UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
RICARDO HERMANN PLOCH MACHADO
O vínculo entre a linguagem e a realidade
Wittgenstein acerca da intencionalidade, do Tractatus às Bemerkungen
São Paulo 2010
Ricardo Hermann Ploch Machado
O vínculo entre a linguagem e a realidade
Wittgenstein acerca da intencionalidade, do Tractatus às Bemerkungen
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Filosofia sob a orientação do Prof. Dr. João Vergílio Gallerani Cuter.
São Paulo
2010
Agradecimentos
Aos meus pais,
aos bons amigos,
ao João Vergílio, à Geni e à Maria Helena, e à FAPESP, pelo apoio financeiro que possibilitou esta pesquisa.
RESUMO
MACHADO, R. H. P. O vínculo entre a linguagem e a realidade – Wittgenstein acerca da intencionalidade, do Tractatus às Bemerkungen. 2010. 152 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. A noção de pensamento desempenha um papel fundamental no funcionamento da linguagem segundo a teoria da figuração do Tractatus Logico-Philosophicus. Cabe a ela realizar a projeção da realidade, composta em última instância de objetos logicamente simples, nas proposições de nossa linguagem que, não obstante não pareça assim, está em perfeita ordem lógica. Desse modo, quando a ontologia tractariana passa por uma radical revisão em 1929, ano em que Wittgenstein volta a Cambridge e ao trabalho filosófico em tempo integral, deixa de ser possível que o pensamento desempenhe a mesma função que anteriormente. Neste trabalho, buscamos investigar em que medida as transformações impostas à filosofia do Tractatus alteram a maneira como a linguagem consegue se referir com sucesso à realidade. Palavras-chave: Wittgenstein, linguagem, pensamento, lógica, gramática.
ABSTRACT
MACHADO, R. H. P. The connection between language and reality – Wittgenstein on intentionality, from the Tractatus up to the Bemerkungen. 2010. 152 f. Thesis (Master Degree) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. The notion of thought plays a fundamental role in the way language functions according to the picture theory of the Tractatus Logico-Philosophicus. It is this notion that is responsible for the projection of reality, which is ultimately composed of logically simple objects, onto the propositions of our everyday language which, appearances notwithstanding, is in perfect logical order. In this way, when the tractarian ontology undergoes radical changes in 1929, the year of Wittgenstein’s return to Cambridge and to full time work in philosophy, it is no longer possible that thoughts play the same role as before. In this work, we try to investigate to what extent the transformations forced upon the Tractatus philosophy change the manner in which language can successfully describe reality. Key Words: Wittgenstein, language, thought, logic, grammar.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................8
2 A INTENCIONALIDADE NO TRACTATUS......................................13
2.1 O conceito de proposição tractariano............................................14
2.1.1 Frege e Russell acerca da proposição e da verdade.................16
2.1.2 O conceito de proposição das Notes on Logic...........................29
2.2 A teoria do juízo de Russell...........................................................39
2.2.1 A teoria das descrições..............................................................41
2.2.2 A teoria dos tipos........................................................................53
2.2.3 O juízo e a metafísica de fatos...................................................59
2.3 A teoria da figuração e a ideia de uma sintaxe lógica...................62
2.3.1 O pensamento............................................................................81
2.3.2 As elucidações dos sinais primitivos..........................................90
2.3.3 A linguagem ordinária e a completamente analisada.................96
3 O COLAPSO DO MODELO TRACTARIANO DE ANÁLISE...........100
3.1 O problema dos graus de qualidades..........................................100
3.2 De uma lógica de tautologias a uma lógica de equações...........102
4 A INTENCIONALIDADE NAS BEMERKUNGEN............................105
4.1 Linguagem fenomenológica e verificabilidade.............................105
4.2 O tempo e o fracasso do projeto de uma linguagem não hipotética...........................................................................................109
4.3 A nova concepção de análise.....................................................117
4.4 O desaparecimento do conceito de Vertretung...........................119
4.5 A nova figuratividade...................................................................120
4.6 A intenção....................................................................................130
4.7 A ligação entre linguagem e realidade........................................136
5 CONCLUSÃO.................................................................................144
6 REFERÊNCIAS..............................................................................151
Tabela de abreviações
Obras de Wittgenstein:
Tractatus – Tractatus Logico-Philosophicus
PhB – Philosophische Bemerkungen
NB – Notebooks 1914-1916
SRLF – Some Remarks on Logical Form
WA – Wiener Ausgabe, volumes I e II
Anotações de conversas com Wittgenstein:
WWK – Wittgenstein und der Wiener Kreis
VW – Voices of Wittgenstein
Obras de Russell:
Pples – The Principles of Mathematics
OD – “On Denoting”
Principia – Principia Mathematica
Obras de Frege:
Bg – Begriffsschrift
KS – Kleine Schrfiten
8
1 INTRODUÇÃO
Pode parecer estranho eleger como tema de pesquisa o que um determinado filósofo
tem a dizer acerca de uma noção cujo nome nunca é mencionado em sua obra e que é central
para uma tradição filosófica – a fenomenologia – normalmente caracterizada como
diametralmente oposta àquela que o tem como uma de suas principais figuras. Até mesmo já
foi dito que, se existe um filósofo de quem Wittgenstein está mais afastado no mundo
filosófico contemporâneo, este é Husserl, justamente o fundador da fenomenologia.1 E, com
efeito, não se vai encontrar na obra de Wittgenstein nada parecido com “uma ciência da
consciência fundada na elucidação das estruturas intencionais dos atos e de seus objetos
correlativos, o que Husserl chamava de estrutura noético-noemática da consciência.”2 De
modo que, se a única forma de abordar a intencionalidade é por meio da fenomenologia
concebida à maneira husserliana, é difícil deixar de imaginar que o que nos propusemos a
fazer nesta dissertação constitua um imenso desperdício de tempo e papel. Mas, ao menos em
relação ao antecedente do condicional anterior, a situação não é bem essa. Se tomarmos por
base uma definição suficientemente geral e (na medida do possível) pouco contaminada
filosoficamente da intencionalidade, poderemos imediatamente ver como o interesse por essa
noção atravessa toda a obra de Wittgenstein – e em especial a parte dessa obra que
pretendemos explorar, sua primeira filosofia e o início do chamado período intermediário.
Encontrar esse ponto de partida, por sua vez, não é tarefa muito complicada.
Em seu livro Intencionalidade, publicado em 1983, John Searle oferece esta
formulação preliminar da noção cujo nome é o título de sua obra: “A Intencionalidade é
aquela propriedade de muitos estados e eventos mentais por meio da qual eles se dirigem ou
são sobre objetos e estados de coisas no mundo. Se, por exemplo, tenho uma crença, ela deve
ser uma crença de que tal e tal coisa seja o caso; se tenho um medo, ele deve ser medo de algo
ou de que algo vá acontecer; se tenho um desejo, deve ser desejo de fazer algo ou de que algo
aconteça ou seja o caso; se tenho uma intenção, deve ser intenção de fazer algo.”3 Segundo
esta definição, um relato como “Creio que a encomenda chegará hoje” descreveria um estado
mental que é intrinsecamente individuado por duas características: em primeiro lugar, pelo
tipo de fenômeno mental, especificado pelo verbo “crer”, do qual meu estado mental é uma
instância; em segundo lugar, por aquilo em que creio quando estou nesse estado mental, a
saber, que a encomenda chegará hoje. Pois, se, em vez de crer que a encomenda chegará hoje,
1 Cf. [Bouveresse, 1987], pp. 20-21.
2 [Moran, 2000], p. 16.
3 [Searle, 1983], p. 1.
9
eu desejasse que isso acontecesse, ou ainda se eu não cresse que ela chegará hoje, mas
amanhã, eu estaria em outro estado mental. No primeiro caso, o que muda é o tipo do estado
mental em questão – o que era uma crença passa a ser um desejo – e, no segundo, o que pode
ser chamado de conteúdo do estado intencional, indicado em um relato pela cláusula “que p”
– p, que antes era “a encomenda chegará hoje”, passa a ser “a encomenda chegará amanhã”.
Embora Searle também fale de estados intencionais que se dirigem a objetos no mundo,
limitaremos nossa discussão a seguir aos estados que podem ser descritos por uma instância
da forma “A verbo que p”, na qual “verbo” marca o lugar de algum verbo intencional, como
“crer”, “desejar” ou “temer”, e “p”, o de uma proposição determinada.4
Os verbos intencionais marcam as distinções específicas entre os estados descritos
pelos relatos em que aparecem, de modo que é possível que estados de tipos distintos, mas
mesmo conteúdo, mantenham relações diferentes com aquilo a que se dirigem no mundo. A
fim de exemplificar isso, tomemos o caso das crenças, mencionado no parágrafo anterior.
Estas, ao contrário de fenômenos mentais de outros tipos, como os medos ou desejos, podem
ser verdadeiras ou falsas, propriedade que depende da existência ou inexistência daquilo em
que se crê quando se está nesse estado. Ou seja, não é apenas o relato “A crê que chove” que é
verdadeiro ou falso dependendo da ocorrência do estado intencional descrito – assim como o
valor de verdade de “A deseja que chova” depende da ocorrência de determinado estado
intencional em A –, mas também a própria crença descrita deve apresentar um valor de
verdade: ela é verdadeira caso efetivamente esteja chovendo, ou falsa, caso não chova. E esta
peculiaridade das crenças parece particularmente útil para o esclarecimento da natureza dos
conteúdos dos estados intencionais. Pois, se o conteúdo desse tipo de estado é aquilo em que
se crê quando se está nele – precisamente o que é indicado pela cláusula “que p” em seu relato
–, a dependência do valor de verdade da crença em relação à ocorrência ou não ocorrência de
um evento no mundo sugere que seja este evento o conteúdo do estado intencional em
questão. Ora, esta afirmação não parece nada problemática se levarmos em conta apenas as
crenças verdadeiras. Dizemos que A crê corretamente que chove quando efetivamente chove,
e assim que o conteúdo de sua crença é o fato de que chove. Entretanto, a situação não
permanece tão simples quando passamos a considerar as crenças falsas.
