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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PESQUISA
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC: CNPq, CNPq/AF,
UFPA, UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PARD, PIAD, PIBIT, PADRC E FAPESPA
RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO
Período: 01/08/2014 a 31/07/2015
( ) PARCIAL
( x ) FINAL
IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO
Título do Projeto de Pesquisa: UMA EDUCAÇÃO NO DORSO DO TIGRE:
LITERATURA E EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS.
Nome da Orientadora: Gilcilene Dias da Costa
Titulação da Orientadora: Doutorado em Educação
Faculdade: Faculdade de Linguagem
Instituto/Núcleo: Campus Universitário do Tocantins/Cametá/UFPA
Título do Plano de Trabalho: Sentidos e experiências de Leitura no ensaio “Sobre a
Leitura”, de Marcel Proust.
Nome da Bolsista: Jessé Pinto Campos
Tipo de Bolsa: ( ) PIBIC/CNPq
( ) PIBIC/UFPA
(X) PIBIC/INTERIOR
( ) PIBIC/FAPESPA
( ) PRODOUTOR
( ) PARD – renovação
( ) PIBIC/PIAD
( ) PIBIC/AF-CNPq
( ) PIBIC/AF-UFPA
( ) PIBITI
( ) PADRC
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RESUMO
CAMPOS, Jessé Pinto. Sentidos e experiências de Leitura no ensaio “Sobre a Leitura”, de
Marcel Proust. Relatório Final Técnico-Científico de Pesquisa. Universidade Federal do
Pará/Campus Universitário do Tocantins/Cametá.
A presente pesquisa discute o tema da Leitura configurado no ensaio "Sobre a
Leitura", de Marcel Proust (literato parisiense que nasceu em 1871 e morreu em 1922). O
contexto de surgimento da obra data de 1905, momento em que o autor escreveu um prefácio
para a tradução de um livro, e dado tão belo elogio da leitura, o ensaio ganhou status de um
livro: “Sobre a Leitura”. Sabemos que a leitura constitui um dos canais de acesso ao universo
literário e de interação social em diferentes contextos e situações de linguagem. E embora a
leitura constitua uma atividade educativa transversal que perpassa as diferentes áreas do
conhecimento no meio escolar, acadêmico e vida social, infelizmente ela não vem sendo
desenvolvida e incentivada satisfatoriamente desde tenra idade do educando, ocasionando
sérias implicações para o processo de aprendizagem em sua trajetória de escolarização e
aspectos da vida cotidiana. Assim, a pesquisa objetiva espreitar o universo literário proustiano
pelo viés da leitura, a fim de perscrutar experiências de leitura que nos levem a pensar por um
novo ângulo os sentidos e significados do ler. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de
cunho teórico, pautada nas ressonâncias do pensamento de Marcel PROUST (2011) e dos
estudos sobre leitura e experiências formativas presentes no pensamento de NIETZSCHE
(2001; 2003; 2011); LARROSA (2000; 2002; 2004); COSTA (2008; 2013). Na análise da
obra Sobre a Leitura, as memórias da infância de Proust são evocadas para dialogar com um
pensamento que caminha rumo ao universo desconhecido dos sentidos da leitura, muito além
do “utilitarismo”, fazendo reverberar instigantes ressonâncias para uma perspectiva fruidora e
formativa da leitura em suas múltiplas dimensões na educação.
Palavras-chave: Leitura; Sentidos; Experiências Formativas; Marcel Proust;
INTRODUÇÃO
O presente relatório final de iniciação científica, intitulado “Sentidos e experiências
de leitura no ensaio “Sobre a Leitura” de Marcel Proust”, desenvolvido pelo aluno-
bolsista Jessé Pinto Campos, Curso de Letras – Língua Inglesa, Turma de 2011, Faculdade de
Linguagem, Campus Universitário do Tocantins/Cametá, nasceu do arcabouço teórico
discutido dentro do Projeto de Pesquisa “Uma Educação no dorso do tigre: Literatura e
Experiências Formativas”, coordenado pela Professora Dr.ª Gilcilene Dias da Costa,
Faculdade de Linguagem/CUNTINS, com o intuito de discutir uma perspectiva de leitura por
novas (re)significações presentes no pensamento proustiano.
O estudo parte da consideração de que a leitura constitui um dos canais de acesso ao
universo literário e de interação social em diferentes contextos e situações de linguagem. E
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embora a leitura constitua uma atividade educativa transversal que perpassa as diferentes
áreas do conhecimento no meio escolar, acadêmico e vida social, infelizmente ela não vem
sendo desenvolvida e incentivada satisfatoriamente desde tenra idade do educando,
ocasionando sérias implicações para o processo de aprendizagem em sua trajetória de
escolarização e aspectos da vida cotidiana.
O estudo buscou aproximar as teorias que permeiam o campo da Filosofia da
Linguagem e Literatura, a fim de discutir a atividade da leitura com foco nas sensações e
experiências de interação texto-leitor, na concepção de leitura como fruição e prazer, pois,
muito se tem acreditado que o ler se faz no sentido de decifrar códigos da língua e suas
verdades absolutas, tendo em vista o direcionamento que o processo de ensino propõe.
Inicialmente a aquisição cognitiva do ler nos conduz ao limite da pronúncia das
palavras preexistentes, em outras palavras, essa primeira aventura no ler pouco passa pela
apropriação, todavia, enraízam sentidos, mesmo que ainda vagos dessa alteridade constitutiva
da linguagem; temos então, nesse primeiro contato, uma dicotomia entre sentido e som,
possivelmente ocasionado pela preparação silábica que somos expostos.
Nesta formação inicial do leitor o sentido e a experiência permanecem no limite de sua
experiência, ou seja, não vai além da busca do sentido. Nessa busca, chegará o momento em
que o primeiro leitor irá utilizar as técnicas de instrumentalização da leitura para se tornar um
“leitor competente” aos olhos da sociedade na qual está inserido, ou seja, este “leitor que sabe
ler em geral” produz sons e compreende sentidos pré-determinados.
Esta é a ideia que temos de um leitor competente, porém, deve-se ter em mente que o
ensino ou até mesmo a leitura requer um leitor capaz de pensar enquanto lê, um leitor com
qualidade de formação, deste modo, a pesquisa se prontificou a tentar discutir o
posicionamento do leitor enquanto leitura e experiência do ler, entretanto, não se trarão
verdades absolutas, pois nosso foco não é criar um perfil de “leitor crente” ou “leitor ideal”,
pelo contrário, é dar a pensar o ler como relação do leitor em “direção ao desconhecido”, para
que possamos vislumbrar a relação dos sentidos e da experiência da leitura a partir das
memórias e sensações oriundas das ressonâncias da leitura proustiana.
Desse modo, e considerando a importância em aprofundar estudos e perspectivas
sobre a leitura que sinalizem suas ressonâncias em todos os aspectos da vida estudantil e
social, o presente plano de trabalho visa espreitar o universo literário proustiano pelo viés da
leitura, buscando analisar sentidos e experiências da formação singular do leitor Proust que
nos leve a (re)pensar a atividade da leitura relacionada aos aspectos da formação do leitor em
suas múltiplas dimensões. Para tanto, levantamos alguns questionamentos sobre a temática:
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Qual o papel da leitura na sociedade atual?
Que entendimentos construímos em torno dos significados da leitura?
Em que sentido dizemos que somos “leitores competentes”?
Que sentidos e experiências de leitura a obra de Proust nos proporciona?
