (1994) ilustra esta forma de entender o cum'culo recorrendo a uma representaçà cartesiana tridimensional em que os eixos correspondem as trê dimen- sõe a considerar: objectivos (o), conteúdo (c) e método (m). Neste modelo, a cada "ponto" do currÃcul està associado um temo (0,c.m).
Mais recentemente tem-se defendido que o conceito de currÃcul deve estar intimamente ligado 6 forma de estruturar e desenvolver a prátic educativa. O currÃcul n io existe independentemente dos professores e dos alunos. Pelo contrário ele deverà ser entendido como o conjunto de experisncias de aprendizagem (basicamente organizadas pelo professor e que portanto reflectem a sua intervençà no que constitui o currÃculo e as actividades que os alunos desenvolvem (e que reflectem a intervençà do aluno no que à o currÃculo)
Procurando de alguma forma ultrapas- sar a questio do sentido a atribuir ao termo currÃculo e encarando-o como
' Este texto foi elaoofado a partir oe uma confer6ncia realizada no 1- Fbrum 'Maternatica qi.e oesafios7' organizado pela Csmara Municipa oe -ema e pe a APM em Aonl de 1997
EducaçS e Matemátic n"SO Novembro/Dezernbro de 1998
um processo continuo de decisã em que intervê diversos actores, vário autores estabelecem distinç'e entre diferentes nÃvei de currÃculo Por exemplo, o ICMI (1986) considera que, num primeiro nivel, temos as intençõ dos autores expressas nos documentos oficiais - o curr'culo enunciado. Num segundo nivel. temos o modo como as orientaçõ oficiais sã concretizadas - o curr'culo implementado. Finalmente. num terceiro nÃvel temos o que de facto os alunos aprendem - o curr'culo adquirido.
Tradiçà curricular portuguesa
mais concepçà mais descentralizada e dinâmica Tradicionalmente o professor tem sido encarado como consumidordo currÃculo Como evoluir para uma situaçà de maior intervençà curricular'?
Estamos sem dÅ“vid numa fase de mudanç ao nÃve curricular. Poderà pois ser importante conhecer o nosso passado em termos curriculares. As linhas que se seguem sã uma tentativa de ajuda neste sentido.
Os currÃculo de matemática breve incursã num passado recente
* f PROBLEMAS a) de iniciaçà Com os nossos livros fizemos 8 pa- cotes de 36 livros cada um. Queremos saber quantos livros em- pacotámos que operaçà devemos 1 fazer? Que nome tem nessa operaç' o numero de livros de cada oacote? Porquê E o númer de pacotes? Porquê Que nome se dà ao resultado? Efectue a operaçã Quantos livros empacotámos b) de verificaç' l0 - Num passeio escolar emprega- ram-se 14 camionetas e cada uma transDortou 26 alunos.
A nossa tradiçà tem-se baseado no lançament de reformas macro incidindo sobretudo ao nÃve das mudança dos conteúdo do currÃcul nacional. Lança uma reforma tem sido, em grande parte. entendido pelo Ministéri da Educaçà (ME) como uma mudanç por decreto. A atençà dada a aspectos como os da forma- çà e envolvimento dos professores, da avaliaçã da organizaçà da escola, da divulgaçà e produçà de diferentes tipos de materiais de apoio, tem sido pouco cuidada ou, quanto muito, bastante desarticulada. Embora professores e educadores venham criticando esta forma de encarar o curr'culo e o seu desenvolvimento sà recentemente o ME parece ter dado corpo a uma perspectiva mais global. De facto, em documentos publicados recentemente, reconhece-se que o currÃcul deve ser entendido como um projecto de promoçà de aprendiza- gens em que os professores devem participar activamente.
Mesmo a nÃve "oficial" a forma de entender o currÃcul parece estar a mudar. De uma atençà fortemente centrada no curr'culo enunciado nacional, começa a delinear-se processos de desenvolvimento curricular que tenham em conta o professor, as suas interpretaçõe os método que usa. os materiais que utiliza e as condiçõ particulares em que trabalha.
