VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educao Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013
Realizao: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeiro Preto e UFSCar
1
Educao ambiental no licenciamento de petrleo e gs: um estudo
sobre a implementao de projetos voltados para pescadores
artesanais do recncavo baiano
Lvia Gomes de Vasconcellos Laboratrio de Investigaes em Educao, Ambiente e Sociedade (LIEAS)
Faculdade de Educao / Universidade Federal do Rio de Janeiro
Resumo:
O Programa Integrado de Projetos Produtivos de Desenvolvimento Socioambiental com
Comunidades da rea de Influncia do Projeto Manati (PIPP) atende a condicionante de
licena ambiental para atividades petrolferas. O objetivo deste estudo foi investigar
como pescadores e marisqueiras do Recncavo Baiano se apropriam daquele programa,
e que resultados podem ser observados. Foi realizado estudo de caso em duas
localidades, onde foram aplicadas entrevistas, submetidas Anlise de Contedo,
baseando-se nos pressupostos tericos da Ecologia Poltica. A construo do PIPP foi
costurada por intersees tensas, gerando resultados sobre as formas como os sujeitos
da ao educativa entendem os processos de gesto ambiental. Conflitos ambientais fora
do mbito do PEA o permeiam, e este deve propiciar sua viso ampliada, bem como da
questo do trabalho, nos processos educativos. Projetos de educao ambiental exigidos
pelo rgo ambiental federal so importantes espaos de fomento participao
daqueles historicamente excludos dos processos de deciso poltica.
Palavras-chave: licenciamento ambiental, pesca artesanal, petrleo, gs natural.
Abstract:
The Integrated Program of Productive Projects to Social and Environmental
Development of Communities in the Area of Influence of Manati Project (PIPP) is done
as condition to an environmental license for oil production. This study aims to
investigate how the fishermen understand the Program and what results can be
observed. A case study was performed in two places. Interviews were done, and
subjected to content analysis, under the theoretical basis of Political Ecology. The
construction of PIPP was tailored by tense intersections, generating results about the
ways in which individuals understand the environmental management processes. Some
environmental conflicts outside the scope of action of PIPP permeate it, so this should
provide a broader view of the matter, through educational processes, as well as of the
labor issue. The environmental education projects required by the federal environmental
agency are important spaces to promote the participation of those historically excluded
from political decision-making processes.
Keywords: environmental licensing; artisanal fisherie; oil and natural gs.
INTRODUO
Desde a promulgao da Poltica Nacional de Meio Ambiente1, o Estado brasileiro
passou a ter, como uma de suas atribuies, a ao governamental na manuteno do equilbrio ecolgico, considerando o meio ambiente como um patrimnio pblico a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo (BRASIL,
1 Lei No. 6.938/81
2
1981). A PNMA precede a Constituio Federal de 1988 e d a esta subsdios para
reafirmar o dever do Estado democrtico de proteger o meio ambiente e preservar
[este] bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida [...] para as presentes e futuras geraes (BRASIL, 1988). Por outro lado, esta lei obriga o Estado a fomentar a participao da sociedade na proteo ao meio ambiente, de acordo com o
princpio: educao ambiental a todos os nveis de ensino, inclusive a educao da comunidade, objetivando capacit-la para participao ativa na defesa do meio
ambiente. (BRASIL, 1981). Um dos instrumentos de gesto ambiental de uso exclusivo do poder pblico o
licenciamento ambiental. Sua finalidade mediar interesses em torno da apropriao da
natureza e evitar ou minimizar os impactos ambientais e socioeconmicos causados
tanto pela iniciativa privada quanto pelo prprio estado. O presente trabalho relata a
pesquisa sobre a implementao de um dos projetos exigidos como condicionante de
licena ambiental para as atividades de produo e escoamento de petrleo e gs
natural: o Projeto de Educao Ambiental (PEA). Esta condicionante atende ao
princpio enunciado acima, relacionado educao ambiental na comunidade,
fomentada pelo Estado brasileiro.
O ato administrativo do licenciamento, ao exigir medidas de mitigao e
compensao, institui um conjunto de aes que interferem sobre a vida dos grupos
afetados pelo empreendimento. Mesmo que estas aes visem a manter a dinmica local
e minimizar tanto quanto possvel as consequncias negativas do empreendimento, os
sujeitos se apropriam de polticas como esta a partir de suas necessidades, expectativas e
valores. As condies objetivas que circundam estes sujeitos tambm condicionam os
resultados das polticas. Assim, so provocados resultados outros para alm dos
objetivos previamente estabelecidos. Desta forma, a implementao de uma poltica
pblica um encontro, em certa medida imprevisvel, entre os que planejam, os que
executam e os que se beneficiam da ao.
No estado da Bahia, desde 2006, est em execuo o Programa Integrado de
Projetos Produtivos de Desenvolvimento Socioambiental com Comunidades da rea de
Influncia do Projeto Manati (PIPP), no litoral do Baixo Sul e do Recncavo Baiano.
Este Programa integra aes de educao ambiental, em atendimento a condicionantes
de licena para a produo e escoamento de gs natural do Campo de Manati, situado
em frente ao litoral do Baixo Sul2. O objetivo do presente projeto investigar como os
pescadores e marisqueiras do Recncavo Baiano que participam do PIPP se apropriam
deste programa, que repercusses ele vem tendo e que resultados podem ser observados.
