RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE UM PROJETO COM ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL
Área temática: Ética e Responsabilidade Social
Helena Maria Gomes Queiroz
Fernanda Carolina Abreu de Faria
Resumo: Atualmente, o trabalho infantil é objeto de estudos e alvo de intensas campanhas no mundo inteiro. No
Brasil, Estado, sociedade, organizações do terceiro setor e empresas socialmente responsáveis vêm colocando de
maneira crescente o combate ao trabalho infantil em suas pautas e projetos. O Projet o Aprendiz possibilita que
adolescentes a partir dos 14 anos se integrem ao mundo do trabalho de forma legal, sistematizada e protegida e
representa ainda uma boa oportunidade de as empresas agirem com responsabilidade social. O objetivo geral desse
estudo é fazer uma análise crítica do PNJ, projeto de responsabilidade social realizado por uma entidade de formação
técnico-profissional, situada na cidade de Belo Horizonte. A pesquisa desse trabalho é do tipo descritiva, com
abordagem qualitativa e os instrumentos de coleta de dados utilizados foram: entrevista, análise documental e
observação direta participante. Foram realizadas entrevistas com 15 adolescentes qu e participaram do projeto no
período de março a maio de 2014. Os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de as entidades de formação
técnico-profissional refletir sobre formas mais socialmente responsáveis de lidar com a demanda do seu público alvo.
Palavras-chaves:.
ISSN 1984-9354
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1. INTRODUÇÃO
O trabalho infantil no mundo e no Brasil não é um fenômeno novo e apresenta-se através de
uma história carregada de violência e exploração. No Brasil, as crianças e os adolescentes não tiveram
durante muito tempo nenhum dos seus direitos resguardados, sendo explorados e tratados como
objetos, e a condição peculiar de sujeitos em desenvolvimento não era uma preocupação do Estado, da
sociedade e nem das famílias, que muitas vezes legitimavam a exploração.
Durante muito tempo no país não houve políticas sociais voltadas para a criança e o
adolescente. Somente a partir do Decreto-Lei 1.313 de 1891, do Código de Menores, da Constituição
da República de 1988 e, posteriormente, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), medidas protecionistas relativas ao trabalho e à profissionalização da
criança e do adolescente foram criadas.
O trabalho infantil hoje é objeto de estudos e alvo de intensas campanhas no mundo inteiro. No
Brasil, Estado, sociedade, organizações do terceiro setor e empresas socialmente responsáveis vêm
colocando de maneira crescente o combate ao trabalho infantil em suas pautas e projetos.
Com a criação da Lei 10.097/2000 ficou determinado que os estabelecimentos de qualquer
natureza que tenham pelo menos sete empregados, são obrigados a contratar e matricular aprendizes na
faixa etária de 14 a 24 anos nos cursos de aprendizagem, no percentual mínimo de 5% e, máximo, de
15%, calculado sobre o total de empregados cujas funções demandem formação profissional.
A Lei da Aprendizagem surge como uma forma de impedir legalmente que crianças menores de
14 anos trabalhem e sejam exploradas e para facilitar a inserção de adolescentes e jovens entre 14 e 24
anos no mercado de trabalho. Entretanto, mesmo com uma legislação vigente que proíbe o trabalho
infantil, ainda se vê muitas crianças trabalhando de forma ilegal no Brasil, em condições precárias e
em atividades consideradas penosas e degradantes. Com pais ou responsáveis legais recebendo baixos
salários ou até mesmo desempregados, muitas crianças vêem-se forçadas a trabalhar, ficando
condenadas ao baixo rendimento ou evasão escolar e a outras vulnerabilidades e riscos.
Além disso, ainda que exista a Lei da Aprendizagem, que contribui para o acesso dos
adolescentes e jovens ao mundo do trabalho de forma legal, sistematizada e protegida, é um grande
desafio para o adolescente, principalmente aquele de baixa renda e em situação de vulnerabilidade ou
risco social, encontrar uma primeira oportunidade de trabalho.
É possível observar que muitas empresas concebem a contratação de um aprendiz apenas como
uma obrigação legal e não como uma forma de agir com responsabilidade social, demonstrando assim
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a falta de compreensão do programa de aprendizagem, da sua relevância social e da função educativa
do trabalho protegido na vida do adolescente. É importante ressaltar, que o conceito de
responsabilidade social é amplo e multifacetado e envolve um verdadeiro entendimento e
comprometimento ético das organizações e pessoas envolvidas.
Por outro lado, as entidades qualificadas e autorizadas a realizar essa formação técnico-
profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e
cadastradas no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), têm o grande desafio de também realizarem
verdadeiramente o papel e a função social aos quais se propuseram, cumprindo não somente com as
determinações legais para a realização dessa atividade com o seu público assistido, mas também com a
responsabilidade ética e social envolvida no combate ao trabalho infantil, no compromisso com o
futuro das crianças e na formação humana, cidadã e profissional dos aprendizes.
O objeto de estudo do presente trabalho é um projeto de responsabilidade social, doravante
denominado de PNJ, executado por uma entidade de formação técnico-profissional, situada na cidade
de Belo Horizonte. O Projeto PNJ prepara para o mundo do trabalho através de cursos de qualificação
profissional e de um processo de orientação profissional adolescentes com idade entre 15 anos e 10
meses e 17 anos que não conseguiram ingressar no programa de aprendizagem na idade exigida pela
entidade (de 15 anos e 8 meses a 15 anos, 9 meses e 29 dias). Entretanto, nem todos os adolescentes
que recebem esta preparação são inseridos na entidade após a conclusão do Projeto PNJ voltando a
ficarem expostos às inúmeras vulnerabilidades e riscos sociais existentes no meio em que vivem.
Este estudo é relevante, pois propõe uma reflexão sobre um assunto que está em pauta de forma
crescente no mundo de hoje - a questão do trabalho infantil e da responsabilidade social envolvida na
formação e na inserção de um adolescente no mundo do trabalho.
