UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA E BIOQUÍMICA
Papel dos esfingolípidos complexos na
organização da membrana plasmática da
levedura Saccharomyces cerevisiae
Catarina Sofia Alves Correia Antunes
Dissertação
Mestrado em Bioquímica
Área de especialização: Bioquímica Médica
(2013)
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA E BIOQUÍMICA
Papel dos esfingolípidos complexos na
organização da membrana plasmática da
levedura Saccharomyces cerevisiae
Catarina Sofia Alves Correia Antunes
Dissertação
Mestrado em Bioquímica
Área de especialização: Bioquímica Médica
Orientadores: Doutor Rodrigo Freire Martins de Almeida e Professora Doutora Helena
Susana Pappámikail da Costa Marinho
(2013)
I
Agradecimentos
Agradeço aos meus orientadores, Professor Doutor Rodrigo Almeida e Professora
Doutora Susana Marinho não só por me terem dado a oportunidade de realizar a minha
tese de mestrado nos seus laboratórios, mas também por toda a ajuda, disponibilidade,
conselhos e sobretudo pelo apoio que me deram ao longo deste ano de estágio.
Agradeço-lhes também por terem contribuído bastante para o enriquecimento do meu
conhecimento e por me terem dado a possibilidade de aprender novas técnicas.
À Professora Doutora Luísa Cyrne pela ajuda e apoio prestado ao longo deste ano
de trabalho.
Ao Grupo de Química dos Glúcidos, em especial à Professora Doutora Amélia
Pilar, por permitir a hidrólise alcalina dos meus extratos lipídicos e pela cedência do
rotavapor. Também á Catarina Dias, Rita e ao restante pessoal do grupo pela boa
disposição, simpatia e pela ajuda que me deram.
À Professora Doutora Ana Viana e ao Mestre Joaquim Marquês por possibilitarem
a análise dos meus extratos lipídicos por AFM.
Ao Doutor Pedro Falé e à Professora Doutora Luísa Serralheiro pela cedência do
rotavapor.
Ao Mestre Tiago e Doutor Pedro Alves pela disponibilidade e pelas diversas
tentativas de análise das minhas bandas de esfingolípidos por ESI-MS, e em geral à
Professora Helena Florência pela cedência da utilização de equipamento de
espectrometria de massa do seu grupo.
Aos meus colegas de laboratório, Andreia, André, Filipa, Inês, Ana Matos, Ana
Lopes, e Ana Carreira pela preocupação, paciência, amizade, ajuda, apoio e diversão
que proporcionaram ao longo deste ano. Ao meu Sensei Joaquim por me ter dado não só
um grande apoio e incentivo quando as coisas corriam mal, mas também pelas
brincadeiras e batalhas que tornaram este ano muito mais divertido.
À minha madrinha (Catarina) e à Vera, pelas grandes amigas que são, por se
preocuparem e por estarem sempre lá quando eu precisava.
II
À Telma por ter estado sempre presente, pela preocupação, apoio e por levar muitas
vezes por tabela quando as coisas não me estavam a correr bem. Para além da grande
amiga que és, foste uma ótima colega de laboratório.
Por fim queria agradecer à minha família, principalmente aos meus pais e à minha
tia Feli por me terem dado a oportunidade de concretizar este meu objetivo, e por apesar
de longe estarem sempre presentes.
Muito Obrigada a todos!
III
Índice
Agradecimentos ........................................................................................................... I
Símbolos e Abreviaturas ......................................................................................... VII
Resumo ...................................................................................................................... XI
Abstract .................................................................................................................. XIII
1. Introdução ........................................................................................................... 1
1.1. Estrutura das membranas biológicas ................................................................ 1
1.2. Fases lipídicas e formação de domínios em sistemas modelo de membranas ... 6
1.3. A membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae ...................... 9
1.3.1. A levedura como modelo biológico .......................................................... 9
1.3.2. Composição lipídica da membrana plasmática da levedura .................... 10
1.4. Espetroscopia de Fluorescência na caraterização biofísica de membranas ..... 21
1.4.1. Parâmetros fotofísicos mais relevantes ................................................... 21
1.4.2. Sondas de membrana fluorescentes ........................................................ 22
2. Objetivos ............................................................................................................ 25
3. Materiais e Métodos .......................................................................................... 27
3.1. Reagentes ..................................................................................................... 27
3.2. Material biológico ......................................................................................... 28
3.3. Meios de cultura ........................................................................................... 28
3.4. Culturas e condições de crescimento ............................................................. 29
3.5. Curvas de crescimento .................................................................................. 30
3.5.1. Parâmetros de crescimento celular ......................................................... 30
3.6. Preparação de células intactas em fase exponencial e em fase estacionária .... 30
3.7. Extração de lípidos totais da levedura em fase estacionária ........................... 31
3.7.1. Variante do Método de Hanson e Lester [56] ......................................... 32
IV
3.7.2. Variante do Método de Folch et al. [57,58] ............................................ 32
3.8. Extração dos esfingolípidos complexos ......................................................... 33
3.9. Doseamento de fosfolípidos .......................................................................... 33
3.10. Doseamento de sondas .............................................................................. 34
3.11. Preparação de lipossomas a partir de extratos de lípidos totais ................... 34
3.12. Espetroscopia de Fluorescência ................................................................. 35
3.12.1. Espectroscopia de fluorescência em estado estacionário ..................... 36
3.12.2. Espectroscopia de fluorescência em estado transiente ......................... 38
3.13. Análise da composição lipídica dos extratos lipídicos totais e purificação dos
esfingolípidos por cromatografia de Camada Fina ................................................... 41
3.14. Microscopia de Força Atómica .................................................................. 43
3.15. Análise estatística ...................................................................................... 44
4. Resultados .......................................................................................................... 45
4.1. Estudo do crescimento de células da levedura S. cerevisiae ........................... 45
4.2. Caraterização biofísica da membrana plasmática de levedura com a sonda
t-PnA 47
4.2.1. Espectros de absorção, excitação e emissão do t-PnA ............................. 47
4.2.2. Anisotropia de fluorescência .................................................................. 49
4.2.3. Decaimento da intensidade de fluorescência .......................................... 50
4.3. Caraterização biofísica da membrana plasmática da levedura com a sonda
DPH…. ................................................................................................................... 56
4.3.1. Espectros de absorção, excitação e emissão do DPH .............................. 56
4.3.2. Anisotropia de fluorescência em estado estacionário .............................. 58
4.4. Otimização das condições experimentais de extração de lípidos totais ........... 59
4.5. Análise lipídica dos extratos de lípidos totais e de esfingolípidos .................. 63
4.6. Transição de fase do extrato de lípidos totais com a sonda t-PnA .................. 67
4.7. Transição de fase de extratos de lípidos totais com a sonda DPH .................. 71
V
4.8. Estudo preliminar da formação de domínios com os extratos de lípidos totais 72
5. Discussão ............................................................................................................ 77
5.1. Estudos biofísicos realizados na membrana plasmática de células de
levedura… .............................................................................................................. 77
5.2. Estudos realizados em extratos lipídicos de células de levedura..................... 82
6. Conclusões e Perspetivas Futuras ..................................................................... 89
7. Referências Bibliográficas................................................................................. 91
VI
VII
Símbolos e Abreviaturas
%b Percentagem de branco
µ Taxa de crescimento
αi Pré-exponencial da componente i do decaimento de intensidade
de fluorescência do fluoróforo
<r> Anisotropia de fluorescência em estado estacionário
<τ> Tempo de vida médio de fluorescência
i Tempo de vida associado à componente i do decaimento de
intensidade de fluorescência do fluoróforo
Rendimento quântico ponderado pelos tempos de vida de
fluorescência do fluoróforo
AFM Microscopia de força atómica
CCM Canal de contagens máximas
CL Cardiolipina
D Coeficiente de difusão lateral
DPH 1,6- difenil-1,3,5-hexatrieno
DTT Ditiotreitol
EDTA Ácido Etilenodiaminotetracético
Erg Ergosterol
FL Fosfolípidos
G Fator de correção instrumental para medidas de anisotropia de
fluorescência
GL Glicerofosfolípidos (Fosfoacilgliceróis)
GPI Glicosilfosfatidilinositol
HEPES Ácido 4-(2-hidroxietil)-1-piperazinoetanosulfónico
IF Intensidade de fluorescência em estado estacionário
IHH Componente horizontal da emissão de fluorescência com
excitação horizontal
VIII
IHV Componente horizontal da emissão de fluorescência com
excitação vertical
IVH Componente vertical da emissão de fluorescência com excitação
horizontal
IVV Componente vertical da emissão de fluorescência com excitação
vertical
IPC Inositol fosfoceramida
LCB Bases de cadeia longa (Long Chain Base)
ld Fase líquido desordenado
LED Díodo emissor de luz (do inglês Light Emitting Diode)
LN Lípidos neutros
lo Fase líquido ordenado
M(IP)2C Manosildi-inositol fosfoceramida (Manosildi-fosfato de
inositol-ceramida)
MCC Compartimento membranar ocupado por Can1p
MCP Compartimento membranar ocupado por Pma1p
MCT Compartimento membranar ocupado pela proteína TORC2
MIPC Manosilinositol fosfoceramida
MLV Vesículas multilamelares (do inglês multillamelar vesicle)
PA Ácido Fosfatídico
PC Fosfatidilcolina
PE Fosfatidiletanolamina
PG Fosfatidilglicerol
Pi Fosfato inorgânico
PI Fosfatidilinositol
POPC 1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfocolina
PS Fosfatidilserina
Rf Fator de retardação (do inglês retardation factor)
IX
SL Esfingolípidos
SLB Bicamadas lipídicas suportadas (do inglês supported lipid
bilayers)
Sn Numeração estereospecífica
so Fase sólido ordenado
SUV Vesículas unilamelares pequenas (do inglês small unillamelar
vesicle)
TAC Conversor tempo-amplitude (do inglês Time-to-amplitude
converter)
TCSPC Método de cronometragem de fotão único (do inglês Time-
Correlated Single-Photon Counting)
tg Tempo de geração
TLC Cromatografia de Camada Fina (do inglês Thin-Layer
Chromatography)
Tm Temperatura de transição de fase principal
TMA-DPH 1-(4-tri-metilamóniofenil)-6-fenil-1,3,5-hexatrieno
p-toluenosulfonato
t-PnA Ácido todas-trans-9,11,13,15-octadecatetraenoico
(ácido trans-parinárico)
UV-Vis Ultravioleta-visível
X
XI
Resumo
Na levedura Saccharomyces cerevisiae observa-se um aumento da resistência a
antibióticos poliénicos, como a nistatina, nas células em que não há formação do
esfingolípido manosildi-fosfato de inositol-ceramida, M(IP)2C, (ipt1Δ). Assim, com o
objetivo de avaliar se a ausência de M(IP)2C induz alterações na organização da
membrana, realizaram-se estudos biofísicos recorrendo tanto a células intactas como a
extratos lipídicos de células wild type (wt) e ipt1Δ, utilizando técnicas de fluorescência e
microscopia de força atómica (AFM). Foi feita uma otimização da extração dos lípidos
totais celulares com o intuito de obter um maior rendimento de extração e
posteriormente proceder à purificação dos esfingolípidos complexos.
A caraterização biofísica da membrana plasmática em células vivas através do
decaimento de intensidade de fluorescência do ácido trans-parinárico revelou que a
ausência de M(IP)2C não altera a rigidez dos domínios gel, indicando que este
esfingolípido não deverá ser um componente importante daqueles domínios. Contudo, a
anisotropia de fluorescência do difenil-hexatrieno mostra que a membrana é,
globalmente, mais ordenada na ausência deste esfingolípido. Estes resultados sugerem
que outros esfingolípidos complexos, que em células wt se encontram maioritariamente
em domínios gel, estejam mais uniformemente distribuídos pelas membranas em células
ipt1Δ e/ou que o ergosterol, possa também estar distribuído na célula de forma
diferente.
Os lipossomas preparados a partir dos extratos lipídicos obtidos provenientes de
células wt por um método que favorece a extração de glicerofosfolípidos relativamente a
esfingolípidos apresentam-se mais ordenados e imagens de AFM sugerem uma maior
fração de domínios ordenados, e, eventualmente, uma maior espessura de domínios
desordenados, do que em extratos lipídicos de células ipt1Δ.
Globalmente, os resultados obtidos sugerem que, na membrana plasmática, o
M(IP)2C pode favorecer a tendência da membrana aumentar a abundância de domínios
gel, e ainda influenciar as propriedades dos restantes domínios da membrana plasmática
(líquido ordenado e líquido desordenado).
XII
Palavras-Chave:
Manosildi-fosfato de inositol-ceramida; Espetroscopia de fluorescência; Domínios de
esfingolípidos; Extratos lipídicos; Biofísica de membranas.
XIII
Abstract
In Saccharomyces cerevisiae, cells that do not synthesize mannosyl-
diinositolphosphorylceramide, M(IP)2C, (ipt1), exhibit higher resistance towards
polyene antibiotics, such as nystatin. Thus, in order to evaluate whether the absence of
M(IP)2C changes membrane organization, fluorescence spectroscopy and atomic force
micrscopy (AFM) studies carried out with intact cells or lipid extracts from wild type
(wt) and ipt1Δ strains were performed. Total lipid extraction from both strains was
optimized to increase extraction yield and in the future purify complex sphingolipids.
The biophysical characterization of the plasma membrane of intact cells through
time-resolved trans-parinaric acid fluorescence intensity showed that the absence of
M(IP)2C does not affect the rigidity of gel domains, suggesting that this sphingolipid
should not be a major component of those domains. However, fluorescence anisotropy
of diphenylhexatriene reveals that the plasma membrane exhibits a higher global order
in the absence of this sphingolipid, indicating that other complex sphingolipids which in
wt are mainly involved in the formation of gel domains might be dispersed throughout
the membrane of ipt1 and/or that the ergosterol might also have a different cellular
distribution in the absence of this complex sphingolipid.
Liposomes prepared from lipid extracts of wt cells (which contain M(IP)2C)
obtained by a method that favors the extraction of glycerophospholipids as compared to
sphingolipids show a higher degree of order over a large range of temperatures. In
addition, AFM results suggest a larger fraction of ordered domains and, eventually, a
larger thickness of the disordered domains.
Globally, the results obtained in this work suggest that M(IP)2C may positively
affect the ability of the membrane to increase the abundance of gel domains, and it also
modulates the properties of the remaining membrane domains (liquid disordered and
liquid ordered).
Keywords:
Mannosyl-diinositolphosphorylceramide; Fluorescence spectroscopy; Sphingolipid
domains; Lipid extracts; Membrane biophysics.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
XIV
Introdução
1
1. Introdução
1.1. Estrutura das membranas biológicas
As membranas biológicas (ou biomembranas) servem não só de separação dos
componentes da célula do meio extracelular, comportando-se como barreiras seletivas,
mas também como forma de compartimentação dos organelos intracelulares. A
membrana plasmática apresenta grande dinâmica complexidade composicional, e está
envolvida numa série de processos biológicos. Estes incluem estabelecer e manter
gradientes transmembranares, participar nas reações de compartimentação bioquímica
nos diferentes domínios funcionais e nos eventos de transdução de sinal, controlar o
transporte para dentro e fora da célula e a comunicação intra e extracelular; e permitir o
reconhecimento entre células [1,2]. As membranas biológicas constituem assim um
importante tema para estudos bioquímicos e biofísicos.
A modelação da estrutura da membrana plasmática teve início com a proposta por
Gorter e Grendel (1925) [3] do arranjo em bicamada, na qual os grupos polares dos
lípidos estavam orientados para dentro e para fora da célula. O estudo destes autores
passou pela extração dos lípidos de eritrócitos com grandes quantidades de acetona
pura, tendo sido, posteriormente, colocados numa tina com água e sujeitos à ação de
uma barreira móvel, de modo a formar um filme unimolecular contínuo de lípidos. A
área deste filme foi medida, bem como a área superficial total dos eritrócitos. Pela
comparação das duas áreas obtidas observou-se que a área ocupada pelos lípidos era,
aproximadamente, o dobro da área superficial total do eritrócito, apontando assim para a
ideia de que os lípidos na membrana plasmática estão dispostos segundo duas camadas
(bicamada) [3,4].
Em 1935 surgiu um novo modelo para a estrutura da membrana biológica proposto
por Danielli e Davson, segundo o qual se defendia que a membrana não era constituída
apenas por lípidos, tal como Gorter e Grandel haviam sugerido, apresentando também
proteínas incorporadas. Como na altura apenas se conheciam proteínas globulares, estes
autores propuseram que as proteínas globulares contactavam livremente com a parte
polar (superfície) da bicamada, cobrindo os dois lados (apresentando-se segundo folhas
β), o que explicava o registo de uma tensão interfacial inferior em células vivas do que
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
2
em interfaces água-lípido sintéticas. Este modelo era estático, e não apresentava
proteínas incorporadas no interior da membrana. Mais tarde, Danielli notou que, de
alguma forma, a membrana tinha de ser semipermeável, adicionando ao modelo o
conceito de canais trans-membranares constituídos por péptidos (poros na membrana),
de modo a explicar a passagem de moléculas hidrófilas através da membrana [1,4].
Contudo, foram apontados alguns problemas a este modelo de Danielli e Davson
como, por exemplo, a incapacidade de explicar a assimetria da topologia e estrutura da
membrana, e a diversidade de proteínas na membrana; o não reconhecimento da
dinâmica da membrana; e o facto de o revestimento de proteínas impedir interações
favoráveis entre os grupos das cabeças de fosfolípidos e a água [1]. Deste modo, em
1972, surgiu o modelo do mosaico fluido proposto por Singer e Nicolson [5]. De acordo
com estes autores, a massa de fosfolípidos estava organizada como uma bicamada fluída
descontínua, embora uma pequena fração interagisse, especificamente, com as proteínas
de membrana. Assim, o modelo do mosaico fluido define a membrana como uma
solução viscosa, orientada, bidimensional, de proteínas anfipáticas e lípidos, em
equilíbrio termodinâmico instantâneo [1,5]. Segundo este modelo algumas proteínas
estariam mergulhadas na bicamada lipídica, ao passo que outras estariam apenas
associadas à superfície da membrana, ambas distribuídas assimetricamente na
membrana. Os glúcidos estariam ligados a proteínas (glicoproteínas) e a lípidos
(glicolípidos), tendo sido apenas encontrados na superfície que está em contacto com o
meio extracelular. Este foi o primeiro modelo a reconhecer a membrana plasmática
como dinâmica, fluída e em constante alteração. Ao longo do tempo, algumas correções
e aperfeiçoamentos foram feitos a este modelo, entre elas, o facto de a difusão de
algumas proteínas ser limitada devido à sua interação com uma rede proteica imóvel
essencial, o citoesqueleto, e de na verdade existir uma densidade de proteínas na
superfície da membrana muito maior do que aquela considerada pelo modelo de Singer-
Nicolson [1,2]. Uma extensão deste modelo foi feita por Simons e Ikonen [6], que
introduziram o conceito de jangadas lipídicas, atualmente definidas como domínios
lipídicos, heterogéneos, e muito dinâmicos, ricos em esterol e esfingolípidos (Figura 1)
[1].
Introdução
3
Figura 1- Modelo das jangadas lipídicas de Kai Simons. Adaptado de [1].
Em todos os modelos propostos para a estrutura da membrana plasmática desde
Danielli e Davson a membrana é, essencialmente, constituída por lípidos e proteínas. De
facto, a maioria das membranas apresenta cerca de 50 % de lípido e 50 % de proteína
em massa [1,7]. No caso da membrana plasmática esta também apresenta,
eventualmente, componentes de natureza glicídica.
Uma das características da membrana plasmática é a assimetria lipídica observada
entre os dois folhetos da membrana. Esta assimetria lipídica é consequência de
múltiplos fatores incluindo, as propriedades biofísicas que ditam a capacidade de um
lípido atravessar a bicamada espontaneamente, os mecanismos de retenção que prendem
os lípidos a um dos folhetos da bicamada, e a presença de transportadores que auxiliam
a translocação de lípidos (transportadores de aminofosfolípidos dependentes de ATP)
[8,9].
Os lípidos são o componente maioritário nas membranas, e são responsáveis pela
sua estrutura básica. Os lípidos são definidos como pequenas moléculas hidrófobas ou
anfipáticas, que são solúveis em solvente orgânico, e que podem ser originados
inteiramente ou em parte a partir de condensações de ácidos carboxílicos com álcoois
para formar ésteres (fosfolípidos e glicofosfolípidos), de ácidos carboxílicos com
aminas para formar amidas (esfingolípidos e glicoesfingolípidos) e/ou de unidades
isopreno (caso dos esteroides) [10,11].
Os glicerofosfolípidos, também designados por fosfoacilgliceróis, apresentam uma
região hidrófoba que é constituída por dois resíduos de ácidos gordos (cadeias acilo)
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
4
ligados por uma ligação éster ao primeiro e segundo átomos de carbono de uma
molécula de glicerol, e um grupo muito polar (cabeça), carregado, que se liga, por uma
ligação fosfodiéster, ao terceiro carbono. As cadeias acilo encontrados nos fosfolípidos
podem ser insaturadas ou saturadas, pelo que a sua nomenclatura vulgarizada indica o
número de átomos de carbono do ácido e o número de insaturações, separados por dois
pontos. A denominação dos glicerofosfolípidos é feita de acordo com o álcool polar
presente na cabeça, estando apresentadas no Tabela 1 as denominações dos
glicerofosfolípidos mais comuns, bem como as abreviaturas que serão usadas ao longo
deste trabalho [4,12].
Tabela 1- Denominação e abreviaturas para os glicerofosfolípidos mais comuns. Adaptado de
[4,12].
Grupo polar
ligado ao fosfato Nome genérico Nome sistemático Abreviatura
Hidrogénio Ácido Fosfatídico Ácido 1,2-diacil-sn-glicero-3-fosfórico PA
Etanolamina Fosfatidiletanolamina 1,2-diacil-sn-glicero-3-fosfoetanolamina PE
Colina Fosfatidilcolina 1,2-diacil-sn-glicero-3-fosfocolina PC
Serina Fosfatidilserina 1,2-diacil-sn-glicero-3-fosfoserina PS
Glicerol Fosfatidilglicerol 1,2-diacil-sn-glicero-3-fosfoglicerol PG
Inositol Fosfatidilinositol 1,2-diacil-sn-glicero-3-fosfo-1’-mio-
inositol PI
Fosfatidilglicerol Cardiolipina
(Difosfatidilglicerol)
1’,3’-Bis-(1,2-diacil-sn- glicero-3-
fosfo)-sn-glicerol CL
A PE e a PC são zwitteriónicos (carga global neutra), enquanto o PA, PS, PI, PG e
CL são aniónicos (carga global negativa), a pH fisiológico (pH 7) [1,4,12].
Outra classe de lípidos que pode ser encontrada nas membranas biológicas de
eucariotas (e excepcionalmente alguns procariotas) são os esfingolípidos. Estes são
constituídos por um ácido gordo que se liga a uma amina de longa cadeia alifática
hidroxilada e muitas vezes trans-insaturada, a base esfingóide, formando a ceramida,
que é estruturalmente semelhante ao diacilglicerol. O álcool que se liga ao terceiro
carbono da base esfingoide dos esfingolípidos é do mesmo tipo que os álcoois dos
glicerofosfolípidos (Tabela 1).
Introdução
5
Para além de glicerofosfolípidos e esfingolípidos, algumas membranas biológicas,
contêm ainda glicolípidos. Os glicolípidos foram encontrados, exclusivamente, na
camada exterior da membrana plasmática. Estes constituem apenas 2 % dos lípidos da
maior parte das membranas [7]. Os glicolípidos apresentam uma estrutura semelhante à
dos glicerofosfolípidos e esfingolípidos, diferindo apenas no facto de terem um mono-,
oligo- ou poliósido associado por uma ligação osídica. Assim, estes podem ser
glicósidos de 1,2-diacilgliceróis (glicoglicerofosfolípidos), ou glicolípidos com uma
ligação osídica ao grupo hidroxilo terminal da ceramida (glicosfingolípidos) [1,4,12].
Os esteróis encontram-se aproximadamente na mesma quantidade molar que os
fosfolípidos nas membrana plasmática de eucariotas, e são caraterizados por um sistema
rígido de quatro anéis de carbono fundidos (três anéis com 6 átomos de carbono, e um
com 5 átomos de carbono), que constituem a parte hidrófoba da molécula, e por um
grupo -OH hidrófilo [1,4,12]. Devido à sua estrutura rígida e compacta, os esteróis
desempenham um papel diferente na membrana plasmática. Estes inserem-se na
bicamada de fosfolípidos com o seu grupo hidroxilo polar junto dos grupos da cabeça
dos fosfolípidos [7]. Dentro desta classe destaca-se o colesterol, presente nas células de
mamífero, e o ergosterol, em células de levedura e fungos, por serem os esteróis
maioritários [1,4].
