Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
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Os processos comunicacionais dos movimentos
sociais brasileiros no contexto da internet1
Suelen de Aguiar SILVA2
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP
RESUMO
Este artigo é fruto da tese de doutorado em Comunicação Social defendida na
Universidade Metodista de São Paulo no presente ano. O estudo parte da compreensão
dos usos coletivos que os movimentos sociais brasileiros têm feito das tecnologias de
informação e comunicação (TICCS) e da possível alteração nas suas formas de
organização política e dinâmicas de comunicar devido à participação no espaço híbrido
da internet. O método de abordagem conceitual foi o materialismo histórico-dialético, já
os procedimentos metodológicos foram viabilizados por meio da pesquisa bibliográfica,
documental, observação participante netnográfica e técnicas da teoria fundamentada em
dados. Ao realizarmos a análise da comunicação do MST e do MAB identificamos que
para esses movimentos a internet ao representar um campo de micropoderes, também se
apresenta como espaço privilegiado no que tange às lutas sociais em torno da democracia.
PALAVRAS-CHAVE: Movimentos Sociais. Redes. Multidão. Comunicação
Comunitária. Internet.
INTRODUÇÃO
Estamos imersos numa suposta tecnologização da vida, com todos os sentidos que
a palavra tecnologia carrega, surge aí, nosso interesse em aprofundar os estudos sobre a
relação dos processos comunicacionais desenvolvidos pelos movimentos sociais com a
internet. No entanto, não é a técnica, technê, como condição material da história que nos
interessa, mas sim as transformações que ocorrem na estrutura social em decorrência do
uso ou não de determinadas tecnologias, especialmente a internet.
1 Trabalho apresentado no GP Comunicação para a Cidadania, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em
Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Assessora de Imprensa do gabinete do vice-prefeito do munícipio de Cachoeiras de Macacu, RJ, publicitária, doutora
em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, e-mail: [email protected]
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Nesse tempo hodierno compreender os usos coletivos que os movimentos sociais
brasileiros estão fazendo das tecnologias de informação e comunicação - TICCS3 é tão
importante quanto descobrir se eles alteraram suas formas de organização política e
dinâmicas de comunicar devido à participação no espaço híbrido4 da internet. Afinal, o
fato de estar e de participar da rede não diz muito, quando esse muito precisa ainda ser
estudado e mapeado.
Inicialmente mapeamos os movimentos sociais brasileiros presentes na internet e
suas práticas comunicacionais a partir de 10 eixos temáticos, com base nos estudos de
Peruzzo (2004) e Gohn (2013), a saber: movimentos Sociais ao redor da questão urbana;
movimentos em torno da questão do meio ambiente: urbano e rural; movimentos
identitários e culturais: gênero, etnia, gerações; movimentos de demandas na área do
direito; movimentos ao redor da questão da fome; movimentos sociais na área do trabalho;
movimentos decorrentes de questões religiosas; movimentos rurais e movimentos sociais
globais.
Após identificarmos como a mídia hegemônica aborda os movimentos sociais e
após desenvolvermos um mapeamento sobre a comunicação deles, selecionamos dois
movimentos para terem seus processos comunicacionais analisados de forma mais
contextualizada, incluindo-se aí a realização de entrevistas com seus representantes. O
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) foram os selecionados, o primeiro devido à alta visibilidade na mídia
e o segundo pela invisibilidade nela. Além disso, as suas bandeiras de lutas e o modo
como atuam comunicacionalmente também nos levaram a definir estes dois movimentos.
Para alcançarmos o objetivo acima proposto foi preciso: descobrir se os
movimentos sociais mapeados utilizam a comunicação mediada por computador como
um dos seus princípios organizativos no que tange à comunicação; debater o conceito de
multidão (HARDT; NEGRI, 2014; VIRNO, 2013), como categoria teórico-metodológica
a partir dos movimentos sociais mapeados e descrever seus processos comunicacionais
na internet, apontando as principais plataformas digitais utilizadas. E, ainda: cartografar
as práticas comunicativas cotidianas dos movimentos sociais frente às tecnologias de
informação e comunicação; bem como relatar a atuação dos movimentos sociais na
3 A utilização de mais um c na sigla faz referência ao conhecimento que está associado ao processo. Para saber mais
sobre o assunto ver trabalhos de Cicilia Peruzzo e Jorge González (2011). 4 A territorialidade física e simbólica dos Movimentos Sociais na sociedade é formada pelo espaço híbrido, entre o
espaço urbano ocupado e as redes sociais digitais na internet (CASTELLS, 2013).
