ENCONTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM HISTÓRIA,
TRABALHO E EDUCAÇÃO – HISTEDBR
3 a 5 de setembro de 2007
Faculdade de Educação - UNICAMP - Campinas, SP
REFORMAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
A “MODERNIZAÇÃO DO ARCAICO”.
Valéria BOLOGNINI Ferreira Machado [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG
Mestrado em Educação Tecnológica
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REFORMAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
A “MODERNIZAÇÃO DO ARCAICO”.
Valéria BOLOGNINI1
CEFET-MG
Esta comunicação apresenta um resgate do debate em torno das políticas
públicas de Educação Profissional, a partir da investigação da correlação de
forças entre os porta-vozes de classes sociais e frações de classes com
distintas concepções da relação entre sociedade e educação, na disputa por
determinados projetos educacionais para o Brasil, quer tenham ou não se
efetivado. Essa investigação surgiu a partir dos estudos desenvolvidos para a
disciplina Trabalho, Educação e Desenvolvimento Societário2, no CEFET-MG,
como parte do curso de Mestrado em Educação Tecnológica, e se desenvolveu
– inicialmente – a partir da leitura de SILVA (1994), DELUIZ (1997), KUENZER
(1997), CUNHA (2000), FRIGOTTO & CIAVATTA (2006), incluindo a legislação
pertinente ao período e assunto.
Reconhecendo a área educacional como campo de embates das forças
sociais em disputa por um projeto hegemônico de sociedade, busca-se, através
do estudo das reformas da Educação Profissional, identificar a materialidade
dos interesses de classes em disputa, e sua influência nas reformas
educacionais da segunda metade da década de 90. O recorte específico na
educação de nível médio, antigo secundário, para esta investigação se dá
porque, no Brasil, este segmento de ensino sempre se caracterizou pela
dualidade entre o ensino propedêutico para as classes sociais mais altas – a
fim de prepará-las para o ensino superior e as atividades intelectuais – e o
ensino profissionalizante para as classes menos favorecidas – a fim de
prepará-las para o trabalho manual. Essa dualidade explicíta concepções
distintas que as classes sociais e as frações de classes, de acordo com seus
interesses, têm da relação entre sociedade e educação. Dessa forma, o
elegemos como espaço privilegiado de estudo, a fim de compreender como
1 Socióloga, mestranda em Educação Tecnológica no CEFET-MG. [email protected] 2 Disciplina ministrada pela Professora Doutora Maria Aparecida da Silva.
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concepções contraditórias influenciaram as políticas de Governo e o projeto de
desenvolvimento societário adotado nos anos 90.
Este trabalho está organizado em três partes: (i) apresenta uma breve
história da educação profissional no Brasil – da sua primeira sistematização,
em 1909, até a Lei 5692/1971 que, em tempos de restrição política, institui a
profissionalização compulsória; (ii) analisa os rearranjos das forças políticas em
disputa nas décadas de 1980 e 1990 e as influências das distintas concepções
da relação entre sociedade e educação na direção tomada pelo Estado
brasileiro nas reformas educacionais da década de 90; (iii) apresenta uma
breve conclusão do assunto.
Partindo da distinção estabelecida por Souza (2001) entre as concepções
e propostas para a educação básica e profissional vinculadas aos interesses
de classe3, busca-se elementos que possibilitem a reflexão acerca das
dinâmicas das correlações de força entre as classes sociais com poder de
propor um projeto de sociedade e de desenvolvimento, de acordo com seus
interesses. Para tanto, focaremos nossas investigações nas mudanças de
posicionamento dessas forças sociais, a fim de compreender quais os projetos
de sociedade estavam em disputa no Brasil, durante o período de transição
política dos anos 80 e 90, e as implicações destes para a política educacional
brasileira.
1. A Educação Profissional no Brasil: da Proclamação da República à
Nova República dos anos 80.
A Educação Profissional sempre se destacou em termos de política
pública no Brasil, ocupando tal lugar por ser considerada estratégica para o
desenvolvimento social e econômico do país. Desde o período do Império –
com o desenvolvimento das Corporações de Ofícios, passando pelo Colégio
das Fábricas (1809), pelas Casas de Educandos Artífices (1840), pelos Liceus
de Artes e Ofícios (instalados a partir de 1858) e pelo Asilo dos Meninos
Desvalidos (1875) – a formação da força de trabalho manufatureira se deu de 3 Na distinção de Souza (2001), a utilização da força de trabalho para a produção da mais-valia, através do aumento da produtividade e da competitividade industrial, representa a “ótica do capital”; e a utilização da força de trabalho para a produção do valor de uso, através da melhoria das condições de vida, representa a “ótica do trabalho”.
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maneira compulsória para os homens livres considerados órfãos, desvalidos,
abandonados e/ou miseráveis. Essas instituições eram legitimadas por
ideologias correntes à época, que viam na educação para o trabalho a melhor
forma de evitar o desenvolvimento de idéias contrárias à ordem política e a
ocorrência de agitações, como vinha ocorrendo na Europa. Além disso, o
governo considerava que trabalhadores motivados para o trabalho, ordeiros e
qualificados incentivariam a instalação de fábricas em terras brasileiras.
(CUNHA, 2000)
Embora, a partir de meados do século XIX, o aumento da produção
manufatureira demandasse a formação de operários, estas instituições de
Educação Profissional mantinham-se fiéis ao ensino de habilidades manuais
voltadas à arte e ao artesanato (BRANDÃO, 1999). Nesse mesmo período
criaram-se instituições privadas a fim de ministrar o ensino de artes e ofícios
para homens livres pobres e formar os operários necessários á industrialização
emergente. Financiadas por dotações governamentais e cotas pagas por
sócios (nobres, fazendeiros, comerciantes e pessoas da burocracia
estatal)estas instituições passaram a assumir importante papel na gestão e
manutenção das escolas de ofícios. (CUNHA, 2000)
Com a proclamação da República (1889), os ideais positivistas
desembarcaram no país e seus ideólogos propuseram diversas medidas de
regulação do trabalho, como solução para os problemas nacionais. Com isso,
buscavam atender às necessidades da crescente indústria moderna e às
necessidades do Estado de imbuir nos trabalhadores padrões de moralidade e
conhecimento prévio dos deveres pátrios. Assim, “a Ordem e o Progresso
estariam assegurados.” (CUNHA, 2000:93).
