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Qualit@s Revista Eletrônica ISSN 1677 4280 Vol.9. N o 1 (2009)

A Representação Social na Esfera Pública: Percepções sobre o Funcionário Público em uma Administração Municipal

Regina Alves da Silva Elisa Yoshie Ichikawa

Resumo: O funcionário público sempre foi alvo de críticas por parte da sociedade, sendo caracterizado como o trabalhador que não trabalha. Em contrapartida a essa imagem, sabe-se que todo o aparato estatal compõe-se de servidores públicos e são estes os agentes responsáveis pela consolidação das políticas públicas. Buscando interpretar as representações sobre o servidor público a partir do confronto de suas representações sociais com as elaboradas pelos usuários dos serviços públicos, neste trabalho optou-se por uma pesquisa de abordagem qualitativa. A partir dos depoimentos coletados, verificou-se que os usuários têm imagem negativa constituída a respeito dos funcionários públicos; os funcionários públicos, por sua vez, se vêem como aqueles que se sacrificam em prol do serviço público. Assim, a investigação mostrou que, se há representações sociais diferentes, é necessário compreender que a partir delas é que esses grupos lêem e transformam a realidade social. Palavras-chave: Teoria das Representações Sociais; funcionário público; administração pública; pesquisa qualitativa Social Representation in the Public Sphere: Perception on Government Civil Servants in

a Municipal Administration

Abstract. The government civil servant has always been criticized by a section of society and qualified as a worker who does not work. Contrastingly, the whole state administration is composed of civil servants accountable for the consolidation of public policies. Current research consists of a qualitative approach to interpret the representations of the civil servants through their conflict social representations as seen by the users of public services. Collected depositions showed that users of public services have a fixed negative attitude on civil servants. On the other hand, civil servants consider themselves as people who are sacrificed for the benefit of the civil service. Research showed that, within the context of different social representations, it is important to understand that precisely from such different social representations that these social groups interpret and transform social reality. Key words: Theory of Social Representations; civil servant; public administration; qualitative research. 1. Introdução Em um cenário como o atual, caracterizado por crescentes índices de desemprego e instabilidade no emprego, uma alternativa vislumbrada pela sociedade tem sido a busca pela estabilidade financeira por meio da ocupação de cargos públicos. Todavia, o funcionário público sempre foi alvo de severas críticas por parte da sociedade, sendo caracterizado como o trabalhador que não trabalha. Segundo Veneu (1989), o servidor público é figura freqüente no universo cultural brasileiro e presença assídua nas criações de literatos, compositores de música popular, humoristas e caricaturistas. A música Maria Candelária, composta por Klecius e Armando Cavalcanti e lançada no carnaval de 1952, exemplifica o estereótipo que tem, historicamente, caracterizado o servidor público: “Maria Candelária é alta funcionária

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[...], a uma vai ao dentista, às duas vai ao café, às três vai à modista, às quatro assina o ponto e dá no pé, que grande vigarista ela é!”. Frente a esta descrição, Veneu (1989) ainda destaca que, em sua pesquisa sobre a representação social do funcionário público, outro estereótipo bastante citado por seus informantes (funcionários ou não) trata-se do conhecido “Barnabé”, típico funcionário público de baixo escalão, sempre com um terno preto surrado, uma gravatinha “vagabunda” e que passa o dia lendo jornal e tomando cafezinho. Ou então, deixa o paletó na cadeira e sai, voltando na hora de assinar o ponto. Assim, comparando os dois estereótipos acima citados (a “alta funcionária” e o “funcionário de pequeno escalão”) o referido autor ressalta que embora diferentes quanto à capacidade de consumo (enquanto uma “vai à modista”, o outro usa “terno preto surrado”) compartilham de um elemento comum básico na sua definição: apesar de possuírem um emprego, nenhum dos dois trabalha efetivamente, substituindo o trabalho por rituais formais, como assinar o ponto e pendurar o paletó. A sentença final, porém, é dada pela irônica marchinha carnavalesca: no final das contas, são dois “vigaristas”, ou seja, pessoas que pretendem ganhar dinheiro sem trabalhar. Outra representação constituída sobre o funcionário público, segundo França (1993), trata-se do “funcionário fantasma”, que em sua pesquisa apresentou-se de três formas: a) funcionário que aparece no trabalho somente para receber o pagamento, chega à instituição pública na hora em que deseja, assina o ponto e é liberado e, geralmente, ninguém o conhece ou sabe quem é seu padrinho; b) é o protegido do chefe, de modo que sua presença é facultativa e c) o ocioso, que nenhum setor quer e, por isso, permanece em uma sala qualquer, onde ninguém se preocupa se este está presente ou ausente do trabalho, pois não se sente falta dele. Por fim, observa-se ainda que dentre as muitas denominações atribuídas ao funcionário público, tem-se o termo “marajá”, que no Brasil virou sinônimo de funcionário que trabalha pouco e ganha muito. Todavia, em contrapartida a essas imagens pejorativas do funcionário público, sabe-se que todo o aparato estatal compõe-se de servidores públicos e são estes que fazem a máquina administrativa funcionar, prestando à população os serviços necessários. Assim, são os principais agentes responsáveis pela consolidação das políticas públicas. Dentro desta perspectiva, Muniz (apud FERRI, 2003, p. 9) explica que muitos servidores trabalham nos bastidores, sem o contato direto com a população, preparando e organizando o serviço que outros servidores estarão desempenhando em contato direto com o povo. Mas também há aqueles que estão na linha de frente de implementação das políticas governamentais e, portanto, em grande parte, o êxito destas políticas e do Estado como cumpridor de seu papel político e social depende do relacionamento do servidor com a população e vice-versa. Assim, frente a este dilema existente entre a imagem pejorativa do servidor público na administração pública e seu papel no atendimento às necessidades da população para a consolidação das políticas públicas, emerge a problemática da presente pesquisa: Qual a representação do funcionário público, enquanto parte da organização, sob sua perspectiva e de seu público-alvo - os usuários de seus serviços?

