UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
ACORDO DE CAPITAL DA BASILÉIA NO BRASIL: ENSAIO SOBRE SEUS
IMPACTOS NA OFERTA DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
RALF STEFEN MAIA BERNARDES
Joinville – SC
2012
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RALF STEFEN MAIA BERNARDES
ACORDO DE CAPITAL DA BASILÉIA NO BRASIL: ENSAIO SOBRE SEUS
IMPACTOS NA OFERTA DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
Monografia apresentada ao curso de Economia da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE – como requisito para obtenção de grau de bacharel em Ciências Econômicas, sob Orientação da Profª Eliane Maria Martins, MSc.
Joinville – SC
2012
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FOLHA DE APROVAÇÃO
O aluno Ralf Stefen Maia Bernardes, regularmente matriculado na 5ª série do curso de
Ciências Econômicas, apresentou e defendeu a monografia ACORDO DE CAPITAL DA BASILÉIA
NO BRASIL: ENSAIOS SOBRE SEUS IMPACTOS NA OFERTA DE CRÉDITO DO SISTEMA FINANCEIRO
NACIONAL, e obteve da Banca Examinadora a Média Final ___________________________,
tendo sido considerado aprovado.
Joinville, ______ de ___________________ de 2012.
___________________ ________________________ _____________________
Professor Professor Orientador
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RESUMO
A atividade bancária, em seu processo básico de intermediação financeira, convive com riscos inerentes ao seu negócio. A fim de mitigar tais riscos, entidades supervisoras nacionais reunidas no Comitê da Basiléia, emitiram recomendações regulatórias de cunho restritivo. O objetivo deste trabalho consiste na investigação dos possíveis efeitos no sistema financeiro brasileiro, decorrentes das exigências de capital do Acordo da Basiléia II. Para tanto, o método de abordagem dedutivo-quantitativo foi empregado, através de estudos sobre os aspectos e características do Acordo da Basiléia. Em seguida, a hipótese de efeitos sobre o estoque de crédito foi testada na comparação com dados históricos do Índice de Basiléia. Os resultados obtidos não foram conclusivos perante o período estudado, em decorrência da parcialidade de implementação das recomendações do Acordo da Basiléia II. Porém serviram para clarificar o estágio em que se encontra a regulação prudencial no Brasil e no Mundo.
Palavras-chave: Regulação, Acordo da Basiléia, Requerimentos de Capital.
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ABSTRACT
Banking on the basic process of financial intermediation coexists with risks to your business. In order to mitigate these risks, national supervisors gathered in the Basel Committee, issued recommendations for regulatory nature restrictive. The objective of this study is to investigate the possible effects on the Brazilian financial system, capital requirements stemming from the Basel II. Thus, the method of deductive-quantitative approach was employed, through studies on the aspects and features of the Basel Accord. Then the hypothesis of an effect on the stock of credit was tested in comparison with historical data for Basel Index. The results were inconclusive before the study period, due to the partiality of implementing the recommendations of the Basel II. But served to clarify the stage at which it is prudential regulation in Brazil and Worldwide.
Keywords: Regulation, Basel II, Capital Requirements.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6
1.1 Abordagem Geral do Problema ..................................................................................................................... 7
1.2 Questão de Pesquisa ........................................................................................................................................ 9
1.3 Hipótese ............................................................................................................................................................ 9
1.4 Objetivos .......................................................................................................................................................... 9 1.4.1 Objetivo Geral ............................................................................................................................................ 9 1.4.2 Objetivos Específicos ............................................................................................................................... 10
1.5 Metodologia .................................................................................................................................................... 10
2 ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS DO ACORDO DA BASILÉIA .......................... 12
2.1 Riscos nas Instituições Financeiras .............................................................................................................. 13
2.2 Supervisão Bancária ...................................................................................................................................... 17
2.3 Acordo de Capital da Basiléia ...................................................................................................................... 19 2.3.1 Acordo da Basiléia no Brasil .................................................................................................................... 22
3 BASILÉIA II E A ALOCAÇÃO DE CAPITAL DE RISCO .......................................... 28
3.1 Requerimentos de Capital ............................................................................................................................ 31 3.1.1 Risco de Crédito ....................................................................................................................................... 32 3.1.2 Risco de Mercado ..................................................................................................................................... 33 3.1.3 Risco Operacional .................................................................................................................................... 34
3.2 A Alocação de Capital (O Problema do incentivo ao direcionamento) ..................................................... 36
4 BASILÉIA II, O CRÉDITO BANCÁRIO E O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL .................................................................................................................................................. 39
4.1 Mundo ............................................................................................................................................................ 39
4.2 Brasil ............................................................................................................................................................... 40
4.3 A oferta de Crédito (PRE x Oferta de Crédito) .......................................................................................... 44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 48
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 50
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1 INTRODUÇÃO
Um mundo globalizado, de fluxos dinâmicos diversos e imerso em novas tecnologias,
as quais permitem aumentar exponencialmente o volume e velocidade de transações, faz com
que a economia como um todo sofra crises cada vez mais intermitentes, então se tenta buscar
formas de regular o mercado. Assim sendo, com base nesta visão, o presente trabalho
pretende elucidar o funcionamento, e, por conseguinte os efeitos, do mecanismo de regulação
do mercado bancário, com foco no acordo da Basiléia, frente à solvência de instituições
bancárias, através do estudo da adequação de capital e o contexto em que está inserido.
A economia brasileira passou por grandes turbulências nas últimas duas décadas do
milênio, entre elas principalmente a inflação e as consequências de seu controle. Nessa época
o sistema bancário brasileiro estava voltado para sua principal forma de receita, o floating,
mecanismo de correção de recursos de curtíssimo prazo - depósitos à vista – no período de um
dia para outro. Após a estabilização ocorrida em meados da década de 90, os bancos
passariam a buscar outras formas de receitas, e com um sistema de pagamentos robusto
herdado do período inflacionário, a alternativa mais plausível e rentável era o crédito
bancário. Na época era evidente entre estudiosos da economia, que as energias seriam
voltadas ao crédito, ou seja, captariam recursos no mercado junto a agentes superavitários e
emprestariam a agentes deficitários (SOARES, 2002).
Nesse contexto, reside a importância da regulação macro prudencial1 realizada por
órgãos fiscalizadores, já que o presumível aumento no índice de alavancagem geral das
operações dessas instituições, elevariam sobre maneira o risco sistêmico no país. Apesar do
estoque de crédito bancário no Brasil ser de apenas 29%2 do PIB, diante de percentuais acima
de 100% verificados em países economicamente maduros (CINTRA, 2000, apud SOARES,
2002), a possível velocidade de crescimento dessas operações é que preocupava. Diante disso,
o conjunto de medidas reguladoras chamado de Acordo de Capital da Basiléia3, oriundo de
medidas convencionadas por bancos centrais das principais economias do mundo (G10), foi
então adotado no Brasil em agosto de 1994.
1 Regulamentação voltada à manutenção da saúde e segurança do sistema financeiro. 2 Patamar verificado quando da implantação do Plano Real e posterior aderência ao Acordo da Basiléia. Conforme dados do Banco Central – SGS. 3 BASLE COMMITTEE ON BANKING SUPERVISION – Acordo firmado em Basiléia (Suíça) entre os Bancos Centrais do G10 (Alemanha, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Holanda, Reino Unido, Suécia e Suíça), baseado em estudos empíricos, com objetivo de diminuir efeitos de vantagem competitiva oriundos de discrepâncias de regulação interna entre países.
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Segundo Verrone (2007), o problema está no risco incorrido além da remuneração
recebida pela operação, ou seja, através de padrões históricos é calculada a remuneração a ser
recebida diante do risco de perdas ocorridas, porém quando as perdas ultrapassam padrões
esperados, os recursos consumidos para cobrir essas perdas são oriundos do capital próprio do
banco.
Por serem medidas de regulação, muitas se mostram deveras conservadoras, de
maneira que levantam diversas indagações sobre a evolução posterior da economia brasileira,
mais precisamente do sistema financeiro. Com intuito de clarificar possíveis efeitos da
regulação proposta pelo Acordo da Basiléia na economia brasileira, mais precisamente através
da oferta de crédito do sistema financeiro nacional, é que este trabalho preliminar está sendo
estruturado.
Portanto, ao abordar o Acordo da Basiléia, e após a explanação de alguns conceitos
essenciais, será comentada sua contextualização no cenário nacional, seus aspectos
regulatórios e características regionais adotadas pelo Banco Central para implementação no
Brasil. Num segundo momento será feita uma abordagem sobre a regulamentação para o
capital de risco das instituições financeiras, com uma análise das opções de aplicações de seus
ativos e abordará ainda o problema do incentivo ao direcionamento do capital alocado.
E, por fim, buscar-se-á analisar os dados sobre a oferta de crédito do sistema
financeiro e a alocação dos ativos disponíveis dos bancos. Além, é claro, das considerações
finais sobre os possíveis efeitos do Acordo da Basiléia no sistema financeiro nacional.
1.1 Abordagem Geral do Problema
O Mercado Financeiro, por si só, tende a ser excessivamente alavancado, já que seu
principal processo é a intermediação financeira. Segundo Mayer, Duesenberry e Aliber (1993)
a intermediação tem como benefícios a redução dos custos transacionais, a concessão de
empréstimos a longo prazo (aumento da liquidez), e que por fim, mitiga os riscos das
operações. Também, de acordo com Fortuna (2002), essas características que tornam a
intermediação financeira um elemento dinâmico no processo de crescimento da economia,
permitem elevar o volume de poupança e investimentos em um país. Porém, ao mesmo tempo
em que fornece liquidez aos mercados, a intermediação financeira, como cita Alexander
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(2005), é incentivada por forças externas movidas pela competição. Estas capacitam os
participantes - com novos produtos – a aumentar a alavancagem a níveis muito elevados.
Para Carvalho (2007, p. 275),
intermediários financeiros têm incentivos a correr riscos excessivos porque sua remuneração depende da realização do maior volume de negócios possível, particularmente aqueles de maior risco que, por isso mesmo, oferecem maiores taxas de rentabilidade.
A exemplo do que defende Fortuna (2002), não existe mecanismos de proteção que
impeçam a reação em cadeia de inadimplências que podem vir a ocorrer em produtos de alta
complexidade, contaminando o sistema, e que fatalmente levará uma perda geral de confiança
no sistema bancário com possíveis prejuízos a economia real. Logo, a fragilidade com que
fica exposto o Sistema Financeiro, a partir de possibilidades de especulação, exige medidas
fiscalizadoras e regulatórias de abrangência global.
Paralelamente à atividade bancária, o risco operacional operou catástrofes em outros
segmentos da economia, revelando deficiências em processos operacionais e na conduta de
executivos, como colocam Camazano e Arima (2008). Sendo assim, externalidades positivas
e negativas servem de justificativa tanto para a criação de instrumentos de preservação do
sistema financeiro, quanto para a imposição de limites às suas formas de atuação
(CARVALHO, 2007). É neste sentido, que foram criadas forças regulatórias que buscam
promover a competição justa entre empresas, visando proteger a solvência das instituições
financeiras e controlar riscos sistêmicos (ALEXANDER, 2005).
Segundo Carvalho (2007), toda regulação implica, necessariamente em limitação da
liberdade de escolha privada, dado que se não houvesse a possibilidade de comportamentos
danosos serem adotados, não haveria a necessidade de inibi-los. No caso do sistema bancário,
dentre o leque de mecanismos de regulação adotado no Acordo da Basiléia, especificamente
no que diz respeito ao crédito, está a reserva de capital mínimo exigido dos bancos para cobrir
possíveis perdas ocorridas, por exemplo, em grandes operações de crédito (YANAKA e
HOLLAND, 2009). Tal exigência é ponderada pelo risco atribuído a cada tipo de ativo em
que os bancos aplicam seus recursos, e conforme o grau de conservadorismo adotado pelo
órgão regulador, inevitavelmente haverá incentivos na alocação de recursos em certos tipos de
ativos (FERREIRA et al, 2010; YANAKA E HOLLAND, 2009; GOTTSCHALK E SODRÉ,
2005; SOARES, 2002).
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Conforme Blum e Nakane (2005), a estabilidade econômica e o baixo volume de
crédito ofertado no sistema bancário brasileiro nos últimos anos motivam a investigação entre
a relação de requerimentos de capital e a oferta de crédito no país. Neste sentido faz se
necessário o levantamento de informações pertinentes ao assunto, e por fim o estudo da
relação entre o capital mínimo exigido e o estoque de crédito efetivamente ofertado.