Como evoluir de uma prátic cumcu- lar fortemente centralizada para uma
A matemátic ck.sica
Situemo-nos nos anos 50 e principios dos anos 60. De uma forma geral, podemos dizer que se esperava que a escola proporcionasse aos jovens a formaçà necessári para se tomarem trabalhadores nos campos, nas fabricas ou nas lojas. Era sobretudo importante desenvolver, na generali- dade dos alunos, competência básica na leitura, na escrita e na aritmetica. Os estudos mais avança dos estavam destinados a um peque- no númer de alunos privilegiados para os quais se desenhavam. desde cedo, grandes possibilidades de virem a ocupar lugares de destaque ao nivel cultural, polÃtic ou económico
De uma forma geral as principais ideias relativas ao processo de ensino aprendizagem da matemátic pren- dem-se com uma visã do professor como algué que "explica a matéria que deve ser compreendida pelo aluno. Este, deve memorizar vário factos e fazer tantos exercicios quantos os necessário para dominar as técnica que lhe sã exigidas.
Os currÃculo de Matemátic sã essencialmente constituÃdo por uma listagem de conteúdo organizadas por anos e ciclos de escolaridade. c dado particular relevo ao domÃni de técnica rotineiras de cálcul e as caracterÃstica dedutivas da Matemáti ca (sobretudo realçada na geome- tria).
Vejamos o que se passava nos vário nÃvei de ensino.
kuantos alunos foram de excursio?
Quadro 1 Livro de texto da 2' clas- se, 1962
O programa do ensino Primári (decreto-lei no 42 994, 28 de Maio de 1960) estava organizado em dois grandes temas: Aritmétic e Geome- tria. Na parte final, incluÃda no subtÃtul Instruçóe eram apresenta- das algumas consideraçõ de carácte metodológico Os número e operaçõ eram o tema dominante e grande parte do ensino era virado para o domÃni de técnica de cálculo Saber "fazer contas" era fundamen- tal. Apó uma listagem de conteúdo ligados a aprendizagem dos número e das operaçõ aritmética elemen- tares aparece no programa de cada classe um item final de problemas ou problemas de aplicaçà destes conhecimentos, sobre o qual sã dadas as seguintes instruçóe
Os programas de todas as classes terminam com a rubrica "Proble- mas". Nã se trata de uma razã de ordem. Pelo contrário sempre o ensino da Aritmétic deve ser feito por meio de problemas convenien- temente preparados e oportuna- mente propostos.
(programa do Ensino Primário 1960)
Mas. se consultarmos os livros de texto da altura, à sobretudo realçad a ideia de que cada problema se resolve por meio de uma operaçà (nos problemas mais complicados mais do que uma operaçã e que resolver um
Educaçà e Matemátic n"50 Novembro/Dezembro de 1998
problema significa identificar qual a desenvolvimento do raciocÃnio a operaçà que se deve usar e efectua- valorizaçà da Históri da Matemática Ia. O exemplo apresentadono quadro Nos quadros 2, 3 e 4 transcrevem-se 1 à bastante esclarecedor. algumas dessas orientaçõe
^ l0 Ciclo (actuais 5' e 6 anos) \ Com o ensino da matemátic neste ciclo pretende-se que o aluno adquira o hábit de observar factos e generalizar resultados; de sistematizar e classificar as propriedades estabelecidas experimentalmente; e, sem deixar de estimular a curiosidade e o interesse, pretende-se ainda habituar a crianç a concentrar-se sobrea matéri em estudo, a executarcom ordemecuidadoasexperiênciasqu constituem o fundodesteensinoe a registarno seu livro ou no seu caderno, com métod e asseio e em linguagem adequada ao seu desenvolvimento mental. nã apenas as experiência em que tomou parte ou viu fazer no curso, mas també o que se pode inferir delas e esteja no âmbit do programa C...) Recomenda-se particularmente todo o cuidado com o rigor das definiç'e e com o modo de sistematizar e coordenar os conhecimentos que os alunos vã adquirindo por via experimental. E també indispensáve obrigá-lo a fixar determinadas propriedades e conceitos.
Y Quadro 2: Programa do Ensino Liceal, 1954
O estudo da Geometria, bem menos desenvolvido que o de Aritmética começav na 3' classe. Sobre este tema eram dadas as seguintes instruçóe
A geometria ... nã pode ser ensi- nada pelo métod que lheéprópri isto é dedutivamente. A isso se opõ o carácte elementar do pro- grama, por sua vez imposto pela idade dos alunos. Os processos a utilizar serã a observaçio a análi se e ainda a imaginaçà criadora das crianças (programadoEnsino Primário 1960)
Apó o Ensino Primário os alunos podiam optar por seguir o ensino liceal ou o ensino técnico este último com um carácte fortemente profissionalizante.
