SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO
DANIEL SOTELO
GOIÂNIA
JULHO DE 2015
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RESUMO
2
ABSTRACT
3
DEDICATÓRIAS
4
AGRADECIMENTOS
5
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO1 As sociologias Tradicionais2 A sociologia da escola Americana3 A sociologia Marxista
CAPÍTULO II TEMAS E FORMAS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO1 A experiência Religiosa2 As instituições Religiosas3 As seitas4 As castas5 As denominações
CAPÍTULO III RELIGIÃO E CONFLITOS SOCIAIS1 Religião e Classes Populares
CAPÍTULO IV RELIGIÃO E LUTAS DE CLASSES
Introdução1 O problema de uma Sociologia Latino - Americana das Religiões2 Afinal, o que seria Sociologia das Religiões3 O campo Religioso como produto dos Conflitos Sociais3.1 A religião na Sociedade3.2 A religião no modo de produção da sociedade3.3 A Religião nas sociedades divididas em classes3.4 A Religião numa sociedade complexa como a América Latina3.5 A religião no meio da estrutura de classes em conflitos3.6 A Religião na dinâmica conflitiva das classes sociais4 O campo religioso como terreno relativamente autônomo de conflitos sociais4.1 Interesses religiosos e Produção Religiosa
4.2 A fragmentação conflitiva de interesse e do trabalho religioso4.3 A produção religiosa especializada como produção transacional4.4 A procura, produção e consumo de bens religiosos5 O campo religioso como fator ativo nos conflitos sociais6 Conclusão
CAPÍTULO V Religião e Modos de ProduçãoIntrodução1 Definição2 Religião e coesão social nos diversos modos de produção
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3 Representações simbólicas e funções das Religiões4 Características das Sociedades pré – capitalistas de classes5 Modos de Produção6 Condições sociais da gênese e do desenvolvimento dos grandes
sistemas Religiosos do Oriente7 A religião na formação social da Palestina do século I e o
protagonista sócio – religioso: Jesus8 Estrutura de classes, poder político e correntes ideológicas9 O protagonista sócio – religioso: Jesus
CAPÍTULO VI ANTÔNIO GRAMSCI E A QUESTÃO RELIGIOSAIntrodução1 Definição do fenômeno religioso2 Evolução histórica3 Cristianismo como movimento religioso4 Ligação com o Baixo Império – A Igreja depois do Edito de Milão5 Transformação intelectual da classe Feudal6 As revoluções e o declínio da Igreja7 Considerações finais
CAPÍTULO VII PENTECOSTALISMOSIntrodução1 Histórico das primeiras Igrejas Pentecostais2 Gênese do Pentecostalismo
BIBLIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO
A importância da Sociologia e da Sociologia da Religião para o Estudo
Bíblico e Teológico é de suma importância nos estudos de um pesquisador
moderno. Quem não se habilitar nestes estudos não poderá fazer um estudo
concreto e correto das religiões pesquisadas.
Pouco tempo atrás, ninguém imaginava a importância tão grande que
teria a Sociologia e a Sociologia da Religião para os estudos Teológicos. Como
sabemos e estudamos, na história da Teologia a grande importância que teve a
história das Religiões (Religionsgeschichte) e a própria Filosofia.
Esta última influenciou o pensamento Teológico e ainda marca presença
na teologia do primeiro – mundo. A Filosofia sempre trouxe influência marcante
em períodos teológicos como: o idealismo Kantiano na teologia alemã, a
dialética no pensamento Barthiano, o existencialismo no pensamento
Bultmanniano, e outros mais. Somente na década de 70 começou a se
configurar na América Latina uma nova forma de se fazer teologia.
A Teologia da Libertação baseada na leitura dos quatro lados, isto é,
sociologia política, econômica e a ideologia. Passou a ver e encarar uma nova
forma teológica. Claro está que a Filosofia preponderante foi a Dialética
Marxista. Desta Forma a Teologia passou a ser influenciada pela Sociologia, e
a Sociologia da Religião onde as novas formas de igreja e de experiências
religiosas passaram a ser sentidas.
Estamos falando agora de Sociologia e Sociologia das Religiões. Isto
pode ser visto na obra de Clodovis Boff:
Teologia e Prática; onde ele mostra a relação entre a filosofia e Teologia,
da TEOLOGIA e da Sociologia, e que mudança esta mudança ocorreu no
terceiro mundo. Como e porque a Sociologia se torna importante no estudo
da Teologia? São os aspectos sociais que determinam as formas religiosas.
Existem teorias importantes a este respeito. Emile Durkheim em suas
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obras “As formas Elementares da vida Religiosa”, mostra extremamente
o que o título fala, discutiremos mais acerca deste trabalho.
William James em seu trabalho sobre: “As variedades da Experiência
Religiosa”, também trabalhou este aspecto. O nosso trabalho começa com um
estudo sobre a importância da Sociologia da Religião para o estudo teológico,
do estudo bíblico e sociológico, do começo ao fim. Vemos na primeira parte,
as “Sociologias das Religiões” e suas escolas, que se diferenciam nos
continentes onde são aplicadas.
Depois veremos algumas “Teorias Sociológicas da Religião”, na Segunda
parte e na terceira parte, um trabalho importante que se tem feito na América
Latina e no Brasil que é a “Religião e os Conflitos Sociais”, para finalizar, na
Quarta parte uma “Sociologia do Protestantismo”.
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CAPÍTULO I
AS SOCIOLOGIAS DA RELIGIÃO
AS SOCIOLOGIAS TRADICIONAIS
A SOCIOLOGIA AMERICANA
A SOCIOLOGIA MARXISTA
Conforme alguns autores, e existem várias formas de se fazer sociologia
da religião e de acordo com Henri Desroche (1986) achamos que esta
classificação pode ser definida como: as tradicionais ou antigas, a americana
ou ainda como anglo-americana e a nova tendência na América Latina de uma
leitura de modos de produção da religião como sendo de orientação marxista.
Essencialmente as duas primeiras analisaram os aspectos da instituição
eclesial como: a igreja em si, o templo, o culto, o rito e assim por diante;
enquanto que a última tendência se preocupou mais com as formas de
produção religiosa e as formas de alienação e da ideologia que são produtos
finais de uma religião dominante.
A Sociologia da Religião começou de uma forma dentro do cristianismo
e da teologia. As outras formas anteriores eram estudos mais de cunho
histórico e sistemático, como também comparativo das religiões. A
preocupação com os aspectos sociais apareceu bem depois.
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1 AS SOCIOLOGIAS TRADICIONAIS (HENRI DESROCHE)
Por isso, Henri Desroche (1986) demonstra que a Sociologia da Religião
começou nas primeiras décadas deste século.
Nomes mais importantes são os de: Roger Bastides (que trabalhou
muito tempo no Brasil e na USP), Gustav Mensching, Joachim Wach, George
Le Bras, T. F. Hoult, Max Weber, Friedrich Engels, Ernest Troeltsch, Emile
Durkheim, Marcel Mauss, etc.
Este grupo preocupou-se em fazer uma análise sociológica da Religião,
onde era importante o confronto com outras religiões para se verificar
semelhanças e diferenças nos cultos, ritos, mitos, instituição, etc. O estudo
tradicional está também no aspecto em que a sociologia deveria ser utilizada
nos estudos das religiões e denotava ainda o sentimento religioso de cada
estudioso ou pesquisador.
Ainda existiam aspectos ligados a uma teologia dominante no
pesquisador e isto influenciava o campo sociológico a ser estudado como: a
eclesiologia (Ernest Troeltsch), sociologia católica (Jean Leclerc), a moral de
cada religioso, a sociologia cristã (Ernest Troeltsch), as seitas (Max Weber e
Ernest Troeltsch), judaísmo antigo (Max Weber), sociologia do protestantismo
(Roger Mehl), sociologia do protestantismo brasileiro (Waldo César e Emile
Leonard), etc. A teologia no inicio exerceu tão forte influência nos estudos
sociológicos da religião que esta era denominada de sócio - teologia ou
Teologia da Sociedade.
O sucesso posterior da Sociologia da Religião teve três atitudes
essenciais: a desconfessionalização, a desclericalização, e a dessacralização.
A última ou dessacralização pressupunha o sumiço das analises das doutrinas
e aproximação de análises das concepções religiosas de uma sociedade. A
desconfessionalização mostrava o desaparecimento da concisão eclesial ou
religiosa. Por fim, a desclericalização que retira dos estudos a referência
clerical.
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Ainda nestes estudos, tradicionais, Emile Durkheim estudou as formas
elementares da experiência religiosa, outro tradicionalista foi William James
que trabalhou com as “variedades da experiência religiosa” e os temas
preferidos sempre foram às formas de expressão religiosa. O que demonstra
ainda a influência de aspectos religiosos na sociologia da religião.
Outros estudiosos partiram para análise antropológica da religião como:
Robert Lowie com os estudos de religiões primitivas, Joan M. Lewis trabalhou
com a questão do êxtase religioso; R. H. Tawney sobre as religiões e o
surgimento do capitalismo, numa perspectiva mais sócio – econômica, esta
obra é quase semelhante à famosa e consagrada obra de Max Weber sobre a
“Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Enquanto que Victorio
Lanternari se preocupou com as formas da religião dos oprimidos, sendo
assim, uma nova ótica da religião.
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2 A SOCIOLOGIA DA ESCOLA AMERICANA (PETER BERGER E OUTROS)
Como vimos, esta escola também chamada de anglo-americana tem a
influência de dois alemães emigrados para os EUA: Peter Berger e Thomas
Luckmann. Esta sociologia também tem como representantes Thomas O’Dea e
um católico chamado Gregory Baum e outros mais. Esta sociologia é baseada
na gênese da religião de forma clássica de ver a religião de um ponto de vista
burguês.
Enquanto que a sociologia tradicional explicava os fenômenos religiosos
através da teoria sociológica e fora denominado de teoria funcional, e nada
mais é, como funciona as religiões em seus cultos, era sua magia e que a
religião traz em si uma função moral para o homem, carrega o individualismo
na função social de cada um, traz os valores individuais de cada crente a
religiosidade e a experiência individual.
A distinção entre o sagrado e o profano, a instituição religiosa, o culto, a
crença e o mito de cada religião e ainda, a organização é sua fonte de
pesquisa.
A tendência desta escola limita-se e está voltada para a análise de
religião à sociedade. A religião e a estratificação social, a conversão, a cultura,
a igreja e o “mundo”, e outros aspectos tomaram tendência mais burguesa.
Esta escola não se preocupou de fato com questões fundamentais dos
conflitos sociais, que podem provocar diferentes comportamentos religiosos,
não analisa o sistema da troca que existe na religião que é um aspecto de
economia: a troca de mercadorias representa a troca de benefícios entre o
crente e as divindades, ou como no sistema capitalista, o que pode mais,
compram com seu poder os benefícios religiosos, e isto a sociologia marxista
fará muito bem em sua análise da religião desmascarando tudo.
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3 A SOCIOLOGIA MARXISTA (KARL MARX, HENRI DESROCHE)
Esta corrente sociológica só tem entrado no campo da sociologia da
religião recentemente. Como faz a analise o marxismo apenas entre as
questões da ideologia e da alienação. Agora na América Latina entra em cena
esta forma para analisar o mundo subdesenvolvido e a denominação, os
aspectos sócio-econômicos. Anteriormente, ainda existiam formas deformantes
da religião e ainda isto acontece. Estas armas eram provocadas por aspectos
exteriores e que a religião era utilizada como dominação e subjugação dos
substratos da economia e da sociedade.
Nesta forma a Sociologia da Religião mostra outros modos específicos
que tornaram a religião o “ópio do povo” (Karl Marx). Esta sociologia nos ensina
como uma sociologia Latina – Americana da religião deve ser feita nestas
condições. Esta sociologia deverá determinar o campo religioso como produto
dos conflitos sociais e também da religião como um local de conflitos, e por fim,
a religião como campo da ação dos conflitos.
Após estas considerações iniciais, resta-nos aprofundarmos ao que se
tem feito e o que se deve fazer na Sociologia da Religião, para que possamos
melhor compreender e fazer Teologia e nos Estudos da Bíblia.
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CAPÍTULO II
TEMAS E FORMAS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO
1 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: (WILLIAM JAMES E EMILE DURKHEIM)
A experiência religiosa refere-se ao ato de cada etapa da vida humana.
A religião e um aspecto da mesma que liga as etapas críticas decisivas na
experiência humana. A religião é a classificação de várias formas da
experiência humana – o sagrado e o profano: Durkheim e Otto. O profano se
refere a tudo aquilo que não é o religioso, que faz parte da experiência
cotidiana de cada indivíduo.