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criação de dispositivos de resistência e as redes de poder que se formam na luta pelo
espaço virtual.
A pergunta que norteou a pesquisa é a seguinte: Como os movimentos sociais
brasileiros mapeados neste estudo usam as TICCS como espaço de luta para suas práticas
cotidianas com vistas à construção da democracia?
Para respondermos o questionamento acima utilizamos as seguintes hipóteses de
trabalho: os processos comunicacionais desenvolvidos pelos movimentos sociais na
internet fomentam um espaço de comunicação autônoma na medida em que forjam
dispositivos de resistência para auxiliar na construção da cidadania. Os movimentos
sociais mediante os processos de comunicação também lutam pelos e nos espaços sociais
concretos da internet em busca de novas formas de democracia. A internet não é o meio
exclusivo, mas potencializa o processo comunicacional dos movimentos sociais presentes
nesse espaço.
BREVE PERCURSO DA PESQUISA
Neste recorte da tese apresentaremos parte dos resultados obtidos, no entanto,
antes demonstraremos de forma substancial como a pesquisa foi recortada e estruturada.
Assim, para a viabilização da tese propomos o que denominamos de cartografia
comunicacional apoiada na teoria fundamentada em dados. Ela foi estruturada em cinco
capítulos, sendo o primeiro teórico-metodológico, os três seguintes teóricos e o último
com a apresentação dos resultados da pesquisa.
O objetivo do primeiro capítulo foi explicitar os aportes teórico-metodológicos
utilizados na pesquisa. A explicação e fundamentação do método de abordagem
conceitual, ancorado no materialismo histórico-dialético, tornou-se fundamental, assim
como descrever as técnicas e estratégias, e como estas foram utilizadas para alcançar os
objetivos propostos. Com a apropriação dos elementos constituintes do materialismo
histórico, visamos captar como as relações sociais se constroem dentro de um sistema
hegemônico estabelecido e entender como essa realidade social concreta é construída a
partir das relações de poder.
Sendo assim, a cartografia comunicacional foi viabilizada com a utilização dos
seguintes procedimentos: pesquisa bibliográfica, revisão de literatura, pesquisa
documental, observação participante netnográfica (OPN) e realização de entrevistas
semiestruturadas. E para a análise e interpretação dos dados apresentados nos apoiamos
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nas técnicas da teoria fundamentada em dados. Ao seguir os desígnios da cartografia nos
foi possível flexibilizar e adaptar os procedimentos netnográficos (KOZINETS, 2014) ao
mapeamento proposto, sem que descaracterizássemos a abordagem netnográfica.
A observação participante netnográfica (OPN), além do embasamento teórico da
netnografia, teve apoio da teoria fundamentada em dados (GLASER; STRAUSS, 1967;
CHARMAZ, 2009; TAROZZI, 2011) e da pesquisa participante (PERUZZO, 2005).
O segundo capítulo apresentou uma abordagem compreensiva da comunicação na
qual, delimitou nosso entendimento sobre os processos comunicacionais em pauta, no
âmbito dos movimentos sociais. Ou seja, antes de iniciarmos a contextualização sobre
eles sistematizamos nosso conhecimento e entendimento sobre a comunicação,
especialmente, sobre os processos comunicacionais comunitários, fincando nossas bases
teóricas em abordagens centradas nas dimensões críticas e vinculativas da Comunicação
Social, principalmente com as contribuições de Muniz Sodré (2014). Este capítulo foi
imprescindível, pois forneceu a base para a construção dos demais, e especialmente para
o último, no qual propomos uma teoria fundamentada em dados.
O terceiro capítulo apresentou uma revisão de bibliografia pertinente e focada.