Muito embora o governo não tenha adotado tais medidas, o Decreto 1.313
de janeiro de 1891 acabou por proibir o trabalho de menores de 12 anos nas
fábricas do Distrito Federal, com exceção das tecelagens, limitando também a
jornada de trabalho dos menores de 15 anos, como apregoavam os ideais
positivistas. Tais medidas buscavam garantir as condições mínimas, de saúde
e moralidade, para a reprodução da força de trabalho e para uma prosperidade
econômica futura. Ainda na década de 1890, a Educação Profissional tiverá
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seu papel como política de Estado fortalecida pelos novos problemas que
surgiram com a urbanização e o crescimento de trabalhadores livres ociosos
nas cidades, incorporando a concepção assistencialista e ordeira uma nova
finalidade, qual seja: “incentivar a nova classe social que vinha se formando a
vender sua força de trabalho” (BRANDÃO, 1999, p.20).
A conjuntura brasileira, nos primeiros anos do século XX, era de rápido
desenvolvimento industrial acompanhado por um crescente número de greves
operárias, lideradas, principalmente, pelas correntes anarco-sindicais. A
Educação Profissional reafirmava-se, nesse contexto, como antídoto à
desordem e às idéias estrangeiras, difundidas pelos imigrantes recém
chegados ao país (CUNHA, 2000). Embora o novo século apontasse para
mudanças em matéria de políticas federais de formação para o trabalho – já
que em 1909 ocorre a primeira sistematização da Educação Profissional no
Brasil, com a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, pelo Decreto 7.566
de 23 de setembro – pouca coisa mudou em relação à concepção e finalidades
dessa modalidade de ensino, que continuou a atender fins assistencialistas e
políticos (BRANDÃO, 1999). No caso específico das Escolas de Aprendizes
Artífices, ao analisar sua organização e distribuição geográfica – federativa e
descentralizada – em contraposição á corrente centralização das instalações
industriais no eixo centro-sul, percebe-se que elas funcionam como um
“mecanismo de cooptação de setores locais das oligarquias pelo governo
federal, controlado pelas frações latifundiárias das classes dominantes, ligados
à agricultura cafeeira.” (CUNHA, 2000, p.95)
As primeiras mudanças que apontam para uma outra concepção de
Educação Profissional surgiram a partir de meados da década de 20,
principalmente por iniciativa da sociedade civil. (BRANDÃO, 1999) É o caso da
Escola Profissional Mecânica no Liceu paulista, criada em 1924, a partir de
uma parceria com as empresas ferroviárias. Nessa Escola duas inovações em
matéria de ensino de ofícios foram implementadas: as “séries metódicas de
aprendizagem” e a aplicação de testes psicotécnicos, seguindo a doutrina da
Organização Racional do Trabalho proposta por Taylor. Essas inovações é
resultado da contribuição do engenheiro suíço Roberto Mange à criação da
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Escola Profissional Mecânica. Alguns anos mais tarde, Mange, juntamente com
outros engenheiros da Escola Politécnica, fundou o Instituto De Organização
Racional do Trabalho - IDORT - com financiamento da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP - e da Associação Comercial
Paulista (CUNHA, 2000).
O IDORT tornou-se o representante brasileiro do ideal taylorista de
produção industrial, apresentando a Organização Racional do Trabalho como
única solução para a baixa produtividade e a desorganização do uso da força
de trabalho no país. Para isso era necessário utilizar os exames psicotécnicos,
o ensino rápido, barato e sistemático de ofícios, e o aumento do rendimento
físico do trabalhador (SCHWARTZMAN, 2000).
Seguindo as orientações tayloristas de organização da produção e da
formação e seleção da força de trabalho, a Estrada de Ferro Sorocabana
organizou, em 1930, um Serviço de Ensino e Seleção de Profissional - SESP -
inaugurando um novo padrão de parceria entre empresas e Estado. Essa
experiência exitosa deu origem á outras: como o Centro Ferroviário de Ensino
e Seleção de Profissional - CFESP - criado em 1934, que caracterizou-se por
atender a um público selecionado pelas empresas e que por elas seria
utilizado. Situação bem diversa da encontrada nas Escolas de Aprendizes
Artífices, que ainda atendia preferencialmente aqueles “desfavorecidos da
fortuna”. Anos depois, em 1942, o CFESP foi incorporado ao recém criado
SENAI. (CUNHA, 2000)
A esquerda política desse período sofreu duros golpes: o fracasso da
rebelião militar comunista, de 1935; o desaparecimento da Aliança Nacional
Libertadora – ANL – da classe média urbana de centro-esquerda; e o golpe de
Estado de 1937, que inaugurou o governo autoritário conhecido como Estado
Novo. A partir de políticas industrializantes e trabalhistas – porém de forte
conotação anticomunista e anti-esquerdista – o governo do Estado Novo
(1937-1945) assumiu a concepção taylorista defendida pelo IDORT, e a
dissemina pelo país através do projeto industrialista de desenvolvimento
implementado por Getúlio Vargas.
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No conjunto das medidas tomadas pelo novo governo federal estava a
reforma do Ministério da Educação e Saúde, que se deu através da Lei 378, de
13 de janeiro de 1937, colocando as escolas profissionais sob a
responsabilidade da Divisão do Ensino Industrial do Departamento Nacional de
Educação e transformando as Escolas de Aprendizes Artífices em Liceus
Industriais. Dessa forma, hierarquicamente, a Educação Profissional passou a
ocupar o mesmo nível que outros ramos e modalidades de ensino. Essa
mudança foi significativa, já que até então, a formação para o trabalho, estava
vinculada à Diretoria Geral de Indústria e Comércio do Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio. (BRANDÃO, 1999).
Já na Constituição Federal de 1937 se definiu – no artigo 129 – o papel
do Estado, das empresas e dos sindicatos na formação profissional, apontando
como primeiro dever do Estado, em matéria de educação, o ensino vocacional
e profissional para as “classes menos favorecidas”. (CUNHA, 2000)
Em 1938, um anteprojeto de regulamentação do artigo 129 da
Constituição de 1937, propõe distribuir as responsabilidades do ensino
vocacional e profissional entre Estado, estabelecimentos industriais e
sindicatos de trabalhadores. Dessa forma, os empresários industriais seriam
responsáveis pela criação e manutenção de escolas com oficinas destinadas à
prática dos trabalhadores de 14 a 18 anos, considerados aprendizes; e os
sindicatos de empregados deveriam oferecer esse aprendizado profissional
aos menores, de 11 a 14 anos, filhos e irmãos dos trabalhadores
sindicalizados. Ao Estado caberia a criação de tais escolas somente nos locais
em que sindicatos e empresas não pudessem fazê-lo (SCHWARTZMAN, 2000;
CUNHA, 2000). Encaminhado, em sua primeira versão, à direção da FIESP, o
anteprojeto foi considerado financeiramente inviável, já que caberia às
empresas as despesas com salários dos aprendizes e mestres e os gastos
com as instalações e oficinas. Ao priorizar os interesses de curto prazo, os
empresários não perceberam o quanto interessante essa proposta poderia ser,
se considerada a médio e longo prazo. (CUNHA, 2000). No ano seguinte é
promulgado o Decreto Lei nº 1.238 de 1939, fruto de
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“um intenso conflito de bastidores entre o Ministério da Educação e Saúde e o do Trabalho, Indústria e Comércio, que tinha por detrás, principalmente a Federação Nacional da Indústria e a Federação das Indústrias de São Paulo.” (SCHWARTZMAN, 2000, s/p.).