Nesse contexto, o objetivo geral deste artigo é fazer uma análise crítica do Projeto PNJ,
propondo uma reflexão sobre novas possibilidades de atuação com os adolescentes assistidos, a fim de
cumprir de maneira mais eficaz com o objetivo da responsabilidade social proposta.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Responsabilidade Social e Gestão de Pessoas
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Segundo Orlickas (2001), à área de Recursos Humanos, sob a designação de departamento
pessoal, como em algumas empresas era denominada (e como o é em tantas outras), coube, no
passado, a tarefa de admitir funcionários, registrá-los legalmente, controlar as normas seguidas por
eles, puni-los, apontar seus cartões de ponto e dispensá-los. Cabia-lhes, portanto, segundo a autora,
uma ação fiscalizadora e reparadora.
Com a evolução das técnicas de administração, como o advento da Escola d e Relações
Humanas e o grande aperfeiçoamento das teorias sobre comportamento organizacional, a ação
dessa foi se tornando cada vez mais orientada para seleção, cargos e salários, treinamento,
benefícios, serviço social, etc. (ORLICKAS, 2001, p.26)
Orlickas (2001) afirma que ainda que o papel da área de Recursos Humanos tenha passado por
grandes transformações, muitas empresas ainda continuam mantendo o antigo modelo de
administração de pessoal. Segundo a autora, empresas consideradas tradicionais mantêm ainda sob a
denominação de administração de pessoal o sistema burocratizado de controle dos aspectos
jurídicos/legais, com total ausência de políticas na gestão de seus Recursos Humanos, onde a palavra-
chave era produtividade, não importando a qualidade. Essa situação continua a autora, acompanhada
de uma hierarquia formal no ambiente organizacional, dificulta a comunicação, o fluxo de informações
e a participação efetiva dos envolvidos.
A existência de estruturas organizacionais incompatíveis com a criação de grupos de trabalho
flexíveis, segundo Orlickas (2001), dificulta o trabalho entre as pessoas, a troca de ideias e o
desenvolvimento do trabalho de equipe. Nesse estilo gerencial, a autora afirma que configura uma
gerência burocrática e controladora, que não busca proximidade com seus subordinados (porque é
assim que são considerados), não busca ouvi-los, discutir o seu trabalho e desenvolver sua capacitação
e, principalmente, não sabe lidar com as competências de cada um.
Colaboradores ávidos para contribuir, participar, inovar e enriquecer o trabalho da empresa são
subestimados. Esquecidos, eles acomodam-se ou buscam outro ambiente no qual sua competência seja
valorizada. (ORLICKAS, 2001).
De acordo com Orlickas (2001), o aperfeiçoamento do trabalho nas organizações modernas,
incrementado pelo impacto da inovação tecnológica e acesso rápido à informação e à globalização,
vem desenvolvendo e dimensionando uma visão especial e muito clara sobre o novo papel da área de
Recursos Humanos.
Hoje, afirma Orlickas (2001), a palavra-chave é competitividade. Em sua essência, o trabalho é
processado por pessoas e o produto de seu trabalho destina-se às pessoas. As máquinas, por mais
sofisticadas que sejam, são ferramentas do homem no trabalho. Elas não pensam, não sonham, não
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planejam, não agregam valor, não fazem diferente. Independentemente do objetivo e da estrutura
organizacional, quando se cria uma empresa, necessita-se de um componente essencial: pessoas.
(ORLICKAS, 2001).
E, à medida que a organização vai crescendo e que as situações vão se tornando cada vez mais
complexas, afirma Orlickas (2001), começam a se abrir alguns novos espaços para outras iniciativas:
melhorar o processo seletivo, desenvolver treinamentos, etc.
A essência do capitalismo, segundo Gil (2010), é o lucro e há quem admita que a
responsabilidade de uma empresa consista exclusivamente em maximizar o lucro de seus acionistas.
Verifica-se, portanto, segundo o autor, forte tendência para admitir que as empresas devem assumir
valores éticos, respeitar seus funcionários, proteger o meio ambiente e comprometer-se com as
comunidades. Funcionários, comunidades e clientes estão sendo vistos como uma nova espécie de
sócios do negócio, prontos para compartilhar resultados.
Responsabilidade social, portanto, segundo Gil (2010), passa a fazer parte da agenda das
empresas que desejam sobreviver. Segundo o autor, a norma internacional de responsabilidade social,
a Social Accountability 8000 (SA8000), atesta a qualidade ética das relações humanas envolvidas no
processo produtivo e, para recebê-la, a empresa precisa demonstrar que: não emprega trabalho infantil
ou trabalho forçado e não admite fornecedores que os empreguem; garante igualdade de salários para
homens e mulheres; não mantém nenhuma discriminação de raça, sexo religião, orientação sexual nas
contratações, promoções, acesso a treinamentos; etc.
Segundo Werlang (2003), as organizações ainda estão construindo de forma incipiente, na
maioria dos casos, seus modelos de gestão de responsabilidade social. A autora afirma que muitas das
ações relacionadas a esse tema estão sob a responsabilidade dos gestores de recursos humanos.
Isso ocorre na medida em que algumas das condições essenciais para o desenvolvimento da
cidadania empresarial são a qualidade de vida, a empregabilidade e os benefícios concedidos
aos trabalhadores. (WERLANG, 2003, p.317)
Segundo Goldstein (2007), ações voltadas para a comunidade e para o meio ambiente
representam somente duas das várias possibilidades de atuação socialmente responsável de uma
organização. Para a autora, seria possível uma empresa ser considerada socialmente responsável sem
estar envolvida diretamente em nenhum projeto educacional, cultural ou de geração de renda voltado a
comunidades carentes, contanto que mantivesse, por exemplo, um excelente programa de qualidade de
vida para seus colaboradores, critérios de seleção rigorosos para seus fornecedores e um programa
eficaz de economia de eletricidade e de água em suas unidades.
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Segundo Dias (2012), a dimensão interna da responsabilidade social se refere principalmente
aos temas relacionados com os trabalhadores da empresa, bem como com o envolvimento da atividade
empresarial com o respeito ao meio ambiente. Em termos gerais, o autor afirma que as práticas
responsáveis afetam os trabalhadores e se referem a questões como o investimento em recursos
humanos, a saúde e a segurança dos trabalhadores e a gestão e adaptação à mudança.
