Os Retábulos das Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e de São
Francisco de Assis em Mariana, Parte Integrante do Vasto Património
Subsistente nas Estradas Reais
Nome: Ariadne Pignaton
Doutoranda em Comunicação Cultura e Artes
Universidade do Algarve Portugal
Orientador: Professor Doutor Francisco Lameira
2017
1
Os Retábulos das Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e de São
Francisco de Assis em Mariana, Parte Integrante do Vasto Património
Subsistente nas Estradas Reais
Introdução
A cidade de Mariana, em Minas Gerais, está no circuito das “Estradas Reais”, e
localizava-se no “Caminho dos Diamantes” que ligava Ouro Preto à Diamantina. Segundo
Resende (2015), foi elevada a cidade em 1745 e, no mesmo ano, o Papa Bento XIV
tornou-a sede do primeiro Bispado de Minas Gerais, sendo a cidade reconhecida hoje,
como “o berço da religiosidade mineira”.
Dentre os edifícios religiosos que compõem esta cidade, encontram-se a igreja de
Nossa Senhora do Carmo e a igreja de São Francisco de Assis (fig. 1), que apresentam
uma pequena parte da Arte Sacra existente em Minas Gerais. Dar a conhecer a arte
retabular, de considerável importância artística, patente nestes edifícios é o objetivo deste
artigo.
A metodologia utilizada adotou a abordagem qualitativa, onde o estudo se
fundamenta, principalmente, nos dados coletados no trabalho de campo, com visitas in
loco e na análise aos registos fotográficos realizados nestas visitas. Também se baseou,
na bibliografia disponível.
O artigo apresenta uma abordagem específica dos retábulos destas duas igrejas
(figs. 2, 3, 4 e 5) analisando os seguintes itens: encomenda, localização, usos e funções,
iconografia, morfologia e tipologia, técnicas e materiais, periodização e, por fim, a
produção artística.
Os retábulos foram intrumentos litúrgicos e ornamentais muito eficazes na
persuasão e envolvimento dos fiéis nos atos cristãos e tiveram muita importância religiosa
e hierárquica, sobretudo, nos séculos XVII e XVIII. As primeiras capelas adotaram
partidos arquitetónicos que vinham atender ao mesmo tempo à celebração do culto e ao
exercício de domínio da matéria. O resultado deste exercício nos remete a considerações
de ordem social, política, económica e filosófica (Caldeira, 1994, p. 11).
O património retabular mineiro é constituído por um considerável acervo,
nomeadamente, do século XVIII e XIX, registrando-se obras de significativa relevância
artística, que contribui como parte da realidade histórica do Brasil.
2
A seleção dos exemplares aqui apresentados teve em conta diversos critérios. Em
relação à geografia foi selecionada uma cidade localizada na rota das “Estradas Reais”,
onde foi efetuada uma visita in loco, com o respectivo registro fotográfico. Em relação à
cronologia, só foram escolhidos os exemplares executados até o início do século XIX.
Em relação à qualidade dos retábulos foi dada preferência às obras artísticas mais
representativas na diversidade funcional e morfológica. Finalmente, atendeu-se ao estado
de conservação, excluindo-se um exemplar em condições inadequada (localizado numa
capela anexa à capela-mor) à espera de uma campanha de restauro.
Encomenda
Apesar dos retábulos representarem um equipamento religioso, eles foram
encomendados pela sociedade civil, que estava estruturada em confrarias ou irmandades
e ordens terceiras.
No Brasil colonial as ordens terceiras franciscana e carmelita tiveram grande
expansão, sobretudo na região de Minas Gerais, onde foram proibidos os conventos das
ordens primeiras (Oliveira & Ribeiro, 2015).
As confrarias ou irmandades e as ordens terceiras abrangiam a sociedade civil,
desde os mais abastados aos mais pobres, organizavam-se em função do estatuto
socioprofissional, social ou devocional, neste caso, a São Francisco e Nossa Senhora do
Carmo. À frente destas associações estavam quase sempre pessoas de maiores recursos
económicos e estatuto social privilegiado. Essas personalidades promoviam as
encomendas artísticas e as patrocinavam com esmolas.
O componente principal destas instituições era religioso, expresso
obrigatoriamente num culto realizado num retábulo da sua administração.
