Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP
Julio Guilherme Müller A produção desjudicializada da prova oral através de negócio processual:
análise jurídica e econômica
Doutorado em Direito
São Paulo 2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC - SP
Julio Guilherme Müller A produção desjudicializada da prova oral através de negócio processual:
análise jurídica e econômica
Doutorado em Direito
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito sob a orientação do Professor Doutor Cassio Scapinella Bueno.
São Paulo 2016
Banca Examinadora: ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………….
Dedico este trabalho à Glaucia e aos meus filhos, Julia, Heitor e Isabela. Com ela aprendi o significado de amor;; com eles o que é amor incondicional.
AGRADECIMENTOS Gostaria de registrar meu sincero e especial agradecimento ao meu orientador Professor Doutor Cassio Scarpinella Bueno, exemplo de retidão, caráter e dedicação ao direito processual civil. Além de excelente escritor, parecerista, palestrante e advogado, Cassio é um professor vocacionado, daqueles que nos dá certeza de que valeu retornar aos bancos da academia. Ao final desta jornada não ficaram apenas os ensinamentos e seu exemplo. A amizade entre nossas famílias seguramente estará entre minhas melhores lembranças desta rica fase. Gostaria também de agradecer às seguintes pessoas: aos Professores Doutores Flávio Luiz Yarshell, Heitor Sica, Eduardo Arruda Alvim, William Santos Ferreira, Rodrigo Barioni e Fabiano Carvalho, todos integrantes da banca de defesa desta tese e que me propiciaram a honra de ler o trabalho;; aos Professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial nas pessoas do Doutor Donaldo Armelin, Doutora Teresa Arruda Alvim e do Doutor Tércio Sampaio Ferraz Junior, juristas completos e cuja minha admiração cresceu a cada contato, agradeço muitíssimo os ensinamentos;; aos Professores Assistentes Marcos de Abreu Sampaio, Claudia Cahali e Georges Abboud, meu sinceros agradecimentos e especial apreço;; à Marcella Abboud pelo auxílio na revisão;; ao Rui e Rafael, incansáveis profissionais da Secretaria de Pós-Graduação, pelo empenho e dedicação com que sempre me atenderam. O caminho neste doutorado me propiciou mais do que desenvolvimento pessoal. Fui verdadeiramente presenteado com inúmeros novos amigos que fiz e pessoas que conheci que, por si só, fizeram valer a pena o esforço. Ao nominá-los um a um eu correria o risco de cometer a injustiça histórica de esquecer algum nome. Mas todos vocês sabem quem são e fazem parte da minha história. Obrigado pela amizade! Minha gratidão a todos os meus colegas de escritório com quem tenho o prazer de trabalhar na advocacia e que tanto cooperaram nos dias em que me ausentei. Bernardo, Juliana, Gabriela, Nataliê, Guilherme, Luiz, José, Bruna, Katherine, Eduardo e Maiara, muito obrigado pela força! Cursar um doutorado não é uma decisão simples. Para mim não foi. Incentivado por meu amigo Pedro Miranda iniciei uma jornada de quatro anos, marcada academicamente pelas disciplinas que cursei, os artigos que elaborei, os seminários e fóruns em que participei e muita pesquisa, reflexão e centenas de horas de dedicação até chegar à tese e sua defesa. Esta escolha envolveu mais do que recursos materiais. Refiro-me ao custo das oportunidades perdidas, em especial aquelas ao lado de meus filhos, esposa, família e amigos. São momentos perdidos e que não voltam. Mas se me perguntei muitas vezes se valia a pena todo este esforço, saibam que foram eles - meus queridos filhos - quem sempre me apontaram a resposta. Aos
meus filhos, Julia, Heitor e Isabela, meu amor e agradecimento. A Glaucia, minha companheira em todos estes momentos, obrigado pelo apoio e compreensão. Não foi fácil, mas sem você seria impossível! Às minhas irmãs, Juliana, Gabriela e Katherine muito obrigado por sempre me apoiarem em tudo. Ao Glauco, Teresa e Ada, obrigado igualmente pela compreensão e auxílio. Meu pai, Osmar, não é um homem das letras ou das ciências. Tampouco minha mãe, a Salete. São pessoas que, tal qual os pais deles (Julio e Hilda;; Nino e Zita), nasceram em famílias simples, do comércio, que passaram pelos altos e baixos da vida neste País em que é tão difícil empreender. Incansáveis batalhadores, nunca mediram esforços para me proporcionar a melhor educação e formação que lhes era possível, respeitando minhas escolhas e propiciando um ambiente para que minhas decisões fossem tomadas livre de qualquer influência. Se cheguei até aqui foi porque todos eles muitas vezes se curvaram para que eu pudesse enxergar mais longe. Obrigado meus amados pai e mãe! Obrigados meus queridos avôs e avós!!
JULIO GUILHERME MÜLLER
A produção desjudicializada da prova oral através de negócio processual: análise jurídica e econômica
RESUMO A presente tese versa sobre análise jurídica e econômica do negócio processual para
a produção da prova oral fora do judiciário e sem a participação direta do juiz,
permitindo-lhes apresentar depoimentos escritos ou gravados de testemunhas. Por
meio de método dedutivo, a pesquisa confirma que essa hipótese decorre do modelo
cooperativo de processo e da combinação de duas cláusulas gerais previstas na
legislação processual: a que possibilita às partes convencionar sobre situações
processuais;; e a que lhes autoriza produzir provas atípicas. A produção da prova oral,
diretamente pelas partes e sem a participação do juiz - viabilizada quando os custos
de transação assim permitirem e o saldo entre os benefícios e desvantagens for
melhor quando comparado ao modelo judicial -, é opção eficiente para reduzir o
tempo de duração dos processos, estimular a resolução dos litígios por acordo,
prevenir litígios e aperfeiçoar a qualidade das provas.
PALAVRAS-CHAVE
NEGÓCIO PROCESSUAL - DESJUDICIALIZAÇÃO - PROVAS
EFICIÊNCIA - ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
JULIO GUILHERME MÜLLER
A produção desjudicializada da prova oral através de negócio processual: análise jurídica e econômica
ABSTRACT This thesis deals with legal and economic analysis of the procedural contracts to
obtain outsourced oral evidences (outside the court) and without the direct
participation of the judge, which allows the parties to use written or recorded
statements of a witness. Through a deductive method, the research confirms that the
hypothesis follows the cooperative procedural model and the combination of two
general rules found in the procedural statutes: one that allows the parties to celebrate
procedural contracts on their procedural positions;; and the one that authorizes them to
produce atypical evidence. The extrajudicial production of the oral evidences directly
by the parties and without the participation of the judge, made possible when
transaction costs allow and the balance between the benefits and disadvantages is
better than when compared to the judicial model, is an efficient option to reduce the
duration of proceedings, to stimulate settlement of disputes by agreement, to prevent
litigation and to improve the quality of evidence.
