Transcript
  • ISBN 978-85-908251-0-4

    JOO CARLOS NUCCI

    Qualidade Ambiental E

    Adensamento Urbano

    Um estudo de Ecologia e Planejamento da Paisagem aplicado ao distrito de Santa Ceclia (MSP)

    2 edio

    Curitiba Edio do Autor

    2008

  • ii

    Nucci, Joo Carlos Qualidade ambiental e adensamento urbano: um estudo de ecologia e planejamento da paisagem aplicado ao distrito de Santa Ceclia (MSP) / Joo Carlos Nucci. 2 ed. - Curitiba: O Autor, 2008. 150 p.; il.

    Disponvel no endereo: < http://www.geografia.ufpr.br/laboratorios/labs>

    ISBN 978-85-908251-0-4 l. Planejamento urbano aspectos ambientais. 2. Meio ambiente 3. Paisagem Proteo Santa Ceclia. I. Ttulo

    CDD 711.42

  • iii

    Capa da 1 edio - impressa: Jos Roberto Nucci (2001)

  • iv

    Qualidade Ambiental e Adensamento Urbano SUMRIO Apresentao ............................................................................................ v Prefcio .................................................................................................... vii Agradecimentos ....................................................................................... viii Lista de siglas ... ix 1. Introduo ............................................................................................ 1 2. Planejamento Ambiental e Ecologia da Paisagem ............................... 3 3. Paisagem Urbana e Indicadores de Qualidade Ambiental ................... 12 Clima e poluio atmosfrica ................................................................... 12 gua: enchentes ....................................................................................... 17 gua: abastecimento ................................................................................ 19 Resduos lquidos ..................................................................................... 20 Resduos slidos ....................................................................................... 20 Poluio sonora e visual ........................................................................... 22 Cobertura vegetal ..................................................................................... 23 reas verdes e espaos livres ................................................................... 29 Espaos livres e recreao ........................................................................ 36 Verticalizao ........................................................................................... 40 Densidade populacional ........................................................................... 43 Viso sistmica ........................................................................................ 46 Limites do crescimento ............................................................................ 47 Tombamento ............................................................................................ 50 4. Plano Diretor e Zoneamento ................................................................ 52 5. Mtodo de Avaliao da Qualidade Ambiental Urbana ...................... 55 6. Qualidade Ambiental no Distrito de Santa Ceclia .............................. 64 6.1. Uso do solo 64 6.2. Carta de Usos Potencialmente Poluidores ........................................ 76 6.3. Carta de Pontos de Enchentes ........................................................... 83 6.4. Densidade demogrfica e a Carta de Apinhamento Humano ........... 90 6.5. Verticalidade das edificaes ............................................................ 96 6.6. Cobertura vegetal e Desertos Florsticos .......................................... 103 6.7. Espaos livres pblicos ..................................................................... 106 6.8. Espaos livres pblicos e lazer .......................................................... 109 7. Avaliao da Qualidade Ambiental: sntese ........................................ 113 7.1. Sobreposio de Cartas Temticas .................................................... 113 7.2. Delimitao e Avaliao de Unidades de Paisagem ......................... 116 8. Proposta de Melhoria da Qualidade Ambiental ................................... 120 Consideraes Finais ................................................................................ 129 Referncias Bibliogrficas ....................................................................... 130 Anexo l ..................................................................................................... 137 Anexo 2 .................................................................................................... 139

  • v

    APRESENTAO O adensamento urbano, uma intensificao do uso e da ocupao do solo, vem sendo proposto pelo Poder Pblico como uma medida de planejamento. Justifica-se que as regies centrais da cidade apresentam infra-estrutura ociosa e que, portanto, poderiam ser adensadas pela construo de edifcios (verticalizao), evitando-se, assim, a expanso para a periferia (crescimento horizontal), que se apresenta sem infra-estrutura suficiente para suportar a populao atual. Afirma-se, tambm, que este adensamento ocorreria respeitando-se os impedimentos do meio fsico e sem prejuzo para a qualidade ambiental. Resolvemos, ento, verificar se realmente a qualidade ambiental e os impedimentos do meio fsico so levados em considerao no momento de se decidirem quais as zonas adensveis da cidade.

    Este trabalho, um dos resultados de minha tese de doutoramento defendida em 1996 no Departamento de Geografia (USP), discute a possibilidade de intensificao do uso e ocupao do solo urbano (adensamento) com base em estudos dos atributos ambientais como uso do solo, poluio, espaos livres, verticalidade das edificaes, enchente, densidade populacional e cobertura vegetal, espacializados e integrados em escalas que variam entre l:2.000 e l:10.000, utilizando-se como exemplo o distrito de Santa Ceclia, no municpio de So Paulo. Com base nos estudos de Ecologia e Planejamento da Paisagem sugerem-se parmetros e um mtodo para a avaliao da qualidade do ambiente urbano.

    O livro sobre a tese, publicado em 2001 pela Editora Humanitas (FFLCH-USP) com auxlio da FAPESP, teve sua edio de 500 exemplares esgotada j em 2002. A procura pelo livro pelos pesquisadores da rea, associada ao fato de no se encontrar exemplares suficientes disponveis nas bibliotecas pblicas e ao fato do exemplar da tese no estar disponvel na Internet, levou-me a elaborar esta edio eletrnica na qual pude acrescentar vrios mapas coloridos e outras informaes no encontradas na verso impressa.

    Prof. Dr. Joo Carlos Nucci Curitiba, maio de 2008

  • vi

    PREFCIO DA 1 EDIO

    O livro "Qualidade Ambiental e Adensamento Urbano um estudo de Ecologia e Planejamento da Paisagem aplicado ao distrito de Santa Ceclia (Municpio de So Paulo)" - representa uma publicao inovadora em nosso Pas no que se relaciona a estudos envolvendo cidades. Normalmente, busca-se entend-las quase que somente pela tica de estudos sociais ou ento como so e/ou devem ser construdas, como no caso principalmente da Arquitetura, Engenharia Civil e Urbanismo.

    A intensidade da derivao da natureza pela urbanizao ainda muito pouco pesquisada no Brasil, e mesmo nos pases onde isso ocorre os estudos ainda esto em fase inicial, embora na histria saiba-se que j os antigos romanos inferiam e relatavam alteraes da natureza que se imputavam Roma Imperial. No sculo XIX autores ingleses relatavam pesquisas que procuravam entender alteraes provocadas pela urbanizao, como o aquecimento, porm somente depois da dcada de 1970 que os estudos tomaram vulto, principalmente na antiga Repblica Federal da Alemanha, onde pesquisadores tentam fazer estudos integrados sobre o assunto, ressaltando que as cidades tm que ser enfocadas tanto nos estudos sociais e de engenharia como nos de ecologia de forma integrada, evitando-se entender somente as partes de uma forma cartesiana absoluta.

    O Dr. Joo Carlos Nucci, a quem conheci como aluno e orientando e, hoje, como colega e grande amigo, com o presente livro, d um passo decisivo, nesse sentido, em nosso Pas. Para faz-lo, buscou as experincia de pioneiros no Brasil, como Foresti, Lombardo, Monteiro, Troppmair, relatados nesta obra entre outros, que se debruaram a pesquisar as cidades nesse contexto, alm de sua pesquisa propriamente dita.

    Muito apropriadamente enquadrou a temtica de seus estudos na rea da Ecologia da Paisagem e Planejamento, que interessa aos ensinos de graduao e ps-graduao, e a um grande nmero de profissionais de diversos campos da Geografia, do Urbanismo, da Arquitetura, dos Planejamentos Urbano e Regional, da Histria, da Sociologia, da Economia, da Biologia, das vrias Engenharias que lidam com a paisagem como a Agronmica, a Florestal, a Civil, e mesmo da Geologia.

    Trata-se, portanto, de um livro-fonte estimulante e de agradvel leitura, que deve ser lido e cujas reflexes, em relao s questes referentes capacidade suporte da paisagem e do meio ambiente, devem ser consideradas na busca de cidades mais justas, tanto do ponto de vista social quanto ecolgico.

    Finalmente, contribui para sistematizar, motivar e provar que a Universidade proporciona oportunidades para produo de pesquisas to relevantes, como a do Prof. Dr. Joo Carlos Nucci; e vem cumprindo um dos seus objetivos para dar soluo para um dos seus muitos desafios como o da interdisciplinaridade.

    Prof. Dr. Felisberto Cavalheiro So Paulo, 2001

  • vii

    AGRADECIMENTOS (1 EDIO)

    CAPES, CNPq, Fapesp, Prof. Dr. Ana M. M. de C. Marangoni, Prof. Dr. Francisco C. Scarlato, Prof. Dr. Jos Eduardo dos Santos, Prof. Dr Maria Inez Pagani, Prof. Dr. Mrio De Biasi, Prof. Dr. Gisele Girardi, Prof. Dr. Oriana A. Fvero, Jos Roberto Nucci, La L. M. Nucci, Maria da Penha, Fumiko Ono, Ana L. L. Pereira.

    Agradeo especialmente ao Prof. Dr. Felisberto Cavalheiro pela amizade e pela

    orientao. AGRADECIMENTOS (2 EDIO) Agradeo especialmente Profa. Dra. Oriana Aparecida Fvero, pela digitalizao, tratamento e configurao do texto e das imagens e, principalmente, pelo companherismo nesses 10 anos de convivncia.

  • viii

    SIGLAS CE - Constituio do Estado de So Paulo Cetesb - Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental CF - Constituio da Repblica Federativa do Brasil DAEE - Departamento de gua e Energia Eltrica DOM - Dirio Oficial do Municpio Emplasa - Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande So Paulo FAO - Organizao das Naes Unidas para Alimentao e Agricultura FGV - Fundao Getlio Vargas FSP - Jornal Folha de S. Paulo Gegran - Grupo Executivo da Grande So Paulo Gogep - Coordenadoria Geral de Planejamento LOMSP - Lei Orgnica do Municpio de So Paulo OMS - Organizao Mundial da Sade ONU - Organizao das Naes Unidas PDDI - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado PMDI - Plano Municipal de Desenvolvimento Integrado PMSP - Prefeitura do Municpio de So Paulo PNDI - Plano Nacional de Desenvolvimento Integrado PUB - Plano Urbanstico Bsico SBAU - Sociedade Brasileira de Arborizao Urbana SBP - Sociedade Brasileira de Paisagismo Sempla - Secretaria Municipal do Planejamento SN - Jornal Shopping News

  • 1

    1. INTRODUO Desde a dcada de 70 as propostas de planejamento urbano para o Municpio de

    So Paulo colocam o adensamento como resposta s demandas sociais. O adensamento proposto, que significa uma intensificao do uso e da ocupao do solo, aparece vinculado disponibilidade de infra-estrutura e s condies do meio fsico. Ento, a rea que se apresentasse com uma infra-estrutura subutilizada e sem impedimentos do meio fsico seria considerada como passvel de adensamento, entendendo-se como infra-estrutura as redes de gua, luz, esgoto, telefone e gs encanado.