Os instituidores privados, com privilégios financeiros, também desempenhavam
papel relevante na encomenda dos retábulos, sobretudo a monarquia, a nobreza e os
mercadores.
Localização
A localização dos retábulos estava relacionada com o uso e funções litúrgicas
promovidos pelos responsáveis que administravam as capelas.
A capela-mor era onde ficava o retábulo principal, situava-se na parte central da
cabeceira da igreja, era o local mais dignificante do espaço, onde aconteciam os principais
atos litúrgicos. O retábulo-mor destas duas igrejas apresentam uma tribuna ou camarim,
3
preenchida com um trono piramidal em degraus, onde a parte mais alta estava destinada
à exposição solene do Santíssimo Sacramento. Estes retábulos também ostentavam, sobre
mísulas, a representação figurativa do orago do templo (figs. 2 e 5).
Na parede do frontispício da nave, próximos ao arco triunfal dos dois templos, de
forma enviesada, estavam os dois retábulos colaterais (fig. 3). Os retábulos colaterais,
provavelmente, do século XVIII, da igreja de Nossa Senhora de Carmo, foram destruídos
com o incêndio ocorrido, segundo painel indicativo com fotografias na sacristia da própria
igreja, no dia 20 de janeiro de 1999 (fig. 6) .
Os retábulos colaterais utilizavam, majoritariamente, o mesmo risco, por isso,
eram idênticos e dignificavam o arco triunfal das igrejas (fig. 3).
A igreja de São Francisco de Assis apresenta, ainda, dois retábulos em capelas
laterais no meio da nave, numa posição fronteira (fig. 4).
Usos e Funções
Os retábulos das capelas-mores destes dois templos desempenhavam mais de uma
função: a exposição solene do Santíssimo Sacramento e, em mísulas, nos tramos laterais,
a representação escultórica dos Santos de devoção do templo (fig. 2 e 5).
Quando os retábulos apresentavam duas funções uma era dominante, neste caso,
a exposição solene do Santíssimo Sacramente, que se realizava nos retábulos eucarísticos.
As Ordens Terceiras, neste caso, de Nossa Senhora do Carmo e de São Francisco, que
administravam estas igrejas, obtiveram autorização dos superiores para expor o
Santíssimo em sua capela-mor.
Foi a partir da terceira década do século XVII que, os retábulos começaram a
apresentar uma nova morfologia, destacando-se na parte central uma tribuna ou camarim,
relativamente profundo, maioritariamente, cobertos com uma tela pintada, preenchido
com um trono piramidal em degraus (ver figs. 2 e 5). Nos Jubileus ou Lausperene retirava-
se a cobertura da tribuna e no topo do trono piramidal colocava-se um ostensório ou
custódia com a hóstia consagrada, procedendo assim, à exposição solene do Santíssimo
Sacramento.
Os demais retábulos existentes nestas duas igrejas eram devocionais a três temas
iconográficos. No tramo central, em nicho, apresentava-se uma imagem de vulto perfeito
do orago, nos tramos laterias, em mísulas, as esculturas eram de devoção secundária (figs.
3 e 4).
4
Iconografia
Os retábulos, tinham como finalidade principal ostentar representações figurativas
alusivas ao Catolicismo. A própria morfologia destes equipamentos, dignificavam os
conteúdos iconográficos. Os temas apresentavam-se hierarquizados, estando os mais
importantes patenteados no retábulo localizado na capela-mor e os menos relevantes nas
restantes capelas.
Nestes dois templos regista-se dois temas iconográficos: o Santíssimo Sacramento
e o hagiográfico. Este último se refere à vida dos mártires considerados santos.
O Santíssimo Sacramento era a apoteose eucarística, nos Jubileus ou Lausperene,
particularmente o das Quarenta Horas (na Semana Santa) e o da Comunhão Geral (nos
quartos domingos de cada mês), entre outros, era exposto, no retábulo-mor, uma custódia
ou ostensório com o Santíssimo Sacramento para veneração dos fiéis (figs. 2 e 5).
Nos retábulos cujo tema iconográfico era relativo a hagiografia, surgiam
representações escultóricas dos Santos. Normalmente estes retábulos secundários,
apresentavam uma grande variedade de temas, mas, é mais comum mostrarem
representações relativas ao orago, na igreja de São Francisco de Assis (São Francisco de
Assis, Santa Clara, Santo António, Santa Isabel, etc…) e na Igreja do Carmo (Santo Elias,
Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz, etc…) [figs. 3 e 4].
