UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
CURSO SUPERIOR EM CIÊNCIAS SOCIAIS - BACHARELADO
DÉBORA ARAÚJO DE VASCONCELLOS
REFLETINDO O ENVELHECIMENTO E O CUIDADO
Recife
2015
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REFLETINDO O ENVELHECIMENTO E O CUIDADO
Débora Araújo de Vasconcellos1
Resumo
A autora aborda neste artigo o processo de envelhecimento da sociedade que traz dois
aspectos conflitantes: a comemoração da expectativa de vida versus a desvalorização do velho
em detrimento do jovem. Dentro deste debate, o artigo pretende pensar o cuidado como um
agente transformador para se repensar a velhice, atuando na relação medicina-velho como um
humanizador das práticas médicas.
Abstract
The author discusses in this article the aging process of society that brings two
conflicting aspects: a celebration of life expectancy versus the devaluation of the old over the
young. Within this debate, the article intends to think “care” as a transforming agent for
rethinking old age, working in the medicine-old relationship as a humanizing medical
practice.
Palavras-chave: Cuidado; Envelhecimento; Vulnerabilidade.
Introdução
Este trabalho tem como finalidade compreender o processo de envelhecimento sob a
ótica do cuidado. Para isso, irei utilizar textos que analisam a ética do cuidado e o
envelhecimento populacional, cruzando-os, já que parto do pressuposto de que os idosos
consistem em um grupo de ascendência na nossa sociedade que tem sido subjugado em
detrimento da supervalorização da juventude. Com isso acredito que o cuidado seja um
conceito fundamental para repensarmos as políticas públicas e ações médicas que são
direcionados à parcela envelhecida da população.
Entendo que o crescimento da população idosa seja um fenômeno mundial. Segundo
Costa e Borges (2005), nos países de menor desenvolvimento econômico este processo está se
intensificando, havendo uma previsão de que no ano de 2025 a maioria da população idosa do
1 Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco; bolsista no Programa de Educação
Tutorial – PET Ciências Sociais; E-mail: [email protected].
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mundo esteja nos países periféricos. Sob este aspecto, acredito que compreender o
envelhecimento da população brasileira seja de extrema importância acadêmica com isso
penso que observar este grupo partindo do pressuposto do cuidado viabiliza uma compreensão
do envelhecer abrindo um debate sobre como a sociedade e o Estado se responsabilizará por
meio de suas ações diante deste grupo que logo poderá se tornar superior aos jovens.
(SCHAFFER; BIASUS, 2012).
E ao pensar no cuidado trago como principais escopos da minha análise as ideias e
reflexões de José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres (2005) e de Schwanke et al. (2011).
Com o primeiro trago a sua visão do cuidado como um conceito dinâmico necessário para a
construção de uma atenção integral à saúde que proporciona um novo olhar para as
vulnerabilidades, onde incluo a velhice; com a segunda, trago suas reflexões sobre uma ética
do cuidado para com o envelhecimento, que traz uma ideia interessante para pensarmos na
forma com que os idosos se relacionam com o ambiente médico e na construção de uma nova
prática diante dos novos desafios gerados pela população envelhecida.
O idoso na sociedade da juventude
Envelhecer faz parte do estar vivo biologicamente, entretanto o fenômeno da velhice
para os humanos possui conotações mais profundas e particulares. Universalmente o corpo
humano no seu aspecto biológico, nasce, cresce, amadurece e caminha gradativamente para
uma aproximação da falência do corpo que sucede na sua morte. Apesar disso, subjetivamente
cada sujeito envelhece ao seu modo, “(...) devemos considerar que não há apenas a idade
cronológica, mas também a biológica, funcional, psicológica, social, entre outras.”
(SCHWANKE; CRUZ; SILVA; FEIJÓ, 2011:202). Mas ao pensar em políticas públicas e
políticas de saúde, a ONU classifica na categoria idoso aqueles indivíduos com 60 anos ou
mais que vivem nos países em desenvolvimento; e indivíduos com 65 anos ou mais, para
aqueles que vivem em países desenvolvidos.