    Os levantamentos das condies do MSP que justificavam o adensamento de certas reas foram realizados, pelas diferentes gestes, em escalas espaciais menores do que l:50.000. O diagnstico e o prognstico realizados em escalas espaciais menores do que 1:50.000 foi um procedimento escolhido na elaborao das propostas de planos diretores que deveriam conter, em um primeiro momento, diretrizes gerais, e que os problemas especficos deveriam ser posteriormente analisados em uma escala local. Constatou-se, tambm, que no se encontram normas, critrios e padres suficientes para se assegurar um "(...) meio ambiente humanizado, sadio e ecologicamente equilibrado", como prope, por exemplo, a Lei Orgnica do MSP de 1991, e que, portanto, os impedimentos do meio fsico, ou ambiental, no so considerados no momento das decises.

    Entendendo-se que a sociedade humana depende, para seu bem estar, da considerao no s dos parmetros tico e sociais, mas tambm dos fatores ambientais (fsicos, qumicos e biolgicos) coloca-se como tema central deste trabalho a questo do adensamento do espao urbanizado, levando-se em considerao os atributo; ambientais diagnosticados e espacializados de forma integrada e em uma escala espacial local (entre l:5.000 e l:15.000). Procura-se discutir, ento, o outro lado do problema, o lado da "oferta", ou seja, da capacidade que o ambiente tem para acolher os diferentes usos de solo, j que o lado da "demanda" da sociedade bastante conhecido e mais considerado no planejamento urbano.

    Levanta-se, portanto, a seguinte questo, que este trabalho tentar esclarecer: o distrito de Santa Ceclia (MSP) pode ser considerado como uma rea para adensamento? A rea de estudo, o distrito de Santa Ceclia (MSP), foi escolhida por ser a mais acessvel para ns e tambm por ser considerada como rea adensvel plos rgos de planejamento do municpio, bem como pelas empreiteiras e pelos empreendedores imobilirios; entretanto, o mtodo aqui proposto poder ser aplicado para a totalidade do municpio de So Paulo, bem como para outras cidades.

    Esse mtodo tem como base geral os estudos realizados em Ecologia e Planejamento da Paisagem, que pode ser entendido como uma contribuio ecolgica e de design para o planejamento do espao, onde se procura uma regulamentao dos usos do solo e dos recursos ambientais, salvaguardando a capacidade dos ecossistemas e o potencial recreativo da paisagem, retirando-se o mximo proveito do que a vegetao pode fornecer para a melhoria da qualidade ambiental.

    Um dos produtos deste trabalho a Carta de Qualidade Ambiental, mas, devido falta de dados e de critrios necessrios para, avaliao da qualidade ambiental urbana, optou-se por trabalhar com inferncias baseadas nos diferentes trabalhos consultados, com o cuidado de se considerar limites no muito restritivos, procurando, portanto, evitar na medida do possvel as discusses sobre aspectos subjetivos. Sendo assim, os parmetros apresentados, discutidos e eleitos neste trabalho, no devem ser considerados como ideais autoritariamente impostos pelo pesquisador, mas podem

  • 2

    servir como ponto de partida para discusso e posterior eleio pela comunidade dos critrios por ela considerados "ideais".

    Foi preciso uma ampla consulta de vrios trabalhos referentes aos atributos ambientais do espao urbanizado para que se pudessem selecionar critrios para a avaliao da qualidade ambiental.

    A reviso bibliogrfica que se segue nos prximos captulos procura, em um primeiro momento, discutir conceitos e metodologias e depois apresentar um grande nmero de citaes sobre os aspectos relacionados com o clima urbano (ilha de calor, poluio, etc.), gua (enchentes, abastecimento e esgotamento), lixo, poluio sonora, visual, cobertura vegetal, espaos livres, reas verdes, recreao, uso do solo, verticalizao e densidade demogrfica. Discute-se tambm a respeito das propostas de Planos Diretores, Lei Geral de Zoneamento e Lei Orgnica Municipal.

    Apresentam-se logo em seguida a rea de estudo e as tcnicas e mtodos utilizados neste trabalho. Os resultados so apresentados e discutidos separadamente para em seguida se chegar sntese geral, ou seja, o mapa da qualidade ambiental para o distrito de Santa Ceclia. O trabalho termina com algumas propostas de ordenamento do solo e de adensamento para o distrito.

    Monteiro (1987) coloca que "Executar um trabalho de espacializao da qualidade ambiental constitui um verdadeiro desafio, visto que no existe uma receita tcnica calcada numa concepo terico-metodolgica pronta". Sendo assim, este trabalho vem colaborar para aumentar o escasso rol de possibilidades metodolgicas globalizadoras para a abordagem do meio ambiente urbanizado.

    Apesar da pretenso, h a conscincia dos limites impostos principalmente pela escala espacial escolhida, e de que nem todos os aspectos relacionados com a qualidade ambiental foram abordados neste trabalho elaborado apenas por um profissional, e no por uma equipe multidisciplinar que apresentaria, assim, mais e melhores condies para um estudo do ambiente como um todo.

  • 3

    2. PLANEJAMENTO AMBIENTAL E ECOLOGIA DA PAISAGEM Quando se pensa em planejamento ambiental, hoje em dia, est se pensando no

    "todo", nos aspectos sociais, econmicos e naturais; mas faz-se necessria uma diviso desse espao para um melhor entendimento, pois as metodologias de estudo at agora conhecidas ainda no foram capazes de estudar o espao levando em considerao toda as suas variveis e inter-relaes. Portanto, o que atualmente tem acontecido so estudos em esferas diferentes do planejamento com uma posterior tentativa de snteses parciais, dentro de cada linha de estudo; e depois uma sntese mais globalizante com o intuito de propor medidas de planejamento do espao. Entretanto, o que vem acontecendo que, no momento de se fazer essa sntese final, nem todos os aspectos estudados so considerados na tomada de decises. Tenta-se, assim uma mudana do pensamento que at hoje coordena a forma de planejamento do espao: "Na sociedade burguesa, preocupaes econmicas constituem o tema principal da investigao social, todas as outras consideraes humanas so secundrias" (Lefebvre, 1969), como tambm as existenciais. Sendo assim, o planejamento acaba ficando nas mos das cincias sociais que "(...) tm ignorado que a sociedade humana depende do meio ambiente biofsico para sua sobrevivncia (Douglas, 1983). Marcus e Detwyler (1972) afirmam que "(...) tradicionalmente, os fatores econmicos tm decidido o uso da terra sem levar em considerao os fatores ecolgicos". Rocha (1991) coloca que "Na realidade, o comportamento humano regido no s por parmetros ticos e sociais, mas tambm por fatores ambientais. Ora, em um ambiente urbano que consumi o verdadeiro habitat e 'nicho' do ser humano, obviamente, ele deve (ou deveria ser) o ponto central de referncia quando da tomada de qualquer deciso pela autoridade consumida, ou no nvel da prpria cidadania".

    Muitas vezes tambm o planejamento baseado somente em medidas de ordem tecnolgica, sem se dar importncia ao ordenamento do ambiente. "As cidades crescem bem acima de sua capacidade natural de suporte, graas ao uso da tecnologia. As grandes metrpoles, portanto, so muito dependentes do aparatus tecnolgico, o que significa que uma falha mecnica pode trazer srias repercusses ao ecossistema urbano" (Marcus e Detwyler, 1972). O termo "capacidade natural de suporte" est relacionado com os limites de ocupao do territrio, e ainda requer mais estudo, para que se possa alcanar uma melhor definio. "Primeiro deve-se tirar partido do que a natureza pode oferecer no tocante auto-regulao, para ento estudar quais devem ser as tecnologias mais compatveis a serem utilizadas" (Prof. Dr. Felisberto Cavalheiro - DG/USP comunicao pessoal).

    Porm, voltando-se mais para o lado natural ou ambiental do espao, nota-se que nem todos os autores tm a coragem de usar o termo "ecolgico" quando se trata de estudos do meio ambiente urbanizado.

    Santos (1985) diz que o espao deve ser entendido como sendo a natureza mais a sociedade, e classifica os elementos do espao em: homens (fornecedores e candidatos ao trabalho), firmas (produo de bens, servios e idias), instituies (produo de normas, ordens e legitimaes), meio ecolgico (conjunto de complexos territoriais, base fsica do trabalho humano) e infra-estrutura (trabalho humano materializado e geografizado na forma de casa, plantaes, caminhos, etc.). Douglas (1983) afirma que "muitos esforos internacionais desde 1972 tm chamado a ateno para a importncia dos estudos do meio ambiente das cidades. Por exemplo, o programa Man and Biosphere da UNESCO reconhece o significado ecolgico das cidades".

    Outros autores vo alm quando consideram a cidade como um ecossistema. Marcus e Detwyler (1972) dividem a cidade em dois componentes: o homem urbano e o

  • 4

    meio ambiente urbano, e concluem que o entendimento da dinmica das interaes entre estes dois elementos facilitada se reconhecermos a cidade como um ecossistema. Delpoux (1974) no considera a cidade como ecossistema, mas coloca que isso seria possvel considerando-se a cidade como um ecossistema desequilibrado. Sukopp e Kunick (1973 apud CAVALHEIRO, 1991) colocam que "(...) embora elas (as cidades) sejam o ambiente mais importante do homem hodierno, so esparsas as tentativas de estud-las, consider-las e reconhec-las como unidades funcionais (ecossistemas)"; entretanto, uma outra citao de dez anos aps a anterior j v o quadro de outra forma: "Vrios estudos tm sido feitos atualmente, com poluio e outros problemas do meio ambiente urbano contemporneo e tambm considerando-se a cidade como um ecossistema urbano " (Eriksenb, 1983 in Ehlers, 1992).

    Pode ser realmente complicado trabalhar no meio urbano com metodologias utilizadas em outras reas da cincia, como, por exemplo, a anlise sistmica utilizada em Ecologia. Por outro lado, no se pode negar que o ambiente urbano tambm necessita ter sua utilizao planejada, pois a utilizao desordenada conduz a uma queda da qualidade de vida. Douglas (op cit.) ainda prev que "(...) as escolas e universidades voltaro no futuro suas preocupaes ao entendimento das experincias do dia-a-dia (...) a cidade constituda por um conjunto de problemas ambientais, os quais podem ser entendidos por aplicao dos princpios da climatologia, biogeografia e geomorfologia". Segundo Martine (1993) "(...) estima-se que em torno de 75% da populao brasileira podia ser considerada 'urbana' em 1990 (...) o Brasil j um pas urbano (...) as questes sociais e ambientais de maior significado para a populao brasileira necessariamente vo se centrar onde existe maior densidade econmica e demogrfica. Ou seja, as questes ambientais que afetam mais diretamente o quotidiano da maioria da populao brasileira devero ser resolvidas no mbito de espaos urbanos construdos ou em construo, e no em espaos naturais ou basicamente intocados". Aqui h um equvoco, pois, apesar do aumento da importncia de estudos relacionados ao ambiente urbanizado, o seu entorno "natural" a fonte de recursos indispensvel para a sobrevivncia das cidades e, portanto, merecer tambm a mesma importncia em termos de pesquisas. Todavia, seria impossvel transportar diretamente os mtodos utilizados no estudo do meio natural (no urbanizado) para o entendimento do meio fsico na cidade. Alm disso, importar mtodos aplicados em outros pases sem uma decodificao para a nossa realidade seria desastroso. Precisamos desenvolver a nossa prpria forma de coletar, organizar, analisar e sintetizar os dados do meio fsico da cidade, principalmente porque somos um pas subdesenvolvido e, assim, com dificuldades estruturais e culturais para um bom desenvolvimento de pesquisas, pelo menos neste campo. Porm, cientistas no trabalham mais baseados na "teoria da gerao espontnea". Desse modo, somente com base nos estudos de planejamento do ambiente realizados em outros pases e nos trabalhos realizados aqui poderemos chegar um dia ao nosso prprio mtodo.