Quanto ao programa de Matemátic do Ensino Liceal (decreto-lei no 39 807, de 7 de Setembro de 1954). ele era essencialmente uma listagem de conteúdo a tratar em cada ano. No final desta listagem incluÃam-s algumas observaçõ para cada um dos ciclos (o 1' Ciclo correspondia ao 1 e 2' anos; o 2' ciclo correspondia aos 3'. 4' e 5' anos e o 3 O ciclo ao 6 e 7' anos). E interessante verificar que nestas observaç6e se focam aspec- tos que ainda hoje sã actuais: a importãnci da experimentaçã o
No entanto, à de realça que algumas destas boas intenç'e eram justificadas atravé de uma visã da Matemátic e da sua aprendizagem que hoje se contesta. O exemplo da geometria à elucidativo. De facto, o recurso a observaçã experimenta- çà e anális justificavam-se enquanto a idade dos alunos nã permitia o uso do métod pmprio da geometria: o dedutivo.
Serà també interessante verificar a forma como o currÃcul era interpreta- do nos compêndio aprovados oficialmente (livro único) E. se observarmos o compêndi de Z0 ano do liceu ( Io ciclo) nã se identifica, por exemplo, nenhum apelo a experimen- taçà por parte dos alunos. Cada propriedade a estudar era ilustrada com base num exemplo. Depois, a propriedade era enunciada e faziam-se
exercÃcio em que ela era aplicada. O exemplo da figura 1 ilustra a organiza- ç i geral seguida ao nÃve da prátic escolar:
1' -apresenta-se um desenho de um prisma recto e a sua planificaçã Define-se áre lateral e áre total:
2' - apresenta-se a conclusã de que a áre do prisma tem por medida o produto da medida do perÃmetr da base pela medida da aresta lateral;
3' - calcula-se, para o exemplo apresentado, a áre lateral;
4 - apresentam-se exercÃcio para calcular a áre lateral de diferentes prismas.
Ainda no campo da geometria, muitos se lembrarã da sucessã de teoremas e demonstraç'e que eram ensinados no 5- ano dos liceu. O tratamento formal era de tal forma vincado que poucos "viam" alguma coisa de geometria no espaço
Mas, a verdade à que ao longo de todo o ensino liceal. a grande ênfas se situava no domÃni de técnica de cálculo Ao cálcul numéric da aritmétic seguia-se o cálcul algébri co, as regras de derivaçã o cálcul com express'es trigonométrica e com logaritmos. As horas dedicadas a exercitar as técnica de cálculo resolvendo os exercÃcio do "Palma Femandes" (figura 2). fazem ainda parte da memóri de alguns de nós
Apesar de o ensino ser fortemente orientado para o domÃni de técnica de cálculo tanto em Portugal como noutros paÃses o ensino da matemáti ca era contestado oor se identificarem poucas competência nos alunos, precisamente ao nÃve do domÃni do
2' Ciclo (actuais 7' € e 9 anos) -^s
Na organizaçãodes programa teve-se em vista que0 papel formativo da geometria supera, e muito, o da álgebra O rigore o sentido lógic das demonstraç'e de geometria elementardio aos alunos hábito de precisã de ideias e de linguagem, permitindo-lhes aplicar com êxit o raciocÃni lógico-dedutiv nã sà a outras ciência como a questõe da vida real. O professor deve acautelar os alunos, por meio de exemplos adequados, contra os perigosda intuiçi3osensÃveledaverificaçãoexperime usadas no lociclo. levando-
(os deste modo a criar no espÃrit a necessidade da demonstraçà lógica
Quadro 3: Programa do Ensino Liceal. 1954
Educaçà e MatemAtica n"50 Novembro/Dezembro de 1998
ca mais recente como a teoria de conjuntos, a lógic e a teoria probabili- dades e os mate- mático reclama- vam a necessidade de o ensino da matematica nos niveis mais ele- mentares preparar devidamente os alunos para o estudo destes novos temas. Dieudonné no seminári de Royaumont realizado em 1959. argumentava:
-
Figura 1
O trabalho realizado por matemática devendo ser apresentada
