PAISAGEM E TERRITORIALIDADE: REFLEXÃO SOBRE A
FOTOGRAFIA NOS E.U.A. DO SÉCULO XIX E IMAGENS DE
DEBRET NO PARANÁ.
ALUISIO DE ALMEIDA ANDRIOLLI.
UNESPAR – Campus de Curitiba II.
Resumo:
A idéia de escrever um texto sobre Debret e a
produção de imagens tendo paisagens paranaenses
como tema, surgiu após a descoberta de um
trabalho publicado no início da década de 1980 pelo
governo do Paraná, sobre a pintura de paisagens
tendo locais do estado como representações, e a
constatação de que Debret pode ter sido o primeiro
a realizar trabalhos pictóricos sobre esta região do
Brasil. Utilizamos na confecção deste texto as
concepções de uso imagético da territorialidade
presentes no trabalho de Joel Snyder, daí a proposta
se relacionar ao uso fotográfico do território que este
autor traz, sobre a fotografia nos E.U.A. do século
XIX; com a produção imagética de Debret sobre a
paisagem do Paraná, mesmo com a constatação de
que técnicas utilizadas pelos produtores de imagens
foram diferentes (representação pictórica e
fotográfica).
Palavras-chave: Paisagem; Territorialidade;
Fotografia nos E.U.A.; Debret.
A idéia de escrever um texto sobre Debret e a
produção de imagens tendo paisagens paranaenses
como tema, surgiu após a descoberta de um
trabalho publicado no início da década de 1980 pelo
governo do Paraná, sobre a pintura de paisagens
sobre o estado, e a constatação de que Debret pode
ter sido o primeiro a realizar representações de
imagens sobre esta região do Brasil.
Preocupado em acumular esboços para o seu projetado
livro Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, Debret
percorreu o território paranaense em 1827, produzindo
número considerável de desenhos e aquarelas de boa
qualidade pictórica (como todas as suas obras),
sobretudo de extraordinário valor documental para o
Paraná. O roteiro seguido pelo artista viajante é o velho
caminho das tropas até Curitiba (desde Itararé, na divisa
atual com São Paulo), descendo à Paranaguá e
Guaratuba para alcançar o litoral de Santa Catarina.
(Paraná, 1982, p.13).
Utilizamos na escrita deste texto as concepções de
uso imagético da territorialidade presentes no
trabalho Fotografia Territorial de Joel Snyder, daí a
proposta de relacionar o uso fotográfico do território
que este autor traz, com a produção imagética de
Debret sobre a paisagem do Paraná, mesmo com a
constatação de que as técnicas utilizadas pelos
produtores de imagens foram diferentes
(representação pictórica e fotográfica).
Segundo o texto de Joel Snyder, Fotografia
Territorial, o estabelecimento de práticas de
fotografia de paisagem ocorreu simultaneamente à
reflexões sobre a própria técnica fotográfica, na sua
relação com a representação da pintura, no fascínio
pela origem mecânica da fotografia, que teve a
conseqüência de uma crença de que a
representação fotográfica fosse perfeita, como se ela
não pudesse ter erros como poderia haver em outros
meios de apresentação de imagens.
A caracterização da origem tecnológica do meio
fotográfico, por outro lado, reforçou a idéia da
superioridade da representação de imagens feita
pelas artes visuais, idéia defendida por artistas e
críticos devido a interesses econômicos. Snyder
argumenta que na época, os fotógrafos não eram
competidores dos pintores e ilustradores na mídia
estabelecida, provavelmente o impacto da fotografia
no mundo da arte foi causado por um reflexo da
industrialização e o aparecimento de uma nova
classe média urbana ávida por consumir novidades.
Por que os fotógrafos aceitaram essa visão
mecanicista da fotografia? Porque ela criou um
mercado de consumo na época – o da
representação factual, onde se pensa que a imagem
capturada é idêntica ao modelo original, sem ter a
obrigação de lhe conferir um caráter particular.
Assim uma visão acompanhou o início da fotografia
de viagem, arquitetônica ou de paisagem: uma
representação passiva de algo pré-existente.
Ironicamente, a origem, da fotografia de paisagem,
um gênero proeminente na história da prática
fotográfica, iniciou-se de forma que os fotógrafos
não pudessem refletir sobre uma estética inerente a
ela. No entanto, muito pouca atenção foi dada para
os trabalhos fotográficos com o tema da paisagem
feitos nos anos de 1860 e 1870, pesquisas que
definiram boa parte do estilo dominante da fotografia
panorâmica, a fase em que ela foi inventada e
refinada.