    Na procura de um mtodo para o planejamento da paisagem urbana, uma volta no tempo, na tentativa de se resgatarem as origens dos estudos ambientais, nos remete aos estudos descritivos e generalistas da paisagem realizados por Humboldt entre os sculos XVIII e XIX. "Em tempos modernos foi Alexander von Humboldt quem viu uma conexo funcional entre os objetos cosmolgicos e terrestres. Sem sermos muito rigorosos, poderamos dizer que j se tratava de um estudo de 'ecologia da paisagem'. A ideia de uma conexo funcional entre os elementos da paisagem expresso em praticamente todos os trabalhos de von Humboldt. Ele seria o pai da Ecologia da Paisagem." (Ehlers, 1992)

  • 5

    O autor ainda coloca que "O termo ecologia da paisagem foi cunhado por Troll em 1939. Ele se referia expressamente ecologia clssica da biologia (Haeckel 1899, Moebius, 1877), onde uma aproximao holstica teve registro, embora este tipo de ecologia fosse primeiramente pura auto-ecologia. O que importava era o relacionamento entre os organismos e o meio ambiente." (op. cit.)

    Entre 1945 e 1975, aparecem vrias pesquisas em ecologia da paisagem (Neef l956,1967) e tambm uma preocupao em salientar o carter interdisciplinar dessa abordagem. Porm, no incio, a Ecologia da Paisagem era criticada por ter severas conexes com a Biologia, que no conseguia abarcar toda a complexidade e a espacialidade da paisagem. Os estudos de ecossistemas elaborados por botnicos e zologos privilegiam as relaes dos seres vivos entre si, deixando de lado o componente no vivo. Alm disso, o ecossistema no apresenta nem escala nem suporte espacial bem definido; no tem dimenso, no concreto, faltando, portanto, uma relao precisa entre ecossistema e espao. Como a Biologia foi se tornando cada vez mais especializada, se afastando das metodologias que lidam com o espao, ficou mais fcil para as geocincias aplicar aproximaes holsticas, devido ao seu tradicional ponto de vista espacialmente orientado. A inteno , portanto, a espacializao das questes ecolgicas.

    Entre 1945 e 1965, a ecologia da paisagem foi identificada com a regionalizao natural, ou seja, um mtodo de classificao de unidades de regies naturais. Se inicia com o visvel, unidades regionais fisionmicas, que eram subdivididas em unidades menores. Os critrios utilizados eram: o relevo, o mesoclima, a vegetao e o solo.

    Este procedimento aparece em 1920, mas os alemes no o colocaram em prtica em escalas grandes at 1945. A primeira sistematizao foi feita por Troll (1943) na escala de 1:25.000. O primeiro estudo que deu a ideia de processo no campo geogrfico da ecologia da paisagem foi realizado por Neef em 1960.

    Ehlers (1992) define a Ecologia da Paisagem como sendo "(...) o campo que se preocupa com as interaes entre os fatores no ecossistema de uma dada paisagem. Estas esto representadas funcionalmente e visualmente na paisagem na forma de uma estrutura territorial muito complexa. Os diversos aspectos da paisagem so estudados por vrias disciplinas. Estas disciplinas apresentam diferentes interesses. Assim, e devido tambm a razes metodolgicas, elas podem estudar mais, ou menos, certas partes do ecossistema da paisagem em questo. O princpio dos estudos dos ecossistemas pode ser cientfico ou prtico, relacionado ao planejamento ou utilizao da paisagem".

    No final dos anos 60 e na dcada de 70 as ameaas natureza e qualidade de vida levam a uma retomada, pelos alemes, do estudo integrado da paisagem. Esta retomada do estudo integrado da paisagem vem influenciada pela Teoria dos Sistemas (incio nos anos 20 nos EUA) e pela noo de ecossistema elaborada por Tansley em 1937.

    Na tentativa de espacializar a noo de ecossistema, o conceito de geossistema (Sotchava, 1977) enunciado ento por gegrafos russos com base no conceito alemo de Landschaft (paisagem). Nesse momento, o que interessa o estudo das conexes entre os componentes da natureza, de um ponto de vista espacial, mais do que os prprios componentes. Porm, nessa tentativa de encontrar uma metodologia de sntese, tanto Bertrand (1972) quanto Sotchava (1977) tratam o geossistema por uma viso naturalista onde o ser humano colocado em oposio ao natural. Monteiro (1978) prope uma definio de geossistema com o objetivo de alterar essa situao: "O geossistema um sistema singular, complexo, onde interagem elementos humanos, fsicos, qumicos e biolgicos e onde os elementos scio-econmicos no constituem

  • 6

    um sistema antagnico e oponente, mas sim esto includos no funcionamento do prprio sistema". Porm, o conceito mais em voga atualmente nos estudos de espacializao integrada dos componentes do ambiente o de "paisagem", que pode ser definida como "(...) entidade espacial delimitada, segundo um nvel de resoluo do pesquisador, a partir dos objetivos centrais da anlise, de qualquer modo, sempre resultado de integrao dinmica e, portanto, instvel dos elementos de suporte, forma e cobertura (fsicos, biolgicos e antrpicos), expressa em partes delimitveis infinitamente, mas individualizadas atravs das relaes entre elas que organizam um todo complexo (sistema); verdadeiro conjunto solidrio em perptua evoluo" (aula do Prol. Dr. Carlos Augusto de F. Monteiro, curso de Ecologia da Unesp, 1986 e Monteiro, 2000).

    Pode-se citar como propostas metodolgicas dentro do campo da ecologia da paisagem a de McHarg (1971), que procura incorporar os fatores do meio fsico no planejamento com o mapeamento dos fatores intrnsecos do meio ambiente (clima, hidrologia, geologia, solo e habitat da vida selvagem) e, depois, combinando os mapas dentro de uma simples composio que indica (por cores e tons usados por vrios fatores) a susceptibilidade intrnseca da terra por vrios usos, tal como residencial, comercial, industrial, conservao e recreao ativa ou passiva; em adio, a composio indica reas sobre o terreno do meio ambiente onde mais de um uso pode ser suportado.

    Essa susceptibilidade do solo a certos usos tambm se encontra no pensamento de Tricart (1977): "(...) a organizao ou reorganizao do territrio exige um diagnstico preliminar. Preliminarmente ao estudo do zoneamento, torna-se necessrio conhecer as aptides dos terrenos para construo, principalmente as limitaes por eles impostas (...)".

    Gomes Orea (1978), em estudos de planejamento para a localizao espacial das atividades para a provncia de Madri, tem tambm como base a capacidad de acogida del territorio, conceito que significa a tolerncia do territrio para acolher os usos do solo objeto de localizao, sem que se produzam deterioraes irreversveis por sobre os limites tolerveis: "(...) portanto, uma planificao precatria, restritiva e, portanto, incompleta e parcial, que se justifica em seu momento pela urgncia de se colocarem limites inquietante ocupao e conseguinte destruio do espao rural da provncia de Madrid" (op. cit.). E coloca ainda que o processo de planificao pode estruturar-se segundo duas linhas paralelas: uma linha da demanda, que estuda a problemtica econmica e social da populao e define os objetivos a conseguir, e uma linha da oferta, que examina as caratersticas do meio em que se desenvolvem as atividades humanas, definindo as possibilidades atuais e potenciais de satisfazer a demanda. A sequncia sumria de um processo de planificao, segundo Gomes Orea (1978), pode ser assim resumida:

    a) Dimenso fsica da planificao (oferta). b) Descrio da sequncia:

    estabelecimento dos objetivos; inventrio das caractersticas fsicas, biolgicas, perceptivas e culturais do

    territrio. Os dados so expressos em mapas. O inventrio resulta, assim, expresso em mapas temticos;

    valorao dos temas inventariados em termos de sua qualidade ou grau de excelncia intrnseco;

    predio que consiste na relao uso x territrio, quer dizer, o comportamento do territrio supondo que sobre ele se estabelea qualquer dos usos em questo. Tal relao tem uma dupla vertente: impacto (mudana de valor dos recursos diante de sua

  • 7

    dedicao ao uso concreto) e aptido (expresso do potencial de cada recurso para cada uso).

    A questo da valorao qualitativa ou quantitativa um tanto quanto polmica, pois, apesar de necessria, ainda no se conseguiu uma preciso satisfatria, sendo, portanto, esses valores resultado do bom senso e da subjetividade da opinio humana.

    Um outro procedimento fundamental no planejamento, a classificao da paisagem em conjuntos de subespaos afins de modo a facilitar sua compreenso, tambm uma forma de valorao que pode se dar de modo quantitativo/qualitativo e de modo relativo. Gomes Orea (1978) utiliza o critrio homogeneidade para essa classificao e afirma que esta pode se dar por procedimentos mais ou menos intuitivos com base em uma apreciao externa da realidade, ou utilizando tcnicas estatsticas de classificao e ordenao: "(...) quando a prospeco se centra no reconhecimento de ordem e da estrutura do territrio, o inventrio adota a expresso de mapas que representam a classificao do territrio em unidades intrinsecamente homogneas, ou ambientalmente homogneas, quer dizer, que apresentam em todos os pontos fatores biolgicos, inertes e perceptuais anlogos". O autor coloca ainda que a homogeneidade pode ser reduzida aos indicadores ambientais mais importantes. Em Madri, estudos consideraram a vegetao e a geomorfologia para delimitar as unidades homogneas: "Na planificao do tipo restritivo possvel delimitar unidades homogneas tendo como base apenas uma varivel, aquela que exerce o maior controle em relao aos objetivos (...)" (op. cit.). Ehlers (1992) coloca que "Em alguns velhos estudos de ecologia da paisagem o principal objetivo foi a classificao das regies naturais, e o critrio utilizado foram as comunidades vegetais. s vezes, as formas de relevo e processos foram considerados fatores decisivos". Delpoux (1974) tambm utiliza como critrio a homogeneidade para delimitao de unidades elementares de paisagem: "(...) unidade elementar de paisagem - frao da crosta terrestre que pode ser qualificada de homognea pelo suporte e pela cobertura simultaneamente".

    Na proposio geossistmica (Bertrand, 1972 e Sotchava, 1977), encontram-se propostas de classificao que se utilizam de termos complicados (getopos, ectopos...) e sem uma correspondncia com a nossa realidade. O Prof. Dr. Carlos Augusto de Figueredo Monteiro, pioneiro no Brasil a considerar o potencial biolgico de ocupao da paisagem por meio da identificao de unidades de paisagem, sugere o uso do termo "unidades de paisagem" associado escala para simplificar as classificaes propostas que acabam por introduzir muitos termos, praticamente todos com o mesmo significado, complicados para o entendimento (Monteiro, 1987 e estudos referentes folha de Ribero Preto/SE escala 1:250.000 - no publicado).

