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    URBANISMO E ARQUITETURA ECOLGICOSOs Territrios da Ecologia Latino Americana

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    URBANISMO E ARQUITETURA ECOLGICOSOs Territrios da Ecologia Latino Americana

    O C SO DO BR SIL

    Luis Delgado Zorraquino

    PoDeditora

    Rio de Janeiro

    Marode 2010

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    PoDeditora

    URBANISMO E ARQUITETURA ECOL GICOSOs Territrios da Ecologia Latino Americana

    O C SO DO BR SIL

    , Luis Delgado Zorraquino

    Luis Delgado Zorraquino

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    Sumario

    Introduo .................................................................... 7

    1. Os princpios bsicos dos territrios da ecologiahumana: ecologia, eqidade social, sustentabilidadee global e local. ......................................................... 9

    2. Fazendo um pouco de histria. ............................... 19

    2.1 A evoluo dos humanos no Planeta Terra e noterritrio Latino-americano, antes da conquista. ........ 19

    2.2 A evoluo social, territorial e ecolgica da AmricaLatina, depois da conquista. ..................................... 22a. O modelo econmico implantado. .................................. 23

    b. O modelo de ocupao do territrio. .............................. 26

    c. A populao e a concentrao urbana. ........................... 27

    d. O meio rural. ............................................................... 28

    e. As desigualdades sociais. .............................................. 29

    2.3 Um exemplo atual: o caso do Brasil. ......................... 30a. O territrio. .................................................................. 30

    b. A dependncia histrica e o sincretismo social. ............... 30c. A dualidade social. ........................................................ 31

    d. A concentrao, nos ltimos anos, da populao e dasmoradias urbanas nas grandes cidades. ......................... 32

    3. O contexto da produo do territrio e da moradiaLatino-americana. ................................................... 33

    3.1 A moradia popular dos bairros perifricos como respostamassiva da excluso social. ........................................ 33

    3.2 De novo o caso de Brasil: arquitetura e urbanismopopular contemporneos nos territrios da exclusosocial: favelas, cortios e loteamentos populares. ...... 35a . A origem do problema. ................................................ 35

    b. As polticas pblicas. ..................................................... 37

    c. As lutas pela moradia e pela Reforma Urbana. ................ 39

    d. Um exemplo: O caso das favelas do Rio de Janeiro. ........ 40

    4. A funo da planificao urbanstica em nossascidades atuais. As cidades como expresso das

    contradies sociais e da exploso da desordem. .. 42

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    5. Os princpios bsicos do urbanismo e da arquiteturaecolgicos. .............................................................. 51

    6. Urbanizao ecolgica, popular e de baixo custo. . 56

    a. Clima e Urbanizao. .................................................... 58b. Tcnicas de Urbanizao. .............................................. 60

    7. Edificao ecolgica, popular e de baixo custo ...... 72

    a. Moradia popular. Evoluo histrica e condicionantesbsicos. ....................................................................... 72

    b. Objetivos e critrios ecolgicos da moradia. .................... 74c. Clima e edificao. Eco tcnicas. .................................... 75

    8. Concluso ............................................................... 81

    Bibliografia. ................................................................ 83

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    Introduo

    Ao longo da historia da humanidade, os homens e

    suas organizaes sociais foram aos poucos ocupando (ter-ritrios) e construindo moradias, demarcando assim as ca-ractersticas de seu habitat.

    Esses fenmenos formam parte do que poderamosdenominar Urbanismo e Arquitetura, hoje consideradasduas cincias ou disciplinas, intimamente relacionadas, queexplicam e interpretam o modo como tais processos foram

    acontecendo ao longo dos tempos. evidente que as cincias no so neutras e os concei-tos e valores aplicados ao seu desenvolvimento tm relaodireta com os valores da sociedade na qual esto insertos. Nocaso das concepes de urbanizao e de arquitetura, essasreas do conhecimento expressam as contradies sociais eambientais das diferentes sociedades, seja por meio dos terri-trios e habitatsou das cidades e vilarejos, bairros e casas, onde

    os grupos sociais organizam seu cotidiano.Como conseqncia, surgem muitos dos problemas

    hoje acumulados nos territrios, fundamentalmente urba-nos. Problemas derivados da maneira como estes foramimplantados, quase sempre desrespeitando o meio ambien-te e no atendendo s necessidades bsicas e fundamentaisde grande parte da populao, ferindo, inclusive, o direitode cidadania das camadas populares.

    Considerando a magnitude dos problemas ambientaise sociais a enfrentar, surge uma nova concepo de Urba-nismo e Arquitetura, denominada Urbanismo e arquiteturaecolgicos. Esta nova rea do conhecimento visa repensar aorganizao dos territrios e habitathumanos, nela incluin-do contedos sociais e ecolgicos a fim de imprimir e res-guardar relaes de igualdade e de solidariedade entre os

    homens, e desses com a natureza.

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    Contrapondo-se s concepes de carter exclusiva-mente ambientalistas, o Urbanismo eArquitetura ecolgi-cos insereem sua filosofia os contedos sociais, denomi-nados aqui como territrios da ecologia humana. E, para traba-lhar nesta nova rea de conhecimento, devemos incorporaro conceito de eqidade social a outros relacionados comecologia, sustentabilidade e global e local.

    Sem eqidade social, uma importante espcie biolgi-ca corre o risco de desaparecer pela rpida e progressivaliquidao de suas condies naturais de vida: O homem.

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    1. Os princpios bsicos dos territrios daecologia humana: ecologia, eqidade

    social, sustentabilidade e global e local.A palavra ecologia1 se origina do grego e significa

    casa, aconchego, proteo. De fato, o planeta Terra a casa, oe proteo comum dos seres vivos e tambm dos humanos.No planeta Terra, a biosfera o grande espao ecolgicode nossa existncia individual e coletiva.

    As relaes entre os diferentes elementos da natu-

    reza, incluindo tambm a espcie humana, evoluramat a alcanar um dado equilbrio ecolgico, caractersti-co de cada ecossistema2. Os ecossistemas existentes nonosso planeta so territrios geogrficos de diferentestamanhos, onde se produz o convvio de vrias espciesde animais, vegetais e minerais e ocorre a troca de ener-gia de materiais e de informao. Trocas necessriaspara manter um dado equilbrio que pode ser alterado

    pela introduo de novos elementos e de novas relaesdentro do ecossistema.

    Neste sentido, a biosfera um exemplo de umgrande ecossistema, funcionando como um sistema a-berto de energia solar e fechado de materiais. A trans-formao da energia em matria e vice-versa (este se-gundo processo mais fcil de acontecer inclusive), numa

    velocidade e capacidade tecnolgica cada vez maior,est sustentada no uso de recursos limitados e no re-novveis e na produo de resduos no biodegradveisque continuamente acumulamos. Contaminando e limi-

    1 Do gr. okos,on 'casa' + gr. logos, da raiz leg que significa colher, recolher.2 Sistema que inclui os seres vivos e o ambiente, com suas caractersticasfsico-qumicas e as inter-relaes entre ambos. Ver dicionrio eletrnico

    Houaiss da lngua portuguesa.

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    tando as possibilidades de sobrevivncia da espcie hu-mana na biosfera ou planeta Terra.

    Na biosfera, por meio do ciclo aberto e renov-vel da energia solar, mediante o processo de fotossnte-se, que se criam os vegetais, produtores de oxignio econsumidores de anidrido carbnico. Aps a formaodestes, a corrente alimentar entre animais e vegetaisfecha o ciclo da natureza com a produo de aduboorgnico, de resduos reciclveis, que no contaminam,assegurando o equilbrio ecolgico e a sustentabilidade

    do ecossistema da biosfera. Assim, ocorre tambm comoutros ecossistemas em diversas escalas, em que soimportantes tanto (as) condies internas quanto osintercmbios com o exterior e, ainda, com (os) ecossis-temas circundantes.

    Em geral, os ecossistemas evoluem para uma maiorcomplexidade que permite a obteno de um equilbrio

    mais estvel. Quanto mais complexo um ecossistema,mais rico e evoludo ele , tendo mais possibilidades demanter-se.

    No entanto, verificamos que lentamente o equilbrioecolgico vem sendo degradado, culminando na grave situa-o atual. Vrios aspectos ecolgicos fundamentais esto nabase desse desequilbrio, tais como: o contnuo crescimentoda populao mundial e da demanda dos recursos naturais; ocrescente aumento de recursos tcnicos voltados para trans-formar a natureza; o esgotamento de recursos naturais norenovveis; e a contaminao ambiental decorrente dos res-duos no biodegradveis. Esse desequilbrio vem gerandograves problemas ambientais que podem impedir o desenvol-vimento da vida e da sociedade humana no planeta Terra.

    Na atualidade, a conscincia dos problemas ecolgi-

    cos e ao mesmo tempo as descobertas cientficas relaciona-

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    das com uma viso holstica do mundo esto nos aproxi-mando de uma concepo da ecologia profunda, ondeser preciso a refundao de nossos paradigmas civilizacio-nais.3

    Porm, no podemos esquecer que ao lado desse dese-quilbrio ecolgico dos ecossistemas ambientais, encontramostambm os desequilbrios ecolgicos dos ecossistemas sociais.Este ltimo vincula-se maneira como vem ocorrendo a explo-rao dos recursos humanos, sustentada em um sistema socialque, historicamente, estabeleceu a dependncia entre os cha-

    mados pases desenvolvidos (antigas e novas metrpoles) eos pases chamados de subdesenvolvidos (antigas e novascolnias), situao que hoje ainda perdura, fazendo com queaproximadamente 70% da populao do planeta Terra se en-contre nos limites da sobrevivncia.

    importante lembrar que os termos desenvolvidose subdesenvolvidos no expressam a complexa relao

    3 Essa concepo da ecologia profunda, integra muitas outras ecologias, taiscomo a ambiental, social, feminina, etc. Poderamos falar que constitui a somamatura de todas essas ecologias.A percepo ecolgica profunda reconhece a interdependncia fundamental detodos os fenmenos, e o fato que, como indivduos e sociedades, estamostodos inseridos nos processos cclicos da natureza e, finalmente, somos depen-dentes de ditos processos. Formamos parte da teia da vida, uma rede que no tecida pelo homem. Simplesmente somos um fio dessa rede. E tudo que nsfizermos na teia da vida, estaremos fazendo em nos mesmos. A ecologia pro-funda reconhece o valor intrnseco de todos os seres vivos e concebe os seres

    humanos apenas como um fio da teia da vida.Precisamos mudar nosso jeito de pensar, nossos valores, nossa tica. Passar daauto-afirmao, integrao, dos valores antropocntricos aos ecocntricos,das cincias da fsica para as cincias da vida.Precisamos alfabetizarnos ecologicamente, apreender os princpios bsicos daecologia e aplic-los em nossa vida pessoal e coletiva com o intuito de construircomunidades humanas sustentveis. Princpios como a interdependncia, acooperao, a co-evoluo, a flexibilidade, a diversidade, a reciclagem, o uso daenergia solar (a nica energia renovvel, economicamente eficiente e ambien-talmente sana), os custos sociais e ambientais, etc. A teia da vida. CAPRA

    Fritjof. 1996. Pg 25 y 231.