Durkheim mostrou que o sagrado é superior ao profano, o sagrado é a
esfera da reverência, da obediência. É a influência, o poder, a força, ou crença
no ser superior. Conforme Rudolf Otto, o sagrado ou santo é o numinoso, o
tremendum, o misterium, o tremendum et fascionorum. É a expectação de algo
superior a si mesmo, é o caráter extraordinário do fenômeno, a fascinação pelo
poder.
Conforme a antropologia e fenomenologia os especialistas chegou-se a
uma conceituação do sagrado como aquele que desperta sentimentos e que se
caracteriza simultaneamente por terror ou atração, amor e medo, louvor e
fascinação. Max Weber chamou de carisma o que Durkheim denominava de
sagrado e Rudolf Otto de santo. Max Weber define carisma como a qualidade
individual que cada indivíduo pode ter aquilo que separa um indivíduo comum
de outro, que pode ter poderes sobrenaturais, sobre-humanos ou excepcionais.
Estes poderes ou sentimentos estão acessíveis também a seres comuns
e não apenas a excepcionais, é que estes atos são tidos como de origem
sagrada ou divina e que através destes o indivíduo pode ser tratado como um
líder.
O carisma tem aspecto de sagrado, que atua no profano com grande
influência social e econômica, como determinou o próprio Weber. O carisma
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para ele tem três características essenciais: o extraordinário, pois é diferente e
atua fora do cotidiano e da rotina; espontaneidade, pois, atua como novas
formas e movimentos novos, fugindo da rotinização social e econômica e ele é
criador porque cria novas fontes de atuação. Vimos então que a experiência
religiosa é dada através do sagrado e que suas manifestações têm também os
aspectos do além dos citados: o respeito e a fascinação.
O sagrado indica um poder que, embora se manifeste na experiência
está além desta, e a experiência religiosa é uma experiência desse poder. A
experiência religiosa é uma resposta a coisas experimentadas no sagrado. A
religião e o medo onipresente ou medo imaginário da consciência humana, é a
emoção, busca consciente ou o inconsciente da realidade última. A religião é a
resposta do homem a pontos críticos nos quais experimenta o poder
fundamental do sagrado.
A experiência religiosa é o encontro com um além, com um poder que
está além das coisas e acontecimentos, como um poder fundamental
entendimento como base da existência: é a partir da experiência religiosa que
se desenvolvem as crenças, as práticas e organizações religiosas, que
respondem as perguntas básicas através de seus sistemas de crenças e que
dão meios de ajustamento através de uma relação como além. Pesquisando
vários autores que falam da experiência religiosa: Paul Tillich, Martin Buber,
Georg Simmel, Ludwig Feuerbach, Sigmund Freud, eles conceituaram da
seguinte maneira:
PAUL TILLICH: A experiência religiosa está relacionada com o que é santo. O
princípio fundamental da religião não é apenas adquirido
intelectualmente, mas é como um encontro pessoal. A
experiência religiosa é um encontro com o além, com um poder
que está além das coisas e acontecimentos, como um poder
fundamental entendido como base da existência.
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MARTIN BUBER: Ele mostra que a experiência religiosa é a relação do “eu –
tu”, a relação humana com a divindade, onde o “eu – coisa” está
em relação com os outros. O “eu – tu” é fundamental para a
experiência humana. Esta relação “eu – tu” é uma relação de
presença, presença do eterno, o homem no eu – o tu responde
uma presença do tu infinito.
GEORG SIMMEL: A experiência religiosa tem a forma de elevação e
isolamento. Na elevação, o indivíduo está em relação com os
outros e se sente completamente no isolamento é onde os
indivíduos buscam alguns aspectos importantes da relação
humana. Para ele, a religião é essencialmente relação e que
nestas relações os homens modelam, exprimem atitudes e
sentimentos. A relação se refere com relação no sagrado,
relação entre indivíduos, relações sociais, relações de rituais e
crenças.
LUDWIG FEUERBACH: Se preocupa mais com a religião real ou a
concepção de Deus – que é antropologia: “toda a afirmação de
Deus é uma autoafirmação do homem” dizia Ludwig Feuerbach.
“A religião é a primeira forma indireta de autoconhecimento do homem”.
Isto denomina o autor, como sendo pregações humanas de
concepções religiosas, o homem se aliena de si mesmo e é por
isso prejudicado em sua auto-realização. Deus representa a
substâncialização da sociedade, que apóia a moral do homem. A
experiência religiosa, para ele, é uma experiência do ponto
crítico, no que pode ser denominado de situação-limite; onde o
homem, impulsionado pelo pensamento ou pelos
acontecimentos da vida, ultrapassa o aqui e o agora.
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Na situação limite, o homem atinge um grau de transcendência
diante do além. Este além é experimentado como sagrado, e ele,
o homem responde com correspondente ambivalência, é
atraente e fascinante apesar de amedrontador e ameaçador.
SIGMUND FREUD: Ele Mostrou que a religião pouco fez para nos defender da
natureza, onde se inclui a nossa natureza. A religião é uma
ilusão, pois ela faz deixar de lado a relação entre seu conteúdo e
a realidade. Para Freud, a religião nasce da necessidade de
tornar tolerável a fraqueza do homem, é a situação da afloração
no indivíduo da infantilidade. Por outra ocasião, ele dizia que a
religião é a representação, onde Deus é a figura paterna. Temer
o pai significa e temer a Deus ou vice-versa.
Concluindo, pode-se dizer que a teologia é a tentativa de usar um
método racional da filosofia para explicar o que existe nas experiências
religiosas de várias tradições. Joachim Wach em sua Sociologia da Religião
propôs critérios universais para reconhecer a experiência religiosa:
a) A religião uma resposta ao que é experimentado como realidade
fundamental;
b) A experiência religiosa é uma resposta total de ser total ao que é
aprendido como realidade;
c) A experiência religiosa é a mais intensa experiência de que o homem
é capaz;
d) A experiência religiosa inclui um imperativo, um compromisso que
leva o homem a agir.
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Para Joachim Wach, ainda existem experiências pseudo - religiosas e
semi- religiosas. As primeiras são não religiosas e os homens a utilizam como
se fossem religiosas. As segundas são encaradas como realidades
fundamentais e de sete realidades finitas.
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2 As INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS (MAX WEBER)
Nas sociedades existem dois tipos de organizações religiosas: primitivas
e arcaicas; onde a religião é os fenômenos difusos e muitas organizações,
associações, a famílias e grupo de trabalho têm caráter religioso. Com a
evolução e a diferenciação interna surge a estratificação. As instituições
surgem através da função do carisma de seus líderes, fundadores e discípulos.
A manutenção do carisma, liderança, fundadores, se encontram nos
interesses, ideais e materiais de cada um dos mesmos. A evolução das
religiões, das organizações depende de seus fundadores. Se perpetuarem os
mesmos, ocorre a estratificação que é a manutenção do status. Isto ocorreu
com o Judaísmo, Cristianismo e todas as religiões com carismas, líderes e
fundadores que tiveram seus dons e lideranças perpetuadas.
Existem vários aspectos que tornam a perpetuação viável: a oração, o
culto, a irmandade, a pregação, a liturgia, as pregações e as crenças.
O culto é a reunião dos gestos, palavras e meio simbólico de
transmissão; é a expressão de sentimento, atitudes, relações e isto tem caráter
intelectual.
O culto é o ritual religioso que consiste de linguagem, gesto, canto,
refeições sacramentais e do sacrifício. O ritual e a liturgia são expressões de
atitudes que se desenvolvem em torno de incidentes, crises e transições
importantes na vida do indivíduo e do grupo: o nascimento, puberdade, doença,
a mudança de status e a morte, são marcados por rituais e são denominados
de ritos de passagem. O culto começa como expressão espontânea e depois é
enquadrado e padronizado conforme cada instituição.
Ele é institucionalizado. O culto passou a ser a representação da
experiência religiosa e a maneira pelas quais os fiéis exprimiam sua relação
com o sagrado. A institucionalização do ritual, a padronização das palavras,
gestos e procedimentos fazem parte da estratificação social. A
institucionalização da religião está no nível intelectual e da crença. Esta
expressão intelectual pode ser de duas formas: a mítica e a racional.
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O mito é a forma primordial da expressão intelectual de atitudes e
crenças religiosas, esta é a afirmação dramática da vida humana, é um tipo
complexo de afirmação do homem. O mito resulta da emoção e seus
antecedentes emocionais mostram a concepção inicial da natureza da vida; o
mito é a forma de ser o mundo.
Outros fatores de evolução da instituição religiosos foram demonstrados
por Augusto Comte composto de três aspectos: o estágio primitivo onde o
homem vivia a religião como magia, o estágio metafísico onde o homem
começa a pensar sobre si e o mundo que o cerca e o estágio positivo, onde
para ele, é o mais importante, é a era científica onde a apreensão e a formação
de conceitos são mais profundas.
Conforme Max Weber, a ética protestante auxiliou através das
concepções teológicas as orientações dos seres humanos, influindo
significativamente na sociedade e na ação humana. O ascetismo do
protestantismo acentuava a eliminação de elementos mágicos e míticos na
interpretação religiosa focalizando a atuação do homem mais nas suas ações e
no mundo. Aqui começa o processo de secularização.
Recordando, foi a centralização do culto e a oração que possibilitou a
formação de uma organização religiosa e a sua instituição. A institucionalização
foi possível através do culto da doutrina e da organização de comunidades.
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3 SEITAS (MAX WEBER)
Para falar de seitas, é necessário também falar de instituição, o que
vimos anteriormente, que podemos resumir agora. A instituição é a igreja que
se acomodou ou se comprometeu com as formas institucionais e as
organizacionais. Ela se estratificou socialmente.
A igreja a qual participa através do seu nascimento, fundação. A
administração da mesma é pela hierarquia, dogma e que a sua geografia
coincide com a etnia, e a estrutura social. Existe uma tendência para se
encaixar na sociedade, os seus valores e instituições se acomodam entre si.
A seita é a separação em relação à sociedade, afasta-se e desconfia em
relação ao mundo, suas instituições e valores. Há um separatismo em atitude e
estrutura social. Acentua-se a experiência da conversão, anterior à qualquer
participação. A adesão voluntária, espírito de regeneração, uma atitude de
austeridade ética e ascética.
Para Ernest Troeltsch a seita é “uma sociedade voluntária, composta de
crentes cristãos, rigorosos e explícitos, unidos entre si, pelo fato de todos terem
experimentado o novo nascimento”.
“Os grupos sectários de vez em quando formam grupos de protestos,
como exemplo na Antigüidade o foi o monasticismo o que se separou do
mundo como protesto por ser coisa do demônio”.
A seita pode permanecer na igreja como foram as ordens religiosas ou
sair dela formando outro movimento que Henri Richard Niebuhr chamou de
denominação.
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4 AS CASTAS (MAX WEBER)
Este termo foi criado por Max Weber para mostrar nas religiões orientais
– China e Índia – a hierarquia religiosa das mesmas. Ele queria designar o
funcionamento, que ele denominava sendo a burocracia religiosa destas
religiões. O próprio termo designa a idéia de pureza e preservação de um
determinado grupo social que pratica a endogamia, onde se te atividades
profissionais, crenças, cerimônias, ritos; não se pode passar de casta para
outra ou grupo social para outro: nasce-se nos mesmos.
A casta em sua origem hindu é uma estratificação social onde são
importantes a cor e o nascimento. Os brancos são a casta sacerdotal, depois
os guerreiros e príncipes, após estes os agricultores e por fim os escravos.
Os que não têm casta são os párias e todos estes têm importância na
religião.
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5 AS DENOMINAÇÕES (HENRY RICHARD NIEBUHR)
Como vimos, um pouco atrás, que as seitas são fusões, rachaduras
ocorridas nas instituições e que seitas são aquelas que não passam de uma
geração de seus fundadores e se tornam estratificadas dando origem a outras
formas institucionais religiosas. As seitas são formas de protesto dentro das
instituições e formando outras igrejas. Nos EUA dentro do protestantismo
ocorreu isto e as formas no protestantismo foram chamadas de
denominacionalismo (Denominações). Denominação vem do inglês americano
“denomination” que designava as diversas igrejas e confissões dentro do
protestantismo.
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CAPÍTULO III
RELIGIÃO E CONFLITOS SOCIAIS (Otto Maduro)
Introdução
Falamos antes que, a Sociologia da Religião na forma e análise
tradicional e com orientação formalista sempre preocupou mais com as formas
religiosas, do que com os ritos e os mitos, os cultos e as instituições. De uma
época para cá a Sociologia da Religião de orientação Marxista. E utilizando
mecanismos e utensílios marxistas se preocupam mais com a religião nos
conflitos sociais: religião e classes populares; religião e lutas de classes. Ela
mostra a religião em comparação com as classes sociais e como ela funciona
na mesma classe social.