Através desta classificação, já podemos inferir como o envelhecer depende de diversos
fatores. O desenvolvimento econômico das regiões aporta um maior ou menor acesso as
tecnologias da saúde, além de fatores como acesso a boa alimentação, saneamento básico,
habitações em ambientes salubres, etc; que consequentemente propiciam estruturalmente
condições favoráveis ou não para um envelhecer “sadio”. Dessa forma, já podemos apontar
que as condições econômicas, sociais e estruturais do ambiente vivenciado pelo sujeito,
interferem na forma e inclusive no tempo cronológico do seu envelhecimento. Além disso, há
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nos aspectos culturais um importante fator para a classificação de velho nas mais diversas
sociedades, neste trabalho irei focar na sociedade cujo qual estou inserida, a sociedade
brasileira capitalista que se encontra na periferia do mundo.
O Brasil não escapa de um processo global do capitalismo, onde a produtividade é um
dos principais marcadores de qualificação social dos sujeitos, como visto por Gilles
Lipovetsky (2007) no seu livo “A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de
hiperconsumo” há no capitalismo um apelo para o consumo, pela velocidade, para a
superexposição da intimidade que consequentemente nos leva a uma valorização do estar
“feliz” e todas essas atribuições reforçam, intensificam, vendem e propagam a imagem da
juventude, uma sociedade para sempre jovem, que não aceita a velhice. Com isso:
A noção de produtividade está fortemente conectada às noções de juventude e
adultez e essa articulação produz, concomitantemente, a significação da velhice
como peso familiar e social, uma vez que sujeitos velhos não seriam mais produtores
nem reprodutores. (BOSI, 1995, p. 77) Num mundo em que também a velocidade se
torna valor preponderante, em que as emoções aventureiras não cessam de ser
incentivadas e celebradas, a lentidão das pessoas velhas chega a ser considerada por
muitos uma agressão cultural. (NERI, 2007) Nesse sentido, envelhecer pode ser
significado como uma transgressão desses valores centrais das sociedades ocidentais
contemporâneas nos quais se conectam juventude com capacidade de trabalho,
vitalidade e sedução. E, nesse contexto, nosso medo de envelhecer é, também, o
medo de ser desqualificado pela idade. (COUTO; MEYER, 2011:23)
Apesar dessa visão negativa da velhice, nossa sociedade celebra o aumento da
expectativa de vida e almeja tardar ainda mais a morte; busca através das tecnologias da saúde
um prolongamento da vida. A saúde por muito tempo esteve voltada a uma atenção ao idoso
de forma a tirar a autonomia desse sujeito, vendo sua condição física como débil que leva a
uma incapacidade de tomada de decisões. Não quero dizer com isso que não haja na velhice o
surgimento de doenças crônicas que levam a uma vulnerabilidade que demanda atenções
médicas e familiares mais assistidas, inclusive há doenças que destituem do indivíduo sua
capacidade de agir autonomamente. Entretanto, o que trago para reflexão é a necessidade que
surge com o aumento da população idosa de que existam novas formas de se perceber este
outro e refletir sobre o cuidado pode ser uma alternativa.
Couto e Meyer (2011) apontam que um dos problemas presentes na valorização do
aumento da expectativa de vida, na conjuntura atual, acarreta numa falsa valorização da
velhice. Há uma visão da terceira idade como “melhor idade” quando esta é associada a um
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prolongamento da juventude e não como uma compreensão e valorização da velhice em si, há
na verdade uma festividade para o fato de poder ter uma mente jovem, uma aparência jovial e
continuar sendo produtivo como profissional mesmo estando idoso.
