PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO E MEMÓRIA:
Reflexões sobre a Construção da Identidade no Rio Mapuá, Marajó, PA/Brasil
Eliane Miranda Costa*
Diogo Menezes Costa**1
Agenor Sarraf Pacheco***23
RESUMO: O texto tem como foco de discussão as memórias do Senhor Antônio Ferreira
Gonçalves, popularmente conhecido como “Galo”, um morador do rio Mapuá, região do
município de Breves, no arquipélago do Marajó. Dentre os vários temas narrados por este
agente histórico, destacam-se: patrimônio arqueológico, práticas de cura, tesouros enterrados
e vida pessoal (identidade), os quais serão aqui analisados. A discussão proposta vislumbra
refletir acerca das dimensões simbólicas desses elementos por meio da relação identificada
nas memórias do narrador com o tempo e o espaço no Mapuá na interface com a abordagem
teórica. Metodologicamente, trata-se de um texto que analisa uma narrativa oral com base em
autores como Bezerra (2009; 2011), Bosi (1999), Gonçalves (2009), Lowenthal (1998), Nora
(1993), entre outros. As reflexões e análises engendradas permitem argumentar que se faz
necessário pensar os elementos em destaque como instrumentos culturalmente construídos.
Estes elementos, em geral, contribuem para revelar e conhecer aspectos dos diferentes modos
de vida presentes no contexto das realidades específicas do arquipélago do Marajó.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio arqueológico. Memória. Práticas de cura. Identidade.
Introdução
As relíquias nos oferecem apenas conjecturas sobre o comportamento e convicções;
para demonstrar reações e motivos do passado, os artefatos precisam ser ampliados
por relatos e reminiscências (Lowenthal, 1998:156).
O estudo do patrimônio, em especial, o cultural arqueológico tem possibilitado,
sobretudo nas últimas décadas, entendermos a relação estabelecida entre comunidade e
cultura material. Nessa perspectiva, os sítios arqueológicos configuram-se como uma base
material para os indivíduos construírem seu imaginário histórico, ou melhor, elaborarem suas
representações simbólicas do passado na interface com o presente (Schaan & Silva, 2004).
Os sítios arqueológicos constituem-se, então, como importantes espaços de reflexões
da vida humana, logo da formação de memória e construção da identidade. Trata-se, portanto,
de um lugar de memória (Nora, 1993) onde presente e passado entrelaçam-se em uma espécie
* Doutoranda do PPGA/UFPA.
** Universidade Federal do Pará. Pós-doutorado em Arqueologia pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2012) e Ph.D. em Antropologia pela University of Florida (2010). Professor efetivo do PPGA/UFPA. 2*** Universidade Federal do Pará. Doutor em História Social (PUC/SP, 2009). Professor Adjunto II da UFPA.
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de simbiose. Nesse processo, os artefatos podem ser caracterizados como instrumentos de
legitimação da formação humana à medida que se constituem em caminhos que, por meio da
memória, possibilitam conhecermos as antigas gerações.
Para o artefato ultrapassar, contudo, a ideia de conjectura, ele precisa ser ampliado por
meio de relatos e reminiscências (Lowenthal, 1993). Daí entender ser a memória um
fenômeno que não anula o tempo e nem o reconstrói tal e qual ele foi, mas apenas permite
conhecermos fragmentos do passado no presente (Bosi, 1999). A memória dá sentido ao
artefato, o que faz dizer que entre memória e patrimônio arqueológico existe uma relação
fenomenológica.
Diante disso, com base nas memórias de um morador do rio Mapuá, o senhor Antônio
Ferreira Gonçalves, conhecido como “Galo”, este texto objetiva fazer uma breve discussão
sobre patrimônio arqueológico, práticas de cura, tesouros enterrados e identidade pessoal,
explorando elementos compartilhados por nosso interlocutor em entrevista concedida em
junho de 2014. Apreendemos o processo de rememoração como esforço do narrador para dar
sentido a imagens fragmentadas do passado vivido. Assim, as memórias socializadas são
tecidas no ato da entrevista sendo, portanto, influenciada pelas condições materiais e
simbólicas do momento e da relação entrevistador e entrevistado. As informações apreendidas
ajudam a entender, na ótica do depoente, parte da história da vida indígena no rio Mapuá.
A discussão inicialmente evidencia pressupostos básicos da arqueologia e do
patrimônio a partir de Gonçalves (2009; 2005), Choay (2006), Fonseca (2009), Bezerra
(2011), entre outros. Em seguida, dar-se-á ênfase na relação entre patrimônio arqueológico,
memória e identidade tendo como expoente Pollak (1992), Nora (1993), Bosi (1999), Le Goff
(2003), para citar os principais. Ao finalizar, argumenta-se ser necessário pensar o patrimônio
arqueológico, a memória, as práticas de cura, tesouros enterrados e identidade no rio Mapuá e,
por conseguinte, no Marajó das Florestas (Pacheco 2006), como elementos, historicamente
construídos, que tendem a contribuir para evidenciar aspectos dos diferentes modos de vida
presentes nos contextos específicos do arquipélago do Marajó.