À frente do Ministério da Educação e Saúde, o político mineiro Gustavo
Capanema – assessorado por Rodolfo Fuchs e outros intelectuais mineiros
pertencente ao grupo de "intelectuais da rua da Bahia" – já havia encaminhado
ao presidente Vargas, um documento onde ponderava sobre a obrigatoriedade
do ensino industrial para todos, buscando com isso, eliminar do temperamento
do brasileiro que o levava a sentir-se especial e privilegiado frente aos outros,
negando-se, assim, ao trabalho manual. Entre as propostas apresentadas
nesse documento, encontra-se o projeto da Universidade do Trabalho, que
diferente da Universidade Técnica Federal4, tinha por objetivo formar operários,
de diversos níveis de escolaridade, dos artifices aos operários graduados e
contramestres, para atender à demanda da indústria moderna. Essa
universidade atenderia ao nascente pólo industrial do sudeste, enquanto que
escolas profissionais atenderiam as demandas em outras regiões do país.
Enquanto isso, no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, outra corrente,
mais pragmática e vinculada aos interesses da FIESP, articulava-se para
implantar, a partir das experiências paulistas da Escola Profissional Mecânica e
do SESP da Estrada de Ferro Sorocabana, um sistema de formação
profissional, aos moldes de seus interesses de classe.
Em maio de 1939, Vargas assina o Decreto Lei nº 1.238, que definiu que
empresas com mais de 500 operários deveriam oferecer refeitórios e "cursos
de aperfeiçoamento profissional" para seus trabalhadores, de acordo com o
regulamento a ser elaborado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
conjuntamente com o Ministério da Educação e Saúde. (SCHWARTZMAN,
2000). Inicialmente muitos empresários recusaram-se a cumprir o novo
Decreto, mas acabaram por assumir a gestão e manutenção desse sistema de
ensino industrial, a fim de evitar que os sindicatos de empregados viessem a
4 Criada somente no papel, em 1934, para reunir num só corpo as escolas Politécnica do Rio de Janeiro, de Minas e Metalúrgia de Ouro Preto e Nacional de Química do Rio de Janeiro (SCHWARTZMAN, 2000).
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fazê-lo (CUNHA, 2000).
Em 1940, o presidente recebe dois projetos de regulamentação do ensino
profissional – um do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, assinado por
Valdemar Falcão, e outro do Ministério da Educação e Saúde. Embora
houvesse uma comissão inter-ministerial encarregada de elaborar
conjuntamente a regulamentação do Decreto Lei nº 1.238, Capanema chamou
para si o assunto, retardando em sete meses a apresentação deste projeto, de
forma que o Ministério do Trabalho resolveu fazê-lo. Em 26 de julho de 1940, o
Decreto 6.029 do Ministério do Trabalho regulamenta tais cursos, a partir das
concepções de formação profissional endossadas por Roberto Mange e a
FIESP, na contramão das reformas educacionais sugeridas por Gustavo
Capanema. (SCHWARTZMAN, 2000)
Cunha (2000, p.100) destaca que, muitas vezes, “o suporte da
consciência de uma classe social pode estar fora dessa classe”, como é o caso
da criação do SENAI. Apesar da resistência inicial dos empresários, após
constatado a eficiência e funcionalidade da aprendizagem sistemática para os
interesses da classe industrial, a história foi reescrita, colocando-os como
autores da idéia. Esse fato demonstra a força ideológica dos sindicatos
patronais da indústria à época – CNI e FIESP principalmente – que os
possibilitou de impor sua concepção de educação para outros segmentos
sociais.
Outras concessões são feitas pelo governo federal ao empresariado
industrial. Com o Decreto Lei 2.548, de 31 de agosto de 1940, possibilitou a
redução do salário mínimo em 15% para trabalhadores e 10% para
trabalhadoras, entre 18 e 21 anos, sem certificado de ensino profissional, “uma
vez que o empregador ministre, em troca, a instrução que complete, ou
aperfeiçoe” a formação desses trabalhadores (SCHWARTZMAN, 2000, s/p.).
Em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário – proposta pelo Ministério
da Educação e Saúde e promulgada em 9 de abril – instituiu o ensino
secundário em dois ciclos: o primeiro ciclo (ginasial) de quatro anos de
duração, e um segundo ciclo (clássico ou científico) de três anos de duração.
Essa Lei Orgânica caracterizou-se por um conjunto de medidas que ficaram
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conhecidas como Reforma Capanema. Novos currículos foram propostos, com
predomínio do enciclopedismo e valorização da cultura geral e humanística. No
ensino profissional, em suas diversas modalidades, somente o ensino industrial
recebeu algum destaque, muito mais por pressões do empresariado do que por
um real projeto de sociedade e educação. Assa Lei Orgânica em nada
contribuiu para a mudança desse nível de ensino, ratificando, através da
manutenção dos exames seletivos, o papel dualista do ensino brasileiro.
Vigorou até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
em 1961.
“O grande projeto corporativo nacional havia fracassado em boa parte, sendo substituído por um tipo de corporativismo muito mais pragmático e realista, que delegava o ensino e o emprego industrial à indústria para conduzi-lo conforme, tão-somente, às necessidades e interesses da economia nacional." (SCHWARTZMAN, 2000, s/p.).
Em 1942, o polêmico Decreto n 6.029/40 deu lugar a dois outros decretos:
um que criava o Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial – SENAI –
conforme as concepções da CNI, da FIESP e do Ministério do Trabalho; e outro
que definia a Lei Orgânica do Ensino Industrial, de acordo com as idéias e do
Ministério da Educação. Assim, o SENAI se encarregaria da "formação
profissional dos aprendizes", sendo uma peça do amplo painel de ensino
profissional organizado pela Lei Orgânica. Assim, a educação para o trabalho,
passou por uma grande reconfiguração da organização e gestão do sistema de
ensino profissional foi realizada nesse período, no qual foram criados dois tipos
de ensino profissional: um mantido pelo sistema oficial e outro, em paralelo,
mantido pelas empresas. O caso do Ensino Comercial é emblemático, pois,
desde sua instituição pelo Decreto Lei 4.073/42, sua organização e gestão
estão a cargo da iniciativa privada (SOUSA, 2005). Também a Lei 2.613, de
1955, que criou o Serviço Social Rural – SSR – em regime de autarquia,
estendendo essa dependência ao SESC, SESI, SENAC e SENAI, reafirmou o
projeto hegemônico dos empresários em termos de Educação Profissional,
inaugurando os debates a respeito do seu caráter – público ou privado?