4 Esta limitação ganhará pleno sentido quando abordarmos o uso que Wittgenstein faz da teoria das descrições
russelliana no Tractatus. Pois ali ficará claro que, se é possível falar com sentido de um (e apenas um)
determinado objeto – não tractariano, evidentemente –, ele deverá ser necessariamente complexo e, assim,
descrito por uma proposição. Embora essa proposição não ganhe expressão sensível no sinal utilizado para
nos referirmos ao objeto, no plano simbólico – do sentido, propriamente – o que ocorre é a “síntese de um
complexo num símbolo simples”, que “pode ser expressa por meio de uma definição.” (Tractatus, 3.24)
10
Supondo que o comportamento das crenças falsas seja idêntico a esse suposto
comportamento das verdadeiras, isto é, que seu conteúdo seja aquilo que é o caso quando ela
é verdadeira, uma primeira possibilidade seria admitir que o mundo é composto tanto de fatos
verdadeiros quanto de fatos falsos. Os primeiros seriam os conteúdos de crenças verdadeiras,
os últimos, de crenças falsas.5 Mas será que é preciso pagar um preço tão alto como o de
admitir falsidades objetivas a fim de explicar como é possível crer falsamente em algo? É
fácil ver como a raiz dos problemas com essa linha de raciocínio está em tomar fatos no
mundo enquanto conteúdos de crenças verdadeiras. Na medida em que crer em algo é dirigir-
se a um evento como o conteúdo de um estado mental, crenças falsas, para que não deixem de
ser crenças, precisam também possuir um conteúdo. Naturalmente, o conteúdo não pode ser o
fato que a tornaria verdadeira, pois é justamente a ausência deste que a torna falsa. Postula-se,
então, que crenças falsas possuam como conteúdo falsidades objetivas. E que outro caminho
explicativo se abre se decidirmos negar que o conteúdo de um estado intencional seja um fato
no mundo?
A questão que reaparece com essa forma de compreender o conteúdo dos estados
intencionais não é nada menos que o antigo problema do falso, tal como ele aparecera no
Teeteto de Platão. Se parece possível explicar o funcionamento das crenças verdadeiras, uma
vez que podemos encontrar no mundo algo a que elas supostamente se dirigem, as crenças
falsas, por sua vez, tornar-se-iam impossibilidades de direito, já que seriam estados
intencionais que não se dirigem a nada. A solução que encontramos para esse dilema nos
escritos de Wittgenstein que cobrem sua primeira filosofia é bastante clara: quando cremos ou
pensamos em algo, o que produzimos é uma representação de um evento no mundo. Esta
representação é também um fato no mundo e é verdadeira ou falsa dependendo da existência
ou inexistência do fato que ela representa. Desse modo, torna-se possível crer em p mesmo
que p não seja o caso; o que faz as vezes de conteúdo do estado intencional é uma
representação que não pode deixar de existir, porque é parte constitutiva do estado em
questão:
É claro, porém, que “A acredita que p”, “A pensa p”, “A diz p”, são da
forma “ ‘p’ diz p”. E não se trata aqui de uma coordenação de um fato e um
objeto, mas da coordenação de fatos por meio da coordenação de seus
5 Este é a forma como Russell lida com as atitudes proposicionais nos Principles. Crer é uma relação binária
que tem como termos o sujeito e uma proposição – uma entidade complexa objetiva, um constituinte da
realidade. Se o sujeito crê em uma proposição verdadeira, sua crença é verdadeira; se crê em uma falsa, a
crença é falsa. Esta noção de proposição é rejeitada com a teoria do juízo enquanto relação múltipla, fonte
muito importante para a filosofia do Tractatus de Wittgenstein.
11
objetos. (Tractatus, 5.542)
Para Wittgenstein, portanto, o problema da intencionalidade coincide com o problema
da representação. Explicar como é possível dirigir-se a eventos no mundo requer explicar
como é possível que um determinado fato no mundo possa ser utilizado como representação
de outro fato possível. No Tractatus, as representações são concebidas como figurações, e seu
funcionamento é explicitado pela famosa teoria da figuração que constitui o cerne da obra.
Um fato pode ser utilizado como uma representação de outro fato na medida em que os
constituintes de um correspondam, um a um, aos constituintes do outro, e estes estejam
arranjados segundo uma estrutura que pode ser assumida pelos dois conjuntos de elementos.
Contudo, para que a teoria da figuração sirva como uma explicação satisfatória da
representação e, por conseguinte, da intencionalidade dos estados mentais, Wittgenstein
propõe uma peculiar ontologia de objetos sempiternos dotados de propriedades essenciais que
governam todas as suas possibilidades de combinação com outros objetos. Quando, em 1929,
essa ontologia é rechaçada, torna-se necessário repensar a teoria da figuração e, por
conseguinte, o funcionamento das representações.
O que não quer dizer, no entanto, que, em suas grandes linhas, não persista algo
semelhante à teoria da figuração na filosofia de Wittgenstein, quando este retorna a
Cambridge e produz o material que serve para a compilação das Philosophische
Bemerkungen. Pois representações continuam a ser concebidas como fatos no mundo que, em
virtude de suas propriedades lógicas, estão internamente relacionadas a outros fatos possíveis:
O que é essencial na intencionalidade, na intenção, é a figuração. É a
figuração do que é visado. (PhB, § 21a)
Eu apenas uso os termos a expectativa, o pensamento, o desejo etc. de que p
seja o caso se esses processos têm a multiplicidade que se exprime em p;
logo apenas se eles são articulados. (PhB, § 32a)
Entretanto, sem a ontologia de objetos e estados de coisas elementares e logicamente
independentes do Tractatus, a explicação do que seja a multiplicidade que um evento deve ter
para representar um outro evento p deve assumir outras feições. A teoria da figuração, se deve
poder ser preservada, terá de passar por transformações.
Esta dissertação consiste, então, em uma investigação sobre teoria da figuração, desde
sua origem nos escritos anteriores ao Tractatus até sua crise em 1929, com a volta de
12
Wittgenstein à filosofia e a compilação das Philosophische Bemerkungen.
13
2 A INTENCIONALIDADE NO TRACTATUS
Tratar do tema da intencionalidade na filosofia de Wittgenstein à época do Tractatus é
basicamente tratar da teoria da figuração que constitui o cerne dessa obra. Uma vez que essa
teoria é uma maneira de explicar o sentido proposicional que diverge em importantes
respeitos das explicações anteriores fornecidas por Frege e Russell, estes os responsáveis “por
boa parte do estímulo às (…) ideias” de Wittgenstein expostas no Tractatus (TLP, Prefácio),
parte importante do trabalho deverá ser o de obtermos clareza sobre o que deixava nosso autor
insatisfeito com essas teorias alternativas e quais eram as razões que tornavam a nova
concepção da proposição como figuração preferível àquelas. Do ponto de vista cronológico,
basta uma breve leitura do mais antigo registro presente no Nachlass wittgensteiniano, as
Notes on Logic de setembro de 1913, para perceber que nosso autor, mesmo antes de chegar à
ideia de figuratividade que encontramos no Tractatus,6 já manifestava importantes reservas
em relação a teorias da proposição de inspiração fregeana, principalmente no que dizia
respeito à relação entre sentido e valores de verdade e ao estatuto das proposições lógicas, o
que convidava a uma revisão fundamental das ideias de Russell e Frege a respeito do papel e
funcionamento dos conectivos proposicionais.
Grande parte das ideias presentes nesse texto foi posteriormente integrada ao
Tractatus, o que mostra que essas críticas iniciais às posições de seus antecessores são
consistentes com a teoria da figuração em sua forma acabada e constituem, ao menos
temporalmente, o ponto de partida para a formulação da teoria. Especialmente significativa é
a presença nas Notes de uma versão preliminar e quase literal do aforismo 4.063 do Tractatus,
passagem que de certa forma encerra e resume as considerações sobre a proposição iniciadas
no grupo de aforismos número 3, e na qual Wittgenstein propõe uma ilustração do conceito de
verdade entendido à maneira de Frege e aponta quais são os equívocos contidos nesse modelo.
Assim, começaremos nosso trajeto em direção à teoria da figuração pela exposição das
principais ideias de Frege e de Russell (à época dos Principles) a respeito da proposição e da
verdade, de modo que nos seja possível compreender o percurso realizado pelo próprio
Wittgenstein até o Tractatus.
6 Não há nenhuma ocorrência da palavra “picture” nas Notes on Logic e a palavra alemã “Bild” aparecerá pela
primeira vez apenas em 29 de setembro de 1914, em uma passagem dos Notebooks, junto da célebre
ilustração dos esgrimistas.