Consoante com as questões acima levantadas e do diálogo com o arcabouço teórico da
pesquisa, acreditamos que a análise da obra “Sobre a leitura” valora e incentiva um novo
olhar sobre a leitura, ao mesmo tempo, desafiador e atual, pois apresenta um contexto
histórico do início século XIX com um alto grau de atualidade e ressonâncias com os
processos educacionais em nossos dias. Trata-se, pois, de um estudo de grande relevância ao
meio acadêmico e perspectivas sobre leitura, em diálogo com a filosofia e a literatura, cujas
ressonâncias nos levam a pensar a importância da leitura como atividade formativa para além
do “utilitarismo” e da voracidade do tempo que consome nossa educação.
OBJETIVOS
Apresentamos, abaixo, os objetivos trabalhados no plano de pesquisa:
Interpretar e analisar sentidos e experiências de leitura no ensaio “Sobre a Leitura”, de
Marcel Proust, em articulação aos processos de formação do leitor;
Interligar os campos da literatura e da educação pelo viés da leitura nos estudos da
linguagem;
MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa centrou-se em uma pesquisa bibliográfica, no intuito de pensar o ato de
ler como atividade formativa que se dá na experiência da leitura, perscrutando os significados
usuais da leitura, indo em direção aos sentidos da leitura emanados da experiência formativa
do escritor Marcel Proust, para assim vislumbrar as relações que se tecem entre leitor e
leitura. Seguidamente, a pesquisa estabeleceu conexões entre leitor-leitura, discutindo a
leitura como experiência formativa que transforma o leitor por meio de sensações e interações
com o texto; deste modo, buscamos autores que se aproximam da perspectiva proustiana de
leitura, a fim de ressignificar os sentidos da leitura em suas experiências e ressonâncias, sob
esse ponto de vista.
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Assim, utilizamos algumas obras de cunho autobiográfico sobre a vida e a obra de
Proust e outras que discutem o contato com a leitura, sentidos e experiências: o ensaio de
Marcel PROUST “Sobre a leitura” (2011), com objetivo de perscrutar a leitura como
experiência formativa do leitor; e os ensaios de Jorge LARROSA, respectivamente, “Ler em
direção ao desconhecido. Ou, para além da Hermenêutica” (2002) e “Ensaios Pedagógicos”
(2004); Friedrich NIETZSCHE em “A Gaia Ciência” (2001), “Escritos sobre Educação”
(2003), “Assim Falou Zaratustra” (2011); Gilcilene COSTA em “Trilogia antropofágica [a
educação como devoração]” (2008). Em suma, estas foram as veredas principais deste
trabalho que caminhou em busca da figura (proustiana) do leitor enquanto experiência
formativa e seus sentidos, com o intuito promover um pensar da leitura para além dos seus
sentidos usuais ou “utilitários”, a fim de renovar a educação.
O próximo passo foi organizar o material de análise selecionando os conceitos
estudados nos primeiros meses de pesquisa e sistematizando-os na forma de relatório parcial
de pesquisa, sob a supervisão e auxílio da professora-orientadora do projeto, com a emissão
de seu parecer de avaliação e encaminhamentos aos órgãos competentes da UFPA, para
ciência e divulgação necessárias. O foco das análises deu-se inicialmente na contextualização
da obra e biografia do autor, em seguida buscou-se pensar em ressignificar os conceitos de
leitura com base no Pensamento da Diferença sustentado por Nietzsche, Larrosa e Costa para
que pudéssemos desterritorializar a leitura, com intuito de vislumbrar uma leitura como
convite ao “desconhecido”, desta forma, seguimos ao encontro do universo proustiano da
leitura, onde pertencemos às suas memórias construídas na infância e experiências singulares
que dão o que pensar à nossa formação.
RESULTADOS
I. MARCEL PROUST: VIDA E OBRA
Marcel Proust (literato parisiense que nasceu em 1871 e morreu em 1922), filho de
Louis Proust e Jane Weil, nascido em família burguesa, viveu na infância em escolas de
prestigio, convivendo com sua saúde frágil, decorrente da asma, o que não impediu de servir
um ano no serviço militar. Em sua formação acadêmica, chegou a matricular-se na Escola de
Direito e na Escola de Ciências Políticas, entretanto, acabou por se licenciar em Letras na
Sorbonne. Entre outras áreas de atuação, Proust flertou pelo Jornalismo, onde fundou a revista
Le Banquet (O Banquete); neste mesmo período publicou alguns textos em periódicos.
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Proust ainda escreveu poesia em prosa e pequenos relatos, posteriormente, compilados
no prefácio organizado por Anatole France, intitulado, Les plaisirs et le jours (O prazer e os
dias), por estes escritos ganhou reputação de “mundano”. Em 1895, iniciou um romance
autobiográfico, que deixou inacabado, publicado postumamente em 1952, chamado Jean
Santeuil, considerado um esboço daquela que seria sua grande obra, À la recherche du temps
perdu (Em busca do tempo perdido).
A morte do seu pai (1903) e de sua mãe (1905) tiveram um papel decisivo na
formação de Proust como escritor, mudanças que refletiram em sua postura de vida. Com a
morte do seu pai, tornara-se mais frequente a presença de Proust nos círculos da sociedade
parisiense, entretanto, a morte de sua mãe fez com que ele se afastasse das atividades sociais,
ambas as mudanças modificaram-no profundamente. Decorrente de sua condição frágil de
saúde, Proust precisou passar uma temporada em uma casa de saúde, suas crises asmáticas
tornaram-se frequentes, o que o obrigava a viver quase em reclusão total. Proust instalou-se
no apartamento dos pais, no Boulevard Haussmann, onde mandou preparar o seu famoso
quarto com paredes revestidas de cortinas para reduzir a propagação de ruídos.
Em meados de 1908 os primeiros esboços do que mais tarde seria “Em busca do
tempo perdido” multiplicaram, todavia, o projeto ainda procurava uma forma, foi só entre o
período de 1913 a 1927 que ganhou concretude, o primeiro livro publicado foi Du côté de
Chez Swann (A caminho de Swann), após três tentativas de publicações. Rejeitado até pela
reputadíssima editora Gallimard, que reconheceu seu erro e comprou os diretos das suas
obras, Proust tornou-se um escritor conhecido e reconhecido, sobretudo depois que À l’ombre
des jeunes filles en fleur (À Sombra das Raparigas em Flor) ganhou o prêmio Goncourt, em
novembro de 1919. Apesar do agravo de sua doença e da ameaça de morte latente, não foi
motivo para Proust abandonar suas atividades mundanas e literárias. Proust foi nomeado
Cavalheiro da Legião da Honra e chegou a pensar na Academia Francesa de Letras.
Entre os anos de 1920 e 1921 foi publicada a primeira parte do livro Sodoma e
Gomorra que só teve sua segunda parte publicada em 1922, quando Proust teria confiado à
Celeste (sua célebre governanta, que cuidou dele até a morte em abril do mesmo ano).
II. A LEITURA E SEUS SENTIDOS
A leitura que fazemos nos dias atuais constrói-se em nossas manifestações sociais,
desta forma, o ler passa a ser amplamente difundido como a interação entre texto e leitor, pela
qual, ao ver da sociedade um leitor competente é aquele que se apropria das mais variadas
formas de leitura; este é o leitor nato, o que compreende tudo muito bem, e o que tem
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conceito pronto de tudo; é um intelectual enciclopedista (NIETZSCHE, 2002). Aqui veremos
um pouco do ler dentro do imaginário construído na sociedade, problematizando o
entendimento da leitura em seus significados usuais, suas limitações, mas também, como
desejo, obscuridade, dispersão... que explanaremos pelo pensamento de Larrosa, autor que
traz em seu corpo teórico acenos do pensamento nietzschiano. Assim, buscamos discutir as
interações e sensações provocadas no leitor pelo percurso da leitura, com propósito de
descortinar a leitura como experiência formativa no leitor.
a. Leitura: sentidos, significados.