Sendo assim, para os autores os valores cultuados no almejo da maior e melhor
qualidade de vida na nossa sociedade não significam em uma busca por uma preparação para
bem viver a velhice. Com isso há tipos de envelhecimento como formas ideias que são
estabelecidas como a melhor forma para tal, anulando as subjetividades e forçando uma visão
de que aquele que envelhece bem é aquele que continua produtivo e “jovem” durante a
velhice, desqualificando aqueles que aparentam ser velhos ou que estão mais vulneráveis e
que precisam de um cuidado assistencial maior.
O que nas últimas décadas se propaga é que é possível viver e viver muito bem na
“terceira idade”. Mas, viver a “terceira idade” é, sobretudo, estar lá como se lá não
se estivesse, pois a visibilidade corporal deve estar sempre dada a partir de uma
idade anterior, aquela assinalada pelos ideais e formas da juventude que, sob
hipótese alguma, deve ser negligenciada ou perdida. E isto significa, sobretudo, que
é preciso vigilância contínua para afastar, controlar e administrar os pequenos sinais
da velhice que sorrateiramente insistem em se instalar no corpo que, na lógica da
exuberância, deveria ser sempre jovem. A velhice muitas vezes é representada como
perigosa porque é imperceptível, vai-se instalando por meio de uma lentidão
corrosiva que marca o rosto, penetra os tecidos, caminha no silêncio das células,
enfraquece os músculos, diminui a energia. A velhice é particularmente difícil de
assumir porque nós a consideramos sempre uma espécie de estrangeira.
(BEAUVOIR, 2003) Para a grande maioria, a velhice é, de todas as realidades
humanas, a que por longo tempo permanece a mais abstrata, pois nunca se seria
velho de fato. (COUTO; MEYER, 2011:26 e 27).
Pensar a velhice como um fenômeno em si parece apresentar-se de forma desafiadora,
já que a velhice rejuvenescida parece se sobrepor ao estado de envelhecimento natural do
corpo. A medicina tecnológica reforça esse aspecto ao avançar e promover as técnicas de
cirurgias plásticas, medicamentos para manter a juventude da pele e outros órgãos,
hormônios, pílulas energéticas, além de outros mecanismos de prolongamento do jovem e
belo, acabam assim por colocar o velho em si como diminuído. Para isso o conceito de
cuidado torna-se importante ao repensar a velhice, o cuidado de si e o cuidado do outro são
processos que dão abertura para compreensão do corpo envelhecido como espaço para se
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pensar novos caminhos das políticas de saúde e para a própria construção da imagem do velho
na nossa sociedade.
Refletindo o cuidado
Ayres (2005) no seu artigo “Cuidado e reconstrução das práticas de saúde” traz uma
reflexão sobre o conceito do cuidado que reverbera para um projeto de renovação das práticas
na saúde pública, entretanto apesar da sua análise corresponder a um contexto diferente do
que trago neste trabalho acredito que suas reflexões possam ser transpostas para o objeto de
análise aqui presente, que no caso é o envelhecimento.
O autor traz o cuidado como categoria ontológica, remetendo através do pensamento
de Heidegger sobre a alegoria de Higino as facetas que o cuidado possui como conceito em si.
Com isso ele destaca alguns aspectos do cuidado que para ele são relevantes ao pensar a saúde
e eu endosso seu argumento, trazendo aqui os aspectos vistos por ele sobre o conceito de
cuidado. Esses aspectos são: a ideia de movimento; interação; identidade e alteridade;
plasticidade; projeto; desejo; temporalidade; não-causalidade; e responsabilidade. Através
desses aspectos o autor desenvolve uma conceituação ontológica-existencial do cuidado, que
abarca todas essas nuances em uma só palavra, gerando uma força motora para a perspectiva
do cuidado dentro do âmbito da saúde. Já que ao trazer esta reflexão Ayres que critica a forma
de relação médico-paciente estabelecida pela medicina da saúde pública cujo qual ele atua,
busca com a ideia de cuidado de forma dinâmica e essencial na existência humana, um agente
modificador das atuações médicas, propiciadora de um diálogo de saberes, um enfrentamento
das vulnerabilidades tendo como relevante o ponto de vista dos pacientes. (AYRES, 2005).
