CURSO DE DIREITO
“PERMISSÃO DO ABORTO DO ANENCÉFALO PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO”
VIRGINIA MANIGLIA RA: 406933/5 Turma: 003209B02 Fone: (11) 2456-9840 E-mail: [email protected]
São Paulo 2009
VIRGINIA MANIGLIA
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Wallace Ricardo Magri
São Paulo 2009
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador:____________________________
Professor Argüidor:_____________________________
Professor Argüidor:_____________________________
Agradeço primeiramente a
Deus, por estar sempre
presente em minha vida,
principalmente nos momentos
mais difíceis, me mostrando um
caminho, uma saída, e por ter
me propiciado a oportunidade
de realizar um grande sonho
profissional.
A meus pais, que mesmo
muitas vezes não me
compreenderam, mas me
ensinaram a melhor lição que
um ser humano pode aprender
“amar a vida”.
Aos amigos pelo apoio e
incentivo e pelas horas de
descontração, sempre me
dizendo que eu chegaria lá.
E um agradecimento em
especial, à todos aqueles que
durante esta jornada foram
meus Professores.
In memorian a um grande
amigo e mestre em Direito
Societário, Professor, Doutor
Renato Ventura Ribeiro. Por
todo apoio e incentivo.
“Que a razão não seja a
explicação das suas ações e
sim, a emoção”
Síntese
Este trabalho visa uma reflexão sobre o tema, buscando nos pilares de
nossa legislação, a base legal e constitucional, para que o nosso Código Penal
Brasileiro adote entre as normas de aborto legal, o aborto do anencéfalos.
A dignidade da pessoa humana é o principal elemento a embasar a
permissão do aborto do anencéfalo pelo nosso ordenamento. Tendo em vista que,
este principio é basilar de nossa Constituição Federal.
A dignidade da pessoa humana estaria resguardada ao se preservar a
integridade física e moral da gestante de anencéfalo.
Ao longo deste trabalho, ficará demonstrado, o pacifico entendimento, no
sentido de que o anencéfalo não tem expectativa de vida alguma, tendo em vista a
certeza absoluta de sua morte.
Alguns pontos ligados diretamente a esta questão do aborto de anencéfalos
também serão trazidos neste trabalho, como a exemplo: transplante de órgão e
pesquisas com células-tronco embrionárias.
Sumário1 Introdução.........................................................................................................11
2 A Vida ...............................................................................................................13
2.1 Teorias sobre o inicio da vida...................................................................14
2.1.1 Teoria Concepcionista..........................................................................15
2.1.2 Teoria Natalista ....................................................................................16
2.1.3 Teoria Intermediária ou Condicional....................................................16
2.2 Princípios relativos ao Direito a Vida ........................................................17
2.2.1 Principio da Dignidade da Pessoa Humana .........................................17
2.2.2 Princípio da Integridade Física. ............................................................19
2.2.3 Principio da Integridade Moral.............................................................20
3 Anencefalia .......................................................................................................22
3.1 Conceito e características ........................................................................22
3.1.1 A gravidez de anencéfalo.....................................................................24
4 O aborto............................................................................................................26
4.1 O bem jurídico protegido ..........................................................................26
4.2 Abortos permitidos pelo código penal brasileiro .......................................27
4.3 Permissão do Aborto de feto anencéfalo pelo Código Penal Brasileiro...28
5 Os prós e contras sobre o aborto do anencéfalos ............................................33
5.1 Posição religiosa ......................................................................................33
5.2 Posição dos biomédicos...........................................................................36
5.3 Posição dos Médicos Ginecologistas e Obstetras (FEBRASGO)............37
6 Questões relacionadas ao tema .......................................................................40
6.1 A Questão da doação de órgãos..............................................................40
6.2 A Questão da pesquisa com células tronco no Brasil...............................41
6.3 Lei da Biossegurança ...............................................................................44
7 Conclusão.........................................................................................................46
Referências ...............................................................................................................48
Anexos ......................................................................................................................49
11
1 Introdução
O que se pretende com este trabalho é que seja acrescentado ao Código
Penal Brasileiro, em seu Artigo 128 - aborto legal – praticado por médico, um
terceiro inciso , que trataria do aborto do anencéfalo.
Desta maneira deixaríamos à livre arbítrio da gestante, ao se constatar em
sua gravidez o fenômeno da anencefalia, em prosseguir ou não com a gestação.
Segundo o conceito de aborto do Professor Celso Delmanto “aborto é a
interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto” 1. No crime de aborto, o que se
protege no Código Penal Brasileiro, é a preservação da vida humana intra-uterina.
Para o legislador, de acordo com o Código Civil Brasileiro, a vida começa
com o nascimento com vida, e o Ser tem que ser auto-suficiente, capaz de manter-
se vivo sem depender de outro ser,ou de máquinas.
O feto anencéfalo é um ser totalmente dependente do ambiente intra-uterino,
não sobrevivendo fora dele, não havendo expectativa de vida.
O que se pretende com a adoção pelo Código Penal Brasileiro, da permissão
do aborto no caso de gravidez de feto anencéfalo é preservar a dignidade da pessoa
humana, a integridade física e moral da gestante, uma vez que, a preservação da
vida se daria com a preservação da integridade física e moral da gestante.
Preservar a integridade física e moral da gestante de feto anencéfalo, é fazer
com que a lei seja mais sensível para com o caso e não obrigue a gestante a levar
até o fim uma gravidez, na qual, o feto não resistiria ,quando muito, mais do que
algumas horas, fora do ambiente intra-uterino.
Integridade Física, porque advém de todas as complicações que esta
gravidez traz.
1 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado.
12
Integridade Moral, advém do trauma psicológico que essa gestante tem ao
saber e ter certeza, ao longo dos nove meses de gestação, que seu “filho”, que fora
planejado e tão sonhado, jamais virá a sobreviver fora do ambiente intra-uterino.
Conforme breve definição médica, “a anencefalia consiste na má formação congênita do
sistema nervoso central, na qual o encéfalo é anaplasico (não se desenvolve) e a calota craniana está ausente,
ficando a massa cerebral, mal desenvolvida exposta, ou inexistente”.2
No Brasil há uma divergência de opiniões sobre a permissão ou não do
aborto de anencéfalos. Por um lado temos grupos religiosos que defendem o direito
a vida e por trás destes grupos, encontram-se os cientistas e pesquisadores, que
querem que a gestação do anencéfalo chegue até ao fim, para que os mesmos
possam fazer pesquisas com células tronco.
Por outro lado temos médicos, familiares e todos aqueles que se preocupam
com a dignidade da pessoa humana, “para estas mães, a alegria de pensar em berço e
enxovais, será substituída pela angustia de preparar vestes mortuárias e sepultamento”3.
A permissão do aborto do anencéfalo também nos traria a possibilidade de
salvar outras vidas, como no caso da doação de órgão. Se a gestante a livre arbítrio,
resolver levar adiante a gestação do anencéfalo, para que, ao nascer seu “filho”
pudesse doar seus órgão, descaracterizaria a eutanásia.
Desta forma a razão de ser de todas as normas e princípios estaria
resguardada, que é a preservação do bem maior, A VIDA.
2 PLESS, J.P.P.Malformações do Sistema Nervoso Central e seus Envoltórios. In: VAZ,F.A.C.
Monografias medicas: série Pediatria, Rio de Janeiro: Sarvier, 1983. XXIV, v. 399p.p.96 3 FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
13
2 A Vida
O maior bem tutelado pelo ordenamento jurídico é a vida. Mas o que seria
este bem? .
Certa vez, ao ler um livro, encontrei uma definição do que é a vida e esta me
pareceu a melhor, assim dizia: “quem poderá definir esta pulsação misteriosa, própria aos
organismos animais e vegetais, que sopita inadvertida nas sementes de trigo encontrada nos
sarcófagos de faraós egípcios e que germina milagrosamente depois de dois milênios de escuridão,
que se oculta na gema de uma roseira que mãos habilidosas transplantam de um para outro caule,
que lateja, interrompe e transborda na inflorescência de milhões de espermatozóides que iniciam sua
corrida frenética à procura de um único óvulo, a cada encontro amoroso.” 4
A vida no sentido literal da palavra, existe desde a formação do mundo, cada
flor, cada semente, cada ser que nasce em nosso planeta, quer seja animal ou
vegetal, tem vida. É algo tão sublime e ao mesmo tempo tão frágil, que não obstante
todo o ordenamento jurídico a protege.