A Sociologia da Religião, nesta perspectiva mostra as
características religiosas e seus conflitos sociais em dois aspectos mais
importantes: as classes populares e as lutas de classes. A primeira, como
funciona a religião nas classes populares, pois sabemos como ela se dá na
classe média (protestantismo histórico) ou na burguesia (setores da igreja
católica) e na classe alta ou dominante (setores a igreja católica). A Segunda
reflete a religião e as lutas de classes: a luta de classe reflete a luta também
das religiões.
Antes de entrar nestes dois aspectos, analisaremos a religião e os
conflitos sociais. Sempre estes conflitos estiveram interligados à religião e aos
conflitos sociais, sejam eles, de classes dominante ou dominada. Conforme
alguns autores, o sectarismo e outros aspectos religiosos se tornam conflitos
religiosos por que existem os conflitos sociais: diferentes classes, sociedades
diferentes. Outros ainda enfatizam aspectos étnicos nos conflitos sociais e
religiosos. Agora a cultura, o trabalho, a guerra, o governo, o saber e a ciência
trouxeram ambigüidades e conflitos religiosos.
Todos os aspectos sociais trazidos como conflito para a religião colocam
o homem em conflito consigo e em conflito social, não conseguindo superar os
conflitos sociais se utiliza a religião para superá-los e isto os estudiosos
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denominam alienação. Sendo que, a religião pode se apresentar como consolo
emocional para o homem e se tornam o “ópio do povo” (Marx).
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1 RELIGIÕES E CLASSES POPULARES (FRANCISCO CATARXO ROLIM)
A questão fica no termo do que é e o que não é popular. Em
contraposição ao popular existe a elite. O popular é uma classe ou classes
dentro de uma classe social. Este aspecto tem sido debatido amplamente
dentro do catolicismo no Brasil. No protestantismo como o protestantismo
histórico não entra nesta análise, pois é uma religião burguesa, de classe
média e dominante. Ficando assim apenas o Pentecostalismo como classe
popular e o catolicismo nas CEBS.
A religião nas classes populares funciona como a forma de
espontaneidade de expressão das formas religiosas: os ritos, os cantos, a
leitura da Bíblia, as reuniões. Estes aspectos funcionam sem a
institucionalização, exemplo disto é o surgimento das CEBS no catolicismo. E
no Pentecostalismo as reuniões em quaisquer locais como: cinemas, antigos
bares, supermercados, estádios, praças públicas, etc. sem se preocupar com o
espaço sagrado existente no protestantismo histórico.
No catolicismo, toda a hierarquia existente acaba na democracia das
CEBS, as doutrinas elitizantes e os dogmas ficam no modelo popular, apenas
as crenças nos santos, e as expressões mais simples de fé tornam possíveis e
afloradas.
As doutrinas passam a serem devoções, as devoções passam a ser
inclusive particulares e pessoais. Para os pentecostais as experiências que
devem ser contadas e relatadas a todos nas reuniões como: a possessão
Espírito Santo, a profecia, as línguas, curas e milagres.
Na religião, nas classes populares se evidenciam: a existência de uma
classe marginalizada e denominada que não tenta se organizar para se libertar,
mas é uma forma de resistência para tentar a sobrevivência nas diferentes
formas de opressão e de ideologia, fazendo uma ideologia particular e se
instalando numa forma de fuga do mundo.
No catolicismo ou nas CEBS há uma consciência política e de
organização de resistência e de luta para sair de uma situação de opressão
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para uma vida social mais digna, no Pentecostalismo diferente se faz
transposição do aqui e o agora para o além ou no céu.
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CAPÍTULO IV
RELIGIÃO E LUTAS DE CLASSES (OTTO MADURO)
Introdução
Nestas páginas do livro de Otto Maduro: Religião e Lutas de Classes nós
temos varias características importantes a serem analisadas. O autor Otto
Maduro desenvolve em seu livro com este tema composto de capítulos: as
inter-relações do campo religioso e os conflitos de classe.
É uma tentativa de sistematização de suas interrogações interiores, as
quais procurou responder, a partir da teoria marxista da religião e do estudo da
sociologia da religião.
Como católico latino-americano marcado pelo Concílio Vaticano II. e a
Assembléia do CELAM em Medellín (1968), procurou entender as relações
entre a sociedade e a Igreja Católica em alguns aspectos – tais como: os
conflitos de classe que influência uma religião e a sua maneira de agir. Por que
a dominação de uma classe sobre outra influi na visão religiosa do mundo que
se desenvolve numa sociedade de classes?
Otto Maduro vê em Karl Marx a solução para o seu questionamento
Político - religioso interior. Este nasce do seu compromisso evangélico com a
libertação do povo oprimido na América Latina
“Como e por que a Igreja e a Sociedade na América Latina chegaram
ao ponto em que estão hoje? E quais as mudanças, hoje, possíveis? E como
alcançá-las?”.
Dividiu a sua obra em quatro capítulos, trabalhando o tema com clareza
e remetendo a cada momento o leitor a uma reflexão comprometida com a
situação da América Latina.
O primeiro capítulo é intitulado de: “o problema uma sociedade latino-
americana das religiões”. Aqui ele apresenta e discute os conceitos de religião,
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de sociologia, de sociologia das religiões, questiona a existência de uma
sociologia latino-americana das religiões a partir da práxis e da libertação.
O segundo chama-se: “o campo religioso como produto dos conflitos
sociais”. Otto lembra neste capítulo que existem vários aspectos para se
estudar as inter-relações do campo religioso com o conjunto dos conflitos
sociais presentes nas sociedades latino-americanas. Dos quais ele destaca: a
profunda influência que exerce a estrutura social sobre o campo religioso,
inclusive os conflitos inerentes a esta estrutura social.
Já o terceiro capítulo, Otto Maduro transcorre a respeito da
especificidade sociológica do campo religioso dentro da sua própria dinâmica.
Mostrando que, no fato sociológico do campo religioso como o campo social
tem – em parte – uma atividade particular própria (autônomo, não esquecendo
que este campo estará sempre situado em um contexto social determinado,
que limita e orienta, isto é, que relativa o contexto) a específica autonomia da
religião. Dá como título a este capítulo: “o campo religioso como terreno
relativamente autônomo de conflitos sociais”.
Finalmente, no quarto capítulo, Otto focaliza a questão dos
condicionamentos religiosos das lutas sociais, analisando a relação de
influência do campo religioso nos conflitos sociais, isto é, o campo religioso
como produtor de relações sociais. Este capítulo enuncia como: “o campo
religioso como fator ativo nos conflitos sociais”.
30
1. O Problema de uma Sociologia Latino-Americana das Religiões
Para o propósito do seu livro, Otto define sociologicamente assim
religião:
“Uma estrutura de discursos e práticas comuns a um grupo
social referente a algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou
unificadas) tidas pelos crentes como anteriores e superiores ao seu
ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa
dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados, etc.) e diante
31
RELIGIÃO
Significa crença em Deus (ambiente sócio-geográfico – ideológico) = dicionário.
Origem latina, usada muito antes do Cristianismo, e sua etimologia não são claras.
CÓDIGO Re-legere “Reler ou
interpretar ao pé da letra”
O termo está presente nos idiomas cuja história está estritamente ligada ao Cristianismo.
UM CAMINHO DE VIDA
re – ligare “ voltar a escolher ou aceitar em definitivo”
Re – ligare
“Amarrar de novo ou fortemente”
Religião seria alguma coisa, fiel e restrita observância de um compromisso a que
alguém se tinha ligado.
das quais se consideram obrigados a certo comportamento em sociedade
com seus” semelhantes”.
32
SOCIOLOGIA
“Ciência da sociedade”.
Vocábulo nascido dentro da língua francesa, 1839 criado por Auguste Comte.
Etimologia:
societas (latim) = sociedade
Logos (grego) = ciência, estudo.Seu objeto: as relações
sociais
Surgem num momento de transformação, inventos, migrações, guerras, revoluções, conflitos e descobertas.
2 AFINAL, O QUE SERIA SOCIOLOGIA DAS RELIGIÕES?
Nasce juntamente com a Sociologia – Augusto Comte; Karl Marx; Emile
Durkheim = percebe na religião um componente das lutas sociais dos
processos políticos e das transformações culturais, que está profundamente
imersa nessa dinâmica da sociedade e por ela é atravessada de lado a lado.
CONCEITO:
Estuda a religião como fenômenos sociais, a influência que as
instituições religiosas exercem sobre os processos sociais e o
condicionamento que a dinâmica da sociedade impõe ao
desenvolvimento das religiões.
FENÔMENOS RELIGIOSOS = FENÔMENOS SOCIAIS:
Produzidos, situados, limitados, orientados, estruturados e
com uma influência sobre a sociedade em que se encontra.
OBJETO:
Discurso religioso como análise dos fenômenos religiosos.
TAREFA:
Reconstituir a dinâmica social que se encontra por trás da
“autoimagem” das instituições
Religiosas, procura elaborar uma explicação das
características de crenças práticas no meio de seu contexto
social específico.
33
E por fim o autor nos deixa uma questão: Existe uma sociologia latino-
americana das Religiões?
A princípio, a sociologia das religiões, foi um instrumento utilizado pela
Igreja Católica para entender o que se passava na América Latina após os
anos 50, isto é, as mudanças sociais que estavam ocorrendo no seio da
sociedade latino-americana.
Tendo como modelo de análise europeu e não a realidade latino-
americana.
O que podemos perceber no Catolicismo ainda hoje predominante e
dependente.
Otto Maduro ao estudar estas questões, opta por uma sociologia crítica-
política das religiões tendo como ponto de partida a práxis e a libertação do
povo oprimido. Por isso, ele diz que, o campo religioso é produto, terreno e
fator ativo nos conflitos sociais de uma sociedade.
34
3 O CAMPO RELIGIOSO COMO PRODUTO DOS CONFLITOS SOCIAIS
Neste capítulo, o autor faz uma introdução sociológica ao estudo das
relações do campo religioso com os conflitos na gestão da sociedade,
sobretudo no que diz respeito à América Latina no fim do século XX.
Entende como campo religioso, uma “porção do espaço social
constituído de instituições e atores religiosos em inter-relação”, define com isto
o que Otto Maduro compila de François Houtart, In: “Sociologie de L’Eglise
comme institution”.
3.1 A Religião na sociedade
Nenhuma religião opera no vazio. Toda religião, ou aquilo que
entendemos por “religião”, é uma realidade situada num contexto humano
específico: um espaço geográfico, um momento histórico, um meio ambiente
social concreto e determinado. A religião existe em função dos homens (que
sentem fome, sede, frio, calor, sono... que procuram satisfazer as suas
necessidades, etc.), pois, ela é concreta, porque precisa do ser humano para
ter vida.
A religião não é um departamento estanque na sociedade. Uma religião,
qualquer que seja só existe na medida em que se encontre situada num
contexto social particular; isto, quer dizer que, a ação de qualquer religião está
limitada pelo contexto social em que opera, isto é, que suas alternativas de
atuação (de pensar, dizer e praticar sua mensagem religiosa) estão limitadas
por tal contexto (independentemente da consciência e das intenções dos
agentes religiosos, porque a religião opera com os instrumentos socialmente
acessíveis no contexto do qual ela existe, como por exemplo, a estrutura da
língua de um determinado grupo).
A religião, qualquer que seja, opera sempre em cada caso concreto,
numa sociedade estruturada de um determinado modo, a estrutura de cada
sociedade limita e orienta as possibilidades de atuação de uma religião no seu
interior, como por exemplo, o judaísmo.
3.2 A Religião no modo de produção da sociedade
35
O modo de produção de cada sociedade constitui a estrutura central, ou
infraestrutura, dessa sociedade.
Entendendo como modo de produção a organização de atividade de
produção e reprodução da vida humana, isto é que meios são adequados para
mantê-las. Essa forma depende do conteúdo organizável nela e por ela: O
grupo humano, os recursos naturais acessíveis ao grupo, o conjunto de
instrumentos de trabalho usados pelo grupo, a experiência e os conhecimentos
adquiridos pelo grupo, e os usos e costumes do grupo.
Cada grupo humano tem o seu modo peculiar de produção, isto é, este,
regulamenta o acesso aos meios de produção, à distribuição da força de
trabalho, à partilha dos produtos como também influência indiretamente outros
aspectos sociais importantes.
Do mesmo modo que a religião esta sempre situada num contexto social
específico assim, também, ocorre quanto ao modo de produção.
O modo de produção específica de uma sociedade fixa os limites dentro
dos quais tal religião pode ali atuar. Assim, o modo de produção específico de
cada sociedade particular condicionará as possibilidades e impossibilidades, a
importância, o significado, as funções, as formas de organização, os discursos,
as práticas, o desenvolvimento, as transformações e a difusão mais provável
que cada religião poderia esperar e conseguir no meio da sociedade concreta
em que atua.