Como referencial terico, adotamos a contribuio desenvolvida no mbito da
Ecologia Poltica acerca dos conflitos ambientais, fundamental compreenso do que
manifesto e do que silenciado em torno da questo ambiental. A Ecologia Poltica
coloca como eixo de anlise da questo socioambiental as relaes polticas que
mediam a interao entre a sociedade e a natureza (ALIMONDA, 2002). Assumindo
que as relaes entre os grupos sociais so assimtricas, ou seja, que h grupos
dominantes e dominados, e que isto determina a forma como tais grupos iro se
apropriar dos recursos naturais, ou impedir os outros de seu uso, a Ecologia Poltica
prioriza o aspecto socioeconmico na bandeira de defesa do meio ambiente
(ALIMONDA, 2002).
2 O Recncavo Baiano entra no Programa por causa da extenso do empreendimento: a plataforma fica no
Campo de Manati, mas o gs escoado por um duto que atravessa o Baixo Sul, passa pelo Recncavo e
chega Estao So Francisco, em So Francisco do Conde.
3
O principal fenmeno abordado pela Ecologia Poltica so os conflitos
ambientais, que ocorrem quando h interesses divergentes em torno de um mesmo
recurso natural (ACSELRAD, 2004). De acordo com Acselrad (2004), os conflitos ambientais devero ser analisados [...] simultaneamente nos espaos de apropriao
material e simblica dos recursos do territrio. (p. 23). O conflito ambiental ocorre no mbito das prticas espaciais materiais (p. 24), com a entrada de novas prticas prejudiciais s j existentes em um determinado territrio. Envolvem a disputa por
sentidos (por exemplo, os significados de eficincia e competitividade) entre atores que
dispem de diferentes modos de apropriao, uso e significao do territrio (p. 26), sendo que as aes de um deles interferem sobre a durabilidade da reproduo das
prticas de outro(s).
Os conflitos ambientais constituem uma das expresses do modo de produo
capitalista, pois, em sua grande maioria, so protagonizados por grupos sociais
portadores de diferenas de poder abissais, em que os detentores das formas de
exerccio do poder buscam impor sobre os outros a manuteno de um modelo de
desenvolvimento hegemnico. Em ltima instncia, manter as condies de reproduo
de classe e, consequentemente, de dominao histrica entre grupos sociais.
O licenciamento ambiental atua na mediao da relao entre atividades
humanas, geralmente voltadas ao ganho econmico e que causem ou possam causar
degradao ambiental, e a preservao do meio ambiente, garantindo seu uso coletivo.
Atravs do licenciamento, o rgo ambiental competente (municipal, estadual ou
federal, a depender do tipo e localizao da atividade a ser licenciada) impe
condicionantes realizao de determinado empreendimento. As condicionantes
consistem em medidas a serem obrigatoriamente adotadas pelo empreendedor, a fim de
monitorar, reduzir, evitar ou compensar impactos ambientais e sociais provocados pelo
empreendimento em questo, permitindo que este seja realizado, porm de forma
controlada pelo Estado.
Atualmente, uma das principais atividades econmicas exercidas no Brasil a
explorao e produo de petrleo e gs natural3, utilizados como fonte de energia e
como matria prima para uma ampla gama de bens em circulao dentro e fora do pas.
Devido ao seu carter poluidor, tanto efetivo quanto potencial, as atividades petrolferas
devem passar pelo processo de licenciamento e cumprir exigncias que deem conta da
mitigao e/ou compensao dos impactos que provoca. A Resoluo CONAMA No.
237/97 determina que o rgo responsvel pelo licenciamento desta atividade (quando
ocorre na plataforma continental e mar territorial, ou seja, em guas martimas
brasileiras) seja o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renovveis (IBAMA).
A legislao determina a incluso da educao ambiental no processo do
licenciamento, seguindo os princpios da PNEA. Atualmente, sua incluso se d como
medida condicionante. Em 2005, analistas ambientais da CGPEG/DILIC/IBAMA4 e da
extinta CGEAM/IBAMA5, com a colaborao de pesquisadores universitrios,
elaboraram o documento Orientaes Pedaggicas do IBAMA para elaborao e implementao de programas de educao ambiental no licenciamento de atividades de
produo e escoamento de petrleo e gs natural (IBAMA, 2005). As Orientaes
3A partir daqui, chamaremos o conjunto das atividades de explorao, produo e escoamento de petrleo
e gs natural de, simplesmente, atividade petrolfera. 4 Coordenao Geral de Petrleo e Gs Natural / Diretoria de Licenciamento / IBAMA.
5 Coordenao Geral de Educao Ambiental / IBAMA
4
preconizam os princpios que constam na Poltica Nacional de Educao Ambiental,
alm de seguirem as premissas da Educao no Processo de Gesto Ambiental.
O documento estabelece que as aes educativas estejam voltadas para os
sujeitos afetados pelas atividades petrolferas. Seu objetivo a atuao destes sujeitos,
de maneira qualificada, nos espaos de gesto ambiental, obtendo maior controle sobre
o processo de licenciamento como um todo e, especificamente, a reduo dos impactos.
Para tanto, as aes educativas devem promover o desenvolvimento de habilidades e
percepes acerca das relaes de causa e efeito entre o empreendimento e os impactos
provocados sobre suas vidas. De forma subjacente, devem entender o entrelaamento
das esferas poltica, econmica, social e ecolgica na situao. Por fim, a metodologia
adotada deve ser participativa e dialgica, permitindo que os sujeitos da ao educativa
se envolvam efetivamente na construo de projetos que atendam s suas reais
necessidades.