    Apesar de os trabalhos de Ecologia da Paisagem at agora elaborados colaborarem para a formao de uma base conceitual, sente-se a falta de estudos de Ecologia da Paisagem urbana em escalas maiores, e o que se encontra atualmente mais prximo da nossa preocupao referente ao estudos urbanos so os trabalhos realizados na Alemanha sobre Planejamento da Paisagem.

    Com base na Conferncia Internacional realizada em 1990 sobre Planejamento da Paisagem na Alemanha, "A contribuio do Planejamento da Paisagem para a proteo ambiental" (Landschaftsplanung als Instrument umfassender Umweltvorsoge), o Dr. Hans Kiemstedt e Evelyn Gustedt elaboraram um documento, que se resume a seguir, contando sobre o histrico e os objetivos dessa nova forma de planejamento.

    O Planejamento da Paisagem na Alemanha tem suas razes histricas no "embelezamento da paisagem" que dura at os primeiros anos do sculo XIX. No incio da Revoluo Industrial o Planejamento da Paisagem comea a se preocupar com o desenvolvimento catico das cidades e com o crescimento da destruio da natureza,

  • 8

    tentanto propor melhorias por meio do planejamento dos espaos livres (Grnplanung). Em meados do sculo XX, o conceito relacionado com o desenvolvimento espacial da paisagem passa a considerar, alm das questes estticas, as inter-relaes ecolgicas entre os elementos do ambiente. Uma fase decisiva para o Planejamento da Paisagem na Alemanha surge aps o final da 2a Guerra Mundial com a necessidade de reconstruo do pas destrudo e reanimao da economia. O desenvolvimento da agricultura nas reas rurais era prioridade no ps-guerra devido necessidade de prover alimentao para a populao. As universidades so estimuladas a reabrir ou a fundar programas de "arquitetura da paisagem"; o propsito inicial era o de combinar os aspectos tradicionais da "arquitetura da paisagem" e design de jardins com as novas questes relacionadas com a proteo dos recursos naturais, j que a intensificao dos usos da terra e crescimento da demanda de energia vinha causando severos impactos nos ecossistemas.

    Durante os anos 50, toma-se claro que as leis existentes de conservao da natureza no eram suficientes para controlar o impacto ambiental resultante do crescimento econmico do ps-guerra na Alemanha. O crescimento das cidades, das indstrias e a intensificao da agricultura vinham mudando drasticamente a paisagem. Todavia, o Planejamento da Paisagem continuava limitado a estudos e projetos de preservao da qualidade esttica da paisagem e ao desenvolvimento de reas para recreao na zona rural.

    Na dcada de 60 fica mais evidente que o desenvolvimento espacial precisava ser coordenado por meio de um plano. Isso levou a um novo conjunto de leis que enfatizava a necessidade de se considerar o lado natural da vida. Porm, os interesses econmicos sempre tinham prioridade.

    Nas cidades, o aumento da densidade populacional e dos problemas ambientais conduz a um apelo para que exista um planejamento da paisagem, mas, embora o planejamento espacial, por meio de leis, tentasse regulamentar e impedir o crescimento das disparidades entre o campo e a cidade, os problemas ambientais iam se tornando cada vez mais crticos devido insuficincia dos parmetros ecolgicos no processo de planejamento da paisagem.

    Essa situao levou a uma campanha em meados da dcada de 60 para se definir o Planejamento da Paisagem como "contribuio ecolgica e de design para o planejamento do espao", com a definio de trs reas de concentrao: Manejo da Paisagem (Landschaftspflege) na zona rural, Planejamento de Espaos Livres (Grnordnung) em zona urbana e Proteo da Natureza (Naturschutz). Assim, comeam a se consolidar os programas de Planejamento da Paisagem nas universidades, e os trabalhos cientficos nessa rea tomam uma direo nos prximos anos.

    Exigia-se um desenvolvimento de uma teoria do planejamento que incorporasse uma integrao entre a ecologia e o design, que levou necessidade de estudos interdisciplinares no trato das questes relativas ao Planejamento da Paisagem. Alm disso, o relacionamento do Planejamento da Paisagem com outros setores do planejamento geral tambm se fez necessrio. No incio, o Planejamento da Paisagem tinha um ar tecnocrtico, mas logo os aspectos polticos tomaram-se claros. O conflito entre os objerivos a longo prazo do Planejamento da Paisagem para preservar a qualidade dos recursos naturais e a paisagem para o pblico em geral e os interesses econmicos de curto prazo, que determinavam as decises polticas, sempre aflorava.

    Durante a dcada de 70 os muitos trabalhos de interesse ambiental publicados, as conferncias internacionais (Clube de Roma, Estocolmo 1972, etc.) e as ONGs (BUND, Greenpeace, WWF, etc.) influenciaram a poltica ambiental da Alemanha. Em vrios Estados surgiram leis de proteo da natureza e de planejamento da recreao que

  • 9

    regulamentaram a atuao do Planejamento da Paisagem com uma viso ecolgica e de design nas questes administrativas no pas.

    A fundamentao legal alem mais importante para o Planejamento da Paisagem o Ato Federal de Proteo da Natureza (Bundesnaturschutzgesetz), que foi aprovado em 20.12.76 e revisado em 10.12.86, e os Atos Estaduais de Proteo da Natureza, que regulamentam as leis federais. Essas leis definem os objetivos do Planejamento da Paisagem como os de proteo e manejo da natureza e da paisagem em reas urbanizadas ou no. O Planejamento da Paisagem seria um instrumento de proteo e desenvolvimento da natureza com o objetivo de salvaguardar a capacidade dos ecossistemas e o potencial recreativo da paisagem como partes fundamentais para a vida humana. Portanto, as metas do Planejamento da Paisagem seriam:

    salvaguardar a diversidade animal e vegetal e suas biocenoses por meio do desenvolvimento de uma rede interligada de reas protegidas, renaturalizao de cursos d'gua, revegetao, reflorestamento, etc. Nesse item a Cartografia de Bitopos a parte mais importante nesta tarefa de proteo de espcies e bitopos;

    salvaguardar as paisagens, seus elementos e os espaos livres em reas urbanas para fornecer a oportunidade de contato contemplativo e recreativo na natureza em contraste com as atividades recreativas comerciais. As reas precisam ser designadas e protegidas do impacto visual, dos rudos e da poluio;

    salvaguardar o solo, a gua e o clima por meio da regulamentao de seus usos e regenerao dos recursos; controle do escoamento superficial, da permeabilidade dos solos, dos aquferos e da poluio utilizando a vegetao como forma de controle.

    A Figura 1 fornece uma idia do que seria a aplicao dos princpios do Planejamento da Paisagem em reas urbanizadas.

    A regulamentao e regenerao das funes, dos tipos e da intensidade dos usos do solo devem estar condicionadas ao Planejamento da Paisagem, utilizando-se dos efeitos positivos que a vegetao pode fornecer. Portanto, o Planejamento da Paisagem est diretamente relacionado com o planejamento do espao em diferentes escalas, sempre levando-se em considerao a proteo da natureza e o manejo da paisagem, trazendo para o planejamento uma forte orientao ecolgica e viso interdisciplinar, contribuindo tambm com os outros setores do planejamento (Tabela l).

    Tabela l - Nveis de planejamento na Alemanha (Kiemstedt e Gustedt, 1990 - modificada pelo autor).

    Planning Levels Comprehensive Planning Landscape Planning Scale

    Federal Federal Development Plan --- ---

    State State Development Programs/ Plan Landscape Program l: l.000.000 a

    1:500.000 Region:

    Administrative District County

    Regional Plan Regional Landscape Plan 1:50.000 a 1:25.000

    Community/Town Land Use/Master Plan

    Local Landscape Plan Urban Open Space

    Plan

    1:10.000 a 1:5.000 1:1.000

    Site "construction plan"

  • 10

    Figura 1a A renaturalizao de um curso dgua em rea urbana. Antes...

    Figura 1b ... e depois: Natureza reintroduzida na cidade como um resultado. (Kiemstedt, et al., 1998).

  • 11

    Procura-se planejar com a natureza, tentando retirar o mximo proveito do que ela pode fornecer, j que um dos principais propsitos do Planejamento da Paisagem minimizar a poluio no ambiente e reduzir o consumo de energia. Atualmente, o que no permite uma maior eficincia da poltica ambiental na Alemanha a falta de critrios necessrios para a avaliao da qualidade ambiental (Kiemstedt e Gustedt, 1990)

    Todavia, segundo Cavalheiro e Del Picchia (1993), as cidades da Repblica Federal da Alemanha vm envidando esforos no sentido da identificao de unidades de paisagem urbanas que eles, l, balizam como btopos urbanos e os trabalham em escalas grandes (1:5.000, 1:10.000 e no mximo 1:50.000). "At 1990 mais de 150 cidades j haviam identificado, diagnosticado e cartografado bitopos urbanos, com vistas avaliao da qualidade ambiental e proposies para o ordenamento do meio fsico" (Sukopp, 1990 apud Cavalheiro e Del Picchia, 1993). Sukopp e Werner (1991) afirmam que "Os estudos que pretendem dar uma idia representativa sobre o bitopo urbano devem ter em conta os fatores antes mencionados de estrutura das edificaes, caractersticas dos espaos livres e tipos de tenses ambientais a que so submetidos".

    A utilizao da carta de uso do solo pode ser uma importante, e s vezes nica, ferramenta para o estudo da rea e delimitao de unidades de paisagem. Com ela podem-se fazer inferncias, j que uma boa parte da qualidade ambiental est relacionada com o tipo de utilizao do solo; como exemplo, podem-se citar estudos sobre Hannover, na Alemanha, que constatam que a qualidade dos fatores ambientais (ar, gua, solo e biosfera) de uma cidade resultante da estrutura e do uso dessas reas. Jim (1989), no estudo da vegetao urbana, demostrou que o uso de uma rea determina suas caractersticas arbreas estabelecendo, assim, a relao entre um aspecto fsico-espacial e os diferentes tipos de ocupao. Segundo Sukopp e Werner (1991),"(...) para cartografar bitopos pode-se dividir a cidade segundo os diferentes tipos de uso do solo (...) os diferentes tipos de uso do solo se utilizam para caracterizar a rea urbana e que, como se sabe, este fator exerce uma grande influncia na qualidade dos bitopos urbanos (...) para cartografar bitopos em zonas rurais utilizam-se escalas de at 1:25.000. De todas as maneiras, como as cidades apresentam muitos tipos diferentes de bitopos em uma rea pequena, a escala no deveria ser maior que 1:5.000".

    No Brasil, ainda so poucos os estudos de Ecologia e Planejamento da Paisagem que se propem a espacializar de forma integrada os componentes do ambiente com o objetvo de diagnosticar e propor melhorias. E, quando se trata da paisagem urbanizada, os estudos so quase inexistentes, principalmente nas escalas maiores que 1:10.000. Este trabalho, que se prope identificar a qualidade ambiental urbana em escala 1:10.000 com base em Ecologia e Planejamento da Paisagem, , portanto, uma colaborao metodolgica de diagnstico integrado e de propostas de melhoria da qualidade do ambiente no qual vive o cidado habitante das cidades. Entende-se, assim, que a qualidade do ambiente uma parte fundamental da qualidade de vida humana que abrange outros fatores, como os scio-econmicos, existenciais, etc.