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    entre os dois tipos de pases, principalmente quando a no-o de subdesenvolvido guarda o sentido de que um diapode se chegar a ser desenvolvido. Portanto, ser desenvol-vido seria uma questo de tempo.

    Consideramos que os fatores que levam ao subde-senvolvimento esto vinculados s condies estrutu-rais, as quais esto submetidos esses pases, entre elas, odomnio e controle de suas economias pelas empresasmultinacionais, verdadeiras donas dos recursos nestaslocalidades.

    Outro aspecto a desigual troca comercial, comleis definidas pelos rgos internacionais vinculados aosinteresses dos pases desenvolvidos. Nesta relao osprodutos com diferentes nveis de valor agregado (emgeral matrias primas e manufaturas por tecnologia)(contribuem para a existncia das imensas dividas ex-ternas que atrelam a economia aos interesses das insti-

    tuies financeiras internacionais. Assim, os pases sub-desenvolvidos no tm capacidade poltica e econmicapara decidir seus prprios rumos.

    Alm disso, caso os pases subdesenvolvidos conse-guissem atingir os nveis de consumo dos desenvolvidos,no haveria recursos naturais suficientes e seria esgotadarapidamente a capacidade de renovao dos recursos natu-rais do planeta. Considerando esse aspecto, as soluespara o nivelamento desses pases deveriam visar a reduoda concentrao da riqueza e do consumo dos pases ditosdesenvolvidos.

    Neste sentido, entendemos que seria mais aconse-lhvel adotarmos a terminologia pases centrais e peri-fricos, ligados por uma relao de dependncia, emque uns no podem existir sem os outros. Hoje, 20% da

    populao mundial mantm um nvel de vida e de con-

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    sumo, de todo tipo de recursos, equivalente a 80% doconsumo total, criando-se grandes desigualdades sociaisentre pases, dentro de cada um destes e em meio sdiferenas de classes sociais.

    O conceito de sustentabilidade, comeou a serutilizado de forma coloquial a partir da reunio da E-coRio 92, auspiciada pela ONU4. Esse conceito hojeutilizado continuamente. Tudo hoje vira sustentvel. Asustentabilidade ambiental e social busca um modelo dedesenvolvimento que leve em considerao os recursos

    humanos e naturais do planeta, de tal forma que suaevoluo, ao longo do tempo, permita a uma dada soci-edade manter as caracterstica do seu ecossistema natu-ral e social, para que as geraes futuras tambm pos-sam dele desfrutar. Assim, a sustentabilidade ambientale social engloba tambm o conceito de equilbrio ecol-gico.

    Ao mesmo tempo, hoje, os problemas sociais e eco-lgicos existentes, colocam a necessidade de vincular o localao global. Tudo o que acontece no nosso lar, bairro, cidadee pas tem incidncia na situao global do planeta terra.

    Hoje, os graves problemas de meio ambiente(chuvas cidas, capa de oznio, dentre outros) tm umcarter global. Quando adotamos a nvel local, supostasatitudes ecolgicas ou sustentveis, devemos nos per-

    guntar se no estamos exportando os problemas paraoutros lugares.Na sociedade capitalista globalizada, encontramos,

    por um lado, a concentrao do consumo numa proporopequena da populao mundial, pertencente aos pases cen-

    4Para um anlise mais abrangente do conceito de sustentabilidade, ver o artigoSobre el origen, el uso y el contenido del trmino sustentable, de J. M. Nare-

    do: MOPTMA. 1996. Pg. 21 a 28.

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    trais, com a explorao dos recursos dos pases perifricos.Num outro sentido vemos a concentrao dos problemassociais e ecolgicos, as desigualdades sociais e a exportaoda contaminao e dos resduos perigosos para os pasesperifricos.

    Assim, conclumos que no pode existir um desen-volvimento humano e natural, ecolgico e sustentvel, (queseja) ao mesmo tempo global e local, sem a existncia daeqidade e justia social, sem a proteo e preservao daprpria espcie humana.)

    Conclumos, tambm, que no capitalismo atual, nasua fase de globalizao, os valores aplicados no convviosocial se baseiam na explorao dos recursos humanos enaturais do planeta Terra, colocando-nos diante de umagrave crise civilizatria5.

    Como nos falava Fidel Castro na Eco-92, no Rio deJaneiro 6, Uma importante espcie biolgica corre o risco

    de desaparecer pela rpida e progressiva liquidao de suascondies naturais de vida: O homem.

    Fidel continua seu discurso afirmando que estamostomando conscincia desse problema num momento jcrtico, no qual as antigas metrpoles coloniais esto trans-formadas hoje nas sociedades de consumo dos pases cen-trais. Estes, principais responsveis pela grande destruio

    5Como estabelece G. Bateson, provvel que nossa civilizao atual, desde aRevoluo Industrial, baseie-se nas seguintes idias dominantes: Ns contra omeio ambiente; ns contra outros homens; o que importa o individuo (ou aempresa individual); podemos ter um controle unilateral sobre o meio ambientee temos que fazer um esforo para consegui-lo; o determinismo econmico uma coisa de senso comum; a tecnologia e a especializao vo resolver todosos problemas. BATESON apudRUEDA, Salvador inHabitabilidad y calidadde vida: MOPTMA, 1996. Pg. 29 a 31.6 Texto do discurso pronunciado pelo presidente de Cuba, Fidel Castro noencontro das Naes Unidas sobre Ecologia e Desenvolvimento celebrada em

    1992 no Rio de Janeiro.

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    do meio ambiente e do atraso e pobreza que j incomoda aimensa maioria da humanidade. E acrescenta:

    20% da populao mundial, consomem duas teras partes dos me-tais, as trs quartas partes da energia que se produz no mundo.Envenenaram os mares e rios, contaminaram o ar, tm destrudoa camada de oznio, saturaram a atmosfera de gases que alteramas condies climticas com efeitos catastrficos, que j comeam aaparecer. Os bosques desaparecem, os desertos se estendem, milha-res de toneladas de terra frtil vo parar de produzir a cada ano,numerosas espcies se extinguem, a exploso populacional e a po-

    breza conduzem a esforos desesperados para sobrevivncia, aindaque custa da natureza.

    Fidel defende a idia de que no possvel culparmosos pases do Terceiro Mundo (colnias ontem, naes ex-ploradas e saqueadas hoje) por uma ordem econmica esocial injusta. E que qualquer soluo no deve impedir odesenvolvimento dos pases que mais necessitam. Para Fi-

    del, tudo que hoje contribui para o subdesenvolvimento epara a pobreza constitui uma violao flagrante ecologiahumana.

    Fidel denuncia ainda o fato de dezenas de milhesde homens, mulheres e crianas morrerem a cada ano em quantidade maior do que em cada uma das duasGuerras Mundiais em conseqncia da situao eco-nmica e de desigualdade social. E indica que o inter-cambio comercial desigual entre pases, o protecionismoe a dvida externa agridem a ecologia e propiciam a des-truio do meio ambiente.

    Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruio,continua Fidel, temos que distribuir melhor as riquezas e astecnologias disponveis no planeta: menos luxo e menos gas-tos com coisas no necessrias em alguns pases para que haja

    menos pobreza e menos fome em grande parte da terra.

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    No mais as transferncias ao terceiro mundo de estilos de vida ehbitos de consumo que arrunem o meio ambiente. Que se faamais racional a vida humana. Que se aplique uma ordem econ-mica internacional justa. Que se utilize toda a cincia necessriapara o desenvolvimento sustentado sem contaminao.

    E, finalizando, Fidel indaga: quando as supostasameaas do comunismo desaparecerem e j no sobra-rem pretextos para guerras frias, corridas armamentistase gastos militares, o que que impede direcionar deimediato esses recursos e promover o desenvolvimento

    do Terceiro Mundo e combater a ameaa de destruioecolgica do planeta? Basta de egosmos, basta de he-gemonismos, basta de insensibilidade e engodo. Ama-nh ser muito tarde para fazer o que devamos ter feitoh muito tempo.

    Parece, pois, chegado o momento de fazer as con-tas claras na sociedade capitalista e de incluir os custossociais e ambientais, para poder avaliar verdadeiramentea validade, os xitos e os fracassos desse sistema sociale, sobretudo, para assegurar sua sustentabilidade numfuturo prximo7.

    Encerrando esta reflexo,consideramos que os con-ceitos de urbanismo e arquitetura ecolgicos definidos naintroduo deste texto, so passiveis de serem aplicadoscom plena coerncia nas sociedades que priorizem o equil-

    brio ecolgico, a sustentabilidade e a eqidade social, tantolocal como globalmente, rumando a uma futura sociedade

    7Alguns tericos, como Immanuel Wallerstein (1998), que entendem o capita-lismo como sistema mundo, ressaltam o possvel colapso do atual sistema,dentro do presente sculo, seja por falta de recursos materiais bsicos, seja peladestruio da casa comum do planeta Terra (por catstrofes ecolgicas, como oefeito estufa ou por uma possvel guerra nuclear). A nica soluo vivel, napercepo desses autores, seria colocar na pauta da economia-mundo os custos

    ambientais, o custo para repor as condies dos recursos naturais.

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    que poderemos chamar de socialismo ecolgico. Mas tambm certo que precisamos construir, dia a dia, passo a passo, talsociedade e para isso devemos iniciar a tarefa, aplicandoesses conceitos na vida cotidiana.

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    2. Fazendo um pouco de histria8.

    2.1 A evoluo dos humanos no Planeta Terra

    e no territrio Latino-americano, antes daconquista.

    O Universo, a Via-Lctea, o Sistema Solar, o PlanetaTerra foram criados h 12 bilhes de anos, quando aconteceuaquela exploso csmica. E, na Via-Lctea, milhes de estrelase planetas, imaginando quantas possibilidades de vidas pareci-das a nossa poderiam existir, ali, bem perto de ns.