Contudo, os lípidos não expressam diretamente qualquer tipo de atividade
bioquímica catalítica. Esta atividade é desempenhada pelas proteínas de membrana.
Atualmente, consideram-se duas grandes classes de proteínas de membrana, as proteínas
periféricas ou extrínsecas, e as proteínas integradas ou intrínsecas. As proteínas
periféricas são essencialmente proteínas globulares solúveis em água e que se
encontram ligadas à superfície da membrana através de interações essencialmente
electroestáticas. Estas proteínas podem facilmente ser removidas da membrana
alterando a força iónica do meio, ou ajustando o pH. Estas podem estar ligadas, através
de interações electroestáticas, a proteínas integradas ou aos grupos aniónicos da cabeça
dos fosfolípidos. Já as proteínas integradas penetram no interior hidrofóbico da
membrana e só podem ser removidas da membrana por métodos mais drásticos, por
exemplo envolvendo o uso de detergentes [1,4,7]. Estima-se que 20 - 30 % de todas as
proteínas celulares sejam integradas e se liguem à membrana forte e permanentemente,
ao contrário das proteínas periféricas, que se ligam fracamente à superfície da
membrana [1].
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
6
1.2. Fases lipídicas e formação de domínios em sistemas modelo de
membranas
Os lípidos podem encontrar-se em múltiplas fases, que podem ser fases lipídicas
lamelares ou não-lamelares, e pensa-se que todas elas serão de relevância para descrever
a organização das membranas biológicas. As fases não-lamelares, tais como a fase
hexagonal e cúbica, estão normalmente relacionadas com eventos transientes das
biomembranas, como por exemplo, fusão, cisão e formação de poros. As fases lamelares
são aquelas em que os lípidos estão organizados segundo uma bicamada, e que são mais
representativas da organização estrutural das biomembranas [8]. Na configuração de
bicamada, os lípidos podem adotar diferentes fases, esquematizadas na Figura 2 e
descritas a seguir.
Figura 2- Estrutura esquemática das fases lipídicas lamelares comummente encontradas em
membranas biológicas. Adaptado de [13–15]. A – Fase gel ou sólida ordenada (so ou Lβ), apresenta
elevada ordem das cadeias acilo; B- Fase fluida ou líquido desordenado (ld ou Lα), apresenta baixa ordem
das cadeias acilo; C-Fase fluida ou líquido ordenado (lo), apresenta elevada ordem das cadeias acilo. As
cabeças polares dos fosfolípidos estão representadas a cinzento, e o sistema de anéis do esterol, a roxo.
Indica-se também a ordem de grandeza do coeficiente de difusão lateral dos lípidos em cada fase (D).
A temperatura constante, a fase física adotada pelos lípidos depende,
essencialmente, da sua estrutura química, nomeadamente, o comprimento e grau de
insaturação das cadeias acilo no caso dos fosfolípidos. A fase gel é também designada
como fase sólida ordenada (so, onde “s” se refere à difusão lateral lenta das moléculas, e
“o”, de ordenado, à conformação média das cadeias acilo), sendo este tipo de fase
adotada principalmente por lípidos de cadeias acilo longas e saturadas [8]. As cadeias
acilo, numa fase gel, encontram-se predominantemente na conformação todas-trans, isto
é, completamente distendidas, observando-se um forte empacotamento por parte dos
Introdução
7
lípidos, o que resulta tanto numa reduzida difusão lateral como na formação de uma
região mais espessa quando comparada com bicamadas fluidas (Figura 2-A) [2,4,15,16].
No caso da fase gel, as duas cadeias saturadas podem ocupar uma área semelhante à do
grupo polar, como é o caso das PEs, apresentando uma orientação normal ao plano da
bicamada (Figura 2-A). O mesmo não se observa para fosfolípidos com cabeça mais
larga (por exemplo, as PCs), cujas cadeias acilo adquirem a inclinação necessária, para
garantir um empacotamento ideal, sendo atribuída a esta fase a denominação de fase gel
inclinada [4].
A fase líquida cristalina ou fluida pode-se subdividir em líquido ordenado e líquido
desordenado (lo e ld, respetivamente) [2,15]. Nas fases líquidas cristalinas, as moléculas
dos lípidos apresentam maior difusão lateral através da bicamada, com as cadeias acilo
maioritariamente estendidas (na fase lo) ou mostrando variações de conformação
rotacional (na fase ld) [2,16], Os ácidos gordos da maioria dos fosfolípidos naturais têm
uma ou mais ligações duplas cis (insaturações), que introduzem torções nas cadeias
acilo, tornando, assim, mais difícil o seu empacotamento, levando a que a membrana
apresente um comportamento de um fluido [4,12]. Estas ligações duplas cis apresentam
o mesmo tipo de alteração conformacional de uma conformação gauche. Assim, numa
fase fluida, há um aumento do número de conformações gauche, que leva à ocorrência
dos chamados “defeitos de cadeia”, observando-se um encurtamento das cadeias. Por
esta razão, estas regiões fluidas apresentam uma espessura menor relativamente à de
regiões mais compactas [4]. Para além disso, as cadeias acilo dos fosfolípidos movem-
se mais livremente no interior da membrana, o que a torna mais flexível, e por isso mais
suscetível à formação de fases líquidas cristalinas [7,8,12]. Numa fase fluida, há então
um aumento da área ocupada por cada cadeia, o que leva a que não seja necessária uma
inclinação, mesmo no caso da PC. Outro aspeto importante surge no facto de as cabeças
polares, nesta fase, se encontrarem mais afastadas, levando a que sejam necessárias
moléculas de água para servirem de ponte entre as cabeças, ocorrendo um aumento da
hidratação da fase gel para a fluida [4]. Quando comparada com a fase gel, a fase
líquida cristalina apresenta-se fracamente empacotada, mais permeável, mais fina,
menos estável, mais dinâmica, mais fluida, e ocupa uma grande área por lípido [1]. O
conceito de líquido ordenado foi introduzido para descrever características peculiares de
bicamadas mistas, contendo colesterol ou alguns dos seus análogos (por exemplo, o
ergosterol) em elevada concentração em misturas binárias com determinados
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
8
fosfolípidos ou esfingolípidos. Várias experiências independentes permitiram chegar à
nomenclatura de fase líquido ordenado, isto por terem demonstrado a ocorrência, em
simultâneo, de uma elevada ordem das cadeias acilo próxima da que é tipicamente
encontrada numa fase gel, mas também, uma elevada mobilidade translacional
característica de uma fase fluida [8,16,17], apesar de ligeiramente mais lenta na fase lo
que na fase ld (Figura 2-C) [14,15].
As fases lipídicas são também influenciadas pela temperatura. A transição entre
fases lamelares gel e fluida (fase sólido ordenado para uma fase líquido desordenado) é
considerada a temperatura de transição de fase principal (Tm) [4]. A temperatura de
transição de fase de um lípido da membrana corresponde, assim, à temperatura
requerida para induzir a fusão dos lípidos, de uma, podendo esta ser determinada por
diferentes técnicas, nomeadamente de varrimento calorimétrico. A Tm de lípidos é
fortemente influenciada pelo comprimento e grau de insaturação das cadeias acilo
[4,13]. A Tm fosfolípidos saturados aumenta com o comprimento da cadeia, e a Tm de
fosfolípidos insaturados é inferior à dos saturados, com o mesmo comprimento de
cadeia [12].
Ao longo do tempo, foram acumuladas várias evidências de que as membranas
exibem caraterísticas específicas num determinado local, e, portanto, pode-se dizer que
são compartimentadas lateralmente. Alguns microdomínios de membrana podem
resultar da tendência que certos constituintes lipídicos têm para a segregação espontânea
em diferentes fases quando misturados em sistemas modelo. Por exemplo, lipossomas
formados por uma mistura de dois lípidos diferindo na sua Tm, podem apresentar
coexistência de fases gel e fluida para determinadas gamas de temperatura e fração
molar de cada um dos componentes. Nas membranas biológicas, segundo o modelo das
jangadas lipídicas, existem regiões com características da fase lo ricas em esteróis e
esfingolípidos (Figura 2-C), e regiões com comportamento de fase ld ricas em
glicerofosfolípidos (Figura 2-B), ambas contendo um conjunto específico de proteínas
associadas. Nesta mistura, regiões da mesma fase são capazes de coalescer ou
desagregar rapidamente, dependendo das condições presentes, facilitando a adaptação
local a estímulos ou alterações ambientais. [2,6]. Apesar de a cabeça dos esfingolípidos,
presentes nas jangadas, ocupar grandes áreas, qualquer espaço vazio entre os
Introdução
9
esfingolípidos a elas associados é preenchido por moléculas de esterol, que funcionam
como espaçadores (Figura 2-C) [6].
1.3. A membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
1.3.1. A levedura como modelo biológico
A levedura Saccharomyces cerevisiae tem sido amplamente utilizada como
organismo eucariota modelo por apresentar algumas características vantajosas do ponto
de vista laboratorial e do desenho de experiências. A utilização da levedura possibilita
ultrapassar restrições éticas e experimentais da experimentação animal e permite o
desenvolvimento e otimização de métodos analíticos que facilitam e padronizam
análises. Pelo fato de serem células eucariotas, as leveduras são representativas de uma
larga classe de seres vivos, para quaisquer fenómeno ou processo que a comunidade
científica esteja interessada em estudar [18]. Ao contrário de outros microrganismos, as
estirpes da levedura são estáveis tanto na forma haploide como na diploide [19]. O
desenvolvimento da técnica de DNA recombinante tornou a levedura particularmente
acessível a técnicas de engenharia genética e clonagem de genes.
Para além de apresentar um genoma completamente sequenciado, a levedura exibe
também a vantagem de ser um sistema muito mais simples, barato e fácil de trabalhar
quando comparada com sistemas celulares de mamíferos, o que leva a que a levedura
seja muitas vezes selecionada como organismo modelo no estudo de novas vias
metabólicas. No caso concreto de estudos referentes a lípidos, a levedura oferece a
vantagem de possuir um lipidoma muito mais simples do que as células de mamífero, e
um número de genes consideravelmente menor, envolvido nas vias de síntese
metabólica de lípidos [20]. Estudos recentes, que utilizam a levedura como modelo
biológico, têm permitido um avanço na compreensão do metabolismo de lípidos
neutros, da homeostase de esfingolípidos, das interações fisiológicas entre os
esfingolípidos e os esteróis, bem como a integração do metabolismo lipídico nos sinais
do ciclo celular e na proliferação celular [20,21].
O crescimento de células de levedura engloba várias fases de crescimento, sendo
elas a fase exponencial, mudança diaúxica, fase pós-diaúxica e estacionária (Figura 3).
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
10
Figura 3- Representação de curva de crescimento celular em função do tempo, bem como as fases
de crescimento típicas de células de levedura. Adaptado de [22].
Durante a fase exponencial, as células de levedura crescem essencialmente por
fermentação. Nesta fase a divisão celular segue uma função logarítmica e todas as
atividades biossintéticas ocorrem à mesma taxa da divisão celular. A mudança diaúxica
ocorre quando a sua fonte de carbono fermentável se esgota do meio de cultura e as
células se adaptam ao metabolismo respiratório. A fase pós-diaúxica apresenta uma taxa
de crescimento mais baixa, utilizando a energia que é fornecida pelo metabolismo
respiratório. Perante a ausência total da fonte de carbono, as células entram na fase
estacionária. Esta é caraterizada pela diminuição da taxa metabólica, por não haver
qualquer evento de divisão celular, e pela necessidade absoluta de efetuar respiração
celular [22].
1.3.2. Composição lipídica da membrana plasmática da levedura
1.3.2.1. Glicerofosfolípidos
A composição lipídica das células de levedura é relativamente simples quando
comparada com organismos multicelulares mais complexos. Contudo, as características
principais são comparáveis com o lipidoma de qualquer outra célula eucariota. Na
Tabela 2 apresenta-se a percentagem de cada glicerofosfolípido presente na membrana
plasmática de levedura, obtida por estudos realizados por vários autores.
Introdução
11
Tabela 2 - Comparação da composição de glicerofosfolípidos na membrana plasmática da levedura
Saccharomyces cerevisiae, obtida por estudos realizados por vários autores. Adaptado de [23]. As
culturas de levedura cresceram em meio líquido rico YPD [extrato de levedura 1% (m/v), peptona 2%
(m/v) e glucose 2 %(m/v)]. Nos estudos realizados por Zinser e Daum (1991) [24]; Patton e Lester (1991)
[25]; Tuller et al. (1999) [26] e Van den Hazel (1999) [27] a extração ocorreu na fase exponencial de
crescimento, enquanto em Blagović et. al (2005) [23] foi na fase estacionária de crescimento. Os lípidos
foram extraídos da membrana plasmática previamente isolada e quantificados pelo método de
quantificação dos fosfatos.
% (m/m) de fosfolípidos totais
PC 16,8 18,9 17 11,3 10
PE 20,3 16,5 14 24,6 41,8
PI 17,7 36,7 27,7 27,2 7,9
PS 33,6 4,8 3,8 32,2 20,3
CL 0,2 6,3 4,2 - -
PA 3,9 13,3 2,5 3,3 3,5
Outros 6,9 3,5 - 1,4 16,5
Referência [24] [23] [25] [26] [27]
As classes de glicerofosfolípidos mais abundantes na membrana plasmática da
levedura são, a PC, a PE, o PI, a PS e os seus respetivos derivados. O PA e o PG são
menos predominantes na membrana de levedura (Tabela 2) [20,23,24]. As cadeias de
ácidos gordos mais comuns nestas classes de glicerofosfolípidos são o ácido palmítico
(C16:0); ácido palmitoleico (C16:1); e ácido oleico (C18:1) [20,28]. A membrana
plasmática da levedura contém apenas ácidos gordos mono- ou di-insaturados, ao
contrário dos vertebrados que possuem ácidos gordos polinsaturados. A razão de ácidos
gordos insaturados/saturados é de 1,83 ± 0,16 em células da estirpe wt da levedura
S. cerevisiae [28].
O PA, um dos glicerofosfolípidos menos abundantes, é o mais simples e pequeno,
sendo por isso o precursor de todos os outros fosfolípidos mais complexos [1]. A PS
está envolvida em fenómenos de ancoramento à membrana e ativação de proteínas, tais
como ATPases, cinases, recetores e proteínas importantes envolvidas na transdução de
sinal. Os derivados de PI têm sido associados a eventos regulatórios na membrana
plasmática de células eucariotas [4]. Existem também evidências de que o PI está
envolvido na síntese de ceramidas contendo fosfato de inositol [29]. Nas células de
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
12
levedura, a abundância de PG é muito baixa, representando no máximo cerca de um
décimo dos fosfolípidos celulares totais. O PG é considerado o precursor metabólico
principal da CL [30], o que pode explicar a sua abundância reduzida. Relativamente à
PE, esta apresenta uma cabeça que não só é quimicamente reativa, como também
pequena e fracamente hidratada. Ao contrário da PC, a PE pode formar ligações de
hidrogénio com grupos polares vizinhos. Comparativamente a outros fosfolípidos, a PE
tem maior propensão para a formação de fases não lamelares [1,28]. A PC tem uma
forma global cilíndrica e tende a organizar-se como uma bicamada, prevenindo a
integridade da membrana.
Estudos em mutantes de S. cerevisiae mostraram que fosfolípidos zwiteriónicos
podem substituir-se uns aos outros, isto é, o papel que a PC tem na membrana pode ser
desempenhado pela PE, e vice-versa. O mesmo se observa para o PI, que também pode
substituir a PS. Contudo a PS não consegue substituir o PI, possivelmente porque este
tem um papel considerado único na geração, modelação e manutenção da composição
assimétrica das membranas plasmáticas de levedura [1,29].
A camada lipídica externa é constituída, essencialmente, por PC, enquanto na
camada mais interna predomina PE, PS e PI. Uma vez que os grupos da cabeça, tanto da
PS como do PI, estão carregados negativamente, e estes encontram-se,
predominantemente, na camada interna, observa-se uma rede com carga negativa na
face citosólica da membrana plasmática. Quando se observa uma acumulação de PS no
folheto externo, o que acontece tipicamente com o envelhecimento da célula, é sinal de
que a célula deve ser reciclada [1].
1.3.2.2. Esfingolípidos
Os esfingolípidos complexos presentes na membrana plasmática da levedura são
o inositol fosfoceramida, IPC; o manosilinositol fosfoceramida, MIPC; e o manosildi-
inositol fosfoceramida (manosil-di-fosfato de inositol-ceramida), M(IP)2C. Estes
esfingolípidos são constituídos por uma fitoceramida, que contém uma base de cadeia
longa geralmente de 18 átomos de carbono (LCB), à qual se liga, através de uma ligação
amida, uma cadeia de ácido gordo muito longa, frequentemente de 26 átomos de
carbono saturado (C26:0) e hidroxilado, ocasionalmente de 24 átomos de carbono
[31,32].
Introdução
13
Figura 4 – Estrutura dos esfingolípidos complexos IPC, MIPC e M(IP)2C presentes nas membranas
de células de levedura S. cerevisiae. Adaptado de [33]. Os números junto ao grupo –OH representam as
várias posições onde pode ocorrer hidroxilação nas ceramidas.
Os esfingolípidos complexos da levedura S. cerevisiae contêm um dos cincos
esqueletos de ceramida (A, B’, B, C, e D) que diferem nas posições onde ocorrem as
hidroxilações (Figura 4 e Tabela 3) [34].
Tabela 3 – Diferentes estados de hidroxilação das ceramidas. Adaptado de [34,35]. Os números 1, 2,
e 3 correspondem à posição onde pode ocorrer hidroxilação, de acordo com as posições indicadas na
Figura 4. Os símbolos + e – correspondem, respetivamente, à presença e ausência de hidroxilação.
-OH Tipo A Tipo B’ Tipo B Tipo C Tipo D
1 - - + + +
2 - + - + +
3 - - - - +
Na levedura Saccharomyces cerevisiae, a via de síntese dos esfingolípidos
inicia-se com a condensação de uma serina com o palmitoil-CoA, formando a 3-cetodi-
hidroesfingosina. Esta é reduzida por ação do NADPH, resultando uma base de cadeia
longa, a di-hidroesfingosina (DHS). A hidroxilação do C4 da DHS é importante para a
formação da base esfingóide, a fitoesfingosina, presente essencialmente em fungos e
plantas. Esta difere da LCB primária encontrada nos esfingolípidos de mamíferos, a
esfingosina, pois em vez de uma ligação dupla entre C4 e C5, apresenta um grupo
hidroxilo no C4. Um ácido gordo de cadeia muito longa liga-se à amida desta base
esfingóide dando origem à fitoceramida. A fitoceramida por sua vez é convertida em
IPC pela transferência de um fosfato de inositol, proveniente de um PI, para o grupo
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
14
1-OH da fitoceramida. Esta reação é catalisada pelo IPC sintase, um enzima que se
encontra ligado à membrana (Figura 5).
Vários estudos mostraram que a atividade deste enzima pode ser inibida por agentes
antifúngicos. De seguida, a IPC é manosilada, formando a MIPC. O passo final da via
de síntese de esfingolípidos corresponde à transferência de um fosfato de inositol para a
MIPC, levando à formação do esfingolípido complexo maioritário na membrana de
levedura, a M(IP)2C. A análise de estirpes mutadas no gene IPT1, mostrou a ausência de
atividade de M(IP)2C sintase e, consequentemente, a ausência completa do
esfingolípido M(IP)2C. Observou-se também, que na ausência deste gene, ocorria um
aumento de MIPC, o que pode indicar que as células de levedura têm a capacidade de
controlar a sua composição de esfingolípidos totais, neste caso concreto, pela
compensação da ausência de M(IP)2C, ajustando os níveis de MIPC.
Os esfingolípidos são componentes abundantes na membrana plasmática em
eucariotas. Na membrana plasmática de S. cerevisiae correspondem a 30 % dos
fosfolípidos ou cerca de 7 % da massa da membrana plasmática [31,38]. Nas estirpes
selvagens (wt) da levedura, o esfingolípido maioritário, M(IP)2C, constitui cerca de
75 % dos esfingolípidos, estando os restantes 25 % divididos entre a IPC e MIPC [32].
A síntese de ceramidas ocorre na superfície luminal da membrana do ER [9,38].
Contudo, a maturação das ceramidas a esfingolípidos mais complexos ocorre após o seu
transporte para o complexo de Golgi [32]. Estes encontram-se, predominantemente, no
folheto externo da membrana plasmática [9,32,38].
Estudos recentes mostraram que a atividade de IPC sintase é essencial, e como este
enzima não está presente nos mamíferos, torna-se um alvo promissor para fármacos
antifúngicos, dos quais há uma grande necessidade, devido ao aumento de infeções
fúngicas em pacientes imunossuprimidos, nomeadamente aqueles que foram sujeitos a
transplante de órgãos ou quimioterapia, ou mesmo de pacientes imunocomprometidos,
como é o caso daqueles portadores de SIDA [32].
Os esfingolípidos complexos têm-se mostrado essenciais em certos eventos
biológicos, tais como transdução de sinal, crescimento celular, endocitose, e transporte
vesicular de proteínas ancoradas a glicosilfosfatidilinositol (GPI) do ER para o
complexo de Golgi [39].
Introdução
15
Figura 5-Via de síntese de esfingolípidos contendo inositol na levedura S. cerevisiae (Adaptado de
[21,32,36,37]). À direita de cada seta encontram-se os nomes dos enzimas que catalisam as reações, e à
esquerda encontra-se representado o gene que codifica para cada enzima envolvido na reação.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
16
1.3.2.3. Esteróis
Nas membranas de levedura, o esterol maioritário é o ergosterol (erg),
representando cerca de 70 % de esteróis totais e cerca de 80 % dos esteróis da
membrana plasmática [28]. Em relação à proporção de ergosterol/fosfolípidos em
extratos de lípidos totais, esta é próxima de 1 (mol/mol) [8,24,27]. O ergosterol difere
do colesterol em três modificações estruturais, uma num anel aromático e outras duas
nas cadeias laterais (Figura 6) [38].
Figura 6- Estrutura química do ergosterol (A) e colesterol (B). (Retiradas do sítio
http://avantilipids.com/ acedido no dia 21 de Novembro de 2013).
Vários estudos apontam para um papel importante do ergosterol na regulação da
fluidez das membranas [28]. O ergosterol não se encontra distribuído homogeneamente
na membrana plasmática, e associa-se a esfingolípidos com cadeias acilo longas para
formar microdomínios (jangadas lipídicas) dentro da membrana [6]. Em resposta a
níveis elevados de esfingolípidos, a membrana plasmática da levedura contém elevados
níveis de esterol [38]. Considera-se que estes elevados níveis de esteróis e
esfingolípidos estão envolvidos na redução da permeabilidade da maioria das
membranas externas, protegendo assim a célula contra condições ambientais hostis [38].
Dependendo da temperatura, o ergosterol tem diferentes efeitos na fluidez da
membrana. A elevadas temperaturas, o ergosterol interfere no movimento das cadeias
acilo dos fosfolípidos, tornando a membrana menos fluida, reduzindo assim a
permeabilidade a pequenas moléculas. Por outro lado, a baixas temperaturas, o
ergosterol tem o efeito oposto, pois ao interferir com as interações entre as cadeias acilo,
o ergosterol impede a formação da fase gel, mantendo a fluidez da membrana [7].
Introdução
17
1.3.2.4. Variabilidade da composição lipídica em diferentes condições
experimentais
A membrana plasmática de células eucariotas é muito dinâmica e a sua composição
está em constante remodelação de forma a exercer diversas funções e a lidar com
stresses ambientais.
No estudo da membrana plasmática da levedura S. cerevisiae torna-se importante
perceber a influência das várias condições de crescimento celular, tais como a
temperatura, a fonte de carbono e a fase de crescimento celular na composição lipídica
da célula.
Estudos referentes à quantificação do lipidoma das células de levedura nas várias
condições de crescimento, revelaram que tanto a fonte de carbono utilizada no meio de
cultura das células, como a fase de crescimento, têm efeitos significativos na
composição lipídica global [20,29].