Arqueologia e patrimônio
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A arqueologia não está separada da sociedade e nem é um mero reflexo desta, mas
tem um papel a desempenhar em um diálogo racional a respeito da natureza da
humanidade, diálogo que uma melhor compreensão das relações entre a prática
arqueológica e seu contexto social facilitador (Trigger, 2004:399).
Nessa perspectiva, o papel da arqueologia vai além do “resgate de vestígios” com a
técnica da escavação. Preocupa-se também com as relações estabelecidas entre qualquer
comunidade e o patrimônio arqueológico, prática experienciada/defendida pela arqueologia
pública. Esta vertente de acordo com Bezerra (2011:62):
é uma forma de praticar a Arqueologia [...] dentro de uma perspectiva circular
(Bezerra, 2009), na qual as narrativas locais sobre o passado são consideradas na
construção e na reorientação das pesquisas acadêmicas; e não como um conjunto de
ações para o público, entendido de maneira genérica (Bezerra, 2011:62).
Diante dessa concepção, é possível interpretar que na esteira da arqueologia pública os
relatos orais, as lembranças, as memórias configuram-se como elementos que dão sentido ao
artefato, isto é, ao patrimônio cultural arqueológico. Costa (2004:346) compreende patrimônio
arqueológico como “todo produto material que faça relação ou alusão à memória humana
[...]”, portanto, à formação humana. Nesse propósito, constituem elementos do patrimônio
arqueológico,
todos os vestígios, bens e outros indícios; cuja preservação e estudo permitam traçar
a história da humanidade (tempo) e a sua relação com o ambiente (espaço); e cuja
principal fonte de informação é constituída por métodos arqueológicos que forneçam
conhecimentos primários acerca do tema (Costa, 2004:346).
Esses autores contribuem para definirmos, neste estudo, patrimônio arqueológico
como produto da narrativa e simbologia efetuada pelo interlocutor desta pesquisa. Trata-se de
uma narrativa em parte balizada pelos artefatos encontrados no sítio de cemitério indígena no
Mapuá. Neste sítio, os artefatos encontrados constituem-se em legado das gerações indígenas
que viveram no rio Mapuá, as quais deverão ser analisadas e estudadas pelas gerações atuais
no sentido de buscar respostas para indagações presentes sobre a ocupação humana em
contexto marajoara.
É preciso assinalar que nesse território denominado pelo historiador Agenor Sarraf
Pacheco (2006:20) de “Marajó das Florestas” poucos estudos arqueológicos foram realizados,
e com isso pouco se sabe da ocupação humana no rio Mapuá, um dos espaços mais antigo do
município de Breves (Pacheco, 2010). Tal espaço está localizado aproximadamente a doze
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horas da sede do município. Seu único meio de acesso é o transporte fluviomarítimo. É um
local que tem o modo de vida ditado pela água e pela dinâmica das florestas. No período de
janeiro a julho, na invernada marajoara, a maioria dos terrenos fica em baixo da água. A partir
de julho a dezembro, o verão impera, quando parte do rio se transforma em caminho. Em
meio a essa paisagem vive atualmente, cerca de três mil famílias, entre estas se encontra a
família de Seu Galo, a qual segundo ele é descendente indígena.
Neste território, a pesquisadora Dirse Kern do Museu Emílio Goeldi localizou quatro
(04) sítios arqueológicos e um (01) sítio de cemitério indígena. De acordo com Martins,
Schaan e Silva (2010:113) esses sítios apresentaram “solo com coloração escura, denominada
de Terra Preta Arqueológica (TPA) muito utilizada pelas populações locais em função de sua
fertilidade”.
A informação que se tem é que nos sítios já foram e continuam sendo encontrados
diversos tipos de artefatos, aqui considerados patrimônio cultural arqueológico, tanto da
cultura indígena como da cultura europeia. A relação desse patrimônio com a memória a
partir da narrativa em estudo que procuramos interpretar. Partimos do entendimento de que
patrimônio possui a capacidade de estimular a memória das pessoas e com isso permite ao
indivíduo realizar e afirmar sua identidade cultural, além de reconstruir seu passado histórico.
Nesse sentido, interpretamos o patrimônio cultural arqueológico como um lócus privilegiado
para as memórias adquirirem materialidade.
De acordo com a constituição histórica, o conceito de patrimônio só passou a ganhar
contornos semânticos mais específicos com a modernidade, sobretudo a partir da formação
dos estados nacionais, em fins do século XVIII, embora seja considerado uma categoria de
caráter milenar presente desde o período clássico (Fonseca, 2009). Na compreensão de
Gonçalves (2009:26) patrimônio é “uma categoria de pensamento extremamente importante
para a vida social e mental de qualquer coletividade humana”. Portanto, não se restringe as
modernas sociedades ocidentais (Gonçalves, 2005).
