Pensamento desenvolvimentista no Brasil
CRangel, São Luis, 07/04/2017 Luiz Fernando de Paula
Professor Titular de Economia Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e membro do Comitê de Governança do Centro Ignacio
Rangel de Estudos de Desenvolvimento (CRangel)
Fatos estilizados
• Brasil: um caso de sucesso de políticas desenvolvimentistas até anos 80?
• Anos 80: estagflação levou a um questionamento das politicas desenvolvimentistas e surgimento do Consenso de Washington
• Desencanto com políticas neoliberais nos anos 90
• Anos 2000: surgimento de abordagens/estratégias neo-desenvolvimentistas -> novo e social desenvolvimentismo
• Experiencia desenvolvimentista nos governos do PT
Estrutura de apresentação
• Conceito de desenvolvimentismo
• Raizes do desenvolvimentismo I: anos 1950
• Raizes do desenvolvimentismo II: estruturalismo latino-americano
• Estruturalismo de Ignacio Rangel
• Estado desenvolvimentista (“Developmental State”)
• Consenso de Washington
• Neodesenvolvimentismo: novo-desenvolvimentismo
• Neodesenvolvimentismo: social-desenvolvimentismo
• Desenvolvimentismo nos governos do PT
O que é desenvolvimentismo?
•Um fenômeno do “mundo do pensamento”, i.e, um conjunto de ideias que se propõe a expressar teorias, concepções ou visões de mundo
•Um fenômeno do “mundo material”, i.e., um conjunto de práticas de política econômica proposta e/ou executadas pelos “policy makers”.
•Desenvolvimentismo brotou da consciência do atraso e da busca de uma estratégia nacional para superá-lo.
Conceito de desenvolvimentismo (Fonseca, 2015) • “Entende-se por desenvolvimentismo a política
econômica formulada ou executada, de forma deliberada, por governos (nacionais ou subnacionais) para, através do crescimento da produção e da produtividade, sob a liderança do setor industrial, transformar a sociedade com vistas a alcançar fins desejáveis, destacadamente a superação de seus problemas econômicos e sociais, dentro dos marcos institucionais do sistema capitalista.”
Raizes do desenvolvimentismo I: anos 1950 e inicio dos anos 1960 • Mundo do pós-guerra: aumento do fosso entre países desenvolvidos e
países subdesenvolvidos; países em desenvolvimento (China, India, Brasil, Indonesia, Mexico, etc.)
• O desenvolvimento por etapas segundo Rostow: o “take off” para o desenvolvimento
• Rosestein-Rodan e o “Big Push”
• Lewis e o desenvolvimento com oferta ilimitada de mão de obra economia dual (setor kta e setor de subsistência)
• Hirschman e o crescimento econômico desequilibrado: desenvolvimento como um processo gradual induzido por “pontos de estrangulamentos” (investimento induzido)
• Gerschenkron e a industrialização retardatária: papel dos bancos de investimento e do Estado
Raizes do desenvolvimentismo II: estruturalismo latino-americano • Deterioração dos termos de troca e esquema centro-periferia
-> Subdesenvolvimento como um subproduto do desenvolvimento das economias centrais
• Condição periférica: inserção subordinada na economia mundial; especificidades da estrutura produtiva e social; heterogeneidade estrutural.
• Desenvolvimento como um processo de mudança estrutural em parte induzido pelo Estado (processo de substituição de importações)
• Industrialização como processo que permite a superação do atraso econômico e social.
• Papel fundamental do setor industrial como difusor do progresso técnico e com forte efeito de encadeamento, permitindo circulo virtuoso produtividade/crescimento da renda.
Celso Furtado • Desenvolvimento clássico X Desenvolvimento periférico (e
subordinado)
• Industrialização periférica: atrelada a um moderno padrão de demanda que se impõe sobre um estrutura produtiva dual e pouco diversificada -> técnicas poupadoras de mão de obra e alta densidade de capital -> concentra renda e não permite massa de salários acompanhar expansão industrial
• Necessidade de reformas estruturais para superar “estagnação” e criar um mercado consumidor de massa
• Modelo de crescimento brasileiro tem fôlego curto
Teoria de dependência de Cardoso e Falletto • Reflete um certo desencanto com as políticas industrialistas para a
superação do atraso econômico e social
• Introdução de classes sociais e relações de poder no na dinâmica da AL e sua relação externa -> relações de subordinação e exploração
• Desenvolvimento periférico: inserção no sistema capitalista mundial dada pelo imperialismo; logo superação do subdesenvolvimento passa pela ruptura da dependência e não somente pela modernização industrial
• Modelo “dependente-associado”: expansão das empresas transnacionais; associação da burguesia local com k internacional
• Reprodução da dependência: dependência financeira e dependência tecnológica
Estruturalismo de Ignacio Rangel: tese da dualidade básica • No Brasil coexistem diferentes relações de produção que “não se
justapõem mecanicamente, ao contrário, agem umas sobre as outras, acham-se em conflitos, a ver qual será sua dinâmica especifica ao sistema”.
