Sociedades em Rede, mídias digitais e novas configurações de diálogos Ana Erthal
A sociedade em rede
Embora a palavra “rede” tenha ganhado notoriedade apenas depois da explosão digital, a “rede”, como forma de organização social não é um fenômeno contemporâneo. Basta olharmos para a natureza para identificar que os seres vivos se organizam em rede, ou como disse Fritjof Capra “uma rede é um padrão comum a toda forma de vida. Onde houver vida, haverá redes”.
Não foi o advento do digital que fez com que a sociedade se organizasse em rede e rede não é a rede social. O termo “sociedade em rede” não significa uma sociedade determinada pelas tecnologias em rede, ou a tecnologia determinada pela sociedade. Devemos ter bastante cuidado com essas afirmativas que determinam quem determina o quê. Na realidade, as forças que modulam essa relação provêm da economia, da cultura, da sociedade e da tecnologia. São tensões que surgem de acordo com as demandas ou inovações e que vão ajustando o modo contemporâneo de viver.
Pela definição de Manuel Castells (disponível em http://annenberg.usc.edu/Faculty/Communication/~/media/Faculty/Facpdfs/Informationalism%20pdf.ashx acessado em 06/08/2013), “uma sociedade em rede é uma sociedade em que a estrutura social é feita de redes alimentadas por informação eletrônica e tecnologias comunicacionais”. Desmembrando o conceito para melhor apreendermos o seu significado, o autor diz que entende como estrutura social os arranjos organizacionais entre o homem, a produção, as formas de consumo, reprodução, experiência e poder. Esses arranjos acontecem de uma determinada forma: eles se dão por um código comunicacional comum a toda cultura: os textos, as imagens técnicas, o acervo gestual e o discurso.
Em seguida, Castells define rede como “um conjunto de nós interconectados”. Se um nó ponto onde uma curva intersecta em si própria, uma rede portanto, não pode possuir um centro. Foi dessa forma que a rede digital foi idealizada: para possuir alguns nós mais relevantes, outros menos; mas para possuir nós, e não um centro controlador de sua organização. Uma rede é autogerida, os nós que absorvem mais informações relevantes e a processam com mais eficiência ganham importância por contribuírem com os objetivos da rede. Porém, todo nó, independentemente de seu grau de relevância, é importante para a rede.
Eu sou um nó, você é outro, a empresa para a qual trabalhamos é outro e a interação entre nós é um dos aspectos mais marcantes da cultura digital, pois é a partir dessa interação que se dá o fluxo da comunicação e então temos os fenômenos da sociedade em rede. Mas que fenômenos são esses? Blogs, Wikis, Apps, Instant Messengers, Chats, Redes Sociais, Comunidades Virtuais.
Antes do advento digital, o arranjo de nossa sociedade partia das mídias de massa. Para ficar mais claro, vamos usar como exemplo as passeatas que ocorreram em 1992 para pressionar a renúncia do então presidente Fernando Collor de Mello, o movimento dos “caras pintadas” (disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Caras-‐pintadas acessado em 07/08/2013). Todas as notícias sobre os eventos e passeatas circulavam na grande mídia: jornais, rádios e televisão. Essas informações podiam atender a interesses políticos dos veículos de massa e o que chegava para nós, nas manchetes, pode ter sido manipulado em sua edição. Mas não temos certeza. Fomos às ruas, pintamos a cara, mas não temos certeza de quanta verdade ou mentira nos contaram.
Em 2013, já imersos na cultura digital, passamos por um outro momento de manifestações da juventude brasileira contra o descaso da política e dos governos com relação ao seu povo. Dessa vez, houve uma mudança. Enquanto as passeatas aconteciam, as pessoas fotografaram seu percurso, seus amigos que compartilhavam daquele momento. Fizeram relatos em suas redes sociais sobre a ação da polícia, as atitudes de pessoas que não estavam na mesma sintonia que a maioria dos manifestantes. Não era necessário comprar o jornal do dia seguinte para saber o que aconteceu na noite anterior. A informação fluiu pelos nós, pelos perfis e seus seguidores, pelas comunidades e seus participantes. As informações que a mídia transmitiu de maneira enganosa foram desmentidas pelos manifestantes que presenciaram e registraram em fotos e filmes os momentos mais tensos das passeatas. Está tudo na rede e as mentiras não duram mais do que 24 horas. Com as articulações se dando de forma instantânea e simultânea, as informações passam a ser mais transparentes, e os discursos das organizações (políticas, midiáticas, econômicas, sociais) precisam se adaptar.