A análise do lipidoma obtido para as diferentes fases de crescimento da levedura
[20] permitiu observar que, quando se passava do início para meio da fase exponencial
(fase “mid-log”), os níveis de PI baixavam para mais de 75 %, enquanto os níveis de PE
diminuíam em cerca de 50 % a partir da fase mid-log. Por sua vez, os níveis de PC
permaneciam inalteráveis ao longo das várias fases de crescimento. Em média, o
comprimento das cadeias acilo de GL aumenta com a progressão do crescimento
celular, enquanto o índice de insaturação das cadeias acilo permanece inalterável.
Embora a insaturação de PC diminua fortemente na fase mid-log, há um aumento
pronunciado no comprimento das cadeias acilo na fase estacionária. Relativamente aos
esfingolípidos complexos, os níveis de M(IP)2C permanecem constantes ao longo das
várias fases de crescimento. Os níveis de IPC diminuem ao longo do crescimento,
enquanto os níveis de MIPC aumentam [20].
A análise do lipidoma obtido para as diferentes fases de crescimento da levedura
permitiu observar que, quando se passava do início para meio da fase exponencial (fase
“mid-log”), os níveis de PI baixavam para mais de 75 %, enquanto os níveis de PE
diminuíam em cerca de 50 % a partir da fase mid-log. Por sua vez, os níveis de PC
permaneceram inalteráveis ao longo das várias fases de crescimento. Em média, o
comprimento das cadeias acilo de GL aumentou com a progressão do crescimento
celular, enquanto o índice de insaturação das cadeias acilo permaneceu inalterável.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
18
Embora a insaturação de PC tenha diminuído fortemente na fase mid-log, houve um
aumento pronunciado no comprimento das cadeias acilo na fase estacionária.
Relativamente aos esfingolípidos complexos, os níveis de M(IP)2C permaneceram
constantes ao longo das várias fases de crescimento. Os níveis de IPC diminuíram ao
longo do crescimento, enquanto os níveis de MIPC aumentaram [20].
Quanto à influência da fonte de carbono no lipidoma da levedura, observou-se que a
composição lipídica apresentava diferenças quando o meio de cultura continha glucose
em vez de rafinose ou de glicerol. A abundância de PC e PI foi afetada pelo tipo de
fonte de carbono, ao passo que os níveis de PE não sofreram qualquer alteração. A fonte
de carbono também teve impacto na quantidade de esfingolípidos. Num meio contendo
glucose, a IPC foi a classe mais abundante de esfingolípidos, e em meio contendo
rafinose ou glicerol, foi a M(IP)2C [20].
1.3.2.5. Organização da membrana de levedura
As moléculas na membrana plasmática de levedura não estão distribuídas
equitativamente, e há sub-compartimentos laterais constituídos por diferentes
microdomínios [2,40]. Estes microdomínios no plano da membrana plasmática exibem
uma composição, estrutura e função biológica diferente do resto da membrana que os
rodeia, independentemente do seu tamanho, estabilidade, ou mecanismo de formação.
Um aspeto relevante prende-se com o facto destes microdomínios individuais serem
resultantes de segregações laterais espontâneas e/ou dependentes de energia de uma
plenitude de constituintes da membrana plasmática (lípidos e proteínas) [2,41]. Neste
contexto surge mais uma vez o conceito de jangadas lipídicas que são flutuações à
nanoescala de agregados de esfingolípidos, esteróis, e proteínas, que podem ser
estabilizadas ao coalescerem, formando plataformas com função nos eventos de tráfego
e sinalização na membrana [41]. Estas jangadas foram inicialmente definidas como
membranas resistentes a detergentes (DRM), por constituírem frações insolúveis da
membrana extraídas por um detergente suave não iónico (1% de TritonX-100, a 4 °C)
[2,40]. Contudo esta abordagem tem sido desaconselhada, uma vez que associações
específicas podem ser rompidas pelos detergentes, e componentes de proteínas que são
possivelmente muito mais importantes são rejeitadas por ficarem na parte solúvel ao
detergente [2].
Introdução
19
Atualmente sabe-se que a membrana plasmática da levedura é constituída por pelo
menos três compartimentos: i) MCC (compartimento membranar ocupado por Can1p);
ii) MCP (compartimento membranar ocupado por Pma1p); e iii) MCT (compartimento
membranar ocupado por TORC2p) (Figura 7) [2,39].
Figura 7- Esquema representativo da organização da membrana plasmática da levedura em
domínios com uma composição lipídica e proteica distinta. Adaptada de [42]. Encontram-se
realçados o compartimento contendo o complexo 2 alvo da cinase de rapamicina (MCT), o
compartimento contendo Pma1p (MCP), e o compartimento da membrana/eisossomas contendo Can1p
(MCC). O MCC aparece como invaginações revestidas por proteínas Pil1p e Lsp1p e enriquecidos em
esteróis.
Estudos do papel dos lípidos no transporte de proteínas de membrana, permitiram
observar que, em condições fisiológicas, a permease de arginina Can1p marcada com
GFP não se encontrava distribuída homogeneamente na membrana plasmática de
levedura, mas sim concentrada em cerca de 50-80 domínios/célula, cada um com,
aproximadamente, 300 nm de diâmetro [43,44]. Estes microdomínios ocupados pela
proteína Can1p (MCC) revelaram-se ricos em ergosterol, e equivalentes a domínios
líquido ordenado. A ideia destes microdomínios MCC serem ricos em ergosterol surge
do facto de que, quando comparada com células wt de levedura, a estirpe mutada na via
de síntese do ergosterol exibe uma captação menor de arginina mediada pela Can1p,
sugerindo que a presença de ergosterol é essencial nos domínios ocupados pela Can1p
[43].
Contudo, vários estudos revelaram que a proteína mais abundante na membrana
plasmática, Pma1p, era excluída do domínio MCC formando o seu próprio
sub-compartimento em forma de rede, o MCP. A separação destes dois compartimentos
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
20
é notavelmente estável. Enquanto o MCC é um compartimento rico em ergosterol, o
microdomínio MCP é possivelmente rico em esfingolípidos [2].
Por outro lado, o complexo 2 alvo da rapamicina (TORC2) não se localiza em
nenhum dos domínios da membrana plasmática referidos atrás, ocupando um
compartimento distinto denominado MCT (de “membrane compartment containing
TORC2”). Uma hipótese para o modelo de agregação de TORC2 consiste no facto de
complexos individuais de TORC2 estarem ligados à membrana plasmática onde
interatuam para formar complexos dinâmicos muito ordenados. Este modelo é
suportado pela observação de que TORC2 são formados, longe uns dos outros, e podem
fundir e segregar [45].
Como já foi referido, as jangadas lipídicas constituem microdomínios com
composição e propriedades reminiscentes da fase lo encontrada em sistemas modelo.
Contudo, estudos relativamente recentes apresentaram evidências de que existem
domínios gel na membrana plasmática de levedura, que não são jangadas lipídicas ricas
em ergosterol, mas sim principalmente compostas por esfingolípidos (Figura 8-A).
Biofisicamente, estes microdomínios podem ser descritos como domínios gel ou sólido
ordenado, diferindo assim das jangadas lipídicas descritas como domínios líquido
ordenado [39].
Outro aspeto importante é o facto de na ausência da parede celular (estudos com
esferoblastos) se observar uma ordem global da membrana maior do que em células
intactas, e uma diminuição da abundância em domínios de esfingolípidos (Figura 8).
Isto leva-nos a crer que a estabilização destes domínios é (pelo menos em parte)
induzida pela parede celular, e possivelmente envolvendo proteínas ancoradas a
glicosilfosfatidilinositol (GPI) [39].
Introdução
21
Figura 8- Representação do modelo proposto para explicar a relação entre a abundância de
domínios ricos em esfingolípidos e a ordem global da membrana. (Adaptado de [39]). A- Imagem
representativa dos componentes lipídicos da membrana plasmática de células wt. B- Esquema que pode
representar a membrana plasmática de esferoblastos wt ou o sistema de membrana celular de células
intactas de erg6Δ ou scs7Δ. As cabeças polares dos esfingolípidos estão representadas a cinzento, e as
cabeças dos glicerofosfolípidos, a preto. O sistema de anéis representa o ergosterol.
1.4. Espetroscopia de Fluorescência na caraterização biofísica de
membranas
A espetroscopia de fluorescência tem sido muito utilizada no estudo de domínios
lipídicos in vivo, por ser uma técnica não invasiva, muito sensível, que apresenta um
mínimo de perturbações na amostra e requer pequenas concentrações de sonda [15]. A
fluorescência constitui uma abordagem ideal no estudo das propriedades físicas da
membrana, tais como a ordem, distribuição de carga, polaridade e hidratação, uma vez
que as propriedades dos marcadores florescentes podem ser determinadas através de
mudanças espectrais, tempos de vida de fluorescência e anisotropia de fluorescência
[15].
1.4.1. Parâmetros fotofísicos mais relevantes
Um dos parâmetros mais importantes em estudos das propriedades biofísicas da
membrana é a anisotropia de fluorescência. Esta reflete as diferenças no comportamento
rotacional das moléculas. Por exemplo, no caso de uma sonda excitada, se esta
conseguir rodar durante o tempo de vida no estado excitado, então a fluorescência
emitida vai ser, parcial ou mesmo totalmente, despolarizada, dado que a polarização da
luz emitida não apresenta uma orientação preferencial. Este exemplo é muito comum
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
22
em ambientes mais fluidos, onde se observa uma maior movimentação por parte da
sonda, obtendo-se valores de anisotropia baixos. No caso de a sonda estar inserida num
ambiente com um grau de rigidez mais elevado, esta não vai conseguir rodar tanto,
apresentando uma orientação preferencial para a polarização da fluorescência emitida,
que se reflete em valores de anisotropia mais elevados. Assim, através da
despolarização de fluorescência, é possível obter informação relativa ao movimento
molecular, que depende do tamanho e forma da molécula, e da fluidez do seu
microambiente [46,47]. Para além de nos dar informação relevante sobre a ordem das
membranas, permite determinar as temperaturas de transição de fases de misturas de
lípidos sintéticos ou até mesmo de extratos de lípidos totais, através da variação da
anisotropia em função da temperatura.
A fluorimetria resolvida no tempo tem sido muito utilizada no estudo do tipo,
número, fração, composição e tamanho de domínios e fases lipídicas presentes em
modelos de biomembranas e crescentemente em membranas biológicas [48]. Esta
técnica fornece informação relativa ao tempo de vida de um fluoróforo no estado
excitado, ou seja, o tempo médio que o fluoróforo permanece no estado excitado, após
absorção da luz, até ocorrer a emissão de fluorescência. O decaimento da intensidade de
fluorescência baseia-se na diminuição da probabilidade de emissão com o tempo, após a
excitação [15]. Muitas vezes o tempo de vida de fluorescência das sondas de membrana
em ambientes aquosos é muito mais curto que em ambientes lipofílicos. Assim, através
do tempo de vida de fluorescência é possível obter informação sobre a hidratação de
bicamadas lipídicas ou sobre a sua compactação.
1.4.2. Sondas de membrana fluorescentes
O 1,6-difenil-1,3,5-hexatrieno (DPH) e o ácido trans-parinárico (t-PnA) são duas
sondas de membrana muito utilizadas na caracterização biofísica de membranas
biológicas. Ambas as sondas apresentam o cromóforo integrado na região hidrófoba da
bicamada lipídica. Desta forma, estas sondas permitem-nos tirar informações relativas
ao empacotamento das cadeias acilo de fosfolípidos [39].
Na Figura 9 encontram-se as estruturas químicas das sondas de membrana DPH e
t-PnA.
Introdução
23
Figura 9- Estrutura química das sondas DPH e t-PnA (B). Adaptado de [47].
O t-PnA é um ácido gordo polinsaturado de 18 carbonos apresentando quatro
ligações C=C conjugadas, às quais estão ligadas cadeias de hidrocarbonetos mais curtas
ou mais longas em ambas as suas extremidades (Figura 9-B) [49].
Em relação ao DPH, estabeleceu-se que este exibe essencialmente uma orientação
na membrana, paralela ao eixo das cadeias acilo dos fosfolípidos (Figura 10). Além
disso, o DPH não apresenta uma partição preferencial nem para fases gel nem para
fluidas, distribuindo-se uniformemente na maioria dos domínios da membrana, dando
informação relativa sobre ordem global da bicamada lipídica [39,50]. Assim, esta sonda
é muitas vezes utilizada para estimar a ordem e/ou fluidez da membrana, pois exibe um
forte aumento da fluorescência quando ligado a lípidos e o valor de anisotropia é
sensível à orientação dos fosfolípidos [51]. O rendimento quântico do DPH é baixo à
superfície da membrana devido a interações de DPH com a água, mas aumenta quando
o fluoróforo se movimenta para o centro da bicamada [52]. É também importante
realçar que, em células intactas, a sonda DPH não marca apenas a membrana
plasmática, mas também as membranas dos organelos intracelulares, caraterizando
assim todas as membranas da célula [53].
Por sua vez, o t-PnA, devido à configuração todas-trans das suas insaturações
(Figura 9-B), é mais facilmente acomodado em ambientes lipídicos ordenados, sendo
desta forma conhecido pela partição preferencial por domínios muito ordenados, tais
como domínios gel ricos em esfingolípidos (Figura 10) [28,54]. Nestes domínios
ordenados, o rendimento quântico do t-PnA aumenta quando comparado com ambientes
fluido desordenado, sendo desta forma sensível a alterações na quantidade e composição
destes domínios ordenados [28,39].
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
24
Figura 10- Esquema representativo da localização das sondas fluorescentes DPH e t-PnA nas
diferentes fases lamelares lipídicas de uma bicamada. As cabeças polares dos esfingolípidos estão
representadas a verde; e as cabeças dos fosfolípidos a azul. O ergosterol está representado como um
sistema de anéis. Na figura encontram-se identificadas as várias fases lamerares lipídicas: Fase gel; Fase
líquido ordenado (lo); e Fase líquido desordenado (ld). Quanto à sonda t-PnA (laranja), esta apresenta uma
partição preferencial por fases gel, podendo se encontrar na fase lo e também ld, na qual apresenta um
baixo rendimento quântico (preto) [28,39]; enquanto a sonda DPH (roxo) não apresenta preferência nem
para fase gel, nem para fase fluida [46].
Objectivos
25
2. Objetivos
Estudos realizados em células de estirpes mutadas no gene IPT1 (ipt1Δ), que não
sintetizam o esfingolípido complexo M(IP)2C revelaram um aumento da resistência a
antibióticos poliénicos, como por exemplo à nistatina [55]. Isto sugere que talvez este
esfingolípido complexo venha a constituir um bom alvo para fármacos antimicóticos.
Desta forma, torna-se importante estudar o papel deste esfingolípido complexo na
organização da membrana, e perceber de que forma, na sua ausência, a organização da
membrana é afetada, tornando a célula resistente a estes fármacos. Assim, um dos
objetivos deste trabalho foi a caraterização das propriedades biofísicas da membrana
plasmática de duas estirpes de levedura, da estirpe mutada ipt1Δ, e sua comparação com
a wt, com duas sondas de membrana, o t-PnA e o DPH. Utilizando estas sondas
pretendia-se estabelecer o papel do M(IP)2C na abundância relativa e compactação dos
domínios de gel, na ordem global da membrana, e na reação desta com os domínios de
gel, lo e ld, in vivo.
Outro dos objetivos que se pretendia com este trabalho era purificar os três
esfingolípidos complexos, IPC, MIPC e M(IP)2C, para posteriormente se estudar o
efeito de cada um na organização da membrana, através de estudos biofísicos em
sistemas modelo contendo cada um dos esfingolípidos complexos referidos. Para tal,
pretendeu-se estudar qual o melhor método de extração lipídica para a extração destes
esfingolípidos. Outro dos objetivos passou pela análise da composição tanto dos
extratos de lípidos totais como de esfingolípidos através de uma cromatografia de
camada fina (TLC). Por fim, de forma a estabelecer a ligação entre o comportamento
dos extratos lipídicos e as experiências in vivo, realizaram-se estudos biofísicos em
lipossomas preparados a partir de extratos lipídicos obtidos pelo método de Folch et al.,
com as sondas t-PnA e DPH, para determinar a influência do M(IP)2C na temperatura
de transição dos domínios de gel e para perceber até que ponto as interações
lípido-lípido são determinantes da organização dos lípidos in vivo. Também se
pretendeu estudar a influência do M(IP)2C na formação de diferentes tipos de domínios
e detetar eventuais diferenças na espessura e quantidade relativa de domínios ordenados
e desordenados devido à ausência daquele esfingolípido. Para tal, foram preparadas
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
26
bicamadas suportadas a partir de extratos lipídicos totais obtidos pelo método de Folch
et al., analisadas por microscopia de força atómica (AFM).
Materiais e Métodos
27
3. Materiais e Métodos
3.1. Reagentes
A bacto-peptona, o extrato de levedura, a yeast nitrogen base (YNB), e o bacto agar
foram adquiridos na Difco (Detroit, MI, EUA).
Da Sigma-Aldrich provieram a suspensão aquosa Ludox [sílica coloidal diluída
50 % (m/m)], o ácido 4-(2-hidroxietil)-1-piperazinoetanosulfónico (HEPES), esferas de
vidro, e o ácido perclórico (HClO4).
Os solventes orgânicos, clorofórmio e metanol, de grau espectroscópico, foram
obtidos na VWR Internacional (Radnor, PA, EUA). O etanol absoluto (grau de
pureza > 99,9 %) foi comprado à Scharlau, e o ácido acético, de grau analítico, à J.T.
Baker.
Em relação às sondas de membrana, o 1,6-difenil-1,3,5-hexatrieno (DPH) foi
adquirido à Molecular Probes/Invitrogen (Eugene, OR, EUA), e o ácido
trans-parinárico (t-PnA) à Santa Cruz Biotechnology (Santa Cruz, CA, EUA). O t-PnA
foi armazenado em etanol espectroscópico, e o DPH em metanol espectroscópico, a
- 20 °C.
O hidrogenofosfato de sódio (Na2HPO4) e molibdato de amónio [(NH4)6Mo7O24 ·
4 H2O] foram comprados à Merck (Darmstadt, Alemanha), e o ácido ascórbico
(C6H8O6) à Farma-Química Sur S.L. (Málaga, Espanha).
Dentro dos lípidos sintéticos, o 1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfocolina
(POPC) foi adquirido à Lipoid (Newark, NJ, EUA), e o 1,2-dipalmitoil-sn-glicero-3-
fosfoetanolamina (PE) à Avanti polar lipids (Alabaster, AL, EUA), sendo o seu grau de
pureza foi > 99%. Os lípidos de fonte natural, o ergosterol, o L-α-Fosfatidilinositol (PI)
proveniente de soja, e a L-α-Fosfatididilserina (PS) proveniente de bovino foram
adquiridos na Sigma-Aldrich.
As soluções tampão utilizadas neste trabalho foram designadas de tampão A
(NaH2PO4·H2O 100 mM, NaCl 100 mM, EDTA 1 mM, pH 7,4) e tampão B (HEPES
10 mM, NaCl 150 mM, pH 7,4), e foram preparadas com água bidestilada obtida
através dum sistema Gradiente Milli-Q da MILLIPORE.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
28
3.2. Material biológico
As estirpes de levedura S. cerevisiae utilizadas neste trabalho foram, a estirpe
selvagem (wt) haploide (Número de ACC - Y00000; ORF - BY4741) e a estirpe ipt1Δ
(Número de ACC - Y04007; ORF - YDR072c) que apresenta o gene que codifica para o
inositol fosfotransferase 1 (IPT1) deletado. A estirpe wt apresenta o genótipo MATa,
his3Δ1, leu2Δ0, met15Δ0, ura3Δ0, enquanto que a estirpe mutada ipt1Δ é isogénica à
BY4741 com YDR072c::kanMX4. Ambas as estirpes foram adquiridas na
EUROSCARF (Frankfurt, Alemanha).
3.3. Meios de cultura
Os meios de cultura utilizados ao longo deste estudo, para o crescimento das
culturas das estirpes da levedura S. cerevisiae, encontram-se referidos no Quadro 1.
Quadro 1 - Meios de cultura utilizados no crescimento das culturas de células e respetiva
composição.
Meios de Cultura Composição
Meio sólido rico YPD Extrato de levedura 1 % (m/v), peptona 2 % (m/v) e
glucose 2 % (m/v) suplementado com agar 2 % (m/v).
Meio líquido SC
(Synthetic Complete)
Glucose 2 % (m/v), YNB 6,85 % (m/v), arginina
0,002 % (m/v), metionina 0,002 % (m/v), tirosina
0,003 % (m/v), isoleucina 0,003 % (m/v), lisina
0,003 % (m/v), fenilalanina 0,005 % (m/v), valina
0,015 % (m/v), ácido aspártico 0,01 % (m/v), ácido
glutâmico 0,01 % (m/v), triptofano 0,005 % (m/v),
histidina 0,01 % (m/v), leucina 0,01 % (m/v), adenina
0,0025 % (m/v), uracilo 0,0025 % (m/v), treonina
0,02 % (m/v) e serina 0,04 % (m/v).
Meio líquido rico YPD Extrato de levedura 1 % (m/v), peptona 2 % (m/v) e
glucose 2 % (m/v).
As soluções stock de Glucose e YNB foram autoclavadas a 120 C durante 20 min,
e as soluções de aminoácidos foram autoclavadas a 110 C durante 20 min.
Materiais e Métodos
29
Tanto na preparação de meio líquido rico YPD como na de meio sólido YPD, os
meios foram autoclavadas a 120 C durante 20 min, tendo sido a glucose apenas
adicionada ao meio no instante da sua utilização.
3.4. Culturas e condições de crescimento
As soluções stock das estirpes de levedura encontravam-se conservadas numa
solução de glicerol a 20 % (v/v), a - 80 °C. De uma solução stock, retiraram-se algumas
células com as quais se fez um riscado numa caixa de Petri em meio sólido rico YPD.
Esta cultura foi incubada numa estufa a 30 °C, cerca de 2 dias, sendo de seguida
armazenada a uma temperatura de 4 °C. Os riscados foram renovados, a partir do
riscado anterior, de aproximadamente 15 em 15 dias, podendo-se realizar cerca de 3
renovações. Após a terceira renovação, o riscado foi feito a partir da solução stock da
estirpe. A partir do riscado foram feitas as pré-culturas, que consistem na inoculação das
células da estirpe pretendida num volume de meio líquido de crescimento (meio líquido
SC ou YPD), seguida de incubação num agitador orbital a uma velocidade de 160 rpm a
30 °C durante a noite. Após o crescimento, a densidade ótica da suspensão celular a
600 nm1 (OD600) da pré-cultura foi medida no espectrofotómetro. A densidade ótica a
600 nm permitiu estimar o número de células na cultura. A cultura de células foi
realizada com a inoculação de um determinado volume de células da pré-cultura de
modo a que esta apresentasse o valor de OD600 inicial pretendido. As leituras de OD600
foram realizadas no espectrofotómetro de feixe duplo M350 UV-Visible CamSpec.
Através da contagem de células numa câmara de Neubauer (hemocitómetro),
determinou-se que 1 OD600 ≈ 1,25x107 células/mL. Recorreu-se à solução de azul de
tripano 0,4 % (m/v) para identificar as células inviáveis as quais se encontravam coradas
de azul por apresentarem as membranas permeabilizadas.
1 Apesar da designação “densidade ótica” (OD) ter deixado de ser recomenda pela IUPAC, devendo
utilizar-se preferencialmente o termo “absorvência”, optou-se por utilizar OD no contexto da avaliação da
concentração celular, uma vez que o que se está a medir é a turbidez da suspensão, não estando envolvido
um processo de absorção de luz. Assim, quando se utiliza o termo absorvência, é porque está envolvido
um processo desse tipo, e portanto está a ocorrer a promoção de determinadas moléculas para um estado
eletrónico excitado.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
30
3.5. Curvas de crescimento
As curvas de crescimento das estirpes wt e ipt1Δ da levedura S. cerevisiae foram
realizadas tanto em meio líquido SC como em meio líquido rico YPD, com o intuito de
observar a existência de possíveis diferenças no seu crescimento. Inicialmente foi
preparada uma pré-cultura de cada uma das estirpes. No dia seguinte, foram inoculados
50 mL de meio com células da pré-cultura da estirpe, a uma densidade celular inicial de
0,2 OD600, sendo esta cultura incubada a 30 °C, com agitação. Posteriormente foram
realizadas leituras de absorvência a 600 nm em intervalos curtos de tempo.
3.5.1. Parâmetros de crescimento celular
Os parâmetros de crescimento celular englobam o tempo de geração ou duplicação
(tg) e a taxa de crescimento celular ().