Para Choay (2006:11) trata-se de uma categoria “requalificada por diversos adjetivos
(genética, natural, histórico, etc.) que fizeram dela um conceito ‘nômade’”, isso permite
seguir atualmente “uma trajetória diferente e retumbante”. Desse modo, pode-se dizer que
patrimônio é uma categoria complexa que abarca diferentes sentidos de acordo com o
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contexto que está inserido. Isso significa entender que patrimônio pode ser compreendido de
diferentes formas ao longo do tempo e em distintas sociedades.
No âmbito do contexto nacionalista brasileiro, sob a governança de Getúlio Vargas
nos anos de 1930, foram implementadas as políticas patrimoniais em defesa de um projeto de
identidade nacional, baseado no ideário político-ideológico do Estado novo. Todavia, é
importante observar que o conceito de patrimônio aqui no Brasil diferentemente de países
europeus, como a França, ganhou força nas primeiras décadas do século XX em consequência
do movimento de renovação cultural da Semana de 22. Esse repensar cultural brasileiro
consagrou os bens culturais como símbolos da cultura nacional. A preocupação voltou-se para
o “resgate” e a preservação da memória somada à proteção de bens públicos, os quais se
tornavam novos símbolos, legitimados legalmente por meio de decreto-lei, sob a égide de
organismos internacionais (Fonseca, 2009).
As primeiras medidas oficiais surgiram em 1936, a partir de um anteprojeto de Mário
de Andrade e alguns intelectuais da época, com suas concepções sobre arte, história, tradição
e nação, por meio da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN). Posteriormente Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que,
em parte do século XX, deteve-se na preservação do patrimônio de “pedra e cal”, associado
ao passado colonial, com um viés claramente elitista e de pouca participação da sociedade na
seleção dos bens patrimonializados (Fonseca, 2009).
É nesse período, mais precisamente nos anos 60, que a legislação brasileira demonstra
preocupação com a preservação dos bens arqueológicos como patrimônio cultural da União
por meio da Lei nº 3.924/61. É exatamente, quando os estudos de arqueologia no país se
tornaram mais efetivos a partir da realização de várias pesquisas em todo o território
brasileiro. Tais pesquisas, em sua maioria, buscavam a sistematização de dados arqueológicos
e aplicabilidade de teorias desenvolvidas, sobretudo, por pesquisadores europeus e norte-
americanos, a exemplo, do casal Betty Meggers e Clifford Evans que desenvolveram
pesquisas mais sistemáticas no Arquipélago do Marajó na década de 1940 (Fonseca, 2009;
Schaan, 2009).
Diante da legalidade instituída, os sítios arqueológicos tornaram-se patrimônios a
serem protegidos e preservados à medida que se configuram como territórios onde se
encontram indícios do patrimônio cultural deixados por uma população. Daí compreendê-los
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como lugares de memória (Nora, 1993) e, por conseguinte, de encontro do tempo passado e
com o tempo presente, tornando-se assim num importante viés interpretativo. Nessa conexão,
temos patrimônio arqueológico estritamente relacionado à construção da identidade e a
formação humana.
Entende-se que com a preservação da memória e a proteção dos bens públicos amplia-
se a compreensão de patrimônio, e com isso a própria ideia de identidade nacional, tendo em
visto que com a criação de leis e órgãos o patrimônio não só começou a ser preservado, mas
se tornou uma categoria ampliada, passando a contemplar também os grupos sociais e étnicos
historicamente subalternizados. A partir de então, bens materiais e imateriais têm sido
catalogados, estudados e reconhecidos como patrimônio em todo o país.
Ao longo do século XX, a partir da UNESCO, observa-se a ampliação do conceito de
patrimônio como uma categoria complexa, polissêmica que abrange tanto a dimensão material
como a imaterial, em que esta última se constitui em plena interação com as expressões da
cultura material. Neste caso, ambas as dimensões são indissociáveis da condição humana ao
longo dos tempos, entendimento que se estende para o século XXI. Isso levou Hartog (2006,
p. 268), afirmar que estamos vivendo em uma época do “tudo patrimônio”. Para esse autor “o
patrimônio é uma maneira de viver rupturas, de reconhecê-las e reduzi-las, referindo-se a elas,
elegendo-as, produzindo semióforos” (Hartog 2006:272). Compreende-se que patrimônio para
esse autor é uma categoria ligada ao território e à memória, as quais operam como vetores de
identidade.
Diante dessa perspectiva interpretamos patrimônio e memória como resultados da
relação humana com o espaço e o tempo vivido. Tal entendimento corrobora com que
expressa Gonçalves:
O patrimônio é usado não apenas para simbolizar, representar ou comunicar: é bom
para agir. Essa categoria faz mediação sensível entre seres humanos e divindades,
entre mortos e vivos, entre passado e presente, entre o céu e a terra e entre outras
oposições. Não existe apenas para representar ideias e valores abstratos e ser
contemplado. O patrimônio, de certo modo, constrói, forma as pessoas (Gonçalves,
2009:31).