1.2 Questão de Pesquisa
O estudo tem como questão de pesquisa: Quais os possíveis efeitos do Novo Acordo
da Basiléia sobre a oferta de crédito, principalmente com relação ao sistema bancário
nacional?
1.3 Hipótese
Os possíveis efeitos do Novo Acordo da Basiléia sobre a oferta de crédito estão
relacionados às medidas de restrição de ativos, como a exigência de capital mínimo, que
direcionam artificialmente o mercado, tornando-o menos eficiente à aplicação de capital.
1.4 Objetivos
1.4.1 Objetivo Geral
Analisar os efeitos da implementação do Acordo da Basiléia sobre a Oferta de Crédito,
principalmente no que diz respeito a estrutura de capital e seu funcionamento no Sistema
Financeiro Brasileiro.
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1.4.2 Objetivos Específicos
� Estudar os principais aspectos e características do Acordo da Basiléia I que
modificaram a regulação.
� Identificar as principais decisões a respeito do capital de risco das Instituições
Financeiras decorrentes do Acordo da Basiléia II.
� Examinar a evolução dos dados históricos envolvendo o crédito bancário no
Sistema Financeiro Brasileiro, com ênfase nas Instituições Bancárias.
1.5 Metodologia
A presente pesquisa será pautada por uma abordagem quantitativa, em que pese dados
estatísticos relativos à comparabilidade de crédito bancário sobre o efeito da regulação
prudencial. Segundo Silva e Menezes (2005), na pesquisa qualitativa a interpretação dos
fenômenos e a atribuição dos significados são processos básicos dessa abordagem, onde o
pesquisador passa a ser instrumento-chave e a coleta de dados acontece diretamente no
ambiente natural do fenômeno estudado. Por outro lado, a utilização de dados quantificáveis
pode ajudar a demonstrar de forma mais clara e objetiva, os resultados da pesquisa a serem
alcançados.
Quanto ao tipo, por se tratar de uma pesquisa predominantemente quantitativa, e ex
post facto já que, conforme Kerlinger (1979, p. 52), advém quando o “fato a ser estudado já
ocorreu, verificando-se quais elementos geraram determinado acontecimento, ou quais
prováveis caminhos surgirão devidos o ocorrido”, será utilizado, então, pesquisa bibliográfica
e documental, a primeira para embasar os argumentos que sustentarão os estudos e a segunda
para registrar com propriedade os números concernentes à evolução do estoque de crédito, e o
que mais se julgar necessário. Somado a isto, contribui para o fato de que o problema
proposto ocorre em ambiente macroeconômico, cujas características inviabilizam a pesquisa
experimental.
Para tanto o método de abordagem que alvitre ser mais adequado, respeitando as
características do tema, é o dedutivo, pois conforme Gil (1999) e Lakatos e Marconi (1993,
apud SILVA E MENEZES, 2005, p. 25) “o raciocínio dedutivo tem o objetivo de explicar as
premissas. Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem decrescente, de análise do
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geral para o particular”, e assim chegar a uma conclusão a respeito da influência das medidas
adotadas pelo Acordo da Basiléia. Dessa maneira o trabalho de pesquisa será direcionado para
o nível de aprofundamento descritivo e explicativo, onde serão explanados os principais
conceitos e em que contexto se encontra a regulação prudencial do sistema bancário para em
seguida, apropriado da premissa que sustenta o estudo, buscar as conclusões decorrentes. Por
fim o nível de aprofundamento explicativo nos permite cunhar uma teoria aceitável a respeito
do problema, ocupando-se dos porquês e identificação dos fatores que contribuem e/ou
determinam a ocorrência dos fatos (SANTOS, 2000).
Finalmente, convém ressaltar que para responder a questão de pesquisa será feito um
levantamento bibliográfico e documental, a fim de organizar informações a respeito do
Acordo da Basiléia e seu contexto no mercado brasileiro, além de dados estatísticos oriundos
do sistema financeiro nacional. Tais dados visam dar suporte à análise que se realizará em
torno do requerimento de capital exigido das Instituições Financeiras e o crédito bancário
nacional. A partir daí, os estudos e análises devem levar às conclusões a respeito dos efeitos
da implementação do Acordo da Basiléia sobre a estrutura e o funcionamento do Sistema
Financeiro Brasileiro, principalmente no que diz respeito ao crédito bancário.
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2 ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS DO ACORDO DA BASILÉIA
Em busca de elucidar as questões e conceitos envoltos no atual modelo de
funcionamento do mercado financeiro e, por conseguinte, no sistema financeiro nacional, e
assim descrever em que contexto se encontra as regulamentações do Acordo da Basiléia no
Brasil, deve-se responder a pergunta: Qual a atividade básica das instituições financeiras?
Porém antes de responder a esta questão, é importante se atentar para o conceito de instituição
financeira4 atribuída por Sandroni (2007, p. 64), são aquelas pessoas jurídicas públicas ou
privadas, que tenham como “atividade básica a guarda de dinheiro ou valores e a concessão
de empréstimos”. Desse modo, tem-se que as instituições financeiras nada mais são que
intermediários financeiros.
Para Hillbrecht (1999), intermediários financeiros são assim chamados porque
transferem fundos dos agentes da economia que tem fluxos de caixa livre ou excedentes para
aqueles que têm deficit financeiros. E cada vez mais as instituições financeiras criam
instrumentos e mecanismos, tanto de captação de recursos como para aplicação dos mesmos.
Em Assaf Neto (2011) pode-se ter uma ideia da importância desses mecanismos, como coloca
o autor, já que mercados financeiros desenvolvidos cumprem sua função de permitir a
interação entre seus agentes econômicos de forma a reduzir custos transacionais e o risco das
operações. Isso acontece com o ganho de escala obtido pelas grandes instituições financeiras
ao captar recursos de inúmeros poupadores, e aplicar tais recursos de maneira diversificada.
Um terceiro benefício é apresentado por Mayer, Duesenberry e Aliber (1993). Além
dos citados anteriormente, o ganho de escala permite a concessão de empréstimos a longo
prazo, possível pela liquidez gerada com o fluxo de capitais da intermediação financeira.
Assim grandes projetos podem ser executados, algo que não seria possível, pelo menos a um
risco aceitável, se não fosse à reunião de recursos de vários poupadores no mercado
financeiro. Tal contexto se caracteriza em um mercado maduro e evoluído, onde além da
intermediação financeira propriamente dita, o sistema financeiro provê o compartilhamento de
risco, liquidez e informação (HILLBRECHT, 1999), e cuja importância é frisada por Passos e
Nogami (2005) nos seguintes benefícios:
- Captações a custo reduzido;
4 Particularmente, para fins deste estudo, será utilizada a expressão “instituição financeira” de forma equivalente ao significado de “banco”, haja vista sua atividade básica ser a mesma e o foco do estudo na atividade bancária.
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- Atendimento especializado e mais eficiente a determinados e complexos setores
econômicos;
- Diversificação nas alternativas de investimento;
- Mitigação de risco e diluição de custos nas transações de empréstimos;
- Aumento da liquidez dos títulos de crédito.
Com a dinâmica alcançada em uma economia globalizada, onde as operações de
mercado (produtos e mecanismos financeiros) se tornam mais complexas, os intermediários
financeiros passam a trabalhar de maneira mais especializada, sofisticando seus negócios e
suas relações com poupadores e tomadores de recursos (ASSAF NETO, 2011; PASSOS e
NOGAMI, 2005). Se por um lado a intermediação financeira em um país contribui para que o
volume de investimentos e níveis de poupança seja elevado, através das sinergias geradas
pelas economias de escala, o entrelaçamento de recursos e a alavancagem5 geram um aumento
do risco incorrido. Logo, se entende que, para que o sistema financeiro cumpra suas funções,
e seus agentes atuem com lisura e de maneira permanente, deve haver um acompanhamento
permanente pelos órgãos reguladores.
2.1 Riscos nas Instituições Financeiras
Toda operação, na intermediação financeira, tem um risco específico atrelado à sua
execução, e em operações simples tais riscos já são amplamente conhecidos. Como Hillbrecht
(1999, p. 89) cita, os riscos de seleção adversa6 e risco moral7 provenientes da assimetria de
informação, que ocorre “sempre que uma das partes envolvidas em uma transação não tem
toda informação relevante para tomar uma decisão correta”, podem causar danos à relação
entre agentes econômicos ferindo sua premissa de confiança. Nesse caso a própria atividade
de intermediação financeira mitiga parte desse risco, já que as instituições financeiras
assumem a responsabilidade final de aplicação/captação dos recursos, pois possuem
condições de obter informações suficientemente relevantes no mercado como um todo.
5 Alavancagem, no termo econômico, consiste na utilização de recursos de terceiros para auferir ganhos maiores do que os obtidos sem os mesmos. 6 Problema que ocorre antes de uma eventual transação, gerado pela falta de informação que pode levar a uma decisão menos vantajosa (HILLBRECHT, 1999). 7 Problema que ocorre após uma transação, onde o tomador de recursos passe a atuar em atividades indesejáveis por parte do empregador dos recursos (HILLBRECHT, 1999).
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Porém à medida que se criam novos produtos financeiros vinculados a outros
produtos, conhecidos no mercado ou não, e esses vínculos acabam tornando sua origem mais
distante na busca de fornecer inovações e particularidades aos clientes, o risco sistêmico se
torna mais latente.
Segundo Carvalho (2007, p. 279),
a conglomeração financeira, ou a diversificação das atividades de instituições antes funcionalmente especializadas cria vários problemas de difícil solução para supervisores. [...] a administração de risco por parte das IF agora atravessa as fronteiras dos diversos segmentos do mercado.
Mas, Alves e Cherobim (2006), complementam ao afirmar que o risco, na atividade
financeira, faz parte do negócio. E, de acordo com Assaf Neto (2011), os bancos trabalham
com modelos probabilísticos de ocorrência de determinados resultados em relação a um valor
máximo esperado de perda, conforme mostra a Gráfico 1. Ou seja, já foram desenvolvidas
maneiras de quantificar a possibilidade de perda futura, logo se devem definir quais riscos e
mensurá-los para, a partir daí, formar bancos de dados suficientemente válidos para aplicar
tais mecanismos.
Gráfico 1: Distribuição de Perdas. Fonte: Adaptada de BB (2012)
Perdas Catastróficas
Fre
quên
cia
(%)
Perdas Esperadas
Nív
el d
e C
onfi
ança
(%
)
Capital Econômico
Lucros e Provisões
VaR
Perdas Inesperadas
Perdas ($)
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Em Princípios Fundamentais para uma Supervisão Bancária Efetiva (2006) 8 ,
documento que tem sua origem nas tratativas do Acordo da Basiléia e serve de parâmetro em
diversos países do mundo para supervisão bancária, o Banco Central do Brasil relaciona os
riscos aos quais os bancos estariam sujeitos, como segue:
- Risco de Crédito: é a possibilidade de inadimplemento em uma operação de crédito,
ou como coloca Sandroni (2007), a falta de recebimento de uma contraparte à outra, em
determinada operação comercial;
- Risco País: é o risco de exposição a perdas causadas por eventos em um determinado
país (BCBS, 2011), e não se refere exclusivamente ao seu governo, mas ao país como um
todo tomando um sentido mais amplo em sua concepção;
- Risco de Transferência: conforme BCBS (1997, apud ALVES e CHEROBIM, 2006),
é um componente do risco país que ocorre quando a obrigação de um tomador está designada
em moeda estrangeira e pode não estar disponível sua conversibilidade na ocasião do
pagamento, geralmente decorrente de condições impostas pelo governo;
- Risco de Mercado: relaciona-se a “possibilidade de perdas causadas pelos impactos
de flutuações de preços/índices/taxas sobre instrumentos financeiros assumidos por uma
empresa” (SANDRONI, 2007, p. 739);
- Risco de Liquidez: Basicamente é constituído na “dificuldade de uma empresa em
honrar seus compromissos” (SANDRONI, 2007, p. 738), no caso dos bancos pode configurar
também na dificuldade de venda de um ativo (ou mais ativos) no tempo desejado, e assim
comprometendo temporariamente sua liquidez;
- Risco Operacional: relaciona-se a “perdas decorrentes de falhas ou inadequação
interna de processos, pessoas e sistemas, ou eventos externos” (BCBS, 2011, p. 58), eventos
esses como catástrofes ou atividades criminosas que podem levar a perdas para as instituições;
- Risco de Taxa de Juros: risco específico ao ambiente financeiro “refere-se à
exposição de uma condição financeira de um banco a movimentos adversos nas taxas de
juros” (BCBS, 1997, apud ALVES e CHEROBIM, 2006, p. 4), que podem ocasionar tanto
perdas financeiras quanto em relação ao valor econômico de seus ativos.