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2. Sobre a Teoria das Representações Sociais Para se iniciar uma análise sobre as representações do funcionário público enquanto parte da organização, faz-se necessário compreender a origem, conceitos e processos que compõem o termo representação social. Segundo Yamamoto (2005), dentro da perspectiva lingüística, a palavra representação traz de imediato duas idéias: a de re-apresentação e, portanto, cópia fiel da realidade; e de interpretação. Dentro desta perspectiva, Spink (1995) explana que a representação pode ser considerada como um misto de pré-ciência, ainda nos estágios de descrição do real, e de teatro, em que atores criam um mundo imaginário, reflexo também do mundo em que vivemos. Todavia, para se compreender o significado atualmente atribuído ao termo representação social, é de fundamental importância resgatar as origens deste. De acordo com Xavier (2002) a representação, a princípio, dizia respeito a uma reflexão cognitiva vinculada tão somente à experiência individual da consciência no seu “despertar” para o mundo. Aos poucos, a noção de representação foi se desvinculando desta experiência individual de apreensão das “coisas” para assumir outro enfoque: o enfoque da objetividade. Desta forma, de acordo com o autor supracitado, o enfoque subjetivo cedeu lugar a uma reflexão que prima pela objetividade – momento representado, na sociologia, fundamentalmente por Durkheim – no qual a representação é interpretada como um fenômeno inscrito nas relações sociais e na vida social. Assim, a origem do conceito provém do de representação coletiva, desenvolvido por Durkheim, que teorizou que as categorias básicas do pensamento teriam origem na sociedade e que o conhecimento só poderia ser encontrado na experiência social, ou seja, a vida social seria a condição de todo pensamento organizado e vice-versa (BONFIM; ALMEIDA, 1991/92). Nesta perspectiva, Durkheim (1970) discutiu a importância das representações dentro de uma coletividade e como elas fluem nas decisões individuais dos seres humanos. Em sua percepção, a sociedade tem por substrato o conjunto de indivíduos associados. O sistema que formam pela união, e que varia de acordo com a disposição sobre a superfície do território, com a natureza e com o número de vias de comunicação, constitui a base sobre a qual se constrói a vida social. Assim, para ele, as representações são a trama dessa vida e se originam das relações que se estabelecem entre os indivíduos assim combinados ou entre grupos secundários que se intercalam entre o indivíduo e a sociedade total (DURKHEIM, 1970). Todavia, a representação coletiva de Durkheim não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem a sociedade; mais do que isto, um novo conhecimento é formado, que supera a soma dos indivíduos e favorece uma recriação do coletivo. Na representação coletiva, encontra-se a primazia do social sobre o individual (BONFIM; ALMEIDA, 1991/92). Para Durkheim (1970), as crenças e práticas religiosas, as regras da moral e os inumeráveis preceitos do direito são expressamente obrigatórios, e a obrigação é a prova de que essas maneiras de agir e pensar não são obras do indivíduo, mas emanam de uma potência moral que o ultrapassa, quer a imaginemos misticamente sob a forma de um deus, quer dela façamos uma concepção mais temporal e científica.

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Explicando essa sua perspectiva, Durkheim (1970) segue discorrendo que, sob certos aspectos, as representações coletivas são exteriores com relação às consciências individuais, porque não derivam dos indivíduos considerados isoladamente, mas de sua cooperação, o que é bastante diferente. Naturalmente, na elaboração do resultado comum, cada qual traz a sua quota-parte, mas os sentimentos privados apenas tornam-se sociais pela sua combinação. A resultante ultrapassa, portanto, cada espírito individual, assim como o todo ultrapassa a parte. Por certo, cada um contém qualquer coisa dessa resultante, mas ela não está inteira em nenhum. Dentro desse processo, Durkheim (1970) destaca que os julgamentos individuais são a cada instante mutilados e deformados por julgamentos inconscientes, de modo que vemos apenas aquilo que nossos preconceitos permitem e ignoramos tais preconceitos. Durkheim (1970) ressalta que a vida representativa só pode existir no todo formado pela sua reunião, assim como a vida coletiva só pode existir no todo formado pela reunião dos indivíduos. Para Xavier (2002), nas suas elaborações teóricas, a principal meta de Durkheim é encontrar e explicar aquilo que fornece unidade à vida social, o elo entre as diversas formas como as sensações individuais (entendendo o indivíduo como produto da realidade social) são representadas, sua causa “objetiva”, “universal” e “eterna”. E a resposta vem, num primeiro momento, por meio da consciência coletiva. A associação dos homens (indivíduos), sua síntese, produz um todo (realidade social) que sobrepõe às partes que o formam. Essa realidade sui generis é o que Durkheim chama de consciência coletiva, na qual são eliminadas ou minimizadas as diferenças individuais, dando lugar a uma “unidade” cuja vida se manifesta pela constituição e ação de “representações coletivas”. Segundo Minayo (1998), o termo representação coletiva se refere a categorias de pensamentos através das quais determinada sociedade elabora e expressa sua realidade, traduzindo a maneira como o grupo se pensa nas suas relações com os objetos que os afetam. Na concepção de Durkheim (1970), são as instituições sociais que determinam maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo, que por serem dotadas de um poder coercitivo, conduzem-no a atuar em um determinado sentido. A função primordial da representação coletiva seria a transmissão da herança coletiva dos antepassados, acrescentando, às experiências individuais, tudo o que a sociedade acumulou de sabedoria e ciência no decorrer dos tempos. Então, as representações coletivas formariam um novo conhecimento que superasse as representações dos indivíduos que compõem a sociedade, favorecendo a recriação do coletivo (BONFIM; ALMEIDA, 1991/92). Em estudos mais recentes sobre representação, destaca-se os de Moscovici (1978; 2003). Buscando uma contrapartida conceitual para suas objeções ao excessivo individualismo da psicologia americana, Moscovici chega ao conceito de representação coletiva, elaborado por Durkheim. Apoiando-se no conceito durkheimiano de representações coletivas, ele realizou um estudo sobre como a população de Paris vinha se apropriando das formulações teóricas da psicanálise e utilizando essas formulações reinterpretadas em suas práticas cotidianas (MOSCOVICI, 1978). Na visão de Moscovici (1978), o conceito de Durkheim mostrava-se suficiente para a sua época, mas não para a atualidade, uma vez que as representações coletivas revelavam-se como entidades explicativas absolutas e estáticas, que não acompanhavam as mudanças ocorridas na sociedade.