Isso abre possibilidade para, de alguma forma, interpretar o patrimônio arqueológico
do Mapuá, sobretudo, o cemitério indígena como espaço de formação de memória e de
identidade. É sobre essa dimensão que procuramos evidenciar no tópico abaixo.
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Patrimônio arqueológico, memória e identidade no Mapuá
Todo artefato humano pode ser deliberadamente investido de uma função memorial
(Choay, 2006:26).
Choay (2006) e as ideias apresentadas no texto contribuem para interpretarmos que o
patrimônio cultural arqueológico do Mapuá pode ser investido de uma função tanto memorial
como identitária. Memória e identidade constituem-se, desse modo, em elementos
constitutivos da formação humana. Corrobora com tal entendimento o pensamento de Le Goff
(2003:469) quando escreve: “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar
identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angustia”.
Nessa busca, é pertinente considerar esse elemento não com um fenômeno eternizado
no passado, ou na recuperação de um passado, também não é algo fixo ou inalterado e aquém
da memória e do patrimônio cultural arqueológico, ao contrário é um fenômeno que sofre
transformações constantes (Hall, 2006). Nesse sentido, entende-se identidade “como uma
‘produção’, algo que nunca está completo, que é sempre processual e sempre construído no
quadro, e não fora, da representação” (Hall, 2006:21).
Interpretamos esta como uma concepção que valoriza a diferença e reconhece a
heterogeneidade e a diversidade do indivíduo no contexto que está inserido. Desse modo, que
o cemitério indígena no Mapuá constitui-se ponto de partida dessa discussão. Todavia, em
primeiro lugar, precisa ser dito, com base na imagem abaixo e no entendimento de que o sítio
arqueológico é espaço de formação humana, que analisamos o cemitério indígena como o
lugar de memória do senhor “Galo” (Nora, 1993).
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Um lugar onde estão os artefatos, os restos da cultural material indígena do rio Mapúa
e ancestrais desse narrador. Segundo Nora (1993:12) “Os lugares da memória são antes de
tudo restos” e abrange os sentidos: material, simbólico e funcional, presentes neste cemitério,
à medida que seu conteúdo demográfico permite a cristalização e transmissão da lembrança. E
mais envolve simbolicamente as experiências compartilhadas por um grupo que se encontra
vivamente na memória de nosso interlocutor (Nora, 1993).
Bosi (1999:47) corrobora com tal perspectiva ao entender que a memória “permite
estabelecer relação entre o corpo presente e o passado, além de interferir no processo atual das
representações”. Nesse processo, a linguagem caracteriza-se como um principais elementos
para afirmar o caráter social da memória, uma vez que “ela reduz, unifica e aproxima no
mesmo espaço histórico e cultural a imagem do sonho” (Bosi, 1999:56).
Lembrança e linguagem dão, desse modo, sentido e vida à memória. São elas que nos
revelam que parte da memória de nosso interlocutor resulta de uma vivência por tabela e/ou
herdada, na expressão de Pollak (1992). No caso deste estudo, uma memória herdada da
bisavó como se constata no relato:
Quem me falou foi minha bisavó [...] que lá foi onde foi sepultado todos os
entes queridos parentes dela, meu, que na verdade sou ainda da mesma tribo
[...] lembro do que ela me disse: neto tu vai um dia falar sobre isso que eu te
falei [...] vou te dá toda informação, tudo como começou e tudo como
terminou. (A.G 2014, grifos nosso).
Pollak (1992) entende que a memória é composta por elementos constitutivos de
acontecimentos vividos pessoalmente e de acontecimentos vividos por tabela, ou seja,
acontecimentos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou grupo. Nesse
caso, a memória é herdada. Para este autor a memória herdada pode ser considerada como um
elemento que pertence ao sentimento de identidade tanto individual como coletivo, pois a
compreende como um fator importante para o sentimento de unidade, continuidade e
coerência do indivíduo e do grupo.
Imagem: Cemitério Indígena. Foto: Agenor Sarraf, 2014.
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Costa (2014:4) define a memória herdada como memória cultural, compreendendo que
a herança “faz referencia a saberes passados de geração em geração, com o auxílio de
mnemônicas culturais”. Além da herança, a memória cultural de acordo com o autor
compreende ainda o discurso, o qual é usado diariamente na formação identitária do grupo.
Memoria cultural envolve, portanto, não só o ato de dar testemunhos sobre os eventos do
passado, mas, sobretudo, o ato de produzir depoimentos contextualizados no presente
(Assmann, 1995 apud Costa, 2014).