Trazendo o exemplo para mais próximo do nosso dia-‐a-‐dia, o mesmo ocorre quando uma pessoa diz que vai estar em um lugar e aparece “marcada” numa foto de um amigo em um local totalmente diferente, não é mesmo?
Para se ter uma ideia da importância da organização da sociedade em rede, vamos propor um exercício para esta primeira sessão. Willian Powers realizou uma experiência que ele descreve em seu livro “O Blackberry de Hamlet”. Powers passou a praticar a “desconectopia” todos os finais de semana, desligando seu modem na sexta-‐feira à noite e religando na segunda-‐feira bem cedo. Ele conta que o começo foi difícil, porque “como não tinha nada para fazer”, a família procurou ir ao cinema, parques, teatros. Mas como saber o que estava acontecendo sem acesso à internet? O jeito era se arrumar e ir, como faziam as gerações anteriores. Um dos lemas do antigo oráculo de Delfos era “Nada em excesso”. Talvez a família de Powers estivesse precisando equilibrar sua interconexão e é isso que esse exercício propõe. Pratique a “desconectopia” nesse final de semana, se achar que três dias é muito, tente ficar um sem a internet. Tome consciência de sua necessidade de conexão.
Cibercultura
Cibercultura é a cultura em que vivemos. Sua origem data mais ou menos o fim da década de 60 e meados dos anos 70, quando ganharam força três processos independentes, como explicou Manuel Castells em seu livro “Sociedade em Rede”. O primeiro foi a revolução da tecnologia da informação, a chegada dos computadores e uma nova forma de operar o mundo, baseada em bits e bites, um novo padrão de computação de dados que nos conduziu ao mundo conectado. O segundo foi a crise econômica do capitalismo e do estatismo, que levou nações do mundo a uma reestruturação de seus sistemas econômicos e abertura de seus capitais para as outras nações. Por fim, o auge dos movimentos sociais e culturais, como a luta pelos direitos humanos, o feminismo, o ambientalismo. Esses três processos também foram responsáveis pelo surgimento de uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede, que abordamos na sessão anterior. Essa sociedade possui uma nova economia, baseada em informações de forma global, e uma nova cultura, a cultura da virtualidade real, a Cibercultura.
Por definição, de acordo com Pierre Lévy, em sua obra “Cibercultura”, Cibercultura é o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (a rede interconectada digital).
André Lemos, em um texto que elucida 15 pontos sobre a Cibercultura (disponível em http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/cibercultura.pdf acessado em 06/08/2013), define: “A Cibercultura é a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais”. Não se trata de uma cultura conduzida pela tecnologia, mas sim das interações que ocorreram entre os três processos emergentes (economia, tecnologia e movimentos culturais) nas décadas de 60 e 70 e a sinergia entre elas.
Agora que sabemos suas origens, podemos explorar seus fenômenos. Tanto para Lévy, quanto para Lemos, a Cibercultura possui programas, ou leis. Esses programas baseiam-‐se em três princípios que orientam o crescimento das redes.
O primeiro deles é a Interconexão, ou a lei de conectividade generalizada. Todos nós estamos ligados em nossos computadores, telefones, games, ou tablets à rede, em uma presença generalizada. Sentimos isso quando alguém que nos telefona, e por algum motivo não podemos atender, se ofende ou se zanga com a nossa “recusa”. É como se não pudéssemos mais deixar de atender os telefonemas, ou ficássemos fora de área de propósito. A interconexão refere-‐se ao contrário da solidão: podemos estar sozinhos em nossa casa, mas estamos conectados a muitos outros pela rede. Sobretudo quando o mobile (aparelhos móveis conectados) nos coloca numa relação de supressão de tempo e espaço, ou como disse Zygmunt Bauman em “Modernidade
Líquida”: “O telefone celular é o golpe de misericórdia nas relações de tempo e espaço”. Não importa onde estejamos fisicamente, estaremos sempre ali. Os aplicativos que utilizamos com informações sobre o trânsito, o clima, a bolsa de valores e os programas culturais do final de semana ampliam essa sensação, pois trocamos informações com desconhecidos, naquele momento em que vivenciamos o mundo.
