UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS LINGUAGEM E IDENTIDADE
PALÁCIO RIO BRANCO: LINGUAGENS DE UMA ARQUITETURA DE PODER NO
ACRE
Ana Carla Clementino de Lima
RIO BRANCO
2011
Ana Carla Clementino de Lima
PALÁCIO RIO BRANCO: LINGUAGENS DE UMA ARQUITETURA DE PODER NO
ACRE
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre, na Área de concentração em Sociedade e Cultura, sob a orientação do professor Dr. Gerson Rodrigues de Albuquerque.
RIO BRANCO
2011
L732p Lima, Ana Carla Clementino, 1976-
Palácio Rio Branco: linguagens de uma arquitetura de poder
no Acre / Ana Clara Clementino de Lima. – 2011.
100 f.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Acre, Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Curso de Mestrado em
Letras Linguagem e Identidade, Área de Concentração em
Sociedade e Cultura. Rio Branco, 2011.
Inclui Referências bibliográficas
Orientador: Prof. Dr. Gerson Rodrigues de Albuquerque.
1. Cultura – Linguagens – Rio Branco (AC). 2. Palácio Rio
Branco – Patrimônio cultural – Memória – Rio Branco (AC). 3.
Rio Branco (AC) – Política cultural – Regionalismo – História. 4.
Governo – Identidade Cultural – Rio Branco (AC). I. Título.
CDD: 306.098112
LIMA, 2011. LIMA, Ana Clara Clementino de. Palácio Rio Branco: linguagens de uma arquitetura de poder no Acre. Rio Branco, 2011. 100 f. Dissertação (Mestrado em Letras - Linguagem e identidade) – Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Universidade Federal do Acre, Rio Branco.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UFAC
Bibliotecária: Vivyanne Ribeiro das Mercês Neves CRB-11/600
TERMO DE APROVAÇÃO
Ana Carla Clementino de Lima
PALÁCIO RIO BRANCO: LINGUAGENS DE UMA ARQUITETURA DE PODER NO
ACRE
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Letras: Linguagem e Identidade, pela Universidade
Federal do Acre (UFAC), na Área de concentração Sociedade e Cultura.
BANCA EXAMINADORA
Orientador: Prof.Dr. Gerson Rodrigues de Albuquerque Universidade Federal do Acre
Prof. Dra. Maria de Jesus Morais Universidade Federal do Acre
Prof. Dra. Lindinalva Messias do Nascimento Chaves Universidade Federal do Acre
Prof. Dr. José Dourado Alves de Souza
RIO BRANCO-AC,
2011
DEDICATÓRIA
Aos leitores, pesquisadores e interessados pelo tema e pelo compartilhar com as reflexões realizadas nesta dissertação, bem como a todas as pessoas que se inquietam com suas responsabilidades institucionais e não se afastam do esforço de reflexão teórica sobre suas atividades, acreditando que se não podem mudar, podem ao menos pensar no desafio de proporcionar um diálogo mais aberto com as práticas culturais da sociedade em que vivem.
AGRADECIMENTOS
Nesse processo de pesquisa em que me deparei, muitas vezes, com “portas
fechadas”, documentos “perdidos” ou “não identificados”, com funcionários de
instituições que “não sabiam” dar informações me levando a pensar na
impossibilidade de conclusão ou mesmo em um novo direcionamento da pesquisa,
tive a certeza de poder contar com o apoio, direto e indireto, de pessoas e
instituições necessário ao andamento de minhas reflexões propostas e, a todos
estes, o meu muito OBRIGADA!!! Deixo registrado aqui os meus agradecimentos
sem separar a esfera pública da privada, pois não consigo dissociar o resultado
desse estudo sem considerar o meu “lugar” de sociabilidade que inclui as duas
esferas.
Sem considerar como cumprimento de um ritual, mas para, de fato, tornar
público o papel importante que teve na construção desse estudo, agradeço
imensamente ao meu estimado orientador, Gerson Rodrigues de Albuquerque, por
sua percepção, questionamentos e, acima de tudo, pelos desafios lançados, os
quais me levaram a certas angústias ao ter que “desaprender” alguns conceitos
enraizados, mas que também me ajudaram a exercitar o meu “olhar”, contribuindo
assim para o meu crescimento intelectual.
À minha mãe, Neusa, e meu pai, João Farias, pela compreensão, profundo
incentivo, respeito e amor que têm dedicado à minha pessoa desde que nasci.
Às minhas queridas sobrinhas Blenda e Laura, pelo apoio no levantamento
de dados dos visitantes do Palácio e impressões de documentos.
Ao meu sobrinho de sete anos, João Víctor, pelos momentos de
descontração e até mesmo pelas “broncas” quando me criticava, dizendo “a tia é
preguiçosa, não faz nada! Passa o dia “olhando” para o livro e o computador!”
À minha irmã Iris e ao meu cunhado, Jonathas Vieira, por todo carinho e
“socorros” prestados: quando o pneu do carro furava na UFAC, quando a impressora
sofria danos, quando a tinta acabava, enfim, quando a ajuda era de extrema
importância em momentos cruciais para a minha participação em eventos ou em
conclusões de trabalhos.
Às minhas amigas Aurinete Malveira, pelos diálogos sobre arquitetura, e
Alessandra Dantas pelo apoio nas transcrições das entrevistas.
Ao meu amigo Vinícius Cotrin Neto e a minha amiga Lucilene Almeida, pelas
palavras de incentivo quando estava “desanimada”.
À Kellen Dantas pelos comentários de algumas leituras sobre identidade.
À prof. Dra. Maria de Jesus Morais, pelos diálogos mantidos nos encontros
em eventos, pelos valiosos empréstimos de livros sobre patrimônio histórico e pelos
comentários durante o Exame de Qualificação.
À prof. Dra. Lindinalva Messias Nascimento, que também compôs a Banca
de Qualificação, pela leitura atenta e os valiosos e sinceros comentários críticos à
forma e conteúdo do texto.
Ao diretor da Sub-regional do IPHAN no Acre e amigo Deyvesson Israel
Alves Gusmão.
Ao Eduardo de Araújo Carneiro, pelas informações de atas e processos
sobre o tombamento do Palácio Rio Branco.
Ao professor e estimado AMIGO Francisco Bento da Silva, pelos livros e
DVDs que muito contribuíram para entendimento e esclarecimento de processos
históricos, mas principalmente, pela companhia agradável em momentos de
descontração.
Aos entrevistados que dispuseram de seu tempo para me atender: o ex-
presidente da Fundação Elias Mansour Antônio Alves, o artista plástico Dalmir
Ferreira, a ex-diretora da Coordenação de Patrimônio da FDRHCD Fátima Almeida,
aos ex-diretores da FDRHCD João Petrolitano e Jacó Píccole, o presidente da
Federação de Teatro do Acre Lenine Barbosa de Alencar e o arquiteto Jorge
Mardine Sobrinho.
A todos os meus colegas da Pós-Graduação que serão sempre lembrados,
em especial a Raquel Alves Ishii, Patricia Redigolo, Valéria Barbosa, Guadalupe
Dagaldilho, Rivanda Nogueira, Gracione Teixeira, Rozane Albuquerque, Maristela
Diniz e Maria Da Luz França.
À Fundação Elias Mansour, destacando a atenção no atendimento
dispensado a mim por Elda Alencar.
Ao Departamento de Patrimônio Histórico, fundamentalmente, a Chefe do
Departamento Suely da Costa Melo e à secretária Lívia Helena Galvão.
Ao Museu Universitário da UFAC (antigo CDIH), principalmente à estagiária
Gercinéia Alves da Silva.
À equipe do Museu da Borracha pela acolhida nos momentos de pesquisa
na biblioteca.
Aos alunos do 8º período do curso de História Bacharelado, no segundo
semestre letivo de 2009, pelas discussões realizadas durante meu estágio de
docência: Éssio, Wellynton, Arlen, Emilania, José Capistano, Huendeson, José
Welliton, Sandréia, Iolanda, Assis, Maria Zenaide, Edcleu, Aires, Carlos, Jerônimo,
Adriana e Silvana.
A todos os professores do mestrado, ao Coordenador Henrique Silvestre e,
finalmente, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Letras Linguagem e
Identidade e à Universidade Federal do Acre (UFAC), pela possibilidade de
chegar a esse momento de minha trajetória profissional, bem como à
Capes/Programa Reuni pela bolsa e apoio à pesquisa.
RESUMO
Este estudo discute a invenção de uma acreanidade forjada pela linguagem, cuja representação constitui-se de narrativas históricas, personagens, mito de origem e símbolos que foram intensamente divulgados durante o “Governo da Floresta” (1999-2006), no Estado do Acre, como referência identitária. Para tanto, lançamos mão de algumas produções acadêmicas que trazem contribuições importantes sobre a temática. Nesse processo de invenção, destacamos, na abordagem da discussão, a atuação da Fundação de Cultura Elias Mansour, do Departamento de Patrimônio Histórico do Acre e do Jornal Página 20 como agências promotoras de um discurso regionalista, em conformidade com os interesses do governo estadual, em um tempo presente, que trazia em seu discurso oficial um conceito de modernidade aliado ao de tradição, para legitimar suas intervenções por meio de um consenso através da via cultural e da ideia de “progresso”. Como materialização das abstrações desse discurso, o governo trabalhou com um projeto urbanístico de revitalização do centro histórico de Rio Branco e criação de novos lugares de memória, que nos levam a refletir sobre o patrimônio e suas articulações com o discurso oficial. Nesse contexto, o Palácio Rio Branco, construído em 1929, como símbolo do rompimento com o “atraso”, foi “revitalizado” em 2002, ressurgindo oficialmente e discursivamente como monumento-símbolo do Acre e da “acreanidade”, simbologia esta que se tornou o ponto chave de nossas reflexões, cuja pesquisa destina-se a lançar um outro “olhar” a respeito do que está posto como unidade a partir desse monumento que apresenta em suas dependências um cenário de uma versão de “história regional”, mas que traz em sua essência a contradição do discurso por sua composição esteticista, ritualística e memorial.
Palavras-Chave: Memória. História. Patrimônio Cultural. Identidades. Representações. Amazônia Acreana.
ABSTRACT
This study discusses the invention of an “acreanity”, that is, an Acrean identity,
forged by language, whose representation is made up of historical narratives,
characters, origin myth and symbols that have been heavily publicized in the
"Government of the Forest" (1999-2006), in the state of Acre, as identity references.
For this we engaged some academic productions that bring important contributions
on the subject. In the process of invention, we highlight the role of “Elias Mansour”
Cultural Foundation, the Department of Historical Patrimony of the State of Acre, and
of the “Jornal Página 20”, a local newspaper. Those institutions were considered as
agencies that promoted a regionalist discourse, in accordance with the interests of
the state government, which brought in its official discourse the concept of modernity
combined with tradition, in order to legitimize their interventions through a consensus
about the culture, more specifically the idea of "progress". In doing so, the
government created an urban project to revitalize the historic center of Rio Branco,
the capital of the State of Acre, and also created new places of memory, which
leaded us to reflect on the historical patrimony and their links to the official discourse.
In this context, the “Palácio Rio Branco”, built in 1929 as a symbol of the rupture with
the "retrogress", was "revived" in 2002, rising officially and discursively as a
monument-symbol of the State of Acre and also the "acreanity". That symbol became
the key point of our reflections, whose research is intended to launch another "view"
upon this monument that had on its premises a version of "regional history", which
brings a cultural contradiction in its essence, considering its aesthetics, ritual and
memorial aspects.
Keywords: Memory. History. Cultural Patrimony. Identity. Representation. Acrean
Amazon.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................. 11
1.DIÁLOGOS SOBRE A “INVENÇÃO” DA ACREANIDA................... 19
2.PALÁCIO RIO BRANCO: A TEATRALIZAÇÃO DA “HISTÓRIA
REGIONAL” – E DA “ACREANIDADE”.............................................
42
3.MEMÓRIA, MEDIAÇÃO CULTURAL E CONSTRUÇÃO
DISCURSIVA DO PASSADO-PRESENTE ........................................
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................. 94
11
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O estudo apresentado nesta dissertação faz parte de um caminho longo e
sinuoso, percorrido durante minha trajetória profissional. Foram mais de oito anos de
atividades exercidas como estagiária e em cargo de comissão por vários setores do
Departamento de Patrimônio Histórico do Estado do Acre. Devo dizer que lidar com
questões ligadas à cultura, memória, símbolos e representações é algo
extremamente conflitante, por tratar-se de dimensões simbólicas de valores
individuais e coletivos. Tais valores são ora “impostos”, ora apropriados ou
inventados, criados, recriados, trazendo em sua essência elementos cruciais das
relações sociais, resistências ou negociações pelos mais diversos interesses, em um
“campo de batalha” contínuo que nos leva a refletir sobre a expressão romana cui
Bono, (FUNARI & PELEGRINE, 2006, p.10), ou seja, “quem se beneficia?”
Procuramos nesta dissertação, ampliar reflexões iniciadas em um estudo
intitulado “Entre a memória histórica e o esquecimento: a re-invenção do Acre (2002-
2006)”.1 O interesse pela abordagem surgiu de inquietações pessoais no exercício
de minha atividade na condição de diretora do Museu da Borracha, em 2005.
Vivenciávamos um momento de “entusiasmo” no Acre, quando somente se ouvia
falar de aspectos positivos desse Estado da federação, na Amazônia brasileira.
A visão divulgada na mídia sacralizava uma relação dos acreanos com a
floresta e com “valores tradicionais”. A intensidade das propagandas difundidas
tomava significativas proporções, na medida em que ia produzindo a ideia de que o
Acre vivia uma “nova fase” de “desenvolvimento” e “bem-estar social”. Todos
pareciam extremamente envolvidos e satisfeitos com a “valorização” que se dava a
uma ideia de “cultura”, singularizada e marcada pela lógica do grupo político que
assumira o comando do poder executivo local.
Frente a esse contexto, buscamos refletir acerca das dimensões simbólicas
que marcaram a ideia de construção de um “Outro Acre”, pesquisando sobre os
projetos governamentais que estavam em destaque na mídia: Palácio Rio Branco,
Memorial dos Autonomistas, Casa dos Povos da Floresta, Praça dos Povos da
Floresta, Via Chico Mendes e Mercado Municipal.
1LIMA, Ana Carla Clementino de. Entre a memória histórica e o esquecimento: a “re-invenção”
do Acre. 2007. Monografia (Pós-Graduação em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia) – Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2007.
12
Dividido em três partes, aquele estudo traz algumas considerações sobre a
construção de uma memória coletiva apoiada em determinados suportes sociais
para seu reconhecimento. A produção dessa memória histórica concentrou-se em
um conjunto de “realizações” pretéritas de governadores do Acre Território,
especialmente, Hugo Carneiro (1928-1930) e Guiomard dos Santos (1946-1950),
bem como no “mito fundador” da “Revolução Acreana” e em semióforos2 antigos e
recentes, a exemplo de Plácido de Castro e Chico Mendes.
No Acre, naquele início de milênio, ocorria um fenômeno de reconstrução e
criação de “lugares da memória” que visavam conferir legitimidade ao projeto
governamental em voga. O que se evidenciava, portanto, não era uma valorização
da memória social e coletiva das comunidades acreanas, mas da memória que
interessava – e interessa – às elites locais, posto que, esses “lugares da memória”,
no dizer de Pierre Nora, “nascem e vivem do sentimento que não há memória
espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários,
organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres [...]” (NORA, 1993, p. 13).
A criação ou recriação ou reconstrução desses “lugares da memória”
concorrem para a invenção/re-invenção de tradições que, em harmonia com
determinados “fatos históricos” sacralizados pelo discurso de um “Acre que se quis
brasileiro”, atualizavam práticas de controle do poder público, preservando ou
estabelecendo a “obediência, lealdade e cooperação” (HOBSBAWM & RANGER,
1997, p. 273) da “comunidade de acreanos” ou dos que “vivem no Acre com o
governante que, também, procurava se legitimar.
Em estreito diálogo com Nora, Hobsbawm e Ranger, observando a partir do
momento presente, é possível dizer que entre os anos 2000-2008, o governo
acreano desenvolveu um trabalho voltado para a “urbanização” efetiva do centro da
cidade de Rio Branco e mesmo de outras cidades acreanas. Nesse processo,
procurou “resgatar” elementos do passado, sob o invólucro da recuperação e
manutenção do patrimônio histórico acreano, a partir de uma “concepção oficial de
2 Para Marilena Chauí, em Brasil - mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu
Abramo, 2001, p.12, o semióforo pode ser um acontecimento, um animal, um objeto, uma pessoa ou uma instituição retirados do circuito do uso ou sem utilidade direta e imediata na vida cotidiana porque são coisas providas de significação ou valor simbólico, capazes de relacionar o visível e o invisível, seja no espaço, seja no tempo.
13
cultura”3, como mecanismo para manter uma aparência de unidade social, através
da política de preservação e produção de um patrimônio coletivo.
Percebe-se que a política de patrimônio histórico e cultural selecionou bens
culturais de cal e pedra, fixando pontos que orientam itinerários, cuja
representação, compõe o que poderíamos chamar de uma “cartografia do poder”
que teve início com a “reforma”, “restauração” e “revitalização” do Palácio Rio
Branco, símbolo maior do poder político no Acre.
Essa cartografia teve como base a produção material (monumentos) e
simbólica no campo da cultura, constituindo-se de uma relação entre linguagem,
história, memória e sociedade que precisam de maiores reflexões por configurar
formas e conteúdos, criando representações de uma certa identidade no imaginário
individual e coletivo dessa parte das Amazônias.
Ampliando e mesmo superando questões esboçadas no estudo anterior, o
que pretendemos, com esta dissertação, é discutir a construção de uma identidade
acreana ou a “acreanidade” no contexto do “Governo da Floresta”, mais
precisamente no espaço de tempo que consideramos mais significativo para os
objetivos deste estudo, os anos 2002-2006.
A abordagem proposta concentra-se na linha de pesquisa Cultura e
Sociedade, especialmente, por levar em consideração que os significados da
linguagem são produzidos na e para a sociedade por meio de práticas culturais.
Nessa perspectiva, a discussão será realizada a partir dos estudos culturais,4
campo de estudo multidisciplinar em que a cultura entrelaça todas as práticas
sociais.
Consciente da impossibilidade de se discutir todo o sistema de
representações, o objetivo agora é, fazer uma discussão acerca das dimensões
simbólicas e dos discursos que inventaram a ideia de uma “acreanidade”, tendo
como suporte a política patrimonial, articulada a uma complexa rede de significados,
visando criar ou legitimar uma ideia de “tradição” para a afirmação da “identidade
acreana”. Ao dialogarmos com essa identidade, cuja representação manifesta-se
3 Termo cunhado de Leite, (2001, p.13), o qual se refere a práticas orientadas e voltadas para
sociedades que têm o Estado como referência institucional. 4 A preocupação dos estudos culturais está em sondar como as relações são vividas e
experimentadas. É um campo do estudo que surgiu na Inglaterra em meados da década de 1950. Emergiu a partir das obras de Hichard Hoggart (As utilizações da Cultura), de Raymund Wilians (Cultura e Sociedade) e de E.P. Thompson (A formação da classe operária inglesa).
14
nos “lugares de memória”,5 questionamos a unidade cultural que foi produzida pelas
representações de um discurso, cuja “linguagem molda o mundo simbólico” (BURKE
& PORTER, 1993, p. 13-37).
Diante da necessidade de questionamento dessa aparente unidade em torno
de uma “identidade cultural acreana”, representada nos lugares de memória,
optamos por discutir o Palácio Rio Branco como estudo de caso, por ser
considerado pelo discurso oficial, um símbolo de “restauração do próprio Acre” e da
“acreanidade” (NEVES apud MORAIS, 2008, p. 229).
A partir deste estudo de caso, propomos fazer uma leitura discursiva na
contramão do que está posto, buscando romper com “exílios interiores”,6 dialogando
com as seguintes problemáticas: quais as condições de criação, no governo de
Hugo Carneiro (1928-1930), daquilo que foi concluído no governo de Guiomard
Santos (1946-1950) e recuperado/revitalizado no governo de Jorge Viana (2002-
2006) em torno do Palácio Rio Branco? Sua preservação como produção simbólica
e material expressa quais experiências sociais? Quais são as memórias que
podemos atribuir à significação desse Palácio, na condição de monumento histórico?
O Palácio Rio Branco – como patrimônio histórico e cultural – exerce sua função
social de direito à cidadania?
Para investigar o período dessa construção de representações simbólicas de
invenção da “acreanidade”, nos lugares de memória, recorremos à biblioteca e à
hemeroteca do Museu da Borracha.7 Nesse museu, tive acesso ao relatório do ex-
governador do Território do Acre, Hugo Ribeiro Carneiro, bem como ao acervo de
jornais com as edições do Jornal “Página 20” e o Jornal “O Estado” (anos 2002-
2006). Essa documentação foi importante para analisar imagens e enunciados na
produção imagético-discursiva da “acreanidade”, tendo como pano de fundo o
Palácio Rio Branco, desde seu projeto inicial, em 1928.
5 NORA, (1993) classifica a dinâmica de criação dos lugares da memória como “o tempo dos lugares”,
momento preciso do fim de uma tradição de memória onde aparece um aprofundamento decisivo do trabalho da história, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída. 6 GLISSANT, (2005) utiliza esse termo para explicar momentos em que o imaginário, a imaginação,
ou a sensibilidade estão alheios àquilo que se passa à sua volta. 7 O Museu da Borracha foi criado através do Decreto Estadual nº 30 de 03 de abril de 1978, pelo
Governador Geraldo Mesquita. Era subordinado ao Departamento de Assuntos Culturais (DAC) da Secretaria de Educação e Cultura do Acre e passou a ser vinculado à Fundação de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Cultura e do Desporto em 1979. Atualmente é coordenado pelo Departamento de Patrimônio Histórico da FEM.
15
Percorrendo os arquivos do Departamento de Patrimônio Histórico e
Cultural do Estado (DPHC), tive acesso a relatórios, atas, decretos, dossiês,
fotografias, processo de tombamento do Palácio e a um sistematizado arquivo
digital, contendo centenas de matérias e notícias publicadas nos jornais Folha do
Acre, O Acre, Renovação, O Estado, O Rio Branco, O Jornal, Diário do Acre,
Gazeta, A Gazeta e A Tribuna, entre as décadas de 1920 a 1990. Esse acervo foi
constituído a partir de pesquisas e sistematização realizada pelas estagiárias do
DPHC para subsidiar o projeto de “revitalização” do prédio palaciano, visando seu
posterior tombamento8 como bem cultural.
Parte substancial das notícias jornalísticas desse acervo refere-se ao
Palácio Rio Branco como palco de comemorações cívicas: semana da pátria, sete
de setembro, aniversário do Estado, aniversário da Revolução Acreana, aniversário
do Tratado de Petrópolis, Dia da bandeira, entre outros. Outra parte destaca o
palácio como ambiente para cerimônias e solenidades: posses de prefeitos e
governadores, assinaturas de convênios, audiências especiais, recepções, almoços
e jantares - em meio aos cristais e porcelanas finas - para as elites locais e
visitantes oficiais.
Percebe-se uma pequena mudança no teor das matérias, a partir da
década de 1980, quando o Palácio passou a ser citado também como lugar de
reivindicações populares. Isso pode ser indicativo não de uma mudança simbólica,
mas, indício do reconhecimento de sua representação diante da sociedade
acreana, ou seja, símbolo do poder executivo.
No DPHC, também tive acesso ao filme “Território Federal do Acre
(1949)”9, produzido no governo de Guiomard Santos. O filme é uma espécie de
relatório cinematográfico de seu governo, produzido pela empresa Medeiros Filmes,
do Rio de Janeiro, e constitui-se em importante fonte de pesquisa sobre sua
administração.
Na Fundação Elias Mansour (FEM), responsável pela criação, preservação
e manutenção do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural, e,
8 Tombamento é um ato administrativo realizado pelo Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e
ratificado pelo poder público com o objetivo de preservar, por intermédio da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados. 9 O original desse filme/documentário pertence ao acervo do Museu Universitário da UFAC e faz parte
dos documentos doados à essa instituição por Lydia Hammes (já falecida), viúva de José Guiomard dos Santos.