Esse processo, segundo Costa (2014) é permeado por um discurso prolongado que
pode se estender de geração em geração ao longo dos tempos. Assim, entende que a memória
cultural não se resume no acúmulo de informações desconexas, mas constitui-se em uma
construção social, o que leva o autor (2014:4) entendê-la, também como “uma memória
coletiva ou comunicativa que ocorre ao longo do tempo”. Memória coletiva não como
entende Halbwachs, isto é, atrelada ao presente, mas como uma memória “ensinada e
aprendida” que se distância do tempo atual (Assmann, 1995 apud Costa, 2014:5).
Essa relação com o tempo é marcada por mudanças na construção histórica de cada
geração e sociedade em diferentes períodos e contextos, porém, pertencentes a “uma mesma
linha do tempo” (Costa, 2014:5). Tal entendimento contribui para interpretar a memória
cultural não só como possibilidade de estudar a memória coletiva de uma determinada
sociedade, mas também como “uma janela para conhecermos a sociedade atual” (Williams,
2007 apud Costa, 2014:5).
Em certa medida são aspectos nesse sentido, que se observa na memória desse
interlocutor. Narra ele:
O cemitério indígena, o índio nunca era sepultado como somos nós hoje,
dentro de um caixão. Índio era sepultado dentro de uma igaçaba feita de
barro pelas mãos das índias que sabia trabalhar [...] minha bisavó sabia
muito bem, muito embora ela nunca tivesse feito, mas ela disse que a mãe
dela e pai e outros parentes sabiam fazer. Índio quando morria lá onde tem
aquele [...] cemitério que hoje todo mundo chama, nós não chamamos de
cemitério só de arqueólogo, onde eram arqueados todos os ossos. Índio
morrendo ia para dentro de uma lagoa [...] a lagoa do lamento. Aí coloca lá e
quando começa se decompuser a carne ia fazer a lavagem dos ossos e tirar
da carne tirar todos os ossos. Osso por osso não se pode perder nenhum. A
pessoa que tinha o maior sentimento das três pessoas que iam fazer a
lavagem dos ossos, depois de colocar, é os ossos todo dentro de uma cesta
preparada, colocava aí uma ramagem de flor da maneira que todos os índios
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gostassem. Aí que ia para o lamento do índio de maior sentimento para ele
colocar, uns tinham uma tira de pedra para riscar o braço e derramar o
próprio sangue em cima dos ossos. Aí a igaçaba pronta colocava os ossos
dentro. Por isso que é assim como pote, colocava os ossos, selava para poder
sepultar em pé, e só os ossos, a carne já tinha sido decomposta no lago do
lamento. Lá ninguém podia triscar aí se sepultava se caso o índio tivesse
algum bem [...] colocava dentro da igaçaba e enterravam junto com os ossos
(A.G 2014).
A narrativa demonstra a vivacidade da memória individual desse morador, mas
também de um grupo, neste caso, dos indígenas, seus ancestrais. Trata-se de lembranças
transmitidas no âmbito familiar e, por isso, herdada e guardada na memória desse morador.
Uma memória de certa forma bem guardada tanto que, às vezes, até pode o confundir e levar a
pensar que realmente vivenciou aquelas lembranças.
Em todo caso, a memória narrada é permeada por importantes saberes da tradição
cultural do povo indígena e sua forte relação com a natureza. Questionado sobre o motivo de
seus ancestrais enterrarem apenas os ossos, o narrador esclareceu:
Os ossos, a terra tem o direito de comer, já a carne a água tem que decompor
porque foi ela que alimentou o corpo para sobreviver, a terra tem o direito de
dá fim nos ossos (A.G 2014).
Nessa tradição, interpreta-se que as técnicas e ritos do sepultamento indígena
constituíam-se em elementos reveladores da cultura indígena, logo de suas marcas identitárias
e de seus bens patrimoniais. Temos aí, um processo de construção social em que a identidade
cultural pode ser pensada e interpretada, com base em Hall (2006), ao menos de duas formas:
uma individual, porém, partilhada, cujo modo de ser é sempre coletivo; e, outra que reflete as
experiências históricas comuns, bem como os códigos culturais partilhados pelos indígenas.
Essa segunda concepção no entendimento do autor, embora relacionada com a
primeira, difere dela à medida que “reconhece que, a par dos muitos momentos de
semelhança, existem pontos críticos de profunda e significativa diferença que constituem
‘aquilo que somos realmente’” (Hall, 2006:24. Grifo do autor). Nessa perspectiva “identidade
cultural é um ‘tornar-se’ e não apenas um ‘ser’. Pertence tanto ao futuro como ao passado.
Não é algo que já exista e transcenda lugar, tempo, história e cultura” (Hall, 2006:24).