um grupo de matemático de uma forma unificadora recorrendo
palavras matemática tã comuns como as de con- junto, relaçá grupo ou espaç vectorial. Nã ad- miraqueele sesintadesa- nimado quando contacta com a matematica ao nà vel do ensinosuperior (dis- cursode Dieudonnétrans crito em Howson, Keitel e Kilparick, 1980, p. 102)
franceses (do qual a linguagem da teoria de conjuntos e
Dieudonnà fazia parte). da lógic e privilegiando o papel das cálculo Entretanto, no ensino univer- assinado com o pseudónim de estruturas algebricas. Por outro lado, sitári tinham sido introduzidos temas ~ i ~ ~ l ~ ~ ~ ~ ~ ~ b ~ k i , realçav a necessi. investigaç'e psicológica sobre a
resultantes da investigaçà matemati- dade desta nova linguagem que forma como as criança aprendem,
defendiam um maior desenvolvimento tecnológic (em grande parte devido a apreensá que o lançament do primeiro satélit artificial pela Uniã Soviétic causou no Ocidente e sobretudo nos Estados Unidos da América) originaram um movimento de modernizaçà do ensino da matemática De acordo com as ideias bourbakistas, a matemátic escolar devia traduzir a própri essênci da
3' Ciclo (actuais 10- e 1 1" anos) Oestudoda matemátic no3°ciclodevecontribuirpar uma ginástic intelectualque lhepermita raciocinarcom precisã eclareza, tantonocampocientÃficocom navida prática Pretende-se que o aluno nã sà fique de posse de um certo númer de princÃpio e teorias, em que serà geralmente exigido o rigor pr6prio desta disciplina, mas que tenha desenvolvido a iniciativa pessoal e a faculdade de raciocinio, de modo a poder iniciar com confianç os estudos superiores Ã... Como a assimilaçà de uma ciênci sà à perfeita se a teoria e a prátic se auxiliarem e complementarem mutuamente, um dos tempos semanais seri destinado a aula prática Os factos da históri da matemátic relacionados com os assuntos a estudar. quando adaptados a mentalidade dos alunos, constituem um poderoso auxiliar para uma boa compreensã de certas questõe e, porvezes, també um incitamento ao trabalho.
Nos ultimos 50 anos, os matemáti cos foram-seorientando nã so para a introduçà de novos conceitos matemático como para a introdu- çà de uma nova linguagem, uma linguagem que se mostrou neces- sári a investigaçà matematica e cuja eficáci de representar as idei- as matemática de uma forma pre- cisa eclara tem sidosucessivamen- te testada e que tem neste momen- to uma aprovaç' universal. Mas ate agora a introduçà desta nova terminologianã temtidoqual- quer repercussã nas escolas se- cundária onde se continua a usar uma linguagem obsoleta e desadequada. Logo. quandoumalu- noentra nauniversidade, muitopro- vavelmente nunca ouviu falar de
Quadro 4: Programa do Ensino Liceal, 1954
suportavam també a impor- tánci das estrutu- ras. No trabalho desenvolvido por Piaget, era bem patente a corres- pondênci entre as estruturas algébrica e os mecanismos operatório da inteligência
Em Portugal, nos anos 60. foi introduzida a matemátic moderna em alaumas turmas
permitia integrar de uma forma do 3Â ciclo do ensino liceal, numa
coerente e rigorosa os principais experiênci conduzida por Sebastiã e
desenvolvimentos da matemática Silva. A partir do inicio dos anos 70. foi feita a sua generalizaçà a todos
Argumentavam que, contrariamente os nÃvei de ensino. Os programas
ao que acontecia anteriormente em que a cada ramo das matemática estava associada uma linguagem formal que lhe pertencia exclusivamente, hoje se sabia que, logicamente falando, quase toda a matemátic podia derivar de uma fonte únic - a Teoria de Conjuntos.
A Matemátic Moderna
Educaçà e Matemátic n"50 Novembro/Dezembro de 1998
desta época com pequenos ajustes realizados apó o 25 de Abril, estive- ram em vigor atà a reforma iniciada em 1989.