A gestão responsável dos Recursos Humanos, segundo Dias (2012), envolve o compromisso de
promover princípios como a não discriminação e apoiar-se no mérito, bem como a compatibilização da
vida pessoal com o trabalho e a promoção de um bom ambiente de trabalho. O autor afirma que os
elementos fundamentais para a implementação de uma gestão responsável dos RH devem ser pelo
menos: desenvolver uma organização flexível; identificar e formalizar as expectativas mútuas entre a
empresa e seus trabalhadores; a obtenção de um maior equilíbrio entre trabalho, família e lazer;
investimento em programas de formação permanente de pessoal; garantia de igualdade de remuneração
e de perspectivas profissionais para as mulheres; a busca de uma maior diversidade dos recursos
humanos, com a aplicação de práticas responsáveis de contratação não discriminatórias, visando não
dificultar o acesso de pessoas pertencentes a minorias étnicas, pessoas idosas, mulheres, pessoas com
algum tipo de deficiência, etc; promover o máximo desenvolvimento das capacidades das pessoas, e
avançar na qualidade do desempenho relativo à gestão do RH.
Os indicadores de responsabilidade social apresentados pelo Instituto Ethos (2015) em sua 3ª
versão, abordam no tema Público Interno nove subtemas denominados Práticas de Trabalho, são eles:
Compromisso com a Gestão Participativa; Relação com Trabalhadores Terceirizados, Temporários ou
Parciais; Política de Remuneração, Benefícios e Carreira; Cuidados com Saúde, Segurança, Higiene e
Condições de Trabalho; Compromisso com o Desenvolvimento Profissional e a Empregabilidade;
Comportamento frente a Demissões; Preparação para a Aposentadoria; Compromisso com o Futuro
das Crianças; Compromisso com o Desenvolvimento Infantil.
Os dois últimos indicadores apresentados, Compromisso com o Futuro das Crianças e
Compromisso com o Desenvolvimento Infantil, dizem respeito diretamente ao tema desse estudo. De
acordo com Coelho (2004), espera-se de uma empresa socialmente responsável, com relação ao seu
público interno, que, além de respeitar a legislação nacional que proíbe o trabalho antes dos 16 anos,
exceto na condição de aprendiz, entre 14 e 16 anos, a empresa desenvolva também projetos internos de
integração e apoio aos filhos dos funcionários. E, tão importante quanto isso, segundo a autora, é a
empresa procurar garantir que na sua rede de fornecedores e empresas subcontratadas o trabalho
infantil também não seja praticado.
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Um comportamento organizacional ético também deve apresentar um programa que demonstre
o compromisso com o futuro dos jovens e adolescentes, que pode ser atendida a partir de programas de
aprendizes, projetos internos de integração dos filhos dos funcionários e uma sólida atuação junto à
comunidade. (ETHOS, 2015)
Kofi Annan, Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, propôs pela primeira vez a
ideia de um Pacto Mundial em seu discurso no Fórum Econômico Mundial em 31 de janeiro de 1999.
Em 26 de julho de 2000, o Secretário Geral convidou dirigentes empresariais a somar-se à iniciativa de
reunir empresas, organismos das Nações Unidas, trabalhadores e representantes da sociedade civil para
apoiar novos princípios universais em matéria de direitos humanos, trabalho e meio ambiente. O Pacto
Mundial tenta promover, mediante a força da ação coletiva, o civismo empresarial responsável, a fim
de que o mundo dos negócios passe a fazer parte da solução dos desafios que estão relacionados com a
mundialização. (COELHO, 2004)
Segundo Coelho (2004), os nove princípios universais do Pacto Mundial foram denominados
Agenda Global Compact. Aqui se destaca aquele princípio que diz respeito ao trabalho infantil:
Apoiar a erradicação efetiva do trabalho infantil. Os trabalhadores não devem usar o trabalho
infantil, seja nos seus locais de trabalho ou nas cadeias produtivas, por intermédio de subcontratações.
As crianças representam a força de trabalho do futuro. Mantê-las no mercado de trabalho, em
detrimento de sua freqüência à escola, compromete o desenvolvimento integral delas, a
competitividade futura das empresas e da economia, e também a capacidade sustentável de
desenvolvimento de um país. Em situações em que necessidades de renda familiar promovam o
trabalho infantil, é fundamental uma atuação forte e conjunta de governos, sociedade civil e empresas,
de maneira a não expor crianças a qualquer tipo de exploração ou perigo e de forma que não
comprometa seu desenvolvimento físico, educacional, moral e psicológico. Todos devemos colaborar
para melhorar essa situação, buscando maneiras de subsistir as crianças no mercado de trabalho, de
modo a preservar suas vidas, elevando o índice de desenvolvimento de capital humano de sua
sociedade.
De acordo com Silva, Neves Junior e Antunes (2002), reconhecer a necessidade imperiosa de
prevenir e erradicar o trabalho infantil é reconhecer que o problema do trabalho da criança e do
adolescente representa um tema de suma importância na agenda social.
Muitas empresas e gestores de pessoas já têm essa visão e o comprometimento ético e
socialmente responsável com a questão da erradicação do trabalho infantil, entretanto, muitos outros
ainda não se responsabilizam e não fazem a sua parte diante dessa problemática, inclusive se omitindo
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a cumprir com a Lei 10.097. A questão do trabalho infantil e suas conseqüências na vida das crianças
são abordadas no próximo tópico.
2.2 Trabalho Infantil
Silva, Neves Junior e Antunes (2002), apontam que infância e adolescência são etapas da vida
que devem ser dedicadas fundamentalmente à educação e à formação do indivíduo. Os autores
afirmam que o trabalho precoce pode inviabilizar a freqüência às aulas ou mesmo reduzir a qualidade
do seu aproveitamento, resultando, muitas das vezes, em evasão escolar.
No tocante à formação (desenvolvimento) do indivíduo, Silva, Neves Junior e Antunes (2002),
afirmam que o trabalho precoce pode implicar em sérios prejuízos, tais como: estresse físico, social,
responsabilidade excessiva, trabalho insalubre e penoso, entre outros.
