Processo n' 2009.8939-0 Fls.
3' Vara Feder.I/SA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
SENTENÇA N° 343/2015
PROCESSO N° 2009.33.00.008939.0
CLASSE: 7100 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
RÉU: UNIÃO FEDERAL E OUTROS
Vistos, etc ...
1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela DEFENSORIA
PÚBLICA DA UNIÃO, regularmente representada nos autos, contra a UNIÃO
FEDERAL, o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE SALVADOR, entes de
direito público também representados, tendo requerido o ilustre membro da DPU, em
sede antecipatória, a expedição de ordem judicial determinando "o imediato
fornecimento do medicamento Trastuzumabe (Herceptin), nas quantidades necessárias
e que dele necessitarem a todas as pacientes acometidas de câncer de mama no Estado
da Bahia", procedendo-se a disponibilização dos fármacos através das "farmácias
mantidas pelo Poder Público", em 24 horas após a intimação da decisão concessiva.
Como provimento final reclama a consolidação da providência liminar, tomando-se
permanente o fornecimento do Trastuzumabe às pacientes do SUS que apresentarem o
mesmo diagnóstico.
2. Verbera a DPU, de início, a sua legitimidade para propor ACP em
favor dos necessitados, lastreada no art.5° da Lei 7.347/85, bem como a legitimidade ad
causam da UNIÃO, do ESTADO DA BAHIA e do MUNICÍPIO DE SALVADOR para
figurarem no pólo passivo da demanda, entes aos quais carregados os deveres
instituídos no art. I96 da CF/88.
7.
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3. Prossegue explicando que, segundo informações fornecidas pela
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, o medicamento Trastuzurnabe, cujo nome
comercial é Herceptin, é indicado para o tratamento de portadores(as) de "câncer de
mama (CID C.50) metastático que apresentam tumores com superexpressão do
receptor HER2", em monoterapia ou em combinação com outros quimioterápicos.
Apesar desse reconhecimento, "há reiterados casos de pedidos de assistência juridica
nesta DPU. informando o não fornecimento do medicamento Herceptin na rede pública
de assistência farmacêutica da Bahia".
4. Argumenta, referindo a laudos técnicos, que é grande o impacto
positivo da utilização do mencionado remédio - que não encontra similar no mercado,
sendo de alto custo e, à época do ajuizamento, não disponibilizado pelo SUS - na
qualidade de vida das pessoas que padecem de câncer de mama, observando que o
direito à saúde não se resume ao fornecimento de medicamentos, englobando também o
direito à vida digna, a ser garantido pelo Estado, como determina a norma contida no
art.196 do Texto Maior, de eficácia plena e aplicabilidade imediata.
5. Aduz que a União, os Estados e os Municípios possuem
responsabilidade solidária no que concerne ao Sistema Único de Saúde, concebido para
garantir assistência integral aos cidadãos, de modo individual ou coletivo, e que a
intervenção do Poder Judiciário, na hipótese, não configura ofensa à independência dos
Poderes, na medida em que objetiva assegurar o cumprimento das normas
constitucionais, que é justamente o papel que lhe foi atribuído pela Constituição
Federal.
6. Destarte, realçando que o direito à saúde deve prevalecer "sobre
os interesses financeiros do estado", formulou o pleito antecipatório nos moldes acima,
medida a ser consolidada quando do julgamento final da lide.
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8. Oportunizada, mercê do Despacho de fl.70, a manifestação prévia
das pessoas jurídicas de direito público demandadas acerca do pleito liminar, bem como
ordenada a intimação do Ministério Público Federal para os fins previstos no art.5°, 9 I0,da Lei 7.347/85. Determinada ainda, no ensejo, a expedição de oficio à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária solicitando informações sobre o medicamento em
questão, que findaram encartadas às fls. I 75/1 76.
9. O pronunciamento da UNIÃO repousa às fls.81/88, suscitando a
sua ilegitimidade ad causam, eis que a distribuição de medicamentos se insere dentre as
obrigações do Estado-membro, e que, nos termos dos arts.17 e 18 da Lei 8.080/90, a
execução dos serviços e ações atribuídos ao Sistema Único de Saúde compete aos
Estados e Municípios. Alerta que o fornecimento de remédios obedece a critérios
médicos e que não poderia devassar os limites ditados pelas verbas reservadas para tal
fim, sob pena de descumprimento da Lei Complementar 101/00. Reclamou o
indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela.
10. Já o MUNICÍPIO DE SALVADOR manifestou-se às fls.92/103,
também arguindo a sua ilegitimidade passiva, dada a abrangência do pedido
(distribuição do fármaco por todo o Estado da Bahia), além do que, sendo o tratamento
oncológico de "alta complexidade", nos termos dos arts.16 e 17 da Lei 8.080/90, caberia
à União e ao Estado prestá-lo. Quanto ao tema de fundo, pondera que a realização da
saúde, como direito constitucional, pressupõe a definição de políticas sociais e
econõmicas, a serem implementadas pelo SUS, como "única forma de se garantir a
universalização do acesso à saúde". Destaca que o tratamento oncológico é feito de
acordo com portarias específicas, em unidades especializadas e credenciadas pelo
Sistema Único de Saúde, não havendo "dispensação de medicamentos para câncer fora
dessas unidades", tampouco indícios de que a terapêutica disponibilizada pelo SUS seja
ineficaz, de modo a justificar a intervenção do Poder Judiciário.
