Patrimônio Cultural da Saúde: a constituição do acervo
do Instituto Aggeu Magalhães, unidade da Fiocruz em Pernambuco
Silvia Bezerra dos Santos Instituto Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz
Rebecka Borges MUZE – Museologia e Patrimônio.
[email protected] Introdução
O artigo tem o objetivo de apresentar o resultado preliminar do inventário de bens
culturais do Instituto Aggeu Magalhães, unidade da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco
(IAM/Fiocruz). Criado em 1950, o Instituto Aggeu Magalhães foi o primeiro instituto de
pesquisa criado pelo governo federal no Nordeste com o objetivo de estudar as doenças
parasitárias, tais como a esquistossomose, leishmaniose, peste e filariose. Na década de 1970,
o instituto passou a fazer parte da Fiocruz, instituição de ciência e tecnologia em saúde
vinculada ao Ministério da Saúde.
Constituir um acervo dos bens cultural de ciência e tecnologia (C&T) do IAM/Fiocruz
é uma das metas da Comissão para Gestão de Acervos Culturais das Ciências e da Saúde do
IAM/Fiocruz, criada em fevereiro de 2017, com o objetivo de planejar, organizar, orientar e
executar programas, planos e procedimentos visando à preservação dos acervos culturais
pertencentes ao instituto.
Para atingir tal meta foi realizado, no período de fevereiro a agosto de 2018, um
levantamento e diagnóstico do acervo fotográfico e museológico por uma empresa
especialmente contratada pelo instituto, a Muze – Museologia e Patrimônio. Por meio de
técnicos e pesquisadores do IAM/Fiocruz, foi possível identificar equipamentos, objetos e
instrumentos de pesquisa possíveis de integrar o acervo a ser constituído. Também foi feito
um levantamento e diagnóstico dos acervos de fotografias do órgão.
O estudo de objetos e instrumentos científicos é parte importante das discussões
relativas a cultura material e ao patrimônio cultural da área de C&T. Os objetos mais
facilmente identificados no patrimônio de C&T, de acordo com Granato et al. (2007) são os
denominados instrumentos científicos que participaram de atividades realizadas em
laboratórios científicos e de tecnologia aplicada. No entanto, os autores alertam que
“instrumento científico” é um termo complexo e que só se aplica em período histórico
determinado, ou seja, século XIX e início do século XX.
Nesse período, mais especificamente na primeira metade do século XX, é que a
ciência e tecnologia passaram a ser objetos de estudos históricos e, mais recentemente, a
discussão sobre à cultura material relativa a objeto científico vem apresentando olhares
diferenciados. Todos, no entanto, reconhecem que o estudo de objetos permite aos
pesquisadores um conjunto de possibilidades de leituras e produções de narrativas, além dos
objetos constituírem fontes importantes para estudos da História da Ciência (GRANATO;
ARAUJO, 2017).
Ainda de acordo com Granato (2009) são os objetos (incluindo aí os documentos em
papel) e as coleções arqueológicas, etnográficas e biológicas que testemunham processos
científicos e de desenvolvimento tecnológicos que constituem o Patrimônio Cultural da C&T.
Também estão inclusos o conjunto das construções arquitetônicas feitas para atender as
necessidades desses processos e o conhecimento científico e tecnológico produzidos pelo
homem.
Lourenço (2009), quando analisa o patrimônio da ciência da Europa e dos Estados
Unidos, afirma que 90% do patrimônio da ciência encontram-se em instituições que não
apresentam orçamento e pessoal qualificado para cuida-lo, além de muitas delas não terem
missão e, muitas vezes, sensibilidade para a sua preservação e divulgação: A esmagadora maioria das coleções, bibliotecas, arquivos e espaços edificados de relevância histórico científica, encontra-se disperso por universidades, politécnicos, antigos liceus e escolas técnicas, institutos e laboratórios de investigação, hospitais, sociedades científicas. Este patrimônio, do ponto de vista da tutela, encontra-se órfão, em situação vulnerável, de abandono, sujeito à arbitrariedade e em risco de danos irreversíveis ou mesmo de perda irremediável (LOURENÇO, 2009, p. 47).