O segundo programa é a formação de Comunidades Virtuais, ou a lei da liberação do polo de emissão. Não se trata mais de uma mídia controlando a informação, mas muitas pessoas enviando informações pelos nós que compõem a sociedade em rede. É um prolongamento do primeiro programa, uma vez que as comunidades se organizam e dependem da interconexão para existirem. “A comunidade virtual é construída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos em um processo de cooperação e troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais”, diz Lévy. São as formas de relacionamento e movimentação social na rede em torno de interesses comuns.
O terceiro programa é a Inteligência Coletiva. Ao contrário do que se pensava, a inteligência coletiva não é a sociedade conectada em rede se tornando toda ela mais inteligente. Mas sim, cada um de nós contribuindo com nossas inteligências para a construção da sociedade. Em minhas salas de aula, lanço um tema atual e peço para cada aluno falar o que sabe sobre ele em uma frase curta, e os alunos seguintes não podem repetir o que já foi falado. Ao final do exercício todos sabem muito mais do que sabiam, isso é um exemplo de inteligência coletiva. As wikis e as comunidades são outros exemplos. Acerca de um mesmo interesse comum, as pessoas colaboram com suas experiências enriquecendo aquele nó da rede. Experimente fazer o exercício da inteligência coletiva quando estiver reunido com seus amigos. Além de aumentar seus conhecimentos, pode ser uma experiência divertida.
Autores da Sociedade em Rede: Manuel Castells, Henry Jenkins e Pierre Lévy
Existem muitos bons autores na era da sociedade conectada. Como Paula Sibilia, que trata especificamente das complexas relações nas redes sociais; Fernanda Bruno, que aborda os conceitos de vigilância difundidos por Michel Foucault; Vinicius Andrade Pereira, com as novas linguagens das novas mídias; André Lemos, que aborda a Cibercultura e o futuro da internet; Chris Anderson, que fala sobre a fragmentação dos interesses e as mídias de nicho; Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, Sebastian Charles, e Guy Debord, envolvendo as modulações sociais, antropológicas e individuais que estão no viés da Cibercultura. Essas são referências futuras caso você queira se aprofundar nesses temas. Mas existem três autores, cujas ideias são bastante complementares, e que conduzem, ou servem como base, para os estudos mais recentes.
Manuel Castells é um sociólogo espanhol especializado em pesquisas sobre a sociedade da informação, globalização e comunicação. Em seu site (http://www.manuelcastells.info/en/) há um currículo completo de seu trabalho como professor e pesquisador em diversas universidades do mundo. Sua contribuição mais importante foi a obra “Sociedade em Rede”, em três volumes, escrito no final do século XX. No resumo da obra, Castells fala sobre o surgimento de uma nova sociedade:
“Surge uma nova sociedade quando e se uma transformação estrutural puder ser observada nas relações de produção, de poder e de experiência. Essas transformações conduzem a uma modificação também substancial das formas sociais de espaço e tempo e ao aparecimento de uma nova cultura. As informações e as análises apresentadas nos três volumes deste livro representam forte indicação dessa transformação multidimensional neste fim de milênio”
A maior contribuição do autor foi o detalhamento de cada uma das relações e transformações que ocorreram desde o apogeu dos três processos independentes (conforme citado na sessão 2) até a consolidação da sociedade conectada pela rede informatizada.
Pierre Lévy é um filósofo francês, que se especializou em entender as implicações culturais e cognitivas das tecnologias digitais e o fenômeno da inteligência coletiva humana. Na sua página na Wikipedia há uma lista com seus livros, artigos e pesquisas (http://en.wikipedia.org/wiki/Pierre_L%C3%A9vy). Seus livros mais importantes sobre a questão das tecnologias informacionais são: “As tecnologias da Inteligência”,
“O que é o virtual”, “Cibercultura” e “ O futuro da Internet”, escrito em conjunto com André Lemos. Ele se considera um otimista com relação ao futuro da sociedade em rede, “não porque a internet resolverá, num passe de mágica, todos os problemas sociais e culturais do planeta”, mas porque ele previu o crescimento da rede em um movimento global de jovens utilizando formas de comunicação diferentes das impostas pelas mídias clássicas, abrindo um espaço em que se pode explorar as potências positivas dos setores econômicos, políticos, culturais e humanos. Foi o primeiro autor a explicar os programas da Cibercultura e suas origens (conforme citado na sessão 2) e se dedicou a realizar um mapeamento da evolução das linguagens técnicas da comunicação.