3.3 A Religião nas sociedades divididas em classes
Além do conteúdo organizável, outros fatores influenciam no modo de
produção, tais como: o modo tradicional de produção que o grupo conheceu as
relações sociais internas e externas.
A partir daí pode-se classificar os diversos modos de produção em dois
grupos: os comunitários e os assimétricos.
Os comunitários são aqueles que em tudo, todos participam, enquanto
os assimétricos apenas uma minoria dominante participa dos resultados finais
da produção.
36
Na América Latina atualmente há a predominância dos modos de
produção assimétricos, sobretudo o capitalismo; mas há também uma minoria
– de indígenas, e camponeses - que possuem traços da produção comunitária.
Ao observar que uma sociedade seja qual motivo, se organiza dentro de
um modo assimétrico de produção, este fato gera um processo progressivo de
estruturação da sociedade em classes sociais. Classes sociais com graus de
poder bem diversos, relações de dominações e interesses objetivamente
contrapostos como, por exemplo: o sistema colonial de Portugal e Espanha na
América Latina.
Uma sociedade assim organizada tem sempre a minoria no poder, pois,
está com o controle dos meios de produção, que domina uma maioria
subordinada.
O poder desigual de controlar a produção – a distribuição e o uso dos
meios de produção, a distribuição da força do trabalho e a partilhar de bens
produzidos – traz relações de denominação entre os diversos em que se vai
dividindo a sociedade em torno da produção.
Enquanto uma minoria vai-se constituindo um conjunto de classes
dominantes, aumentando sua capacidade de decisão sobre o trabalho, o
descanso, a vida e a saúde, por sua vez, a maioria torna-se um conjunto de
classes dominadas, que perdem paulatinamente o poder de decidir o rumo da
sua vida.
Nesta forma de sociedade, as relações sociais, se situam em torno de
interesses contrapostos, isto é, a minoria, que tem o poder da produção nas
mãos quer manter de qualquer maneira uma organização assimétrica de
produção, enquanto a maioria dominada tenta sair da situação de domínio e
recuperar o poder decisório da sociedade. Daí, concluirmos que, uma
sociedade com um modo assimétrico de produção é uma estrutura
objetivamente conflitiva de dominação social.
Portanto, qualquer religião dentro desta sociedade, terá a estrutura
social atravessando, limitando e orientando a ação das instituições religiosas,
queiram esses ou não. Quer dizer, a estrutura conflitiva de dominação de
37
qualquer sociedade de classes estabelece uma maneira específica, os limites
dentro dos quais uma religião pode operar em seu seio e as tendências que
atravessarão e orientarão a atividade religiosa nessa sociedade (diferentes
classes, poder nas relações de produção).
3.4 A Religião numa sociedade complexa como a América Latina
A estrutura básica das sociedades latino-americanas não está
organizada em um único e isolado modo de produção, mas por um conjunto
articulado de vários modos de produção coexistentes, isto gera uma
complexidade dentro da sociedade.
A população da América Latina a partir da colonização européia começa
então a atravessar um processo em que seus indivíduos e grupos são
recolocados em novas classes sociais – por exemplo, as sociedades pré-
colombianas - mesmo no caso em que suas estruturas tradicionais são
parcialmente preservadas (mas uma nova relação social, imposta
externamente como relação de subordinação).
No meio de tal reestruturação já não é possível – salvo exceções –
referir-nos a uma religião situada numa estrutura de classe. Temos que falar,
então, de um campo religioso situado num processo conflitivo de
reestruturação da divisão em classes na sociedade. Esse processo é gerado
pela macroestrutura dos modos de produção articulados assimetricamente sob
um modo de produção dominante, e determina as marcas específicas do foco
social de limitações e orientações (contraditórias e assimétricas) exercidas
sobre o campo religioso por aquela macroestrutura.
Assim o processo religioso fica restrito aos caprichos da sociedade em
que ele está inserido.
Dessa maneira, a América Latina é conduzida no final do século XIX por
um caminho em que se instaura um campo religioso dividido, com uma Igreja
predominante, onde se ocupa um lugar secundário na sociedade latino-
americana, tanto objetiva quanto subjetivamente, e estando cada vez mais
distante do resto das instituições sociais; operando-se um processo de
burocratização cada vez mais permeável à consulta, às pressões e aos
38
conflitos. Surgindo um discurso religioso bastante complexo, sistematizado e
conflitivo.
3.5 A Religião no meio da estrutura de classes em conflito
As sociedades latino-americanas são sociedades de classes. Isto
significa dizer que, na América Latina, a produção dos bens necessários para a
sobrevivência do povo, bem como o modo de adquiri-los, então organizadas de
maneira desigual e assimétrica quanto:
- Ao acesso aos meios de produção;
- À distribuição da capacidade de trabalho;
- À partilha dos produtos finais do trabalho humano. Tendo sempre
uma minoria no poder e uma maioria explorada.
Esta situação determina um conflito de interesses, que atravessa todas
as dimensões da vida social e desarticula com o todo, indivíduo ou grupo
atuante no meio de tal sociedade, independente de qualquer coisa. Trata-se do
conflito entre as classes objetivamente interessadas em preservar e usufruir a
estrutura social em que elas ocupam na posição dominante, e as classes de
algum modo interessadas em transformar essa mesma estrutura em que
ocupam uma posição subalterna.
Assim sendo, toda ação religiosa, numa sociedade de classes é uma
ação que não está nem por fora nem por cima dos conflitos de classes:
agentes, públicos e contexto de toda a ação religiosa numa sociedade de
classes, toda ação religiosa é uma ação efetuada no seio dos conflitos de
classes e, como tal, é uma ação atravessada, limitada e orientada por tais
conflitos.
As variações significativas no caráter de uma ação religiosa no interior
de uma classe social independente da posição objetiva que cada setor público
atingido ocupa na estrutura de classes da sociedade. Por conseguintes, a
rejeição ou aceitação (e o grau desta ou daquela) de uma religião, sua
interpretação seletiva, uma difusão (de massa ou setorial, lenta ou rápida) e
39
suas expressões a nível prático hão de variar significativamente de uma classe
social para outra no seio de uma época e sociedade.
3.6 A Religião na dinâmica conflitiva das classes sociais
Toda classe social é um grupo móvel em processo de construção ou
destruição ou reconstrução, que geralmente é um processo duplamente
conflitivo, e sua posição na divisão social do trabalho são em cada caso
concreto, um momento ou ponto desse processo de sua construção/destruição
como classe; sempre partindo de uma situação preliminar.
Por isso, a relação de cada classe social – em um momento histórico
determinado – com o campo religioso ficará determinada não só pela posição
estrutural desta classe na divisão social do trabalho (perspectiva estática – mas
– também – pelo processo que levou esse grupo a ocupar aquela posição
(perspectiva dinâmica)).
Nesse sentido, então, a relação de cada parcela de classe com o campo
religioso estará condicionada também pelas quatro dimensões do processo de
construção na qual está inserida: origem particular, trajetória peculiar
(ascendente, estacionária, ou descendente), a conjectura concreta (relações), a
estratégia específica. Esta quarta dimensão é a que nos interessa dentro da
formação de uma classe.
Entendendo como estratégia de uma classe as possibilidades e
tendências objetivas que traçam o futuro provável (econômico, político, cultural)
de um grupo social e orienta por esse motivo, seu pensamento e sua ação
independentemente da consciência e da vontade das pessoas envolvidas. Tal
estratégia pode ser então de conquista do poder, de conservação do poder
adquirido, de reivindicação reformista, de submissão transacional ou de
resistência diante da marginalização.
Para melhor entendermos esta questão, observemos o exemplo: As
necessidades religiosas de uma favela operária de origem camponesa,
trajetória descendente de marginalização, conjuntura desfavorável e estratégia
de submissão transacional, não serão as mesmas necessidades religiosas de
40
um bairro operário de origem operária, trajetória ascendente de modernização,
conjuntura favorável e estratégia de reivindicação reformista.
Provavelmente – diga-se de passagem – o grupo da favela será
bastante receptivo, muito provavelmente, a seitas religiosas do tipo
“Testemunha de Jeová”, enquanto o do bairro será extremamente refratário a
qualquer sistema religioso do tipo apocalíptico.
A dinâmica conflitiva inerente a toda a sociedade de classe é, em
princípio, uma dinâmica assimétrica, isto significa que a sociedade se
caracteriza pelo poder desigual que existem em diversos setores do trabalho
(meios de produção, distribuição da força do trabalho e dos produtos finais) e
pelas relações conflitivas entre os dominados e dominantes pelo poder da
direção da sociedade.
Por conseguinte uma religião qualquer dentro dessa sociedade conflitiva
está submetida a um conjunto de limitações e orientações geradas pelo mesmo
processo de dominação, e tendentes a fazer da mera dominação uma
verdadeira hegemonia. Isto é a leitura, a interpretação e as definições oficiais
(éticas, litúrgicas, doutrinárias) originada da mensagem fundadora da religião
estará limitada e orientada pela classe dominante vigente.
Esse processo de submissão do campo religioso à dinâmica da
dominação de classe resulta do interesse objetivo das classes dominantes em
conseguir consolidar sua dominação e instaurar sua hegemonia.
Está estratégia implica no exercício da coerção e da persuasão a fim de
obter o consenso geral do seu domínio hegemonia – condição para se declarar
dirigente, tanto no poder material (econômico, político, militar,...) como no
poder simbólico (moral, educacional, literário, artístico, religioso). A dominação
de uma classe social não surge da noite para o dia. Nenhuma sociedade de
classe é uma sociedade de pura dominação. Diante da dominação, os
dominados sempre exercem de alguma forma de resistência.
A submissão é sempre um processo conflitivo cheias de reveses e
paradas. Portanto, todo o grupo social que aparentemente se vê dominado, se
41
vê imediatamente colocado independentemente de sua vontade e consciência
em uma estratégia de resistência à dominação.
Toda classe dominada tem como interesse conseguir o máximo de
autonomia possível. Este fato gera conflito porque vai de encontro com o
interesse da classe dominante de consolidar a sua hegemonia.
Esse interesse das classes subalternas em conseguir autonomia
religiosa exerce sempre um significativo impacto sobre a estruturação e a
dinâmica do campo religioso. Gerando um conflito latente ou aberto entre os
dominados (autonomia) e os dominantes (hegemonia) gerando cismas e
movimentos sectários.
Concluímos que, a resistência de classes à dominação também há de
exercer, assim, suas próprias orientações e limitações sobre a leitura, a
interpretação e as definições oficiais derivadas da mensagem fundadora de
uma religião dada que atue no seio das classes subalternas.
42
4 O CAMPO RELIGIOSO COMO TERRENO RELATIVAMENTE AUTÔNOMO
DE CONFLITOS SOCIAIS
O campo religioso, não é só produto das relações dos conflitos (macro)
sociais, mas se constitui a si mesmo como uma rede específica de relações
(micro) sociais, com certa realidade e estabilidades próprias e particulares.
4.1 Interesses Religiosos e Produção Religiosa
Algumas sociedades e certos grupos sociais tendem a elaborar uma
visão do mundo total ou parcialmente religiosa, o interesse em dispor de uma
representação comunicável do meio ambiente, que lhes permita situar-se e
atuar dentro dele, se define como interesse especificamente religioso, que se
caracteriza pela necessidade de dirigir o seu comportamento.
A religião qualquer que seja não é tão-somente nem primariamente um
conjunto dado, já estruturado, de práticas e discursos referidos a forças
sobrenaturais e meta-sociais.
Qualquer religião é o resultado de um processo de produção, produto de
um trabalho socialmente objetivo de estruturação da experiência coletiva de
uma comunidade (ou de um grupo social), a partir do contato com uma
personalidade carismática e tendo na base o interesse de contar com uma
visão do mundo referida à forças sobrenaturais e meta-sociais. A religião antes
de cristalizar-se em sistema de práticas discursos é o processo de produção,
antes de ser produto.
O campo religioso, precisamente enquanto conjunto de atores de
instituições sociais especificamente encarregados da produção religiosa
constitui então a instância mediadora do impacto dos conflitos sociais sobre a
produção religiosa como tal; e essa instância é capaz de obstaculizar, facilitar,
filtrar seletivamente ou dirigir as influências que, surgindo fora do campo
religioso, tendem, no entanto, a exercer-se sobre esse campo como tal.
O fundamento da autonomia de uma religião qualquer se dá
sociologicamente falando em três dimensões:
43
a) Subjetiva, enquanto visão do mundo capaz de orientar satisfatoriamente
uma comunidade ou um grupo social, em seu meio ambiente sócio-
cultural;
b) Objetiva , enquanto conjunto de práticas e discursos socialmente
compartilhados;
c) Propriamente institucional, enquanto produzidos, reproduzidos,
conservados e difundidos por um corpo estável de funcionários
organizados.