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Conforme Moscovici (2003), existem três concepções teóricas a respeito da elaboração e dos papéis exercidos pelo pensamento social. Na primeira, chamada por ele de sociológica – que embasa a teoria das representações coletivas de Durkheim - os grupos e indivíduos estariam sob o controle de uma ideologia dominante, produzida e imposta por sua classe social. Na outra concepção, psicológica, as mentes dos indivíduos simplesmente recebem informações e idéias de fora e processam as mesmas para transformá-las em julgamentos e opiniões pessoais. Na terceira concepção, a psicossociológica - a qual Moscovici (2003) se apóia para a construção da Teoria das Representações Sociais - e onde se diferencia de Durkheim e se aproxima de Weber - os indivíduos não são apenas processadores de informações ou portadores de ideologias de uma maneira determinista e estática, mas são também pensadores ativos que, a partir de vários episódios cotidianos de interação social que vivenciam, produzem e comunicam suas concepções, participando, desta forma, da construção da sociedade. A Teoria das Representações Sociais, portanto, vê que o indivíduo é tanto produto da sociedade como é agente de mudança dela (MOSCOVICI, 1978; 2003). Assim, Sá (1995) expõe que para a Psicologia Social, é importante não somente os comportamentos individuais, mas também os fatos sociais (instituições e práticas), os conteúdos dos fenômenos psicossociais, a influência dos contextos sociais sobre os comportamentos individuais e também a participação dos indivíduos na construção das próprias realidades sociais. Com este objetivo, Sá (1995) comenta que Moscovici conceituou a representação social como uma teoria do senso comum, conjunto de conceitos, afirmações e explicações, pelas quais se procede à interpretação e à construção das realidades sociais. Nesta perspectiva, a mobilização de tais representações sociais acontece em todas as ocasiões e lugares onde as pessoas se encontram informalmente e se comunicam, constituindo o pensamento no ambiente onde se desenvolve a vida cotidiana. Sá (1995) apresenta que na perspectiva psicossociológica, os indivíduos constituem uma sociedade pensante e não são apenas processadores de informações (como representou a Psicologia), nem meros “portadores” de ideologias ou crenças (visão sociológica), mas pensadores ativos que, mediante a interação social, produzem e comunicam suas próprias representações, soluções específicas para questões que se colocam a si mesmos. Deste modo, o “social” de Moscovici, diferentemente do “coletivo” de Durkheim, designa o aspecto dinâmico e a bilateralidade no processo de constituição das representações sociais, assinalando duas facetas: por um lado, a representação como forma de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, e por outro lado, sua realidade psicológica, efetiva e analógica, inserida no comportamento do indivíduo (XAVIER, 2002). Assim, para Xavier (2002), as principais características das representações sociais, dentro da perspectiva de Moscovici, são a funcionalidade e o caráter performativo. O estudo das representações sociais consiste na análise dos processos pelos quais os indivíduos, em interação social, constroem teorias sobre os objetos sociais, que tornam viável a comunicação e a organização dos comportamentos (funcionalidade). Na segunda perspectiva, as representações sociais são um sistema (ou sistemas) de interpretação da realidade, que organiza as relações do indivíduo com o mundo e orienta as condutas e comportamentos no