    Uma das principais dificuldades de se trabalhar com a paisagem urbana em escalas maiores do que 1:10.000 a falta de dados relacionados rea de estudo. A prxima parte desta reviso bibliogrfica procura, assim, fornecer um conjunto de informaes que constituir a base das inferncias para se chegar identificao da qualidade ambiental da rea estudada.

  • 12

    3. PAISAGEM URBANA E INDICADORES DE QUALIDADE AMBIENTAL

    Segundo Monteiro (1987) "(...) as presses exercidas pela concentrao da populao e de atividades geradas pela urbanizao e industrializao concorrem para acentuar as modificaes do meio ambiente, com o comprometimento da qualidade de vida". Considera-se que as zonas urbanizadas so lugares que apresentam alteraes significativas nos recursos naturais como o solo, a gua, o ar e os organismos (Marcus e Detwyler, 1972).

    Sukopp e Werner (1991) listam as caractersticas ecolgicas da cidade: 1. A produo e o consumo de energia secundria so altos. 2. Grande importao e exportao de materiais, enorme quantidade de dejetos.

    Elevao em vrios metros da superfcie do solo (verticalizao). 3. Forte contaminao do ar, do solo e da gua. 4. Diminuio das guas subterrneas. 5. Destruio do solo. 6. Desenvolvimento de um clima tipicamente urbano, com maiores temperaturas

    e baixa umidade relativa (ilha de calor). 7. Espao heterogneo e em mosaico. 8. Desequilbrio em favor dos organismos consumidores, baixa produtividade

    primria e dbil atividade dos organismos detritvoros. 9. Mudanas fundamentais nas populaes vegetais e animais. Essas caractersticas, que sero discutidas a seguir, interferem nas necessidades

    bsicas humanas que no mudam muito ao longo da vida: necessidade de ar fresco, gua potvel, certa quantidade de alimento por dia, espao para dormir e estar, pessoas para interagir, etc. (Andrews, 1976). Ar, gua, espao, energia (alimento e calor), abrigo e disposio de resduos, consideradas como "as novas raridades e em torno das quais se desenvolve uma intensa luta" (Lefebvre, 1969), so necessidades biolgicas do ecossistema urbano que influenciam na qualidade do ambiente e podem funcionar como fatores limitantes urbanizao.

    Apesar dessas evidncias, para se chegar aos indicadores de qualidade ambiental, por mais que se procure utilizar mtodos cientfcos, as decises sero, muitas vezes, baseadas em julgamentos subjetivos, envolvendo valores, sensibilidade, convices e preconceitos, bem como, naturalmente, verdades cientficas (Matthews, 1975 in Tommasi, 1994).

    Para diminuir a subjetividade da avaliao da qualidade ambiental, procura-se uma valorao que goze de um amplo consenso, utilizando-se um mtodo intersubjetivo, por meio do qual se obtm uma expresso estatstica das opinies subjetivas de uma amostra de especialistas (Gomes Orea, 1978). Neste trabalho no houve uma consulta direta aos especialistas, como por exemplo por meio de entrevistas ou questionrios, mas uma eleio de indicadores ambientais retirados da leitura de vrios trabalhos que sero relacionados a seguir.

    Clima e poluio atmosfrica Segundo Marcus e Detwyler (1972), as mudanas causadas no clima pela

    urbanizao so: diminuio da radiao solar, da velocidade do vento e da umidade relativa, e o aumento da temperatura, da poluio, da precipitao e de nvoa.

    Com a urbanizao tem-se um aumento da impermeabilizao ocasionada pela inescrupulosa ocupao do solo por concreto. Os corpos d'gua e os espaos livres

  • 13

    vegetados no encontram lugar na luta pelo espao. A verticalizao faz com que a superfcie de concreto, com alta capacidade trmica, aumente. Todo este procedimento leva a uma diminuio da evaporao, a um aumento da rugosidade e da capacidade trmica da rea. Estas trs modificaes so os principais parmetros que determinam a ilha de calor encontrada nas grandes metrpoles, segundo Myrup (1969 in Lombardo 1985).

    Uma das consequncias da ilha de calor na cidade a formao de uma circulao do ar caracterstica, onde o ar da regio central se aquece e sobe, e o ar da periferia converge para o centro da cidade, onde se encontra o pico da ilha de calor, formando-se, assim, um "domo" de poluio sobre a cidade. Este ar, que vem da periferia originariamente limpo e mido (nem sempre, pois a periferia pode j estar tambm poluda), conforme vai atravessando a cidade, que se apresenta sem reas verdes e com um intenso trfego, vai adquirindo cada vez mais poluentes e vai aos poucos diminuindo a umidade relativa, chegando regio central carregado de poluentes. Este processo concentra as partculas poluidoras no centro da cidade. A situao pode ainda se agravar, pois "Devido absoro de luz solar pelas partculas, especialmente na parte superior do domo, a inverso trmica intensificada, e os poluentes ficam aprisionados com maior fora na cidade" (Marcus e Detwyler, 1972).

    "Deve-se lembrar que a ilha de calor, quando instalada, dificulta ou mesmo impede a troca de ar da cidade com seu entorno no urbanizado, e a circulao do ar passa a processar-se, internamente, de forma 'viciada'". (Cavalheiro, 1991)

    Dados sobre a qualidade do ar relativos a partculas inalveis na RMSP demonstram que o padro de qualidade do ar para 24h (240g/m3) rotineiramente excedido, bem como o padro anual (80g/m3). As violaes dos padres ocorrem em todas as estaes, e os valores observados esto, bem acima dos padres, mostrando um problema de poeira em suspenso bastante srio em toda a regio (Cetesb, 1992).

    Ainda em relao ao material particulado inalvel em suspenso no ar afirma-se que "(...) todas as estaes da rede telemtrica apresentam-se com valores superiores ao padro primrio (50g/m3). Padro primrio a concentrao de poluentes que, quando ultrapassada, pode prejudicar a sade da populao. As maiores concentraes ocorrem nas regies mais centrais da cidade, nas calhas dos rios Tiet e Tamanduate e, sobretudo, nas proximidades do ABC" (PMSP, 1992).

    Outro poluente importante medido pela Cetesb o SO2 "Baseando-se em dados coletados pelas estaes telemtricas da Cetesb (mdias do perodo 1982/1989) observa-se que as maiores concentraes de SO2 se do nos vales dos rios Tamanduate e Tiet. Entretanto, a maioria das estaes da rede registra ndices superiores aos estipulados pelos padres secundrios (40 g/m3). Padres secundrios so as concentraes de poluentes abaixo das quais se prev o mnimo efeito adverso sobre o bem-estar da populao." (PMSP, 1992)

    Sobre o monxido de carbono afirma-se que "Os nveis de CO excedem rotineiramente o padro de qualidade do ar (9ppm - 8h) por uma grande margem em quase todos os locais de amostragem" (Cetesb, 1992).

    Apesar dos trabalhos de coletas de dados sobre a poluio atmosfrica realizados pela Cetesb, constata-se que a qualidade do ar urbano no pode ser totalmente caracterizada por mensurao de seus componentes.

    Fellenberg (1980) traa importantes consideraes sobre a poluio atmosfrica. "Substncias inaladas pelos pulmes se espalham pelo organismo com velocidade quase igual de substncias introduzidas por uma injeo intravenosa (...) Uma determinada quantidade de uma substncia txica atua, por exemplo, numa pessoa de 45 kg de peso com o dobro de intensidade observada numa pessoa de 90 kg de peso. Por esse motivo,

  • 14

    as doses mximas permissveis de uma substncia txica no so indicadas como uma quantidade absoluta, mas sempre em relao ao peso do indivduo (gramas de substncia por peso da pessoa) (...) Outro tipo de complicao surge quando duas ou mais substncias agem simultaneamente, o que atualmente quase sempre o caso. Se o efeito combinado alcanar no mnimo a soma dos efeitos isolados, ocorre o que chamamos de sinergismo dos diferentes componentes. Se a atividade combinada for maior que a soma dos efeitos isolados, fala-se em ao hiperaditiva, ou potencializao (...) ao avaliarmos a toxicidade de um produto qumico sobre o ambiente, no nos deve orientar a mdia dos seus efeitos sobre um grupo de indivduos, mas sempre devem servir de referncia os indivduos mais sensveis deste grupo (...) Se a substncia txica for eliminada de maneira insatisfatria, a concentrao de atividade txica no sangue se mantm durante um intervalo maior. No caso destas substncias o limite de toxicidade constantemente ultrapassado; pode ocorrer mesmo uma acumulao da substncia txica no organismo. Por causa deste efeito cumulativo, possvel que com o decorrer do tempo concentraes ambientais mnimas da substncia possam levar a uma concentrao txica no organismo. Por exemplo, a acumulao de chumbo, acumulao de inseticidas organo-clorados, bem como a acumulao de diversos medicamentos. Por causa disto as poluies contnuas ou repetidas devem ser encaradas com mais cuidado do que as poluies curtas e eventuais (...) Em regies industriais e entroncamentos virios as partculas de poeira transportam substncias txicas aos pulmes. Por meio desta capacidade de transporte exibida pelas partculas, alcanam os pulmes substncias gasosas, como SO2 e substncias cancergenas, como 3,4-benzopireno. Assim se explica por que uma srie de substncias txicas tem ao mais txica em atmosfera contendo partculas em suspenso do que em ar puro (...) apesar de os canos de escape se situarem prximos do solo, o chumbo ainda detectado a 100m de distncia das estradas (...) contaminao de hortas e culturas situadas margem das estradas (...) as plantas sofrem pouco (...) mas a contaminao de frutas e hortalias consumidas pelo homem e por outros animais traz consequncias (...) Numa pessoa sentada num jardim pblico (capacidade respiratria 10 l/min.) de uma rua movimentada de uma grande cidade (130ppm de CO), o contedo de CO-Hb atingir em 10 horas o valor de 20%, ocasionando dor de cabea e dores abdominais. Um trabalhador em atividade na mesma rua (capacidade respiratria 30 1/min.) j sentir os mesmos sintomas em um tero deste tempo (3 a 4 horas)." (op. cit.)

    Ento, os limites para poluio atmosfrica apontados pela Cetesb, levando-se em considerao apenas cada elemento separadamente, devem ser repensados. Uma sada para essa situao poderia ser a considerao das consequncias da poluio sobre os seres vivos como parmetro controlador da qualidade do ar. "Domrs (1966) apontou que o mapeamento do crescimento de liquens nas rvores um parmetro completo para a avaliao sinergtica da poluio do ar em diferentes partes da cidade." (Ehlers, 1992) Certas Convolvulaceae so muito sensveis aos oxidantes fotoqumicos (NO, NO2, O2) particularmente Ipomoea triloba L., Pharbitis nil Choisy e Calystegia japonica Choisy. Liquens e brifitas so usados como indicadores de poluio atmosfrica e ndice de urbanizao (Bornkamm, Lee e Seaward, 1980).

    Pode-se dizer que o melhor bioindicador da poluio atmosfrica o prprio ser humano, pois a concentrao de poluentes leva uma grande parte da populao a apresentar problemas de sade, principalmente no inverno, quando as inverses trmicas so mais frequentes. Doenas respiratrias e de viso, dores de cabea e mal-estar so alguns desses problemas, porm pesquisas mostram que a poluio atmosfrica pode at matar.