KEY-WORDS
CONTRACT PROCEDURE - EXTRAJUDICIALIZATION - EVIDENCES EFFICIENCY - ECONOMIC ANALYSIS OF LAW
2
Sumário INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 6
PRIMEIRA PARTE: AUTONOMIA DA VONTADE, COOPERAÇÃO E NEGÓCIOS PROCESSUAIS .... 10
1. OS NEGÓCIOS PROCESSUAIS NA TEORIA DO FATO JURÍDICO (PLANO DA EXISTÊNCIA) ...... 10 1.1 Fatos jurídicos, atos jurídicos e negócios jurídicos .................................................................... 10 1.2 Atos processuais e negócios processuais .................................................................................. 14 1.3 A vontade humana e os negócios jurídicos processuais: revisitando a teoria do fato jurídico ... 18 1.4 Negócios, convenções, acordos, pactos ou contratos processuais? ........................................... 28
2. IDEOLOGIA, PRIVATISMO E PUBLICISMO E MODELOS DE PROCESSO ................................ 29 2.1 Antecedentes históricos sobre a participação das partes no processo e o privatismo no processo ...................................................................................................................................................... 30 2.2 A Influência de Büllow e do Código Austríaco de Franz Klein -‐ a virada publicística do processo civil ................................................................................................................................................ 36 2.3 A distribuição das atividades entre o juiz e as partes e os diferentes modelos de processo ...... 43 2.4 Rumo a uma convergência entre os modelos ........................................................................... 50
3. O MODELO COOPERATIVO DE PROCESSO ......................................................................... 54 3.1 O novo contexto normativo processual: o novo CPC como plataforma de integração e funcionamento de diferentes modelos processuais ....................................................................... 54 3.2 As múltiplas faces da cooperação: modelo cooperativo, dever de cooperação e princípio da cooperação .................................................................................................................................... 60 3.3 A necessária superação do dogma da natureza pública, da imperatividade e da eficácia cogente das normas processuais ................................................................................................................. 68
4. NEGÓCIOS PROCESSUAIS TÍPICOS E ATÍPICOS ................................................................... 76 4.1 Negócios processuais típicos .................................................................................................... 76 4.2 A cláusula geral para a celebração de negócios processuais atípicos ........................................ 78 4.3 O devido processo legal e o devido processo negociado ........................................................... 85 4.4 A experiência estrangeira contemporânea sobre a negociação processual entre as partes ....... 88 4.5 As convenções processuais na arbitragem ................................................................................ 94 4.6 Convenções sobre a calendarização processual ........................................................................ 96
5. NEGÓCIOS PROCESSUAIS ATÍPICOS ................................................................................. 101 5.1 Acordos de procedimento ...................................................................................................... 103 5.2 Convenções sobre ônus e faculdades ..................................................................................... 108 5.3 Convenções sobre poderes .................................................................................................... 111 5.4 Convenções sobre deveres ..................................................................................................... 114
6 REGIME JURÍDICO DE VALIDADE DE NEGÓCIO PROCESSUAL ATÍPICO ............................... 117 6.1 A necessária conformação constitucional, civil e processual das convenções processuais ...... 117 6.2 Os negócios processuais frente ao modelo constitucional de processo ................................... 120
6.2.1 A constitucionalização do processo civil e o modelo constitucional de processo .................. 120
3
6.2.2 Os direitos e garantias fundamentais processuais ................................................................. 123 6.2.3 A necessária conformação dos negócios processuais ao modelo constitucional de processo e a colisão entre direitos fundamentais processuais a partir da convenção ........................................ 126
6.3 Requisitos objetivos de validade do negócio jurídico atípico segundo o direito civil ............... 135 6.4 Requisitos objetivos de validade do negócio processual atípico segundo o direito processual civil .................................................................................................................................................... 141 6.5 Os agentes que podem negociar (limites subjetivos e titularidade) ....................................... 147
6.5.1 Partes e seus advogados: capacidade processual, capacidade civil e titularidade ................ 147 6.5.2 Juízes podem ser partes de negócios processuais? ................................................................ 149 6.5.3 Organizações e instituições .................................................................................................... 152
6.6 Tempo e forma do negócio processual atípico ........................................................................ 154 6.6.1 Negócios antes, durante e após o processo ........................................................................... 154 6.6.2 A formalidade no negócio processual .................................................................................... 156
6.7 Negócios processuais defeituosos e nulidades ....................................................................... 159 6.7.1. Encaminhamento preliminar ................................................................................................. 159 6.7.2 Negócios processuais defeituosos .......................................................................................... 161
7. EFICÁCIA DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS ATÍPICOS .......................................................... 166
SEGUNDA PARTE -‐ A POSSIBILIDADE DA PRODUÇÃO DESJUDICIALIZADADA PROVA ORAL DIRETAMENTE PELAS PARTES ATRAVÉS DO NEGÓCIO PROCESSUAL ................................... 168
1. A PRODUÇÃO DA PROVA ORAL ....................................................................................... 168 1.1 Propósito da prova ................................................................................................................. 168 1.2 Destinatários da prova ........................................................................................................... 175 1.3 Meios de prova ...................................................................................................................... 178 1.4 Fases do procedimento probatório ........................................................................................ 182 1.5 A prova oral e sua produção .................................................................................................. 186 1.6 Normas estruturantes invariáveis aplicáveis na produção da prova oral ................................ 190
2. A HIPÓTESE DA NEGOCIAÇÃO DA PRODUÇÃO DA PROVA ORAL PELAS PARTES ............... 194 2.1 A produção da prova oral no modelo cooperativo de processo .............................................. 194 2.2 A atipicização de prova típica através de negócio processual ................................................. 198 2.3 A desjudicialização da produção da prova oral pelas partes através do negócio processual .... 203 2.4 Normas estruturantes variáveis: releitura da oralidade e do dever de colaboração para a descoberta da verdade no contexto da produção desjudicializada da prova oral ......................... 211
3. A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA NA PRODUÇÃO DA PROVA ORAL DIRETAMENTE PELAS PARTES ............................................................................................................................... 222
3.1 Inglaterra ............................................................................................................................... 222 3.2 Estados Unidos ...................................................................................................................... 226 3.3 Alemanha .............................................................................................................................. 231 3.4 Portugal ................................................................................................................................. 232 3.5 Espanha ................................................................................................................................. 234 3.6 França .................................................................................................................................... 236 3.7 Itália ...................................................................................................................................... 238