Henry Jenkins é professor de mídia nos Estados Unidos e já dirigiu o Centro de Estudos Comparados de Mídia do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Em seu site é possível acompanhar seus estudos e insights sobre a tecnologia, a educação e as novas mídias (http://henryjenkins.org/). A principal contribuição do autor para a compreensão do tema sociedade em rede foi a obra “Cultura da Convergência”, em que explica a nova lógica de consumo de informações e a “revolução do conhecimento”. Nele, Jenkins usa as ideias do consagrado pesquisador Marshall McLuhan para mostrar como as mídias coexistem e como as novas mídias reprogramam as antigas, num fluxo contínuo. Ele aborda especificamente três conceitos: a convergência dos meios, a cultura participativa e a inteligência coletiva. Destes, apenas a convergência dos meios ainda não foi detalhada nesse curso. Convergência seriam informações e conteúdos acessíveis em diferentes canais. Não se trata apenas de convergência dos meios: a televisão com função de internet, de vídeo cassete, de DVD, de rádio, de cinema, por exemplo. Para cada meio temos um uso, uma utilidade e uma finalidade diferentes. Podemos ler grandes textos em um pequeno aparelho de celular, mas ler na tela do computador ou de um tablet é logicamente mais confortável. Assim como podemos assistir a um filme 3D em nossa casa, mas a experiência do cinema é mais realista. Existem quadrantes de uso para as tecnologias, embora possamos convergir qualquer conteúdo para qualquer uma delas. A convergência a que Jenkins se refere é justamente essa: como os conteúdos perpassam os meios, criando por vezes, histórias complementares em diferentes mídias (como nos casos em que livros se transformam em filmes, que se transformam em desenhos animados, que se transformam em séries de TV, que se transformam em revistas, que se transformam em novos livros). Esses fragmentos de histórias nos ajudam a construir nossa própria percepção do mundo e, por esse motivo, o autor defende que muito antes de acontecer via tecnologias, a convergência se dá no cérebro dos indivíduos. Para saber mais sobre as ideias de Henry Jenkins, leia a introdução do livro (disponível em http://www.editoraaleph.com.br/site/media/catalog/product/f/i/file_1.pdf acessado em 06/08/2013)
Diálogos em rede
Se a convergência, a inteligência coletiva e a interconexão são os tópicos que modulam a sociedade em rede, foi devido a eles que obtivemos tanta diversidade nos diálogos via internet. Se voltarmos no tempo ao ano de 2000, vamos ver quantas mudanças tivemos. Naquela época, todos queriam estar conectados, sem saber exatamente os efeitos dessa conexão, houve uma supervalorização das empresas pontocom e suas ações, o que ficou conhecido como “a bolha da internet” (Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Bolha_da_Internet acessado em 30/07/2013) e acabou por conduzir muitas empresas digitais à falência. Nesse momento criar um site era muito caro e apenas os programadores da linguagens web (HTML, ASP, JAVA) podiam cuidar da manutenção. Era mais fácil se “apropriar” dos meios anteriores, como defendia McLuhan. O conteúdo disponível na rede era o mesmo dos impressos: jornais, revistas, empresas, organizações de todo tipo, pegavam seus materiais impressos e reproduziam nas suas páginas de internet sem nenhum tratamento. Até esse momento, existia um polo emissor para muitos receptores, o público mal interagia fora dos chats, quando muito se utilizavam (se houvesse) do “Fale Conosco” para enviar uma mensagem para o proprietário do site.
A popularização de mecanismos de conversas instantâneas, como ICQ e MSN -‐ os instant messengers – ampliava o diálogo entre as pessoas e, de certa forma, pressionou pela melhoria das conversas com as empresas. Paralelamente a esse movimento, ocorreu a ascensão de um novo meio que transformou a ecologia midiática, descentralizando a produção, pois transferia o poder de emissão de mãos, evoluindo “de um sistema centrado em um polo emissor, sem possibilidade de conexão e configurando massas de usuários, para um sistema onde qualquer um pode, com poucos recursos, produzir informação, cooperar, adicionar e criar processos coletivos e inteligentes”, de acordo com Lemos e Lévy. Eram os blogs. Eles iniciaram a grande explosão participativa que influenciou os meios seguintes. Muito diferente dos sites e dos publicadores, os serviços de hospedagem de blog tornaram fácil a publicação de uma página, não era necessário conhecer linguagens de programação: bastava um cadastro, a escolha de uma aparência (template) e o usuário estava pronto para espalhar suas reflexões pessoais. Essa possibilidade fez ressurgir a escrita dos diários íntimos, um fenômeno que floresceu no século XIX, caracterizado pela prática introspectiva de exploração e conhecimento de si, a antiga “técnica da confissão” (disponível em http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/PaulaSibilia.pdf acessado em 06/07/2013). Na sua primeira fase, os blogs eram relatos sobre qualquer vida banal transformada em espetáculo, mas não eram apenas os narcisistas que criavam blogs. Personalidades e profissionais dos mais diversos ramos encontraram no blog uma forma de diálogo mais democrática e mais direta. Cada conteúdo postado, em formato de texto, áudio ou vídeo, abriu uma janela para o debate, permitindo comentários dos visitantes.