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meio social, permitindo-lhe interiorizar as experiências, as práticas sociais e os modelos de conduta ao mesmo tempo em que constrói e se apropria de objetos socializados. Porém, as representações, uma vez constituídas, não se convertem necessariamente em leis de funcionamento social. O elemento “construção” assume um lugar central, representando o esforço de trazer o indivíduo ao seu lugar de sujeito, na medida em que percebe a sua condição de socialmente constituído e, ao mesmo tempo, constituinte (XAVIER, 2002). Sá (1995), citando Moscovici, diz que tal concepção não se aplica a todas as formas de conhecimento, podendo distinguir-se duas classes distintas de pensamento: o universo consensual e o universo reificado. O universo consensual compreende as atividades intelectuais de interação social, que produzem as representações sociais. Dentro deste universo, os indivíduos são de igual valor, podendo manifestar suas opiniões livremente, sendo menos sensíveis à objetividade e constituindo uma comunidade de significados. Já o universo reificado é onde se produzem e circulam as ciências, dentro do qual a sociedade se vê como um sistema com diferentes categorias. Neste universo, o grau de participação de cada indivíduo é determinado pelo seu nível de qualificação e há um comportamento próprio para cada circunstância, de modo que a objetividade e a uniformidade constituem elementos centrais (MOSCOVICI, 1978). A partir disso, Bonfim e Almeida (1991/92) também ressaltam que não é todo conhecimento que pode ser considerado representação social, mas somente aquele do senso comum, da vida cotidiana dos indivíduos, que é elaborado socialmente e que funciona no sentido de interpretar, pensar e agir sobre a realidade. É um conhecimento prático que se opõe ao pensamento científico, porém assemelha-se a ele, assim como aos mitos, no que concerne à elaboração destes conhecimentos a partir de um conteúdo simbólico e prático. Nessa perspectiva, Bonfim e Almeida (1991/92) seguem discorrendo que há uma relação particular entre os sistemas de comunicação e as representações sociais, tendo em vista o caráter móvel destas últimas. Desta forma, formadores de representações sociais podem ser responsáveis pela estruturação de sistemas de comunicação que visem difundir, propagar, ou fazer propagandas de determinadas representações. Conforme os autores acima citados, na difusão não há modificação da comunicação emitida da fonte até o receptor. Os autores dos artigos da imprensa transmitem a informação que eles recebem de especialistas. A difusão produz, sobretudo, opiniões. A propagação, por sua vez, se caracteriza pela adaptação de outros saberes a uma visão de mundo organizada, a um quadro pré-estabelecido. A propagação trabalha ao nível de formação de atitudes. Por fim, a propaganda é uma forma de comunicação que está inserida dentro de relações sociais fortemente antagônicas. É a oposição entre o verdadeiro e o falso saber, uma incompatibilidade entre a visão de mundo que a fonte propõe e aquela proposta por uma parte antagônica. A propaganda forma estereótipos (BONFIM; ALMEIDA, 1991/92). Quanto à linguagem, ela tem origem e encontra sua referência primária na vida cotidiana. Fornece a imediata possibilidade da objetivação da experiência primária na vida cotidiana. A linguagem é condição de emergência de uma representação social (BONFIM; ALMEIDA, 1991/92). Conforme Moscovici (1978), a constituição das representações sociais se dá por meio de dois processos: objetivação e amarração (ou ancoragem). Na objetivação tem-se a materialização

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do sentido por uma figura, reproduzindo este conceito em uma imagem e tornando real algo conceitual. O processo de objetivação ocorre, na representação social, quando há a concretização ou materialização de um objeto abstrato representado; quando um esquema conceitual se torna real e acessível ao senso comum (BONFIM; ALMEIDA, 1991/92). O aperfeiçoamento e a concretização de uma representação social culminam com o processo de amarração ou ancoragem que, por sua vez, consiste em fornecer a uma figura um contexto inteligível, de modo a interpretar o objeto. Para Bonfim e Almeida (1991/92), o processo de ancoragem é uma extensão da objetivação e se caracteriza como uma das mais importantes funções da representação social, que é a domesticação do estranho. Em outras palavras, Sá (1995) apresenta que a ancoragem consiste na interação do objeto representado a um sistema de pensamento social preexistente, mediante a classificação e a denominação. Na classificação tem-se a escolha de um dos paradigmas estocados na memória, com a qual se compara o objeto a ser representado e decide se o mesmo pode ou não ser incluído na classe em questão (SÁ, 1995). Já a denominação compreende a retirada do objeto ao anonimato, para dotá-lo de uma genealogia e incluí-lo num complexo de palavras específicas (MOSCOVICI apud SÁ, 1995). Dentro deste contexto, têm-se as representações como essencialmente dinâmicas, produtos de determinações (tanto históricas, como atuais) e construções que têm uma função de orientação: conhecimentos sociais que situam o indivíduo no mundo e, situando-o, definem sua identidade social, seu modo de ser particular, produto de seu ser social (SPINK, 1995). Assim, segundo Leme (1995), o ato de representar não deve ser encarado como um processo passivo, reflexo na consciência de um objeto ou conjunto de idéias, mas deve ser visto como um processo ativo, uma reconstrução do dado em um contexto de valores, reações, regras e associações. De acordo com esta perspectiva, Leme (1995) segue discorrendo que a Teoria das Representações Sociais não corresponde a uma mera opinião, mas teorias internalizadas que servem para organizar a realidade. Uma vez que o processo de representação social implica na classificação e na rotulagem do objeto a ser apreendido, esta identificação nunca é neutra, estando impregnada do valor (positivo ou negativo) e da posição em uma ordem hierárquica que o sujeito atribui ao objeto em estudo. Na verbalização das concepções que o indivíduo tem do mundo que o cerca, podem-se detectar valores, ideologias e contradições, aspectos fundamentais para a compreensão do comportamento social. Deste modo, a representação social caracteriza-se como um comportamento observável e registrável e como um produto, simultaneamente, individual e social, em que grupos de referência exercem fortes influências em sua construção (LANE, 1995). Portanto, Lane (1995) salienta o importante papel da interação social na produção de representações, tanto coletivas como individuais. Assim, a observação dessas interações sociais a partir da perspectiva da Teoria da Representação Social mostra a relevância desta teoria à investigação, avaliação e compreensão dos grupos sociais a partir de suas próprias realidades e identidades culturais, viabilizando compreender o universo consensual e os processos que engendram a construção das realidades sociais. 3. A trajetória metodológica da pesquisa

