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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG
Instituto de Ciências da Natureza
Curso de Geografia – Bacharelado
CAETANO LUCAS BORGES FRANCO
TERRITÓRIOS E IDENTIDADES: DINÂMICAS
SOCIOESPACIAIS DOS ÍNDIOS XUCURU-KARIRI
RESIDENTES EM CALDAS - MG
Alfenas - MG
2013
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CAETANO LUCAS BORGES FRANCO
TERRITÓRIOS E IDENTIDADES: DINÂMICAS
SOCIOESPACIAIS DOS ÍNDIOS XUCURU-KARIRI
RESIDENTES EM CALDAS - MG
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentada como parte dos requisitos
para obtenção do título de Bacharel
em Geografia pelo Instituto de
Ciências da Natureza da
Universidade Federal de Alfenas-
MG, sob orientação do Prof. Dr.
Evânio dos Santos Branquinho.
Alfenas – MG
2013
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CAETANO LUCAS BORGES FRANCO
TERRITÓRIOS E IDENTIDADES: DINÂMICAS
SOCIOESPACIAIS DOS ÍNDIOS XUCURU-KARIRI
RESIDENTES EM CALDAS - MG
A banca examinadora abaixo
assinada aprova o Trabalho de
Conclusão de Curso apresentado
como parte dos requisitos para
aprovação na disciplina de Trabalho
de conclusão de curso II e obtenção
do título de bacharel em Geografia
pela Universidade Federal de
Alfenas/MG, sob orientação do Prof.
Dr. Evânio dos Santos Branquinho.
Aprovado em:
Professor:
Instituição: Assinatura: _________________________
Professor:
Instituição: Assinatura: _________________________
Professor:
Instituição: Assinatura: _________________________
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Aos povos indígenas que resistem e reexistem frente ao
cotidiano de vida ditado por políticas governamentais
baseadas em pura tecnicidade e objetividade, políticas
essas que alimentam os fortes interesses econômicos
existentes desde o primeiro contato com o mundo do
índio, promovendo a inexistência de justiça e respeito por
essas populações humanas.
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Agradecimentos
Primeiramente, agradeço às boas energias que me trouxeram até aqui. Às
pessoas e às relações que ao longo de minha história contribuíram para meu
desenvolvimento como ser humano. Desta forma, à Geografia e aos geógrafos que ao
longo da graduação muita importância tiveram nesse desenvolvimento.
Agradeço à minha família – de maneira geral – pela força, consideração e
companhia ao longo da vida e da execução deste trabalho. Em especial aos meus pais,
não só pela incondicionalidade existente em nossas relações, mas também pelo motivo
de estarem ao meu lado nos primeiros contatos com os índios Xucuru-Kariri.
Aos amigos como um todo e como parte de mim. Aos de Caldas, um
agradecimento especial à Valéria, que foi quem me apresentou ao grupo e esteve
comigo nesse primeiro contanto e, também à Gabi pela correção e colaboração de ideias
em alguns textos. Aos de Alfenas, por toda companhia e felicidade contidas nesse
tempo de vivência. Nossos espaços vividos, juntos e compartilhados, estão em um lugar
especial na memória...
Aos professores do curso de Geografia da Universidade Federal de Alfenas
pela inserção e amadurecimento de vários ideais como profissional. Em espacial aos
professores Evânio, orientador desta pesquisa, pelas inúmeras discussões e
amadurecimento teórico a cerca(acerca) das dinâmicas espaciais, meu obrigado por esse
tempo de aprendizado rico e consistente, e também ao Flamarion pelas diversas
conversas, disposição e apontamentos nunca negados na construção deste trabalho.
E por fim, aos índios Xucuru-Kariri, que de maneira hospitaleira e com brilho
no olhar proporcionaram bons momentos rodeados de histórias e lembranças, momentos
esses de grande importância para nosso trabalho e muito mais para vida...
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“A vida é um constante movimento de desterritorialização e
reterritorialização, ou seja, estamos sempre passando de um território para
outro, abandonando territórios, fundando outros.”
Rogério Haesbaert
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Resumo
O grupo Xucuru-Kariri é um povo indígena originário do nordeste brasileiro, que tem
seu território nativo na região de Palmeira dos Índios, no estado de Alagoas. Em
meados da década de 1980, por motivos conflituosos, esse grupo deixa o estado para
começar a vida em Paulo Afonso, no estado da Bahia, lugar que moravam por cerca de
dezoito anos, onde tinham suas terras margeadas pelo Rio São Francisco, local de
grande importância para o grupo. O motivo que fez o grupo deixar a Bahia foi um longo
conflito por questões limítrofes de suas terras. Novamente remanejados, o grupo é
alocado em São Gotardo, estado de Minas Gerais, região sudeste brasileira, onde morou
por três anos dentro do centro urbano municipal, à espera de novas terras. A terra
escolhida foi no sul do estado de Minas Gerais, no município de Caldas, onde reside
desde maio de 2001. O presente trabalho aborda as questões socioespaciais e culturais
do grupo, buscando analisar as dinâmicas e construções territoriais e identitárias frente
aos seus remanejamentos pelo território brasileiro até a atual reserva, levando em
consideração aspectos materiais e simbólicos.
Palavras-chave: Territórios; Identidades; Transformações Culturais; Povos Indígenas.
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Resumem
El grupo Xucuru-Kariri es un pueblo indígena originario del nordeste brasileño, que
tiene su territorio nativo en la región de Palmeira dos Indios, en el estado de Alagoas.
En la década de 1980, por razones conflictivas, este grupo abandona el estado para
comenzar la vida en Paulo Afonso, en el estado de Bahía, lugar que vivieron
aproximadamente dieciocho años, donde tenían sus tierras en el margen del río São
Francisco, local de gran importancia para el grupo. La razón por la cual el grupo ha
dejado el estado de Bahía fue un largo conflicto por cuestiones limítrofes en sus tierras.
Nuevamente trasladados, el grupo se ubicó en San Gotardo, estado de Minas Gerais,
sudeste de Brasil, donde vivió durante tres años en el centro urbano municipal, a la
espera de nuevas tierras. La tierra elegida fue la ciudad de Caldas, en el sur de Minas
Gerais, donde el grupo reside desde mayo de 2001. En este presente trabajo se abordan
las cuestiones socio-espaciales y culturales del grupo, tratando de analizar las dinámicas
y construcciones territoriales y de identidad frente a sus reorganizaciones por el
territorio brasileño hasta la actual reserva, teniendo en cuenta aspectos materiales y
simbólicos.