Assim, a identidade cultural desse interlocutor é um construto individual e social em
constante transformação. É um elemento consubstanciado por memória e saberes herdados, os
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quais o próprio interlocutor chama de dom recebido do Divino Espirito Santo para curar as
pessoas. Relata-o:
[...] É dom. Eu tenho um conhecimento. Por acaso eu comecei tratando de
criança quando eu tinha 28 anos. Tinha o dom, mas ninguém sabia, quando
foi um dia uma criança adoeceu próxima de mim eu vi que ela estava muito
precisando de uma ajuda aí eu falei gente eu sei o que é a doença dessa
criança se vocês me permitirem vocês afastem tudinho daqui [...] eu tinha
vergonha não nego eu tinha vergonha de fazer [...]. Aí eles saíram fora, aí eu
fui coloquei a mão na cabeça da criança fiz as minhas orações [...]. Dom é
assim e eu não posso ficar contando tudo diretamente porque é difícil não é
uma coisa assim você tem uma mensagem quando você tá fazendo sua
obrigação. Você tem uma mensagem do Divino Espirito Santo que diz é tal
coisa, é tal remédio é a cura, pronto. E a criança ficou boa de uma hora para
outra. [...] o meu tratamento é independente de médico. O médico sabe eu
tenho contato com médico, mas eu também não vou atacar a área que é dele,
a área minha é minha a dele é dele.
O tom revelador de seu saber como descendente indígena e o reconhecimento da
medicina do homem branco demonstram o grau de consciência identitária do narrador, bem
como corrobora para identificar a prática de cura como constituinte de sua vida (identidade).
A prática de cura, chamada também de medicina popular, é segundo Maués (1994), muito
frequente aqui no Brasil, sobretudo, na Amazônia rural. É uma prática exercida pelos
chamados “pajés”, “benzedor/a”, “feiticeiro/a”, “parteira”, etc. nas comunidades tradicionais,
com destaque para os caboclos e os indígenas. Esses sujeitos tem o poder de curar qualquer
membro de sua comunidade, utilizando um conjunto de práticas e diferentes rituais, isto é,
poderes construídos por meio da ajuda de espíritos de animais, no caso, de indígenas,
conforme indica os estudos de Junqueira (2004) e de seres encantados do fundo e da mata no
caso dos caboclos, de acordo com Maués (1994).
Junqueira (2004) ao estudar a sociedade Kamaiurá identificou que o poder de cura do
pajé vem da ajuda dos animais, sobretudo, do animal protetor do pajé. Escreve ela:
A existência do próprio pajé, enquanto especialista em cura, deve-se à ajuda que os
bichos lhe concedem, ensinando-lhe como fumar, como lidar com as doenças e
curar. Sem a ajuda do espírito do animal protetor, é impossível para o pajé acabar
com a doença, auxiliar um parto complicado, etc. (Junqueira, 2004:294).
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A autora analisa que “o trabalho do pajé abrange um vasto campo do mundo espiritual;
ele não só realiza curas como previne a comunidade de males, localiza objetos furtados,
identifica feiticeiros etc.” (Junqueira, 2004:294). Em outros termos, significa dizer que se
trata de um sujeito com responsabilidades e prestígios diferenciados em que exerce um grande
poder na comunidade.
A pajelança cabocla, por sua vez, segundo Maués (1994:73) “se fundamenta na crença
nos ‘encantados’, seres invisíveis que se apresentam durante os rituais incorporados no ‘pajé’
(isto é, o xamã), que é a figura central da sessão de cura”. Em geral, a pajelança cabocla é
considerada como “uma forma de culto mediúnico, constituído por um conjunto de crenças e
práticas” (Maués, 1994: 75) envolvendo seres encantados, tanto do fundo dos rios como da
mata, da floresta. Os encantados do fundo são denominados de “bichos-do-fundo” (os quais
podem se manifestar sob a forma de diferentes animais aquáticos, como boto, peixes, cobras
etc.), “oiaras” ou “caruanas”. Já os “encantados-da-mata”, conhecidos como “anhanga” e
“curupira”, “têm o poder de ‘mundiar’ as pessoas, isto é, fazê-las perdesse na floreta” (Maués,
1994:76).
Esses seres são considerados por Maués (1994:76) como importantes elementos da
ideologia e, também, simbologia regional, uma vez que funcionam “como uma espécie de
defensores míticos da floresta, dos rios, dos campos e dos lagos” (1994:76). Além de
possibilitar ao pajé, benzedor, etc. conhecimento para curar os diversos tipos de doenças.
Têm-se, assim, práticas de medicina local desenvolvida por meio de métodos de tratamento
do pajé, benzedor/a etc. de caráter amplos concernentes à ideologia dos sujeitos que
procuram, bem como do próprio pajé. A pajelança assume, por meio dos métodos de
tratamentos adotados pelo pajé “um caráter ‘holístico’, totalizante” condizente com as
necessidades dos sujeitos que o procuram (Maués, 1994:80).