4
4. ELEMENTOS DA PRODUÇÃO DESJUDICIALIZADA DA PROVA ORAL: TENTATIVA DE SISTEMATIZAÇÃO DE UM REGIME JURÍDICO ....................................................................... 239
4.1 A conformação da produção atípica com a CF ........................................................................ 239 4.2 O procedimento de produção desjudicializada da prova ........................................................ 246 4.3 O dever-‐poder instrutório do juiz na produção atípica de prova ............................................. 253
4.3.1 O dever-‐poder instrutório do juiz no modelo cooperativo .................................................... 253 4.3.2 A extensão do dever-‐poder instrutório do juiz em relação às provas produzidas pelas partes ......................................................................................................................................................... 261 4.3.3 O dever-‐poder instrutório de determinar a renovação ou repetição da produção da prova oral realizada extrajudicialmente pelas partes ....................................................................................... 268
4.4 A invalidação e convalidação dos atos processuais de apresentação do resultado da produção extrajudicial da prova oral realizada pelas partes a partir de negócios processuais ...................... 273 4.5 A valoração da prova oral produzida extrajudicialmente ........................................................ 280
TERCEIRA PARTE -‐ DESJUDICIALIZAÇÃO DE ATIVIDADE PROCESSUAL: ANÁLISE JURÍDICA E ECONÔMICA DA PRODUÇÃO DA PROVA ORAL SEGUNDO O CRITÉRIO DA EFICIÊNCIA ......... 286
1. COOPERAÇÃO, NEGÓCIO PROCESSUAL E PRODUÇÃO DESJUDICIALIZADA DA PROVA ORAL COMO MEIOS PARA A EFICIÊNCIA JURÍDICA: DIMENSÃO PREVENTIVA, TEMPORAL E QUALITATIVA ..................................................................................................................... 286
1.1 Considerações iniciais sobre a eficiência no plano jurídico ..................................................... 286 1.2 A eficiência segundo a Constituição Federal e o Código de Processo Civil ............................... 289 1.3 Cooperação, negócio processual e produção desjudicializada da prova oral como meio para a eficiência em sua dimensão preventiva ....................................................................................... 295 1.4 Cooperação, negócio processual e produção desjudicializada da prova oral como meio para a eficiência em sua dimensão qualitativa ....................................................................................... 299 1.5 Cooperação, negócio processual e produção desjudicializada da prova oral como meio para a eficiência em sua dimensão temporal .......................................................................................... 305
2. ANÁLISE ECONÔMICA DO PROCESSO CIVIL: ECONOMIA, PROCESSO E OPÇÕES PROCESSUAIS ECONOMICAMENTE EFICIENTES ................................................................... 309
2.1 Realidade judiciária, economia e processo ............................................................................. 309 2.2 Considerações gerais sobre a análise econômica do processo civil ......................................... 318 2.3 Negócio processual e a produção extrajudicial da prova oral: análise segundo a eficiência econômica ................................................................................................................................... 323 2.4 Teoria da agência e negócio processual: quando os interesses dos representantes (juízes e advogados) não representam os interesses dos representados (Estado e partes) ......................... 330
3. ANÁLISE ECONÔMICA DO NEGÓCIO PROCESSUAL DE PRODUÇÃO DESJUDICIALIZADA DA PROVA ORAL: CUSTOS DE TRANSAÇÃO, EXTERNALIDADE E A PREVISÍVEL IRRACIONALIDADE HUMANA ........................................................................................................................... 336
3.1 Análise econômica da desjudicialização de atividade processual ............................................ 336 3.2 Os custos de transação nos negócios jurídicos ........................................................................ 343 3.3 A assimetria de informações: confiança, racionalidade limitada e oportunismo ..................... 348 3.4 Os custos de transação na convenção processual para a produção desjudicializada da prova oral: quando é eficiente para as partes cooperar e produzir a prova extrajudicialmente? ............ 353
5
3.5 Análise econômica da prova desjudicializada antecedente ao processo ................................. 361 3.6 As externalidades geradas pela produção extrajudicial da prova oral ..................................... 370 3.7 A opção pela desjudicialização da atividade processual em relação à opção pelo procedimento comum: a previsível irracionalidade humana ............................................................................... 376
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 385
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 394
6
INTRODUÇÃO
Poucos duvidam que o equilíbrio do sistema social dependa do bom
funcionamento do sistema jurídico, ou seja, de um sistema normativo adequado e de um
sistema judiciário eficiente e justo. O equilíbrio social depende, portanto, em grande
medida do direito e do processo. Entre eles, há uma relação de interdependência e de
causa e efeito. A eficácia do direito diminui a necessidade do processo;; ineficácia torna-
o imprescindível. E o curioso é que, quando o processo é quem não cumpre sua
finalidade, é o direito quem acaba suportando as consequências, sendo alvo de
contestação, de mudança e inovação.
Não é possível afirmar quais as causas que levaram ao desequilíbrio do sistema
jurídico brasileiro. O que é possível constatar são algumas de suas consequências,
como: o expressivo volume de mais de cem milhões de causas em tramitação, a
necessidade de uma colossal estrutura judiciária que toma aproximadamente 1,3% do
produto interno bruto e a duração média dos processos incompatível com a
razoabilidade. Tudo isto desequilibra não só o convívio social, mas também o mercado,
as transações, o desenvolvimento econômico e o progresso social.
Depois de mais de quarenta anos em vigor, o Código de Processo Civil, redigido
por Alfredo Buzaid, deu lugar a uma nova legislação processual, a qual introduz novos
arranjos jurídicos e institucionais de diferentes propósitos. Alguns deles pretendem
aperfeiçoar a qualidade da jurisdição, como é o caso do regime de fundamentação e de
precedentes, enquanto outros objetivam dar-lhe eficiência para reduzir o tempo médio
de duração das causas, caso das técnicas de julgamento repetitivo e de incentivo a
meios autocompositivos.
Dentre as inovações, uma das mais significativas é a previsão de uma cláusula
geral de negócio processual (NCPC, art. 190). Por meio dela, as partes plenamente
capazes podem, nas causas que versarem sobre direitos que admitam autocomposição,
estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, bem
como convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres, antes ou
durante o processo.
A alteração proposta repercute em aspecto fundamental do ambiente judiciário e
processual. É que a legislação revogada, influenciada por ideologia publicista, apostava
num juiz bastante interventivo no desenvolvimento do processo, sendo excepcionais e
7
raras as hipóteses em que as partes tinham possibilidade de convencionar sobre
situações processuais validamente. A novel legislação estimula, por meio de diversos
dispositivos, a adoção de um modelo cooperativo de processo, um tertium genus que
não se confunde com o modelo inquisitório - tampouco com o adversarial.
A convenção processual depende de comportamento cooperativo das partes no
processo ou dos sujeitos que se propõem a regular situações futuras antes dele. É
justamente nesse campo da autonomia de vontade das partes a hipótese geral de
investigação. Pretende-se nesta pesquisa trabalhar sobre duas hipóteses específicas:
(i) a possibilidade ou não das partes convencionar validamente a desjudicialização da
atividade processual de produção da prova oral, e em quais condições;; e, (ii) valendo-
se de uma análise econômica do direito, avaliar se a opção da produção extrajudicial da
prova oral por meio de negócio processual celebrado entre as partes é eficiente em
relação à alternativa da realização daquela atividade nos moldes do procedimento
comum estabelecido no NCPC, ou seja, perante o juiz em audiência de instrução.