Snyder está interessado na análise dos fatores que
levaram duas práticas de fotografia de paisagem
entre os anos de 1860 e 1870, procurando entender
por que estas fotografias de paisagem foram feitas
dessa forma. O autor revela que essas práticas
fizeram sucesso junto às audiências que elas
serviram, mas no entanto, ele esclarece que isso
não significa que elas pudessem ser simplificadas
apenas para o deleite de audiências particulares.
Por fim, ele enfatiza a especificidade dessas
pesquisas sobre a fotografia de paisagem dessa
época, o que requer o entendimento sobre suas
funções e seu alcance como um todo.
A primeira geração de fotógrafos da paisagem, entre
1840 e 1850, foi dependente das convenções da
representação plástica desse gênero na época,
como as várias formas de gravura, da pintura sobre
tela, isto ocorreu principalmente nas primeiras
produções de fotógrafos franceses e britânicos,
normalmente influenciados pelo meio artístico da
época. Não havia ainda um mercado consumidor e
nem produção em massa da impressão fotográfica.
No fim dos anos de 1850 e durante os anos 1860,
começou a se formar um mercado de consumo de
fotografias de paisagem, com a fundação de casas
especializadas na publicação e venda deste tipo de
fotografia, especialmente para turistas. Inicialmente
na Europa e depois nos E.U.A. as fotografias de
paisagem se popularizaram, principalmente quando
passaram a ser enviadas pelo correio.
Há uma centralidade no questionamento da
produção fotográfica para o consumo por que isso
denota os motivos que guiaram a produção
fotográfica no período. Percorre esta idéia, a
sugestão que isso teria servido para satisfazer a
demanda de uma classe média crescente, mas isso
somente não explicaria toda a extensão do
fenômeno, até porque, a primeira geração de
fotógrafos veio de classes privilegiadas,
familiarizadas com as descrições plásticas de
paisagens, eles enfatizaram uma devoção ao
pitoresco com todos os seus detalhes. O autor
coloca este ponto para mostrar que a crença no
naturalismo determinou a prática da primeira
geração de fotógrafos da paisagem.
Como exemplo do pensamento dominante nestas
classes altas sobre a fotografia, Snyder apresenta o
pensamente de Lady Elisabeth Eastlake, uma
escritora especializada em arte e fotografia na
década de 1850: de acordo com ela, uma
representação imagética só teria mérito estético se
mostra-se “nossa própria experiência da natureza”,
como a fotografia é um produto de um mecanismo,
não teria como representar a experiência humana do
mundo, isso significa que a fotografia não teria
potencial artístico. O autor ressalta que a opinião
dessa senhora refletia fielmente a opinião corrente
na intelectualidade em sua época.Na metade da
década de 1850, a fotografia foi separada em termos
conceituais das outras artes visuais e esta
separação foi descrita não em termos de meios
diferentes, mas sim em termos ontológicos. A pintura
e as demais artes gráficas eram descritas como o
domínio do imaginativo, cognitivo e ideal, enquanto a
fotografia era, dependendo do interesse do escritor,
rebaixada ou elevada para o domínio do factual,
material, o fisicamente real. Assim, quando um
intelectual consagrado como Baudelaire criticava a
fotografia como corruptora do “desenvolvimento da
pureza material da cultura”, alguém como Oliver
Wendel Holmes defendia que a fotografia era o
“honesto raio de sol”: uma “pintura externada da
natureza, a melhor e sempre verdadeira”.
Snyders coloca que a divisão de opinões sobre o
valor da fotografia como um meio de produção de
trabalhos artísticos teve um efeito singular: os
fotógrafos ganharam respeito por seu trabalho
revelar transparência e verdade. Por volta de 1860,
a fotografia já fazia parte da cultura popular
caracterizada como um meio útil para o propósito da
documentação dos ambientes naturais. A nova
geração de fotógrafos paisagísticos podia trabalhar
sem a obrigação de produzir arte, segundo eles
próprios, poderiam fotografar o que eles viam, sem
seguir nenhuma convenção. Em termos práticos,
estes fotógrafos poderiam desenvolver pesquisas
para a produção de imagens paisagísticas,
escapando de motivos sancionados e fórmulas de
representação consagradas, procurando manter as
qualidades da singularidade, fatualidade e
materialidade, mas ao mesmo tempo tentando fazer
fotografias que fossem belas e atraentes, sem
dixarem de ser um produto do ofício fotográfico.