Quando se pensa em ler qual é a ideia que nos surge? Se refletirmos a leitura nos dias
atuais, acabaremos presenciando o contanto dela com prazer? Pelo pensamento de Nietzsche
compactuaremos com a concepção de que a leitura em seu sentido usual se tornou uma
mercadoria a ser exibida, no qual o ter lido ou conhecer resumidamente o enredo da história
implica status, um ganho imediato, deste modo, “o „leitor moderno‟ já não têm tempo para
esbanjar em atividades que demorem, cujos fins não se veem com clareza, e das quais não
podem colher imediatamente os resultados”. (LARROSA, 2002, p. 14) pois para o
“profissional da leitura” ler é mera produção, orientado diríamos, ao próximo artigo, a
próxima resenha, ao próximo livro... são esses leitores “produtores” que leem apressados, que
preferem se guiar por ideias prontas, do que ruminar suas próprias, e esquecem que a “leitura
é algo ao qual cada um deve se aplicar com lentidão” (LARROSA, 2002, p.14).
Já começamos a ver um perfil do leitor que pertence à leitura como a
compreendemos usualmente, entretanto, nosso foco não é o leitor, mas falar da leitura, sem o
leitor, é retirar dela seu expectador principal, em alguns momentos divagaremos tanto pelo
leitor, quanto pelo ato de ler.
O sentido da leitura usual que somos levados a crer paira na concepção de que ler é a
ação de decifrar códigos com intuito de compreender os significados usuais predeterminados
pela pragmática do senso comum; e fugir desse conceito é difícil, visto que a sociedade nos
mergulha desde o processo de alfabetização, quando “saber ler” é apenas pronunciar palavras,
e não nos apropriar dos sentidos, este “esquecer” o sentido se instaura naturalmente na
desapropriação involuntária da infância, ou seja, esse primeiro leitor nasce pela sua
competência da pronúncia dos símbolos chamados “palavras”, que ao tropeçar por entre as
regras e símbolos da língua, sua (in)compreensão não faz muito sentido.
A leitura das palavras, como são arbitrariamente determinadas, acaba por criar uma
dicotomia entre o som e o sentido, este último que se esvai ao vento seguindo as palavras que
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esse “primeiro” leitor produz, e desse processo de produção, surge o primeiro “leitor” que mal
consegue chegar ao sentido usual, e que não consegue ver a leitura além da ferramenta, não
dando à leitura seu sentido vivo. (LARROSA, 2004)
Consoante ao pensamento de Larrosa (2004), combatemos a concepção de um “ler
competente” como aquele ávido em decifrar códigos da língua, restringindo a leitura ao
aspecto cognitivo. Com isso, um “leitor competente” entendido como o que “saber ler” não
esquece o que é esse “ler”, e por isso não se abre ao “não saber ler”, ou seja, ao desconhecido,
à dimensão enigmática e incompreensiva da leitura; esquece o lugar que a leitura desempenha
dentro de si e interioriza a leitura com voracidade e utilidade.
Ao longo do processo cognitivo acontecem mudanças no modo como interagimos
com a leitura, desde o primeiro contato até o momento em que nos autodenominamos “leitor”
(aquele que “saber ler em geral”), ou seja, aquele que se debruça na leitura com intuito de
apropriação e que vive em entender o sentido explícito no texto, com propósito de se bastar no
caráter limítrofe da leitura, ainda é aquele, que segue guiado pelos sentidos anteriores que os
outros já haviam definido como o certo.
Deste modo, nos tornarmos “leitores competentes” em sentido usual quando
buscamos a utilidade do texto e seus significados aplicáveis a algum fim. Desta forma, apenas
avistamos o sentido vivo da leitura quando abrimos ao horizonte do olhar vindo do outro,
dentro dessa alteridade que se constrói com o texto, quando julgamos o limite da leitura não
como verdade. Pelo sentido vivo da leitura seguimos por um caminhar leve “rumo ao
desconhecido”. Ocorre que muitas vezes não nos abrimos à alteridade do texto e sequer nos
autocompreendemos como leitores em formação, sendo assim, tomamos nossas outras leituras
como manuais para lermos tudo de antemão e para julgarmos saber sem muito trabalho.
(LARROSA, 2004)
Há pouco vimos a relação habitual da leitura pela sua manifestação dentro da
sociedade, assim como entendemos seu sentido usual como a ação de decifrar códigos da
língua presente, pela qual o ler se instaura nos sentidos habituais. O ler então é visto como
uma ferramenta de busca que o leitor utiliza para encontrar o que lhe convém. Ler em busca
de inventar os sentidos se faz imprescindível para que se possa permitir ir além do que já foi
construído; despir-se da ideia de colheita, aquisição e apropriação, para assim promover o
pensar, direcionando-nos ao esquecer natural, como veremos expresso em Larrosa:
Cada dia lemos, às vezes falamos de nossas leituras e das leituras dos outros,
todos nós sabemos ler e, às vezes, ensinamos a outros a ler, habitualmente
usamos com plena normalidade e competência a palavra ler... mas talvez
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ainda não sabemos o que é ler e como tem lugar a leitura. (LARROSA,
2004, p.18)
Nessa perspectiva, Larrosa (2004) nos sugere que ler é algo que fazemos com tanta
naturalidade que esquecemos a complexidade que deveria ser empregada na leitura; esquecer
deveria ser um processo natural para renovação, de modo que pudéssemos alcançar a força
que a leitura expressa em nós, e nos defender da voz que ressoa do outro quando se faz
opressão; para que a leitura perpasse pelo estranhamento e desassossego, a fim de possuirmos
um leitor que pense enquanto lê (NIETZSCHE, 2004). Desse esquecimento do ler pelas
entrelinhas que o limite se apresenta, seguimos o pensamento nietzschiano de que o ler é
“algo que dá a pensar”, sendo direcionado ao ler além do legível, a fim de trazer à tona a
obscuridade da palavra posta à incerteza.
Digamos, então, que dar a pensar a leitura é um gesto puramente filosófico que
carrega consigo a reflexão; e não limita a experiência da leitura que o silêncio direciona ao
pensar, para que se possa ler a obscuridade, visto que o leitor se liberta quando quebra a ideia
do ler como acumulação de sentido, fugindo da ideia de leitura-mercadoria; mercadoria essa
que vive na metáfora da produção (quanto menor o custo e maior aquisição, melhor para a lei
do mercado). Ou, por outro viés, o do escritor que “é semelhante ao operário de fábrica, que
durante toda a sua vida não faz outra coisa que determinado parafuso e de determinada
mangueira, para determinado utensílio ou determinada máquina, no que indubitavelmente
chegará a ter incrível maestria” (NIETZSCHE, 1977 apud LARROSA, 2002, p.37), maestria
que traz ao leitor uma outra figura:
[...] O Erudito não faz outra coisa senão revolver livros – o filólogo corrente,
uns duzentos por dia –, acaba por perder íntegra e totalmente a capacidade
de pensar por conta própria. Se não revolve livros, não pensa. Responde a
um estímulo (um pensamento lido) quando pensa, – ao final a única coisa
que faz reagir. O erudito dedica toda a sua força a dizer sim ou não, à crítica
de coisas já pensadas – ele mesmo já não pensa...[...]” (NIETZSCHE, 1971
apud LARROSA,2002, p.35)
É pelo caminho da alienação que o erudito representa o “nanismo intelectual”
(NIETZSCHE, 2002), não consegue “receber uma impressão insólita ou ter um pensamento
decente” (NIETZSCHE,1977 apud LARROSA, 2002, p.37), desta forma, vive-se hoje em um
“mercado” de produção, onde instrumentaliza-se a leitura para ser objetiva, orienta-se a
leitura à produção acadêmica de artigos, resenhas, livros, etc. Aceitar a ilegibilidade do ler é
negar tudo que se compreende por leitura atual, porém, é essencial ouvir, amar e pertencer à
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leitura de outra forma, para que se leia pra além do próprio sentido. Ler, então, para seguir
“rumo ao desconhecido”.
b. A leitura como convite ao desconhecido
Sobre o ato de ler como interpretação de sentidos, reportaremos a experiência do leitor
diante da leitura, para justificar o papel sinestésico que o ler possui, entendendo-o da seguinte
forma: ler é mergulhar em outro mundo, velejar por entre novas experiências, ler é ser outras
pessoas e pertencer realidades antes não sonhadas, ler é conhecer o mundo e partilhar das
ideias e se divertir com os mais diversos personagens, ler para poder compreender o mundo e
para se autocompreender, e entender as problemáticas, ler para imaginar, ler para mudar, ler
para quebrar paradigmas, ler para emancipar, ler para colher as experiências que habitam as
páginas dos livros que o leitor abraça pelo prazer da curiosidade.