(CUNHA, 2000).
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Como vimos até aqui, a primeira metade do século XX foi marcada pelas
concepções de Educação Profissional gestadas no interior dos interesses da
classe capitalista, com pequenas divergências. Os trabalhadores – que ainda
não possuíam formas de representação de classe5 que pudessem fazer frente
aos sindicatos patronais – não apresentaram resistência aos ideais do
desenvolvimentismo, que atrelava a educação dos trabalhadores aos
interesses do crescimento econômico do país. Essa concepção de educação
industrial se manteve na ideologia desenvolvimentista do governo de Juscelino
Kubitschek (1956 a 1961), que defendeu uma Educação Profissional articulada
às transformações na produção industrial. Dessa maneira, a reformulação do
ensino industrial deveria atender aos objetivos da Nação: a modernização
industrial e maior participação do país na economia internacional
(SCHWARTZMAN, 2000).
Em 1961, a Lei 4.024 – primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – apresentou uma proposta de formação educacional de cunho
profissionalizante, propondo uma equivalência entre a educação propedêutica
e o ensino profissionalizante. Contraditoriamente, consolidou leis anteriores
que valorizavam o ramo propedêutico frente ao ensino técnico industrial.
(SOUSA, 2005).
Após o Golpe Militar – que instituiu o governo autoritário burocrático em
1964 – o Marechal Castelo Branco assumiu a presidência prometendo a rápida
retomada do crescimento econômico. Com o Plano Econômico de
Desenvolvimento (PED) para o período de 1968 a 1970, o regime militar traçou
para o país metas de crescimento bastante ambiciosas, que só seriam
possíveis com uma maior presença do Estado na economia – ampliando o
segmento técnico-burocrático alocado em atividades de planejamento – e a
disponibilidade de capital extrangeiro, via investimentos ou empréstimos.
5 Desde 1908, com a criação da Confederação Operária Brasileira – COB, os sindicatos vem tentando se organizar nacionalmente. Foram várias as tentativas de unificação sindical: em 1929, com a criação da Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros – CGTB; em 1935, na tentativa de criação da Confederação Sindical Unitária Brasileira; e em 1962, na tentativa de criação do Pacto de Unidade de Ação - PUA - e do Comando Geral dos Trabalhadores – CGT (SILVA,1994).
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É importante destacar que, as décadas de 60 e 70 na economia mundial
correspondem ao período de esgotamento do modo de produção taylorista-
fordista, que se mostrou incapaz de continuar promovendo a acumulação e
valorização do capital, com base na produtividade. Esse esgotamento impôs ao
empresariado, nacional e internacional, consecutivas quedas na taxa de lucro,
culminando, em 1974, com uma crise mundial na economia capitalista,
mitificada através da crise do petróleo (SILVA, 1994).
No Brasil, os efeitos dessa crise mundial foram sentidos a partir de 1976,
através de uma forte desaceleração da economia e o aumento sem controle da
inflação. Ao quadro de perda da lucratividade do setor produtivo juntou-se um
rápido crescimento do capital financeiro e especulativo, principalmente a partir
do final da década de 70. Economicamente, o Milagre Econômico6 privilegiou
as grandes empresas multinacionais e, embora tenha reduzido a pobreza em
termos absolutos, não o fez em termos relativos, favorecendo a concentração
do capital. Após 1974, os indicadores de qualidade de vida da população
despencaram e o “milagre” cobrou seu preço na área social (SILVA, 1994).
No campo de educação e da formação profissional, as propostas
espelhavam o caráter anti-democratico do governo militar. A política de
expansão das universidades ocorreu ao mesmo tempo em que professores e
estudantes eram presos ou mortos em função de seu posicionamento
ideológico. O combate ao analfabetismo – através do MOBRAL – foi ineficaz
para fazer com que brasileiros, minimamente, aprendessem a ler e a escrever,
até porque, nesta proposta não havia uma preocupação com a educação do
homem em sua totalidade. Dentro dessa concepção política, o MEC firmou, em
1966, um acordo de cooperação com a Agência Norte Americana para o
Desenvolvimento Internacional (AID) com objetivo de reformular o sistema
educacional brasileiro, adaptando-o às necessidades capitalistas e
“aproximando-o do modelo norte-americano”(SOUSA, 2005, p.48).
O Decreto Lei 5.692 de 1971, que institui a profissionalização
compulsória, foi assinado nos anos mais duros da repressão política, sendo
6 Denominação dada ao rápido crescimento econômico ocorrido no Brasil durante os anos de 1968 a 1974, no auge do governo autoritário burocrático.
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que qualquer expressão contrária ao regime militar era violentamente abafada.
Através do Parecer 853/71 do Conselho Federal de Educação, foram definidas
as doutrinas de currículo, que levou à educação a um empobrecimento em
termos de formação geral em nome de uma pretensa profissionalização que
não existiu. A Lei 7.044, de 1982, revogou os dispositivos de profissionalização
compulsória instituídos em 1971.
O agravamento da crise econômica e o mau desempenho na área social
fez emergir, na segunda metade da década de 70, inúmeros movimentos
sociais auto-organizados, por melhores condições de vida, que pautaram suas
lutas em favor da democracia. Além dos sindicatos, que se reorganzaram, a ala
progressista da Igreja e organismos representativos dos setores médios da
sociedade7 tiveram papel fundamental para o fim do regime militar. As grandes
greves de 1978 marcam o reaparecimento em cena da classe trabalhadora, “no
sentido de se colocarem como sujeitos coletivos no processo de luta”,
instituindo os trabalhadores como interlocutores junto ao Estado. (SILVA,
1994). Visto deste ângulo, a transição do governo militar para o civil trouxe
alterações significativas na relação entre capital e trabalho, que se
materializaram na disputa dos interesses de classe no interior do Estado.
Bucaremos, na segunda parte desse trabalho, perceber como essa
disputa se deu nas décadas de 80 e 90, entre as classes sociais e frações de
classes, com poder de participar do debate acerca do projeto de sociedade e
de desenvolvimento mais adequado ao Brasil.