16
consequentemente, pelos espaços administrados diretamente por este órgão, como
o Palácio Rio Branco, Museu da Borracha, Memorial dos Autonomistas, Casa dos
Povos da Floresta, Sala Memória de Porto Acre, Museu do Xapurys, Museu de
Sena Madureira e outros, tive acesso a documentos oficiais como Leis e Decretos.
Porém, esses registros não foram suficientes para analisar a atuação dessa
instituição no processo de invenção da “acreanidade”. Tal situação me levou a
recorrer às entrevistas para a coleta de depoimentos de ex-diretores-presidentes
das duas fundações de cultura criadas no Estado, ou seja, a Fundação de
Desenvolvimento de Recursos Humanos e do Desporto (FDRHCD) e a Fundação
Elias Mansour (FEM). Nessa mesma direção, realizei entrevistas com artistas que
possuem vínculos com a história das fundações de cultura.
Percorri ainda os arquivos do Museu Universitário da Universidade Federal
do Acre, que congrega um amplo e importante conjunto de fontes documentais,
num acervo que vem sendo constituído desde o ano de 1976, quando aquele
centro foi criado, com a finalidade de coletar e organizar documentos referentes à
história da Amazônia, particularmente a do Acre, visando à produção científica.
O acervo documental desse museu é bastante diversificado e, dentre suas
coleções, está a de Guiomard Santos, composta por milhares de documentos
referentes à trajetória pessoal, política e profissional desse homem público.10 Nessa
coleção, procurei mais especificamente documentos relativos ao período em que
Guiomard Santos foi governador do Território do Acre. Os tipos recorrentes de
documentos acessados foram cartas, telegramas, ofícios, agendas e fotografias.
Esses documentos, embora não constem das referências, citadas diretamente no
corpo do texto, foram de grande importância para a compreensão do imaginário
que se construía a respeito do “construtor do Acre”.
Percorri ainda as dependências do Museu Palácio Rio Branco, observando
as exposições e, consequentemente, fazendo uma leitura. Nesse Museu, tive
acesso aos livros de registros de visitantes no período que compreende os anos de
2005 a 2008. Também realizei entrevista com o arquiteto responsável pelo projeto
de revitalização do Palácio Rio Branco, Jorge Mardine Sobrinho.
10
José Guiomard dos Santos, mineiro nascido em 23 de março de 1907, na cidade de Perdigão em Minas Gerais. Militar nomeado para ser Governador Delegado da União no Território Federal do Acre em 1946, pelo presidente da República Eurico Gaspar Dutra.
17
A pesquisa foi fascinante e ao mesmo tempo árdua, provocando em alguns
momentos entusiasmos e, em outros, frustrações, diante do que não se podia
prever. Seu ritmo impôs, muitas vezes, sentimentos de dúvidas e de impotência
frente aos problemas que iam surgindo e me envolvendo a tal ponto que, não
conseguindo me desvencilhar de suas teias, “mergulhei” no imprevisível, no
emaranhado de informações adquiridas e até mesmo na ausência ou silêncios das
mesmas.
Diante dos entraves e ansiedades, tentei manter o controle necessário para
a produção de minhas reflexões e, para superar esses problemas, tomei como
referência de incentivo o provérbio que diz: “quem observa o vento, nunca semeará;
o que olha as nuvens, nunca segará” (Eclesiastes 11:4). Com espírito, procurei
esquecer as dificuldades e foquei somente na conclusão deste estudo.
No percurso da escrita, pude contar com ideias que surgiram em momentos
inspiradores, geralmente, durante as madrugadas. Em uma dessas ocasiões,
recordei-me de uma discussão feita durante a disciplina Linguagens, sociedade e
diversidade amazônica, no Mestrado em Letras da UFAC, sobre a “coruja de
minerva” que, na visão hegeliana, somente alça vôo ao anoitecer. Essa metáfora,
utilizada para pontuar que o conhecimento surge após o acontecido ou às
experiências vivenciadas, ajudou-me a melhor compreender o processo de
elaboração do conhecimento, bem como o “fazer-se” de minhas atividades
intelectuais. Tudo Isso me veio à cabeça, neste momento, como que para realçar os
momentos de inspirações súbitas e os pulos da cama para fazer as anotações
madrugadas adentro, que se constituiu de fundamental importância para o
desenvolvimento das reflexões que compõem a pesquisa que ora apresento.
A partir destas considerações, a presente dissertação está dividida em três
capítulos: No primeiro, intitulado Diálogos sobre a “invenção” da acreanidade,
destaco alguns lugares de memória, que foram estrategicamente criados e
“revitalizados” para compor as representações do discurso sobre a “acreanidade”,
em um (re)ordenamento, no centro da capital acreana, como estratégia para
produzir expectativas, subjetividades e formas de identificação social com o projeto
político em vigor. Procuro, ainda, dialogar com produções acadêmicas, as quais
foram motivadas, direta ou indiretamente, pela discussão sobre a invenção da
“acreanidade”. Inicio, portanto, minhas reflexões dialogando/problematizando com
estudos recentes que considero de significativa relevância para o debate sobre a
18
realidade social da Amazônia acreana e para as questões de natureza
metodológicas, tais como: “„Acreanidade‟: invenção e reinvenção da identidade
acreanidade”, “A construção discursiva da florestania: comunicação, identidade e
política no Acre”, “O discurso fundador do Acre: heroísmo e patriotismo no último
Oeste”, “As raízes ”do autoritarismo no executivo acreano (1921-1964)”. Também
defino o caminho teórico-medotológico pelo qual percorri.
No Capítulo II, Palácio Rio Branco: a teatralização da “história regional”
– e da “acreanidade”, procuro discutir o Palácio na condição de museu e
monumento histórico, que foi oficialmente reconhecido como bem patrimonial,
compondo, assim, uma discursividade em torno de uma exposição musográfica para
apresentar uma “história regional”, bem como de símbolo da “acreanidade”. Nessa
teatralização, pontuo certas contradições dos discursos sobre um “novo” Acre e
sobre “acreanidade” atribuídos discursivamente e oficialmente pelo governo do
Estado.
No Capítulo III, Memória, mediação cultural e construção discursiva do
passado-presente, destaco a participação no processo de mediação cultural na
invenção da “acreanidade” de órgãos estaduais como a Fundação de Cultura Elias
Mansour, o Departamento de Patrimônio Histórico do Acre e do Jornal Página 20
como agências promotoras de um discurso regionalista em conformidade com os
interesses do governo estadual, em um tempo presente, que trazia em seu discurso
oficial um conceito de modernidade aliado ao de tradição. Discuto, ainda, sobre as
práticas de subjetivações que são postas em ação, cujo teor simbólico vem atuando
como armadilha, no sentido de construir uma imagem do governo e de uma
representação histórica em harmonia, divulgadas nos jornais Página 20 e O Estado
em um jogo simbólico eficaz.
19
1.DIÁLOGOS SOBRE A “INVENÇÃO” DA ACREANIDADE
Com a inauguração do Memorial dos Autonomistas “José Guiomard dos
Santos” (2002) e Casa dos Povos da Floresta (2003), bem como a re-inauguração
do Palácio Rio Branco (2002) e Mercado Velho (2006), instaurou-se no Acre “o
tempo dos lugares”. Expressão esta, que tomo por empréstimo de Pierra Nora para
falar do “momento preciso” em que se finaliza “uma tradição de memória [e] onde
aparece um aprofundamento decisivo do trabalho da história, para só viver sob o
olhar de uma história reconstituída” (NORA, 1993, p. 12).
Esses “lugares de memória” compuseram um “novo” ordenamento, em
especial, no centro de Rio Branco, a capital do estado. Ali, o “Memorial dos
Autonomistas”, talvez, seja um dos “monumentos” mais emblemáticos de uma
“ordem” que silencia vozes dissonantes no “coração da cidade”. Edificado ao lado do
Palácio Rio Branco, o memorial surgiu sobre as “ruínas” de outra memória, tendo em
vista que, nesse local, funcionava anteriormente a “Casa do Seringueiro”.
De acordo com o arquiteto Jorge Mardine Sobrinho, responsável pelo projeto
de “revitalização” do Palácio Rio Branco e criação do Memorial dos Autonomistas,
este último foi pensado com “a mesma estrutura de restauro, resgate e revitalização”
do primeiro.11 O prédio, construído em uma escala menor do que a do Palácio Rio
Branco, trouxe em sua composição elementos de uma arquitetura moderno-
contemporânea, cuja linguagem é, também, intimidante. As paredes de vidros ao
seu redor determinam uma relação de distanciamento, criando uma “vitrine” de
contemplação para os transeuntes visualizarem suas partes interiores, sem
necessariamente entrar nas dependências do mesmo.
Na solenidade de inauguração do prédio, em setembro de 2002, os corpos
do casal Guiomard Santos e Lydia Hammes, transladados do Cemitério “São João
Batista”, no Rio de Janeiro, foram sepultados em local reservado no memorial para
servir de mausoléu ao “Pai do Acre”. Esse novo “lugar de memória” não trouxe de
volta a memória dos seringueiros representados anteriormente naquele espaço,
antes, surgiu para referendar e reverenciar a memória da classe dominante, na
figura do político Guiomard Santos. Na ocasião, a cerimônia fúnebre com benção e
sepultamento aconteceu com todos os aparatos cívicos: honras militares com o ritual
11
Parte do depoimento do Arquiteto Jorge Mardine, em entrevista realizada pela autora, em 24 de fevereiro de 2011.
20
de hasteamento da bandeira do Acre, ao som do hino acreano. Esses símbolos são
sempre instrumentalizados para compor o mítico de uma comunidade harmônica e
imune às diferenças sociais.
Todo esse aparato discursivo passou a exercer papel de grande relevância
na estratégia do “Governo da Floresta”12 para dar corpo à representação da
“acreanidade”. No momento solene de inauguração do edifício, o governador, Jorge
Viana, proferiu um discurso emocionado que seria retratado pela escrita oficiosa do
Jornal Página 20:
Eu costumo dizer que acreano não é quem nasce no Acre. Acreano é quem
ama o Acre. Aqui nós estamos diante dos restos mortais de dois grandes
acreanos- nascido em Minas Gerais e outro no Rio. Foram pessoas que
deram demonstração de amor à nossa terra e a nossa gente. É por isso que
eu acho que essas homenagens além de justas, representam o desejo de
Guiomard e de dona Lydia. Eles serão para sempre guardados pelo povo a
quem eles amaram tanto (Jornal Página 20, 20 de setembro de 2002, p. 24).
Os esforços propagandísticos de Guiomard Santos, quando governador do
Território Federal, e, depois, político com diversos mandatos pelo Estado do Acre,
ganhavam nova embalagem na apologia ao “outro” e a si mesmo do governador
Jorge Viana. Os corpos de Guiomard e Lydia Hammes, sua esposa, que andavam,
falavam, gesticulavam, movimentavam-se na arena política da cidade, agora eram
transformados em corpos simbólicos de um discurso identitário que encontra
“descanso” no “sepulcro”13 do discurso político.
As palavras emotivas de “amor à nossa terra e a nossa gente” são
introduzidas na narrativa, como exemplo e demonstração do que é ser um acreano
“legítimo”, ou seja, ter “amor ao Acre” e lutar em favor de uma causa. A figura de
Guiomard, apropriada pelo discurso como exemplo de luta por uma causa, é,
também, uma maneira de associar as ações desse ex-governador às ações do
governador do presente. Toda essa simbologia que atravessou, à maneira de um
12
“Governo da Floresta” foi o período de governo de Jorge Viana (1999-2006) que se autodenominou como sendo um “governo da floresta”. “Esse governo desenvolveu uma política econômica baseada no discurso de exploração „„racional” da floresta sob a justificativa de um “desenvolvimento sustentável”, que acabou incorporando a floresta na lógica do capital. 13
Sepulcro, lugar que esconde, túmulo ou máscara, é aqui usado no sentido figurativo.
21
pathos político, nas cerimônias de inauguração do memorial ganhou espaço em
outras inaugurações
Em 2003 foi inaugurada a Casa dos Povos da Floresta, que buscava
representar as tradições e os modos de vida dos diferentes homens e mulheres da
Amazônia acreana, sintetizados nos estereotipados rótulos “populações tradicionais”
ou “povos da floresta”. Rótulos esses que articulam uma noção de cultura
essencializante e idealizada, principalmente, no tocante à relação homem-natureza.
Localizada no Parque da Maternidade,14 um dos pontos turísticos mais
conhecidos de Rio Branco, e inspirada nas malocas indígenas, a casa é toda em
madeira – contrastando com a “modernidade” do concreto armado e do asfalto –, e
coberta de palha. Em seu interior, consta um significativo acervo de objetos, em sua
maioria indígenas, que são expostos, permanentemente, de forma lúdica, composto
por painéis e bonecos que “retratam” histórias de “lendas regionais”. Tais “lendas”
são o equivalente folclórico das práticas sociais que a visão civilizadora nunca
reconhece como cultura.
No evento de inauguração da Casa, o governador fez menção à luta pelo
reconhecimento da presença indígena, na década de 1970, como um dos motivos
de inspiração da política de esquerda. Como mea culpa das discriminações sofridas
pelos indígenas, o governo se coloca como porta-voz num “processo de reparação”
aos diferentes grupos que ali vivem no Acre. Tal manifestação seria reforçada pela,
então, ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao ressaltar que:
essa atitude é uma demonstração de que os acreanos estão aprendendo a
mostrar sua identidade e estão perdendo a vergonha de dizer que são
índios, ribeirinhos, seringueiros [...] estamos fazendo um processo de
reparação, mostrando o quanto a nossa cultura é boa. O mais importante
é fazer realizações bem intencionadas, como a criação de espaços que
proporcionem o acontecimento dessas culturas (Jornal Página 20. 15 de
abril de 2003, p. 10).
O que se evidencia na argumentação dos “herdeiros” dos movimentos
sociais das décadas de 1970-80, notadamente, de seringueiros e indígenas, é um
14
Inaugurado no dia 28 de setembro de 2002, o Parque da Maternidade corta a parte central da cidade com uma extensão com mais de 06km. Possui quadras de esportes, restaurantes, bares, ciclovia, pista de skate, pista de cooper. Trata-se de um lugar de uso coletivo, destinado à prática de esportes, lazer e turismo.
22
recorrente enunciar sobre a “identidade” e a “cultura” do Acre. “Cultura” essa que,
inspirada num passado próximo, se materializava em determinados espaços
físicos, os “lugares de memória” em que não apenas a história, mas a condição
humana era reificada. Para Marina Silva, ser acreano seria uma tradição e a
valorização de uma “identidade regional” feita pelo discurso de reconhecimento dos
modos de vida de índios, ribeirinhos e seringueiros. Por essa lógica discursiva,
processava-se uma alquimia que colocava no mesmo panteão de “produtores” da
idílica „identidade acreana‟, os opressores e os oprimidos, como se nada os
diferenciasse.
Seguindo a agenda do “novo” ordenamento acreano, em seis de agosto de
2006, seria (re)inaugurado o Mercado Municipal. A “reinauguração” do edifício fez
parte da programação promovida pelo governo estadual que celebrava, naquele
ano, os 104 anos do início da chamada “Revolução Acreana”. O prédio construído
e inaugurado durante o governo de Hugo Carneiro tornou-se símbolo dos conceitos
de higiene e sanitarismo, implantado no governo de Hugo Carneiro, no Acre
Território Federal, em fins da década de 1920.
Entre os anos 1960-80, ocorreu toda uma mutação no espaço do mercado,
que foi sendo re-ocupado por infinidade de atividades comerciais. A área de seu
entorno, conhecida como “Praça da Bandeira” foi “devorada” por diferentes grupos
de pessoas e atividades, dando origem a becos e labirintos de “um rico e variado
comércio de corpos, alimentos, vestuário, confecções e dezenas de outros produtos
vendidos no varejo”.15
A intervenção, realizada a partir de 2005, visando à “revitalização” do
Mercado Municipal, ocasionou a expulsão de centenas de pessoas, abrindo caminho
para uma nova concepção e uso do espaço, posto que a paisagem do comércio
informal era vista como obstáculo para a contemplação das estruturas arquitetônicas
e da praça do mercado, monumento da “modernização” do Acre, agora re-surgido
com uma nova roupagem, e voltado para o lazer e o turismo.
As atividades de “revitalização” do “Mercado Velho” alcançaram, também,
seu entorno, com a Praça da Bandeira e a Avenida Epaminondas Jácome, surgindo
com “ambientes inovadores, envoltos por cores, calçadas e iluminação planejada
pela arquiteta e especialista em iluminação de ambientes, Ester Stiller. O Mercado
15
No artigo Representações sobre a capital do Aquiry e a cidade “moderna” em Carlos Drummond de Andrade, Albuquerque e Silvestre (2010) discutem parte dessas transformações urbanas.
23
passou a ser mais um ponto de referência do discurso de uma “tradição” que
renascia.
A revitalização beneficia diretamente dezenas de pontos comerciais, sendo
que 16 deles dentro do prédio mais antigo e 12 no segundo prédio: são
pensões, lojas de armarinhos, bancas de ervas e plantas medicinais e
muitos outros estabelecimentos que estão ali há décadas. Cada um
desses comércios tem uma história para contar – e, agora com o Novo
Mercado Velho, para recontar [...] (Jornal Página 20, 08 de agosto de
2006, p.5).
A nova roupagem criou um ambiente alegre para consumo e lazer com
bazares, cafés e bares, visando atrair mais clientes e consumidores desse “bem
cultural” dos acreanos. Acompanhada de um espaço contemplativo para passeios,
a “revitalização” do mercado trouxe novos significados de uso e função,
demonstrando a força “onipresente” do Estado, com sua capacidade
intervencionista justificada pela política de valorização histórica posta em ação.
O que se pode perceber, no bojo desta análise, é que esse “lugar de
memória”, concebido como espaço de identidade cultural e histórica, mostrou-se
excludente, pois as medidas de “preservação” adotadas em sua revitalização não
levaram em consideração as necessidades e significados da população que tirava
seu sustento e assegurava sua sobrevivência a partir das atividades ali
desenvolvidas. Indiferente a tudo e a todos, os mentores e executores do projeto de
“revitalização” do centro de Rio Branco não se deram conta, no dizer de Uriart, que
o respeito ao patrimônio não pode passar por cima do respeito às pessoas
(URIARTE, 2003, p.73-92).
O que foi ficando evidente é que o engajamento do projeto “modernizador”
associado à política de “valorização cultural” tomou conta do centro da cidade,
estabelecendo medidas autoritárias, elitistas e segregadoras, justificadas pela
preservação de determinados bens patrimoniais de cal e pedra.
No projeto urbanístico emergente, a (re)vitalização do centro histórico da
capital transformou-se no símbolo do discurso governamental de “modernização”,
que buscou na produção material da cidade unir o “velho” e o “novo”. Nessa lógica, a
ação da política patrimonial de preservação arquitetônica e valorização cultural
participou do “engrandecimento”, “embelezamento” e “fortalecimento” da ideia que
24
se criava de uma “cidade ideal”, sob o discurso de “modernidade”, reinventando
centralidades em locais estratégicos, como estratégia para produzir expectativas,
subjetividades e formas de identificação social com o projeto político em vigor.
A paisagem desse (re)ordenamento urbano de valorização simbólica, com
suas áreas e prédios, constituíram representações e leituras idealizadas do Acre e
do “ser acreano”, a partir daquilo que Walter Benjamin classificou como “reificação
dos fatos” históricos – de um passado distante e próximo –, como pano de fundo do
discurso identitário, que objetivava ganhar forma e conteúdo nas abstrações
coletivas.
No ápice desse re-ordenamento, o Palácio Rio Branco constituiu-se como
marco central de uma série de (re)inaugurações marcadas pela política de
valorização cultural do discurso da “acreanidade”. Surgindo como monumento e
museu de um “patrimônio cultural de todos os acreanos”, naquele específico
contexto, o Palácio tornou-se a materialização do discurso oficial, tomando por
assalto uma versão de história e memória para legitimação dessa identidade. Nesse
processo, rearticularam-se narrativas, atribuindo-lhes significados num presente em
que um sistema simbólico eficaz condensava espaços, tempos e práticas culturais
diversificadas, numa mesma lógica identitária.
Sistema esse que passou a assediar a todos, diuturnamente, com base
numa intensa e bem elaborada campanha publicitária que visava alcançar “as
mentes e os corações” de diferentes grupos sociais. Mesmo muitos daqueles que se
propuseram a analisar criticamente essa construção discursiva, tornaram-se reféns
de suas teias.
Ressalto esse aspecto, para enfatizar que a discussão crítica acerca da
“construção identitária” da “acreanidade” recente, manifestou-se no ambiente
acadêmico a partir de estudos que partem de diferentes e interessantes abordagens,
refletindo os olhares e experiências de seus autores em diversas áreas do
conhecimento. Desse modo, inicio minhas reflexões, dialogando/problematizando
com estudos recentes que considero de significativa relevância para o debate sobre
a realidade social da Amazônia acreana e para as questões de natureza
metodológicas que apresento neste estudo.
Em “„Acreanidade‟: invenção e reinvenção da identidade acreanidade”, Tese
de Doutorado defendida junto à Universidade Federal Fluminense, em 2008, Maria
de Jesus Morais analisa a “construção da acreanidade” pelo “viés geográfico” da
25
identidade territorial, entendida como aquela “construída em sua relação com o
território”. Notamos que, no primeiro capítulo, a autora estabelece um diálogo teórico
em torno dos conceitos de “território, memória e identidade”, por ela considerados
como conceitos importantes para o debate sobre a invenção e reinvenção da
“identidade acreana”.
Em sua abordagem, a ênfase maior é dada ao conceito de território em
dimensões que vão desde a relacionada ao estado-nação – território enquanto
espaço delimitado e controlado em que se exerce poder estatal –, até a perspectiva
de estruturador de identidades, ou seja, enquanto “lugar fundador das identidades
locais”. Pela leitura atenta de seu texto, foi possível perceber que Morais concentra
maior atenção nesta última proposição (MORAIS, 2008, p. 25-37).
A autora analisa e discute processos que englobam, por um lado, uma
dimensão histórica, ancorada na memória histórica da “Revolução Acreana”,
movimento autonomista e o movimento de índios e seringueiros, e, por outro lado,
uma dimensão geográfica, ancorada nos espaços de referência identitária tanto do
passado quanto do presente (MORAIS, 2008, p. 36-54). Nessa vertente, define
como espaços de referência as cidades de Xapuri e Porto Acre, pautando-se na
justificativa de que, no presente, essas cidades tornam-se espaços para a
materialização do discurso oficial. Os elementos de mediação, utilizados pela autora,
para tal conclusão é a construção e representação de espaços de memória, tais
como a criação do Museu dos Xapurys e Casa Chico Mendes, em Xapuri; e a Sala
Memória de Porto Acre e a “restauração” do Chalé do Seringal Bom Destino, em
Porto Acre.
A autora se apega a essas duas cidades, como referências de um passado
idealizado pela historiografia oficial que impregnou sua análise: “Porto Acre – antiga
Puerto Alonso – foi o local do „último‟ combate da „Revolução acreana‟ e assim
constitui-se na cidade histórica mais importante do Estado do Acre”; e Xapuri por
“ser revestida de uma „áurea de resistência‟ contra a ocupação boliviana, sendo
também berço do líder sindical Chico Mendes” (MORAIS, 2008. p. 252-255).
A escolha teórica de Morais demonstra sua ligação com os debates mais
recentes no terreno da geografia humanista, na qual a dimensão material-concreta
(política e econômica) do território é permeada por uma dimensão subjetiva e/ou
simbólica, engendrada pelas e nas relações sociais. Seguindo a linha teórica de
Rogério Hasbaert, a autora realiza uma ampla “descrição” histórica, tentando
26
demonstrar quais foram os processos que possibilitaram a invenção e reinvenção da
identidade acreana, protagonizada pelo “Governo da Floresta”, no período de 1999 a
2006.
Logo no primeiro capítulo de sua tese, afirma que “a questão da defesa dos
territórios, no caso a „conquista territorial‟, é mito fundador de todos os acreanos” e
que “o acreano enquanto povo foi inventado a partir da chamada „Revolução
Acreana‟” que é “constantemente realimentada em determinados momentos para
justificar reivindicações políticas da classe dominante e política do Acre” (MORAIS,
2008, p. 28-87).