Segundo Santos (2002), a criança que trabalha quase sempre o faz em detrimento da escola, o
que gera um adulto com baixa qualificação e que encontrará maiores dificuldades para competir no
mercado de trabalho. Com isso, continua ele, o indivíduo adulto vê escassas suas chances de ascensão
social, passa a viver sob a sombra do desemprego e, muitas vezes, termina por introduzir seus próprios
filhos precocemente no trabalho com a finalidade de ajudar a garantir o sustento da família.
Cosendey (2002), afirma que o trabalho infantil impede que a criança tenha um
desenvolvimento harmonioso, exige um amadurecimento precoce e rouba-lhe a infância. Segundo a
autora, esse período é profícuo, tudo que se ensina é rapidamente aprendido, e, portanto, se uma
criança não vai para a escola na época certa, terá dificuldades em recuperar o que não foi assimilado.
Alguns tipos de trabalho, no entanto, podem contribuir para o desenvolvimento da criança e do
adolescente possuindo uma função educativa em sua vida, como defendem alguns autores. Segundo
Cosendey (2002), historicamente, crianças e adolescentes sempre trabalharam. A autora afirma que
desde os tempos bíblicos há relatos de Jesus ajudando o pai carpinteiro, assim como os índios, mantém
em sua cultura a participação das crianças em atividades laborativas, como caça, pesca, afazeres
domésticos e artesanato.
Cosendey (2002) acredita que a educação participativa é salutar para o desenvolvimento do ser
humano e fortalece vínculos familiares, entretanto, existe outro trabalho infanto-juvenil que, segundo
ela, é explorador e rouba o tempo precioso de vivenciar uma infância e adolescência rica em
brincadeiras, com boas horas de sono e amplo tempo para estudar e aprender.
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Em 2002, de acordo com Silva, Neves Junior e Antunes (2002), mais de 8 milhões de pessoas
entre 5 e 17 anos de idade estavam engajadas em atividades inquestionavelmente reconhecidas como
as piores formas de trabalho infantil, ou seja, em prostituição, em trabalho escravo, em atividades
ilícitas (como o narcotráfico), ou na indústria pornográfica, ou mesmo até trabalhando como soldados
em guerras.
O início do século XX, segundo Cosendey (2002), passa a ser um marco nas relações
trabalhistas, pois aí está o cume do movimento abolicionista e o início da industrialização, que quebra
a relação de trabalho familiar e passa a exigir a relação de trabalho com a obrigação de produção e
cumprimento de jornada rígida de trabalho. A autora afirma que estes acontecimentos contribuíram
para o êxodo do homem do campo para a cidade.
A luta das famílias pobres, oriundas do campo, pela sobrevivência nos grandes aglomerados
urbanos foi sempre árdua, pois não estavam preparadas para exercer funções q ue lhes
rendessem boa remuneração. Ganhando salários parcos e tendo que arcar com o pagamento de
todos os serviços utilizados (saúde, transporte, alimentação, moradia, água, luz, impostos, etc),
os membros das famílias tiveram que ir à luta. (COSENDEY, 2002, p.47)
Analisando o contexto sócio-familiar das crianças envolvidas com algum tipo de trabalho,
Cosendey (2002) afirma que a exploração do trabalho infantil existe, principalmente, pela condição de
miserabilidade e desestruturação das famílias, ausência de políticas públicas e a péssima distribuição
de renda do Brasil. De acordo com o artigo 424 da CLT – “É dever dos responsáveis legais de
menores, pais, mães ou tutores, afastá-los de empregos que diminuam consideravelmente o seu tempo
de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário à sua saúde e constituição física, ou prejudiquem a
sua educação moral”.
Santos (2004) afirma que o combate ao trabalho infantil é um dos pontos centrais em qualquer
estratégia que tenha por objetivo a melhora dos indicativos sociais e redução da pobreza. A miséria e a
necessidade de sobrevivência, segundo Cosendey (2002), levam os pais à conivência com o trabalho
precoce dos filhos e normalmente, as crianças exploradas no trabalho são filhos de pais que também
passaram por essa situação e não conseguiram interromper o círculo. Para a autora, a sociedade muitas
vezes também reforça a exploração, na medida em que consome produtos oriundos do trabalho infantil
e não denuncia aos órgãos competentes a exploração de mão de obra infanto-juvenil.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD), realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2012 para 2013 houve queda de 15% no
número de crianças de 5 a 13 anos que estavam em situação de trabalho infantil. Entretanto, ainda se
vê muitas crianças e adolescentes de classes pobres, tanto nos meios urbanos quanto rurais do Brasil,
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envolvidos com trabalhos marcados pela informalidade, que prejudicam a frequência escolar e os
expõem a diversas situações de risco.
Cosendey (2002), afirma que o Decreto-Lei 1.313 de 1891, foi a primeira norma legal de
proteção ao trabalho infanto-juvenil que proibia o trabalho de pessoas com menos de 12 anos de idade,
fazia restrições a certas operações com maquinários e limitava a jornada em sete horas diárias, além de
proibir o trabalho noturno.
Em 1927, segundo Santos (2004), o Código de Menores da América Latina, vedava o trabalho
às pessoas menores de 12 anos, assim como proibia o trabalho noturno para menores de 18 anos.
Posteriormente, em 1932, segundo o autor, o Decreto nº 22.042 regulamentou o trabalho dos
adolescentes entre 14 e 18 anos no setor industrial, merecendo destaque por conter em seu texto uma
nítida preocupação com a saúde e educação desses trabalhadores.
A Constituição Federal de 1988, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei
10.097/2000 trouxeram para a legislação brasileira avanços significativos com relação à proteção das
crianças e dos adolescentes brasileiros. Com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
segundo Santos (2004), a idade mínima para o trabalho era de 12 anos, mas com a alteração do art.403
pela Lei 10.097, de 19.12.00, estendeu-se a proibição do trabalho infantil para as pessoas menores de
16 anos, com a ressalva de que as com idade entre 14 e 16 anos poderiam ser admitidas na condição de
aprendiz.