Tais riscos referem-se aos princípios elencados pela autoridade supervisora nacional
para ações de identificação e monitoramento de eventuais eventos danosos ao sistema e que se
encontram no seu escopo de atuação. Porém se podem citar ainda outros tipos de risco aos
8 Documento elaborado pelo Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária e revisado pelo Banco Central do Brasil para utilização no âmbito local.
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quais as instituições financeiras estão expostas, e que podem ou não estar implícitos nos
listados anteriormente. A saber:
- Risco Sistêmico: relaciona-se a uma situação de mercado em que uma instituição
financeira pode não acertar suas contas com as demais (as quais deve), e que possa levar a
uma reação em cadeia provocando uma crise em todo o sistema (SANDRONI, 2007). Pode-se
ainda ser atribuído ao risco mínimo incorrido por qualquer agente que atue no sistema
financeiro (risco não diversificável);
- Risco de Reputação: correspondente “às perdas potenciais que uma empresa pode
sofrer por descuidos com sua imagem” (SANDRONI, 2007, p. 739). Tal risco está
intimamente ligado à atividade primária das instituições financeiras, pois afetam a confiança
dos clientes;
- Risco Legal: relacionado à interpretação legal, documentação incorreta ou
inadequada de certa transação que acarreta em discordância das leis e normatizações na esfera
jurídica (BCBS, 1997, apud ALVES e CHEROBIM, 2006); entre outros.
Com a criação de novos produtos e serviços, além da diversificação da atividade
bancária, o banco se torna crescentemente especializado na administração de riscos que
podem afetar seu rendimento (CARVALHO, 2007). Porém, não pode ser ignorado o
fundamento primordial dos agentes econômicos no mundo capitalista na perspectiva pós-
keynesiana, que é a busca pela maximização dos lucros (SOARES, 2002), o que leva a uma
situação limite. Ao mesmo tempo em que as instituições financeiras9 devem garantir o lucro a
seus acionistas, o excesso de alavancagem eleva de sobre maneira o risco incorrido nas
operações.
Nesse sentido, que o advento da regulação sobre as instituições financeiras é de suma
importância, visto que, se devem evitar ao máximo, acontecimentos que resultaram em
prejuízo a grande parte do sistema financeiro e, é claro, a agentes diversos da economia. A
exemplo do que aconteceu com o banco alemão Bankhaus I.D. Herstatt 10 , e o banco
americano Franklin National Bank of the Nova York, ambos foram à falência em 1974 em
meio à crise internacional, prejudicando ainda mais a economia mundial na época
(SANDRONI, 2007). Dessa maneira, que as principais lideranças mundiais devem estar
9 Na verdade, todo e qualquer agente econômico que tenha recursos disponíveis deve passar por tal decisão a cerca do tripé rentabilidade-risco-liquidez. 10 Um dos maiores bancos da Alemanha, o Herstatt quebrou repentinamente. A principal causa decorreu de aplicações substanciais no mercado de câmbio de curtíssimo prazo, pouco antes de o dólar perder força no mercado internacional, dentro do sistema de taxas flutuantes de câmbio, recentemente implantado. (SANDRONI, 2007)
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atentas e engendrar esforços constantes no aperfeiçoamento de técnicas regulatórias na gestão
dos mais diversos riscos a que o sistema financeiro internacional está sujeito.
2.2 Supervisão Bancária
A regulação prudencial em sua essência denota o acompanhamento supervisório e
fiscalizador do órgão regulador perante as instituições financeiras (YAZBEK, 2007), com
intuito de mitigar possíveis insolvências, decorrentes da imprudência de tais instituições
frente os riscos incorridos em sua atividade básica, a intermediação financeira.
No ambiente internacional uma das principais e mais antigas entidades do sistema
financeiro mundial é o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International
Settlements – BIS), sediado em Basiléia (Suíça) no ano de 1930. Cujos objetivos permeiam, a
promoção da cooperação entre os bancos centrais, a facilitação das operações financeiras
internacionais, e ainda o fornecimento de “aporte financeiro emergencial em caso de crises
que ameacem o sistema financeiro internacional como um todo” (BACEN, 2012, p. 8). Este
último, incluído apenas após as crises monetárias internacionais da década de 7011, a exemplo
do que expõe o próprio BIS,
The 1970s crisis also brought the issue of regulatory supervision of internationally
active banks to the fore, resulting in the 1988 Basel Capital Accord and its "Basel II
" revision of 2001-06.12 (BCBS, 2012, web)
E que resultou na criação do Comitê de Regulação Bancária e Práticas de Supervisão,
hoje denominado Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia (Basle Committee on Banking
Supervision (BCBS)13. Que se constitui em um fórum, que se utiliza da estrutura física do BIS
11 Período de grande instabilidade financeira internacional, e que, se intensificou com o agravamento da crise do petróleo com fortes especulações contra o dólar, aumento substancial do fluxo internacional de capitais (petrodólares), forçou a desvalorização da moeda americana que culminou na derrocada do sistema Bretton Woods (padrão dólar) em 1971, passando pelo período de padrão dólar flexível (acordo smithsoniano), resultando então no padrão flutuante de câmbio, em 1973, oficializado no acordo da Jamaica em 1976. (BARROS, 2011) 12 Nossa tradução - A crise do início da década 70 também trouxe a questão da supervisão reguladora de bancos internacionalmente ativos à tona, resultando no Acordo de Capital da Basiléia de 1988 e seu Acordo da “Basileia II", revisão de 2001-06. - 13 Criado pelos representantes dos bancos centrais dos países do G10, em 1974, hoje é composto por representantes das autoridades de supervisão e dos bancos centrais da África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, China, Coréia, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Hong Kong, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Reino Unido, Rússia, Singapura, Suécia e Suíça e Turquia.
18
para discussão, análise e troca de informações sobre técnicas regulamentares de supervisão
bancária local, e era então formado pelos representantes dos bancos centrais dos países do
G10. A partir de então foram firmados os Tratados da Basiléia 14 , com os princípios
embrionários da supervisão prudencial, com base nos fóruns regulares, conforme publicado
em seu site,
one important objective of the Committee's work has been to close gaps in
international supervisory coverage in pursuit of two basic principles: that no
foreign banking establishment should escape supervision; and that supervision
should be adequate.15 (BCBS, 2012, web)
Ou seja, em primeiro lugar estabeleceu dois princípios: nenhum estabelecimento
bancário no exterior deixaria de ser supervisionado, e que a supervisão deveria ser adequada.
Tal tarefa seria dada ao BIS, para supervisão de estabelecimentos bancários no exterior, pois
era crescente a integração dos mercados, visto que com o crescimento das instituições e a
diversidade de regulamentações internas entre países, as instituições se utilizavam dessas
diferenças em seu benefício caracterizando muitas vezes em vantagens competitivas. Essa
primeira decisão aumentou a confiança do sistema bancário internacional. Desde então, como
assenta Herring e Litan, 1995, (apud YAZBEK, 2007), o comitê tem por objetivo a
harmonização das práticas de regulação prudencial, através da busca pela uniformidade de
critérios de avaliação e de consideração do patrimônio das instituições financeiras.
Porém é importante frisar que o comitê da Basiléia “não tem qualquer autoridade
formal de supervisão supranacional” (BIS, 2012, web), situação essa que foi reforçada na
publicação dos “Princípios para a supervisão em estabelecimentos bancários no exterior”16.
Tal documento estabelece a autoridade formal do país de origem na supervisão de
estabelecimentos bancários no exterior. Assim, com o crescimento das instituições
financeiras, e respectivamente do sistema financeiro, as autoridades de “uma série de países
introduziram exigências formais de capital ponderado pelo risco para os bancos (JACKSON
et al., 1999, apud FERREIRA et al., 2010), como por exemplo, Reino Unido e Estados
Unidos, em 198117. Tais medidas se mostravam necessárias diante da robustez alcançada
14 Cuja primeira publicação foi intitulada de “Concordat”. 15 Nossa tradução - Um objetivo importante do trabalho da Comissão foi a de fechar lacunas na cobertura de supervisão internacional em busca de dois princípios básicos: que nenhuma instituição bancária estrangeira deve escapar da supervisão; e que a fiscalização deve ser adequada. 16 Publicada em 1983, nada mais é do que uma revisão ampliada da publicação “Concordat”. 17 Parâmetros de capital exigido de instituições bancárias são utilizados desde o início do século XX, nos Estados Unidos, inicialmente sobre o total de depósitos evoluindo para o total de ativos na década de 40. (REED e GILL,1994; apud SOARES, 2002)
19
pelas instituições da época, sendo que o capital próprio dos maiores bancos do mundo tinha se
tornado perigosamente baixo em relação aos ativos, contudo as recomendações do comitê da
Basiléia, até então, eram ainda muito genéricas a ponto de não dirimir as discrepâncias que
causavam situações de vantagem competitiva entre regulamentações internas dos países.
Foi então que, após esforços realizados ao longo da década de 80, em meio a
instabilidades internacionais, no sentido de introduzir exigências regulatórias de capital que
trouxessem padrões e abordagens comuns por diversas entidades supervisoras, que através do
Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária, foi publicado o Acordo de Capital da Basiléia18,
em 1988.
2.3 Acordo de Capital da Basiléia
O documento, então redigido de modo a promover a convergência internacional das
regulações supervisoras, previa a implantação de um sistema de medida do risco de crédito, a
adoção de um limite mínimo de capital a ser mantido pelos bancos, e a consequente
padronização do conceito de capital, incluindo as atividades off-balance-sheet (fora do
balanço numa tradução livre). O objetivo era, como coloca Securato (2006), “estipular regras
que conferissem maior solidez e credibilidade ao sistema financeiro internacional” de maneira
a evitar que a competição bancária levasse a riscos não suportados pelo capital dos bancos.
Soares (2002, p. 26) vai além ao citar que, para garantir maior solvência e liquidez ao sistema
bancário internacional, o acordo objetivava a minimização dos riscos de insucesso dos bancos
internacionais, e ainda a redução das desigualdades competitivas ocasionadas pelas diversas
disposições vigentes, através do estabelecimento “de um padrão comum de determinação de
capital dos bancos”.
O consenso a que se chegou foi a determinação, para bancos com atividades
internacionais, de um capital mínimo igual a, pelo menos, 8%19 de seus ativos ajustados ao
risco de crédito20, sendo previsto um prazo de implantação a se findar no ano de 1992.
������� ��
��� �� ���������≥ ��� (1)
18 Originalmente intitulado “International Convergence of Capital Measurements and Capital Standards”. 19 Esta grandeza é oriunda, segundo Magliano (1994, apud SOARES, 2002), de estudos onde se obteve a média de alavancagem dos maiores bancos americanos (12,5), sendo o percentual o inverso da alavancagem. 20 Segundo o BCBS (1988), o risco de crédito era o principal risco incorrido pelas instituições bancária na época.
20
Para tanto, foram definidos os componentes de capital, também chamados de
Patrimônio Líquido Ajustado (PLA) a serem levados em conta para a definição do capital
próprio das instituições financeiras. Com isto o PLA seria composto por capitais básicos
(nível 1), basicamente capital próprio e reservas, e capitais suplementares (nível 2),
instrumentos híbridos de captação de recursos, sendo que 50% do PLA deveriam ser,
necessariamente, compostos por capitais básicos. Para estar enquadrada nas recomendações
do Acordo, a instituição deve apresentar um PLA maior ou igual ao Patrimônio Líquido
Exigível (PLE), determinado pela razão capital-ativo e definida pelo inverso da alavancagem,
acordada em no máximo 12,5 pontos como padrão sugerido pelo comitê, ou seja, 8%
(SOARES, 2002). A definição, a qual é “que os bancos reservem parcela de seu capital
próprio para cobrir perdas potenciais, [...]” (FORTUNA, 2002, p. 542), pode ser demonstrada
na equação (2):
��� = ��∑ ����� (2)
Onde:
α = razão capital-ativo = inverso da alavancagem = (1/a)
�∑ ����� = ativo total do banco ponderado pelo risco
��= ativo i
�� = ponderação de risco do ativo i
Além do nível de alavancagem o BCBS recomendou o ajuste dos ativos ao risco,
classificados em cinco categorias, a saber:
- 0% (risco nulo) – disponibilidades;
- 10% (risco reduzido) – títulos federais;
- 20% (risco reduzido) – aplicações em ouro;
- 50% (risco reduzido) – títulos dos governos estaduais e municípios;
- 100% (risco normal) – créditos diversos;
21
Lembrando que são recomendações que serviram como base para as autoridades
supervisoras aplicarem nos sistemas financeiros de seus países, as entidades que fazem parte
do comitê deveriam seguir as recomendações, podendo aplicar exigências mais altas que as
contempladas no Acordo de Basiléia. Contudo, o acordo teve ampla adesão dos bancos
centrais de vários países, sendo aplicados inclusive a bancos de menor porte.