14
2.1 O CONCEITO DE PROPOSIÇÃO TRACTARIANO
Wittgenstein pensa a proposição no Tractatus fundamentalmente à maneira de uma
resposta às teorias da proposição de Frege e Russell. Sua nova teoria pode ser vista
essencialmente como uma tentativa de restituir a unidade proposicional e superar as
dificuldades que afligiam as teorias de seus antecessores justamente pela incapacidade de
conservar essa unidade. O primeiro passo nessa restauração é resistir a tratar a proposição
como o nome de um valor de verdade ou de um complexo, pois ao assim tratarmo-la fazemos
com que a peculiar propriedade da proposição, a saber, a de ser um veículo de verdade ou
falsidade, lhe seja algo exterior, e assim alheio à lógica. Tanto Frege quanto Russell, ao
pensarem as proposições como nomes, fazem uso de dispositivos que introduzem uma cisão
no conteúdo semântico proposicional e terminam por deixar logicamente inexplicável a
relação que uma proposição tem com seu valor de verdade. O segundo passo diz respeito ao
caráter composicional do sentido proposicional: contra Russell, e inspirando-se de certa
maneira em Frege, Wittgenstein salienta o papel da forma na constituição do sentido, mas não
como um dos constituintes da proposição, e sim como algo imanente ao símbolo, sem o qual
ele não poderia chegar a significar o que efetivamente significa.
Russell e Frege concebem a proposição como uma entidade complexa determinada
pelas contribuições dadas por suas partes constituintes. À época dos Principles, Russell
sustentava uma metafísica de proposições segundo a qual o mundo é constituído por termos,
os quais, por sua vez, podem se agrupar em proposições. Termo é tudo aquilo que pode ser
tornado o sujeito de uma proposição e todo termo tem ser. Proposições são agrupamentos de
termos que têm uma propriedade especial: elas são verdadeiras ou falsas. A análise de Russel,
portanto, comporta apenas dois níveis: por um lado, temos a expressão linguística da
proposição e, por outro, os termos que a constituem e são significados pelas partes
constituintes da sentença. Frege, por sua vez, adere a um modelo ternário de análise: partindo
de uma expressão logicamente bem formada da linguagem, identificamos duas espécies de
conteúdo semântico, a saber, a proposição expressa um pensamento, seu sentido, e além disso
se refere a um objeto de um tipo determinado, um valor de verdade. Essa mesma duplicidade
no interior do conteúdo semântico da proposição é encontrada em suas partes constituintes: o
pensamento expresso por ela é constituído pelos sentidos de suas partes, e a referência (o
valor de verdade) é uma função das referências das partes. Por conseguinte, à diferença de
Russell, Frege sustenta que existe um nível intermediário entre as expressões linguísticas e
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seus significados, o nível do sentido.
Contudo, apesar de proporem semânticas distintas para explicar o funcionamento da
linguagem, os dois filósofos enfrentam problemas análogos ao lidar com a verdade. Russell,
ao conceber a verdade e a falsidade como propriedades indefiníveis de proposições, e Frege,
ao conceber o Verdadeiro e o Falso como objetos aos quais as proposições se referem como
seus nomes, não conseguem explicar logicamente por que o fato de a proposição ser complexa
a torna um possível veículo de verdade. Partindo da notação de Peano (� p), Russell distingue
dois componentes na proposição, o conceito proposicional e a asserção. O conceito
proposicional é a proposição considerada independentemente de qualquer relação com sua
verdade ou falsidade, e o acréscimo da asserção resulta em uma proposição tomada como
verdadeira. Incapaz de chegar a uma posição que faça a distinção entre conceito e proposição
dever-se a um constituinte que apenas a última possui, Russell passa a manifestar suas
dúvidas acerca de se esses dois itens não são, na verdade, um e o mesmo. No caso de Frege,
porém, a relação de uma proposição a seu valor de verdade é a mesma que um nome mantém
com sua referência, isto é, proposições são, de um ponto de vista lógico, nomes. Sendo o
sentido o modo de apresentação da referência do nome, uma proposição será verdadeira ou
falsa na medida em que seu sentido nos conduz a um dos dois valores de verdade. Tomada em
si mesma, portanto, a proposição nada diz sobre seu valor de verdade, de modo que a
passagem de um Gedanke para sua verdade deve ser exterior: essa passagem é efetuada pelo
ato de juízo. Desse modo, tanto a análise de Russell quanto a de Frege padecem do mesmo
mal. Ambas tentam tratar proposições como nomes e assim fazem com que a relação
privilegiada que imaginamos existir entre proposição e verdade não possa ser explicada
logicamente.
A estratégia de Wittgenstein para superar o impasse a que chegam as teorias de Frege e
Russell é afirmar o vínculo necessário que deve existir entre sentido e condições de verdade.
Uma proposição só tem sentido quando sabemos, apenas a partir dela, o que a tornaria
verdadeira e o que a tornaria falsa. É essa a linha de pensamento que encontramos no
aforismo 4.063 do Tractatus, que propõe uma imagem da teoria fregiana da proposição. Se a
imagem da mancha preta sobre o papel branco serve para ilustrar a teoria fregiana, seu
funcionamento deve ser o seguinte:
- um ponto sobre o papel pode ser designado independentemente do conhecimento das
situações em que o ponto deve ser chamado de branco ou preto. Esse ponto é o pensamento de
Frege ou o conceito proposicional de Russell.
16
- branco e preto aparecem como propriedades externas dos pontos, uma vez que, assim
concebidas, elas não lhes pertencem necessariamente. O fato de que um ponto é branco ou
preto, portanto, corresponde perfeitamente à concepção da asserção ou juízo como a
passagem do sentido a valor de verdade.
Dessa forma, uma vez que a indicação de um ponto e a atribuição a ele de uma cor
podem ser feitas de maneira independente, o que Wittgenstein acusa Frege e Russell de
fazerem é separar sentido e condições de verdade. Seria possível obter um sentido (conceito
proposicional ou pensamento) ao qual não fosse possível atribuir um valor de verdade, e é
essa posição que Wittgenstein visa combater, mostrando que existe uma ligação interna entre
ter sentido e ser verdadeiro ou falso. Em outras palavras, a proposição é essencialmente
bipolar, e é impossível tornar manifesta esta característica essencial das proposições caso elas
sejam tratadas, como querem Frege e Russell, como nomes.
2.1.1 FREGE E RUSSELL ACERCA DA PROPOSIÇÃO E DA VERDADE
Não pode haver dúvida de que a obra de Frege constitui o grande quadro de referência
no interior do qual se insere o trabalho em lógica realizado no século XX e em especial o
trabalho de Russell e Wittgenstein. Pois é Frege quem, em seu opúsculo Begriffsschrift,
“expõe, exaustiva e sistematicamente, a nova teoria da quantificação e das funções de verdade
(o chamado cálculo de predicados) que viria a constituir o cerne elementar dos sistemas
lógicos contemporâneos.”7 A Begriffsschrift tinha a pretensão de ser um simbolismo no qual,
ao contrário do que acontece na linguagem ordinária, as proposições construídas em
conformidade com as regras sintáticas mostrariam suas propriedades lógicas na superfície
material do símbolo. Utilizando esse simbolismo, seria possível ver que um pensamento8
decorre de outro por meio da mera inspeção de suas expressões linguísticas, de maneira que o
conteúdo lógico das deduções estivesse completamente manifesto e se pudessem sempre
evitar faltas lógicas e lacunas nesses procedimentos.
7 Santos, L.H.L, “A essência da proposição e a essência do mundo”, In: [Wittgenstein, 2001], p. 24. O que se
segue sobre as posições de Frege acerca da proposição e da verdade apoia-se basicamente na exposição de
Luiz Henrique Lopes dos Santos presente neste texto de apresentação da tradução brasileira do Tractatus. 8 O termo “pensamento” já era utilizado por Frege muito antes do artigo “Der Gedanke”, de 1918, e da
elaboração da distinção entre sentido e significado, proposta a partir de 1891, de modo que nem sempre teve
o sentido técnico que adquiriu em sua teoria madura da proposição. À época de Begriffsschrift (1879),
“pensamento” refere-se aproximadamente a uma circunstância possível, uma vez que ele é o conteúdo de
uma expressão que é determinado pelo conteúdo de suas partes constituintes e pode ser objeto de um juízo.
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Dado que esse artifício é construído por Frege com vistas a oferecer um meio de
expressão tão preciso e perspícuo quanto possível (uma lingua characteristica no sentido
leibniziano9) para provar que as verdades aritméticas são todas, em última instância,
redutíveis a verdades lógicas, não é de espantar que sua peculiaridade provenha da extensão
de um traço presente no próprio discurso que visa fundamentar: o conceito de função.10
No
discurso aritmético, as expressões funcionais são aquelas obtidas pela substituição, nos termos
numéricos (expressões como “7+5” ou “2.52-7”), de numerais por variáveis, produzindo
expressões como “x+5”, “2.x2-7” ou “7+x”. Da mesma forma como, na interpretação ordinária
da linguagem aritmética, os termos numéricos são designações complexas de um determinado
número, a saber, do resultado da aplicação da operação indicada aos números designados por
suas partes constituintes (“7+5”, assim como o numeral “12”, designa o número 12), as
expressões funcionais que resultam da substituição de numerais por variáveis designarão
funções que associam, para cada número a ser introduzido no lugar da variável (ou variáveis),
um outro número, a saber, aquele designado pelo termo numérico obtido com a introdução do
numeral correspondente. O que Frege faz, portanto, é apropriar-se deste conceito aritmético
de função e estendê-lo para a totalidade da linguagem significativa, de maneira a torná-lo um
conceito lógico geral:
Se um sinal simples ou composto aparece em um ou mais lugares de uma
expressão – cujo conteúdo não precisa ser judicável –, e nós o imaginamos,
em todos ou em alguns desses lugares, substituível por um outro sinal, e
sempre pelo mesmo, chamamos a parte da expressão que não sofre nenhuma
alteração de função, e a parte substituível de seu argumento.11
Se, como diz Frege, o conteúdo das expressões a serem analisadas dessa maneira não precisa
ser judicável (beurtheilbar), tal modelo de análise se aplica tanto a proposições quanto às suas
partes constituintes. Deve, então, ser possível encontrar o par função/argumento tanto na
expressão o “mestre de Platão”, que designa Sócrates e pode ser analisada, se imaginarmos o
símbolo “Platão” como substituível, como o preenchimento da função expressa por “o mestre
de x” pelo argumento introduzido por “Platão”, quanto na proposição “Sócrates era mestre de
Platão”, que pode ser analisada de diferentes maneiras, dependendo de que parte do símbolo
9 “On the aim of the “Conceptual Notation””, In: [Frege, 1972], p. 91.