Traçamos um breve panorama sobre os movimentos sociais, dos clássicos aos
contemporâneos, passando pelas abordagens que têm sido aplicadas aos estudos desta
temática, para destacarmos as configurações atuais no contexto das tecnologias de
informação e comunicação. Logo, alguns aspectos da comunicação nos movimentos
sociais foram destacados, a partir das redes de autocomunicação e autonomia
apresentadas por Castells (2013) e a categoria teórica multidão (HARDT; NEGRI, 2014;
VIRNO, 2013), que contribuiu na reflexão sobre o objeto de estudo.
Já o quarto capítulo contextualizou a comunicação desenvolvida pelos
movimentos sociais na internet. A saber, como os processos comunicacionais foram se
alterando devido às transformações das tecnologias de informação e comunicação. Além
de destacar a internet como espaço híbrido de interlocução dos movimentos sociais,
discutimos também as possibilidades da luta democrática em torno das formas
tecnológicas de cidadania.
O quinto e último capítulo sistematizou a tese por meio da confrontação e
comparação dos capítulos teóricos às análises de dados obtidas. Este capítulo apresentou
o que denominamos observação participante netnográfica (OPN), sendo baseado em
trabalho de campo online.
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A seguir exporemos parte dos achados obtidos na pesquisa empírica, lembrando
que este recorte não representa a diversidade e amplitude dos resultados, nem tampouco
quer ser um resumo expandido da pesquisa. A apresentação dos resultados foi dividida
em duas seções. Na primeira seção apresentamos os eixos temáticos e os 10 movimentos
mapeados. Já na segunda seção apresentamos parte dos resultados mais específicos da
OPN do MST e do MAB.
EIXOS TEMÁTICOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Explicamos na introdução que as escolhas dos movimentos sociais que
compuseram o mapeamento partiram da reformulação dos eixos temáticos apresentados
por Peruzzo (2004) e Gohn (2012). No terceiro capítulo da tese apontamos que os
movimentos passam por transformações ao longo de sua existência (PERUZZO, 2004),
assim, eles não podem ser colocados em categorias rígidas; a classificação a partir dos
eixos temáticos serve, na verdade, para orientar o debate e a discussão. Agora vamos
retomar os eixos, lembrando que a categorização foi feita por uma questão didática, que
nos permitiu a contextualização dos movimentos sociais na atualidade. A saber:
1) Movimento Social - questão urbana: Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
MTST. 2) Movimento Social - questão do meio ambiente - urbano e rural: O
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. 3) Movimento Social – identitários,
cultural, gerações: Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis, Transexuais e Intersexos – ABGLT. 4) Movimento Social – identitários,
cultural, gerações: Movimento Negro Unificado – MNU. 5) Movimento Social –
identitários, cultural, gerações: Levante Popular da Juventude. 6) Movimento Social -
questão da fome: Ação da Cidadania5. 7) Movimento Social – área do direito:
Trabalhadores Desempregados para Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por
Direitos – MDT e MOTU (junção de dois movimentos). 8) Movimento Social
decorrente de questões religiosas: Grito dos Excluídos. 9) Movimento Social – rural:
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. 10) Movimento Social global:
Via Campesina.
5 A Ação da Cidadania atualmente é uma organização não governamental com sede no centro do Rio de Janeiro. No
entanto, não podemos deixar de evidenciar essa iniciativa promovida pelo sociólogo Betinho que à época suscitou a
mobilização da sociedade civil pela temática. A fome é um problema estrutural e político da sociedade brasileira
marcado por profunda desigualdade, haja vista que quem tem fome realmente tem pressa.
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OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE NETNOGRÁFICA - OPN
Nesta etapa selecionamos dois movimentos sociais para análise em profundidade
dos seus processos comunicacionais na internet.
a) OPN - MST
A partir da observação notamos que os meios pelos quais o MST mais se engaja
comunicacionalmente, é pelo site institucional e pela página no Facebook. Para
identificarmos como eles lidam com a ferramenta observamos o período de 01 a 30 de
maio de 2017. Ressalta-se que entre as motivações da escolha do período está o fato de
ele abarcar datas importantes para o movimento como, por exemplo, o dia do trabalhador
e os desdobramentos do processo de impeachment da presidenta Dilma.