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O presente trabalho se desenvolveu por meio de uma pesquisa descritiva e qualitativa, uma vez que a interpretação surgiu da percepção do fenômeno visto num contexto e analisado em sua aparência e em sua profundidade (TRIVIÑOS, 1987). Godoy (1995) salienta que a pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, mas parte de questões ou focos de interesse amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve. Por isso, envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo. Para coletar esses dados, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com funcionários públicos da Prefeitura do Município de Maringá, no Paraná, que, mediante autorização dos entrevistados em relação à divulgação das informações prestadas, tiveram suas falas gravadas e, depois, transcritas. De modo análogo, para podermos descrever as representações sociais constituídas sobre o servidor público, sob a perspectiva de cidadãos usuários dos serviços públicos, também foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, porém agora com cidadãos que fizeram ou ainda fazem uso de algum serviço ofertado pela referida Prefeitura. Desta forma, coletou-se um total de doze entrevistas, sendo que destas, seis referem-se a depoimentos de funcionários públicos da Prefeitura do Município de Maringá, e seis são relatos de usuários dos serviços públicos da referida Prefeitura. Os entrevistados concederam seus depoimentos de forma livre e espontânea, expressando a percepção que possuem sobre o tema aqui tratado. A partir da coleta de dados, análises pontuais foram realizadas ao longo de todas as entrevistas, e registradas nas “notas do pesquisador”. Essas pré-análises consistiram na construção progressiva das representações sociais dos funcionários públicos e usuários de seus serviços, buscando descobrir indícios de processos até então não percebidos e manifestações de tendências do grupo a que pertenciam, para organizar os elementos de suas representações. Essas representações, necessariamente não precisariam ser coerentes, uma vez que se sabe que na análise do senso comum, o pesquisador depara-se não apenas com a lógica e com a coerência, mas também com a contradição (SPINK, 1995). As pré-análises, inclusive, ajudaram na fase da análise dos dados, propriamente dita. Esta foi realizada seguindo as orientações de Spink (1998):

� Transcrição das entrevistas; � Leitura flutuante do material e escuta do material gravado, ficando atentas a

características como variação (versões contraditórias), detalhes sutis (silêncio, lapsos, demonstrações afetivas) e a retórica (organização do discurso que argumenta contra ou a favor de uma versão dos fatos);

� Após a apreensão dos aspectos mais gerais da construção dos discursos, foi necessário retornar aos objetivos da pesquisa e definir claramente o objeto da representação;

� Construção de mapas que possibilitassem ver a associação de idéias entre as dimensões;

� Passagem dos mapas para uma figura, na tentativa de mostrar os elementos constitutivos das representações sociais.

Os resultados desse trabalho são apresentados no item a seguir.

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4. Apresentando e analisando os dados Os dados analisados foram coletados a partir de entrevistas com servidores públicos do município de Maringá e cidadãos usuários dos serviços públicos. Os aspetos questionados foram direcionados aos entrevistados seguindo a orientação de um roteiro de entrevista semi-estruturada elaborado tendo em vista os propósitos da presente pesquisa a cada uma das classes entrevistadas (funcionários públicos e usuários dos serviços públicos). Para manter o sigilo de suas identidades, os entrevistados receberam denominações fictícias, sendo: E1, E2... e E6 para os funcionários públicos entrevistados; e U1, U2... e U6 para os usuários dos serviços públicos entrevistados. Em função da impossibilidade de reunir num único artigo dissertações mais extensas a respeito das entrevistas, apresentam-se aqui apenas algumas falas que mais se destacaram, para depois fazer uma interpretação geral da investigação realizada. As entrevistas com os funcionários públicos tiveram início com o seguinte questionamento: “Para você, o que é um funcionário público?”. De modo geral, os entrevistados definiram o servidor público como um trabalhador que tem por função servir a população, prestando serviços à comunidade na qual estão inseridos. Essa afirmação pode ser observada em alguns dos trechos transcritos abaixo, destacando os grifos acrescentados:

Ah, um funcionário público, em primeiro lugar, eu acho que a palavra já diz, é um servidor. É servir a população. Então, o funcionário, ele tá como um funcionário da empresa e tá como um cidadão, porque ele tem que cuidar do bem público da cidade e... saber administrar, fazer o progresso da cidade aonde ele reside. Eu acho que isso é um servidor público (E2). O funcionário público é um servidor que, quando aprovado em concurso público passa a servir a comunidade, né? Oferecendo seu trabalho, né? Se dispondo a atender ao município e à comunidade, em detrimento, muitas vezes, até da necessidade dele próprio (E4).

Dando seqüência à entrevista, perguntou-se aos entrevistados o que eles consideram que a sociedade pensa sobre sua categoria. As respostas obtidas refletiram, de forma unânime, uma percepção negativa da sociedade em relação aos servidores públicos. Assim, de acordo com os funcionários entrevistados, a sociedade os vê como trabalhadores que não trabalham, não apresentam assiduidade, são preguiçosos e ainda são bem remunerados. Tais características foram extraídas dos depoimentos coletados, conforme se pode verificar nos grifos acrescentados aos trechos transcritos abaixo:

O que a gente vê, principalmente na mídia, na imprensa de um modo geral, é que eles têm uma visão do funcionário público como uma pessoa que não tem interesse, uma pessoa que tá ocupando um cargo, mas não cumpre bem seu papel, que tá ganhando dinheiro fácil, mas a realidade é bem diferente (E2). Essa é pra acabar, né? (risos). Bom, eu escuto muita brincadeira: “É, você é folgada, vida boa, não faz nada...” Então, eu acho que eles acham assim, que a gente é um bando de vagabundo, que ganha bem, todo mundo acha que eu ganho... que a gente ganha muito bem... Eu, em minha opinião, eu acho que eles pensam que a gente é um bando de vagabundo que ganha muito bem e ainda vive nas custas deles, né? (E5).