  • 15

    "A equipe do pesquisador Gyorgy Bohm, da Faculdade de Medicina da USP descobriu que as pocas de aumento da poluio, como o inverno, tambm trazem mais mortes, uma mdia de 10% a mais que o normal." (FSP, 23.06.93) "O aumento dos nveis da poluio do ar tem sido associado com o aumento da morbidade e mortalidade e com um aumento de incidncia de doenas respiratrias e cardiovasculares". (ONU, 1993) Cada vez que a concentrao de poluentes atinge l00mg/m3 de ar (qualidade inadequada, segundo a Cetesb), o nmero de internaes de crianas com doenas respiratrias sobe de 17% para 20%. No caso de crianas asmticas, o nmero de internaes aumenta 30%. Esses dados foram constatados pelo patologista Paulo Hilrio Saldiva, pesquisador do Laboratrio de Poluio Atmosfrica da USP Segundo Saldiva, quando a poluio aumenta, as mortes causadas por doenas respiratrias crescem at 30%, independente do clima. "Isto mostra que, apesar de no matar, a poluio acelera a morte de pessoas que j esto com a sade debilitada", afirma o patologista (FSP, 16.09.94). Sobral (1988) cita vrios trabalhos que demonstram a relao entre morbidade (enfraquecimento doentio) e mortalidade com as reas poludas.

    No h dvida de que as principais fontes poluidoras nas cidades so os automveis. "A poluio por automveis e congestionamentos so os maiores fatores que fazem as cidades de hoje um desagradvel lugar para se viver." (Marcus e Detwyler, 1972) O aumento de carros em circulao, alm de piorar o trnsito, faz com que a quantidade de poluentes na atmosfera tambm aumente, alm do aumento do estresse, aumento no nmero de atropelamentos, etc. O consumo de combustvel cresceu 8% de 1993 para 1994. O pas consumiu 24,18% a mais de gasolina neste janeiro de 1995 sobre o mesmo perodo de 1994 (FSP, 02.04.95). De 1990 a 1994 a Cetesb constatou na Grande So Paulo que a emisso de monxido de carbono aumentou 34%, o material particulado aumentou 23,6%, o xido de nitrognio aumentou 106% e a emisso de hidrocarbonetos teve variao de 83% (FSP, 28.08.95).

    Viu-se que a ilha de calor um fenmeno que intensifica os problemas de poluio no ambiente urbano. Sua dissipao se d pela ao dos ventos, portanto, o aumento da rugosidade causada pela verticalizao das cidades pode atrapalhar a dissipao dos poluentes devido queda da velocidade do vento. Para amenizar este problema, Marcus e Detwyler (1972) explicam que "(...) uma ideal ventilao deve prever o efeito de funilamento a favor da brisa que vem do campo, produzida pelo efeito da ilha de calor, que carrega ar limpo para os centros urbanos. Este desejvel sistema conseguido com um arranjo prprio das reas verdes, que tambm vo servir para eliminar os poluentes do interior do domo de poeira"."(...) em uma escala maior, um grupo de prdios pode bloquear o ar frio que vem da periferia para o centro, dificultando na disperso de poluentes e na diminuio da ilha de calor (...) o arranjo dos prdios em uma cidade pode ser benfico ou prejudicial (...) em uma rea muito quente seria bom arrumar os prdios de forma que o vento pudesse esfriar esta rea (...) Em Melbourne, open spaces, tais como parques, produzem marcada reduo na ilha de calor (...)" (Douglas, 1983). Di Fidio (1985) tambm afirma que "O ar fresco e mido que vem da periferia para o centro urbano se aquece rapidamente ao percorrer a cidade. Um melhor resultado seria obtido por um sistema de verde contnuo, constituindo corredores de ventilao".

    Como se v, o aparecimento da ilha de calor altera a qualidade ambiental trazendo srios problemas ao bem-estar da populao. Nota-se que vrios autores traam uma relao direta entre a ilha de calor e o uso do solo. "Stock (1982) introduziu a Mapa Sinttico das Funes Climticas (Synthetische Klimafunktionskarte). O conceito se baseia no fato de que cada uso da terra ou tipos de estruturas construdas tem uma influncia especfica no clima local. Estes estudos podem ser utilizados para

  • 16

    desenvolver um mapa de recomendaes para os planejadores de cidades. Com base nas observaes do mapa sinttico podem levar em considerao os aspectos climatolgicos para, por exemplo, evitar o crescimento nas regies j aglomeradas ou preservar e reestabelecer parques (...)". (Eliers, 1992) "O uso de reas verdes a melhor tcnica para prevenir ou reduzir os efeitos do clima (...) prover as reas residenciais de cintures verdes; no permitir ruas com trfego pesado e no permitir estacionamentos perto das casas (...) todo estacionamento deve ter fileiras de rvores para prevenir o superaquecimento dos carros e reduzir a perda de gasolina por evaporao (...)" (Marcus e Detwyler, 1972). "(...) o descontrole processual em que se d o uso do solo (...) nos ncleos de grande edificao e acumulao de calor produz-se stress trmico (ilha de calor) (...) as reas comerciais e as de concentrao de indstrias bem como as de grande concentrao populacional e muito edificada so as que apresentam maiores temperaturas (...) a ntima relao entre uso do solo e a elevao das temperaturas internas da cidade impem uma anlise, em diferentes escalas, dos padres de uso do solo urbano (...) a impressionante massa edificada do Centro Metropolitano, a intensa movimentao de pedestres e veculos e a ausncia quase total de vegetao contribuem para a se localizar o pico da ilha de calor (...) os dados mostram uma alta relao entre os tipos de uso do solo e a variao da temperatura (...) a relao estreita entre ocupao do solo urbano e ilha de calor, com suas variaes espaciais, comprova a necessidade urgente de um replanejamento do uso do solo, com a implantao de espaos verdes intersticiais na mancha urbana de So Paulo (...) os altos valores de temperatura esto relacionados s mais altas densidades de populao (...)" (Lombardo, 1985). "(...) a configurao espacial da ilha de calor est associada ao uso do solo e s variveis meteorolgicas (especialmente direo do vento) (...)" (Clarke e Peterson, 1973 in Lombardo, 1985). "As diferenas no uso do solo acabam formando ilhas de calor. reas mais densas, com mais concreto, mais impermeabilizao do solo, mais movimentao de autos e mquinas, so mais quentes do que reas residenciais, trreas, com jardins, rvores, (...)" (Douglas, 1983).

    A forma de utilizao do solo, portanto, est diretamente relacionada com a ilha de calor e suas consequncias. O levantamento dos usos do solo na cidade , portanto, um ponto fundamental para o entendimento da dinmica da ilha de calor. Entretanto, a escala de abordagem para este estudo no deve ser muito pequena, pois "(...) a ilha de calor da totalidade da cidade a soma lquida dos pequenos efeitos encontrados em cada canto da cidade (...) entre e dentro das construes (...) o mosaico urbano de sol e sombra, superfcies quentes e frias, espaos aquecidos e espaos resfriados, produz inmeros fluxos de ar e turbulncia, uma variao das condies de evaporao e transpirao da gua, (...)" (Douglas, 1983).

    Alm do estudo da utilizao do solo urbano deve-se fazer tambm o levantamento de como est sendo utilizando o espao areo, ou seja, a ocupao do espao areo devido verticalizao da cidade. "(...) a verticalizao aumenta a superfcie de absoro do calor (...) tambm aumenta a superfcie impermeabilizada fazendo com que a gua escoe mais rapidamente diminuindo a umidade do ar, a evaporao, a transpirao, o que faz sobrar energia para o aquecimento (...) com a verticalizao o trfego aumenta e com isso a poluio tambm aumenta. O aumento de gases e poeiras na atmosfera provoca o efeito estufa (...) com a verticalizao surge o sombreamento (...) isso causa contrastes trmicos entre a parte sombreada e a ensolarada (...)" (Douglas, 1983).

    Pitt et al. (1988) sugerem que as reas urbanas "(...) dependendo da radiao solar, regime de ventos, precipitao e umidade (...)" definiro climas mais ou menos confortveis, podendo ser divididas em trs classes com seus respectivos microclimas:

  • 17

    1. reas com superfcies francamente evapo-transpirativas, como os parques (temperatura sem grandes variaes diurnas, mais frescas que as outras duas);

    2. reas desprovidas de vegetao, expostas ao cu e secas, como grandes estacionamentos (muito quentes de dia e frias noite);

    3. reas delimitadas por ruas estreitas e edifcios altos (mais frias ao meio-dia e no variam muito em relao s anteriores noite).

    realmente muito difcil estudar o mosaico de microclimas que se forma entre os diferentes tipos de edifcios. Entretanto, como j mencionado, cada edifcio responsvel por uma alterao microclimtica que ao se somar s outras, s dos edifcios vizinhos, cria um clima caracterstico da rea, diferentemente de uma rea no verticalizada. Como a verticalizao na cidade de So Paulo vem acontecendo sem que se preocupe com a regio como um todo, mas somente com o lote onde se est construindo, o resultado uma enorme gama de edifcios, uns maiores do que os outros, dispostos de forma totalmente aleatria e com consequncias ambientais que extrapolam a regio verticalizada.

    Agua: enchentes Uma outra consequncia do mal uso do solo na cidade so as enchentes. As

    causas das enchentes esto relacionadas com a impermeabilizao, que causa uma diminuio da infiltrao da gua no solo e um aumento do escoamento superficial (runoff). Isso, associado canalizao de crregos, faz com que a gua da chuva que cai na cidade flua com maior rapidez para os corpos principais de gua, que no conseguem dar vazo ao grande volume. A capacidade de vazo do rio tambm diminuda pelo assoreamento ocasionado pelo constante remanejamento de terras devido ao crescimento desenfreado da cidade. Azzi (1993) coloca que, segundo o IPT, retira-se, no processo de desassoreamento dos rios Tiet e Pinheiros, 4.500.000 m3/ano (isso equivale a um quarteiro de l00m x l00m com l,25m de altura de sedimento por dia) com um gasto de U$100.000.000/ano, sendo que 95% do material retirado proveniente de eroso. A rea de vrzea a plancie de inundao natural do rio, e sua impermeabilizao leva a consequncias desagradveis para a cidade. As avenidas construdas nos fundos de vale tambm ficam inundadas com uma chuva forte, pois esse o comportamento natural do rio, e essas inundaes acabam atingindo toda a cidade, trazendo congestionamentos, perda de moblia, estragos em automveis, ferimentos e mortes.

    Pode-se acrescentar s causas das enchentes na cidade que "A ilha de calor, associada concentrao de elementos poluentes, favorece a formao de condensao, fato que condiciona frequentes episdios de enchentes no centro da cidade; essas enchentes so intensificadas principalmente devido ao aumento das reas impermeabilizadas pela pavimentao das ruas e avenidas e pela concentrao de construes" (Lombardo, 1985).