Dialogando com esta análise, trago a discussão de Schwanke et al. (2011), no artigo
“A ética do cuidado e envelhecimento” os autores nos apontam os quatros principais pontos
norteadores da bioética, que são: respeito à autonomia; beneficência; não maleficência e
justiça. Segundo eles, esses quatro aspectos não são bem articulados quando se trata de uma
assistência ao idoso, já que muitas vezes a beneficência pode adquirir um aspecto paternalista
diante do idoso, a justiça e a autonomia acabam a mercê da condição de saúde do paciente
velho que muitas vezes colide com julgamentos da família e dos médicos. Com isso os
autores entendem que é necessária a construção de outra referência moral, sendo esta baseada
na relação de solidariedade, principalmente ao tratar da privação da autonomia por motivos
biológicos. Nestes casos os autores pensam em uma ética do cuidado. Esta consistiria em uma
ação de responsabilidade e comprometimento com o paciente enfermo ou com indivíduos em
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condições de vulnerabilidade como os idosos, esta prática consistiria em não somente dar
tratamento e suporte as mazelas físicas como dar uma assistência emocional, dialogando e
compreendendo os indivíduos vulneráveis. Para isso a ética do cuidado deve perpassar os
profissionais da saúde e outros agentes como a família e os amigos. (SCHWANK ET AL;
2011).
A ética do cuidado seria para os autores essencial ao pensar nos indivíduos velhos
onde os tratamentos de prolongamento da vida não são mais eficazes, para eles o cuidado e a
atenção assistida de forma mais íntima tendo um diálogo aberto, proporcionam maior bem-
estar, sendo necessário o respeito sobre as decisões tomadas por esses sujeitos, como a não
utilização de tratamentos invasivos que não proporcionam a cura.
Sendo assim, pensar o cuidado é fundamental para a construção de uma assistência a
saúde mais humanizada, além disso proporciona uma reflexão sobre as nossas ações que
põem em xeque como a sociedade veem lidando com a velhice. A valorização do
rejuvenescimento caminha lado a lado com a medicina tecnicista e impessoal criticada por
Ayres, entretanto pensar o cuidado como prática propiciadora de um diálogo, de uma
construção em conjunto, nos traz uma perspectiva de pensar a velhice por si mesma.
Conclusão
Essas abordagens nos trazem a reflexão de que o cuidado é fundamental ao pensarmos
em indivíduos vulneráveis: o idoso ao estar em uma fase de envelhecimento do corpo e
culturalmente conflitante, onde há uma valorização do jovem e um escárnio do velho,
necessita de uma assistência preparada para atender suas demandas físicas e emocionais. O
cuidado de si tomado em todo o decorrer da vida, vista por Foucalt ao pensar na Grécia
Antiga, remete a um preparo para o envelhecimento que é contrária a forma vista atualmente.
O cuidado de si dos gregos seguiria para uma responsabilidade sobre o corpo vendo na
velhice um tempo de contemplação do mundo. Com isso, penso que é necessário
modificarmos a forma puramente exibicionista dos corpos rejuvenescidos e pensarmos em
envelhecermos para si.
Além disso, a velhice traz a reflexão do cuidado para com o outro, nas reflexões de
Ayres (2005) e de Schwanke et al. (2011), pude pensar sobre como a vulnerabilidade exige
uma reflexão do cuidado, estar vulnerável prescindi que haja um outro para cuidar daquele
que está incapacitado de lidar com isto sozinho. A medicina puramente tecnológica prepara-se
para cortar as faces e propiciar cirurgias e intervenções nunca antes vistas, porém sozinha não
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tem suporte para as demandas e fragilidades emocionais existentes nos sujeitos vulneráveis,
no caso os idosos, estes precisam de uma assistência que dialogue e pelos autores vistos,
acredito que o cuidado proporciona uma agência transformadora, tornando as relações mais
humanas.
REFERÊNCIAS
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