Tendo em conta que o crescimento de uma população microbiana é dada por:
Equação 1
Onde N corresponde ao número de células num determinado tempo t, N0 ao número
de células inicias (t=0), a taxa de crescimento, e t o tempo de geração.
Pela linearização da Equação 1, a taxa de crescimento que consiste na variação do
número de células por unidade de tempo, corresponde ao declive da recta.
Por outro lado, o tempo de geração que corresponde ao intervalo de tempo
necessário para as células se duplicarem, é determinado por:
Equação 2
Este parâmetro depende da composição do meio de crescimento, e das condições
ambientais.
3.6. Preparação de células intactas em fase exponencial e em fase
estacionária
No caso da caracterização da membrana da levedura em fase exponencial, as células
de S. cerevisiae foram inoculadas em 40 mL de meio líquido SC a uma densidade
celular inicial de 0,098 OD600. A cultura foi deixada a crescer por cerca de 5 horas, a
Materiais e Métodos
31
30 °C e 160 rpm. Este tempo de crescimento foi escolhido de modo a garantir que
tivessem ocorrido no mínimo dois ciclos de duplicação, e as células se encontrassem na
fase exponencial de crescimento com uma quantidade de células por mL de cerca de
0,488 OD600. Recolheu-se 30 mL de cultura para um tubo Falcon de 50 mL estéril e
centrifugou-se a 3500 rpm na centrífuga Sigma-302, durante 2 min. O sobrenadante foi
desprezado, e o precipitado foi lavado duas vezes com água destilada estéril.
Imediatamente a seguir, o precipitado lavado foi ressuspendido em tampão A num
volume adequado, para uma concentração de células final por mL de 1,95 OD600. Desta
suspensão de células, 2 mL e 3 mL foram sujeitos à adição de sonda t-PnA e DPH,
respetivamente, para a caracterização da membrana da levedura com cada uma das
sondas. Para cada uma das amostras foi realizado o respetivo branco ao qual se
adicionou o mesmo volume de solvente em que a sonda se encontra à suspensão celular.
Seguiu-se o mesmo procedimento nos estudos biofísicos em células na fase
estacionária, com duas exceções: as experiências foram realizadas em meio líquido rico
YPD em vez de meio líquido SC, e a cultura cresceu durante 24 h, encontrando-se assim
na fase estacionária de crescimento.
3.7. Extração de lípidos totais da levedura em fase estacionária
Inicialmente,500 mL de meio líquido rico YPD foram inoculados com células das
estirpes wt ou ipt1Δ, a uma densidade celular inicial por mL de 0,2 OD600. A cultura foi
efetuada num agitador orbital, a uma velocidade de 160 rpm, a 30 °C, durante 24 horas.
Ao fim das 24 horas, as células encontravam-se na fase estacionária de crescimento.
Optou-se por fazer a extração nesta fase de crescimento, não só pelo facto de apresentar
um maior número de células, mas também porque já se tinha observado que a proporção
do esfingolípido complexo M(IP)2C não se alterava significativamente com as fases de
crescimento [20], permitindo, desta forma, obter um rendimento de extração de M(IP)2C
superior do que na fase exponencial de crescimento. De seguida, as células foram
recolhidas e centrifugadas a 3244 rpm, durante 5 min, na centrífuga Beckman
J2-21M/E, com o rotor JA-14. O precipitado de células foi lavado duas vezes com água
estéril à temperatura ambiente.
Depois deste procedimento, a extração de lípidos totais das estirpes wt e ipt1Δ foi
feita segundo uma variante do método desenvolvido por Hanson e Lester [56], ou
segundo o método desenvolvido por Folch et al.[57,58].
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
32
3.7.1. Variante do Método de Hanson e Lester [56]
Após a lavagem do precipitado, os lípidos totais foram extraídos com múltiplas
extrações de 5 mL usando uma solução de etanol/água (4:1, v/v), a 100 °C, durante 15
minutos, num termobloco SB42000D/3 da Stuart Scientific. De seguida, procedeu-se à
filtração usando um filtro Whatman 1, de modo a evitar a passagem de possíveis células
intactas ou restos da lise celular. O extrato lipídico foi seco num balão de fundo redondo
usando um rotavapor BÜCHI R-200. Esta massa foi dissolvida em cerca de 7 mL da
mistura clorofórmio/metanol (2:1, v/v).
3.7.2. Variante do Método de Folch et al. [57,58]
Por este método, após a primeira centrifugação a 3244 rpm na centrífuga Beckman
J2-21M/E, com o rotor JA-14, durante 5 min, o precipitado de células foi ressuspendido
em água estéril, e transferido para tubos Falcon de 50 mL. Procedeu-se a duas lavagens
com água estéril, à temperatura ambiente. Para garantir o sucesso da lise celular,
adicionou-se esferas de vidro num volume correspondente ao volume de precipitado
(1 g de precipitado equivale a 1 mL [58]), e um agente redutor, ditiotreitol (DTT) para
uma concentração final de 10 mM. A adição de DTT torna-se essencial, pois na fase
estacionária, as células apresentam uma parede celular espessa e menos porosa [22], o
que limita a eficiência de extração. Posteriormente foram realizados 7 ciclos de agitação
em vórtex durante 2 min intercalando com o arrefecimento durante 2 min em gelo. Este
procedimento passou por um processo de otimização, sendo estas condições favoráveis
à obtenção de uma concentração de lípido total razoável. No fim, o precipitado é
transferido para uma proveta.
O método de Folch et al. consistiu na utilização de 20 vezes o volume de
clorofórmio/metanol (2:1, v/v) por volume de precipitado de células. Após a adição da
solução de clorofórmio/metanol ao precipitado de células, a suspensão foi agitada
durante 1 h num agitador orbital a 140 rpm, a 20 °C. De seguida, procedeu-se à filtração
com um filtro Whatman 1, de modo a remover células intactas ou restos celulares.
Adicionou-se uma solução de CaCl2 0,04 % (v/v) num volume correspondente a 20 %
do volume total. A fase superior, fase aquosa, foi desprezada, e a fase inferior, fase
orgânica, foi lavada com uma solução de clorofórmio/metanol/água (3:47:48, v/v/v)
num volume correspondente a 20 % do volume total. O solvente orgânico foi evaporado
Materiais e Métodos
33
com fluxo de N2, numa hote. O extrato lipídico foi, depois, dissolvido em
clorofórmio/metanol (2:1, v/v).
3.8. Extração dos esfingolípidos complexos
Para a extração dos esfingolípidos complexos, o extrato de lípidos totais seco foi
dissolvido em cerca de 20 mL de metilamina 33 % (em etanol) de modo a submeter os
lípidos a uma hidrólise alcalina por 24 horas a 55 °C, num condensador de refluxo. Esta
hidrólise permite remover os glicerofosfolípidos do extracto de lípidos totais, uma vez
que as ligações acilo são hidrolisadas (e assim a maioria dos glicerofosfolípidos), mas
as ligações amida dos esfingolípidos permanecem intactas [21,59]. De seguida a
metilamina foi evaporada num rotavapor e os lípidos ressuspendidos em
clorofórmio/metanol (2:1, v/v). O extracto de esfingolípidos foi doseado pelo método de
Rouser [60,61]. Posteriormente procedeu-se à purificação dos esfingolípidos através de
cromatografia de camada fina preparativa (TLC) (ver secção 3.13).
3.9. Doseamento de fosfolípidos
De modo a determinar a concentração de fosfolípidos presente nos extratos de
lípidos totais, recorreu-se a uma adaptação do método de Rouser [60,61]. Este método
colorimétrico consiste, essencialmente, na determinação de fosfato inorgânico livre
resultante da hidrólise ácida a quente dos fosfolípidos com ácido perclórico 70% (v/v).
A quantificação de fosfato foi feita pela adição de molibdato de amónio 1,25 % (m/v), o
qual reage com o fosfato inorgânico, numa solução ácida, formando o ácido
fosfomolíbdico. Este é depois reduzido na presença de ácido ascórbico 5 % (m/v),
produzindo um complexo azul. A quantidade relativa deste complexo azul foi
determinada pela leitura da absorvência a 797 nm no espectrofotómetro Jasco V-560
(Easton, MD, EUA).
Para a construção da curva de calibração usou-se fosfato dissódico numa gama de
concentrações de 0 a 0,03 mM.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
34
3.10. Doseamento de sondas
A concentração de cada solução de sonda foi determinada no espectrofotómetro,
pela leitura da absorvência a 300 nm, no caso do t-PnA, e a 350 nm, no caso do DPH.
Os coeficientes de absorção molar (ɛ) utilizados na determinação da concentração,
foram de, 89000 M-1
cm-1
para o t-PnA (em etanol) [49,62], e de 88000 M-1
cm-1
para o
DPH (em metanol).
3.11. Preparação de lipossomas a partir de extratos de lípidos totais
A partir dos extratos de lípidos totais, prepararam-se vesículas multilamelares
(MLV), e vesículas unilamelares pequenas (SUV). É preciso salientar que a
concentração lipídica dos lipossomas preparados a partir de extratos de lípidos totais é
uma estimativa baseada apenas no doseamento de fosfato inorgânico.
Após a adição de um volume adequado de extrato lipídico, a fase orgânica foi
evaporada sob um fluxo contínuo de N2 (g). De seguida, os lípidos foram deixados a
secar num exsicador por cerca de 3 horas, de forma a remover possíveis vestígios de
solvente orgânico.
Na preparação de MLV’s para estudos de fluorescência, as amostras foram
hidratadas com tampão A. De seguida foram realizados 5 ciclos de congelamento em
azoto líquido/ descongelamento a uma T > Tm/ vórtex, de forma a homogeneizar as sua
composição lipídica e diminuir o número de fases lamelares das vesículas [63]. Os
ciclos foram realizados a 75 °C, para garantir que todos os lípidos se encontravam a
uma temperatura superior à sua Tm, uma vez que a Tm de extratos lipídicos de levedura é
de 42 °C [39]. A concentração total de lípidos na suspensão de MLV era 0,2 mM
(considerando o doseamento de fosfolípidos), nos ensaios com a sonda DPH. No estudo
das propriedades biofísicas das MLV’s com o t-PnA, a concentração total de lípido foi
otimizada de forma a diminuir a percentagem de branco nas medidas de fluorescência.
Em ambos os casos, após a adição da sonda, realizaram-se mais 5 ciclos de
congelamento/descongelamento/vórtex. Posteriormente, a sonda foi incubada a 75 °C
durante uma hora. Após esta incubação, as amostras foram arrefecidas à temperatura
ambiente, e equilibradas durante a noite a 4 °C, realizando-se as medidas de
fluorescência no dia seguinte. Em todos os passos do procedimento experimental, as
Materiais e Métodos
35
soluções e suspensões foram saturadas com N2 (g) e as amostras foram protegidas da
luz [39].
A preparação da suspensão de SUV’s a utilizar na preparação de bicamadas
suportadas (SLBs) para observação por microscopia de força atómica (AFM), consistiu
na sonificação da suspensão de MLV’s, preparada em tampão B, num sonificador de
potência Hielscher UP200S com sonda de titânio, sendo a sonificação realizada com
75 % da potência do aparelho (200 W). Foram realizados 24 ciclos de sonificação de
1 min e 15 seg e repouso durante 15 seg, mantendo sempre a suspensão de lípidos num
banho de gelo. A sonificação não deve ser durante longos períodos de tempo pois pode
levar à oxidação e mesmo à hidrólise dos lípidos. A concentração de lípidos na
suspensão de SUV’s foi de 0,5 mM (com base apenas no doseamento dos fosfolípidos).
De seguida centrifugou-se a 10000 rpm durante 15 min numa centrífuga Eppendorf
mini-spin de forma a remover partículas de titânio da sonda.
3.12. Espetroscopia de Fluorescência
No contexto do presente trabalho, tornou-se essencial a utilização da espectroscopia
de fluorescência na caracterização biofísica da membrana da levedura S. cerevisiae e de
vesículas multilamelares (MLV) a partir de extratos de lípidos totais, não só por esta ser
uma técnica não invasiva, extremamente sensível, que requer pequenas concentrações
de sonda, mas também porque permite obter informações relacionadas com as
propriedades físicas da membrana, tais como a ordem, distribuição da carga, e
polaridade [15]. Estas propriedades de fluorescência podem ser determinadas por
desvios espectrais, decaimento da fluorescência e anisotropia de fluorescência.
As medidas de fluorescência foram realizadas no espetrofluorímetro Spex
Fluorolog-3 v2.2 da HORIBA Jobin Yvon (Kyoto, Japão), equipado com
monocromadores duplos na excitação e na emissão, em geometria de ângulo reto,
polarizadores Glan-Thompson (prismas de calcite, que fornecem uma elevada razão de
extinção, necessária na medida de pequenas alterações na anisotropia). A deteção foi
efetuada por um tubo fotomultiplicador (PMT) modelo TBX. O espetrofluorímetro
estava ainda equipado com um sistema de agitação magnética, permitindo que as
medidas de fluorescência fossem feitas com agitação, de modo a evitar a deposição quer
da suspensão de células quer de MLV’s. A temperatura no porta-células foi atingida
através de sistema de circulação de água Lauda RM6, uma vez que o porta-células está
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
36
revestido com uma camisa de termostatização. Foi utilizada uma sonda de temperatura
do tipo termopar de fabrico caseiro (gentilmente oferecida pelo Dr. Manuel Rosa
Nunes) que permitiu confirmar a temperatura diretamente no interior da cuvete com
uma precisão de 0,1C.
No caso da caracterização biofísica da membrana da levedura, as sondas t-PnA e
DPH foram adicionadas de modo a ficarem numa concentração de 2 µM na suspensão
de células, e incubadas durante 5 e 20 min, respetivamente, à temperatura ambiente
(24 °C) ou a 30 °C [39]. No estudo das propriedades biofísicas de MLVs a partir de
extratos lipídicos com o DPH, utilizou-se uma razão sonda/lípido de 1:200 (mol/mol),
de modo a minimizar o efeito da auto-fluorescência provocado pelo ergosterol [39].
Com a sonda t-PnA foi necessário um processo de otimização da razão sonda/lípido a
utilizar, de modo a minimizar a % de branco.
3.12.1. Espectroscopia de fluorescência em estado estacionário
As medidas de fluorescência em estado estacionário realizadas foram: espectros de
excitação e emissão de fluorescência, e anisotropia de fluorescência.
A fonte de radiação contínua utilizada para fluorescência em estado estacionário e
calibração dos monocromadores foi uma lâmpada de arco de Xénon de 450 W, e a
referência um fotodíodo.
Na caracterização biofísica da membrana da levedura com a sonda DPH utilizaram-
se células de quartzo Suprasil® com dimensões de 1 cm 1 cm (percurso ótico na
excitação percurso ótico na emissão) da Hellma Analytics. As células de quartzo de
0,4 cm 1,0 cm mostraram-se mais adequadas para as medidas de fluorescência em
estado estacionário dos ensaios contendo t-PnA, uma vez que requerem um volume
menor de amostra, e devido ao menor percurso ótico, ocorrem menos eventos de
dispersão, dependentes da dimensão e do número de partículas do dispersante no
percurso da radiação [64]. Dado que os comprimentos de onda de excitação e de
emissão no caso do t-PnA são inferiores, há a uma maior intensidade da luz dispersa.
Como este aspeto não é problemático no caso do DPH, optou-se por usar as cuvetes
com a configuração mais usual, pois permitem uma agitação mais eficiente da
suspensão.
Materiais e Métodos
37
Os comprimentos de onda de excitação e emissão foram de 320 e 404 nm para a
sonda t-PnA, e de 358 e 430 nm com a sonda DPH, respetivamente [39]. Apesar do
t-PnA apresentar um máximo da excitação a 303 nm, a excitação foi feita a 320 nm, de
forma a evitar a excitação dos resíduos de aminoácidos aromáticos de proteínas [49].
3.12.1.1. Espectros de excitação e emissão de fluorescência
Os espectros de excitação e emissão de fluorescência foram obtidos utilizando
larguras de banda de excitação e emissão de 2 nm, e um tempo de integração de 0,2 s.
Para além da divisão pelo sinal da referência, os espectros de excitação e emissão foram
corrigidos com ficheiros de correção fornecidos pelo fabricante. Foi sempre obtido um
espetro para o branco que foi subtraído ao espetro da amostra respetiva.
3.12.1.2. Anisotropia de Fluorescência
A deteção de possíveis diferenças na ordem e fluidez da membrana, e a
determinação da temperatura de transição de fase, foram feitas com recurso a medidas
de anisotropia de fluorescência em estado estacionário. Estas serão designadas
doravante por anisotropia de fluorescência, por simplicidade de linguagem, uma vez que
não foram realizadas medidas de anisotropia de fluorescência resolvidas o tempo.
As medidas de anisotropia de fluorescência seguiram uma geometria de formato L,
que consiste no uso de apenas dois polarizadores Glan-Thomson. Inicialmente, a
amostra é excitada com uma luz polarizada verticalmente, e o polarizador de excitação é
orientado de modo a transmitir, de forma alternada, apenas componentes verticais ou
componentes horizontais da radiação para a amostra. Por sua vez, ocorre também a
rotação do polarizador de emissão, permitindo obter as componentes horizontal e
vertical da fluorescência emitida. Este método requer, assim, quatro medidas de
intensidade individuais, IVV, IHV, IHV, e IHH, em que o primeiro subscrito indica a
orientação do polarizador de excitação, e o segundo a do polarizador de emissão, e os
subscritos H e V dizem respeito à orientação horizontal e vertical, respetivamente
[46,47]. Uma vez que, o monocromador tem uma eficiência de transmissão diferente
para luz polarizada vertical e horizontalmente, o canal de emissão vai apresentar uma
sensibilidade diferencial, que pode ser corrigida usando excitação polarizada
horizontalmente. Com a excitação polarizada horizontalmente, a distribuição da
orientação dos momentos de transição das moléculas que passam ao estado excitado
apresenta simetria no plano de deteção, uma vez que ambas as orientações de deteção
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
38
são perpendiculares ao plano de polarização da excitação. Deste modo, qualquer
diferença que seja detetada nos valores de IHH e IHV vai ser devida à sensibilidade
diferencial do sistema de deteção (incluindo o monocromador de emissão, uma vez que
este se posiciona a jusante dos polarizadores) [47,65]. Assim sendo, a anisotropia de
fluorescência (<r>) foi calculada com base na seguinte equação[46]:
Equação 3
Em que G corresponde ao fator de correção do sistema de deteção do
instrumento. Este foi determinado pela razão entre a intensidade da componente HH e a
da componente HV, e é dependente do comprimento de onda de emissão e das fendas de
emissão. A cada componente da intensidade medida para a amostra, foi subtraído o
valor de um branco adequado (amostra na ausência de sonda).
Antes de iniciar as medidas de anisotropia, os polarizadores de excitação e de
emissão foram orientados na posição vertical, para selecionar a largura das fendas, de
forma a ter um sinal elevado mas dentro da gama de linearidade do detetor
( 2 106 cps de acordo com as instruções do fabricante). A aquisição das várias
componentes foi feita na secção do software designada por Constant Wavelength
Analysis (CWA), tendo-se realizado 7 aquisições de cada intensidade.
As medidas de anisotropia em função da temperatura realizaram-se num
intervalo de temperaturas de 4 a 80 °C. Estas foram importantes na determinação da
temperatura de transição de fase. Para assegurar que a temperatura da amostra estava em
equilíbrio, a célula de quartzo contendo a amostra foi deixada a incubar a cada
temperatura, por cerca de 10 minutos antes das medidas de anisotropia.
3.12.2. Espectroscopia de fluorescência em estado transiente
Existem duas técnicas de fluorescência resolvida no tempo, a fluorimetria de
pulso e a fluorimetria de modulação de fase. No presente trabalho, recorreu-se à
fluorimetria de pulso. Nesta técnica são produzidos pulsos de luz curtos, para excitar a
amostra, sendo a resposta da fluorescência depois medida em função do tempo [46,47].
Nas medidas de fluorescência em estado transiente, recorreu-se a um controlador
eletrónico de fotão único Fluorohub v2.0 acoplado ao espectrofluorímetro utilizado nas
medidas de fluorescência no estado estacionário. As medidas foram obtidas pelo
Materiais e Métodos
39
método de cronometragem de fotão único (Single-Photon Timing, SPT). De forma
sucinta, este método permite, medir o tempo entre o pulso de excitação e a emissão do
fotão. Inicialmente, a amostra é excitada por um pulso de excitação, e
consequentemente ocorre emissão de um fotão e a transmissão de um sinal start. Este
segue até um discriminador de função constante (CFD), e continua até um conversor de
tempo em amplitude (TAC), dando início a uma rampa de voltagem. Esta vai
aumentando de forma linear com o tempo, na escala dos nanosegundos. De seguida, um
segundo pulso excita a amostra, e um sinal stop é transmitido, que ao atingir o
conversor TAC, para a rampa de voltagem. A voltagem obtida é amplificada e
convertida num valor digital pelo conversor analógico-digital (ADC). Este valor é
armazenado num histograma, por um analisador de multicanais (MCA), como um
evento único do atraso do tempo entre dois pulsos. Este processo repete-se inúmeras
vezes, obtendo-se uma curva de decaimento de fluorescência. O aumento do número de
eventos reflete-se numa maior precisão do decaimento de fluorescência[46,47].
A intensidade de fluorescência de um decaimento pode ser descrita como um
somatório de exponenciais, pela seguinte equação [9, 11, 12]:
) Equação 4
Após determinação da função multi-exponencial que melhor descreve o decaimento
de fluorescência pode-se determinar o tempo de vida médio (τ) de um fluoróforo,
sendo este definido como:
Equação 5
Em que αi e τi representam, respetivamente, a amplitude (pré-exponencial)
normalizada e o tempo de vida da componente i do decaimento [39].
É também possível determinar o tempo de vida pesado pelas amplitudes. Este
parâmetro é proporcional ao rendimento quântico do fluoróforo, podendo também ser
designado de rendimento quântico ponderado pelo tempo de vida [46,47], sendo dado
pela equação,
Equação 6
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
40
Os decaimentos multi-exponenciais fornecem-nos informações, nem sempre
diretas, sobre as propriedades biofísicas e a abundância relativa dos domínios lipídicos
que são responsáveis pela origem de cada tempo de vida observado [15].
Os decaimentos de fluorescência de amostras contendo a sonda t-PnA foram
obtidos através da excitação da amostra a 315 nm, por um NanoLED-320 (Light
Emitting Diode) da Horiba Jobin Yvon, e a emissão recolhida a 404 nm [39]. Foram
utilizadas células de quartzo com dimensões de 0,2 x 1,0 cm, pois estudos anteriores
mostraram que células com estas dimensões são as mais indicadas para este tipo de
medidas, por apresentar uma percentagem do número de contagens do branco no canal
de contagens máximas (CCM) inferior, quando comparadas com outras células de
quartzo [64]. Os decaimentos do t-PnA foram descritos por quatro exponenciais, tendo
sido introduzida uma quinta exponencial fixa a 500 ns de forma a descrever o ruído de
fundo, e garantir que a componente mais longa não resultava de artefactos.
Para os ensaios com o t-PnA, o número de contagens no canal de contagens
máximas foi de 20000. As escalas de tempo utilizadas foram de 0,056 ns/canal;
0,111 ns/canal; e 0,223 ns/canal.
O decaimento de intensidade de fluorescência da amostra foi desconvoluído da
função de resposta instrumental (essencialmente, o perfil de excitação), tendo sido
utilizada uma suspensão de sílica coloidal (Ludox) para esse propósito. Esta suspensão
foi utilizada como dispersante, uma vez que a dispersão de luz é considerada instantânea
na escala de tempo da emissão de fluorescência e da resolução temporal do sistema de
deteção utilizado (50 ps) e portanto foi utilizado um comprimento de onda no
monocrmador de emissão correspondente ao comprimento de onda da radiação
produzida pelo NanoLED, uma e acumulou-se um valor máximo de 50000 contagens.