O livro será um convite ao leitor a uma jornada vindoura que o levará a percorrer
sensações antes não sonhadas, sensações que tornarão o contato do leitor algo estritamente
subjetivo. O submergir nas páginas do livro, a fim de vivenciá-las, direcionará o leitor a um
caminho sem volta, pelo qual mudará seu olhar ao contato com a voz que vem do outro. Por
meio dessa aventura, sentimentos de horror, medo, júbilo, cólera, paixão, dúvidas, repúdio,
amor e desconfiança... atravessarão o leitor, que aceitou o convite ao sentido submerso da
leitura. Tronar-se um emaranhado de sensações não conexas de experiências diferentes, para
pertencer de fato à leitura, dessa leitura, de olhar para a história que se encontra nas páginas
dos mais diversos livros e desmitificá-las não pela ótica de decodificação, mas pela de
liberdade de criar sentidos múltiplos, fazendo do contato íntimo da leitura o olhar pelo
posicionamento do outro, mas com o cuidado de não ganharmos ou torná-los dogmas. Esta
relação de vislumbre está expressa no pensamento de Steiner:
De alguma forma nos sentimos liberados de nosso próprio corpo; ao olhar
para trás, nos vemos e sentimos um terror súbito, enlouquecer; outra
presença se está introduzindo em nossa pessoa e não existe caminho de
volta. Ao sentir tal terror a mente anseia um brusco despertar. Assim, deveria
ser, quando tomamos em nossas mãos uma grande obra de literatura ou de
filosofia, de imaginação ou de doutrina. (STEINER, 1982 apud LARROSA,
2002, p. 17)
Pertencer à leitura é permitir doar um pouco de si ao livro, e esperar o gesto contrário,
mas essa leitura não tange a busca de crenças, e sim, nos orienta a entrega do sentir pela
presença do outro como convite à mudança, à reflexão. O engano é fazer da presença do outro
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uma doutrinação, tendo em vista que ler é dar e esquecer ao mesmo tempo, cabendo a um
bom livro desassossegar o leitor deixando-o na obscuridade... Não impor ideias fundadas do
imaginário comum, e sim pluralizar os sentidos, atentando para o fato de que toda leitura é um
caminho sem volta onde todo leitor deveria se entregar sem medo, sem querer esperar grandes
verdades, sem trazer consigo a sua experiência, o leitor deveria despir-se, para ver as
possibilidades da leitura, pois um “ler bem significa arriscar-se muito. É deixar vulnerável
nossa identidade, nossa possessão de nós mesmos”. (STEINER, 1982 apud LARROSA, 2002,
p. 17). Deste modo, a leitura seria experiência ao ser ilegível, ou seja, não mostra ao leitor
toda a sua literalidade, incitando-o a adentrar nas entrelinhas.
c. O corpo vivo da leitura
A partir deste ponto espreitaremos a leitura pelo viés da obscuridade, do vazio, da
dissipação, do transbordamento de sentidos, e por outras ideias levantadas anteriormente,
consoante com os demais posicionamentos. Para tanto, adentraremos em uma perspectiva
fisiológica do “ler com o corpo todo”, espreitando os acenos de Nietzsche de uma “arte da
leitura” como inocência, sensibilidade, coragem e maldade que há em nós. Falaremos do
corpo vivo da leitura, guiados pelos instintos primários do ser leitor presente na leitura,
interpelado pelo sabor do apetite e da fome, impulsionado pelo desejo natural (o ver, o
cheirar, o ouvir, o tocar, o degustar), sentidos esses que o leitor moderno desaprendeu a usar
por falta de tempo, ou por desprezo pela boa leitura.
A leitura bordeja a “devoração”, um apetite que “exige (do leitor) um estômago capaz
de evacuar o que não convém [...]” (LARROSA, 2002, p.22) com rapidez e alegria, além
disso, exige “um estômago poderoso e valente que atreva, sem revolver-se, com alimentações
ousadas e pouco comuns; [...]” (LARROSA, 2002, p.22), e também pede do leitor “um
estômago que tenha uma digestão ligeira naquilo que lhe convém: que converta facilmente o
ingerido como parte da própria substância, da própria força, e que seja capaz de eliminar o
resto com prontidão” (LARROSA, 2002, p.22). No jogo contínuo de apropriação seletiva e
recusa, fizemos da evacuação rápida o caminho para não sossegarmos, um caminho para que
a fome do saber nunca se esgote e nunca se limite. O leitor moderno que se tornou
“compulsivo”, que nada seleciona a um estômago facilmente saciável, está preso ao gosto da
inércia e do conformismo, saciado pelo que leu e pelo sentido que alcançou com a ingestão.
Tendo vista os vestígios de um pensamento antropofágico, veremos que a “arte da
devoração”, o desejo do outro, a abertura ao pensar, requer outros procedimentos de ingestão:
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Pensar pelo modo pergunta-problema (apetite, devoração) e não pelo modo resposta-
solução (ingestão das formas). É disso que se trata, caros confrades! Sim, mais vale
um pensamento perplexo do que um pensamento apaziguado, um pensamento
faminto do que um pensamento saciado. Importante é não desperdiçar a força de ter
fome com o comer imediato e sem apetite. Não fazer dessa força viva que é o desejo
uma preocupação grosseiramente digestiva em prol de si mesmo. E quanto a isso
todos concordam! (COSTA, 2008, p.17)
A arte da leitura conflui com o sentido do gosto e com a saúde da digestão. “Ler bem é
comer bem” (LARROSA, 2002). Ler bem é apurar os sentidos e deslocá-los, é opor-se às
ideias doutrinárias, é pertencer à fome e não bastar-se ao conforto do “tudo comer, tudo saber
nesse vasto universo do conhecimento” (COSTA, 2008), pois, “o importante é não
desperdiçar a força viva de ter fome com o comer imediato e sem apetite” (COSTA, 2008), o
importante é não sossegar, achar que encontrou tudo que o texto mostra, é sentir-se inquieto
na busca do sentido e do sem-sentido, guiado pela força insaciável do desejo e dos apetites
latentes que anseiam o outro como abismo e sedução.