Porém, com o decorrer da década de 90, foram surgindo críticas quanto às exigências
do acordo, que consistiam na incompatibilidade com medidas internas de mitigação de riscos
e de adequação de capital mais sofisticada adotadas por alguns bancos, além da não
consideração de todos os riscos a que os bancos estão sujeitos21 e da qualidade do crédito
atribuído a cada tomador (SECURATO, 2006). Wray (2006), conclui bem as distorções a que
chegou a regulamentação do Acordo da Basiléia I, ao afirmar que, “o ‘capital regulatório’
exigido para atender ao Acordo desviava-se do ‘capital econômico’ de que os bancos
efetivamente precisavam para se proteger contra perdas”. Em síntese, o acordo requeria
capital de 8% para todos os empréstimos corporativos, sendo que avaliações internas de risco
econômico estimavam entre 1% e 30% o capital para perda esperada dos empréstimos
individuais. Logo, as operações com perdas esperadas de 1% a 8% eram reagrupadas e
revendidas a investidores (securitização22), e as demais eram mantidas em carteira, pois
requeriam capital regulatório de apenas 8%, e seu risco real era diluído através de derivativos
de crédito (GUTTMANN, 2006). Aliado a isso, as crises financeiras da década de 90
ajudaram a evidenciar as limitações da regulamentação do setor bancário, apesar dos avanços
o acordo de 1988 já não tinha os efeitos pretendidos diante de inovações financeiras recém-
criadas.
Na tentativa de ampliar o escopo de recomendações, em 1996, o BCBS publicou a
emenda23 ao acordo de 1988 com intuito de contemplar o risco de mercado ao cálculo de
capital exigido (PLE), instituindo para isso uma terceira categoria de capital (nível 3),
vinculada a operações de curto prazo. Dessa maneira a fórmula passa a ser a seguinte:
21 O acordo estava focado no risco de crédito apenas. 22 Operação na qual “uma carteira de crédito de um banco, ou parte dela, é vendida a uma empresa constituída especialmente para esse propósito. Uma empresa de rating estrutura toda a operação de constituição da nova empresa que recebe a carteira de crédito, organiza a emissão de títulos lastreados nesses créditos – as securities – no mercado financeiro, estabelece uma ordem de prioridade de recebimento entre eles [...] e classifica esses títulos.” (CHIANAMEA, 2005, p. 12) 23 Título original em inglês: “Amendment to the Capital Accord to Incorporate Market Risks”.
22
���������
��������é����!�"#,%∗�������'������≥ 8% (3)24
E, em 1997, foi publicado o documento intitulado Princípios Fundamentais para uma
Supervisão Bancária Eficaz (BCBS, 1997), onde foram elencados 25 princípios básicos
indispensáveis a um sistema de supervisão. Apesar disso, diante do cenário instável, e
ocorrências de prejuízos e falências de instituições financeiras supervisionadas, em
decorrência de fraudes, controles ineficazes, erros de estratégia, operações não autorizadas
(MOURA NETO e RIBEIRO, 2006), e as limitações ainda contidas no acordo, a exemplo do
que cita Alexander (2005, p. 297),
a mensuração dos MRR’s (Exigência de Capital de Risco de Mercado) é muito complexa, enquanto a do risco de crédito é ainda muito primária, e o risco operacional, totalmente ignorado.
O comitê se viu obrigado a reformular as recomendações do acordo, e para isso se
reuniu novamente para discussões sobre o desenho de um novo arcabouço regulatório, ainda
no vim da década de 90 que, após estudos e algumas consultas públicas, daria origem ao
Novo Acordo de Capital da Basiléia.
2.3.1 Acordo da Basiléia no Brasil
Na década de 90 o Brasil passou por um marco econômico, que foi a implantação do
Plano Real, em julho de 1994, cuja importância e serenidade com que foi aplicada nos
renderam a tão esperada estabilidade econômica. Em consonância com as medidas de ajuste
da economia colocadas em prática pelo governo, o Banco Central editou a resolução nº
2.099 25 , de 17 de agosto de 1994, que estabeleceu novas regras de autorização de
funcionamento e instalação de instituições financeiras, bem como exigências de limites
mínimos de capital e patrimônio líquido, ajustados e compatíveis com o grau de risco da
estrutura de ativos (BACEN, 1994). Segundo Fortuna (2002, p. 535), a resolução “consolida a
24 A fim de anular o efeito da alavancagem na mensuração do risco de mercado, a soma dos termos de risco é efetuada após a multiplicação do termo de risco de mercado por 12,5 (inverso da alavancagem). 25 A Resolução 2099 traz quatro anexos que tratam respectivamente de: autorizações de funcionamento, transferência de controle e reorganização; limites mínimos de capital realizado e patrimônio líquido; instalação e funcionamento de dependências; e manutenção de valor de patrimônio líquido compatível com o grau de risco da estrutura de ativos (BACEN, 1994).
23
mais importante mudança no mercado financeiro brasileiro nos últimos 30 anos”. O autor vai
além ao afirmar que,
o processo de globalização da economia obrigou o CMN a regulamentar, [...] os Limites Mínimos de Capital Realizado e Patrimônio Líquido para Instituições Financeiras, com o objetivo macro de enquadrar o mercado financeiro aos padrões de solvência e liquidez internacionais [...] (FORTUNA, 2002, p.535).
Tais medidas vão de encontro com os objetivos de adaptar o modelo de supervisão
brasileiro aos princípios e recomendações do Comitê da Basiléia, alinhados às melhores
práticas internacionais de supervisão macroprudencial.
Conforme publicação do próprio Banco Central (2012), em seu Manual da Supervisão,
a partir desse momento o modelo adotado passa a ser essencialmente prudencial26, ao invés de
prescritivo27, apesar de conter questões adicionais às recomendadas pelo Comitê da Basiléia e
que denotam ainda resquícios do modelo anterior. Dentre as normatizações pertinentes a este
trabalho, decorrentes da Resolução 2.099, está o estabelecimento da nova sistemática de
cálculo do PLE dos bancos brasileiros em função dos ativos ajustados ao risco, que num
primeiro momento segue a risca a forma de cálculo recomendada no Acordo da Basiléia.
Conforme apresentada a seguir:
��� = 0,08�+,�� (4)
Onde:
Apr = Ativo ponderado pelo risco.
A definição de ativos tem como base o Plano Contábil das Instituições do Sistema
Financeiro Nacional (COSIF), que possibilita um amplo desdobramento contábil, já suas
respectivas ponderações ao risco de crédito foram estabelecidas pelo Banco Central, com
mínima variação, baseadas nas recomendações do Comitê de Basiléia, sendo relacionadas na
tabela apensa ao Anexo IV da Resolução 2.099, a qual está resumida no Quadro 1 a seguir.
26 O Modelo de Supervisão Prudencial é caracterizado pelo estabelecimento de requisitos e limites preventivos, com intuito de estimular a especialização da gestão de riscos nas próprias instituições financeiras. 27 O Modelo de Supervisão Prescritiva é caracterizado por regras, requisitos, proibições e limites para as atividades das instituições financeiras, cujos objetivos estão concentrados na verificação da observância dessas normas de cunho fiscalizador (BACEN, 2002 apud FURTADO, 2005).
24
Fator de Ponderação Ativo
0%
• Caixa • Títulos públicos federais
• Depósitos no BACEN • Títulos de instituições financeiras ligadas
20%
• Aplicação temporária em ouro físico • Depósitos e créditos em moeda estrangeira • Depósitos bancários de livre movimentação mantidos em banco • Cheques e outros papéis encaminhados ao serviço de compensação
50%
• Títulos estaduais e municipais • Títulos de outras instituições financeiras • Aplicação em moeda estrangeira no exterior • Financiamento habitacional • Valores a receber de operações realizadas em bolsa de valores • Crédito de exportação confirmada
100%
• Títulos de renda fixa intermediados e de carteira própria • Aplicações em ações • Debêntures • Operações de financiamentos e empréstimos • Operações de arrendamento mercantil • Operações de avais e fianças honradas • Operações de câmbio
Quadro 1: Ponderação de Risco pela Categoria do Ativo – Brasil. Fonte: Banco Central do Brasil – Resolução 2.099/94.
Porém a resolução não contempla os componentes do Patrimônio Líquido Ajustado
(PLA), que seria chamado mais tarde de Patrimônio de Referência (PR), sendo adotado
simplesmente o Patrimônio Líquido (PL) como referência para confronto com o PLE, cujo
razão capital-ativo foi estabelecida em 0,08 (alavancagem de 12,5). Dessa forma, tem-se que
as aplicações de capital (ativos) feitas pelos bancos em operações de crédito devem
corresponder a uma manutenção de capital (patrimônio próprio) de R$8,00 para cada
R$100,00 aplicados. Por outro lado, as aplicações em títulos do governo ficam isentas de
comprometimento de patrimônio, o que, de uma maneira ou de outra, traz incentivos ao
direcionamento de recursos a instrumentos financeiros.
Visando garantir a segurança do sistema bancário nacional, na busca por maior solidez
das instituições bancárias, o BACEN apresenta uma série de alterações na Resolução n° 2.099
ao longo dos anos subsequentes (SOARES, 2002)28. De modo geral, são aperfeiçoamentos e
exigências mais rigorosas, com a intenção de seguir as alterações propostas pelo Comitê da
Basiléia e adequar a regulação às características do mercado financeiro local. A primeira
delas, dentre as quais cabe destacar, ocorre ainda em 199429 com a inclusão, na fórmula de
28 Disponibilizada tabela com as diversas resoluções referente ao Acordo de Basiléia no Brasil, no anexo I. 29 Resolução nº 2.139, de 29 de dezembro de 1994.
25
cálculo do PLE, das operações de ‘swap’30, de maneira a contemplar o risco de crédito nessas
operações. Passando a apresentar-se da seguinte maneira:
��� = ��+,�� + .�/0� (5)
Onde:
β = razão capital-ativo das operações de ‘swap’
Sw = Valor total das operações de ‘swap’
Inicialmente o valor de β foi fixado em 0,15, posteriormente foi alterado para 0,1631, e
ainda 0,2032, restringindo o nível de alavancagem dessas operações de 6,66 vezes para 5 vezes
o capital regulatório. Já em 1997, a exigência para a razão capital-ativo (α) das operações
ativas ponderadas pelo risco tem seu índice majorado para 0,1033 (alavancagem de 10) e em
seguida, para 0,11 34 (alavancagem de 9,09). E em 1998, passa-se a utilizar a nova
conceituação de capital ao determinar que o Patrimônio Líquido Ajustado (PLA) será definido
como o somatório dos níveis I e II, discriminados a seguir:
I - nível I - representado pelo capital social, reservas de capital, reservas de lucros (excluídas as reservas para contingências e as reservas especiais de lucros relativas a dividendos obrigatórios não distribuídos) e lucros ou prejuízos acumulados ajustados pelo valor líquido entre receitas e despesas, deduzidos os valores referentes a ações em tesouraria, ações preferenciais cumulativas e ações preferenciais resgatáveis; II - nível II - representado pelas reservas de reavaliação, reservas para contingências, reservas especiais de lucros relativas a dividendos obrigatórios não distribuídos, ações preferenciais cumulativas, ações preferenciais resgatáveis, dívidas subordinadas e instrumentos híbridos de capital e dívida. (BACEN, 1998)35
No ano de 1999, a Circular nº 2.916 estabeleceu uma faixa adicional de risco para
créditos tributários, que passou a ter ponderação de 300%, ante os 20% anteriormente
requisitados, elevando abruptamente a demanda de capital para este item. No mesmo ano é
incorporado à fórmula de cálculo do PLE, o risco das aplicações em ouro e em ativos e
passivos referenciados em variação cambial, através da Resolução nº 2.606, além do
estabelecimento de que o total das operações não podem ultrapassar 60% do PLA. Menos de
30 Termo em inglês que significa permuta e designa operação financeira de troca de ativos (SANDRONI, 2007). 31 Resolução nº2.399, de 25 de junho de 1997. 32 Circular nº 2.784, de 27 de novembro de 1997. 33 Resolução nº2.399, de 25 de junho de 1997. 34 Circular nº 2.784, de novembro de 1997. 35 Resolução nº 2.543, de 26 de agosto de 1998.