    Os macacos como espcie animal e ancestrais diretosdo homem, desceram das rvores faz s dez milhes deanos, e as mais conhecidas civilizaes existem h apenas10.000 anos. Em termos de idade geolgica, estamos dandoos primeiros passos da nossa caminhada como espcie hu-mana no planeta.

    Caminhada iniciada pelos diferentes homindeos

    tambm nos diferentes biomas ou biomassas que confor-maram os grandes ecossistemas do planeta Terra9.Os homindeos evoluram do nomadismo ao seden-

    tarismo com a descoberta da domesticao dos animais eda agricultura10. Assim, aos poucos, constituram grupossociais estveis, que deram origem as mais famosas civiliza-

    8Ver neste apartado: MOPU. 19909Os biomas fundamentais do planeta Terra localizados entre o Equador e osPlos, so os seguintes: floresta tropical mida, savana tropical, floresta tempe-rada de folha caduca, pradaria temperada, floresta de conferas setentrionais(taiga) e a tundra.10Todos os grupos sociais e culturas, que chegaram a povoamentos estveis e acriar cidades, precisaram do controle ecolgico do territrio circundante, espe-cialmente da capacidade de carga do mesmo para assegurar a produo agrcolae pecuria, base do sustento alimentar daquelas civilizaes e de seus territriosdensamente povoados. Veja-se o artigo Sustentabilidad, diversidad y movili-dad horizontal en los modelos de uso del territrio, de J. M. Naredo, em

    MOPTMA, 1996. Pg. 33 a 37.

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    es: chinesa, indiana, egpcia, mesopotmica, grega, roma-na, rabe, muulmana, etc.

    Diferentes civilizaes, povos e culturas criaram umagrande diversidade de formas de viver, pensar, agir, etc,alm de diferentes jeitos de enfrentar a vida individual ecoletiva: o homem multidimensional, mistura de razo,afeto e instinto. Um ser com fortes valores espirituais einstintivos, alm da razo, devido a seu ntimo contato coma natureza.

    Nesta diversidade social e cultural, tambm aparece-

    ram os desejos de imposio de uma cultura sobre outras.Desejos materializados na realidade com a imposio dacultura ocidental, primeiro grega, depois romana e crist,sempre evoluindo com valores racionalistas, antropocntri-cos (o homem centro e dono do universo), patriarcais eeconomicistas (explorao dos recursos humanos e materi-ais).

    Na Amrica latina aparecem as diferentes civilizaesamerndias: maias, astecas, incas, araucrios,...) Civilizaesque atingiram um elevado grau de organizao social e umrelativo equilbrio com a natureza. Civilizaes que como aasteca no Mxico e a inca, no Peru, criaram grandes centrosurbanos com importante nmero de habitantes, mas emequilbrio com o territrio rural e agrcola, base de seu sus-tento material11.

    11Na Amrica Latina as grandes civilizaes, asteca e inca, fundaram as cidadessagradas de Tenoxclitan no Mxico e Cuzco e Machupichu no Peru, localizadasem zonas de elevada altitude, resolvendo, neste contexto ambiental, os proble-mas de gerao de excedentes agrcolas, conservao de alimentos e um com-plexo sistema de transporte. Tinham uma evoluda organizao social quepermitia a realizao de trabalho coletivo, necessrio para a construo degrandes infra-estruturas agrcolas (aterros, terraos, rego, etc) e de transporte,com um sistema de caminhos ligando Santiago e Mendoza com Tumipampa,Cuzco e Xaura, conectando mltiplas ilhas produtivas, no que poderia ser a

    maior obra de engenharia pr-capitalista.

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    No caso do Brasil, as diferentes tribos e etnias, quepovoavam este territrio, no alcanaram os mesmos pa-tamares de evoluo. Entre elas, destacaram os tupi-guaranis, que viviam em comunidades ou tabas e auto cons-truam seu prprio habitat, dando grande importncia vida coletiva, religio e me natureza, de quem obti-nham os recursos para sua alimentao.12

    Em resumo, na etapa anterior conquista da AmricaLatina pelos europeus, dispnhamos de um territrio basi-camente rural, se bem que com elevadas densidades de

    12 Naquela poca j existiam as grandes civilizaes amerndias dos astecas,maias, incas e araucanos, que povoavam grande parte da Amrica Latina emavanado estado de evoluo social e que seguramente tinham estabelecidocontato incipiente com as principais naes indgenas do Brasil. Estas naesbrasileiras estavam formadas fundamentalmente pelos Tupi-Guaranis do Litoral(possivelmente os mais numerosos), os Js ou Tapuias, do Planalto, os Nuarua-ques, da Bacia Amaznica e os Carabas, do norte do rio Amazonas, tal comoatestam os restos encontrados nos stios arqueolgicos. Povos pr-histricosprocedentes dos mongis que teriam entrado pelo estreito de Bering ou proce-

    dentes das ilhas Aleutas. Sua cultura, praticamente na Idade da Pedra, noutilizava ainda os metais, no conheciam a escrita e eram seminmades.Moravam em comunidades (tabas) que, agrupadas, formavam uma tribo, (cujosmembros estavam ligados por parentesco), dirigida pelo paj ou chefe religioso(tambm curandeiro).O coletivo primava sob o particular. Praticavam a poligamia, o politesmo e oxamanismo, (tudo tem vida, alma e cultura), e, s vezes, a antropofagia ritual.Os homens dedicavam-se fundamentalmente caa, defesa e guerra comoutras tribos, tambm construo das ocas ou moradias coletivas ao redordum terreiro protegido por paliada e confeco de canoas e utenslios para a

    caa e a guerra. As mulheres realizavam as tarefas domsticas, a escassa agricul-tura e a confeco de utenslios e roupas de todo tipo.Sua organizao poltica era composta pelo Conselho de Ancios (Enheenga-ba), pelo chefe da tribo (Paj ou Morubixaba) e pelo lder guerreiro (Tuxaua).Sua religio e costumes estavam intimamente ligados com a natureza. Adora-vam tomar banho e praticamente viviam nus. Veja-se: Ensaio Geral 500 anos deBrasil de Herdoto Barbeiro e Bruna Renata Cantele. Editora Nacional. SoPaulo. 1.999.Tambm encontramos importantes dados sobre a vida dos ndios brasileirosem Casa Grande & Senzala. Freire, Gilberto. Editorial Record. So Paulo. 1. 999.

    Capitulo II: O indgena na formao da famlia brasileira

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    ocupao, superiores s europias da poca e com ncleosurbanos de importncia nos centros de poder das grandescivilizaes, abrangendo uma populao prxima a 60 mi-lhes de habitantes.13

    O povo construa suas casas com materiais e tecno-logias locais e com sistema coletivo de ajuda mtua ou mu-tiro. A prtica da autoconstruo e auto-urbanizao eranormal.

    A agricultura era a atividade central, quase nica. Aterra era cultivada com sistemas sofisticados de elevado

    aproveitamento dos terrenos, e o modelo de ocupao doterritrio estava integrado natureza.

    A Terra era respeitada como a me generosa e comoa base do sustento alimentar, e os humanos viviam em e-quilbrio com a natureza.

    2.2 A evoluo social, territorial e ecolgica

    da Amrica Latina, depois da conquista.

    A regio da Amrica Latina e o Caribe, compreendeperto de trinta pases, ocupando uma extenso de 20,80

    13 As sociedades pr-hispnicas chegaram a alcanar um elevado grau dedensidade de ocupao territorial no momento do contato com os conquista-dores. Os nveis demogrficos da Amrica Latina, no findar do sculo XV,

    eram com toda probabilidade superiores aos europeus da mesma poca e quesegundo os ltimos estudos situavam-se prximos dos 60 milhes de habitan-tes, nvel recuperado s em meados do sculo XX.......O colapso demogrfico produzido entre 1500 e 1700 pelas guerras de ex-termnio e sobre tudo pelas enfermidades foi uma das maiores calamidadessanitrias que j experimentou a humanidade......A mortalidade dos indgenas foi muito mais intensa no Caribe e nas terrasbaixas do trpico mido, como era o caso do Brasil. A falta de mo-de-obraexplorvel, por despovoamento generalizado, constituiu durante trs sculosum problema constante para os projetos produtivos do perodo colonial.

    (MINISTERIO DE OBRAS PBLICAS Y URBANISMO. 1990. Pg 61 a 66).

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    milhes de quilmetros quadrados, atingindo uma grandeamplitude de latitude, entre os 30 graus norte do Mxicoat os 55 graus sul do Chile.

    Tendo a mais comprida cadeia montanhosa do planeta,os Andes, com uma longitude de 7.000 quilmetros e perto de5.000 metros de altitude, esta regio a mais mida do plane-ta, com altos nveis de chuvas e grande quantidade de imensosrios que escoam no mar perto de 30% do total das guas dasuperfcie terrestre (entre eles o rio Amazonas). O territriolatino-americano, a regio do planeta com maior riqueza

    biolgica do globo, e a que conta com a maior diversidade dehabitat e ecossistemas naturais do mundo.

    a. O modelo econmico implantado.

    Na Europa pr-capitalista de finais do sculo XV,banqueiros genoveses, reis e papas, abenoam a necessriaconquista de novos territrios, alm das j dominadas n-dias Orientais, iniciando uma nova etapa de ampliao de

    seus mercados.Desde a poca da conquista da Amrica Latina pelosespanhis e portugueses at hoje, foi a explorao das ma-trias-primas a base fundamental do modelo econmicoimplantado, modelo este que inicialmente foi denominadocomo colnia de exportao.

    No comeo da conquista, os indgenas da regio fo-ram utilizados para extrair as riquezas naturais, em especialos minrios, originando, como falamos anteriormente, umagrande mortandade e a necessidade, em pouco tempo, deampliar a mo-de-obra escrava com os negros africanos14.