Essas mudanças tecnológicas também possuíam um viés cultural. O que estava em andamento seria uma mudança no código dominante da comunicação, o movimento de um modelo linear para um modelo quântico de apreensão da mensagem, como explicou Vilém Flusser, provocado pela explosão do uso de imagens e desvalorização do texto. Seus reflexos podem ser notados nas conversas pontuadas por emoticons, contrações de palavras e novas representações para sentenças, na tentativa de oralizar os diálogos, na popularidade dos vídeos e na tendência em representar imageticamente o que antes era explicado por textos, como por exemplo, os infográficos e aplicativos para mobile. Um formato intuitivo rápido e mais adequado à rotina do homem contemporâneo, cada vez mais envolvido pela mobilidade.
Se a tecnologia possibilitou que a comunicação muitos-‐muitos ocorresse por ferramentas gratuitas, intuitivas e de fácil utilização, foram as pessoas que sentiram necessidade de participar do movimento, deixando de ter uma atitude passiva na recepção das mensagens, para uma atitude participativa. Pessoas desejaram fazer parte, comentar suas experiências, falar bem ou mal, falar de si e dos outros, enfim, se expressar nas páginas da rede, “[...] é preciso escrever para ser, além de ser para escrever”, diz Paula Sibilia. Com tecnologias cada vez mais integradas e simples de utilizar, a ampliação da participação poderia ocorrer naturalmente.
A liberdade de expressão na rede digital em suas mais diversas ferramentas “parece caminhar para uma situação onde todas as instituições, empresas, grupos, equipes e indivíduos tornar-‐se-‐ão sua própria mídia e animarão a comunidade virtual que corresponde à sua zona de influência social”, conforme defendem Lemos e Levy:
“As novas mídias atuam a partir dos princípios de liberação da emissão, da conexão permanente em redes de conversação e da reconfiguração da paisagem comunicacional que tem implicações importantes nas dimensões sociais, culturais e políticas. Não se trata apenas de uma mudança na forma de consumo midiático, mas nas formas de produção e distribuição de conteúdo informacional”.
Se o modelo tradicional das mídias foi quebrado e o código de comunicação está mudando, é necessário criar outras formas de comunicar. Hoje temos as redes sociais, blogs, wikis, aplicativos diversos transformando a sociedade da informação, abrindo fronteiras para o diálogo, encontrando pares perfeitos, agendando flash mobs e auxiliando em revoluções políticas.
Essa transformação democratizou o diálogo na rede, dando liberdade aos indivíduos que podem produzir, controlar, filtrar e até questionar e desmentir informações que são oferecidas pela grande mídia, como explicou Lipovetsky:
“[...] ao possibilitar o acesso a uma informação cada vez mais diversificada e mais caracterizada por pontos de vistas diferentes, propondo uma gama extremamente variada de escolhas, a mídia permitiu que se desse aos indivíduos maior autonomia de pensamento e ação, com a oportunidade de constituir opinião própria sobre um número sempre maior de fenômenos”
Isso implica na proposição de que pertencer à rede, fazer parte dela, significa dialogar. Não há possibilidade de ficar em silêncio a partir do momento em que se adere à rede.
Novas Linguagens
A diversidade tecnológica contemporânea, composta pelos fenômenos da sociedade em rede, promove novos ambientes, novas percepções e novos modos de comunicação, como afirma Vinicius Andrade Pereira. É sem fim o número de aparatos criados para atender as demandas do homem da era do excesso de informações e escassez de tempo.