26
um ano depois, adicionam-se critérios e condições para o cálculo da parcela de risco
decorrente da exposição das operações remuneradas com base em taxas prefixadas de juros.
E por fim, a Resolução nº 2.891, de 26 de setembro de 2001, altera para a forma final a
equação para cobertura do risco decorrente da exposição de operações praticadas no mercado
financeiro.
��� = ��+,�� + .1∑ 234�56�7" 8 + 9.max>1∑ |+,�@�|
5A�7" − C. �28; 0E +∑ �3�
5F�7"
(6)
Onde, a parte nova da fórmula significa:
RCDJ = risco de crédito da i-ésima operação de swap;
9 = razão capital-ativo das operações com ouro e câmbio, incluídas aquelas
realizadas nos mercados de derivativos, igual a 0,50;
+,�@� = valor das posições líquidas das operações com ouro e câmbio,
incluídas aquelas realizadas nos mercados de derivativos;
C = 0,05 (cinco centésimos) para ( ∑ |+,�@�|5A�7" /�2 ) menor ou igual a
0,05(cinco centésimos);
C = "ZERO" para (∑ |+,�@�|5A�7" /�2) maior que 0,05 (cinco centésimos);
�2 = Patrimônio de Referência36 ou Patrimônio Líquido Ajustado;
�3� = parcela representativa do valor de PLE para cobertura do risco de
mercado de taxa de juro em determinada moeda/base de remuneração.
Em síntese o Patrimônio Líquido Exigível (PLE) passou a ser uma adição de quatro
expressões que designam respectivamente a exposição de capital aos riscos de crédito, de
crédito em operações com swap, de operações com câmbio e ouro, e de operações a taxas de
juros prefixadas. Tal expressão resultante pode ser traduzida na seguinte forma, conforme
exposto por Gouveia (2008):
36 Definido pela Resolução nº 2.837, de 30 de maio de 2001.
27
��� = ����é���� + ����é����LM��´� + ����âPQ���R�� +���S�����T�U����
(7)
De modo geral, inclusive pequenas alterações posteriores, através de ajustes nos
índices de alavancagem e do nível de risco dos ativos, com viés de austeridade, ao longo do
período em que estiveram em vigor as recomendações do Acordo da Basiléia no Brasil,
revelam a constante vigilância do Banco Central do Brasil a fim de manter um ambiente
regulatório conservador e adequado à realidade brasileira. Junior e Lélis (2002, apud
FURTADO, 2005, p. 55) concluem bem ao afirmar que:
[...] percebe-se que o requerimento regulamentar de capital mínimo para fazer frente a riscos colocado inicialmente pelo Banco Central do Brasil com a Resolução 2099/1994 evoluiu de forma significativa em direção a exigências mais rigorosas, refletidas na alteração de fatores de risco, nos níveis de alavancagem e na incorporação de elementos de riscos de mercado exigidos por Resoluções e Circulares posteriores. Essa evolução deixa clara não somente a extrema importância do papel do capital nas instituições financeiras brasileiras, bem como a existência de um constante monitoramento do ambiente onde as mesmas operam, e uma evidente preocupação com a elevação do grau de solidez e fortalecimento do sistema financeiro nacional [...].
Contudo não faltaram críticas às constantes alterações envidadas sobre os
requerimentos de capital próprio das instituições financeiras no país, em via de regra a
“fórmula passou por mudanças tópicas nos seus parâmetros” que “reduziram o volume de
recursos que os bancos podiam aplicar no crédito” (SOARES, 2002, p. 40), afetando o
estoque de crédito total, refletido na relação crédito/PIB, além de limitar implicitamente a
concessão de crédito aos setores produtivos e de pequenas empresas (SOARES, 2002, p. 40).
Para Moura Neto e Ribeiro (2006, p. 316), o modelo de mensuração de risco estabelecido pelo
BACEN, era demasiadamente simplificado, além de não permitir “a utilização de modelos
internos de mensuração de risco” e não diferir “as operações de Tesouraria37 das demais
operações bancárias”. Ou seja, apesar dos avanços a regulamentação prudencial brasileira,
assim como, o Acordo de Capital da Basiléia, continham limitações por excessos de requisitos
que abrangiam de maneira geral todo um universo de instituições financeiras.
37 Trading Book (ou Carteira de Negociação) – segundo definição do BCBS (2004, p.150), “consiste de posições em instrumentos financeiros e commodities, realizadas com intenção de negociação ou para hedge de outros elementos da carteira de negociação”, visando o lucro nas mudanças a curto prazo nos preços de mercado. Banking Book (Carteira do Banco) – é composto pelas operações normais do negócio bancário, que em geral são mantidas até o vencimento, a fim de gerar renda líquida com juros, a médio e longo prazo (CHIANAMEA, 2005).
28
3 BASILÉIA II E A ALOCAÇÃO DE CAPITAL DE RISCO
Diante da percepção de ineficácia e obsolescência das regras do Acordo da Basiléia I,
o comitê (BCBS) iniciou estudos que resultaram num elaborado esboço posto para consulta
pública em junho de 1999. Após inúmeras discussões e reavaliações da estrutura regulatória
sugerida, a versão final foi publicada, em junho de 2004, intitulada de “Novo Acordo de
Capital da Basiléia” 38 ou simplesmente Basiléia II. Com uma proposta mais abrangente, e
menos restritiva, em linha com os princípios divulgados em 1997, o novo acordo pretende,
[...] desenvolver uma estrutura que reforce a solidez e a estabilidade do sistema bancário internacional, mantendo a consistência suficiente para que o regulamento de adequação de capital não seja uma fonte significativa de desigualdade competitiva entre bancos internacionalmente ativos. O Comitê considera que a estrutura revisada irá promover a adoção de práticas mais sólidas de gestão de riscos pelo setor bancário, e vê esta como uma de suas grandes vantagens (BCBS, 2004, p. 2).
Logo, além de promover a estabilidade e fortalecer a estrutura de capital das
instituições, através da relação com o nível de risco, as novas recomendações visam
principalmente incentivar a melhoria da qualidade da gestão interna de risco (GUTTMANN,
2006), ao mesmo tempo em que lançam maior grau de responsabilidade sobre os bancos com
a adoção de regras de divulgação de informações essenciais (core disclosure) e transparência
para com o mercado. Para tanto, foram definidas três linhas de atuação complementares,
conforme Figura 1, denominadas Requerimentos Mínimos de Capital (Pilar 1), Revisão pela
38 Título original em inglês: “International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: A
Revised Framework”.
Figura 1: Pilares de Basiléia II. Fonte: Banco do Brasil (2012).
29
Supervisão do Processo de avaliação da adequação de capital dos bancos (Pilar 2) e Disciplina
de Mercado (Pilar3). Assim, almeja-se que a
estrutura do novo acordo alinhe, as necessidades regulatórias de capital dos bancos o mais próximo possível dos riscos primários [...] e, forneça, [...] várias opções que permitam a correta avaliação da suficiência de seu capital em relação aos riscos assumidos (FORTUNA, 2002, p. 549).
Dentre as mudanças propostas, vide Quadro 2, destaca-se a possibilidade de utilização
de sistemas de medidas internas de risco por parte das instituições supervisionadas, após
anuência do regulador, com intuito de incentivar o desenvolvimento da acurácia dos modelos
(GOUVEIA, 2008). Outro ponto está na manutenção do método simplificado de avaliação de
risco, conforme modelo anterior, para instituições de menor porte, mas com a diferença de
que o uso de classificações externas seria opcional. Além disso, introduziu-se no cálculo de
requerimentos de capital a mensuração ao risco operacional39, além dos riscos de crédito e de
mercado já estipulados anteriormente. Conjuntamente a isso, o comitê buscou circundar o
maior grau de liberdade dado, com o aprofundamento de recomendações de cunho supervisor
e de disciplina de mercado.
Por ser objeto de estudo deste trabalho, o pilar 1 será abordado no item 3.1 com
maiores detalhes, por hora se pode definir como o arcabouço regulatório imposto as
instituições financeiras, que trata das recomendações para cálculo dos requerimentos de
capital frente aos riscos incorridos.
Por conseguinte, o pilar 2 estabelece a necessidade de ampla supervisão do
gerenciamento interno do banco ao risco para garantir os padrões de avaliação de risco e
39 O risco operacional é definido como “o risco de perdas resultantes da inadequação ou deficiência de processos internos, pessoas e sistemas ou de eventos externos. Esta definição inclui o risco legal, 90, mas exclui o risco estratégico e reputacional.” (BCBS, 2004, p. 137)
O Acordo de 1988 O Novo Acordo Proposto
Foco em uma única medida de risco
Maior ênfase nas metodologias internas dos próprios bancos, na fiscalização dos organismos de supervisão e na disciplina de mercado.
Um único método de mensuração aplicado a todos os bancos
Flexibilidade, métodos de mensuração mais adequados para bancos com graus distintos de sofisticação e perfil de risco, incentivos para a melhor gestão dos riscos.
Estrutura ampliada de prescrições
Estrutura mais simples, porém mais complexa, com maior sensibilidade ao risco.
Quadro 2: Vantagens do Novo Acordo de Capital da Basiléia. Fonte: BCBS (2001, apud FURTADO, 2005, p. 68).
30
cumprimento dos requisitos de capital. A proposta pretende “garantir a qualidade dos
mecanismos internos de avaliação de riscos dos bancos” (GOUVEIA, 2008, p. 65).
Estas recomendações estão voltadas para os órgãos reguladores de cada país, no
sentido de que seja avaliada a capacidade dos bancos de mensurar e monitorar os seus riscos
adequadamente, caso contrário, as autoridades devem agir prontamente impondo-lhes
encargos adicionais de capital ou até mesmo, intervindo de forma preventiva para correção
dos desvios regulamentares (MOURA NETO e RIBEIRO, 2006). Tendo em vista que “os
bancos, que buscam lucros, precisam ser observados mais de perto por reguladores quanto
maior for o seu grau de liberdade para conduzir seus negócios” (GUTTMANN, 2006, p. 195),
já que o pilar 1 concede uma flexibilização maior para aplicação de recursos em ativos.
Na verdade, as recomendações do segundo pilar não são totalmente novas, sua base
vem do documento Princípios Fundamentais para uma Supervisão Bancária Eficaz (BCBS,
1997), de onde são elencados quatro princípios-chave, como cita Verrone (2007):
- que exista uma avaliação da própria IF sobre a adequação do seu nível de capital em
relação ao seu perfil de risco e uma estratégia de manutenção dos níveis de capital;
- que esse processo seja revisado pela supervisão, que deve ainda monitorar e
assegurar sua habilidade de manutenção da capitalização necessária40;
- que os bancos operem com capital acima do mínimo regulamentar e que os
supervisores tenham a habilidade de obrigar as IF nesse sentido; e
- que haja intervenção antecipada para evitar que os capitais caiam abaixo do mínimo,
ou que possa haver rápida ação corretiva caso o capital não seja mantido ou restabelecido.
Segundo Furtado (2005), a nova proposta sublima a importância dos administradores
dos bancos em desenvolverem um eficiente gerenciamento de risco, pois os torna
responsáveis não apenas por cumprir as exigências de capital regulamentar, mas também por
manter o capital adequado para suportar os riscos assumidos. Ou seja, o que denota uma
tendência de conciliação entre capital regulamentar e o capital econômico.
Enquanto as recomendações do Pilar 2 dizem respeito as entidades supervisoras, o
Pilar 3 traz a Disciplina de Mercado e a transparência como força de auto-regulação para as
instituições financeiras. O intuito, segundo Moura Neto e Ribeiro (2006, p. 328), é oferecer
informações tempestivas e confiáveis que permitam a “análise detalhada da performance,
atividade, perfil de risco e práticas gerenciais” dos bancos por parte dos investidores. Para
40 É importante frisar que, nesse sentido, o supervisor pode ensejar uma exigência de um nível adicional na proporção de capital, para bancos ou segmentos específicos, decorrentes da existência de riscos específicos não contemplados no Pilar 1. (VERRONE, 2007)
31
isso foi estipulada a obrigatoriedade de divulgação de um conjunto de informações, tanto de
caráter qualitativo quanto quantitativo, com periodicidades específicas e que garantam que
haja comparabilidade de informações. Contudo, a utilização de determinados níveis de
transparência seria a referência para reconhecimento e habilitação de uma instituição
financeira em uma abordagem de mensuração de capital específica, o que possibilitaria a
redução de seu capital regulatório, além da melhor anuência do mercado.