Como objeto desta pesquisa, vamos nos centrar, na vida humana, mais
precisamente em seu inicio.
Quando tem início a vida humana para o mundo jurídico?
Para a ciência médica, é a fecundação que marca o inicio da vida, quando os
cromossomos masculinos dos espermatozóides se encontram com o óvulo da
mulher, daí definem se todos os dados genéticos do ser humano, qualquer método
utilizado para tentar destruílo, põe fim a vida. No mesmo sentido, rogam todas as
religiões, na fecundação já existe vida.
Más para nós juristas, a analise desta questão é de suma importância, uma
vez que ,a função do ordenamento jurídico é regular a vida em sociedade, ditando
seus direitos e deveres, e ademais, todos os direitos da personalidade decorrem da
existência, ainda que pretérita , da vida.
4 CHAVES, Antonio.1914. Direito à Vida e ao próprio corpo:intersexualidade, transexualidade,
transplantes. 2 ed. Ver. e ampl. , São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,1994
14
Assim sendo, o ser humano, o destinatário final de toda norma,forçosamente
nos leva ao estudo da personalidade jurídica tomando por parâmetro inicial a pessoa
natural.
O conceito de vida humana no ordenamento jurídico dirige-se a um ser auto-
suficiente, que não depende de outro ser para viver. “O elemento vida, que deve
acompanhar o nascimento, parece caracterizar-se pela respiração pulmonar, pois é
este o primeiro indício de que a criança já não se alimenta através do organismo
materno. Basta um só instante de vida e a personalidade está caracterizada.”5
2.1 Teorias sobre o inicio da vida
O código civil brasileiro quando nos preceitua no Art.2º que: A personalidade
civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro. Significa dizer, apartir do momento que o ser
humano nasce com vida, ele adquire personalidade jurídica, ou seja, apartir do
instante em que o ser humano nasce o ordenamento jurídico o envolve para
protegê-lo.
Diferentemente, por exemplo, no ordenamento jurídico francês, que além do
nascimento com vida exige a viabilidade (habilis vitae) e sistemas como o espanhol,
que conservam resquícios do velho ordenamento Justiniano, exigem que o recém
nascido tenha figura humana e que tenha vivido pelo menos vinte e quatro horas.
Toda via, a lei também reconhece que a origem da vida está na concepção,
mais precisamente, no ser humano que está para nascer.
5 CHAVES, Antonio.1914. Direito à Vida e ao próprio corpo:intersexualidade, transexualidade,
transplantes. 2 ed. Ver. e ampl. , São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,1994
15
Daí surgiram três teorias para se determinar quando começa a existência da
personalidade jurídica : Teoria Concepcionista, Teoria Natalista e a Teoria
Condicional ou intermediaria.
2.1.1 Teoria Concepcionista
Esta teoria que foi influenciada pelo Direito francês, consagra que o nascituro
adquiriria a personalidade jurídica desde a concepção, sendo assim considerado
pessoa. Posição esta seguida por Teixeira de Freitas, Beviláqua, Limongi França e
Francisco Amaral dos Santos.
Toda via, esta personalidade adquirida desde a concepção, confere apenas a
titularidade de personalidade sem conteúdo patrimonial, a exemplo o direito a vida
ou a uma gestação saudável, uma vez que os direito patrimoniais sujeitam se a
nascimento com vida, isto porque, no nosso ordenamento jurídico, para ser
proprietário é necessário certos requisitos, sendo um deles a existência como
pessoa, quer seja jurídica ou física.
Sendo assim, poderíamos analisar o artigo 2º do código civil, e concluir que a
personalidade começa do nascimento com vida. Logo, o nascituro de acordo com a
etimologia do vocábulo (de nasciturus-a-um) é aquele que há de nascer ou deve
nascer, ou seja, aquele que tem uma expectativa de vida, daí advém à segunda
parte do referido artigo: a lei Põe a salvo os direitos do nascituro. Porque seria um
absurdo se resguardar os direitos de um ser que esta para nascer, que tem
expectativa de vida, se não se preservasse o seu direito a vida, para que justamente
depois de nascer, pudesse usufruir de todos os seus direitos.
16
2.1.2 Teoria Natalista
Segundo esta teoria, a personalidade só teria inicio apartir do nascimento com
vida, ou seja, enquanto a expectativa de vida não se materializa-se, não se
reconheceria a personalidade, por conseguinte seus direitos.
“A lei civil trata do nascituro quando, posto não o considere pessoa, coloca a salvo os seus
direitos desde a concepção (art.2º do CC). Ora adotada a teoria natalista, segundo a qual a aquisição
da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida, é razoável o entendimento no sentido de
que, não sendo pessoa, o nascituro possui mera expectativa de direito.”6
Considerando-se que a maior parte da doutrina segue a teoria natalista,
considerando o nascituro uma mera expectativa de direitos. O fato é que nos termos
da legislação em vigor, o nascituro, embora não seja considerado pessoa, tem a
proteção legal dos seus direitos desde a concepção. Ou seja, a proteção do feto para
o seu regular desenvolvimento.
Para os natalistas, não há direito subjetivo sem que haja titular. Portanto, se o ser ainda não veio ao mundo através do nascimento com vida, este ainda não pode ser considerado um sujeito de direito. Considera-se, pois, o nascimento com vida como o fato concreto para a aquisição da personalidade jurídica. ( por José de Oliveira)
2.1.3 Teoria Intermediária ou Condicional.
Esta teoria é uma mescla das duas primeiras, preceituando que a
personalidade de fato já existe com a concepção, contudo leva a crer que a
personalidade de direito só existirá, depois de cumprida a condição do nascimento
com vida.
Sendo que “a condição do nascimento não é para que a personalidade exista, mas tão
6 Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 5ª Ed. Volume I, São Paulo, Saraiva,2004.
17
somente para que se consolide a sua capacidade jurídica7”.
“Os adeptos da teoria da personalidade condicional sufragam entendimento no sentido de que
o nascituro possui direitos sob a condição suspensiva. Nesse sentido preleciona Arnoldo Wald: “ A
proteção do nascituro explica-se, pois há nele uma personalidade condicional que surge, na sua
plenitude, com o nascimento com vida e se extingue no caso de não chegar o feto a viver”8·.
Também esta é a linha de pensamento de Miguel Maria da Serra Lopes.
2.2 Princípios relativos ao Direito a Vida
A vida, como disse anteriormente, o maior bem a ser tutelado pelo
ordenamento jurídico, tem princípios fundamentais que devem ser observado pelo
Estado e por toda sociedade, para que a vida seja preservada como um todo.
Importante é que analisemos rapidamente estes princípios, posto que, para
analise do objeto deste trabalho – o aborto do anencéfalo, mister se fará me pautar
neles.
2.2.1 Principio da Dignidade da Pessoa Humana
Nos Séculos XVII e XVIII, dois pensadores se destacam: Samuel Pufendorf,
que entende ser dever de todos, mesmo do monarca, respeitar a dignidade da
pessoa humana, considerada como seu direito de optar de acordo com sua razão e
agir conforme o seu entendimento e sua opção. Já Imanuel Kant, talvez aquele que
7 França, R. Limongi, 1927 – Instituições de direito civil. 4 ed. Atual,São Paulo,Editora Saraiva,1996. 8 Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho.
5ª Ed. Volume I, São Paulo, Saraiva,2004
18
mais influencia até os dias atuais nos delineamentos do conceito, propôs o seu
imperativo categórico, segundo o qual o homem é um fim em si mesmo, não
podendo nunca ser coisificado ou utilizado como meio de obtenção de qualquer
objetivo. As coisas, que podem ser trocadas por algo equivalente, têm preço; as
pessoas, dignidade.
“O desrespeito à dignidade humana como um crime contra a humanidade: o nazismo e o
Tribunal de Nuremberg.
A concepção de direitos humanos para Hitler era de que: “Os direitos humanos estão acima
dos direitos do Estado. Se, porém, na luta pelos direitos humanos, uma raça é subjugada, significa
isso que ela pesou muito pouco na balança do destino para ter a felicidade de continuar a existir neste
mundo terrestre, pois quem não é capaz de lutar pela vida tem o seu fim decretado pela providência.
O mundo não foi feito para os povos covardes” Adolf Hitler, no livro “Minha Luta”.