Morfologia e Tipologia
Os retábulos deste estudo apresentam planta côncava, embasamento com dois
registros, corpo único e ático, adotando a tipologia de um corpo e três tramos (figs. 2, 3,
4 e 5).
Técnicas e Materiais
Os exemplares aqui representados são de finais do século XVIII e, alguns a
cronologia se estende até o século XIX, adotando assim, o vocabulário Rococó e
Tardobarroco. No início dessa época o uso da madeira entalhada e dourada é
predominante e progressivamente, começa a surgir a utilização da madeira com grandes
superfícies lisas com policromia a fingir pedraria, aparecendo alguns ornatos em talha
5
dourada. No final de setecentos a talha começa a perder terreno para as superfícies lisas,
quer imitando pedraria policroma, quer aplicando o branco leite.
Periodização
Neste artigo será apresentado apenas a conjuntura artísticas Rococó e
Tardobarroco patente nos retábulos deste estudo (figs. 2, 3, 4 e 5).
No Rococó assiste-se a algumas mudanças no panorama retabular, onde as
rocalhas ou concheados e as formas auriculares, passam a ser ornatos fundamentais.
Continua a utilizar-se a talha dourada, mas começam a surgir as superfícies lisas fingindo
pedraria policroma. Neste caso, a ornamentação escultórica dourada, restringe-se a alguns
espaços e apresenta além dos concheados, elementos vegetalistas. Esta opção das
superfícies lisas com alguns ornatos em talha dourada era muito representada nas colónias
que estavam ligadas à Corte.
Nesta conjuntura verifica-se que os elementos arquitetónicos aparecem muito
diversificados, possibilitando um ecletismo acentuado conforme o gosto da
clientela/artista, mas, confirma-se também, que mantiveram as tipologias e os modelos
compositivos utilizados no reinado de D. João V. Alguns retábulos realizados nos finais
do século XVIII e princípios do XIX, já anunciam o declínio dessa modalidade artística.
Nesta fase, alguns exemplares, como os destas igrejas, adotaram, como já referido,
uma tipologia de um corpo e três tramos, registrando-se nos tramos laterais mísulas
rematadas por dosséis, exibindo imagens de vulto perfeito.
Em relação aos elementos arquitetónicos nota-se diversificação: colunas com o
fuste revestido por caneluras com o terço inferior diferenciado, pilastras com o fuste
ornamentado com elementos vegetalistas, pilares compósitos, pilastras lisas com alguns
elementos vegetalistas, etc. (figs. 2, 3, 4 e 5).
Os áticos, situados na parte superior, destes retábulos apresentam soluções
bastante diversificadas, típicas desta conjuntura, frontão contracurvado com perfil
recortado e sinuoso, segmento de frontão curvo, cartelas centrais envoltas por elementos
vegetalistas, ático definido e rematado por arcos (figs. 2, 3, 4 e 5).
Produção Artística
Em relação à concepção dos projetos dos retábulos, é possível identificar alguns
profissionais: arquitetos, pintores, pedreiros, canteiros, marceneiros e curiosos com
6
alguma formação artística. Importante referir, que houve uma relevante circulação de
plantas (riscos), onde a cidade de Lisboa teve um papel centralizador, quer em relação a
Portugal, quer em relação às suas colónias ultramarinas (Lameira, 2016).
Entre estes profissionais destacaram-se alguns artistas que trabalhavam em obras
patrocinadas pela Corte ou para instituidores privados e arquitetos com experiência
internacional que desenvolviam a sua atividade em mais de uma área geográfica
(Lameira, 2016). Alguns acabavam por fixar residência nas colónias portuguesas. É o
caso do Mestre Manuel Francisco Lisboa que se estabeleceu em Ouro Preto.
Em relação à igreja de Nossa Senhora do Carmo o risco do retábulo-mor (fig. 5)
foi realizado em 1797 por Padre Félix António Lisboa (Caldeira, 2017), um artista local,
filho do Mestre Manuel Francisco Lisboa.
Na execução das obras artísticas, numa primeira fase a mão de obra era importada
da Corte, depois, verificou-se a utilização de mão de obra local devido à crescente
demanda (Lameira, 2016).