Palabras clave: Territorios; Identidades; Transformaciones Culturales; Pueblos
Indígenas.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
1 OBJETIVOS ..................................................................................................... 14
1.1 Objetivo geral ...................................................................................................... 14
1.2 Objetivos específicos ........................................................................................... 14
2 METODOLOGIA .................................................................................................. 15
4 HISTÓRIAS E CAMINHOS: origem, remanejamentos e o atual lugar de
moradia ........................................................................................................................ 17
4.1 A etnia Xucuru-Kariri ............................................................................................ 17
4.2 Espaços-tempo: o início dos remanejamentos e as diferentes dinâmicas
socioespaciais do grupo .................................................................................................. 18
4.3 Caldas, o novo morar ............................................................................................. 28
4.4 Passados, presente .................................................................................................. 32
5 OS TERRITÓRIOS: diferentes situações, múltiplas possibilidades .................. 33
5.1 Perspectivas teóricas .............................................................................................. 33
5.2 Dinâmicas e processos territoriais: do território tradicional em Palmeira dos Índios a
nova reserva em Caldas ................................................................................................. 41
5.2.1 A desterritorialização .......................................................................................... 41
5.2.2 As territorialidades .............................................................................................. 44
5.2.3 A multiterritorialidade ........................................................................................ 49
5.3 As transformações dos modos de vida: alguns exemplos ..................................... 50
6 IDENTIDADES: elementos culturais e territoriais ............................................ 52
6.1 Algumas considerações teóricas ........................................................................... 52
6.2 As identidade marcadas pelas diferenças, pelos utensílios e pelos saberes étnicos 55
6.3 As identidades territoriais ..................................................................................... 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 67
ALGUMAS FOTOGRAFIAS ................................................................................... 69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 71
Introdução, considerações finais não têm numeração. Refaça a numeração e mude
no texto
10
1- INTRODUÇÃO
Anteriormente ao descobrimento do Brasil, nessas terras havia números
expressivos de populações indígenas, inseridas em uma cultura nativa (plural?) que os
comportavam nesse espaço de uma maneira singular e diferente dos povos que aqui
chegavam. Nesses espaços não havia fronteiras políticas e inexistia um processo que
estruturasse uma nação. Os povos indígenas nessa época, que eram mais significativos
em números que nos dias atuais, eram envoltos por costumes, tradições, hábitos e
linguagens que os identificavam. Nesses tempos de descobertas, estar em contato e
vivenciando com os europeus que aqui chegaram, as populações indígenas foram,
durante a história, alterando seus processos culturais.
As relações indígenas com a terra e seus manuseios de artefatos fazem deles
povos que nos deixaram com uma bagagem cultural rica e única, estando presente até os
dias atuais. Como se trata de povos que ainda não tinham estabelecido um modo de
comunicação escrito, as maiores evidências sobre o processo da etnia indígena no Brasil
são por estudos arqueológicos e por relatos observados por outras etnias.
Condicionado pelo espaço e pelas relações existentes, o índio cria uma
identidade com o local, um laço, que o torna um território, caracterizando uma
identidade territorial. A abrangência sobre todos esses aspectos culturais e a viveza do
índio com o espaço é muito amplo, portanto surgem-se interesses de trazer toda essa
abrangência a cerca desses valores para um estudo minucioso de um grupo étnico. Toda
essa cultura dos povos indígenas em questão é representada de forma subjetiva a partir
de suas ações, hábitos, costumes, tradições e manuseios de artefatos, solidificando assim
uma identidade.
Portanto, a passagem do espaço ao território tem seu mecanismo determinado
pelas relações humanas, que juntas ao espaço irão construir uma territorialidade, que é a
representação da rotina vivida de diversas maneiras e que influencia as ações a serem
tomadas. Operacionalizando o conceito de territorialidade, temos que é a “tentativa por
um indivíduo ou um grupo de atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e
relacionamentos, através da delimitação e afirmação do controle sobre uma área
geográfica” (SACK, 1986 apud HAESBAERT, 2002, p.119).
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O grupo indígena nordestino Xucuru-Kariri, oriunda de duas etnias, os Xucurus
e os Cariris, começa sua história enraizada em uma terra marcada por diferentes
condicionantes, ou seja, em outros âmbitos diversos como o cultural, o político, o
social, o econômico e o físico. A história desse povo começa no município de Palmeira
dos Índios, estado do Alagoas. Devido a motivos de posse de terra, saíram desse
município com destino a Paulo Afonso no estado da Bahia, por volta de 1982.
Posteriormente, 18 anos morando nesse município, que viviam às margens do Rio São
Francisco, o grupo novamente se encontra em conflitos por questões de posse de terra e
fazendeiros da região, e muda-se para São Gotardo, em Minas Gerais. Na época todo o
grupo viveu em uma residência alocada no centro urbano, onde teve inúmeros contatos
e dinâmicas diferentes do passado. Acreditamos que nesse momento houve um processo
considerável de transformação ao que se refere às dinâmicas socioespaciais. O grupo
viveu em São Gotardo por três anos, e em maio de 2001 foi instalado na nova reserva
conquistada (recebida?), em Caldas, sul do estado de Minas Gerais.
Atualmente no Brasil contamos com uma quantidade irrisória de população
indígena pelo território brasileiro (redundante) perante a quantidade que existia num
passado anterior ao processo de colonização. A etnia indígena brasileira não favorece
apenas a ideia de um só povo, mas sim uma pluralidade social diferente entre si e de
seus colonizadores. Diante dessa diversidade de povos, conclui-se ao pensar, junto aos
povos indígenas, a existência também de uma diversidade cultural, com inúmeros
processos culturais (hábitos, tradição, costumes, crenças, linguagem, etc.) recorrentes a
determinados grupos sociais.
O que temos então, por todo o território brasileiro, são povos indígenas com
várias identidades e diferenças, que junto a isso conseguem manter suas culturas, que
por forças políticas e de interesses durante a história, tenderam sempre a uma visão de
segundo plano ou menos importante. Desta forma, Martins (1994, p.9) discorre sobre o
assunto, dizendo que:
[...] é necessário, portanto, esclarecer que manifestações do fenômeno
da etnicidade vêm sendo registrados nos mais variados contextos
histórico-culturais; sobre a etnicidade indígena no Brasil, trata-se de
fenômeno vinculado a influentes políticas indigenistas durante a
história. O termo índio hoje, por exemplo, refere-se a uma definição
dentro de um código jurídico-cultural, estabelecida pela política
indigenista contemporânea, trata-se de uma construção histórico-
cultural. Tendo percorrido toda a história sob atuação de políticas
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indigenistas voltadas para integração, esses povos nativos estiveram
sempre inseridos em contextos de inter-relações e interdependências
com o Estado, a Igreja e frentes de expansão.
Diante desse processo histórico-cultural que a etnia indígena passou,
concluímos que o contato permanente com a nossa sociedade introduziu inúmeros
hábitos e costumes de nossas culturas, adotando, por exemplo, a língua portuguesa e
usos não habituais de suas culturas.
É necessário ressaltar a importância dos índios na construção da nossa história
e para nossa cultura com seus hábitos, costumes, vocabulário, entre outros. Entretanto, o
preconceito da nossa sociedade diante à diferença étnica, faz com que esqueçamos que a
herança cultural deixada pelos índios está presente no nosso dia a dia. Desta forma, nos
vemos frente a uma real necessidade de conhecer, valorizar e induzir a um respeito
digno em relação à etnia indígena, da qual muitas heranças culturais foram deixadas.
