Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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PRESENÇA DE CONCEITOS ESPONTÂNEOS E CIENTÍFICOS
EM REDAÇÕES DE VESTIBULARES: CONTRIBUIÇÕES DA
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL
PEREIRA, Terezinha Lima (UEM)1
GASPARIN, João Luiz (UEM)2
Introdução
As dificuldades que cerceiam os processos de construção do gênero textual
dissertativo, especialmente quando exigido como passaporte para o ingresso no ensino
superior, representam sérias complicações para o futuro do acadêmico, que enfrenta o
vestibular em situação de tensão e cobranças.
A produção textual há algum tempo vem sendo considerada uma das formas de
avaliação do conhecimento. Em muitos casos serve de ponto de partida para o ingresso
no mundo do trabalho. É como se o texto se transformasse na “impressão digital” do
aluno quando disputa uma vaga. Por meio de suas marcas é possível identificar níveis e
hábitos de leitura. Ao dissertar sobre um tema qualquer, ele revela o grau de
complexidade de seu pensamento. É possível, neste caso, recuperar o contexto de
origem de elaboração do pensamento e perceber se as estruturas são simples ou
complexas.
A leitura é condição inerente à produção textual, sem ela é praticamente
impossível a elaboração de textos coerentes e críticos, independentemente do gênero.
No Ensino Superior, geralmente, os esforços se voltam para a formação do
profissional que o mercado aguarda, e as reais necessidades dos alunos dificilmente
serão sanadas, principalmente porque são “lacunas” originadas da Educação Básica,
1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá – UEM. [email protected] 2 Doutor em História e Filosofia da Educação pela Universidade Católica de São Paulo, docente e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual de Maringá- PR.
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que, por diversas razões, não conseguiu que o aluno desenvolvesse o pensamento
conceitual.
Considerando que a formação dos “conceitos espontâneos” antecede a formação
dos “conceitos científicos”, podemos indagar: ampliar os “conceitos espontâneos” dos
alunos pode também ser tarefa da escola? Como a escola pode promover isso? É
importante que os pais tomem consciência de que os conhecimentos adquiridos na
família são importantes para a escola? Por que razão muitos alunos concluem a
Educação Básica e não se apropriam de conceitos básicos, inerentes a este nível escolar?
No decorrer desse estudo buscaremos, de alguma forma, responder a essas
questões com base nos pressupostos da Teoria histórico-cultural.
Nossa intenção, ao desenvolver esse estudo, é provocar reflexões sobre a origem
dos fatores que impedem a formação desses conceitos, bem como as generalizações
tendo em vista a importância que exercem no desenvolvimento escolar do aluno.
Buscamos contribuir, do ponto de vista teórico e prático, com a melhoria da prática
docente e, consequentemente, com a formação discente, por meio de uma análise textual
que explicite as dificuldades presentes nas redações de vestibulares.
As experiências vivenciadas pelos pesquisadores como docentes na Educação
Básica e Superior, atuando como professores de Língua Portuguesa e Filosofia,
membros de comissão de correção de redações de vestibular, pesquisadores e outras
funções, demonstraram que para muitos alunos a conclusão da Educação Básica e a
aprovação em provas de vestibulares não garante as condições prévias necessárias para
acompanhar um curso superior. Neste nível de ensino, as dificuldades ficam explícitas
para os professores, especialmente na falta de clareza em relação ao que são conceitos
científicos e cotidianos, fato este percebido em atividades específicas como orientação
de artigos, monografias, avaliações e outros trabalhos.
Diante do exposto, consideramos ter apresentado os principais motivos que
justificam estudar a presença dos “conceitos espontâneos e científicos” e as
potencialidades de “generalizações” em textos dissertativos de candidatos que buscam
ingressar no ensino superior.
A Teoria histórico-cultural no contexto educacional
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As ideias de Vygotsky influenciaram substancialmente o âmbito educacional na
contemporaneidade. Suas contribuições podem ser vistas nas áreas da psicologia e da
educação e se tornaram referência teórica para muitos educadores e também direcionam
o trabalho educativo de muitas instituições de ensino. Suas pesquisas tinham as crianças
como foco central, embora ele tenha elaborado importantes contribuições teóricas
envolvendo adolescentes e adultos.
A educação, que busca constantemente bases para sustentar e dar sentido a suas
práticas encontra em Vygotski contribuições valiosas. A ótica pela qual observou
questões envolvendo a educação encontrou continuidade no olhar de muitos estudiosos.
O estudioso russo dedicou-se, principalmente, ao estudo das “[...] funções
psicológicas superiores ou processos mentais superiores”. Buscou compreender “[...] os
mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser
humano e que envolvem o controle consciente do comportamento, a ação intencional e a
liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes”
(OLIVEIRA, 2010, p. 28).
As chamadas “[...] funções psicológicas superiores [...] que consistem no modo
de funcionamento psicológico tipicamente humano, tais como a capacidade de
planejamento, memória voluntária, imaginação [...]” receberam especial atenção em
suas pesquisas. Vygotsky considerou estes processos mentais sofisticados e superiores,
referindo-se “[...] a mecanismos intencionais, ações conscientemente controladas
processos voluntários que dão ao indivíduo a possibilidade de independência em relação
às características do momento e espaço presente” (REGO, 2008, p. 39).