4.2 A Fragmentação Conflitiva do Interesse e do Trabalho Religioso
A primeira grande divisão do trabalho religioso consiste no “laicado”
(massa objetivamente despojada dos principais meios legítimos de produção
religiosa) e no clero (corpo especializado de funcionários).
O campo religioso tende a refletir a mesma divisão do trabalho que a
sociedade que influí daí os interesses religiosos formam um conjunto conflitivo
e assimétrico estruturado.
Essa fragmentação do campo religioso se dá em três níveis:
a) No nível da divisão entre clero e laicado: o clero quer dominar os bens
religiosos enquanto que o laicado luta para obter os bens religiosos
(=meios de salvação);
b) No nível específico da divisão social interna do laicado: o interesse
religioso do laicado se torna a procura religiosa dirigida ao clero, que
gira em torno de dois pólos fundamentais: o da classe dominante –
legitimação da dominação – e das classes dominadas – compensação
da sua condição subalterna e uma tentativa de contra-legitimação da
ordem estabelecida.
c) No nível específico da divisão interna do clero: o interesse religioso
redunda em estratégia de conquista e conservação do poder religioso.
Determina a estruturação do clero como um corpo com relações de
denominação em seu próprio seio (“alto clero” x “baixo clero”).
44
A divisão interna do trabalho religioso tem como conseqüência um duplo
conflito (clero/laicado; alto clero/baixo clero), e isto vai Ter implicações
grandemente significativas para a organização, as práticas e os discursos
religiosos produzidos no seu seio. Daí se fazer necessário a sistematização e a
moralização do discurso religioso.
4.3 A Produção Religiosa Especializada como Produção Transacional
A produção religiosa elaborada numa sociedade de classes tem um
trabalho religioso especializado e é sempre, uma produção transacional, isto é,
uma produção que por efetuar usem meio de interesse múltiplos, diversos,
conflitivos e assimétricos tende a satisfazer de modo parcial e desigual todas e
a cada uma das diversas categorias e frações interessadas nessa mesma
produção.
A dinâmica do campo religioso, isto é, sua atividade e as transformações
dessa atividade, encontra seu fundamento precisamente nos inevitáveis
conflitos e nas correlativas transações surgidas da diversidade de interesses
entre clérigos e leigos e entre as diferentes categorias de clérigos e também
entre as diversas frações de laicado.
4.4 A procura, Produção e Consumo de Bens Religiosos
As relações que ocorrem entre o campo religioso e os conflitos sociais
no nível especificamente religioso distinguem-se em três momentos da
produção de bens religiosos (discursos, ritos, normas, objetos); o momento da
procura, o da produção propriamente dito e o do consumo de bens religiosos.
Concluindo, o campo religioso é o terreno onde se condensa o poder
religioso enquanto resultado das lutas e transações prévias entre leigos e
clérigos, o terreno onde se manifesta o poder religioso enquanto momento do
processo de expropriação/apropriação dos meios da produção religiosa, e o
terreno onde se trava a luta pelo poder religioso enquanto objeto dos conflitos
sociais.
45
5 O CAMPO RELIGIOSO COMO FATOR ATIVO NOS CONFLITOS SOCIAIS
O campo religioso é um meio de ação na sociedade sobre si mesma:
para que os seres humanos possam produzir, reproduzir e transformar suas
relações, isto é, para que a sociedade possa atuar sobre si mesma, é de mister
que esses seres humanos percebam seu meio sócio natural de maneira
compreensível e comunicável.
Para que este último seja factível, é preciso que haja uma representação
– compreensível e comunicável da experiência coletiva em uma cosmovisão
compartilhada pela coletividade em pauta, que permita a seus integrantes
situar-se, orientar-se e, por conseguinte, atuar sobre seu meio sócio- natural.
Ora se o campo religioso está nas sociedades de classes com
especialização do trabalho religioso uma instância social encarregada de
elaborar uma cosmovisão (com a especificidade de se achar referida a forças
sobrenaturais e meta—sociais).
As funções sociais de uma religião em um contexto social determinado
podem variar conforme as variações estruturais e conjunturais da sociedade
em destaque podem variar segundo as variações históricas, estruturais e
conjunturais do campo religioso, podem variar desta para aquela época, de um
lugar para o outro, de um grupo social para o outro, desta para aquela religião,
de uma categoria de clérigos para outro.
A função conservadora, desempenhada eventualmente por um sistema
religioso em uma sociedade de classes, é uma função desempenhada
exclusivamente mediante a difusão e inclusão de um produto religioso
adequado aos interesses da classe dominante.
46
6 CONCLUSÕES
Otto Maduro expõe no seu livro um quadro e marco teórico da gênese,
da estrutura e das funções sociais do campo religioso em sociedade presidida
por relações conflitivas entre classes sociais, como a latino-americana.
Mas deve ficar bem claro que, o campo religioso não é unicamente um
produto dos conflitos sociais nem tampouco realidade absolutamente
independente, desligada dos conflitos sociais.
O campo religioso é uma realidade parcialmente produzida pelas
relações sociais e autônomas, onde é também fator que atua produzindo
relações sociais.
Produto, terreno e fator ativo nos conflitos sociais em nosso continente,
o campo religioso constitui uma das dimensões onde sociedade latino-
americana, quase sempre sem o saber sequer, decide hoje, a partir de seu
passado, as possibilidades, os limites e as orientações de seu futuro próximo.
47
CAPÍTULO V
RELIGIÃO E MODOS DE PRODUÇÃO (FRANÇOIS HOUTART)
Introdução
Abordagem deste livro é marxista, retém a epistemologia essencial e os
métodos macro-sociológicos de análise. Ele considera a religião como um
componente da superestrutura das sociedades, sempre aliada à classe
dominante.
As funções sociais da religião são iguais às relações (estruturas) sociais
e as práticas exigidas por sua reprodução.
A religião pode fornecer a explicação e a justificação das relações
sociais, bem como constituir o sistema das práticas destinadas a reproduzi-las.
Por exemplo, temos o hinduísmo, com o sistema de castas era fruto de uma
decisão divina, e conseqüentemente uma estrutura social.
O objetivo deste é analisar as funções sociais da religião nos diversos
tipos de sociedades que precedem o desenvolvimento do capitalismo.
Eis o que abordaremos:
- Modo de produção Tribal
- Modo de produção Tributário
- Modo de produção Escravagista
- Modo de produção Feudal.
Será abordado também, algo sobre as religiões do Oriente bem como o
Judaísmo.
48
1 DEFINIÇÃO
Modo de Produção: Representação simplificada, ideal, de diversas
formas de organização da vida social, isto é, da natureza dos elementos que as
compõem, de suas relações e das bases estruturais de sua própria
transformação: o campo econômico, campo político, ideológico (conjunto de
modalidades onde repercutam sua própria realidade).
“A organização da economia nos modos de produção pré-capitalistas,
baseia-se em categorias intermediárias entre 2 extremos: a economia tribal e a
economia capitalista”.
49
2 RELIGIÃO E COESÃO SOCIAL NOS DIVERSOS MODOS DE PRODUÇÃO
a) As sociedades tribais: caracterizada pela simples ocupação do meio
de produção e pela liberdade de trabalho. Primeira formação de tribos
onde há oferendas e sacrifícios. A economia não conhece intercâmbios
comerciais, o produto é distribuído no interior do grupo segundo um
sistema de troca regulado pelas relações de parentesco, que assume as
relações de produção. A produção é feita para sustento próprio.
b) Um exemplo desta sociedade tem no Antigo Israel, que eram os clãs e
no Budismo com as castas. As significações religiosas são as que se
elaboram em torno do fenômeno da natureza e as ligadas às expressões
sociais do grupo. a natureza personifica as forças naturais, adquirem
poder sobre estas (ilusório), e nas expressões sociais temos o TOTEM
que representa o grupo enquanto unidade social ou, o lugar de
residência do divino..... A passagem para o tributário se dá quando é
preciso aumentar a produção, para pagamento do rei, exército...
c) Modo de Produção Tributária : Forma social diretamente derivada das
sociedades tribais (segundo Marx). Sistema dominante: político, daí
organiza-se a vida material. Como exceção do totem a religião é a
mesma da sociedade tribal. A base da religião é a troca, a produção do
excedente: é preciso produzir para pagar os tributos impostos.
d) Modo de Produção Feudal : Também é o poder político (sistema
dominante) que organiza a economia e se apropria de um tributo em
espécie e em serviço fixado sobre a produção dos grupos de base;
apropriação do meio de produção (a terra).
e) Modo de Produção Escravagista : o homem é obrigado a passar
tributo, quando não consegue mais produzir para pagá-los, torna-se
escravo ou compra os mesmos. O trabalhador escravo faz parte dos
meios de produção. Não se encontra uma leitura religiosa da
escravatura, a relação de produção é transparente, pois o escravo
50
constitui objeto de intercâmbio mercantil, ou seja, apropriação da terra e
da força de trabalho.
Todos os modos de produção se caracterizam em diferentes níveis, por
um desenvolvimento relativamente fraco das forças produtivas.
A existência de excedentes (produção maior que o consumo) é
fundamental, na origem das sociedades de classes. Com exceção das
sociedades tribais, todos os modos de produção baseiam-se na apropriação
dos excedentes.
51
3 REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS E FUNÇÕES DA RELIGIÃO
As sociedades tribais são dependentes das forças naturais. Os clãs do
Sul da Índia representavam as forças da natureza sob a forma de uma multidão
de “espíritos organizados por um chefe e dotados de uma vontade e uma
inteligência superior às dos homens”.
As práticas rituais têm como objetivo neutralizar as forças adversas
agindo, direta e eficaz sobre elas, com a intenção geralmente de um agente
religioso, o feiticeiro, como mediador:
“Um dos clãs (Kuravas) identificava-se com o totem e cada
aldeia reproduzia as mesmas práticas. Era sob a árvore
totem, que as realizava a assembléia dos anciãos, era o
lugar de habitação da divindade etc., o totem era o ponto
de encontro entre os cosmos, a ordem social e a natureza”.
No modo de produção tribal, a necessidade de assegurar a
solidariedade entre os grupos que devem se integrar em uma estrutura de
relações de parentesco, a fim de garantir sua continuidade, constitui a base das
representações das relações sociais.
A expressão de unidade (o totem) não se reveste uma conotação
religiosa. A vida sobrenaturalizada torna-se própria essência do divino.
52
4 CARACTERÍSTICAS DAS SOCIEDADES PRÉ-CAPITALISTAS DE
CLASSES
(a) Modo de Produção Tributária : O excedente era feito por intermédio de
um intercâmbio de serviços. Havia um dualismo entre grupos de caráter
familiar como forma de relação social.
(b) Modo de Produção Escravagista : O excedente era feito por total
sujeição de um grupo de constituído pelas forças de produção e o meio
de produção. Foram das relações sociais: dualismo entre cidadãos livres
e escravos empregados diretamente pelo Estado.
(c) Modo de Produção Feudal : Pela apropriação do meio de produção era
feita a apropriação do excedente e a forma das relações sociais era de
dualismo entre os possuidores do meio de produção e aqueles que
detêm a sua utilização.
Agora começa a surgir uma classe capaz de substituir sem Ter que
produzir por si própria os seus meios de subsistência (apropriação de um
excedente).
53
5 MODOS DE PRODUÇÃO
A. Modo de Produção Tribal : As sociedades tribais são exemplos das
sociedades não diferenciadas, ou seja, das sociedades sem classes.
Havia uma distribuição de trabalho entre as gerações ou entre os
sexos. O sistema de parentesco, baseado na troca de mulheres,
regulava o uso de produção, apresentando-se como predominante
no conjunto social.
O uso do meio de produção era coletivo, bem como a organização
trabalho e a distribuição do produto social.
Havia diferenças de categorias, mas sem que os indivíduos dos
grupos fossem dispensados de uma participação direta na produção.
A religião servia no campo simbólico as contradições resultantes das
relações com a natureza, e as contradições no campo das relações
sociais de parentesco, e fornecia um sistema de construção do
sentido global do homem e do universo.
B. Modo de Produção Tributário: As relações de produção se
estabelecem por meio de um tributo a pagar em espécie ou em
serviço, ou até mesmo em moeda. As entidades locais mantêm a
apropriação do meio de produção (terra) e organizam o processo de
trabalho. O Estado realizava obras de prestígios (palácios e templos),
encarregava-se de grandes obras de irrigação, explorava minas e
empregava artesãos a seu serviço.
b.1.) – As funções da religião no modo de produção
tributária:
A seqüência religião/natureza no modo de produção tributário
continuaria sem alteração. Há um fortalecimento das forças produtivo origem
da produção de excedente.
Continuidade da existência das entidades locais (clãs ou aldeias);
produção religiosa igual com funções transformadas.