    Chama-se a ateno para uma importante funo das reas verdes relacionada com a permeabilidade de sua superfcie. Brechtel (1980) realizou um trabalho para Berlim Ocidental levando em considerao a influncia da vegetao e do uso do solo na evaporao e na recarga de aquferos. Classificou e quantificou em porcentagem a superfcie de Berlim Ocidental da seguinte maneira:

    1. Densamente seladas com construes, incluindo reas industriais e urbanas sem nenhuma infiltrao (10,1%).

  • 18

    2. Esparsamente coberta com construes, tipo rea de vilas, ocorre alguma infiltrao (39,3%).

    3. Vegetao esparsa, margens de rodovias, terras de cultivo em repouso, terras desocupadas, locais sem desenvolvimento de edificaes (5,6%).

    4. Vegetao arbustiva, parques, cemitrios, jardins (15,6%). 5. Campinas, gramados tais como os utilizados para esportes (5,0%). 6. Campos arveis (4,2%). 7. Florestas (13,6%). 8. Superfcies com gua, incluindo turfeiras (6,7%). Brechtel afirma que as categorias 2, 3 e 4 so as mais significativas para a

    recarga de aquferos. Elas recobrem 60% da rea (Berlim Ocidental) e contribuem com cerca de 80% da recarga de aquferos.

    As categorias 5, 6 e 7 cobrem quase 23% de Berlim Ocidental e contribuem com 20% da recarga. Os quase 14% de florestas de Berlim Ocidental so de vital importncia para recreao e esportes, promovendo um clima local, controle de rudos e da poluio atmosfrica, tambm protegem a qualidade da gua subterrnea. Portanto, em um cidade onde a proviso de gua no vem de aquferos deve-se, pelo menos, se preocupar com a impermeabilizao de seu solo para evita catstrofes relacionadas com enchentes.

    Monteiro (1980) coloca que a inundao no apenas uma questo ligada s componentes lineares de um rio, estando mais comprometida com as caractersticas areolares do escoamento superficial e ao uso do solo urbano.

    Sobre a cidade de So Paulo coloca-se que "(...) a precipitao pluvial mdia de 1.500mm/ano com 70% desse total concentrados nos 5 meses mais quentes (...) o regime pluvial de tal forma desfavorvel que em um dia (em geral nos meses mais quentes) pode haver a precipitao de 120mm atingindo 8% do total anual. E, mais ainda, a chuva pode ser de tal intensidade que em 4h de precipitao chega a atingir nveis pluviomtricos superiores a 110mm (...)" (Azzi, 1993). Devido a essas caractersticas inerentes natureza da regio que dever-se-ia repensar a forma de ocupao e utilizao do solo da cidade de So Paulo. Porm justifcam-se as enchentes como consequncia direta das chuvas.

    O estudo de como a cidade vem utilizando o seu solo se faz em uma fronteira entre o ambiente e a sociedade. a que se encontram disparidades como o fato de que, ao mesmo tempo que se tenta evitar as enchentes na avenida Pacaembu, com a construo de um reservatrio em frente e sob praa Charles Miller, liberam-se terrenos, modificando o zoneamento nas vertentes do vale para a especulao imobiliria. Macedo (1987) afirma que "O processo de especulao imobiliria incide cada vez mais, por mais reas, abrindo brechas na lei e ocupando novas reas, como as periferias do Pacaembu (...) Nas proximidades do centro, nas encostas do Pacaembu, em reas recentemente (anos 80) liberadas verticalizao e vizinhas ao bairro de Higienpolis, surgem altas torres destinadas a um pblico de alto poder aquisitivo sobre o antigo Parque do Hospital Samaritano e no lugar de velhas e grandes manses".

    Jedicke (1995) mostra que "(...) deve ser incentivada a reparao de erros do passado atravs da restaurao e renaturalizao dos pequenos e grandes cursos d'gua. Crregos e rios devem receber de volta uma vrzea (...) as vrzeas devem ser transformadas em campos com vegetao (...) deve-se desimpermeabilizar o solo (...) interessante seria comparar os danos econmicos da enchente com os custos de um tratamento abrangente das suas causas (...)".

    Para a cidade de So Paulo, esses erros no so somente do passado, pois ainda continuam a acontecer, e suas consequncias so verificadas na afirmao de Azzi

  • 19

    (1993): "Em 1979 os pontos crticos de enchentes na cidade eram 125. Passaram a 246 em 1982 e em 1992 tornaram-se mais de 400".

    Sobre a canalizao dos rios Spirn (1995) coloca que "(...) os antigos cursos d'gua ainda correm atravs da cidade, enterrados sob o solo (...) eles so invisveis, mas sua contribuio potencial s enchentes a jusante no , todavia, diminuda, mas sim aumentada". Demonstra ainda algumas formas de amenizao dos problemas das enchentes: "Estacionamentos podem tambm ser projetados para reter ou at absorver a gua pluvial (...) uma pavimentao permevel (asfalto poroso, pavimentao modular, cascalho), permitir que uma maior quantidade das guas das chuvas se infiltre no solo (...) A administrao de Denver exige que os edifcios novos e reformados retenham as guas pluviais no local (...) Cdigos de obras, em muitas cidades americanas, exigem que os telhados sejam projetados para resistirem ao equivalente a 150mm de gua por um curto perodo de tempo (geralmente 24h) (...) Stuttgart utiliza os 'tetos molhados' para reduzir igualmente o ganho de calor dos edifcios, e dessa forma diminuir o consumo de energia no condicionamento do ar. Se incorporada ao projeto de telhados jardins, a reteno das guas pluviais podia tambm se tornar um elemento esttico".

    Braga Jr. (1996), do Centro Tecnolgico de Hidrulica (USP) prope a existncia de "(...) um bnus no IPTU para quem consegue gerar no seu lote, depois de urbanizado, menor quantidade de gua do que havia antes da ocupao; o seguro enchente (...) o proprietrio teria liberdade de escolher a melhor forma de conseguir o objetivo, quer construindo tanques ou deixando reas gramadas na propriedade, que drenariam as guas das chuvas".

    gua: abastecimento Ningum contestaria que a gua uma das necessidades bsicas do ser humano,

    porm poucos se perguntam de onde vem a gua que consumimos. Marcus e Detwyler (1972) colocam que "A crescente urbanizao est fazendo

    com que o homem tenha que buscar gua cada vez mais longe". Esse "cada vez mais longe" tambm est sendo pressionado pelo crescimento de outras cidades que esto ou na mesma bacia hidrogrfica ou nas bacias vizinhas de onde se retira a gua que abastece uma parte do municpio de So Paulo.

    "A questo crucial em relao ao abastecimento de gua est na dificuldade em se manter e ampliar o sistema produtor: a represa Guarapiranga est constantemente ameaada pela ocupao intensa de seu entorno; o Sistema Cantareira importa gua da bacia do Piracicaba e essa gua hoje demandada por uma nova metrpole que se expande ao redor de Campinas; em virtude do ndice de poluio, estamos longe de equacionar a possibilidade de aproveitamento da represa Billings, e a alternativa de se importar gua de regies mais distantes, como o Vale do Ribeira, carssima e implica novamente a penalizao de outras populaes" (PMSP, 1992). "O maior problema do sistema de abastecimento, entretanto, a dificuldade de expandir o sistema de captao. Para conseguir atender demanda da populao, precisamos captar mais gua do que as represas produzem, explica a Sabesp" (FSP, 10.04.95). Declaraes da Sabesp nos meios de comunicao durante o segundo semestre de 1994 e incio de 1995 colocaram claramente que apesar de operarem rigorosamente em carga mxima, devido a seca e forte calor, o consumo aumentado poderia provocar irregularidades no abastecimento.

    Se a causa do comprometimento do abastecimento de gua em vrios bairros da cidade, segundo a Sabesp, o "consumo exagerado" (FSP, 24.09.94), um adensamento da cidade ocasionar um aumento do consumo e consequentemente um racionamento.

  • 20

    "Pode-se constatar que o consumo de gua no apenas cresce paralelamente ao padro de vida da populao, mas que o consumo per capita nas grandes cidades 2 a 3 vezes maior que em comunidades pequenas. Isto significa que os habitantes dos grandes centros e pessoas de nvel de vida elevado produzem quantidades maiores de guas contaminadas, necessitando em consequncia de um maior fornecimento de gua tratada do que os moradores de pequenas cidades ou pessoas de nvel de vida mais modesto." (Fellenberg, 1972)

    Segundo a Sabesp os moradores dos bairros mais altos devem se acostumar com a falta d'gua devido ao elevado consumo de gua nas reas mais baixas. "Se houver economia nas partes mais baixas dos bairros, a gua chegar mais rpido s partes altas" (FSP, 08.11.94). Rebouas (1996), do Centro de Pesquisa de guas Subterrneas (Cepas) do Instituto de Geocincias (USP), afirma que "(...) a situao de abastecimento considerada crtica quando as demandas atingem propores superiores a 20% dos potenciais disponveis (...) nos estados mais desenvolvidos do Sudeste como Rio de Janeiro e So Paulo, a demanda j atinge entre 10 e 20 % das descargas mdias dos rios".

    Resduos lquidos Em relao aos resduos lquidos convive-se, na verdade, com esgotos a cu

    aberto, que so os rios e crregos que cortam o MSP "(...) apenas 18% dos esgotos coletados so interceptados e tratados. O atraso na implantao de um sistema de tratamento de esgotos em So Paulo transforma seus rios principais em canais de esgoto, colocando a sade da populao em risco e fazendo com que se perca um grande potencial hdrico e paisagstico da cidade" (PMSP, 1992). "A poluio das guas se processa num ritmo muito mais assustador que a poluio da atmosfera. O nmero de compostos nocivos lanados nas guas muito maior que o nmero de poluentes encontrados no ar." (Fellenberg, 1972)

    Com o adensamento do MSP ocorre que um maior nmero de pessoas implica um aumento de lavadoras, e o que leva a um maior uso de detergentes e materiais de limpeza. Esses elementos contm fosfatos e polifosfatos, que, quando jogados nos corpos d'gua, provocam a eutrofizao, como tambm reduzem a tenso superficial da gua, facilitando a formao de espumas na superfcie.

    Resduos slidos Outro aspecto importante na cidade diz respeito ao lixo, que pode ser entendido

    como todos os detritos slidos e pastosos produzidos por atividades do ser humano. O lixo, se no tomadas as devidas providncias, pode ocasionar: aspecto esttico desagradvel, maus odores, proliferao de insetos e roedores, doenas por contato direto, poluio da gua, desvalorizao de reas, obstruo de cursos d'gua, aumentando as possibilidades da ocorrncia de inundaes e diminuio do espao til disponvel. Alm do problema do lixo jogado na rua, existe tambm o da coleta e destino do lixo residencial, industrial e hospitalar. "Pesquisas realizadas na cidade de So Paulo (Coutinho et al., 1957) mostraram que 10% das moscas domsticas eram vetores de agentes patognicos." (Rocha, 1983 apud Troppmair, 1989) "(...) a cidade de So Paulo apresentava de 10 a 11 ratos por habitante no incio dos anos 80 (...) uma cidade saneada deveria ter apenas 2 ratos por habitante" (Rocha, 1991). "Keller (1977),

  • 21

    citado por Mueller (1980 apud Troppmair, 1989), sugere as seguintes medidas para o problema do lixo: reduo do volume do lixo produzido, uso maior de produtos biodegradveis, reciclagem do lixo, aproveitamento energtico do lixo, decomposio do lixo em usinas de compostagem, produzindo adubo orgnico que ser reintegrado nos ciclos biogeoqumicos".