As funções psicológicas superiores se desenvolvem através da mediação da
relação do homem com o mundo e com os outros homens. Dois elementos básicos
fazem parte desta mediação: “[...] o instrumento, que tem a função de regular as ações
sobre os objetos; e o signo, que regula as ações sobre o psiquismo das pessoas.” A
espécie humana muito evoluiu com a invenção desses elementos mediadores. Vygotsky
esclarece que “[...] o uso de instrumentos e dos signos, embora diferentes, estão
mutuamente ligados ao longo da evolução da espécie humana e do desenvolvimento de
cada indivíduo” (apud REGO, 2008, p.50-51).
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O surgimento da linguagem permitiu ao homem relacionar-se com objetos
presentes e ausentes de forma especial. Vygotsky explica três situações nas quais a
linguagem se envolve: A primeira se relaciona ao fato de que a linguagem permite lidar com os objetos do mundo exterior mesmo quando eles estão ausentes. Por exemplo, a frase ‘O vaso caiu’ permite a compreensão do evento mesmo sem tê-lo presenciado, pois operamos com esta informação internamente. A segunda se refere ao processo de abstração e generalização que a linguagem possibilita, isto é, através da linguagem é possível analisar, abstrair e generalizar as características dos objetos, eventos, situações presentes na realidade. Como, por exemplo, a palavra “árvore” designa qualquer árvore [...]. A terceira está associada à função de comunicação entre os homens que garante, como consequência, a preservação, transmissão e assimilação de informações e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história. (REGO, 2008, p. 53-54).
As possibilidades da linguagem transformaram as relações do homem com o mundo e
permitiram a ele elaborar atividades psicológicas superiores, diferentes das ações realizadas por
meio de “[...] mecanismos elementares tais como ações reflexas [...] reações automatizadas [...],
ou processos de associação simples entre eventos [...]” (OLIVEIRA, 2010, p. 28).
O funcionamento dos processos psicológicos pode ser compreendido com mais clareza
pelo conceito de “mediação”. Vygotsky entende que [...] a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente, uma relação mediada. As funções psicológicas superiores apresentam uma estrutura tal que entre o homem e o mundo real existem mediadores, ferramentas auxiliares da atividade humana [...] os instrumentos e os signos (apud OLIVEIRA, 2010, p. 29).
Os instrumentos e os signos, mesmo possuindo certa semelhança entre si, devem
ser vistos em separado, dadas as diferentes características de cada um. Nesse sentido,
Vygotsky (apud OLIVEIRA 2010, p.31-32) descreve as principais atribuições desses
instrumentos:
A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.), é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho.
Sobre essas duas ferramentas auxiliadoras da atividade humana, destacamos, com base em
Oliveira (2010, p. 32), a relação existente entre o indivíduo e esses elementos mediadores.
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Os instrumentos são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora dele; sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da natureza. Os signos são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas.
Assim, os signos auxiliam nos processos psicológicos, enquanto que os
instrumentos auxiliam nas ações concretas. Conforme Oliveira, a utilização de marcas
externas, aos poucos, vai se transformando em processo interno de mediação, chamado
por Vygotsky de “processo de internalização”. O indivíduo, ao longo do seu
desenvolvimento, vai deixando as marcas externas e usando signos internos, ou seja,
“[...] representações mentais que substituem os objetos do mundo real” (2010, p.36).
Vygotsky concluiu que as funções psicológicas superiores devem ser buscadas
nas relações sociais entre o indivíduo e os outros homens “[...] o fundamento do
funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto, histórico” (apud
OLIVEIRA, 2010, p. 41).
A questão da linguagem recebeu de Vygotsky especial atenção e é entendida,
conforme Rego (2008, p. 53), como um sistema simbólico fundamental em todos os grupos humanos, elaborado no curso da história social, que organiza os signos em estruturas complexas e desempenha um papel imprescindível na formação das características psicológicas humanas.
Embora seja ponto pacífico a identificação do pensamento com a linguagem,
esclarece alguns aspectos importantes que nos levam a perceber que a relação do
indivíduo com a linguagem ultrapassa o campo do pensamento e abrange outras esferas
desse mesmo processo. Assim, [...] Quem funde pensamento com linguagem fecha para si mesmo o caminho para abordar a relação entre eles e antecipa a impossibilidade de resolver a questão. [...] Quem considera a linguagem uma expressão externa do pensamento, a sua veste, quem [...] tenta libertar o pensamento de tudo o que ele tem de sensorial, inclusive a palavra, e conceber a relação entre pensamento e palavra como um vínculo puramente externo, tenta, de fato, resolver a seu modo o problema da relação entre pensamento e palavra (VYGOTSKY, 2000, p. 3).
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Vygotsky, ao perceber a complexidade que envolvia a natureza psicológica do
significado da palavra, realizou diversos experimentos e concluiu que o significado [...] não está onde se costuma procurar. A palavra nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ou classe de objetos. Por essa razão, cada palavra é uma generalização latente, toda palavra já generaliza e, em termos psicológicos, é antes de tudo uma generalização. (REGO, 2008, p. 9).
Conforme Rego (p. 10), o significado da palavra, “[...] do ponto de vista
psicológico, tem na sua generalização um ato de pensamento na verdadeira acepção do
termo. Ao mesmo tempo, porém, o significado é parte inalienável da palavra como tal,
pertence ao reino da linguagem tanto quanto ao reino do pensamento”.