Em um mês de análise foram identificadas 110 postagens, o que dá uma média de
3,6 publicações por dia. Sobre o envolvimento desses conteúdos com os usuários,
identificou-se que no período analisado houveram 80.092 reações6, uma média de 728
por postagem. Além de 6.266 comentários, que representa a média de 56 por post e, ainda,
houveram 33.922 compartilhamentos, que nos dá uma média de 308 por publicação.
Esses dados são interessantes, pois nos trazem indícios sobre a interação que os
usuários possuem com as publicações oficiais do MST. Nota-se que a interação por reação
foi a maioria e ressalta-se que ela é uma atividade mecânica do usuário que exige apenas
que acione ou não um botão. Em comparação, o número de compartilhamentos é menor,
uma vez que ele exige a identificação e apropriação do usuário com o conteúdo, fazendo
com que seja publicado na sua página pessoal. Já os comentários, se comparados com a
representatividade da página, ocorrem em baixa proporção. Por outro lado, identifica-se
que os comentários não são estimulados, uma vez que não sofrem interação por parte dos
organizadores da página e não são respondidos.
Sobre o modo como as publicações da página do Facebook são trabalhadas
identificamos que há uma otimização dos conteúdos que são publicados pelo site
institucional do Movimento, uma vez que 40% do material publicado é originário do site.
Além disso, fotos e vídeos também são utilizados pelo Movimento. A seguir, o gráfico
6 Segundo definição do Facebook, “a métrica de curtidas na publicação agora se chama reações à publicação. Ela
mede a quantidade de reações em seus anúncios ou publicações impulsionadas. O botão de reações em um anúncio
permite que as pessoas compartilhem reações diferentes ao conteúdo: Curtir, Amei, Haha, Uau, Triste ou Grr”.
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representa quais formatos são explorados nas postagens realizadas pela página do
Facebook do MST, vejamos:
Gráfico 1 - Formatos presentes nos posts do Facebook do MST
Por meio da OPN identificamos que os conteúdos compartilhados do site
institucional são, em sua maioria, notícias produzidas sobre o movimento. Assim sendo,
a maior parte do conteúdo presente no Facebook do MST se caracteriza como notícia que
tem como finalidade a informação. Já as fotos publicadas são acompanhadas por
pequenos textos que as descrevem. Importante acrescentar que as notícias compartilhadas
no Facebook são sempre acompanhadas de imagens. Com exceção das notas, sobre a
quais falaremos mais adiante, todos os conteúdos publicados possuem apelo imagético,
tal ação é coerente com a tendência de consumo da informação, uma vez os conteúdos
com imagens são muito mais visualizados dos que os sem.
Os vídeos representam 18% dos formatos publicados e geralmente atendem a dois
tipos de produção: 1 – depoimento de pessoas que na maioria dos casos é gravado em
primeiro plano e contempla o posicionamento sobre algum fato; 2 – vídeos com produção
mais sofisticada cuja estrutura narrativa e estética se aproxima do documentário.
Em eventos estão as publicações que utilizam o próprio recurso do site Facebook
que cria um acontecimento com dia, horário e local marcado e permite que as pessoas
confirmem ou não a presença. Marcha e manifestações foram as motivações dos eventos
criados. Em notas estão os posicionamentos oficiais do Movimento sobre algum
acontecimento em específico. Estas postagens não possuem imagens, são escritas de
40%
36,36%
18,18%
2,72%
2,72%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Conteúdo originário do site institucional
Foto
Vídeo
Notas
Eventos
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maneira mais formal que as outras publicações e também possuem uma extensão textual
maior.
Também buscamos saber quais as temáticas que foram trabalhadas nas
publicações do Facebook do MST. Organizamos as temáticas em categorias para fins
didáticos, embora saibamos que muitas delas são correlacionadas. Por exemplo, muitos
eventos são formas de manifestações. Os três assuntos mais abordados nas publicações
do MST foram: eventos, conflitos e manifestações. A seguir a representação gráfica da
presença da distribuição dos assuntos por post:
Gráfico 2 - Temas presentes nas publicações do Facebook do MST
Importante mencionar que em apoio conta as ações de apoio recebidas pelo
Movimento, bem como as realizadas por ele à outras instituições e pessoas. Nesse quesito,
houve um equilíbrio entre as ações dos dois tipos de apoio. Na definição evento constam
as publicações sobre marchas realizadas, ações sobre datas comemorativas, festivais,
jornadas e outros. Já na categoria conflitos foram computadas tanto as publicações que
abordavam diretamente os embates, das ocupações às desapropriações, quanto os que
traziam conflitos de ideologias, posicionamentos e discussões como, por exemplo, o
posicionamento do MST frente ao governo Temer.