O Tribunal de Nuremberg introduziu a concepção de que a dignidade da pessoa humana é um
valor que está acima da própria lei. Portanto, a violação à dignidade de qualquer ser humano é um
crime contra a própria humanidade”9
Com os horrores perpetrados durante a Segunda Guerra Mundial, o
pensamento Kantiano ressurge com extrema vitalidade, uma vez que se verificou, na
prática, quais são as conseqüências da utilização do ser humano como meio de
realização de interesses, sejam políticos, sejam econômicos. Desta forma, o
princípio da dignidade da pessoa humana foi positivado na maioria das
Constituições do pós-guerra, bem como na Declaração Universal das Nações
Unidas (1948), logo em seu artigo 1º:
“Art. 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade.”
9 George Marmelstein Lima, Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional - Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana – artigo extraído da internet.
19
Em nosso ordenamento, foi positivado pela Constituição Federal de 1988, que
o elencou como fundamento da República Federativa do Brasil, criando, uma
verdadeira cláusula geral de tutela da pessoa humana.
O princípio da Dignidade da pessoa Humana é um fundamento jurídico-
constitucional que dele deriva todos os demais direitos fundamentas, e é a base de
legitimação e razão de ser, de todo ordenamento jurídico.
2.2.2 Princípio da Integridade Física.
Quando nos referimos ao principio da integridade física, estamos diante do
ser, do objeto, da matéria que comporta em si mesmo a vida.
Adriano de Cupis, afirma que: “o bem da integridade física é, a par do bem da vida, um
modo de ser físico da pessoa, perceptível mediante os sentidos, por outro lado, segue na hierarquia
dos bens mais elevados, o bem da vida.” 10
Preservar a integridade física de um ser humano, é acima de tudo preservar
sua vida. Há de se observar que o Direito penal tem um cuidado todo especial para
com este princípio, tanto que não há uma norma genérica que incrimine a ofensa ao
bem da integridade física, mas sim, várias normas que incriminam as diversas formas
de ofensa a este bem.
O legislador penal não proíbe a ofensa à integridade física das pessoas,
antes, prescreve sanções àqueles que praticarem condutas que agridam, que
produzam doenças no corpo ou no espírito, ou que venham a diminuir ou ate mesmo
a extinguir a sua existência, quer seja, a vida.
A integridade física é um princípio, um direito subjetivo intrínseco,
10 Cupis, Adriano de. Os direitos da personalidade; Tradutor Afonso Celso Furtado Rezende.
Campinas. Romana, 2004.
20
indisponível, indivisível e intransferível, ligado diretamente a existência do ser em si.
2.2.3 Principio da Integridade Moral.
“A integridade moral constitui-se em uma das classificações dos direitos de personalidade, a
proteção jurídica a tais direitos de personalidade tem que ser de modo abrangente e efetivo, visando
o respeito à dignidade humana, valor supremo em nosso ordenamento jurídico.”11
O nosso ordenamento jurídico não traz uma definição exata do que seria a
Integridade moral, tanto que para falar em integridade moral falam em dano moral,
eis alguns entendimentos:
Para Savatier, dano moral "é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.".12
Para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral "é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio mora l(honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor,tristeza,saudade), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” 13
Segundo Minozzi, Doutrinador Italiano, Dano Moral "é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou moral, em geral uma dolorosa sensação provada pela pessoa, atribuindo à palavra dor o mais largo significado".14
O Desembargador Ruy Trindade, diz que dano moral "é a sensação de abalo
a parte mais sensível do indivíduo, o seu espírito" (RT 613/184).
11 Tarifa, Rita de Cássia Resquetti. Direito à integridade moral : alguns aspectos dos direitos de personalidade. Unopar científica: ciências jurídicas e empresariais. 2003. http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/18337
12 Traité de La Responsabilité Civile, vol.II, nº 525, in Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Editora Forense, RJ, 1989
13 Cahali, Yussef Said. Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1998, 2ª edição. 14 Studio sul Danno non Patri moniale, Danno Morale, 3ª edição,p. 41
21
A meu ver, tanto Minozzi quanto Ruy Trindade, foram os que melhores
traduziram o conceito de Integridade moral. A integridade moral está relacionada
com o estado de espírito do ser humano, em outras palavras, é o que eu chamaria
de a força motriz interna de cada individuo, e qualquer abalo a esta força, se
materializa e se mostra nas mais variadas formas de sentimentos e sentidos, como o
nosso nobre Desembargador citou acima.
Ao falarmos em integridade moral, estamos na verdade falando no estado
psicológico e emocional do ser humano.
Preservar a integridade Moral de um ser humano significa zelar pela sua “paz
de espírito”, e em seu mais alto grau, sua dignidade de ser humano.
22
3 Anencefalia
Para conceituar o que seria o fenômeno da ”anencefalia” coube me recorrer
ao que dizem alguns médicos e especialistas e estudiosos no assunto. Uma vez
que, na posição de estudante do Direito, compete-me apenas analisar o caso sob o
ponto de vista jurídico, portanto deixo para a ciência medica conceituar tal
fenômeno.
3.1 Conceito e características
Sobre o ponto de vista médico, os Doutores Carlos Gherardi e Isabel Kurlat
escreveram o esclarecedor texto Anencefalia e Interrupción del Embarazo - Análisis
médico y bioético de los fallos judiciales:
“A anencefalia é uma alteração na formação cerebral resultante de falha no
início do desenvolvimento embrionário do mecanismo de fechamento do tubo neural e que se
caracteriza pela falta dos ossos cranianos (frontal, occipital e parietal), hemisférios e do
córtex cerebral. O tronco cerebral e a medula espinhal estão conservados, embora, em
muitos casos, a anencefalia se acompanhe de defeitos no fechamento da coluna vertebral.
Aproximadamente 75% dos fetos afetados morrem dentro do útero, enquanto que, dos 25%
que chegam a nascer, a imensa maioria morre dentro de 24 horas e o resto dentro da
primeira semana.
Na anencefalia, a inexistência das estruturas cerebrais (hemisférios e córtex)
provoca a ausência de todas as funções superiores do sistema nervoso central. Estas
funções têm a ver com a existência da consciência e implicam na cognição, percepção,
comunicação, afetividade e emotividade, ou seja, aquelas características que são a
expressão da identidade humana. Há apenas uma efêmera preservação de funções
vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e as
dependentes da medula espinhal. Esta situação neurológica corresponde aos critérios de
morte neocortical (high brain criterion), enquanto que, a abolição completa da função
encefálica define a morte cerebral ou encefálica (whole brain criterion).
A viabilidade para a vida extra-uterina depende do suporte tecnológico
disponível (oxigênio, assistência respiratória mecânica, assistência vasomotora, nutrição,
23
hidratação). Há 20 anos, um feto era considerado viável quando completava 28 semanas,
enquanto que hoje, bastam 24 semanas ou menos. Faz 10 anos que um neonato de 1 kg
estava em um peso limite, mas hoje sobrevivem fetos com 600 gramas. A viabilidade não é,
pois, um conceito absoluto, mas variável em cada continente, cada país, cada cidade e cada
grupo sociocultural. Entretanto, em todos os casos, a viabilidade resulta concebível em
relação a fetos intrinsecamente sãos ou potencialmente sãos. O feto anencefálo, ao contrário,
é intrinsecamente inviável. Dentro de um quadro de morte neocortical, carece de toda lógica
aplicar o conceito de viabilidade em relação ao tempo de gestação. O feto será inviável
qualquer que seja a data do parto. ”15
Como a chamada anencefalia admite vários graus, a sobrevivência do bebê
anencéfalo pode variar muito. Ele pode morrer ainda no útero materno. Pode viver
sete minutos após o nascimento, como Maria Vida, filha de Gabriela Oliveira
Cordeiro (Teresópolis-RJ), vinte horas como Thalles, filho de Janaína da Silva César
(Brasília – DF), quatro dias, como Pedro, filho de Mara Couto dos Santos Monteiro
(Niterói – RJ), ou três meses, como Maria Teresa, filha de Ana Cecília Araújo Nunes
(Fortaleza – CE).