10 Frege não explicita as origens do conceito de função utilizado em sua Begriffsschrift no opúsculo de
apresentação desse simbolismo. Isto é feito apenas no artigo “Função e Conceito”, de 1891, em cujo
conteúdo funda-se a discussão que se segue. 11
Bg, § 9, “Die Function”, (itálicos no original).
18
proposicional imaginemos como substituível: seja como o preenchimento da função expressa
por “x era mestre de y” pelos argumentos introduzidos por “Sócrates” e “Platão”, ou como o
preenchimento de “x era mestre de Platão” por “Sócrates”, ou ainda como o de “Sócrates era
mestre de x” por “Platão”. Em todos estes casos, temos o conteúdo expresso pela proposição
(um conteúdo judicável, cf. Bg, §2) “Sócrates era mestre de Platão” aparecendo como o valor
da respectiva função para o(s) argumento(s) apropriado(s).
Se a análise de toda e qualquer expressão significativa nos faz reconhecer que seu
conteúdo sempre pode ser visto como o valor de uma determinada função para certo(s)
argumento(s) (e de diferentes funções para diferentes argumentos12
), resta ainda saber por que
são funções e argumentos que se combinam dessa maneira e não outras entidades. A
complementaridade que existe entre função e argumento deve-se ao fato de que “a função,
tomada em si mesma, isoladamente, deve ser chamada de incompleta, carente de
complementação ou insaturada.”13
Essa insaturação da função é expressa pela presença de
uma variável no símbolo que a designa, e assim a complementação de que a função carece
vem com a substituição da variável por uma expressão que designe o argumento apropriado.
Uma vez que esse modelo de análise deve partir de um símbolo completo que designe algo ou
exprima um conteúdo proposicional, é fácil perceber que ele deve poder ser aplicado a toda
expressão que apresente alguma espécie de complexidade, de modo que seu grande atrativo
está em reduzir a enorme multidão de formas gramaticais dos conteúdos expressos na
linguagem a uma única forma – lógica – que constitui o fundamento de todas elas.
Em 1891, no artigo “Função e Conceito”, retomando o projeto de simbolismo
logicamente perspícuo que havia sido apresentado doze anos antes, Frege pretende “examinar
esse tema de uma outra perspectiva e comunicar algumas complementações e novas
concepções cuja necessidade [lhe] ocorreu desde então.”14
Este texto, juntamente com o artigo
“Sobre Sentido e Significado”15
, de 1892, aperfeiçoam o sistema expressivo da Begriffsschrift
com novas distinções e apresentam os traços fundamentais da teoria fregiana da proposição.
Uma consequência inevitável da aplicação do par função/argumento na análise dos
enunciados e o incômodo por ela causada são abordados em uma passagem particularmente
iluminadora do texto de 1891:
12
Pois a determinação dos argumentos e funções que são expressos pelas partes da expressão “hat mit dem
begrifflichen Inhalte nichts zu thun, sondern ist allein Sachen der Auffassung” (Bg, § 9). Se um mesmo
conteúdo pode legitimamente ser visto como o valor de diferentes funções para diferentes argumentos, toda
proposição pode ser analisada de diversas maneiras. 13
“Funktion und Begriff”, In: [Frege, 1990] (Doravante KS), p. 128. 14
KS, p. 125. 15
“Über Sinn und Bedeutung”, In: KS, pp. 143-162.
19
Aqui surge a objeção de que “2
2= 4” e “2>1”dizem coisas bem
diferentes, exprimem pensamentos bem diferentes. Mas “24=4
2” e “4.4=4
2”
também exprimem pensamentos distintos, e no entanto pode-se substituir
“24” por “4.4”, pois os dois sinais têm o mesmo significado. Por
conseguinte, “24=4
2” e “4.4=4
2” também têm o mesmo significado. Disto se
segue que a igualdade de significado não tem como consequência a
igualdade do pensamento. Se dizemos “a Estrela da Tarde é um planeta cujo
período de translação é menor que o da Terra”, exprimimos um pensamento
diferente daquele que é expresso na proposição “a Estrela da Manhã é um
planeta cujo período de translação é menor que o da Terra”. Pois quem não
sabe que a Estrela da Manhã é a Estrela da Tarde poderia tomar uma das
proposições por verdadeira e a outra por falsa, sendo que, no entanto, o
significado das duas proposições tem que ser o mesmo, uma vez que nelas
são trocadas apenas as palavras “Estrela da Tarde” e “Estrela da Manhã”,
que têm o mesmo significado, isto é, são nomes próprios do mesmo corpo
celeste. É preciso distinguir sentido e significado (Sinn und Bedeutung). “24”
e “4.4” têm, sim, o mesmo significado, isto é, são nomes próprios do mesmo
número. Mas eles não têm o mesmo sentido, e por isso “24=4
2” e “4.4=4
2”
têm o mesmo significado, mas não o mesmo sentido. O que, neste caso, quer
dizer: eles não contêm o mesmo pensamento.16
A insuficiência da dualidade sinal/conteúdo para explicar o funcionamento da linguagem fica
patente quando são trazidas para a discussão considerações de ordem epistemológica.
Segundo a concepção de proposição implícita na apresentação da Begriffsschrift, não era
possível compreender enunciados que contivessem nomes diferentes de um mesmo objeto
sem ipso facto saber que eles designavam a mesma coisa, uma vez que o pensamento
expresso pelo enunciado era o valor de uma função para aquele objeto como argumento. Isto
quer dizer, na linguagem do artigo de 1891 e utilizando o exemplo ali proposto por Frege, que
o pensamento era determinado unicamente pelos significados dos sinais e que ninguém
poderia compreender proposições em que ocorrem as palavras “Estrela da Tarde” e “Estrela
da Manhã” sem saber que elas designam o mesmo objeto, o planeta Vênus.
Se em 1891 Frege passa a sustentar que isso é possível, já que se pode acreditar que
uma proposição que contém o símbolo “Estrela da Tarde” é verdadeira e, ao mesmo tempo,
que outra proposição, cuja única diferença em relação à primeira é que “Estrela da Manhã”
aparece no lugar de “Estrela da Tarde”, é falsa, a consequência natural desse movimento é a
nova posição segundo a qual compreender uma proposição não é o mesmo que conhecer os
significados dos símbolos que a constituem. Torna-se necessário, desde então, distinguir dois
componentes no conteúdo semântico dos constituintes da linguagem: por um lado, eles
exprimem seus sentidos, e por outro significam algo (isto é, têm significados). Enquanto o
sentido da proposição, isto é, o pensamento que ela exprime, é determinado pelos sentidos de
16
KS, p. 132.
20
suas partes constituintes, a verdade ou falsidade do pensamento dependerá dos significados
dessas mesmas partes.17
São considerações de ordem epistemológica – sobre o que é possível acreditar ou
saber – que levam Frege a propor um novo mecanismo de formação do sentido proposicional
no qual as expressões constituintes de uma proposição apresentam, todas, duas camadas de
conteúdo semântico. Se a partir desse momento é o sentido das expressões que assume o
trabalho que antes era desempenhado pelo conteúdo semântico total delas – a determinação do
sentido das proposições em que ocorrem –, cumpre perguntar qual é o papel de seus
significados na determinação do conteúdo semântico das proposições em que elas aparecem.