Outro importante dispositivo legal que trata desse tema é o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), aprovado pela Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, e que também prevê o direito à
aprendizagem. Segundo Silva, Neves Junior e Antunes (2003), o ECA busca assegurar às crianças e
aos adolescentes o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e dignidade. De acordo com os autores, para além dos direitos fundamentais consagrados na
Constituição Federal – o direito à convivência familiar e comunitária, o direito à educação, à cultura,
ao esporte e ao lazer, o ECA também regula o direito à profissionalização e à proteção no trabalho.
A Constituição Federal, em seu art. 7°, inciso XIII, proíbe todo e qualquer tipo de trabalho aos
menores de 16 anos, à exceção do trabalho na condição de menor aprendiz, a partir dos 14 anos, tema
abordado no próximo tópico.
2.3 Projeto Aprendiz
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A regulação do trabalho do menor aprendiz se sustenta em dois diplomas legais: a
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, cujos dispositivos foram objeto de alteração pela Lei
10.097/2000, viabilizando a aprendizagem fora dos Serviços Nacionais de Aprendizagem e a melhor
delimitação da jornada de trabalho, dos salários e das formas de contratação. (SILVA, NEVES
JUNIOR, ANTUNES, 2003)
Desde 2000, as empresas brasileiras são obrigadas, por lei, a incluir determinado número de
aprendizes em seu quadro de funcionários. A medida procura minimizar a taxa de desemprego entre os
jovens, faixa etária que enfrenta grandes dificuldades para se inserir no mercado de trabalho em
virtude de sua falta de experiência. Além disso, a lei estabelece que as empresas que não cumprirem a
lei 10.907 ficam sujeitas à multa de um salário mínimo por mês para cada aprendiz não empregado.
(GOLDSTEIN, 2007)
O art. 429 da CLT coloca que os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a
empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes
equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada
estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Os Sistemas Nacionais de
Aprendizagem são as entidades integrantes do Sistema “S”, nas quais se incluem o Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial – SENAI, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – SENAC, o
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, o Serviço Nacional de Aprendizagem do
Transporte – SENAT, e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – SESCOOP.
Caso os Serviços Nacionais de Aprendizagem não ofereçam cursos ou vagas suficientes para
atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser suprida pelas Escolas Técnicas de Educação,
inclusive as agrotécnicas.
O Terceiro Setor, também possui importante papel como entidade educacional
complementando a demanda criada pelo mercado. De acordo com o art. 430, da CLT, as entidades sem
fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional,
registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), estão
autorizadas a promover a formação técnico-profissional metódica, como coloca a lei. (Manual da
Aprendizagem, 2014)
As empresas privadas, portanto, podem procurar essas entidades do Terceiro Setor com o
objetivo de atender às exigências da lei e também, como em alguns casos, à responsabilidade social
envolvida na atitude de contratar um aprendiz.
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A aprendizagem é um instituto que cria oportunidades tanto para o aprendiz quanto para as
empresas, pois dá preparação ao iniciante de desempenhar atividades profissionais e de ter capacidade
de discernimento para lidar com diferentes situações no mundo do trabalho. Ao mesmo tempo, permite
às empresas formarem mão de obra qualificada, algo cada vez mais necessário em um cenário
econômico em permanente evolução tecnológica. (Manual da Aprendizagem, 2014)
A formação técnico-profissional deve ser constituída, de acordo com a Lei da Aprendizagem,
por atividades teóricas e práticas, organizadas em tarefas de complexidade progressiva, em programa
correlato às atividades desenvolvidas nas empresas contratantes. O objetivo é proporcionar ao aprendiz
uma formação profissional básica e essa formação realiza-se em programas de aprendizagem
organizados e desenvolvidos sob orientação e responsabilidade de instituições formadoras legalmente
qualificadas. (Manual da Aprendizagem, 2014)
A CLT, em seu art. 428, conceitua o contrato de aprendizagem como um:
contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o
empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 anos e menor de 24 anos inscrito em
programa de aprendizagem de formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu
desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as
tarefas necessárias a essa formação.
Segundo Goldstein (2007), formar e empregar aprendizes é uma ação de cidadania empresarial,
por permitir a formação e a inserção de jovens num mercado de trabalho cada vez mais excludente,
dando-lhes atenção integral numa fase decisiva da vida deles. A autora afirma que o ideal é ir além do
que exige a lei.
Mais do que educação para o trabalho, trata-se de buscar a educação no trabalho. Enquanto a
primeira formulação carrega uma concepção mais técnica e instrumental de educação, em que a
adequação ao mercado é a finalidade ultima, a segunda sugere que o trabalho não é uma
finalidade em si, mas uma circunstância fértil para o desenvolvimento dos jovens, de modo que
a qualidade e a abrangência da formação dos aprendizes importam tanto quanto sua
empregabilidade ao término da aprendizagem. (GOLDSTEIN, 2007, p.78)
Apesar da existência de uma legislação que protege as crianças do trabalho infantil e contribui
para a ampliação do número de vagas para os adolescentes no mercado de trabalho, obrigando as
empresas a darem espaço para esse público, os adolescentes de baixa renda ainda enfrentam muitas
dificuldades de inserção no mundo do trabalho.
Mesmo sendo alvo de políticas públicas para a juventude o que se observa é que esse público
sofre, muitas vezes, por despreparo e desinformação. Perdidos, sem saber onde buscar o primeiro
emprego, muitos adolescentes acabam por perder a idade restrita exigida pelas instituições de
formação técnico-profissional, ficando desocupados por quase toda a adolescência, ou como em
muitos casos, envolvendo-se em formas alternativas ou ilícitas de remuneração.
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3. METODOLOGIA
O objeto de estudo do presente trabalho é um projeto de responsabilidade social realizado por
uma entidade do Terceiro Setor, situada na cidade de Belo Horizonte, que atua com a formação
técnico-profissional de adolescentes de baixa renda, em situação de vulnerabilidade ou risco social. A
pesquisa desse trabalho é do tipo descritiva, com abordagem qualitativa, visto que, para Gil (1988), as
pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada
população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis.