A prática de medicina local é considerada por nosso interlocutor como sendo de suma
importância para os povos da localidade. Em geral, nas comunidades tradicionais, essa prática
é muito valorizada, até, mesmo porque os serviços da medicina ocidental institucionalizada
praticamente inexistem, e quando existem às condições são bastante precárias. Desse modo,
ainda que as pessoas procurem pelos serviços médicos oficial na cidade, preferem se tratar
com o “pajé”, “benzedor”, etc. pelo fato de conhecerem e confiarem (Maués, 1994).
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Outro aspecto interessante, nesse processo de cura e fortemente demonstrado na
narrativa em análise é a relação da pajelança com a prática católica, sobretudo quando o
narrador menciona receber “mensagem do Divino Espirito Santo” (A.G, 2014). Maués
(1994:75), apoiado em Galvão (1976) esclarece que a pajelança cabocla tem provavelmente
“origem na pajelança dos grupos tupis”, cujos cultos integrados a um novo sistema de
relações sociais incorporaram crenças e práticas católicas. O que em certa medida contribui
para explicar a narrativa de nosso interlocutor.
A prática de cura aqui descrita integra a dinâmica da realidade local, mas, sobretudo,
revela-se como instrumento da formação identitária desse morador e descendente indígena, a
qual pode ser interpretada como prática aprendida com sua bisavó e construída
conscientemente. Questão que me remete a Thomson (1997:57) quando argumenta “nossa
identidade é a consciência do eu que, com o passar do tempo, construímos através da
interação com outras pessoas e com a nossa própria vivência”.
É um processo, composto por um construto social que se modifica e se rearticula de
acordo com a posição que o indivíduo ocupa e as relações que ele estabelece nos grupos que
participa e/ou participou. Halbwachs (2003) corrobora com esse debate, uma vez que para ele,
a memória do sujeito não está inteiramente isolada, ao contrário sua existência depende da
relação que estabelece com os grupos de referência. É o grupo que dá veracidade a memória
do indivíduo. Para evocar o próprio passado o sujeito precisa recorrer às lembranças de
outros, e com isso, se transporta a pontos de referência que existem fora de si, determinados
pelos grupos. A memória é assim um fenômeno coletivo e social.
Halbwachs (2003), porém, não descarta a possibilidade da memória individual, ao
contrário define esta como um ponto de vista da memória coletiva. Isso porque para esse autor
nossa capacidade de lembrar é estritamente ligada ao grupo. Na narrativa de nosso
interlocutor é possível analisar a lembrança como um constante refazer constituídos de
elementos do passado entrelaçados com o presente. A memória está, assim, içada por
lembranças tanto individual como coletiva. Em meio a essas lembranças figura o imaginário
do desenterrar tesouros doados em sonho. Indagamos ao morador: E quanto a tesouros
enterrados. O que o senhor sabe?
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[...] Minha vó dizia índio só vai levar e dar para quem ele acha que deve.
Tem um sonho aí você sonha. A primeira vez você não pode fazer
propaganda, a segunda vez aí você é informado, aí você tem que ir lá a tal
lugar sozinho meia noite ou sei lá a hora que marcar. E vai só e tira, vai
parecer tal visão porque para não deixar tirar (A. G 2014).
Essa é uma memória que tem sido compartilhada ao longo das gerações e dificilmente
alguém não saiba contar ou já ouviu um parente contar.
Questionamos. E alguém já tirou?
Então, [...] um comerciante, mas ele nunca diz. O pessoal conta que foi
verdade. Nunca no dia que acontecer e você ter sorte você nunca vai contar
pra ninguém [...] nem que você seja um milionário, tenha um grande
comércio desde á hora que você tirar (o tesouro) você se muda ou acaba com
que tem. Você tirou pode ser o início da sua carreira, mas poderá ser o fim se
você insistir em ficar, então, se muda e esquece o lugar (A.G 2014).
A veracidade do ocorrido é um mistério, mas tudo indica que se trata de um mito
lendário. Faz parte do imaginário de praticamente todas as famílias no Marajó. Dificilmente
não se encontre alguém no meio rural e, sobretudo, no rio Mapuá que não tenha sonhado com
um pote de ouro lhe sendo doado. Pode-se dizer que essa é uma memória-patrimônio dessa
população, a qual parece estar sempre sendo atualizada e renovada na memória dos
moradores. Trata-se de uma memória em constante transformação que se apresenta aberta a
lembrança e ao esquecimento e, por isso, vulnerável aos diferentes usos e manipulações
(Nora, 1993:9).
A memória, por conservar certas informações, contribui para que o passado não seja
totalmente esquecido, e como isso capacita o homem a atualizar impressões ou informações
passadas, fazendo com que a história se eternize na consciência humana (Le Goff, 2003). A
narrativa aqui trabalhada expressa essa compreensão quando demonstra uma memória em
parte constituída por uma vivência herdada e em parte por fatos vividos pelo próprio sujeito.