54
Abandono de expressões próprias (totem, por exemplo), a aceitação da
superioridade da divindade principal do grupo dominante.
C. Modo de Produção Escravagista : A não liberdade significa ser
possuído por outro ser humano, que dispõe não só da força
produtiva, mas pela pessoa.
As relações sociais não tinham a religião como ponto de referência, nem
por parte dos escravos nem dos senhores.
Essa sociedade lia o conjunto das relações sociais em termos da
vontade divina (ordem social desejada por Deus), não considerando justificável
a relação servil. Havia pouca ação por parte da Igreja para mudar a situação.
D. Modo de Produção Feudal :
- Feudo: uma porção de terra entregue sob a sentença judicial a
um senhor. Ponto de vista, sociológico é um conjunto Associal
dominado pelas relações de produção estabelecidas entre
camponeses e senhores de terra. Os camponeses viviam do
excedente, e os senhores eram submetidos às obrigações extras
econômicas. As relações de produção caracterizam-se pela
propriedade jurídica da terra pelos camponeses (arrendamento)
em troca de corvéias, taxas.
d.1.) As funções da Religião no modo de produção feudal:
A necessidade social de religião é determinada por uma função
essencialmente ideológica. A religião cumpre uma função ideológica por
excelência em um sistema de homogeneidade estrutural, ou seja, resolve
simbolicamente para todos os grupos, as oposições existentes ao nível das
relações sociais e do exercício do poder. Já que a apropriação do meio de
produção é que torna a base de absorção do excedente e da organização do
trabalho a representação é sempre religiosa.
55
6 AS CONDIÇÕES SOCIAIS DA GÊNESE E DO DESENVOLVIMENTO DOS
GRANDES SISTEMAS RELIGIOSOS DO ORIENTE
Desenvolvimento das religiões asiáticas conjuntamente com as
sociedades de classe e contribuição da solidez das estruturas sociais.
As religiões tradicionais do Sul e Leste da Ásia achavam-se ligadas às
classes dominantes, na sua gênese; isso marcou seu desenvolvimento e suas
presentes funções:
a. HINDUÍSMO: Religiosamente há vestígios arqueológicos que
demonstram a existência de um culto à deusa mãe (terra) e um
deus da fertilidade, do grupo étnico, na índia composto de
ancestrais, que ainda hoje se encontra na metade meridional da
península. Com invasão dos arianos (para ocupação de terras),
os drávidas foram para o sul. Os arianos eram populações
nômades cuja organização social era tribal. Com a
sedentarização houve mudanças na sua organização social.
A sedentarização repercutiu sobre as crenças e práticas religiosas: 1º. O
mito cósmico se tornou mais complexo para explicar a origem dos elementos
de ser ambiente; 2º. A crença nos espíritos desaparece e aparece um panteão
de divindades personificadas; 3º. A água constitui elemento central; 4º. Aparece
uma sequência nova no sistema religioso: o culto dos ancestrais, que fortalecia
a dimensão tribal, dos grupos.
b. BUDISMO: Seu fundador Gautama preocupado com a miséria
material e moral e com os sofrimentos rejeitou a solução
apresentada de que tais coisas eram conseqüências, da conduta
de cada um. Sua posição aliviava-se o ascetismo à reflexão
teológica. A iluminação (central do budismo) representa o
momento que Buda começa sua vida itinerante divulgar seu
sistema (identifica as causas do sofrimento individual ou social à
sede de prazer, vida, riqueza ou/ e poder. A luta contra o
sofrimento implica na destruição desses desejos).
56
O Budismo constitui um sistema de normas e condutas favoráveis à
manutenção da ordem social.
c. CONFUCIONISMO: Kung Fu-Tze seu fundador tinha como
ensino ajudar à superação do caos político e restaurar a paz. Sua
doutrina reintegra crenças religiosas anteriores: respeito aos
ancestrais, insistência nas cerimônias sacrificiais dos reis,
necessidades de obediência e de conformidade com a vontade de
Tien (o céu).
Socialmente colocam em violência os valores da classe aristocrática
feudal, só quem pode garantir a estabilidade da ordem social é a família
patriarcal.
d. TAOÍSMO: Da mesma época do confucionismo. No início foi mais
filosofia do que religião. Seu fundador Lao Tse (Fundador).
As comunidades taoístas não tinham projeto de transformação social,
apesar de esperarem por um imperador perfeito. Mas mesmo assim no tempo
das crises econômicas surgiram comunidades que organizaram em sociedades
secretas para rebelião.
e. JUDAÍSMO: Os descendentes de Abraão formaram 12 clãs
fixados no Egito como escravos. Mais ou menos 1.250 a. C. as
tribos abandonam o Egito indo para diversas regiões da
Palestina. Mais ou menos 1.200 se estabelece a união das 12
tribos. Houve um acordo político religioso entre esses grupos para
proteger um santuário central que simbolizava a origem e crença
no mesmo Deus. A religião criava a coesão social. Na história do
povo judeu, o judaísmo cumpriu grandes funções sociais como
elemento central na unidade das tribos.
57
7 A RELIGIÃO NA FORMAÇÃO SOCIAL DA PALESTINA DO SÉCULO I E O
PROTAGONISTA SÓCIO – RELIGIOSO: JESUS
A Palestina estava ocupada pelos romanos: relação colonial exercida
por uma sociedade cujo modo de produção era escravagista sobre uma
sociedade que caracterizada pelo modo de produção tributário.
7.1 - A Formação Econômica: Atividade econômica: agricultura e
pecuária (incluindo pesca) e a produção artesanal. Forças produtivas;
arados em rodas técnicas de pesca relativização empíricas, produção
artesanal primitiva. Os escravos cobriam amplo setor da atividade
produtiva e de serviço que eram comprados por contrato escrito como
mercadorias e animais. A atividade mercantil era próspera, controlada
por um sistema de impostos (insuportáveis com Herodes).
7.2 - A Formação Social: Sistema social complexo, constituído por um
sistema de classes sociais típicos do modo de produção tributário.
58
8 ESTRUTURA DE CLASSES, PODER POLÍTICO E CORRENTES
IDEOLÓGICAS
a) SADUCEUS: Desse grupo provinha os anciãos controlavam a
administração da justiça no tribunal Supremo (Sinédrio); do mesmo
grupo provinha a elite sacerdotal que administrava o templo e era
responsável pelo culto. Portanto, concentravam todo o poder político
em suas mãos. Foram os maiores colaboradores da dominação
romana na Palestina e sempre mantiveram uma política de
conciliação, pelo medo de perder seus cargos e privilégios. A ala
nacionalista do judaísmo os odiava.
Na religião eram conservadores: aceitavam apenas a autoridade da lei
escrita e rejeitavam as concepções aceitas pelos escribas e fariseus. Como
grupo, desapareceram com a destruição do Templo pelos romanos em 70 d.C.
b) FARISEUS : Inicialmente aliados à elite sacerdotal e aos grandes
proprietários de terra, deles se afastaram para dirigir o povo,
embora sempre à distância deste. O povo (para eles) era maldito,
pois desconheciam a Lei, logo, não poderiam se salvar
Eram nacionalistas e hostis ao império romano. Na religião eram
caracterizados pelo rigoroso cumprimento da Lei em todos os campos e
situação da vida.
Acreditavam na predestinação, ressurreição e messianismo.
c) ESCRIBAS : No tempo de Jesus, este grupo estava em ascensão.
Seu poder redizia no saber. Especialistas na interpretação da
Sagrada Escritura.
Tinha influência no Sinédrio (como juristas) e na Sinagoga (interpretes
da Sagrada Escritura).
Apesar de não pertencerem economicamente à uma classe abastada,
gozavam de uma posição estratégica, monopolizavam a interpretação da
59
Sagrada Escritura, tornando-se os guias espirituais do povo, influenciando a
vida social e determinando até mesmo as regras que dirigiam o culto.
d) ESSÊNIOS : Saído dos Fariseus. Sua organização comunitária
caracterizava pelo sacerdócio e a hierarquia, rigoroso legalismo,
espiritualidade apocalíptica e a pretensão de representar o
verdadeiro povo de Israel.
60
9 O PROTAGONISTA SÓCIO RELIGIOSO: JESUS
Jesus foi proveniente de círculos escribas e fariseus. Opôs-se a nobreza
sacerdotal e grande burguesia, ao baixo clero e a pequena burguesia escriba
farisaica. Sua vida de pregação desenvolveu-se na Galiléia. Região de
crescimento do Zelotismo e Movimento Messiânico.
Sua classe foi a pequena burguesia artesanal, mas sua base social era
constituída, pela massa marginalizada do processo de produção e pelas
massas camponesas sem instrução.
61
10. CONCLUSÃO
Toda desigualdade entre grupos sociais deve encontrar sua explicação a
fim de criar um consenso social.
Na medida em que a representação da relação social torna-se desigual,
ocorre uma projeção no campo sobrenatural. A transformação do principal meio
de produção, da terra para o capital financeiro, destrói toda representação
religiosa das relações sociais de produção.
62
CAPÍTULO VI
GRAMSCI E A QUESTÃO RELIGIOSA
Introdução
Antônio Gramsci, fundador do partido comunista italiano em 1921,
destacou-se como um dos mais brilhantes teóricos marxistas deste século.
Nascido em Ales (Sardenha) em 1891, filho de camponeses pobres,
lutou desde criança pela sobrevivência. Ao ganhar uma bolsa na Universidade
de Turim em 1911, estudos, filosofia e literatura, participando do comitê do
Movimento Socialista, criou em 1917 a Associação Proletária de Cultura,
interpretando as massas na ação política. Redator do Avanti e da revista
L’Ordine Nuovo, criada por ele, publicou na mesmos o “Programa da Fração
Comunista”, primeiro documento oficial do PCI, lançando o manifesto Per il
Congresso dei Consigli de Fabrica, apesar das violentas reações dos
industriais.
Ativista e organizador foi designado para representar o partido em
Moscou, onde casou com Julia Schucht. Fundou em 1923 o jornal Lúnita,
enunciando a aliança entre os extratos pobres da classe operária do norte e os
campesinos do sul. Como líder e deputado nacional, lutou contra o fascismo na
Câmara e na Imprensa, sendo preso em 1926, apesar da imunidade
Parlamentar, e sentenciando a vinte anos, não obstante os protestos do mundo
inteiro.
Este foi o período mais crítico de sua vida, porém de maior vigor
intelectual, apesar da decadência do organismo na miserável prisão. Nos 32
cadernos escritos no cárcere, palpita não somente uma incrível força de
vontade, mas o fruto de um pensamento genial num esforço prodigioso de
memória, deixando-nos o testemunho do profundo sentido histórico numa
concepção ousada do marxismo, na consciência do que somos como produto
deste processo.
Faleceu tuberculoso em 19370, aos 46 anos, onze dos quais prisioneiros
da ditadura, e “... mantendo alta a dignidade do homem”, como firmou Croce.
63
O fenômeno religioso é um dos temas essenciais do pensamento de
Antônio Gramsci, naturalmente que sua perspectiva não leva em consideração
a religião enquanto fé, enquanto crença, mas sim o aspecto político da
“dominação” pela Igreja, através da religião, das classes operárias e
camponesas, alvo de sua atuação política.
O enfoque de Antônio Gramsci não é, entretanto, exclusivamente
político, o que o distingue de outros teóricos marxistas. Sua reflexão sobre a
religião levou-o a uma análise sociológica da classe camponesa e de sua
integração religiosa e a uma análise histórica da religião não como fé mas
enquanto ideologia.
Ainda que em certos momentos muito regional ou limitada no que diz
respeito a contextos históricos determinados (o que em parte é explicável pelo
fato de ter sido escrita na prisão e não em liberdade e com possibilidade de
consulta a outros textos), a obra de Antônio Gramsci nos apresenta uma visão
coerente, produto de reflexão obstinada e iluminada, do fenômeno religioso que
não pode ser ignorada, por mais que discorde de seus pressupostos teóricos.
Como Antônio Gramsci não escreveu um trabalho único sobre o
fenômeno religioso, mas aborda o tema em ocasiões diversas e esparsas em
sua obra, a tomada de contato com seu modo de pensar é facilitada pelo
trabalho de Hugues Portelli, que captou e filtrou nos escritos de Gramsci aquilo
que se refere ao problema da religião e sua importância para a compreensão
da sociedade política, formulando uma esclarecedora visão de conjunto, que
tentaremos apresentar em linhas gerais.
64
1 DEFINIÇÃO DO FENÔMENO RELIGIOSO
A definição de religião como tipo particular de ideologia só permite
captar uma parte do fenômeno religioso. Para Antônio Gramsci, não é menos
necessário o estudo da Igreja como aparelho ideológico. Este estudo vai se
basear na análise histórica do papel despenhado por esta categoria de
intelectuais, mas não sem antes definir o aparelho religioso em relação ao
aparelho do Estado Clássico e em relação ao conjunto dos aparelhos
ideológicos.