Para Bertucci (2008), pesquisas descritivas não constituem tipos menores de pesquisa e,
embora transmitam inicialmente a ideia de que apenas relatam ou descrevem uma situação, elas têm
como objetivo principal estabelecer relações entre as variáveis analisadas e levantar hipóteses ou
possibilidades para explicar essas relações (não de forma definitiva, o que as transformaria em
explicativas).
Quanto aos meios de pesquisa, foram utilizados a pesquisa bibliográfica e o estudo de caso.
Pesquisa bibliográfica, segundo Vergara (2009), é o estudo sistematizado desenvolvido com base em
material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao público
em geral.
Na opinião de Bertucci (2008), quando se identifica um problema específico relativo a uma
organização e esse problema é analisado em profundidade, a técnica utilizada é o estudo de caso. O
autor também afirma que estudos de caso são de natureza eminentemente qualitativa e valem-se
preferencialmente de dados coletados pelo pesquisador por meio de consulta a fontes primárias e/ou
secundárias, de entrevistas e da própria observação do fenômeno. Isso não significa, contudo, que não
se possa utilizar dados quantitativos em estudos de caso.
Os instrumentos de coleta de dados utilizados nesse trabalho foram: entrevista, análise
documental e observação direta participante. A entrevista, segundo Bertucci (2008), consiste em uma
indagação direta, realizada no mínimo entre duas pessoas, com o objetivo de conhecer a perspectiva do
entrevistado sobre um ou diversos assuntos. De natureza subjetiva, a entrevista constitui um dos mais
úteis instrumentos de coleta de dados na área de ciências sociais aplicadas, na qual se incluem as
ciências gerenciais.
Foram realizadas quinze entrevistas, no mês de fevereiro de 2015, dirigidas a adolescentes que
participaram do Projeto PNJ no primeiro semestre de 2014. A população amostral selecionada é
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residente de uma comunidade em situação de vulnerabilidade e risco social de Belo Horizonte, que foi
assistida pelo Projeto PNJ em 2014.
A análise documental foi utilizada com o objetivo de fazer o levantamento do perfil social,
econômico e familiar dos adolescentes pesquisados. Foram analisados documentos do projeto tais
como fichas de cadastro e planilhas de mapeamento de perfil. A pesquisa documental, segundo
Bertucci (2008), consiste na realização do trabalho monográfico tendo como referência a leitura, a
análise e a interpretação de documentos existentes acerca de um determinado fenômeno. Esses
materiais, de acordo com o autor, podem ser livros e artigos científicos, como também outros relatórios
de pesquisa, documentos internos disponibilizados por órgãos públicos, organizações ou famílias,
documentos de época, fotos, gravações, informações extraídas de jornais, revistas e boletins.
Outra técnica utilizada foi a observação direta participante, pois a pesquisadora é também
colaboradora do Projeto PNJ. A observação direta, segundo Bertucci (2008), para a elaboração de
TCCs, constitui uma técnica preciosa, especialmente quando o aluno trabalha na empresa onde está
realizando seu trabalho. Contudo, é necessário transformar percepções pessoais em observações
científicas. O autor afirma que a observação direta, no caso da realização de trabalhos em empresas,
possibilita ao pesquisador um lugar privilegiado para relatar e analisar situações.
O perfil dos 15 adolescentes entrevistados que participaram do Projeto PNJ no primeiro
semestre de 2014 é composto por 9 mulheres e 6 homens. Quanto a idade, 11 deles tem 16 anos e 4, 17
anos. Todos eles já haviam passado da idade de cadastro na entidade pesquisada, que seria de 15 anos
e 8 meses até 15 anos, 9 meses e 29 dias. A idade da população amostral no período da entrevista foi:
11 estavam com 17 anos e 4, com 18 anos.
A análise dos dados coletados através das entrevistas é uma análise de conteúdo, apresentada
no tópico a seguir.
4. ANÁLISE DOS DADOS
4.1 O Projeto PNJ
O Projeto PNJ é executado há onze anos e foi criado a partir de uma demanda detectada pela
entidade pesquisada em duas comunidades carentes de Belo Horizonte. Muitos adolescentes dessas
duas comunidades encontravam-se fora do mercado de trabalho formal expostos às inúmeras
vulnerabilidades e riscos existentes no meio social em que estavam inseridos. Esse cenário motivou a
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entidade a iniciar um projeto de responsabilidade social que levasse qualificação profissional aliada à
formação pessoal aos adolescentes participantes, facilitando assim o acesso deles ao mundo do
trabalho.
A idade exigida para cadastro na entidade que realiza o Projeto PNJ é de 15 anos e 8 meses até
15 anos, 9 meses e 29 dias. Caso o adolescente tenha passado dessa idade, ou seja, tenha completado
15 anos e 10 meses, ele só poderá tentar realizar o cadastro novamente na entidade após os 18 anos. A
idade para participação no Projeto PNJ, portanto, é de 15 anos e 10 meses até 17 anos, já que a
proposta do projeto é atender aqueles adolescentes que não conseguiram se inserir no programa de
aprendizagem na primeira idade exigida pela entidade.
Atualmente o projeto atende um total de três comunidades carentes, em situação de
vulnerabilidade social, tem a duração de três meses e consiste na oferta de cursos de qualificação e de
um processo de Orientação Profissional, que são realizados dentro das próprias comunidades
assistidas, através de parcerias com a rede socioassistencial que cedem as salas para a realização do
projeto.
O Projeto PNJ contempla três pilares de atuação: Pilar Profissional, Pilar Pessoal e Pilar
Ambiental. O Pilar Profissional é composto por cursos profissionalizantes de Rotinas Administrativas,
Excelência no Atendimento ao Cliente, Português, Raciocínio Lógico e Informática. Além dos cursos
os adolescentes têm acesso a um processo de Orientação Profissional que abrange um trabalho de
autoconhecimento, informações sobre o mundo do trabalho, elaboração de currículo e preparação para
entrevista de emprego.
No Pilar Ambiental, o Projeto PNJ oferece aos adolescentes um curso teórico e prático de
Preservação Ambiental e Cidadania com a finalidade de promover uma educação ambiental
comprometida com a cidadania e introduzir mudanças de paradigmas que levem os adolescentes a se
inserirem em processos democráticos de transformação, resgatando o sentimento de pertencimento ao
ambiente natural.