Ao explicar tais afirmativas, a autora assume, no entanto, o caminho de uma
descrição linear de determinados “acontecimentos”, tomados como coisas dadas e
intocáveis, numa clara identificação com a historiografia historicista ao não se dar
conta que “os acontecimentos do passado ou seus fragmentos só ascendem a uma
legibilidade em um espaço e um tempo determinados e não necessariamente no
instante que os viu nascer” (MATTOS, 1992, p. 151).
Na reflexão geo-histórica de Maria de Jesus Morais, o território é o
estruturador de três “eventos históricos” acionados na invenção da acreanidade: i)
na “Revolução acreana”, o território significa um recurso econômico e também
desempenha um papel simbólico na construção do acreano; ii) no Movimento
autonomista, o território é “abandonado” pelo governo federal e é o estruturador em
torno do qual se constrói o discurso acreanista; iii) no movimento social de índios e
seringueiros, o território passa a ser defendido contra os “paulistas”, momento em
que constitui um discurso de defesa da floresta (MORAIS, 2008, p. 25).
Para a autora, esses “eventos” passaram a ser re-significados pelo discurso
governamental, desde o início do governo da “frente popular”.16 Por esse discurso, a
“identidade acreana” estruturava-se em torno de dois “eventos históricos”,
ressaltando o papel de protagonistas da elite local: a “Revolução Acreana”
(organizada e dirigida por seringalistas e comerciantes) e o Movimento Autonomista
(organizado e dirigido por seringalistas, comerciantes e funcionários públicos). Este
“movimento autonomista” seria responsável pela formulação de um manifesto em
defesa do “acreanismo” que, segundo Morais, seria seu “discurso identitário” em prol
16
A autora refere-se literalmente à articulação político-eleitoral denominada “Frente Popular do Acre (FPA)”, surgida no ano de 1999 e composta pelos seguintes partidos políticos: PCB, PC do B, PDT, PPS, PSB, PT e o PV.
27
da transformação do Acre, Território Federal, em Acre, estado autônomo da
federação brasileira.
Seguindo a pena de Morais, o “Governo da Floresta”, acrescentaria um
terceiro “evento” aos dois anteriores. Esse “evento” seria o “movimento de índios e
seringueiros”, no qual aparece o semióforo Chico Mendes. Com ele, prossegue
Morais, o “Governo da Floresta” e seus propagandistas, pontuando ou dando
representatividade aos interesses simbólicos dos “de baixo”, em contraste com o
“acreanismo” das elites locais, produziu o termo “acreanidade”, re-significando a
“identidade acreana”, agora ancorada na trajetória de índios e seringueiros do Acre,
mas, sem negar os signos identitários do “acreanismo”.
Esse era o ponto crucial no qual Morais poderia ter feito uma guinada em
direção contrária aos “fatos” sacralizados pelo historicismo amazonialista, não
somente porque a “acreanidade” do “Governo da Floresta” foi tecida com as
mesmas cores do “acreanismo” das elites, que dizia combater, mas,
fundamentalmente, porque os articuladores da “acreanidade” mantiveram e
reforçaram os mesmos “fatos” ou “eventos históricos” constituintes da “epopéia do
Acre brasileiro”. “Epopéia” essa, marcada por toda a sorte de violências e
exploração contra milhares de seringueiros e indígenas, perpetradas por
seringalistas, comerciantes e políticos ou, no dizer de Walter Benjamin, os
dominadores do passado, com os quais têm profunda empatia os dominadores do
presente (BENJAMIN, 1993, p. 225).
No título da tese de Maria de Jesus Morais, podemos depreender que sua
principal preocupação era discutir a “identidade acreana” enquanto “invenção” e
“reinvenção”. Partindo dessa concepção, a “identidade” foi discutida como uma
“construção histórica e social na relação com o outro”, formulando diferenças no seu
caráter contrastivo17 e performático,18 estando sempre “sujeita ao jogo da história, da
cultura e do poder”, aberta a múltiplas reconstruções. Todavia, a
invenção/reinvenção não é discutida de maneira clara nos processos históricos que
a autora afirma ser “discursivos” e, embora tente mostrar algumas contradições nas
formas como o “Governo da Floresta” aciona os significados desses processos,
17
Por caráter contrastivo, a autora entende que a identidade é construída de oposição com vistas à afirmação individual ou grupal. 18
Para Morais, a construção performática diz respeito aos enunciados que “orientam” um pensamento não se limitando em descrever um estado de coisas, mas fazem com que alguma coisa aconteça, e, a eficácia dos enunciados performativos ligados à identidade depende de sua incessante repetição, diante do Outro e de sua assimilação, tanto internamente quanto pelo Outro.
28
acaba contribuindo para a afirmação do discurso governamental, pois trata a
“Revolução Acreana”, o Movimento autonomista e o movimento de índios e
seringueiros como coisas dadas e não como construções discursivas, conforme
seus próprios enunciados.
Verificando as fontes consultadas por Morais, percebe-se que foram
substancialmente diversificadas: discursos, manifestos, artigos, relatórios, material
de campanha eleitoral, matérias jornalísticas, resoluções e entrevistas. No entanto,
durante a leitura de sua tese, constatei que tais fontes não foram submetidas ao
escrutínio da interrogação problematizadora de sua condição histórica, das vozes,
sujeitos e projetos que, por intermédio delas, se manifestam, mas como suportes
para a afirmação da descrição histórica, da abordagem e das escolhas da autora.
Em, “O mito fundador do Acre e dos acreanos”, segundo capítulo de sua
tese, Morais afirma que o mito fundador do Acre é a “Revolução acreana”,
ancorando-se em Marilena Chauí, que conceitua tal mito como “um momento
passado imaginário” e Durval Muniz de Albuquerque, como uma “invenção do
presente”. Porém, em seguida, se contradiz ao relatar todos os combates travados
pela conquista das terras acreanas como “fatos” e não como mais uma construção
discursiva de tal mito fundador e do ideário da “acreanidade”.
No capítulo intitulado, “A re-significação da identidade acreana: o movimento
social de índios e seringueiros como símbolo da „defesa da floresta‟”, não constatei
uma discussão sobre essa “re-significação”, mas uma leitura descritiva de certos
acontecimentos que, “progressiva e linearmente”, culminam com a criação da
“Aliança dos Povos da Floresta”, como se isso, em si e por si, tivesse a capacidade
de explicar a “re-significação” que a autora anuncia e não analisa ou explicita.
Mais adiante, no quarto capítulo, Morais anuncia que vai colocar em
discussão a forma como:
O movimento indígena e seringueiro é acionado pelo Governo da Floresta
para implementação do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre,
e como símbolos da acreanidade (MORAIS, 2008, p.159).
No entanto, se detém em situar a formação do Partido dos Trabalhadores e
em esclarecer o que significa o conceito de “desenvolvimento sustentável”,
preocupando-se mais em mostrar quais foram as primeiras iniciativas e programas
29
do que, realmente, em “discutir de que forma o movimento indígena e seringueiro é
acionado pelo Governo da Floresta para implementação do Programa de
Desenvolvimento Sustentável do Acre”.
No conjunto, a forma como a tese está estruturada dificulta o entendimento
de sua proposta, em especial, nos capítulos acima destacados. A preocupação em
“comprovar” a relação do território com a “identidade acreana” levou a autora ao
caminho metodológico de uma história de continuidade e linearidade dos “fatos”, o
que corrobora com a ideia do discurso oficial dos grandes “eventos” e
“personalidades”, acionados pelo discurso da acreanidade.
Minha perspectiva e abordagem caminham em direção contrária à de
Morais, ao não propor reafirmar “fatos” ou “eventos” históricos sacralizados, mas
apresentá-los como construções mentais, pois, concordando com Walter Benjamin:
“nenhum fato, meramente por ser causa, é só por isso um fato histórico. Ele
se transforma em fato histórico postumamente, graças a acontecimentos
que podem estar dele separados por milênios (BENJAMIN, 1993, p. 232).
Forjados e significados no terreno da linguagem, “fatos históricos” são
narrativas produzidas por determinados sujeitos sociais, em determinados contextos
e situações. Nessa perspectiva, com a qual compartilho – sob direta influência de
Edward Thompsom, Raymond Williams, Stuart Hall e Edward Said –, não estão
imunes aos valores e percepções de quem escolheu e lhes conferiu sentidos.
Não se pode deixar de ressaltar, no entanto, que o texto de Morais é
oportuno por nos possibilitar uma leitura sobre a formação do Partido dos
Trabalhadores no Acre, bem como a apropriação discursiva dos ideais do
movimento de trabalhadores rurais na construção da auto-imagem do ”Governo da
Floresta”. Um governo que se auto-proclamou “realizador dos ideais de Chico
Mendes”, objetivando assim, justificar sua política estadual que lançou a floresta
como eixo de “desenvolvimento” econômico e “sustentável” para o Estado do Acre.
Nesse sentido, considero mérito da autora as questões e apontamentos que faz
sobre as ambiguidades e tensões, que estão latentes na implementação do
programa de “desenvolvimento sustentável”, tendo por base o manejo florestal
madeireiro.
30
Outro estudo, com o qual mantive diálogo foi “A construção discursiva da
florestania: comunicação, identidade e política no Acre”, de Isac Guimarães Júnior,
dissertação de mestrado defendida no ano de 2008, junto ao Curso de Mestrado
em Comunicação e Mediação, da Universidade Federal Fluminense.
Partindo da escolha do título de sua dissertação, antevi que a preocupação
principal de sua análise seria discutir como se deu a construção do discurso que
gerou o conceito de Florestania.19 Porém, na leitura do texto, percebe-se que sua
maior preocupação foi mostrar a participação dos meios de comunicação, e da
cultura midiática, na produção e reprodução de bens em produtos de consumo,
minimizando a problematização com a lógica da construção de tal conceito. Para
ele:
é na vigência do predomínio do consumo da imagem que ele busca
compreender as articulações entre comunicação, política, ambientalismo e
movimentos sociais, tal como se configuram no Acre nas políticas
implementadas pelos governos do PT a partir de 1999. (GUIMARÃES Jr.,
2008, p.16).
Em sua perspectiva e abordagem, esse autor procura:
identificar no discurso oficial do Governo da Floresta, manifesto num
conjunto visões e princípios sintetizados no conceito de florestania, a
constituição, para o conjunto da população acreana, sobretudo através de
difusões midiáticas, de um modelo de identidade capaz de gerar
engajamentos e consensos nos vários estratos sociais, assegurando,
assim, a direção moral e cultural indispensável à hegemonia do bloco
político liderado pelo Partido dos Trabalhadores a partir de 1999
(GUIMARÃES Jr., 2008, p.11).
Sua análise parte, portanto, de difusões midiáticas realizadas em jornais,
revistas, mídia eletrônica, material publicitário do governo e do Partido dos
Trabalhadores. De acordo com Guimarães Júnior, o discurso do grupo político do PT
e de alguns setores da mídia local passou a integrar a:
19
Segundo o autor (p.22), o termo Florestania foi cunhado no final da década de 1990, por intelectuais ideólogos do PT acreano e membros de governos municipais e estaduais petistas. Remetendo-se a um modelo de cidadania e de relações socioambientais, socioeconômicas e socioculturais, adaptadas a uma vida na floresta amazônica, tendo como fundamento os modos de vida, as práticas produtivas e os valores culturais das populações da floresta.
31
construção de uma imagem do Acre, a partir das experiências extrativistas,
como uma „comunidade‟ amplamente qualificada a se colocar para os „de
fora‟ como referência de sociabilidade e equilíbrio ecológico. (GUIMARÃES
Jr., 2008, p.91).
Para o autor, é essa imagem que alimentará a formação discursiva em torno
do discurso da florestania, conceito este que parece assumir, em suas palavras:
a função de (re)ordenador de uma história e de uma memória acreana
ligadas sobretudo à acontecimentos considerados decisivos da história do
estado, criteriosamente selecionados na composição dos materiais que
integrariam o discurso oficializado [...] os momentos/eventos mobilizados na
operação discursiva posta em atividade seriam os seguintes: I) as batalhas
pela incorporação do território acreano à Federação Brasileira, no início do
século XX, e os atos apontados como eventos fundadores da história local,
como assinatura do Tratado de Petrópolis, em novembro de 1903; II) o
movimento pela autonomia político administrativa, entre 1957 e 1962; III) o
movimento extrativista de seringueiros, nas décadas de 1970 e 1980, como
marco da luta pela terra contra a expansão das atividades agropecuárias e
pela afirmação da causa ambientalista (GUIMARÃES Jr., 2008, p.22).
Nesse sentido, Guimarães Jr. considera os “efeitos positivos resultantes
desse tipo de reorganização da história e da memória em termos de fortalecimento
de vínculos identitários com o lugar e com seus símbolos” (GUIMARÃES Jr., 2008,
p.22). Partindo de uma outra perspectiva, não pretendo afirmar seus efeitos
“positivos”, mas pontuar que são invenções constituintes do discurso de
“acreanidade”, que procura sua “essência” a partir de uma versão idealizada do
passado.
O autor acredita que uma análise cuidadosa das operações simbólicas pode
revelar indícios de que a sistematização constituída no discurso do “Governo da
Floresta”, em torno da noção de florestania, seria mais adequadamente classificada
como uma identidade legitimadora do que de resistência.20 Ele constrói sua narrativa
apoiado no esquema teórico de Castells, mostrando a participação da imprensa na
20
Para Guimarães Jr., “a identidade Legitimadora consiste naquela produzida e alimentada pelas instituições da sociedade no intuito de fortalecer o controle sobre os atores sociais e gerar conformidades em torno de interesses específicos”.
32
construção de representações identitárias, especificamente, no capítulo intitulado
“Cultura e representação política: velhas e novas imagens da acreanidade”.
Nesse capítulo, o autor faz uma narrativa linear e corrobora com as
representações do discurso da acreanidade, ao tratar os diferentes movimentos de
índios e seringueiros como “um acontecido tal qual” ou um “fato histórico
naturalizado”, bem ao gosto da perspectiva linear e historicista presente no espectro
da historiografia amazonialista. Não se pode deixar de ressaltar, no entanto, que a
discussão, feita pelo autor, sobre a relação da mídia com a política local, é
extremamente relevante ao destacar as articulações e negociações entre as
empresas publicitárias, os setores sociais e as elites dominantes.
Nas leituras dos textos de Morais e Guimarães Jr., de um modo geral,
percebe-se um certo tom de denúncia a uma “acreanidade” que se torna o discurso
governamental de motivação e adesão ao modelo de política econômica adotado no
Estado. Política essa em que a floresta deixa de ser um conjunto de mundos de
trabalhos, produção cultural e intercâmbios homem-natureza, para ser
mercantilizada, com a ampla e agressiva retirada e comercialização de madeira que
está no âmago do modelo de “desenvolvimento” “sustentável” do governo acreano.21
Nota-se, também, que os referidos autores não colocaram sob o crivo da
análise e da interrogação a perspectiva histórica do discurso da acreanidade, mas,
ao contrário, caíram nas malhas das representações forjadas por esse discurso.
Suas abordagens, fundamentadas a partir das áreas da comunicação e da
geografia, respectivamente, percorreram metodologicamente o que Benjamim (1985,
p.159) classificaria como “história do progresso”, como se o discurso da acreanidade
e a construção do conceito de florestania fossem resultados de um processo linear e
automático, gerado por uma cadeia de acontecimentos, e não uma construção
discursiva do “tempo presente”, das cores, preferências e projetos político-
ideológicos desse “tempo presente”.
Em “O discurso fundador do Acre: heroísmo e patriotismo no último Oeste”,
dissertação de mestrado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em
Letras: linguagem e identidade da Universidade Federal do Acre, no ano de 2008,
Eduardo Carneiro, também, aborda a questão da acreanidade. Nesse estudo, em
que busca “compreender tão somente a formação do Discurso Fundador do Acre”, o
21
Interessantes reflexões críticas a esse modelo podem ser encontradas em Elder Andrade de Paula, (Des)envolvimento insustentável na Amazônia ocidental, 2005.
33
autor faz um recorte que o permite explorar os elementos centrais constituidores do
discurso fundador do Acre, especialmente, aqueles que emergiram durante o
processo de “anexação do Acre ao Brasil” (CARNEIRO, 2008, p.12).
Com tal recorte, Carneiro procura mostrar a historicidade do sentido
“glorioso” e “ufanista”, dados como elementos “naturais” e inaugurais de uma
“comunidade acreana” que se alicerça no mito do heroísmo e do patriotismo. Para
esse autor, a ideia do “patriótico” “povo do Acre” (CARNEIRO, 2008, p. 76-81), está
presente nos discursos de José de Carvalho22, Galvez23 e Plácido de Castro.24
Para tal análise, o autor optou pelo instrumental teórico da Análise do
Discurso (AD),25 cuja escolha deveu-se, segundo ele, ao fato desse referencial
assegurar um diálogo com a natureza tridimensional do discurso: o histórico, o
linguístico e o ideológico. A partir de sua perspectiva:
o discurso é a língua posta em funcionamento por sujeitos que produzem
sentidos numa dada sociedade. Sua produção acontece na história por
meio da linguagem, que é uma das instâncias por onde a ideologia se
materializa (CARNEIRO, 2008, p.27).
Contextualizando o surgimento e os fundamentos desse campo de estudo,
Carneiro procura uma forma de explicar o surgimento do discurso fundador “nas
malhas da análise do discurso”, pois em seguida, apoiado em Foucault,
Maingueneau e Orlandi, discute como foi pensado o conceito de discurso fundador,
sintetizando-o como uma:
dispersão de textos que age sobre o universo discursivo tanto para nomear
o sem-sentido, quanto para re-nomear um sentido já existente, de modo que
essa re-nomeação regra a formação de outros discursos, estabelecendo,
22
Ver Carneiro, 2008, p. 75. José de Carvalho era advogado formado em Pernambuco, foi quem primeiro mobilizou os seringalistas a apoiarem um movimento contrário ao governo boliviano na região acreana. 23
Luiz Galvez Rodríguez de Arias foi um dos primeiros personagens homenageados pelo governo como um dos fundadores dos ideais do Estado acreano. 24
José Plácido de Castro, gaúcho nascido em São Gabriel em 1873. Formou-se na escola militar, trabalhou como agrimensor e foi contratado para comandar seringueiros para lutarem contra os bolivianos. Foi transformado pela historiografia acreana em um “herói” e foi homenageado pelo governo durante a comemoração do centenário da “Revolução Acreana”. 25
A Análise do Discurso é um campo de estudo fundado na França em fins dos nos de 1960. Tem como objeto de análise o discurso enquanto produção de sentidos.
34
com isso, um eterno retorno si próprio e um constante vir a ser (CARNEIRO,
2008, p.51).
Tal síntese limita a análise do discurso, enquanto efeito de sentido, na
medida em que o define apenas como “dispersão de textos” e apresenta o “mito
fundador” somente a partir de um fragmento de texto literário não enfatizando a força
que o discurso tem ao se materializar de diversas formas, nas mais variadas
espécies de linguagens produzidas culturalmente.
A opção pela categoria do discurso fundador é utilizada pelo autor para
“provar que o começo da comunidade acreana é puramente convencional e que a
valoração positiva de sua fundação tem uma história” (CARNEIRO, 2008, p.108).
Carneiro optou, então, por discutir o Acre enquanto comunidade imaginada,
afirmando que “o Acre é invenção discursiva” (CARNEIRO, 2008, p. 53). Com esse
argumento, o autor procura evidenciar o caráter não-natural da identidade acreana a
partir da representação narrativa da “Revolução acreana” posta em circulação pelo
governo do Estado.
Carneiro, também, recorreu a “acontecimentos históricos” para mostrar que
a formação do que hoje é o Acre, somente teve caráter de unidade na imaginação,
pois “a „questão acreana‟ foi sustentada por múltiplos interesses” (CARNEIRO, 2008,
p. 65) e conflitos – “Primeira Insurreição Acreana”, com José de Carvalho, passando
pela proclamação do “Estado Independente do Acre”, com Luiz Galvez, a
“Expedição dos Poetas”, com sua “desarticulação” e Plácido de Castro, com sua
dificuldade em arregimentar “voluntários” – e não por sentimentos patrióticos. Sob
essa lógica, para ele, a “unidade foi uma construção póstuma”, sendo que trata a
“Revolução Acreana” como um “fato histórico” inalterado, contribuindo, com isso,
para o fortalecimento/legitimação das representações do discurso de invenção da
“acreanidade”.
Para o autor, “a memória da gênese do Acre foi estabilizada pelo discurso
fundador materializado nos livros de história” (CARNEIRO, 2008, p. 102),
contribuindo na formação do imaginário local. “As primeiras manifestações literárias
dessa comunidade foram fundamentais para o estabelecimento ou „afirmação‟ da
identidade pautada nos paradigmas de patriotismo e heroísmo” (CARNEIRO, 2008,
p. 95), que se materializam no discurso do centenário da “Revolução Acreana” por
35
meio do discurso fundador do Acre que, em sua narrativa, estaria classificado da
seguinte forma:
a) consagra a existência do povo; b) mostra que o povo só é capaz de fazer
algo por meio da liderança do herói, no caso Plácido de Castro; c) a
conquista foi positiva, pois foi gloriosa e, por isso, enriqueceu a história
recente do país; d) o Acre (no caso o Estado) tem na bravura o sentimento
original constituinte; e) para finalizar, reforça o discurso liberal que fundou
essa discursividade: O povo fez a Revolução Acreana (CARNEIRO, 2008,
p. 102).
Em sua análise, ao tratar da discursividade da historiografia acreana, por
meio do arquivo de textos que tematizou o Acre, Carneiro parece dar mais ênfase à
questão econômica, inclusive afirmando que “o Acre é na prática, uma função do
capital internacional e das reservas naturais de hevea brasiliense” (CARNEIRO,
2008, p. 66), ao invés de problematizar os discursos que criaram esse Acre
“imaginado”. Nessa direção, não apenas “joga fora” a perspectiva foucaultiana que
anuncia em seu texto, como se deixa levar pelas narrativas dos historiadores
economicistas e de “linha marxista”, cujas abordagens ancoram-se na linearidade
histórica, na ideia de progresso e de continuidade histórica.
Tal perspectiva, assumida por Carneiro, em sua ânsia de combate à
idealizada “acreanidade” e ao “mito fundador do Acre”, o distanciou de Foucault,
para quem, a história somente será “efetiva” no momento em que destruir todas as
formas e artimanhas de reconhecimentos e quando “reintroduzir o descontínuo em
nosso próprio ser”. Essa história:
não deixará nada abaixo de si que teria a tranqüilidade asseguradora da
vida ou da natureza; ela não se deixará levar por nenhuma obstinação
muda em direção a um fim milenar. Ela aprofundará aquilo sobre o que se
gosta de fazê-la repousar e se obstinará contra sua pretensa continuidade.
É que o saber não é feito para compreender, ele é feito para cortar
(FOUCAULT, 1999, p. 27-28).
Em “As raízes ”do autoritarismo no executivo acreano (1921-1964)”,
dissertação de mestrado apresentada junto ao Mestrado Interinstitucional em
História, UFAC/Universidade Federal de Pernambuco, no ano de 2002, Francisco
36
Bento da Silva, desenvolve uma análise sobre “a história política acreana”,
perpassando pela questão do “autoritarismo”, que é discutido na perspectiva
teórica:
em que são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a
autoridade governamental e declinam em gradações diferenciadas o
consenso, mantendo o poder político nas mãos de uma só pessoa, de um
órgão ou de um grupo específico, colocando em posição secundária as
instituições representativas e exacerbando de maneira significativa o
predomínio do poder executivo (SILVA, 2002, p. 07).
Dividido em três capítulos, o autor aborda características de cunho estrutural
e conjuntural na formação de um poder autoritário e personalista no Acre. Para
analisar as características mais gerais das adoções de medidas políticas de cunho
autoritário, Silva centraliza sua análise no período que engloba a organização
burocrática e administrativa do Acre (1921-1964), em que “predominava o esquema
de conexões políticas em detrimento à competência, ao título e ao saber” (SILVA,
2002, p.67), procurando identificar os interesses e as principais forças e atores
políticos que engendraram práticas de procedimentos autoritários e clientelistas,
nesta região, impedindo a formação de uma relação baseada em estatutos
universais entre o governante e os governados.