O leitor ruminativo de Nietzsche é um leitor capaz de se afetar pelos signos do texto,
identificar seus atributos artísticos, sua carga fisiológica (nervos e entranhas), é um leitor
sensível aos signos do mundo; é o que espreita os pensamentos, o dia e a noite, que celebra e
canta as vitórias sobre si mesmo após ter pacientemente ingerido e ruminados os pensamentos
e ter sentido vagarosamente todo o sumo e o sabor das sensações do que leu, com lentidão e
paciência: “Ruminando me pergunto, paciente como uma vaca: quais foram, afinal, tuas dez
superações?” (NIETZSCHE, 2011, p. 30). Ler com lentidão exige do leitor o ato de pensar
enquanto lê sem destino, sem ideias prontas, sem anexar sentido de outras leituras; ler que
esbarra em um diálogo silencioso entre leitor e livro, autor e leitor, eu e outro; uma
conversação por onde os sentidos se dispersam rumo ao incompreensível, por onde olhares
múltiplos irão retorcer e vozes que nunca ecoaram nascerão, mas é pelo sentir, pelo silêncio e
pela incerteza que ruminar é preciso:
Ruminar é preciso! Ruminar os pensamentos, as ações, o dia e a noite. De boca
aberta, degustar e sentir fome pelo que se fez e pelo que ainda não se fez. De olhos
abertos, elevar os pensamentos à prova do alto e do baixo, com leveza e gravidade.
Espreitar os pensamentos e, junto deles, seus atos de bravura e coragem, de fraqueza
e lassidão. Ruminar é preciso! “Ruminando, eu me pergunto, paciente como uma
vaca: quais foram, afinal, as dez vitórias sobre mim mesmo?” (NIETZSCHE, 2000a,
p.55). O importante é manter os olhos, a boca e os ouvidos apurados, “juntar o
libertino com o libertário, o desejo com a rebeldia” (TADEU, 2005), deixar o
pensamento alçar voos mirabolantes em suas rajadas de criação. Romper a
comodidade do pensamento para tocar na vida lá onde ela é mais sensível e fazê-la
fremir e delirar até que eventualmente nasça aquilo que ainda não nasceu, mas que
pode vir a nascer dessa inusitada agitação. (COSTA, 2008, p.17)
13
A figura do leitor que Nietzsche aspira, envolvido por uma “arte da ruminação”, se
reconhece não como aquele que lê as partes “altas” das faculdades privilegiadas dos sentidos,
os olhos e a mente, mas como aquele que lê com o corpo inteiro, alma e entranhas; é
reconhecido pelo estado de sua jovialidade resultante de um “tempo do metabolismo”
saudável por ter uma “barriga jovial” (NIETZSCHE, 1995), sendo capaz de entrar e sair do
texto sem ausências ou ressentimentos. Nessa arte da ruminação, “a mobilidade ou a lentidão
dos pés do espírito” (NIETZSCHE, 1995) são os termômetros de uma “inércia intestinal” ou
de uma “barriga jovial”, condição para seguir o seu próprio pathos, o seu próprio caminho.
Zaratustra adverte: “Afastai-vos de mim e defendei-vos de Zaratustra! E, melhor ainda:
Envergonhai-vos dele! (...) Agora vos mando me perderdes e vos encontrardes; e somente
quando me tiverdes todos renegado, eu retornarei a vós...” (NIETZSCHE, 2011, p. 105).
Talvez seja este ler com paciência e reflexão que urge em meio ao tempo que se
instaura, devemos então, “topar” pela forma que o ler apresenta-se, para que possamos ensinar
o “ler” do porvir, o ler orientado ao ensinar o sentido do gosto, para que se possa “formar um
critério de eleição suficientemente delicado para aceitar o que é bom e refutar o resto”
(LARROSA, 2002, p.34), para que se possa dedilhar a leitura com toques suaves ou dissecá-
la, inclusive utilizando “ajuda de martelos e bisturis” (LARROSA, 2002, p.31).
Larrosa (2002) nos auxilia a enxergar algumas importantes características presentes na
perspectiva fisiológica da leitura em Nietzsche, que precisam ser cultivadas nos espaços do
educar e do aprender: aprender a ver as coisas, aprender a cheirar as palavras, aprender a
ouvir os timbres, aprender a tocar os livros, aprender a comer com apetite. Para cada uma
destas aprendizagens necessitamos espreitar os abismos dos sentidos para: contemplar com a
devida calma os signos do mundo, captar e sentir seus aromas e odores, saber ouvir o timbre
de cada espírito, ter a delicadeza ou os punhos firmes para tocar nos livros ou nas coisas, ter
um gosto apurado e a saúde da digestão para escolher livros que lhe agrada e esquecer o resto.
E quanto maior for o número dos afetados que nos falem aos olhos, olfatos, ouvidos,
tato, boca...tanto mais podemos expressar nossas impressões sobre dada coisa, tendo a
possibilidade de decidir, “querer” ou “não querer”, em refutar o determinismo da decisão do
outro ou de si próprio, perseverando nos sentidos múltiplos e multifacetados da arte da leitura
como abertura ao desconhecido. Daí a colocação enfática de Nietzsche sobre o valor dos
signos que inquietam o pensar: “Nossas primeiras perguntas, quanto ao valor de um livro,
uma pessoa, uma composição musical, são: “É capaz de andar? Mais ainda, é capaz de
dançar?” (NIETZSCHE, 2001, aforismo 366, p. 267).
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Pela leitura, o corpo leitor sente e reage aos instintos e aos signos do mundo, não se
pode negar a impregnação do homem às suas necessidades fisiológicas, corpo e espírito, e a
essas necessidades se associam o instinto de autodefesa, um desejo seletivo, com gosto
apurado, pois, uma debilidade das nossas defesas nos “obriga a esbanjar o tempo e a energia
em finalidades negativas e reativas [...]” (LARROSA, 2002, p.34). Ler como autodefesa
obriga-nos a metamorfosearmo-nos em ouriços, pois a autodefesa nasce da seleção intrínseca
do gosto que reage na leitura com o seu “corpo vivo”, dando a ler pela liberdade ao
desconhecido, um leitor que não fica no limite da interpretação, nem da sua própria ideia
construída, um leitor que não vai até a leitura para simples apropriação, que vai ao texto com
as mãos e os sentidos abertos, que sente fome, desejo, afeição, náusea, dor, contentamento,
que mantem seu esquecimento natural em dia, um leitor que não crê em máximas, que não
carrega consigo as verdades absolutas de tudo, talvez, a nudez, o desapego da “devoração” de
quem vive na tentativa da renovação dos sentidos.
Eis a fórmula de Nietzsche contra os assombros do ideal ascético e suas doenças do
ressentimento: “Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: nada querer diferente,
seja para trás, seja para a frente, seja em toda a eternidade. Não apenas suportar o necessário,
menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário – mas amá-lo...”
(NIETZSCHE, 1995, p. 51). É preciso corpo e espírito, calma e coragem, amor fati para
apostar na singularidade formativa da leitura e no leitor porvir. Nasça!
III. MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE LEITURA: UM DIÁLOGO COM
PROUST
“Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como
aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia
de um livro preferido” (PROUST, 2011, p. 9), dias, que o silêncio gravou em nossa face
resquícios do passado, transportando-nos à memória, assim, divagaremos entre presente e
passado ao encontro do sentido.
Desta ideia de leitura como tempo perdido, há quem prefira caminhar por entre
campos verdes, desenvolver atividades práticas com fins específicos, ou correr por entre o
mundo físico sem rumo, a vontade de preencher seu tempo move-os. Todavia, para os
amantes da leitura, o convite emana dos livros, como a aventura a ser vivida, pertencida em
outros lugares, em outras viagens. O corpo envolve-se com a leitura em um ler mergulhado
que o leitor ama habitar, esses momentos de leitura geram no leitor sensações, experiências e
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memórias. Trataremos aqui das memórias proustianas nascidas na infância como construção
formativa do leitor.