No Brasil a situação não é diferente. Granato (2009) revela que o patrimônio material
da Ciência e da Tecnologia no país está, em sua grande maioria, para ser descoberto. O
conhecimento atual sobre o tema é restrito e os objetos de ciência e tecnologia brasileiros já
podem ter sido modernizados ou descartados, na maioria das vezes em prol de uma busca pelo
instrumento ou aparato mais atual.
No caso específico da saúde, a partir de um conceito ampliado e não apenas restrito ao
aspecto biomédico, a constituição de um patrimônio cultural é fundamental para compreender
a história da saúde, em especial a construção histórico-social de um conjunto de bens –
materiais e imateriais – da área. O documento de constituição da Rede História e Patrimônio
Cultural da Saúde define o Patrimônio Cultural da Saúde “como um conjunto de bens
materiais e simbólicos socialmente construídos, que expressam o processo da saúde individual
e coletiva nas suas dimensões científica, histórica e cultural” (COSTA; SANGLARD, 2008,
p. 15).
O patrimônio deve ser objeto de estudo da história, argumentam Costa e Sanglard
(2008). Segundo os autores, os estudos históricos propiciam uma consciência sobre a
importância do patrimônio e consequentemente uma ação de preservação, que se concretiza
através do conhecimento. “Assim, o patrimônio deve ser objeto de um saber, que ele deve
suscitar. Para Jacques Le Goff é um dever transformar o patrimônio em objeto de saber”
(COSTA; SANGLARD, 2008, p. 16).
A discussão relativa ao Patrimônio Cultural da Saúde assume particular importância
para a história da C&T em função que os institutos de pesquisa microbiológica estão entre os
primeiros centros científicos brasileiros. Muitos historiadores buscam explicar as razões da
preponderância das ciências biomédicas no desenvolvimento da ciência brasileira. No início
do século XX, mais especificamente, na década de 1910, a saúde emergiu como o problema
vital para a sociedade brasileira e a doença adquiriu importante papel sobre a identidade
nacional (HOCHMAN, 1993). Na construção da nação e do Estado brasileiro e de suas
relações com a sociedade, a saúde sempre teve um papel fundamental.
É o caso do Instituto Aggeu Magalhaes, a Fiocruz Pernambuco, que desempenha um
papel importante na trajetória da pesquisa em saúde no Nordeste brasileiro. Nasceu de um
projeto idealizado ainda na década de 1930 pelo pesquisador Evandro Chagas, do Instituto
Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, que tentou formar uma base de operações para o
desenvolvimento de pesquisas sobre as endemias rurais em cidades das regiões Norte e
Nordeste do Brasil. Entretanto, por diversos motivos, o projeto não teve prosseguimento na
época, inclusive devido a morte prematura do pesquisador, em 1940, aos 35 anos de idade.
Contudo, a ideia foi retomada pelo médico sanitaristaBarca Pellon, diretor da Divisão de
Organização Sanitária (DOS), do então Ministério de Educação e Saúde, que conseguiu
verbas para a construção do primeiro centro de pesquisas em doenças endêmicas do país, que
foi instalado em Recife.
O Instituto Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz (IAM/Fiocruz) e a Comissão
para Gestão de Acervos Culturais das Ciências e da Saúde
A inauguração do instituto de pesquisas se deu em 02 de setembro de 1950, no evento
de encerramento do VIII Congresso Brasileiro de Higiene realizado naquele ano na capital
pernambucana. Para dirigi-lo foi nomeado o médico sanitarista Frederico Adolfo Simões
Barbosa, com a tarefa de organizar o recém-inaugurado instituto não somente do ponto de
vista administrativo como também das atividades científicas iniciais relacionadas, sobretudo a
esquistossomose, que ainda não era reconhecida como uma endemia importante no Brasil. As
pesquisas conduzidas por Frederico Simões Barbosa no IAM foram decisivas para a clareza
acerca da determinação e nomenclatura das espécies de moluscos transmissores da doença, da
dinâmica de transmissão, da epidemiologia e das estratégias de controle da esquistossomose.
Ainda, na década de 1960, o centro de pesquisa foi responsável por conduzir o Plano
Piloto da Peste, orientada pelo Instituto Pasteur de Paris, em convênio com a Organização
Mundial de Saúde (OMS), o Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu) e a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Desenvolvido em Exu,
município localizado no Sertão de Pernambuco, os estudos que ali foram realizadosalterou o
conhecimento e as práticas até então adotadas pelas autoridades sanitárias brasileiras,
sobretudo em relação a existência da peste silvestre no Brasil.