Portanto, frente a esse histórico cultural em que o grupo Xucuru-Kariri
percorreu e as formas em que foram submetidos junto a um processo civilizatório da
colonização, é justificável um estudo profundo de determinados grupos sociais, visto
que não estão apenas em jogo as políticas em que os índios estão presentes, mas sim um
processo cultural de identidade, que deixado de lado ou tratado de maneira menos
importante coloca em risco sua própria existência. Os remanejamentos do grupo pelo
território brasileiro configuram-se em um processo de desterritorialização e
reterritorialização, e assim, inúmeras materialidades e imaterialidades foram e são lhes
atribuídas ao cotidiano do grupo.
Destarte, o presente trabalho objetivou-se a fazer um estudo abordando cultura
e espaço de um povo indígena analisando as construções territoriais e identitárias do
grupo Xucuru-Kariri frente aos seus remanejamentos pelo seu processo histórico-
cultural. Portanto, se busca junto ao grupo um melhor entendimento de suas raízes, de
seus processos culturais e sua interação com outros grupos étnicos e o espaço.
No capítulo HISTÓRIA E CAMINHOS: origem, remanejamentos e o atual
lugar de moradia foram tratadas as questões de territorialização indígena de maneira
geral, a fim de construir uma base para discussão sobre esses grupos étnicos. Assim,
fizemos uma retomada geo-histórica do grupo desde seu território tradicional no estado
de Alagoas até a atualidade, no estado de Minas Gerais. Compreendemos esse processo
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como um importante transformador de hábitos e técnicas do grupo. Desta maneira,
descrevemos sobre esse processo e sobre o novo morar na reserva de Caldas.
Acreditamos que a partir desse momento construímos uma importante linha de
pensamento sobre a questão territorial e identitária do grupo, em que os espaços vividos
se fazem de grande importância nessa dinâmica.
O capítulo posterior – OS TERRITÓRIOS: diferentes situações, múltiplas
possibilidades – analisa a questão dos territórios do grupo a fim de compreender o
complexo processo que caracteriza frente a esses remanejamentos. Analisamos o
processo como sendo construtivo e reconstrutivo constantemente, e de que por mais que
os índios deixam de usar um território do passado materialmente, esse se faz presente na
memória dos indivíduos, caracterizando um território simbólico. Assim, esse capítulo
corrobora para o entendimento do processo territorial inserido na história do grupo e na
transformação de seus modos de vida: da desterritorialização às multiterritorialidades.
E por fim, o capítulo IDENTIDADES: elementos culturais e territoriais trata a
questão da identidade cultural e territorial do grupo, mostrando que essas identidades
são dinâmicas e podem ser reconstruídas constantemente. As identidades dos índios
Xucuru-Kariri são totalmente atreladas aos espaços vividos pelo grupo, se configurando
de maneira múltipla como as territorialidades.
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2- OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
O presente trabalho tem como objetivo geral realizar uma análise dos aspectos
que correlacionam cultura e espaço do povo Xucuru-Kariri, diante de uma retomada
geo-histórica da trajetória desse grupo desde sua saída de Palmeira dos Índios, em
Alagoas, passando pelo município de Paulo Afonso no estado da Bahia, seguido por São
Gotardo já em Minas Gerais e agora no município de Caldas, onde moram desde 2001, ao
sul do estado.
No entanto, para chegar a tal objetivo, algumas metas foram traçadas, e
acabaram por se constituir em objetivos específicos, que serão apresentados no próximo
tópico.
2.2 Objetivos específicos
Analisar a construção territorial e as territorialidades do grupo: do processo
de desterritorialização às multiterritorialidades.
Analisar as identidades culturais e territoriais do grupo: o que os identifica e
o que os diferenciam; a própria identidade como índio.
Abordar a percepção dos índios em relação à sociedade atual, levando em
consideração o espaço modernizado, o antes e o agora; Como eles
reproduzem sua espacialidade num novo e estranho espaço.
Abordar as transformações dos modos de vida do grupo.
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3- METODOLOGIA
O presente estudo trata-se de uma pesquisa aplicada, tendo como objetivo gerar
conhecimento para uma aplicação prática que busca elucidar a questão da cultura e o
espaço indígena, levando em consideração as identidades culturais e as construções
territoriais. Assim, o conhecimento adquirido sobre o tema tratado derivou-se de
observações de uma realidade indígena concreta, procurando entender o espaço
geográfico vivido e construído pelo grupo Xucuru-Kariri.
No desenvolvimento do estudo as construções conceituais e teóricas
aconteceram durante toda a execução da pesquisa, havendo trabalho de campo
alternadamente, buscando uma prática que renovasse as teorias pré-estabelecidas. De
início houve um levantamento bibliográfico (livros, teses e artigos) para posteriormente
haver trabalhos de campo, que aconteceram momentos escolhidos e diferentes durante a
pesquisa.
Com o levantamento bibliográfico conseguimos informações para serem
levantadas e analisadas em alguns pontos de interesse para a pesquisa, como a cultura, o
espaço, o tempo, os territórios e as territorialidades. Assim, conseguimos traçar
características gerais sobre a questão do grupo indígena.
Portanto, precisávamos de direcionamento mais claro e mais elucidativo do que
então propomos a estudar, e desta forma, optamos por entrevistas qualitativas que
pudessem nos alicerçar no entendimento das práticas territoriais e identitárias dos índios
Xucuru-Kariri. Assim, nos fundamentamos nas histórias de vida relatadas pelos
entrevistados, constituindo-se em uma prática sem documentações e dados estatísticos.
Sem dúvidas, esse caminho foi o mais promissor e enriquecedor para o que nos
propomos a fazer, uma vez que esses elementos foram buscados na academia
antropológica, no método da observação participante, que permite uma melhor
elucidação e visualização do imaginário social do grupo, em que as subjetividades por
eles (os índios) expressadas proporcionaram um entendimento das identidades e das
construções territoriais.
Realizamos os trabalhos de campo na reserva atual dos índios Xucuru-Kariri
no município de Caldas, Minas Gerais. Eles aconteceram como dito anteriormente, em
datas espaçadas e por nós escolhidas. Entretanto, fomos convidados para participar da
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comemoração deles no Dia do Índio, acontecida em 19 de abril de 2012. Essa data, não
menos importante que as outras em que as saídas de campo aconteceram, foi de grande
valia para perceber o convívio e as apropriações praticadas pelo grupo, desde a dança
tradicional (toré), como outras brincadeiras e histórias contadas pelos mais velhos, e
também pela visitação de alunos de escolas do ensino básico e fundamental da região,
por visitantes e por outros pesquisadores. A data tem uma significação para eles: é dia
de festa! “É dia de dançar o toré!” diziam eles. Assim, foi possível ter outro tipo de
participação nas práticas grupais, diferente do dia-a-dia na reserva, e observar esses
comportamentos. Nesse dia, nenhuma entrevista foi realizada, optamos por estar ali com
eles e observar os elementos culturais do grupo em movimento.