Segundo o Comitê de Bioética do Governo Italiano, "na realidade, define-se
com este termo uma má-formação rara do tubo neural acontecida entre o 16° e o 26°
dia de gestação, na qual se verifica ‘ausência completa ou parcial da calota craniana
e dos tecidos que a ela se sobrepõem e grau variado de má-formação e destruição
dos esboços do cérebro exposto”16
15 Trecho extraído da obra de Pontes, Manuel Sabino. Anencefalia e o crime de aborto: atipicidade
por ausência de lesividade. Advogado em Natal (RN), professor de Processo Penal na FESMP/RN, especialista em Direito Constitucional e Financeiro pela UFPB, especializando em Direito Processual Penal pela FESMP/RN
16 Comitato nazionale per la bioetica. Il neonato anencefalico e la donazione di organi. 21 giugno 1996. p. 9. O Comitê Nacional de Bioética do governo italiano é composto por estudiosos das mais diversas áreas, em coerência com a natureza intrinsecamente pluridisciplinar da Bioética: médicos, juristas, psicólogos, sociólogos, filósofos. A declaração italiana está disponível em http://www.providaanapolis.org.br/cnbital.pdf. A versão portuguesa está disponível em http://www.providaanapolis.org.br/cnbport.htm
24
O Comitê de Bioética do Governo Italiano informa que "foi relatado um caso
único de sobrevivência até 14 meses e dois casos de sobrevivência de 7 a 10
meses, sem recorrer à respiração mecânica." 17
3.1.1 A gravidez de anencéfalo
A anencefalia como vimos anteriormente, é uma malformação incompatível
com a vida. Apenas 25% dos anencéfalos apresentam sinais vitais na 1ª semana
após o parto. A incidência é de cerca de 2 a cada 1.000 nascidos vivos. O seu
diagnóstico pode ser estabelecido mediante ultra-sonografia entre a 12ª e a 15ª
semana de gestação e pelo exame da alfa-fetoproteína no soro materno e no líquido
amniótico, que está aumentado em 100% dos casos em torno da 11ª a 16ª semana
de gestação.
A gravidez do feto anencéfalo resulta em inúmeros problemas maternos
durante a gestação. A FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia enumera tais complicações maternas, dentre elas:
eclampsia, embolia pulmonar, aumento do volume do líquido amniótico e até a morte
da gestante.
Complicações maternas durante a gestação de fetos anencéfalos:
A. Prolongamento da gestação além de 40 semanas;
B. Associação com polihidrâmnio, com desconforto respiratório, estase venosa, edema
de membros inferiores;
C. Associação com DHEG (Doença Hipertensiva Específica da Gestação);
D. Associação com vasculopatia periférica de estase;
E. Alterações comportamentais e psicológicas;
17 Comitato nazionale per la bioetica. Il neonato anencefalico e la donazione di organi. 21 giugno
1996. p. 11.
25
F. Dificuldades obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencéfalos de
termo (parto entre 38 e 42 semanas de gestação, tempo considerado normal);
G. Necessidade de apoio psicoterápico no pós-parto e no puerpério;
H. Necessidade de bloqueio da lactação;
I. Puerpério com maior incidência de hemorragias maternas por falta de contratilidade
uterina
J. Maior incidência de infecções pós-cirúrgicas devido às manobras obstétricas do
parto de termo.
Ademais, cerca de 15-33% dos anencéfalos apresentam outras
malformações congênitas graves, incluindo defeitos cardíacos como hipoplasia de
ventrículo esquerdo, coarctação da aorta, persistência do canal arterial, atresia
pulmonar e ventrículo único.
26
4 O aborto
O aborto consiste na interrupção da gestação. Na própria concepção da
palavra, consiste no abortamento do processo de reprodução das células, na
interrupção abrupta e brusca da vida que esta em formação dentro do útero
materno. A interrupção da vida intra-uterina.
4.1 O bem jurídico protegido
Como foi dito anteriormente, nos primeiros capítulos deste trabalho, a vida é
o maior bem jurídico a ser tutelado pelo ordenamento. E, portanto, não obstante o
legislador sempre deve buscar a proteção deste bem, quando da elaboração e
aplicação das Leis.
Tamanha importância deste bem, o código penal brasileiro tem um capitulo
próprio e especifico para tratar de todos os crimes que atentem contra a vida. E
dentro dele está inserido o crime de aborto nas suas mais variadas formas.
A questão do aborto vem sendo discutida mundialmente, ao longo de muitos
anos, tanto que em 15.01.1985 foi exibido num canal de televisão em Connecticut no
EUA, um filme de 28 minutos de duração, chamado de “O grito Silencioso” pela Liga
de Ação Pró-Vida, que mostra imagens intra-uterinas de um feto de 12 semanas
sendo extraído pelo processo de sucção.
“O feto se encolhe para escapar do aparelho, que primeiro lhe arranca as pernas, depois os
intestinos. Ele luta violentamente com os braços, e no fim sua cabeça cai, a boca aberta em agonia”
Assim descreveu Joseph Scheidler, um ex monge beneditino, fundador da
liga. Que acreditava que a exibição deste filme bastaria para o fim da discussão
sobre o assunto. Mais tarde trechos desta macabra seqüência foram exibidos no
mundo inteiro. Mesmo assim, ate os dias de hoje, ainda se discute o assunto.
No Brasil, por si só, o aborto é considerado crime. Por ser um país de origem
cristã e sendo a maior parte da população católica, o aborto é crime e está tipificado
nos artigos 124 a 127 do código penal.
“o aborto é um homicídio contra uma vida em formação” (grifo meu)
27
4.2 Abortos permitidos pelo código penal brasileiro
No nosso ordenamento jurídico existem apenas duas exceções as regras
que recriminam o aborto, contidas no artigo 128 incisos I e II.
Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Ambos estão pautados na preservação da integridade física e moral da
gestante, na dignidade da pessoa humana. Note-se que no primeiro caso o
legislador autoriza o médico a praticar o aborto quando não houver outro meio para
salvar a vida da mãe, o que foi vislumbrado pelo legislador para se permitir tal aborto
é que a mãe já possui personalidade jurídica, já o feto tem mera expectativa de
direito, ou seja, baseando-se na teoria natalista, para a preservação de uma vida já
formada, sobrepondo-se a vida em formação.
Já no segundo caso, a gestante e o feto não correm nenhum risco de vida,
contudo o que o legislador buscou foi a preservação em seu mais alto grau, da
dignidade da mãe, que sofreu uma violência física, moral e psicológica. “Tal aborto
justifica-se pelo fato de não ser possível exigir da mulher uma maternidade que lhe
venha recordar continuamente a ofensa e o sofrimento que a originaram. O bem
jurídico a ser defendido, neste caso, é o livre arbítrio da mulher, não tendo sido ela
responsável pela gestação, tem todo o direito de opor-se a mesma, “(Jimenez de
Asua).
28
4.3 Permissão do Aborto de feto anencéfalo pelo Código Penal Brasileiro
No ano de 2004 ao participar de uma palestra de médicos e biomédicos
junto a OAB/SP, tive um primeiro contato com o assunto. Na mesma época eclodiam
nos tribunais brasileiros decisões favoráveis e contras o aborto de anencefalo tendo
em vista o surgimento do primeiro caso, que foi levado aos tribunais através da
AÇÃO DE ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Nº54 pela CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE –
CNTS.
LEI N 9.882, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999. o (Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal
Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;
Art. 2o Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
A partir daí, surgiu a polemica sobre o assunto em todo o país, já que nossa
legislação era vaga e nada dizia sobre ele, o que me despertou o interesse em
analisá-lo sob o ponto de vista jurídico.
A polêmica em torno do direito da mulher gestante de interromper a gravidez
quando se tratar de feto anencefalo, leva em consideração aspectos éticos, sociais,
morais, religiosos e emocionais. Contudo o que nos interessa neste trabalho é o
ponto de vista jurídico.
Faço uma ressalva desde logo, que sou contra aborto por si só e que meu
trabalho visa exclusivamente o aborto de feto com anencefalia. Não se incluindo as
mas formações congênitas, não estou a defender ou sequer abrir brechas para o
29
chamado aborto congênito, pois se assim o fizermos, estaríamos escolhendo e
selecionando os bebês que poderiam nascer e os que deveriam morrer, logo
estaríamos adotando as mesmas idéias de “raça pura” que Hitler adotava durante o
nazismo.
Tendo em vista que a anencefalia é uma má formação que impossibilita
qualquer atividade cerebral. E o fato de que, o que mantém a atividade cardíaca e
respiratória do feto, é o fato de ele estar ligado ao cordão umbilical da mãe, e assim
que o cordão é cortado, as atividades que ainda restavam funcionando cessam.