Sobre a formação de conceitos Vygosky afirma que estes começam a se
desenvolver na infância, envolvem as funções mentais superiores e é um processo
mediado por signos, que se constituem no meio para a sua aquisição. Contudo, as
funções intelectuais básicas para esse desenvolvimento aparecem somente aos 11, 12
anos, idade considerada mais apropriada para realizar abstrações para além dos
significados relacionados às suas práticas imediatas.
Os conceitos são compreendidos “[...] como um sistema de relações e
generalização contidas nas palavras, e determinado por um processo histórico-cultural:
são construções culturais, internalizadas pelos indivíduos ao longo de seu processo de
desenvolvimento” (REGO, 2008, p. 76). “Se a generalização foi construída de
determinada maneira, umas operações lhe serão impossíveis e outras possíveis”
(VYGOTSKY, 2001, p. 519).
Concorre para a formação dos conceitos a idade, as experiências e o contexto
histórico-cultural que apresentam situações que exigem atividade intersubjetiva, da
criança ou do adulto, necessária à apropriação de significados da linguagem que,
consequentemente, contribui para a formação de conceitos. Vygotsky chamou de
cotidianos ou espontâneos os conceitos construídos na experiência pessoal, concreta e
cotidiana, construídos a partir da observação, manipulação [...]. “Os conceitos
elaborados na sala de aula, adquiridos por meio do ensino sistemático e das interações
escolarizadas denominou-os de científicos” (REGO, 2008, p. 77).
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Na concepção de Vygotsky, “[...] todo conceito científico deve apoiar-se em
uma série de conceitos espontâneos que germinaram até chegar à escola e transformá-
los em científicos”. Além disso, “[...] tanto os conceitos científicos se apoiam em uma
série de informações anteriormente adquiridas quanto o desenvolvimento dos conceitos
espontâneos se realiza não só de baixo para cima, mas também a partir daqueles
conhecimentos que os adultos enviam de todos os lados para a criança” (2001, p. 543-
539).
“A potencialidade dos conceitos científicos na promoção do desenvolvimento
não pode ser considerada uma condição inerente ao ensino”, é o que explica Sforni ao
citar Davydov que considera a apropriação como “o processo de desenvolvimento, mas
somente sob certas condições, a saber, quando envolve o domínio de métodos e formas
gerais de atividade mental” (2004, p. 3).
No processo de formação de conceitos, Vygotsky (2000; 2001) percebe três
fases:
a) o pensamento sincrético – nesta fase a criança realiza os primeiros
agrupamentos, de forma desordenada, subjetiva, ainda não é capaz de formar classes
entre os diferentes atributos dos objetos, apenas os agrupa formando amontoados. Nessa
fase, os objetos concretos e as situações empíricas são percebidos com maior facilidade.
Dessa forma, se for solicitada a formar grupos com diferentes objetos (plantas, animais,
objetos de cozinha...), poderá juntá-los por acaso, sem que exista relação entre si como,
por exemplo, animais e objetos de cozinha.
b) pensamento por complexos – baseia-se nas experiências imediatas; a criança
é capaz de formar um ou mais conjuntos de objetos pela percepção de ligações
concretas entre componentes diferentes. Nessa fase, já é capaz de perceber e isolar
certas singularidades de um todo ou de um objeto. O agrupamento ocorre por
características complementares, semelhanças concretas ou por qualquer relação que ela
perceba entre os objetos. O desenvolvimento do pensamento por complexo, para
Vygotsky, representa um agrupamento concreto de objetos e fenômenos, unido por
ligações, denominado “pseudoconceito”. As conexões entre o pensamento concreto e o
abstrato têm início nesta fase, e se aproxima do pensamento conceitual de um adulto.
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c) O pensamento conceitual, terceira fase, ocorre com base na determinação e
na separação de variados atributos do objeto, situando-o em uma categoria específica - o
conceito abstrato codificado numa palavra; em outras palavras a criança se mostra capaz
de pensar o concreto. Em síntese conclui que o conceito é impossível sem a palavra e o
pensamento conceitual não existe sem o pensamento verbal.
Na concepção de Vygotsky (2000), “O processo de formação de conceitos
pressupõe, como parte fundamental, o domínio do fluxo dos próprios processos
psicológicos, através do uso funcional da palavra ou do signo”. Isso explica porque a
formação dos conceitos é alcançada com mais facilidade na adolescência, pois nessa
fase há maior domínio do fluxo dos “[...] próprios processos de comportamento com o
emprego de meios auxiliares” (p. 172).
Sforni & Galuch (2009, p. 116) explicam
que os conceitos científicos, portadores de um grau mais elevado de abstração, não são tão evidentes nos fenômenos e contextos; para que sejam adquiridos, é preciso que a consciência do sujeito lhes seja intencionalmente dirigida. Caso contrário, corre-se o risco de não haver apropriação do conceito e de se manter na superficialidade dos fenômenos.
As próprias autoras alertam que a inserção do “[...] estudante em situações de
uso do conhecimento, pode não ser tão favorável à aprendizagem conceitual [...]. É
preciso que o conceito esteja explícito, para que possa ser conscientizado pelos alunos
na condição de um instrumento de generalização” (SFORN & GALUCH, 2009, p. 117).
Para a organização escolar do ensino de conceitos, as autoras (2009) recorrem
aos esclarecimentos feitos por Leontiev nos quais questiona as condições em que o
aluno se conscientiza e afirma “que o objeto da consciência é aquele para o qual se
dirige a atenção do sujeito”.