As Orientaes Pedaggicas esto fundamentadas nos pressupostos
epistemolgicos, pedaggicos e metodolgicos da Educao no Processo de Gesto
Ambiental, ou EA para Gesto. A EA para Gesto estabelece como objetivo final a
construo de um mundo que seja socialmente justo, democrtico e ambientalmente seguro. (QUINTAS, 2009, p. 47). Seus formuladores partem do pressuposto de que a crise ambiental provm da forma atual de relao sociedade-natureza, e que suas causas
esto na dominao e opresso que a subjazem. Ento, a soluo para a crise seria, mais
que a busca de tecnologias de mitigao de impactos socioambientais (sem descartar sua
necessidade), uma reinveno desta forma de se relacionar (QUINTAS, 2009). O foco a ser atacado a fim de se reinventarem as relaes so as assimetrias sociais; a sua
reduo, pelo menos no plano simblico, uma das tarefas primordiais de uma EA com centralidade na gesto ambiental pblica, uma vez que injustia e desigualdade so
inerentes ordem social vigente. (QUINTAS, 2009, p. 55). Por isso, os sujeitos prioritrios da ao educativa so aqueles caracterizados por sua vulnerabilidade
diante dos impactos ambientais causados por empreendimentos licenciados, o que
significa que, na relao assimtrica dentro deste campo, esto na posio mais
desvantajosa, com possibilidades restritas de contraposio.
Uma das caractersticas da educao no processo de gesto ambiental a
intencionalidade: o processo educativo no contexto da gesto ambiental tem o objetivo
claro, ao partir de uma compreenso crtica da questo ambiental, de promover nos
sujeitos da ao o desenvolvimento de concepes crticas atravs do desvelar de
conflitos e contradies. A crtica servir como instrumento de embate diante das
assimetrias na apropriao dos recursos naturais e sociais.
METODOLOGIA
O Programa Integrado de Projetos Produtivos de Desenvolvimento
Socioambiental com Comunidades da rea de Influncia Direta do Projeto Manati
(PIPP) atendeu a uma das condicionantes da Licena de Instalao (LI) e, atualmente, a
uma das condicionantes da Licena de Operao (LO)6 do Sistema de Produo e
Escoamento de Gs Natural e Condensado no Campo de Manati, localizado na Bacia
Sedimentar de Camamu, no Estado da Bahia. As atividades petrolferas do Campo de
6 Condicionante da Licena de Instalao 317/05 e Condicionante 2.5 da Licena de Operao 595/2007.
A parte terrestre do gasoduto foi licenciada pelo CRA-BA.
5
Manati so executadas pelo Consrcio Manati, composto por quatro empresas7 e
operado pela Petrobras. O PIPP abrange os municpios pertencentes rea de influncia
do empreendimento: Cairu, Valena, Nilo Peanha, Jaguaripe (localizados no Baixo Sul
da Bahia); So Francisco do Conde, Salinas da Margarida, Maragojipe, Saubara, Santo
Amaro, Madre de Deus e Salvador (pertencentes ao Recncavo Baiano).
Os sujeitos da ao educativa so pescadores artesanais e marisqueiras que
vivem e trabalham nestas localidades. A definio dos grupos que participariam do
programa foi construda ao longo do processo de licenciamento, desde o Estudo de
Impacto Ambiental apresentado para a concesso de licena, de acordo com o
entendimento do IBAMA acerca das interferncias causadas por uma atividade
poluidora sobre outras atividades. Conhecer os grupos cuja atividade produtiva estava
sendo afetada pela indstria petrolfera significa conhecer que atividade produtiva
esta, quais os seus contornos e caractersticas.
A pesca artesanal se desenvolve ao longo de toda a costa brasileira, e
responsvel por uma porcentagem significativa do abastecimento de pescado para o pas
desde seu incio. A pesca artesanal possui pontos em comum nos diferentes contextos
em que ocorre, ao longo do litoral, o que permite categoriz-la sob uma mesma
definio, o que no significa que tal categorizao simples ou esttica. Diegues
(1983), baseando-se na finalidade do pescado enquanto valor de uso ou de troca, e na
organizao social que estrutura a produo, divide entre trs formas de prtica da
pesca:
a) produo pesqueira de auto-subsistncia ou primitiva; b) a produo pesqueira realizada dentro dos moldes da pequena produo mercantil; c) a
produo pesqueira capitalista
No interior da pequena produo mercantil identificamos ainda duas subformas: a) a pequena produo familiar dos pescadores-lavradores, e b) a
pequena produo dos pescadores artesanais. (p. 148)
Os sujeitos do presente estudo praticam a pequena produo mercantil e podem
ser categorizados como pescadores artesanais. O pescado tem valor de troca, ou seja,
serve no somente para o consumo do prprio pescador, mas como produto a ser
comercializado. A atividade pesqueira a principal fonte de renda, e isto aumenta a
complexidade das relaes entre os trabalhadores, o conhecimento sobre o mar e o
pescado, a propriedade e o aprimoramento tecnolgico dos meios de produo e a
relao com o mercado. Os trabalhadores j no so membros da mesma famlia, e a
embarcao e petrechos so de propriedade individual. Segundo Diegues (1983),
(...) o excedente reduzido e irregular, a baixa capacidade de acumulao, a dependncia total vis--vis ao intermedirio, a propriedade dos meios de
produo, o domnio de um saber pescar baseado na experincia (e que
constitui sua profisso), so elementos que caracterizam ainda a pequena
produo mercantil. (p. 155)
Em 2009, foi promulgada a Lei N 11.959, conhecida como Lei da Pesca, que
traz a distino legal entre pesca industrial e artesanal, e faz a diferenciao entre as