Destacam-se ainda as importantes contribuições resultantes das pesquisas realizadas
pelos pesquisadores do instituto de pesquisas para o conhecimento e controle da filariose
linfática. Importantes avanços ligados à biologia do parasita, transmissão, características
clínicas, diagnósticos e tratamento da doença foram desenvolvidos no IAM/Fiocruz, bem
como às pesquisas aplicadas para seu controle.
O conhecimento e experiência acumulados pelo Instituto nas três endemias fez com
que a instituição seja atualmente referência nacional em controle de culicídeos vetores
(mosquitos transmissores de doenças), filarioses e peste para o Ministério da Saúde, sendo
que em esquistossomose é referência regional1. As três doenças continuam sendo objetos de
pesquisas desenvolvidas no órgão.
1Os serviços de referência atuam na formação de profissionais do serviço público de saúde, ministrando cursos sobre técnicas de diagnóstico e de controle de doenças e dos vetores. Também realizam diagnóstico complexo e específico dos agravos e utilizando, quando necessário, técnicas de biologia molecular. Também realizam o diagnóstico diferencial de doenças, elaboram produtos e prestam consultoria para as secretarias municipais e estaduais de saúde.
Apesar de 68 anos de história, a Fiocruz Pernambuco tem realizado apenas nos anos
mais recentes atividades relacionadas à preservação da memória institucional. A mais recente
foi a montagem da exposição de fotografias “Frederico Simões Barbosa: da Medicina a Saúde
Pública” para a comemoração de aniversário da instituição em setembro de 2016. As
celebrações destacaram o centenário de nascimento do primeiro diretor, Frederico Simões
Barbosa, com o lançamento do documentário “Frederico Simões Barbosa: ciência e
compromisso social”, com a publicação de um suplemento especial da revista “Cadernos de
Saúde Púbica” e a exposição, que organizada pela presidência da Fiocruz. A atividade reuniu,
no mezanino do centro de pesquisas, além de fotografias relativas a trajetória de vida do
pesquisador, cujo acervos fotográfico e documental se encontram na Casa de Oswaldo Cruz,
COC/Fiocruz, um conjunto de móveis, objetos e instrumentos pesquisas originários das três
primeiras décadas da instituição, ou seja, de 1950 a 1970. Tais iniciativas, no entanto, são
realizadas pontualmente e necessitam ser concebidas e executadas sob as diretrizes da recém
lançada Política de Preservação dos Acervos Científicos e Culturais da Fiocruz.
Para institucionalizar portanto as atividades referentes a memória e preservação do
patrimônio do centro de pesquisas, a Direção do IAM/Fiocruz constituiu, por meio de ato
diretivo, em fevereiro de 2017, a Comissão permanente para gestão de acervos culturais das
Ciências e da Saúde do Instituto Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz
(IAM/Fiocruz), com objetivo de planejar, organizar, orientar e executar programas, planos, e
procedimentos que visam a preservação dos acervos culturais das ciências e da saúde
pertencentes ao Instituto Aggeu Magalhães, a ser desenvolvido em consonância com a
Política de Preservação e Gestão de Acervos Científicos da Fiocruz. É composta por
representantes dos departamentos finalísticos da Instituição e da área de apoio técnico2.
Desde então, a Comissão vem desenvolvendo atividades, tais como realização, em
outubro de 2017, do minicurso “Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e
da Saúde (Noções básicas)”, em parceria com Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e o
Curso de Museologia da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE). Com carga horário de
10 horas e na modalidade presencial e pela web a atividade teve como objetivo prioritário
aproximar os profissionais com diferentes formações, em especial os que integram a
Comissão de Gestão de Acervos Culturais das Ciências e da Saúde do IAM/Fiocruz, de
questões ligadas à preservação e gestão do patrimônio cultural das ciências e da saúde. 2 Adagilson Silva, chefe da Biblioteca; Patricia Martins, arquiteta, coordenadora da Seção de Engenharia e Arquitetura; Raimundo Pimentel, técnico do NPT-3; Carlos Guilherme Silva, chefe do Setor de Patrimônio; Giselle Pimentel, coordenadora do Serviço de Compras e Materiais e Silvia Santos (atual coordenadora), jornalista.