Conforme Leontiev (apud SFORNI & GALUCH, 2009), Para que um conteúdo possa conscientizar-se é necessário que este ocupe dentro da atividade do sujeito um lugar estrutural de objetivo direto da ação e, desse modo, entre em uma relação correspondente com o motivo desta atividade. Este postulado tem validade tanto para a atividade interna como para a externa, tanto para a prática como para a teórica (p. 120).
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Na visão de Sforni “A apropriação da cultura é propiciada pela educação, tendo
a educação escolar um papel significativo”. Assim sendo, [...] o acesso ao ensino não é apenas direito do cidadão, ou apenas necessário à formação para o trabalho; nem se destina a desenvolver resistência ou adequação do indivíduo à sociedade; mas é condição para aquisição de instrumentos cognitivos que permitam o trânsito consciente no interior da sociedade em que está inserido, e é meio de se adquirir competência no uso de signos, códigos e instrumentos desenvolvidos socialmente (2004, p. 23).
Assim sendo, o processo do conhecimento e a aprendizagem propriamente dita
resultam na apropriação da experiência sócio-cultural, através da mediação. A prática
pedagógica é parte integrante da formação dessas capacidades e a aprendizagem,
consequentemente, é a garantia de sua aquisição.
Definidos os elementos teóricos que nortearam esse estudo passamos para a
metodologia que conduziu a análise dos conceitos espontâneos e científicos e suas
possibilidades de generalizações em provas de vestibulares.
Metodologia
A abordagem foi realizada sob a orientação de elementos teóricos da Teoria
histórico-cultural, especialmente os conceitos espontâneos e científicos e as
generalizações. As redações foram digitadas para viabilizar a leitura e conservou-se a
originalidade da estrutura da forma e do conteúdo. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica, de natureza qualitativa, orientada por meio da técnica de análise de
conteúdo. Esse tipo de análise “pode constituir-se de qualquer material oriundo de
comunicação verbal ou não-verbal, como cartas, cartazes, jornais, revistas, informes,
livros, relatos autobiográficos, discos’ [...] (MORAES, 1999, p. 7-32). O objeto dessa
análise compõe-se de duas redações de vestibular, realizadas em janeiro de 2011, em
instituição privada, localizada na região Centro Oeste do Paraná.
Os textos que serviram de apoio para a elaboração das redações foram
referenciados pela abreviatura: TA1, TA2, TA3. As redações foram denominadas de R1
e R2. Assim codificadas, foram analisadas no sentido de abstrair, isolar e explicar o
grau de “generalizações” e os “conceitos espontâneos e científicos” presentes nos
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textos. Desse modo, apresentamos a seguir os textos de apoio norteadores da proposta
de redação do vestibular. Em seguida discorremos sobre algumas perspectivas a respeito
das quais o tema poderia ser abordado. As redações e suas respectivas análises
encontram-se após a apresentação dos textos-base. Cada redação está distribuída no
decorrer da análise e sua totalidade pode ser recuperada pela referência R1 e R2.
Tema de Redação TA1: Enchentes: o excesso de chuvas é o único responsável pelo desastre? Um ano após o deslizamento de terras que matou cerca de 50 pessoas em Angra dos Reis, o
Estado do Rio de Janeiro voltou a sofrer as consequências das fortes chuvas de verão. Neste
ano foram mais de 700 mortes na região serrana, motivo de comoção nacional. A Austrália
também foi tomada por fenômeno semelhante, mas lá a enchente, que deixou mais de 3,5 mil
desalojados, matou apenas cerca de 30 pessoas. A comparação entre o que ocorreu nos dois
lugares dá o que pensar, principalmente quando se leva em conta que, segundo muitas
previsões, há mudanças climáticas em curso e o volume de chuvas pode aumentar
gradativamente ao longo do século. A questão é se o homem está totalmente à mercê das forças
naturais e nada pode fazer diante da fúria da natureza ou se existem formas de prevenir os
desastres e proteger-se deles. Fonte: http://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes, acesso em 20/01/2011.
TA2: Previsão do tempo Ignorando evidências sobre eventos climáticos extremos, governantes abandonam populações à
mercê de inundações e deslizamentos Todo ano o discurso se repete. Diante dos desastres
provocados pelas chuvas, autoridades das diversas esferas se referem ao caráter excepcional,
inédito, fora do normal, das precipitações que acabaram de ocorrer. Não mentem ao dizer isso
- mas a constatação não lhes serve de desculpa. O aumento de episódios de chuvas extremas
era previsível, diante do crescimento desordenado das cidades e da mudança climática
provavelmente em curso no planeta. Em São Paulo ou em qualquer outra região do país, as
projeções do clima ganham cada vez mais precisão e credibilidade, mas não apontam para
fenômenos novos. Enchentes e deslizamentos se repetem todos os verões, assim como as
promessas de que não voltarão a ocorrer no próximo. Os governantes não agem na medida do
necessário para adaptar as cidades brasileiras a uma situação que se agrava, a olhos vistos, de
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ano para ano. E que não se explica só por "causas naturais": surgem na medida da
irresponsabilidade humana, em sua repetição e em seus trágicos efeitos.
Fonte: Folha de S.Paulo, editorial, 16 de janeiro de 2011. TA3: O emergente submergiu
No caso da tragédia do Rio, é só somar 1+1+1 e o resultado inexorável será a incompetência
do poder público e o retrato de um país que tem mais de submergido que de emergente.