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Desta forma, pôde-se observar que termos tais como “vagabundos”, “preguiçosos” e “folgados”, utilizados historicamente para caracterizar o servidor público foram mencionados pelos funcionários entrevistados, comprovando não somente a imagem pejorativa criada ao servidor público, mas revelando também que os próprios trabalhadores públicos têm consciência desta imagem. Então, em seguida, questionou-se aos entrevistados qual a opinião deles em relação à imagem descrita, e todos alegaram ser um julgamento geral feito pela sociedade a todos os funcionários públicos. Porém, argumentaram que na verdade, trata-se de uma caracterização cabível a apenas uma minoria de servidores, que realmente não exerce sua função como deveria, sendo displicente, relapsa e preguiçosa. Assim, os entrevistados fizeram diversas alegações, inclusive comparando-se a empregados das empresas privadas, que são vistos como modelos de conduta profissional. Vale destacar que alguns dos entrevistados explicaram situações que ocasionam servidores ociosos, devido a má administração de lideranças públicas, que não conseguem conduzir com êxito o fluxo de trabalho dentro do volume de funcionários que dispõem:

Então, aí é que fica difícil, né? Porque a gente sabe que tem funcionário público que veste a camisa mesmo, que trabalha e... que faz por merecer, né? Tem outros que realmente não se envolvem, não trabalham e ficam... à mercê. Mas às vezes é também muito... muito devido às chefias. As chefias é que não sabem distribuir o serviço, e pedem funcionário a mais, porque num determinado momento do mês tem uma sobrecarga de trabalho, e eles pedem funcionário, né? Pedem funcionário até a mais do que comportam, pra dar conta daquele serviço diante daquele período de gargalo, né? E chega no... quando não tá na época de gargalo, fica com funcionário ocioso. Isso daí acaba contaminando os outros também, e daí acaba... o funcionário ficando parado, porque não tem realmente o que fazer, fora dos gargalos, né? (E1).

Outros funcionários destacaram ainda que os problemas enfrentados na administração pública são semelhantes aos de outras categorias de trabalho, porém, a mídia divulga apenas as ocorrências do meio público. Assim, estas ganham destaque e uma imagem negativa, enquanto a administração privada é caracterizada como modelo de resultado:

Eu me sinto mal, porque... eu visto a camisa, do funcionário público. Tenho orgulho de ser funcionária pública e gostaria de mudar essa imagem. Eu acho que o que acontece aqui, no meio público, é divulgada, mas muita coisa que acontece na empresa privada não é divulgada. São semelhantes, os problemas que têm aqui e que têm lá fora (E2).

Por fim, alguns depoimentos mostraram forte sentimento de indignação, defendendo o trabalho e esforços que desenvolvem os funcionários públicos e discursando em tom de desabafo à sociedade, como pôde ser destacado no trecho abaixo:

É. Eu já ofereci duas vezes a minha vaga, meu emprego, pra pessoa vir trabalhar dois dias no meu lugar. Garanti pra ela, no caso, que ela não voltaria no terceiro. Porque atender oitenta pessoas em um balcão, de pé, direto, sem nem tomar um copo de água, porque muitas vezes não dá tempo, pra atender um contribuinte, que muitas vezes chega já desanimado com a questão pública, com o desleixo, com o descaso, e acaba descontando no

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funcionário público. O funcionário público não tem culpa. Ele também é mal remunerado, ele também paga tributo, no entanto é o menos ouvido (E4).

Esses depoimentos revelam aspectos que dificultam o bom desempenho dos funcionários públicos no exercício de suas funções, e que podem ajudar na criação dos estereótipos criados. Tais aspectos foram descritos por alguns em tom de indignação, visto que para eles a sociedade em geral desconhece as condições de trabalho nas quais os servidores públicos atuam, e por isso denigrem sua imagem, quando deveriam (segundo os entrevistados) reconhecer os esforços feitos por eles, mesmo trabalhando sob condições tão adversas. Já as entrevistas com os cidadãos usuários dos serviços públicos iniciaram perguntando a eles o que pensavam sobre o funcionário público. Na perspectiva dos entrevistados, a sociedade não tem uma imagem muito boa sobre essa categoria de trabalhadores, sobretudo pelo tratamento que dispensam às pessoas que recorrem aos seus serviços. Assim, termos como “negligentes”, “passivos”, “mal-educados” e “preguiçosos” foram utilizados pelos entrevistados para caracterizar sua representação sobre o funcionário público:

Ah, eu imagino que a maioria das pessoas pensa que os funcionários públicos são todos um bando de preguiçosos que só sabem ir ao trabalho para enrolar e maltratar a população (U6). [...] na maioria dos assuntos envolvendo essa categoria, o que a gente ouve são críticas, acompanhadas de piadas, sempre relacionadas com a preguiça que eles têm em trabalhar, ou a falta de respeito no atendimento das pessoas (U5). [...] o próprio funcionário público passa a imagem de entrar no trabalho e ficar... tipo assim... enrolando, né? Até porque ele sabe que tem estabilidade e não vai ser mandado embora. Muitos trabalham bem e dão bom exemplo, mas infelizmente não é a maioria, né? Tem uns que levam o trabalho a sério, mas tem outros que... “vão empurrando com a barriga” (U4).