Para analisá-las, a pesquisa está estruturada em três partes.
A primeira delas, trata da autonomia da vontade e dos negócios jurídicos
processuais. Nessa primeira parte, o propósito é estabelecer as premissas básicas a
respeito da primeira daquelas duas hipóteses do trabalho. Investiga-se nela a distinção
ontológica entre negócios e atos jurídicos, o papel reservado à autonomia da vontade
ao longo da história do processo, a influência da ideologia publicista, a distribuição de
atividades entre o juiz e as partes no processo e o que a cooperação pode oportunizar
quanto à organização e desenvolvimento processual. Ainda na primeira parte são
abordados os negócios processuais típicos, a cláusula geral de negócios atípicos, seu
regime jurídico de validade e eficácia.
Estabelecidas as condições gerais das convenções processuais, cuida a segunda
parte de incursionar sobre a hipótese específica da produção desjudicializada da prova
oral por meio do negócio processual. Temas como meios de prova, seus propósitos,
destinatários, princípios e normas aplicáveis, incluindo a forma ou produção atípica e a
apresentação de depoimentos escritos ou gravados em meio audiovisual são analisados
numa perspectiva crítica.
Antecedida por uma breve incursão na experiência estrangeira, segue a segunda
parte com uma tentativa de sistematizar um regime jurídico mínimo para a produção
desjudicializada da prova oral por meio de negócio processual.
8
A terceira e última parte do trabalho não se preocupa em definir o direito ou avaliar
a validade do negócio processual probatório objeto da pesquisa. Ela parte do
pressuposto de que a convenção processual é uma opção juridicamente válida, tal qual
a alternativa prevista em lei e retratada na produção da prova oral perante a autoridade
judicial em audiência de instrução.
Existindo duas opções igualmente válidas de produção da prova oral (judicial ou
extrajudicial), procura-se investigar qual delas é o meio processual eficiente. A terceira
parte do trabalho, portanto, tem um propósito mais pragmático, voltado ao exame das
razões que podem orientar as partes a escolher uma alternativa em detrimento da outra
e suas consequências. Nessa parte, inclusive, utiliza-se a ciência econômica para
analisar aqueles meios de produção da prova oral. Isso porque é a microeconomia a
parte da ciência que se dedica a examinar a escolha da opção eficiente. Ademais, a
análise econômica dos meios processuais de produção da prova oral permite avaliar
qual a melhor e racional opção dentre as existentes, ou seja, qual a alternativa eficiente
e que potencialmente pode maximizar os interesses mútuos e individuais das partes.
Esta investigação exige, primeiramente, estabelecer as premissas para a análise
econômica do direito das partes. Assim, o primeiro capítulo da terceira parte procura
dimensionar como a cooperação e os negócios processuais podem ser soluções
eficientes para atender os diferentes propósitos - preventivo, qualitativo e temporal - da
produção da prova oral.
Conhecidos os meios e os fins, segue-se à análise econômica propriamente dita
no capítulo segundo da terceira parte, que cuida de estabelecer as premissas
econômicas basilares para a avaliação da eficiência e da utilidade do negócio processual
de produção desjudicializada da prova oral.
A terceira parte procura abordar os custos de transação e sociais para as partes
e terceiros diretamente atingidos, a desjudicialização de atividades processuais, as
questões decorrentes da assimetria de informações e a racionalidade das partes na
escolha da opção eficiente de produção da prova oral -, se extrajudicial ou judicial -,
incluindo, a análise dos vieses que podem levar as partes a uma previsível e irracional
escolha que despreza a eficiência do meio.
Espera-se, ao final, provar duas teses, sem prejuízo de outros achados
secundários ao longo deste empreender científico, e que se fundem em uma só no
seguinte sentido: a legislação processual brasileira possibilita às partes celebrar
validamente negócio processual para produção desjudicializada da prova oral, antes ou
9
no curso do processo, observados os seus limites de validade e preservados os poderes
instrutórios do juiz para repetição integral ou parcial do ato, sendo esta escolha pelas
partes a opção racional mais vantajosa e eficiente para atender, quando os custos de
transação assim permitirem, seus interesses mútuos ou mesmo individuais, de forma a
melhorar a situação de ao menos uma delas sem prejudicar os demais sujeitos ou
mediante compensação, tolerância ou regulação legal quando existirem prejuízos.
10
PRIMEIRA PARTE: AUTONOMIA DA VONTADE, COOPERAÇÃO E NEGÓCIOS PROCESSUAIS 1. OS NEGÓCIOS PROCESSUAIS NA TEORIA DO FATO JURÍDICO (PLANO DA
EXISTÊNCIA)
1.1 Fatos jurídicos, atos jurídicos e negócios jurídicos
O processo, como instrumento para manifestação de poder jurisdicional, é
permeado de fatos e atos jurídicos, como também o é a vida em sociedade. Segundo a
teoria do fato jurídico, desenvolvida por Pontes de Miranda1 - uma das mais difundidas
no Brasil -, os fatos podem ser naturais ou jurídicos. Ao direito, interessam os fatos
jurídicos, em razão incidência da norma jurídica ou correspondência a uma hipótese
descrita no ordenamento.
Dentre os fatos jurídicos em sentido amplo, encontram-se os atos jurídicos em
sentido lato, cujo elemento constitutivo existencial é a vontade humana2. Tal vontade,
como faculdade humana de praticar ou não certos atos - de fazer ou não fazer, de agir
ou se manter inerte, de se manifestar ou silenciar - pode se apresentar e ter diferentes
propósitos3.
A doutrina majoritária classifica os atos jurídicos em sentido lato segundo os
efeitos que eles potencialmente podem atingir a partir da vontade, seu elemento
essencial de existência. Quando os efeitos decorrem da lei, temos atos jurídicos em
sentido estrito. Diversamente, trata-se de negócio jurídico quando os efeitos produzidos
decorrem da vontade de negócio.4
1 MIRANDA, Francisco Cavalvanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomos I, II e III. Campinas: Bookseller, 2000. 2 Alguns defendem a existência de atos-fato em que, apesar de ser realizado por ato humano, não há exatamente a manifestação de vontade relevante. Nesse sentido, e citando a revelia como exemplo de ato-fato no processo vide: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A contumácia das partes como ato-fato processual. In DIDIER JUNIOR, Fredie. NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (org.) Pontes de Miranda e o Direito Processual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2013, p. 635-648. 3 Adriano Soares da Costa, em texto inédito fornecido pelo autor, classifica a exteriorização de vontade em manifestações adeclarativas (nas quais se comunica vontade, conhecimento ou fatos), declarações de vontade (que podem ser negociais, postulacionais ou ordenativas) e exteriorizações materiais de vontade. 4 TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 210.