Primeiro 1 - O "Jornal Nacional" de quinta-feira mostrou que choveu mais em Portugal e na
Austrália do que no Rio de Janeiro. Mas o número de mortos no Rio foi esmagadoramente
superior. Segundo 1 - O serviço de meteorologia emitiu aviso especial sobre a iminência de
fortes chuvas precisamente nas áreas que acabaram sendo devastadas. Uma das prefeituras
reconheceu ter recebido o aviso cinco horas antes da explosão. Nada foi feito. Terceiro 1 - A
manchete desta Folha, ontem, mostra que desde 2008 o Rio de Janeiro sabia perfeitamente que
havia riscos tremendos nas cidades que foram as principais vítimas. O que foi feito? Nada.
Tudo somado, o que se tem é o óbvio fato de que chuvas torrenciais podem acontecer,
deslizamentos formidáveis também - e, até aí, a culpa é só da natureza-, mas falta, no Brasil,
acontecer a prevenção. (Fonte: Clóvis Rossi, Folha de S.Paulo, 16 de janeiro de 2011).
Com base nos textos acima, elabore sua redação sobre o tema Enchentes: o excesso de
chuvas é o único responsável pelo desastre?
Os textos acima relatam alguns fatos decorrentes de eventos climáticos como
chuvas torrenciais, enchentes, deslizamentos e também o crescimento desordenado das
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Para a sua interpretação tem-se o pressuposto de
que o aluno, durante a Educação Básica, tenha internalizado e compreendido
determinados conceitos associados ao tema, e pode recorrer à memória para retomar,
discutir e ampliar os argumentos apresentados nos textos sugeridos como base. Esses
argumentos, no entanto, não devem ser extraídos do senso comum e sim dos “conceitos
científicos”, potencialmente generalizados, de forma ordenada, coerente e crítica. Assim
poderá elaborar o seu texto, argumentando e compreendendo que o excesso de chuvas
não é o único fator responsável pelos desastres ambientais, há outros, entre eles: o lixo,
que é despejado a “céu aberto” e obstrui a passagem da água pelas galerias e tubulações,
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impedindo o seu escoamento; o desmatamento, especialmente de matas ciliares, a baixa
permeabilidade do solo em determinadas regiões, as residências construídas em áreas de
risco, o assoreamento dos rios, o solo impróprio para a construção, a falta de
fiscalização e prevenção por parte da Defesa Civil e de outros órgãos competentes e,
sobretudo, a falta de conscientização da sociedade.
Cada desdobramento do tema poderia ser recortado para a elaboração da
dissertação. Esse gênero textual exige conhecimento de sua forma estrutural:
introdução, desenvolvimento e conclusão.
Logo na introdução, o leitor espera encontrar o tema central e as ideias que serão
defendidas ao longo do texto. O desenvolvimento é a parte do texto na qual se discutem
as ideias, por meio de argumentos originados dos conceitos científicos, estudados nas
diversas disciplinas que fazem parte do currículo na educação básica, especialmente as
de Ciências e Geografia.
Finalmente, na conclusão, o desfecho do assunto. Essas etapas de construção
textual deveriam ser elaboradas com a norma padrão da escrita e, em cada uma o aluno
deveria demonstrar capacidade para opinar, selecionar, relacionar, criar e interpretar,
bem como apresentar domínio pleno das “funções psicológicas superiores”, “conceitos
científicos” e capacidade para “generalizações”.
Considerando os elementos metodológicos que embasam esse estudo,
apresentamos as redações elaboradas pelos alunos e suas respectivas análises. O todo de
cada redação pode ser recuperado pela observação dos fragmentos isolados para análise;
estes seguem a estrutura do texto dissertativo, introdução, desenvolvimento e conclusão.
Nesta sequência, cada fragmento da R1 e da R2 analisado está referenciado.
R1- Título: Problemas de chuvas nas cidades brasileiras
Iniciamos a análise da R1 apresentando a sua introdução e os possíveis
argumentos a serem defendidos: Em um Brasil tão lindo e exulberante, as chuva em algumas cidades criou pesadelo para os moradores. Tanto enchentes quanto deslizamentos se tornou perigo (Introdução R1).
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Nota-se que o aluno tinha o propósito de desenvolver no mínimo dois conceitos:
“enchentes e deslizamentos”. Entretanto, prossegue dizendo:
No Rio de Janeiro em menos de dois anos foram dois deslizamentos deixando mais de 700 mortes e muitos desabrigados na região serrana. Governantes dessas cidades com riscos de que esses fenomeno podem acontecer, deixam de lado moradores dessas regiões com a promessa de que essas catástrofes não se repetirão novamente. Governos não se adaptam de forma adequada para se preparar às chuvas. (Desenvolvimento R1)
Nota-se que os vocábulos “enchentes e deslizamentos” são retomados no
desenvolvimento e apresentam como informação complementar o lugar onde ocorreram
(região serrana do Rio de Janeiro), a quantidade de vítimas desabrigadas (700) e a
informação de que em dois anos ocorreram dois deslizamentos, informações que já
constavam no TA1 o que constitui uma repetição. Nesse sentido, a tentativa de
apresentar informações novas não se concretiza e os “conceitos espontâneos” se
fortalecem.
Na tentativa de generalizar as ideias sugere o desenvolvimento de novos
argumentos que não foram apresentados na introdução, mas que aparecem no
desenvolvimento, entre eles inferimos: responsabilidade do poder público e ações de
prevenção. Algumas expressões, como por exemplo, “fenômeno”, “catástrofes”,
parecem ensaios de estruturas cognitivas mais elaboradas, criam expectativas no leitor,
que aguarda informações imprevisíveis, novas, esclarecedoras do problema. No entanto,
as ideias se resumem no sentido da própria palavra, sem qualquer relação conceitual.