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lI. O Ministério Público Federal, por meio do pronunciamento de
fls. I 04/1 06, pôs-se pela concessão da medida antecipatória, não para fornecimento do
medicamento nas farmácias mantidas pelo Poder Público, como requerido, mas nas
UNACONS (Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) ou nos
CACONS (Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), desde que o
paciente seja acompanhado pelos profissionais de saúde lotados em tais serviços.
12. O ESTADO DA BAHIA quedou-se inerte, confonne certidão de
fl.107, porém antecipou contestação ás fls.13 7/148, esclarecendo que o SUS pennite aos
portadores de câncer o acesso universal a tratamento especializado em oncologia,
através de estabelecimentos de saúde cadastrados para este fim (UNACON's e
CACON's). Explica que portarias do Ministério da Saúde regulam os procedimentos e
autorizações, inclusive cobertura para o custeio de quimioterapia adjuvante para o
câncer de mama, cabendo às unidades credenciadas fornecer todo o tratamento,
incluindo os medicamentos inerentes, sob os preceitos e financiamento do sistema
"APAC-ONCO". Assim, a dispensação de medicamentos antineoplásicos fora do
contexto integral de assistência médica proporcionado pelas UNACON's, CACON's e
serviços isolados de quimioterapia credenciados ao SUS, contraria o princípio da
integralidade assistencial, não dispondo a administração pública de recursos suficientes
para liberar, sem programação financeira específica, pagamentos a empresas
particulares fabricantes de medicamentos.
13. Discorre sobre a "correta análise da enunciação da saúde
enquanto dever do Estado", sustentando que o Sistema Público de Saúde deve fornecer
remédios num contexto de programa social, contemplando a totalidade dos cidadãos, e
não de forma individualizada, perspectiva que se afasta da supremacia do interesse
público. Enfatiza a discricionariedade do poder público na gestão da saúde e a limitação
de recursos, invocando, por fim, os princípios da separação dos Poderes, da igualdade e
da legalidade estrita, para requerer sejam julgados improcedentes os pedidos autorais.
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14. A antecipação pleiteada restou indeferida nos termos da Decisão
de fls. I08/117, desafiada no Agravo de Instrumento reproduzido às fls. 120/127.
15. As defesas da UNIÃO (fls.154/161, does. às fls.162/172) e do
MUNICÍPIO DE SALVADOR (fls. I76/197, does. às fls. 198/21 O), sobre vindicarem,
ambas, a improcedência da ação, reiteram, basicamente, os argumentos desfiados em
suas respectivas manifestações prévias.
16. Réplica reiterativa às fls.214/223, rebatendo o questionamento
preliminar comum (ilegitimidade passiva) e demais argumentos engendrados nas
defesas dos três réus.
17. Instadas as partes sobre o interesse em novas provas, a DPU
requereu a produção de pericia médica e oitiva de testemunha, fim de atestar a
indispensabilidade do fornecimento do Trastuzumabe na rede pública de saúde,
protestando ainda pela ulterior juntada de pericias médicas produzidas n'outros feitos
judiciais referidos na peça de abertura (fls.225/226); a UNIÃO nada mais requereu (cota
de fl.227); o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE SALVADOR deixaram
transcorrer in albis o prazo pertinente (Certidão de fl.234).
18. O MPF, em pronunciamento de fls.235/236, opmou pela
requisição de um "parecer" do Instituto Nacional do Câncer - INCA, elaborado com
base em pesquisa desenvolvida pelo órgão referente à incorporação, no SUS, do
medicamento Trastuzumabe.
19. Deferida a prova documental pleiteada (Despacho de fl.237),
foram as informações do INCA encartadas às fls.244/246, esclarecendo que "o emprego
do anticorpo monoe/onal contra o HER2 (Herceptin - Trastuzumab), já está liberado
há quase dez anos, tanto na doença metastática (primeira indicação), quanto em
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igual a um centímetro". Adverte a entidade, todavia, que, "para o seu emprego é
necessário que haja o diagnóstico imuno-histoquímico especíjico", bem como avaliação
da condição cardiovascular, "face a sua toxicidade cardiológica". Pontua que, embora
não havendo cobertura do fármaco pelo MS/SUS (à época), inexiste restrição ao seu
uso.
20. Respostas das na e lOaVaras aos oficios que lhes foram dirigidos
esclarecem que não foram realizadas perícias nos feitos indagados, afetos àqueles Juízos
(v. fls.247 e 249).
21. Sobre os novos substratos adunados, dísse o MUNICÍPIO DE
SALVADOR, às fls.259/26I , acentuando que não é razoável admitir imposição judicial
"em desacordo com a política pública estabelecida", e que não cabe à comuna o
fornecimento de medicação sem cobertura financeira direta. A OPU e a UNIÃO nada
acrescentaram (v. cotas de fls.25l verso e 252 respectivamente), enquanto o ESTADO
DA BAHIA permaneceu inerte (Certidão de fl.262).
22. Novo pronunciamento do Parquet corrobora a anterior
manifestação de fls. I041106, pondo-se pela antecipação dos efeitos da tutela,
compelindo-se os demandados a fornecer o medicamento Trastuzumabe a todos os
pacientes cuja situação clínica assim o requeira, mas "sob o controle, acompanhamento
e responsabilidade dos centros de atenção oncológica que integram a estrutura do
SUS' (fl.263 e verso).