Outra atividade que vem sendo feita de forma sistemática é a promoção de palestras
para os trabalhadores com a finalidade de formar uma cultura de memória e de preservação no
instituto (a palestra “A Memória Institucional e o Preservo”, com Paulo Elian e Marcus
Araújo Pinheiro, da COC/Fiocruz, aconteceu em novembro de 2017 e a mesa redonda
“Arquivos, Ditadura e Democracia”, com as historiadoras Ana Luce Girão, da COC e Socorro
Ferraz, da UFPE além do Diretor do Arquivo Público de Pernambuco, em abril de 2018).
No entanto, identificar os bens culturais, ou melhor, os objetos e instrumentos de
pesquisa que foram usados no passado e que ainda se encontram no IAM/Fiocruz era tarefa
urgente. Daí a necessidade de contratação de especialistas para identificar, junto com os
participantes da Comissão e outros trabalhadores do Instituto, os bens relacionados à história
e memória da instituição.
O primeiro passo de qualquer ação de preservação é o conhecimento. Não se pode
preservar o que não se conhece. Se não se sabe o que há, consequentemente, não se sabe
como proteger, e muito menos, como apresentar este patrimônio para a comunidade
acadêmica e para a sociedade em geral (RIBEIRO, 2015).
A quase totalidade dos documentos e artefatos científicos e tecnológicos utilizados nas
pesquisas pioneiras realizadas pelo instituto de pesquisas em esquistossomose, filariose e
peste, por exemplo, foram descartados. Os poucos que ainda existem encontram-se sob abrigo
dos “colecionadores”, ou seja, técnicos e pesquisadores que guardam em seus locais de
trabalhado, sem identificação e sem nenhum cuidado de preservação preventiva, um ou outro
objeto.
O processo de levantamento e diagnóstico do acervo cultural do IAM/Fiocruz
De acordo com relatório apresentando pela MUZE Museologia e Patrimônio, o
trabalho envolveu dois levantamentos: o museológico e o fotográfico. Para o levantamento
fotográfico foram pesquisados três espaços que possuem acervo dentro da instituição: a
Biblioteca, a Assessoria de Comunicação Social (ASCOM) e o Núcleo de Plataformas
Tecnológicas (NPT 3) – Fotografia.
A Biblioteca abriga, ainda de forma inadequada, a quase totalidade das fotografias em
papel da instituição. Elas estão distribuídas por álbuns, caixas e envelopes de papel. O
quantitativo encontrado foi de aproximadamente 2275 fotos físicas e 885 negativos (esse
valor possui uma variação para mais ou para menos de aproximadamente 5%). A grande
maioria não apresenta identificação e está acondicionada em envelopes de papel ofício. No
geral, o estado de conservação é bom, mas algumas fotos já começam a apresentar perda de
imagem e a embranquecer devido a exposição a luzes fortes. Os negativos, no entanto, estão
se deteriorando a ponto de se desfazerem na mão, além de apresentarem nível de acidez
elevado e boa parte já está perdendo a imagem. Na Assessoria de Comunicação (ASCOM)
estão, desde 2001, as fotos em formato digitalarmazenadas em 16 itens, entre CD’s e DVD’s,
totalizando aproximadamente 13.685 fotos. Há também um “Hard Disk” (HD) externo com
aproximadamente 58.520 fotos (esse valor possui uma variação para mais ou para menos de
aproximadamente 5%). O Núcleo de Plataformas Tecnologias (NPT) guarda o acervo de
fotografia - além de instrumentos e material fotográfico - pertencentes ao antigo “Setor de
Fotografia Científica”, e existiu na década de 1980. Era vinculado as atividades de
microscopia eletrônica e óptica e realizava os serviços de produção e tratamento de imagem
das pesquisas produzidas pelos investigadores do centro de pesquisas. Por envolver as
imagens dos estudos dos pesquisadores, não foi possível, no momento, obter informações
nem a respeito do quantitativo, nem às condições materiais dessas fotografias científicas.