Embora Vygotsky tenha afirmado que “toda palavra é uma generalização” e
esta, por sua vez, “um excepcional ato verbal do pensamento”, isto não significa
garantia de sentido e organização do pensamento, conforme se nota no fragmento
anterior. Dando continuidade, o texto apresenta o segundo parágrafo do
desenvolvimento:
Hoje, com muitos recursos, nas grandes (chuvas) metropolis, se tem muito previsibilidade de chuvas extremas. Então porque a prefeitura da cidade não toma alguma providencia antes de acontecer? (Desenvolvimento R1)
A forma de pensar o problema indica a presença do “pensamento por
complexo”. A generalização é extraída de “conceitos espontâneos”, já que não há
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qualquer acréscimo de informações novas, oriundas de “conceitos científicos”,
necessários à elaboração de estruturas cognitivas mais complexas. Os argumentos
seguintes mostram um pensamento um pouco mais complexo e potencialmente mais
próximo do “pensamento conceitual”.
Governantes do nosso Brasil deveriam tomar alguma atitude em relação à esses acontecimentos providenciar ajuda para moradores de regiões ameaçadas, ou mais quantas vidas se desperdiçaram enquanto eles ficam de braços cruzados (conclusão R1).
A proximidade pode ser percebida no posicionamento mais situado do aluno
perante o problema. Os problemas referentes à concordância verbal e nominal, bem
como o uso inadequado da ortografia indicam pouca leitura, logo justificam as
dificuldades na formação precisa do “pensamento conceitual”. Além disso, revelam a
presença da oralidade no uso da linguagem, permitindo-nos inferir que o aluno ainda
cultiva “conceitos espontâneos”, oriundos do cotidiano.
As potencialidades cognitivas percebidas nessa redação demonstram que a
conclusão da educação básica não assegurou a este aluno a internalização do
“pensamento conceitual”, principalmente sobre o tema que deveria abordar na
dissertação, consequentemente, sua capacidade cognitiva não permite generalizações
mais complexas, coerentes e críticas acerca do tema. Assim, os “conceitos espontâneos”
baseados no senso comum acabam predominando no texto.
Os termos: “exulberante”, “chuva”, “criou”, “se tornou”, “dessas cidades”,
“fenomeno”, “metropolis”, “providencia”, “à”, “desperdiçaram” foram empregados no
texto de modo não consciente, e também demonstram a presença de conceitos
espontâneos. As regras de concordância verbal e nominal também foram rompidas, o
termo “dessas” é usado como elemento de retomada de um referencial inexistente, a
grafia e a acentuação explicitam alguns dilemas envolvendo o processo de ensinar e
aprender.
As dificuldades percebidas na R1 trazem à tona problemas que acompanharam o
seu autor durante a educação básica e, possivelmente irão acompanhá-lo no ensino
superior, cujo enfoque está centrado na dimensão técnico-científica e não no
preenchimento de “lacunas” originadas dos níveis escolares que o precedem.
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Os problemas mais visíveis da R1 são suficientes para perceber que o aluno
possui dificuldade no uso da norma padrão da escrita. A linguagem utilizada não indica
relações com textos científicos, as palavras são colocadas de modo não consciente, o
que nos permite inferir que, mesmo tendo concluído a educação básica regular, exceto
se foi aluno da EJA (educação de jovens e adultos), não conseguiu internalizar conceitos
fundamentais de uso da língua e isso interfere na produção de sentidos, pois o aluno, ao
mesmo tempo em que apresenta tais dificuldades, demonstra também pouco domínio na
elaboração do “pensamento conceitual”, comprometendo, consequentemente, as
generalizações, já que as operações cognitivas mais complexas não lhes são permitidas.
R2 - Desastres provocados A R2 apresenta uma estrutura confusa de pensamento. Na introdução, uma
pergunta deslocada e uma afirmação demonstram as dificuldades para iniciar a
discussão, conforme segue:
Culpa da natureza? Desde a antiguidade o homem vem evoluindo e progredindo como espécie, trazendo consigo há tempo sua ambição e acabando com o mundo, por assim dizer (Introdução R2).
A generalização expressa neste fragmento poderia ser considerada se outras
expressões, como por exemplo, “por assim dizer” e “Culpa da natureza?” não
denunciassem a presença da oralidade, da escassez de vocabulário e do senso comum.
Por isso, pouco vale “rechear” o texto usando termos como “homem”, “antiguidade”,
“espécie”, “ambição”, se esses se encerram na incapacidade de o aluno expressar o que
significam e o tipo de relação que o homem tem com eles.
Embora Vygotsky (2000) tenha percebido que na adolescência a formação de
conceitos é alcançada com mais facilidade decorrente de um domínio maior do fluxo
dos processos psíquicos, a idade, nesta análise, não representou fator determinante nessa
formação.