O projeto tem o compromisso de trabalhar com o público assistido não somente conteúdos, mas
também valores essenciais à vida pessoal e profissional. No Pilar Pessoal, atividades, dinâmicas de
grupo e rodas de conversa são realizadas com o objetivo de trabalhar com os adolescentes valores,
como respeito ao próximo e honestidade, além do desenvolvimento e do reforço da autoestima, da
postura crítica diante do mundo, do relacionamento interpessoal, da capacidade de auto e
heteroavaliação, do trabalho em equipe, entre outros.
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É realizado no Projeto PNJ um trabalho com as famílias dos adolescentes, através de reuniões,
palestras e encontros de famílias, buscando fortalecer a função protetiva da família, prevenir a ruptura
de seus vínculos e contribuir para a melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o desenvolvimento de
potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por
meio de ações de caráter preventivo e proativo.
O Projeto PNJ utiliza-se também de ações nas áreas culturais para o cumprimento de seus
objetivos, de modo a ampliar o universo informacional e proporcionar novas vivências aos
adolescentes usuários. Suas ações visam promover espaços para troca de experiências, expressão de
dificuldades e reconhecimento de possibilidades.
Por ser realizado por uma entidade sem fins lucrativos e de assistência social e por ser um
projeto de responsabilidade social o PNJ tem como princípio norteador a gratuidade de atendimento.
Ao término os adolescentes realizam uma avaliação na qual são convocados a expressar o que
aprenderam durante o projeto. Através dessas avaliações é possível para a entidade perceber a
dimensão e a relevância do trabalho feito com os adolescentes participantes. O Quadro 1, a seguir,
apresenta algumas dessas avaliações.
QUADRO 1: Avaliações dos adolescentes do primeiro semestre de 2014
“O Projeto PNJ coloca uma nova visão do mundo do trabalho para o jovem que faz o curso. No curso você
faz novas amizades, perde a timidez e desenvolve novas habilidades.”
“No processo de orientação profissional eu pude me conhecer melhor. Eu não sabia que eu era tão capaz de
realizar tais tarefas. Com o curso eu descobri o que é trabalho. Para mim trabalho era uma coisa chata,
cansativa e estressante. Mas agora eu sei que se eu me 'especializar' em fazer o que eu gosto, o trabalho pode
ser algo excepcional.”
“Aprendi a trabalhar em grupo, como me comportar nas entrevistas de emprego, a postura certa na empresa
e várias outras coisas. Perdi um pouco da minha timidez e aprendi a ficar mais atento.”
“Com Projeto PNJ tive oportunidade de conhecer mais sobre o mundo do trabalho. Descobri novas
profissões e isso abriu minha mente. Eu aprendi que é importante cuidar do futuro desde sempre.”
“Aprendi a lidar com certas coisas, como por exemplo, dar conta não só de mim mesmo, pois todos temos
dificuldades. No projeto tive a possibilidade de decidir o que eu quero fazer no meu futuro.”
“Agora estou com uma visão melhor para o mercado de trabalho. Eu vi várias coisas e lugares que nunca
tinha ouvido falar e que eu nem pensava.”
“Quando entrei no projeto, eu ainda não sabia qual profissão seguir ou qual faculdade fazer. Eu estava
“meio” perdida, agora eu já tenho várias ideias, porque eu sei mais sobre mim, sei o que gosto e o que eu
não gosto.”
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“Conheci mais sobre a área que pretendo da trabalhar. Gostei muito do projeto.”
“O projeto me mostrou vários caminhos, abrindo minha mente nas aulas.”
“As etapas da orientação profissional me ajudaram a ter mais conhecimentos e a decidir minha profissão. Eu
aprendi como funciona o mercado de trabalho, a postura que devemos ter dentro da empresa e diante de uma
entrevista. Estou preparada para enfrentar o mundo do trabalho.”
Fonte: adaptado pela autora a partir de documentos do Projeto PNJ
É realizada uma formatura na própria entidade, na qual os adolescentes podem confraternizar
com seus familiares, amigos e colaboradores da entidade a conquista alcançada. Nesse momento eles
recebem o certificado de conclusão de curso que pode ajudá-los na busca por um emprego formal no
mercado de trabalho. Porém, o que se tem observado é que a realidade não é bem assim para a maioria
dos adolescentes. A seguir, são analisadas as entrevistas feitas com alguns dos adolescentes que
participaram do Projeto PNJ no primeiro semestre de 2014.
4.2 Análise das Entrevistas
A entrevista contou com quatro perguntas abertas e teve como objetivo analisar as percepções
da população amostral pesquisada sobre o Projeto PNJ, oferecido pela entidade. Eles foram
questionados sobre como avaliam o projeto, se conseguiram emprego após a conclusão do projeto, se
encontraram dificuldades e/ou obstáculos na integração ao mundo do trabalho e as expectativas com
relação à contratação na própria entidade.
Com relação a como avaliam o Projeto PNJ, todos os 15 adolescentes avaliaram positivamente
afirmando que o projeto foi muito importante e positivo na vida deles. Os adolescentes relataram que o
aprendizado sobre o mundo do trabalho foi muito grande e que desenvolveram questões importantes
tanto para a vida pessoal quanto profissional. Uma das adolescentes entrevistada afirmou que foi o
projeto que a ajudou a perder a timidez. Alguns disseram que irão levar essa experiência para toda a
vida.
Dos adolescentes entrevistados, 11 encontram-se desempregados um ano após o término do
Projeto PNJ e 4 estão trabalhando, sendo que esses já completaram 18 anos. Os adolescentes que estão
desempregados afirmaram que estão encontrando muitas dificuldades de integração ao mundo do
trabalho. Um deles relatou ter conseguido alguns “bicos”, sem carteira assinada.