    14 "O mesmo empreendimento colonizador que, no Brasil, dizimou em trssculos trs milhes de nativos foi responsvel pela importao, nos mesmostrs sculos, de trs milhes de escravos africanos, cuja sorte no foi melhor.Se as palavras no so para encobrir as coisas, s h uma expresso para des-crever o que se passou desde 1500: conquista com genocdio dos ndios, segui-

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    interessante destacar as grandes diferenas entre omodelo territorial e colonizador estabelecido na Amrica Lati-na pelos portugueses e espanhis, devido, entre outros fatos,s caractersticas dos territrios e culturas submetidos, assim,como ao tipo de colnia de exportao estabelecido. 15

    da de colonizao com escravido africana. Da viemos, em cima disso, foramconstrudos os alicerces de nossa sociedade. Jos Murilo de Carvalho emRevista de SEPE. N 5 e 6. Rio de Janeiro. 1999, 2000.15Em seu livro Razes de Brasil (1939), Srgio Buarque de Holanda explica comoos espanhis e portugueses aplicavam princpios diferentes na fundao de suascidades e sedes de governo, a saber: o princpio do ladrilheiro e o princpiodo semeador, respectivamente. De acordo com esta interpretao, os es-panhis, como ladrilheiros, erguiam suas cidades em altiplanos, traando suaspraas e ruas segundo uma grade ou tabuleiro, com a praa ao centro, cercadapelos prdios mais representativos. As demais ruas, avenidas e praas eramtraadas paralela e perpendicularmente a este quadrado central, formando umquadriculado que da perspectiva de pssaro lembrava um cho ladrilhado.Poderamos dar como exemplo as cidades do Mxico, Caracas, Bogot, Lima,Cuzco, La Paz, Buenos Aires, entre outras.

    Enquanto isso, os portugueses (os semeadores) costumavam fundar suascidades beira do mar, ao longo do litoral, em enseadas naturais, baias recorta-das, terrenos ondulados que acompanhavam o litoral do oceano ou seguiam asmargens dos rios em sua desembocadura, subindo pelas colinas e espalhando-sepelas terras prximas como se fossem frutos de uma semeadora. Seriam exem-plos: So Luis de Maranho, Salvador (Bahia), Recife, Rio de Janeiro, Santos,etc.Espanhis e portugueses estariam transplantando para as colnias os modelosque tinham em suas metrpoles de origem. Madri corresponde muito bem aomodelo ladrilhador, enquanto Lisboa corresponde em grandes linhas ao mode-

    lo do semeador.Alm disso, espanhis e portugueses seguiram estratgias de colonizao dospovos autctones do Novo Mundo bastante distintas. Os espanhis destrui-riam duas grandes civilizaes e suas respectivas cidades: A cidade asteca deTenochtitln, no Mxico, destruda por Corts, e a cidade inca de Cuzco, noPeru, destruda por Pizarro. Dizimaram a populao indgena trabalhando nasminas e colonizaram rapidamente um amplo territrio, buscando novos recur-sos de minrios.Os portugueses, pelo contrrio, ao estabelecer na costa uma colnia de planta-o, no precisaram atuar deste jeito, explorando o territrio de forma mais

    sedentria, que se adaptava aos povos indgenas via miscigenao.

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    As diferentes etapas deste modelo econmico agro-mineiro-exportador estiveram submetidas s flutuaes dospreos das matrias-primas e do controle estabelecidas pelasmetrpoles (inicialmente), e depois da independncia, pelaprpria burguesia nacional de cada pas em conivncia com asnaes imperialistas da poca: primeiro Inglaterra e, depois, osEstados Unidos. As crises cclicas faziam despencar os preosdos produtos de exportao, mas a economia nacional conti-nuava sendo dependente e sem capacidade de resposta sprprias necessidades internas da populao do pas, ao mes-

    mo tempo em que necessidades de financiamento para sairdas crises e a importao de produtos para as classes abastadasiam criando a conhecida dvida externa.

    Os diversos intentos de reestruturao econmica re-alizados durante o sculo XX, em especial durante os anosde 1950 at os 1980, na denominada etapa apoiada pelosamericanos para a industrializao interna com o intuito desubstituir as importaes, permitiram a criao de grandes

    empresas pblicas nacionais relacionadas com a exportaode matrias primas e com a produo de artigos de consu-mo bsico16.

    Milton Santos comenta sobre as cidades hispano-americanas caracterizadas por teruma planificao, um ordenamento, enquanto a srie brasileira no se caracte-riza por um tal ordenamento sendo a regra geral o crescimento tumultuado eirregular.

    O mesmo autor comenta, tambm, sobre uma geografia da urbanizao lati-no-americana em duas grandes regies socioculturais: a Amrica hispnica e oBrasil, coincidentes com a fachada do Pacfico e a fachada do Atlntico.Na fachada do Atlntico, a colonizao econmica comea com os produtos daagricultura comercial, enquanto a extrao de minerais vem depois. Na fachadado Pacfico, a colonizao econmica comea com a extrao mineira, enquan-to os produtos da agricultura comercial chegam muito mais tarde. Os contras-tes existentes entre essas duas fachadas teriam repercusses importantes para opovoamento e a urbanizao da Amrica Latina.16 No caso do Brasil, houve uma etapa prvia durante o primeiro governoVargas (1932-1945). Nesse perodo, Vargas apia uma forte interveno doEstado na industrializao do Pas, criando, entre outras, as seguintes empresas

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    Latino-americanos ocupam de novo a posio de pasesdependentes dentro da diviso internacional do trabalho e daestrutura produtiva da economia mundial, exercendo a funode plataformas terceirizantes de produo e comercializao equarteirizantes de montagem e comercializao17.

    Nos ltimos anos, as polticas neoliberais privatiza-ram praticamente a totalidade das empresas pblicas criadasna etapa da nacionalizao produtiva e as multinacionaistomaram conta das maiores e melhores indstrias do pas.Assim, os pases perifricos, continuam como produtores e

    exportadores de insumos agrcolas, minrios, txteis, etc emantm a sua dependncia de produtos com alto valoragregado de tecnologia e de pesquisa (aspetos sem, ainda,base real nestes pases), fatores que favorecem o intercm-bio desigual, o aumento da imensa dvida externa e a im-possibilidade de aproximao aos patamares de nveis devida dos denominados pases centrais.

    b. O modelo de ocupao do territrio.O imenso territrio latino-americano foi ocupado aospoucos, comeando pelo litoral e continuando pelos terri-trios interiores com maiores possibilidades de comunica-o e de escoamento das matrias-primas. As primeirascidades se localizaram na costa, junto aos portos, nas pro-ximidades das exploraes de minrio e nos entrepostosdas principais trilhas e caminhos utilizados para escoar as

    mercadorias. Na sua origem, as cidades tinham fundamen-talmente funes administrativas e de governana.

    Ainda hoje, continuamos ocupando os denominadosterritrios da fronteira agrcola, especialmente no Brasil, um

    pblicas: o Conselho Nacional do Petrleo (1940, futura Petrobrs), a Compa-nhia Siderrgica Nacional, para produo de ao (1941), e a Companhia Valedo Rio Doce, de minerao (1942).17DREIFUSS Ren. 2004. Pg 93 a 107.

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    pas com dimenses continentais e, mais especificamente,na Amaznia.

    Durante os comeos da colonizao, sero os mi-grantes das metrpoles e fundamentalmente os muitos es-cravos africanos, as levas populacionais que misturadascom os indgenas, permitiram um dado equilbrio popula-cional, sempre contrabalanado pela alta mortalidade devi-da as enfermidades e ao trabalho escravo. Posteriormente, achegada de grandes levas de emigrantes (fundamentalmenteeuropeus e asiticos) comea um povoamento sustentado

    do continente, num processo continuado entre os comeosdo sculo XIX e a metade do sculo XX. Une-se a esse fatoo crescimento vegetativo da populao, aumentado peladiminuio da mortalidade e a melhoria das condies sani-trias destes, com um modelo de urbanizao em que aindapredominava as baixas densidades de habitantes por km2.

    Mas ser no ltimo tero do sculo XX, coincidindocom a industrializao das grandes cidades e suas reasmetropolitanas e com a forte imigrao do campo para acidade, que se consolida um modelo fundamentalmenteurbano de ocupao do territrio latino-americano.

    c. A populao e a concentrao urbana.

    Os pases latino-americanos recuperaram a populaoque tinham na poca da chegada dos conquistadores, pertode 60 milhes de habitantes (isso j nos anos de 1930), evo-luindo posteriormente com um forte crescimento, superiora mdia mundial, at os 550 milhes de habitantes atuais.

    caracterstica deste crescimento a concentrao da po-pulao urbana nas grandes cidades da regio (com uma por-centagem perto de 80%, uns dos mais altos dos pases perifri-cos), destacando entre elas, So Paulo, Buenos Aires e Mxico,todas com populaes perto dos trinta milhes de habitantes,

    contabilizando as suas respectivas reas metropolitanas.

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    Percebe-se o contraste desta cifra com os 40% depopulao urbana j em 1950. Cidades que concentram apopulao e tambm os graves problemas da desordemurbana de todo tipo: violncia, marginalidade e degradaosocial e ambiental. Degradao decorrente de uma urbani-zao acelerada e descontrolada, com acumulao sucessivados dficits das infra-estruturas urbanas (abastecimento degua potvel, carncia de redes e tratamento de esgoto resi-dencial e industrial, degradao da qualidade do ar atmosf-rico, recolhida e tratamento do lixo, redes de transporte

    pblico insuficientes e caticas, alto e ineficiente consumoenergtico, etc). Aspectos que se concentram fundamen-talmente nos bairros das periferias pobres e populares dasgrandes cidades, onde est implantado o territrio da mar-ginalidade e a exploso da desordem urbana e social.

    d. O meio rural.

    Neste contexto de concentrao urbana, o meio rural

    continua sendo ocupado gradualmente, fundamentalmentecom os monocultivos do agronegcio e da produo de gado,ambos para a exportao, sem ter em conta as necessidadesbsicas alimentares dos prprios pases e favorecendo a de-gradao do meio ambiente (desmatamento, utilizao desementes transgnicas, fertilizantes qumicos e agrotxicos,desapario de espcies biolgicas, etc). A Amrica Latina aregio do mundo onde o desmatamento e o desaparecimento

    de ecossistemas e espcies nativas (entre elas os prprios ind-genas e nativos das tribos tradicionais de cada pas), tm umritmo mais forte. Nos ltimos anos o problema se concentrano desmatamento da Amaznia, o pulmo do Planeta Terra, aum ritmo de perto de 20.000 km2 por ano18.

    18 MOPU, (Ministerio de Obras Pblicas y Urbanismo). Desarrollo y MedioAmbiente en Amrica Latina y el Caribe. Una Visin Evolutiva. Madrid. 1990.

    Pag. 198.

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    A explorao de minrios e de hidrocarbonetos (doisrecursos importantes da Amrica Latina) est na base degraves impactos ambientais, nas reas de produo destasmatrias primas.

    A produo de drogas, especialmente cocana e ma-conha, atinge a uma importante parte dos trabalhadoresrurais, atrados pelo alto consumo dos pases centrais, emespecial dos Estados Unidos. Os tratamentos dos cultivoscom glifosfato, realizados com os programas financiadospelos EEUU, na sua luta contra o terrorismo e as drogas,

    esto criando srios problemas ambientais e sociais.e. As desigualdades sociais.