Não podemos falar em crime de aborto, principalmente porque, se, o crime
de aborto é a interrupção da vida, e segundo o conceito de vida adotado no
ordenamento jurídico brasileiro, onde, “vida” seria o ser auto-suficiente que não
depende de outro ser para viver. Logo, não há crime. Não existe nenhuma Lei, no
ordenamento jurídico brasileiro, que, incrimine a extração do produto da concepção,
que não tem expectativa de vida alguma, cuja certeza da morte é absoluta.
Para Damásio de Jesus, só se caracteriza o crime de aborto quando houver
a morte do feto, em decorrência da interrupção da gestação, que deverá ser
resultado direto dos meios abortivos.18
O código penal brasileiro datado de 1940, não tem previsão alguma sobre a
possibilidade de interrupção da gravidez em caso de anencefalia. Isto porque, não
havia a tecnologia e a exatidão dos diagnósticos que hoje existem. Por isso, há
necessidade de atualização de nosso código penal, para que acompanhe os
avanços da ciência e da tecnologia.
Sendo a vida um bem absoluto, e levando em consideração a preservação
da integridade física e moral da gestante e o princípio da dignidade da pessoa
humana, o ordenamento jurídico brasileiro não pode obrigar a gestante a levar
adiante uma gravidez de feto com diagnóstico de anencefalia cuja expectativa de
vida é nula.
18 Damásio de Jesus. Código Penal Anotado.
30
Obrigar uma gestante a manter sua gravidez, em caso de anencefalia, trará
a ela um dano psíquico irreparável. Um sofrimento permanente advindo da
imposição da gestação de um ser sem expectativa de vida alguma, que provocará
um dano psicológico muito grande a esta gestante. Sem contar com o desgaste
emocional e psicológico para toda a família. Danos psicológicos cujo Estado
brasileiro não tem porte nem condições para tratá-lo.
Devido o crescente número de pedidos de autorizações para aborto de fetos
anencefálicos, junto aos tribunais brasileiros e primando por uma celeridade na
interrupção deste tipo de gravidez, foi interposta em 17/06/2004 a Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº54, pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, junto ao Supremo
Tribunal Federal, visando que se declarasse a inconstitucionalidade, com eficácia
abrangente e efeito vinculante, da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I
e II do Código Penal, como impeditiva da antecipação do parto nos casos de
anencefalia, com o reconhecimento do direito subjetivo da gestante de assim agir.
A ADPF apóia-se nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana, da liberdade e da saúde. Pleiteando que os artigos relativos ao crime de
aborto sejam analisados em conformidade com a Constituição Federal.
A referida ação foi distribuída para o Ministro Marco Aurélio, que houve por
bem deferir a requerida alegando que:
“(...)a literatura médica aponta que a má formação por defeito do fechamento do tudo
neural durante a gestação, não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou a
morte intra-uterina, alcançando 65% dos casos, ou a sobrevida de no Máximo algumas horas após o
parto. A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa,
podendo gerar dano a saúde e a vida da gestante. Consoante o sustentado, impor a mulher o dever
de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobrevivera, causa a
gestante dor, angustia e frustração, resultando em violência as vertentes da dignidade humana- a
física, a moral e a psicológica- e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em
risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde – o completo bem estar
físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.19
19 HTTP://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id605
31
A liminar determinava que toda gestante que estivesse gerando um feto
anencefálico poderia interromper a gravidez se assim o quisesse. No entanto 90 dias
após, a liminar foi cassada pelo Órgão Especial do Supremo Tribunal Federal na
sessão realizada no dia 20/10/2004. E para o melhor julgamento do mérito, o STF
marcou três audiências públicas.
A primeira em 26/08/2008, onde foram ouvidos representantes das várias
igrejas no Brasil. A segunda, realizada em 28/08/2008 foram ouvidos representantes
de instituições e segmentos diversos da sociedade. A terceira, realizada em
04/09/2008 concentrou representantes de movimentos pró e contra a legalização do
aborto em casos de anencefalia. Nesta ultima, o então Minístro da Saúde, José
Gomes Temporão, afirmou que o SUS tem condições de fornecer diagnósticos
precisos para detectar a anencefalia. Concluídas as audiências, o STF encaminhou
os autos ao Procurador Geral da Republica, Dr. Antonio Fernando de Souza, que
faria um relatório para votação sobre a matéria.
Em 03/04/2009 em parecer, a Advocacia Geral da União entendeu que o
pedido da Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº54,
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, deveria ser
acolhido com o reconhecimento da inconstitucionalidade de sua incidência, sobre a
hipótese de gravidez de anencefalo, garantindo a gestante o direito subjetivo de se
submeter a antecipação terapêutica do parto, sem a necessidade de apresentação
prévia de autorização judicial ou de permissão específica do Estado. (assinaram o
parecer: Evandro Costa Gama – Advogado Geral da União Interino; Letícia de
Campos Aspesi santos – Diretora do Departamento de Controle
Concentrado,Advogada da União; Geraldo Wilames Fonseca e Silva – Procurador
Federal).
Em 06/07/2009 , em parecer, a Procuradora Geral da República Deborah
Macedo Dupratt de Britto Pereira, também entendeu totalmente procedente o
pedido,e desde que o diagnostico de anencefalia seja feito por médico habilitado,
reconhece o direito da gestante de se submeter a este procedimento, sem a
necessidade de prévia autorização.
32
De 09/07/2009 até a presente data, os autos estão conclusos ao Relator
Ministro Marco Aurélio, no aguardo de uma decisão definitiva para a matéria.20
Como pode se observar é do entendimento dos ilustres julgadores, por
decisões favoráveis sobre o aborto no caso de gravidez de anencéfalo. Todos
entendem, assim como eu, que o aborto neste caso é uma forma de se preservar a
dignidade da pessoa humana, a integridade física e moral da gestante.
20
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=54&classe=ADPF&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M
33
5 Os prós e contras sobre o aborto do anencéfalos
Ao analisar toda a problemática referente ao aborto de gravidez de
anencéfalo, pudemos perceber que determinados grupos presentes em nossa
sociedade, não estão preocupados com a dignidade da pessoa humana, ou seja,
com a gestante, e sim preocupados em manter seus dogmas, no caso da igreja, ou
garantir suas pesquisas e quem sabe até manter um mercado negro de venda de
corpos.
De primeiro momento, tais afirmações podem lhes assustar, pórem mais
preocupados deveriam ficar quando, pesquisarem pela internet sobre mercado negro
de corpos e verem quantos sites falam a respeito. É impressionante.
O que poucos sabem, é que biomédicos se escondem atrás da posição
religiosa sobre o tema do aborto de anencéfalo, para camuflar o verdadeiro motivo
pelo qual não querem que seja reconhecido o direito da mãe grávida de um
anencefalo interromper sua gravidez. Que é o fato das pesquisas com células tronco
serem feitas sobre uma “cama” de tecido humano, quer seja, de pedaços de tecido
de fetos, além do fato de que as células tronco estão em maior quantidade
concentradas no cordão umbilical. Toda via, este assunto tratarei mais adiante.
Contudo, é de extrema importância citar alguns posicionamentos sobre a
questão do aborto de anencefalos, uma vez que nós, na condição de estudiosos e
aplicadores do Direito temos o dever de por na “balança” todas as argumentações
contra e a favor do aborto de anencéfalo.
5.1 Posição religiosa
Pela dogmática das religiões é pregado que a vida pertence a Deus, e
somente ele tem o poder para dá-la e também para retirá-la. Se eu tivesse de
analisar este caso de anencefalia utilizando-se do meu lado religioso cristão,
pensaria da mesma forma. Contudo, como disse anteriormente, analiso o caso de
forma jurídico- legal.
34
Segundo o Bispo Auxiliar de São Paulo, Secretário Geral da CNBB
(Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros), D.Odilo Pedro Scherer, Trata-se, de
fato, da permissão de “descumprir” a lei brasileira que veta o aborto, sem incorrer nas
sanções previstas por essa lei.
A Presidência da CNBB emitiu uma Declaração manifestando sua posição contrária à liberação do aborto, nesses casos. O debate sobre esta questão
passou à opinião pública através dos meios de comunicação e as perguntas da
sociedade são muitas. A Igreja não poderia ficar ausente deste debate.
A Igreja é contrária à “interrupção da gravidez” dos anencéfalos porque ela é
a favor da vida e da dignidade do ser humano, não importando o estágio do seu
desenvolvimento, ou a condição na qual ele se encontre. A vida é sempre um dom de
Deus e deve ser respeitada, desde o seu início até o seu fim natural. Não temos o
direito de tirar a vida de ninguém.