A introduçà da matemátic moderna começo por uma fase experimental, coordenada por Josà Sebastiã e Silva. Nesta fase experimental, a mudanç ao nÃve dos conteúdo foi acompanhada de uma reflexã em tomo dos metodos a usar. No guia para a utilizaçà do compêndi de matemátic eram indicadas 16 normas gerais, muitas das quais continuam actuais passados cerca de 35 anos. A tÃtul de exemplo, veja-se o quadro 5.
No entanto, na fase de generalizaçà dos programas da matemátic moder- na, esta preocupaçà com os méto dos nã foi valorizada. No inÃci dos anos 70 realizaram-se vária acç'e de formaçà contÃnu de professores, mas o grande objectivo destas formaç'e era uma actualizaçà cientÃfic relativa aos novos temas introduzidos nos programas: teoria de conjuntos, relaçõ binárias lógic matematica, transformaç'e geomé tricas.
No Ensino Primário desde 1975 atà a reforma iniciada em 1989 sã publica- dos 3 programas onde à clara a introduçà desta renovaçà da Matemática Estes programas,
f Normas Gerais
1. A modernizaçà do ensino da mate- mátic terà de ser feita nã sà quanto a programas, mas també quanto a metodos de ensino. O professor deve abandonar, tanto quanto possÃvel o métod expositivo tradicional, em que o papel dos alunos à quase cem por cento passivo, e procurar, pelo contrá rio, seguir o métod activo, estabele- cendo diálog com os alunos e estimu- lando a imaginaçà destes, de modo a conduzi-los, sempre que possÃvel a redescoberta. 2. A par da intuiçà e da imaginaçà criadora, hà que desenvolver ao máxi mo no espÃrit dos alunos o poder de anális e o espÃrit critico. C...)
conhecidos pelo nomes das cores das suas capas (laranja, limã e verde) diferem essencialmente na filosofia quanto ao regime de fases: programa laranja - duas fases; programa limã - fase única programa verde - regime de 4 classes.
Nos restantes nÃvei de ensino os programas publicados sã reajustados por diversas vezes sobretudo com o objectivo de diminuir a sua extensão
Nos compêndio escolares, entretan- to publicados, à bem visÃve a introdu- çà dos conteúdo mais ligados a matemátic moderna. Por exemplo, se folhearmos os livros de Matemátic do Ciclo Preparatório podemos ver a grande importãnci dada aos conjun- tos e aos sÃmbolo logicos.
De uma forma geral, podemos dizer que passaram a ser tratados outros conteúdo mas que continuou sempre presente a ênfas no domÃni de técnicas O "Palma Fernandes", embora com algumas actualizaç'es continuava a constituir o exemplo do tipo de trabalho que o aluno devia fazer.
Os anos 80
A nÃve internacional, nos anos 80, assistiu-se a um importante movimen- to de reforma no ensino da Matemáti ca. O inÃci deste movimento e marcado pela publicaçà da "Agenda para Acçã (1 980). Segue-se a publicaçà do relatóri Mathematics Counts (1982) e das Normas para o currÃcul e avaliaçà escolar C1 989).
Nesta altura o afastamento da comu- nidade portuguesa ligada ao ensino da matematica relativamente ao que se passava a nÃve internacional diminui significativamente. Em Portugal realizam-se vário encontros impor- tantes sobre o ensino da Matemática o primeiro encontro nacional da Sociedade Portuguesa de Matemátic C1 980). o colóqui de homenagem a Sebastiã e Silva (1982). o 35' CIEAEM (1 9831, um encontro sobre a
Associaçà de Professores de Matemátic (APM). Um númer crescente de professores começ a discutir os vário aspectos relaciona- dos com o ensino da Matemática Em Portugal, tal como noutros paÃses gera-se um movimento que reclama uma renovaçà curricular. No Seminá rio de Vila Nova de Milfontes, realiza- do em 1988 e promovido pela APM, um grupo de 25 professores de todos os nÃvei de ensino, organiza o documento "Renovaçà do CurrÃcul de Matemática" Nele, estã indicadas as principais orientaç'e curriculares dos anos 80.