23. Indeferida a prova pericial consoante Despacho de fl.264,
admitiu-se, no entanto, a oitiva de profissíonal médico especialista na área, cujo nome
restou declinado pela OPU à fl.279.
24. O pólo ativo juntou pareceres da Sociedade Brasileira de
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do tema às fls.279/497, sobre os quais se manifestou apenas a UNIÃO, à fl.499,
remanescendo silentes o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE SALVADOR
(Certidão de fl.503).
25. Já o MPF, às fls.504/506, reitera seus pronunciamentos anteriores
e a "suficiência da manifestação do INCA àjl.244", noticiando, outrossim, a edição das
Portarias nOs I 8 e I9, de 25/julho/2012, baixadas pela Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estratégicos, "incorporando o medicamento trastuzumab no
Sistema Único de Saúde para o tratamento do câncer nas duas hipóteses e de acordo
com as condicionantes que fixa". Obtempera, todavia, que a referida incorporação "não
equaciona de forma definitiva o pleito deduzido na presente ação", considerando as
condicionantes impostas para o fornecimento do medicamento, em especial a "redução
do preço". Requereu a juntada das publicações dos referidos atos editados no âmbito do
Ministério da Saúde e de relatórios produzidos pela Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no SUS - CONITEC (encartados às fls.507/568).
26. Franqueada a manifestação das partes, a DPU e a UNIÃO apenas
consignaram ciência à fl.569 verso e 570; o ESTADO DA BAHIA, uma vez mais,
quedou-se inerte (Certidão de fl.635). Já o MUNICÍPIO DE SALVADOR juntou o
arrazoado de fls.605/630, insistindo no acolhimento da prefaciai de ilegitimidade
suscitada em contestação.
sustentou, às fls.638/642, que a edição das Portarias nOs. 18 e 19/2012, referidas pelo
Parquet, "não esgota o mérito desta Ação Civil Pública", considerando as restrições
para incorporação do Trastuzumabe "apenas para o tratamento do câncer de mama
inicial e do câncer de mama localmente avançado". Observa que o câncer de mama
metastático não foi abrangido, defendendo que o fornecimento do medicamento deve
ocorrer independentemente do estágio da doença, afastando-se, ademais, as
oo,dki,"~,,, d, redo,ãodopreço,d, 'Mi,," dM'p='''oçil'' ~ Jd
27. A parte autora, reafirmando o interesse na produção de prova oral,
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ou de que possua o paciente comorbidades compatíveis com expectativa de vida para
além de 5 (cinco) anos. Reitera o pedido inicial, no sentido de garantir o "amplo acesso
ao Trastuzumab, independentemente de qual o estágio ou o prognóstico da doença".
28. A UNIÃO, opondo-se à oitiva da testemunha indicada pela autora
(por desnecessária), requereu fosse requisitado opinativo do Centro Cochrane do Brasil,
ONG sediada em São Paulo cuja missão institucional é "elaborar, manter e divulgar
revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados" (l1s.654/657, does. às
I1s.658/66 I).
29. Sobre a manifestação e pleito da primeira ré, disse a autora às
I1s.663/671 (does. às I1s.673/842), insistindo na oitiva indicada, ao que anuiu o MPF em
pronunciamento de 11.844.
30. Designada Audiência de Instrução, realizada em lS/julho/2014,
na qual tomado o depoimento do profissional médico AUGUSTO CÉSAR DE
ANDRADE MOTA, conforme Termo e midia eletrônica acomodados às I1s.854/857.
31. Convertidos os debates em entrega de memoriais, vieram estes às
I1s.860/877 (MUNICÍPIO DE SALVADOR), 879/883 (DPU), 886/890 verso (UNIÃO)
e 892/897 (ESTADO DA BAHIA), mantendo as partes a essência de seus discursos, a
exemplo do Custos Legis que, em derradeiro pronunciamento de 11.399, opinou pelo
reconhecimento da procedência da ação. Tornaram os autos, enfim, conclusos para
julgamento.
É, no que mais interessa, o RELATÓRIO.
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FUNDAMENTAÇÃO
1. A questão da legitimidade da Defensoria Pública da União para a
propositura da presente ACP já foi enfrentada quando da apreciação do pleito
antecipatório, d'onde recorto, aderindo ao quanto ali definido a respeito:
"Em ações civis públicas que me foram anteriormente distribuídas e nas quais aDefensoria Pública da União figurava como autora, perfilhei de entendimentono sentido de que, a despeito da legitimidade que lhe foi conferida pelo artigo5', inciso II da Lei n. 7.347/85, a sua atuação não poderia ocorrer de formadissociada da sua função institucional, voltada, consoante exsurge do artigo134 da Carta Magna de 1988, à "orientação juridica e a defesa, em todos osgraus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV".Bem de ver, o artigo I' da Lei Complementar n. 80/94, que organiza aDefensoria Pública da União, dentre outras providências, enuncia em seu artigo10 in verbis:
'Ar/. J o A Dejênsoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional doEstado, incumbindo-/he prestar assistência jurídica, Judicial e extrajudicial.integral e gratuita, aos necessitados. assim considerados na/arma da lei'.