A vida humana não está apenas num órgão, como o cérebro, por mais
importante que ele seja. A vida está no conjunto das funções do organismo. No caso
desses fetos, tanto é verdade que são seres vivos, que eles podem se desenvolver
no seio da mãe e chegar até a maturidade, para nascerem. Se não fossem seres
vivos, não se desenvolveriam. E são seres vivos humanos. A verdade é que muitos
deles já abortam naturalmente e os que nascem não podem viver por muito tempo
fora do seio da mãe.
Considerar que esses fetos não têm nenhuma chance de sobreviverem e
que seria melhor eliminá-los logo, sem esperar que nasçam. Pensar assim seria
introduzir um princípio perigoso. A vida deve ser respeitada sempre, não importando
quantos anos, dias, ou minutos alguém possa viver. Contrariamente, poderemos
chegar também a concordar com a supressão da vida dos doentes terminais, dos
idosos, dos que têm doenças incuráveis.
A Igreja tem medo que a autorização do Supremo Tribunal possa abrir a
porta para outras permissões questionáveis a respeito da vida humana. De fato, a
posição da moral católica é pelo respeito à vida e não seria diferente, mesmo que se
tratasse apenas dos anencéfalos. De toda maneira, permanece a suspeita de que
35
essa decisão possa levar a outras semelhantes, como a permissão de eliminar fetos
que tenham outras síndromes e doenças incuráveis, ou de permitir a eutanásia,
quando se trata de doentes terminais, ou de pessoas com doenças incuráveis.
A mulher que gera um filho com anencefalia pode passar por um drama
grave e por muitos sofrimentos, sabendo que o feto pode morrer ainda no seu seio,
ou então, morrerá logo depois de nascer. Temos que ter muita compreensão para
com essa mãe e a sociedade dispõe de muitos meios para ajudá-la.
Mesmo o risco para a saúde da mãe pode ser controlado pela medicina. Mas
o sofrimento da mãe não é justificativa suficiente para tirar a vida do filho dela. Além
disso, fazer o aborto, nesses casos, pode marcar a mãe com um segundo drama,
que ela vai carregar para o resto da vida. Abortar um filho não é solução, mas é um
problema a mais para a mãe. Melhor, neste caso, é deixar que a natureza siga o seu
curso natural.
A opinião da sociedade, em geral, não é a mesma da CNBB e parece
favorável à interrupção da gravidez dos fetos anencéfalos. Conhecemos apenas a
opinião daqueles que têm o poder da comunicação, mas não sabemos se, de fato, a
maioria das pessoas concordaria com o aborto dos anencéfalos. A verdade é que os
juízos morais não dependem da opinião da maioria, mas da adequação à verdade
das coisas. Não se pode esquecer que se trata de vidas humanas, que devem ser
respeitadas sempre.
Trata-se de vidas frágeis, doentes, indefesas. De uma sociedade
culturalmente evoluída e humanamente responsável se espera que respeite a vida e
a dignidade dos mais fracos e os ampare e proteja; se a sociedade dos adultos, dos
fortes e sadios, dos que têm a ciência, a técnica, o dinheiro e o poder a seu dispor,
não fizer isso, corremos o risco de voltar à lei da selva, onde os mais fortes se
prevalecem dos mais fracos e indefesos. E seria a negação de toda a civilização e da
cultura.
De fato, o Brasil não é um Estado religioso, mas a sociedade, em função da
qual o Estado existe, é religiosa em sua grande maioria. O Estado não deve ir contra
seus cidadãos, nem desrespeitar sua cultura e suas convicções. Ademais, o respeito
36
à vida do próximo não é questão de religião e de convicção religiosa: Trata-se de
uma questão de lei natural, que vale para todos, mesmo para os que não têm
religião. Por esse princípio, não por uma questão de religião, é que cada cidadão
pode contar com a proteção das leis contra aqueles que agridem sua vida, ou a
põem em perigo.21
5.2 Posição dos biomédicos
O aborto do anencéfalo seria equiparado à eutanásia, porque para os
biomédicos, o anencefalo é uma criança gravemente com problemas.
Para a Doutora Marlene Nobre, “à primeira vista, pode parecer que as razões
contrárias ao aborto provocado sejam exclusivamente da alçada da religião. Uma
reflexão mais acurada, porém, demonstrará que elas têm raízes na própria ciência. É
indispensável analisar os argumentos científicos. O primeiro passo é a descoberta do
verdadeiro significado do zigoto.
Segundo os ilustres embriologistas Moore e Persaud, o zigoto e o embrião
inicial são organismos humanos vivos, nos quais já estão fixadas todas as bases do
indivíduo adulto. Sendo assim, não é possível interromper qualquer ponto do
contínuo — zigoto, feto, criança, adulto, velho — sem causar danos irreversíveis ao
bem maior, que é a própria vida.
Reconhecemos o grande valor da Teoria Neodarwiniana. Mas ela é
insuficiente para explicar a evolução como um todo, porque tem no acaso um dos
seus pilares. Acreditamos que a Teoria do Planejamento Inteligente, que não tem por
base o acaso, dispõe de argumentos científicos bem mais sólidos para explicar a
evolução dos seres vivos.
Descobertas recentes da neurocientista Candace Pert demonstram que a
memória está presente não somente no cérebro, mas em todo o corpo, através da
ação dos neuropeptídios, que fazem a interconexão entre os sistemas nervoso,
21 Extraído de: http://www.universocatolico.com.br/index.php?/aborto-de-fetos-com-anencefalia.html
37
endócrino e imunológico. Outras pesquisas já detectaram a presença, no zigoto, de
registros (imprints) mnemônicos próprios, que evidenciam a riqueza da personalidade
humana, manifestando-se muito cedo, na embriogênese. O conjunto destes trabalhos
demonstra a competência do embrião: capacidade para autogerir-se mentalmente,
adequar-se a situações novas; selecionar situações e aproveitar experiências.
Se unirmos a Teoria do Planejamento Inteligente a essas descobertas,
concluiremos que a vida do embrião não pertence à mãe, ao pai, ao juiz, à equipe
médica, ao Estado, mas exclusivamente a ele mesmo. Há, pois, fortes razões científicas para ser contra o aborto, mesmo do anencéfalo. Aprendemos, com a
genética, que a diversidade é nossa maior riqueza coletiva. E o feto, mesmo portador
de grave deficiência, faz parte dessa diversidade e deve ser preservado e respeitado.
A mulher que gera um feto deficiente precisa de apoio psicológico, direito que
na prática não lhe é assegurado. Sem ajuda para trabalhar seu sentimento de culpa,
ela pode exacerbá-lo pela incitação à violência contra o feto. Seria importante inclinar
seu coração à compaixão e à misericórdia, mostrando-lhe o real significado da vida.
”22
5.3 Posição dos Médicos Ginecologistas e Obstetras (FEBRASGO)
(Jorge Andalaft Neto Presidente da Comissão Nacional de Violência Sexual
e Interrupção da Gestação Prevista por Lei). A anencefalia é a malformação fetal
mais freqüente. Seu diagnóstico pode ser realizado a partir de 12 semanas, através
de ultra-sonografia. A evolução ou não da gestação tem sido foco de discussões,
tanto em nível científico como na esfera do direito, tendo atingido recentemente o
Supremo Tribunal Federal (STF), última e mais importante instância jurídica do
Brasil.
22 Marlene Nobre, medica. Artigo publicado em: O Globo, edição de 29 de abril de 2005, p.6.
38
O motivo mais evidente dos debates em torno da Anencefalia diz respeito,
inicialmente, à capacidade potencial que os casais teriam de decidir sobre o futuro
de sua gestação tão logo recebam o diagnóstico. Entretanto, esta possibilidade não
está contida no Código Penal Brasileiro. Decide-se entre os profissionais de saúde
se a interrupção é ou não um ato benéfico para a gestante. Por outro lado, discute-
se no judiciário se é possível realizar a antecipação do parto ou o abortamento,
criando-se possibilidades legais enquanto a Lei não é aprovada.
Como divisor de águas estão os direitos sexuais e reprodutivos das
mulheres. Dentre estes direitos estão: liberdade de escolha, o direito à saúde e a
dignidade da pessoa humana. A liberdade de escolha aqui se assemelha ao
princípio da autonomia reprodutiva. Para exercê-la nestes casos a mulher necessita
de autorização judicial; portanto, vê-se aqui clara restrição à liberdade de escolha de
seu tratamento médico.