Observamos nas postagens que as publicações geralmente atentem a duas lógicas:
1 – são sobre coberturas de ações instantâneas ocorridas (marchas, manifestações,
12,72%
31,81%
3,63%
16,36%
4,54%
21,81%
1,81%
1,81%
5,54%
0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00%
Apoio
Evento
Histórico
Manifestação
Reunião
Conflito
Entrevista
Nota
Campanha
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conflitos, ocupações etc); 2 – são publicações com tendências político-partidária
apoiando governo e figuras políticas do partido dos trabalhadores.
Outra ação feita durante nossa análise foi a busca por alguns indícios sobre o tipo
de material com maior aceitação por parte do usuário. O post que mais teve
compartilhamentos e reações no mês analisado foi o “Dia Internacional contra a
Homofobia e a Transfobia”, publicado no dia 17 de maio de 2017, que teve 11.594
compartilhamentos e 9,2 mil reações, vejamos:
Figura 1 - Post do MST com mais compartilhamento e reações
Fonte: MST
O segundo conteúdo com mais compartilhamento e também o segundo com mais
comentários foi o “João Pedro analisa afastamento de Eduardo Cunha”.
Figura 2 - Segunda postagem do MST com mais compartilhamentos e
comentários
Fonte: MST
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A terceira publicação com mais compartilhamento foi “MST apoia a luta dos
estudantes de São Paulo e todo o Brasil”. Já o conteúdo com mais comentários, 391, foi
“Nesse momento, o cantor Tico Santa Cruz canta para milhares de pessoas no Vale do
Anhangabaú, em São Paulo. Foto: Mídia Ninja”, o qual foi também o segundo com mais
reações. O terceiro post com mais comentários foi o “Nesta manhã, as duas principais
BRs que dão acesso à Brasília foram trancadas por Sem Terras do MST e MTL. A
manifestação integra a Jornada de Lutas pela Democracia e Contra o Golpe. Confira o
vídeo!”.
Por fim, o terceiro conteúdo mais reações foi o “Hoje é mais um dia de lutas. A
Parada LGBT de SP leva o combate à Transfobia à Avenida Paulista na maior
manifestação LGBT no mundo”. Sobre estes conteúdos com mais visibilidades é preciso
dizer que quatro dos seis materiais foram feitos em vídeo e dois com fotos, dois deles
contam com celebridades (Tico Santa Cruz e João Pedro Stédile e dois são posts
relacionados a causa LGBT.
b) 1.2 OPN - MAB
A página do Facebook do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB tem
46.305 curtidas e em um mês de análise, de 01 a 30 de maio de 2017, contou com 98
postagens, o que dá uma média de 3,2 por dia. Quanto a interatividade dos usuários com
a página do MAB temos que ao todo foram 4 mil reações, cerca de 40,8 por postagem,
180 comentários, o que dá uma média de 1,8 por publicação e quanto aos
compartilhamentos em um mês foram feitos 3413, cerca de 34,8 por postagem.
A princípio esses dados podem nos levar a comparação com a página do MST e
nos levar a afirmação que o MAB possui muito menos repercussão e engajamento. Isso
de fato acontece, mas é preciso levar em consideração que o MST possui em sua página
seis vezes mais curtidas que o MAB, uma vez que o primeiro tem mais de 300 mil curtidas
e o segundo mais que 40. Por isso, não compararemos o alcance e a repercussão de ambas
as páginas, apenas o gerenciamento e a estratégia gerada por elas.
Quanto ao modo como as publicações são feitas, temos que foto e vídeo são os recursos
mais utilizados. Vejamos o gráfico a seguir:
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Gráfico 3 - Formatos presentes nos posts do Facebook do MST
Fotografia, com 53% de presença das postagens, foi o recurso mais utilizado nas
publicações do MAB. Nesta categoria, enquadram-se também outros recursos visuais
imagéticos criados como cartazes, ilustrações entre outros. Todavia, estes outros recursos
são bem menos explorados, representam apenas 15% da amostra de foto.