A análise gramsciana da Igreja e da religião baseia-se numa redefinição
do Estado. Se a Igreja se apresenta ao mesmo tempo como uma casta
intelectual autônoma e como o equivalente, ao nível ideológico, do aparelho do
Estado em nível repressivo, é porque ela constitui uma das engrenagens
essenciais do verdadeiro Estado, afirma Antônio Gramsci.
O Estado, tal como o entende Gramsci é constituído pelo conjunto
“sociedade civil + sociedade política, a função dominação – e os aparelhos
repressivos correspondentes – e a função hegemônica – e os aparelhos
ideológicos correspondentes”.
A definição gramsciana de Estado permite definir a Igreja como aparelho
ideológico do Estado e por isso precisa suas relações com a “sociedade
política”.
O segundo problema que a análise do fenômeno religioso levanta situa-
se no nível das relações entre os diversos tipos de aparelhos ideológicos e
principalmente as existentes entre partidos políticos e Igrejas. Estes dois tipos
de aparelhos estando estreitamente relacionados.
O estudo privilegiado das ideologias políticas e religiosas e de sua
difusão é necessário na medida em que elas constituem as duas principais
formas de concepção do mundo. Por isso, o estudo da religião exige uma
análise prévia das relações entre sistema político e sistema religioso.
Nos “Quaderni” Antônio Gramsci sublinha principalmente, a partir dos
exemplos francês e americano, a correspondência entre multipartidarismo e
unidade religiosa, sectarismo religioso e unidade política. Sendo a estrutura
65
dos sistemas políticos e religiosos e suas relações recíprocas amplamente
influenciadas pelas existências e força de castas intelectuais tradicionais.
O segundo fator histórico essencial não é estrutural, mas está ligado à
relação entre aparelho ideológico (Igrejas, partidos) e o aparelho do Estado
(forças de coerção em geral).
Assim, a multiplicidade das seitas religiosas é, efetivamente, a
consequência, segundo Antônio Gramsci, das limitações às liberdades
políticas. Aliás, a criação de seitas religiosas não é fruto de iniciativas
populares, mas ao contrário, de uma decisão dos correspondentes da classe
dirigente, que as utilizam para canalizar os movimentos que não podem se
organizar dentro do quadro político: portanto, as seitas religiosas não passam
de ramificações do aparelho ideológico – religioso do estado. Portanto, sistema
político e sistema religioso são estreitamente dependentes. E, para além de
sua interação, o problema que se apresenta é o de saber qual é o aparelho
ideológico dominante.
Durante o período medieval, a Igreja católica é ao mesmo tempo,
aparelho ideológico e aparelho político na medida em que ele detém o
monopólio ideológico. Mas, depois da contrarreforma esta função permanece
apenas parcialmente: a análise gramsciana da Ação Católica, dos partidos
católicos demonstra que a Igreja ainda continua um ramo do aparelho político.
A tendência geral vai permanecer, todavia, caracterizada um recuo
político, e, um acantonamento no domínio religioso.
Antônio Gramsci prevê, tendo em mente o partido de tipo comunista,
que, ao contrário, o partido político moderno na medida em que se afirma como
a expressão de uma Weltanschauung, tenderá a absorver o conjunto das
funções do futuro Estado que ele propõe, e, portanto o conjunto de sua
estrutura ideológica. Dessa forma ele englobará, superando-o qualitativamente,
o aparelho religioso, tendendo assim a tornar-se o novo tipo de aparelho
ideológico dominante.
66
Definindo a religião como uma forma de ideologia e a Igreja como um
aparelho ideológico de Estado, Antônio Gramsci dispõe dos dois instrumentos
conceptuais necessárias o estudo da função histórica do catolicismo.
67
2 EVOLUÇÕES HISTÓRICAS
Antônio Gramsci divide a evolução histórica do fenômeno religioso
(catolicismo em particular) em 4 períodos:
1.1. Aparecimento como movimento revolucionário.
1.2. Ligação com o Baixo Império.
1.3. Transformação em intelectual de classe feudal.
1.4. Declínio.
68
3 CRISTIANISMOS COMO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
A análise do cristianismo primitivo não é nova na literatura marxista. Ela
estabelece entre “revolução cristã” e revolução socialista.
Engels dedicou-se, sobretudo ao estudo da formação progressiva da
religião tentando reconstruir o filão ideológico do cristianismo (Fílon e Sêneca)
e depois sua elaboração propriamente dita – do apocalipse às cartas de Paulo.
Antônio Gramsci não se pronuncia sobre esta questão porque, para ele, o
verdadeiro problema está em saber concretamente que função ideológica e
política desempenha o cristianismo.
Esta questão que já havia sido entrevistado por Engels foi desenvolvida
por Antônio Gramsci de maneira original.
Engels analisou as seguintes questões:
- Quais eram os grupos sociais e nacionais cristianizados;
- Por que sua revolta assumiu a forma de uma religião;
- Por que o cristianismo triunfou das outras religiões da época.
Antônio Gramsci retoma parcialmente esta problemática, mas o faz a
partir de dois temas constantes nos Quaderni: a passagem da concepção
cristã do mundo à atitude prática cristã e à análise do cristianismo como tipo de
movimento revolucionário.
Antônio Gramsci e Friedrich Engels completam-se assim de maneira
notável: se a religião cristã pode triunfar facilmente sobre seus rivais, foi porque
ela os superava ideologicamente – Engels -, mas, sobretudo porque levava a
uma norma de conduta prática revolucionária – Antônio Gramsci. A isto Antônio
Gramsci acrescenta que o cristianismo primitivo teve a vantagem de Ter
intelectuais notáveis capazes precisamente de traduzir a religião em atitude
prática.
Deste ponto de vista, Paulo desempenhou um papel determinante que
Antônio Gramsci compara ao de Vladimir Lênin com relação ao Karl Marx:
69
“Cristo – Weltanschauung – Paulo - Organizador e ação expansão da
Weltanschauung”.
A qualidade essencial de Paulo é, aos olhos de Antônio Gramsci, Ter
sabido elaborar prática – tanto em nível moral como político – na
Weltanschauung cristã; em resume, o fato de Ter sido um estrategista
revolucionário.
A análise do cristianismo primitivo nos Quaderni está, efetivamente,
ligada a das estratégias revolucionárias.
A par das estratégias revolucionárias tradicionais “guerras de
movimento”, “guerras de posições”, Antônio Gramsci acrescenta
a”revolução passiva”, uma passividade total em nível político e militar e um
poderoso determinismo fatalista em nível ideológico e que, portanto, se
caracteriza pela ausência de toda luta determinada contra a antiga classe
dirigente, o que na realidade leva a uma solução de compromisso, a uma
”revolução-restauração”.
Assim, o determinado fatalista da religião cristão, graças principalmente
à função da providência e ao tema da ressurreição igualitária, mesmo em
condições de luta totalmente negativas transforma-se em uma formidável força
de resistência moral, de coesão, de perseverança paciente e obstinada.
Além disso, Antônio Gramsci considera que a forma ideológica e política
específica do cristianismo primitivo – a resistência não violenta, se explica
melhor ainda pelo fato de que os povos oprimidos militares exerciam uma
verdadeira hegemonia cultural.
O cristianismo primitivo, para Antônio Gramsci, é tanto a expressão da
resistência dos povos de Roma submetidos, especialmente os da civilização
helênica – como das classes subalternas propriamente ditas.
O cristianismo aparece, pois, inicialmente como um movimento
ideológico e político dos povos oprimidos e das classes subalternas. Tornando-
se ideologia oficial da classe dirigente, vai modificar consideravelmente esta
função inicial.
70
4 LIGAÇÕES COM O BAIXO IMPÉRIO = A IGREJA DEPOIS DO EDITO DE
MILÃO
Depois do Edito de Milão o cristianismo sofre uma transformação
profunda, conseqüência da modificação de suas relações com o aparelho de
Estado Imperial. A partir do momento em que se tornou a maneira exterior de
pensar de um grupo dominante, sua sorte e sua difusão não podem ser
separadas da história geral e, portanto, das guerras. Assim, o movimento de
resistência não violenta dá lugar a um aparelho ideológico que doravante
utilizará a ajuda do braço secular para vencer seus adversários. Teria se
verificado no cristianismo o que ocorre nos períodos de restauração em relação
aos períodos revolucionários: a aceitação atenuada e camuflada dos princípios
contra os quais se lutara.
A conseqüência do Edito de Milão foi neutralizar as classes subalternas
pela união da hierarquia eclesiástica com o Império, através de algumas
vantagens corporativas e, sobretudo, do reconhecimento do cristianismo como
ideologia oficial e da Igreja como aparelho ideológico de Estado.
Antônio Gramsci sublinha particularmente dois aspectos que
sobreviverão ao desaparecimento do Império romano: o cosmopolitismo e o
papel do Papa.
O cosmopolitismo era um fenômeno necessário na medida em que o
cristianismo se firmava como religião universalista e foi forçado pela sua
aproximação com o aparelho do Estado, ele mesmo cosmopolita e
centralizado.
No nível ideológico, o culto imperial era o fundamento deste
cosmopolitismo intelectual. Como conseqüência da aliança Império - Igreja,
esta herda atribulações religiosas do imperador. Depois da queda do Império, o
Papa herdará a tradição do culto imperial. Na visão de Antônio Gramsci o
papado teria feito uma combinação entre os atributos do Sumo Pontífice e os
do imperador divinizado.
Esta restauração não se limita à estrutura e ao papel da Igreja: ela
atinge a religião. Antônio Gramsci sublinha que ao difundi-se entre os grupos
71
subalternos, o cristianismo sofre a influência dos cultos pagãos, influência esta
de que vimos o exemplo com relação ao Papa; forma-se assim, uma religião
popular muito diferente do cristianismo oficial e cujas características
sobreviveram: superstições, feitiçarias, etc.
Por isso, a aliança como o Império romano modifica radicalmente o
cristianismo primitivo sob seu tríplice aspecto de movimento das classes
subalternas, de organização eclesiástica e de religião. É com esta nova face
que a Igreja vai tornar-se a estrutura ideológica do mundo feudal.
72
5 TRANSFORMAÇÃO INTELECTUAL DA CLASSE FEUDAL
A situação da igreja medieval é a de uma categoria de intelectuais
orgânicos que controlam a sociedade civil feudal: esta organicidade repousa
em duas características permanentes do clero medieval: sua osmose
econômica política com a aristocracia e seu monopólio ideológico.
Antônio Gramsci considera que a Igreja está em larga escala na origem
da sociedade feudal. Depois das invasões e diante da decadência da
civilização urbana, os mosteiros tornaram-se os únicos centros intelectuais. É
em torno dos mosteiros que se estabelecem às novas estruturas sociais
feudais, cuja partir de uma divisão social do trabalho entre intelectuais
religiosos e servos - artesãos.
A influência da Igreja sobre a estrutura da sociedade medieval não se
situa só no meio do rural: as sedes episcopais tornam-se centros religiosos e
também econômicos desempenhado papel importante na origem das colunas
medievais.
Nos dois casos – no meio rural e urbano, a igreja aparece, pois, como
uma das origens da sociedade feudal. Antônio Gramsci conclui que esta origem
explica sua preeminência e a preeminência da instância intelectual, e,
sobretudo, ideológica, na Europa medieval: o vínculo orgânico entre a Igreja,
casta intelectual, e a estrutura feudal é um vínculo invertido: a casta intelectual
está na origem da classe fundamental da qual se tornará o intelectual orgânico.
Em razão de sua função econômica, a Igreja aparece, pois, como uma
categoria social ambígua, ao mesmo tempo classe feudal e casta intelectual.
A multifuncionalidade do clero explica, de outro lado, que sua
preeminência não se apóia unicamente em sua função ideológica; fora de seu
papel econômico com fração da aristocracia feudal, a Igreja controla certo
número de” serviços”. Estes diferentes serviços correspondem a três funções
específicas:
73
Uma função ideológica dominante ligada ao monopólio ideológico da
igreja e que inclui o controle de todos os aparelhos culturais,
principalmente do ensino;
Uma função repressiva: a justiça, sobretudo durante a Alta Idade
Média;
Uma função social, dirigida principalmente para as classes
subalternas.
A função social não sendo mais que uma função secundária, pois a
assistência é a conseqüência do controle da Igreja sobre as classes
subalternas. Segundo Antônio Gramsci, ela está ligada à atividade da Igreja –
aparelho econômico e não da Igreja, organização religiosa.
A função repressiva é conseqüência, sobretudo, da hegemonia
ideológica da Igreja. É importante lembrar que o prevalecimento do direito
canônico sobre o direito romano.