Outra observação importante, a ser destacada das entrevistas, trata-se do descaso dos funcionários no atendimento à população, gerando o sentimento de mendicância, e a população, ao invés de estar usufruindo de um serviço por direito, sente-se como se estivesse requerendo um favor. Além disso, na perspectiva de um dos entrevistados, os funcionários públicos são bem remunerados, sobretudo se comparado ao trabalho que executam:

Reclamam de seus salários, fazem greves, mas na hora de mostrar serviço, fazem pouco caso da gente. Tratam as pessoas como se fossem pobres, mendigando a ajuda deles. Enquanto que a gente é que paga o salário desses “infelizes”, que ganham muito bem pelo tanto que trabalham (U6).

Tendo em vista os depoimentos obtidos, questionou-se aos entrevistados se eles consideram que os funcionários públicos são realmente o que dizem a seu respeito, e segundo os depoimentos, a maioria dos servidores faz por merecer a imagem negativa constituída sobre eles, sendo que serviços de qualidade, funcionários qualificados e um bom atendimento no setor público foram mencionados por alguns como algo raro de se encontrar em órgãos públicos. Perguntou-se a eles também qual o papel do funcionário público na atual conjuntura da administração pública. Na perspectiva de todos os entrevistados, os funcionários são de

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fundamental importância para que os projetos e políticas implementadas alcancem os objetivos pretendidos, visto que são estes os responsáveis por colocá-las em prática e, somente com uma boa condução destas políticas é que se alcançará bons resultados. Diante desta percepção, muitos ainda destacaram a importância dos funcionários se dedicarem no exercício de suas funções, assim como possuir uma conduta ética, honesta e séria que busque o bem-estar da população, acima de seus interesses ou problemas pessoais. Assim, para os usuários entrevistados, o funcionário público é imprescindível para a consolidação de políticas públicas de sucesso, que atendam aos anseios e necessidades da população, proporcionando a melhoria na sua qualidade de vida:

Seu papel é de suma importância para que os serviços públicos deixem de ser precários e para que o público seja atendido com dignidade e rapidez principalmente em serviços essenciais. Só se consegue ter bons resultados de projetos implementados pelo governo quando estes são executados com precisão e com qualidade, então acredito que o reflexo dos resultados está na forma de conduzir a execução dos projetos e políticas públicas do governo, daí o papel imprescindível do funcionário público para o sucesso dos projetos e satisfação da população (U1). Eu acho que são os governantes que criam os projetos, mas são os funcionários que executam, né? Então, é até interessante que os funcionários façam com amor e dedicação, não com má vontade ou descaso, como a gente vê hoje. Porque eu penso que se todos fizerem com vontade e abraçarem os projetos, as chances deles serem verdadeiramente bons para o povo é muito maior (U4). Bem, como eles é que colocam em funcionamento os projetos e planos de governo, eu acho que eles são pessoas importantes para que estes projetos atendam a necessidade do povo. Por isso, é cada vez mais necessário que se deixe o funcionamento do setor público sob as mãos de pessoas que querem realmente trabalhar. Precisamos de funcionários treinados, capacitados e sobretudo, comprometidos com a população. Um projeto pode ser bom como for, mas só gerará bons resultados se implementados com ética, honestidade e dedicação. Em minha opinião, os funcionários públicos são tão importantes para a execução dos projetos e sucesso das políticas públicas que jamais deveriam permanecer em seus cargos se não tiverem competência para executar sua função com excelência e tratar o povo com dignidade (U5).

A partir de tudo o que foi relatado das duas percepções apresentadas (funcionários públicos e cidadãos usuários dos serviços públicos) pôde-se, então, elaborar o esquema a seguir, com a finalidade de expressar uma síntese dos diversos aspectos apontados pelos entrevistados, como fatores que incidem sobre a representação social constituída do funcionário público:

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Figura 1: Visão geral das representações sociais constituídas sobre o Funcionário Público pelos servidores municipais da Prefeitura Municipal de Maringá e pelos usuários da referida Prefeitura. Pela Figura 1, de modo geral, verifica-se que o funcionário público é visto de forma negativa pelos usuários, sendo caracterizado como um trabalhador “vagabundo”, “preguiçoso” e “hostil”. Essa imagem é objetivada a partir do canal mais direto sob os quais os funcionários públicos ganham visibilidade: a interação direta usuário-funcionário público. A imagem que os funcionários públicos têm de si mesmos, ao contrário, é a de “servidor”, inclusive daquele que se sacrifica em prol do serviço público. Eles objetivam essa imagem a partir de seu próprio contexto de trabalho, conhecedores que são dos problemas que o funcionalismo enfrenta no dia a dia. Como surgem essas perspectivas diferentes? Na explicação de Bonfim e Almeida (1991/92), o processo de objetivação ocorre quando há a materialização do objeto abstrato representado; esse processo culmina com a ancoragem. A ancoragem é a “domesticação do estranho”, é trazer para perto, para as referências dos sujeitos. Assim, se usuários dos serviços públicos e funcionários públicos têm representações sociais distintas do que seja funcionário público, isso demonstra nada mais do que relações de unilateralidade na sua construção, em que o objeto da representação se reveste daquilo que corresponde ao mundo das partes. Ou seja, no processo de objetivação-ancoragem vislumbrado nesta investigação, visualiza-se um movimento que é natural para a Teoria das Representações Sociais: o olhar dos sujeitos voltado não para o todo, mas para uma parte que lhes pareça mais comum e compreensível. É isso o que faz a “domesticação” do estranho: o ato de trazer para as suas próprias referências.