2. Os rearranjos das forças poíticas em disputa: as décadas de 80 e 90.
O período histórico compreendido entre o fim do governo burocrático
autoritário – com a escolha de Tancredo Neves para ocupar a presidência da
República, após 20 anos de governo militar – em janeiro de 1985, e o fim do
primeiro mandato do governo Cardoso, em dezembro de 1998, foi o período
selecionado para o aprofundamento deste estudo. Essa escolha se deu por
considerarmos estas duas décadas muito distintas em termos de
especificidades conjunturais como mostraremos a seguir. Este período marca a
7 Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Assossiação Brasileira de Imprensa (ABI)
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transição de um modelo político ditatorial a um modelo de redemocratização,
com uma mudança significativa na organização e ação da sociedade civil,
trazendo à tona a necessidade de mediação do Estado em favor desta ou
daquela concepção de sociedade e educação.
A questão democrática assumiu centralidade nos debates e nas lutas dos
anos 80, produzindo uma mudança significativa na sociedade civil. Nesse
período, as principais forças vinculadas aos interesses da classe trabalhadora
são: as comunidades eclesiais de base; o Partido dos Trabalhadores, que tem
seu manifesto de criação datado de 10 de fevereiro de1980; a Central Única
dos Trabalhadores (CUT), criada em julho de 1983; e o Movimento dos Sem
Terra, criado em 1984. Também ocorreu o crescimento e fortalecimento de
organismos de classe do capital, principalmente as Confederações Nacionais
da Indústria (CNI) e do Comércio, com a criação dos institutos Euvaldo Lodi
(IEL) e Herbert Levy (IHL). É também nesse período que se dá a Criação da
União Democrática Ruralista (UDR), representante dos interesses da classe
burguesa agrária, principalmente áqueles vinculados à manutenção da posse
da terra, através de latifúndios. (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2006).
O equilíbrio instável das relações entre as forças sociais em disputa ficam
claras no embate entre as frações de classe da burguesia brasileira – industrial,
agrária e financeira – em confronto direto com a heterogênea classe
trabalhadora e os movimentos sociais emergentes. Em poucos anos, estes
movimentos sociais e sindicais desenvolveram maturidade institucional,
fortalecendo as lutas sociais que lhes deram origem, e impondo-se de forma
crítica e propositiva perante a sociedade e o Estado. Enquanto as greves
mostravam o poder organizativo da classe trabalhadora, o agravamento da
crise econômica e a derrota do governo militar nas eleições de 1974, 1978 e
1982 para a oposição, um novo cenário internacional impunha uma
rearticulação dos interesses da classe dominante junto ao Estado.
Dessa conjuntura surgiu a fase de abertura política, que ocorreu
gradualmente desde o final da década de 70 até meados da década de 80,
com a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência da República
(SILVA, 1994). Essa “abertura” foi a maneira encontrada pelo Estado para
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drenar os conflitos e tensões sociais crescentes, acrescentando ao discurso
oficial as promessas de “bem estar-social”. O objetivo era reestabelecer a
aliança de classes e frações de classes, restabelecendo os laços entre grupos
que representavam os interesses do capital dentro da Nova República: uma ala
“conservadora” que representava o capital nacional e internacional, além do
estamento militar; e uma ala “progressista”, mais heterogênea, que
representava os capitalistas modernizadores, os empresários liberais e as
lideranças políticas reformadoras, além de frações da burocracia estatal e
militar (SILVA, 2006).
Alguns representantes da Velha República – entre eles, José Sarney,
Marco Maciel e Antonio Carlos Magalhães – assumiram o novo discurso
democrático, adaptados que estavam ao momento de transição. Isso significa
dizer, que os militares e os civis das classes altas não romperam a composição
que sustentou o regime militar. Através da “Abertura”, as elites nacionais
buscaram soluções conservadoras para as demandas da população, na
tentativa exitosa de manter os privilégios consquistados durante os anos do
regime militar. Através desse processo lento e gradual, a burguesia pode
assegurar uma transição segura, sem ruptura com a ordem anterior.
“Tanto a forma indireta de eleição quanto os perfis dos candidatos explicitam o teor conservador emblemático da natureza da transição “democrática”. Tancredo Neves, um político historicamente hábil na artimanha de “conciliação, consenso, negociação e entendimento”, acima referidos, no rearranjo do poder das elites dominantes. Arte de mudar, conservando, agora em mãos de civis. José Sarney, figura também hábil, oriunda das oligarquias nordestinas e que presidiu o maior partido (ARENA) que deu à ditadura o disfarce de um parlamento em funcionamento.” (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2006, p.37 – grifo nosso)
Em relação à educação, a partir da Lei 7.044/82 – que revogou a
profissionalização compulsória – a Educação Profissional pública restringiu-se
à preparação do aluno para o exercício de atividades produtivas de pouca
qualificação, em algumas instituições especializadas. As escolas de segundo
grau voltaram a oferecer somente conteúdos acadêmicos (SOUSA, 2005).
O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986-1989)
16
teve como foco “o combate à pobreza” e a necessidade de reorganizar a
realidade socioeconômica, através da recuperação do salário real, a alocação
de investimentos, a elaboração de programas sociais e propostas de
descentralização através da municipalização. Foi uma “conciliação pelo alto”,
na qual o setor privado papel teria destaque na retomada do desenvolvimento,
limitando o Estado à prestação dos serviços públicos essenciais. Para a
educação estabeleceu programas voltados para a universalização do primeiro
grau e a melhoria e expansão do segundo grau, com destaque para as ações
de redução do número de analfabetos (SILVA, 2006)
A segunda metade da década de 80 é marcada por uma intensa crise
econômica. A inflação desenfreada, o processo de estagflação8, o aumento do
desemprego e do endividamento interno e externo surgem como efeitos
colaterais do “milagre brasileiro”. Muitas medidas buscaram conter a inflação,
mas acabaram privilegiando as grandes empresas, com aumento da pobreza e
da desigual distribuição de renda. Entre elas, temos os planos econômicos de
estabilização que foram um grande fracasso em termos de controle da inflação
e equidade na distribuição da riqueza nacional.
É nesse contexto que a Constituição de 1988 é gestada, a partir de um
“processo de divórcio entre as instituições políticas e a população” (SILVA,
2006, p.20). A nova Carta, embora garantisse uma ampliação do escopo de
direitos sociais dos trabalhadores, foi aleijada através das leis que
posteriormente a regulamentou.