Em primeiro lugar, destaca-se a importânci central a atribuir a resolu- çà de problemas, entendida como um meio de proporcionar aos alunos uma verdadeira experiênci matemáti ca com bastantes semelhança com a actividade criativa dos matemáticos Nesta altura a resoluçà de proble- mas era um aspecto bastante debati- do por professores e educadores matemáticos a partir do trabalho desenvolvido por Polya.
Outro aspecto muito forte nas reco- mendaçõ curriculares dos anos 80 resulta do desenvolvimento tecnológico No processo de ensino- aprendizagem devem ser usadas as calculadoras e os computadores que entretanto sã cada vez mais acessà veis a todos. A possibilidade da sua utilizaçà altera significativamente a ênfas a colocar em alguns conteúdo e toma certos tópico mais relevan- tes.
Defende-se també que a evoluçà da própri matemática onde assu- mem importãnci novos temas, deve ter influênci nos currÃculos Estes devem dar ênfas a tópico como a matemátic discreta, a estatÃstic e as probabilidades.
Finalmente, salienta-se que os resultados das investigaç'e sobre o processo de aprendizagem devem influenciar a forma como se organiza o trabalho com os alunos. Se à dada ênfas a resoluçà repetitiva de
utilizaçà dos micro computadores no exercicios, os aiunos aprendem um ensino, organizado pelo Departamen- conjunto de técnica que lhes permi-
Quadro 5: Guia para a Utilizaçà do to de Educaçà da FCUL e em 1985 o tem resolver exercÃcios-tip e à essa Compêndi de Matemática 1964 1' PmfMat. Em 1986 foi criada a a imagem com que os alunos ficarã
Eduwç' e Matemátic n¡5 Novembro/Dezembro de 1998
, Umagrandedescoberta resolve um grande problema, mas hà sempre uma pitada de descoberta na resoluçà de qualquer problema. O problema pode ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver por seu próprio meios, experimentarà a tensã e gozarà o triunfo da descoberta. Experiência tais, numa idade susceptÃvel poderã geraro gosto pelo trabalho mental e deixar, portoda a vida, a sua marca na mente e no carácter Um professor de matemátic tem uma grande oportunidade. Se ele preenche o tempo que lhe à concedido a exercitar os seus alunos em operaçõ rotineiras, aniquila o interesse e tolhe o desenvolvimento intelectual dos estudantes, desperdiçando dessa maneira, a sua oportunidade. Mas se desafiara curiosida- de dos alunos, apresentando-lhes problemas compatÃvei com os conhecimen- tos destes e auxiliando-os por meio de indagaçõ estimulantes, poderà incutir- lhes o gosto pelo raciocÃni independente e proporcionar-lhes meios para alcança esse objectivo.
Quadro 6: A arte de resolver problemas, George Polya
da Matemática Serà pois importante criar ambientes de aprendizagem que possam ser significativos para o aluno, que tenham em conta os seus interesses e vivência e que permitam ao aluno um papel activo na constru- çà do seu conhecimento matemático
Nos finais dos anos 80. estas pers- pectivas contrastavam fortemente com os programas ainda em vigor na época tomando urgente uma profun- da renovaçà curricular.
Os currÃculo actuais
A reforma curricular portuguesa iniciada em 1989 parece ter tido em conta, pelo menos do ponto de vista teórico que os processos de inova- çà curricular vã bem mais longe que uma simples mudanç de programas. Por exemplo, divulgaram-se documen- tos teórico sobre a reforma, foram pedidos pareceres a diferentes organismos e associaçõ profissio- nais. foram testados alguns progra- mas antes da sua generalizaçã Mas a coerênci global do processo de reforma e da sua implementaçà foi justamente questionada. Mais uma vez. apesar das intençõ iniciais em contrário ao nÃve dos professores, esta reforma assumiu a forma de mudanç por decreto. Foram chegan- do as escolas os novos curr'culos. novas directrizes em relaçà a avaliaçà e ao processo de ensino- aprendizagem. Mas na sua globalidade o processo continuou a
ignorar a necessidade de envolvimen- to dos professores.