    As sucessivas crises cclicas sempre foram acompa-nhadas da degradao das condies econmicas e do au-mento das desigualdades sociais. As pequenas melhorias dapoca da industrializao comearam a desaparecer nosanos 80, diminuindo o produto interno bruto por habitan-

    te19

    e aumentando as diferenas sociais na distribuio dariqueza. At hoje, esta situao no mudou, acirrando-se osproblemas sociais devido nova fase do desemprego estru-tural e do aumento da marginalidade. Perto de 70% da po-pulao economicamente ativa trabalha de forma autno-ma, na denominada economia informal, sem carteira assi-nada e com salrios que no permitem atingir as necessida-des bsicas da maioria das famlias da regio. A subsistncia

    hoje o modo de vida de grande parte da sociedade latino-americana.

    A Amaznia tem uma extenso de 7,2 milhes de km2, 60% localizado noBrasil. Da grande extenso do Brasil, 8,5 milhes de km2, a Amaznia ocupaperto de 50% do seu territrio.19O PIB por habitante latino-americano situa-se perto dos 2.000 dlares. Nospases centrais, este valor se situa em torno dos 20.000 dlares. A cada ano as

    diferenas entre ricos e pobres aumentam

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    Vinculado economia informal, ao desemprego e pobreza encontram-se os altos nveis de analfabetismo dascamadas populares, fechando o circulo da marginalidade etambm da vulnerabilidade desta populao manipulaoe a incapacidade para transformar sua realidade social.

    2.3 Um exemplo atual: o caso do Brasil.

    a. O territrio.

    O territrio do Brasil, com cerca de 40% da superf-cie do subcontinente latino-americano, tem uma imensa

    abrangncia e uma grande variedade de regies. Predominaum clima tropical mido, com escassa altitude, muita umi-dade, chuva, vegetao e insolao. O solo est compostofundamentalmente de materiais aluviais (terras e argila) etambm de rochas metamrficas (granito, gnaisses) e calc-rias ou calias. Estes condicionantes do territrio marcaramsempre as caractersticas da urbanizao e da arquiteturamais tradicionalmente brasileira, especialmente nas antigas

    cidadezinhas coloniais20b. A dependncia histrica e o sincretismosocial.

    O Brasil foi conquistado e colonizado, h mais dequinhentos anos. A longa durao do perodo colonial im-plicou uma grande dependncia econmica, social e cultural

    20Brasil, com uma extenso de perto de 8.500.000 Km2, tem o seu territriolocalizado no hemisfrio Sul, entre o Equador e os 30 graus de latitude sul.Com uma topografia fundamentalmente plana e altitudes inferiores a 1.000metros, (com exceo das pequenas reas montanhosas situadas no sudeste ecentro-leste), o territrio possui inmeras bacias hidrogrficas de grande im-portncia, em especial as dos rios Amazonas e So Francisco. Com estas carac-tersticas, os climas fundamentais so: as florestas equatoriais (Amaznia) e assavanas tropicais (centro do pas), acompanhados do clima subtropical mido(no sul do pas) e excepcionalmente de estepes secas (Nordeste).Em resumo, altas temperaturas, muita insolao e chuva e abundncia de gua e

    vegetao, caractersticas predominantes dos climas indicados anteriormente.

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    em relao a Portugal21, especialmente quanto ao modeloeconmico exportador agrcola e de minrios, ao processopaulatino e duro de conquista do imenso territrio, s ve-zes, muito hostil, assim como ao modelo territorial estabe-lecido, com predomnio do rural em relao ao urbano.

    Ao mesmo tempo, se produz, por parte dos portu-gueses, a dominao, o extermnio e, tambm, a miscigena-o das diversas tribos de ndios que povoavam o territriodo Brasil. Posteriormente, este processo de sincretismosocial continuar com os negros escravos e ainda mais tar-

    diamente com os muitos imigrantes europeus e asiticosque viro para o Brasil.

    A arquitetura e o urbanismo, como quaisquer outrasmanifestaes sociais, foram influenciadas pelas contribuiesportuguesas e de outros grupos tnicos que chegaram ao Bra-sil, constituindo um verdadeiro sincretismo, adaptado, nopossvel, s condies materiais e ambientais do pas.

    c. A dualidade social.Como conseqncia do intenso processo colonizador

    realizado pelos portugueses e da implantao de um mode-lo agrcola tropical estvel, baseado inicialmente no latifn-dio, no patriarcalismo e na escravido e das sucessivas mo-dificaes da base econmica (acar, algodo, caf, min-rios, etc.), criou-se um modelo de desenvolvimento eco-nmico e social totalmente dependente dos interesses da

    21Esta dependencia histrica, seja dos portugueses, holandeses e ingleses napoca da colnia, seja dos americanos, como aconteceu mais recentemente,ainda se mantm. A dvida pblica externa do Brasil, que j comeou a existirna poca da colnia, continua aumentando na atualidade. Esta dvida, quedurante os ltimos anos do governo FHC multiplicou-se por seis, atualmentede 400 bilhes de US$ (s a dvida pblica, soma das dvidas do GovernoFederal, Governos Estaduais, Prefeituras e Empresas Pblicas), o que represen-ta perto de 50 % do nosso PIB. S os juros pagos da dvida pblica externa nos

    ltimos dez anos, atingiu uma quantidade ao PIB de 2001. O Globo.20-06-2005.

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    burguesia portuguesa e europia, enfim, dos interesses me-tropolitanos.

    Ao mesmo tempo, os conquistadores - senhores, fa-zendeiros, exrcito e igreja -, representantes desses interessesno Brasil, basearam a conquista do territrio e a produtividadede seus empreendimentos na submisso e utilizao dos ind-genas e negros como escravos, origem da dualidade socialsempre existente no Brasil, que ainda hoje faz parte da socie-dade e manifesta-se nas grandes desigualdades sociais.22

    d. A concentrao, nos ltimos anos, da po-

    pulao e das moradias urbanas nas grandescidades.

    A persistncia do modelo produtivo aucareiro e ca-feeiro nos grandes latifndios23agrcolas durante os sculosXVI a XIX, estabeleceu no Brasil um modelo territorialfundamentalmente rural, que mal encontrou contestao

    22De acordo com o prprio IBGE, em 1995, os 10% mais ricos detm 49,8%da renda nacional, e os 10% mais pobres detm somente 0,7%. Isto significaque dos 62 milhes de brasileiros que compem a populao economicamenteativa, em 1995, apenas 3% ganhavam mensalmente 20 ou mais salrios mni-mos, 52% recebiam at dois salrios mnimos; 24 % at um salrio mnimo e8% no recebiam nada.Outros dados nos confirmam o exrcito de excludos: em 1990, existiam noBrasil 31,6 milhes de indigentes e 61,3 milhes de pobres. Estima-se que, em1995, dos 150 milhes de habitantes, oito milhes eram meninos de rua que,diante da misria, so empurrados muito cedo ao mundo do trabalho informalou 'marginal'. Na atualidade, o Brasil tem perto de 180 milhes de habitantes. Asituao atual, comparada com os ndices de 1995, no tem melhorado, pelocontrrio as desigualdades sociais continuam se acirrando.23Segundo os dados do Censo Agropecurio do IBGE, de 1985, os trs milhesde pequenos proprietrios que possuem menos de 10 hectares tm somente 3%das terras, enquanto 50 mil grandes proprietrios, com mais de 1.000 hectares,tm 43,5% de todas as terras do pas. Esta tambm uma das causas funda-mentais do forte processo migratrio para as cidades: a concentrao da pro-priedade da terra nas mos de uns poucos latifundirios, herdeiros dos antigossenhores coloniais. Na atualidade, a estrutura da propriedade da terra continua

    sem mudanas significativas.

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    nas cidades administrativas do litoral e, posteriormente, naimplantao de novos ncleos urbanos no interior do pas,especialmente no sculo XIX, na poca da minerao.

    A passagem do modelo territorial rural ao urbanoproduz-se fundamentalmente na segunda metade do sculoXX, quando o processo de industrializao do pas j estbastante avanado, precisando da concentrao da mo-de-obra nas cidades. a que se d o forte processo de imigra-o do campo cidade para constituir o exrcito de reservanecessrio para o trabalho assalariado nas fbricas e nos

    servios.A cidade industrial e especulativa se segmenta em ter-

    ritrios excludentes, separando as classes abastadas dascamadas populares. Invases, loteamentos ilegais, favelas,cortios, etc., so as respostas dessas camadas ante a faltade iniciativas dos organismos pblicos responsveis.

    As nossas grandes periferias urbanas atuais so ex-presso da exploso da desordem urbana de todo tipo, queteve sua origem no citado processo de industrializao eque ainda hoje continua sendo um dos principais proble-mas do pas.24

    3. O contexto da produo do territrio eda moradia Latino-americana25.

    3.1 A moradia popular dos bairros perifricos

    como resposta massiva da excluso social.Falar de moradia e de suas necessidades na Amrica

    Latina significa assumir a grave situao herdada dos pro-

    24No Brasil, nos ltimos 50 anos, a taxa de populao urbana do pas aumentou de30% para 80%. Nas grandes cidades e suas regies metropolitanas, normal que aimensa maioria da populao more em favelas e loteamentos perifricos. Nos lti-mos anos, estes territrios urbanos da excluso social continuam crescendo.25Ver neste apartado. SALAS SERRANO. Julin. 1992.

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    cessos incontrolados de construo de um territrio fun-damentalmente urbano e marginal, em torno das periferiasdas grandes cidades de cada pas.

    Das aproximadamente 100 milhes de moradias exis-tentes, no mnimo, 60% destas pertencem ao setor popular,tambm denominado de informal, em que a autoconstru-o foi a resposta massiva ante a falta de polticas publicas eprivadas dirigidas aos setores populares de baixa renda.

    Assim, o dficit habitacional situa-se prximo de 50milhes de residncias, devido s condies de precarieda-de, localizao indevida, aglomerao de pessoas, espaosfsicos restritos, dficit habitacional ao qual temos que adi-cionar o dficit de urbanizao e a grande falta de infra-estruturas urbanas: perto de 50% das moradias sem rede deesgoto, 40% sem eletricidade.

    Se continuar o forte crescimento populacional latino-americano (2,6% anual, a maior do mundo), para mudar

    essa situao, seria preciso construir 4 milhes de residn-cias por ano durante os prximos 50 anos, praticamenteuma nova cidade como o Distrito Federal da Cidade doMxico a cada ano.