O processo de levantamento e catalogação do acervo museológico se deu em cinco
momentos específicos, tratados como delimitadores das ações: 1) apresentação, pela
coordenação da Comissão, dos espaços com acervos e possíveis acervos; 2) apresentação,
também pela Comissão, dos técnicos e pesquisadores que pudessem fornecer informações
sobre as peças; 3) levantamento de acervo passível de ser incorporado posteriormente; 4)
arrolamento das peças que estavam expostas no mezanino, e, por fim, 5) a catalogação das
peças. No processo de apresentação dos espaços e dos técnicos e pesquisadores foi observado
que algumas peças de interesse da Comissão ainda estavam em uso, principalmente no
Departamento de Microbiologia, ao qual está vinculado o Serviço de Referência em Peste
(SRP). Por isso houve a necessidade de produzir uma lista e produzir um selo identificador
para impedir a alienação daquele objeto - em uso mas que possui potencial para integrar o
Acervo Museológico IAM/Fiocruz - no caso de quebra ou desuso. Cópias dessa lista foram
repassadas para os integrantes da Comissão e do Setor do Patrimônio, enquanto não for
afixado o selo catalográfico, instrumento que irá permitir que o item não seja descartado e
possa, no futuro, ser reavaliado e integrar o acervo. Pensa-se, para confecção do selo
catalográfico, uma etiqueta feita com papel alcalino - e fixada com um adesivo de Ph neutro,
que possuí uma cola especial para não danificar os objetos – com as inscrições “IAM/Fiocruz
Pernambuco”.
Durante o processo de arrolamento foram levantados aproximadamente 113 itens entre
os que estão em uso e fora de uso, sendo 55 itens já integrantes da “Exposição Frederico
Simões Barbosa: da Medicina a Saúde Pública”, que ainda continua em exposição no
mezanino. Todas as peças que integram a exposição foram automaticamente consideradas
parte do acervo a ser constituído, dada a importância já atribuída por ocasião da concepção e
montagem da mostra. As outras estão espalhados por diversos espaços do centro de pesquisas,
a sua maioria nos laboratórios (mesmo alguns que não estão mais em uso) ou nos gabinetes
dos pesquisadores e técnicos. Todos foram avaliados pela Comissão sendo também atribuído
um valor cultural baseada na relação de pertencimento, afetividade e importância para a
história da instituição.
Durante o processo de arrolamento também foram feitas entrevistas com os técnicos e
pesquisadores, para obtenção de informações sobre o uso, a origem, a época e a historicidade
das peças. Os itens selecionados foram desde mobiliários, a exemplo do primeiro catálogo de
referência da Biblioteca, até equipamentos usados em pesquisas a exemplo de balanças de
precisão analógica, microscópicos, seringas de vidro, ampliador fotográfico, micrótomos,
entre outros.
O processo teve o Thesaurus como item de orientação (quanto a categorização das
peças) e a catalogação seguiu os parâmetros criados pela Casa de Oswaldo Cruz,
(COC/Fiocruz), - unidade científica da Fiocruz dedicada à preservação da memória da
instituição e às atividades de pesquisa, ensino, documentação e divulgação da história da
saúde pública e das ciências biomédicas no Brasil. Tais critérios estão em sintonia com
conceitos e práticas nacionais que adotam a conservação preventiva, o gerenciamento de
riscos, a conservação integrada e a preservação sustentável como princípios centrais.
Vários aspectos podem influir na escolha de objetos e conjuntos de peças para
integrarem o patrimônio cultural da área de C&T e todos estão relacionados a atribuição de
valor. Nesse caso, um valor importante a ser considerado é o objeto, seja de fabricação
nacional ou estrangeira, ter participado de pesquisas, estudos e desenvolvimentos
relacionados a área de C&T. Outro aspecto fundamental refere-se ao caráter histórico dos
objetos, ou seja, um valor relacionado a trajetória do objeto na instituição cientifica. Outro
valor por advir da vinculação do objeto à atividade de determinados pesquisadores, que
produziram conhecimento e que fizeram parte ativa da vida acadêmica institucional. Essas
considerações são levantadas por Granato et al. (2014) em artigo que relatam pesquisa sobre a
valorização do patrimônio cientifico e tecnológico brasileiro e se aplicam no caso do acervo
do Instituto Aggeu Magalhães.