Vejamos algumas das principais caracteristicas dos actuais currÃculo de Matemática
Ao nÃve da forma passaram a incluir finalidades, objectivos gerais e especÃficos orientaç'e metodológica e normas para a avaliaçã As orientaçõ metodologicas, bastante mais desen- volvidas do que nos currÃculo anterio- res (em que basicamente tinham como objectivo precisar o desenvolvi- mento a dar aos conteúdos) prop'em exemplos concretos que podem ser explorados na aula. materiais que podem ser utilizados e clarificam algumas conexõe entre os tópicos
De acordo com as tendência actuais sobre a natureza do processo de aprendizagem, apontando no sentido de que o desenvolvimento de capaci- dades cognitivas nã pode ser desligado de diversos aspectos nã cognitivos, no actual currÃcul consi- dera-se que os conteúdo da aprendi- zagem integram aspectos dos domÃni os. nã sà dos conhecimentos, mas també das atitudes e das capacida- des.
E atribuÃd grande importãnci a resoluçà de problemas. Nomeada- mente no l0ciclo, ela à claramente assumido como actividade central que integra e dà sentido a todo o proces- so de aprendizagem.
Ao nÃve dos conteúdo realça-s a integraçà da estatÃstic e das probabilidades nos nÃvei mais elementares de escolaridade e a importãnci dada a geometria.
Nas indicaç'e relativas ao processo de ensino e dado relevo a observa- çã exploraçà e experimentaçà associadas aos aspectos intuitivos da matemátic e a importânci da Matemátic enquanto instrumento de interpretaçà do mundo real. Final- mente reconhece-se como importante a utilizaçà de calculadoras, computa- dores e de diversos materiais manipulativos.
Em muitos aspectos, podemos pois considerar que neste currÃcul estã presentes muitas das recomendaçõ preconizadas nos anos 80. No entanto, vário sectores defendem que seria possÃve exigir mais sobretu- do ao nÃve da articulaçà entre os conteúdos objectivos e metodologias e ao modo como a tratados, por exemplo, a resoluçà de problemas e a utilizaçà de tecnologias (APM, 1990).
Na prática desde 1991, ano em que se iniciou a generalizaçà da reforma. muitas tê sido as alteraç'e que se tê vivido ao nÃve do processo de ensino aprendizagem da matemática Sã trabalhados novos temas. exploram-se muitas das potencialida- des da calculadora, os alunos traba- lham mais em grupo. Em muitas salas de aula a rotina toque de entrada, o professor explica a matéria os alunos resolvem exerckios repetitivos, toque de sa'da foi significativamente altera- da. Hoje. em muitas aulas de matemá tica e possÃve identificar um ambiente de aprendizagem que estimula os alunos a realizar uma verdadeira experiênci matemática Em muitas escolas hà mais materiais para apoiar a aprendizagem da matemática Em alguns livros de texto, que de uma forma geral sã bem diferentes dos compêndio da "époc do livro único" sã apresentadas sugest'es de trabalho bastante interessantes.
No entanto, muitos sã també os
Educaçà e Matemátic n050
sinais de que os grandes objectivos traçado na décad de 80, estã longe de terem sido atingidos de uma forma generalizada. veja-se por exemplo algumas das conclusõe do projecto Matemátic 2001(APM, 1998) que indicam, por exemplo, que o trabalho de grupo ainda à ignorado em muitas turmas, que as actividades de exploraçà ainda tê uma expres- sã muito reduzida ou que os testes ainda dominam nas prática de avaliaçã
Em jeito de conclusã
Ao nivel da opiniã pública a reforma tem sido bastante questionada sobretudo a partir dos resultados obtidos pelos alunos em exames nacionais e estudos nacionais e internacionais. Ao nivel dos professo- res, as justas apreensõe causadas tanto pela total ausênci de apoio por parte da administraçà central h implementaçà da reforma, como pela completa descoordenaçà com que muitas das regulamentaçõ posterio- res foram chegando As escolas, tê gerado um certo desânimo
O que deve ser um curr'culo? Em particular, o que deve ser o currÃcul de Matemátic do l 0 ao 1 2 O anos de escolaridade?