Em outros termos, significa dizer que, embora recente alteração legislativaintroduzida na Lei n. 7.347/85 pela Lei n. 11.448/07 tenha incluido aDefensoria Pública no rol dos legitimados a ajuizar ação civil pública, talprerrogativa não autoriza que se deduza, nesta sede, toda e qualquer tipo depretensão, mas tão-somente aquelas direcionadas à proteção das pessoashipossuficientes.Na hipótese posta para exame, conforme já restou mencionado acima, apretensão autoral recai no fornecimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) demedicamento específico, destinado ao tratamento do câncer de mama.Como sabido, a Saúde, ao lado da Previdência Social e da Assistência Social,integram a Seguridade Social, "conjunto integrado de ações de iniciativa dosPoderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos àsaúde, à previdência e à assistência social" (artigo t 94 da Carta Magna de1988).Diversamente do que ocorre com a Previdência Social, de caráteressencialmente contributivo, a lTuição dos serviços prestados pelo Estado noâmbito da Saúde prescinde de contraprestação do respectivo usuário, quesequer precisa fazer qualquer comprovação acerca da sua efetiva necessidadeou ainda de eventual hipossuficiência financeira.A despeito disso, encerra fato público e notório a circunstância de que osserviços a cargo do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil - pais que aindanão consegue oferecer à sua população, como um todo, de forma gratuita eeficaz, serviços básicos, como saúde e educação -, se destinamprimordialmente à população de baixa renda, que não possui qualquer condiçãode contar com assistência médica privada, abrangendo, ainda, extensa, senão amaior parte, dos atendimentos prestados pelos estabelecimentos de saúde.Nessa seara, dados colhidos do si/e do IBGE - Fundação Instituto Brasileiro deGeografia e Estatlstica (www.ibge.gov.br). pertinentes ao ano de 2005,evidenciam a presença de 54.6 t 8 (cinquenta e quatro mil seiscentos e dezoito)estabelecimentos de saúde, no Brasil, financiados pelo SUS contra pouco maisde 30.000 (trinta mil) de natureza particular.
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Os dados pertinentes ao Censo Demográfico do ano 2000 testificam, alémdisso, que o rendimento mensal médio da ocupação principal das pessoas ativascom dez ou mais anos de idade gira em tomo aproximadamente de R$628,18(seiscentos e vinte e oito reais e dezoito centavos).Diante de tal quadro, caracterizado por uma distribuição de renda bastantedesigual, o SUS exsurge como a alternativa, senão a única opção destinada àpopulação de baixa renda, no que toca à fruição dos serviços de assistência àsaúde, de um modo geral.Sendo assim, congregando o SUS, em sua essência, o atendimento à populaçãomais carente de recursos. o que se coaduna com as finalidades institucionais daDefensoria Pública da União, admito, em face das peculiaridades do casoconcreto e com vistas, inclusive, a não infirmar o amplo espectro de proteçãoinerente à tutela coletiva, a sua pertinência subjetiva na demanda em tela.
2. Quanto à legitimidade passiva das pessoas de direito público que
integram os três níveis da Federação, objeto de preliminares eriçadas tanto pela UNIÃO
como pelo MUNICÍPIO DE SALVADOR, não vicejam tais questionamentos, posto que
a responsabilidade dos entes integrantes das três esferas do Poder, seja para o
fornecimento de insumos, seja para o custeio de tratamento médico, deriva da atribuição
de competência comum em matéria de direito à saúde, consagrada no art.24, XII, da
Constituição Federal, bem assim da responsabilidade que lhes é atribuída nos termos do
art. I 98, I, da Charla, ao estabelecer a gestão tripartite do Sistema Único de Saúde -
SUS. Não é outra a orientação do colendo STJ, senão repare-se:ADMINISTRATIVO. Fo.RNEClMENTO DE MEDICAMENTo.S. o.BRIGAÇÃo.DA UNIÃO., ESTADo.S, MUNICÍPIOS E DISTRITO FEDERAL.So.LlDARIEDADE Do.S ENTES FEDERATIVo.S. DIREITO À VIDA E ÀSAÚDE. Co.MPRo.VAÇÃo. DE NECESSIDADE DO. MEDICAMENTO.SÚMULA 7/STJ. I. É assellte o elllelldimellto de que a Saúde PúblicaCOIlSlIbstallcia direito fundamental do homem e dever do Poder Público,expressão que abarca a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e osMUllicfpios, todos em conjunto. Nesse sentido, dispõem os arts. 2° e 4° da Lei11. 8.080/1990. 2. Assim, o fimciollamellto do Sistema Úllico de Saúde é derespollsabilidade solidária da Ullião, do Estados e tios MUllicfpios. Dessaforma, qualquer um destes entes tem legitimidade ad causam para figurar 110
polo passivo da demallda, 3. A alegação de que a parte autora IIãocomprovou, através de perícia a necessidade de fornecimento dosmedicamentos não pode ser aferida nesta Corte, pois esbarra no óbice daSúmula 7/STJ.Agravo regimelltal improvido.(AGARESP 201303577811, Segunda Turma, Relator Ministro HUMBERTOMARTINS, DJE de 10/02/2014)
PRo.CESSUAL CIVIL. AGRAVo. REGIMENTAL. Fo.RNECIMENTO DEMEDICAMENTOS. SUS. o.BRIGAÇÃo. DE FAZER. LEGITIMIDADEPASSIVA DA UNIÃO.,DO.ESTADO.E DO.MUNiCíPio. PRECEDENTES. I.Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de
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instrumento. 2. O acórdão a quo determinou à União fornecer ao recorrido omedicamento postulado. tendo em vista a sua legitimidade para figurar nopólo passivo da ação. 3. A CFlI988 erige a saúde como um direito de todos edever do Estado (art. 196). Dal, a seguillte cOllclusão:é obrigação do Estado,lia smtido gellérlco (Ullião, Estados, Distrito Federal e MUlliclpios),assegurar às pessoas desprovidas de recursos jillanceiros o acesso àmedicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as maisgraves. Selldo o SUS composto pela Ullião, Estados e MUlliclpios, impõe-se asolidariedade dos três elites federativos lia pólo passivo da demallda. 4.Agravo regimental IIão-provido.(AGA 200700312404, Primeira Turma, Relator Ministro JOSÉ DELGADO,DJ de 30/08/2007) (destaques nossos).