duas. Verifica-se que nesta classificao so incorporados fatores relacionados
7 Petrobras, Queiroz Galvo, Norse Energy e Brasoil.
6
organizao social da atividade, para distinguir entre artesanal e industrial, revelando a
clara contribuio dos estudos de Diegues (1983; 1995):
Art. 8 Pesca, para os efeitos desta Lei, classifica-se como: I comercial: a) artesanal: quando praticada diretamente por pescador profissional, de
forma autnoma ou em regime de economia familiar, com meios de produo
prprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar
embarcaes de pequeno porte;
b) industrial: quando praticada por pessoa fsica ou jurdica e envolver
pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotas-
partes, utilizando embarcaes de pequeno, mdio ou grande porte, com
finalidade comercial; (...)
Tem-se verificado que os atores sociais mais impactados pela indstria do
petrleo so aqueles cuja principal atividade econmica a pesca artesanal (MMA,
2006; ANELLO, 2009; WALTER et al., 2004). Quando instalados e operando em guas
rasas, os empreendimentos petrolferos ocupam espao martimo utilizado tanto por
pescadores artesanais quanto industriais. Porm, os ltimos dispem de tecnologia
suficiente para mudar de lugar rapidamente e de alcanar distncias muito maiores que
os primeiros, em busca de pesqueiros alternativos. Os artesanais acabam, ento,
sofrendo impactos das trs etapas da atividade petrolfera: a pesquisa ssmica8, a
perfurao9 e a produo e escoamento
10. Alguns impactos so comuns s trs etapas,
outros so especficos da pesquisa ssmica.
Durante a pesquisa ssmica, h ocupao do espao marinho em reas de excluso temporria provocada pelo navio ssmico. Em relao ao som gerado pelos jatos de ar na gua, ainda no h pesquisas conclusivas sobre este impacto. Porm, h a
suspeita de interferncia, j que os peixes so dotados de alta capacidade auditiva,
fundamental para seu senso de orientao em seu habitat.
A perfurao tambm demanda a formao de zonas de excluso de pesca, para
garantir a segurana dos que trafegam na mesma rea. Alm disso, o impacto maior
causado quando se perfuram pesqueiros importantes, principalmente quando se trata de substratos consolidados ou, ainda, reas de pesca de arrasto de fundo, como lamas de
camaro. (WALTER et al., 2004, p. 5).
8A pesquisa ssmica a primeira etapa para o reconhecimento de reas no subsolo marinho onde h
reservatrio de hidrocarbonetos. feita por um navio que arrasta longos cabos, com a seguinte tarefa: O mtodo ssmico consiste na gerao de ondas acsticas por uma fonte de energia que libera ar
comprimido a alta presso, diretamente na gua. Essas ondas acsticas se propagam pela gua at atingir
o subsolo marinho (...). A energia refletida captada por hidrofones (detectores de presso) dispostos em
intervalos regulares ao longo de cabos sismogrficos. (...) Os dados ssmicos so, ento, processados,
atravs de softwares especficos, e interpretados, permitindo a visualizao de estruturas geolgicas
favorveis acumulao de hidrocarbonetos. Normalmente, a atividade ssmica executada
ininterruptamente 24 horas por dia, com disparos realizados de forma sistemtica a cada 10 segundos,
comumente de um a quatro meses. (Walter et al., 2004, p. 3) 9A fase seguinte consiste na perfurao de poos, a fim de confirmar se o reservatrio encontrado pela
pesquisa ssmica tem capacidade comercial. Dura, no mximo, 45 dias. (idem) 10
A produo a atividade petrolfera propriamente dita, quando os campos sedimentares so
considerados comercialmente produtivos, e a extrao de petrleo e/ou gs natural realizada at
esgotarem as suas reservas, o que pode levar entre 20 e 30 anos. O escoamento consiste no transporte do
produto at pontos de venda ou de refino.
7
Os impactos da produo acumulam aqueles causados pelas etapas anteriores, e
so agravados pelo tempo de permanncia do empreendimento na localidade. Os
impactos verificados so:
- Lanamento de resduos poluentes, proveniente da manuteno das equipes das
plataformas, e de efluentes derivados da atividade de produo, principalmente a gua
de produo, carregada de elementos qumicos que tendem a se acumular no fundo do
mar e nos organismos que habitam a mesma rea.
- As plataformas de petrleo e demais estruturas alteram a organizao do
espao de pesca. Provocam mudanas nos pesqueiros, pois em torno delas h
concentrao da matria orgnica resultante de dejetos da prpria plataforma, o que
ocasiona a atrao de cardumes. O que poderia ser uma oportunidade para os pescadores
encontrarem grande quantidade de pescado impedido por medidas de segurana, pois,
por lei, devem ficar afastados das plataformas a uma distncia de, no mnimo, 500
metros. Ou seja, os cardumes atrados para as plataformas no mais estaro acessveis
aos pescadores. A etapa de desativao, quando o poo cessa sua produo, tambm
deve ser considerada, pois a retirada das estruturas provoca um novo desequilbrio na
fauna e flora marinhas.
- O trnsito de embarcaes petrolferas afeta a circulao martima dos
pescadores artesanais.
- H poluio por vazamento de leo, tanto potencial quanto real. Real porque,
apesar de os casos de grandes derramamentos serem raros, acontecem pequenos
vazamentos cotidianamente.