Ao discutir esse período, o autor remonta de forma sucinta à história
política acreana desde sua formação e organização na fase embrionária do regime
de departamentos,26 identificando o que chama de “as raízes do autoritarismo”,
com a exacerbada centralização do poder nas mãos do executivo.
Ao dialogar com suas fontes de pesquisa: jornais, entrevistas, depoimentos
e documentos dos arquivos do Centro de Documentação e Informação Histórica da
UFAC e do Museu da Borracha, Silva (2002) utiliza como principal base de análise
os relatos jornalísticos. Ele foi o primeiro pesquisador a falar sobre o autoritarismo
26
De acordo com Silva, (2002, p. 21-28), depois de ser resolvida a questão litigiosa do território do Acre entre o Brasil e a Bolívia, através do Tratado de Petrópolis (1903), o governo Federal institui um modelo político-administrativo estranho a Constituição republicana de 1891. Inspirado nos Estados Unidos criou o Território Federal do Acre (1904). Como o poder executivo era descentralizado, o território foi dividido em três e, posteriormente, em quatro Departamentos. Eram estes administrados pelos prefeitos departamentais nomeados pelo presidente da República que centralizava e mantinha sob seu controle dos cargos administrativos e do recolhimento dos impostos advindos da produção de borracha. Após a unificação do Território os governadores territoriais (de origem militar) e os membros do corpo judiciário continuaram sendo indicados pelo governo federal.
37
no executivo acreano, contribuindo de forma significativa para a compreensão de
certas práticas políticas presentes na estrutura do aparelho de estado no Acre.
Seu estudo não aborda a problemática da construção da “identidade
acreana”, mas traz questões que põem em dúvida toda a aparência de unidade em
torno do discurso sobre o “Movimento Autonomista”, propagado como ideologia na
incorporação do discurso da acreanidade.
A partir de algumas considerações de Silva, é possível compreender a
complexidade dos vários movimentos que surgiram na região acreana,
posteriomente, rotulados como “Movimento Autonomista”. No segundo capítulo de
sua dissertação, o autor faz uma abordagem das várias fases do movimento pela
autonomia acreana, evidenciando os conflitos e divergências entre os grupos
políticos e econômicos dos vales do Acre, do Purus e do Juruá. Neste último,
ocorreram as mais fortes tentativas de contraposição à unificação departamental e
de projetos/ações separatistas. De acordo com Silva:
Em princípio, não havia um movimento unificado e sim vários focos
autonomistas que foram surgindo ao longo dos anos: nos seus primórdios
são movimentos dispersos e inconsistentes, em alguns momentos
exacerbados em revoltas. (...) Excetuando a oposição mais ferrenha dos
membros do Partido Autonomista do Juruá – PAJ, na verdade, a elevação
do Acre a Estado era algo que todos concordavam. Mas esta era
obstaculizada por interesses pessoais e de grupos: os comerciantes e
seringalistas devido o medo de sentirem no próprio bolso uma sensível
avaria nos seus lucros e uma mudança em torno das relações de trabalho
que se encontravam baseadas em um certo tradicionalismo; a turma do
PTB liderada por Oscar Passos, porque se opor ao PSD e a Guiomard
Santos significava acima de tudo sobrevivência política e a manutenção de
um aura de confronto perante parte da população. Assim, as oposições
estavam pautadas em interesses imediatistas e pragmáticos, jamais
ideológicos (SILVA, 2002, p. 48-64).
Acompanhando a interpretação de Silva, é possível refutar a ideia de
harmonia e consenso no conflituoso processo de luta pela autonomia política do
Acre. Porém, sua análise não se diferencia da representação do discurso oficial de
que esses movimentos significavam o desejo de todos. Essa ideia de uma “unidade
harmônica” entre diferentes processos, recorrentemente, utilizada na construção da
38
“acreanidade”, é ratificada por Silva, ao afirmar que a “elevação do Acre a Estado
era algo que todos concordavam” (SILVA, 2002, p.64).
As visões e percepções de Morais, Guimarães Júnior, Carneiro, e Silva,
partindo de suas fontes e áreas de estudo, são abordagens importantes para a
produção do conhecimento, mas a ideia de “acontecimento” ou “fato” histórico
petrificado e ancorado em uma perspectiva de tempo linear, funcionou como uma
espécie de grilhão que não lhes permitiu romper com aquilo que estava posto pela
concepção histórica que sustentou e fez avançar o discurso da invenção da
“acreanidade” no “Governo da Floresta”. Suas narrativas trazem à tona as versões
históricas das representações discursivas que foram selecionadas no referido
governo para criar uma identidade “essencial”, ou melhor, regional.
Nesse aspecto, procurei colocar minha análise em um terreno diferenciado
daquele que foi trilhado por esses autores. Para efeito de análise neste estudo, a
construção da “acreanidade” será discutida no campo da linguagem, enquanto
discurso político articulado ao patrimônio histórico e aos interesses de um tempo
presente. Desse modo, a história passa a ser concebida não como uma narrativa de
“progresso”, percurso inquestionável, característico daquilo que Vilela (2001)
identifica como “história sedentária”, mas, um tipo de fazer histórico que estabeleça
como perspectiva central, a necessidade de “recuperar o acontecimento como objeto
do pensamento”. Perspectiva essa que possibilita outras aberturas e formas de
encarar o passado e as ações humanas, não meramente como “escolha teórica”,
mas como uma “sensibilidade política” (VILELA, 2001, p.235).
A noção de memória como trabalho do presente é uma evidência na
reelaboração do passado. Ela está viva e atuante entre nós. Para tratar da memória
concernente às narrativas de “invenção da acreanidade”, encontrei inspiração em
Beatriz Sarlo (2007). Essa intelectual, ao discutir os testemunhos como base
probatória de julgamentos e condenações do terrorismo de Estado na Argentina,
questiona os usos públicos destes testemunhos como ícone da verdade sobre as
“visões do passado”. Ao tratar desses testemunhos como narração da experiência,
ela declara que esta:
inscreve a experiência numa temporalidade que não é a de seu acontecer
(ameaçado desde seu próprio começo pela passagem do tempo e pelo
irrepetível), mas de sua lembrança. A narração também funda uma
39
temporalidade, que a cada repetição e a cada variante torna a se atualizar
(SARLO, 2007, p.25).
A memória, nesse caso é uma visão do passado que não deve ficar
confinada a cristalizações, porque “a questão do passado pode ser pensada de
muitos modos” (SARLO, 2007, p. 21). Essa discussão levou-me a considerar a
memória como um campo aberto, não cristalizado em versões únicas.
Em conformidade com os objetivos desta dissertação, a identidade no
sistema de representação será discutida sob a luz dos estudos culturais, onde o
sujeito social não tem uma identidade fixa, essencial e permanente, porém,
construída nas práticas culturais, no seu “fazer-se” enquanto sujeito da história e
pela representação do sistema social no qual está inserido. Nessa linha de
raciocínio, “a identidade é um lugar que se assume, uma costura de posição e
contexto e não uma essência ou substância a ser examinada” (HALL, 2003, p. 15).
Na companhia de Stuart Hall, procuro ressaltar que as identidades não são
naturais: são produções simbólicas e discursivas, concebidas culturalmente pelos
sujeitos nas relações sociais que forjam suas representações.
Essas representações, com suas formas e conteúdos, produtores de
sentidos, são oriundas da linguagem, detentora do poder de classificar, nomear e
definir os aspectos que se querem como culturais de uma identidade. Posto que o
poder da linguagem leva o “leitor” ou o “observador” a ler, a ver e acreditar nas
representações como algo real, sem dar-se conta de que as
estruturas do mundo social não são um dado objectivo, tal como o não são
as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente
produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que
constroem as suas figuras (CHARTIER, 1990, p.27).
Nesse aspecto, torna-se relevante uma análise das práticas sociais que se
articulam com a dimensão política, possibilitando a discussão da cultura27 como
“formas de luta”, “campo de batalha”, conforme afirma Hall, para quem:
27
Para Hall a cultura está perpassada por todas as práticas sociais e constitui a soma do inter-relacionamento das mesmas.
40
há uma luta contínua, por parte da cultura dominante, no sentido de
desorganizar e reorganizar a cultura popular, onde há pontos de resistência
e também momentos de superação transformando o campo da cultura em
uma espécie de campo de batalha permanente, onde não se obtêm vitórias
definitivas, mas onde há sempre posições estratégicas a serem
conquistadas ou perdidas (HALL, 2003, p.239).
No que concerne a essas estratégias, a política patrimonial pode ser um
dos mecanismos usados, principalmente, por sua capacidade em desencadear
operações de ritualização cultural, visando a “coesão social”. A prática política de
utilização do patrimônio, como mecanismo para assegurar tal “coesão”, tem sua
gênese na formação dos estados-modernos nacionais. No caso do Brasil, com a
formação do estado republicano, buscou-se um conceito de nação, cujo patrimônio
histórico seria transformado em conteúdo para a unidade nacional e em expressão
ideológica do nacionalismo. Ao refletir sobre esse processo histórico, Chuva,
ressalta que na experiência do Brasil,
no contexto do projeto de unidade nacional, ter uma cultura autenticamente
brasileira significava, ao mesmo tempo, construir fisicamente um patrimônio,
dando-lhe uma feição homogeneizada que fosse reconhecida por toda a
comunidade nacional imaginada e que se tornasse natural e inquestionável,
além de articular as redes de relações pessoais engajadas na “causa” da
defesa do patrimônio, submetidas a alianças e trocas (CHUVA, 2009. p.31).
As nações, em Benedict Anderson, não são somente entidades políticas,
elas são imaginadas, “não há, portanto, „comunidades verdadeiras‟, pois qualquer
uma é sempre imaginada [...] o que as distingue é o „estilo‟ como são imaginadas e
os recursos de que lançam mão” (ANDERSON, 2008, p. 12).
No processo de “imaginação” da nação, em suas diferentes faces, a
definição de patrimônio e identidade nacional tinha a pretensão de ser o reflexo fiel
de uma essência nacional. Essência essa que, no dizer de Canclini, não se “inculca”
apenas pelos conteúdos, programas ou planos nacionais de ensino e educação,
mas, constituem-se como
motivo de celebrações [...] daí que sua principal atuação dramática seja a
comemoração em massa: festas cívicas e religiosas, comemorações
41
patrióticas e, nas sociedades ditatoriais, sobretudo restaurações
(CANCLINI, 2008, p. 163 e 165).
Desse modo, a “preservação” do “patrimônio nacional, regional e local”
tornou-se tão “natural” que suas motivações históricas passam a ser
inquestionáveis. Mas, por mais que o “patrimônio sirva para unificar cada nação, as
desigualdades em sua formação e apropriação exigem estudá-lo também como
espaço de luta material e simbólica entre as classes, as etnias e os grupos”
(CANCLINI, 2008, p.195), pois,
falar de patrimônio cultural é falar de valores e, não podemos esquecer de
que estes estão sendo tratados no campo da cultura. É preciso sublinhar
que esses valores são sempre atribuídos, daí serem sempre historicamente
marcados pela rede de interação por intermédio dos quais são produzidos,
armazenados, consumidos, reciclados ou descartados (MENEZES, 1992, p.
189).
No raio de abrangência deste estudo, portanto, contextualizar historicamente
os efeitos políticos e culturais dos símbolos passou a ser uma questão de vital
importância, porque, articulando as instigantes reflexões de Stuart Hall, como fonte
de inspiração para a análise durante toda a pesquisa, “o significado de um símbolo
cultural é atribuído em parte pelo campo social ao qual está incorporado e pelas
práticas às quais se articula e é chamado a ressoar” (HALL, 2003, p.241).
42
2.PALÁCIO RIO BRANCO: A TEATRALIZAÇÃO DA “HISTÓRIA REGIONAL” – E
DA “ACREANIDADE”
Como ação da política de patrimônio histórico, o Palácio Rio Branco foi o
primeiro monumento a ser tombado pelo Estado do Acre, na condição de bem
patrimonial. A primeira medida, nessa direção, ocorreu com a publicação do
Decreto28 de tombamento em 1999, pelo governo do estado. Porém, sua inscrição
no Livro de Tombo Histórico somente ocorreu em 16 de março de 2006. Atualmente,
esse monumento encontra-se inserido na Zona de Preservação Histórico-Cultural
(ZPHC), do Plano Diretor (PD) do Município de Rio Branco,29 elaborado pela
Prefeitura Municipal de Rio Branco (PMRB), em 2006.
O Palácio Rio Branco faz parte de um complexo de edifícios que compõem o
“centro histórico” da cidade de Rio Branco, ao lado dos prédios da Assembléia
Legislativa, Palácio da Justiça, Palácio das Secretarias, Memorial dos Autonomistas,
Praça dos Povos da Floresta, Praça dos Seringueiros e Catedral Nossa Senhora de
Nazaré.
A visão panorâmica desse monumento exerce papel representativo diante
de todos os outros edifícios, por sua imponente arquitetura, importância funcional e
simbólica. Projetado pelo arquiteto alemão Alberto O. Massler na década de 1920, o
Palácio Rio Branco foi inspirado na arquitetura eclética,30 trazendo elementos do
grego e do romano e formando um mix de estilo grave e majestoso de ordem jônica.
Sua linguagem arquitetônica imprime, de maneira inequívoca, a intenção de
destacá-lo como elemento forte e marcante.
Qualquer visitante que se dirija ao prédio do palácio, se deparará com sua
Placa de (Re)Inauguração, na qual se lê: “O governo do Estado sente uma grande
alegria ao recuperar este símbolo do Acre e da acreanidade que é o Palácio Rio
Branco (ACRE, 2002)”. Esse enunciado indica quais os significados atribuídos pelo
28
Decreto nº 680 de 11 de maio de 1999. O governo do Estado decreta o tombamento do imóvel para o Patrimônio Histórico do estado e deixa a cargo do Departamento de Patrimônio Histórico da Fundação Elias Mansour a inscrição no livro de tombo. 29
O Plano Diretor do Município de Rio Branco foi aprovado através da Lei 1.611/2006, objetivando estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como, do equilíbrio ambiental. 30
SZAJKOWSK, 2000, p. 15. O termo “arquitetura eclética” refere-se a um movimento arquitetônico predominante desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX. Propõe a justaposição num mesmo edifício de referências de diferentes origens.
43
governo à “revitalização” do edifício, que estão sintetizados em torno da ideia de
representar simbolicamente a “recuperação” do Estado do Acre e da “acreanidade”.
Essa representação foi uma produção intencional do governador. Não por acaso, em
depoimento a Bousquet Viana, o então governador acreano diz ter feito cursos
preparatórios de planejamento em gestão, fazendo questão de destacar que “uma
coisa que o gestor tem de bom a fazer é que quando está tudo por ser feito é mexer
naquilo que representa símbolo” (VIANA, 2011, p. 83).31
Após ter sido abandonado por sucessivos governos, passando por um
período de degradação em sua estrutura física, o prédio do Palácio Rio Branco
passou por um processo de “restauração” que durou, aproximadamente, três anos.
O projeto de “revitalização” do edifício ficou sob a responsabilidade do arquiteto e
especialista em restauração de monumentos e sítios históricos, Jorge Mardine
Sobrinho.32
Reinaugurado e aberto ao público no dia 15 de junho de 200233, em
comemoração cívica ao 40º aniversário do Estado do Acre, o Palácio Rio Branco foi
apresentado à sociedade com uma nova concepção de espaço em sua estrutura
interna, caracterizado pela encenação de objetos, símbolos e imagens usados para
representar a ideia de “cultura” e “identidade” regional homogênea, resultado da
fusão de diferentes grupos humanos.
A solenidade de reinauguração fez parte, também, da vasta programação
de celebração do centenário do mito da “Revolução Acreana”, programação essa
que teve início na cidade de Xapuri e término na esplanada do Palácio, com o
hasteamento das bandeiras do Brasil e do Acre. A cerimônia aconteceu ao som do
hino acreano, tocado pela Banda da Polícia Militar.
Projetado em fins da década de 1920 para ser a sede do governo territorial,
o palácio funcionou durante alguns anos, também, como residência oficial do
governador. Em meados dos anos 1970, passou a funcionar somente como sede
31
Palácio Rio Branco: o palácio que virou museu. Dissertação de mestrado apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil – CPDOC, Rio de Janeiro, 2011. 32
O arquiteto Jorge Mardine foi contratado pelo governo para trabalhar com dedicação exclusiva na reforma do Palácio. Na época em que foi contratado, o arquiteto morava no Rio Grande do Sul e tinha se especializado recentemente em restauração de monumentos e sítios históricos, curso realizado na Bahia, na Universidade Federal do Centro de Estudos Avançados de Arquitetura, financiado pela Unesco. Informações adquiridas em entrevista à autora no dia 24 fevereiro de 2011. 33
O Palácio Rio Branco foi aberto ao público no dia 15 de junho 2002, porém, na publicação no Jornal Página 20 o convite é feito para o dia 13 de junho, no entanto, neste dia houve uma solenidade interna de re-inauguração reservada somente para convidados do governo.
44
administrativa do executivo acreano. No projeto original, o palácio estava pensado
para funcionar da seguinte forma: no pavimento térreo estariam os gabinetes e as
seções da chefatura de polícia, das diretorias de obras, instrução e da saúde, o
arquivo, a pagadoria e o corpo da guarda; no pavimento superior funcionaria o
gabinete do governador, a sala de audiências, o salão de honra, a biblioteca, o
gabinete do secretário geral, as salas de diretorias de contabilidade e do interior, e a
sala dos oficiais de gabinete e assistente militar (CARNEIRO, 1929, p. 76).
Ao longo dos anos, essa estrutura funcional foi sendo alterada, em
diferentes momentos históricos que não estão no foco da presente pesquisa.
Interessa-nos, no entanto, o fato de que após a “revitalização”, em 2002, a
funcionalidade do prédio foi alterada, passando a se constituir como museu, com
temáticas selecionadas e rigorosa orientação de guias, previamente instruídos para
“relatar os fatos históricos” que o museu do palácio passara a abrigar.
Em estudo recente, Viana (2011), destaca que percorreu as dependências
do palácio, com o objetivo de conhecer os atores envolvidos no projeto de
concepção de seu acervo, especialmente, por entender que o processo de criação
de um museu é sempre anterior à data de sua inauguração. Nessa direção, ela
apresenta relatos do principal idealizador desse projeto, o governador Jorge Viana, e
as opiniões contrárias à sua criação. Para a autora, em se tratando da exposição
museográfica, “a comunicação narrada neste museu não é uniforme”, e “não
encontramos nele um discurso isento e neutro” (VIANA, 2011, p. 77).
No processo de diálogo com o depoimento do engenheiro responsável pela
“revitalização” do prédio, foi possível compreender que, a partir de 2002, o Palácio-
monumento, em seu térreo, passou a servir de palco para a “encenação” de uma
“história regional”. Essa concepção de espaço museal foi pensada como
componente do projeto de revitalização, como destaca Mardine Sobrinho, ao
enfatizar que:
foi feliz também a decisão do governador, ao deixar também uma parte de
museu de história que é a parte térrea. A parte de cima continua sendo um
prédio de uso público, com o fim de servir ao governo do Estado, como
sede do governo.34
34
Mardine Sobrinho, entrevista realizada em 24 fevereiro de 2011.
45
Devidamente projetado, o prédio palaciano foi transformado em um museu,
composto por seis salas temáticas, porém, continuou servindo como espaço de
solenidades oficiais:
Aquilo era o Palácio que servia pra administração do governo, a sede da
administração do governo e também residência. Então, a parte da
residência ficou Museu, a gente deixou a parte do térreo todo como museu
e a parte de cima continua sendo, pelo menos continuava sendo utilizada
como atos oficiais do governo do Estado pra fazer uma chancela, uma
reunião, assinar um documento, toda parte de cima foi reservada para os
atos do governo.35
O ritual de exposição e de visitação do prédio, instituído oficialmente como
Museu Palácio Rio Branco, no ano de 2008,36 com o ordenamento e o
direcionamento do olhar do visitante, o transformou em um texto a “ser lido”,
compreendido, internalizado, “normalizado”, para utilizar uma expressão de
Foucault. Ali, sob as condições, as luzes e cores do presente, os “fatos” do passado
passaram a ganhar um novo significado, constituindo-se como forte amparo ao
“acreanismo” do “Governo da Floresta”.
Nessa perspectiva, de construção do “novo” Acre, é possível afirmar,
acompanhando as reflexões de Nestor Canclini, que:
a solenidade dos edifícios, as complexidades das mensagens que
transmitem e as dificuldades para entendê-los obrigam a atuar neles como
quem representa docilmente um texto dramático, que prescreve a maneira
pela qual o visitante deve mover-se, falar e, sobretudo, calar, se quiser que
sua ação tenha sentido (CANCLINI, 2008, p. 175).
No caso do Palácio Rio Branco, a distribuição espacial e funcional foi
projetada dentro de uma dimensão estética e ritual, que selecionou “conteúdos” para
“orientar” os visitantes, através de um itinerário “histórico”, com o devido
acompanhamento de guias que os conduzem a contemplar os suportes que
pretendem representar a “memória coletiva” dos “acreanos”. Não se pode deixar de
35
Mardine Sobrinho, entrevista citada, 24 fevereiro de 2011. 36
Decreto nº 3.083, de 13 de junho de 2008 institui oficialmente sua criação.
46
ressaltar, no entanto, que essa tem sido a tônica do trabalho dos museus, em escala
mais geral, posto que, no interior desses espaços se estabelece
um trabalho de sedução do público, que busca conduzi-lo a conclusões,
apresentando-lhe um discurso elaborado pela instituição. Este pode ser lido
por meio da disposição dos itens materiais, com relação às informações que
o observador traz até aos objetos selecionados para figurar o evento,
construindo dessa forma um discurso que deve se transformar em memória
histórica (CERVEIRA & SILVA, 2009, p. 4).
Porém, o surgimento do “museu do palácio”, em meio ao processo de
construção discursiva da “acreanidade” e do “novo Acre”, conferiu ao Palácio Rio
Branco uma maior força simbólica. Os altos investimentos do Estado, em suas
instalações, com a contratação de profissionais de reconhecido prestígio em escala
nacional colocam isso em evidência. O cenário expositivo, para se ter uma ideia,
ficou sob a responsabilidade da arquiteta e cenógrafa Bia Lessa,37 que transformou
o prédio em sede de cerimonial, palco-vitrine de um sistema ritualizado de ação
social e, acima de tudo, política.
Ao entrar no prédio palaciano, o impacto é imediato. O luxo e o requinte são
as marcas mais visíveis de ostentação do poder e riqueza de um Estado que,
paradoxalmente, é um dos mais pobres e carentes da federação brasileira. Os
lustres são de cristais e o mármore é importado da Grécia. O material usado na
restauração - processo que resgata os elementos construtivos da obra física – foi
escolhido com a mesma perspectiva de sua construção:
Como é um material muito bom, durável e refletia a expectativa que a gente
tinha de fazer o melhor, porque era essa expectativa; era o Palácio do povo
acreano, e não pode ser uma casinha de sapê. Tinha que ter essa
referência porque quando ele foi feito, foi feito com o melhor material. Então,
a gente tinha que resgatar essa história.38
Pela interpretação que Mardine desenvolve, ao relembrar o processo de
“revitalização” do palácio, o que se apreende é que a “reprodução” material do
37
Beatriz Ferreira Lessa, conhecida como Bia Lessa é cenógrafa e diretora cinematográfica. Atuou como atriz, realiza curadorias e cenografias para grandes espetáculos e para museus. 38
Mardine Sobrinho, entrevista citada, 24 fevereiro de 2011.
47
edifício procurou “resgatar” e “refletir” a mesma compreensão e objetivos que
estavam presentes em sua construção, na década de 1920: ser luxuoso e mostrar a
materialidade representativa do discurso do que é ser “moderno”. Esta é uma das
contradições mais frequentes no ideal de “modernização” do “novo Acre”, ao qual a
maior parte dos críticos do “Governo da Floresta” preferiu não dar atenção. O tempo
evolutivo e linear foi rompido, posto que, se em Hugo Carneiro, a construção do
Palácio Rio Branco era sinônimo de “modernidade” e de “modernização”, de que
maneira, passados oitenta anos, “restaurar” ou “revitalizar” um certo monumento
poderia ser sinônimo de “modernizar”?