A análise dos decaimentos de fluorescência experimentais foi realizada com o
programa TRFA (Time-Resolved Fluorescence Analysis) data processor version 1.4
(Minsk, Belarus). O ajuste dos parâmetros aos decaimentos experimentais foi feito
utilizando um método de convolução iterativo de mínimos quadrados não linear baseado
no algoritmo de Marquardt [66]. Utilizou-se o método de análise global, na
caracterização biofísica da membrana de levedura, com o objetivo de separar a emissão
da sonda do efeito de autofluorescência por parte dos componentes das células (por
Materiais e Métodos
41
exemplo, os esteróis) [39]. Este método consiste na aquisição de um decaimento de
intensidade de fluorescência para a amostra com e sem sonda nas mesmas condições,
sendo estes depois analisados em separado. O decaimento da amostra com sonda
apresenta um número maior de componentes, em que algumas dessas componentes são
comuns ao branco (amostra sem sonda). De seguida, os decaimentos são analisados em
simultâneo, e as componentes comuns à amostra e ao branco são forçadas a terem o
mesmo valor de tempo de vida em ambos os decaimentos [15]. Assim, o decaimento
real da amostra com sonda foi obtido subtraindo a pré-exponencial não normalizada do
branco à pré-exponencial da amostra, para o mesmo componente. Quando a pré-
exponencial resultante desta correção não fosse significativamente diferente de zero, a
componente era desprezada, pois correspondia à autofluorescência da célula. A
qualidade do ajuste foi avaliada de acordo com o valor de 2
G reduzido, que se deveria
encontrar entre 1 e 1,5, e pela distribuição aleatória dos resíduos e autocorrelação dos
resíduos ponderados [39].
3.13. Análise da composição lipídica dos extratos lipídicos totais e
purificação dos esfingolípidos por cromatografia de Camada Fina
A análise da composição lipídica dos extratos de lípidos totais e a purificação dos
extratos de esfingolípidos foi realizada recorrendo a uma cromatografia de camada fina
(TLC de thin layer chromatography). Esta técnica cromatográfica baseia-se na
observação da separação de substâncias não voláteis em bandas no adsorvente da
camada fina [67]. Como adsorvente utilizou-se sílica gel, que é um adsorvente polar
muito utilizado na análise de lípidos por TLC. Deste modo, lípidos polares são mais
fortemente adsorvidos do que lípidos não polares, refletindo-se numa taxa de migração
mais rápida para lípidos não polares, e numa migração mais lenta para os lípidos polares
[68].Utilizaram-se como sistemas de solventes clorofórmio/metanol/água (65:25:4,
v/v/v/v) na análise da composição em fosfolípidos, e o sistema
clorofórmio/metanol/ácido acético/água (16:6:4:1,6, v/v/v/v) na análise da composição
em esfingolípidos, não só porque se pretendia fazer uma análise de lípidos polares, mas
também porque se encontra descrito na literatura que este sistema permite uma melhor
separação de esfingolípidos complexos quando comparado com outros sistemas de
solventes polares [69].
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
42
Inicialmente, a placa de sílica gel 20 x 20 cm2 com tamanho de poro de 60 Å
(Merck) foi ativada numa estufa a 100 °C, durante 1 hora. O extrato de lípidos totais e o
extrato de esfingolípidos foram dissolvidos em clorofórmio/metanol (2:1, v/v). Após o
arrefecimento da placa aplicou-se entre 10 - 80 µg de amostra [68] com o auxílio de
uma pipeta automática de 20 µL, em pontos, no caso da análise das diferentes classes de
lípidos presentes nos extratos de lípidos totais, ou segundo uma linha, quando se
realizou uma TLC preparativa [70], utilizada na purificação dos esfingolípidos. A placa
foi colocada numa câmara de TLC previamente saturada com o sistema de solventes, e
deixou-se que o sistema de solventes ascendesse até cerca de 1 cm do topo da placa
[68]. A identificação de bandas foi feita segundo dois métodos, um método não
destrutivo, que consiste na coloração por exposição ao iodo, e um método destrutivo no
qual se utilizou uma solução de ácido fosfomolíbdico 5 % (em etanol, m/v). Pelo
método de exposição ao iodo, uma vez seca, a placa foi colocada numa câmara saturada
com cristais de iodo e, após alguns minutos, as bandas começaram a aparecer
apresentando uma coloração amarela/castanha [68]. A posição das bandas foi descrita
pelo fator de retardação, Rf, que é definido como o quociente da distância da banda em
relação ao ponto de aplicação pela distância entre a frente de solvente e o ponto de
aplicação [71]. Para a purificação dos esfingolípidos complexos, após revelação por
exposição a iodo, as bandas correspondentes a cada um dos esfingolípidos complexos
foram raspadas da placa de TLC e a sílica-gel foi recolhida. Os esfingolípidos foram
recuperados do pó da sílica através de múltiplas extrações com 2 mL do respetivo
sistema de solvente de desenvolvimento, e foram armazenados a -20 °C.
Nas cromatografias usando extratos totais a identificação das diferentes bandas foi
feita por comparação com os seguintes padrões: POPC; DPPE; PI; e erg. Os volumes
aplicados de cada padrão foram: 10 µL de POPC, a uma concentração de 1 mg/mL; 20
µL de PE, a 2 mg/mL; 40 µL de PI, a 1 mg/mL; e 20 µL de ergosterol, a 1,08 mg/mL.
Materiais e Métodos
43
3.14. Microscopia de Força Atómica
A microscopia de força atómica (AFM) foi utilizada com o objetivo de estudar as
propriedades estruturais e morfológicas da membrana reconstruida a partir de extratos
de lípidos totais. De forma sucinta, esta técnica consiste na medida da força entre os
átomos da amostra e os de uma ponta extremamente afiada, que se encontra integrada
no terminal de um cantilever, responsável pela transdução de sinal. As interações entre
a ponta e a amostra são refletidas pela flexão do cantilever, sendo esta flexão
proporcional à força da interação [4]. Deste modo, a técnica de AFM, além de permitir
traçar um perfil topográfico da superfície através de variações na amplitude da
oscilação, possibilita igualmente a aquisição de imagens de fase, que fornecem
informação referente às propriedades elásticas da membrana biológica [72].
Para a formação de bicamadas lipídicas suportadas (SLB) recorreu-se ao método de
fusão de vesículas, e utilizou-se, como substrato, a mica, uma superfície hidrófila
carregada negativamente a pH neutro. Este tipo de substrato apresenta ainda a
particularidade de ser atomicamente liso, tornando-o adequado para a formação de uma
membrana lipídica [73].
Após a formação de SUV’s a partir de extratos lipídicos obtidos pelo método de
extração de Folch et al. provenientes das duas estripes estudadas numa concentração de
0,5 mM (com base apenas no doseamento de fosfolípidos), foi adicionado um
determinado volume de solução de cloreto de cálcio de forma a ficar numa concentração
final de 5 mM na suspensão de vesículas. O ião cálcio é conhecido por estabelecer uma
ponte electroestática entre os grupos negativos presentes nas regiões polares dos lípidos
da membrana e a superfície negativa da mica, favorecendo, assim, a interação entre as
vesículas e o substrato [73,74]. O raio de curvatura muito pequeno das SUV’s contribui
para que estas sejam mais suscetíveis de se romperem e fundirem, facilitando a
formação da SLB [1]. A suspensão de vesículas foi adicionada à mica, e a sua adsorção,
deformação, fusão e rutura ocorreram através da incubação a 60 °C, durante 45 min
[74]. Após este tempo de incubação, a amostra foi arrefecida à temperatura ambiente
por um período de 1 hora, e depois lavada com tampão B, de forma a remover as
vesículas que não se tinham fundido [75].
Em AFM, as medidas foram realizadas in-situ, uma vez que as amostras se
encontravam imersas em tampão. Os cantilevers foram de nitreto de silício (SNL,
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
44
Bruker), com constante de força de, aproximadamente, 0.35 N/m, e possuíam uma
frequência de ressonância em líquido de 26 kHz. As imagens foram adquiridas num
microscópio Multimode Nanoscope IIIa (Digital Instruments, Veeco), à temperatura
ambiente (25 ± 1 °C). Utilizou-se o método de operação de contacto intermitente, tendo-
se mantido o valor da força o mais baixo possível.
As imagens obtidas foram tratadas no software V613r1 (Vecco Instruments), tendo
sido aplicada a função de flattening para que a imagem atingisse um nivelamento
próximo do correto pela remoção de artefactos inevitáveis do processo de aquisição de
imagens por AFM [76].
3.15. Análise estatística
Os resultados encontram-se representados como a média ± desvio padrão de pelo
menos três experiências independentes. A análise estatística dos dados experimentais foi
feita com base no teste t-Student de duas caudas por comparação de dois grupos de
resultados diferentes. As diferenças foram consideradas significativas a partir de um
valor de significância p < 0,05.
Resultados
45
4. Resultados
4.1. Estudo do crescimento de células da levedura S. cerevisiae
Uma vez que se pretendia realizar não só a caraterização biofísica da membrana
plasmática, mas também a extração dos lípidos totais da levedura S. cerevisiae,
tornou-se importante determinar se existiam diferenças no crescimento das duas
estirpes, wt e ipt1Δ, tanto no meio líquido sintético SC, como no meio líquido rico
YPD. Na Figura 11 encontram-se representadas as curvas de crescimento das duas
estirpes nos dois meios a ser utilizados neste trabalho.
Figura 11- Curvas de crescimento das estirpes wt e ipt1Δ. Estirpe wt em meio SC ( ) e em meio YPD
( ) e estirpe ipt1Δ em meio SC ( ) e em meio YPD ( ). As células foram inoculadas a uma densidade
ótica inicial de 0,2 OD600 (1 OD600 ≈ 1,25 x 107 células/mL), e deixadas a crescer a 30 °C com agitação a
160 rpm, sendo o seu crescimento monitorizado pela leitura da absorvência a 600 nm entre curtos
intervalos de tempo. Os valores correspondem à mediana de pelo menos 3 experiências independentes
para cada curva.
Pela comparação da curva de crescimento da estirpe wt com a da estirpe mutada
ipt1Δ, no mesmo meio de crescimento, observou-se que a mutação não afetou o perfil
de crescimento, uma vez que para as duas estirpes se observaram valores semelhantes
de densidade ótica a 600 nm (Figura 11), o que está de acordo com a literatura [55]. Isto
também pode ser comprovado pelos valores dos parâmetros de crescimento celular
obtidos na fase exponencial. Deste modo, no Quadro 2 encontram-se os valores obtidos
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
46
para os parâmetros de crescimento celular, taxa de crescimento (µ) e tempo de geração
ou duplicação (tg), para cada uma das estirpes nos dois meios de cultura estudados.
Quadro 2 – Parâmetros de crescimento celular obtidos a partir da fase exponencial das curvas de
crescimento das estirpes wt e ipt1Δ, nos meios de cultura SC e YPD. Os valores apresentados
correspondem à média ± desvio padrão de pelo menos 3 experiências independentes.
Meio líquido SC Meio líquido YPD
µ (h-1
) tg (h) µ (h-1
) tg (h)
wt 0,416 ± 0,005 1,666 ± 0,021 0,469 ± 0,001 1,478 ± 0,003
ipt1Δ 0,399 ± 0,002 1,739 ± 0,010 0,446 ± 0,011 1,557 ± 0,040
Ambas as estirpes apresentaram valores semelhantes dos parâmetros de crescimento
celular, apesar de em meio líquido YPD, o crescimento ser ligeiramente mais rápido
para a estirpe wt (tg = 1,5 h) quando comparada com a mutada (tg = 1,6 h).
O crescimento de células da mesma estirpe em meio líquido YPD, quando
comparado com o meio SC, não só apresenta uma maior densidade ótica, e portanto,
uma maior quantidade de células, como também o crescimento é mais rápido. Assim, o
meio de crescimento YPD torna-se mais vantajoso na extração de lípidos totais da
levedura, dado que se obtém uma quantidade maior de células, quando comparado com
o meio SC, proporcionando assim a possibilidade de obtenção de uma concentração de
lípido maior. No meio YPD, ao fim de 24 h (na fase estacionária), a estirpe ipt1Δ
apresentou valores de densidade ótica a 600 nm de 19,3 ± 0,5 OD600, que equivale
aproximadamente a 2,4108 células/mL, enquanto a estirpe wt apresentou valores de
densidade ótica a 600 nm de 25,2 ± 1,1 OD600 que equivale aproximadamente a
3,2108 células/mL.
Quanto ao estudo da caraterização biofísica da membrana plasmática das células de
levedura, este foi realizado num meio de cultura SC, não só por ser um meio mais
controlado do que o meio YPD, mas também porque já existia um protocolo otimizado
bem como resultados na literatura que utilizam este meio de cultura [28,39,50]. No
meio de cultura SC, a fase exponencial compreendeu-se no intervalo entre as 3 e 8 horas
Figura 11.
Resultados
47
4.2. Caraterização biofísica da membrana plasmática de levedura com a
sonda t-PnA
Com o intuito de avaliar se a presença do esfingolípido mais complexo M(IP)2C
alterava os domínios ordenados da membrana plasmática, células intactas das duas
estirpes estudadas foram marcadas com uma sonda de membrana, o t-PnA. A
caraterização biofísica da membrana plasmática englobou a realização de medidas de
fluorescência no estado estacionário (espetros de absorção, excitação, emissão e
anisotropia de fluorescência) e no estado transiente.
4.2.1. Espectros de absorção, excitação e emissão do t-PnA
Na Figura 12-A estão representados o espetro de absorção da sonda t-PnA em
etanol, e os espetros de excitação e emissão da sonda t-PnA na membrana plasmática da
levedura S. cerevisiae, assim como as percentagens de branco obtidas para o espetro de
excitação (Figura 12-B) e de emissão (Figura 12-C) do t-PnA.
Figura 12 – Espectros eletrónicos da sonda t-PnA, a 24 °C. A- O espectro de absorção (azul) foi obtido
para o t-PnA em etanol. A vermelho e verde estão representados, respetivamente, os espetros de excitação
e de emissão corrigidos obtidos para a sonda incorporada na membrana plasmática, a uma concentração
celular por mL de 1,95 OD. B- % branco obtida para o espetro de excitação; C- % de branco obtida para o
espetro de emissão. A excitação foi feita a 320 nm, para o espetro de emissão, e a emissão foi detetada a
404 nm, para o espetro de excitação.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
48
O espetro de absorção do t-PnA apresentou uma banda intensa de absorção na zona
do UV (ultravioleta), típica de uma transição eletrónica -*, envolvendo naturalmente
as duplas ligações conjugadas do cromóforo tetraeno. Dentro desta banda é possível
observar 3 picos de absorção, a 287, 300 e 314 nm, sendo o máximo observado a
300 nm (Figura 12-A), o que está de acordo com espetros publicados anteriormente para
o t-PnA em etanol [49]. Estes picos correspondem a transições para diferentes níveis
vibrónicos do estado eletrónico excitado (progressão vibracional) [77].
Em relação ao espetro de excitação, este apresentou, à semelhança do espetro de
absorção, uma banda intensa de excitação, com a mesma progressão vibracional, mas
com um ligeiro desvio para o vermelho, ocorrendo os picos a 293, 305 e 320 nm, sendo
o máximo obtido aos 305 nm (Figura 12-A). O desvio observado entre espetro de
absorção em etanol e o de excitação na membrana plasmática de levedura em cerca de
6 nm resulta da sensibilidade desta sonda à polarizabilidade do microambiente em que
se encontra, uma vez que o seu cromóforo é apolar. Os espetros de excitação desta
sonda foram idênticos tanto na membrana plasmática de células da estirpe wt como na
mutada.
O espetro de emissão apresentou uma banda intensa entre 350 e 550 nm. Contudo,
o espetro de emissão não é simétrico ao espetro de absorção (Figura 12-A). A absorção
caraterística de polienos resulta da transição do estado fundamental (S0) para o estado
excitado de maior energia (S2), sendo esta uma transição permitida por simetria para
determinadas transições vibrónicas. Contudo, após transição de S0→S2 ocorre uma
rápida conversão interna do estado excitado S2 para um estado excitado de menor
energia, provavelmente envolvendo uma isomerização trans-cis, sendo a emissão
resultante de uma transição diferente daquela que ocorreu na excitação [78]. O máximo
de emissão para ambas as estirpes foi atingido a 406 nm.
Obteve-se uma menor percentagem de branco a 320 nm, no caso do espetro de
excitação (Figura 12-B), e a 404 nm, no caso do espetro de emissão (Figura 12-C),
sendo estas de, aproximadamente, 3,4 e 3,0 %, respetivamente. Desta forma as restantes
medidas de fluorescência foram realizadas com a excitação da amostra a 320 nm, e com
a emissão aos 404 nm, garantindo assim que a influência dos restantes componentes
celulares fosse a mínima possível.
Resultados
49
4.2.2. Anisotropia de fluorescência
Sendo o t-PnA uma sonda com uma partição preferencial para domínios muito
ordenados, tais como domínios gel, torna-se relevante a realização de medidas da
anisotropia de fluorescência, uma vez que a partir da dinâmica rotacional desta sonda na
membrana é possível obter uma noção do microambiente em que ela está inserida.
Como até à data não existiam resultados para a anisotropia da sonda t-PnA na
membrana plasmática da estirpe mutada ipt1Δ, e de forma a comparar com os resultados
existentes, quer na literatura quer resultados não publicados obtidos no laboratório onde
esta tese foi desenvolvida, para a estirpe wt, realizaram-se ensaios em diferentes
condições experimentais: ensaio realizado a 24 °C, com incubação da sonda t-PnA a
24 °C; ensaio realizado a 24 °C, com incubação do t-PnA a 30 °C; e ensaio a 30 °C,
com incubação do t-PnA a 30 °C.
Na Figura 13 encontram-se representadas as anisotropias de fluorescência em
estado estacionário da sonda t-PnA na membrana plasmática das estirpes da levedura
S. cerevisiae estudadas, nas diferentes condições experimentais.
Figura 13 – Anisotropia de fluorescência em estado estacionário do t-PnA na membrana plasmática
de células das estirpes wt e ipt1Δ em diferentes condições experimentais. Preto - ensaio realizado a
24 °C, com incorporação da sonda t-PnA a 24 °C; Riscas – ensaio realizado a 24 °C, com incorporação do
t-PnA a 30 °C; Branco – ensaio a 30 °C, com incorporação do t-PnA a 30 °C. As células de ambas as
estirpes encontravam-se na fase exponencial de crescimento, a uma concentração celular por mL de
1,95 OD. As amostras foram excitadas a 320 nm e a emissão de fluorescência detetada a 404 nm. Os
valores correspondem à média ± desvio padrão de pelo menos 4 experiências independentes. *, p < 0,05;
**, p<0,01.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
50
As estirpes wt e a ipt1Δ apresentaram, respetivamente, um valor de anisotropia de
fluorescência do t-PnA de 0,295 ± 0,004 e 0,291± 0,010, no caso em que tanto o ensaio
como a incorporação foram realizados à temperatura ambiente (24 °C), e de
0,285 ± 0,009 e 0,289 ± 0,008, no ensaio realizado à temperatura ótima de crescimento
de leveduras (30 °C), não se observando diferenças significativas na anisotropia de
fluorescência do t-PnA entre as duas estirpes nestas condições experimentais (Figura
13). Estes valores de anisotropia consideravelmente elevados revelam uma baixa
difusão rotacional por parte da sonda t-PnA na membrana plasmática destas duas
estirpes, caraterística de ambientes mais rígidos, o que indica a presença de domínios
ordenados do tipo gel, uma vez que esta sonda tem preferência para este tipo de
domínios [39]. Os valores de anisotropia do t-PnA obtidos, apesar de serem cerca de
1,04 vezes superiores, estão de acordo com os apresentados em estudos recentes para a
estirpe wt [64].
Contudo observou-se uma diferença significativa entre as estirpes wt e ipt1Δ, nos
ensaios realizados a 24 °C, mas com a incubação da sonda a 30 °C (Figura 13). Esta
diferença será melhor discutida na secção de Discussão. O valor de anisotropia do t-PnA
na membrana plasmática da estirpe wt nestas condições experimentais encontra-se de
acordo com o referido no estudo realizado por Bastos et al.[79].
Também é de notar que a anisotropia do t-PnA nos casos em que a incubação do
t-PnA foi feita à mesma temperatura do ensaio exibiu um valor cerca de ca. 5 a 10%
inferior aqueles em que a incubação foi feita a uma temperatura diferente, no caso da
estirpe ipt1Δ (Figura 13). Esta diferença reflete o efeito da temperatura na organização
da membrana quando se transita de temperatura (dos 30 °C para os 24 °C).
4.2.3. Decaimento da intensidade de fluorescência
Sendo o t-Pna sensível a variações na quantidade e composição de domínios
ordenados, através da análise da componente longa e do tempo de vida desta sonda, é
possível detetar a presença deste tipo de domínios.
Recorreu-se a uma análise global não só de forma a obter-se o decaimento real da
sonda na amostra, evitando a in, mas também por este tipo de análise oferecer um
número maior de componentes estatisticamente significativas [15].
Resultados
51
Na Figura 14 encontra-se representada a análise global de um decaimento da
intensidade de fluorescência do t-PnA na membrana plasmática de levedura, bem como
os resíduos e auto-correlação do ajuste.
Figura 14 – Exemplo da análise global de um decaimento de intensidade de fluorescência da sonda
t-PnA na membrana plasmática da estirpe ipt1Δ a 24 °C (A), e dos resíduos do ajuste (B) e davauto-
correlação dos resíduos (C). As células encontravam-se na fase exponencial de crescimento, e a uma
concentração celular por mL de 1,95 OD. Preto - decaimento de fluorescência da sonda t-PnA na
membrana plasmática da levedura; cinzento - decaimento dos componentes da levedura S. cerevisiae
(amostra sem sonda); laranja – melhor ajuste aos pontos experimentais da amostra com sonda; azul -
melhor ajuste aos pontos experimentais da amostra sem sonda. A amostra foi excitada a 315 nm e a
emissão fluorescência detetada a 404 nm. A escala de tempo foi de 0,223 ns/canal. Obteve-se um
2G = 1,49.
Pela Figura 14-A pode-se observar a presença de uma componente longa no
decaimento de intensidade de fluorescência do t-PnA, tal como anteriormente observado
para decaimentos desta sonda na membrana plasmática de outras estirpes desta levedura
obtidos em condições experimentais semelhantes [15,39]. O decaimento do t-PnA foi
descrito por quatro exponenciais.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
52
Figura 15 – Tempo de vida (A), amplitude normalizada da componente longa (B), e tempo de vida
médio de fluorescência (C) do t-PnA na membrana plasmática das estirpes wt e ipt1Δ obtidos a
partir do decaimento da intensidade de fluorescência, em diferentes condições experimentais. Preto-
ensaio realizado a 24 °C, com incorporação da sonda a 24 °C; Riscas – ensaio realizado a 24 °C, com
incorporação do t-PnA a 30 °C; Branco – ensaio a 30 °C, com incorporação do t-PnA a 30 °C. As células
de ambas as estirpes encontravam-se na fase exponencial de crescimento, a uma concentração celular por
mL de 1,95 OD. As amostras foram excitadas a 315 nm e a emissão de fluorescência detetada a 404 nm.
Os valores correspondem à média ± desvio padrão de pelo menos 4 experiências independentes para cada
uma das estirpes. *, p < 0,05; **, p<0,01; ***, p<0,001.
Obteve-se uma componente longa de 34,9 ± 3,1 e 35,3 ± 1,0 ns, respetivamente
para a estirpe wt e ipt1Δ, no caso dos ensaios realizados a 24 °C, com incubação da
sonda t-PnA a 24 °C. Nos ensaios a 30 °C com incubação da sonda t-PnA a 30 °C
obteve-se uma componente longa de 30,5 ± 1,0 e 29,9 ± 0,3 ns respetivamente para a
estirpe wt e ipt1Δ, não se observando diferenças significativas entre ambas as estirpes
(Figura 15-A). Os valores de anisotropia perto de 0,3 eram uma indicação da presença
de domínios muito ordenados na membrana plasmática de células ipt1Δ; os valores
obtidos para a componente longa nas experiências realizadas a 24 °C demonstram
inequivocamente que esses domínios estão numa fase gel, uma vez que estudos em
sistemas modelo [48] bem como na membrana plasmática da levedura [39] mostraram
Resultados
53
que tempos de vida superiores a 30 ns estão associados à presença de fases sólidas
muito ordenadas, isto é domínios gel. A inexistência de diferenças na componente longa
indica uma compactação semelhante dos domínios gel nas duas estirpes. Os valores da
componente longa foram cerca de 1,15 vezes mais baixos do que os apresentados pela
literatura para a estirpe wt [39], sendo que esta diferença será discutida na secção
Discussão.
Pela Figura 15-A pode-se observar também diferenças significativas entre estudos
realizados a 24 °C e a 30 °C para ambas as estirpes, sendo o valor da componente longa
significativamente mais baixo nos ensaios a 30 °C, o que seria de esperar, uma vez que
com o aumento da temperatura há uma consequente diminuição da ordem ou rigidez da
bicamada lipídica. Este comportamento é concordante com os estudos realizados na
membrana plasmática de levedura com a sonda t-PnA, embora o valor apresentado no
presente estudo seja cerca de 1,2 vezes inferior ao da literatura [39]. Esta discrepância
também será abordada mais à frente (secção 5.1 da Discussão).