3. Como visto, a jurisprudência não tem feito distinção entre as
pessoas políticas que integram a Federação no que refere ás ações em que se pleiteia o
fornecimento de medicamentos, entendimento ao qual adiro para assentar que União
Federal, Estados e Municípios devem remanescer no pólo passivo.
4. Aliás, a propósito do particular questionamento feito pelo
MUNICÍPIO DE SALVADOR, acusando o descabimento de ver-se compelido a prestar
medicamentos a cidadãos dos demais municípios do Brasil no caso de eventual
reconhecimento da procedência dos pedidos, é certo que, mesmo em tal hipótese, sua
responsabilidade é delimitada ao âmbito da respectiva abrangência territorial e no que
for típico de sua participação nas unidades de atendimento aos pacientes de câncer já
existentes no SUS.
5. Superadas as objeções relacionadas á composição dos pólos da
lide, resta desimpedido o avanço sobre o tema de fundo.
6. Cumpre fixar, de logo, que não remanescem dúvidas acerca da
eficácia, segurança e adequação do Trastuzumabe para o tratamento do câncer de mama,
questão que restou incontroversa, sobretudo, a partir da edição das Portarias nOs 18 e
19, de 25/julho/2012, baixadas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos, reproduzidas á !l.507, "incorporando o medicamento trastuzumab no
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Sistema Único de Saúde para o tratamento do câncer nas duas hipóteses e de acordo
com as condicionantes quefixa".
7. Antes mesmo da incorporação do fármaco aos protocolos do SUS,
os pareceres da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e relatório do Tribunal de
Contas da União de fls.280/497, bem assim, o parecer requisitado ao Instituto Nacional
de Câncer - INCA (fls.243/246), já corroboravam o discurso vestibular, alicerçando a
premissa construida acima, o que também fizeram os relatórios produzidos pela
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC encartados ás
fls.508/568.
8. O profissional médico ouvido em Juízo a pedido da OPU,
Oncologista AUGUSTO CÉSAR DE ANDRADE MOTA, com a credencial de ser
profundo conhecedor da matéria e ter participado da Diretoria Nacional da Sociedade
Brasileira de Oncologia Clínica - SBOC, não variou das conclusões acima, explicando
que a molécula contida na droga em comento bloqueia uma via de sinalização celular
importante para que as células tumorais continuem proliferando, o que acontece em
qualquer das fases da doença, e não apenas no câncer inicial ou localizado. Assim, "não
há dúvida de que esse medicamento deve ser incorporado no manuseio das pacientes
com câncer de mama que expressam a proteína HER2. alvejada pela molécula" (v.
mídia eletrônica encartada à fl.857).
9. Inquirido pelo Juízo de forma exaustiva, bem assim por todos os
representantes das partes e membro do MPF, não se furtou o reputado profissional de
esclarecer ainda que, hoje em dia, cuidados paliativos são oferecidos desde o
diagnóstico, não mais constituindo, tais cuidados, apenas medidas de conforto para o
paciente em estado terminal. Questionado pelo ESTADO DA BAHIA, reconheceu ser
possível paliar pacientes metastáticos só com quimioterapia, asseverando, porém, que a
incorporação de moléculas que bloqueiam a referida via de sinalização ("via HER2")
(cv'
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10. Especificamente quanto às condicionantes engendradas nas
portarias que incorporaram o Trastuzumabe ao SUS, igualmente admitiu os riscos para
o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca, pontuando, todavia, que apesar da
toxicidade proibitiva receada no início, cardiologistas e oncologistas criaram protocolo
de monitoramento da função cardíaca - como a necessidade de ecocardiograma -,
reduzindo a 2,3% a incidência de casos em que essa toxicidade inviabilizaria o
tratamento. De referência à necessidade de apresentação em 60 e 150 mg, explicou que
o fármaco possui estabilidade de 28 dias após aberto o frasco. Desse modo, o que sobra
da ampola de 440 mg (padrão atual) pode ser disponibilizado a outra paciente,
concluindo ser baixíssima possibilidade de desperdício. Advertiu que os medicamentos
quimioterápicos fornecidos pelo SUS para câncer metastático pelo sistema APAC-
aNCa - governo disponibiliza valor fixo, exigindo-se, assim, a manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro - "são complementares", agindo nas células
cancerígenas que já estão se dividindo, e não substituem o Trastuzumabe, que,
diferentemente da quimioterapia convencional, constitui via de sinalização que impede
o início da divisão celular (bloqueio).
lI. Por fim explicou, quando indagado pela Representação da
UNIÃO, que existem outros medicamentos de atuação semelhante à da molécula em
análise, como o Lapatinibe e o Pertuzumabe (de custo elevado), sendo que, para melhor
resultado, a via de acesso celular deve ser bloqueada por dois mecanismos diferentes: o
próprio Trastuzumabe e outro.