“O mundo eletrônico [...] pode ser recortado em diferentes experiências, a partir dos meios aos quais se faça alusão. Os pontos em comum que podem aproximar as diferentes experiências e, assim, compreender a construção de uma nova realidade elaborada a partir destes meios é a velocidade da transmissão das mensagens, a simultaneidade com que o processo de comunicação e percepção começa a se dar, o envolvimento de mais um sentido na experiência comunicacional e, assim, a retomada de um envolvimento sensorial maior, nos processos de comunicação, que parecia banido com o mundo letrado”.
Basta olharmos ao nosso redor para confirmar que a mudança no código de comunicação e os diálogos em rede estão ocorrendo nesse exato momento. Vamos tomar como exemplo os aplicativos para celular. Se você tiver um aplicativo para te auxiliar no trânsito, ele provavelmente não fornecerá informações sobre o seu trajeto em formato de texto. Ele vai oferecer um mapa, ícones de outros carros (que representam outros indivíduos conectados) e imagens técnicas representando trânsito intenso ou livre, acidentes ou outras intervenções que o atrapalhem em seu trajeto. Os usuários do aplicativo vão informar usando botões que indiquem as intervenções, enviando imagens, mas dificilmente enviando textos descritivos. São essas as novas linguagens, as novas formas de criar significações para o mundo em que vivemos.
Esses fenômenos podem ser observados também em outras mídias, como por exemplo, no cinema. O filme Avatar alcançou sucesso não apenas pela tecnologia 3D ou pelo renome de seu diretor. Para além disso, o filme permitiu que as pessoas tocassem e sentissem – fizessem parte – por meio dos estímulos sensoriais, de uma narrativa ficcional. É uma aposta de que para que possamos perceber o mundo, precisamos ativar os cinco sentidos. A narrativa perde importância no cinema e o envolvimento multissensorial passa a ser valorizado no momento em que o indivíduo recebe hiperestímulos todo o tempo. As cabines de cinema 4, 5 ou 6D,
como as encontramos em shoppings, são outro exemplo. Acompanhe as reações das pessoas dentro de uma cabine como essas (http://www2.videolog.tv/496751) e veja como a sensação de imersão é quase instantânea nesse arranjo midiático que envolve mais sentidos no processo de comunicação.
As realidades virtuais reveladas por meio de QRCode, os outdoors interativos, as interfaces táteis de comunicação presentes em caixas eletrônicos de bancos, as máquinas de serviço de informação inteligente, são novas linguagens com as quais estamos aprendendo a lidar.
Onde mais se pode observar o surgimento de novas linguagens é nos games. Seja nos domésticos, que nos catapultaram do sofá para o meio da sala (caso contrário não há jogo), seja nos jogos que usam a geolocalização como informação para jogos de Role Playing Game (RPG), seja na escala hiperrealista de seus gráficos em alta definição, seja no investimento em tecnologias que leiam os movimentos hápticos e o controle por voz. Jogar com um joystick é uma experiência, jogar sem ele é outra e jogar usando os dedos num tablet é outra ainda mais diversa. Cada uma das experiências é uma nova linguagem, pois possui dentro dela um conjunto próprio de significados.
Da mesma forma, não há um determinismo cultural ou tecnológico para a criação de novas linguagens. Elas surgem justamente das modulações entre sociedade, tecnologia e cultura.
O circo inaugurou uma nova linguagem com o canadense Cirque de Soleil (http://www.youtube.com/watch?v=N1vZsArz1LM). Sai o circo popular e entra o circo como espetáculo luxuoso. A experiência de pedir uma pizza por um imã de geladeira, como fez a Red Tomato Pizza em Dubai, é outra linguagem em um mundo globalizado em que entender o idioma do cliente pode ser um problema (http://www.youtube.com/watch?v=-‐Y51eqhlnRY). Uma loja de roupas femininas cariocas como a FARM pode concentrar seus diálogos em rede por meio de um aplicativo de fotos como o Instagram e possuir mais de 90 mil seguidores, afinal, é muito melhor mostrar o caimento de um vestido (tendo como plano de fundo um lifestile carioca) por uma foto, do que tentar descrevê-‐lo em texto (http://instagram.com/adorofarm/ ). Se escolhemos ler um livro por meio de um tablet, obtendo a fonte de luz diretamente do aparelho, manuseando páginas que não existem no mundo real, contando com animações e sons em determinados capítulos do livro, contando com a generosa marcação de páginas do sistema, ou ainda quando nos conectamos a um provedor de filmes virtual (https://signup.netflix.com/?mqso=80030861&locale=pt-‐BR) por meio de nosso televisor, selecionamos e transportamos o filme para assistirmos, estamos experimentando uma nova linguagem.