No caso dos ensaios realizados a 24 °C mas com incorporação da sonda a 30 °C, a
componente longa apresentou valores superiores aos dos restantes ensaios (Figura
15-A). O valor de anisotropia obtido nestas condições experimentais está em
concordância com os resultados do estudo realizado no grupo por Bastos et al.[79].
Não se observaram diferenças significativas entre as amplitudes normalizadas dos
decaimentos de fluorescência obtidos para as duas estirpes nos ensaios realizadas a
24 °C e a 30 °C (Figura 15-B), apesar de o valor médio ser superior no caso das células
ipt1Δ a 30ºC. Isto mostra que a abundância relativa dos domínios de gel não é afetada
pela ausência do esfingolípido complexo M(IP)2C. O facto de a amplitude normalizada
permanecer a mesma nos ensaios realizados a 24 °C e a 30 °C em células wt foi
previamente mostrado por Aresta-Branco et al.[39]. Contudo, no ensaio a 24ºC com
incorporação a 30ºC, observou-se que a amplitude normalizada do t-PnA na membrana
plasmática de células wt era significativamente superior ao valor obtido para células
ipt1Δ, o que indica que a abundância dos domínios gel, é mais afetada pelo decréscimo
de temperatura na ausência de M(IP)2C.
Apesar de a amplitude normalizada da componente longa ser inferior à das outras
componentes, a contribuição para o decaimento da intensidade de fluorescência foi
muito significativa, uma vez que se observou um tempo de vida longo, e o tempo de
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
54
vida médio de fluorescência foi consideravelmente elevado (Figura 15-B) quando
comparado com o valor obtido em outras células também marcadas com a sonda t-PnA
[15].
Pela Figura 15-C não se observaram diferenças significativas entre ambas as
estirpes. Obteve-se um tempo médio de vida de 25 ns para ambas as estirpes nos
ensaios a 24 °C e a 30 °C, o que é consistente com resultados da literatura para a estirpe
wt [39]. Mais uma vez, foram visíveis diferenças significativas entre o ensaio realizado
a 24 °C mas com incorporação da sonda a 30 °C e os restantes ensaios, tendo os valores
do tempo médio de vida obtidos no presente trabalho sido cerca de 1,3 vezes superiores
aos obtidos no estudo realizado no grupo por Bastos et al. [79] nas mesmas condições.
O facto de os valores terem sido superiores aos obtidos por estudos realizados
anteriormente nos grupos de investigação onde decorreu este trabalho pode ser devido
ao facto de ter sido necessário uma escala de tempo de 0,223 ns/canal para os
decaimentos de fluorescência das amostras do presente estudo, que foi diferente da
escala de tempo utilizada no estudo de Bastos et al.[79], de 0,111 ns/canal. Não só esta
diferença do tempo médio de vida, como também a das componentes longas dos
decaimentos nos ensaios a diferentes temperaturas será discutida na secção 5.1 da
Discussão.
À semelhança dos resultados das medidas de anisotropia descritos na secção 4.2.2,
não se observaram diferenças significativas entre as duas estirpes, indicando que a
presença do esfingolípido complexo M(IP)2C não afeta a quantidade relativa de
domínios ordenados na membrana plasmática.
Outro parâmetro que foi determinado foi o tempo de vida médio pesado pelas
amplitudes (Figura 16).
Resultados
55
Figura 16 – Tempo de vida médio pesado pelas amplitudes do t-PnA na membrana plasmática das
estirpes wt e ipt1Δ. Os valores foram obtidos a partir do decaimento da intensidade de fluorescência, em
diferentes condições experimentais. Preto - ensaio realizado a 24 °C, com incorporação da sonda a 24 °C;
Riscas – ensaio realizado a 24 °C, com incorporação do t-PnA a 30 °C; Branco – ensaio a 30 °C, com
incorporação do t-PnA a 30 °C. As células de ambas as estirpes encontravam-se na fase exponencial de
crescimento, a uma concentração celular por mL de 1,95 OD. As amostras foram excitadas a 315 nm e a
emissão fluorescência detetada a 404 nm. Os valores correspondem à média ± desvio padrão de pelo
menos 4 experiências independentes. *, p < 0,05.
Apesar de no ensaio a 24 °C, o tempo médio de vida pesado pelas amplitudes ( )
não apresentar diferenças significativas, nos ensaios com incorporação da sonda a 30ºC
observou-se que este parâmetro era cerca de 1,16 vezes inferior na estirpe ipt1Δ em
comparação com a wt (Figura 16). Dado que o é proporcional ao rendimento quântico
da sonda na membrana [47], pode-se dizer o t-PnA tem um rendimento quântico
ligeiramente inferior na membrana plasmática da estirpe ipt1Δ, uma vez que apesar de
esta diferença não ser estatisticamente significativa quando a medição foi efetuada a
24 ºC, ela torna-se significativa (p < 0,05) quando a incorporação da sonda é feita a
30 ºC. Esta diferença pode ser explicada pelo facto de se ter observado que amplitude
normalizada da componente longa do t-PnA na membrana plasmática de células wt era
superior em relação a células ipt1Δ (Figura 15-B), indicando que a abundância dos
domínios gel é mais afetada por alterações da temperatura na ausência de M(IP)2C.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
56
4.3. Caraterização biofísica da membrana plasmática da levedura com a
sonda DPH
Com o intuito de perceber como a membrana plasmática de forma global
responde à ausência do esfingolípido complexo M(IP)2C, a membrana plasmática
também foi marcada com a sonda DPH, uma sonda sensível às propriedades globais da
membrana, não apresentado partição preferencial por um tipo de domínio em particular.
Apenas foram realizaram medidas de fluorescência em estado estacionário com o DPH,
uma vez que os tempos de vida desta sonda são muito menos sensíveis à compactidade
e natureza dos domínios que o t-PnA, exceto em casos em que haja uma perturbação da
bicamada tão forte que ocorra a penetração de água até perto do centro da bicamada
[80].
4.3.1. Espectros de absorção, excitação e emissão do DPH
Na Figura 17-A estão representados o espetro de absorção da sonda DPH em
metanol, e os espetros de excitação e emissão do DPH na membrana plasmática da
levedura S. cerevisiae, assim como as percentagens de branco obtidas para o espetro de
excitação (Figura 12-B) e de emissão (Figura 12-C) do DPH.
À semelhança da sonda t-PnA, o espetro de absorção do DPH em metanol
apresentou uma banda intensa de absorção com 3 picos vibrónicos a 336, 352, e 371 nm
(Figura 17-A). No espetro de excitação do DPH na membrana plasmática da estirpe
ipt1Δ ocorreu um desvio de cerca de 6 nm para o vermelho relativamente ao espetro de
absorção da sonda em metanol, dando-se o máximo de excitação a 377 nm (Figura 17-
A), sendo este desvio devido ao aumento de polarizibilidade do microambiente
relativamente ao solvente orgânico [46].
Resultados
57
Figura 17- Espectros eletrónicos da sonda DPH, a 24 °C. A - O espectro de absorção (azul) foi obtido
para o DPH em metanol. A vermelho e verde estão representados, respetivamente, os espetros de
excitação e de emissão corrigidos para a sonda incorporada nas membranas da levedura S. cerevisiae, a
uma concentração celular por mL de 1,95 OD. B - % branco obtida para o espetro de excitação; C- % de
branco obtida para o espetro de emissão. A excitação foi feita a 358 nm, para o espetro de emissão, e a
emissão foi detetada a 430 nm, para o espetro de excitação.
Do mesmo modo, o espetro de emissão do DPH apresentou uma banda intensa
que, ao contrário do observado com a sonda t-PnA, apresentou 3 picos de emissão a
406, 428, e 452 nm, sendo o máximo observado aos 428 nm (Figura 17-A). É também
notável o reduzido desvio de Stokes observado entre o espetro de absorção e o de
emissão. No caso do DPH, o espetro de emissão mostrou-se simétrico ao de absorção
(Figura 17), indicando que o espaçamento entre os níveis de energia vibracionais no
estado excitado é semelhante ao do estado fundamental [46]. Os espetros de excitação e
de emissão desta sonda foram idênticos tanto na membrana plasmática de células da
estirpe wt como na ipt1Δ.
Obteve-se uma menor percentagem de branco a 358 nm, no caso do espetro de
excitação (Figura 17-B), e a 430 nm, no caso do espetro de emissão (Figura 17-C),
sendo estas de, aproximadamente, 1,0 e 1,4 %, respetivamente. Desta forma as medidas
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
58
de anisotropia de fluorescência foram realizadas com a excitação da amostra a 358 nm,
e com a emissão a 430 nm, para que a influência dos restantes componentes celulares
fosse a mínima possível.
4.3.2. Anisotropia de fluorescência em estado estacionário
Realizaram-se também medidas de anisotropia de fluorescência em estado
estacionário com a sonda DPH, de forma a obter informação relativa à ordem global da
membrana plasmática das duas estirpes estudadas, visto que a observação de um
aumento da anisotropia da sonda, reflete a presença de uma membrana mais ordenada.
Figura 18- Anisotropia de fluorescência em estado estacionário do DPH na membrana plasmática
de células wt e ipt1Δ na fase exponencial e estacionária do crescimento celular. Barra preta – células
da estirpe wt; barra branca – células da estirpe ipt1Δ. Os ensaios foram realizados a 24 °C e a uma
concentração celular por mL de 1,95 OD. As amostras foram excitadas a 358 nm e a emissão
fluorescência detetada aos 430 nm. Os valores correspondem à média ± desvio padrão de, pelo menos, 3
experiências independentes. **, p<0,01; ***, p<0,001.
Como se pode ver pela Figura 18, a anisotropia de fluorescência do DPH aumentou
significativamente nas células da estirpe ipt1Δ, quando comparadas com células da
estirpe wt, revelando assim que a estirpe ipt1Δ, e consequentemente a ausência de
M(IP)2C, leva a uma ordem global maior da membrana plasmática. Os valores
apresentados para a estirpe wt estão de acordo com resultados recentes para a sonda
DPH [39,50]. Nas células ipt1Δ os valores de anisotropia desta sonda são superiores aos
obtidos para as células wt à semelhança do observado nas células de outras estirpes com
mutações em genes envolvidos no metabolismo lipídico, como as células erg6Δ e scs7Δ
[39].
Resultados
59
Outro aspeto interessante recai no facto de o valor de anisotropia de fluorescência
não ser afetado pela fase de crescimento em que as células se encontram, isto é não se
observaram diferenças entres a fase exponencial e a estacionária de crescimento da
mesma estirpe (Figura 18), apesar de estar descrito na literatura que o lipidoma sofre
algumas alterações consoante a fase de crescimento [20], o que pode resultar da
capacidade da levedura para ajustar a sua composição lipídica de forma a manter uma
certa ordem da membrana.
4.4. Otimização das condições experimentais de extração de lípidos totais
Uma vez que um dos objetivos desta tese de mestrado passava pela extração de
lípidos totais da levedura S. cerevisiae, e consequente extração e purificação dos
esfingolípidos complexos, inicialmente optou-se por um método de extração que
favorecesse ao máximo a extração desta classe de lípidos. Estudos de Hanson e Lester
mostraram que para a extração de lípidos muito polares como os esfingolípidos
complexos era necessário um método de extração que utilizasse uma mistura de
solventes rica em água [56]. Também por estudos destes autores, mostrou-se que a
extração com uma mistura de etanol/água (4:1, v/v) a 100 °C era mais eficiente quando
comparada com outros métodos, apresentando uma percentagem superior a 90 % de
lípidos totais extraídos, não se tendo observado diferenças, em termos da quantidade de
lípidos extraídos, entre as experiências realizadas tanto na fase exponencial como na
fase estacionária de crescimento [56].
Desta forma começou-se por realizar a extração dos lípidos totais pelo método de
Hanson e Lester (ver mais detalhes na secção 3.7.1 dos Materiais e Métodos). Partindo
de um precipitado de células intactas lavadas com cerca de 5 g obteve-se um extrato de
lípidos totais com uma massa de 0,25 ± 0,034 e 0,26 ± 0,05 g para a estirpe wt e ipt1Δ,
respetivamente. Durante a dissolução do extrato lipídico numa mistura de
clorofórmio/metanol (2:1, v/v) não foi possível dissolver toda a massa do extrato. Isto
está de acordo com a literatura, que refere que métodos de extração com misturas de
solventes ricas em água levam à extração não só de lípidos mas também de uma
quantidade considerável de material não lipídico que é mais polar que a maioria dos
fosfolípidos da levedura [56,58]. Através da quantificação dos lípidos do extrato pelo
método de doseamento do fosfato inorgânico (explicado na secção 3.9. dos Materiais e
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
60
Métodos) obteve-se uma concentração de fosfolípidos de 3,6 ± 1,4 e 5,0 ± 1,3 mM num
volume de 7 mL para a estirpe wt e ipt1Δ (n=5), respetivamente.
Também por estudos de Hanson e Lester [56] mostrou-se que extrações com
misturas como clorofórmio/metanol falhavam ao não conseguir uma extração completa,
sendo os piores resultados obtidos na fase estacionária (< 14 % dos lípidos totais
extraídos). Foram ainda apontados outros problemas associados a este método clássico
de extração lipídica que residem no facto de não serem muito eficientes na extração de
lípidos a partir de células intactas, e de poderem levar à ativação de fosfolipases durante
o procedimento de extração [56]. Se, de facto, a lise de células com solventes neutros,
como o metanol, levar à ativação de fosfolipases, isto pode afetar a proporção de
fosfolípidos nos extratos de lípidos totais obtidos por este método. Assim, de seguida,
com o intuito de perceber se de facto o método de extração de Hanson e Lester era o
mais adequado para o presente estudo, realizaram-se também extrações pelo método
clássico de extração proposto por Folch et al. Muito sucintamente este método envolve
a utilização de 20 vezes o volume da mistura clorofórmio/metanol (2:1, v/v) por volume
de precipitado de células lisadas. Contudo este método requereu um longo processo de
otimização das condições experimentais de forma a obter-se uma concentração que
fosse razoável (concentração em fosfolípidos superior a 0,1 mM) para a realização das
medidas de fluorescência. Contrariamente às células animais para as quais o método de
Folch et al. foi proposto, as células de levedura possuem parede celular que tem que ser
destruída para haver uma extração eficaz dos lípidos.
No Quadro 3 encontra-se um resumo das alterações ao protocolo de extração de
Folch et al., sendo apresentadas as concentrações com base no doseamento dos
fosfolípidos dos extratos lipídicos obtidos pelas diferentes modificações.
Resultados
61
Quadro 3 - Alterações ao protocolo proposto por Folch et al. [57,58] e respetivos valores da
concentração em fosfolípidos obtida para os extratos de lípidos totais de células da estirpe wt e ipt1Δ
da levedura S. cerevisiae. As células de ambas as estirpes cresceram em meio líquido YPD durante 24 h,
encontrando-se assim na fase estacionária. A extração foi realizada a partir de um precipitado de células
intactas de 5 g segundo uma variante do método de extração de Folch et al. [57,58]. Todos os extratos
foram dissolvidos em cerca de 6 mL de clorofórmio/metanol (2:1, v/v). A concentração de fosfolípidos
foi determinada pela quantificação do fosfato inorgânico (secção 3.9 dos Materiais e Métodos).
Alterações ao protocolo proposto por Folch et al.
Estirpe [Pi] do extrato
lipídico (mM) Número de ciclos de
vórtex – gelo Adição de DTT 10 mM
3 - wt 0,021
ipt1Δ 0,010
7 - wt 0,024
ipt1Δ 0,017
7 + wt 0,320
ipt1Δ 0,406
Inicialmente a lise celular foi feita pela adição de um volume de esferas de vidro
equivalente ao volume ocupado pelo precipitado de células intactas lavado, assumindo
que 1 g de precipitado equivale a 1 mL [58], seguida de 3 ciclos de 2 min no vórtex -
2 min no gelo. Este passo mostrou ser pouco eficiente pois obteve-se uma concentração
em fosfolípidos de 0,021 e 0,010 mM para os extratos da estirpe wt e ipt1Δ
respetivamente. De seguida optou-se por aumentar o número de ciclos de vórtex – gelo
para 7 tendo-se obtido extratos lipídicos de células de wt e ipt1Δ com concentração em
fosfolípidos de 0,024 e 0,017 mM respetivamente. Este aumento para além de não
aumentar a concentração em fosfolípidos, também se mostrou ser insuficiente para a lise
da parede celular através da observação do lisado de células ao microscópio ótico, o que
está de acordo com os dados da literatura que referem que células de levedura na fase
estacionária de crescimento apresentam uma parede celular muito espessa [81] .
Deste modo, investigou-se se a adição do agente redutor DTT, bastante eficaz na
formação de esferoblastos (células de levedura às quais foi removida a parede celular)
na fase estacionária de crescimento, quando comparado com outros agentes redutores,
melhorava de alguma forma a extração de lípidos totais [82]. Este agente redutor leva à
redução de ligações persulfureto das proteínas da parede celular, conhecidas por
apresentar um papel importante na integridade da parede celular da levedura [82].
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
62
Obteve-se 0,320 e 0,406 mM de concentração em fosfolípidos para os extratos obtidos a
partir de células wt e ipt1Δ respetivamente. Assim a adição de DTT ao precipitado de
células aumentou em cerca de 15 vezes a concentração em fosfolípidos dos extratos de
wt obtidos pelo primeiro procedimento experimental do método de Folch et al. É
também importante referir que, contrariamente ao extratos obtidos pelo método de
Hanson e Lester, não houve quaisquer dificuldades na dissolução do extrato de lípidos
obtidos pelo método de Folch et al. modificado em 6 mL de clorofórmio/metanol (2:1,
v/v), indicando que a lavagem com uma solução salina é de facto necessária para a
remoção de material não lipídico, o que mais uma vez se encontra de acordo com a
literatura [58].
No Quadro 4 encontra-se um resumo dos valores de massa do extrato lipídico,
da concentração em fosfatos do extrato lipídico, e da massa de lípido em mg por mL dos
extratos lipídicos obtidos pelos dois métodos de extração de lípidos totais utilizados no
presente trabalho, para as duas estirpes estudadas.
Quadro 4- Resumo dos resultados obtidos pelos dois métodos de extração de lípidos totais de células
da estirpe wt e ipt1Δ da levedura S. cerevisiae. As células de ambas as estirpes cresceram em meio
líquido YPD durante 24 h, encontrando-se assim na fase estacionária de crescimento. A extração foi
realizada a partir de um precipitado de células intactas de 5 g segundo variantes dos métodos de
extração de Hanson e Lester [56], e Folch et al. [57,58] conforme o descrito na secção 3.7 dos Materiais e
Métodos. A concentração de fosfolípidos foi determinada pela quantificação dos fosfatos (secção 3.9 dos
Materiais e Métodos). Os valores apresentados representam a média ± desvio padrão de pelo menos 5
experiências independentes para cada uma das estirpes.
Método de Hanson e Lester Método de Folch et al.
Estirpe wt ipt1Δ wt ipt1Δ
Massa do extrato
lipídico (mg) 247,9 ± 33,6 262,2 ± 51,7 82,4 ± 6,0 66,8 ± 9,0
mol de Pi do extrato
lipídico 22,8 ± 9,2 29,8 ± 7,6 1,9 ± 0,6 2,4 ± 1,5
Dissolvendo o extrato de lípidos totais da estirpe wt e ipt1Δ em cerca de 6 mL,
este continha aproximadamente 13,7 e 11,1 mg de lípido/mL, respetivamente. Dados da
literatura referem que os extratos lipídicos por este método de extração permitem a
Resultados
63
obtenção de aproximadamente 0,1-1,0 mg de lípido/mL [58], sendo que o valor do
extrato lipídico obtido a partir de células wt no presente trabalho é 13,7 vezes superior
ao valor máximo apresentado pela literatura [58]. Esta diferença pode-se dever ao facto
de se ter partido de uma massa de precipitado de cerca de 5 g, enquanto nas
experiências realizadas por Schneiter et al., se partia de precipitados entre 0,5 - 2 g, para
além de que foram realizadas algumas alterações experimentais ao método de extração
utilizado por estes autores [58]. Em relação aos extratos obtidos pelo método de Hanson
e Lester, estes apresentaram uma massa total de lípido cerca de 3 vezes superior ao
valor obtido pelo método de Folch et al. no caso da estirpe wt. A comparação dos dois
métodos de extração será feita na secção 5.2 da Discussão.
As experiências a partir das quais se obtiveram os resultados que se apresentam
nas secções que se seguem foram desenvolvidas com base numa concentração lipídica
que é uma estimativa que tem em conta o doseamento de fosfolípidos e dados da
literatura que referem que a proporção de ergosterol/fosfolípidos é próxima de
1 (mol/mol) [8,24,27], como já foi referido na secção 3.11. dos Materiais e Métodos.
Como tal, doravante, e se nada for referido em contrário, a concentração lipídica
apresentada corresponderá ao dobro daquela determinada pelo método de doseamento
de fosfatos.
4.5. Análise lipídica dos extratos de lípidos totais e de esfingolípidos
De forma a averiguar a composição lipídica dos extratos lipídicos obtidos pelos dois
métodos de extração referidos na secção anterior a partir das duas estirpes estudadas
realizou-se uma cromatografia de camada fina.
Os vários lípidos presentes nos extratos lipídicos obtidos pelos dois métodos de
extração foram separados e identificados usando cromatografia em camada fina (Figura
19).
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
64
Figura 19 - Análise da composição em glicerofosfolípidos dos extratos lipídicos totais das estirpes wt
e ipt1Δ, por TLC. Utilizou-se placas cromatográficas de sílica-gel e o sistema de solventes
clorofórmio/metanol/água (65:25:4, v/v/v). 1 - Extrato de lípidos totais de células wt pelo método de
Hanson e Lester; 2 - Extrato de lípidos totais de células ipt1Δ pelo método de Hanson e Lester; 3 - POPC;
4 - DPPE; 5 - PI; 6 - PS; 7 - Ergosterol; 8 - Extrato de lípidos totais de células ipt1Δ pelo método de
Folch et al.; 9 - Extrato de lípidos totais de células wt pelo método de Folch et al.; O – Origem da
aplicação. Os lípidos foram detetados pelo método de coloração com ácido fosfomolibdico (A) e de
exposição a iodo (B). A distância entre o ponto de aplicação e a frente de solvente foi de 16 cm.
Relativamente à composição em glicerofosfolípidos dos extratos lipídicos totais,
pela Figura 19 observou-se que os extratos lipídicos obtidos para ambas as estirpes pelo
método de Hanson e Lester apresentaram uma composição semelhante, não se
observando uma diferença acentuada entre as várias bandas. O mesmo se observou para
os extratos lipídicos totais de ambas as estirpes obtidos pelo método modificado de
Folch et al.. Contudo os extratos lipídicos obtidos pelos dois métodos de extração
apresentaram diferenças bem pronunciadas no número de bandas, pois os extratos de
lípidos totais obtidos pelo método de Folch et al. apresentaram mais quatro bandas que
os extratos obtidos pelo método de Hanson e Lester, o que já seria de esperar uma vez
que o método de Folch et al. favorece a extração dos vários glicerofosfolípidos [58],
enquanto o outro método utiliza uma mistura muito polar não favorecendo tanto a
extração dos glicerofosfolípidos.
A deteção das bandas também foi feita pelo método de exposição ao iodo, contudo
o método de coloração com ácido fosfomolíbdico revelou-se mais eficiente, ainda que
seja um método destrutivo (Figura 19).
A B
Resultados
65
De seguida determinou-se o valor do fator de retardação da banda obtida para cada
padrão utilizado (Quadro 5).
Quadro 5 – Fatores de retardação das bandas obtidas para cada um dos padrões de lípidos
utilizados: POPC, DPPE, PI, PS, Erg. A distância entre o ponto de aplicação e a frente de solvente foi
de 16 cm.
Padrões Rf
Erg 0,80
PE 0,41
PC 0,25
PS 0,22
PI 0,19
A ordem com que os padrões migraram está de acordo com dados da literatura [1]
sendo o ergosterol o lípido que apresenta um maior Rf, neste sistema de solvente, e por
isso o lípido que migrou mais.
Comparando as bandas obtidas para os extratos com as bandas dos padrões foi
possível identificar-se alguns dos constituintes lipídicos da amostra (Figura 19 e Quadro
5).