- Ocorrem modificaes socioeconmicas intensas nos municpios onde os
empreendimentos so instalados, onde h escritrios das empresas ou que esto em
frente s plataformas. As principais alteraes negativas so: o aumento da migrao,
sem melhoria correspondente nos servios pblicos ou ordenamento do crescimento;
diferena de renda entre os moradores e os empregados das empresas petrolferas, cujos
altos salrios nivelam por cima o custo de vida local; especulao imobiliria; m
aplicao da receita proveniente dos royalties. Os pescadores artesanais no tm sua
renda aumentada e nem so contratados pelas empresas.
Retomando o objeto da pesquisa ora apresentada, importante notar que a
elaborao e execuo de um PEA como condicionante de licena so de
responsabilidade da empresa petrolfera que requer a licena ambiental, e ela pode
recorrer contratao de terceiros para realizar a tarefa. Existem complicaes ainda
no solucionadas decorrentes desta prtica, que merecem um olhar mais detido. A
posio social e econmica que a empresa ocupa em sua relao com o rgo ambiental
e com as populaes afetadas; a baixa valorizao da educao ambiental por parte dos
seus investidores; a pouca disponibilidade de pessoal capacitado para executar projetos
de educao ambiental de grande porte no contexto no formal e o pouco domnio dos
pressupostos terico-metodolgicos da EA para Gesto, so fatores que, juntos, vm
dificultando a concretizao de muitos projetos de EA no contexto do licenciamento de
petrleo e gs. O desempenho das empresas em relao aos projetos de EA e suas
interferncias sobre os resultados no o foco do presente trabalho, pois o rgo
ambiental teve participao ativa na construo deste projeto. Alm disso, o foco desta
pesquisa est na proposta construda no mbito da gesto ambiental pblica e suas
relaes com as populaes impactadas por atividades petrolferas licenciadas.
A coleta de dados da presente pesquisa consistiu em trs etapas, compreendidas
entre os meses de maio e agosto de 2011:
8
a) Consulta a analistas ambientais da CGPEG/IBAMA.
b) Coleta de documentos no arquivo da CGPEG/DILIC/IBAMA.
c) Pesquisa de campo duas idas a cada uma das localidades escolhidas (Cairu de Salinas e Acupe) para entrevistar os sujeitos.
Na presente pesquisa, foram analisadas duas localidades: Acupe (no municpio
de Santo Amaro) e Cairu (municpio de Salinas da Margarida).
Foram realizadas duas idas a campo com intervalo de um ms entre elas (nos
meses de julho e agosto de 2011), e, em cada ida, as duas localidades foram visitadas. A
primeira visita teve carter introdutrio. Os locais de entrada para acessar os
entrevistados foram escolhidos a partir da leitura dos documentos oficiais de
comunicao entre empresa e CGPEG/IBAMA. Em Cairu, foram visitadas a associao
que representava os pescadores e marisqueiras e a Casa das Mariscadeiras. Em Acupe, o
ponto de referncia tambm foi a associao que representava pescadores e
marisqueiras.
Para a segunda ida a campo, dois roteiros de entrevista mais detalhados foram
elaborados, um para aqueles que estavam diretamente envolvidos com o PIPP e um
alternativo, para os pescadores que no conheciam o programa. Foram entrevistadas
novamente as lideranas e membros dos grupos diretamente ligados ao PIPP. Alm
destas pessoas, foram entrevistados pescadores, escolhidos de forma aleatria,
abordados em pontos de concentrao: em Cairu, a Associao de Pescadores; em
Acupe, o Porto de Baixo.
RESULTADOS E DISCUSSO
Faz-se necessrio um esclarecimento sobre a implementao do PIPP ao longo
de sua rea de abrangncia. Foi exigido pelo IBAMA que a empresa realizasse um
diagnstico participativo em cada uma das localidades, a fim de serem planejadas aes
que mais se adequassem s demandas das populaes afetadas. Quando da realizao
dos primeiros diagnsticos, no Baixo Sul, os pescadores artesanais da regio, que j
haviam participado de processos semelhantes, exigiram que os projetos consistissem em
fornecimento de infraestrutura e outros aportes que fortalecessem sua atividade
produtiva. O Consrcio, ento, conduziu o diagnstico de forma a atender quelas
demandas, fornecendo projetos de infraestrutura. O rgo ambiental aceitou o
procedimento, mas fez exigncias de complementaes que garantissem o carter
educativo do projeto.
De acordo com o Parecer Tcnico CGPEG/DILIC/IBAMA No 257/08, emitido
aps o acompanhamento s primeiras reunies devolutivas no Recncavo, os
parmetros de negociao para os projetos seriam semelhantes aos aplicadas no Baixo
Sul:
- a comunidade possui o poder de escolha sobre um projeto ou aes dentre
as demandas apresentadas na etapa de diagnstico no valor de R$100.000,00
(cem mil reais) para um ciclo de dois anos;
- o Consrcio dever investir nas componentes relativas formao e
organizao comunitria (cidadania), capacitao para pesca e acesso a
polticas pblicas para todas as comunidades, independente da escolha do
grupo gestor [comisso eleita em cada comunidade para representar os
sujeitos nas negociaes com o Consrcio]. (IBAMA, 2008, p. 5)
9
Em Cairu, o projeto escolhido consistiu na reforma da Associao de Pescadores
e na regularizao das embarcaes e da referida associao. Em Acupe, foi escolhida a
construo de um galpo para armazenamento dos petrechos de pesca. Em ambas as
localidades, o processo formativo para organizao comunitria estava includo no
programa, seguindo as diretrizes do IBAMA.