A candidatura de vários empresários á Assembléia Constituinte
possibilitou a reprodução de seus interesses de classe nas reformas das
normas legais que formam a Constituição, o que ampliou as contradições
sociais presentes em tal documento (OLIVEIRA, 2002a). Buscou-se, através de
um novo vocabulário, afirmar uma diferença entre a “nova” República e o velho
regime militar. Entretanto, “não existem diferenças fundamentais” já que estas
se restringiam ao uso de novas palavras para designar velhas práticas. Esse
novo vocabulário que incluía as idéias de pacto social, conciliação,
8 Processo que une uma situação de hiperinflação com recessão econômica.
17
modernização e participação, serviu para o “contínuo processo de cooptação
dos movimentos sociais” (SILVA, 2006, p.21). A partir desse novo discurso, o
planejamento governamental foi apresentado como uma peça meramente
técnica, numa tentativa de desarticular as questões “técnicas” das políticas,
desmobilizando a população e os movimentos sociais (OLIVEIRA, 2002a).
As instituições representantes do capital9 reunem-se para redefinir o
papel do capital no desenvolvimento nacional. O discurso ecoou homogêneo,
tanto que em documento do IEDI, os empresários chamaram para si a
responsabilidade de formulação de um projeto de desenvolvimento nacional, a
partir do novo paradigma tecnológico. O empresariado defendia um lugar de
protagonismo na elaboraçã de um projeto de desenvolvimento para o país. Em
muitos outros documentos, a classe capitalista indicou sua intensão de
participar mais efetivamente da gestão da educação, através do Estado. No
documento “Competitividade industrial: uma estratégia para o Brasil” de maio
de 1988, a CNI sugeriu que, para o alcance de maior competitividade, seria
necessário maior produtividade e eficiência da indústria. Defendiam que o
“distanciamento entre o sistema educacional e as exigências do setor
produtivo” imputava ao país um papel secundário na economia nacional
(OLIVEIRA, 2002a, p.6).
Em 1989, a FIESP lançou o documento “Livre para Crescer: proposta
para o Brasil moderno” que, entre outras medidas, propõe uma política de
formação de “capital humano” a partir da análise das transformações na
economia mundial. Nele, a proposta do empresariado nacional para um plano
de desenvolvimento era balizada pelo regime de mercado, em busca de maior
participação na globalização econômica (SILVA, 2006; OLIVEIRA, 2002a).
O movimento sindical também se organizava em busca de produzir um
discurso hegemônico que representasse os interesses da classe trabalhadora
junto ao Estado nacional. A CUT realizou seu primeiro Congresso (CONCUT)
em agosto de 1984 no qual não haviam propostas para a Educação. Percebe-
se também que o foco dos debates se manteve na redemocratização do país,
9 União Brasileira de Empresários (UBE); Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE); Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI); Institutos Liberais (ILs)
18
sendo que a educação aparecia somente nas referências feitas à defesa dos
direitos sociais universais. Também no segundo e terceiro Congressos da CUT
(respectivamente em agosto de 1986 e setembro de 1988), vemos que se
repetiu a fórmula do discurso macro generalizante, para o qual a educação
aparece de forma ampla, como um direito social. Não há referências sobre o
papel que caberia a cada um dos segmentos sociais – sindicatos, iniciativa
privida e Estado – para a elaboração e gestão de um projeto educacional para
o Brasil (SOUZA, 2001; CUT, Cadernos de Resoluções). É interessante
destacar que, em 1985, a CUT criou a Comissão Nacional de Tecnologia e
Automação (CNTA) vinculada à Secretaria de Política Sindical, com vistas a
intensificar debate sobre tecnologia e sua relação com o trabalho e a
educação. Indicava com isso a percepção de uma relaçnao mecânica entre
automação e desqualificação do trabalhador, conquanto estes não estivesem
no controle da produção dessas novas tecnologias (DELUIZ, 1997).
No cenário internacional, os países ricos se organizaram e estabeleceram
uma agenda para manter sua posição hegemônica em relação aos paises em
desevolvimento. Essa agenda foi imposta aos países devedores através de um
receituário de recomendações elaboradas por economistas de instituições
financeiras americanas (principalmente FMI e Banco Mundial) e ficou
conhecida como “Consenso de Washington” (1989). Entre as recomendações
encontramos a defesa da redução dos gastos públicos, através da privatização
das empresas estatais e da reforma tributária; a desregulamentação do
mercado interno; e a implementação de uma economia de mercado com
câmbio livre e abertura comercial. Disso decorreu uma separação dos planos
econômicos e social no planejamento governamental, resultando no
agravamento das condições de pobreza dos trabalhadores – com o
crescimento do desemprego e subemprego – e na necessidade de adoção de
políticas focais e de alívio à pobreza ( principalmente no governo Sarney).
O ano de 1989, no Brasil, marcou a eleição de Fernando Collor de Mello –
primeiro presidente eleito por voto direto após o regime militar – que adotou
uma política econômica de abertura do mercado nacional às importações e
iniciou o Programa Nacional de Desestatização. Em 1992, o presidente Collor
19
de Melo sofreu impeachment, envolvido em acusações de corrupção. O vice
Itamar Franco assumiu a presidência do Brasil, onde ficou de 1992 a 1995. Em
seu governo desenvolveu-se um novo plano de estabilização econômica, o
Plano Real (1993), idealizado por Fernando Henrique Cardoso, então Ministro
da Fazenda. O principal objetivo era controlar a hiperinflação através de uma
política monetária restritiva, a desindexação da Economia e um forte ajuste
fiscal. Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, o
empresariado nacional reafirmou sua “associação subordinada aos centros
hegemônicos do capitalismo” (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2006:30).
O início dos anos 90 marcou uma nova posição da CUT em relação á
educação dos trabalhadores, a partir da defesa da escola unitária, de caráter
politécnico, que visava uma formação omnilateral do homem. Essa concepção
apresentada pela CUT ia em contraposição à concepção defendida pelos
empresários ligados à FIESP e ao CNI, de caráter tecnicista e dogmática.
Entretanto, adequando-se ao debate central à época, o IV Congresso limitou-
se a discutir o destino e gestão das verbas públicas para a educação. Somente
no V CONCUT, em 1994, houve uma posição mais firme a respeito da
educação profissional e seu papel estratégico para superação do
desenvolvimento dependente de nossa economia. A classe trabalhadora
assumiu a defesa da Formação Profissional compreendendo-a como “parte de
um projeto global e emancipador” com vistas a radicalização da democracia
(SOUZA, 2001, p.8).
Em junho de 1992, o Fórum Capital/Trabalho, posibilitou uma tentativa de
articulação de empresários e trabalhadores em torno dos temas relativos á
educação, ciência e tecnologia. A “Carta Educação”, discutida no Fórum,
enfatizou a necessidade da modernização produtiva vir acompanhada da
universalização da educação fundamental, sendo que tanto as empresas
quanto os sindicatos eram responsáveis pela recuperação educacional da força
de trabalho (DELUIZ, 1997).