Já o vídeo foi o segundo formato mais utilizado com 31,6% de presença nos
materiais. A maior parte dos vídeos corresponde a filmagens sobre as ações,
manifestações e eventos que o Movimento criou ou participou. Ainda, entre os formatos
publicados temos 14% de publicações de notícias de site institucional e apenas 1% das
publicações são de eventos. Enquanto estratégia comunicacional, nota-se que enquanto o
MST aposta nas publicações de conteúdo informativos, o MAB se prende mais a
publicações de fotos.
Sobre os assuntos presentes nas publicações do MAB, manifestação foi o mais
abordado. O gráfico a seguir representa a divisão de temas por publicação feita na página
do Movimento.
Gráfico 4 - Temas presentes nas publicações do Facebook do MAB
53%
31,60%
14,28%
1%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Foto
Vídeo
Site
Evento
10,20%
15,30%
42,80%
4%
25,50%
1%
1%
0,00% 10,00%20,00%30,00%40,00%50,00%
Apoio
Evento
Manifestação
Reunião
Conflito
Entrevista
Nota
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Manifestação foi o tema mais presente nas publicações da página do Movimento,
com 42,8%. O segundo assunto mais presente foi conflito, com 25,5%, lembrando que
nesta categoria foram inseridos não só os conflitos físicos de ocupação e confronto, mas
também os ideológicos que abordavam posicionamentos diferentes entre o Movimento e
outras instituições e/ou pessoas. A terceira temática mais comentada foi eventos, nesta
categoria inclui-se atos políticos, eventos culturais como lançamento de filmes, entre
outros.
Sobre as publicações feitas, a que teve mais compartilhamento, mais reações e
mais comentários foi a postagem de uma imagem feita em protesto ao desastre ambiental
provocado pela empresa Samarco que ocorreu no município de Mariana em Minas Gerais,
no ano de 2015. Vejamos a publicação:
Figura 3 - Post do MAB com mais curtida, compartilhamento e reações
Fonte: MAB
A imagem acima teve 1600 compartilhamentos e 532 curtidas, médias bem acima
da página, na qual geralmente cada publicação receberia 40 compartilhamentos, por
exemplo. O segundo conteúdo que teve mais reações e compartilhamento também era
relacionado ao desastre de Mariana:
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Figura 4 - Segunda postagem do MAB com mais reações e compartilhamentos
Fonte: MAB
A terceira publicação com mais reações foi o compartilhamento da notícia “MAB
denuncia golpe e violações de Direitos Humanos no Parlamento Europeu”. A terceira
publicação com mais compartilhamento e a segunda com mais comentário é um vídeo em
comemoração à chegada da ex-presidente Dilma. Por fim, o terceiro conteúdo com mais
comentários é o de uma notícia sobre “Fala do MAB na Câmara dos Deputados em
Brasília, durante a Comissão de Direitos Humanos e Minorias”. Interessante apontar que
ao contrário do MST, o MAB não é muito acompanhado por pessoas contrárias ao seu
movimento e, com isso, geralmente recebe comentários positivos:
Figura 5 - Comentários sobre a postagem do MAB
Fonte: MAB
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Esta seção delineou parte importante da observação participante netnográfica,
com a interpretação do conjunto de dados extraídos sobre a forma como o MST e o MAB
divulgam seus processos comunicacionais na internet em âmbito nacional.
CONCLUSÃO
Apontaremos nesta conclusão alguns encaminhamentos com base nas hipóteses de
trabalho utilizadas na pesquisa de doutorado. Assim:
Verificamos que os processos comunicacionais desenvolvidos pelos movimentos
sociais na internet fomentam um espaço de comunicação autônoma na medida em que
forjam dispositivos de resistência para auxiliar a luta pela democracia.
Além disso, identificamos que mediante os processos de comunicação, também
há luta pelos e nos espaços sociais da internet, sempre em busca de novas formas de
democracia.
Notou-se ainda, a partir da terceira hipótese de trabalho que embora a internet não
seja o meio exclusivo, ela potencializa o processo comunicacional desses movimentos
sociais.