A resposta para isso é fornecida pelo paradigma funcional de análise. Vimos mais acima que
uma função se caracteriza por assumir um valor para cada argumento que é nela introduzido,
e isto de maneira que, para cada argumento determinado, a função assume um e apenas um
valor determinado. Função e argumento são, na nova semântica fregiana, os significados de
partes constituintes de proposições; a primeira, o significado da expressão que surge quando
transformamos um de seus constituintes em uma variável, e o segundo o significado do
símbolo substituído. O funcionamento do par função/argumento no nível subproposicional é
bastante simples: a função designada por “o mestre de x” assumirá o valor Sócrates quando
for preenchida pelo argumento introduzido por “Platão”, e o valor Aristóteles quando
preenchida pelo argumento introduzido por “Alexandre”. O símbolo formado com a união das
expressões para a função e o argumento poderá, por sua vez, fazer parte de proposições, e
nestas introduzirá como argumento de outras funções o valor que a função designada por “o
mestre de x” assume para um determinado argumento, como, por exemplo, em “O mestre de
Platão morreu envenenado”, em que o símbolo composto “o mestre de Platão” introduz
Sócrates como argumento na função designada por “x morreu envenenado”. Logo, a união do
símbolo de uma função com o símbolo de seu argumento dá origem a um novo símbolo que
tem como significado o valor da função para o argumento em questão. Se a aplicação da
análise em termos de função e argumento deve ser irrestrita, o mesmo modelo deve aplicar-se
às proposições, uma vez que é sempre possível, dada uma proposição, analisá-la em termos da
17
Embora Frege não seja explícito sobre sua noção de verdade no opúsculo de 1879, é possível inferir de uma
passagem no § 3 que um conteúdo judicável deve ser considerado verdadeiro (e assim receber corretamente a
barra de juízo) quando ele é um fato: “Es lässt sich eine Sprache denken, in welcher der Satz: “Archimedes
kam bei der Eroberung von Syrakus um” in folgender Weise ausgedrückt werden: “der gewaltsame Tod des
Archimedes bei der Eroberung von Syrakus ist eine Thatsache”. Hier kann man zwar auch, wenn man will,
Subject und Prädicat unterscheiden, aber das Subject enthält den ganzen Inhalt, und das Prädicat hat nur den
Zweck, diesen als Urtheil hinzustellen” (Bg, pp. 3-4). Julgar um conteúdo, portanto, é o mesmo que dizer a
circunstância que ele descreve é um fato, e é razoável supor que esse fato será composto pelos conteúdos das
partes constituintes do conteúdo judicável em questão.
21
união entre o símbolo de uma função e os símbolos de seus argumentos. Logo, proposições
também devem ter significados, e estes serão os valores que surgem com a conjunção de
funções e argumentos significados por suas expressões constituintes. Mas que espécie de
objeto deve cumprir o estranho papel de significado de uma proposição?
Em “Sobre Sentido e Significado”, Frege nos diz:
O pensamento perde para nós todo valor tão logo constatemos que uma de
suas partes é destituída de significado. Temos, portanto, toda razão em não
nos darmos por satisfeitos com o sentido de uma proposição e perguntarmos
também pelo seu significado. Mas por que será que queremos que todo nome
próprio tenha não apenas um sentido, mas também um significado? Por que
o pensamento não nos basta? Porque, e na medida em que, estamos
interessados em seu valor de verdade. […]
Vimos que se deve procurar o significado de uma proposição sempre
que o que importar for o significado das partes constituintes; e este é o caso
sempre e tão somente quando perguntamos pelo valor de verdade.
Somos então impelidos a reconhecer o valor de verdade de uma
proposição como seu significado.18
A extensão do paradigma de análise em termos de função e argumento nos leva a buscar um
significado para toda expressão constituída de partes dotadas de significado, em particular, de
partes tais que umas significam funções e outras argumentos que as preencham. A fim de
identificar o que sejam esses significados no caso das proposições, Frege sugere que
atentemos para nosso uso da linguagem, ou seja, que tenhamos clareza sobre o que nos causa
inquietação quando alguma parte proposicional é destituída de significado. Ao lermos uma
narrativa fictícia, por exemplo, temos consciência de que as personagens ali descritas nas mais
variadas atividades e situações nunca existiram ou não existem de fato, de modo que seus
nomes, embora tenham um sentido, uma vez que compreendemos as proposições em que eles
aparecem, não têm significado. A ausência de significado de alguns termos é o que nos
demove, neste caso, de atribuir um valor de verdade à narrativa; se seus personagens não
existem, não faz nenhum sentido dizer que os fatos ali descritos aconteceram ou não. Logo, o
fato de que os termos constituintes de uma proposição tenham todos significado é condição
sine qua non para que nos sintamos justificados em atribuir verdade ou falsidade ao
pensamento expresso por ela, e assim a posição mais natural a adotar acerca dos significados
de proposições é dizer que estes sejam seus valores de verdade. Estabelecida a identificação
entre valor de verdade e significado, toda proposição, a expressão de um pensamento,
significará um de dois objetos, o Verdadeiro ou o Falso; o primeiro, quando ela exprime um
18
KS, p. 149.
22
pensamento verdadeiro e o segundo, quando exprime um falso.
Temos agora os elementos necessários para estabelecer os traços fundamentais da
teoria da linguagem fregiana. O conteúdo semântico dos sinais constituintes da linguagem é
formado por dois elementos: o sentido expresso pelo sinal e seu significado. O sentido de um
sinal contém o modo de apresentação (“Art des Gegebenseins”) de seu significado, de
maneira que é por meio dele que o sinal chega a designar o que efetivamente designa. Se os
sinais “Estrela da Manhã” e “Estrela da Tarde” têm o mesmo significado e sentidos diferentes,
isto quer dizer que um mesmo objeto, o planeta Vênus, é designado por eles de maneiras
diferentes: pelo primeiro como o ponto luminoso que aparece no horizonte numa determinada
posição pela manhã, pelo segundo como o ponto luminoso que aparece em outra posição ao
pôr do sol. Assim, na teoria de Frege, o sentido figura como o conteúdo descritivo de um sinal
que o permite identificar a entidade que designa. Esta entidade será aquela que satisfaz a
descrição equivalente ao sentido do sinal, sentido este que todo falante com conhecimento
suficiente da língua é capaz de apreender.19
A mesma relação entre sinal e seu significado,
mediada pelo sentido, deve então ser encontrada em todas as construções da linguagem, pois é
necessário que toda expressão possua duas camadas de conteúdo semântico que determinam,
em conjunto, sua contribuição às expressões mais complexas em que podem aparecer.
No mais importante caso do ponto de vista lógico, o das proposições (uma vez que é
por meio delas que é possível abordar a questão da verdade), teremos a seguinte situação: uma
proposição é composta, no caso mais simples, pelo sinal de uma função e o sinal de um
argumento para essa função; o valor assumido pela função para o argumento em questão, um
dos dois valores de verdade, será o significado da proposição; seu sentido, isto é, o
pensamento que ela exprime e é determinado pelos sentidos de suas partes constituintes, será
o modo de apresentação desse significado. Sobre os pensamentos (Gedanken), Frege nos diz o
seguinte:
Sem com isso querer dar uma definição, chamo de pensamento algo acerca
do qual pode-se colocar em questão a verdade. Conto entre os pensamentos
tanto o que é falso quanto o que é verdadeiro. Deste modo, posso dizer que o
pensamento é o sentido de uma proposição, sem assim querer afirmar que o
sentido de toda proposição seja um pensamento. O pensamento, em si
mesmo imperceptível, é vestido com a roupagem sensível da proposição e
assim se torna apreensível por nós. Dizemos que a proposição exprime um
pensamento.
19
Cf. KS, p. 144.
23
E sobre a relação dos Gedanken com a verdade:
[…] Não obstante, é de se pensar que não podemos reconhecer uma
propriedade em uma coisa sem, com isso, ao mesmo tempo considerar
verdadeiro o pensamento que essa coisa tem essa propriedade. Assim, a toda
propriedade de uma coisa está ligada uma propriedade de um pensamento, a
saber, a de ser verdadeiro. E também é digno de atenção que a proposição
“sinto cheiro de violetas” possui o mesmo conteúdo que a proposição “é
verdade que sinto cheiro de violetas”. De modo que parece que nada é
acrescentado ao pensamento quando atribuo a ele a propriedade de ser
verdadeiro.
[…] É portanto possível exprimir um pensamento sem propô-lo como
verdadeiro. Em uma proposição afirmativa os dois elementos estão tão
vinculados que é fácil perder de vista a possibilidade de análise. Deste modo,
distinguimos:
1. a apreensão do pensamento – o pensar,
2. o reconhecimento da verdade de um pensamento – o juízo,
3. a manifestação desse juízo – a asserção.20
Do mesmo modo como o símbolo “o mestre de Platão” significa Sócrates por meio do sentido
que exprime, uma proposição significará um dos dois valores de verdade por meio de seu
sentido, o pensamento que ela exprime.21
Se seu significado é o Verdadeiro, a proposição
exprimirá um pensamento verdadeiro, se seu significado é o Falso, um pensamento falso.
Comportando-se, então, como um nome, a proposição não é bipolar e tampouco assertiva.
Uma proposição, segundo a teoria de Frege, não diz o que deve ser o caso para que ela
assuma um ou outro valor de verdade, ela antes nomeia um dos valores por meio de seu
sentido, de modo que a determinação de quais sejam as proposições verdadeiras, por
conseguinte quais são aquelas que representam a realidade, equivale apenas ao
reconhecimento de quais proposições significam o Verdadeiro e não o Falso, não havendo
nada mais fundamental que isso. A constatação da ocorrência de um determinado fato, como a
inerência de uma propriedade em algo, para utilizar o exemplo de Frege, é o mesmo que o
reconhecimento da verdade de um pensamento.
Este reconhecimento, uma vez que o sentido proposicional não é intrinsecamente
assertivo, assumirá a forma de um ato exterior ao sentido e marcará a passagem dele ao valor
de verdade que identifica. Este é o ato de juízo, cuja manifestação é a asserção, simbolizada
pela anteposição do sinal “�” a uma proposição que exprime um pensamento que
consideramos verdadeiro. Assim, ao escrevermos uma proposição sem antepormos a ela a
20
“Der Gedanke” (In: KS, pp. 342-362.), pp. 344-346. 21
Mesmo um nome próprio como “Platão” ou “Sócrates” só chega a designar o indivíduo que significa por
meio do sentido que exprime. Pois, se estes nomes não tivessem um sentido, o sentido das proposições em
que eles ocorressem ficaria indeterminado.