Por fim, a filosofia do Acordo de Basiléia II é assentada sobre a combinação desses
três grandes elementos, para se chegar ao objetivo final de aprimorar as práticas de controle e
gestão de riscos, através do incentivo à adequação desses controles e gerenciamento.
3.1 Requerimentos de Capital
A exigência de requerimento mínimo de capital foi mantida em 8% para os ativos
ponderados pelo risco, assim como a definição de capital (níveis 1, 2 e 3), o que mudou foram
as formas de se chegar as grandezas definidas para cada tipo de risco. Moura Neto e Ribeiro
(2006) listam as principais mudanças em:
• Inclusão de capital regulatório para o risco operacional;
• Sofisticação dos métodos de mensuração de risco de crédito;
• Ajustes em função da maturidade de cada ativo.
Assim o novo modo de computar os riscos sobre o capital ajustado das instituições
passa a ser definido como a seguir:
���������
��������é����!V"#,%∗��������'�����!�����R������5���W≥ 8% (8)
Para tanto foram definidas as abordagens, para cada tipo de risco, onde dependendo do
porte da instituição financeira e do grau de desenvolvimento de seus sistemas de gestão do
risco, será permitida a utilização de abordagens internas. Resumidamente, conforme Furtado
(2005), as opções para mensuração do risco de crédito passam a ser pelo método padronizado
ou pelos modelos internos de avaliação do risco (Internal Ratings-Based – IRB) básico e
avançado; e outros três para o risco operacional: método de indicador básico (Basic Indicator
Approach – BIA), método de indicar padronizado/alternativo e método de mensuração
32
avançada (Advanced Measurement Approaches – AMA); o risco de mercado não foi alterado,
uma vez que já incluía a possibilidade utilização de modelos internos de avaliação de risco41,
além do método padronizado.
3.1.1 Risco de Crédito
As novas abordagens utilizadas frente ao risco de crédito primam por adaptar melhor
os cálculos de risco regulatório ao risco econômico, ou seja, torná-los mais sensíveis aos
níveis de risco presentes nas carteiras de crédito dos bancos, de maneira individualizada ou
específica da instituição através de análises externas e não mais por tipo de operação. Para
Guttmann (2006, p.182), essa mudança deve acabar com o incentivo à “arbitragem regulatória
amplamente praticada com relação às toscas ponderações de risco de Basiléia I”, pois
estabelece níveis maiores de capital para aqueles devedores que apresentam níveis mais
elevados de risco de crédito.
Os métodos disponíveis refletem o grau de sofisticação das atividades bancárias e os
controles internos a que estão sujeitas, sendo divididas em abordagem padronizada, na qual é
feita a classificação da operação de crédito através de agências de avaliação de risco, e então
estabelecida à ponderação ao risco pelas categorias indicadas pelo comitê, conforme Tabela
1Tabela .
Categorias de Exposição de Crédito
Avaliação de Risco
AAA/AA- A+/A- BBB+/BBB- BB+/B- Abaixo B- Não classificados
Soberanos 0% 20% 50% 100% 150% 100%
Bancos – opção 1 20% 50% 100% 100% 150% 100%
Bancos – opção 2 20% 50% 50% 100% 150% 50%
Bancos – curto prazo 20% 20% 20% 50% 150% 20%
Corporações 20% 50% 100% 100% 150% 100%
Varejo Não se aplica 75%
Tabela 1: Ponderação de risco das principais classes de ativos. Fonte: BCBS (2004, apud Verrone, 2007, p.53)
Quanto às agências de classificação de risco, o Novo Acordo estabelece a
responsabilidade dos supervisores nacionais de determinar se estas cumprem com os critérios
mínimos exigidos, sendo facultado o reconhecimento das classificações de maneira parcial, 41 O risco de mercado, bem como suas formas de cálculo, foi definido através da emenda de 1996 ao acordo de 1988, porém trazia a possibilidade de uso de modelos internos de forma complementar ao modelo padronizado.
33
completa ou não reconhecidas. Neste último, cabe ao supervisor estabelecer critérios de
classificação.
Para utilizar as metodologias internas de classificação do risco (IRB), nas
classificações de suas operações, as instituições deverão seguir normas rígidas de avaliação e
fornecer maior transparência ao Mercado (Pilar 3). Conforme o grau de sofisticação de suas
operações, bem como grau de desenvolvimento de sistemas internos de medida de risco de
crédito, aprovados pelo órgão supervisor, a instituição pode acessar dois modelos propostos
pelo Novo Acordo, conforme elencado por Moura Neto e Ribeiro (2006, p. 321):
- Método Básico (IRBfoundation) – “os bancos estimam a probabilidade de
inadimplemento associada a cada tomador e o órgão de supervisão bancária fornecerá os
demais insumos”.
- Método Avançado (IRBadvanced) – “permite-se que o banco [...] forneça todos os
insumos necessários ao cálculo”.
As duas abordagens contam com as mesmas quatro variáveis envolvidas no risco de
crédito, a saber, probabilidade de inadimplemento (Probability of Default, PD), perda devida
a um inadimplemento (Loss Given Default, LGD), exposição ao inadimplemento (Exposure at
Default, EAD) e o prazo (Maturity, M), e apresentam uma forma de cálculo baseada no
modelo VaR (Value at Risk)42, cujo nível de confiança é de 99,9% num horizonte de um ano,
conforme Yanaka e Holland (2009) . Diante disso, para fins deste estudo não caberá detalhar
as formas de cálculo empregadas no método IRB, pois o mesmo já foi objeto de estudo de
outros trabalhos e conta com a ampla aceitação do mercado e órgãos supervisores.
O que denota cuidados essenciais para validação dos modelos internos é a veracidade
e confiabilidade dos dados de entrada a serem utilizados, muitas vezes decorrentes de
processos complexos ou subjetivos (VERRONE, 2007), e por isso devem atender as
recomendações do Pilar 3 e ao crivo do órgão supervisor, para que reflitam da melhor maneira
a realidade das operações.
3.1.2 Risco de Mercado
A mensuração do risco de mercado para os requerimentos de capital foram mantidas
tal qual estabelecido pela Emenda de 1996, inclusive a possibilidade de aplicar tanto a 42 VaR tido como o valor monetário da perda potencial (ou perda máxima esperada) para um dado intervalo de tempo sob condições normais de mercado a um dado intervalo de confiança. Originalmente criado para mensurar o risco de mercado. (JORION, 1997 apud ALVES e CHEROBIM, 2006; VERRONE, 2007; YANAKA e ROLLAND, 2009).
34
abordagem padronizada, quanto um método interno de avaliação de risco, desde que
devidamente aprovado pelo órgão regulador.
Na abordagem padronizada, há a construção de um modelo “VaR segundo um
processo padronizado conforme diretrizes estabelecidas pelo órgão regulador” (VERRONE,
2007, p. 50). E aplicado separadamente para as exposições a risco de taxas de juros, risco
cambial, risco de ações e risco de commodities, seguindo regras específicas para cada tipo.
Segundo o mesmo autor, na abordagem avançada, a exemplo do que foi adotado
também para o risco de crédito, não há exigências quanto ao modelo adotado, desde que
observados determinados requisitos “quantitativos e qualitativos quanto à gestão e
mensuração de riscos”. Guttman (2006, p. 190), em seu artigo sobre Basiléia II, comenta a
respeito do incentivo ao desenvolvimento de técnicas próprias.
Buscando se beneficiar do rápido progresso nessa área das operações bancárias, os reguladores querem encorajar inovações adicionais e sua rápida difusão por meio de incentivos para a adoção de métodos aperfeiçoados de administração de risco na forma de menores exigências de capital.
Dessa maneira o comitê obteve ampla aceitação das metodologias sugeridas na
Emenda de 1996, tornando-a referência nas discussões que culminaram na adoção do Novo
Acordo, apesar de se saber que a busca por um modelo ótimo deve ser constante, até por que
o mercado financeiro tem características dinâmicas.
3.1.3 Risco Operacional
Uma das novidades do Basiléia II foi justamente a inclusão do risco operacional na
fórmula de cálculo do PLE, onde o caso emblemático que levou a comunidade internacional a
dar mais atenção a este tipo de risco foi a quebra do Banco Barings43, entre outros eventos,
desde então o comitê da Basiléia realiza estudos neste sentido. Porém apesar dos avanços a
complexidade de mensuração desses riscos demonstra sua importância, como cita Camazano
e Arima (2008, p. 4) “A diversidade dos eventos de perdas evidencia o quão complexo é o
risco operacional, podendo afetar o perfil de risco da instituição e expô-la a perdas
significativas, caso não haja adequado gerenciamento”. Além disso, Alves e Cherobim (2006)
citam outro fator não menos importante:
43 Em 1995 declarou insolvência após operações fraudulentas efetuadas por um único operador de mercados futuros, que culminaram num rombo de aproximadamente US$ 1,5 bi, evidenciando a importância de mecanismos de controle operacional (SANDRONI, 2007).
35
Nos últimos anos, os avanços tecnológicos, [...] contribuíram para que instituições financeiras e autoridades reguladoras passassem a dar mais atenção ao risco operacional como um tipo de risco merecedor de tratamento corporativo. (ALVES e CHEROBIM, 2006, p. 59).
Para tanto foram estabelecidas as seguintes formas de mensuração de risco
operacional, em ordem de sofisticação e sensibilidade ao risco, a saber:
- Método do Indicar Básico (BIA) – Conforme BCBS (2004) o capital regulamentar,
nesse método, é extraído da média da receita bruta dos últimos três anos, caso negativa se
deve desconsiderá-la, multiplicada por um coeficiente fixo α estipulado em 15%.
- Método de Mensuração Padronizado – Compreende a mesma forma de cálculo,
através da média da receita bruta dos últimos três anos, porém a receita passa a ser segregada
em oito linhas de negócios pré-estabelecidas BCBS (2004), com seus respectivos fatores de
ponderação compreendidos de β1 a β8, conforme Quadro 3 a seguir:
Linhas de Negócio Fator β
Mercado de Capitais (β1) 18%
Negociação e Vendas (β2) 18%
Banco de Varejo (β3) 12%
Banco Comercial (β4) 15%
Pagamentos e Liquidações (β5) 18%
Serviços de Agente e Custódia (β6) 15%
Administração de Ativos (β7) 12%
Corretagem de Varejo (β8) 12%
Quadro 3: Fatores de Ponderação para risco operacional. Fonte: BCBS (2004, p.142)
Nessa abordagem o capital requerido é o somatório do produto dos fatores
multiplicados pelo resultado de cada linha, e para ser acessado devem ser cumpridos critérios
mínimos recomendados. Existe ainda o método de mensuração padronizado alternativo, que
apresenta um fator multiplicador fixo “m” (3,5%) nas linhas de negócios Banco de Varejo e
Banco Comercial, aplicado sobre o total da carteira de empréstimos, em substituição a receita
bruta e é utilizado em casos específicos.
- Método de Mensuração Avançada (AMA) – Será utilizado um modelo interno de
mensuração do risco operacional, devendo seguir diversos critérios qualitativos e
quantitativos definidos no Novo Acordo (BCBS, 2004). Este método pode diminuir de forma
36
considerável a exigência de capital regulatório, porém está sujeito à aprovação do órgão
supervisor, e caso aprovado, o banco deve seguir desenvolvendo técnicas de mensuração e
ponderação por vezes extremamente complexas.
3.2 A Alocação de Capital (O Problema do incentivo ao direcionamento)
Na origem da regulação bancária, no sistema financeiro americano, os requerimentos
de capital surgiram com a função de restringir as operações de empréstimos (crédito), que se
encontravam muito além da capacidade dos bancos de então, de assumirem riscos reais de
default44. A princípio a crescente internacionalização das atividades bancárias colocavam os
bancos em posição privilegiada e ao mesmo tempo arriscada por não haver órgão
internacional de regulação macroprudencial (KREGEL, 2006). Inicialmente o conceito era
voltado a restringir a proporção patrimônio líquido/passivo, porém passou a fazer mais
sentido à regulação capital próprio/ativo, já que em caso de crises o nível de risco e liquidez
dos ativos (aplicações) é que tornariam o banco insolvente ou não.