11
Se há uma expressão capaz de bem caracterizar a distinção entre ato jurídico em
sentido estrito e negócio jurídico é a autonomia privada. Isso porque a vontade, nos atos
jurídicos em sentido estrito, não é autônoma, mas sim vinculada à lei (em sentido amplo).
Fenômeno diverso se observa nos negócios jurídicos;; neles, há liberdade, ainda que
dentro de uma moldura jurídica definida pelo ordenamento jurídico, para que a vontade
dos sujeitos possa construir e definir relações, produzindo os efeitos jurídicos
voluntariamente perseguidos por eles5.
É o entendimento, por exemplo, de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade
Nery, para quem quando se pratica ato jurídico stricto sensu, a vontade se dirige à realização do ato para que se produzam no mundo jurídico efeitos ex lege. Quando de negócio jurídico se trata, a vontade visa a realização dos efeitos que ela mesmo quer realizar, da maneira como ela quer se realizar. Diz-se, nesses casos, que os efeitos daí decorrentes são ex voluntae6.
Em idêntico sentido, versa Antônio Cabral, para quem, nos atos em sentido
estrito, "os efeitos são previstos em lei e, ainda que pretendidos pelo agente, não são
fruto de escolhas voluntárias de quem os pratica", enquanto que nos negócios jurídicos,
a eficácia e o próprio ato em si decorrem da vontade das pessoas envolvidas7.
Essa compreensão a respeito da distinção entre os atos jurídicos em sentido
estrito, cujos efeitos decorrem ex lege, e os negócios jurídicos, cujo resultado é ex
voluntae, também é influenciada pela construção de Pontes de Miranda e,
posteriormente, pela doutrina de Marcos Bernardes de Mello8.
Outra classificação importante é aquela que reconhece a existência de negócios
unilaterais como uma espécie do gênero negócio jurídico. Apesar de, aparentemente,
“negócio” ser uma expressão que reflete a conjunção de vontade entre duas ou mais
pessoas, alguns doutrinadores admitem também que, em determinadas circunstâncias,
é possível um negócio unilateral.
5 TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 210. 6 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Instituições de direito civil: contratos, volume III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 500. NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 713. 7 CABRAL, Antônio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 44. 8 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato juridico: plano da existência. 14. edição. São Paulo: Saraiva, 2007.
12
Discorrendo sobre o assunto, Leonardo Carneiro da Cunha, julga os negócios
unilaterais como dependentes da vontade de apenas um sujeito9. O desejo unilateral de
que o ato produza efeitos segundo esta única vontade é o suficiente para reconhecer a
ocorrência de negócio jurídico unilateral10. Exemplos de negócios unilaterais
relacionados ao processo, segundo o autor, são: o reconhecimento da procedência do
pedido, a renúncia à pretensão, a renúncia ao direito de recorrer, dentre outros atos
individuais e praticados por um dos sujeitos com efeitos no processo11. Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria Andrade Nery citam, ainda como exemplos de negócios jurídicos
unilaterais, a desistência da ação e a revogação de mandato outorgado ao advogado12.
Tal classificação leva em consideração, portanto, o número de sujeitos exercendo sua
vontade no momento da formação do negócio.
Para Cabral, por sua vez, a classificação em unilaterais ou plurilaterais pode se
dar também por outro critério que não o da formação. Trata-se de classificar o negócio
jurídico a partir do critério das consequências do acordo. Neste, são unilaterais os
negócios cuja eficácia atinge a esfera de apenas um dos sujeitos. Os plurilaterais, por
sua vez, são os negócios cuja eficácia alcançará a esfera de interesses de mais de um
dos sujeitos que celebraram o negócio13.
Quando Pontes de Miranda admite negócios jurídicos unilaterais, ele o faz a partir
da perspectiva do conteúdo da manifestação da vontade, assim, tratar-se-á de negócio
jurídico unilateral quando houver uma única manifestação de vontade capaz de criar,
modificar ou extinguir posições de em uma determinada relação jurídica de forma
9 Além de distinguir os negócios jurídicos em unilaterais e bilaterais, Leonardo Carneiro da Cunha também os classifica em negócios comissivos e omissivos. São negócios omissivos, segundo o autor, aqueles decorrentes da inércia proposital do réu para a obtenção de um efeito jurídico previsto em lei, como na hipótese do réu não se insurge quanto à incompetência relativa. CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. In: CABRAL, Antônio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coords). Negócios Processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 33-44. Sobre negócios unilaterais vide, também: CABRAL, Antônio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 49-51. 10 FARIA, Marcela Kohlbach de. Negócios jurídicos processuais unilaterais e o requerimento de parcelamento de débito pelo executado. In CABRAL, Antônio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique (Coords.). Negócios Processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 284-285. 11 Marcela Kohlbach de Faria, com referências teóricas de diversos autores, aceita as hipóteses de reconhecimento de procedência de pedido, renúncia ao direito discutido, escolha do procedimento feita pelo autor, desistência do recurso e requerimento de parcelamento de débito no âmbito jurisdicional como negócios jurídicos processuais unilaterais. FARIA, Marcela Kohlbach de. Negócios jurídicos processuais unilaterais e o requerimento de parcelamento de débito pelo executado. In CABRAL, Antônio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique. (Coords.) Negócios Processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 281-295. 12 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 713. 13 CABRAL, Antônio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p.49-51
13
consciente, e que independa de outras manifestações de vontade para que possa atingir
seu propósito.14. Não haveria, nos negócios unilaterais, reciprocidade ou correlação de
vontades de duas ou mais partes15. Em suas palavras, no negócio jurídico unilateral há um só lado, ainda que haja duas ou mais pessoas, que manifestem idêntica vontade (...) Se há interesses diferentes (...) bilateraliza-se ou plurilateraliza-se. (...) Se o interesse é único, o negócio jurídico é necessariamente unilateral16.
E quando os efeitos pretendidos pela vontade manifestada nos negócios jurídicos
coincidirem com os efeitos previstos em lei? A produção do resultado decorrerá da
vontade ou da lei? Estar-se-á diante de ato jurídico em sentido estrito ou de negócio
jurídico?
Para alguns doutrinadores, se a vontade é incapaz de provocar qualquer variação
quanto aos efeitos possíveis em razão de prefixação normativa única - que impede opção
- estar-se-á diante de ato jurídico em sentido estrito17. Os negócios jurídicos, neste
contexto, distinguir-se-iam justamente pela possibilidade do sujeito optar por uma
categoria jurídica ou efeito - segundo a sua vontade, mesmo que haja um correspondente
legal - em detrimento de outra categoria ou eficácia prevista também no ordenamento
jurídico.