A materialidade do Palácio Rio Branco, sua construção nos anos 1920 e sua
“restauração” ou “revitalização” nos anos 2000, sob o mesmo invólucro do discurso
da “modernidade”, denunciam que o tempo histórico, o tempo secular dos homens,
não obedece a nenhuma sequência linear e que, no dizer de Benjamin, a ideia de
“progresso da humanidade na história é inseparável da ideia de sua marcha no
interior de um tempo vazio e homogêneo” e a crítica da ideia de progresso, nesse
caso, de evolução histórica, a partir de um dado acontecimento do passado, implica
obrigatoriamente em “crítica da ideia dessa marcha” (BENJAMIN, 1993, p. 229).
A questão central é que na “revitalização” desse edifício não estava,
necessariamente, em discussão, a “restauração” de sua estrutura física, porém, de
sua representação simbólica. Isso implica dizer que, na busca de legitimidade para a
ordem política do “novo Acre” os “modernos” do presente lançaram seu “salto de
tigre em direção ao passado” (BENJAMIN, 1993, p. 230), mas, não para
(re)apresentá-lo como ele “de fato foi”, e sim como construção de um “agora” em que
teciam suas estratégias de poder.
A empatia dos governantes acreanos, auto-rotulados de “Governo da
Floresta” era com as elites e os poderosos do passado e não com os “oprimidos”, os
“seringueiros”, os “indígenas” que dizem representar. Talvez, essa seja a única
ligação perene no continuum da história. Isso pode ajudar na compreensão de todo
esse esforço para consagrar o Palácio Rio Branco, como monumento e patrimônio
“legítimo” de “todos os acreanos”.
O esforço no sentido de “normalizar” a construção discursiva está na
etnografia física e simbólica do palácio. Na primeira Sala, denominada Do seringal
ao Palácio, encontram-se objetos e utensílios usados pelos seringueiros na coleta
do látex e produção da borracha, bem como, fotos que idealizam os “tempos áureos”
48
da produção gumífera. Constam ainda imagens da primeira sede do governo, toda
em madeira, seguida de outras referentes ao processo de construção do Palácio,
todo em alvenaria e concreto, símbolo da “modernidade” na década de 1920 e,
principalmente, década de 1940, momento em que o governo de Guiomard dos
Santos, o concluiu e re-inaugurou.
Na segunda sala, as paredes são cobertas por imagens do prédio
deteriorado, lembranças dos anos de “desgoverno” e “abandono”, levando o
visitante-leitor a comparar o antes e o depois da “revitalização”. As vitrines são
ornamentadas com material de construção: pregos, britas e areia. Dentre os objetos
expostos nessa sala, o destaque está na imagem de Dom Pedro I,39 busto doado
pelo governo federal aos Estados membros da federação, em 1973, por ocasião da
Comemoração do Sesquicentenário da Independência do Brasil. Naquele contexto
dos “anos de chumbo”, governava o país, o General Emílio Garrastazu Medici (1969-
1974), considerado o mais duro e repressivo do período de ditadura militar.
Na terceira sala, História e Povoamento, encontram-se imagens de sítios
arqueológicos, sobrepostos nas paredes por tecidos transparentes, possibilitando a
visualização das urnas e dos “vasos caretas” que estão por trás dessas imagens.
Acoplada a esta seção encontra-se a sala denominada Povoamento Indígena,
contendo adornos, plumárias, instrumentos musicais, armas, vestimentas, cestarias
e fotografias de diferentes grupos indígenas do Acre. No entanto, na exposição, os
referenciais da cultura material indígena são expostos sem apresentar as diferenças
intrínsecas a cada um desses grupos étnicos.
Logo em seguida, encontra-se a sala denominada Uma Terra de Muitos
Povos. Nesta, as paredes são cobertas por imagens de migrantes, e contam com a
disposição de fones de ouvido que possibilitam a escuta de narrativas, previamente
selecionadas, de migrantes árabes e “nordestinos”.
Na sala seguinte, Em defesa da Floresta, há uma variedade de manchetes
de jornais, nacionais e internacionais, estampados em uma parede, com “notícias”
sobre as lutas dos movimentos sociais, enfatizando como principal agente, o líder
sindical Chico Mendes. Em outras duas paredes há uma imagem de José Plácido de
Castro, em combate contra os bolivianos, pela posse das terras acreanas e uma
imagem do sindicalista Wilson Pinheiro, ao lado de homens armados. Nessa seção
39
D. Pedro de Bragança e Bourbon, fundador do Império Brasileiro, foi consagrado imperador e defensor perpétuo do Brasil.
49
há um forte apelo para as representações dos discursos de luta pelas terras
acreanas. Numa parte da sala foi colocado um painel, com o seguinte texto: “O povo
acreano, formado por tantas e diferentes raças, construiu sua singular identidade a
partir das diversas lutas que teve que travar ao longo do tempo pela conquista dos
seus direitos mais essenciais”. A partir dessa “fantasia histórica” articula-se a versão
da história que compõe o discurso da “acreanidade”, mas, o destaque da exposição
é para as idealizadas imagens de Plácido de Castro e Chico Mendes.
Na última sala, consta uma exposição sobre o Tratado de Petrópolis,40
enfatizando a atuação do diplomata Barão do Rio Branco, na resolução da questão
das terras acreanas, disputadas com a Bolívia. Em vitrines encontram-se o sabre
pertencente a Plácido de Castro e a bandeira do Estado Independente do Acre,
produzida em 1899, por Luiz Galvez.41 Chama a atenção, nessa sala, que a
mensagem transmitida passa por uma série de recursos visuais, nos quais a
linguagem museográfica cria representações para dar a ideia da comunidade
imaginada, possuidora de origem e heróis, apagando a memória de outros sujeitos e
outras histórias conflitantes ou distintas do que é apresentado como
“acontecimentos” fundadores de uma unidade social.
No Palácio Rio Branco, os objetos e temas apresentados congregam o
esforço em construir uma memória histórica que repousa em valores cristalizados42,
cujo arranjo expositivo não está fora do âmbito político e ideológico de apelo
regionalista, visando provocar sentimentos de orgulho, civismo e pertencimento que,
em certa medida, a linguagem museográfica parece alcançar, como se observa na
leitura de Cabral:
Contemplar aquela Bandeira, me fez pensar em quando ela foi costurada,
quem a costurou, o que estava sentindo ao fazer isso, a emoção que
sentiam aqueles que estavam presentes no seu hasteamento, os ideais que
aquela bandeira representava, os sentimentos daquelas pessoas que
40
O Tratado de Petrópolis foi firmado no dia 17 de novembro de 1903, em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro. Através de negociações diplomáticas, feitas pelo Barão do Rio Branco, concedendo ao território brasileiro a incorporação de quase 200.000 km² de extensão de terra. 41
Narrativa de Emilania Cabral, estudante do 8º período do curso de História Bacharelado da Universidade Federal do Acre, referente ao relatório de visitação ao Palácio Rio Branco apresentado pela estudante como atividade da disciplina Patrimônio Histórico e Cultural, em 09 de outubro de 2009. 42
Costa (1993, p. 20) O museu clássico repousa em valores cristalizados, no entanto, o museu contemporâneo ajuda a pesquisar valores proporcionando informações accessíveis para oferecer outras possibilidades de interpretação, estimulando o diálogo e o questionamento.
50
sobrevivem através desta bandeira. Ao menos para mim, muito mais que
um valor histórico, há em tais objetos um valor espiritual, uma forma de
conservar vivas a pessoas e fatos aos quais ela representa, nos dando a
possibilidade de tecer uma nova história sobre tais fatos e pessoas
(CABRAL, 2009, p.2 ).
Esse relato demonstra a incrível capacidade que os símbolos possuem em
seduzir o púbico, ao ponto de vislumbrar uma imagem que só existe no campo da
imaginação de um passado não vivido pelo espectador, mas incorporado
mentalmente, pela eficácia que a linguagem museográfica tem ao transmitir crenças
e valores.
A exposição alusiva ao Tratado de Petrópolis é, portanto, um desses
recursos discursivos que servem para transmitir mensagens de coesão grupal por
meio de um amálgama de elementos cívicos evocados por apelos emocionais.
Assim, os visitantes são assediados por recursos simbólicos que conferem
benefícios “espirituais” para compreender ou assimilar os consensos que a
simulação de um social múltiplo produz. Toda narração funda uma temporalidade,
afirma Beatriz Sarlo, nas narrativas:
as visões de passado são construções e sua irrupção no presente é
compreensível na medida em que seja organizado por procedimentos de
narrativa [...] nem sempre o retorno do passado é um momento libertador
da lembrança, mas um advento, uma captura do presente. (SARLO, 2007,
p. 9 e 12).
Na seleção dos conteúdos daquilo que deve ser mostrado e exibido como
possibilidade única de uma história passada, a funcionalidade museográfica possui
uma interpretação que foi montada por um grupo de “especialistas” que delimitara,
classificara e ordenara os temas, as imagens, os sons e as cores. Nas exposições
do palácio, o visitante é levado a assimilar as representações dos temas escolhidos
e apresentados em diversas linguagens, como “verdadeira cultura” regional. O
problema, que não se deve esquecer, é que as “representações culturais, desde os
relatos populares até os museus, nunca apresentam fatos, nem cotidianos nem
transcendentais; são sempre re-apresentações, teatro, simulacro (CANCLINI, 2008,
p. 201).
51
O que interessa é perceber as técnicas utilizadas como convenções
imagético-discursivas incitando questões positivas, gloriosas, harmônicas e
singulares, servindo como propaganda para atender a finalidades políticas que
compõem a retórica de invenção de uma “identidade acreana” que, muitos
incorporam, porque suas subjetividades estão impregnadas de datas e fatos
históricos que foram “naturalizados” e içados à condição de verdade objetiva e
inquestionável.
É necessário destacar que uma ação cultural realmente democrática não se
reduz à ação e decisão de especialistas, pois, se a memória social constitui objeto
de trabalho, é com a sociedade que se deve dialogar, retirando das mãos dos
“especialistas” e cenógrafos o poder de dar a última palavra sobre o que é
importante preservar (CUNHA, 1992, p.11).
Em entrevista ao jornal Página 20, na ocasião em que o Palácio participou
de um concurso, promovido pela Revista Caras, para ser reconhecido como uma
das Sete Maravilhas Nacionais, a coordenadora Mirla Cristina Aranha fez a seguinte
declaração: “desde a inauguração do Palácio Rio Branco, 256.880 visitantes já
passaram por aqui. É um lugar bonito e requintado, além de atraente pela sua
história. Não há um dia sequer que o palácio não seja visitado”.43
Pesquisando no livro de registro de visitantes, no período que compreende o
mês de março de 2005 a dezembro de 2008, foi possível constatar, em primeiro
lugar, que a maioria dos visitantes são acreanos e estão identificados como
estudantes; em segundo lugar, estão os visitantes de outros estados, identificados
como profissionais das diversas áreas. Esses dados corroboram com a informação a
seguir de Renata Brasileiro, publicada no artigo “As sete maravilhas brasileiras”:
Moradores de Rio Branco, portanto, são os que menos conhecem o palácio
por dentro, segundo a coordenadora. A arquitetura cheia de pompa por fora
pode ser um motivo inibidor para que isso aconteça. Da capital acreana, os
maiores grupos de visitantes estão ligados à classe estudantil. Geralmente
seus integrantes visitam o espaço acompanhados de um professor de
História (Jornal Página 20, 14 de nov. de 2007).
43
http://pagina20.uol.com.br/14112007/especial.htm
52
Avaliando esses dados podemos concluir que a maioria da população de Rio
Branco não tem uma relação de proximidade com o Palácio Rio Branco como
patrimônio histórico acreano, a qual deveria apreendê-lo como objeto de
pertencimento, posto que “sem o envolvimento compreensivo e afetivo” da
população este Palácio fica desprovido da significação que lhe foi atribuída (Costa,
1993, p. 29). Embora tenha um número relevante de visitação, a maioria dos
acreanos são estudantes da rede estadual acompanhados por um professor. Isto
quer dizer que se dirigem ao local como parte de suas obrigações escolares e não
movidos por um sentimento de pertencimento aquele “lugar de memória”. Em outras
palavras, o que ali está representado, não é a memória social dos diferentes grupos
humanos que vivem no Acre.
Em relação aos ambientes, a lógica de acesso desvela as contradições do
discurso de unidade das relações sociais, dentro do próprio monumento histórico,
pois, esse símbolo da “identidade acreana” define os lugares sociais dentro do
próprio edifício. No primeiro piso, o acesso é permitido a todos os visitantes; no
segundo, os visitantes têm acesso à visitação aos salões “nobres”. O acesso é
proporcionado por duas escadas, revestidas de tapetes vermelhos, peça ornamental
utilizada nos palácios que remonta ao cerimonial indicativo de riqueza e poder,
usados para impressionar os súditos dos reis. Além do Salão Nobre, onde o governo
recebe “pessoas ilustres”, nos eventos oficiais, existem as salas reservadas para o
governador e o vice-governador. Entre público e a porta de entrada dessas salas os
visitantes se deparam com balizadores que fazem separação entre o espaço
público, permitido a todos, e o espaço dos que detém o poder de mando no estado,
traduzindo o lugar de posição das classes sociais.
Então, nessa parte residencial ficou uma parte mais pra museu, e a parte de
uso, que era o Salão Nobre e os outros salões, e, o gabinete do governador
ficou intacto, inclusive, o gabinete hoje que é o que o governador despacha
pra alguns eventos era o mesmo local do gabinete de todos os outros
governadores, quer dizer, a gente manteve essa identidade.44
A identidade destacada pelo arquiteto Jorge Mardine não é a dos acreanos,
a identidade que ele se refere é a do poder executivo que permanece atuando em
44
Mardine Sobrinho, entrevista citada, 24 fevereiro de 2011.
53
sua “casa”. Na opinião de Jorge Viana, o “significado dessa obra traduz a
recuperação da nossa história. Eu estou proporcionando, acompanhando e vivendo
esse momento” (Jornal Página 20, 13 de junho de 2002). A fala é de quem auto-
reconhece suas qualidades e créditos e, por conseguinte, espera o reconhecimento
de todos.
A ritualização de uma versão do passado é movida pelo impulso não de lutar
contra o esquecimento das memórias, que os suportes incitam em representar, mas
de lutar por um significado no presente, onde o apelo ao passado vem à cena numa
interpretação enaltecida tanto pelo discurso do governante e seus escribas, que
procuram inventar uma “tradição”, quanto pelo significado celebrativo do prédio do
palácio reinaugurado.
No diálogo com essa “invenção”, compartilho das observações de Canclini,
ao afirmar que, em relação ao patrimônio ele
existe como força política na medida em que é teatralizado: em
comemorações para renovar a solidariedade afetiva, nos monumentos e
museus [...] sendo essa teatralização o esforço para simular que há uma
origem, uma substância fundadora, em relação à qual deveríamos atuar
hoje. (CANCLINI, 2008, p. 162).
A busca da rememoração de um passado é feita para ser assimilada
positivamente em relação com o presente. Nesse sentido, o Palácio Rio Branco
transformado em Museu histórico apresenta, em sua composição museográfica,
todo um suporte simbólico como estratégias de persuasão para se pensar em uma
história regional harmônica e gloriosa, de modo que fica relegada ao esquecimento
toda a dinâmica dos conflitos sociais dos processos históricos e da própria história
de construção desse monumento.
A tendência de se buscar uma unidade ocorre porque a harmonia social
impede a percepção de outras alternativas, inclusive a de se questionar a
legitimidade da dominação. Manter vínculos coletivos é uma estratégia que opera
com lembranças, memórias, mas também, com o esquecimento.
A importância do monumento histórico se dá por sua essência e papel
memorial. Os monumentos históricos são importantes portadores de mensagens e
são usados pelos atores sociais para produzir significados. Em Choay, o
54
monumento, no sentido original, “denota o poder, a grandeza, a beleza: cabe-lhe,
explicitamente, afirmar os grandes desígnios públicos, promover estilos, falar à
sensibilidade estética” (CHOAY, 2006, p.19). Para Canclini “os monumentos são
quase sempre as obras com que o poder político consagra as pessoas e os
acontecimentos fundadores do Estado” (CANCLINI, 2008, p. 302). Também
discutindo questões desse porte, Le Goff ressalta que
a palavra monumentum remete para a raiz indo-européia men, que exprime
uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O
verbo monere significa “fazer recordar” [...] Atendendo às suas origens
filosóficas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado,
perpetuar a recordação (LE GOFF, 1985, p.95).
O patrimônio nessa condição é usado como uma imagem congelada do
passado, para atestar que há uma herança. Sendo assim, situado em um lugar
público, o Palácio-Monumento, aberto à dinâmica urbana da cidade nos estimula a
ler outras histórias enquanto parte de uma “cultura memorial”, pois no que se refere
aos discursos do passado “é mais importante entender do que lembrar, embora para
entender também seja preciso lembrar” (SONTAG, apud SARLO, 2007, p. 22).
Procurando não os pontos de junção, mas de disjunção, no dizer de
Thompson, que articulam a dinâmica simbólica do Palácio Rio Branco, inspirei-me
nas discussões de Rodrigo Vidal Rojas, sobre a diversidade de papeis e de funções
atribuídas, implícita ou explicitamente, ao território, em diferentes experiências de
ordenamento urbano, na cidade de Santiago do Chile. Para ele, “entender a lógica
do ordenamento urbano contribui para a compreensão da dinâmica da mudança
social” (ROJAS, 1981. p.190).
É preciso destacar que o Palácio Rio Branco foi projetado e erguido em um
contexto histórico que nada tem a ver com o da invenção da “acreanidade”. A
“história” do Palácio teve início no segundo aniversário de governo de Hugo Ribeiro
Carneiro, em 15 de junho de 1929, quando aquele engenheiro, que governava o
Território Federal do Acre, lançou em ato solene a pedra fundamental da obra que
substituiria a antiga sede do governo.
Parcialmente acabado, o palácio seria inaugurado em 15 de junho de 1930.
Dezoito anos depois, no governo de José Guiomard dos Santos, a construção do
mesmo seria concluída. O Acre território de fins dos anos 1940 vivia uma “febre
55
modernizadora”, marcada por uma série de construções em alvenaria, numa
perspectiva de reformas urbano-paisagísticas das principais cidades.
Dentre as obras construídas, naquele momento, destacam-se: um conjunto
residencial para funcionários públicos, internatos para escola normal, um hotel,
maternidade e clínica de mulheres Bárbara Heliodora, diversas escolas e um
aeroporto. A retórica que embasava a materialização dessas obras fazia ressoar os
apelos de uma “modernidade” representada na “superação do infortúnio de uma
imagem que precisava erradicar as barracas da paisagem urbana”. Realimentando o
ideal civilizatório, sob uma prospecção cosmopolita, ergueram-se cenários para
esconder a “cidade floresta”, exigindo que se colocassem abaixo as antigas
construções em madeira e palha. Essas “primitivas construções” seriam substituídas
por “modernas” obras em alvenaria, condizentes com os novos valores em voga. Tal
perspectiva calou fundo no imaginário de muitos que, a exemplo de Maria José
Bezerra, chegaram a acreditar que o Acre vivia uma fase de “luzes na selva”. Nessa
fase, predominou a vontade de Guiomard Santos, que, articulando imaginação e
ação
dialeticamente através da formulação e materialização de um projeto de
mudança, com base na concepção instituída do Acre como selva, como um
espaço que necessitava ser dominado e exorcizado dos seus demônios, de
suas mazelas para que o progresso vencesse as trevas do atraso
(BEZERRA, 2002, p. 15).
Na aparente crítica de Bezerra, o discurso de “progresso” para a região
rejeitava a floresta com o programa de modernização de Guiomard operando em
mudanças econômicas, sociais e culturais (BEZERRA, 2002, p.16). Isso
representava o rompimento com a paisagem e costumes tradicionais da região,
vistos como atrasados e incompatíveis com a “modernidade”. Essa incompatibilidade
entre o “tradicional” e o “moderno”, também estava presente nos discursos do
governador Hugo Carneiro, como pode ser destacado em seu “Relatório de
Governo”, apresentado ao Ministro Augusto de Vianna do Castello.
A conclusão das obras do Palácio Rio Branco, ocorrida na década de 1940,
estava integrada ao discurso de “modernização” da cidade. Sua linguagem
56
arquitetônica, influenciada pela arquitetura do Renascimento,45 incorporou alguns
elementos voltados para a questão do urbanismo, como podemos observar a partir
da leitura da Figura – 1 a seguir.
Figura 1 - Vista frontal do Palácio Rio Branco – Década, 1950.
Fonte: Acervo digital do Dept° de Patrimônio Histórico e Cultural - FEM
O espaço aberto à frente do prédio com a praça, o obelisco e a fonte
luminosa jorrando jatos d‟ água multicor, intencionava promover um espaço de
sociabilidade ligado ao urbanismo. Embora concebendo um ambiente de relação
mais próxima entre a população e o poder executivo, por meio da criação de um
espaço para passeios, atraindo a população para a frente do Palácio, a conformação
arquitetônica gerada, com um ambiente amplo na frente do edifício e a abertura de
escadas nas laterais do prédio, têm a intenção de direcionar a população para se
colocar naquele local e, assim, visualizar o prédio a partir de um ângulo que lhe
confere mais suntuosidade. A monumentalidade conferia maior legitimidade à “casa
do governo”. Sobre essa questão, observa Mardine Sobrinho:
Quando a renascença faz o renascimento dos elementos gregos ela inclui
mais uma questão importante, o quê que é? O urbanismo que fica na frente
45A arquitetura renascentista, influenciada pelo espírito de valorização do ser humano, representou
uma nova forma de entender o espaço como algo universal, compreensível e controlável através da razão do homem. Uma das principais marcas desta arquitetura é a distribuição espacial matemática das edificações, contribuindo assim com as formas de urbanização das cidades, onde as edificações são dispostas de modo que as pessoas entendam a lei que as regem e estruturam.
57
do prédio. A questão dos elementos da arquitetura grega, ela não tinha essa
preocupação com o urbano, a parte aberta. A renascença, você vê a capela
de São Pedro no Vaticano, tem a Basílica de São Pedro. Você tem a
basílica no fundo e tem na entrada da Basílica uma grande praça que tem
uma coluna em volta pra formar um elemento de transição e de perspectiva
pra visualizar aquela grandeza. Então nada podia atrapalhar! De fato,
quando a arquitetura eclética aqui no Brasil retoma esses elementos, aquele
espaço aberto tipo o obelisco, a fonte, as escadas e aquela conformação do
espaço grande na frente é para a população se colocar e visualizar o
elemento com uma certa perspectiva pra ficar ainda maior.46
A construção de obras impactantes, portanto, é carregada de subjetividades
e intenções, fundamentalmente, porque a linguagem arquitetônica se constituiu
como importante forma de impor sentidos, reordenar os espaços urbanos, criar
formas, percepções e sentimentos e, ainda, exercer o poder disciplinar sobre os
habitantes da cidade.
Avaliado na época de sua construção, em “mil e quinhentos contos de réis”
(Jornal o Acre, 15 de junho de 1930, p.3), a construção do Palácio Rio Branco foi
realizada pelos esforços de soldados que pertenciam à Força Publica do Território
do Acre (F.P.T.A.), sob o direção inicial do Comandante da Força Policial, Major
Djalma Dias Ribeiro e, posteriormente, do Sr. 1º Tenente Manoel Barbosa de Araújo
(Jornal o Acre, 8 de dezembro de 1935, p. 3). Por ocasião da cerimônia inaugural do
prédio, o governador, Hugo Ribeiro Carneiro, declarou inaugurado o novo Palácio do
Governo do Território, sob a denominação de Palácio Rio Branco, em homenagem
ao Barão do Rio Branco”.47 Porém, o reconhecimento oficial da sede do governo do
Acre, com o nome de “Palácio Rio Branco”, somente ocorreu em setembro de 1943,
na comemoração da “Semana da Pátria”, durante o governo do Coronel Silvestre
Coelho, através do Decreto nº 192 (jornal O Acre, 12 de setembro de 1943, p. 1).