A discussão do assunto continua e uma conjunção adversativa (mas) dá início a
um “chavão” empregado fora de contexto. Outros elementos sequenciadores poderiam
ser usados, todavia o limitado vocabulário constitui fator de impedimento. Com poucos
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recursos linguísticos e cognitivos, o candidato busca desenvolver o texto e apresenta um
novo raciocínio: Mas como para cada ação existe uma reação, agora em consequência de tantas “provocações” a natureza está nos respondendo de forma que merecemos Chuvas tremendas têm nos assolado, causando deslizamento formidaveis, e enchentes em diversos lugares, trazendo mortes, doenças, pessoas desabrigadas, famílias desesperadas e todo tipo de sofrimento, dia após dia. (Desenvolvimento R2).
O emprego de uma frase, cujo uso está desgastado, serve para dar continuidade
ao texto. A ideia que vem na sequência, “agora em consequência...” sugere “vingança”
da natureza, construída com base em conceitos espontâneos. Fica difícil imaginar que
tenham sido elaborados por um candidato ao ensino superior. As dificuldades para a
elaboração de estruturas cognitivas mais complexas indicam ausência de leitura e
prática com a escrita. Dando sequência, escreve: Houve previsão, havia possibilidade mas nenhuma medida foi tomada. E por isso que o motivo de tantos desastres provocados pelas chuvas não se dá apenas por causas naturais mas irresponsabilidade humana. (Desenvolvimento R2).
Esse fragmento poderia ter sido desenvolvido com base em conceitos científicos,
originados nas aulas de geografia, ciências e outras. Entretanto, o autor do texto parece
não possuir condições de explicar o que entende por “previsão”, “causas naturais”,
“irresponsabilidade humana”. O leitor fica na expectativa, esperando encontrar
informações novas, mas as palavras usadas são insuficientes, seus sentidos estão em
outras palavras (Vygotsky), próximas do texto, porém imperceptíveis ao aluno. Se
fossem percebidas e captadas poderiam ampliar a ideia relacionada às possibilidades de
previsão de catástrofes, explicitando leituras anteriores, originadas de conceitos
científicos. A generalização percebida, em termos psicológicos, representa uma frágil
organização cognitiva do pensamento. O modo de argumentar para responsabilizar a
sociedade é amparado pelos conceitos espontâneos. Para finalizar seu texto, expõe: Agora o que não pode ocorrer é ficarmos com os braços cruzados, esperando tudo passar. Medidas precisam ser tomadas, depressa (conclusão R2).
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No decorrer do texto, termos como “evoluindo”, “progredindo”, “respondendo”
(gerundismo), “por assim dizer”, “para cada ação existe uma reação” (chavão, uso
desgastado e ausência de pontuação), “merecemos” (moralismo), “deslizamento
formidaveis” (adjetivação imprópria, ausência de acentuação e emprego inadequado do
plural). “Houve previsão, havia possibilidade” (falta complemento), “com os braços
cruzados” (chavão). O emprego desses termos revela pouca habilidade para articular o
texto, percebe-se claramente um processo de generalização insuficiente, decorrente de
operações cognitivas simples. Os ensaios de conceitos científicos se encerram nas
próprias palavras, cujo sentido se restringe ao próprio texto.
Os “erros” ortográficos encontrados na R2 também apontam para as práticas
pedagógicas com as quais teve contato nos anos iniciais do ensino fundamental, etapa
na qual a ortografia recebe maior atenção e é exercitada com mais intensidade. Mesmo
assim, por razões desconhecidas e praticamente impossíveis de serem explicitadas, não
se apropriou da grafia correta de certas palavras.
O advérbio “agora”, empregado no intuito de encerrar o assunto, não é o melhor
recurso para essa finalidade. O uso de outro chavão “braços cruzados” contribui para o
baixo grau de informação textual. A conclusão se transforma em uma generalização
baseada em “conceitos espontâneos” que sugere uma tomada de consciência, sem
apresentar um ponto de partida.
Contudo, ainda não podemos afirmar as causas que resultaram na
impossibilidade de elaboração de conceitos científicos e de generalizações conscientes,
mas podemos inferir causas possíveis, entre elas: uso não consciente e funcional da
palavra no interior do texto e fora dele, idade incompatível no momento em que
determinados conteúdos foram trabalhados, dificuldade de domínio do fluxo do próprio
processo psicológico, ausência de condições apropriadas para a promoção do
desenvolvimento, interferência de uma formação docente incapaz de promover e mediar
situações efetivas de aprendizagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Os dilemas envolvendo o processo de ensinar e aprender são velhos conhecidos
no âmbito escolar. Igualmente velhas são as tentativas de transformar a escola num
espaço que assegure o desenvolvimento integral do aluno.
As dificuldades na elaboração do pensamento conceitual são alarmantes,
principalmente porque os candidatos ao ingresso no ensino superior já freqüentaram a
Educação Básica. Como são ingressantes tem-se o pressuposto de que terão de 4 a 5
anos para melhorar o seu desenvolvimento. Contudo, esse período não é suficiente;
durante a graduação irão estudar conteúdos referentes ao curso que escolheram não
sobrando, portanto, tempo para o preenchimento de falhas anteriores.
Sabe-se que uma formação teórica e metodológica é imprescindível à prática
pedagógica, sobretudo quando existem alunos, cujos conceitos espontâneos prevalecem,
mesmo após anos de estudos em contato com conceitos científicos.
A intensidade da leitura, a qualidade dos textos, e até mesmo a frequência com
que os alunos entram em contato com a leitura são fatores decisivos para o
desenvolvimento de capacidades que levem à percepção de informações implícitas que
permitem encontrar no texto marcas de outros textos, discursos, relações de conexão
com discursos já internalizados. Isso possibilita uma abordagem do assunto para além
do senso comum, do previsível. Podemos dizer que o texto bem elaborado, com base em
conceitos científicos tem início nos pequenos textos, orais e escritos, originados dos
conceitos espontâneos.