As entrevistas foram realizadas de forma aleatória entre os índios. Procuramos
não estabelecer nenhum tipo de hierarquização, entretanto, buscamos sujeitos que de
algum modo participaram mais efetivamente das transformações culturais do grupo.
Assim, conversamos com os mais velhos para que fosse possível colher relatos desde a
saída do grupo de Alagoas em meados dos anos 1980, até nos dias atuais. Mas também
houve entrevistas com índios mais novos. Acreditamos que desta forma conseguiríamos
um escopo maior da subjetividade produzida nos remanejamentos do grupo.
Optamos pelas entrevistas semi-estruturadas, em que não existia um roteiro
estabelecido, mas primário com alguns pontos chaves para o que estávamos procurando.
Procuramos um modo em que não houvesse comprometimentos para nosso trabalho, e
que houvesse uma dinâmica entre nós e os sujeitos estudados. E foi assim que
aconteceram nossas conversas.
Destarte, as entrevistas nos proporcionam não só a identificação das
identidades culturais e territoriais do grupo, mas também alguns fatos e momentos
marcantes na história do grupo, como os remanejamentos e as dificuldades ou
facilidades de adaptação em outros espaços vividos, e também, a percepção deles em
relação à dinâmica nesses ambientes.
Teorias se renovaram com a nossa prática. As entrevistas de um modo geral
nos ajudaram muito. Os entrevistados se mostraram atenciosos e receptivos na maioria
deles, alguns mais acanhados, outros mais desinibidos. Alguns mais saudosos dos
tempos e espaços que percorreram e que hoje só existem na memória, e outros
esperançosos pelas causas indígenas. E nesse momento percebemos que nossa pesquisa
ali com eles, já não era só nossa, mas que também foi apropriada por eles como mais
uma documentação de suas histórias e vida.
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4- HISTÓRIA E CAMINHOS: origem, remanejamentos e o atual lugar de
moradia
4.1 A etnia Xucuru-Kariri
Os Xucurus e os Kariris foram os dois grupos étnicos do nordeste que deram
origem a nova etnia Xucuru-Kariri, aproximadamente em 1820. Esses povos se unem,
representando assim uma força maior frente ao modo expansivo e dominador do branco.
Essa formação existente é fruto de migrações entre algumas etnias nessa época. A
mobilidade desses povos pelos lugares representa uma configuração de suas identidades
e territórios, sendo que essa mobilidade (em diferentes situações e lugares) foi presente
na vida do grupo tempos mais tarde. Desta forma, a dinâmica socioespacial se associa
aos etnônimos Xucuru e Kariri, que segundo Martins (1994, p.21):
Um relato do Vigário de Maia Mello, Presbítero secular da Igreja de
São Pedro (Roma) e sócio-correspondente do Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas, tendo sido pároco de Palmeira entre os anos
de 1847 e 1899, dá explicações sobre os etnônimos Xucuru e Kariri,
relacionando-os também a migrações de índios originários de
diferentes localidades: Cita que em 1740 desceram índios da Aldeia de
Simbres do alto Sertão de Pernambuco (local do município de
Pesqueira, onde ainda hoje vivem os Xucuru) e vieram outros d'Aldeia
do Colégio do Rio São Francisco desta Província (hoje, Porto Real do
Colégio, onde localizam-se os Kariri-Xocó), aqueles da Tribo
Chucuru e estes da Tribu Cariry. Esse autor ainda identifica diferentes
localidades em Palmeira dos Índios, nas quais os Chucuru se
aldeiaram à margem do pequeno ribeiro, Cafurna, entre terras da
fazenda Olhos d'água do Accioly e Serra da Palmeira, fizeram o nome
o seu aldeamento e os Cariris, também deram o nome do logar onde se
aldearam, Serra do Cariry, onde fizeram uma pequena Igreja, de palha
de palmeira (apud ANTUNES, 1973, p.45). Essa percepção de que os
índios que atualmente localizam-se em Palmeira dos Índios migraram
de outros lugares, é, portanto, encontrada em várias fontes.
São inexistentes estudos profundos sobre cada etnia antes de sua junção, pois
sendo esses realizados somente décadas mais tarde dessa união, os povos Xucurus e os
Kariris já se encontravam com elementos culturais transformados concomitantemente
com suas ‘andanças’ e relações sociais pelos lugares, como nos mostra Oliveira Júnior
(1997, p.2):
Não há dados que possam esclarecer sobre as transformações
ocorridas na organização social de Xukurus e Kariris após submetidos
a este sistema, ainda no século XVIII. Porém, as inúmeras referências
disponíveis sobre esta questão ao longo do século XIX mostram que
durante todo esse período o plantio de produtos passíveis de
18
comercialização, em especial o algodão, e a venda de mão-de-obra
tornaram-se indispensáveis à sobrevivência dos índios, incorporando-
se à sua economia e modo de vida. Revelam ainda a dispersão dos
mesmos pela região, à procura de trabalho remunerado capaz de lhes
fornecer os meios econômicos suficientes para o provimento das
necessidades impostas pela sociedade colonial.
O grupo que antes tinha uma organização social regida por sua cultura e suas
próprias normas, e também com certo nível de hierarquização política em relação ao
representante tribal e o restante indígena do grupo, é inserido em uma junção de novas
formas de organização social pela sociedade capitalista, já que os índios desde então,
tinham suas relações diretamente com o campo, como observa Oliveira Júnior (1997,
p.3):
[...] os Xukuru-Kariri não são apenas um grupo social organizado
segundo os moldes camponeses, mas também um grupo indígena que,
como lembra Amorim (1975, p.15), dispõe de reservas territoriais e
uma certa proteção do Estado que ao menos em tese lhe garante o uso
não contestado de alguma terra.
Desta forma, estão se vinculando também atividades que através de serviços
básicos prestados se caracterizam em formas assistencialistas, em que:
[...] fica evidente a tensão entre ambas formas de organização, na
medida em que a centralização promovida por esta estrutura
institucional e pelo conjunto de serviços básicos fornecidos e/ou
gestados, direta ou indiretamente, pelo órgão indigenista reduz, em
maior ou menor medida a depender do caso, a autonomia dos grupos
familiares que conformam o povo indígena e colocam em cheque a
própria ética que norteia suas relações sociais (OLIVEIRA JÚNIOR,
op. cit., p.3)
Durante décadas que se seguiram, esse povo esteve cada vez mais se inserindo
em espaços diferentes que os seus produzidos e vividos de maneiras diversas, em uma
passagem de tempos lentos, para tempos cada vez mais rápidos e fluídos. Os espaços
vividos pelos Xucuru-Kariri a partir de então começam a ser cada vez mais
institucionalizados.