A afirmativa de que os processos comunicacionais desenvolvidos pelos
movimentos sociais na internet fomentam um espaço de comunicação autônoma pôde ser
compreendida pelo fato de que os movimentos sociais passam a formar e a formatar novas
redes no espaço híbrido da internet. A comunicação desenvolvida pelos movimentos
torna-se autônoma na medida em que esses movimentos ao se empoderar do próprio
sentido do por em comum, o fazem também na internet. A posteriori, os dispositivos
forjados por eles são o seu próprio discurso, a razão de existir do movimento. Esta
constatação se deu principalmente, a partir da OPN do MST e do MAB, pois foram os
movimentos estudados em profundidade.
Além disso, identificamos que mediante os processos de comunicação, também
há luta pelos e nos espaços sociais da internet, sempre em busca de novas formas de
democracia. Esta assertiva complexa também norteou a pesquisa como hipótese de
trabalho, como aponta Bourdieu (2004, p.29) os agentes sociais também podem “lutar
com as forças do campo, resistir-lhes e, em vez de submeter suas disposições às
estruturas”, e assim, tem-se a possibilidade de modificar as estruturas em razão de suas
disposições. Existe uma grande discussão acerca do domínio da internet e de que seus
interesses apontam mais para a tecnocapitalismo do que para atuar em benefício de
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sujeitos comuns. Isto é fato, mas existe a própria contradição capital, pois quanto mais se
espraia, mas rastros e brechas constitui. O campo é formado por lutas e tensões, sabemos
disso, e os movimentos sociais representam a possibilidade de mudar estruturas
societárias vigentes que esgaçam o tecido social e degradam os sujeitos excluídos de seus
direitos.
Notou-se ainda, a partir da terceira hipótese de trabalho que embora a internet não
seja o meio exclusivo, ela potencializa o processo comunicacional desses movimentos
sociais. Dos 10 movimentos pesquisados todos estão presentes na internet, seja por meio
de páginas nas redes sociais digitais, seja por meio de blogs – muitos sem atualização de
conteúdo -, entre outras plataformas, mas estão presentes no espaço de fluxos. Logo, a
maioria dos movimentos sociais pesquisados seguem às tendências e acompanham o
fluxo das transformações tecnológicas. Eles constroem novas teias comunicacionais no
ambiente virtual, ou melhor, no espaço entre fluxos. Porém, existe também aqueles
movimentos que apenas aderem às certas tendências, mas acabam por não dar
continuidade ao processo comunicacional na internet. Esta afirmação é uma brecha para
se pensar o motivo pelo qual muitos sujeitos coletivos acabam por seguir
comportamentos, atitudes e moldar seus artefatos culturais.
Os movimentos sociais sempre compartilharam o comum, na verdade sua razão
de existir passa por esse por em comum, que liga indivíduos e acaba por formar coletivos.
O compartilhar, cooperar e por em comum faz parte da natureza da comunicação.
A visibilidade conseguida por meio das redes sociais digitais é consequência desse por
em comum e da reverberação de suas ações. Como mencionamos a luta comum de muitos
homens e mulheres, excluídos de seus direitos básicos continua a cada dia mais visível e
urge por soluções, que na maioria das vezes, são resolvidas, e quanto não, são
visibilizadas por meio das ações coletivas.
Nossa intenção foi a de buscar o entre, ou seja, uma forma rizomática de
compreender os processos comunicacionais que não se encerraram em sua tecnicidade,
ou mesmo em sua origem. Compreendemos o entre ao deixarmos que as experiências,
práticas durante a observação participante netnográfica nos conduzisse pelas falas de cada
movimento, num processo dialético, no qual nosso olhar visou as descontinuidades e não
a horizontalidade dos acontecimentos analisados, já que na internet o tempo é relativo e
o aqui e agora é um devir.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
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A reboque do discurso de que a internet está aí, e que devemos nos adaptar a esse
novo modo de estar no mundo, em que a cada dia a realidade vivida passa a ser
tecnologizada e que, consequentemente, as relações humanas tendem a estar reverberadas
nas redes digitais, precisamos repensar um projeto possível de sociedade democrática.
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