Tomemos, como exemplo, três equipamentos que foram usados no Plano Piloto da
Peste (PPP), em Exu, na década de 1960, que passaram a integrar o acervo pela participação
em estudos fundamentais sobre a peste no Brasil. Entre ele a balança de precisão alemã
(FIGURA 1) que era usada para pesar os ingredientes na preparação dos meios de cultura para
o cultivo da bactéria da peste. O encapsulador (FIGURA 2), adquirido na década de 1970
ainda é utilizado para pelo Serviço de Referência em Peste (SRP) - hoje sediado no
Departamento de Microbiologia do IAM/Fiocruz – no processo de produção de insumos para
diagnóstico da peste. Esse é um exemplo também de objeto que irá receber o selo
catalográfico quando sair de uso.
O SRP foi coordenado até recentemente pela pesquisadora Alzira de Almeida, que
participou do Plano desde a sua origem, em 1966, e que hoje ainda atua no Aggeu Magalhães.
Ela foi a primeira pesquisadora a extrair o antígeno e a produzir o conjugado para diagnóstico
da peste por imunoflorescência no Brasil, após receber treinamento no Center for Diseares
Control (CDC), no Colorado (EUA). Este feito permitiu ao Ministério da Saúde a manutenção
do Programa de Vigilância Sorológica da Peste em todos os focos pestosos do país, que segue
sem interrupção até hoje em que o SRP é o único produtor de insumos para diagnóstico da
peste do Brasil e da América do Sul.
FIGURA 1 - Balança de precisão analógica alemã, da marca Draeger, usada para preparação de meios de cultura para o cultivo da bactéria da peste, em Exu, Pernambuco, na década de 1960. Fonte: Raimundo Pimentel – IAM/Fiocruz
FIGURA 2 – Encapsulador, da marca nacional SOC Fabbe, da década de 1970, ainda usado para fixar as cápsulas de alumínio nos frascos com o antígeno usado no diagnóstico da peste produzido e distribuídos para todo Brasil pelo IAM/Fiocruz. Fonte: Silvia Santos -IAM/Fiocruz
Principais desafios a partir do levantamento e diagnóstico dos acervos A partir dos resultados apresentados pelo relatório - com o levantamento, diagnóstico,
catalogação, além de apontamentos e sugestões das especialistas à Comissão para Gestão de
Acervos Culturais das Ciências e da Saúde do IAM/Fiocruz, o grupo vem se reunindo para
discutir e proceder aos encaminhamentos necessários. As demandas são várias e envolvem
desde a necessidade de formação de uma cultura de memória e preservação na instituição a
questões mais específicas e urgentes, a exemplo de um local para servir como reserva técnica
dos bens catalogados. Todas constituem desafios que devem ser enfrentados não apenas pelos
participantes da Comissão, mas por toda Fiocruz. Listamos, a seguir, os principais:
a) Sistematização de procedimentos e processos de trabalho relacionados a manutenção
do acervo museológico, buscando, em especial, instituir fluxo entre a comunidade, o
Serviço de Compras e Material, o Setor de Patrimônio e a Coordenação da Reserva
Técnica.Para tanto deverá ser elaborado um manual com normas e procedimentos;
b) Criação de um banco de dado com as informações dos bens musealizados;
c) Ocupação e adequação de espaços de área expositiva (mezanino) e de Reserva Técnica
(a ser criada);
d) Tratamento, identificação, catalogação e disponibilização dos acervos fotográficos
com a criação de um banco de imagens;
e) Concepção, planejamento e execução de atividades com o objetivo de sensibilizar a
comunidade para a importância da preservação do patrimônio cultural;
f) Criação de “Espaços de Memória” na instituição, onde objetos do acervo seriam
exibidos (com trocas periódicas) em totens de madeira cobertos com cúpulas de
acrílico distribuídos por locais estratégicos (laboratório-escola, entrada de alguns
laboratórios, recepção) do centro de pesquisas. A curto ou médio prazo não é possível
a criação de um museu na instituição, seja pela falta de recursos financeiros e
humanos, seja pela falta de espaço, seja por não ser a questão ser considerada
prioritária pela comunidade.
Acredita-se, assim, que iniciativas elencadas são fundamentais para ampliar o
conhecimento e a divulgação do patrimônio cientifico da instituição, além de permitir a
permanência desses objetos no tempo.
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