4.2 Espaços-tempo: o início dos remanejamentos e as diferentes dinâmicas
socioespaciais do grupo
O século XX para os índios nordestinos representou o início dos movimentos
de territorialização de suas terras. Por volta de 1940, os Xucuru-Kariri reiniciam
processos de lutas por posses de terra, e sobre esse processo Woortman (1983 apud
19
PARISI, 2004, p.36) discorre sobre a organização do grupo durante esse momento,
vendo que essa:
[...] baseava-se na autonomia da unidade familiar como pilar de uma
ética camponesa, que, ao ressaltar o trabalho como elemento de
legitimação do acesso a terra, as relações familiares como
constituintes do ‘capital humano’ que possibilita o exercício deste
trabalho e a liberdade decorrente dessa mesma autonomia constrói
uma mundo de relações marcadamente horizontais entre as unidades
familiares que o compõem.
Na década seguinte, esse povo tem seu posto indígena instalado junto à
Fazenda Canto, com o propósito de atender à população indígena que ali tinha suas
terras conquistadas. Desta forma, esse povo se estabelece na zona rural de Palmeira dos
Índios, no estado de Alagoas. Ainda sobre esse momento do grupo e sua relação com a
terra, Oliveira Júnior (1997, p.3) relata que:
Durante o período de meio século que abrange o último e o primeiro
lustros dos séculos XIX e XX a história oral dos Xukuru-Kariri relata
seu paulatino deslocamento das férteis terras planas que constituíam
originalmente cerca de metade de seu patrimônio, (e que contavam
com recursos hídricos escassos na região) em direção à franja de
serras que bordeja a cidade de Palmeira dos Índios, centro original de
sua sesmaria. Empurrados cada vez mais para cima, à medida que os
derradeiros usurpadores apossavam-se também dos melhores trechos
destas últimas terras, os Xukuru-Kariri passaram a dividir este seu
resquício de espaço vital com camponeses pobres oriundos de outras
regiões.
A região de suas terras apresentava algumas semelhanças físicas com a área
que residem atualmente no sul do estado de Minas Gerais, caracterizada por áreas de
montanhas e matas, às quais possuem importância de grande relevo para as atividades
tradicionais do grupo, como o Ouricuri, ritual sagrado que acontece em seu interior.
Nas décadas de 1970 e 1980, habitavam na Fazenda Canto cerca de 80 e 100 famílias,
respectivamente.
Palmeira dos Índios (MAPA 1) é a segunda maior cidade do estado e conta
atualmente com população de 70.368 habitantes (IBGE, 2010). A partir de sua
instalação, o grupo enfrentou diversos conflitos por disputas e proteção de terras, já que
ocupava terras menos desejáveis (HOHENTAL apud PARISI, 2004). Segundo Sr. José
Sátiro, chefe do grupo indígena, as terras da Fazenda Canto delimitavam cerca de 370
hectares. Demarcadas por volta de 1952, nessas terras começam a funcionar o Posto
Indígena, que para FUNAI (Fundação Nacional do Índio) representaria como uma
maneira de administrar e minimizar os conflitos inter-étnicos da região.
20
Mapa 1 - Localização do município de Palmeira dos Índios/Alagoas.
Fonte: WIKIPÉDIA (2013).
O primeiro momento de fragmentação dessa etnia formada acontece por
conflitos entre famílias dentro da própria Fazenda Canto, além da escassez de trabalho
para a população Xucuru-Kariri, que resultou no êxodo do grupo. Esses fatos fizeram
com que em 1982, o atual cacique Uarkanã de Aruanã ou José Sátiro do Nascimento, na
língua dos não índios, se reunisse com alguns pais de famílias iniciando suas
reivindicações por novas terras em um outro lugar. Desta forma, o cacique teve a partir
de então, a missão de liderar o grupo indígena que evade de sua terra nativa,
representando assim uma figura de importâncias cultural e política para os que
começam ou tentam reconstruir e reproduzir seus territórios em novas terras.
A partir de meados da década de 80 o grupo liderado por José Sátiro encontra-
se instalado no estado da Bahia, em terras que lhe foi oferecida pela FUNAI. No que
tange a este período não há muitos detalhes estudados sobre o grupo, mas sabe-se que
foi instalado primeiramente em um município conhecido como Ibotirama, localizado às
margens do Rio São Francisco, a cerca de 650 quilômetros de Salvador, capital do
estado. Porém, por insatisfação do grupo, juntamente com conflitos por disputas de terra
entre índios e fazendeiros, novamente o representante Uarkanã de Aruanã deslocou-se
para a capital do país, reivindicando um novo pedaço de terra para seu povo.
Posteriormente ao atendimento de sua demanda, o grupo é instalado no
município de Paulo Afonso (MAPA 2), ainda no estado da Bahia. Apesar das
dificuldades, porém adaptados, lá moraram por dezoito anos. Residente em uma região
conhecida como Quixaba, o povo Xucuru-Kariri começa sua vida com novas formas de
relações com o ambiente, em um local conhecido como Fazenda Pedrosa. Nessa nova
moradia ocorrem novas dinâmicas socioespaciais, que proporcionaram aos índios
21
vivências diferenciadas. Essas vivências serão partes constituintes na elaboração
construtiva das territorialidades, pois é através delas que os índios irão dominar e
apropriar os espaços de maneiras diferentes. O começo naquele lugar para muitos
integrantes do grupo foi de grande dificuldade, já que não estavam acostumados com o
calor intenso e as secas tão prolongadas. Nesse momento, o rio passa a ter grande
influência sobre os índios, pois além de um meio de subsistência para o grupo,
representado pela pesca, era fonte de lazer e outras atividades rotineiras da tribo, como
por exemplo, um meio de lavarem suas roupas. Instalados às margens de uma das três
barragens do Rio São Francisco, apesar dos grandes momentos de seca na região, dentro
da Fazenda Pedrosa, sempre corria um ‘fio d’água’ onde os índios podiam pescar e
nadar (PARISI, 2004).
Mapa 2 - Localização do município de Paulo Afonso/Bahia.
Fonte: WIKIPÉDIA (2013).
Com esse primeiro remanejamento do povo Xucuru-Kariri (em termos de
fronteiras geográficas mais nítidas e assim mais distantes de sua terra de origem), novos
espaços de usos e de trocas lhes são inseridos, proporcionando novas relações em sua
vivência. Novamente envolvidos com problemas de lutas por terra com fazendeiros da
região, além dos condicionantes naturais que dificultavam a vida por ali, como os
longos períodos de estiagem, o grupo pede à FUNAI remoção para novas terras, na
procura de um novo abrigo. Após longas negociações, o grupo novamente é remanejado
para uma área distrital do município de São Gotardo (MAPA 3), estado de Minas
22
Gerais, conhecida como Guarda dos Ferreiros, onde residiriam por três anos. Durante
esse período algumas dificuldades foram inseridas no cotidiano do grupo, como nos
mostra Parisi (2004, p.41):
Nesse período segundo relatos do cacique Uarcanã, os índios
passaram por muitas dificuldades e enfrentaram diversos problemas
como a fixação urbana, a inexistência de terras próprias para o cultivo,
as dificuldades relativas ao trabalho que os auxiliasse a garantir a
sobrevivência. Ainda assim, algumas famílias do grupo acabaram
fixando residência neste município, em virtude da atividade agrícola
do plantio e colheita de cenoura.