    A prefeitura de SP recolhe e d destinao final a cerca de 12.000T dirias de lixo, assim distribudas: 58% (domiciliar), 1% (resduos de servios de sade), 9% (podas de rvores, material de varrio de ruas e logradouros pblicos), 6% (entulhos), 9,5% (parte do resduo industrial gerado no municpio) e outros (PMSP 1992). "Alm deste total h a produo diria de 4.000 a 5.000T de resduos industriais, cuja responsabilidade pela destinao do prprio gerador. Entretanto, estes, frequentemente, so dispostos clandestinamente em terrenos vagos, crregos, margens de rodovias e vias expressas, ou ainda, so transferidos para outros municpios, gerando graves problemas de poluio do solo e dos mananciais hdricos" (op. cit.). O lixo do MSP destinado para (valores mdios do ano de 1991): aterros sanitrios (91,9%), usinas de compostagem (7,0%), incineradores (1,3%) e centro de triagem (0,5%).

    Mas at mesmo a remoo do lixo converteu-se em um srio problema, devido ao grande volume por ele ocupado. Se o MSP produz por dia 17 mil toneladas de lixo e se "l tonelada ocupa de 4 a 5m3" (Fellenberg, 1980), ento so produzidos por dia no MSP 85.000m3 de lixo. Para se ter uma melhor idia, esse volume de lixo ocuparia um imenso cubo de 44m de lado ou 85 quarteires de l00m x l00m com l0cm de altura de lixo, ou, ainda, um quarteiro com um monte de lixo de 8,5m de altura.

    Em relao s usinas de compostagem, Grossi (1995) afirma que o adubo produzido pela PMSP tendo como origem o lixo coletado na cidade apresenta metais pesados acima do estabelecido em acordos internacionais. Esses adubos podem causar cncer no fgado e nos rins. O lixo deveria ficar oito dias em um digestor, mas fica no mximo 24h e sem ar. No composto brasileiro foi encontrada a mdia de 33 vezes mais toxicidade do que o permitido na Alemanha. O diretor da usina de Vila Leopoldina (PMSP) comenta que a prefeitura teria condies de processar 115T de lixo/dia, mas so recebidas 900T por dia.

    Estudos de Ecologia Urbana mostraram que muitas cidades apresentam mais carbono orgnico por rea do que muitos ecossistemas naturais. O carbono acumulado na biomassa de seres humanos, animais, plantas, materiais de construo, papel, resduos orgnicos. A longa acumulao de carbono orgnico em reas urbanas deve ser considerado como um mecanismo, o qual poderia afetar o ciclo global do carbono. O clculo aproximado de 27.109 T de carbono em reas urbanas da mesma magnitude da acumulao de carbono em muitos ecossistemas de floresta. O decrscimo da incinerao do lixo favoreceria o balano de CO2 e poderia compensar o fluxo crescente para a atmosfera de CO2 oriundo da atividade humana (Bramryd, 1980). Portanto, no basta encher a cidade de incineradores de lixo para resolver a questo. Mesmo porque, alm do problema acima levantado, os gases provenientes da incinerao do lixo podem causar cncer. No s as cidades do Terceiro Mundo esto atrasadas na considerao dos problemas ambientais globais, mas tambm as cidades do Primeiro Mundo, que por interesses econmicos no querem abrir mo de seus lucros, apesar de serem as que mais colaboram com o aumento de CO2 na atmosfera.

  • 22

    Poluio sonora e visual A poluio acstica outra consequncia da urbanizao que afeta a qualidade

    ambiental, e as principais fontes de rudos em um meio urbano so: os meios de transportes terrestres, os aeroportos, as obras de construo civil, as atividades industriais, os aparelhos eletrodomsticos e o prprio comportamento humano.

    Medidas realizadas pela Cetesb de 1976 a 1986, sem considerar os corredores de trfego, demonstraram que na regio da Administrao Regional da S 88% dos rudos estavam acima de 65dB (muito ruidoso ou excessivamente ruidoso) e 12% estavam entre 56 a 65dB (ruidoso). Em nenhum ponto se constatou valores entre 35 e 55dB, que seriam considerados "calmo ou moderado". No elevado Costa e Silva (o Minhoco), foram constatados 83dB (local de maior barulho em So Paulo), e na avenida Gal. Olmpio da Silveira 80dB (FSP, 28.06.92). "Os corredores de trnsito esto a 93dB em So Paulo. A sade e o sono so muito afetados por rudos mdios a partir de 45dB. Picos de 85dB em 4% do tempo, sob 70 ou 50dB de dia ou noite, elevam em 25% o colesterol e em 68% o cortisol (Cantreli, 1974 apud Souza, 1991).

    Esse som bem menor do que o de nossas cidades, mas anula efeito de dietas, agrava problemas cardacos, de hipertenso arterial, infecciosos e estruturais, alm de provocar estresse e prejudicar o desempenho fsico e mental; em jovens provoca: dificuldade para adormecer, sono prejudicial e distrbio psicolgico (Terzano & Cols., 1990 apud Souza, 1991). Distrbios crnicos prejudicam a recuperao celular e o crescimento pela perda de sono profundo, alm da memria, ateno, humor e relacionamento social pela perda de sono, confirma pesquisa nos EUA" (Souza, 1991). "Sons desagradveis indesejveis j provocam neuroses com intensidades sonoras bem mais baixas (da ordem de 80dB e menos), principalmente se a fonte sonora no puder ser eliminada e o indivduo se sentir indefeso frente ao do rudo" (Fellenberg, 1980).

    "Desde o congresso mundial sobre poluio sonora em 1989, na Sucia, o assunto tratado como questo de sade pblica. E a partir de 1981, no congresso mundial de acstica, na Austrlia, So Paulo e Rio de Janeiro passaram a ser consideradas as cidades mais barulhentas do mundo. O rudo mdio em So Paulo de 66,2dB. Nos corredores de trfego o ndice atinge 90dB. A OMS diz que 55dB o mximo para se viver bem." (FSP, 04.04.92)

    Como se no bastasse o rudo constante, vm a este se somar os rudos aleatrios, como caminhes que vendem gs (que atingem at 105dB) e outros que tambm anunciam suas mercadorias por alto-falantes. Apesar da existncia da Lei dos Rudos no. 8.106/74, que assim diz no seu artigo 15: "(...) proibido (...) uso de apitos, sereias, sinos, alto-falantes e outros aparelhos sonoros (...) que se faam ouvir fora de recintos fechados, de forma a incomodar a vizinhana e os transeuntes", os rudos continuam. (Fig. 2)

    A mistura dos usos na cidade, por exemplo, uso residencial associado com funilarias, mecnicas, estacionamentos, tambm gera um desconforto auditivo. Estes usos no tm o direito adquirido de perturbar a populao, pois segundo Machado (1992) "(...) no se verifica direito adquirido (que de natureza individual, particular) em prejuzo do interesse coletivo (...) a tranquilidade pblica tem valor superior atividade pessoal ". Portanto, seus responsveis deveriam arrumar uma forma de evitar que o rudo sasse do ambiente de trabalho ou se mudar para uma outra regio.

    No transporte urbano, o uso mais intenso de veculos com trao eltrica iria reduzir sensivelmente o nvel de poluio sonora, todavia esse procedimento no adotado devido ao alto custo da energia eltrica. Utilizar leo diesel e, consequentemente, poluir o ar e aumentar os rudos da cidade mais barato para as

  • 23

    empresas transportadoras, pois quem assume os custos da degradao ambiental a populao.

    Figura 2 Alm dos usos poluidores fixos, existem os mveis, que, apesar da lei, invadem os ouvido sem pedir permisso, como mostra Laerte na FSP de 29.08.94.

    Cobertura vegetal Um atributo muito importante, porm negligenciado, no desenvolvimento das

    cidades o da cobertura vegetal. A vegetao, diferentemente da terra, do ar e da gua, no uma necessidade bvia na cena urbana. A cobertura vegetal, ao contrrio de muitos outros recursos fsicos da cidade, relacionada pela maioria dos cidados mais como uma funo de satisfao psicolgica e cultural do que com funes fsicas. Porm, j na dcada de 70, Monteiro (1976) evidenciou que a necessidade que o homem tem de vegetao extrapola um valor meramente sentimental ou esttico. Sitte (1992) diz que "Sem recorrer natureza, a cidade seria um calabouo ftido (...)".

    Para Lombardo (1990), a vegetao desempenha importante papel nas reas urbanizadas no que se refere qualidade ambiental.

    Vrios autores citam os benefcios que a vegetao pode trazer ao ser humano das cidades, como: estabilizao de superfcies por meio da fixao do solo pelas razes das plantas; obstculo contra vento; proteo da qualidade da gua, pois impede que substncias poluentes escorram para os rios; filtrao do ar, diminuindo a poeira em suspenso; equilbrio do ndice de umidade no ar; reduo do barulho; proteo das nascentes e dos mananciais; abrigo fauna; organizao e composio de espaos no desenvolvimento das atividades humanas; um elemento de valorizao visual e ornamental; estabilizao da temperatura do ar; segurana das caladas como

  • 24

    acompanhamento virio; contato com a natureza colaborando com a sade psquica do homem; recreao; contraste de texturas, mistrios e riquezas de detalhes; rvores decduas lembrariam ao homem as mudanas de estao; quebra da monotonia das cidades, cores relaxantes, renovao espiritual; consumo de vegetais e frutas frescas; estabelecimento de uma escala intermediria entre a humana e a construda; caracterizao e sinalizao de espaos, evocando sua histria (Geiser et al., 1975 e 1976; Di Fidio, 1985; Marcus e Detwyler, 1972; Douglas, 1983; Cavalheiro, 1991; Fellenberg, 1980; entre outros).

    Sobre a possibilidade da vegetao urbana fornecer alimento para os cidados, afirma-se que enquanto em alguns pases os espaos livres tambm so utilizados para o fornecimento de alimentos, aproveitando-se ento o solo para uma funo mais importante, em outros, o solo agrcola retirado ou sepultado pela pavimentao, isso ao mesmo tempo que ocorre um aumento do consumo de alimentos devido ao adensamento humano nas cidades: (...) no se sabe que o solo pode ser retirado e depois devolvido ao mesmo local (...) no estudada a possibilidade de se plantar em terra de estacionamentos, etc. (...)" (Marcus e Detwyler, 1972).

    "A converso em larga escala da energia solar em alimento um vital componente do ecossistema urbano. Da a importncia de jardins e quintais com hortas e frutferas que alm de fornecerem alimento influenciam no clima urbano (...) as cidades crescem (...) jardins e quintais so destrudos (...) cada vez menos as necessidades de alimento podem ser alcanadas localmente. Quem mais sofre so os pobres, pois a comida vai ficando cada vez mais cara" (Douglas, 1983).

    "Cavalheiro (1981) salienta que 'a utilizao econmica de espaos livres pblicos, como a agricultura e fruticultura, no feita nas regies metropolitanas brasileiras, notando-se, pelo contrrio, uma expulso desses usos. As grandes cidades, segundo a concepo brasileira, elaboram produtos industriais ou so centros comerciais importantes e, assim, de forma alguma devem produzir agricultura'. Essa concepo reflete-se em toda


Recommended