Outro esclarecimento importante refere-se ao primeiro impacto que atingiu a
comunidade de Cairu de Salinas e adjacentes: um acidente ocorrido durante a fase de
instalao do empreendimento, em agosto de 2005. O enterramento do gasoduto na
praia de Cairu, onde iniciava sua rota submersa, foi feito de forma imprudente,
causando a destruio de uma rocha conhecida como Laje do Machadinho, em
referncia ao marisco que povoava este ambiente e que servia de sustento para as
famlias de marisqueiras da localidade. Como indenizao, o Consrcio ofereceu vales-
gs e cestas bsicas, por um perodo, e em seguida construiu uma Unidade de
Comercializao e Convivncia (UCC) para as marisqueiras. Este espao tambm
chamado de Casa das Mariscadeiras, e possui influncia sobre o processo decisrio do
PIPP.
Em relao situao do projeto poca das entrevistas, em Cairu, as obras de
reforma da Associao ainda no haviam sido iniciadas; apenas a realizao de reunies
e a gerao de expectativas. Existe um grupo gestor do projeto, formado por pescadores
e marisqueiras, que conta atualmente com oito pessoas. Na primeira entrevista, uma das
representantes da associao afirmou que a comunidade ficou mais unida aps os
projetos, e mais alerta em relao Petrobras. Sempre que tem reunio para falar sobre a empresa, participam pessoas em um nmero muito maior do que costumava
ocorrer.
Em Acupe, o PIPP conhecido como Projeto Manati. O representante da
associao afirmou estar na finalizao, que a formao do ncleo, comisso formada pelos pescadores e marisqueiras em substituio ao grupo gestor. Antes de
atuar no PIPP, a associao representava no somente pescadores e marisqueiras, mas
outros setores da sociedade. Ao longo da implementao do PIPP, ela passou a
representar apenas os dois primeiros, como resultado da reorganizao conduzida pela
consultoria contratada pelo Consrcio para executar o projeto. Em relao obra, as
decises finais haviam sido tomadas recentemente, e ainda no havia sido constatado
atraso em sua execuo. O ncleo estava aguardando a vinda de especialistas para
analisar a viabilidade do galpo a ser adquirido. Os entrevistados consideram que as
pessoas esto mais atentas com relao ao papel da Associao e com relao a seus
direitos. Segundo suas falas, a comunidade passou a participar; antes as pessoas eram
acomodadas, queriam que a Associao resolvesse tudo. Os entrevistados demonstraram
ter esperana no projeto.
Acima, foi feita uma breve descrio da situao atual do projeto. Alm destas
informaes, as entrevistas trouxeram uma riqueza de contedos e, para analisa-las, foi
utilizada, como mtodo bsico, a anlise de contedo (BARDIN, 1977). Este mtodo
associa a sistematizao do texto anlise semntica, ou seja, a compreenso dos
sentidos que este carrega, atravs, basicamente, da categorizao dos enunciados e do
estabelecimento de relaes entre eles. De acordo com Bardin (1977), seu principal
objetivo consiste em realizar inferncias, a partir do material analisado, sobre o contexto
em que est inserido, sobre as condies de produo/recepo da mensagem (p. 42), e sobre como se d tal insero, o que implica, segundo Bauer e Gaskell (2002), em
traar perfis sobre os contextos estudados a partir do material analisado.
10
A anlise das entrevistas, tanto das primeiras quanto das segundas visitas s
localidades, foi feita atravs da categorizao das respostas. As categorias e
subcategorias foram estabelecidas durante a anlise, e esto listadas abaixo.
Categorias Subcategorias
PIPP - Situao atual do programa (descrita
anteriormente)
- Conhecimento e expectativas sobre o
programa
Atividade produtiva
- Dificuldades relacionadas ao trabalho
- Condies naturais
- Conflitos ambientais
- Comercializao do pescado
Possibilidade de emprego em outros setores
produtivos
Conhecimento e expectativas acerca da
presena de polticas pblicas voltadas para a
pesca artesanal
- Bahia pesca (Acupe)
Percepes e expectativas quanto ao IBAMA
A partir da anlise das entrevistas, das observaes em campo e da consulta aos
documentos oficiais, possvel estabelecer snteses que forneam respostas pergunta
de pesquisa e alcanar os seus objetivos especficos.
A realizao do PIPP parte da exigncia da CGPEG/IBAMA ao Consrcio
Manati, como condicionante de licena para a produo e escoamento de gs natural, e
no existiria caso no partisse de tal exigncia. Aprofundando a anlise sobre o
Programa, observa-se que todo seu processo de construo vem sendo costurado por
intersees e, principalmente, tenses entre o Consrcio, os pescadores e marisqueiras e
o rgo ambiental. Este vem buscando garantir a mediao dos conflitos entre os dois
primeiros e implementar diretrizes que devem fortalecer a operacionalizao da gesto
ambiental pblica.
Toda esta costura tensa gera resultados sobre as formas como os sujeitos da ao
educativa entendem os processos de gesto ambiental. Verificou-se que, quando as
tenses so explicitadas para os sujeitos, as aes fazem sentido para estes; quando no
so explicitadas, os sentidos so buscados e construdos a partir de suas experincias e
de seu entendimento sobre cada entidade envolvida. Como as aes de infraestrutura
ainda no foram concretizadas, os sujeitos que no fazem parte de grupo gestor ou de
ncleo tendem a entender o PIPP como mais uma promessa no cumprida de melhoria;
mas que, se for implementado, reconhecem que trar ganhos para os pescadores e
marisqueiras. Os relatos esto, em certa medida, condicionados ao enquadramento dado
pela entrevista, que pode ser entendida como uma oportunidade de emitir queixas e
reclamaes quanto s dificuldades enfrentadas pelos entrevistados.