    As respostas dos setores populares abrangeram di-versos graus de organizao coletiva assim como a utiliza-o de recursos tcnicos e materiais diversos. Em todo

    caso, a construo e urbanizao decorrente destas respos-tas populares poderiam considerar-se dentro do contextodo baixo custo e da utilizao de tecnologias, materiais emo-de-obra local.

    As mltiplas experincias realizadas demonstraramque esse era o nico caminho possvel para a grande maio-ria da populao latino-americana, sem possibilidades degastos superiores a 100 dlares por m2 de construo, sem

    crditos ajustados s fracas economias domsticas (salrio

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    mnimo de perto de 120 dlares por ms), e sem apoio dosistema pblico de habitao.

    3.2 De novo o caso de Brasil: arquitetura eurbanismo popular contemporneos nosterritrios da excluso social: favelas,cortios e loteamentos populares.

    a . A origem do problema.

    Segundo Ermnia Maricato, a emergncia do trabalholivre foi a origem do problema da habitao. De fato, estamudana nas relaes de produo, no foi acompanhada dotrabalho assalariado e em conseqncia, tampouco na for-mao de um mercado urbano de moradias (como ocorreunos pases capitalistas centrais, no sem muitos conflitos).

    Este mercado imobilirio excludente, no foi acompa-nhado de polticas publicas, tendo como resultado a prolife-rao das favelas, cortios e loteamentos perifricos, constru-

    dos atravs de invases e com o prprio esforo da popula-o. Nesses espaos marginais, mora hoje grande parte dascamadas populares urbanas das cidades brasileiras.

    A evoluo das favelas no Brasil... acompanhou o processo deurbanizao da sociedade, que se deu, praticamente no sculo XX.Ela determinada pelo modo como se deu a industrializao e areproduo dos trabalhadores a partir da emergncia do trabalho

    livre. Na sociedade escravocrata, a moradia do trabalhador eraprovida pelo patro, bem como os demais itens da sua subsistncia.Os trabalhadores brancos livres gozavam de uma condio amb-gua, num modo de produo marcado pelo trabalho compulsrio evisto como coisa degradante. A poltica do favor marcou o modo devida desse trabalhador branco, que vivia sombra dos chamadoscoronis latifundirios.

    A emergncia do trabalho livre d origem ao problema da habita-

    o. O patro est livre dessa incumbncia. A partir da abolio,

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    cabe ao trabalhador providenciar e pagar por sua moradia. Essamudana no implicaria a generalizao do assalariado e a forma-o do mercado urbano de moradias, como ocorreu nos pases capi-talistas centrais, no sem muitos conflitos.

    Em pases perifricos ou semi-perifricos e dependentes, como oBrasil, onde a industrializao se deu com salrios deprimidos egrande parte dos trabalhadores no se integrou ao mercado de tra-balho formal, a moradia tambm no obtida regularmente viamercado imobilirio. Freqentemente, mesmo o trabalhador em-pregado na indstria fordista no tem poder aquisitivo para com-

    prar sua moradia no mercado legal privado. So por demais co-nhecidos os expedientes de ocupao de terra e autoconstruo damoradia, aos quais apelou a maior parte da populao durante oprocesso de urbanizao da sociedade brasileira, com graves conse-qncias sociais e ambientais, conforme j foi mencionado.

    No comeo do sculo XX, as favelas eram presenas mais constan-tes em cidades que tiveram importncia no perodo da escravido.

    Com o progressivo processo de industrializao / urbanizao, asfavelas se estendem por todas as grandes cidades brasileiras e, nosanos de 1980 a 2000, inclusive nas cidades de porte mdio. Ascidades se modernizaram paralelamente reproduo da excluso.O mercado imobilirio evoluiu de modo excludente. Alm do capi-tal, via baixos salrios, o Estado tambm pouco se ocupou daquesto da habitao social, seno em alguns momentos de mobili-zao da classe operria, mas sempre de modo pouco sustentvel eabrangente. A mais importante interveno do Estado brasileirocom a poltica de habitao, que institucionalmente combinou oBNH - Banco Nacional de Habitao e SFH - Sistema Nacio-nal de Habitao, no perodo 1964 a 1986, atendeu mais s ca-madas de renda mdia e ao capital imobilirio (promotores, cons-trutores, financiadores) do que grande maioria da populao.

    A face mais cruel da construo desse espao excludente, talvez es-

    teja em sua dissimulao ou ocultao, como j foi destacado. No

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    h na sociedade brasileira conscincia sobre o gigantismo dos terri-trios da excluso, que podemos chamar aqui da no-cidade ouamontoado de pessoas, sem leis ou regras de convivncia e de ocu-pao do espao. No h dados fidedignos (nem do IBGE) sobreo nmero de brasileiros morando em favelas. E essa desinformaono casual. At mesmo o urbanismo oficial e acadmico partici-pa da dissimulao dessa realidade ao reforar a cidade cenrio oucidade mercadoria, cheia dos smbolos indutores do consumo e daalienao, que constituem embalagem do processo de formao dasrendas de localizao. (Ermnia Maricato. 2002. Revista Pro-

    posta. N 93/94. Pg. 82 e 83).b. As polticas pblicas.

    Conforme Adauto Lcio Cardoso, as sucessivas pol-ticas habitacionais acontecidas durante o sculo XX no pasno deram conta do problema habitacional. Dirigidas teori-camente para as camadas populares com menores nveis derenda, na realidade s atingiram as classes medias e aosinteresses das empreiteiras.

    Em conseqncia os dficits habitacionais aumentama cada ano e hoje em dia, as cifras dos ltimos estudos soassustadoras26, confirmando a grande dualidade social e osgraves e profundos desequilbrios do pas na distribuiodos recursos, neste caso da moradia.

    A poltica habitacional no Brasil, no entanto, nunca foi capaz deenfrentar este desafio (o da moradia popular) de forma adequada.

    26"... O ndice de dficit habitacional divulgado pela Fundao Joo Pinheiro,chega a quase sete milhes de unidades. Cerca de 50% da populao das cida-des de So Paulo e do Rio de Janeiro moram em favelas ou loteamentos ilegaise cortios. Em reas invadidas, encostas, palafitas e favelas esto 33% doshabitantes de Salvador, 34% de Fortaleza, 40% de Recife e 20% de Belo Hori-zonte e Porto Alegre. A falta de moradias atinge principalmente as famlias comrenda at cinco salrios mnimos que formam 98% do dficit habitacional dopas (ndice divulgado pela Caixa Econmica Federal)." (Grazia de Grazia.

    2002. Revista PROPOSTA. N 93/94. Pg. 48)

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    No perodo getulista, os Institutos de Aposentadoria e Penso,IAPs, limitavam-se a atender os trabalhadores inseridos no mer-cado formal e, mesmo assim, de forma incompleta. Alm disso, apostura de privilegiar a sade financeira dos fundos levou os buro-cratas dos IAPs a priorizar os emprstimos habitacionais para omercado mdio, estabelecendo uma redistribuio s avessas, emque os recursos dos trabalhadores financiavam as camadas de me-lhor renda. Esse fato voltou a acontecer durante o perodo autori-trio, quando o Banco Nacional de Habitao (criado em 1964),ao garantir as cadernetas de poupanas privadas tendo como lastro

    os recursos de Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS)desviou recursos destinados s camadas de baixa renda para osgrupos de renda mdia. A poltica desenvolvida pelo BNH tam-bm se revelou incapaz de atender os setores mais carentes (a faixada populao com renda de at trs salrios mnimos), alm de tersido responsvel por uma brutal remoo de populao faveladapara conjuntos mal equipados na periferia da cidade, com gravesconseqncias sociais. Os investimentos sociais do BNH, no en-

    tanto, tiveram algum impacto quantitativo sobre a populao nafaixa de 3 a 10 salrios mnimos e sobre a ampliao da oferta deservios de saneamento bsico, principalmente de abastecimento degua, o que contribuiu para reduzir, relativamente, as desigualda-des espaciais nas cidades.

    Com o fim do BNH em 1986, os recursos do FGTS passam aser crescentemente objeto de disputa entre os grupos que compu-nham o governo federal...

    No entanto, aps a crise de 1999, o acesso ao FGTS foi restritopara qualquer rgo governamental, por exigncia do acordo com oFMI. A resposta do governo federal foi o Programa de Arrenda-mento Residencial (PAR) que, como mostram anlises recentes(Oliveira 2000), vem atendendo apenas s camadas na faixa su-perior do limite de renda permitido pelo Programa, no se configu-rando, pois, como um instrumento adequado para o enfrentamento

    das desigualdades habitacionais e urbanas.

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    Tornaram-se tambm extraordinariamente escassos os recursos pa-ra investimento em saneamento e infra-estrutura, passando os go-vernos estaduais e municipais a depender exclusivamente de seusrecursos prprios (j comprimidos pela crise fiscal) ou dos financi-amentos internacionais como BID e o Banco Mundial. (AdautoLcio Cardoso. 2002. Revista PROPOSTA. N 93/94. Pg.65 e 66).

    c. As lutas pela moradia e pela Reforma Ur-bana.

    Acompanhando o pensamento de Grazia de Grazia oMovimento da Reforma Urbana conseguiu, j na poca daditadura, aglutinar o trabalho coordenado dos movimentospopulares pela moradia junto aos trabalhadores, intelectuaise partidos progressistas, que abordavam conjuntamente oproblema do direito moradia, cidade e cidadania, de-nunciando e rejeitando as conseqncias do modelo socialexcludente, fundamentalmente sobre os estratos sociais

    mais explorados, que nas cidades coincidem com os mora-dores dos territrios da excluso, citados anteriormente.

    Hoje em dia, as reivindicaes do movimento da Re-forma Urbana adquirem ainda importncia pela dimensodos problemas acumulados.

    O Movimento pela Reforma Urbana resgatou, em 1987, umabandeira que havia sido levantada na dcada de 60 e interrompi-da pelo Regime Militar ... Colocada em novas bases, a luta pelaReforma Urbana e retomada no bojo do movimento de participa-o nacional em torno da elaborao da nova Constituio Brasi-leira. Inicia-se, portanto, a partir da articulao da Iniciativa Po-pular sobre a "Reforma Urbana" que incorpora o acmulo tericoda questo urbana e o avano poltico dos movimentos populares.

    O Movimento pela Reforma Urbana, visando influenciar na re-

    construo institucional do pas elabora trs princpios bsicos para

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    referenciar sua prtica... A carta de princpios foi elaborada peloII Frum Nacional de Reforma Urbana, em outubro de 1989.