Quadro 6- Fatores de retardação das várias bandas obtidas para cada uma das amostras. A sua
identificação foi feita por comparação com os Rf’s dos padrões de lípidos utilizados. A distância entre o
ponto de aplicação e a frente de solvente foi de 16 cm.
Rf
Método de extração de Hanson e Lester Método de extração de Folch et al.
wt ipt1Δ wt ipt1Δ
PI 0,19 0,18 0,16 0,16
PS 0,19 0,18 - 0,24
PC 0,28 0,26 0,28 0,28
PE 0,41 0,43 0,41 0,41
Erg 0,81 0,81 0,80 0,80
LN 0,88 0,88 0,86 0,86
X - - 0,63 0,64
Os extratos lipídicos obtidos neste trabalho apresentaram os principais
glicerofosfolípidos (PI, PS, PC, e PE) e ergosterol. Os lípidos neutros foram
identificados com base na ordem de migração apresentada pela literatura [83,84].
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
66
Observou-se ainda uma banda muito intensa, assinalada como banda X, presente nos
extratos de lípidos totais obtidos pelo método de Folch et al., podendo esta banda
corresponder a uma contaminação dos extratos (Figura 19).
De seguida, como um dos objetivos deste trabalho era tentar extrair e purificar os
esfingolípidos complexos, realizou-se uma hidrólise alcalina do extrato de lípidos totais
de forma a remover os glicerofosfolípidos pela hidrólise das ligações éster [21], e
procedeu-se à sua separação por TLC (Figura 20).
Figura 20- Análise da composição em esfingolípidos dos extratos de esfingolípidos complexos das
estirpes wt e ipt1Δ. Os extratos foram obtidos pelo método de Hanson e Lester a partir das estirpes wt (A)
e ipt1Δ (B) e para a separação por TLC em sílica-gel utilizou-se o sistema de solventes
clorofórmio/metanol/ácido acético/água (16:6:4:1,6, v/v/v/v). Separação dos esfingolípidos usando o
mesmo sistema de solventes apresentado por Uemura et al. [69] (C). O – Ponto da aplicação. LN- Lípidos
neutros. Os lípidos foram detetados pelo método de revelação de exposição ao iodo. A distância entre o
ponto de aplicação e a frente de solvente foi de 16 cm.
A TLC dos extratos de esfingolípidos complexos revelou cinco bandas no caso dos
extratos provenientes de células de estirpe wt (Figura 20- A) e quatro no caso de células
ipt1Δ (Figura 20- B). Por comparação com a TLC apresentada por Uemura et al. a
primeira banda do extrato de SL de células wt correspondeu ao M(IP)2C, uma vez que
este esfingolípido complexo sendo bastante polar vai migrar menos ficando próximo da
origem [59,69]. Por outro lado esta banda não está presente no extrato de SL de células
ipt1Δ, o que confirma a identificação da banda, dado que esta estirpe não expressa o
enzima necessário ao passo de conversão de MIPC em M(IP)2C. As duas bandas
Resultados
67
seguintes dos extratos de SL das duas estirpes estudadas corresponderam
respetivamente à MIPC e IPC, por comparação com os dados da literatura (Figura 20-
C). É importante referir que a identificação das bandas de esfingolípidos obtidas por
Uemura et al. (Figura 20-C) foram obtidas por autoradiografia dos lípidos marcados
radioactivamente (método de revelação mais sensível), e por isso parece haver mais
quantidade de esfingolípidos quando comparada com as TLC realizadas no presente
trabalho. A última banda corresponde a lípidos neutros e, eventualmente, a ergosterol,
dado que quando se realizou uma TLC dos extratos de lípidos totais neste sistema de
solvente (dados não mostrados), por comparação com os padrões, observou-se que o
ergosterol migrava com a frente de solvente.
Segundo os resultados de Uemura et al., a incubação das células num meio de
cultura com CaCl2 numa concentração final de 100 mM durante 1 h a 30 °C deveria
melhorar a separação dos esfingolípidos complexos utilizando o mesmo sistema de
solvente que foi utilizado na TLC apresentada na Figura 20. Contudo não se observaram
quaisquer diferenças na separação dos esfingolípidos por TLC entre os extratos obtidos
a partir de células incubadas num meio de cultura com e sem CaCl2 (dados não
mostrados).
De forma a confirmar se a purificação dos esfingolípidos tinha sido eficaz tentou-se
analisar cada uma das bandas obtidas por ESI-MS, mas por problemas de contaminação
do capilar de injeção da amostra, obtiveram-se espetros de massa com bastante ruído
(picos com intensidades muito elevadas) que impediram a visualização e identificação
dos picos da amostra.
4.6. Transição de fase do extrato de lípidos totais com a sonda t-PnA
De forma a se obter informação relativa a propriedades termotrópicas dos extratos
de lípidos totais obtidos realizaram-se medidas de anisotropia de fluorescência da sonda
t-PnA em função da temperatura. Esta sonda tem sido incluída neste tipo de estudo por
reportar uma transição gel-fluido [39,54,77].
Inicialmente começou-se por realizar um processo de otimização que passou não só
pela determinação da concentração de lípido a usar de MLV’s como pela escolha da
razão sonda/lípido a utilizar da sonda t-PnA, de forma minimizar a percentagem de
branco da amostra nas medidas de fluorescência. No Quadro 7 estão representados os
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
68
valores de anisotropia, bem como as percentagens de branco nas diferentes condições
experimentais.
Quadro 7 – Otimização das condições experimentais das medidas de anisotropia de fluorescência
para a sonda t-PnA quando incorporada nas MLV’s preparadas a partir dos extratos lipídicos
obtidos pelo método de extração de Hanson e Lester a partir da estirpe wt.
[MLV]*
(mM) <r>
% de branco Razão
sonda/lípido
(mol/mol)
em
(nm) VV VH HH HV
0,4 (0,2) 0,21 17,7 22,4 22,6 22,8 1:200 404
0,4 (0,2) 0,22 12,5 16,8 17,3 17,4 1:200 430
0,4 (0,2) 0,23 8,7 11,6 11,8 12,0 1:100 404
0,4 (0,2) 0,25 7,0 10,0 10,0 10,7 1:100 430
0,2 (0,1) 0,23 22,3 28,0 28,7 29,4 1:200 404
0,2 (0,1) 0,23 26,4 33,7 33,4 33,7 1:200 430
0,2 (0,1) 0,24 14,5 19,5 20,2 20,8 1:100 404
0,2 (0,1) 0,23 12,8 17,8 18,2 18,5 1:100 430
* Concentração lipídica corresponde a uma estimativa feita com base na informação de que a proporção
de ergosterol/fosfolípidos é próxima de 1 (mol/mol). Entre parenteses encontra-se representada a
concentração com base no doseamento em fosfolípidos.
De acordo com os valores apresentados obteve-se uma percentagem mais baixa
das várias componentes das medidas de anisotropia no ensaio com MLV’s a 0,4 mM,
uma razão sonda/lípido de 1:100 e em que a emissão foi recolhida a 430 nm. Deste
modo os resultados que serão apresentados doravante foram realizados nestas
condições.
Apesar de apenas ser apresentada a curva de anisotropia de fluorescência em
função da temperatura para o t-PnA incorporado em MLV preparadas a partir de
extratos de lipídicos obtidos pelo método de Folch et al. provenientes de células da
estirpe ipt1Δ (Figura 21), as curvas obtidas para os restantes extratos tiveram o mesmo
tipo de comportamento, sendo portanto esta curva representativa da anisotropia em
função da temperatura dos extratos obtidos pelos dois métodos de extração a partir das
estirpes estudadas.
Resultados
69
Figura 21- Anisotropia (●,●) e intensidade (●) de fluorescência representativa da sonda t-PnA em
função da temperatura, em MLV’s construídas através de extratos de lípidos totais obtidos pelo
método de Folch et al. a partir de células da estirpe ipt1Δ. A azul está representado os valores de
anisotropia obtidos tendo sido subtraído a cada componente da amostra (HH, HV, VH, e VV) o respetivo
valor de branco (amostra sem sonda); a verde está a anisotropia da amostra sem a subtração do respetivo
branco; e a verde encontra-se representada a intensidade de fluorescência da amostra. A excitação foi
realizada a 320 nm, e a emissão foi recolhida a 430 nm. A concentração lipídica das MLV’s foi de
0,4 mM e a razão sonda/lípido foi de 1:100. A temperatura foi obtida através da termostatização do porta-
células, sendo controlada com uma precisão de 0,1 °C.
Pela Figura 21 podemos ver que no caso da sonda t-PnA o parâmetro da
anisotropia de fluorescência é menos sensível à temperatura do que a intensidade, o que
está de acordo com a literatura [77]. Isto deve-se ao facto de a anisotropia não ser
proporcional à quantidade de sonda em cada fase, como ocorre para a intensidade, mas
sim à sua emissão[77]. Tendo em conta que a sonda t-PnA reflete a preferência da sonda
pela fase gel, a perda de intensidade de fluorescência pode ser devida a uma baixa
quantidade de domínios gel nos MLV’s construídos a partir dos extratos, apesar de
também ocorrer alguma degradação da sonda ao longo da experiência.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
70
Figura 22- Espetros de excitação (vermelho) e emissão (verde) corrigidos do t-PnA incorporado em
MLV’s de extratos de lípidos totais. Os espetros de cores mais escuras foram obtidos a 24 °C, enquanto
os de cores mais claras foram obtidos a 4 °C. Fez-se um inset dos espectros de excitação e emissão
normalizados, obtidos a 24 °C. A – Espectros de excitação e emissão; B - % branco obtida para o espetro
de excitação; C- % de branco obtida para o espetro de emissão. A excitação foi feita a 320 nm, para o
espetro de emissão, e a emissão foi detetada a 430 nm, para o espetro de excitação.
Como já foi referido e como se pode ver pela Figura 22, um dos problemas que se
levantou no estudo das propriedades termotróficas de MLV’s construídos a partir de
extratos foi que com a diminuição da temperatura a intensidade de fluorescência
também diminuía. Com a diminuição da fluorescência da sonda, a emissão da amostra
passou a corresponder à emissão da fluorescência dos vários componentes das MLV’s
na ausência de sonda (branco), sendo que a temperaturas muito elevadas (50 °C)
obteve-se percentagens de branco superiores a 50 %.
A razão pela qual não foi possível obter uma curva de anisotropia de fluorescência
em função da temperatura será discutida na secção Discussão.
Resultados
71
4.7. Transição de fase de extratos de lípidos totais com a sonda DPH
Como a sonda t-PnA não permitiu determinar uma temperatura de transição de fase
dos extratos de lípidos totais obtidos, optou-se por utilizar uma sonda também muito
usada neste tipo de experiências, o DPH.
A Figura 23 mostra a variação da anisotropia da sonda DPH em lipossomas
preparados a partir de extratos lipídicos de células das duas estirpes de levedura
estudadas em função da temperatura (entre os 4 e os 65 °C).
Figura 23- Anisotropia de fluorescência em estado estacionário da sonda DPH em função da
temperatura em MLV’s reconstituídas a partir dos extratos de lípidos totais de células da estirpe wt
(cinzento) e ipt1Δ (preto) obtidos pelo método de extração de Folch et al.[57,58]. As MLV’s
encontravam-se numa concentração lipídica final de 0,4 mM, e a razão sonda/lípido foi de 1:200
(mol/mol). As amostras foram excitadas a 358 nm, e a emissão recolhida a 430 nm. A temperatura foi
obtida através da termostatização do porta-células, sendo controlada com uma precisão de 0,1 °C. Os
pontos representados na figura correspondem à média ± desvio padrão de pelo menos 4 experiências
independentes para cada uma das curvas.
Para ambas as suspensões de MLV’s preparadas a partir dos extratos lipídicos das
duas estirpes é visível o decréscimo dos valores da anisotropia com o aumento da
temperatura, sendo que as curvas apresentadas na Figura 23 correspondem à curva de
transição de fase gel para fase fluida com a forma caraterística sigmoide observada em
alguns estudos existentes na literatura com a sonda DPH [85,86]. Este comportamento é
consistente com o facto de com o aumento da temperatura ocorrer a fusão das fases gel,
com uma diminuição da ordem das cadeias acilo, refletindo-se num aumento da fluidez
da bicamada lipídica [85,86]. Contudo na Figura 23 também se observou que o
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
72
decréscimo da anisotropia não era tão acentuado como num sistema onde ocorre apenas
transições gel/fluido, sendo que isto se deve à presença de domínios lo nos extratos
lipídicos. Pela Figura 23 observou-se que a temperaturas inferiores a 10 °C, os valores
de anisotropia de MLV’s preparados a partir de extratos de lípidos totais de células das
estirpes wt e ipt1Δ foram de cerca de 0,27 e 0,25 respetivamente, sendo estes valores
significativamente diferentes (p <0,01). Esta diferença indica que os MLV’s construídos
a partir de extratos lipídicos de células wt são mais ordenados do que os obtidos a partir
da estirpe ipt1Δ. Acima de 65 °C, a anisotropia de fluorescência é constante
apresentando um valor próximo de 0,1 (valor caraterístico de fase fluida).
Ao contrário da sonda t-PnA, o DPH mostrou-se mais adequado na determinação de
Tm dos extratos lipídicos obtidos. Apenas se realizou a determinação da Tm dos extratos
lipídicos obtidos pelo método de Folch et al. uma vez que apenas se realizou uma curva
de anisotropia vs temperatura para os extratos lipídicos obtidos pelo método de Hanson
e Lester. A temperatura média de transição de fase dos extratos foi determinada pela
anisotropia de fluorescência do DPH em função da temperatura, tomada como a
temperatura correspondente ao ponto médio da intersecção das retas ajustadas a cada
regime, sendo eles o regime inicial (gel), intermediário (gel e fluido) e final (fluido)
[54]. Obteve-se uma Tm de 31,4 °C e de 32,3 °C para os lipossomas preparados a partir
dos extratos lipídicos provenientes de células wt e ipt1Δ respetivamente. Estes valores
obtidos de Tm são superiores quando comparados com temperaturas de transição de fase
de extratos lipídicos de células de mamífero ( 25 °C) [85], indicando que as interações
de van der Waals entre as caudas hidrófobas dos fosfolípidos dos extratos lipídicos de
células de mamíferos são mais fracas relativamente às dos fosfolípidos dos extratos
obtidos a partir de células de levedura neste trabalho.
4.8. Estudo preliminar da formação de domínios com os extratos de lípidos
totais
Para estudar as propriedades estruturais e morfológicas da membrana reconstruida a
partir de extratos de lípidos totais obtidos pelo método de Folch et al. provenientes de
células das estirpes estudadas recorreu-se à microscopia de força atómica. As Figura 24
e Figura 25 correspondem a medidas de AFM in-situ realizadas em bicamadas lipídicas
Resultados
73
suportadas em mica preparadas a partir dos extratos de lípidos totais provenientes de
culturas de células da estirpe wt e ipt1Δ, respetivamente.
Figura 24- Formação de domínios em bicamadas lipídicas suportadas em mica preparadas a partir
dos extratos lipídicos obtidos pelo método de Folch et al. a partir de células da estirpe wt. A- imagem
de AFM topográfica; B- imagem de AFM de fase; e C- perfil topográfico correspondente à linha colorida
traçada. As imagens de AFM apresentadas correspondem a uma SLB de extrato lipídico obtido pelo
método de Folch et al. a partir de células da estirpe wt depositada na mica. As imagens foram obtidas in-
situ, à temperatura ambiente. 2. Z = 20 nm (A); Z = 5 ° (B).
Pela Figura 24-A e C foi possível observar a formação de domínios ordenados
com uma diferença de espessura de cerca de 1,6 nm, relativamente às regiões
desordenadas da bicamada. Como a imagem foi obtida à temperatura ambiente
(25 ± 1 °C), e sabendo que a Tm obtida para lipossomas preparados a partir de extratos
lipídicos wt foi de 31,4 °C, é possível que a bicamada se encontre num regime
intermédio (gel e fluido) o que explica a coexistência de regiões ordenadas e regiões
desordenadas (Figura 24-A e B). Através da imagem de fase foi possível ver que os
domínios mais ordenados apresentam uma estrutura química diferente do resto da
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
74
bicamada (Figura 24-C). Também através do perfil topográfico traçado (Figura 24-C)
pode-se dizer que a espessura da bicamada foi de 5,2 nm.
Figura 25 - Formação de domínios em bicamadas lipídicas suportadas em mica preparadas a partir
dos extratos lipídicos obtidos pelo método de Folch et al. a partir de células da estirpe ipt1Δ. A-
imagem de AFM topográfica; B- imagem de AFM de fase; e C- perfil topográfico correspondente à linha
colorida traçada. As imagens de AFM apresentadas correspondem a uma SLB de extrato lipídico obtido
pelo método de Folch et al. a partir de células da estirpe ipt1Δ depositada na mica. As imagens foram
obtidas in-situ, à temperatura ambiente. As imagens correspondem a uma área de 5 5 m2. Z = 15 nm
(A); Z = 10 °.
Á semelhança dos extratos lipídicos de células wt também foi possível observar a
separação de fases na bicamada preparada a partir de extratos da estirpe ipt1Δ por AFM
(Figura 25). Neste caso observou-se a formação de regiões ordenadas com uma
espessura superior em cerca de 2,2 nm relativamente às regiões desordenadas da
bicamada (Figura 25–C) sendo este valor ~1,4 vezes superior ao obtido para a bicamada
formada a partir de extratos de wt (Figura 24-C). Esta diferença será abordada na secção
Resultados
75
de Discussão. A Figura 25–B mostra que os pequenos domínios mais ordenados
apresentam uma estrutura química diferente do resto da bicamada. A presença de
regiões ordenadas e desordenadas pode ser também explicada pelo facto de a bicamada
preparada a partir dos extratos ipt1Δ à temperatura ambiente se encontrar num regime
intermédio (gel e fluido), uma vez que para lipossomas formados a partir destes extratos
se obteve uma Tm de 32,3 °C. Neste caso não foi possível determinar a espessura da
bicamada, uma vez que não foram encontradas regiões do substrato descoberto com
área suficiente para determinar com precisão esse valor.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
76
Discussão
77
5. Discussão
Com este trabalho pretendeu-se não só extrair e purificar os esfingolípidos
complexos de células de levedura S. cerevisiae, mas também estudar qual a influência
do esfingolípido complexo M(IP)2C na organização da membrana plasmática e na
composição lipídica da levedura através da caraterização biofísica com duas sondas de
membrana, o t-PnA e o DPH. Para tal, os estudos efetuados nesta tese foram realizados
na estirpe wt, na qual está presente o esfingolípido M(IP)2C, e na estirpe ipt1Δ que não
apresenta este esfingolípido.
5.1. Estudos biofísicos realizados na membrana plasmática de células de
levedura
Estudos da composição lipídica de células da estirpe ipt1Δ mostraram que a
ausência do esfingolípido M(IP)2C não era letal para a célula, mas que a sua ausência
era compensada pelo aumento da quantidade de IPC e MIPC tanto na membrana
plasmática como no complexo de Golgi [55]. É de salientar que se observou que esta
estirpe mutada era resistente a antibióticos poliénicos, tais como a nistatina, o que indica
o M(IP)2C desempenhará um papel importante, por exemplo, na composição e rigidez
de domínios de membrana que sejam importantes para a atuação do antimicótico [55].
Para tal no presente trabalho avaliou-se se a ausência deste esfingolípido complexo afeta
de forma significativa a organização da membrana plasmática das células de levedura.
Inicialmente começou-se por realizar a caraterização biofísica utilizando a sonda t-PnA
com o intuito de se avaliar se ocorriam alterações nos domínios mais ordenados da
membrana plasmática. É de referir que se obtém uma anisotropia de fluorescência
elevada desta sonda na membrana plasmática, apresentando um valor de 0,29 para
ambas as estirpes wt e mutada, sendo este valor caraterístico de domínios mais rígidos.
Assim, este tipo de domínios estará presente em ambas as estirpes. No entanto, dada a
preferência do t-PnA por domínios em fase gel bem estabelecida em sistemas modelo
[48], não é possível a partir do valor de anisotropia de fluorescência em estado
estacionário estimar a fração desses domínios. No entanto, em células wt foi
estabelecido que eles deverão ser minoritários, tenho em conta também os dados obtidos
a partir dos decaimentos de intensidade de fluorescência do t-PnA e utilizando também
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
78
os resultados obtidos com o DPH [39]. A inexistência de diferenças na anisotropia de
fluorescência do t-PnA entre as estirpes wt e ipt1Δ está de acordo com os resultados
obtidos com outra sonda fluorescente de membrana (TMA-DPH) que mostraram que as
células da estirpe ipt1Δ são capazes de ajustar a sua composição lipídica de forma a
compensar a ausência do esfingolípido complexo M(IP)2C, mantendo uma certa ordem
da membrana (r = 0,27) [55].
As diferenças observadas, para cada estirpe, na anisotropia de fluorescência do
t-PnA medida nos ensaios em que a incorporação da sonda foi feita à mesma
temperatura do ensaio e a uma temperatura diferente (Figura 13), refletem que a
organização da membrana plasmática, tanto de células wt como de ipt1Δ, é afetada pela
temperatura. Para a membrana plasmática de células ipt1Δ nestas condições
experimentais obteve-se um valor de anisotropia de fluorescência do t-PnA
significativamente superior ao da estirpe wt. Estes resultados mostram que, nestas
condições, a membrana da estirpe ipt1Δ é mais ordenada do que no caso em que a
incorporação é feita a 24ºC, sugerindo que na ausência do M(IP)2C, a organização da
membrana é mais sensível à temperatura, o que poderá indicar um possível papel
biológico para o M(IP)2C.
Em relação à análise dos decaimentos de fluorescência do t-PnA na membrana
plasmática das células wt e ipt1 obtiveram-se tempos de vida da componente longa
> 30 ns (Figura 15-A, na secção 4.2.3 dos Resultados), o que, segundo dados da
literatura de estudos em sistemas modelo [48] bem como na membrana plasmática da
levedura [39], revelam a presença de fases sólidas muito ordenadas, isto é domínios gel.
Estudos de Aresta-Branco et al. [39] apresentaram tempos de vida da componente longa
superiores aos apresentados neste trabalho. Esta diferença pode estar relacionada com o
facto de se ter usado t-PnA de diferente proveniência e pureza. Com efeito, o t-PnA
usado neste trabalho pode conter até cerca de 10 % de cis-parinárico. O tempo de vida
do cis-PnA na fase gel é mais curto que o do t-PnA, o que vai levar a que a componente
longa do decaimento de fluorescência diminua, uma vez que na análise do decaimento a
pequena contribuição do cis-PnA não vai ser resolvida, afetando as componentes mais
longas do decaimento [87].
Nos ensaios realizados a 30 °C, a componente longa do t-PnA na membrana
plasmática foi inferior quando comparada com o valor obtido em ensaios realizados a
Discussão
79
24 °C. Este resultado está de acordo com estudos de Aresta-Branco et al. realizados
com a mesma sonda na membrana plasmática de células wt, que mostraram que com o
aumento da temperatura do ensaio havia uma diminuição da componente longa do
decaimento [39]. Este resultado está também de acordo com o facto de o aumento da
temperatura estar associado a uma consequente diminuição da ordem ou rigidez dos
domínios de gel. Um outro aspeto importante foi a inexistência de diferenças
significativas entre as componentes longas do decaimento de fluorescência do t-PnA
para ambas as estirpes, sugerindo que os domínios de gel na membrana plasmática têm
uma compactação semelhante nas duas estirpes. As amplitudes normalizadas dos
decaimentos de fluorescência da sonda t-PnA obtidas em ambas as estirpes nos ensaios
a 24 °C e 30 °C não apresentaram diferenças significativas indicando que a abundância
relativa dos domínios de gel não é afetada pela ausência do esfingolípido complexo
M(IP)2C. Também nos tempos de vida médios de fluorescência da sonda não se
observaram diferenças significativas entre as duas estirpes estudadas. O facto de não se
ter observado diferenças tanto nos tempos de vida como nas amplitudes normalizadas
sugere que este esfingolípido complexo não será o componente maioritário destes
domínios, ou mesmo que nem deva ser um componente importante nesses domínios.
Estes resultados sugerem que a maior resistência das células ipt1 a antimicóticos não
deve ser devida a diferenças na quantidade relativa e compactação de domínios gel. Isto
está de acordo com a sugestão avançada em Aresta-Branco et al. [39], de que os
domínios gel ricos em esfingolípidos sejam formados maioritariamente por IPC, uma
vez que estudos de Klose et al. [86] mostraram que a Tm deste esfingolípido era de
53,4 °C, sendo esta temperatura semelhante à determinada em lipossomas preparados a
partir de extratos lipídicos provenientes da membrana plasmática (Tm ≈ 42 °C) [39].