Consta que o douramento do retábulo-mor da igreja de Nossa Senhora do Carmo
(fig. 5) foi realizado em 1819 pelo pintor Francisco Xavier Carneiro, natural de Mariana
(Caldeira, 2017).
Nas obras da capela-mor da igreja de São Francisco trabalharam: José Pereira
Arouca, natural de Portugal sediado em Mariana; Manuel da Costa Athaíde, natural de
Mariana e Francisco Vieira Servas, natural de Portugal residente em São Domingos do
Prata. Entre 1794-1795, estes profissionais fizeram o douramento do retábulo-mor e do
retábulo colateral do lado do Evangelho ou retábulo de Santa Isabel (figs. 2 e 3).
Conforme indica a documentação, os demais altares foram concluídos entre fins do século
XVIII e princípios do XIX (fig. 4), com os trabalhos de douramento executado por
Francisco Xavier Carneiro (Caldeira, 2017).
Para concluir, refere-se que entre 1794 e 1795 Manuel da Costa Athaíde realizou
diversos trabalhos na igreja de São Francisco de Assis, incluindo as pinturas do teto da
sacristia (Caldeira, 2017).
7
Figuras:
Figura 1: Igreja de São Francisco de Assis (à esquerda) e Igreja do Carmo de Mariana (à
direita).
Fonte: o autor
9
Figura 3: Retábulo Colateral do Lado do Evangelho ou retábulo de Santa Isabel da
Igreja de São Francisco de Assis, de Mariana.
Fonte: o autor
10
Figura 4: Retábulo Localizado no meio da nave do lado do Evangelho da Igreja de São
Francisco de Assis, de Mariana.
Fonte: o autor
12
Figura 6: Incêndio na Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Mariana
Fonte: Acervo do IPHAN-MG
Biblografia:
Borges, N. (1993). História da Arte em Portugal - do Barroco ao Rocócó, Vol.9. Lisboa:
Publicações Alfa, S.A.
Caldeira, A. (1994), Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Mariana, Cad. Arquit. Urb.,
Belo Horizonte, Nº 2, pp. 11-33.
Caldeira, A. Coord. (2017). Paisagem Cultural da Estrada Real. Retrieved Feb 18, 2017,
from: www.paisagemestradareal.com.br/Mapeamento
13
Dias, P. (2008). Arte de Portugal no Mundo – Arquitetura Civil e Religiosa. Lisboa:
Editor Público Comunicação Social, S.A.
Halcón, F. (2016). Trasvases e influencias: el retablo del siglo XVIII en el ámbito
Novohispano. O Retábulo no Espaço Ibero-Americano. Forma, função e iconografia,
Vol. 1. Lisboa: Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas/NOVA, pp. 135-148.
Lameira, F. (2005). O Retábulo em Portugal, das Origens ao Declínio. Faro:
Universidade do Algarve.
Lameira, F. (2016). Contributos para o estudo do Retábulo no Mundo Português: os
Prenúncios do Triunfalismo Católico (c.1580 – c.1620). O Retábulo no Espaço Ibero-
Americano. Forma, função e iconografia, Vol. 1. Lisboa: Instituto de História da Arte da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/NOVA, pp. 13.15.
Oliveira, M. A. R. de, Ribeiro, E. (2015). Barroco e Rococó nas Igrejas de Recife e
Olinda. Brasília, DF: IPHAN.
Oliver, B., Bergas, F. (2016). El retablo escultórico en la Corona de Aragón: los
mallorquines Antoni Verger (ca. 1555-1635) y Jaume Blanquer (1579-1636), artífices del
cambio del Renacimiento al Barroco. O Retábulo no Espaço Ibero-Americano. Forma,
função e iconografia, Vol. 1. Lisboa: Instituto de História da Arte da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas/NOVA, pp. 41-50.
Resende, M. (2015). Berço da Religiosidade Mineira. Site Oficial de Turismo. Retrieved
Feb 18, 2017, from: mariana.org.br/turismo/Apresentação/viajar
Ribeiro, L. M. G. (2011). Gritos e Sussurros, A Retabilística Barroca em São João de
Itabora/RJí. Rio de Janeiro: Ed. INEPAC.
Smith, R. (1962). A Talha em Portugal. Lisboa : Livros Horizontes.