Ao observador desatento ou por demais envolvidos no clima de emoções
que a exposição do Palácio-Museu desperta, em processo de invenção da
“acreanidade”, todos esses processos históricos passam despercebidos. A dinâmica,
própria das práticas sociais, em diferentes tempos históricos, mais que apontar para
46
Mardine Sobrinho, entrevista citada, 24 fevereiro de 2011. 47
José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, foi professor, político, jornalista, diplomata, historiador e biógrafo. Nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 20 de abril de 1845, e faleceu na mesma cidade, em 10 de fevereiro de 1912. Foi escolhido pelo Presidente da Republica Rodrigues Alves para exercer o posto da diplomacia em 1902.
58
a ideia de continuidade, evidenciam o descontínuo da história, como enfatizam
Benjamin (1993) e Foucault (1999).
Se forem acrescentados ao processo inicial de “fundação” do palácio, sob a
égide do governo de Hugo Carneiro, todos os processos anteriores, da fase das
prefeituras departamentais, a ruptura, como marca característica da história se
acentua sobremaneira. Porém, não se pode esquecer que aquele “modernoso”
prédio em alvenaria foi construído no mesmo local em que estava instalada a antiga
sede – em madeira – do Departamento do Alto Acre.48 Sede essa, construída na
margem esquerda do rio Acre, na quadra central (área mais alta) do arruamento
diante do porto de Penápolis,49 para que ficasse visível desde a margem desse
porto. Visibilidade essa que, para o Prefeito Departamental, Gabino Besouro,
deveria se dar, também, desde o outro lado do rio, lugar onde foi instalada a primeira
sede provisória do Departamento em 1904, pelo prefeito departamental Cel. Raphael
Augusto da Cunha Mattos,50, na margem direita do mesmo rio, numa povoação com
pouco mais de 200 habitantes, chamada “Volta da Empreza”.
Para Gabino Besouro, a margem esquerda foi escolhida para ser a sede da
capital do Departamento, depois de verificadas e devidamente analisadas uma série
de questões que conferiam reconhecimento àquele local como em ótimas condições
“para o desenvolvimento de uma cidade: salubre, bom porto e terreno enxuto”
(BESOURO, 1908, p. 78). Nessa retórica, é preciso destacar, fazia parte do projeto
de reformas urbanas que, desde a Europa de meados do século XIX, atravessava os
mares, impondo modelos, reconhecidamente, “civilizados” de urbanização.
O mapa a seguir mostra a primeira divisão de lotes e arruamento feito na
margem esquerda do rio Acre, nas terras do seringal Empreza, local onde foi
construída a “sede definitiva” do executivo acreano, e onde, décadas mais tarde
seria construído o Palácio Rio Branco.
48
Esse Departamento surgiu após a anexação do Território do Acre ao Brasil, quando o Território foi dividido em Departamentos: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá. 49
Penápolis foi o nome escolhido pelo Prefeito Departamental do Alto Acre, Gabino Besouro (1908), em homenagem ao Presidente da República Afonso Pena. 50
Cel. Rhaphael Augusto da Cunha Matos foi nomeado prefeito do Departamento do Alto Acre de 1904 a 1905.
59
Figura 2 - Croqui do 1º arruamento do núcleo urbano de Rio Branco
Fonte: Prefeitura Municipal de Rio Branco
Essa configuração territorial direcionava o local de existência da “futura
cidade”, uma estratégia de organização da base territorial urbana, início de uma
projeção que intencionava fazer separação entre o “urbano” e o “rural”. A questão
do território e todos os conflitos culturais a ele subjacentes, já estava colocada
desde o início da formação da cidade. Para Rojas (1981), todo processo de
mudança social e todo esforço para controlar essa mudança sempre possui uma
projeção no tempo e uma base territorial, posto que:
o território é um espaço construído por um ator individual ou coletivo em
função de certos objetivos e a partir de uma representação do espaço
terrestre [...] a representação coletiva do território não é a soma de
representações individuais, nem tampouco a expressão de uma
unanimidade, mas o resultado de uma seleção-exclusão de interesses
dominantes ou majoritários a partir de uma diversidade de interesses
(ROJAS, 1981, p.184-185).
Essa reflexão ganha relevância, quando se discute o papel do patrimônio
histórico, no reordenamento de espaços, principalmente quando está em jogo a luta
pela memória, que é uma luta de poder (LE GOFF, 1992, p.426). No processo de
pesquisa, para investigar o período histórico da construção das representações
simbólicas em torno do Palácio Rio Branco, mantive intenso diálogo e
problematização com o Relatório de Governo de Hugo Carneiro. Apresentado ao
60
Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Augusto de Vianna do Castello, esse
relatório dava conta de um período compreendido entre os anos 1928 a 1929.
Sabemos que os documentos não surgem espontaneamente e nem
destituídos de significados. Sua existência ou inexistência derivam de ações
humanas de produção ou exclusão. Isso significa que são baseados em valores,
interesses, concepções de classes e instituições. Em Le Goff (1985) o documento
não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que
o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder.51 Nessa direção,
compreendemos que o documento não tem pleno significado sozinho, constituindo,
assim, uma fonte de interpretação com suas linguagens e sentidos históricos.
De acordo com o governador, sua intenção ao produzir esse documento era
a de “fazer uma resenha dos atos de sua gestão” (CARNEIRO, 1929, p.15).
Metodicamente elaborado, na modalidade de uma linguagem escrita em que a voz
do narrador predomina, o relatório descreve a visão que Hugo Carneiro tinha do
território acreano e, cria com sua narrativa, as representações sobre o Acre, sua
população e seu governo.
As expressões que irradiam das páginas são sempre de um lugar isolado,
insalubre, com uma população de maus hábitos, atrasado, desprovido do mais
elementar material de construção, onde “tudo era preciso improvisar” (CARNEIRO,
1929, p. 68). Essas expressões refletem um “olhar” de ordem “civilizatória” do autor
do relatório, que não aceitava os modos dos que viviam numa região, onde o cenário
composto por uma arquitetura predominante da época, feita em sua maioria de
madeira com cobertura de telha de barro ou palha era, para Hugo Carneiro, uma
“visão desconsoladora”, um “montão de ruínas” (CARNEIRO, 1929, p.67). Para ele,
a situação do “velho barracão de madeira”, como se referia à antiga sede do
governo, espelhava, ao vivo, a situação material de todo o Território. Situação essa
marcada pela visão de alguém que a tudo traduzia como “velhos” e “desalentadores”
“barracões de madeira” ou um
desconfortável pardieiro [...] símbolo, terrivelmente expressivo, da desordem
em que se alastrava pela administração toda. Ninguém, ao de longe,
poderia fazer a idéia exacta do descalabro em que definhava a opulenta
51
Enciclopédia: Memória-História, sobre o documento-monumento. p. 102
61
terra acreana, fallida, a principiar pela propria instalação de sua casa de
governo (CARNEIRO, 1929, p. 56-67).
Nesse recorte da narrativa do relatório, a sede administrativa do governo
aparece como representação material de todo Território acreano, completamente,
desqualificada e refletindo uma cultura regional vista como atrasada. A partir dessa
visão desqualificadora das práticas culturais e dos modos de viver na Amazônia,
Hugo Carneiro produziu uma narrativa do “progresso” e da “modernização” da
região. Nessa narrativa, colocava-se como o responsável pelo melhoramento
material de todo um mundo em que “o problema principal”, para ele, era o
“hygienico”:
Sempre entendi constituir principal dever do administrador no Brasil, e muito
especialmente no Acre, devido ao seu clima tropical, dispensar a maior
attenção aos problemas attinentes ao saneamento do solo e, de certo
modo, à eugenia da raça (CARNEIRO, 1929, p. 52).
Sob a justificativa de que a salubridade do ambiente propiciaria o
“desenvolvimento” físico e moral da população (CARNEIRO, pp. 52, 58), Hugo
Carneiro pôs em ação todo um aparato repressivo para impor uma lógica
“civilizatória”, dando a entender em seu relato que estava prestando assistência
necessária ao “agricultor pobre”, ao “seringueiro paupérrimo” e “ao proletariado
desprotegido”, como se referia aos habitantes da região (CARNEIRO, 1929, p. 53).
Os termos “melhoramento” e “saneamento” saíram dos relatórios técnicos
para o discurso oficial. Com base no discurso de ordem pública do saber técnico e
científico, impôs restrições, visando dificultar a construção de casas em madeira
consideradas sinônimo de “atraso”, bem como normas de “hygiene” e “assepsia” por
meio de um instrumento jurídico chamado Código de Posturas, para intervir no
cotidiano dos habitantes. De acordo com Bezerra,
esse documento extenso, detalhado e composto por 319 artigos regulava
toda a vida econômica, social, política e cultural da cidade de Rio Branco.
Autoritário e coercitivo impunha multas e prisões aos que ousassem não
cumpri-lo (BEZERRA, 2002, p. 31).
62
Como ação intervencionista, sob o ideal de assepsia, Hugo Carneiro diz ter
criado a Diretoria de Higiene52. Dirigida pelo Dr. Amaro Theodoro Junior, com o
auxilio da polícia, essa Diretoria, segundo consta no documento, fiscalizava todas as
habitações particulares e coletivas, incluindo o Leprosário, casario construído em
lugar distante e conveniente para o isolamento dos indesejados (CARNEIRO, 1929,
p.53). Dessa forma, o espaço público era fiscalizado, a vigilância do poder estatal
interferia, legislava, proibia e reprimia os costumes contrários ao estabelecimento da
ordem “civilizatória”, para uma outra concepção de sociedade que não tinha o
“tradicional” como referência do “progresso” e da “modernidade”.
Sobre “modernização” no Acre, em Fábulas da Modernidade no Acre: a
utopia modernista de Hugo Carneiro na década de 20, Souza (2001), discute a
constituição do espaço urbano da cidade de Rio Branco - durante a administração
do governador Hugo Ribeiro Carneiro (1927-1930) - enquanto signo de “intervenção
técnico/políticas”. Souza dialoga sobre o projeto modernista, pensando como este
visava anular os diferentes territórios e constituir uma concepção homogênea de
espaço e comportamento com suas atitudes e medidas centralizadoras. Para ele,
a proposição que se tentava impregnar na população, era da necessidade
de deixar o passado e suas ruínas para trás, e pensar na construção de um
futuro a partir de uma visão progressista da sociedade, ou seja, tudo deveria
“iniciar do começo”, o Acre deveria ser reinventado (SOUZA, 2001, p. 48).
Sob essa ótica, Hugo Carneiro deu início a um projeto de intervenção urbana
na capital do Território, local “onde apenas existiam duas modestas e inacabadas
construcções em alvenaria”, com o intuito de fazer de Rio Branco a cidade-modelo
para todo o Território (CARNEIRO, 1929, p.68).
Com a retórica de transformar o Acre em “um Acre redivivo, ressurgindo das
ruínas do seu passado”, iniciou a construção de prédios públicos em alvenaria para
espelhar a imagem de um futuro desejável (CARNEIRO, 1929, p. 75). Para isso,
construiu o Mercado Público, o Quartel da Força Policial, o prédio da primeira
agência do Banco do Brasil e, indubitavelmente, um novo Palácio do governo. Para
52
De acordo com o relatório, a Diretoria de Higiene foi a responsável pela organização sanitária, assistência publica, serviço medico-legal, serviço demographo-sanitário, serviço sanitário fluvial, assistência medico-escolar, assistência dentário-escolar, fiscalização do meretrício e consumo de medicamentos (CARNEIRO. pp. 58-211).
63
Hugo Carneiro, as construções eram avaliadas positivamente, como descreve no
trecho de seu relatório:
[...] se formos avaliar o ingente sacrifício que essas obras exigem e nos têm
custado, pela carência de artífices, pela distancia formidável que nos isola,
pelas difficudades do transporte, pelo preço exaggerado da mão de obra e
do material; pela escassez de meios, pela falta de tudo; é muito, si
considerarmos que, às custas de economias às vezes dolorosas, estamos a
construir um Acre definitivo, um Acre em alvenaria [...] (CARNEIRO, 1929,
p. 75).
Em conformidade com Souza, “esta postura pode ser entendida como uma
recusa em conviver com símbolos que representavam o espaço da floresta, tendo
em vista que as casas construídas em madeira constituíam-se no principal padrão
arquitetônico dos seringais” (SOUZA, 2001, p. 49). Numa localidade em que a
maioria das casas era de madeira, a presença e a complexidade arquitetônica do
novo Palácio do governo era algo impactante e desproporcional para a realidade da
região na época.
Figura 3 - Palácio Rio Branco em construção
Fonte: Acervo digital do Dept° de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM
O prédio com arquitetura grandiosa e com aspecto de um templo sagrado
transmitia a mensagem de sofisticação do ecletismo, movimento historicista que se
remetia à antiguidade para dizer: nós não somos simples. A fotografia acima
possibilita visualizar uma imagem fantasmagórica, no dizer de Hardman (1988),
64
erguendo-se em meio à terra devassada: o que importava era a chegada da
“modernidade”. Essa construção, portanto, materializava o discurso do que
significava ser “moderno”, representado no edifício construído em alvenaria,
contrapondo-se aos “barracões” de madeira. Nesse caso,
a apropriação-transformação do espaço não é fruto da representação
cultural coletiva desse espaço, mas sim o resultado de uma representação
elaborada por alguns membros influentes da coletividade. Deste ponto de
vista, o território aparece como uma desculturação e como desnaturalização
(ou redução) da complexidade social (ROJAS, 1981, p. 191).
A concepção de cidade e a linguagem arquitetônica implantada não
apresentavam vínculo com o estilo predominante na região, antes, era um
rompimento, uma mudança. Toda essa gama de experiências e mesmo de tensões
pelo poder foi silenciada no processo de “revitalização” material e simbólica do
Palácio Rio Branco, como mecanismo de construção e afirmação da “identidade
cultural acreana” e do ideal de “acreanidade” do “Governo da Floresta”.
Chama atenção, no entanto, que a restauração do edifício em 2002, além
de renovar o prédio, trouxe, também, a renovação dos elementos arquitetônicos
que compunham sua ambiência no governo de Guiomard Santos, formando um
conjunto arquitetônico que silenciava Hugo Carneiro e rendia claras homenagens
ao autor do Projeto de Lei do Acre Estado.
Figura 4 - Vista aérea do Palácio Rio Branco - março de 2009.
Fonte: AFC Foto Clube
65
Pela leitura da imagem, percebemos que a Fonte Luminosa,53 retirada no
governo Wanderley Dantas, voltou ao seu lugar de origem. O obelisco, construído
em 1937 - em homenagem aos “heróis da Revolução” -, sofreu alteração em seu
tamanho tornando-se maior. Em sua revitalização foi instalada uma colunata de
palmeiras imperiais para causar a impressão de uma maior grandiosidade ao prédio
do palácio e aos elementos em seu entorno. Pela lógica desse “urbanismo
modernizador”, Guiomard e Viana se encontravam na formulação de uma
“acreanidade” repleta de “glória” e apego ao poder.
Na estrutura visual do prédio do palácio, sempre esteve em evidência a
monumentalidade. Durante a “revitalização”, os acréscimos para destacá-la foram
intencionalmente executados para diminuir a escala do humano diante de sua
grandiosidade, provocando ante o olhar uma sensação de impotência e reverência
ao monumental e, principalmente, ao que representa. Para além do imediato prazer
visual, a imagem gera um sentimento de temor e respeito. Tal intervenção nos leva
a considerar que
toda prática política se traduz numa produção territorial [...] Assim,
territorializar o espaço terrestre significa apropriar-se dele concreta ou
abstratamente, transformá-lo em função de um sistema cultural e de
objetivos bem precisos (ROJAS, 1981, p. 184-185).
O termo “Palácio” é sugestivo para se pensar no significado que a obra pode
traduzir. Na antiguidade, palácio era um edifício suntuoso destinado à habitação da
corte real, lembra, portanto, a grandeza dos reis, soberania, poder e domínio. O
termo é indicativo de tudo o que esse Palácio-monumento pode expressar em sua
historicidade, ou seja, o poder.
A preocupação em consagrar um monumento como patrimônio de todos os
acreanos apagou marcas importantes da experiência social. No entanto,
acompanhando as significativas reflexões de Paoli, acredito que pensar numa
produção cultural que incida sobre a questão da cidadania é “fazer com que
experiências silenciadas, suprimidas ou privatizadas da população se reencontrem
53
A fonte foi inaugurada no dia 07 de julho de 1948, no governo Guiomard Santos, em homenagem ao primeiro bispo do Acre D. Júlio Matiolli. A fonte foi instalada na praça Eurico Gaspar Dutra e foi retirada no governo de Wanderley Dantas (1971 a 1975) em 1973, para a praça Plácido de Castro, onde ficou instalada até o momento em que retornou ao local de sua primeira instalação .
66
com a dimensão histórica” (PAOLI, 1992, p.27). Esse encontro, somente poderá
ocorrer, no caso do Acre, quando formos capazes de romper com a sacralização
que envolve, discursivamente, os signos e semióforos fundadores da “acreanidade”
que transforma as vidas e as trajetórias de milhares de sujeitos em coisas ou objetos
reificados pela história regional.
67
3.MEMÓRIA, MEDIAÇÃO CULTURAL E CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO
PASSADO-PRESENTE
A memória e tudo o que ela implica em termos de tensões e disputas, nunca
foi tão invocada, no âmbito dos discursos e intervenções políticas, no estado do
Acre, quanto nos anos 2002-2006. Tal apelo fez parte do “impressionante” esforço
governamental para criar a imagem de um “novo Acre”. O apelo ao regionalismo foi
o procedimento adotado para forjar os símbolos que repercutiam nas diversas
formas de linguagens manifestas em comemorações cívicas, propagandas
televisivas e radiofônicas, placas, outdoors, exposições, publicação de livros e
“lugares de memória” específicos para as representações da ideia de “identidade
regional”.
No referido contexto, a política adotada pelo governo do estado trazia em
seu discurso um forte apelo ao passado. A rememoração desse passado tomou
conta dos museus, memoriais, avenidas e praças com representações compatíveis
com os discursos da política emergente que dizia pautar-se em valores
“tradicionais”. Valores esses que passaram a articular diferentes grupos humanos,
projetos e práticas culturais em uma mesma, e única ideia de “acreanidade”.
Nesse contexto, instituições governamentais e não-governamentais
desenvolveram um intenso trabalho na produção dessa imagem regionalista. Essa
iniciativa tomou proporção com a criação da Fundação de Cultura e Comunicação
“Elias Mansour” (FEM) e do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural
(DPHC) do Estado do Acre, em 1999. As ações dos dois órgãos públicos foram
desenvolvidas numa perspectiva de “resgate” e valorização do patrimônio histórico e
da “história regional”.
Nesse processo, tornaram-se usuais, termos como “restauração”,
“revitalização” e “comemoração”, indicando a forma de como se processou a política
que tomou impulso nesse período de invenção de uma “acreanidade”. Os termos
remetem à busca de identificação com um passado remoto ou uma certa ideia de
ancestralidade. Apontam, portanto, para uma tentativa de promover a recuperação
de um passado (restauração) dando nova vida (revitalizando), por meio de
cerimônias realizadas em memória de um acontecimento (comemoração).
Para compreender a problemática dessa política adotada, deve-se levar em
conta as articulações entre o discurso de unidade e identidade regional e as práticas
68
desses órgãos vinculados ao governo e, inevitavelmente, às concepções ideológicas
do grupo político que tornara-se “hegemônico” no controle do aparelho estatal.
A Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour (FEM) foi criada em
1999, para substituir a Fundação de Desenvolvimento de Recursos Humanos da
Cultura e do Desporto (FDRHCD). Nessa ocasião, também foi criado o
Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural do Estado, que substituiria a
Coordenadoria de Patrimônio da FDRHCD. O diretor-presidente, nomeado pelo
governo para gerir a administração dessa nova Fundação, foi o militante político,
jornalista, poeta e ensaísta, Antônio Alves.54 Em conjunto com ele, foram nomeados
outros dois diretores: Jorge Henrique e Simoni D‟Ávila. Sua ascensão ao cargo de
diretor-presidente da Fundação de Cultura, no primeiro mandato do governo da
coligação intitulada “Frente Popular do Acre (FPA), causou entusiasmo e esperança
para intelectuais e artistas, que se deslumbravam com a possibilidade de maior
participação da classe artística e da comunidade em geral, na produção cultural do
Estado.
Um dos mais antigos militantes no campo das artes acreanas, o artista
plástico Dalmir Ferreira, expressa um pouco do entusiasmo vivenciado nesse
período:
A minha relação com a velha Fundação e a nova Elias Mansour se dá numa
transição, num momento em que de repente nós da cultura estávamos
super-entusiasmados [...] porque todo mundo da cultura na época tinha
votado no PT. Eu fui um dos que votei, e tem uma coisa, na época da
transição do último governo que não era do PT para o PT reuniu-se quase
todo mundo, nós fizemos reuniões, isso e aquilo, esperávamos muito,
esperávamos muito.55
A nova Fundação Cultural - (FEM) - viria então substituir a antiga Fundação
de Desenvolvimento da Cultura e do Desporto56 que, criada em 1979, tinha como
objetivo incentivar o fazer artístico-cultural do homem acreano, em todas as formas
de expressão. Idealizada e fundada por Elias Mansour Simão Filho, a FDRHCD
54
Antônio Alves participou, nas décadas de 1970 e 1980, de movimentos sociais e da criação do partido dos Trabalhadores no Acre. 55
Dalmir Ferreira, entrevista realizada em 11 de novembro de 2010. 56
Diário Oficial do Estado do Acre, em 7 de junho de 1979. O Poder Executivo autoriza a instituir a Fundação de Desenvolvimento de Recursos humanos da Cultura e do Desporto através da Lei Nº 667 de 23 de maio de 1979.
69
passou por mudanças em sua estrutura organizacional e permaneceu funcionando,
oficialmente, até a criação da Fundação de Cultura e Comunicação “Elias Mansour”.
A criação da FEM ocorreu num processo em que ocorria o desmembramento de
alguns setores, até então, vinculados à fundação cultural, que passaram a se
constituir como secretarias autônomas: Secretaria do Esporte, Secretaria da
Juventude, Secretaria de Assuntos Indígenas e Secretaria de Comunicação, e, esta,
segundo Alves, “passou a gerenciar, na prática, aquilo que juridicamente pertencia à
Fundação, como a rede de comunicação de rádio e televisão”.57
Conhecida como Fundação Cultural, a FDRHCD, quando criada, na década
de 1970, no governo de Joaquim Falcão Macedo, tinha em sua estrutura interna,
basicamente, além dos setores administrativos: uma Coordenadoria de Recursos
Humanos, uma de Ação Cultural, uma de Esportes e uma Diretoria da Biblioteca
Pública. A gerência da FDRHCD era subordinada ao Gabinete Civil e seu primeiro
diretor-presidente foi Elias Mansour, que passou a acumular os cargos de diretor-
presidente e o de chefe da Casa Civil do governo de Joaquim Macedo, tio de Jorge
Viana.58
Em 1985, na gestão do diretor-presidente Jacó Cesar Píccole,59 a FDRHCD
foi reformulada com a ampliação de sua estrutura organizacional, que passou a
incorporar outras coordenadorias e, dentre elas, a de Patrimônio Histórico. Os
trabalhos da coordenadoria de Patrimônio Histórico, durante essa e outras
administrações, ficaram restritos a algumas produções literárias, audiovisuais e à
preservação de três espaços de memória: Sala Memória de Porto Acre, Museu da
Borracha60 e Casa do Seringueiro.61
Por alguns anos a FDRHCD atuou como um organismo forte, e manteve
certa independência do governo, graças à arrecadação de recursos financeiros, via
ministração de cursos de formação, hospedagem de alojamentos, cobrança no uso
de ginásios esportivos, vendas de artesanato e produtos gastronômicos em seu
57
Entrevista com o ex-diretor da FEM Antônio Alves, realizada em 2 de dezembro de 2010. 58
Os elementos que constituem parte dessa retrospectiva histórica foram produzidos a partir da entrevista com o ex-diretor da FDRHCD, Jacó Píccole, realizada em 09 de setembro de 2010. 59
Antropólogo indicado a Diretor-Presidente (1983 a 1987) da FDRHCD pela Assembléia Popular constituída por um Fórum para indicação de nomes que ocupariam pastas do governo Nabor Júnior. 60
Informações adquiridas com o depoimento do ex-diretor presidente da FDHHCD, Jacó Pícole (em 09/11/2010) e da ex-coordenadora de Patrimônio Histórico Fátima Almeida (em 19/11/2010). 61
A Casa do Seringueiro foi criada pela Fundação Cultural do Acre, no governo de Flaviano Melo, em 1989, localizava-se na Av. Brasil, 216 - Centro. A casa visava representar os modos de vida dos seringueiros.