Desta forma, fica claro como o cotidiano de vida do grupo começa a enfrentar
situações até então não vividas. A dinâmica de vida no espaço urbano condiciona novos
valores, ações e perspectivas a esse grupo. Cerca de cinquenta pessoas constituíam o
grupo nesse momento. De começo foram instalados em uma casa pequena, onde
moravam todos juntos, o que acabou acarretando dificuldades de convivência. Pouco
mais tarde a FUNAI concede a eles uma casa um pouco mais ampla, permanecendo o
grupo ainda junto. Além do pouco espaço disponível para moradia, o cacique José
Sátiro, incessantemente, através de reivindicações e do desejo de uma terra para seu
povo consegue da FUNAI o poder de escolha entre três opções de terras para se
instalarem.
Mapa 3 - Localização do município de São Gotardo/ Minas Gerais.
Fonte: WIKIPÉDIA (2013).
Foram oferecidas terras no estado da Bahia e uma ao sul do estado em que já
estavam residindo, e é a partir daí que Caldas se torna o município escolhido pelo grupo
Xucuru-Kariri, que esperançoso com o novo lugar de morada “alimentavam a esperança
23
de fugirem da seca e, em terras férteis, poderem novamente, viver tempos de fartura e
prosperidade” (PARISI, 2004, p.45). O grupo deixa São Gotardo para usufruir de suas
terras conquistadas ao sul do estado, sendo que ainda existem índios que ficaram em
Guarda dos Ferreiros, morando em casas de alvenaria e trabalhando (PARISI, 2004).
Em maio de 2001 o grupo Xucurú-Karirí começa a se instalar no município de
Caldas (MAPA 4), onde suas terras foram definidas e fixadas. A cidade é uma das mais
antigas do estado de Minas Gerais completando em março de 2013, 200 anos. Um bom
condicionamento natural proporciona a fortificação de algumas culturas na região. O
município é localizado em altitudes adequadas para produção, por exemplo, do vinho.
Outras atividades fazem parte do contexto econômico do município, como a produção
leiteira e turismo. A região em que o município de Caldas está inserido corresponde a
uma tendência para temperaturas mais brandas que altas, devido à altitude relativamente
elevada, sendo predominante o clima tropical de altitude. A média de altitude do
município é de 1.200 metros, sendo o ponto mais alto do município e da região a Serra
da Pedra Branca, com 1.760 metros de altitude (FOTOGRAFIA 1).
Mapa 4 - Localização do município de Caldas/ Minas Gerais.
Fonte: WIKIPÉDIA (2013).
24
Fotografia 1 - Relevo em que se situa a atual reserva. Caetano Lucas Borges Franco, março/2013.
Compreende-se então, no que tange as matas (bioma de Mata Atlântica), que a
nova morada do grupo se assemelha com seu lugar nativo, região da Fazenda Canto em
Alagoas, entretanto com condições climáticas mais extremas. A atual Reserva Xucurú-
Karíri (FOTOGRAFIA 2), que possui cerca de 100 hectares está instalada na área da
Fazenda Agropecuária Boa Vista, distantes oito quilômetros do centro urbano de
Caldas. Localiza-se às margens da Rodovia BR 459, que faz ligação entre as cidades
médias de Poços de Caldas e de Pouso Alegre.
Fotografia 2 - Vista parcial da atual reserva do grupo Xucuru-Kariri em Caldas/MG. Caetano Lucas
Borges Franco, março/2013.
25
A nova reserva dos índios se caracteriza em espaços híbridos, onde o cotidiano
da sociedade capitalista já se disseminou de diversas maneiras. As onze famílias
residentes na tribo moram em casas de alvenaria (em sua maioria) e algumas de pau-a-
pique (técnica escolhida para a construção de novas casas)(FOTOGRAFIA 3). Para
atendimento da população indígena Xucuru-Kariri, foi instalado um posto de saúde
(FOTOGRAFIA 4) dentro da própria reserva, com acompanhamento médico e
odontológico. Tomados por um princípio de revitalização de sua cultura, os índios
lutaram por uma escola, E.E. Indígena Xucuru–Kariri Warcanã, de Aruanã
(FOTOGRAFIA 5) dentro da reserva em Caldas, onde buscaram, através de novas
disciplinas escolares (Cultura e Uso do Território), uma maior aproximação dos índios
com a própria história, através de uma educação diferenciada.
Fotografia 3 - Casa construída com técnica taipa ou pau- a- pique. Caetano Lucas Borges Franco,
março/2013.
26
Fotografia 4 – Posto de Saúde localizado dentro da reserva em Caldas/MG (prédio no canto esquerdo
inferior). Caetano Lucas Borges Franco, março/2013.
Fotografia 5 - À direta na fotografia a E. E. Indígena Xucurú–Karirí Warcanã, de Aruanã.
Caetano Lucas Borges Franco, março/2013.
De início, as dificuldades foram com o frio da região, embora hoje estejam
mais adaptados. Ressalte-se, porém, que ainda existe a dificuldade do manejo com as
terras para a produção alimentícia. Assim, a questão da alimentação (problemática
desde outros remanejamentos), torna necessária uma mudança nos hábitos, já que não
possuem conhecimentos e técnicas para a efetivação da produção no campo de Caldas,
local que, apesar de conter plantação de hortaliças e produção leiteira, não mais é capaz
de atender às demandas costumeiras dos índios, tais como o peixe, a mandioca e
derivações.
Atualmente a população Xucuru-Kariri no município de Caldas é de 105
índios, sendo 25 deles crianças (entre 0 e 10 anos). Em sua maioria moram na reserva,
porém existem índios morando na cidade, ou porque foram inseridos no mercado
urbano local e/ou por terem constituído famílias ali. Ademais, assim como existem
índios que saíram da tribo para residirem na cidade, existem pessoas da cidade que
passaram a morar na reserva, tendo em vista a constituição de família com os índios.
Nesse tópico descrevemos os remanejamentos e tentamos elucidar os espaços
de vivência do grupo Xucuru-Kariri durante eles (QUADRO 1e MAPA 5). São notórias
as particularidades socioespaciais contidas em cada situação que o grupo esteve, seja
pelas características naturais dos municípios ou pelas características simbólicas. É
importante pensar que em cada situação dessas, materialidades e imaterialidades se
27
afirmaram e foram absorvidas no cotidiano do grupo. No próximo tópico iremos
desenvolver melhor essa ideia.
Mapa 5- Percurso do grupo pelo território brasileiro.
Organização: Caetano Lucas Borges Franco.
Quadro 1 - Remanejamentos do grupo Xucuru-Kariri pelo território brasileiro.
Palmeira dos
Índios/
Alagoas
Paulo Afonso/
Bahia
São Gotardo/
Minas Gerais
Caldas/
Minas Gerais
População atual
(IBGE, 2010)
70.368 108.396 31.819 13.633
Ano de chegada Terra nativa 1982 1998 2001
Tempo de
moradia
Desde o início
da etnia
Aproximadamente 18
anos
Aproximadamente 3
anos
12 anos (Maio
de 2013)
Moradia dos
índios: espaço
rural ou
urbano?