A função essencial da Igreja continua sendo a função ideológica: a
religião católica é a concepção oficial do mundo da sociedade feudal e a igreja,
enquanto aparelho ideológico único encontra-se em situação privilegiada, na
medida em que todas as atividades superestruturais devem conformar-se ao
quadro ideológico do qual ela tem o controle e cuja reprodução ela assegura –
Igreja, Universidade, artes, etc.
A partir do século XIII a Igreja entra num período de crise, sofrendo
sucessivas contestações provindas dos domínios em que ela própria recuou
(direito, ciência). Essas contestações foram reabsorvidas enquanto ela
manteve sua hegemonia, exercendo sua função histórica.
O despertar da vida econômica e comercial depois dos anos mil e
ascensão da burguesia trouxe como conseqüência a volta do direito romano,
para regulamentar as novas relações sociais. Isto levou a uma redução do
domínio do direito canônico e as profundas modificações em sua estrutura.
Outro fenômeno que atingiu particularmente a hegemonia ideológica da
Igreja foi o desenvolvimento das línguas vulgares em detrimento do latim.
74
Colocando ao alcance do povo a cultura e as idéias, os responsáveis por esta
tendência tornaram-se “um fermento de heresia”.
Onde esta oposição do domínio ideológico da Igreja se apresenta de
modo mais claro é nos movimentos religiosos populares, que mereceram assim
a reação mais forte da Igreja.
Quando a ruptura foi total e assumiu a forma de luta política e ideológica
(heresia) a Igreja muitas vezes utilizou a força para tapar as brechas de sua
hegemonia (a inquisição, por exemplo).
Quando a ruptura não afetava a base ideológica da hegemonia a Igreja
adotou a tática de reabsorver ou recuperar o movimento contestatório,
canalizando-o para estruturas oficiais e integrando ou eliminando os líderes.
Nem sempre esta tática teve a mesma eficácia em longo prazo: é o caso de
certas ordens monásticas, que conservaram em seu bojo o fermento da
reforma ideológica: assim os dominicanos, dos quais saiu Giovanni Savanarola,
ou os Agostinianos, de onde saíram a reforma e o jansenismo.
Enquanto na Baixa Idade Média a Igreja ainda tem forças para conservar
o controle ideológico da sociedade, a partir do renascimento o conflito se
radicaliza e torna-se uma crise orgânica.
75
6 AS REVOLUÇÕES E O DECLÍNIO DA IGREJA
Antônio Gramsci chama de ”heresias” aqueles movimentos que apesar
de em sua concepção serem movimentos político - ideológicos, reveste-se de
caráter religioso na medida em que a Igreja Católica é a ideologia dominante.
Assim Antônio Gramsci não só considera as Reformas Luteranas e Calvinistas,
mas também as Revoluções Francesa e Inglesa.
Esses movimentos têm uma base social comum, a burguesia, e uma
estratégia comum frente às classes populares subalternas, além disso, têm 3
características básicas: são obra de pensadores nacionais, opondo-se ao
cosmopolitismo que domina a Weltanschauung católico-feudal, efetuam uma
união em torno de um ideal nacional e reinserem o povo na vida política e
cultural e finalmente, difundem uma ”reforma intelectual e moral”.
Antônio Gramsci analisa historicamente esses movimentos
contestatórios, que em sua opinião marcam uma evolução decisiva para a
independência religiosa (e, portanto, político - ideológico) em relação ao mundo
católico - feudal. Ele mostra a Igreja se vê obrigada a recorrer ao auxílio do
aparelho repressivo do Estado, à coação e repressão, perdendo assim
progressivamente sua unidade e sua autonomia frente ao Estado.
Subordinando-se ao Estado, a Igreja definitivamente seu caráter
democrático, a ponto de na Revolução Francesa a Luta deixar o terreno
estritamente religioso (ideológico) e passar a um campo abertamente político,
envolvendo o clero (e, portanto, a Igreja) na medida em que este estava
intimamente identificado à classe dirigente que era alvo do movimento.
A revolução Francesa completa, portanto, a crise ideológica da Igreja e a
coloca em posição subalterna.
A visão gramsciana completa o ciclo colocando o marxismo como
herdeiro e realizador na prática dessas três correntes. Antônio Gramsci utiliza
para sua análise do marxismo como ideologia os critérios que esboçou para o
estudo do catolicismo, na tentativa de evitar no primeiro a trajetória declinante
do último.
76
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Hugues Portelli o verdadeiro problema por Antônio Gramsci na
sua análise da religião é o de pesquisar porque a Weltanschauung religiosa
não conseguiu forjar uma norma de vida religiosa, e não se prolongou por uma
práxis. Segundo ele, com exceção do período heróico do cristianismo primitivo,
os indivíduos e as massas que tentaram conformar sua conduta prática à sua
religião foram condenados e/ou recuperados pela Igreja, que não cessou de
impedir a realização de uma verdadeira ”práxis”, tanto em nível individual
como coletivo, a práxis cristã fracassou, sob a pressão dos intelectuais
religiosos, para tornar-se apenas o “ópio do povo”.
Gramsci não se interessa essencialmente pela religião concepção do
mundo, mas, sobretudo pela norma de conduta prática que corresponde a cada
religião. Deste ponto de vista, a religião pode conduzir a atitudes totalmente
oposta: a ativa e progressista do cristianismo primitivo ou do protestantismo, ou
a passiva e conservadora do cristianismo jesuitizado. É esta Segunda forma
que Gramsci qualifica de ópio do povo, porque elas correspondem a uma fase
declínio, na qual a religião esgotou sua função histórica e só se mantém pelos
artifícios e/ou pela repressão.
A religião não é automaticamente o “ópio do povo”: ela se torna tal
quando, superada por uma concepção superior do mundo, impede toda
evolução. ““A religião cristã, que em certo período histórico e em condições
históricas determinadas, foi e continua a ser uma” necessidade”, uma forma
necessária da vontade das massas populares, uma forma determinada de
racionalidade do mundo e da vida. “Mas, também neste caso trata-se do
cristianismo ingênua, não do cristianismo jesuitizado, transformado em simples
ópio para as massas populares”.
Portanto, o determinismo católico é necessário quando corresponde a
um movimento popular, mas deve ser combatido quando leva as classes
subalternas à passividade.
A crítica gramsciana da religião está, pois, subordinada à apreciação da
função histórica de cada ideologia religiosa. A religião é, assim, estudada como
forma particular de ideologia.
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Podemos aplicar esta crítica o nosso contexto de país do Terceiro
Mundo, espoliado pelo capitalismo civilizado do Primeiro Mundo, onde o
catolicismo é ainda uma força importante e quando a Igreja tenta uma
reaproximação com o povo, de diversa forma, inclusive ideológica – Teologia
da Libertação – fazendo-nos indagar em que medida esta visão sociológico –
política enriquece nossa concepção e nossa prática da religião cristã.
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CAPÍTULO VII
O PENTECOSTALISMO (FRANCISCO CATARXO ROLIM)
Introdução
O Pentecostalismo continua sendo um assunto atual e interessante,
também continua despertando um enorme interesse aos sociólogos,
antropólogos, teólogos e pastoralistas.
Este trabalho como diz o tema é uma análise sócia religiosa do
Pentecostalismo no Brasil, que também está interessado em saber e
questionar se tomar alguns conceitos marxistas e procedimentos deterministas
que esvazia essa religião de sua dimensão específica, ou pelo contrário, vem
esclarecer vários problemas comumentes colocados de maneira arbitrária.
Este trabalho não tem a pretensão de ser conclusivo, que fique claro que
existem alguns problemas que pedem continuidade e mais aprofundamento.
Toda análise como sabemos não é neutra, é feita a partir de uma
formação. Nisto se enquadra também à ideologia pentecostal, pois usa religião,
não está apenas preocupada com o sacral. Não é politicamente neutra não
esta imune à força das relações sociais. A história das religiões mostra que as
crenças, movimentos e teologia sempre estiveram associados com a situação
social de sua época.
Este é um ponto principal em mira pela nossa perspectiva: apresenta a
religião pentecostal como determinada pelas relações sociais e classes sociais.
Como diz Marx; “não é a consciência dos homens que determinam os seus
seres, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”.
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1 HISTÓRICOS DAS PRIMEIRAS IGREJAS PENTECOSTAIS
O Pentecostalismo é um fenômeno recente no Brasil. Apareceu entre
nós no início da Segunda década do século XX. Com a fundação da
congregação Cristã no Brasil, em 1910, na capital paulista, no bairro Brás,
povoado praticamente de integrantes italianos.
O seu fundador foi o Italiano; Luigi Francescon; que viveu nos Estado
Unido e converteu-se ao Pentecostalismo. Foi presbiteriano e freqüentou por
um tempo a igreja presbiteriana de São Paulo, mas saiu fundando assim a
primeira igreja pentecostal do Brasil.
Um ano mais tarde surge a Igreja da Assembléia de Deus em 1911, em
Belém do Pará. Sendo que o seu primeiro nome foi Missão de Fé Apostólica,
mas logo o nome foi mudado. Vieram para o Brasil missionários suecos que
também moraram nos Estado Unido com a intenção de fundar a nova religião.
Começaram freqüentar a igreja Batista de Belém do Pará e através de vigílias
de oração dividiram a igreja, fundando assim a Segunda igreja pentecostal em
1911.
Somente em 1940 é que todas as regiões do Brasil foram atingidas pelo
Pentecostalismo, melhor dizendo Assembléia e Congregação Cristã.
A Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular surgiu nos Estados
Unidos, em Los Angeles, pelo ano de 1918. Ela apareceu no Brasil sob forma
de uma campanha, a cruzada de evangelização, barracas de lona, desmontado
de uma região para outra.
O Brasil para Cristo teve como seu fundador Manuel de Melo que da
Assembléia de Deus e depois, foi o Evangelho Quadrangular e em 1955,
lançava seu movimento que batizou com o nome que deu a mesma.
A Igreja de Nova Vida, seu templo foi inaugurado em 1970 em Botafogo,
no Rio de Janeiro, é uma igreja elitista e o seu bispo norte americano Roberto
MacAlister.
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2 GÊNESE DO PENTECOSTALISMO
Estaremos abordando aqui hipóteses sobre o surgimento do
Pentecostalismo no Brasil, como ele se processou e quais os fatores que gerou
este fenômeno.
Primeiramente gostaria de lembrar que fazer uma análise sobre este
movimento é uma tarefa difícil devida ser um fenômeno amplo e complexo, e
sua dificuldade maior se encontram na sua dimensão transcendental ou supra-
social que ela comporta e também é um conjunto especificamente religioso.
As mudanças sociais ocorridas no Brasil nos anos 30, e a partir desta
época, com a política brasileira tendenciosamente voltada para a
industrialização e produção com vistas para o mercado interno, e com a
urbanização progressiva, sem industrialização correspondente em
conseqüência da migração inter-regional o crescimento e surgimento pareceu
aos olhos de muitos analistas deste assunto como um fenômeno religioso
intimamente ligado aos processos de urbanização/migração/industrialização.
Ao lado entanto destes fatos, assistimos ao mais profundo
empobrecimento da história brasileira, com milhões de compatriotas vivendo a
situação que os economistas chamam de miséria. Ao lado da industrialização,
que não só concentrou a renda, mas também concentrou a população no meio
urbano. Estes fatores são da maior importância para a explicação do fenômeno
pentecostal, no Brasil.
O Pentecostalismo não nasceu aqui no Brasil, foi uma experiência
trazida para cá, através de alguns pentecostais vindos dos Estados Unidos.
Esses fundadores trouxeram além de suas experiências religiosas, suas
concepções capitalistas, suas formações e vivências religiosas totalmente
voltadas para o sacral. Sem abertura para o social, sem experiência político
social.
Um dos fundadores deste movimento, Luigi Francescon veio para o
Brasil como imigrante e seus primeiros adeptos foram seus compatriotas. A
congregação Cristã buscava no imigrante italiano o seu suporte social,
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aproveitando-se dos elementos católicos entre os italianos e convertendo-os ao
Pentecostalismo.
Para se ter uma idéia da predominância de italianos na congregação
cristã, basta dizer que seus hinos eram cantados em italiano até década de 30,
quando aparece a terceira edição do hinário desta igreja, metade em italiano,
metade em português.
O imigrante reage na nova situação buscando, geralmente por ensaios,
um grupo no qual possa sentir afinidade emocional e reconhecimento de sua
própria pessoa. Entre várias alternativas que lhe apresentam podem escolher a
mais acessível, isto é os pentecostalismos.
O movimento da igreja Brasil para Cristo e Evangelho Quadrangular
escolheu São Paulo como o lugar para o seu surgimento. Todos nós sabemos
que São Paulo é o centro da migração. Suas mensagens são para as pessoas
pobres, por isso teve uma boa acolhida.
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