Era como se tudo aquilo que para os outros os transformava em dias cheios,
nós desprezássemos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: o convite
de um amigo para um jogo exatamente na passagem mais interessante, a
abelha ou raio de sol que nos forçava a erguer os olhos da página ou mudar
de lugar, a merenda que nos obrigavam a levar e que deixávamos de lado
intocada sobre o banco, enquanto sobre nossa cabeça o sol empalidecia no
céu azul. (PROUST, 2011, p.9)
Qualquer presença que nos force a submergir da leitura incomoda, interrompe o ato de
amor profundo com o livro, ainda se, nesses dias a visão do outro nos julgue procrastinar:
diriam que somos vazios das “grandes atividades” desenvolvidas por eles, como que o sentido
de “tempo aproveitado” estivesse no mundo real, deste modo, somos e seremos transgressores
dessa razão coletiva, que com o amor aos livros, amamos, em liberdade e desejo no observar
íntimo. Frutos das leituras da infância que o discurso proustiano elenca e valora, “Quem,
como eu, não se lembra dessas leituras feitas nas férias, que íamos escondendo
sucessivamente em todas aquelas horas do dia que eram suficientemente tranquilas e
invioláveis para abrigá-las” (PROUST, 2011, p. 10) em seu deleite supremo; repousar ao
encontro da curiosidade típica da infância e da disposição do interesse, uma sensação
complacente com prazer algoz, que não se notava o transcorrer das horas, e nem tínhamos
horas, mas tínhamos apenas vontade:
De manhã, voltando do parque, quando todos “tinham ido fazer um passeio”,
eu me metia na sala de jantar, onde, até a ainda distante hora do almoço,
ninguém, senão a velha Félicie, relativamente silenciosa, entraria, e onde não
teria como companheiros de leitura mais do que os pratos coloridos
pendendo nas paredes, o calendário cuja folha da véspera havia sido há
pouco arrancada, o pêndulo e o fogo que falam sem pudor que se lhes
responda, e cujos suaves propósitos vazios de sentido não substituem – com
as palavras dos homens – o sentido das palavras que se leem. (PROUST,
2011, p.10)
Das memórias descritas no imaginário proustiano podemos reconstruir nossa própria
experiência de leitura, dando a pensar as nuances minuciosamente descritas. Este cenário que
aqui nasce pelo convite da leitura se eterniza na fala do autor; o convite a regressar à infância
nos imerge a alma e faz ressonar sensações presentes no sentido vivo da leitura, por entre as
interjeições que interpelam o movimento de leitura, tornando as memórias presentes, sentidos
sensoriais que constroem conceitos. Os detalhes gravados habitam nesse “pertencer” um
momento regresso, estamos aqui então lendo, eis aqui nosso lugar, nosso conforto, o que ecoa
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por entre ação de leitura são as vozes que flutuam do livro ao encontro da realidade, os
sentidos também flutuam aqui por uma alteridade constitutiva da linguagem, o que com
outro, e pelo outro, a conversa segue em silêncio eternizando na memória entre as sensações e
experiências construídas na relação com o livro.
De tempos em tempos, ouvia-se o barulho da bomba que fazia a água correr
e também levantar olhos e olhá-la através dos vidros fechados da janela, ali,
bem perto, na única aleia do jardinzinho que margeava com tijolos e faianças
em meias-luas suas platibandas de amores-perfeitos: amores-perfeitos
colhidos, parece, nesses céus tão bonitos, esses céus versicolores e como que
refletidos dos vitrais da igreja que se viam às vezes entre os tetos da vila,
céus tristes que apareciam antes tempestades, ou depois, já bastante tarde,
quando o dia estava prestes a terminar. (PROUST, 2011, p.11)
É o detalhamento da memória proustiana que continua sendo exaltado, as experiências
e sentidos são concomitantes, as horas que o contato com a leitura perdura, a cisão do elo
invisível da leitura se interrompe pela imposição das convenções sociais, esse incômodo nos
força a voltar à realidade, e nos nega a leitura no cerne mergulhado, em períodos interruptos o
leitor se volta à realidade e guarda o olhar distraído, olhar dadivoso, transmutado, observa
tudo como um expectador distante desse mundo real, pois seu estado de embriaguez o faz ver
o sentido fluido entre a plenitude e o vazio, seu admirar sensitivo perpetua nesse lugar que
não se pode carregar, nessas memórias que nascem distraídas, que vão aos encontros da
eternidade do ser humano/leitor; sentidos e sensações vagam através do leitor que valora o
admirar e imerge no mundo sensitivo, dando ao sentido um lugar que não se pode perpetuar,
uma imagem de renovação, uma imagem descontraída, desta forma, não tomaremos a leitura
como “ferramenta”.
As memórias que construímos ao longo da leitura pertencem a essa experiência que
nos vem de longe, que nos afasta da realidade, que nos leva a aproximação do íntimo da
leitura, destas horas, que o tempo é um mero espectador, que as convenções sociais são
incômodas.
A paixão entre Proust e a leitura continua ressonando nas suas memórias enquanto
leitor. O tempo passava em uma relatividade surpreendente, simplesmente não parecia
acompanhar a sua vontade de ler, “não fazia muito tempo que lia no quarto e já era preciso ir
ao parque” (PROUST, 2011, p. 25) para cumprir suas atividades obrigatórias, o livro
acompanhava com certa proibição, entretanto, havia jeitos de abreviar a atividade e se
direcionar a leitura.
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Eu deixava os outros terminarem de lanchar na parte baixa do parque, à
margem dos cisnes, e subia correndo no labirinto até uma alameda onde eu
sentava, impossível de ser encontrado, recostado nos nogueirais podados,
olhando os aspargos, a cercadura dos pés de morango, o lago, onde certos
dias, os cavalos faziam a água subir de nível andando à sua volta, a porteira
branca que estava acima, no “fim do parque” e, além, os campos de
centráureas-azuis e de papoulas. (PROUST, 2011, p. 23)
Em profundo silêncio, e seguro das possíveis interrupções, continuava a leitura, em
seu estado de fuga, em seu estado de paz, as horas que transcorriam pareciam impiedosas, seu
corpo guardava os cenários e as sensações. Tenro é lembrar as horas de leitura em que a única
companhia era os livros e o silêncio. Em silêncio e embriagado, Proust lia, o tempo sempre o
trairia, distante de tudo, e todos, só tinha horas quando os sinos da igreja anunciavam o
entardecer, o som doce e morno soava ao longe, regressar-se-ia para a casa onde cumpriria
seus rituais sociais.
Logo após o jantar, Proust recolhia-se para seu quatro onde continuaria a abrigar sua
leitura, proibido era de continuar seu deleite madrugadas adentro, apenas desobedecia quando
encontrava-se nas páginas finais de um livro, a curiosidade e vontade de saber o que sucederia
com os personagens que relacionava com tanta paixão, o motivava a seguir até o fim, e o tão
esperando anúncio acontecia “chegamos ao final da leitura!”, depois de todas as horas, de
todas as expectativas, de toda a paixão, de toda submersão. “A última página era lida, o livro
tinha acabado, era preciso parar a corrida desvairada dos olhos e da voz que seguia sem
ruídos, para apenas tomar fôlego, num suspiro profundo”. (PROUST, 2011, p. 25), era preciso
se recompor, era preciso “dar aos tumultos há muito desencadeados em mim, outros
movimentos para se aclamarem” (PROUST, 2011, p. 25), assim, caminhava aflito por entre
seu quatro, em um estado de transtorno eminente, seu corpo reagia, e seus:
Olhos ainda fixos em algum ponto que, em vão, se buscaria em meu quarto ou
fora dele, porque ele não estava situado senão numa distância de alma, dessas
distâncias que não se medem por metros e por léguas como elas quando se
olham os olhos “distantes” dos que pensam “em outra coisa” E aí? Esse livro
não era senão isso? (PROUST, 2011, p. 25)
O corpo reage às sensações, nos entorpece os sentidos, como algo que empenhamos
tanta força e paixão nos deixa aqui sem respostas! Este ato final de desligamento acompanha
o fim do livro, a partir desse momento não saberemos o que se sucederá na vida dos
personagens que relacionamos intimamente, estas “pessoas” que se empenham mais atenção
do que pessoas da vida “real”, “nem sempre ousando dizer o quanto a gente os amava”
(PROUST, 2011, p. 25), o quanto essas pessoas significavam em nossa vida, “essas pessoas
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por quem se tinha suspirado e soluçado, não as veríamos jamais, jamais saberíamos alguma
coisa delas” (PROUST, 2011, p. 25); o fim do livro como libertação para criarmos nossas
próprias histórias, inventar as significações e torná-las memória, neste emaranhado de
sensações que a leitura nos constrói.