Rural Rural Urbano Rural
28
Tipos de
moradia dos
indígenas
Técnicas
tradicionais:
taipa/ pau – a -
pique
Técnicas tradicionais:
taipa/ pau - a - pique
Casa de alvenaria Casas de
alvenaria e
taipa/pau – a –
pique
Características
naturais
Clima tropical
úmido
Agreste
alagoano
Áreas de matas
Clima semiárido
Relevo de planaltos e
depressões
Predomínio da
caatinga
Clima tropical de
altitude
Região de morros
Clima tropical
de altitude
Região de
serras e morros
Mata atlântica
Características
socioeconômicas
Modesto
comércio,
agricultura e
pecuária
Um dos maiores PIB
do estado da BA
Setor industrial forte
Psicultura
Agricultura
Pecuária
Comércio
Indústria
Importante
produção de
uvas no estado
Produção
leiteira
Agricultura
Pecuária
Turismo
Observações Até esse
momento as
migrações
ocorridas foram
regionais, no
processo de
construção da
etnia Xucuru-
Kariri
Nesse período o
grupo viveu às
margens do Rio São
Francisco, forte valor
simbólico
O grupo, nesse
período com 40
pessoas, morou todo
em uma casa no
centro urbano
Novamente a
reserva
destinada ao
grupo volta a
se encontrar no
meio rural,
entretanto,
existem
dinâmicas
socioespaciais
urbanas do
grupo
Organização: Caetano Lucas Borges Franco.
Total dos índios em cada lugar?
4.3 Caldas, o novo morar
A chegada do grupo ao município de Caldas, sul de Minas Gerais se deu em
maio de 2001, época de inverno, de baixas temperaturas na região, que faz com que o
município seja um dos mais frios do estado. Situa-se nas ramificações da Serra da
Mantiqueira, a cidade possui diversas cachoeiras, trilhas e é uma estância hidromineral.
A população caldense, segundo dados do IBGE (2010) equivale-se a 13.633 habitantes.
A atual reserva do grupo Xucuru-Kariri encontra-se na antiga Fazenda Agropecuária
Boa Vista, como já foi descrito no tópico anterior.
Acreditamos que esse novo local de moradia do grupo é o que mais se difere
dos outros ao que diz respeito aos aspectos naturais, por ser uma região de altas
altitudes e clima frio (FOTOGRAFIA 6). Assim, pensamos de como a questão da
paisagem é importante na análise cultural do grupo, ou seja, de como o conteúdo
29
geográfico desses locais se manifestam nas escolhas e nas mudanças feitas pelos
membros de certa comunidade.
Fotografia 6 - Ao fundo pico da Serra da Pedra Branca, encoberto pelas nuvens. Caetano Lucas
Borges Franco, março/2013.
Para pensar essa questão, de como os índios viram e sentiram a cidade de
Caldas, nos primeiros momentos, usamos de um trecho de entrevista do trabalho de
Silva (2010, p.46-7) sobre o ‘cenário da chegada’, a fala é do cacique José Sátiro do
Nascimento (66 anos) (FOTOGRAFIA 7):
Arrumamos uma roça aqui em Caldas, MG. Chegamos na região do sul de
minas. Achei muito boas de um lado e ruim do outro. Não temos o costume de
ver gelo e aqui nós estamos vendo. Na nossa chegada um cabra da FUNAI me
disse a verdade. “Você não vai para o sul de minas, que lá você vai matar os
seus índios. A situação lá é feia.” Eu pensava que era mentira. Tenho um
grande colega que trabalha em Brasília, que é natural de Machado, MG, que
me disse assim: “Cacique estou com oito anos que moro em Brasília”. Isso foi
em 1998 que ele me falou. “Só vou na casa dos meus pais na época da chuva,
na época da chuva é quente.” Eu até pensei que era brincadeira. Na época da
chuva lá no nosso nordeste é o frio e quando se diz a época da seca que se diz o
verão aí e quente. Aqui no sul de minas é muito diferente, na época da chuva é
quente, tudo é o contrário. Para o pessoal mineiro a chuva é o verão e o verão
que é a época da seca é o inverno. Vem frio de arrebentar, mas felizmente já
estamos acostumados aqui. Meus índios, eu não. Não acostumei ainda não que
é difícil acostumar com o frio. Eu já penso, de vez em quando falo com eles:
minha gente vamos até a FUNAI, pedir para o pessoal do governo arrumar
30
outro canto para nós, que aqui é muito frio e ainda não me adaptei, Estou aqui
há nove anos, no sul de minas, mas o meu povo mais novo infelizmente não
aceitam, já acostumaram e por isso, pela palavra do meu povo, eu como porta
voz digo o seguinte. A minha vontade era sair, mas eles não querem, vamos
assinar ficar. Só vamos sair daqui quando formos fazer a última viagem. Que
essa viagem é a partida final.
Fotografia 7 - Cacique José Sátiro do Nascimento, na reserva em Caldas/MG.
Caetano Lucas Borges Franco, março/2013.
Podemos notar com as primeiras palavras do cacique de como surgiram novas
experiências ao grupo. Primeiramente ele cita o gelo, que não tinham costume de ver e
agora estão vendo. Esse gelo quer dizer a geada, pequenas camadas finas de água sólida
que são produzidas em noites muito frias, e depositadas sobre as gramíneas. É
interessante observar o imaginário construído pelo cacique sobre o frio a partir de
relatados de outras pessoas. Assim ele vai fazendo as comparações entre Minas Gerais e
o nordeste, principalmente através das estações do ano e as respectivas dinâmicas
temporais. Dessa forma, notamos como essa questão, mesmo se tratando de um grupo, é
também individual, pela divergência adaptativa dos seres, uma vez que o cacique ainda
não se adaptou com o clima, enquanto a maioria do grupo já se encontrava adaptada em
2010.
31
O grupo passou por dificuldades adaptativas e habitacionais quando chegaram
a Caldas, as casas de alvenaria e o frio reorganizaram hábitos dos indígenas. Entretanto,
com o tempo eles foram se adaptando e construindo laços e relações com o novo morar.
Grande parte dos indígenas em nosso campo afirmou gostar e estar adaptado ao novo
local, embora os locais que viveram no passado ainda fazem muito sentido na vida do
grupo, tanto pelas questões de funcionalidades espaciais, quanto simbólicas.
São Gotardo a Caldas, e de Caldas agora não tenho vontade de sair não.
Vizinho aqui é o frio, mas o frio não é direto, ele vem e vai simbora, dá para
gente ir levando. (Dona Josefa, 59 anos. Anotação em campo, Caldas /abril
2012).
Fotografia 8 - Área central da reserva Xucuru-Kariri. Caetano Lucas Borges Franco, março/2013.
32
Fotografia 9 - Casa de alvenaria na atual reserva. Caetano Lucas Borges Franco, março/2013.