Porém a regulamentação internacional inicial (Acordo de Basiléia), através das
tratativas do acordo de 88, era baseada em uma situação específica de um país (EUA) e
montada de maneira simplória, mas excessivamente conservadora. Kregel (2006) argumenta
que isso levou os bancos a mudanças em sua forma de atuação, a fim de garantirem a
maximização de seus retornos. Ou seja, a utilização de uma espécie de arbitragem regulatória
criando maneiras de cumprir com seu capital regulatório, através de alocação de capitais
dentro das faixas de requerimento, operações inovadoras, e estabelecimento de securitizações
de ativos porque os possibilitavam retirá-los do balanço, sem que fosse feito adequadamente a
adequação de capital conforme os objetivos do regulador. Essa arbitragem foi confirmada
pelo próprio BCBS, ao argumentar que,
Banks in a number of countries are using securitisation to alter the profile of their
book. This may make a bank’s capital ratio look artificially high, relative to the
riskiness of the remaining exposures, and in some cases may be motivated by a desire
to achieve exactly this. The very broad risk categories in the Basle Accord give scope
for banks to arbitrage between their economic assessment of risk and the regulatory
capital requirements45
(BCBS, 1999, p. 21)
44 Inadimplemento, ocorrência de não pagamento da contraparte. 45 Nossa tradução: Os bancos em vários países estão usando securitização para alterar o perfil de seu balanço. Eles podem fazer a relação de capital do banco parecer artificialmente alta em relação ao risco de suas exposições e, em alguns casos, pode ser motivado pelo desejo de obter exatamente isto. As categorias muito
37
Outra questão levantada é o incentivo ao aumento de um colchão nos bancos (capital
econômico) ao invés de um emprestador de última instância. Onde o foco foi excessivamente
voltado à manutenção de requerimentos mínimos de capital na própria instituição financeira
que serviriam como colchões para eventos de perdas inesperadas, sem que houvesse
fortalecimento de órgãos internacionais que fizessem papel de emprestador de última
instância para eventos de perdas catastróficas (vide Figura 1).
Guttmann (2006, p. 182), em seu artigo sobre Basiléia II, é contundente:
Basiléia II propõe uma abordagem radicalmente diferente das avaliações de risco em comparação com a tosca ponderação uniformizada de risco de crédito [...]. Essa mudança reflete o progresso impressionantemente rápido na modelagem de risco e na capacidade dos bancos de realizar estimativas de risco.
As novas regras prudenciais vieram com intuito de corrigir essas artimanhas com um
arcabouço mais elaborado, utilizando-se de balizadores e supervisões ao invés de ações
meramente restritivas, porém devido a sua maior complexidade acarretaram um custo inicial
elevado, além de eventualmente levar a uma pro-ciclicidade 46 do crédito e dificultar a
concessão as PME. A exemplo do que cita Gottschalk e Sodré (2005, p. 34), em relação a
sensibilidade de modelos internos, a nova forma de regulação poderia
levar à concentração do crédito entre as empresas maiores, e no encarecimento e/ou racionamento de crédito para os tomadores considerados como de maior risco – em geral, pequenas e médias empresas.
E ainda, segundo o mesmo autor,
modelos tenderão a detectar um aumento de risco de default durante os períodos recessivos. Em conseqüência, os ativos da carteira dos bancos poderão ser rebaixados - o fenômeno da migração de ativos – o que levaria ao aumento de requerimento de capital. (GOTTSCHALK e SODRE, 2005, p. 36)
Apesar de detectadas outras questões relativas ao Novo Acordo, que não fazem parte
da proposta deste estudo, devendo ser objeto de estudos futuros e ponderações a cerca de sua
abrangentes do Acordo da Basiléia dão margem para os bancos arbitrarem entre sua avaliação de risco econômico e as exigências de capital. 46 O efeito pró-cíclico levantado por diversos estudos e atribuído a acuracidade da nova metodologia adotada no Novo Acordo. Refere-se ao efeito ocasionado pela aproximação do capital regulatório ao capital econômico, e decorre da exigência de capital ser proporcional ao risco de perda por inadimplências das operações, e que em períodos de crise aumenta o capital requerido, restringindo a alavancagem dos bancos, aprofundando a recessão, e vice-versa. (CHIANAMEA, 2005; GOTTSCHALK e SODRÉ, 2005).
38
implementação, e que inclusive já resultaram na divulgação de novas recomendações do
Comitê da Basiléia, contempladas no documento Basiléia III47, o que se pode notar é que o
incentivo à alocação de capital foi corrigido quase que em sua totalidade, ao se buscar a maior
aproximação entre capital regulatório e capital econômico.
47 Título original em inglês: “Basel III: International framework for liquidity risk measurement, standards and
monitoring”
39
4 BASILÉIA II, O CRÉDITO BANCÁRIO E O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
4.1 Mundo
Atualmente o Acordo de Basiléia II, que conta formalmente com a adesão obrigatória
de seus países membros, e ainda com a adesão de aproximadamente mais 100 países (BIS,
2012), encontra-se em estágio final de implementação, a exemplo do próprio Brasil. Cada
país, com suas especificidades, denota certo tempo para melhores ajustes às realidades locais.
Contudo, antes mesmo da plena implementação do Novo Acordo na maioria dos países, as
recomendações de Basiléia III já compreendem um cronograma de absorção pelos sistemas
regulatórios, o que dificulta a análise dos efeitos das recomendações anteriores.
Um exemplo das especificidades adotadas nas recomendações do Acordo da Basiléia
em cada país pode ser encontrado no estudo de Gottschalk e Sodré (2005, P. 36), o qual
descreve que, na Índia,
o Reserve Bank of India optou por adotar um processo mais cauteloso do que o Brasil ao decidir que todos os bancos seguirão a abordagem padronizada e que o foco deverá estar não no Pilar I, como é o caso do Brasil, mas nos Pilares 2 e 3, que tratam da supervisão bancária e da disciplina de mercado.
E que, ainda segundo o autor, se deve ao menor estágio de maturação do sistema
financeiro daquele país, tanto no que se refere aos bancos, como na área de supervisão
bancária e disciplina de mercado. No entanto, a adesão de países não membros do BCBS aos
acordos reflete o reconhecimento da busca por uma convergência das práticas regulatórias no
sistema financeiro mundial.
Logo após a publicação do Novo Acordo, em 2004, órgãos ligados ao BIS, emitiram
documentos a acerca da implementação do acordo. Em um deles48, conforme cita Cornford
(2006), o resultado de uma pesquisa respondida por 107 países (não membros do comitê)
demonstrava o panorama de adesão ao Novo Acordo, onde:
- 88 países pretendiam implementar Basiléia II;
48 Pesquisa publicada pelo Instituto de Estabilidade Financeira (Financial Stability Institute, FSI).
40
- Regionalmente, a proporção de ativos bancários nos países que pretendiam
implementar excedia 90% para África, América Latina, Oriente Médio e países europeus não
membros do Comitê, bem como quase 90% da Ásia;
- até 2015 a expectativa era de que 5600 bancos, que representavam 77% dos ativos
bancários em 82 países não membros, se submetessem ao Novo Acordo;
Ainda, segundo tal pesquisa, entre as várias opções para determinação das exigências
de capital de risco de crédito, “a versão básica da abordagem IRB deve ser a mais amplamente
usada” (CORNFORD, 2006, p. 76). E com relação ao risco operacional, os resultados
apontavam que a abordagem do Indicador Básico deveria permanecer como a mais
amplamente utilizada.
4.2 Brasil
A respeito das novas regras proferidas pelo BCBS para o Novo Acordo (Basiléia II), o
Banco Central do Brasil emitiu o comunicado 12.746, de 9 de dezembro de 2004, sobre os
procedimentos para implementação da nova estrutura de capital, conforme Quadro 4, onde foi
delineada uma gradual conversão aos pontos regulatórios de Basiléia II. Porém, é importante
observar que “a evolução das práticas e normativos implantados pelo BACEN, ainda que com
Quadro 4: Cronograma de Implementação de Basiléia II no Brasil. Fonte: Banco do Brasil (2012).
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Mercado
Critérios de elegibilidade de
modelos internos Início do
processo de
autorização
para o uso de
modelos
internos
Implementação* >>>
Divulgação do processo de
solicitação de autorização de uso de
modelos internos
Crédito
Implementação de estrutura de
gerenciamento de crédito
Critérios de elegibilidade
(IRB)
Início do
processo
de
autorizaçã
o para o
uso da
abordagem
IRB-B
Início do
processo de
autorização
para o uso
da
abordagem
IRB-A
Implementação* >>> Divulgação de pontos
chave para formatação de base
de dados
Divulgação do processo de
solicitação de autorização
(IRB)
Opera-cional
Estabelecimento de parcela de requerimen
to de capital
Divulgação de pontos chave para modelos
internos
Critérios de elegibilidade de modelos internos
Início do
processo de
autorização
para o uso
de modelos
internos
Imple-menta-ção* >>>
Divulgação do processo de solicitação de autorização
de uso de modelos internos
41
possibilidade de melhoria, o colocaram na vanguarda com relação a seu arcabouço
regulatório” (HINKI JR, 2006, p. 350), evidenciando uma convergência conceitual no sentido
das novas regras do acordo.
Prova disso, pode ser notado na Resolução nº 2.682, de dezembro de 1999, a qual
impõe regras de aprovisionamento para operações de crédito e que previa provisões com base
no risco específico do cliente/operação e sua perda esperada (Quadro 5). Situação que passou a
ser recomendada somente no Pilar 1 do Novo Acordo, sendo adotada pelo Brasil, divergindo
apenas pela manutenção das escalas de risco designadas pelo BACEN em detrimento das
classificações de agências externas. Como citado por Gottschalk e Sodré (2005, p. 34):
Ao contrário do que foi sugerido pelo Comitê da Basiléia, esta última abordagem [abordagem padronizada] não irá utilizar as agências externas de rating – consistirá apenas num upgrading da abordagem vigente, com a inclusão de instrumentos de mitigação de risco.
Outro ponto refere-se à Resolução nº 2.554, de setembro de 1998, onde foi definida a
implantação de estruturas de controles internos e seus respectivos sistemas de informações, o
que criou certa base para a posterior demanda do processo de acompanhamento e revisão
interna do Pilar II.
Contudo, apesar dos avanços, a necessidade de acompanhamento e ajustes em plena
fase de implantação demonstra como afirma Hinki Jr (2006, p. 353), que
o conjunto de regras inovadoras de Basiléia II é de abrangência e complexidades não desprezíveis. Os impactos em termos de pessoal, estrutura, processos, métodos e ferramentas são relevantes. Os resultados das alterações dos critérios podem afetar profundamente o nível de capital demandado às instituições.
Quadro 5: Níveis de Risco da Resolução 2.682. Fonte: BACEN (1999)
Nível AA A B C D E F G H
Provisão Mínima 0,5% 1% 3% 10% 30% 50% 70% 100%
Atraso (dias) 15 a 30 31 a 60 61 a 90 91 a 120 121 a 150
151 a 180
> 180
42
Resolução 3.444 – Definição do PR
Resolução 3.488 – Limite de Câmbio
Resolução 3.490 – Definição do PRE
Resolução 3.380 – Gestão de Risco Operacional
Resolução 3.721 – Gestão de Risco de Crédito
Resolução 3.464 – Gestão de Risco de Mercado
Circular 3.360 – Risco de Crédito – PEPR
Circulares – Risco de Taxa de Juros – PJUR
Circular 3.389 – Risco de Câmbio – PCAM
Circular 3.368 – Risco Commodities – PCOM
Circular 3.366 – Risco Ações – PACS
Circular 3.383 – Risco Operacional – POPR
Circular 3.361 – Juros Pré – PJUR[1]
Circular 3.362 – Cupom Moedas – PJUR[2]
Circular 3.363 – Cupom Inflação – PJUR[3]
Circular 3.364 – Cupom Demais Taxas – PJUR[4]
Circular 3.354 – Políticas de Classificação na Carteira de Negociação
Circular 3.365 – Critérios Avaliação Risco Taxa de Juros no Banking Book
Dessa maneira, o Banco Central do Brasil emitiu diversos normativos referentes a
Basiléia II no país, que visam a adequação dos principais pontos estabelecidos no comunicado
12.746 para atendimento do cronograma de implementação, aos quais estão estruturados no
Quadro 66 a seguir.