    Os trs princpios bsicos so:1.- Direito Cidade e Cidadania, entendido como uma novalgica que universaliza o acesso aos equipamentos e servios urba-nos, a condies de vida urbana digna e ao usufruto de um espaoculturalmente rico e diversificado e, sobretudo, em uma dimensopoltica de participao ampla dos habitantes das cidades na con-duo de seus destinos.

    2.- Gesto Democrtica da Cidade entendida como forma de pla-nejar, produzir, operar e governar as cidades submetidas ao contro-le e participao social, destacando-se como prioritria a participa-o popular.

    3.- Funo Social da Cidade e da Propriedade entendida como aprevalncia do interesse comum sobre o direito individual da pro-priedade, o que implica o uso socialmente justo e ambientalmenteequilibrado do espao urbano. (Grazia de Grazia. 2002. Revis-ta Proposta. N 93/94. Pg. 45 e 46)

    d. Um exemplo: O caso das favelas do Rio deJaneiro.

    No deixa de ser interessante olhar o processo deconsolidao das favelas nas cidades. No caso de Rio deJaneiro e em geral no pas todo, elas conseguiram atravs

    das lutas sociais organizadas, o direito de manter-se no seulugar de origem, rejeitando as remoes e o translado dosfavelados para os tristes conjuntos habitacionais.

    No se pode deixar de sublinhar tambm a capacidade de lutados favelados na defesa de seu local e estilo de moradia. Aps 100anos de luta, empregando diferentes formas de organizao e de-manda poltica, inclusive o carnaval, a favela venceu. H mais deduas dcadas, mudou a legislao, e hoje a favela feita de habita-

    es de alvenaria. Os frgeis barracos, facilmente destrutveis, de-

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    sapareceram. Desde o final dos anos 70, a favela tem luz em cadacasa. Durante os anos 80 ela adquiriu servios, mais o menos pre-crios, de gua e esgoto. Ningum fala mais de remoo. Mais re-centemente, os projetos de urbanizao e saneamento, frutos de pe-quenas vitrias acumuladas do movimento de favelados, fazemsurgir ruas e praas, mais ou menos planejadas, mais ou menosdiscutidas com a populao local. Tudo indica que a favela, garan-tida a continuidade da poltica pblica, independentemente do par-tido poltico no poder, poder ter finalmente sua infra-estruturaurbana refeita e melhorada, transformando-se em bairro da cida-

    de. Entretanto, a luta est longe de terminar. No s porque osprojetos so lentamente implementados, mas porque hoje a favelaenfrenta novos e terrveis problemas, em face do terror imposto tan-to pela polcia, na represso ao trfico, quanto pelos prprios trafi-cantes, cada vez mais afastados da populao local. Alm disso,novos conflitos surgiram e ameaam aquilo que fez da favela umespao propcio organizao e criao cultural, livre dos cons-trangimentos da crena incontestada, do maniquesmo e da intole-

    rncia religiosa. Ir a favela desaparecer? (Alba Zaluar e Mar-cos Alvito. 1998. Pg. 21)27.

    27Embora seja a nica que contenha a promessa de uma cidade melhor paratodos, a tarefa e redemocratizao da cidade , a essa altura, um enorme desafi-o; no apenas pela intervenincia do trfico de drogas, mas tambm pela escalademogrfica dos excludos. Dados de 1991 indicam que 962.793 habitantesvivem em favelas na cidade do Rio de Janeiro, 944.200 em conjuntos habitacio-nais, e mais de 381.345 em loteamentos irregulares de baixa renda; portanto,um total de 2.288.338 habitantes, o que corresponde a cerca de 40% da popula-o da cidade (Iplan Rio, 1993:125, 269, 312-3). (Alba Zaluar e Marcos Alvito.1998. Pg. 45).Dados de 1990 indicavam que, dos domiclios em favela, menos de 20% eramatendidos por sistema de esgoto, e cerca de 60% por gua encanada (sendo omelhor ndice o de energia que chega a 85%). (Moura 1993:46)... Quanto aosdireitos civis, a situao majoritariamente informal de propriedade ainda umproblema: apenas 3,7% dos domiclios em favelas tinham ttulos de proprieda-de em 1990; bem mais importante, contudo, so os constrangimentos liber-

    dade impostos pelo trfico. (Alba Zaluar e Marcos Alvito. Pg. 45 e 46)

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    Hoje o projeto Favela Bairro est melhorando ascondies de urbanizao das favelas mediante recursoseconmicos da prefeitura do Rio de Janeiro e do BancoMundial, intentando superar um problema histrico quecontinua crescendo.

    4. A funo da planificao urbanstica emnossas cidades atuais. As cidades comoexpresso das contradies sociais e daexploso da desordem.

    A revoluo industrial mudou todo aquele processolento de formao de pequenas cidades ligadas ecologica-mente com seus territrios circundantes.

    A gerao de grande quantidade de energia que per-mitia a descoberta das maquinas de vapor, aplicadas naproduo e no transporte, permitiu a utilizao das energiasfosseis, criadas durante milhes de anos pela natureza, as-sim como a transformao das matrias primas em ingentesquantidades de novos materiais e produtos e dos resduosque acompanham a toda produo, resduos que neste casono eram em grande parte reciclveis ou biodegradveis.

    Cidades que cresceram, nos pases capitalistas e cen-trais, na poca da revoluo industrial e burguesa, associa-das concentrao da produo e da mo de obra, gerandoao mesmo tempo necessidades de consumo de todo tipo:

    desde os novos bairros de moradia popular at a energia,materiais e alimentos bsicos para reproduzir a fora detrabalho e a vida por si s.

    Na Amrica Latina as cidades se criaram com outrosobjetivos, grande parte relacionados com a localizao dos

    Segundo os ltimos dados do IBGE a populao do municpio de Rio deJaneiro esta decrescendo, mas as favelas so os nicos territrios onde a popu-

    lao cresce a um ritmo de perto de 4,6% anual.

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    portos para escoar as mercadorias para as metrpoles e/oucumprir as funes administrativas tpicas das cidades funda-das nos pases perifricos. Seu posterior crescimento tampou-co esteve relacionado diretamente com a revoluo industrialou com a criao de grandes empreendimentos fabris e indus-triais (sempre atrasados e de pouca importncia at pocasmais recentes, no que diz respeito aos pases centrais. As cida-des cresceram pela atrao da populao rural e escrava quedepois da abolio da escravatura no encontrava sustento nocampo e tambm pelos emigrantes e classe mdia vinculados

    as atividades artesanais, comerciais e fundamentalmente ad-ministrativas, tpicas dos centros urbano.

    O urbanismo como cincia do urbano, da cidade edas relaes entre os elementos que compem sua estruturafsica e territorial, sempre existiu, no sentido de aplicar-senormas e parmetros definidos, nas cidades antigas e novas,nas europias, americanas e latino-americanas. Cada culturatinha os seus padres urbansticos, implcitos nas normati-vas existentes ou idealizadas, aplicadas ou no.

    O urbanismo como cincia ou disciplina, tal como conhecida hoje comea a ser aplicada nos pases centrais,no sculo XVIII, na poca da ilustrao e das grandes re-formas urbanas.

    O centro das cidades o espao de convvio e de re-

    produo da burguesia e das classes sociais privilegiadas,misturadas com s camadas mais pobres que j moravamnos muitos cortios. Os poderes pblicos, com a justificati-va de melhorar as condies da sade pblica, assim como,resolver as novas necessidades de infra-estruturas de abas-tecimento de gua e de esgoto sanitrio, estabelecem gran-des operaes urbanas com a criao de avenidas, aprovei-tando estes fatos para expulsar do citado centro urbano as

    classes desfavorecidas.

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    Certamente nos pases perifricos, se aplica este ur-banismo moda europia e americana, com os mesmoscritrios, mas em tempos defasados.

    A grande diferena entre pases centrais e perifricosest, por um lado, no tamanho das cidades (e em conse-qncia disso na dimenso dos problemas urbanos), e deoutro lado na capacidade para resolver esses problemas.Tamanho relacionado com os processos migratrios campocidade, acontecidos em etapas e com caractersticas diferen-tes nos pases centrais e perifricos (muito mais intensos e

    retardados nestes ltimos), criam as imensas periferias debairros populares.

    A capacidade poltica e econmica para resolver estesproblemas urbanos, na realidade permite comparar a situa-o bem diferente das cidades arrumadas e ordenadas dospases centrais, com o caos das cidades dos pases perifri-cos. No entanto, naquelas sociedades o estado de bem-estar

    (sustentado pela apropriao dos recursos dos pases de-pendentes e perifricos, desde a poca das colnias) permi-tiu a realizao de macias investimentos urbanos, enquan-to nos pases perifricos se instalou a falta de recursos p-blicos, a corrupo administrativa, o sistemtico no cum-primento dos planos e normas e a acumulao exponencialdos problemas.

    Achando que as condies indicadas anteriormenteconstituem a base estrutural de nossa problemtica urbana,vamos, pois, fazer um pequeno resumo dos problemas acu-mulados nas nossas cidades latino-americanas, com o intuitode posteriormente poder sugerir algumas orientaes.

    - O problema da concentrao urbana ligada a explo-rao dos territrios de sua periferia. Periferias vistas comoterritrios rurais prximos ou tambm urbanos, localizados

    s vezes grandes distancias (como no caso das antigas e

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    novas colnias), que aportam mediante o uso do transportehorizontal e da energia, as matrias primas necessrias parao sustento material e produtivo das grandes cidades e co-nurbaes.

    Cidades que so a expresso mxima da tica capita-lista, gerando concentrao de riqueza e desigualdades soci-ais, com alto consumo de energia e de materiais, produzemtambm resduos no biodegradveis e contaminao detodo tipo. Cidades que colonizam o territrio circundante,importando energia e materiais e tambm exportando con-

    taminao global (chuvas cidas, camadas de oznio, etc) elocalcomo no caso dos resduos txicos procedentes dospases centrais, e depositados nos pases perifricos que setornam facilitados pela existncia de uma legislao maispermissiva.

    - O problema da concentrao urbana, est vinculadoao tema da propriedade do solo urbano.O solo passa aser um bem escasso e como tal caro. As rendas da terraagrcola se transformam em rendas fundirias. O valor deuso da terra (sua funo social) transforma-se em valor detroca (uma mercadoria a mais do mercado capitalista). Aespeculao imobiliria toma conta da cidade e com isso apropriedade da terra um elemento fundamental para po-der definir polticas urbanas. No existe possibilidade depolticas urbanas sem a existncia de grandes quantidades

    de solo pblico bem localizado e do reconhecimento dafuno social da propriedade do solo.