O direito à saúde é também um direito constitucional, e um dever do estado
promovê-lo. Não se restringe simplesmente a atender uma necessidade, mas de
promover um completo bem-estar físico e psíquico. Também neste caso o acesso ao
melhor tratamento médico encontra-se restrito pela necessidade de documentação
judicial.
A dignidade da pessoa humana é outro princípio onde se sugere que as
ações do Estado e ações coletivas não devem intervir de modo a reduzir a dignidade
da pessoa. Na Anencefalia não há sequer interesse da coletividade em preservar um
sofrimento na esfera psíquica das mulheres. Aplica-se também aqui a idéia dos
tratamentos indignos e desumanos, já que intervém na decisão. Limitação da
autonomia implica em tratamento indigno.
Deste modo, visto pelo lado dos direitos humanos e, dentro destes, os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, é urgente que se normatize a atenção à
Anencefalia sem necessidade de autorização judicial, que claramente restringe a
autonomia e o poder de decisão das gestantes.
Embora o aborto seja proibido nestes casos, já foram expedidos no Brasil
cerca de 3000 autorizações judiciais para a interrupção da gestação. Portanto, esta
39
possibilidade deve ser oferecida a todos os casais tão logo se faça o diagnóstico de
anencefalia. Quando a decisão da mulher ou do casal for favorável à interrupção da
gestação, deverão ser elaborados documentos para a obtenção de autorização
judicial para que o procedimento seja legalmente realizado.
Os documentos necessários são: relatório médico, solicitando ao senhor Juiz
da Vara a autorização judicial, explicando no relatório que a patologia é letal em
100% dos casos; exames de ultra-som morfológico com avaliação de idade
gestacional e descrição da patologia; avaliação psicológica e assinatura do casal. De
modo geral, o tempo despedido entre o diagnóstico e a o alvará judicial pode
ultrapassar 30 dias. Após a autorização judicial, a paciente deverá retornar ao
hospital a fim de ser internada e o parto induzido com medicamentos.
Os fetos com mais de 500 g de peso deverão ser registrados e sepultados,
conforme determina a lei brasileira. Atestado de óbito deverá ser fornecido pelo
médico obstetra. Atenção especializada deve ser oferecida à puerpera após o parto
de feto anencefálo. Tente melhorar o quadro depressivo. Tente não deixá-la em
enfermaria com puerperas amamentando. Promova o bloqueio da lactação. Faça
adequada vigilância puerperal e agende do retorno com médico e psicólogo.
Oriente-a sobre nova gestação. Pense no que dizer quando ela perguntar: "Por que
eu?".
Do ponto de vista dos direitos sexuais e reprodutivos, buscando não
restringir a autonomia das mulheres, somos favoráveis à livre decisão pela antecipação do parto na anencefalia. Do ponto de vista clínico e obstétrico há
evidências muito claras de que a manutenção da gestação pode elevar o risco de
morbi-mortalidade materna, justificando-se, deste modo, a livre decisão de médicos
e pacientes pela antecipação do parto. 23
23 Extraído de: http://www.febrasgo.org.br/anencefalia1.htm
40
6 Questões relacionadas ao tema
6.1 A Questão da doação de órgãos
Uma grande polemica gira em torno do fato, da doação dos órgãos do feto
anencefalo, se seria uma forma de eutanásia ou não. Poder-se-ia ser enquadrado no
conceito de morte encefálica ou não.
O transplante de órgãos em neonatos anencéfalos apresenta-se como um
conflito ético. Os neonatos portadores de anencefalia são, sob o critério de morte
encefálica adotado no artigo 3º da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997,
considerados pessoas vivas, uma vez que morte encefálica implica a falência,
inclusive, do tronco encefálico, o que não ocorre no caso do anencéfalo. Entretanto,
a Resolução nº1.752/04, do Conselho Federal de Medicina (CFM), estabelece a
permissão para o médico realizar o transplante de órgãos ou tecidos do anencéfalo,
após seu nascimento.
Lei nº. 9.434/97 - Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte
encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do
Conselho Federal de Medicina.
Em contrapartida o art.9º, § 7º estabelece que: é vedado à gestante dispor de tecidos,
órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado
em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto.
RESOLUÇÃO CFM Nº. 1.752/2004 - Autorização ética do uso de órgãos e/ou tecidos de
anencéfalos para transplante, mediante autorização prévia dos pais. CONSIDERANDO que para os
anencéfalos, por sua inviabilidade vital em decorrência da ausência de cérebro, são inaplicáveis e
desnecessários os critérios de morte encefálica; CONSIDERANDO que os anencéfalos podem dispor
de órgãos e tecidos viáveis para transplantes, principalmente em crianças.
A adoção de tal medida pelo CFM implica a morte do neonato anencéfalo
praticada pelo médico, uma vez que o mesmo se encontra vivo, conforme os
parâmetros legais apontados. O dilema se instaura em razão de posicionamentos
41
éticos distintos. O CFM consolidou o entendimento daqueles que entendem serem
inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica ao neonato nessas
condições, visando à realização de transplante de órgãos.
Contudo, não há que se falar em morte do neonato anencefalo, uma vez que
a expectativa de vida é nula, como vimos anteriormente. Os conceitos e parâmetros
de morte encefálica, ou morte cerebral não podem ser aplicados ao anencefalo, por
não se encaixarem no quadro apresentado. Portanto, até mesmo nas leis da ciência
faltam parâmetros para regulamentar os conceitos referentes ao feto anencefalo.
A permissão do aborto do anencéfalo nos traria a possibilidade de salvar
outras vidas, como no caso da doação de órgão. Se a gestante a livre arbítrio,
resolver levar adiante a gestação do anencéfalo, para que, ao nascer o feto, ela
pudesse doar os órgão, descaracterizaria uma suposta eutanásia devido à certeza
da morte.
6.2 A Questão da pesquisa com células tronco no Brasil
Segundo a ciência medica, a vida começa na concepção (fecundação), essas
células são tote potentes e é essas células que dizem onde será o “pé” e onde será a
“cabeça” por exemplo. E também são essas células que escolhem o local onde o
ovulo vai se alongar para se desenvolver; podendo ser no útero ou nas trompas. A
massa de células multi potentes é que vão dar origem a todo o ser vivo.
Portanto são células que independem da mãe e são únicas, não se encontram
na mãe outras células iguais. Não se consegue a clonagem humana, justamente
porque faltam as proteínas presentes no espermatozóide. É sobre estas células que
se baseiam as pesquisas com células tronco ou, células tote potentes.
Toda via é aqui que se encontra uma questão que fica em oculta para os
leigos no assunto. “Para a realização de pesquisas com estas células, é necessário o
que os cientistas chamam de “cama” ou colchão” (Feeder layers), este é constituído
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de um pedaço de tecido humano, mais precisamente de tecido de fetos, tendo em
vista que este tecido é rico nas proteínas necessárias para se trabalhar com estas
células tronco.
Feeder layers são camadas de tecidos retiradas dos fetos vivos de qualquer
estágio, vendidas em dólares nos Estados Unidos, as quais estão sendo utilizadas
para garantir a qualidade do cultivo das células-tronco embrionárias.24
O uso clínico de tecido de embrião e de feto humano nos anos 80 ganhou
força por causa da insatisfação com os resultados observados em transplantes que
usavam outras fontes de material para transplante, como a medula adrenal: índice
de recuperação inferior ao desejado, baixo nível e/ou curta duração de sobrevivência
do tecido transplantado, ausência de comprovada conectividade entre o tecido
transplantado e o recipiente.
Diante disso, as atenções voltaram-se para os tecidos fetal e embrionário, que
se mostraram consideravelmente superiores, graças à melhor conectividade e aos
índices elevados de sobrevivência do tecido transplantado. De uma maneira geral,
os resultados obtidos até agora com esse tipo de transplante têm sido promissores.
Outro grande avanço para a técnica foi produzido quando o grupo liderado
pelo neurocientista Anders Björklund, na Universidade de Lund (Suécia), introduziu o
método de suspensão de células, que tornou ‘injetável’ o material para transplantes.
Antes do surgimento desse método eram usados blocos ou pedaços sólidos de
tecido, o que dificultava a geração de conexões entre o tecido transplantado e o
recipiente.