Analisar o processo currÃcula passa- do à sobretudo importante na medida em que pode contribuir para perspec- tivar o futuro. Esta anális permite identificar os seguintes aspectos:
1. O tipo de curr'culo a adoptar
Nos anos 50 o currÃcul era essencial- mente uma listagem de conteúdos Nos anos 70 passaram a incluir objectivos e algumas consideraçõ metodológica de carácte geral. Nos anos 90, para alé de um maior desenvolvimento das orientaçõ metodológicas també integram o currÃcul aspectos gerais relativamen- te a avaliaçã De alguma forma tem estado presente que elaborar um currÃcul à listar objectivos, conteú dos, metodologias. Num determinado sentido podemos dizer que tem vindo a aumentar o nÃve de intencionalidade do currÃculo
Hoje muitas questõe se poderã levantar sobre o tipo de curr'culo a adoptar: Qual o nÃve de pormenor desejável Deve especificar tudo (objectivos, metodologias, materiais, etc.)? Ou deve apenas incluir as competência consideradas funda- mentais, dando liberdade As escolas e aos professores de decidir sobre os meios de as concretizar? Deve ser um documento vinculativo de âmbit nacional como atà agora? Ou deve ser um documento mais flexÃve que possa ser gerido pela escola e pelo professor? Deverà haver diferença de fundo entre a forma de conceber um currÃcul para a escolaridade obrigatóri e a nã obrigatória
2. As orientaçõ centrais do curr'culo
No currÃcul dos anos 50 o papel do cálcul era fundamental. No dos anos 70 eram os conjuntos e as estruturas. E hoje qual deverà ser a orientaçà unificadora do currÃculo As aplica- çõ da Matemática O desenvolvi- mento do poderrnaternátic tal como à definido nas Normas? Os hábito de pensamento como defende Goldenberg num artigo publicado nos número 47 e 48 desta revista?
3. O papel do professor
De uma forma geral a renovaçà curricular no nosso pais tem seguido um processo de cima para baixo. Nos último anos teremos dado os primeiros passos no sentido de inflectir esta tradiçã De facto, na últim reforma o debate em tomo do currÃcul de matemátic n'o ficou confinado h equipa responsáve pela sua redacçã No ajuste do programa do Secundári tem funcionado um acompanhamento a sua implementa- cão Mas de uma forma substancial o processo ainda nã foi perspectivado de forma a incluir o professor no desenvolvimento curricular.
De uma noçà de currÃcul ligada aos documentos publicados oficialmente
e reformulaçà do curr'culo. Como operacionalizar esta mudança Como articular esta perspectiva com a de uma Matemátic para Todos?
Referência
APM (1 988). RenovaçS do cumkulo de Mate- mática Lisboa: APM.
APM (1990). Parecer relativos aos projectos deprogramas de Matemáticapar o 1: 2 e 3°ciclo do EnsinoBásico Lisboa:APM.
APM (1 998). Matemática200-relat6rfoprelimi nar. Lisboa: APM
Cockcroft, W. (1982). Mathematics counts (report on the Committee of Inquiry into the Teaching of Mathematics in Schoois). Londres: Her Majesiy Stationery Ofice.
D'Ambrosio. U. (1994). Avaiiação:elimin ou manter? Ou reconceptualizaff Em Actas do Prof'natIpp. 137-141). Lisboa: APM.
Howson, G.. Keitel, C. e Kliparick, J. (1980). Cum'cuium development in mathematics. Cambridge: Cambridge University Press.
International Commission on Mathematics lnstruction.(1986). Schwlmathematicsin the 1990s. Cambridge: Cambridge University Press.
NCTM (1980). An Agenda for action: racomendations for schwl mathematics of the 1980s. Reston: NCTM.
NCTM (1989). Curricuium and evaiuation standards forschoolmathematics. Reston: NCTM. (a traduçà portuguesa. Normas para o curr'culo e avaliaçà em Matemáti ca escolar, foi editada em 1991 porAPM/ IID.
Poiya, G. (1 975). A artede resolverproblemas. Sã Paulo: Intercihcia. (traduçà brasilei- ra da ediç' original de 1945).
Sebastiã e Silva. J. (1 96t ' Guiaparaa utiliza- @o do compèndi de Matemática vo- lume. Pano. Lisboa: Ministbrio daEduca- çã
Joana Porf'rio ESE de Setúba
Aescola naliteratura 3
passou-se mais recentemente a defender uma perspectiva de cum'culo como um conjunto de experiência de aprendizagem. O papel do professor
l altera-se substancialmente passando a intervir directamente na elaboraçÃ
tu tlim matemática ele tlim trabalhos manuais n6s tllm recreio v66 tllm senhora eles tlim castigo