É necessário que o aluno entenda as “artimanhas” da construção textual. Quanto
mais domínio possuir dos conceitos científicos, mais chance terá de experimentar os
recursos de linguagens, capazes de afastar ou aproximar o leitor do texto, levando-o a se
envolver mais profundamente com o texto, percebê-lo como resultado de um trabalho
pensado, minuciosamente elaborado, estruturado para provocar sentidos, por meio de
palavras que ocupam lugares determinados no interior do texto, conforme a intenção a
ser alcançada.
Este estudo, embora seus resultados não possam ser generalizados, mostra uma
realidade preocupante que nos permite indagar: por que, após frequentar a educação
básica, muitos alunos ainda não conseguem elaborar um texto envolvendo um assunto
simples, como chuva, formular e argumentar sobre sua relação com os fenômenos e
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catástrofes ocorridas em diversos países do mundo? O que houve durante as abordagens
desse tema que impediu a formação de conceitos científicos e generalizações? Qual a
razão para a predominância dos conceitos espontâneos mesmo após a conclusão da
Educação Básica? Por que o contato com a escola e todas as possibilidades inerentes à
sua função, não foram suficientes para que esses alunos desenvolvessem o pensamento
conceitual sobre o tema proposto?
O predomínio dos conceitos cotidianos indica que, no ensino superior, há muitos
acadêmicos despreparados para enfrentar os desafios desse nível de ensino. Além disso,
suas dificuldades podem ser somadas às de muitos professores, que sem conhecer os
fundamentos teóricos e metodológicos que envolvem o processo de ensino e
aprendizagem, se aventuram leigamente na docência.
Muitos candidatos demonstram na produção da redação que não adquiriram, na
educação básica, as condições necessárias para transformar os “conceitos espontâneos
em conceitos científicos”. Isso os impede de construírem determinadas generalizações,
especialmente as que demandam estruturas cognitivas mais complexas.
A escola, por sua vez, é desafiada constantemente a compreender e a valorizar os
conceitos espontâneos que o aluno aprendeu e trouxe para a escola, pois reconhece que
esses conhecimentos são importantes e contribuem para o seu desenvolvimento. O
contrário não acontece, a família, geralmente não tem consciência de que os
conhecimentos adquiridos no cotidiano, fora da escola, representam um ponto de partida
para a aquisição de novos conteúdos escolares, tampouco sabe que a escola precisa
deles e que ela pode potencializá-los por meio de ações simples, antecipando o
desenvolvimento da linguagem, do raciocínio, fortalecendo os conhecimentos da
criança dando a ela uma base mais sólida, mais consistente, o que certamente irá
contribuir com o seu aprendizado escolar, aumentando, assim, suas possibilidades de
desenvolvimento.
Nesse sentido, entendemos que no ambiente familiar é possível exercitar
diálogos mais complexos, detalhados, explicativos das situações e ações cotidianas. As
palavras monossílabas e dissílabas, tais como “não”, “sim”, “sai” “pode”, “talvez”,
“vai”, “pare”, por si sós, não contribuem para o desenvolvimento linguístico e
intelectual da criança. É importante que os pais e professores detalhem, expliquem,
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problematizem para os alunos os contextos dessas palavras e que objetos ou situações
representam, para que possam distinguir o que podem ou não fazer e como devem se
relacionar com o meio. Assim, ao ingressarem na escola, gradativamente podem
substituir os conceitos espontâneos pelos científicos.
Ainda que os pais tenham pouca escolaridade, podem e devem contribuir com o
desenvolvimento dos filhos, mas antes, é necessário tomarem consciência do verdadeiro
papel que executam nesse processo e como podem desempenhá-lo nos limites de suas
possibilidades.
As dificuldades de apreensão dos conceitos científicos também dão sinais de
fracasso e evasão escolar no ensino superior. Isso pode ser percebido nas primeiras
avaliações do semestre letivo. A evasão é o caminho a ser trilhado por aqueles que não
possuem condições para a compreensão e elaboração de pensamentos mais complexos.
Com uma escolarização aquém da esperada terão poucas oportunidades no mundo do
trabalho, pois, sem formação acadêmica provavelmente terão que desempenhar funções,
cuja remuneração não lhes garante subsistência digna.
Desta forma, é necessário levar ao conhecimento docente uma abordagem
teórica e metodológica capaz de responder aos desafios da docência no ensino superior.
Nesta pesquisa, considerou-se que a Teoria Histórico-cultural pode ser indicada para
instigar um novo olhar sobre o desenvolvimento tanto dos professores como dos alunos,
com vistas à superação das dificuldades.
REFERÊNCIAS MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999. OLIVEIRA, Marta Kohl. Yygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. 5. ed., São Paulo: Scipione, 2010. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 19. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008. SFORNI, Marta Sueli de Faria. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria da atividade. Araraquara: JM Editora, 2004. SFORNI, Marta Sueli de Faria & GALUCH, Maria Terezinha Bellanda. Aprendizagem Conceitual e apropriação da linguagem escrita: contribuições da teoria histórico-cultural. Est. Aval. Educ., São Paulo, v.20, n. 42, jan/abr. 2009.
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VIGOTSKY, Lev Seminovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. VIGOTSKY, Lev Seminovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes: 2000.