Todos os adolescentes que ainda estão desempregados disseram que chegaram a realizar
cadastro em outras instituições que também contratam aprendizes em Belo Horizonte, mas nenhuma
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delas os convocou para o programa de aprendizagem. A dificuldade devido à idade ser incompatível
com a exigida por algumas instituições também foi relatada por esses adolescentes como um grande
dificultador. Um deles chegou a dizer que desistiu de tentar emprego, pois, segundo ele, dificilmente
um adolescente menor de 18 anos consegue emprego e afirmou ainda ter muitos amigos na mesma
situação.
Todos os 15 adolescentes, entrevistados, incluindo os que hoje estão empregados em outras
entidades, afirmaram que tiveram grande desejo e expectativa de terem sido convocados para o
programa de aprendizagem da entidade pesquisada após o término do projeto, pois estavam precisando
muito trabalhar e haviam passado por qualificação profissional na própria entidade, o que os instigou
ainda mais na busca pelo primeiro emprego. Uma das adolescentes relatou que sonhava todas as noites
que havia conseguido emprego como aprendiz na entidade pesquisada.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desse trabalho foi percebida a necessidade e a relevância da área de Gestão de Pessoas
dentro de qualquer organização, seja ela privada ou do Terceiro Setor. A entidade pesquisada não
possui uma área de Gestão de Pessoas, prevalecendo ainda o antigo departamento de pessoal, que tem
a função, como apontado no tópico Responsabilidade Social e Gestão de Pessoas, apenas de admitir
funcionários, registrá-los legalmente, controlar as normas seguidas por eles, puni-los, apontar seus
cartões de ponto e dispensá-los.
Com esse modelo de RH, obsoleto e restrito, a comunicação interna é falha e desarmônica, os
funcionários não possuem clareza das estratégias, dificultando com que eles possam caminhar junto
com a organização. Nesse cenário os funcionários não são reconhecidos como importantes parceiros
estratégicos, não existindo gestão participativa, compromisso da organização com treinamento e
desenvolvimento dos funcionários, espaços para discussão e reflexão sobre as práticas e projetos, entre
outras ações que poderiam contribuir para maximizar os resultados alcançados pela entidade.
Com funcionários mais satisfeitos e motivados e uma área de Gestão de Pessoas estratégica, a
entidade poderia entregar ao seu público-alvo – os adolescentes e suas famílias em situação de
vulnerabilidade social – um produto final mais socialmente responsável e de qualidade.
O objetivo geral deste estudo foi fazer uma análise crítica do Projeto PNJ, propondo uma
reflexão sobre novas possibilidades de atuação com os adolescentes assistidos, a fim de cumprir de
maneira mais eficaz com o objetivo da responsabilidade social proposta.
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O PNJ é um projeto de Responsabilidade Social realizado pela entidade pesquisada, pois
cumpre uma função social muito relevante na medida em que oferece qualificação profissional, além
de um programa de desenvolvimento humano, ético e cidadão, de forma gratuita, a adolescentes de
baixa renda, em situação de vulnerabilidade social, que não conseguiram se inserir no programa de
aprendizagem da entidade na idade exigida. Essa é uma forma que a entidade pesquisada encontrou de
oferecer um apoio a uma parcela dos adolescentes que estão à margem, ou seja, que vem de uma
trajetória de exclusão.
As falas dos próprios adolescentes como demonstra o Quadro I: Avaliações dos adolescentes
do primeiro semestre de 2014 possibilita que a entidade faça uma avaliação qualitativa da dimensão
dos resultados alcançados pelo projeto e a sua relevância na vida do público assistido. Contudo, os
dados das entrevistas, que, dentre outras, avaliam o índice de integração ao mundo do trabalho após a
conclusão do Projeto PNJ, não são satisfatórios se for feita uma reflexão a partir da lógica da
responsabilidade social.
O que se pode observar é que mesmo com uma proposta de trabalho tão ampla e consistente,
que oferece um importante apoio e novas perspectivas de vida para os adolescentes participantes do
Projeto PNJ, somente a oferta de qualificação profissional não atende à verdadeira demanda de grande
parte desse público.
A maioria dos adolescentes demanda com certa urgência, emprego, ou seja, necessita de
remuneração, necessidade essa justificável tendo em vista a realidade social, econômica e familiar
desses meninos e meninas. Por ser um público de baixa renda, que vive em comunidades carentes, em
situação de vulnerabilidade e risco social, onde imperam a pobreza, a precariedade no sistema
educacional, o tráfico de drogas, a criminalidade, a violência, entre outros, essa realidade não pode
deixar de ser levada em consideração no momento do planejamento das ações e propostas do projeto.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei da Aprendizagem e as políticas públicas voltadas
para juventude são temas abordados com os adolescentes, porém, mesmo que eles se tornem mais
informados e preparados a partir da participação no projeto, essa pesquisa mostra que o público
assistido continua enfrentando situações de exclusão e dificuldades de integração ao mundo do
trabalho.
O principal fator para tal dificuldade se dá devido à idade para cadastro nas instituições de
formação técnico-profissional ser extremamente restritiva. A legislação brasileira permite ao
adolescente, a partir dos 14 anos, ingressar no mundo do trabalho como aprendiz, contudo,
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pouquíssimas ou quase nenhuma entidade, autorizadas a realizarem o programa de aprendizagem,
recebem adolescentes com essa idade.
Frustrados com a falta de emprego, desmotivados, encontrando muitas dificuldades e restrições
no caminho profissional e se sentindo excluídos do mercado de trabalho o que se observa é que esses
adolescentes acabam ficando desocupados por um longo período da adolescência e expostos aos riscos
do meio em que vivem. Alguns acabam se vendo obrigados a aceitar trabalhos que os explorem e não
ofereçam os direitos aos quais a legislação garante à criança e ao adolescente.
O curto tempo para a realização da pesquisa acabou fazendo com que não fosse possível
trabalhar com uma população amostral maior, o que teria sido bastante enriquecedor para a análise dos
dados e resultados da pesquisa. Sugere-se para futuras pesquisas que o tema da inserção de
adolescentes no mercado de trabalho na lógica da responsabilidade social seja explorado em maior
profundidade, discutindo sobre formas de atuação mais socialmente responsáveis por parte das
organizações envolvidas com a questão do trabalho infanto-juvenil, como as empresas que contratam
aprendizes e as entidades de formação técnico-profissional.
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