12. De tudo se extrai que as tais condicionantes são fortemente
relativizadas sob a ótica da apreciação técnica, justificando-se o emprego do
Trastuzumabe em pacientes com câncer inicial ou localizado, mas igualmente em
pacientes metastáticos, mostrando-se vulnerável também a condicionante assentada em
suposta "redução do custo" a partir da alteração da apresentação em miligramas
diferentes (60 e 150 mg).
Processo n' 2009.8939-0 Fls.
3' Vara Federal/BA
Sentença Tipo A
Pompeu de Sousa Brasil
Juiz Federal Titular
13. Como amplamente sabido, o STF admite a possibilidade de
questionamento judicial da negativa estatal de fornecimento de drogas terapêuticas, até
mesmo quando diversas das que previstas nos protocolos clínicos do SUS para
tratamento de determinadas doenças, como se destaca, a exemplificar, trecho da decisão
do Ministro GILMAR MENDES, então Presidente da Corte, no julgamento da
Suspensão de Tutela Antecipada nO 244 (DJE de 23/09/2009), verbis:
(...). Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o PoderJudiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente dacusteada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razõesespecíficas do seu organismo. comprove que o tratamento fornecido não éeficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Minislro daSaúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dosprotocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não sepode afirmar que os Protocolos Clinicas e Diretrizes Terapêuticas do SUSsão inquestionáveis. o que permite sua contestação Judicial (...).
14. Com efeito, a Carta Política consagra a saúde como direito
fundamental, qualificado, em seu art.6°, também como direito social. Seguindo essa
diretriz, o art. I 96 proclama ser a saúde " ... direito de todos e dever do Estado. garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua
promoção. proteção e recuperação".
15. Pois bem, dentre os serviços e beneficios prestados no âmbito da
Saúde encontra-se a assistência farmacêutica, mercê do art.6°, I, "ti", da Lei 8.080/90,
que expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução
de ações de assistência terapêutica integral. A Política Nacional de Medicamentos e
Assistência Farmacêutica é parte integrante da Política Nacional de Saúde, possuindo o
escopo de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em
preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades dos
pacientes.
Processo n' 2009.8939.0 Fls.
)' Vara Federal/BA
Sentença Tipo A
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16. Há que se considerar, outrossim, na avaliação de pedido voltado à
disponibilização ampla do Trastuzumabe - quando do ajuizamento da presente ACP,
ainda nas águas de 2009, não constava o fármaco das listas de medicamentos
estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde, o que só foi acontecer a partir de 2012, após
a edição das multicitadas Portarias nOs. 18 e 19 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos (v. fl.507) -, as consequências que a medida requerida causa no
sistema, uma vez que os recursos do SUS são, notoriamente, escassos.
17. A despeito disso, o Excelso Pretório tem decidido que, tratando-se
de individuo hipossuficiente - como devem ser os destinatários da medida pleiteada
pela Defensoria Pública sob pena de faltar ao Órgão legitimidade para assim postular -,
é obrigação do Estado o fornecimento da medicação necessária ao seu tratamento.
Assim deliberou no julgamento do AI-AgR n. 663.377/RS (in DJ de 23/11/2007), tendo
prevalecido o entendimento, em tal hipótese, de que, embora os medicamentos não
constassem do "Programa de Medicamentos Excepcionais", teriam qualidade,
segurança e efeito terapêutico atestados em razão da obtenção de registro como
medicamento genérico junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, devendo ser
prestados a pacientes que não têm condições de arcar com os custos do tratamento
contínuo.
18. Sequer é o caso do Trastuzumabe, que, como visto, já foi
incorporado em esquemas terapêuticos avalizados e custeados pelo SUS. O que falta,
como objeto remanescente da ACP, na verdade, é afastar aquelas condicionantes
veiculadas nas referidas portarias, e não considero que tal desiderato vá interferir, de
forma direta, na formulação das políticas econômicas e sociais do governo, seara
infensa ao crivo do Judiciário. Trata-se, em verdade, de assegurar concretude à garantia
fundamental do direito à saúde, cabendo ao Estado (lato sensu) a obrigação de prover as
condições indispensáveis ao seu livre exercício, por meio da "formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doença e de outros
agravos e no estabelecimento de condições que assegur; acesso universal e
CV
Processo n' 2009.8939-0 Fls.
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igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação"
(art.2° da Lei 8.080/90).
19. Nesse particular contexto é que se legitima a intervenção judicial,
excepcionalmente, na esteira do que vem admitindo o Excelso Pretório. Reitero que
não estou a olvidar a limitação de recursos do SUS, decorrente, talvez, de gestão
governamental que não prioriza as políticas públicas essenciais, atribuindo mais
importãncia a objetivos políticos e/ou formação de superavit primário. Isso, porém, não
vai justificar a negação da máxima efetividade da Constituição Federal, que assegura a
todos o direito à saúde, carregando o dever correspondente ao Estado. E é compromisso
de qualquer juiz, incrito em seu juramento, fazer valer a Constituição e as leis do país.
20. Entender em sentido diverso contrasta o natural reconhecimento
de que foi justamente visando o cumprimento do comando contido na Lei Maior - que
não tem natureza meramente ornamental - que foi criado o Sistema Único, integrado
pelos diversos entes federados e com a missão de assegurar a "integralidade da
assistência à saúde. seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela
necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o
acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de
determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender
ao princípio maior. que é a garantia da vida digna." (trecho destacado do Acórdão
proferido no REsp 200401187914/RS, ReI. Min. LUIZ FUX, publ. in DJ de 30/05/05,
p.247).