Essas vivências são demonstradas quando narra os fenômenos realizados por ele próprio, isto
é, a cura da criança que realizou, e, principalmente seu envolvimento como liderança na
comunidade e, em especial, com a criação da Unidade de Conservação/Resex Mapuá.
Observa-se que esse envolvimento é memoriado com entusiasmo e preciosismo.
Quando eu tinha 18 anos fui chamado primeiro para ser coordenador
comunitário na igreja católica, [...], foram 18 anos de coordenação [...]. Na
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época fui delegado, [...] o Sindicato do Trabalhador Rural de Breves me
convocaram pra assumir a delegacia sindical de Mapuá [...] a polícia veio aí
me nomeou como agente de polícia, nesse tempo eu era brabo aí eu topei, já
exercia três cargos: coordenador de comunidade, agente de polícia e agente
comunitário. Depois de 28 anos de agente comunitário e sindicalista [...] em
89 surgiu uma polêmica aqui dentro sobre os moradores e o patrão lá no lago
do jacaré [...]. Aí tinha que passar uma madeira e o patrão dizia que só
passava se fosse de avião, eu como representante sindicalista do povo disse
não tem avião que traga mil toras de pau aí por cima. Então disse, mas nós
vamos passar aí foi reunimos. Na época erámos 42 sócios do sindicato do
trabalhador rural, em Breve falei com o presidente do sindicato dos
trabalhadores [...] reuni com eles e ligamos para o nosso advogado de Belém
aí ele autorizou que a gente fosse com a juíza e pegasse uma autorização por
15 dias para baixar com a madeira, mas que se mobilizasse que a ameaça
estava grande de guerra [...]. Aí reunimos 40 pessoas, trabalhamos e
passamos a madeira com a ordem autorizada da juíza [...]. Em 2001
venderam as terras para o chinês, o patrão tinha vendido a terra para o
chinês. Em 99 já tinha vendido as terras em 2001 aí que ele veio para tomar
a posse do terreno, mas com ameaça que o povo não podia tirar a madeira e
não podia fazer roça da maneira que fosse [...] não podia ser feito nada disso
aí porque ele era o dono da terra, mas fomos fizemos uma passeata em
Breves que foi uma polêmica [...] entrou o sindicato, entrou outras entidades
e a comunidade. A comunidade todo tempo apoiou e aí a gente ganhou [...] a
gente preparou em 2000 o abaixo assinado, em 2004 ele seguiu pra Brasília,
e em 2005 quando o Luiz Inácio assumiu a presidência mandou chamar já
para receber o decreto. Aí 20 de maio de 2005 foi decretado a RESEX
MAPUA [...] e eu fui o primeiro presidente escolhido.
Neste longo trecho de sua narrativa, o interlocutor mostra elementos de uma memória
vivida e, por conseguinte, constituída pelas ações, lugares e personagens. Elementos esses que
segundo Pollak (1992) constituem a memória. A memória desse interlocutor guarda um
passado, alimenta uma história e ressalta experiências vivenciadas, o que certamente está
servindo ao presente e servirá ao futuro. Tem-se assim, uma memória cultural, individual e
também coletiva que estabelece vínculos entre as gerações, o espaço e o tempo em que os
acompanha (Le Goff, 2003; Costa, 2014).
Considerações finais
As ideias e concepções trabalhadas ao longo do texto ajudaram a analisar patrimônio
arqueológico, memória, práticas de cura, tesouros enterrados e vivência pessoal (identidade)
como elementos entrelaçados e reveladores da vida humana. Nesse processo, a memória dá
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sentido ao patrimônio arqueológico, definido como fruto da narrativa e simbologia do
interlocutor da pesquisa, o que consideramos aproximar-se de Gonçalves (2009) ao interpretar
patrimônio como categoria de pensamento.
Nessa perspectiva, o patrimônio arqueológico assume a característica de fonte para a
formação e preservação da memória e formação humana. Diante disso, interpretamos o
cemitério indígena, patrimônio arqueológico do rio Mapuá, como espaço de formação humana
e lugar de memória (Nora, 1993) do interlocutor da pesquisa.
Com a narrativa analisada constatou-se uma memória constituída por elementos
vividos por tabela e vividos pessoalmente (Pollak, 1992), ou como assevera Costa (2014) uma
memória cultural. Esses elementos estão estritamente relacionados, em especial, às práticas de
cura, as marcas identitárias do interlocutor, revelando assim, estes como construtos sociais
dinâmicos, inconclusos e em constante transformação. Além disso, demonstra a relação que
os temas tratados aqui, estabelecem com o tempo e o espaço no rio Mapuá. Fato que
corrobora para argumentar ser necessário pensar patrimônio arqueológico, memória, práticas
de cura, tesouro enterrado e identidade no rio Mapuá e, por conseguinte, no Marajó das
Florestas como elementos culturalmente construídos que tendem revelar aspectos dos modos
de vida presente no contexto do Arquipélago do Marajó.
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