As memórias proustianas nos lançam um convite, ao aceitá-lo somos imbuídos a
perscrutar a figura do leitor em seu caráter formativo, desta forma, ao refletirmos veremos as
experiências da leitura orientada ao primeiro leitor, este que nasce na infância. O leitor Proust
guarda em si suas sensações e memórias; não fez mais do que provar o valor da leitura na
infância, assim, vimos um elogio doce à leitura, dando a ela um caráter de amizade, um
caráter contemplativo que se observa de longe, não podemos mudar as histórias que seguem
no livro, mas a partir do fim podemos escrever o que ficou em nós, podemos vivenciar as
marcas dos lugares em que fizemos a leitura, tal regressão no faz pensar com é válida leitura
dos clássicos, o ato da leitura na vida, dentro da vida (escolar) da criança com papel formativo
de um leitor que caminhe para o desconhecido, que busca em seu cerne não crer em verdades
construídas como máximas.
IV. RUMO A UMA EDUCAÇÃO DO PORVIR
Tal elogio à leitura não se encerra apenas nas memórias da infância, pelo contrário, se
eterniza por meio delas na formação constitutiva do primeiro leitor, este que lê mergulhado,
este que nasce na infância, como o pensamento proustiano nos conduziu, exaltamo-nos por
meio das memórias que “as leituras da infância deixam em nós é a imagem dos lugares e dois
dias que fazemos” (PROUST, 2011, p. 27), deixam em nós um desejo de seguir ao
desconhecido, com valoroso saudosismo. Desta forma, nos faz pensar que precisamos
incentivar o gosto da leitura desde a tenra idade, para afirmar sua importância na formação do
ser/leitor, negando assim, a repetição do modelo pragmático de ensino, onde a leitura é mera
ferramenta.
É preciso treinar o gosto, treinar o olhar, fazer o corpo reagir às verdades vindas do
outro para habitarmos seu sentido sensorial; onde não se possa crer em verdades que não
gerem renovação. Experimentar uma formação por uma experiência transformadora que possa
imprimir no leitor sensações e experiências que perdurem e desassosseguem, e que construa
no íntimo a ideia da regressão por meio dos sentidos e memórias da infância, confluindo a um
ler sinestésico, onde a leitura perpasse pela experiência do silenciar.
Nesse desbravar a experiência formativa do leitor nos debruçamos pelas memórias do
leitor Proust: “sem dúvida não fiz mais do que provar pelo tamanho e pelo caráter do
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desenvolvimento o que já tinha dito antes” (PROUST, 2011, p. 27), que as leituras da infância
desempenham em nós um papel transformador e sinestésico, onde não esquecemos as horas
nem o lugar onde as fizemos. “Mas talvez as lembranças que elas me trouxeram tenham elas
mesmas sido despertadas nos leitores, conduzindo-os pouco a pouco [...] a recriar em seu
espírito o ato psicológico original chamado Leitura” (PROUST, 2011, p. 27). Deste modo,
com força suficiente, ela transforma o contato íntimo do leitor com reflexões que nascem a
partir do que se encerra o ato de ler.
As leituras de infância que a pouco vimos nas memórias de Proust carregam um
caráter essencial na construção formativa do gosto do leitor, onde o contato com o livro cria
uma curiosidade latente, cria desejos que tornam a leitura um instinto natural, onde nosso
instinto de defesa habita, precisamos não aceitar as verdades absolutas, pois a vontade de
renovação seguirá no íntimo desse ser/leitor, com intuito de criar nas crianças/leitores
vontades e desejos através da leitura, dando a vida espiritual a um prazer que não se mede,
apenas se encanta, para que se consiga formar um gosto pelas grandes obras, criar um gosto
que faça o leitor pensar enquanto lê, um gosto com gesto antropofágico seletivo, apreciativo,
que leve o leitor a discernir o que acolheu, mas para que esse gosto exista é preciso ler em
atitude contemplativa e em um silêncio observador, é preciso acima de tudo presenciar o
mundo com um olhar distraído e transformado, mas acima de tudo, é preciso ruminar:
E nisto reside, com efeito, um dos grandes e maravilhosos caracteres dos
belos livros (que nos fará compreender o papel, ao mesmo tempo essencial e
limitado que a leitura pode desempenhar na nossa vida espiritual) que para o
autor poderiam chamar-se “Conclusões” e para o leitor “Incitações”.
Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e
gostaríamos que ele nos desse respostas quando tudo o que ele pode fazer é
dar-nos desejos. (PROUST, 2011, p.33)
O desejo promove a curiosidade e nos evidencia as sensações, é preciso que sejamos
interpelados pelas inquietações em nosso processo de leitura, querer, é algo presente dentro da
formação do ser/leitor, promovido e ressignificado por seu desejo de plenitude, e completude
do gosto, já este leitor (diferente do leitor atual) detém suas forças em algo que “não faz
sentido”, ou que não se encaixe na sua arrogância, qualquer dessas opções são simplesmente
renegadas, pois o querer deve nos elevar a busca do desconhecido, deve nos desassossegar, a
fim de resvalar pela perspectiva proustiana por entre a ideia de incitação quando o livro
encerra, assim, ler é uma reescritura do porvir, a leitura começa e as inquietações precisam
estar presentes no íntimo do leitor, desta forma, é nesse momento que se faz necessário topar
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a leitura com uma qualidade de filólogo, buscando sempre nas entrelinhas sentidos submersos
para compreender o que não se desenha em plenitude, pois é através destes desejos que
ele (o autor) não pode despertar em nós senão fazendo-nos contemplar a
beleza suprema à qual o último esforço de sua arte lhe permitiu chegar. Mas
por uma lei singular e, aliás, providencial da ótica dos espíritos (lei que
talvez signifique que não podemos receber a verdade de ninguém e que
devemos criá-la nós mesmos), o que é o fim de sua sabedoria não nos
aparece senão como começo da nossa, de sorte que é no momento em que
eles nos disseram tudo que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o
sentimento de que ainda nada nos disseram. [...]” (PROUST, 2011, p. 34)
Inventar não deixa de ser uma razão, aos sentidos que flutuam dispersos, os sentidos
fazem-se submersos, mas em sua certeza mostram-se presentes em um espaço que só se
constitui no limiar da leitura. Às vezes, precisaremos ir além do sentido, ou se não nos for
dado um sentido, teremos que criá-lo, para que o mundo não se constitua de verdades
irredutíveis, e sim, ver o mundo pela ótica da renovação das verdades, com intuito de que
essas verdades não sejam um acervo de respostas prontas, negando a possibilidade de
caminhar para o novo.