Em obra anterior ao CPC vigente, Alexandre Câmara ressalta que inexistem
negócios jurídicos processuais, dado que os efeitos pretendidos pelo ato de vontade
sempre estão previstos em lei18.
Admite-se, doutrinariamente, também, que, se os efeitos pretendidos pela prática
do ato têm previsão legal - e, portanto, dele decorrerão -, não se estaria diante de um
negócio jurídico, mas sim de ato em sentido estrito19.
14 "A unilateralidade, bilateralidade ou plurilateralidade do negócio jurídico alude a ser uma só a manifestação de vontade, que é o elemento volitivo do negócio jurídico, ou serem duas ou mais". In MIRANDA, Francisco Cavalvanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000, p. 168-169. 15 MIRANDA, Francisco Cavalvanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000, p. 174. 16 MIRANDA, Francisco Cavalvanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000, p. 174-175. 17 Com lastro nas lições de Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Mello, este é o entendimento defendido por Fredie Didier Júnior e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira. DIDIER JÚNIOR, Fredie. NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 55-59. 18 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 19ª edição revista. Volume I. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 231-232. 19 É nesse sentido também o entendimento de Leonardo Carneiro da Cunha: "No ato jurídico em sentido estrito, a vontade não se destina à escolha da categoria jurídica. Manifestada ou declarada a vontade, produz-se o efeito prestabelecido em lei, que se realiza necessariamente, sem que a vontade possa
14
A questão, como se vê, é complexa e de relevância prática inequívoca,
especialmente em razão do regime jurídico relacionado à aplicabilidade e
obrigatoriedade dos negócios jurídicos e da possibilidade de produção de efeitos
segundo a vontade manifestada, ainda mais nos sistemas que dão abertura à autonomia
privada por cláusulas gerais. Em função disso, o tema será retomado mais adiante, após
uma incursão nos atos e negócios processuais.
1.2 Atos processuais e negócios processuais
Na esteira da discussão, cabe questionar o que são, portanto, os atos jurídicos
processuais e negócios jurídicos processuais20. Diversas análises mais recentes
defendem que devem ser classificados como atos processuais aqueles aptos a produzir
efeitos jurídicos processuais, ou seja, são atos processuais aqueles cujos efeitos se
referem a um processo21. O critério que qualifica um ato jurídico processual em sentido
lato, enfim, seria a referibilidade a um processo.
Seriam atos jurídicos processuais em sentido lato, portanto, aqueles realizados
em um processo ou que se refiram a um processo. Poderia, porém, toda e qualquer
manifestação de vontade realizada em ato jurídico ou negócio jurídico que se refira a um
processo ser tratada como ato ou negócio processual?
Considere-se o exemplo de um contrato celebrado entre comprador e vendedor
no qual há convenções tratando de eleição de foro e de ônus da prova para a hipótese
de litígio. Estar-se-ia diante de um negócio jurídico processual, apenas pelo fato da
referibilidade a um eventual processo futuro?
Antes do processo, as manifestações de vontade das partes sobre temas
processuais têm sua eficácia sujeita à ocorrência de um processo, haja vista que,
enquanto este não se materializa, são meras projeções, diretrizes e expectativas aptas
modificá-lo, ampliá-lo, restringi-lo ou evitá-lo". CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. In CABRAL, Antônio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios Processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 32. 20 São utilizadas como sinônimas, no presente trabalho, as expressões negócios, convenções, pactos, acordos e contratos. Apesar de alguns apontarem divergências semânticas entre estas expressões, a compreensão originária do sentido a elas atribuído nos processos de comunicação entre as pessoas costuma ser unívoca. 21 Nesse sentido: CABRAL, Antônio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 47. NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa;; DIDIER JUNIOR, Fredie. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2012 . p. 30-37.
15
a criar, modificar, extinguir ou regular situações e procedimentos em um futuro, eventual
e incerto processo. Não se trata propriamente de um negócio processual, mas de um
negócio jurídico de direito material pré-processual. Por razões didáticas, no entanto,
utiliza-se a denominação de negócio processual para as convenções que tratam de
temas processuais, independentes de um processo em curso ou não.
Diferentemente se dá quando o objeto do negócio processual envolver a
execução de atividade extrajudicial para momento anterior ao processo. Nesse caso, a
eficácia da convenção, como condição para a produção de efeitos, subordina-se à
ocorrência do fato projetado no negócio.
Entretanto, é aconselhável, para dar coerência sistêmica às normas que regulam
os negócios jurídicos em geral e os negócios processuais em particular, que sejam
observadas as duas disciplinas (de direito material e de direito processual) no que se
refere às obrigações assumidas de natureza processual em um negócio de direito
material.
Significa dizer que, naquele exemplo citado, haverá, no mesmo instrumento, um
negócio jurídico de direito material (compra e venda) e um negócio jurídico pré-
processual (eleição de foro ou distribuição do ônus da prova), cada qual com eficácia
diferenciada no tempo e regulada por regimes diferentes. Considerando tal diferença,
Pedro Henrique Pedrosa Nogueira define negócio jurídico como22, o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentre dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais23.
22 NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Sobre os acordos de procedimento no processo civil brasileiro. In CABRAL, Antônio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique. (Coords.) Negócios Processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 84. 23 No mesmo sentido, o conceito de Daniela Santos Bonfim:no artigo: "...tem-se que o negócio jurídico processual é fato jurídico processual cujo suporte fático tem como elemento nuclear exteriorização de vontade do sujeito, mediante exercício de autorregramento da vontade, dentro dos limites preestabelecidos pelo sistema, para escolher entre categorias jurídicas processuais e, no que for possível, escolher o conteúdo e estruturação das relações jurídicas processuais".BONFIM, Daniela Santos. A legitimidade extraordinária de origem negocial. In. CABRAL, Antônio do Passo. NOGUEIRA, Pedro Henrique. (Coords.)Negócios Processuais Salvador: Ed. JusPodivm, 2015, p. 342-343. No mesmo sentido é a doutrina de Fredie Didier Júnior: "Negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais. No negócio jurídico, há escolha do regramento jurídico para uma determinada situação". DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª edição rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 376-377.
16
Para Antônio do Passo Cabral, negócio jurídico processual é o ato que produz ou pode produzir efeitos no processo escolhidos em função da vontade do sujeito que o pratica. São, em geral, declarações de vontade unilaterais ou plurilaterais admitidas pelo ordenamento jurídico como capazes de constituir, modificar e extinguir situações processuais, ou alterar o procedimento.
A complementação do seu conceito, segundo o autor, deve levar em
consideração também a distinção entre negócios processuais e atos processuais em
sentido estrito, decorrente da impossibilidade de controle do conteúdo dos efeitos na
última categoria, e na possibilidade disto ocorrer na primeira - dos negócios
processuais24.