Embora simplifique todo o procedimento de transplantes, o processo de
suspensão celular é um método extremamente delicado, pois separa blocos de
tecido cerebral usando enzimas que diminuem a adesão celular sem danificar as
24 Ives Gandra da Silva Martins - Co-Autor Lilian Piñero Eça - Co-Autora – Artigo Pulbicado
em jornal Folha de São Paulo - 08/06/2005
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células. Além disso,faz parte dos objetivos desse procedimento manter as células
vivas e saudáveis (viabilidade alta) entre a preparação e o implante.
Do ponto de vista éticos e práticos de usar embriões humanos para obter
células-tronco provocou – assim como a idéia da clonagem humana – intensos
debates em torno dos aspectos éticos e das limitações práticas dessas pesquisas.
Essa discussão abrange também a utilização de tecido fetal e embrionário humano
em transplantes neurais.
Uma das mais importantes preocupações em torno desse uso diz respeito à
disponibilidade (ou indisponibilidade) de doadores do material a ser transplantado. O
material embrionário para transplantes origina-se necessariamente de abortos,
sejam espontâneos ou medicamente induzidos. Ambas as situações envolvem
elevados níveis de resistência emocional, moral e religiosa. Alguns países têm leis
que proíbem a chamada interrupção de gravidez (aborto induzido), como o Brasil.
Restam, portanto, doadores de abortos espontâneos, como ocorre no México e na
Espanha. Abortos espontâneos, no entanto, apresentam altíssima incidência de
anormalidades de desenvolvimento e elevado índice de anomalias genéticas.25
Outro fato, é que as células tronco se encontram em maior quantidade, no
cordão umbilical, dos fetos e recém nascidos.
Diante de tais fatos, há de se entender porque os cientistas e biomédicos são
contra o aborto do anencefalo. Eles querem e precisam que esta gestação (sem
expectativa de vida) se dé por completo, para atingirem seus propósitos com
pesquisas com células tronco.
25 Alcyr Alves de Oliveira Junior - Departamento de Psicologia (doutorando),Instituto de Psiquiatria, Universidade de Londres – revista CIÊNCIA HOJ E - vol. 31 - nº 185.
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6.3 Lei da Biossegurança
LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005.
Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos
geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança –
CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBIO, dispõe sobre a Política
Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814,
de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.
Tendo em vista os avanços tecnológicos e científicos, principalmente no
campo da genética dos últimos anos, necessário se fez que os nossos legisladores
editassem uma lei que regulamentasse tais pesquisas, justamente para se evitar
abusos e maiores problemas na sociedade, tendo em vista que a ciência tem uma
sede insaciável pelo conhecimento e descobrimento, contudo para isso não medem
esforços e sacrifícios até de normas éticas para realizar seus experimentos.
A Lei de Biossegurança em seus primeiros artigos trata de padronizar e definir
os termos a serem utilizados quando se referir aos procedimentos e técnicas das
pesquisas biotecnológicas.
Dentre as regulamentações da Lei, o artigo 3º, inciso XI trata de definir o que
vem a ser células tronco embrionárias.
Toda via no artigo 5º desta lei esta disposto que “é permitida, para fins de
pesquisa e terapia , a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões
humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo
procedimento.” Mas como vimos anteriormente, no capitulo sobre pesquisas com
células-tronco, não é bem assim que as pesquisas estão sendo desenvolvidas.
Destaquemos que os próprios Biomédicos afirmam que as células tronco são
obtidas de embriões e fetos humanos naturais e não apenas dos oriundos de
fertilização in vitro. Eis aqui um dos verdadeiros motivos, pelos quais são contra o
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aborto, até mesmo do aborto de anencéfalos. Onde fica a dignidade da pessoa
humana?, Já que eles mesmos, argumentam serem contra o aborto por se tratar de
um desrespeito a dignidade.
Outro ponto a ser observado na Lei, está no parágrafo 2º do artigo 5º, onde
estabelece que as instituições de pesquisa que realizarem pesquisas ou terapias
com células tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos a
aprovação dos comitês de ética em pesquisas. Será que realmente esta sendo
observado tal dispositivo?. Será que realmente esta sendo observado os padrões
éticos para realização destas pesquisas?.
Segundo o doutrinador Jose Renato Nalini”a verdade cientifica não poderá
sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá
acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar sem limites, os destinos da
humanidade.”26
Ao longo dos demais artigos desta lei, encontram se dispostos várias
vedações e proibições com relação às pesquisas com materiais genéticos, inclusive
crimes.
No que diz respeito a pesquisas genéticas, principalmente com células-tronco,
longe estão os cientistas destas áreas de respeitar a dignidade da pessoa humana,
ou do ser vivo em formação no útero materno.
26 Nalini, Jose Renato. Ética geral e profissional. 6 ed. Revisada, atualizada e ampliada.São Paulo,
editora Revista dos Tribunais, 2008. pg. 194.
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7 Conclusão
A vida é o maior bem a ser tutelado pelo nosso ordenamento jurídico. Portanto
quando falamos em aborto a primeira coisa a se pensar é “e o direito a vida”.
Contudo, quando tratamos da questão de aborto de anencéfalo, estamos nos
referindo à interrupção de uma gestação de um produto da concepção, tendo em
vista que o anencefalo não tem expectativa de vida alguma.
Nos moldes do artigo 2º do código civil brasileiro a teoria adotada foi a teoria
natalista, segundo a qual, para o mundo jurídico a vida começa com o nascimento
com vida e a lei resguarda para tanto, o direito do feto se desenvolver no ventre de
sua mãe, porque nele há uma expectativa de vida.
Quando falamos em vida no ordenamento jurídico, nos referimos a um ser
auto-suficiente, que não depende de outros seres e nem de equipamentos para se
manter vivo.
Portanto quando falamos da questão do aborto de anencéfalo, não há que se
discutir a vida do anencéfalo, vez que esta inexiste, tratamos, pois, da dignidade da
gestante, de seu livre arbítrio em querer ou não levar adiante uma gestação como
esta.
Além do fato de que o anencéfalo na maior parte dos casos, a gestação não
chegar se quer ao fim, as que chegam, assim que o anencefalo é retirado do ventre
da mãe e o cordão umbilical é cortado, a certeza de sua morte é absoluta. E isto se
dá em questão de minutos ou dias.
Portanto, ao inserirmos no código penal no artigo 128, um terceiro inciso,
permitindo o aborto de anencéfalos, estaríamos preservando a integridade física e
moral da gestante, estaríamos resguardando a dignidade da pessoa humana, quer
seja a gestante. Estaríamos lhe poupando tamanho e inestimável sofrimento, que
atualmente nossa legislação impõe a mulher. Uma diminuição do sofrimento
psicológico da gestante, para que ela não fique sofrendo durante 9 meses a espera
de um “filho” que não ira sobreviver.
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No Brasil há uma divergência de opiniões sobre a permissão ou não do aborto
de anencéfalo. Por um lado temos grupos religiosos que defendem o direito a vida e
por trás destes grupos encontram-se os cientistas e pesquisadores que querem que
a gestação do anencéfalo chegue ate o fim para que os mesmos possam fazer
pesquisas com células tronco.
Por outro lado temos os médicos e todos aqueles que se preocupam com a
saúde e integridade física e moral da gestante, que respeitam sua dignidade como
mulher, como mãe.
Mas a tendência é que este quadro mude, e que muito em breve teremos a
manutenção de nosso ordenamento, permitindo o aborto de gravidez de anencéfalo.
Os inúmeros pedidos de autorizações legais para a interrupção destas
gravidezes levou o STF a pensar sobre esse fenômeno, e como vimos, prestes está
de sair uma decisão definitiva sobre este fato.
Como prescrito em um brocardo jurídico romano “da mihi factum dabo tibi jus”-
dê-me o fato que lhe darei o direito, a sociedade está dando ao Estado democrático
de Direito, um fato e agora necessita do direito, quer seja, o aborto de gravidez de
anencéfalo.
Como diziam os grandes filósofos Kant e Marx, o único com legitimidade para
apaziguar os conflitos de uma sociedade que adotou o contrato social, é o Estado. E
como contido na teoria tridimensional do direito de nosso ilustre Professor Miguel
Reale (fato –valor – norma), a sociedade clama pela legalização e permissão do
aborto de anencéfalos.
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Referências
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Studio sul Danno non Patri moniale, Danno Morale, 3ª edição,p. 41
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