    - A dualidade da cidade e a diviso social do espa-o em classes sociais. Um centro urbano, com elevadaconcentrao de servios que sempre apropriado pelasclasses sociais abastadas e uma periferia, em continuoprocesso de formao e, em conseqncia com grandesdficits de servios sociais de todo tipo, ocupada e in-

    vadida nas diferentes etapas dos processos migratrios.

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    Periferia que ocupa espaos residuais, (bordas das es-tradas de ferro, reas alagadas, manguezais, florestas,encostas, morros, lixes, etc) e que s vezes ficam comoenclaves de excluso social nos centros urbanos (o casoem geral dos cortios nos centros degradados das cida-des ou no em particular nas favelas nos morros oumontanhas).

    - As diferentes funes dos espaos centrais e dosperifricos. A cidade central como espao bem comuni-cado e urbanizado, plo de atrao do cio e do neg-

    cio, como espetculo e como mercadoria, para todosaqueles habitantes urbanos com capacidade econmicapara pagar seu alto custo. Seus prdios e seus partidosarquitetnicos como fetiches de consumo pelas classessociais abastadas. Seus condomnios e prdios fortale-zas, fortemente protegidos contra a insegurana geradasocialmente.

    Uma periferia mal comunicada, amorfa e de baixaqualidade urbana e ambiental. Grandes bairros de con-juntos habitacionais degradados, favelas, loteamentosilegais e informais constitudos por casas que paulati-namente melhoram a qualidade de seu padro constru-tivo e de ruas de terra que aos poucos incorporam osservios bsicos urbanos. Periferia misturada com sub-centros de consumo de massas (localizados nas estradas

    principais), com reas produtivas e industriais, com -gua e ar contaminado pelos contnuos vazamentos semtratamento.

    Periferias onde moram as classes populares quetrabalham fundamentalmente no centro das cidades,como serventes de classe mdia e alta, que precisamlocomover-se durante trs e quatro horas dirias, para

    ganhar salrios de misria.

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    - Em contraste com as reas urbanas, os limitesamorfos, degradados e desvalorizados das reas rurais enaturais ( espera de converter-se em urbanas). reassubmetidas presso especulativa e aos usos dos habi-tantes urbanos. Baias, rios, lagoas, de guas contamina-das. Florestas degradadas ou desmatadas... O rural co-mo anseio de prestgio e tranqilidade das classes soci-ais abastadas. As casas e condomnios de segunda resi-dncia nos fins de semana, frias, etc. O rural comoexplorao da natureza: Camping, golfe, turismo ecol-

    gico, etc.- A terra agrcola mal utilizada e pior distribuda. Quando

    o agro-negcio exportador prevalece perante a produo deprodutos agrcolas para cobrir as necessidades bsicas internasda populao nacional. J falamos da m distribuio da propri-edade da terra e da falta de uma verdadeira reforma agrcola.Este reforma agrcola seria a melhor reforma urbana possvel,evitando o grande e grave xodo migratrio campo-cidade, que

    ainda hoje continua.- A planificao urbana, como qualquer outra ci-

    ncia, no e neutra. Os critrios utilizados so de ordemtcnica, mas sobretudo de ordem poltica, pois essa pla-nificao urbana est inserida num dado sistema social.As grandes polticas sociais definiro tambm as polti-cas urbanas, os problemas, as prioridades, os programas

    e em ltimo termo os investimentos.- A Planificao urbana convencional da nossa sociedade

    capitalista tenta colocar ordem atravs dos Planos Territoriais,dos Planos Diretores das Cidades. Os documentos tcnicos deesses Planos tem como objetivo:

    Analisar os problemas urbanos e realizar diagnsti-cos das previses futuras num perodo temporal curto

    (entre 5 e 10 anos).

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    Distribuir e localizar racionalmente as diferentes fun-es urbanas: Habitao, produo, consumo, lazer, transporte...

    Definir as polticas pblicas e privadas para atingir asnecessidades sociais e urbanas decorrentes do diagnsticorealizado por esses Planos: Atividade Econmica, ServiosPblicos, Equipamentos, Moradia, Parques, Jardins, Ruas,Avenidas, Sistemas de Transporte Urbano, Infra-estruturasBsicas (gua, esgoto, eletricidade, gs, telefonia, etc).

    s vezes, os planos incluem listagens das atuaesprevistas, perodo de execuo, custo e entidade respons-vel por sua execuo. Mas normalmente esses itens ficamsem definir.

    - Na teoria tudo parece perfeito. Mas o que ocorre paraque na aplicao continuada de Planos e mais Planos Urbanos,nada d certo? O que ocorre para que as nossas cidades sejamum exemplo do que jamais poderia ter acontecido?

    - Os Planos Urbansticos so documentos tcnicos e pol-ticos que defendem os interesses das classes sociais abastadas,que em geral coincidem com os agentes urbanos com grandesinteresses especulativos; proprietrios de solo, grandes empresasconstrutoras e urbanizadoras, corporaes industriais e comerci-ais, companhias prestadoras de servios, etc, estes em geral vin-culados com os interesses das corporaes multinacionais (espe-cialmente nesta etapa neoliberal da globalizao capitalista). E

    como verdadeiros controladores do poder poltico e econmico,esses agentes governam a cidade como o lugar onde podemdesenvolver uns de seus maiores negcios e portanto as polticasque defendem os seus interesses.

    - Manter a ordem urbana implica, em primeiro lugar,ter evitado os problemas herdados, e em segundo lugar,resolver os problemas do presente. Mas isso s e possvelnuma outra sociedade, onde uma real democracia participa-

    tiva permita a expresso dos interesses populares e das con-

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    tradies sociais. Onde o poder pblico tome partido afavor dos interesses das maiorias populares e, finalmente,onde tenham um outro olhar para o urbano, o rural, o na-tural e o humano. Olhar, que permita incorporar tambm,como critrios fundamentais, os conceitos que vamos ver apartir de agora, sobre o urbanismo e a arquitetura ecolgi-ca, popular e de baixo custo.

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    5. Os princpios bsicos do urbanismo e daarquitetura ecolgicos.

    - Em primeiro lugar, temos que pensar na necessida-de de mudar radicalmente a tica anti-humana e antiecol-gica em que se sustenta nossa sociedade capitalista. Fun-damentalmente nos seguintes itens:

    1- A desigual distribuio dos recursos disponveis noplaneta Terra e, por tanto as desigualdades sociais decor-rentes.

    2- A produo e o consumo compulsivo de um n-mero cada vez maior de matrias e produtos que precisam,para sua materializao, da aplicao de grandes quantida-des de energias no renovveis, e que originam resduos oumateriais no reciclveis ou biodegradveis.

    3- Consumo depredador de materiais e energiasno renovveis, e produo de resduos no biodegra-

    dveis, que constituem o caminho para a destruioecolgica de nossas cidades (no mbito local), e da casacomum do planeta Terra, da sociedade humana que osustenta (no mbito global).

    4- A futura sustentabilidade de nosso planeta Ter-ra e de nossa sociedade tem que estar baseada no exem-plo do sistema ecolgico da biosfera: uso de energiasrenovveis e produo de materiais e resduos recicl-veis ou biodegradveis.

    Definitivamente temos que incluir os custos ambien-tais nas contas claras de outra economia ecolgica, susten-tvel e com justia social.

    - Entretanto, enquanto essa mudana radical no a-contece, deveramos estabelecer mecanismos de avaliao econtrole a respeito dos modelos atuais de uso e explorao

    do territrio e do habitat, com o intuito de aplicar os novos

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    valores ticos indicados anteriormente. As mudanas acon-tecero de forma inevitvel, lenta e progressiva, aplicadascada vez mais na nossa vida cotidiana, como garantia depreservao da nossa espcie humana e do nosso planetaTerra, do mesmo jeito que aconteceu com outras mudanasradicais em etapas anteriores e nos pases centrais. Hoje,essas mudanas devero acontecer para todos, pois os pro-blemas atuais esto interligados e globalizados. Na pocada globalizao vamos ter que globalizar a soluo dos pro-blemas sociais e ecolgicos.

    Neste contexto, a tomada de conscincia e a educa-o relativa aos problemas sociais e ambientais, sero partede uma tarefa fundamental que temos que comear a reali-zar hoje, evitando que seja tarde demais.

    - Um territrio e um habitat onde tenham resposta osdireitos de cidadania e s necessidades bsicas e sociais dasmaiorias. Moradia, bairro e seu ambiente social, educao ecultura, sade e lazer, equipamentos e servios bsicos.Baseados em princpios ticos de reconhecimento da fun-o social da propriedade do solo e da necessidade de defi-nir e priorizar polticas pblicas de emprego, infra-estruturas, moradia popular, dentre outros fatores quepermitam colocar em prtica a sustentabilidade, a equidadee justia social.

    - Partir da realidade atual de nossas cidades e da utili-

    zao de todos os recursos disponveis para reverter e reuti-lizar as potencialidades que permite o olhar com tica evalores sociais verdadeiros. Por exemplo, utilizar os espaosconstrudos e moradias vazias para diminuir as necessidadesde alojamento. Recuperar os territrios e habitats existen-tes, aplicando, por fim, conceitos e tcnicas de reutilizaoecolgica. Vamos ter que partir do existente, da sua reutili-zao e melhora para criar um novo futuro. Vamos ter que

    pensar de novo no urbanismo da austeridade.

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    - Respeito absoluto pelos recursos naturais: florestas,manguezais, rios, lagoas, baias, mar, etc. Agir no territrio eno habitat preservando esses elementos naturais. O melhorurbanismo, o melhor habitat aquele que se integra natu-reza. Natureza incorporada em nosso habitat urbano. Natu-reza de rvores e vegetao por todo canto.

    - Entre os recursos naturais, destacar a qualidade dagua, do ar, do solo e subsolo, controlando as fontes decontaminao (redes de esgoto e sistema de tratamento,poluio por gases, lixes, vertidos incontrolados de inds-

    trias, hospitais, etc).- Um territrio e um habitat, mistura de urbano e ru-

    ral, onde a natureza forme parte do urbano (praas, jardins,ruas arborizadas, hortos, cultivos, etc), e onde as vantagensdo urbano (densidade de relaes sociais e culturais), for-mem parte do rural. Ao exemplo das cidadezinhas herdadasdo passado, com altas e meias densidades, mas de pequeno

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