Não se pode confundir, contudo, os atos praticados conjuntamente pelas partes
de natureza meramente declarativa ou postulatória com convenções processuais. Se os
primeiros dependem necessariamente do deferimento do juiz para produzir eficácia, os
negócios processuais o dispensam. Segundo Cabral, são exemplos desses atos
conjuntos de natureza não convencional, mas meramente cooperativa, o requerimento
conjunto, declarando a preferência no julgamento e requerendo prioridade de pauta;; a
sugestão de calendário processual;; o pedido feito por ambas as partes de adiamento de
audiência, dentre outros25.
Leonardo Greco, comungando do mesmo entendimento, define as convenções
processuais como todos os atos bilaterais praticados no curso do processo ou para nele produzirem efeitos, que dispõem sobre questões do processo, subtraindo-as da apreciação judicial ou condicionando o conteúdo de decisões judiciais subsequentes26.
Cada um dos conceitos, dos diferentes autores, está embasado em premissas a
respeito da distinção entre atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos, e o
reconhecimento ou não de negócios unilaterais. Contudo, cabe questionar se a
teorização a respeito dos atos e negócios jurídicos encontra eco no processo. Mais: se
é possível defender uma correspondência entre atos jurídicos em geral e atos jurídicos
processuais.
24 CABRAL, Antônio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 48-49 25 O autor chama estes atos conjuntos de atos estimulantes (postulativos ou indutivos). CABRAL, Antônio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 68-71. 26 GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual - primeiras reflexões. In MEDINA, José Miguel Garcia et al Os Poderes do juiz e o controle das decisões judiciais.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P. 291.
17
Como anotam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a resposta é
afirmativa na medida em que a "teoria dos fatos, atos e negócios processuais sofre
influência direta da teoria geral do direito civil que distingue cada uma dessas categoriais,
cientificamente"27. No mesmo sentido, são os ensinamentos de Antônio do Passo Cabral,
para quem "a sistemática existente na teoria do direito para o estudo dos atos jurídicos
em geral pode ser transposta, em grande medida, para o direito processual, já que os
atos do processo são, inegavelmente, espécies de ato jurídico"28.
Cotejando o ato jurídico em sentido estrito e o negócio jurídico geral com os seus
equivalentes processuais, quais seja, os atos processuais volitivos e os negócios
processuais, chega-se à primeira conclusão de que há alguns apontamentos teóricos
que são comuns a todos eles.
Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior, influenciado pela doutrina de Pontes de
Miranda e de Marcos Bernardes de Mello, vê um campo invariável, aplicável aos atos e
negócios em geral (materiais e processuais), e um campo variável ou dependente do
direito processual29. Esse é, inclusive, o posicionamento adotado pela presente
pesquisa, pois, crê-se, que os atos processuais e os negócios processuais são, em
verdade, espécies do gênero atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos. Por
esta razão, os negócios processuais não possuem uma disciplina que exclua, por si só,
a teorização e os elementos que estruturam os atos jurídicos e suas espécies (atos
jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos). Assim, os elementos teóricos e
normativos que orientam o gênero também se aplicam às suas espécies. Todavia, ante
o critério da especialidade, os negócios e atos processuais estão sujeitos também à
disciplina específica do direito processual civil.
No que diz respeito ao campo invariável os negócios jurídicos em geral, incluindo
os processuais, possuem os mesmos elementos nucleares no plano de existência
(vontade livre e consciente objetivando a escolha de categoria ou a produção de efeitos
para regular determinada relação ou situação jurídica). Quanto ao plano de validade, os
negócios jurídicos, inclusive os processuais, também devem observar os requisitos de
validade previstos no Código Civil (capacidade, objeto lícito, forma prescrita ou não
27 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 712. 28 CABRAL, Antônio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 44. 29 ATAÍDE JUNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Uma contribuição ao estudo da existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos processuais. In MACÊDO, Lucas Buril de. PEIXOTO, Ravi .FREIRE, Alexandre. (Orgs.) Novo CPC - doutrina selecionada: parte geral.. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 1073.
18
proibida em lei e ausência de vícios de vontade). No tocante aos efeitos, tanto o negócio
jurídico em geral, quanto os processuais, também devem observar as regras sobre
eficácia previstas no direito material, mas compatibilizando-as com o direito processual
de acordo com a existência ou não de um processo em curso.
A disciplina dependente do direito processual civil, a seu turno, que sujeita apenas
os negócios processuais, engloba os limites normativos para a autonomia da vontade
em matéria processual ou procedimental, bem como: o respeito às normas jurídicas
cogentes, os requisitos de validade específicos (capacidade processual, a forma prevista
pela lei processual e as causas especiais que autorizam o juiz a recusar a aplicação do
negócio), a existência ou referibilidade a um processo (e no caso de negócios atípicos
em causas que admitam autocomposição);; e, no plano da eficácia, as regras que dizem
respeito à aplicabilidade dos negócios processuais ou necessidade de integração ou
homologação judicial para a produção de efeitos.
Em resumo, a construção teórica, e também as várias regras do direito privado,
atinentes aos negócios jurídicos, são aplicáveis aos negócios processuais. No entanto,
esta correspondência deve respeitar as peculiaridades do direito processual. A presença
do Estado-juiz na relação, bem como o caráter cogente ou de ordem pública de várias
normas processuais, recomenda atenção na compreensão e aplicação dos institutos,
categorias e conceitos construídos no direito privado quando transposto para o direito
processual, do que se tratará mais adiante ao longo desta obra.
1.3 A vontade humana e os negócios jurídicos processuais: revisitando a teoria do fato
jurídico
Tome-se um exemplo, correlato à hipótese de investigação na presente tese, para
análise segundo alguns elementos apresentados nos tópicos anteriores.
O autor, parte integrante de um processo em curso, protocola uma petição, após
o saneamento e antes da instrução, contendo declarações escritas de suas testemunhas,
todas registradas em ata notarial. Argumentando que os esclarecimentos a respeito dos
fatos controvertidos se encontram nestes depoimentos escritos, e considerando que não
há outras provas a produzir pelas partes além daquelas testemunhas, requer o autor o
cancelamento da audiência e admissão daquela ata notarial, contendo o depoimento
testemunhal escrito das testemunhas, como prova no processo.
19
O magistrado, respeitando o contraditório e se pautando em um modelo
cooperativo de processo, intima o réu para se manifestar sobre o requerimento do autor.
O réu, examinando aqueles documentos e cotejando as declarações lá constantes com
o contexto das alegações e do processo pode, sem prejuízo de outras, optar por uma de
três condutas: (i) manifestar sua contrariedade ao requerimento do autor;; (ii) concordar
com autor, ratificando o pedido de cancelamento da audiência e admitindo a produção e
admissão nos autos daquela prova produzida e apresentada pelo seu adversário;; (iii)
não se manifestar, deixando transcorrer o prazo para tanto.
