REABSORÇÃO RADICULAR INTERNA – Relato de um caso clínico
INTERNAL ROOT RESORPTION – A clinic case report
IVANA KARINA CAVALCANTE DE OLIVEIRA
ROSANA MARIA COELHO TRAVASSOS
CARINE MÉRCIA MALTA
ROGÉRIO NONATO SILVA DE SÁ
MARIA GABRIELA PEREIRA DE CARVALHO
SIDNEY RICARDO DOTTO
Resumo
A reabsorção radicular interna, também denominada de endontoma, é uma
patologia ao qual encontra-se associada a injúrias à camada de odontoblastos
e de pré-dentina, em conseqüência a um trauma físico ou químico. Como não
existe a presença de sintomatologia, é diagnosticada através de exames
radiográficos de rotina, nos quais observa-se imagem radiotransparente circular
que altera o contorno do canal radicular. O presente artigo relata a ocorrência
de um caso de reabsorção radicular interna em uma paciente após episódio de
trauma físico, o qual foi tratado endodônticamente através da técnica de
Oregon Modificada, irrigado com solução de Hipoclorito de Sódio à 2,5%, e
teve como medicação intracanal o calen (SSWhite), durante 7 meses, quando,
então foi obturado, apresentando-se assintomático e com sucesso radiográfico.
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PALAVRAS-CHAVE: reabsorção radicular interna, trauma físico
Introdução
A reabsorção radicular interna é um evento patológico associado a
injúrias causadas a camadas de pré-dentina e de odontoblastos (LOPES et al.,
2004; RUIZ et al., 2002). Pode ser denominada de reabsorção intracanal,
odontoblastoma, endontoma ou granuloma interno (BARBOSA, 1999). Sua
etiologia não foi totalmente esclarecida, sendo que a maioria dos autores
concordam que o traumatismo e a infecção são os agentes etiológicos
principais (PRATA et al., 2002; VERDE S., 2002).
Os fatores desencadeantes ou etiológicos podem variar segundo a
quantidade, qualidade e natureza, levando a vários tipos de reabsorção
dentária (LOPES et al., 2004). Na verdade, diversos são os fatores para que
ocorram as reabsorções internas, onde pode-se citar o trauma, as cáries,
infecção periodontal, procedimentos iatrogênicos, preparos restauradores,
movimentos ortodônticos, bruxismo, anacorese e as pulpotomias vitais, que
são terapias com hidróxido de cálcio.
Estes fatores supracitados são eficazes na promoção da reabsorção
radicular interna na medida em que causam injúria à pré-dentina ou ao
cemento tornando-os mineralizados. A exposição da matriz mineralizada
destes tecidos desencadeia o processo reabsortivo, por atrair e ativar as
células clásticas Entretanto, é necessário que haja um estímulo, visto que, sem
o mesmo, a atividade clástica cessa e a reabsorção pára. (LOPES et al., 2004).
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Prata et al. (2002) afirmam ainda que as células clásticas destroem osso,
cemento e dentina.
Radiograficamente, a reabsorção radicular interna apresenta-se como
uma área radiolúcida, simétrica, ovóide ou arredondada, bem circunscrita,
podendo envolver uma ou mais paredes, no interior do canal radicular (RUIZ et
al., 2002). No estágio inicial, o raio X convencional não é eficiente para
diagnosticar reabsorções radiculares (PRATA et al., 2002). O instrumento-
chave é uma boa radiografia usando a combinação de filmes periapicais e bite-
wing (HOVLAND e DUMSHA, 1999).
Quanto ao aspecto histológico, a reabsorção radicular interna caracteriza-
se pela presença de tecido de granulação, altamente vascularizado,
consistindo de uma inflamação por linfócitos, histiócitos e leucócitos (RUIZ et
al., 2002; SOARES e QUEIROZ, 2001).
No tratamento, exige-se do endodontista o emprego de técnicas de
obturação do complexo sistema de canais radiculares que propiciem melhores
condições de ocupação e adaptação do material obturador às paredes do
processo reabsortivo (VALE et al., 2001).
O propósito deste artigo é relatar a ocorrência de um caso de reabsorção
radicular interna com perfuração, em uma paciente que sofreu trauma físico na
área do dente afetado, 10 anos antes do início do tratamento.
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Relato do caso clínico
Paciente leucoderma, sexo feminino, 25 anos de idade, procurou a Clínica
da EAP – ABO, secção Alagoas, relatando, como queixa principal, a presença
de fístula, localizada na região de mucosa vestibular a nível de terço médio do
elemento 12. Durante a anamnese foi relatado história de trauma a mais de dez
anos.
Ao exame clínico, constatou-se a presença de fístula, bem como um
discreto edema na referida região. Um exame radiográfico periapical foi
realizado, no qual observou-se imagem radiolúcida ovalar alterando o contorno
do canal radicular. Ao mesmo tempo, a imagem radiolúcida sugeria presença
de perfuração radicular por mesial (Figura 1).
Figura 1. Radiografia inicial (de diagnóstico) demonstrando a presença de reabsorção interna no dente 12.