O fotógrafo Carleton Watkins desenvolveu uma
técnica virtuosística com fórmulas derivadas, mas
não co-extensivas com o pitoresco e o sublime na
representação da paisagem. Suas fotografias
ficaram muito conhecidas e ele foi considerado por
muito tempo o mais importante fotógrafo americano.
Watkins via o seu trabalho como a gravação de um
momento evanescente da realidade física e não
como a construção de uma paisagem idealizada, um
exemplo disso é a foto The Tree Conicall in the
Yosemite Park (figura 1):
Fig. 1. YOSEMITE PARK 2. Carleton Watkins.
Paradoxalmente, a obra de Watkins acabou por
influenciar pintores como Albert Bierstadt, Willian
Keith e Thomas Moran, que valorizaram sua
“contribuição científica”. Com isso se construiu uma
retórica que impossibilitou a visão do trabalho de
Watkins como representações artísticas de
paisagens.Watkins passou a reproduzir paisagens
do oeste americano para fins de propaganda, como
lugares para se visitar, mas também para morar,
viver. As paisagens de Watkins passaram a mostrar
a costa do Pacífico como um local potencialmente
bom para o desenvolvimento e investimento de
capitais. Ele começa a trabalhar para empresas de
mineração e ferrovias, mostrando a paisagem
modificada pelo homem de uma maneira a valorizá-
la. (figura 2).
Fig. 2. THE MALAKOFF DIGGINS. Carleton
Watkins.
As fotos de Watkins eram monumentais, ele era
devotado à idéia de progresso, pensamento
dominante em sua época. Seu esquema
representativo combina uma possibilidade de dupla
salvação: um retorno à inocência intocada e a
oportunidade de realizar a violação da inocência, já
que o jardim do éden pode e deve ser explorado.Na
mesma época outro fotógrafo, Timothy O’ Sullivan,
fotografa o oeste americano de maneira contrária ao
estilo de Watkins. Sullivan participou como fotógrafo
da guerra civil americana, desenvolvendo um viés de
realidade jornalística em seu trabalho. Ele participou
também de expedições geológicas financiadas pelo
governo americano entre 1867 e 1874, seu trabalho
fotográfico é singularmente oposto ao de Watkins,
seus retratos são enegrecidos, de regiões nada
hospitaleiras, paisagens inóspitas e estéreis. (figura
3).
Fig. 3. SAND DUNES NEAR CARSON CITY,
NEVADA TERRITORY. Thimoty O’ Sullivan.
Em 1939, suas fotografias foram redescobertas e
estão no acervo do MOMA em Nova York,
consideradas precursoras do modernismo, com
toques de surrealismo por Beaumont Newhall, crítico
e curador do Departamento de Fotografia daquela
instituição nessa época. As fotos com formas
grotescas e desmesuradas das paisagens de
Sullivan sugerem que “o homem não é a medida de
todas as coisas”, já que demonstram a existência da
esterilidade e a perda de civilizações. (figura 4).
Fig.4. ENIGMA. Thimoty O’ Sullivan.
Para Snyder, a diferença entre os trabalhos de
Watkins e o de Sullivan é a diferença entre o
familiar, conhecido, inteligível e o estranho,
desconhecido, ininteligível. O autor defende que a
fotografia de paisagem de Sullivan não delineia um
território possivelmente com potencial exploratório,
mas sim um tipo diferente de território, o local a ser
estudado, investigado, carente de uma explicação
que só pode ser dada pela pesquisa científica. Em
resumo é uma nova concepção de território, que só
pode ser explorado por uma nova elite, a elite do
pensamento científico. Com isso, ele também
exprime um valor de classe.