21. Apreciando ação coletiva sobre tema análogo (dispensação ampla
do Trastuzumabe), o ego TRF/I a Região empreendeu cuidadosa e profunda análise
acerca da possibilidade de intervenção judicial em tais circunstâncias, sem que se
cogitasse de se estar ditando políticas públicas. Confira-se os seguintes arestos,
extraidos da ementa do julgamento da AC n0457602012401381I, sendo relator oDes.
Federal SOUZA PRUDENTE, Quinta Turma, in e-DJFI de:O
G6/2015, p.706:
6/
Processo n°2009.8939-0 Fls.
3' Vara FederallBA
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"(...)Destaque-se, ainda, que na visão jurisprudencial do egrégio SupremoTribunal Federal, "é certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito dasfunções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, emespecial - a atribuição de fonnular e de implementar pollticas públicas (JOSÉCARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais naConstituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina,Coimbra), pois. nesse domínio, o encargo reside, primariamente. nos PoderesLegislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em basesexcepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãosestatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos quesobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, aeficácia e a integridade de direitos individuais elou coletivos impregnados deestatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas deconteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante jáproclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regrasinscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessaconstitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justasexpectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneirailegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gestoirresponsável de infidelidade governamental ao que detennina a própria LeiFundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, ReI. Min. CELSO DEMELLO). Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas,significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possivel" (STEPHENHOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, NewYork), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempreonerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais eculturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste,prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuaiselou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais- além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização -depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeirosubordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico~financeira da pessoaestatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitaçãomaterial referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto daCarta Politica. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em talhipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira eloupolitico-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegitimo,arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar oestabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, decondições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo,que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justomotivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com afinalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigaçõesconstitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa,puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitosconstitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A EficáciaJuridica dos Principios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar): "Emresumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se podeignorar. O intérprete deverá levá-Ia em conta ao afinnar que algum bem pode
~ ",,"0 J",,"','m,"" .• ,'m ,"mOOm"(Çp' ".
Processo n' 2009.8939-0 Fls.
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fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que afinalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob aforma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra politica pública, éexatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A metacentral das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, podeser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujoponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade,que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiaisminimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade(o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvosprioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderádiscutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos sedeverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado aoestabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviverprodutivamente com a reserva do possiveL" (grifei) Vê-se, pois, que oscondicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possivel", aoprocesso de concretização dos direitos de segunda geração - de implantaçãosempre onerosa -. traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado,(I) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do PoderPúblico e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estadopara tomar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessárioacentuar-se. considerado o encargo governamental de tomar efetiva aaplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementoscomponentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão +disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modoafinnativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquerdesses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realizaçãoprática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de politicaspúblicas dependam de opções politicas a cargo daqueles que, por delegaçãopopular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer quenão se revela absoluta, nesse dom inia, a liberdade de conformação dolegislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes doEstado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção deneutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos eculturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inérciaestatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleointangfvel consubstanciador de um conjunto irredutlvel de condiçõesmínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própriasobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar~se-á, como precedentementejá enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurfdico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem aviabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamenterecusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, asobservações de ANDREAS JOACHIM KRELL ("Direitos Sociais e ControleJudicial no Brasil e na Alemanha", p. 22-23, 2002, Fabris): "A constituiçãoconfere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição daforma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado 'livreespaço de conformação' ( ...). Num sistema politico pluralista, as normasconstitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversasconcretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas peloeleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisãoquanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe,","","~~.'",0_" .."'"~,~.em(êf=/o'k""O
Processo nO2009.8939-0 Fls.
3' Vara FederallBA
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não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substitui-lo emjuízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opçõeslegislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quandohaja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbênciaconstitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão dovetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastospúblicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que osPoderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantirum cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais." (ADPF45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/0412004,publicado em DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191) 111-Em sendo assim, caracterizada, na espécie, a impossibilidade da autora dearcar com os custos do tratamento de sua doença (câncer de mama), afigura-se juridicamente possível o fornecimento do medicamento requerido peloPoder Público, conforme indicação médica, possibilitando-lhes o exercício doseu direito à vida, à saúde e à assistência médica, como garantia fundamentalassegurada em nossa Carta Magna, a sobrepor-se a qualquer outro interessede cunho politico elou material. Precedentes. IV - No caso em exame,afigura-se correta a condenação dos requeridos ao pagamento de honoráriosadvocaticios no montante fixado, uma vez que foram arbitrados nos termosdo ~ 4°, do art. 20, do CPC, com observáncia das normas contidas nas alineasa, b e c do ~ 3° do aludido dispositivo legal. V - Não se conhece da remessaoficial, nos casos em que a sentença monocrática estiver fundada emjurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal (CPC, art. 475, ~3°). VI - Remessa oficial não conhecida e Apelações do Estado de MinasGerais e da União Federal desprovidas. VIl - Processo julgado na linha daprioridade legal estabelecida no artigo 1.21 l-A do CPC.(AC 00004576020124013811, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZAPRUDENTE, TRFI - QUINTA TURMA, e-DJFI DATA:03/06/2015 p.706)"
23. Pouco há a acrescentar ao julgado acima, que bem enfrenta a
quadra da discussão relacionada à possibilidade de intervenção do Judiciário em temas
afetos à saúde pública coletiva.