• Dinâmica histórica brasileira: não somente interação entre desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção, mas sua conexão com as economias centrais.
• Os termos da dualidade se alteram ao longo do tempo e mudam mais rapidamente no interior do que exterior.
• Escravismo – sócio maior: fazendeiros escravocratas (1815/1870) -> Feudalismo – sócio maior: burguesia mercantil (1870/1920) -> Capitalismo mercantil – sócio maior: fazendeiros latifundiários (1920/1973) -> Capitalismo industrial – sócio maior: burguesia industrial (1973-...)
Estado desenvolvimentista (“Developmental State”)
•Destaca papel do Estado e das políticas industriais no processo de “catching up” dos países do Leste Asiático (Japão, Coreia do Sul)
•Papel da burocracia meritocrática (Max Weber)
•Autonomia inserida x “rent seeking” (Peter Evans)
Consenso de Washington
• Denominador comum de conselhos de políticas das instituições baseadas em Washington para paises da AL; usado pelo Bco Mundial de várias formas diferentes do original.
• Crise da dívida externa anos 80: crise do modelo nacional- desenvolvimentista
• Anos 90: reformas liberalizantes na América Latina • Reformas: disciplina macro (estabilidade) + abertura comercial + políticas
micro de mercado • Medidas: disciplina fiscal, redirecionamento dos gastos públicos,
liberalização comercial e IDE, privatização das estatais, desregulamentação dos mercados, direitos de propriedade e taxa de câmbio competitiva
• Objetivos: criar um vibrante setor privado (melhor alocação de recursos), estimular o crescimento econômico e melhorar a distribuição de renda
Neodesenvolvimentismo: novo-desenvolvimentismo
• Repensar o papel do Estado no estagio de uma economia semi-madura
• Dois problemas macroeconomicos fundamentais de economias de renda media: (i) tendência dos salários crescerem abaixo da produtividade; (ii) tendencia de sobrevalorização da taxa de câmbio (combinação de “doença holandesa” com abundância dos fluxos de capitais externos).
• Políticas de “catching up”:
a) Politica de rendas que mantenha salários crescendo em linha com a produtividade;
b) Politica cambial que neutralize tendencia a sobreapreciação cambial, tendo como meta uma “taxa de câmbio de equilibrio industrial” (permite produtores domésticos competirem nos mercados externos a uma margem de lucro justa).
- Estratégia “export-led growth” para um curto período de tempo, necessário para elevar taxa de investimento durante o “catching up”.
Neodesenvolvimentismo: social-desenvolvimentismo
• O crescimento econômico deve ser impulsionado pelo mercado doméstico de massa, "o que será tanto maior quanto melhor for a distribuição de renda" e também por "perspectivas favoráveis para a demanda pública e privada de investimentos em infraestruturas (econômicas e sociais)" (Bielschowsky 2012, p.730).
• Em particular, o crescimento do "mercado doméstico de massa" deve ser estimulado tanto pela expansão do emprego como pela melhoria da distribuição de renda como resultado de políticas governamentais redistributivas (aumento do salário mínimo e expansão do gasto social) e estímulo à crédito ao consumidor.
• Em segundo lugar, uma vez que uma estratégia de crescimento baseada no consumo de massa pode perder impulso com o passar do tempo, a expansão deverá ser completada por investimentos autônomos, isto é, através do investimento público em infraestrutura.
Experiência desenvolvimentista dos governos do PT: Governos Lula
Boom de commodities
Exportações Crescimento econômico
Exportações + Fluxos de ks
externos
Apreciação da taxa de câmbio
“Baixa” inflação
Política de salário minimo + consignado
Renda real + crédito ao
consumidor Consumo
Experiência desenvolvimentista dos governos do PT: Dilma I
Nova Matriz Macroeconômica
Redução da taxa de juros + Desvalorização
cambial
Crescimento econômico?