Após análise clínica e radiográfica, estabeleceu-se o diagnóstico de
reabsorção interna com perfuração radicular. Instituiu-se imediatamente terapia
endodôntica não cirúrgica, na qual, após exploração do canal radicular com o
uso de lima tipo Kerr #15 (Dentsply-Maillefer), neutralização e preparo químico-
mecânico do canal radicular, o qual teve o hipoclorito de sódio a 2,5% como
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solução irrigadora química auxiliar, e como técnica de preparo realizada a de
Oregon Modificada, foi detectada perfuração radicular na face mesial. Utilizou-
se hidróxido de cálcio (calen – SSWhite) como medicação intracanal.
Na segunda sessão, vinte dias após, a fístula tinha diminuído, bem como
o edema ao seu redor, no entanto, sem desaparecer. Foram realizadas trocas
mensais de medicação intracanal, com o objetivo de combater a infecção, bem
como promover a deposição de tecido cementóide na região perfurada. Este
objetivo foi alcançado 7 meses após, quando então, foi realizada a obturação
do canal radicular pela Técnica Híbrida de Tagger, com cimento à base de
óxido de zinco e eugenol (Endofill – Dentsply/Maillefer) (Figura 2).
Figura 2. Radiografia final mostrando a correta obturação do sistema de canais radiculares, sem extravasamento de material obturador..
Discussão
A reabsorção radicular interna é uma patologia que ocorre raramente,
acometendo apenas um dente, mas podendo envolver mais de um elemento
dentário (LOPES e SIQUEIRA JR, 1999; REGEZI e SCIUBBA, 2000). Quase
sempre é assintomática, geralmente sendo diagnosticada através de exame
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radiográfico de rotina (HOVLAND e DUMSHA, 1999). Lopes et al. (2004)
afirmam ainda que só existe dor na presença de perfuração.
Sabe-se hoje que o desenvolvimento da reabsorção radicular interna
depende basicamente da vitalidade pulpar (DE DEUS, 1992). Assim, as
reações que terão lugar no dente traumatizado, seja no tecido pulpar ou no
periodonto enjuriados, determinarão em larga escala de evolução e a
seqüência de eventos patológicos, que ocorrerão sobre os tecidos duros do
próprio dente ou em seus elementos de suporte periodontal, pois todo trauma,
impacto, irritação ou pressão que ultrapasse um determinado limiar específico
para o dente e suas estruturas, afetará, de alguma maneira, sua polpa e
periodonto (LAMBRECHTS e VANHOOREBEECK, 1992; STOCK E
NEHAMMER, 1992).
Em decorrência de suas localizações na boca, mais vulneráveis aos
impactos, os dentes anteriores apresentam uma prevalência de 90% nas
reabsorções radiculares internas (MAISTO, 1976). No entanto, estas lesões
são consideradas raras (STOCK E NEHAMMER, 1992). Estudos de
acompanhamentos e controles periódicos de dentes que sofreram algum grau
ou tipo de luxação acusam um índice de 2% de ocorrência desta patologia nos
dentes afetados (ANDRESSEN, 1981).
No momento em que se estabelece o diagnóstico, remove-se
imediatamente o tecido pulpar com o de granulação, onde a terapêutica está
ligada à extensão da reabsorção. Quando não ocorre perfuração radicular,
preconiza-se terapia endodôntica prontamente, com o intuito de paralisar o
processo. Se houver perfuração abaixo do nível ósseo, indica-se tentativa de
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remineralização com hidróxido de cálcio a longo prazo e posterior obturação
(LOPES et al., 2004).
No caso relatado, apenas um dente foi envolvido, onde evidenciou-se
reabsorção intracanal, dez anos após ter ocorrido um trauma físico, corrobando
com os autores em relação à etiologia desta lesão.
Em conseqüência ao fato do dente apresentar-se assintomático, o
diagnóstico foi realizado após exames clínico e radiográfico. Durante o exame
clínico obteve-se resposta negativa aos testes de vitalidade pulpar, presença
de edema e fístula e resposta positiva aos testes de percussão e palpação. Só
durante o exame radiográfico é que se constatou a reabsorção radicular interna
com imagem sugerindo perfuração (BARBOSA, 1999).
Diagnosticadas, as reabsorções radiculares devem ser prontamente
tratadas com a correta desinfecção do canal radicular (LOPES et al., 2004;
PALO et al., 2001).
O curso do tratamento foi ditado pelo aspecto perfurante da lesão com
várias trocas de hidróxido de cálcio (CÁRDENAS et al., 2001; LOPES et al.,
2004; SOARES e QUEIROZ, 2001), durante sete meses. RUIZ et al. (2002),
também utilizaram, em seu estudo, a pasta de hidróxido de cálcio como
medicação intra-canal.
O hidróxido de cálcio como medicação intracanal, representa uma
alternativa de tratamento conservador para a reabsorção óssea e radicular de
origem endodôntica (SOARES e QUEIROZ, 2001). Complementando, é a
medicação temporária mais universalmente empregada, sendo reabsorvida
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com o correr, devendo-se verificar a deposição da barreira, viabilizando a
obturação do canal radicular (VERDE S, 2002).
Conclusão
A correta realização do exame inicial dos pacientes, com uma anamnese
realizada com bastante atenção e cautela, e exames radiográficos completos,
pois quanto mais precoce forem diagnosticadas as reabsorções radiculares
internas, melhor será o prognóstico e, conseqüentemente, o sucesso do
tratamento.
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