24. Convém rememorar, no vertente estádio desta Fundamentação,
que já foi resolvido sobre a angulação subjetiva da lide (legitimação ativa da OPU e dos
réus para responderem à ação), reconhecida a adequação e eficácia do Trastuzumabe no
uso adjuvante em qualquer fase do tratamento do câncer de mama, com evidências
cientificas de que proporciona aumento da sobrevida livre de recidiva de doença,
diminuição do risco de metástases e da própria mortalidade, bem como a possibilidade
de judicialização do enliço à luz de consistentes precedentes do STF e do ego TRF/l"
Processon°2009.8939-0 Fls.
31 Vara Federal/BA
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das condicionantes impostas em portarias que não homenageiam os preceitos
constitucionais e legais que tutelam o direito à saúde.
25. Não há falar, destarte, em extinção do feito sem julgamento de
mérito por ter o medicamento passado a integrar a lista de tratamentos para câncer de
mama do SUS, justamente porque as ditas condicionantes ainda restringem
dramaticamente o exercício do direito.
26. Por esses dias - em mês que, por coincidência, ocorre maciça
divulgação do "Outubro Rosa", campanha instituída justamente para conscientizar a
população sobre a importância do diagnóstico precoce para o tratamento do câncer de
mama - o Ministro EDSON FACCHIN, do Supremo Tribunal Federal, em decisão
liminar, determinou que a USP fornecesse cápsulas de um composto experimental para
pacientes com câncer, a Fosjoetalomina, substância, ao que se sabe, não submetida à
avaliação da ANVISA e sequer testada em humanos mediante protocolos regulares de
pesquisa. Dita decisão deflagrou o revigoramento de liminares de primeiro grau
suspensas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, fomentando, de outro lado, o debate
sobre a judicialização da saúde e o custo que isso vem representando para o Estado.
27. Essas digressões, as faço com o propósito de realçar que, no caso
presente, com muito mais razão impõe-se assegurar a prestação jurisdicional vindicada,
porque não se está tratando de uma panacéia ou poção milagrosa, ou algo etéreo, que
costuma ganhar corpo no fluído (e, muitas vezes, irracional) campo das esperanças de
quem possui um ente querido em fase terminal, mas de um medicamento de eficácia
comprovada, capaz de proporcionar mais chances às pacientes portadoras de câncer, ou,
quando menos, melhor qualidade e extensão de sobrevida.
28. E para isso o Poder Público deve ser posto a cobro, proibindo-se
que sonegue o direito à vida das mulheres (hipossuficientes) deste Estado da Bahia, que
Processon' 2009.8939-0 Fls.
311 Vara FedcralIBA
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do Trastuzumabe, as irrazoáveis e obscuras condicionantes engendradas pela burocracia
oficial por aquelas que, na multiplicidade dos casos concretos, sejam estabelecidas pelos
médicos que as acompanham, vinculados às UNACON's (Unidades de Assistência de
Alta Complexidade em Oncologia) ou aos CACON's (Centros de Assistência de Alta
Complexidade em Oncologia), sob o controle e acompanhamento desses profissionais,
conclusão que se harmoniza ao opinativo do Custos Legis lançado em diversas
passagens do iter processual.
DISPOSITIVO
1. Ante o exposto, tudo bem visto e examinado, rejeito as
preliminares suscitadas pelos réus e julgo parcialmente procedente a ação, para
condenar a UNIÃO FEDERAL, o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE
SALVADOR, solidariamente e na medida de suas competências na gestão tripartite do
Sistema Único de Saúde, ao fornecimento amplo e gratuito do fármaco denominado
Trastuzumabe (Herceptin), no âmbito do Estado da Bahia, a pacientes de câncer
mamário em qualquer fase da doença e que comprovem hipossuficiência na forma da
lei, afastadas as condicionantes veiculadas nas Portarias nOs. 18 e 19 da Secretaria de
Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (v. fl.507) ou em outros atos restritivos que
as tenham sucedido, conforme inequívoca indicação dos médicos responsáveis pelo
tratamento, sob o controle e acompanhamento desses profissionais, que devem ser
vinculados às UNACON's (Unidades de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia) ou aos CACON's (Centros de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia) íntegrados ao SUS. O processo é extinto, destarte, com resolução de mérito,
nos termos do art.269, I, do Código de Processo Civil.
2. A medida aCIma é deferida também em sede antecipatória,
mercê de reapreciação do pleito de igual natureza veiculado na peça de abertura,
"j,l"",do-" o ,dmlo"rodo'00 OS"'" ,Ohlloo=(d:Coj","fi"dO
Processo n' 2009.8939-0 Fls.
3' Vara FederallBA
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descumprimento à multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuizo
de cominações por ato atentatório à Justiça (art.14, V, parágrafo único, do CPC) e envio
de peças ao Ministério Público para eventual ajuizamento de ação de improbidade, ou
ainda, responsabilização no âmbito penal.
3. Sem custas.
4. Honorários sucumbenciais, fixo-os em R$ 9.000,00 (nove mil
reais) pro rata, monetariamente atualizados à data do efetivo pagamento, estipulação
autorizada pelo 94° do art. 20 do CPC.
5. Duplo grau obrigatório.
6. Dê-se ciência do presente julgamento ao ilustre Desembargador
Federal Relator do Agravo de Instrumento noticiado nos autos.
7.
POMP
Juiz Fed