Represamento nos preços de
energia e gasolina
Evitar aumenta na inflação
Deterioração nas margens
dos produtores
Política fiscal
Isenção fiscal (bens duráveis +
folha de pagamento das
firmas )
Nem consumo nem produção
industrial aumentaram
Economia real
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
PIB real (%) 1,1 5,8 3,2 4,0 6,1 5,1 -0,1 7,5 4,0 1,9 3,0 0,5 -3,8
Agricultura 8,3 2,0 1,1 4,6 3,3 5,8 -3,7 6,7 5,6 -3,1 8,4 2,8 3,6
Industrial 0,1 8,2 2,0 2,0 6,2 4,1 -4,7 10,2 4,1 -0,7 2,2 -1,5 -6,3
Serviços 1,0 5,0 3,7 4,3 5,8 4,8 2,1 5,8 3,5 2,9 2,8 1,0 -2,7
Taxa de desemprego (%) 12,4 11,0 9,7 9,7 8,6 7,9 8,0 6,2 5,5 5,4 5,1 5,0 8,1
Taxa de crescimento do crédito (% em relação a 12 meses anteriores)
-30,0
-20,0
-10,0
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
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Público Privado nacional
Estrangeiro Total
I II III IV V
“Wage share” (massa salarial/PIB)
36,4%
37,7%37,3%
38,0%
36,9% 36,9% 36,7%
35,7%
36,6%
35,7%
36,7%
38,2%
38,9%
39,8%
41,5%41,8%
42,7%
45,3% 45,1%
30,0%
32,0%
34,0%
36,0%
38,0%
40,0%
42,0%
44,0%
46,0%
48,0%
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Indice de Gini
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0,480
0,500
0,520
0,540
0,560
0,580
0,600
0,620
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Distribuição da renda e da riqueza
• Estudos a partir das declarações do IR: queda na desigualdade na década de 2000 ficou restrita a base da pirâmide, com fatia dos mais pobres ocupando espaço dos estratos intermediários.
• Fatia de renda dos mais ricos (renda de propriedade) cresceu antes da crise e resistiu a queda no período posterior.
• “Muito ricos” pagam menos impostos proporcionalmente a sua renda do que segmentos intermediários.
Taxa de cambio/salário
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Produção industrial (quantum) e vendas reais no varejo ampliado (100 = Jan/2003) (IPEADATA)
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130,0
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Ind. Transform. (quantum)
Vendas reais varejo
Desindustrialização (% indústria no valor adicionado)
14,7 14,7
14,1
14,8 15,2 15,3 15,2 15,1
14,3 13,9
14,1 14,0 13,8
14,0 14,5 14,4
14,0 14,1 14,0
12,7 13,0 12,8
12,3 12,3
11,8
11,0
5,0
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9,0
11,0
13,0
15,0
17,0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Exportações brasileiras por fator agregado (US$ milhões FOB)
22,8 26,4 28,1 29,0 29,6 29,3 29,2 32,1
36,9 40,5
44,6 47,8 46,8 46,7 48,7 45,6
15,4 14,2
14,9 15,0 13,9 13,5 14,2 13,6
13,7 13,4
14,0 14,1 13,6 12,6
12,9 13,8
59,0 56,5 54,7 54,3 54,9 55,1 54,4 52,3 46,8
44,0 39,4
36,3 37,5 38,7 36,3 38,1
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Basicos Semi-manufaturados Manufaturados
Conclusão • Necessidade de se fazer uma avaliação aprofundada da experiência
desenvolvimentista recente no Brasil. RETOMAR OS CLASSICOS DO DESENVOLVIMENTO?
• Semi-estagnação está em parte relacionada ao processo de desindustrialização do país.
• Experiencia desenvolvimentista: intervencionismo estatal, distribuição de renda, mas não há mudança estrutural!
• Redução da desigualdade social é limitada qdo se considera ganhos de capital.
• Desenvolvimento pela via fácil ou Desenvolvimento possível? • Desaceleração econômica: perdas dos ganhos sociais alcançados? • Espaço limitada para se implementar uma politica econômica autônoma
em condições de globalização financeira?