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Nesse contexto, observa-se que as experiências vivenciadas pelos usuários na utilização dos serviços públicos é o canal sob os quais emergem as representações sociais elaboradas sobre os funcionários públicos. Desta forma, o atendimento dispensado aos usuários dos serviços públicos exerce forte impacto na imagem constituída pela sociedade sobre o funcionário público. Os funcionários públicos, por sua vez, sabem o que a sociedade pensa deles. Na sua perspectiva, porém, a elaboração da representação social se materializa quando apresentam os percalços pelos quais passam e, segundo eles, prejudicam o desenvolvimento de seu trabalho. Assim, os depoimentos mostram diversos elementos que ajudam a constituir a representação social que eles construíram acerca de si próprios, podendo-se citar más condições de trabalho, baixa remuneração, má administração, entre outros. Apesar disso, e de todos os problemas enfrentados, eles ainda se sentem “servidores públicos”. Nas verbalizações colocadas nesta pesquisa, feitas pelos usuários e pelos funcionários públicos, verifica-se o que Leme (1995) comenta em seu texto, sobre a não neutralidade no processo de construção das representações sociais. Ou seja, elas são resultado de um processo cheio de valorações, associações e reações. Nesse aspecto, as representações não são passivas e nem neutras, e acabam mostrando a própria dinâmica de construção/reconstrução da realidade social. Na visão de Spink (1995), é isso o que acaba situando o indivíduo no mundo, e fazendo isso, acaba por definir seu modo de ser particular, ou seja, a sua identidade social. 5. Conclusões Historicamente, o funcionário público sempre foi alvo de severas críticas da sociedade, sendo caracterizado como o trabalhador que não trabalha. Apesar disso, sabe-se que também há aqueles que estão na linha de frente de implementação das políticas governamentais e, portanto, em grande parte, o êxito destas políticas depende do funcionário público. Frente a esse dilema existente entre a imagem pejorativa e seu papel no atendimento às necessidades da população para a consolidação das políticas públicas, surgiu a problemática da presente pesquisa, ou seja, de investigar qual a representação do funcionário público, enquanto parte da organização, sob sua perspectiva e de seu público-alvo - os usuários de seus serviços. Assim, com base na Teoria das Representações Sociais e a partir dos depoimentos relatados pelos funcionários públicos e usuários dos serviços públicos da Prefeitura do Município de Maringá, verificou-se que aqui também o servidor público possui uma imagem negativa constituída a seu respeito, sendo por muitos tachado como “preguiçoso”, “vagabundo”, “negligente” e “mal-educado”. Todavia, houve algumas divergências identificadas entre as perspectivas apresentadas pelos servidores entrevistados e os cidadãos. Apesar de ambos considerarem que a sociedade possui uma visão negativa sobre o funcionário público e que no funcionalismo público há, realmente, trabalhadores que não cumprem devidamente com seus deveres, para os funcionários públicos estes constituem uma minoria dentro da categoria. Já para os usuários dos serviços públicos entrevistados, trabalhadores públicos que executam com eficiência seu trabalho são raridade nos órgãos públicos. Se para a literatura consultada, as representações sociais terminam por constituir o pensamento em um ambiente onde se desenvolve a vida cotidiana, a pesquisa ora realizada mostrou como isso acontece, a partir de uma investigação que buscou compreender melhor

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um dos estereótipos mais antigos da realidade organizacional: o de funcionário público. O trabalho mostrou que a relevância sociológica de pesquisas que têm embasamento na Teoria das Representações Sociais está no fato de que elas tentam captar “verdades”, práticas e atitudes dos sujeitos, uns em relação aos outros, ao seu contexto social e àquilo que lhes acontece. Assim, se há representações sociais diferentes, que mostram conjuntos de princípios construídos interativamente, é necessário compreender que a partir delas é que esses grupos lêem e transformam sua realidade. No entanto, sendo esse um dos estereótipos mais arraigados da nossa realidade cultural, uma mudança na representação social sobre o funcionário público - principalmente por parte do cidadão comum - parece ser algo ainda longínquo de ocorrer. 6. Referências BONFIM, Zulmira Áurea Cruz; ALMEIDA, Sandra Francesca Conte de. Representação Social: conceituação, dimensão e funções. Revista de Psicologia. Fortaleza, v.9, nº1/2, v.10, nº1/2, p.75-89, Jan./Dez. 1991/92. DURKHEIM, Émile. Sociologia e Filosofia. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1970. FERRI, Márcia Regina. Os saberes do funcionário público na administração municipal: um estudo de caso em um município de pequeno porte. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em administração. Universidade Estadual de Maringá/Universidade Estadual de Londrina, 2003. FRANÇA, Bárbara Heliodora. O Barnabé: consciência política do pequeno funcionário público. São Paulo: Cortez, 1993. GODOY, Arilda Schmidt. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, v. 35, n. 2, Mar./Abr. 1995, p. 57-63. LANE, Silvia Tatiana Maurer. Usos e abusos do conceito de Representação Social. In: SPINK, Mary Jane Paris (org). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 58-72. LEME, Maria Alice Vanzolini da Silva. O impacto da Teoria das Representações Sociais. In: SPINK, Mary Jane Paris (org). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 46-57. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O conceito de representações sociais dentro da sociologia clássica. In: GUARESCHI, Pedrinho; JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs). Textos em representações sociais. 4. ed., Petrópolis: Vozes, 1998, p. 89-111. MOSCOVICI, Serge. A Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

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