Os empresários mantinham sua ofensiva ideológica e, em 1992, a CNI
lançou o documento “Rumo à estabilidade e ao crescimento” no qual indicou a
reformulação do Estado brasileiro como único caminho para a recuperação da
20
economia brasileira, possibilitando ao capital nacional á disputa de novos
mercados e á busca da competitividade internacional. Outra publicação da CNI,
de 1994, apontava para a necessidade de “um ambiente econômico favorável
ao aumento da produtividade”, através de uma profunda “transformação
qualitativa do sistema educacional” (OLIVEIRA, 2002a:4). Também no
documento “Emprego na indústria”, de 1997, a CNI apresentou como estratégia
para redução do desemprego, a flexibilização do mercado de trabalho, com
redução do custo da “mão-de-obra”. Defendeu o investimento em educação, a
partir do pressuposto de que a escolarização da população tem reflexos na
criação de novos empregos, ou seja, na “empregabilidade” do trabalhador,
aproveitando para responsabilizar as transformações da economia
internacional pela diminuição dos postos de trabalho. (OLIVEIRA, 2002a)
Em documento do IHL em parceria com a Fundação Bradesco, de 1992, o
empresariado afirmou a necessidade do Estado investir em novas qualificações
para os trabalhadores para que estes acompanhem as mudanças no setor
produtivo. Em outro documento de 1995, “Modernização das relações de
trabalho”, a CNI, apresenta as propostas dos empresários para a flexibilização
das relações trabalhistas. A partir da concepção defendida pelos
representantes do capital, a empregabilidade se restringiria á aquisição de
novas competências, ignorando às contradições sociais da relação entre
emprego e educação. Buscavam enquadrar ideologicamente o trabalhador
brasileiro às novas necessidades do modelo de produção e acumulação
flexível, instituindo um outro patamar para a acumulação e valorização do
capital (OLIVEIRA, 2002a).
Em 1996, o Ministro Paulo Renato, encaminhou ao Congresso o Projeto
de Lei (PL) 1603 que criou um sistema de Educação Profissional em separado
da educação geral, com distintos níveis de atendimento: o Sistema Nacional de
Educação Profissional – SNEP (KUENZER, 1997).
Para Kuenzer, as reformas implementadas na segunda metade da
década de 90, reintroduziram a velha dualidade entre educação geral e
educação profissinal nas politicas educacionais. A autora demostra, através do
debate em torno dessa PL (que colocou-se à frente das discussões em trâmite
21
para a elaboração da nova LDB), o debate técnico e político acerca das
distintas concepções em disputa no interior do Estado brasileiro. Essas
diferentes concepções estavam representadas pela Secretaria de Formação e
Departamento Profissional (SEFOR) – ligada ao Ministério do Trabalho (MTb) –
e a Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC) – ligada ao
Ministério da Educação e Cultura. Esse PL surgiu como uma tentativa de
síntese de concepções diferentes, na busca de acomodar seus interesses dos
diversos grupos que apoiavam o governo. O resultado foi uma síntese confusa
de duas concepções sobre Educação Profissional: a do MTb que defendia a
“retirada da formação acadêmica da educação tecnológica”; e a do MEC que
propunha a “superação da distinção entre educação geral e especial”, a partir
de uma base comum nacional por áreas de conhecimento, complementada
pela educação técnica estruturada e modular (KUENZER, 1997, p.81).
As discussões ocorreram sem a participação propositiva de professores,
consultores, acadêmicos especialistas, ou outros segmentos sociais. Podemos
dizer que o PL 1603/96 representou o acordo do MEC com o Banco Mundial.
Ou seja, foi somente um ajuste normativo em cumprimento aos termos
acordados para o financiamento externo dos projetos educacionais do governo
FHC. Projetos estes que seguiam rigorosamente as orientações e
pressupostos do Banco Mundial. Entre os pressupostos da política educacional
do Banco Mundial que condicionavam os financiamentos temos, o investimento
prioritário na ensino fundamental; a oferta de cursos pós-médios e de ensino à
distância; a separação do acadêmico com o profissional, que torna a Educação
Profissional mais atrativa para o setor privado; a diversificação do
financiamento das instituições educacionais, através da prestação de serviços
contratados pelas indústrias e a oferta de cursos pagos, dentro da lógica da
mercadoria e fomento através de incentivos financeiros à oferta de cursos
privados (KUENZER, 1997). Essa concepção de Educação Profissional
desvinculada da educação básica, economicista e a-crítica em relação ás
questões sociais, estava articulada aos interesses industriais. Vale dizer que o
empresariado nacional sempre demostrou sua intensão de participar da gestão
da educação brasileira, tanto que o presidente da CNI, Albano Franco, em
22
discurso realizado à época, reafirmou a importância do empresariado investir
na educacao básica, para que a mesma, articulada ao ensino profissionalizante
formasse a “mão-de-obra” qualificada que a indústria brasileira necessitava.
(OLIVEIRA, 2002a). O capital, que buscava à época, novas formas de
gerenciamento da produção – para a superação do esgotamento do modelo
fordista-taylorista – apontou para a necessidade de investimento na formação
de novos trabalhadores, com novos comportamentos e maior envolvimento
com a produção. Essa era uma forma de cooptação da força de trabalho, sobre
a qual era imposto um número cada vez maior de responsabilidades e
exigências educacionais (polivalência).
Corrente a isso, outras propostas surgiram para a educação brasileira.
Com o documento intitulado “Contribuição à elaboração da nova Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional: Um início de conversa”, o
deputado Otavio Elisio – a partir do discurso proferido por Demerval Saviani na
XI Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Educação (ANPEd) – defendeu a concepção de educação politécnica como o
horizonte de debate para a nova LDB (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2006).
“A educação da classe trabalhadora deve ser concebida enquanto uma ação humana de caráter técnico-politico inerente ao processo de ampliação da maquinaria e da democracia” (SOUZA, 2001, p.2)
Entretanto, a CUT em seu VI Congresso (1997), “em vez de avançar a
discussão acerca da escola unitária”, centrou suas discussões nas críticas ao
governo Cardoso e em sua orientação neoliberal. No texto em anexo ás
resoluções do Congresso – com o qual adiou o debate sobre educação para
sua próxima Plenária Nacional, em 1999 – percebe-se um retrocesso do
discurso sindical à dualidade educacional brasileira. Isso ocorreu na
apresentação que fazeram do tema educação, seprando os temas Educação e
Formação Profissional, em contradição as deliberações do V CONCUT, na qual
afirmavam a unicidade da formação humana (SOUZA, 2001, p.10).