Tendo o texto de Snyder como referência, podemos
pensar o papel de Debret na representação pictórica
do Brasil de sua época. Vimos que ambos os
fotógrafos comentados por Snyder tem uma coisa
em comum, ambos colocaram seu trabalho a serviço
de empresas ou de expedições financiadas por
governos, com isso ambos podem ser considerados
produtores de imagens “oficiais’ de seus patrões,
mesma situação em que Debret se encontra em
1827, ano que acompanha Dom Pedro I, em cuja
corte é pintor “oficial”, em uma viagem de
reconhecimento ao sul do Brasil, produzindo as
imagens do Paraná citadas neste trabalho. Ressalte-
se por isso o provável interesse do Império Brasileiro
nessa representação territorial. O domínio do espaço
nacional e seu controle faz parte de suas
atribuições, como nos lembra Focault em um de
seus textos sobre o poder de polícia do estado:
Enfim, último objeto da polícia, a circulação: a
circulação das mercadorias, dos produtos oriundos da
atividade dos homens. E essa circulação deve ser
entendida antes de mais nada no sentido dos
instrumentos materiais que é necessário lhe proporcionar.
(...) O espaço da circulação é portanto um objeto
privilegiado para a polícia. Por “circulação”, porém, deve-
se entender não apenas essa rede material que
possibilita a circulação de mercadorias e eventualmente
dos homens, mas a própria circulação, isto é, o conjunto
dos regulamentos, imposições, limites ou, ao contrário,
facilidades e incentivos que vão possibilitar a circulação
dos homens e das coisas no reino e, eventualmente, fora
das fronteiras. (Focault, 2008, p.p 436-437).
Com isso, fica delimitado o papel de localizador e
produtor de imagens representativas para o Império
Brasileiro que Debret teve nesta viagem, como
exemplos podemos citar as pinturas de Paranaguá e
Curitiba (figuras 5 e 6), principais centros urbanos da
Quinta Comarca da Província de São Paulo, na
época (nome oficial da região que hoje compreende
o Paraná).
Fig. 5. PARANAGUÁ. S.D. Debret.
Fig. 6. CURITIBA 1827. Debret.
Outra imagem importante feita por Debret nesta
viagem, e que é bastante representativa da
necessidade do Governo Imperial Brasileiro de
domínio e controle do território, é a que mostra a
fronteira dos atuais Estados de São Paulo e Paraná,
juntamente com a circulação de mercadorias por
tropeiros nesta fase histórica. (figura 7).
Fig. 7. LIMITE DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO E
CURITIBA. Debret.
Além de demonstrar o domínio humano sobre o
território paranaense na época, as aquarelas de
Debret, também testemunharam modificações que
os homens fizeram sobre o meio ambiente das
regiões retratadas por ele. Modificações ambientais
que podem ser consideradas de acordo com a visão
de Sevcenko sobre uma obra de Paulo Prado.
(figura 8.).
Paulo Prado (...) escreveu um livro, Retrato do Brasil,
no qual todo um capítulo é dedicado à paisagem, onde
identifica que não há outro destino para a paisagem no
Brasil que não seja o de desaparecer, e que essa é a
condição da construção da modernidade no país e não
outra. (...) Acho que nessa breve consideração podemos
ver a transição da natureza brasileira do paraíso para a
carcaça, e considerar que o que ficou da paisagem talvez
seja (...) essa vontade de gozar e tocar o que já sabemos
de antemão que está irremediavelmente e para sempre
perdido. (Sevcenko, 1996, p.119).
Muito embora estas considerações de Sevcenko
possam se consideradas muito pessimistas, a
representação que Debret fez de uma queimada de
floresta de Araucárias pareceu profética, pois este
ecossistema talvez tenha sido o mais destruído de
todos os biomas brasileiros. Talvez assim, a
representação imagética de Debret sobre o Paraná
possa dar uma contribuição sobre o papel de refletir
nosso território nacional.
Fig. 8. PROVÍNCIA DE SÃO PAULO (Território da 5ª
Comarca, Curitiba – Queimada de Pinheiros). 1827.
Debret.
REFERÊNCIAS.
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População. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
KERN, Maria Lucia. Barros. Paisagem,
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Joaquín Torres-Garcia. In: Salgueiro, Heliana A.
(Org.). Paisagem e Arte. São Paulo: CBHA, 2000.
LIMA, Valéria. J.- B. Debret, Historiador e Pintor.
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Cia. das Letras, 1996.
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Antoine Taunay e as desventuras dos artistas
franceses na corte de D. João. São Paulo: Cia. das
Letras, 2008.
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W. J. T. (Org.).Landscape and Power. Chicago:
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SEVCENKO, Nicolau. “O front brasileiro na Guerra
verde: vegetais, colonialismo e cultura”. In: Revista
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