24
barra de juízo, estamos apenas propondo um sentido proposicional para consideração, sem
nada dizer sobre o valor de verdade que esse sentido identifica. Quando, no entanto,
escrevemos “� 7+5=12”, dizemos que o valor de verdade nomeado pela proposição “7+5=12”
é o Verdadeiro. Sentidos proposicionais verdadeiros não têm nenhuma espécie de privilégio
ontológico sobre os sentidos falsos; ambos, enquanto pensamentos, são plenamente objetivos
e podem ser apreendidos por qualquer sujeito que tenha o domínio da língua a que pertencem
as proposições que os exprimem.
A teoria da proposição de Frege caracteriza-se, portanto, por fazer uso de uma
semântica ternária na qual a relação de um sinal a seu significado deve ser mediada pelo
sentido que ele exprime. Este modelo sinal/sentido/significado aplica-se a todos os elementos
da linguagem, fazendo com que as proposições, isto é, os veículos de expressão de verdades,
tenham na verdade a mesma estrutura dos nomes próprios. Outra característica dessa
semântica é a de que, embora um sinal não possa ter significado se não tiver um sentido, o
contrário não é verdadeiro, já que é possível que sinais desprovidos de significado contribuam
para a determinação do sentido das proposições em que eles ocorrem. Isso torna manifesto
que, para Frege, o domínio do sentido é autônomo em relação ao do significado, permitindo
que lidemos tanto com partículas subproposicionais destituídas de significado quanto com
proposições que não assumem nenhum valor de verdade.
Esta posição que sustenta a autonomia do sentido em relação às entidades designadas
pelos sinais é justamente o que Russell pretendeu combater em toda sua filosofia posterior aos
Principles of Mathematics.22
Nesta obra em particular, Russell alia-se a Moore no combate às
filosofias de teor idealista e defende uma ontologia que Peter Hylton, em seu abrangente
comentário da obra do filósofo,23
chama de “Atomismo Platônico”. Nessa ontologia, a
categoria fundamental é a de termo:
Tudo que possa ser um objeto de pensamento, ou possa ocorrer em qualquer
proposição falsa ou verdadeira, ou possa ser contado como um, eu chamo de
termo. Esta é então a palavra mais abrangente do vocabulário filosófico.
Usá-la-ei como sinônimo das palavras unidade, indivíduo e entidade.
(…) Um termo, na verdade, possui todas as propriedades comumente
atribuídas às substâncias ou substantivos. Para começar, todo termo é um
sujeito lógico; ele é, por exemplo, o sujeito da proposição de que ele mesmo
é um. Além disso, todo termo é imutável e indestrutível. Um termo é o que é
e nenhuma mudança pode ser nele concebida que não destruiria sua
22
[Russell, 1903] (Doravante Pples) 23
[Hylton, 1990]
25
identidade e o tornaria outro termo.24
Por conseguinte, tudo o que pode ser mencionado é um termo e, nesta medida, tem ser
(being). Negar que seja lá o que for seja um termo deve ser sempre falso, já que a própria
possibilidade de mencionar esse algo atesta sua qualidade de termo.
Esses termos, por sua vez, se reúnem para formar complexos, as proposições. Estas,
embora também sejam termos, pois podem ser o sujeito lógico de outras proposições, têm a
propriedade especial de serem verdadeiras ou falsas. No prefácio dos Principles, Russell
distingue seu conceito de proposição do conceito ordinário: enquanto o conceito ordinário
toma as proposições por algo mental e passível de verdade e falsidade, para ele a marca
característica das proposições é apenas a verdade ou falsidade.25
Proposições são, então,
entidades objetivas, constituintes da realidade independentes da mente.26
Nessa medida, elas
são os análogos dos Gedanken fregianos e devem ser expressas, por sua vez, por sentenças
compostas de sinais que significam, um a um, os termos constituintes da proposição. À
diferença dos Gedanken, porém, as proposições russellianas são constituídas pelas entidades
reais designadas pelos nomes que aparecem em sua expressão, os equivalentes em Frege dos
significados dos sinais. Não há lugar, em Russell, para o nível semântico intermediário do
sentido; os sinais da linguagem significam seus termos diretamente, como rótulos afixados às
coisas. No lugar da semântica ternária de Frege, Russell propõe uma semântica binária de
referência direta, na qual os sinais introduzem, nos contextos em que aparecem, apenas os
termos que significam.
A definição tão abrangente da noção de termo cumpre uma função parecida à da
distinção entre Sinn e Bedeutung no que diz respeito aos enunciados que versam sobre
entidades inexistentes. Se os termos da linguagem possuem duas espécies de conteúdo
semântico, torna-se possível falar sobre uma entidade que não existe porque o sinal que
supostamente a designaria, embora não tenha significado, tem um sentido, e desse modo
contribui para a determinação do sentido das proposições em que ocorre. Para o Russell dos
Principles, com sua metafísica de proposições, a mera existência de um sinal que pode ser
usado de forma sintaticamente correta para construir sentenças é indício suficiente de que há
24
Pples, § 47. 25
“For example, propositions are commonly regarded as (1) true or false, (2) mental. Holding, as I do, that
what is true or false is not in general mental, I require a name for the true or false as such, and this name can
scarcely be other than proposition.” (Pples, p. xix) 26
“On fundamental questions of philosophy, my position, in all its chief features, is derived from Mr G. E.
Moore. I have accepted from him the non-existential nature of propositions (except such as happen to assert
existence) and their independence of any knowing mind […].” (Pples, p. xviii)
26
um termo a que ele se refere. Esse termo, embora não seja necessariamente uma entidade
existente,27
tem ser e assim transmite esse caráter às proposições expressas pelas sentenças em
que seu nome ocorre.
Se proposições constituem a realidade e são elas mesmas verdadeiras ou falsas (e não
suas expressões), a verdade é uma noção primitiva que não pode ser explicada em termos de
um conceito ainda mais fundamental. Pois, se fosse possível decidir se uma proposição é
verdadeira ou falsa com a ajuda de alguma outra parte da realidade, seria a esta parte que se
poderia legitimamente atribuir o título de constituinte último da realidade e não mais às
proposições. Para segregar proposições verdadeiras e falsas, então, torna-se necessário que
haja um dispositivo de reconhecimento da verdade das proposições análogo ao juízo fregiano.
Russell, atentando para o fato de que existe um sentido psicológico trivial de asserção, no qual
mesmo proposições falsas podem ser asseridas, diz:
Mas há um outro de sentido de asserção, muito difícil de trazer à mente de
forma clara e no entanto impossível de negligenciar, no qual apenas
proposições verdadeiras são asseridas. Proposições verdadeiras e falsas são,
em certo sentido, igualmente entidades, e em certo sentido passíveis de
serem sujeitos lógicos; mas, quando uma proposição é verdadeira, ela tem
uma outra qualidade para além daquelas que compartilha com as proposições
falsas, e é a esta outra qualidade que me refiro quando falo de asserção em
um sentido lógico, oposto ao psicológico. A natureza da verdade, entretanto,
é assunto para os princípios da matemática na medida em que o é para os
princípios de tudo o mais. Eu então deixo esta questão para os lógicos com a
breve indicação de uma dificuldade.28
A asserção, portanto, é essencialmente uma verdade, e é isto que a distingue do restante das
proposições. Mas por que toda proposição não se apresenta como verdadeira, como uma
asserção? A resposta está justamente na qualidade de termo de toda proposição e
consequentemente na possibilidade de sempre torná-la um sujeito lógico. Uma asserção
sempre contém um verbo, uma vez que ela afirma algo a respeito de um determinado sujeito.
Esse verbo, no entanto, diferentemente do que acontece com outros termos, como os
substantivos, está sujeito a uma importante transformação lógica:
Ao submeter o verbo, na forma como ele ocorre na proposição, a uma
27
A esse respeito, eis o comentário de Russell sobre o que se requer das entidades para que elas possam formar
um par: “It should be observed that A and B need not exist, but must, like anything that can be mentioned,
have Being. The distinction of Being and existence is important, and is well illustrated by the process of
counting. What can be counted must be something, and must certainly be, though it need by no means be
possessed of the further privilege of existence. Thus what we demand of the terms of our collection is merely
that each should be an entity.” (Pples, § 71) 28
Pples, § 52.
27
substantivação (By transforming the verb (…) into a verbal noun), toda a
proposição pode ser transformada em um único sujeito lógico, não mais
asserido e não mais contendo em si verdade ou falsidade. Mas aqui também,
parece não haver possibilidade de sustentar que o sujeito lógico resultante
seja uma entidade distinta da proposição. “César morreu” e “a morte de
César” ilustrarão este ponto. Se perguntarmos: O que é asserido na
proposição “César morreu”?, a resposta tem de ser “é asserida a morte de
César”. Nesse caso, pareceria que é a morte de César que é verdadeira ou
falsa; e no entanto nem verdade nem falsidade convêm a um mero sujeito
lógico. A resposta aqui parece ser que a morte de César tem uma relação
externa à verdade ou falsidade (dependendo do caso), ao passo que “César
morreu” contém, de alguma maneira, sua própria verdade ou falsidade como
um elemento.29
No apêndice A aos Principles, onde encontramos um exame comparativo da teoria da
proposição de Frege30
, Russell chama o Gedanke fregiano de conceito proposicional e o valor
de verdade de um Gedanke de uma suposição (assumption, indicando que Frege e Meinong o
chamam de Annahme). Aplicando essas noções a sua própria teoria da proposição, Russell nos
diz que, em “César morreu”, é asserido o conceito proposicional “a morte de César”. A
tradução simbólica para isso, no caso de uma proposição p qualquer, é que “�p” é a asserção e
“p” o conceito proposicional.