Enquanto projeto que foca a atividade produtiva e a organizao comunitria, ele
produz discursos que giram em torno destes aspectos como fins em si mesmos. Porm,
ao mesmo tempo em que estes so elementos originrios dos processos sociais, eles so
passveis de reflexo em direo conscincia crtica sobre a posio que os sujeitos
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ocupam na sociedade. Assim, a conjugao entre fortalecimento da atividade produtiva
e o trabalho sobre a conscincia crtica geram os resultados esperados pela educao no
processo de gesto ambiental. Por enquanto no se verificam traos de mudanas na
atuao relacionada gesto ambiental pblica por parte dos sujeitos destas localidades,
at mesmo devido ao ritmo em que o projeto est sendo conduzido. A organizao
comunitria que acontece parece ter como objetivos a melhoria das condies de
produo.
Como foi visto nos relatos, a formao de grupos gestores para administrar o processo de implementao do projeto e o fortalecimento de uma entidade
representativa so estratgias metodolgicas para a operacionalizao daquele, mas
pode, em algumas situaes, causar entendimentos diversos por parte da coletividade.
Ou mesmo prticas no desejadas. A ao educativa composta por diversos elementos,
entre eles, a interveno sobre a organizao comunitria que existia previamente ao
projeto. Um dos pareceres emitidos pelo rgo ambiental alerta a empresa de que as
aes educativas de formao devem ter como sujeitos toda a comunidade, e no apenas
o grupo gestor. De forma preliminar, podemos definir alguns pontos para compreenso do papel das
associaes em projetos como o PIPP. No caso deste projeto, preciso haver uma
entidade regularizada para que as aes de provimento de infraestrutura sejam
executadas. estabelecida uma espcie de convnio com a entidade. O PIPP se apodera
deste instrumento de organizao social que, por sua vez, estabelece uma relao
unvoca com o Programa, arriscando deixar de lado, ainda que temporariamente, outras
questes levantadas nas entrevistas, que dizem respeito gesto ambiental e a conflitos
ambientais. Alm disso, esta exigncia da empresa, por si s, impe uma formatao ao
processo educativo que toca em pontos como legitimidade da representao,
fortalecimento de determinados grupos dentro da localidade e a representao que os
associados fazem acerca de sua entidade.
Assim como nos documentos emitidos pelo rgo ambiental, verifica-se o uso da
expresso comunidade nos planejamentos e relatrios enviados pela empresa e nas falas
de alguns entrevistados. Os sentidos deste uso devem ser passveis de anlise. Esta
palavra usada por representantes dos sujeitos das aes educativas, referindo-se aos
pescadores e marisqueiras da sua localidade. J os prprios representados no utilizaram este termo. Comunidade sempre o outro. Seu significado diverso, a
depender da inteno de quem enuncia. Os sujeitos entrevistados no se
autodenominam comunidade, pois quem o faz, utiliza a expresso para falar de outros,
daqueles a quem concedero algum benefcio. A expresso comunidade utilizada nos
mais diversos meios, isenta de problematizao acerca do seu significado. Seu uso pelo
senso comum e por detentores de conhecimento tcnico se confunde, e passa
despercebido por documentos, discursos, planejamentos de aes de interveno.
Se pensarmos na pesca artesanal e nos integrantes da sua cadeia produtiva, quais
seriam os limites da comunidade? Atravessadores entrariam nestes limites, se morarem
na comunidade? Apenas pescadores e marisqueiras? Pessoas que exercem outros tipos
de atividade? Questes como estas devem ser respondidas tanto durante o planejamento
de aes educativas quanto ao longo de sua execuo. Os pescadores artesanais fazem
parte de uma cadeia produtiva, alm de costumarem exercer outros tipos de atividade
em busca de complementao da renda. Por isso, os significados de comunidade devem
ser revistos luz desta constatao.
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No defendemos que tal expresso seja deixada de lado. Negar a existncia de um
nvel de homogeneidade e compartilhamento entre os sujeitos que vivem numa mesma
localidade ou que exercem a mesma atividade produtiva seria desconsiderar toda a
teoria social. O que discutimos que as possibilidades do uso da expresso comunidade
estejam claras, o quanto este limita ou expande a abrangncia da ao educativa, e o
quanto seu significado reproduz ou supera relaes de opresso e dominao.
Debatendo sobre questes relacionadas participao do pescador artesanal, Pereira
(2008) questiona a promoo de espaos ilusrios de participao e a participao concedida que visa manuteno da dominao. Contrape-se hiptese de que o pescador artesanal, devido dinmica de seu trabalho, no afeito a atividades
coletivas, que ultrapassem os muros de seu ncleo familiar, e por isso no se integram a
aes que promovam a participao em espaos coletivos. Ela defende que esta
dificuldade em participar decorre da imposio do modo de produo capitalista,
alterando valores deste grupo. Acredita na educao ambiental enquanto poltica pblica
para o processo de emancipao e formao de conscincia crtica dos sujeitos, e diz
que se deve estar atento s armadilhas citadas.