Talvez o que Proust quis nos mostrar pelas memórias da infância seja o papel
valorativo que estas leituras desempenham na formação constitutiva do leitor, causando assim
no interior do leitor uma sede pelo porvir, guiando-nos por uma curiosidade natural da
infância, a fim de que não percamos a vontade e nem o ânimo; dar a ler as páginas para além
do término do livro, desta forma, o término não marcará o fim da busca do sentido, pelo
contrário, gerará no leitor impulso a desbravar o desconhecido. O sentido não precisa ser
rapidamente formado e consumido, pois a maior certeza é pertencer à incerteza, abraçando o
silêncio com um jeito distraído, o silêncio como estado de alma verdadeiro, desta infância que
se desenha no esquecimento.
CONCLUSÃO:
Esta pesquisa conclui que a ideia de leitura, presente na obra “Sobre a Leitura”, de
Marcel Proust, valora e incentiva o ler na tenra idade, trazendo a importância do ato do ler por
entre seu contato subjetivo com o “leitor”, assim, as memórias cultivadas na experiência com
a leitura desde a infância dão ao ler o recorte dos sentidos e experiências que o leitor precisa
ser incentivado a fazer, seja em suas vivências escolares ou sociais mais amplas. Apesar das
memórias proustianas não elencarem o ensino da leitura, dão pistas do caminho que devemos
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nos guiar, pois subentende que todo ler perpassa pela experiência do prazer, e qualquer
tentativa de ensinar a ler como instrumentalização implica em diminuir a complexidade da
leitura.
Desta forma, precisamos pensar a leitura pela ótica dos sentidos como fruição e
experiência de formação, a fim de ressonar estes pensamentos pela sociedade, em especial, na
educação, pois, é preciso repensar o ler em seu sentido usual bem como as práticas de leitura
que habitualmente cultivamos em nossas vidas, muitas vezes, sem ressonâncias formativas.
Pelas memórias de infância e seu universo de leitura desbravamos por um ler
diferente, longe das concepções usuais na sociedade e na educação, uma leitura como
reescritura do novo; aqui se buscou pensar no porvir, pela figura da infância, desta forma,
ensejamos que o ensino gere renovações das verdades, onde nosso espírito possa ser
preenchido pela experiência do vazio, destarte, esta alma deve habitar uma experiência
salutar, em busca do tempo “perdido”, em que as leituras se reiterem ao prazer. Prazer que
Proust valora em seu discurso, e que queremos salientar em nossa pesquisa, o maior bem,
maior prazer. Pertencer, então, à leitura em seu caráter contemplativo, é lançarmo-nos em
busca do desconhecido, assim, é precisamos perder nossa consciência, realidade, arrogância,
cultura, história, saberes, certos interesses, expectativas, gostos, ideias, preocupações, nossas
certezas... para que nossa experiência formativa de leitura seja plena e leve, como o brincar de
uma criança, isto é, despida do já sabido para mergulhar no porvir do desconhecido, sem
medo da pouca luz no caminho.
Ao fim, o elogio que Proust desenvolveu em seu ensaio “Sobre a leitura”, abriu-nos a
sensações e ideias que gritam notoriedade no tempo que se instaura, onde o ensino e o leitor
estão presos na produção, e na idade de mercado, o mundo cansou de pensar, prefere se guiar
pelas ideias fabricadas pelos outros, este é o maior perigo, verdades que nascem da
objetividade do olhar, e que perduram. Nosso convite, com esse trabalho, não foi forjar
verdades, não foi dizer que este é “o caminho” (afinal, nos diz Nietzsche: “Ai daqueles que se
perguntam pelo caminho!”), não, não queremos ser profetas, pois quem crê se prende
novamente, nosso maior desafio e perigo é subverter o pragmatismo, em busca de uma
experiência transformadora pelo encontro com a leitura, incentivado a leitura desde tenra
idade, pela formação constitutiva do primeiro leitor, pois, pensar a leitura no primeiro leitor,
também é pensar na educação e no mundo do porvir, como bem o fez Proust.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIOGRAFIA DE MARCEL PROUST. Disponível no Site da Editora LPM:
http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=
0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=946437 Acessado em: novembro/2014.
COSTA, Gilcilene Dias. Trilogia antropofágica [a educação como devoração]. Tese
(doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008, 190f.
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução de Alfredo
Veiga-Neto, 3ª ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Traduzido por Cynthia Farina.
Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Tradução de Paulo César
de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
______. A Gaia Ciência. Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia
das letras, 2001.
______. Escritos sobre Educação. Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho, Rio de
Janeiro: Editora PUC-Rio, 2003.
______. Assim Falou Zaratustra. Tradução de Paulo César de Souza, São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
PROUST, Marcel. Sobre a leitura. Tradução de Carlos Vogt. 2. ed. Campinas: Pontes, 1991.
PRODUÇÕES/ PUBLICAÇÕES:
A socialização dos resultados da pesquisa iniciou com alguns exercícios de
apresentação dos estudos no contexto da disciplina Filosofia da Linguagem, no ano de 2014,
sob a supervisão da professora-orientadora Gilcilene Dias da Costa.
Posteriormente iniciamos produções e apresentações de trabalhos nos seguintes
eventos científicos:
- Apresentação de trabalho no I Seminário Nacional do PPGEDUC e V Diálogos
Científicos do Campus de Cametá, com Publicação de resumo expandido nos Anais do evento
em 2014;
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- Apresentação de trabalho na Semana de Iniciação Científica da UFPA (Campus
Universitário do Tocantins-Cametá) em 2014;
- Publicação de artigo científico na Revista Poiésis em coautoria com a professora-
orientadora em 2015;
- Apresentação de trabalho no Encontro Regional dos Estudantes de Letras
(EREL/2015) & Encontro Paraense dos Estudantes de Letras (EPEL/2015), ocorridos em
Bragança.
- Aprovação de resumo expandido no XXXVI Encontro Nacional dos Estudantes de
Letras (ENEL-2015);
- Aprovação de artigo científico no VI Simpósio Internacional de Educação e
Filosofia, Marília, São Paulo, em coautoria com a professora-orientadora, com publicação nos
Anais do evento.
- Apresentação de trabalho na Feira do Vestibular-2014 do Campus Universitário do
Tocantins/UFPA;
- Apresentação de trabalho na Semana de Extensão do Campus em 2014;
- Elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e defesa no Curso de Letras
– Língua Inglesa;
É válido ressaltar que a pesquisa continuará o aprofundamento teórico e
posteriormente copilaremos novos escritos a fim de investir em apresentações/ publicações
em eventos científicos e pesquisas no âmbito da pós-graduação.
PARECER DO ORIENTADOR:
Em atenção ao relatório final das atividades de pesquisa apresentado pelo aluno-
bolsista JESSÉ PINTO CAMPOS, do Programa PIBIC/UFPA-Interior, correspondente ao
cronograma de atividades de Agosto/2014 a Julho/2015, atesto que o trabalho de pesquisa foi
plenamente desenvolvido em concordância aos objetivos propostos, havendo total dedicação e
comprometimento acadêmico por parte do aluno-bolsista, o que despontou em um
aprendizado e amadurecimento crescente em sua formação acadêmica.
Ressalto, ainda, que o aluno-bolsista cumpriu qualitativamente com todas as
responsabilidades acadêmicas desenvolvidas nesse período, demonstrando disponibilidade e
interesse em aprender com as questões da pesquisa, empenhando-se em socializar, produzir e
publicar as perspectivas do estudo em eventos e veículos de circulação científica, e
24
demonstrando potencialidades relevantes para o desdobramento de sua pesquisa no âmbito da
pós-graduação na área de estudo. Conceito final: EXCELENTE.
DATA: Cametá-PA, 10 de agosto de 2015.
PROFA. DRA. GILCILENE DIAS DA COSTA
(ORIENTADORA DO PROJETO)
JESSÉ PINTO CAMPOS
(ALUNO-BOLSISTA)