Elas são criadas todos os dias e vão servir a um novo conjunto de interesses e atender novas demandas sociais. Ou, simplesmente, criar novas demandas.
Tendências
Muito pouco se fala sobre a criação de uma nova grande rede social ou novas ferramentas digitais. O que mais se fala é sobre como consumimos conteúdo. As tecnologias de comunicação móvel têm poder para tornar a lógica das redes de relacionamento ubíqua, e talvez essa característica comporte a experiência humana com a tecnologia comunicacional de nosso tempo.
Como vimos nas três primeiras sessões desse módulo, estamos numa era de informação, um momento em que estar conectado e saber coisas é tão importante quanto ter as coisas. Se estamos conectados o tempo todo com o auxílio de nossos aparatos tecnológicos, estamos no mundo o tempo todo, mesmo se estivermos sozinhos num quarto escuro em Bangladesh.
A forma que usamos para consumir todo o contingente de conteúdo que existe no mundo para nos mantermos informados é o que importa. O conteúdo em nuvem, ou seja, o conteúdo alocado em algum local da rede, estará mais acessível a todos, provocando mudanças no comportamento do consumidor. As empresas começam a preparar supercomputadores capazes de mudar a forma como nós consumimos e interagimos com a mídia e a internet. Esses computadores terão tecnologia para entregar jogos e conteúdo em HD a qualquer aparelho conectado à internet – de celulares a laptops – sem exigir muito da bateria ou até do hardware desses equipamentos. Vamos usar softwares diretamente da nuvem, sem precisar tê-‐los instalados em nossos aparatos.
Pressionados pela falta de tempo, para conseguirmos gerenciar esse enorme fluxo de informações usaremos os filtros e serviços de assinatura curados: vamos recorrer a terceiros para sugestões e dicas sobre onde encontrar o “melhor do melhor” conteúdo dos temas que nos interessam. Esses serviços curados servirão como filtros para prover informação relevante que atenda aos nossos gostos mais específicos. Isso já pode ser visto em plataformas de jornalismo organizável pelo usuário, como o Spectra (http://msnbcmedia.msn.com/i/msnbc/components/spectra/spectra.html). O usuário seleciona o que deseja ler e o sistema sozinho organiza o conteúdo disponível.
Finalmente, vamos continuar compartilhando para a permanência da sociedade em rede no que se convencionou chamar mobilidade social. Com o surgimento de ferramentas como o Twitter, Facebook, Instagram, Instaweather, Waze, Foursquare e outros, as pessoas passam a informar a sua localização ou atividade como uma extensão do seu comportamento social. Mostrando aos outros o que nós estamos fazendo e onde nós estamos fazendo permite que nós possamos influenciar o comportamento daqueles que pertencem ao nosso círculo social.
Assim, reafirmamos a tendência de um estilo de vida cada vez mais individualizado, marcado pela dedicação aos interesses pessoais que nos mantém conectados aos fenômenos da Cibercultura e, definitivamente, mantém a constituição dos nós da nossa Sociedade em Rede. Para entender melhor esse momento, assista ao vídeo que mostra, de forma divertida e usando muitas referências filmográficas, as mudanças de pensamento entre as gerações (http://www.youtube.com/watch?v=c6DbaNdBnTM).
Termos para um possível glossário
Apps: aplicativos mobile que podem ser usados em celulares, tablets, games e até em computadores.
Desconectopia: termo criado por William Powers para designar a prática de se desconectar de forma programada da rede.
Geolocalização: ferramenta que permite e auxilia redes sociais e aplicativos a localizar e marcar usuários da rede em qualquer lugar desde que estejam conectados.
Instant messengers: comunicadores instantâneos como chats, gtalk, msn, icq, messenger do Facebook etc.
Mobile: (nesse curso) todos os aparelhos que estão conectados à rede e que permitem a mobilidade dos usuários.
RPG: Role-‐playing game é um jogo em que os jogadores estão assumem papéis de personagens em um jogo de ficção. Eles são responsáveis por atuar nesses papéis acompanhando a narrativa estruturada em um processo de tomada de decisões e desenvolvimento do personagem.
Wiki: ferramenta colaborativa que permite diversos usuários agregarem informações sobre determinados temas.
Bibliografia
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DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997
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