O projeto analisado, ao seguir as diretrizes da CGPEG/IBAMA, buscou em seu
diagnstico participativo incluir todos os pescadores artesanais interessados na
discusso do que seria prioritrio para o fortalecimento de sua atividade. A empresa
imps limites aos projetos antes de obter o aval do rgo ambiental. Mas o processo
participativo foi exigncia deste. Como afirma Pereira (2008), os pescadores artesanais
precisam participar das decises que dizem respeito gesto da pesca, apesar de
estarem
acostumados a serem tratadas [as comunidades] como massa de manobra pelos maus polticos que fazem parte da sua histria. Sendo assim,
demonstram dificuldade em confiar nos diferentes segmentos sociais
(universidades, ONGs, governos, etc) que se aproximam se propondo a
ajud-las. De um lado se mostram desconfiadas, de outro adotam
comportamentos que respondem ao que julgam esperados, com queixas e
autopiedade, se identificam como desamparadas. Isso parte de uma cultura
assistencialista que marca a histria e a vida dos pescadores e que se torna
um desafio para quem deseja trabalhar com educao ambiental e pesca.(p.
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A atividade produtiva destes pescadores, de rotina simples e sem grandes
variaes entre os indivduos, escancaradamente impactada negativamente pela
presena da atividade petrolfera na regio. Verifica-se que o conflito ambiental se d no
mbito das atividades produtivas, no trabalho, nos diferentes interesses sobre a
apropriao dos recursos. A conscincia da existncia do conflito neste nvel se
expressa no discurso dos envolvidos, dos afetados, cuja dependncia direta dos recursos
naturais os torna legtimos enunciadores do que significa a questo ambiental. Um dos pressupostos da Educao no Processo de Gesto Ambiental a
explicitao das assimetrias que caracterizam os conflitos subjacentes s dinmicas de
apropriao dos recursos naturais, como um meio de emancipao dos sujeitos
vulnerveis expropriados do seu direito ao meio ambiente como bem de uso comum.
Por isso, todos os relatos de conflitos que surgiram nas entrevistas so pertinentes
anlise do projeto de educao ambiental realizada no presente estudo. Eles so a
denncia das presses sofridas pelos pescadores artesanais, oprimindo sua atividade
produtiva, seus meios de reproduo e sua vida de maneira geral. Tais presses agem
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como vetores originados de diversas fontes convergindo sobre o ponto mais frgil:
aqueles que dependem diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivncia.
E o que torna a questo mais grave: os recursos naturais, ou condies naturais
de produo, no possuem apenas valor de uso, mas tambm valor de troca. Sua
comercializao ser inserida em um mercado cujas leis no so isonmicas e que,
novamente, pesa sobre aqueles que extraem seu produto diretamente do meio natural.
As dificuldades na venda do pescado entram como questo essencial para o
fortalecimento da cadeia produtiva da pesca artesanal. notvel a escolha de projetos
relativamente simples (por exemplo: local para armazenar petrechos e fazer
beneficiamento) que provocaro mudanas substanciais no trabalho dos sujeitos, por
tocarem na questo da circulao de sua mercadoria. evidente que estes projetos so
escolhidos dentro das limitaes j discutidas aqui. Mas este o espao a ser
aproveitado para o desenvolvimento da prxis, devido a todas as suas possibilidades de
reflexo e ao sobre a posio em que o pescador artesanal se encontra atualmente.
CONSIDERAES FINAIS
Assumir que o trabalho a categoria bsica do licenciamento justifica a
estruturao de PEAs a partir do fortalecimento de atividades produtivas subsumidas
por outras detentoras de poder. Mas a partir das entrevistas entende-se que algumas
questes fora do mbito de ao do PEA obviamente o permeiam, por isso este tipo de
medida mitigadora de impactos no pode se limitar ao fortalecimento da atividade
pesqueira apenas realizando aes especficas, que resolvam problemas pontuais
levantados pelos pescadores (por exemplo, questes com atravessadores). Deve ser
propiciada a viso ampliada da questo, atravs dos processos educativos, conjugados
com as aes de infraestrutura. A questo do trabalho deve (e h como) ser trabalhada
de forma ampliada com estes grupos sociais.
Propomos que se entenda a gesto ambiental, com suas polticas e instrumentos,
como um enclave dentro do sistema poltico nacional, cujas maiores foras vo em
direo ao uso dos recursos naturais de forma exploratria. A gesto dos recursos
naturais efetivamente regulada por outras polticas, como as de desenvolvimento,
energia, aquicultura e agricultura. Conceituar gesto ambiental como mediadora de
conflitos parece que lhe d uma atribuio ao mesmo tempo nfima, para acontecer nos
ltimos instantes de um processo de deciso j tomada em outras esferas, e gigante,
pesada, pois, por estar na ponta (principalmente no caso do licenciamento, que, ainda
que parea estar no incio, o processo final), precisa dar conta de todos os problemas
que deveriam ter sido solucionados nos momentos de deciso. Os instrumentos da
gesto ambiental parecem existir para atender a requisitos outros que no a proteo
ambiental, mas para cumprir tabela. Mesmo assim, a disputa interna e as dificuldades de
implementao de aes so enormes.
Nosso argumento no minimiza o papel da gesto ambiental pblica na garantia
dos meios para uma vida digna de toda a populao. Ao contrrio, defendemos a sua
valorizao e fortalecimento, que s podem ser obtidos com a ampla disseminao da
participao popular em todos os processos que envolvam diferentes apropriaes dos
recursos naturais. Desta forma, os projetos de educao ambiental promovidos pelo
rgo ambiental federal no licenciamento de atividades petrolferas so importantes
espaos de construo de conhecimento e fomento participao daqueles
historicamente excludos dos processos de deciso poltica.
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