70
restaurante. Essa dinâmica funcionou a contento até meados da década de 1980, na
gestão de Francisco Gregório da Silva Filho,62 período em que houve uma certa
ebulição de atividades culturais no estado. Porém, tal dinâmica foi desaparecendo,
pouco a pouco, ao longo dos anos, levando a FDRHCD a desenvolver apenas ações
eventuais.63
Observa-se que a estruturação das políticas culturais é produzida dentro de
um campo atravessado por dependências, ficando, na maioria das vezes, a mercê
das flutuantes “prioridades” governamentais. A partir do depoimento de outro ex-
presidente da FDRHCD, João Petrolitano, essa percepção parece ganhar mais
força:
Quando eu fui nomeado, o governador me colocou assim: Nós queremos
revigorar a cultura e a história do estado. Então naquela ocasião se
elaborou um projeto que visava exatamente fazer um resgate histórico,
compilar tudo que nós temos, cadastrar, e, não só nessa área, na área dos
elementos de referências históricas, mas na área do desporto a gente
pensava em trazer o resgate da história do desporto, como ele tem
acontecido e, fortalecer aqueles movimentos culturais, inclusive, os nossos
movimentos teatrais e por aí afora. Havia isso. Aí por que, que isso não
aconteceu? É que os governos priorizam ou não priorizam. Não é suficiente
dizer que vai fazer, tem que priorizar. E naquela ocasião, não sei por quais
motivos, quatro meses depois deixou de ser prioridade.64
Com a inércia da Fundação Cultural do Estado, a proposta de criação de
uma nova fundação fez brotar esperança para muitos artistas, que acreditavam na
possibilidade de manter um diálogo maior com a instituição, posto que, em alguns
governos, conforme nos explica Lenine:
não existia uma forma de estabelecer o diálogo sobre qualquer aspecto [...]
a gente tinha o problema que era relacionado a todos os projetos que a
62
Francisco Gregório da Silva Filho, acreano que saiu para estudar no Rio de Janeiro. Servidor público federal do quadro da Fundação Biblioteca Nacional, vinculada ao Ministério da Cultura. Veio assumir a gestão da FDRHC no governo de Flaviano Melo (1986-1990). 63
Entrevista com Antônio Alves, realizada em 27 de dezembro de 2010. 64
Entrevista com João Petrolitano, realizada em 11 de novembro de 2010.
71
gente tentava dialogar. Porque o grande problema do poder público era o
problema do diálogo [...] e esse permanece até hoje.65
Para Antônio Alves, a proposta de uma nova Fundação era “para trabalhar
com a cultura num sentido mais amplo, sem ter que se restringir à função de apoio
às artes”.66 Nessa direção, a Fundação Elias Mansour seria uma espécie de
“renovação” de uma velha Fundação que havia sido sucateada:
A Fundação velha e a nova permaneceram convivendo. Acho que a
Fundação Elias Mansour passou a ser quase um organismo gerenciador da
velha Fundação Cultural, porque os dirigentes pertenciam a FEM, e os
funcionários a FDRHCD. Então, ela foi como um organismo que revitaliza as
funções da Fundação Cultural. Acho que no final das contas a FDRHCD
passou a ser uma espécie de cavalo e a FEM o cavaleiro.67
A metáfora usada no depoimento de Alves é elucidativa de que a criação da
FEM não foi suficiente para promover as mudanças desejadas, na área da cultura no
Acre. A Fundação Elias Mansour, segundo ele, “retornou às funções básicas
anteriores, que eram de apoio às artes e realização de eventos artísticos,
principalmente”.68 O apoio às artes parece não ter atingido as expectativas de trilhar
novos caminhos.
Em sua reflexão sobre o passado recente, o artista plástico Dalmir Ferreira
faz a seguinte observação:
Todo o primeiro mandato não foi feito absolutamente nada, que, inclusive,
depois eu falando com o Jorge, eu disse: Jorge a cultura ficou de fora do teu
governo. - Ele disse: Sim, nós tínhamos outras prioridades, mas nesse
segundo mandato (Isso foi quando ele foi candidato para o segundo mandato)
e, ele disse: Nesse segundo mandato nós vamos fazer tudo, tudo que nós
deixamos de fazer. E, Infelizmente, hoje o Binho está entregando, e,
justamente por isso a gente tá brigando ainda, porque as poucas coisas que
fizeram foi aprovar leis que a gente estava perseguindo; que nos asseguraria
o funcionamento legal das instituições e que esse, aliás, tem sido o grande
65
Depoimento de Lenine Barbosa de Alencar, Presidente da Federação de Teatro do Acre (FETAC), realizado em 17 de novembro de 2010. 66
Depoimento de Antônio Alves a autora, realizado no dia 27 de dezembro de 2010. 67
Depoimento de Antônio Alves a autora, realizado no dia 27 de dezembro de 2010. 68
Entrevista com Antônio Alves, realizada no dia 27 de dezembro de 2010.
72
problema das instituições de cultura no Acre. Elas não têm uma sustentação
legal e fica fácil pra qualquer um desses transeuntes do poder, que chegam
ao cargo de governador e diz: não, não, isso não presta. Aí manda fechar e
acabou. E como as coisas não têm uma estrutura, um alicerce jurídico, não
tem algo que sustente, normalmente são fechadas e descartadas.69
A necessidade de uma estrutura jurídica regularizada para assegurar a
manutenção do patrimônio cultural passou a se constituir como uma questão
importante. Com a criação da FEM e do DPHC, a Lei 1.14570 de 1994, que dispõe
sobre o tombamento de Bens Culturais, no Estado do Acre, foi reformulada abrindo
espaço para o surgimento de uma nova Lei Estadual, em setembro de 1999 (Lei nº
1294), que instituiu o Conselho de Patrimônio Histórico e o Fundo de Pesquisa e
Preservação. Fundo este que até hoje não foi repassado, “porque nunca foi
regulamentada a arrecadação regular, que deveria ser um tanto percentual do
orçamento do Estado repassado regularmente”.71 O fundo que deveria subsidiar
ações culturais ficou sobrevivendo de repasses do gabinete para atender aos
eventos de comemoração dos centenários, como explica Alves,
o governo então mantinha repasses, principalmente, pelo interesse que o
governo tinha na época na comemoração dos centenários que aconteceram
naquele período: Centenário da Revolução Acreana, Centenário do Tratado
de Petrópolis. Tinha toda uma série de eventos que estavam completando
cem anos [...]72
Acompanhando as injunções de diferentes grupos em atuação na arena
cultural acreana, é possível perceber a inegável insuficiência e dependência
orçamentária, fator que corrobora para que as ações da área cultural permaneçam
restritas aos interesses governamentais. Nas reflexões de muitos dos entrevistados,
que, também, traduzem suas participações no campo do fazer cultural, o patrimônio
se encontra sob a custódia legal do estado, tornando evidente que muitas ações da
instituição, incluindo a museologia, não ficam fora do âmbito político e ideológico. Ao
contrário, o Estado é quem dita às orientações que devem ser seguidas.
69
Dalmir Ferreira, entrevista realizada em 11 de novembro de 2010. 70
Lei nº 1.145, de 21 de novembro de 1994. Institui o Conselho de Patrimônio Cultural e cria o Fundo de Amparo, Preservação e Restauração dos Bens Culturais do Estado do Acre. 71
Entrevista com Antônio Alves, realizada em 27 de dezembro de 2010. 72
Entrevista com Antônio Alves, realizada no dia 27 de dezembro de 2010.
73
No caso da Fundação Elias Mansour, que deveria gerenciar e ser
responsável direto pela promoção de debates e outras ações relativas a datas
celebrativas, por exemplo, torna emblemático perceber que, nos anos de construção
do mito da “acreanidade”, a mesma foi reduzida à condição de órgão executor e
pagador dos interesses do Gabinete Civil que, por sua vez, ficou responsável pela
direção das programações dos eventos. Na avaliação de Antonio Alves,
o governo deu bastante importância a esses eventos, na comemoração
deles, na simbologia desses eventos, e o órgão que deveria gerenciar as
promoções relativas a esses centenários seria a Fundação Cultural, a
Fundação Elias Mansour, o seu Departamento de Patrimônio Histórico e o
Conselho de Patrimônio Histórico. Mas, a importância política, digamos
assim, desses centenários fez com que o governo passasse boa parte do
gerenciamento dos eventos para o gabinete civil, e a fundação ficou mais
como, enfim, um executor das coisas e um organismo pagador das coisas,
mas a definição do que deveria ser feito ficou bastante influenciado pelo
interesse do gabinete, no assunto. Acho que é um interesse legítimo e que
deveria realmente existir, e foi um acerto do Jorge Viana dar importância a
essas datas e investir nelas e todo prestígio do governo, a atenção do
governo, mas acho também que muitas outras iniciativas poderiam ter sido
tomadas pela Fundação especificamente, e que muitas vezes por falta de
recursos e porque os recursos estavam prioritariamente destinados aos
eventos não definidos diretamente pela fundação e o pessoal da fundação
estava destacado para trabalhar nessas coisas, muitas vezes a gente
deixou de realizar coisas importantes, mas enfim acho que isso também não
foi um prejuízo grande e deu pra fazer um trabalho que eu acho
satisfatório.73
Antonio Alves já não fala do lugar em que se encontrava quando diretor-
presidente da FEM. Nesse sentido, sua interpretação, sob o peso do presente,
desnuda o quanto aquela fundação de cultura passou a ser mera agência promotora
de um discurso regionalista. Tal discurso acionou uma reelaboração do passado
para projetar uma versão de história regional. Sob um princípio teleológico,74 a
versão histórica selecionada deu origem e estímulo à retórica da “acreanidade”,
conduzindo a uma interpretação de unidade sobre as descontinuidades em um
73
Entrevista com Antônio Alves, realizada no dia 27 de dezembro de 2010. 74
Esse princípio organizador se baseia na origem e causalidade.
74
trajeto de “acontecimentos”, onde as narrativas passaram a ser a expressão do
“real” e cristalizadoras de uma determinada memória.
O ponto culminante desse condicionamento foi durante a programação do
centenário da “Revolução Acreana” ou da “Guerra do Acre”, como preferem
historiadores bolivianos. Para contribuir com os sentidos de unidade em torno desse
cristalizado “acontecimento”, vários artigos foram publicados em revistas produzidas
e organizadas pela FEM, e no Jornal Página 20, fundamentalmente, na coluna “O
Acre é Cem”, de autoria do chefe do Departamento de Patrimônio Histórico e
Cultural, entre os anos 1999-2004, Marcos Vinícius Neves.
Na proporção em que essa discursividade ia ganhando novas formas, com
suas representações e construções, o discurso da “acreanidade” passou a ser
assimilado como “natural”, e não como uma representação social, “um produto
social, mutável e irregular” (BURKE & PORTER, 1997, p. 240).
Os temas escolhidos para caracterizar um tipo regional foram massivamente
divulgados e seus efeitos persuasivos tiveram vários suportes: publicação de
revistas e livros, realização de eventos e exposições, criação de museus, memoriais
e salas memórias. A visão síntese do passado de glória, narrado pelo recorte de
uma determinada versão histórica, elegeu, em primeiro lugar, o mito da “Revolução
Acreana” como argumento discursivo para justificar a coesão imaginária da
sociedade acreana. O mito fundador conceituado por Chauí “é aquele que não cessa
de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e
ideias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição
de si mesmo” (CHAUÍ, 2001. p.9).
O mito da “Revolução Acreana” passou a ser amplamente divulgado,
principalmente, durante o período de celebrações dos diversos centenários que o
rodearam: 1999, Estado Independente do Acre; 2000, Brasil 500 anos; 2002,
“Revolução Acreana” e 2003, Tratado de Petrópolis. Essas datas foram marcadas
por uma intensa propaganda oficial, pasteurizando um passado idealizado pelas
consagrações e projetos políticos do presente.
Em todas elas, a ideia de “Revolução Acreana”, segundo os apologistas da
“acreanidade”, marco de “nascimento do Acre brasileiro”, permeou por todas as
celebrações. Acontecimento orquestrado pelo tom pastel do “Governo da Floresta”,
essa “revolução” mitificada passou a funcionar como uma metáfora para outras
75
histórias e memórias que foram sendo produzidas no presente por uma ideologia
ufanista de valorização de “heróis”, personagens e símbolos.
Para Walter Benjamin, em célebre passagem de suas Teses sobre a
história,
articular historicamente o passado não significa conhecê-lo „como ele de
fato foi‟. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela
relampeja no momento de um perigo (BENJAMIN, 1993, p.224).
Partindo dessa premissa, ressalvo, mais uma vez, que toda narrativa do
passado acontece em um tempo presente e, uma vez que essa construção é feita
no presente, trata-se de uma visão de quem relata, e não dos “fatos” como
aconteceram. Isso significa dizer que foi escolhida uma determinada dizibilidade
que selecionou seus signos, personagens, imagens, enunciados e mito de origem,
criando através das diversas linguagens elos e conexões de sua criativa
discursividade totalizadora, marcadamente ideológica.75
A “identidade acreana” que se inventava era a do homem que “amava e
lutava por sua terra”, reconhecendo a floresta como seu “lugar de viver”, razão pela
qual era necessário preservar suas tradições. A produção dessa “identidade”, numa
visão romântica de apego à natureza, foi gestada pela re-atualização de uma visão
histórica seriada, servindo para fornecer uma sugestiva conexão no sentido de se
projetar uma ideia de “história em progresso”, cujo viés triunfalista impede de se
pensar em outras alternativas.
O encadeamento das versões apresentadas não foi uma produção inocente
e, sim, impregnada de intenções e subjetividades, articulando temporalidades e
manifestando-se a partir de limites codificados pelos interesses do governo
estadual. Sob o verniz do incolor e do inodoro, a narrativa da “epopéia do acre
brasileiro” suavizava os conflitos entre seringueiros, indígenas e patrões para
ressaltar a bravura, determinação, coragem e “amor a terra”. No entanto, no
panteão do discurso midiático, o “Governo da Floresta” elegeu, como personagens
desses atos “heróicos” – de bravura, determinação, coragem e “amor a terra” –, as
figuras de Plácido de Castro, Guiomard dos Santos e Chico Mendes, que, agora,
75
Para Chauí (2006, p.21), o termo ideologia aqui utilizado significa sistema abstrato de representações, normas, valores e crenças dominantes que invertem a realidade, produzindo uma universalidade e uma unidade ilusória, que ocultam a divisão social de classes.
76
apareciam como protagonistas do mesmo projeto político do qual Jorge Viana se
apresentava como o legítimo herdeiro.
No corredor dessa “linha de evolução” de “personagens” e “fatos” históricos
reificados, o governador do “novo Acre” se apresentava como o único capaz de dar
continuidade ao processo de “Revolução Acreana”, iniciada cem anos antes.
Projetando-se como “herdeiro” de todos os que já venceram, Jorge Viana,
reafirmava o quanto a “identificação com o vencedor”, sempre concorre para
beneficiar aquela pessoa ou grupos de pessoas que, em determinado contexto
histórico, se torna “detentor do poder” (BENJAMIM, 1993, p. 157).
Não obstante, o caminho traçado pelo governo pretendeu conciliar o
discurso da “tradição” com o discurso da “modernidade”. Por ele, o Acre deveria se
“modernizar” sem perder seu caráter regional. Na apresentação de uma das revistas
publicadas pela FEM, com o título “Galvez e a República do Acre”, o governo
anunciava o tipo de projeto que pretendia por em ação no Estado:
Nosso projeto é mostrar que é possível viver na floresta sem destruí-la,
aproveitar seus recursos com sabedoria, apontando o caminho do novo
tipo de desenvolvimento que a humanidade procura. Uma sociedade da
floresta, juntando a tradição e a modernidade, o passado e o futuro, eis o
que podemos ser.76
Essa conciliação da “tradição” com o discurso de “modernidade” pretendia
criar uma valorização cultural para legitimar as intervenções do poder público. A
política recorria à construção de um imaginário para o consentimento e adesão da
população, pela via cultural, na construção de uma auto-imagem do Acre e dos
acreanos.
Foi essa a construção discursiva que regeu o conjunto de intervenções
urbanas, no Acre dos anos 1999-2006. O discurso da “identidade acreana” nomeou,
marcou e projetou suas representações com intensa força na paisagem urbana que,
serviu como o mais eficaz instrumento de “normalização” do discurso da
“acreanidade”.
Naquela conjuntura de início de uma “nova era”, a retórica do
“desenvolvimento”, “progresso”, “bem-estar” e “modernidade” retornou à cena
76
Trecho da apresentação da Revista do 1º Centenário do Estado Independente do Acre- “Galvez e a República do Acre”, assinada pelo governador Jorge Viana.
77
política do Acre, como cimento inquestionável para provocar “consensos”.
Reacendendo a chama dos “fatos” históricos idealizados, o governo estadual tratou
de desenhar a “cidade ideal”, impondo padrões estéticos de caráter monumental e
de embelezamento, para apresentar uma imagem de cidade “moderna”. Era essa, a
tônica presente nas obras que foram executadas ou projetadas para alterar a
paisagem do centro de Rio Branco.
Não por acaso, o cenário criado era composto por grandes avenidas,
palmeiras imperiais, parques, pontes, praças; fachadas coloridas e forte iluminação a
irradiar uma aparência estimulante de cidade “ideal” e atraente. O Acre parecia
ressurgir como um sonho, um “lugar nobre”. Nesse mesmo diapasão foram criados
ou recriados os “lugares de memória”, dos quais o Palácio Rio Branco encontra sua
expressão máxima.
Nesse re-ordenamento a política de patrimônio histórico e cultural do Acre
fez conhecer uma de suas faces, mostrando que os significados sociais do
patrimônio cultural exercem grande eficácia simbólica na construção social dos
lugares.
O elemento de mediação de toda a “febre desenvolvimentista” do “novo
Acre” e do mito da “acreanidade”, foi a imprensa escrita, eletrônica e televisiva, que
exerceu significativo papel na difusão de representações que passaram a fabricar e
a ampliar sentidos. Não era, simplesmente, uma questão do formato dos
enunciados, mas das condições culturais e políticas de produção das
representações e estratégias de “normalização” dos produtos veiculados por
imagens, palavras e sons. Nesse sentido, a imprensa é uma fonte poderosa e
inesgotável de produção e reprodução de subjetividades, evidenciando sua
sofisticada inserção na rede de poderes que criam as sujeições do presente.77
No que se refere à produção de ideais identitários, no contexto temporal
abrangido por esta pesquisa, o trabalho realizado pelos grupos que se manifestavam
por intermédio da mídia, procurou cumprir com eficácia a função de massificar
generalizações para a integração social dos indivíduos à “comunidade imaginada”
dos “nascidos no Acre” e dos que “vivem no Acre”.
77
GREGOLIN (2007). A autora faz uso de Foucault para dizer que a subjetividade diz respeito às práticas, às técnicas, por meio das quais o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de “verdade”.
78
A produção de textos e imagens trabalhou na difusão dos referenciais de
uma memória histórica, em que a linguagem construiu as narrativas e os discursos
para viabilizar a adesão emocional das pessoas às coisas que elas precisavam
aceitar, como consumidores em um supermercado. Nesse aspecto, em se tratando
da produção de representações midiáticas, escolhi desenvolver uma reflexão a partir
de dois jornais locais: o Página 20 e o O Estado do Acre.
O Jornal Página 20, foi criado por Antônio Stélio e depois adquirido por
pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores. Começou a circular semanalmente a
partir do dia 05 de março de 1995. Sem possuir assinantes, a primeira tiragem de
1.000 exemplares, foi toda vendida. Na época a tiragem dos exemplares era
pequena, porém, em 1996 - declarado oposição ao governo de Orleir Cameli (MDB)
–, o jornal obteve maior visibilidade, passando a ser publicado diariamente.
Observando a trajetória desse jornal, percebe-se que, por seu caráter oposicionista
ao governo de Orleir Cameli, o Página 20 foi auto-nomeado, por seus editores, como
o “galinho bom de briga”.
Com o lema “Um jornal para pessoas inteligentes que sabem e gostam de
ler” sua editoração se propôs a trabalhar com um perfil mais cultural e político. Sem
explorar desastres e acidentes, embora tenha feito cobertura nas delegacias durante
algum tempo, o jornal Página 20 não possuía página policial. Quando divulgava
notícias oriundas dessas delegacias, publicava-as somente nas capas, como forma
de denúncia e não como suítes,78 ou seja, não explorava as tramas policiais.
Em formato de tablóide, o Página 20, oriundo da iniciativa privada, visando
fins lucrativos tem como maiores clientes, a Prefeitura Municipal de Rio Branco e o
Governo do Estado, prestando, ainda, serviços ao Governo Federal. A tiragem
diária do jornal era, em média, de 1.500 exemplares semanais e 3.000 exemplares
aos fins de semana. A venda desses exemplares era realizada em todos os
municípios acreanos. Atualmente, sua difusão via internet tem contribuído para a
redução da produção de exemplares impressos.
Em junho de 2002, em várias edições, foram veiculadas notícias em
pequenas notas, sobre a restauração e (re)inauguração do prédio do Palácio Rio
Branco, até o dia do evento de sua reinauguração. Depois as notícias tomaram
conta da primeira página. As chamadas de capa e os espaços privilegiados, dados
78
O termo suíte significa seqüencia de um mesmo assunto visando sua exploração junto aos leitores.
79
às matérias e propagandas oriundas da Secretaria de Comunicação Social do
Governo, que passou a controlar tudo o que era veiculado nesse e em outros
órgãos de imprensa, dão uma dimensão do quanto “ganhar a guerra da mídia”
passou a fazer parte das prioridades do governo. Nesse caso, de identificar os
membros da sociedade acreana ao “novo lugar de memória”, ao seu governante e
à política de valorização de “resgate” de uma história acreana.
Figura 5 - Manchete do Jornal Página 20, 13 de junho de 2002
Fonte: Museu da Borracha
A divulgação da matéria, sobre a re-inauguração do Palácio Rio Branco,
publicada no dia 13 de junho de 2002, é sugestiva para se pensar em dois
acontecimentos: O primeiro, “É hoje 13”, direciona-se para a ação de um tempo
presente que nos leva a pensar de onde emana o poder que realiza a ação de
“entregar” à população o Palácio Rio Branco. A data do dia 13 é indicativa do
número do Partido dos Trabalhadores (PT). A imagem fotográfica do prédio tem uma
posição privilegiada, com o ângulo de baixo para cima a imagem destaca a
grandiosidade dessa obra arquitetônica, possibilitando uma visão grandiosa desse
monumento como objeto-símbolo da “recuperação” do patrimônio histórico acreano.
80
O segundo direciona-se para um tempo passado, identificado por
referenciais de exaltação cívica, pois a (re)inaguração faz parte da comemoração do
centenário da “Revolução Acreana” (2002-2003) e da programação do 40º
aniversário do Estado.
Os jogos simbólicos usados pela imprensa não são ingênuos, e, assim,
elementos dispersos se coordenam e vão traduzindo outros significados, como a
exemplo do convite feito à população, divulgado no jornal Página 20.