Se o conceito proposicional é obtido meramente pelo ato de transformar a asserção em
sujeito lógico, não pode existir algum termo que daria conta da diferença entre esta e aquele.
Ou seja, “a verdade da morte de César” não é o conceito proposicional asserido em “César
morreu”, mas um novo conceito, que contém, para além dos termos contidos na asserção, o
termo “a verdade”. Nas palavras de Russell, “Se p é uma proposição, “a verdade de p” é um
conceito que tem ser mesmo que p seja falsa, e assim “a verdade de p” não é o mesmo que p
asserida. Logo, não é possível encontrar um conceito equivalente a p asserida,
consequentemente a asserção não é um constituinte em p asserida” (Pples, §478) A questão é
que, embora não seja possível encontrar algum termo que fundamente a diferença entre
asserção e conceito proposicional, Russell não quer abrir mão da ligação essencial entre a
asserção no sentido lógico e a verdade:
É portanto quase impossível, ao menos para mim, separar a asserção da
verdade, como faz Frege. Uma proposição asserida, ao que parece, tem de
ser o mesmo que uma proposição verdadeira. Podemos admitir que a
negação faz parte do conteúdo de uma proposição (Bg, p.4) e considerar que
toda asserção assere que algo é verdadeiro. Dessa forma, correlacionaremos
p e não-p como proposições não asseridas e consideraremos que “p é falsa”
29
Pples, § 52. 30
Pples §§ 476-479.
28
significa “não-p é verdadeira”. Separar a asserção da verdade parece ser
possível apenas se tomarmos a asserção em um sentido psicológico.31
O impasse que se apresenta a Russell é fruto de sua concepção de termo e, portanto, da noção
de análise proposicional que informa sua obra de 1903: embora não pareça possível dissociar
a asserção da verdade, a possibilidade de transformar proposições em sujeitos lógicos por
meio da substantivação do verbo dissolve as pretensões de verdade delas. A proposição passa
a apresentar-se nesse caso apenas como um complexo que pode ser colocado em relação com
outros termos, o que motiva a distinção entre conceito proposicional e a proposição
propriamente dita, a asserção. Chega-se, dessa forma, a uma situação semelhante à que
encontramos em Frege, uma vez que os conceitos proposicionais, enquanto não asseridos, não
têm nenhum pretensão representativa, não passando de designações de complexos. Será
preciso um ato, simbolizado pela barra de asserção, para restituir à proposição assim
“neutralizada” sua verdade ou falsidade, exatamente como o Gedanke fregiano não diz, por si
mesmo, se é nome do Verdadeiro ou do Falso.
Embora tanto para Frege quanto para Russell a proposição seja o local de entrada em
cena da verdade, suas teorias acabam por cindir a ligação essencial que existe entre essas
noções. Frege, concebendo a proposição simultaneamente como o nome de um valor de
verdade e a expressão de um pensamento, dissolve a conexão natural que há entre ter sentido
e poder ser verdadeiro ou falso, uma vez que a proposição é apenas a designação de um objeto
e nada tem de assertiva. Russell, por sua vez, embora reconhecendo a indissociabilidade das
ideias de proposição e verdade, não consegue manter essa ligação no interior de seu sistema;
sua noção de análise o acaba levando a separar a proposição em conceito proposicional e
asserção, deslocando, por conseguinte, a assertividade do núcleo proposicional, assim como
fazia Frege.
Diante dessas teorias da proposição, Wittgenstein vê como sua primeira tarefa oferecer
uma explicação satisfatória da proposição, em especial, uma que dê conta da estreita ligação
que há entre uma proposição ter sentido e ela ser um veículo de verdade ou falsidade. Se esse
trabalho de crítica culminará na teoria da figuração do Tractatus, as primeiras observações a
respeito das posições de seus antecessores formarão o conjunto de premissas que orientarão a
elaboração da teoria.
31
Pples § 478.
29
2.1.2 O CONCEITO DE PROPOSIÇÃO DAS NOTES ON LOGIC
Na última seção vimos como as teorias da proposição de Frege e Russell, a despeito
das diferentes semânticas que estão em suas bases, convergem na ideia de que existe apenas
uma relação externa entre sentido proposicional e valores de verdade. Isso quer dizer que o
mero fato de que uma sentença exprima um sentido (um pensamento, no caso de Frege e um
conceito proposicional, no caso de Russell) não basta para que se lhe atribua um valor de
verdade. Pois Frege, com sua distinção entre sentido e significado, deixa aberta a
possibilidade da existência de proposições que, não obstante tenham um sentido, nada
signifiquem porque alguma(s) de suas partes não tem (têm) significado. Russell, por sua vez,
mesmo reconhecendo que ser verdadeira ou falsa é uma propriedade de toda e qualquer
proposição asserida – que há, assim, uma relação interna entre proposição e valor de verdade
–, ao reconhecer a possibilidade de substantivar o verbo de uma proposição e transformá-la
em um sujeito lógico – em um conceito proposicional –, é levado a admitir que considerações
sobre a verdade dependem de que algo seja acrescentado a esse sujeito que o torne uma
asserção.
No registro mais antigo do Nachlass wittgensteiniano, as Notes on Logic, fruto de
seleções feitas em 1913 pelo próprio Wittgenstein a partir de anotações manuscritas em seus
cadernos, um dos temas mais discutidos é a relação entre sentido proposicional e valor de
verdade. A importância desse registro está em que ele pode fornecer preciosas indicações a
respeito das origens da teoria da figuração na obra de Wittgenstein, uma vez que as críticas ali
dirigidas à concepção fregi-russelliana do sentido proposicional são em larga medida
independentes dos princípios dessa teoria tal como a encontramos no Tractatus. Esta situação
é ilustrada pelo fato de que, nas Notes, a palavra “picture” aparece uma única vez, no contexto
de uma distinção entre a filosofia e as ciências: “Philosophy gives no pictures of reality.”.32
(NB, p. 106) De modo geral, embora nelas já apareçam noções capitais para a teoria da
figuração, como a distinção entre sinal e símbolo, são tantos os elementos que ainda faltam
que não é possível ver as posições ali defendidas por Wittgenstein como dependentes da
teoria.
Com respeito à questão da verdade, um dos aforismos mais citados na literatura
32
“A filosofia não oferece imagens da realidade.”
30
secundária sobre o Tractatus aparece já nas Notes em forma quase idêntica.33
Este é o
aforismo 4.063 – o primeiro parágrafo do terceiro manuscrito das Notes on Logic:
Um modo figurado de explicar o conceito de verdade: mancha preta sobre
papel branco; pode-se descrever a forma da mancha indicando-se, com
respeito a cada ponto da superfície, se é preto ou branco. Ao fato de que um
ponto é preto, corresponde um fato positivo – ao de que um ponto é branco
(não preto), um fato negativo. Se designo um ponto da superfície (um valor
de verdade fregiano), isso corresponde à suposição [Annahme] apresentada
para julgamento, etc., etc.
No entanto, para poder dizer que um ponto é preto ou branco, devo saber de
antemão quando um ponto é chamado de preto e quando é chamado de
branco; para poder dizer: “p” é verdadeira (ou falsa), já devo ter determinado
em que circunstâncias chamo “p” de verdadeira, e com isso determino o
sentido da proposição.
Ora, o ponto em que a analogia faz água é este: podemos apontar para um
ponto do papel mesmo sem saber o que são branco e preto; a uma proposição
sem sentido, porém, não corresponde rigorosamente nada, pois ela não
designa uma coisa (valor de verdade) cujas propriedades se chamassem,
digamos, “falso” e “verdadeiro”; o verbo de uma proposição não é “é
verdadeiro” ou “é falso” (como acreditava Frege), mas o que “é verdadeiro”
já deve conter o verbo.
O primeiro parágrafo do aforismo ilustra a compreensão fregiana da proposição como o nome
de um dos dois valores de verdade. Se Frege está correto, deve ser possível pensar que a
menção de uma proposição é equivalente à indicação de um ponto de uma superfície qualquer.
Por conseguinte, a atribuição de uma ou outra cor a esse ponto corresponderia a dizer que a
proposição é ou verdadeira ou falsa. O ponto crucial da analogia é a possibilidade de nos
referirmos a um ponto de uma superfície sem fazer qualquer alusão a sua cor, pois é
exatamente isto que deveria ocorrer com as proposições fregianas – a mera menção de uma
determinada proposição é o caso de uma “suposição apresentada para julgamento”. A
impressão que fica, portanto, é a de que a analogia corresponde perfeitamente à teoria
fregiana da proposição.
Essa impressão, contudo, começa a ser desfeita nos segundo e terceiro parágrafos,
onde Wittgenstein explora o que é pressuposto pela minha capacidade de atribuir uma ou
outra cor a um ponto. Pois, enquanto é possível indicá-lo sem fazer qualquer alusão à cor que
ele efetivamente tem (posso usar um sistema de coordenadas para tanto, por exemplo), não se
pode dizer que ele tem uma ou outra cor sem que se saiba quando é que essas atribuições
33
É importante ter em mente que as Notes on Logic, tal como a conhecemos, são em sua maior parte uma
tradução feita por Russell de anotações ditadas por Wittgenstein a um estenógrafo numa escola Berlitz de
Birmingham. (Cf. [Potter, 2008], p. 264) Assim, não é possível aferir com precisão se o aforismo já havia
sido redigido por Wittgenstein a essa época exatamente como viria a aparecer no Tractatus.