As razões que levam o réu a tomar a decisão (i) aceitando, (ii) recusando a
proposta do autor ou (iii) deixando transcorrer o prazo sem apresentar manifestação, são
variáveis. A recusa do réu pode fundamentar-se na ausência de produção daquela prova
em contraditório, no entendimento de que as declarações lá versadas não procedem
quanto ao conteúdo, que não se pode aferir a credibilidade das testemunhas ou que elas
não foram compromissadas, etc.. A concordância, na hipótese do réu aceitar a pretensão
processual do autor, também pode se dar por diferentes motivos, como, por exemplo, as
declarações, lá apresentadas, serem insuficientes para comprovar as afirmações de fato
do réu, a existência de outras provas no processo mais robustas que contradizem os
testemunhos, ou o réu casuisticamente preferir suportar um julgamento com aquelas
declarações do que suportar nova audiência onde os fatos poderiam ser melhor
esclarecidos, etc.. A ausência de manifestação poderia decorrer, no exemplo hipotético,
de simples perda de prazo ou de vontade consciente em nada dizer a respeito. Nesse
suposto "jogo", a estratégia processual a guiar a conduta da parte pode levar em
consideração os mais diversos fatores.
Imaginemos, no entanto, que ambas as partes, em (iv) petição conjunta,
apresentam, no processo, ata notarial contendo declarações das suas testemunhas,
lançadas em atividade probatória extrajudicial ou desjudicializada no qual se observou o
contraditório e a participação de ambos os advogados das partes naquele
"procedimento". Naquele ato processual, as partes informam que chegaram a um acordo
quanto a admissão como prova daquela colheita da prova diretamente realizada por elas,
razão pela qual requerem, na hipótese do magistrado entender que os esclarecimentos
lá apresentados são suficientes para formar sua convicção a respeito das versões de
fato constantes dos autos, o cancelamento da audiência de instrução.
Estaríamos, portanto, diante de uma quarta situação neste hipotético e teórico
processo. O primeiro questionamento, no campo teórico - mas com repercussão prática
20
- no momento do juiz tomar a decisão a respeito do requerimento efetuado, é de entender
que tipo de ato jurídico processual se trata cada uma daquelas petições apresentadas.
Questiona-se, ainda, se o ato processual praticado pelo autor é um ato jurídico
em sentido estrito, incapaz de produzir efeitos decorrentes da vontade unilateral
manifestada, ou se trata de um negócio jurídico unilateral. Ademais, a omissão do réu
pode ser interpretada como consentimento válido de modo a aperfeiçoar negócio bilateral
capaz de produzir efeitos por si só? E o ato processual conjunto das partes é um negócio
bilateral? Qual a disciplina jurídica a que se submete aos atos jurídicos ou negócios
jurídicos processuais? Sendo válido o ato ou o negócio jurídico processual, pode a
vontade registrada em cada um deles produzir eficácia independente de deferimento ou
homologação judicial? Cogitar-se-ia um pacta sunt servanda processual naquela última
hipótese? E nas primeiras?
Estes questionamentos, aparentemente tão teóricos, são de indiscutível
importância prática. E relacionados com a hipótese sobre a qual trabalhamos nesta
pesquisa, qual seja, a possibilidade de produção da prova oral diretamente pelas partes
por meio de negócio processual, aconselha que se tome como ponto de partida
justamente a análise da vontade, a partir da teoria do fato jurídico, o que instiga revisitar
a temática desenvolvida nos tópicos anteriores.
O critério de distinção (efeitos ex lege x efeitos ex voluntae)30 que permite extrair
do gênero atos jurídicos em sentido lato e classificar suas duas espécies (ato jurídico
processual em sentido estrito e negócios jurídicos processuais - unilaterais e bilaterais)
nem sempre é tão claro ou preciso quando aplicado na prática.
Indaga- se o ato processual do autor, e a hipótese na qual o (i) réu rejeita ou não
adere à vontade manifestada pelo adverso é um ato jurídico processual em sentido
estrito em razão de existir apenas a vontade de uma das partes e incapaz de, por si só,
produzir o efeito pretendido ou se trata de um negócio processual unilateral cuja vontade
é capaz de produzir efeitos. E no caso do (ii) réu aceitar a proposta formulada pelo autor
expressamente? Ter-se-ia um negócio processual bilateral ou unilateral? Ou, ainda,
quando o (iii) réu não se manifesta, a omissão pode ser entendida como uma aceitação
30 Em artigo precursor no Brasil, Barbosa Moreira também distinguia as convenções ou negócios processuais dos atos jurídicos em sentido estrito em razão da eficácia do ato. Para ele, as convenções processuais são constituídas por duas declarações de vontade que se fundem em um ato único. A eficácia no negócio jurídico decorre da vontade. Nos atos jurídicos, a eficácia ou efeito desejado decorrerá da lei. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Convenções das partes sobre matéria processual. In Temas de Direito Processual. Terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 89-90.
21
da proposta para formar um negócio processual bilateral? Por fim, questiona-se se,
quando as (iv) partes negociam conjuntamente a apresentação por escrito ou por
gravação audiovisual dos depoimentos das suas testemunhas, estar-se-ia diante de
negócio processual capaz de produzir efeitos imediatamente no processo de acordo com
a manifestação de vontade apresentada?
Nesse cenário, parece fundamental revisitar os conceitos teóricos da teoria dos
fatos jurídicos, colocando-os à prova a partir de casos. Para tanto, examinaremos
individualmente cada uma daquelas variáveis na hipótese apresentada.
A primeira situação sub examine é a (i) rejeição, pelo réu, do pleito processual do
autor. Como visto anteriormente, a doutrina classifica o ato do autor, de apresentar a
prova oral unilateralmente produzida por ele e documentada em ata notarial, em ato
jurídico processual em sentido estrito ou negócio processual de acordo com a
possibilidade de optar por uma categoria jurídica ou eficácia. Nesta premissa, o que
distingue os negócios processuais (unilaterais e bilaterais) dos atos jurídicos em sentido
estrito é a manifestação de vontade em optar por uma eficácia ou categoria jurídica
quando existente mais de uma opção prevista no ordenamento. Admitida a existência de
negócios unilaterais, a vontade manifestada produz efeitos por existir cláusula geral
autorizativa. Assim, o efeito decorreria da vontade, mesmo que previsto em lei, porque
se optou por uma categoria ou eficácia em detrimento de outras existentes e que
potencialmente eram possíveis31.
A insuficiência do critério, a nosso ver, reside atualmente na abertura do sistema
para que as partes possam modificar o procedimento e os seus ônus, poderes,
faculdades e deveres de acordo com a vontade. Com a inserção, no ordenamento, de
uma cláusula geral de negóc