Figura 6 - Jornal Página 20, 12 de junho de 2002
Fonte: Museu da Borracha
O convite faz referência a diversos signos que nos permitem fazer uma
leitura associativa entre representações de momentos distintos que se articulam
para criar uma imagem do que deve ser valorizado no momento em que se
(re)inaugura o palácio do governo. Em primeiro plano aparece com traços fortes e
marcantes o desenho do palácio acompanhado de uma marcação temporal (1929 –
2002). Esses são os marcos de “construção” e “revitalização” da obra que podem
ser “lidos” como dois momentos de “renovação” do Acre e empreendimento,
característico das intenções “modernas” de Hugo Carneiro (1929)79 e de Jorge Viana
(2002)80. A justaposição de momentos históricos distintos, porém, unidos em um
discurso do presente é uma tentativa de projetar no imaginário coletivo a ideia de
79
Hugo Ribeiro Carneiro foi nomeado para se o governador do Território do Acre pelo Presidente da República, através do Decreto de 13 de abril de 1927. 80
Jorge Viana foi eleito governador do Estado do Acre (1999-2002) e re-eleito em 2003.
81
continuidade de um projeto “modernizador” inspirado nas ações do ex-governador
Hugo Carneiro.
A “revitalização” do Palácio, em 2002, acrescida de sua nova função, como
referencial de uma “cultura acreana”, demonstra o quanto esse monumento foi
discursivamente produzido no imaginário social como símbolo de poder e ruptura
com o “atraso” e em prol do “progresso”. Ele foi (re)significado, ressurgindo no ano
de comemoração do centenário de uma “Revolução Acreana”, moldada ao gosto das
leituras e representações do presente, para construir um forte sentimento de
patriotismo em grupos de pessoas que, nos diferentes tempos históricos, não tinham
nenhuma relação. “Ressurgia, também, como símbolo de uma “nova fase” para o
Acre, de uma “nova revolução”, de uma “nova história”, como podemos depreender
da seguinte fala: “A obra de restauração do Palácio é o mais importante da nova
história do Acre que se inicia neste século” (Jornal Página 20, 14 de junho de 2002,
p. 12).
O que se evidenciou, ao longo da pesquisa, é que o discurso político de uma
“nova história” para o Acre foi constituindo o cenário para classificação e valorização
de bens culturais, proporcionando uma visão de como a sociedade pode se
apropriar de uma história do passado, e, fundamentalmente, do presente, através de
um patrimônio comum à “comunidade acreana”.
O patrimônio passa a ser usado como força política, como lugar de produção
e reprodução de subjetividades que cria as sujeições necessárias para controle e
manutenção do poder vigente. Para cumprir essa função, como forma de assegurar
seu reconhecimento como tal, foi necessária uma divulgação maciça de imagens e
textos. Nisso, o Página 20 exerceu significativo papel.
As técnicas utilizadas pela imprensa confabularam para a criação simbólica
da “identidade acreana”, como indica o enunciado a seguir:
A sede do governo acreano tem uma peculiaridade que a torna singular
entre as demais. Ela não se constitui apenas de um prédio governamental
onde são tomadas as resoluções que definem os rumos do Estado, ela faz
parte da vida de um povo, da infância de uma gente. É a identidade do povo
acreano (Jornal Página 20, 14 de junho de 2002, p. 15)
Desse modo, a linguagem, mediante o enunciado propicia uma
representação na qual o Palácio Rio Branco passa a ser interpretado como palco e
82
depósito de uma tradição, pretendendo estabelecer uma relação natural entre esse
monumento e a suposta identidade, evocada pelo discurso.
Nesse processo de fabulação para a formação de um imaginário, não
somente o Página 20, mas, a quase totalidade dos jornais locais foram primordiais
em suas articulações discursivas, reorganizando os signos sob a espetacular visão
de uma vida cotidiana em que o “patrimônio recuperado” funcionava como recurso
para configuração de valores tradicionais e associados com as imagens dos
monumentos:
Figura 7 - Jornal Página 20, 14 de junho de 2002
Fonte: Museu da Borracha
Os dispositivos utilizados no jornal contribuem para a construção de uma
visão enraizada na ideia de uma “cultura local”, apresentando em primeira escala a
bandeira do Acre, ao lado da chamada da matéria “O palácio é do Povo”. Essa
afirmação é acompanhada de uma “vontade de verdade”, no dizer de Michel
Foucault, pretendendo estabelecer uma filiação harmônica entre poder
governamental e o “povo”. Esse vocábulo busca criar uma identificação coletiva,
inserindo os sujeitos em uma “comunidade imaginada”. A bandeira do Estado do
Acre aparece como símbolo de valorização cívica; o Palácio Rio Branco, como
83
símbolo do governo e da recuperação do patrimônio; a Fonte Luminosa, como
recuperação do patrimônio histórico e o retorno de uma fase de caráter “moderno” e
de “desenvolvimento” urbanista, diretamente vinculada ao período do governo de
Guiomard dos Santos, pois a imagem compõem elementos arquitetônicos também
desse governo.
A imagem revela os signos utilizados para, supostamente, criar as
conformidades necessárias às pretensas representações identitárias. Nessa direção,
o discurso continua associando à ideia de unidade e de continuidade da nação ao
patrimônio. Isto porque sua representação alude a uma origem e essência,
aparecendo como algo que sempre existiu, e não como produto de uma seleção
feita com objetivos políticos e estéticos específicos.
Essa re-atualização permite-nos apreciar determinados desdobramentos do
jogo simbólico que pretende indicar a direção interpretativa entre o passado
“glorioso” e o presente, que se quer “revolucionário”. Nessa direção interpretativa,
determinados elementos acompanham a confecção da imagem do Acre como se o
mesmo vivesse um processo revolucionário, proporcionado pelas ações do governo
da Frente Popular.81
81
A Frente Popular do Acre é formada pela integração do PT, PCB, PC do B, PDT e PV, liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
84
Figura 8 - Jornal Página 20, 06 de agosto de 2002
Fonte: Museu da Borracha
Na manchete o “Acre é 100, acreanos comemoram Centenário do início da
Revolução”, o Palácio Rio Branco e o Obelisco, são usados na linguagem visual com
a função de reunir algo que possa aludir a uma origem. As imagens são
incorporadas como representação de uma “nova fase” que pode ser interpretada
com a intenção de levar o receptor a pensar em uma “fase moderna”, com a
recuperação do Palácio, e “revolucionária”, com a presença do Obelisco da
“Revolução”.
O apelo ao rito foi marca constante nas representações públicas do
“Governo da Floresta”. Sua utilização conferia força ao ideal que a publicidade do
governo queria massificar. Nessa direção, são interessantes as palavras de Canclini,
para quem,
é raro que um ritual aluda de forma aberta aos conflitos entre etnias, classes
e grupos. A história de todas as sociedades mostra os ritos como
dispositivos para neutralizar a heterogeneidade, reproduzir autoritariamente
a ordem e as diferenças sociais (CANCLINI, 2008, p. 192).
85
A comemoração do centenário do início da “Revolução” serve como apelo
para renovar a solidariedade afetiva, dissimulando com seu rito de comemoração as
contradições da sociedade. O rito faz parte de uma rede de encenações imaginárias
que determina o que deve ser lembrado e valorizado e, nesse sentido, o patrimônio
torna-se ator principal, por sua capacidade de gerar representações que possam ser
apropriadas pela sociedade, motivo que o leva à cena em atos comemorativos,
indicando assim, sua opção pontual e não aleatória por aqueles que o chamam a
ressoar em um dado momento.
Outro jornal impresso, escolhido para análise, é O Estado do Acre. Chama a
atenção que a própria denominação oficial desse jornal, que sugere uma conotação
de território nacional, gerenciado política e administrativamente por um governo, já é
indicativa de onde emanam as decisões de sua produção, bem como seu
engajamento político. Não obstante ser editado pela Assessoria de Imprensa do
governo, O Estado do Acre, passou a ser publicado, semanalmente, desde o mês de
janeiro de 2001, segundo ano do primeiro mandato do governador Jorge Viana.
Coordenado pelo jornalista Oli Duarte, nos anos de 2002 a 2006, o jornal
funcionou como órgão oficial de divulgação das ações do governo, com vistas a
“prestar contas com a população local” das ações do mesmo. Mais que “prestação
de contas”, o jornal procurava dar evidência às ações do governo para conferir-lhe
maior legitimidade diante da sociedade.
Sem compromisso comercial e com tiragem semanal de 20.000
exemplares, esse jornal era distribuído gratuitamente para órgãos públicos de todo
o Estado: escolas, postos de saúde, bibliotecas e outros. Em Cruzeiro do Sul, sua
distribuição era feita pelo escritório de governo. Nos demais municípios, em locais
de referência como a Rádio Difusora, farmácias e comércios. O esquema de
distribuição e sua gratuidade demonstram o interesse do governo em atingir o
maior número possível de pessoas para consolidar sua imagem de governante
empreendedor.
Com setenta e cinco edições publicadas, incluindo as edições especiais, o
jornal passou por quatro modificações em seu layout, objetivando criar um formato
capaz de atrair ainda mais o público leitor. Seu projeto gráfico foi pensado para
estimular a leitura com textos curtos e linguagem atrativa, valorizando, sobretudo,
as imagens.
86
Em sua edição de nº 63, a imagem utilizada pela equipe editorial na
diagramação da primeira página, nos oferece um arquivo sensível de imagens
carregadas de códigos importantes, falam implicitamente por meio de um jogo de
linguagem tão sedutor quanto as palavras. Com cara de revista, a montagem da
cena decide o que é importante e o que merece atenção.
Figura 9 - Jornal O Estado do Acre, 17 a 23 de junho de 2002
Fonte: Museu da Borracha
A evocação subliminar, sob o título “Resgate da dignidade de um povo, o
maior monumento da história acreana, símbolo do amor e orgulho pela nossa terra,
é entregue de volta à população numa festa que reuniu mais de três mil” (O Estado
do Acre, 2002, p. 01), além de pretender estabelecer uma relação do prédio
monumental com as administrações de governos anteriores, colaborando com a
ideia de que sua depredação significava o descaso por parte daqueles com o
Estado, destina-se à produção e difusão de sentimentos cívicos, honra e triunfo
acionados pelo discurso de “resgate”.
Observa-se na imagem que a fotografia noturna ganha fundamental
relevância. A iluminação na imagem do prédio, rodeada de fogos de artifícios,
87
realça a arquitetura imponente demonstrando força, poder e brilhantismo. As
pessoas que comemoram e aplaudem, parecem completamente desvinculadas da
cena, demonstrando a montagem da imagem, porque o que se quer afirmar é a
aceitação e adesão entusiástica da população frente à política adotada pelo
governo. Nessa direção, tanto a imagem visual agradável, colorida, emotiva,
espetacular, bem como os símbolos constituem técnicas, assim, “os textos da mídia
são verdadeiros dispositivos por meio dos quais instalam-se representações”
(GREGOLIM, 2008 ).
A construção imagética atende a intenção de espalhar uma carga emotiva
de modo que atinja o público receptor levando-o a um estado de aceitação e
satisfação que impossibilite reações críticas.
Na encenação desse tipo de espetáculo, tratando-se de patrimônio histórico
acreano, o Palácio Rio Branco passou a ser a matéria-prima na produção
discursiva de uma identidade acreana propagada pela imprensa jornalística:
Depois de anos de depredação e abandono, temos de volta o nosso
palácio. Símbolo maior do que fomos e do que somos. Os símbolos são
vitais para os seres humanos. Sem eles, não encontramos nossa identidade
[...] o palácio dos acreanos simboliza o recomeço da reconstrução da nossa
alma de filhos desse chão (Jornal O Estado do Acre, 17 a 23 junho de 2002,
p. 2).
O enunciado acima estabelece uma relação direta entre a “revitalização” do
palácio e a valorização de uma “identidade”. Reside aqui um esforço conjunto de
homogeneização do discurso, com intenção de deslocar uma ideia de identidade do
plano abstrato para o real espelhado no monumento.
O trabalho desenvolvido pelo jornal, procurava cumprir a função de produzir
práticas de subjetivação que são postas em ação, cujo teor simbólico vai atuando
como armadilha, no sentido de construir uma imagem do governo e de uma
representação histórica em harmonia, de maneira que “todos” pudessem se
identificar com “acontecimentos” do passado e do presente, simulados na visão
excepcional do governador como homem público, líder que condensa o passado do
Estado, encarna o presente e traduz consigo os traços do futuro.
A imagem do dirigente político empreendedor e preocupado com o
patrimônio dos acreanos estava sendo construída com os traços que os
88
caracterizava nas matérias divulgadas: “Jorge Viana recupera o patrimônio”, “a
restauração do Palácio é mais um marco na resposta de comprometimento do atual
governo com a história de seu povo”, “o Acre pode se orgulhar hoje não somente
porque está agora no caminho certo, rumo ao desenvolvimento e à modernidade. O
Acre pode e deve se orgulhar porque hoje tem um verdadeiro líder” (Jornal O
Estado do Acre, 20 a 26 maio. 2002, p. 2).
A expressão da última frase: “O Acre pode e deve se orgulhar porque hoje
tem um verdadeiro líder”, encontrada no editorial do jornal O Estado, evidencia o
esforço de criação da imagem do homem excepcional, fadado ao triunfo, o
“verdadeiro líder”.
Na obra O Estado Espetáculo, Schwartzenberg discute o papel
desempenhado pelos dirigentes do estado como empresa de espetáculos, onde a
política se faz pela encenação:
A política, tal como o espetáculo, tem os seus maquinistas. Para plantar
cenários e ajustar as trucanagens. Pertencem esses técnicos a um ramo
em pleno desenvolvimento: à indústria da persuasão. Para não dizer à
indústria do espetáculo político (SCHWARTZENBERG, 1978, p. 215).
A partir dessas considerações, é possível dizer que, não por acaso, o Pagina
20 e O Estado do Acre foram utilizados como instrumentos de mediação, divulgando
ações demonstrativas das atividades realizadas pelo governo, articulando e
conferindo nova roupagem às narrativas de “eventos passados”. Nesse processo,
articularam lugares e símbolos, para conferir maior poder de persuasão e formular a
ilusão participativa, através da exploração de sensações e emoções eficazes no
envolver da população na crença de aspectos singulares capazes de identificá-la na
“comunidade de acreanos” que estava sendo inventada.
As construções do discurso identitário, o jogo de significados e a coerência
de cada texto concorreram para a formação discursiva de uma “identidade acreana”
singular e amplamente divulgada na mídia local. Nessa direção, Guimarães pontua
uma questão que pode explicar o porquê da atuação das empresas de comunicação
na produção de representações:
89
como é comum nas empresas de comunicação do Norte e Nordeste do
país, os grupos de mídia do Acre, em sua maioria, propriedades de políticos
da região ou de empresários com fortes vínculos com o Estado e com os
mandatários de cargos eleitorais. Em alguns casos, o estabelecimento
desses vínculos segue um rito inicial de hostilidade ao governo até a
subseqüente inclusão da empresa na distribuição dos recursos de
publicidade governamental (2008, p. 37).
A necessidade de sobrevivência financeira dessas empresas de
comunicação subjuga, portanto, a imprensa local aos interesses dos governos,
quando assumem a função de divulgar em suas matérias os projetos, discursos e
imagens da agenda governamental. As representações, afirma Chartier, “são
sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam” (1990, p.17).
Evidenciar as articulações entre as práticas discursivas e a produção dos
sentidos, difundidos pela imprensa, no âmbito de um jogo de relações, implica em
dizer que as noções, os conceitos, os temas e as imagens foram sistematizados
pelos “enunciadores”. Segundo Gregolim (2003), estes “controlam, delimitam,
classificam, ordenam e distribuem” os símbolos, os signos e as falas para dar
sentido ao discurso de uma coletividade, operando assim configurações que
inventam subjetivações para a conformação dos sujeitos, na tentativa de inseri-los
em uma “comunidade imaginada” através do “estilo” e dos “recursos utilizados”
(ANDERSON, 2008, p.12).
Como construtora de imagens simbólicas, a imprensa local participou
ativamente na consolidação do imaginário da “acreanidade”. O discurso dessa
“coletividade imaginada” adquiriu visibilidade por intermédio do papel
desempenhado pelos jornais, nas subjetividades de muitas parcelas da população.
Foram fatores externos, portanto, que produzidos, divulgados e interiorizados pelas
diversas performances da linguagem, com seus dispositivos e capacidade de dar
forma ao pensamento, projetaram construções mentais que circularam e circulam na
“sociedade acreana”.
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre a invenção de uma “acreanidade”, inventada durante os anos
de “Governo da Floresta”, especialmente, 2002-2006, me permitiu penetrar em um
mundo de representações forjadas pela linguagem e materializada em idealizadas
narrativas históricas e “lugares de memória”. Nesse processo de invenção os temas
históricos foram, criteriosamente, selecionados e postos em circulação por meio de
diversos suportes que procuravam criar uma ideia de “evolução” no tempo, sem
abandonar “tradições” de um Acre “como antigamente”.
A representação desse passado construído, para ser cultuado, teve como
referência um mito de origem, intencionando com isso provocar sentimentos cívicos
e criar uma ideia de unidade social. Para isso, o governo contou com a contribuição
de diversas instituições que concorreram na produção e divulgação de seus ideais.
Naquele contexto dos anos 2002-2006, a Fundação Elias Mansour e o
Departamento de Patrimônio Histórico do estado, desenvolveram uma política de
“resgate histórico” e valorização patrimonial de um passado em comum, exerceram
papel de destaque no âmbito do projeto estatal e das lógicas do poder em curso.
Essa política de patrimônio histórico teve uma atenção sem parâmetros em gestões
anteriores, produzindo uma efervescente onda “preservacionista” em relação ao
“resgate histórico” que foi intimamente articulado à produção da “acreanidade”.
Além de divulgar as versões atualizadas de “narrativas históricas” em
revistas, artigos, exposições e eventos, a FEM e o DPHC criaram e revitalizaram
“lugares de memória” que apresentam objetos, imagens e signos compatíveis com
as representações dos temas escolhidos para se pensar em um tipo de homem
regional, possuidor de uma “tradição” de lutas e conquistas, tendo como referencial
uma relação de harmonia com a floresta.
Em meio a toda “febre neo-modernista”, em curso naquele momento, o
Palácio Rio Branco, “revitalizado” como símbolo do Acre e da “acreanidade”, passou
a se constituir como espaço de cerimônias cívicas e das demais liturgias auto-
consagradoras do poder da Frente Popular do Acre (FPA), tendo frente o engenheiro
florestal Jorge Viana. O palácio, símbolo do poder executivo, passou a ressoar um
discurso regionalista acoplado à ideia de “modernidade”, em pauta na retórica
governamental e em destaque na mídia.
91
O edifício passou a ser palco de teatralização de uma “história regional”,
projetada pelos governantes e apresentada em uma composição museográfica – por
reconhecidos profissionais –, com narrativas e cenários repletos de sentidos,
subjetividades e projetos políticos afinados com a “nova” ordem acreana.
A valorização de uma “cultura regional” não estava alheia ao discurso
político. Muito pelo contrário, estava diretamente ligada aos interesses do governo
estadual que dizia apontar um novo tipo de “desenvolvimento” fundindo o
“tradicional” ao “moderno” numa alquimia que condensava diferentes tempos,
espaços e culturas numa mesma “comunidade de destino”.
Durante a pesquisa, foi ganhando cada vez mais evidência que o
reconhecimento oficial do palácio-monumento, como símbolo de uma “acreanidade”,
inventada e projetada desde o presente, nada tinha de continuidade com as
múltiplas práticas culturais e as tradições amazônicas, como insistiam em anunciar
os porta-vozes oficiais. Não obstante, o próprio edifício do Palácio Rio Branco,
erguido em fins da década de 1920, durante o governo de Hugo Carneiro, expressa
ruptura com tudo o que a antiga sede do governo – feita em madeira – representava.
Ao fazer uma leitura acerca dos períodos de construção, conclusão e
“revitalização” do prédio do palácio, percebe-se que ele se encontrava inserido em
contextos históricos de governos que trabalharam na perspectiva de transformar a
capital acreana em uma metrópole, onde as construções monumentais foram, sem
dúvida, priorizadas. Porém, a representação simbólica desse monumento está
investida implicitamente dos discursos sobre “modernidade” e, nesse sentido,
podemos dizer que ele está imbuído de contradições, demonstrando a movência do
discurso dos que ditam o que é ser “moderno” para as sociedades regionais.
O próprio termo “Palácio” é sugestivo para se pensar no significado que a
obra arquitetônica, em sua produção material, pode traduzir. Na antiguidade palácio
era um edifício suntuoso destinado à habitação das realezas, lembrando, portanto, a
grandeza dos reis, soberania, poder e domínio. O termo é indicativo de tudo o que
esse Palácio-monumento pode expressar, ou seja, o poder e distanciamento das
amplas camadas populares.
Enquanto monumento histórico que tem como objetivo fazer recordar o
passado, o Palácio Rio Branco, transformado em palácio-museu, silencia sobre a
memória de sua fundação, posto que foi erguido com base em um discurso que
tratava as culturas ou os modos de vida dos habitantes da região como repugnantes.
92
Esse discurso excludente era – e é – entoado pelo dirigente do Poder Executivo, que
regulava, fiscalizava e reprimia em nome da “ordem pública”. A inspiração para sua
“revitalização” fazia ecoar, portanto, não as diferenciadas e ricas tradições das
Amazônias acreanas, mas, os ranços desse discurso de “modernização regional”.
Para um observador mais atento, ao visitar o palácio-museu, fica evidente
que em meio à aparente polifonia, presente em sua atual exposição museográfica, o
Palácio representa muito mais a história de projetos políticos das elites e classes
dominantes do que as histórias e tradições de nossas Amazônias. Não pode ser
considerado, portanto, um símbolo de uma memória afetiva, indispensável para
constituir-se patrimônio de todos, mesmo que isso fosse algo possível, algo
realizável. Trata-se única e exclusivamente, de algo historicamente determinado e,
mais que isso, uma demonstração de forças, na qual o poder público manifesta de
forma concreta o quanto a memória é um campo de lutas e de tensões, como
afirmou Le Goff, e manter seu controle é sinônimo de dominação (1992, p. 426).
Durante anos o Palácio foi designado para ser, exclusivamente, um lugar de
atuação do Poder Executivo, que mantinha certa relação de distanciamento com a
população. Relação essa, regida por regras de atendimento, com dias e horários
marcados para audiências públicas. Transformá-lo em um museu, “recuperado” e
aberto à visitação pública, consistiu numa tentativa de criar uma ideia de
proximidade do Poder Executivo com a “sociedade acreana”. No entanto, abrir as
portas do palácio, reordenar a função dos espaços internos do edifício e montar uma
exposição que traz em si elementos para motivação e assimilação do discurso de
uma “identidade regional”, não eliminou o distanciamento que existia, posto que o
“povo” continua sem entrar naquele “espaço de poder” e a utilizar o prédio apenas
como paisagem para passeios e fotografias aos finais de semana, como foi possível
perceber no processo da pesquisa.
Observa-se que a política de preservação do “patrimônio histórico” faz parte
de uma complexa rede de formação discursiva de construção de uma “identidade
acreana”, perante a qual as narrativas históricas e a memória, previamente
selecionadas e re-significadas, são elementos constitutivos do discurso oficial,
expressando o poder da linguagem em forjar representações coletivas e em manter
a “ordem”, o “controle” e o “poder”.
A atuação dos órgãos de “gestão da cultura” e do “patrimônio histórico”
revela o papel que o patrimônio desempenha no interior dos mecanismos de poder,
93
especialmente, por atuarem como instrumentos de legitimação de grupos que se
revezam no controle do aparelho estatal. No caso em análise, o discurso
regionalista, erigindo, no plano simbólico, representações de uma comunidade
imaginada, a ação do Estado configurou-se como estratégia de controle social, pois
o discurso de valorização de uma “tradição” e de uma “identidade acreana” teve por
objetivo ocupar os espaços vazios de uma prática política que não foi capaz de
atender às necessidades e interesses das coletividades locais.
A preocupação em consagrar um monumento como patrimônio de todos os
acreanos apagou marcas importantes das múltiplas experiências sociais. Ao
apresentar essas questões, no presente estudo, o que se busca é lançar outro
“olhar” para essa temática. Um olhar que não seja o do interesse governamental,
ainda, dominante, mas, não hegemônico; um olhar que propicie o suscitar de um
debate que nos permita entender patrimônio histórico como prática social e cultural
de diversos e múltiplos agentes; e que o exercício da cidadania esteja ancorado em
uma memória capaz de afirmar a alteridade e o conflito como dimensões
constituintes da história e da linguagem humana.
94
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