De acordo com a resolução 3.490, de agosto de 2007, o PRE49 é composto pelas
parcelas de risco de crédito, mercado e operacional, definido pelo seu somatório, conforme a
seguinte equação:
�2� = �X�� +1���' + �SY� + ��R' + ���L8 +�R�� (9)
Onde:
PRE = Patrimônio de Referência Exigido;
PEPR = Parcela referente a risco de crédito (exposições ponderadas pelo risco);
49 Segundo a mesma resolução, o Patrimônio Líquido Exigido (PLE) passa a ser chamado de Patrimônio de Referência Exigido (PRE).
Quadro 6: Basiléia II no Brasil - Principais Normativos. Fonte: BACEN (2008, web).
43
PCAM + PJUR + PCOM + PACS = Parcelas referentes a risco de mercado: risco
cambial, risco de taxa de juros, risco de commodities e risco de ações,
respectivamente;
POPR = Parcela referente a risco operacional;
Cada parcela têm suas fórmulas para cálculo estabelecidas pelas diversas Circulares,
expostas no Quadro 6, que seguem de maneira geral os modelos recomendados pelo comitê da
Basiléia, tratados anteriormente neste trabalho.
No Brasil notadamente, conforme observado no Gráfico 2, os bancos vem mantendo
ao longo da última década os seus índices de Basiléia, na média, superiores a 15%, patamar
bem maior que os 11% exigidos pelo regulador. A principal explicação pode estar relacionada
à validação dada, por parte do BACEN nos modelos internos permitidos às instituições de
maior porte, somente após o ano de 2009, o que os obrigam a trabalhar com os modelos
básicos que requerem mais capital regulatório. Outra explicação pode estar no intuito de
evitar custos indesejados, decorrentes de ações necessárias à elevação do seu índice de capital
de maneira abrupta, como por exemplo, a emissão de ações para aumento de capital
(BERGER et al., 2008, apud ALENCAR, 2011).
Gráfico 2: Índice de Basiléia. Fonte: Banco Central do Brasil (2012, web).
Isso demonstra de certa forma o resguardo das instituições frente aos riscos incorridos,
mas, mais ainda, sobre a possibilidade de mudanças no arcabouço regulatório, que as deixaria
suscetíveis a riscos legais, e que dessa maneira as colocam em posição conservadora.
13,814,8
16,6
1918,5
17,4 17,817,3 17,7
18,9
16,916,3 16,1
5
7
9
11
13
15
17
19
21
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
(%)
Índice de Basiléia PRE Brasil PRE Basiléia
44
Conforme pode ser evidenciado pelo próprio regulador, em seu Relatório de Estabilidade
Econômica, na seguinte afirmação:
Considerando a situação verificada em dezembro de 2011 e a plena efetividade das alterações, a exigência de capital para risco de mercado elevar-se-ia de R$11,1 bilhões para R$30,4 bilhões, o que reduziria o IB de 16,3% para 15,4%. (BACEN, 2012, p.32)
Além do mais demonstram que estão em consonância com o compromisso de
confiança emanada para com o mercado, pois um índice de Basiléia mais elevado tende a
mitigar o risco de insolvência da instituição.
Em suma, o adendo do Acordo da Basiléia II no Brasil não trouxe grandes mudanças
metodológicas para o período estudado neste trabalho. Pode-se acrescentar que o Banco
Central do Brasil propiciou ao sistema financeiro nacional uma gradativa convergência aos
objetivos traçados para as melhores práticas de regulação macroprudencial, tendo em vista a
posição inicialmente conservadora do regulador. E ainda, que a utilização de abordagens
internas de requerimento de capital regulatório não tinha sido posta em prática até então.
Dessa maneira os avanços concentraram-se em aperfeiçoar as metodologias e abordagens
padrão, além das exigências de divulgação de informações e disciplina de mercado.
4.3 A oferta de Crédito (PRE x Oferta de Crédito)
Os dados a seguir foram extraídos do SGS – Sistema Gerador de Séries Temporais –
do BACEN e do Portal de Informações da FEBRABAN, cujas informações são provenientes
do banco de dados do Departamento Econômico do Banco Central do Brasil. Os balancetes
das instituições financeiras são mensais, porém neste trabalho foram consolidados
anualmente. O período (2000-2010) foi escolhido de maneira que se possam evidenciar
possíveis efeitos decorrentes da transição entre os Acordos de Basiléia I e II, ocorrida ao
longo da década. Para tanto, a metodologia de análise será pautada nas mudanças de
tendências do período.
Em relação à evolução do volume de estoque das operações de crédito, no Brasil, na
última década se pode notar, coincidentemente, que após a divulgação das novas regras de
regulação no país, através do Comunicado 12.746 de dezembro de 2004, houve uma mudança
de tendência que consistia em crescente com viés estável e passou para crescente com viés de
45
alta. Conforme o Gráfico 3 pode ser identificado três períodos distintos. De janeiro de 2000 a
março de 2003 houve uma gradual evolução, a qual a cada ano o estoque das operações subiu
aproximadamente 23%. No segundo período houve certa estagnação, de março de 2003 a
junho de 2005 o crescimento foi de meros 5% a.a.. O ponto de transição pode ser identificado
a partir de junho de 2005, pois desde então, o crescimento passou a ser de 30% a.a.
Gráfico 3: Evolução do total de crédito interno no SFN – Consolidado Monetário. Fonte: BACEN (2012)
Ao se fazer o desdobramento das Operações de Crédito do Consolidado Bancário,
conforme Gráfico 4, foco deste estudo, é verificado o acompanhamento das operações de
crédito do consolidado bancário em relação às aplicações em Títulos e Valores Mobiliários.
Apesar de haver um aumento considerável após 2004, as operações de crédito e as aplicações
em títulos continuaram apresentando patamares similares. Somente após o ano de 2008 houve
priorização das operações de crédito em detrimento das aplicações em títulos, o que pode ser
atribuído a outros fatores, que não o requerimento de capital, como por exemplo, a alteração
no patamar da taxa Selic.
900998
2.326
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
Bilh
ões
(R$)
46
Gráfico 4: Operações de Crédito, Títulos e Valores Mobiliários e a SELIC. Fonte: BACEN (2012).
Dessa maneira, nesse cenário, o mercado como um todo passa a ter incentivos para
aplicar seus fundos na economia real, porém ainda assim, os bancos mantém certa proporção
na aplicação de seus ativos, o que pode denotar a influência dos requerimentos de capital
sobre a decisão de onde alocar seus recursos.
A proporção estoque de crédito versus PIB, Gráfico 55, também demonstra a alteração
de tendência observada após a divulgação do cronograma de implementação do Novo Acordo,
em dezembro de 2004, passando de estável com viés estável para crescente com viés de alta.
Inclusive ultrapassando a barreira dos trinta pontos percentuais em dezembro de 2006.
Gráfico 5: Operações de crédito do SFN (risco total)/PIB. Fonte: BACEN (2012).
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
0,00
200,00
400,00
600,00
800,00
1.000,00
1.200,00
1.400,00
1.600,00
1.800,00
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Tax
a SE
LIC
(%)
(R$)
Bilh
ões
Taxa SELIC Títulos e Valores Mobiliários - Cons. Bancário
Operações de Crédito - Consolidado Bancário Operações de Crédito do SFN
27,3
21,8
30,2
45,2
15
20
25
30
35
40
45
50
(%)
47
Quando comparada com o Índice da Basiléia, vide Gráfico 6, a proporção crédito/PIB
demonstra uma relação inversamente proporcional, em dois períodos distintos (2000-2003 e
2004-2010). Para o último período, o ano de 2009 representa um ponto fora da curva de
tendência, tendo em vista os efeitos da crise de 2008, na qual o governo incentivou
incisivamente o crédito no SFN, ao mesmo tempo em que as IF lançavam mão de maiores
provisões para créditos de liquidação duvidosa, que influem diretamente em seu capital
requerido.
Gráfico 6: Comparativo Crédito/PIB x Índice da Basiléia. Fonte: BACEN (2012).
Assim, a partir da escalada das operações de crédito frente o PIB do país, o Índice da
Basiléia verificado no Brasil, passou a apresentar um comportamento de declínio, mesmo que
em menor proporção, o que reforça a hipótese de que as Instituições Financeiras mantém certo
conservadorismo frente o ambiente regulatório brasileiro.
12
13
14
15
16
17
18
19
20
15
20
25
30
35
40
45
50
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
(%)
IB
(%)
Cré
dito
/PIB
Operações de crédito do SFN / PIB Índice da Basiléia
48
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O setor financeiro, por suas características de integração e universalidade, é de
extrema importância nos dias de hoje, já que está intimamente ligado a todos os setores
restantes, tanto na forma de facilitador de transações comerciais, quanto como catalisador de
recursos para grandes operações de investimentos na economia real, bem como o usuário
final. Em consequência disso, a regulação é um fator crítico à plena saúde do sistema
financeiro, pois visa mitigar seus riscos, apesar da difícil tarefa de conciliação dos diversos
arcabouços regulatórios, em ambientes econômicos dinâmicos e de diferentes estágios de
maturação.
Dessa forma o estabelecimento de diretrizes que levem a uma convergência da
regulação financeira mundial pode acarretar efeitos indesejáveis em economias locais. Entre
eles estão os possíveis efeitos do requerimento de capital para as instituições financeiras sobre
a oferta de crédito no país, tido como objetivo principal deste trabalho.
Para abordar esta questão se procurou estudar os principais aspectos e características
do acordo de regulação das instituições financeiras proposto pelo Comitê da Basiléia para
Supervisão Bancária. Por ser uma área relativamente nova, pelo menos em âmbito mundial,
pois as primeiras ações nesse sentido partem de meados da década de 70, e ainda, por estar
num ambiente característico de constantes mudanças, complexidade de mecanismos, além do
poder de debilitar economias inteiras, a regulação prudencial está em permanente processo de
aperfeiçoamento.
Como visto no segundo capítulo, a primeira proposta, apesar de garantir níveis
mínimos de capital frente os riscos de crédito, e posteriormente de mercado, apresentou
deficiências quanto à forma de mensuração dos capitais exigidos, que geraram distorções na
maneira com que os ativos eram alocados, e também, quanto à abrangência das
recomendações a que estavam sujeitas as instituições supervisionadas, não contemplando
riscos pertinentes ao negócio bancário. No Brasil, inclusive, alguns estudos constataram
retardos no crescimento da oferta de crédito decorrentes dessas distorções, mencionadas neste
estudo.
O capítulo III traz a descrição das novas recomendações estipuladas pela reformulação
do Acordo da Basiléia, principalmente no que diz respeito aos requerimentos de capital, em
seguida, é abordado o problema do incentivo ao direcionamento do capital. Constatou-se,
então, que a decisão de ajustar a forma de cálculo do capital exigido, de maneira que se
49
aproxime do capital econômico, ou seja, que a exigência deve estar próxima da requerida pelo
próprio negócio para que haja perpetuação de atuação da empresa, pelo menos
preliminarmente, foi moldada de forma adequada, somada a outros aspectos de supervisão
bancária, tais como seu aperfeiçoamento e a disciplina de mercado.
Por fim, se buscou contextualizar a aplicação das recomendações de regulação no
mundo, frente à implantação no Brasil, inclusive analisando o comportamento da oferta de
crédito no sistema financeiro nacional. Sobre o período considerado, apenas levando em
consideração as mudanças de tendência verificadas nas séries históricas, não foi possível
afirmar que os requerimentos de capital, por si só, levaram a mudanças significativas no
volume de estoque de crédito no país. Até porque as recomendações de Basiléia II, no Brasil,
haviam sido empregadas de forma parcial até o momento, além é claro do efeito de outras
variáveis a que o sistema está exposto.
Finalmente, a hipótese de que possíveis efeitos de Basiléia II sobre a oferta de crédito
estão relacionados às medidas de restrição de ativos, não pode ser confirmada já que o ajuste
do capital regulatório ao econômico foi recomendado no documento em questão, e que sua
implementação não foi totalmente efetivada. Cabe ressaltar que a evolução do mercado exige
o constante progresso do tema a fim de manter efetivos os controles de gestão do risco no
sistema financeiro.
Os resultados, apesar de não elucidarem os efeitos esperados sobre o ambiente
nacional, possibilitaram, através de sua investigação, clarificar o estágio em que se encontra a
regulação macroprudencial no país. Para trabalhos subsequentes, sugere-se o estudo da
relação econométrica entre as variáveis de requerimento de capital e o estoque das operações
de crédito, com intuito de atestar a influência entre as variáveis.
50
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