Os debates em torno da elaboração da nova LDB contou com uma forte
mobilização da sociedade civil vinculada aos interesses dos trabalhadores. O
projeto de LDB proposto pelo senador Darcy Ribeiro, em substituição ao
23
projeto debatido e aprovado junto á sociedade, foi aprovado em 1997, após
diversas emendas. Dessa maneira, a nova LDB assumiu um caráter
minimalista, “adequado às reformas estruturais orientadas pelas leis do
Mercado” (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2006, p.47). É importante frisar que o
termo Educação Profissional foi cunhado por essa nova LDB, partindo de uma
concepção ampliada de educação, em oposição ao conceito de formação
profissional, em seu sentido mais estrito. Ainda em 1997, o Executivo buscou
livrar-se das resistências da sociedade ao seu projeto de uma educação
profissional ligada diretamente à formação intensiva de mão-de-obra, mediante
a publicação do Decreto 2.208, de 1997. Enquanto os trabalhadores
reivindicavam uma educação profissional articulada à elevação da
escolaridade, o governo Cardoso – dentro da concepcão da relação entre
educação e sociedade defendida pela “ótica do capital” – impôs sobre toda a
sociedade a separação total entre educação geral e formação profissional,
através de um sistema fragmentadoe recheado de ambiquidades
terminológicas. Também permitiu ao Sistema S ampliar sua função privatista e
seletiva, minimizando sua função social.
Em 1999, em sua 9º Plenária Nacional, a CUT apresentou uma proposta
para a Educação Profissional, na qual a formação para o trabalho passou a ser
tratada como parte das políticas de trabalho e emprego. Embora ratificasse a
dualidade que surgiu no VI CONCUT, ao considerar a educação profissional
como algo separado da educação básica, pela primeira vez a classe
trabalhadora se apresentou para disputar – dentro do Estado – “os rumos das
necessárias mudanças que precisam ocorrer nessa área” (Resoluções da IX
Plenária Nacional da CUT apud SOUZA, 2001, p.11).
3. A “modernização do arcaico” nas políticas educacionais brasileiras
Buscou-se na história política do Brasil, alguns exemplos de como as
diferentes concepções e finalidades da Educação Profissional – atendendo aos
interesses de classe – dialogaram em busca de arranjos políticos no interior do
Estado. Através desse percurso histórico, pudemos verificar que “as reformas
administrativas e educacionais são respostas atrasadas às demandas
24
colocadas pela prática social” (SILVA, 2006:4). Também verificou-se que as
iniciativas de expansão e valorização dessa modalidade de ensino estiveram
permeadas de contradições.
As reformas implementadas na década de 90, reafirmaram a dualidade da
educação brasileira, através da separação entre as vertentes técnica e
acadêmica da educação. Afirmaram – de acordo com a concepção do capital –
a existência de dois tipos diferentes de conhecimentos: os acadêmicos,
voltados a teoria, e os técnicos ou tecnológicos, relacionados ao trabalho,
portanto mais modernos e úteis. Essa idéia de um ensino profissional limitado,
estreito e fragmentado, como implementado na década de 90, é anacrônica e
“própria dos anos 50”, como bem enfatiza Kuenzer (1997, p. 91). Esse
discurso, carregado de preconceitos, afirma que nem todos tem competência
acadêmica necessária para a continuação dos estudos, cabendo a estes a
inserção precoce no mercado de trabalho. Explicita assim, uma concepção da
relação entre sociedade e educação que mantém a estrutura desigual,
baseada em privilégios de classe, que caracteriza nossa formação social.
Muito embora tenha ocorrido avanços significativos em termos de
representatividade da classe trabalhadora junto ao Estado, novas formas de
articulação dos interesses do capital nacional e internacional condicionaram o
desenvolvimento nacional á manutenção da hegemonia do capital,
principalmente no que diz respeito as reformas da Educação Profissional.
Assim, como em outros períodos históricos, o empresariado nacional foi
como cúmplice do projeto de desenvolvimento adotado ao final dos anos 80 e
nos anos 90, numa subsunção da democracia pelas relações de mercado.
Oliveira (2002a) sugere que as características dos empresários brasileiros –
investir em trabalhadores com pouca qualificação a fim de baratear os custos
da força de trabalho; aproveitar-se das relações clientelistas que mantém com
o Estado; não investir em pesquisa – levou-os a buscar trabalhadores
multifuncionais, o que difere muito de um trabalhador com formação integral.
Através dos conceitos de competências e empregabilidade – que imputam
aos indivíduos um problema que pertence ao sistema capitalista – as elites
justificaram o desemprego crescente, resultado do padrão de desenvolvimento
25
adotado no governo Cardoso, que mostrou-se incapaz de gerar novos
empregos e postos de trabalho. Cada época gera suas ideologias de
dominação, já que “diferentes sujeitos sociais tem interesses específicos na
formação para o trabalho” (MEC, 2003, p.3).
Consideramos que, na reafirmação e consolidação da concepção liberal,
de caráter economicista, que se impôs a sociedade na última década do século
XX, está um bom exemplo das reformas políticas de caráter conservador que
conduziu a maior parte da organização educacional brasileira. As elites
nacionais mantiveram as estruturas sociais de poder de nossa sociedade,
através de uma relação consentida de vinculação associada e subordinada da
burguesia nacional aos centros hegemônicos do capital mundial. Percebeu-se
também que, quando a classe trabalhadora direcionou as suas lutas para o
interior do Estado, acabou participando exclusivamente da reorganização do
poder entre as classes dominantes, num processo de revolução passiva como
denominado por Gramsci.
Através da resistência orgânica dos aparelhos de hegemonia do capital ,
ficou evidente a mentalidade empresarial brasileira, que buscou somente uma
‘modernização conservadora’ ou uma ‘modernização do arcaico’. Através da
história do sistema educacional do Brasil foi possível verificar o esforço
empreendido pelas elites em “mudar para conservar”, garantindo os interesses
dos diferentes grupos ou frações da classe capitalista, agora rearticulados, na
inserção “como sócio dependente, heterônomo e consumidor, sem condições
de negociar” (KUENZER, 1997, p.87) na economia mundializada.
“o empresariado adentra as diversas esferas estatais buscando otimizar, através de políticas governamentais, os caminhos que assegurem a legitimação de seus interesses, bem como a confecção de um padrão ético, político e social garantidor da sua hegemonia, obscurecendo outras concepções de desenvolvimento gestadas no interior da sociedade.” (OLIVEIRA, 2002a, p.1)
Assim, é possível afirmar que as reformas educacionais da década de
1990 redefiram o jogo de forças e reeditaram o conservadorismo, com
resultados negativos para o país, sentidos através do aprofundamento da
desigualdade e da exclusão social brasileira.
26
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