31
estão corretas. Se essa exigência é transferida às proposições entendidas à maneira fregiana, a
consequência é que só é possível dizer que “p” é verdadeira quando se conhecem as
circunstâncias em que “p” é dita verdadeira. Assim, a mera possibilidade de um juízo – “o
reconhecimento da verdade de um pensamento”, nos termos utilizados por Frege em seu
artigo “O Pensamento” –, isto é, de dizer que “p” é verdadeira, passa a pressupor que já se
saiba em que situações a proposição deve ser dita verdadeira. Em outras palavras, para que
haja um juízo, já se deve saber de antemão se a proposição é verdadeira ou falsa, o que faz
com que esse ato seja destituído da importância que Frege lhe conferia – na verdade, ele é
supérfluo.
Se a noção de juízo fregiana não desempenha, a bem dizer, nenhum papel logicamente
relevante no reconhecimento da verdade ou falsidade de proposições, isso é indício de que a
concepção de sentido proposicional que está na base dessa noção deve ser revisada. É
justamente isso que Wittgenstein começa a fazer ao final do segundo parágrafo, quando
equipara a determinação do sentido de “p” à determinação das circunstâncias em que essa
proposição é chamada de verdadeira. Pois, para Frege, o sentido de uma proposição é o
pensamento que ela expressa. Esse pensamento, por sua vez, é o modo de apresentação de um
valor de verdade, valor este que é o significado da proposição, aquilo de que ela é o nome.
Uma vez que é possível que uma proposição exprima um pensamento sem que assuma
nenhum valor de verdade, a apreensão do pensamento e o reconhecimento de que ele seja
verdadeiro ou falso devem ser eventos distintos e o primeiro absolutamente independente do
último. Contudo, se agora determinação do sentido passa ser o mesmo que determinação das
circunstâncias em que a proposição é dita verdadeira, essa dissociação não pode mais existir.
“É claro que compreendemos proposições sem saber se elas são verdadeiras ou falsas”34
, mas
não há sentido proposicional sem saber o que torna a proposição uma coisa ou outra. O
reconhecimento do valor de verdade de uma proposição deixa de ser obra de um ato de juízo
que se aplica a um sentido proposicional e passa a consistir na constatação de que aquilo cuja
ocorrência torna a proposição verdadeira, realmente ocorre.
Essa mudança na maneira de conceber a verdade de uma proposição prepara a
conclusão do aforismo, no terceiro parágrafo. Se o resultado da argumentação até o momento
é restabelecer a ligação interna entre sentido proposicional e verdade, resta superar um último
34
NB, p. 103. Wittgenstein continua: “Mas apenas podemos conhecer o significado de uma proposição quando
sabemos se ela é verdadeira ou falsa. O que compreendemos é o sentido da proposição.” Que Wittgenstein
empregue aqui uma terminologia muito próxima da de Frege e fale do significado de uma proposição,
corrobora a interpretação de que, nas Notes, encontram-se argumentos dirigidos às teorias da proposição de
Frege e Russell que independem da teoria da figuração tal como a encontramos no Tractatus.
32
obstáculo para obter uma concepção satisfatória da proposição. A saber, resta mostrar que
proposições são fundamentalmente diferentes de nomes. Conceber “verdadeira” e “falsa”
como se fossem propriedades de algo que é designado pela proposição (um valor de verdade),
assim como “branco” e “preto” são propriedades de pontos que podem ser apontados
independentemente de que cor tenham, conduz à ideia de que uma proposição pode ter um
sentido sem que seja nem verdadeira nem falsa. Russell tentara, sem sucesso, evitar essa
consequência nos Principles. Pois, embora partisse da posição de que proposições são tudo
aquilo que é verdadeiro ou falso, a possibilidade de transformar toda proposição no sujeito
lógico de uma outra (uma vez que elas também são termos) conduz inevitavelmente à
distinção entre proposições asseridas e não asseridas, entre conceitos proposicionais e
asserções. Essa transformação consiste em substantivar o verbo da proposição de modo a, por
assim dizer, neutralizar seu poder relacionante:
Um e somente um verbo precisa ocorrer como verbo em toda proposição;
mas toda proposição, se substantivarmos seu verbo, pode ser transformada
em um único sujeito lógico, de uma espécie que chamarei no futuro de
conceito proposicional. Todo verbo, no sentido lógico da palavra, pode ser
considerado uma relação; quanto ocorre como verbo, ele efetivamente
relaciona, mas quando ocorre substantivado é a relação nua e crua
considerada independentemente dos termos que relaciona. […] Devido à
maneira como o verbo efetivamente relaciona os termos de uma proposição,
toda proposição tem uma unidade que a torna distinta da soma de seus
constituintes.35
O conceito proposicional, contendo os termos relacionados e a relação considerada “em si
mesma”36
que formam a proposição de que ele se origina, não possui mais a unidade que o
verbo “usado como verbo” dá à proposição. Tal unidade resulta do fato de que, na proposição,
o verbo – ocorrendo ou sendo usado como verbo – efetivamente relaciona os outros termos
constituintes. Quando o verbo é substantivado, por outro lado, ele é apenas mais um termo
entre outros, a “relação nua e crua considerada independentemente dos termos que relaciona.”
Desse modo, o novo complexo contendo essa forma do verbo, na medida em que não tem a
unidade característica das proposições, não pode ser verdadeiro ou falso. Como já vimos na
primeira seção, Russell só consegue explicar a diferença entre proposição e conceito
proposicional lançando mão da noção de asserção, equivalente ao ato de juízo fregiano e que,
assim, faz os conceitos proposicionais assumirem, na teoria russelliana, uma posição
semelhante à dos Gedanken na teoria fregiana.
35
Pples, § 55, p. 52. 36
Pples, § 54, p. 49.
33
Essa semelhança entre os Gedanken fregianos e os conceitos proposicionais de Russell
é o que permite a Wittgenstein concluir um aforismo cujo alvo é claramente a compreensão
fregiana da proposição com observações que evocam a teoria da proposição encontrada nos
Principles. Pois a atribuição a Frege da ideia de que o verbo de uma proposição é “é
verdadeiro” ou “é falso” só ganha pleno sentido se pensarmos na função que os verbos
desempenham na teoria russelliana. Ali, eles são os responsáveis pela unidade da proposição –
e isto quando ocorrem como verbos –, pois é sua presença que torna um complexo de termos
qualquer em algo passível de verdade ou falsidade. Logo, se as proposições fregianas são de
fato nomes de valores de verdade, é necessário que se lhes acrescente algo para que os
pensamentos que elas exprimem sejam apresentados como verdadeiros (ou falsos). Frege
sustenta que é nesse momento que deve entrar em cena a noção de juízo, dando origem a uma
asserção que o manifesta e propõe um determinado pensamento como verdadeiro ou falso.
Mas o que Wittgenstein nos diz, por sua vez, é que o juízo cumpre propriamente a função de
atribuir uma propriedade a uma coisa. Ou seja, Wittgenstein, ao criticar Frege, basicamente
assume a posição de Russell: é o verbo que dá unidade à proposição e faz essa unidade
complexa possuir ou a propriedade de ser verdadeira ou a de ser falsa. Estabelecida dessa
forma a complexidade essencial da proposição, se resistirmos à ideia de que é possível
neutralizar seu verbo substantivando-o, toda proposição será também essencialmente uma
asserção e, assim, necessariamente verdadeira ou falsa.
Desta forma, diante da separação entre sentido proposicional e valores de verdade
presente nos trabalhos de Frege e nos Principles de Russell, seja na forma da relação apenas
externa entre pensamento e o Verdadeiro ou o Falso, seja na da problemática passagem do
conceito proposicional à asserção, Wittgenstein, ao invés de tentar fornecer uma resposta para
a questão acerca da natureza dessa relação, realiza “antes uma crítica de sua formulação e de
seus pressupostos. Wittgenstein ultrapassa, mais do que resolve, as dificuldades encontradas
por seu antecessor [Russell].”37
Trata-se, então, de recuperar o que o noção russelliana de
proposição tinha de valioso e não dar o passo teórico que leva à distinção entre conceito
proposicional e asserção. Desse modo, toda proposição deve ser intrinsecamente uma asserção
(“o que “é verdadeiro” já deve conter o verbo”) e a ideia de que a asserção é um ato que se
aplica a um sentido proposicional que, por si mesmo, não é capaz de verdade ou falsidade
deve ser rechaçada como um equívoco. “A barra de asserção não tem nenhum significado
lógico. Ela apenas mostra, em Frege e em Whitehead e Russell, que esses autores tomam as
37
[Gandon, 2002], p. 30.
34
proposições assim indicadas como verdadeiras. “�”, então, é tão pouco parte da proposição
quanto (digamos) o número dela.” (NB, p. 103) Se o sentido da proposição consiste nas
circunstâncias em que ela deve ser dita verdadeira, e esse sentido não está à espera de um ato
qualquer (de juízo ou de asserção) para ser proposto como verdadeiro, toda proposição já diz,
por si mesma, o que deve ser o caso para que expresse uma verdade. Por conseguinte, a
asserção não pode passar de uma atitude psicológica que os sujeitos têm em relação a
proposições e que não tem influência nenhuma sobre o valor de verdade delas – “só há
proposições não asseridas. A asserção é meramente psicológica.” (NB, p. 95)
A recusa a conceder qualquer importância do ponto de vista lógico à noção de asserção