Contudo, quando a incubação da sonda foi feita a uma temperatura diferente da do
ensaio, a amplitude normalizada da componente longa apresentou diferenças
significativas entre as duas estirpes (Figura 15-B na secção 4.2.3 dos Resultados), sendo
maior na membrana plasmática de células wt. O tempo médio de vida pesado pelas
amplitudes ( ) para o t-PnA na membrana plasmática também apresentou diferenças
entre as estirpes apenas no ensaio a 24 °C com incorporação da sonda a 30 ºC,
apresentando um valor cerca de 1,2 vezes superior na presença de M(IP)2C (Figura 16
na secção 4.2.3. dos Resultados). Este resultado já era de esperar uma vez que a
amplitude normalizada da componente longa foi superior também na presença de
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
80
M(IP)2C. Considerando que este parâmetro tem a contribuição de cada componente do
decaimento, uma alteração, como o aumento da amplitude normalizada da componente
longa, pode resultar num aumento do seu valor. No caso do tempo de vida médio, as
amplitudes não têm uma influência tão grande pelo facto dos tempos de vida das
componentes aparecerem elevados ao quadrado (Equação 5 na secção 3.12.2. dos
Materiais e Métodos), e portanto nesse caso a diferença não foi significativa. O facto do
ser superior na presença de M(IP)2C poderá justificar os resultados obtidos para a
anisotropia de fluorescência do t-PnA na membrana plasmática, em que esta exibiu um
valor maior na ausência deste esfingolípido complexo, pois uma diminuição do tempo
de vida por si só provoca um aumento da anisotropia de fluorescência. No entanto é
pouco provável que assim seja, uma vez que as variações no tempo de vida são
relativamente pequenas, não sendo sequer significativas no tempo de vida médio, e em
geral nestes casos, a correlação entre tempo de vida e anisotropia do t-PnA é positiva. A
origem do maior valor da anisotropia em células ipt1Δ nesta condição experimental é
difícil de racionalizar com os dados atuais e serão necessárias experiências adicionais
para a compreender.
De forma a perceber melhor as diferenças na organização das membranas devidas à
ausência de M(IP)2C, observadas apenas em determinadas condições experimentais,
realizou-se ainda a caraterização biofísica utilizando a sonda DPH, conhecida por dar
informação relativa à ordem global das membranas da célula. Assim, observou-se um
aumento da anisotropia do DPH significativo de membranas das células ipt1Δ quando
comparada com as células wt (Figura 18 na secção 4.3.2 dos Resultados). Este resultado
sugere que na ausência de M(IP)2C existe uma ordem global maior da membrana
plasmática. Apesar a anisotropia de fluorescência com a sonda TMA-DPH ser idêntica
(0,27) em células ipt1Δ e células wt [55], no presente trabalho foram observadas
diferenças utilizando a sonda DPH. Esta diferença de comportamento entre as duas
sondas pode ser explicada por alterações distintas na estrutura de domínios
intracelulares e da membrana plasmática, uma vez que, ao contrário da sonda
TMA-DPH, o DPH não marca apenas a membrana plasmática, mas também as
membranas intracelulares [53]. É também importante referir que apesar de estudos de
Klose et al. [20], mostrarem que o lipidoma varia consoante a fase de crescimento
celular em que as células se encontram, a inexistência de diferenças significativas entre
Discussão
81
os resultados obtidos com a sonda DPH na mesma estirpe em fase exponencial e em
fase estacionária (Figura 18) podem revelar mais uma vez a capacidade que as células
têm para manter uma certo nível de organização da membrana, mesmo quando a sua
composição lipídica é diferente.
Estudos da ação de fármacos antimicóticos, como a nistatina, têm mostrado que este
interage com o ergosterol, o principal esterol de membranas fúngicas, formando poros,
levando à libertação dos constituintes celulares, podendo mesmo conduzir à morte
celular [55,88,89]. Alguns estudos da literatura mostraram que estirpes com composição
semelhante de esteróis mostraram diferentes sensibilidades a estes fármacos [55]. Isto
pode indicar que talvez estejam envolvidos fatores adicionais que sejam responsáveis
pela diferente sensibilidade observada a essas drogas. Estudos de Leber et al. mostraram
que a estirpe ipt1Δ, quando comparada com a estirpe wt, era mais resistente a
antifúngicos, sugerindo a interação do antimicótico com a membrana pode ser
dependente de domínios ricos em M(IP)2C e ergosterol. O facto do esfingolípido
complexo M(IP)2C apresentar uma cabeça polar muito grande (Figura 4, secção 1.3.2.2
da Introdução) quando comparada com os restantes fosfolípidos e esfingolípidos, pode
levar a que o volume livre entre as cadeias de M(IP)2C seja ocupado por mais moléculas
de ergosterol quando comparado com outros domínios lo, de acordo com o “umbrela
model”. Este modelo sugere que o esterol pode interagir com outros lípidos com cabeça
polar grande de forma a “proteger” o esterol da água, podendo explicar o mecanismo de
formação de domínios lo [90]. Uma vez que estes antimicóticos requerem a presença de
ergosterol [55,89] , a existência destes domínios lo mais ricos em ergosterol e M(IP)2C,
pode aumentar a interação destes fármacos com a membrana, havendo a maior
probabilidade de este formar poros. Esta suposição também pode ser apoiada pelos
resultados da caraterização biofísica da membrana, que mostrou que as membranas da
estirpe ipt1Δ são globalmente mais ordenadas que a estirpe wt. Considerando que em
células wt se formam domínios do tipo lo ricos em ergosterol e M(IP)2C, que requerem
maior quantidade de moléculas de ergosterol para preencher o espaço entre as cadeias
acilo do esfingolípido do que no caso da estirpe mutada, em que este esfingolípido é
substituído por MIPC ou IPC, com grupos polares de menores dimensões, não serão
necessárias tantas moléculas de ergosterol para formar domínios lo. Assim, uma vez que
dados da literatura mostraram que a concentração de ergosterol era semelhante na
membrana plasmática das duas estirpes [55], deverá haver maior quantidade de
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
82
ergosterol nas regiões mais fluidas (ld), o que pode explicar o aumento da ordem global
da membrana da estirpe mutada. De forma a confirmar esta hipótese é importante
realizar-se estudos biofísicos em sistemas modelo contendo cada um dos esfingolípidos
complexos purificados de células de levedura e ergosterol, e eventualmente estabelecer
um digrama de fases para cada um deles.
5.2. Estudos realizados em extratos lipídicos de células de levedura
Com o intuito de se extrair e separar as diferentes classes de esfingolípidos
complexos de S. cerevisiae, procurou-se encontrar o método de extração que fosse o
mais vantajoso para a concretização deste objetivo.
Comparando os resultados obtidos pelos dois métodos de extração realizados neste
trabalho (secção 4.4 dos Resultados), partindo da mesma quantidade de precipitado de
células lavadas ( 5 g), pelo método de Hanson e Lester obteve-se uma massa de extrato
lipídico cerca de 3,5 vezes superior à obtida por Folch et al., podendo este resultado ser
explicado pelo facto de que métodos que utilizam misturas ricas em água poderem levar
à extração de uma grande quantidade de material que provavelmente não é lipídico e é,
no entanto, mais polar que a maioria dos fosfolípidos polares da levedura [56]. Esta
hipótese pode explicar porque nem toda a massa do extrato de lípidos totais obtida pelo
método de Hanson e Lester é dissolvida em clorofórmio/metanol (2:1, v/v). À partida o
uso desta mistura de solventes não iria solubilizar este material não lipídico, contudo os
lípidos têm tendência para reter material não lipídico que é solúvel em água, tal como
açucares, aminoácidos, e sais, dentro de micelas lipídicas invertidas [58], “protegendo”
este material do solvente orgânico. Deste modo, parte deste material pode passar para o
extrato lipídico e assim influenciar os resultados de caraterização biofísica de bicamadas
reconstruídas a partir destes extratos. Um aspeto que poderia melhorar e evitar este
problema seria, após a extração dos lípidos totais, remover este material não lipídico
com soluções aquosas salinas, ou seja, introduzir um dos passos cruciais do método de
Folch et al. [58]. Também uma forma de confirmar se de facto este método extrai este
material não lipídico seria realizar o doseamento proteico dos extratos lipídicos obtidos
por este método, e, eventualmente, usar anticorpos por exemplo para a âncora GPI de
levedura.
Discussão
83
É também importante referir que foi necessário um processo de otimização do
método de extração descrito por Folch et al. a partir de células na fase estacionária de
crescimento. Uma característica morfológica das células nesta fase de crescimento é a
sua espessa e pouco porosa parede celular [81]. Ao contrário de células na fase
exponencial, células na fase estacionária apresentam a capacidade de sobreviver a
períodos de tempo prolongados, tanto em água como num meio de cultura sem
nutrientes adicionais [81]. Isto explica porque a adição de DTT numa concentração final
de 10 mM, a qual promove a lise da parede celular das células, melhora a extração dos
lípidos.
Em suma, pode-se concluir que o método de Hanson e Lester é aparentemente o
mais vantajoso em termos quantitativos, quando comparado com o método de Folch et
al., não só por ser mais eficiente pois permite a extração de uma quantidade de lípido,
quantificada em termos de Pi, cerca de 12 vezes superior à obtida pelo método de Folch
et al., mas também por não envolver um passo de lise celular, o qual é difícil de realizar
de forma reprodutível e convenientemente em microescala [56].
Os extratos lipídicos obtidos a partir das duas estirpes estudadas não aparentam
apresentar diferenças entre eles na composição em fosfolípidos e em ergosterol,
constituindo uma vantagem para o estudo da influência do M(IP)2C na organização de
membranas reconstruidas a partir de extratos. Contudo, os extratos lipídicos obtidos
pelo método de Folch et al. apresentaram um maior número de bandas comparado com
o método de Hanson e Lester, o que pode ser devido ao facto de o método proposto por
Folch et al. favorecer mais a extração das várias classes de glicerofosfolípidos [58]
quando comparado com o outro método.
Pela análise dos extratos de esfingolípidos obtidos observou-se que de facto o
esfingolípido M(IP)2C estava presente na estirpe wt mas não na estirpe ipt1Δ, por
comparação com dados da literatura [69]. Este resultado sugere que em princípio se
conseguiu a extração dos esfingolípidos complexos. Contudo é importante a análise das
bandas obtidas por espectrometria de massa de forma a confirmar se de facto a extração
e purificação dos esfingolípidos foi eficiente. Um problema que se levantou foi a
co-migração das várias espécies de IPC e MIPC, com diferente número de
hidroxilações. Uma forma de se contornar este obstáculo seria raspar as várias bandas
correspondentes a vários níveis de hidroxilação (A, B’,B, C e D) de IPC e MIPC, e
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
84
tentar fazer uma nova separação por TLC mas experimentando outro sistema de
solvente.
A razão pela qual se estudou a anisotropia de fluorescência em função da
temperatura passou também pela tentativa de se perceber quais seriam as diferenças na
organização de bicamadas preparadas a partir de extratos na ausência (extrato lipídico a
partir de células ipt1Δ) e na presença de M(IP)2C (extrato lipídico a partir de células
wt). Inicialmente realizou-se este estudo em membranas reconstruidas a partir de
extratos de lípidos totais obtidos pelo método de Hanson e Lester marcadas com t-PnA.
Porém não se conseguiu obter uma curva de anisotropia de fluorescência em função da
temperatura, uma vez que se observou um decréscimo muito acentuado da intensidade
de fluorescência da sonda t-PnA com a temperatura, que provavelmente foi devido não
apenas à fusão de domínios de gel, mas também a fotobranqueamento da sonda. Para
tentar averiguar se se tratava de um problema dos extratos obtidos pelo método de
Hanson e Lester, realizou-se o mesmo estudo mas em MLV’s preparadas a partir de
extratos lipídicos obtidos pelo método de Folch et al. Contudo também não se
conseguiu obter uma curva de anisotropia de fluorescência do t-PnA em função da
temperatura em bicamadas preparadas a partir de extratos obtidos pelo método de Folch
et al., apresentado o mesmo comportamento que as bicamadas preparadas a partir de
extratos lipídicos obtidos pelo método de Hanson e Lester. A obtenção destes resultados
pode ser explicada pelo facto de a incorporação com a sonda t-PnA ter sido feita a 75 °C
durante uma hora, que sendo uma temperatura elevada, pode levar por exemplo a
alterações conformacionais da sonda. Outra hipótese seria a influência do material não
lipídico para o extrato lipídico obtido pelo método de Hanson e Lester, uma vez que já
foi mostrado que iões monovalentes (K+, Na
+, etc.) podem tornar a estrutura de uma
bicamada contendo fosfolípidos carregados negativamente mais fluida, baixando o valor
da Tm, enquanto iões divalentes (Ca2+
) induzem um aumento da Tm [91]. Dada a
presença abundante de iões monovalentes como o K+ e Na
+ nas células, estes podem ser
extraídos conjuntamente com os lípidos e assim solubilizados no extrato pelo
mecanismo já referido, baixando desta forma a Tm das bicamadas reconstruídas, o que
pode explicar a perda de intensidade repentina do t-PnA, uma vez que esta sonda
apresenta um rendimento quântico reduzido quando se encontra em fases pouco
ordenadas. Uma forma de se comprovar esta suposição seria efetuar um estudo das
Discussão
85
transições termotrópicas dos lipossomas preparados a partir dos extratos lipídicos com
outra técnica que não envolva o uso de uma sonda fluorescente, como a calorimetria
diferencial de varrimento, ou a espectroscopia de infravermelho com transformada de
Fourier. Estudos com sistemas modelo binários contendo ergosterol e DPPC ou
ergosterol e POPC reportaram que acima dos 30 % de ergosterol a membrana encontra-
se numa fase líquida ordenada [92,93]. Uma vez que dados da literatura referem que a
proporção de ergosterol/fosfolípidos de extratos de lípidos totais é próxima de 1
(mol/mol) [8,24,27], em princípio haverá uma propensão mais reduzida para a formação
de domínios gel nos extratos de lípidos totais, podendo justificar também o facto de não
se ter conseguido resultados com o t-PnA.
Uma vez que os resultados com o t-PnA estavam a ser inconclusivos, realizou-se o
mesmo tipo de estudo mas com a sonda DPH. Observou-se uma curva de anisotropia de
fluorescência do DPH em função da temperatura em que a variação não foi tão
acentuada como a observada em sistemas onde apenas ocorrem transições gel/fluido.
Isto pode sugerir a presença de domínios lo, ricos em ergosterol, que tornam a
diminuição da anisotropia com a temperatura mais moderada [39]. Os valores de
anisotropia apresentados para as membranas preparadas a partir dos extratos lipídicos
foram 0,220 ± 0,016 e 0,197 ± 0,004, provenientes de células wt e ipt1Δ,
respetivamente, a 24 °C. Comparando estes valores de anisotropia com os obtidos na
caraterização biofísica com o DPH em suspensões celulares (Figura 18), observou-se
que, o valor do DPH nas membranas celulares era cerca de 1,4 vezes inferior à
anisotropia do DPH obtida para os lipossomas à mesma temperatura. Este resultado está
de acordo com estudos biofísicos da literatura realizados em células wt e esferoblastos
de células wt com a sonda DPH, que revelaram que a ordem global da membrana era
maior em esferoblastos do que em células intactas, indicando que a parede celular leva a
uma destabilização dos domínios gel ricos em esfingolípidos, levando a que estes se
misturem nos restantes domínios da membrana (por exemplo lo) ou se internalizem,
observando-se o aumento da ordem global [39]. Outro aspeto que é importante também
realçar é que os MLV’s de extratos obtidos pelo método de Folch et al. provenientes das
células wt apresentarem valores de anisotropia superior ao das células ipt1Δ, tendo
observado o comportamento inverso na caraterização biofísica com esta sonda da
membrana plasmática das duas estirpes. Estas diferenças podem ser explicadas, não só
pelo facto do método de extração de Folch et al. não favorecer a extração de
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
86
esfingolípidos mas sim de glicerofosfolípidos, mas também por se estar a estudar
extratos de lípidos totais, em que os esfingolípidos acabam por ficar em menores
proporções do que aquelas em que estão presentes na membrana plasmática. Também é
possível que outros fatores que influenciam a organização da membrana plasmática de
células, nomeadamente interações com o citoesqueleto, proteínas de membrana e até
mesmo com a parede celular [39], componentes que não estão presentes nos extratos de
lípidos totais, e ainda a perda de assimetria transmembranar na distribuição dos lípidos
[94] possam contribuir para aquele resultado.
Pela determinação da temperatura média de transição de fase de bicamadas
formadas a partir dos extratos lipídicos obtidos pelo método de Folch et al. obteve-se
uma Tm de 31,4 °C e de 32,3 °C para os lipossomas preparados a partir dos extratos
lipídicos provenientes de células wt e ipt1Δ respetivamente. Estudos da dependência da
temperatura em membranas isoladas da bactéria Acholeplasma laidlawii B reportaram
uma Tm de 34 °C [95], sendo as Tm dos extratos lipídicos de levedura obtidos neste
trabalho muito semelhantes à de membranas isoladas de bactérias.
A espessura média de membranas de levedura é de cerca de 7,1 ± 0,4 nm, sendo
que a membrana plasmática é significativamente mais espessa, apresentando um valor
de 9,2 ± 0,4 nm, sendo que estas espessuras foram obtidas por microscopia eletrónica
[96]. Obteve-se no presente estudo uma espessura da bicamada preparada a partir de
extratos da estirpe wt de cerca de 5,2 nm. Este valor é cerca de 1,7 vezes inferior ao
indicado para a espessura da membrana da membrana plasmática, sendo que esta
diferença pode ser explicada pelo facto de na membrana plasmática da célula estarem
presentes proteínas da membrana plasmática que podem aumentar a espessura. Contudo,
tendo em conta as regiões ordenadas observadas por AFM na bicamada preparada a
partir de extratos da estirpe wt (Figura 24Figura 25), a espessura da bicamada é de
7 nm, o que está próximo da espessura média de membranas de levedura [96].
Apesar de ser um resultado preliminar, a análise de bicamadas preparadas a
partir dos extratos lipídicos obtidos pelo método de Folch et al. por AFM, revelou que a
diferença de espessura entre domínios ordenados e menos ordenados é menor no caso
de bicamadas de extratos lipídicos wt. Considerando que não foi possível determinar a
espessura total da bicamada preparada a partir de ipt1, este resultado pode ser
Discussão
87
consequência de domínios ordenados com diferentes organizações e, consequentemente,
diferentes espessuras ou pode advir da formação de domínios desordenados com
espessuras distintas numa e outra situação. Por outro lado, a maior fração de domínios
ordenados na bicamada de wt corrobora, em certa medida, os resultados obtidos para a
anisotropia do DPH em bicamadas preparadas também a partir de extratos. Uma vez que
estes extratos foram obtidos pelo método de Folch et al., o qual não favorece a extração
de esfingolípidos, este resultado indica que em baixas concentrações de esfingolípido
M(IP)2C, a bicamada torna-se mais ordenada mas não tão compacta, que é o
comportamento observado na ordem da membrana plasmática que mostrou que na
ausência de M(IP)2C, as membranas exibiam uma ordem global maior. Assim, apesar de
este esfingolípido não afetar significativamente a abundância e compactação dos
domínios de gel, tem uma influência significativa na ordem global da membrana em
S. cerevisiae.
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
88
Conclusões e Perspetivas Futuras
89
6. Conclusões e Perspetivas Futuras
Os estudos realizados nesta tese de mestrado revelaram que a ausência do
esfingolípido complexo M(IP)2C nas células da levedura Saccharomyces cerevisiae não
afeta a compactação dos domínios gel da membrana plasmática, mas sim a ordem global
da membrana, sendo esta mais ordenada na sua ausência. Assim, formulou-se a hipótese
de que este esfingolípido complexo, cuja cabeça polar é relativamente maior que a dos
restantes esfingolípidos, está envolvido na formação de domínios lo ricos em ergosterol
e M(IP)2C. No entanto, os estudos em que a incubação da sonda t-PnA foi efetuada a
uma temperatura diferente daquela a que o ensaio foi realizado mostraram que o
M(IP)2C pode influenciar, em certa medida, a abundância relativa de domínios gel. Os
estudos realizados nesta tese de mestrado permitiram, ainda, uma otimização de dois
métodos de extração de lípidos totais das células de levedura, em que o método de
Hanson e Lester se mostrou o mais adequado para o caso concreto deste estudo, tendo
apresentado um maior rendimento em termos de quantidade de lípido extraída quando
comparado com o método de Folch et al. A caraterização biofísica de extratos lipídicos
obtidos pelo método de Folch et al. com a sonda DPH revelou uma maior ordem global
nas bicamadas, na ausência de M(IP)2C, sugerindo que, uma vez que este método não
favorece a extração de esfingolípidos, a diminuição da quantidade de M(IP)2C leva a um
aumento da ordem global da membrana. Por AFM foi possível detetar uma menor
diferença de espessura entre domínios ordenados e menos ordenados para SLB
preparadas a partir de extratos provenientes de células wt (em que M(IP)2C está
presente) quando comparadas com SLB de extratos ipt1 (ausência de M(IP)2C).
É de realçar a importância de todo o processo de otimização dos métodos de
extração de lípidos de forma a possibilitar a extração e purificação de cada um dos
esfingolípidos complexos da levedura. Desta forma, será possível testar futuramente a
hipótese acima proposta acerca da formação de domínios lo ricos em ergosterol e
M(IP)2C, recorrendo a sistemas modelo contendo cada um dos esfingolípidos
purificados e ergosterol. Após a purificação dos esfingolípidos complexos seria
igualmente interessante a sua reconstituição em vesiculas unilamelares gigantes a partir
de uma mistura de cada esfingolípido com fosfolípidos e ergosterol de forma a estudar a
formação de domínios e eventualmente seguir a interação de antimicóticos com a
Papel dos esfingolípidos complexos na organização da membrana plasmática da levedura Saccharomyces cerevisiae
90
membrana, por microscopia confocal de fluorescência. Na possibilidade de se confirmar
a existência destes domínios lo ricos em ergosterol e M(IP)2C, seria igualmente
interessante abordar em estudos futuros qual a sua relação com os compartimentos
MCC e MCP que se sabe estarem presentes na membrana plasmática de levedura.
Tendo em conta que o método de extração de Hanson e Lester se mostrou mais
eficiente na extração de lípidos, o passo seguinte poderá passar por melhorar ainda
alguns aspetos deste método, nomeadamente identificar a origem da massa de extrato
que não se dissolve em clorofórmio/metanol, uma vez que a presença de material não
lipídico pode afetar os resultados dos estudos biofísicos. Desta forma seria esclarecedor
fazer o doseamento proteico dos extratos lipídicos obtidos, ou mesmo usar, por
exemplo, um anticorpo para a âncora GPI de levedura.
Outro aspeto relevante é a identificação das bandas obtidas por separação do extrato
de esfingolípidos reveladas por TLC, recorrendo à espectrometria de massa de forma a
comprovar que, de facto, a extração de esfingolípidos está a ser eficiente, com o intuito
de prosseguir para a fase seguinte deste projeto, que inclui o estudo em sistemas
membranares modelo contendo os vários esfingolípidos purificados, a construção de
diagramas de fase e o estudo da interação de fármacos antifúngicos como por exemplo a
nistatina com estes esfingolípidos complexos. Pela análise dos extratos de
esfingolípidos obtidos observou-se que as várias hidroxilações de IPC e MIPC não eram
eficientemente separadas, tratando-se também de um aspeto a melhorar.
Uma vez que a análise dos extratos lipídicos por AFM tratou-se apenas de um
estudo preliminar, torna-se relevante para este trabalho a repetição desta análise, de
forma também a confirmar se de facto existe uma diferença entre a espessura dos
domínios ordenados formados numa bicamada reconstruida a partir de extratos lipídicos
provenientes das estirpes wt e ipt1Δ. Eventualmente, até se pode testar o efeito da
adição de um antimicótico à bicamada lipídica e observar se este tem efeito nos
domínios ordenados formados.
Em suma, com o trabalho realizado nesta tese de mestrado pode-se tirar a conclusão
de que a ausência do esfingolípido complexo M(IP)2C afeta a ordem global das
membranas de levedura, e este resultado abre novas vias de abordagem para estudos
futuros do papel deste esfingolípido na resistência a antimicótocos.
Referências Bibliográficas
91
7. Referências Bibliográficas
[1] W. Stillwell, An Introduction to Biological Membranes: From Bilayers to Rafts,
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