4.4 Passados, presente
Com essa breve introdução sobre a história e os caminhos do grupo Xucuru-
Kariri foi possível construir uma linha sequencial sobre os espaços vividos por ele. Ou
seja, foi possível traçar um processo histórico de importante análise para pesquisa, pois
é desse momento em que partimos para estudar as dinâmicas socioespaciais do grupo. A
nossa análise sobre o grupo na atualidade é sustentada justamente por essa construção
processual de acontecimentos e espaços vividos que permeia a existência desses índios,
tendo seu início no passado.
Partimos do passado que se caracteriza para esse grupo como a vida em sua
terra nativa, Palmeira dos Índios e região, em que seu modo de vida tradicional
acontecia de maneira integrada ao ambiente, e seguimos para os remanejamentos que
sucederam esse período, começando por Paulo Afonso, já no estado da Bahia. E assim
por adiante, São Gotardo e Caldas, ambos em Minas Gerais. Abordaremos dessa forma
a transformação das dinâmicas identitárias e territoriais do grupo ao longo desse
período: do passado ao presente, a fim de sustentar que a cultura que envolve esse grupo
é móvel, está sempre em (re) construção de hábitos e técnicas a partir dos
remanejamentos. Sendo assim, levamos em consideração as diferentes situações
ocorridas com o grupo que (re) organizaram seus modos de vida, que a partir de sua
terra nativa esteve cada vez mais se inserindo na modernidade. Dessa mesma forma,
33
podemos compreender as diferentes situações no que tange o morar do grupo no meio
rural ou no meio urbano, os diferentes recursos e necessidades contidos nessa dinâmica.
As temporalidades também muito influenciam o agir nesses espaços vividos,
por isso podemos pensar territorialidade e temporalidades como sendo indissociáveis. O
ritmo das condutas espaciais de diversas maneiras ativam a percepção e os fenômenos
do grupo. Para Saquet (2011, p.79), as temporalidades significam:
[...] ritmos lentos e mais rápidos, desigualdades econômicas, diferentes
objetivações cotidianas e, ao mesmo tempo, distintas percepções dos
processos e fenômenos, ou seja, leituras que fazemos dos ritmos da natureza
e da sociedade.
Assim, a (re) produção agora se faz em espaços fluídos e híbridos, em
processos confusos ao índio entre dominação e apropriação, sendo compreendido pelas
doações, lutas e demarcações de terras. A partir daí foram expostos à necessidade de
uma inserção ao trabalho nos meios de produção econômica urbana e rural, para que o
salário mensal representasse sua sobrevivência, uma vez que o cotidiano da sociedade
não índia imbrica-se aos seus, inserindo a esse povo modos, percepções e fenômenos
antes desconhecidos e não vividos, sobre normas e regras que lhes proporcionaram
novas maneiras de construir seus territórios.
5 - OS TERRITÓRIOS: diferentes situações, múltiplas possibilidades
5.1 Perspectivas teóricas
Nesse capítulo iremos apresentar as construções teóricas e práticas que
embasaram a pesquisa acerca dos processos territoriais envolvendo os índios Xucuru-
Kariri, para que depois consigamos pensar a questão identitária do grupo para uma
melhor situação de como sua dinâmica, a partir de múltiplas possibilidades, pode
acontecer.
Primeiramente construímo-nos teoricamente para pensar a questão territorial
Xucuru-Kariri levando em consideração o processo histórico-geográfico vivenciado por
eles em seus remanejamentos pelo território brasileiro. As relações dos grupos humanos
com os meios em que vivem centralizam-se aspectos culturais entre sociedades e
ambiente. Desta forma, esses grupos humanos dependem do ambiente para nele e com
ele sobreviver. É do ambiente que são provindas às necessidades de subsistência
humanas, como alimentação, água, abrigo, entre outros. E é nessa relação, se
apropriando do espaço que o homem irá construir seus territórios. As sociedades, por
34
mais simples que sejam não podem ser pensadas sem seus territórios, seja ele político
e/ou cultural.
Em 1880, para elaborar estudos sobre a relação sociedade/meio, Ratzel os
desenvolve na obra Antropogeografia, fazendo a geografia do homem. Assim, ao
considerar a cultura como elemento entre o homem e a natureza, o autor alemão prioriza
os objetos materiais, sendo importante o que os homens construíram e de que maneira
construíram. Com a antropogeografia é possível mapear as áreas descritas onde vivem
populações humanas, procurando estabelecer quais as causas geográficas das partes em
que os homens se espalham pela superfície terrestre e a influência da natureza sobre os
grupos humanos.
A cultura na obra de Ratzel aparece com a importância de um lugar, uma vez
que os grupos humanos se vinculam a ele, em que esses grupos aproveitam do meio e
das facilidades para fazerem seus deslocamentos. Porém, a cultura para ele é analisada
sobre aspectos materiais, “como um conjunto de artefatos utilizados pelos homens em
sua relação com o espaço. As ideias que a subentendem e a linguagem que a exprimem
não são mais evocadas” (CLAVAL, 1995, p.22). território?
No decorrer do tempo, devido às transformações que a geografia sofre na
Alemanha, a geografia francesa a partir de Paul Vidal de La Blache ganha uma
dimensão cultural, em que os gêneros de vida e paisagem ganham valores juntamente
com o estudo das influências do meio sobre as sociedades humanas (concepção
proposta por Ratzel). Junto á essa análise, La Blache interessou-se a estudar as técnicas
e utensílios que os homens usam para transformar seus contextos, modelando-os á seus
interesses e necessidades de onde vivem. Assim, quando considera as questões sociais e
psicológicas dos grupos humanos, afirma que esses analisados fora do contexto dos
gêneros de vida, não têm sentidos. Na análise dos gêneros de vida é mostrado como a
elaboração das paisagens por esses grupos irá refletir na organização social do trabalho:
[...] a noção de gênero de vida permite lançar um olhar sintético sobre
as técnicas, os utensílios ou as maneiras de habitar das diferentes
civilizações: ela os organiza na sucessão dos trabalhos e dos dias e
assinala como se relacionam hábitos, maneiras de fazer e paisagem
(CLAVAL, 1995, p.33).
Para que uma paisagem ganhe valores humanístico ou cultural, é preciso que
exista a cultura, que para La Blache é o que se interpõe entre o homem e o meio. Assim,
estimula a geografia a pensar a integração do homem e do meio em contexto diversos e
complexos, em que os indivíduos ou o coletivo constroem nos espaços que viveram ao
35
longo de seu processo histórico. Nessa dinâmica, o homem elabora e modela seus
habitats e paisagens.
Vidal de La Blache elabora sua discussão de gêneros de vida sobre os aspectos
“possibilitas” que ele mesmo inaugurou no eixo da discussão geográfica francesa da
época, ou seja, a natureza enquanto possibilidades humanas, em que quando um
indivíduo ou grupo depende de necessidades, ele cria condições de adaptação ao meio
(MAIA, 2001).
Entretanto, segundo Maia (2001) os gêneros de vida, embora tenham sido
utilizados de maneira intensa por La Blache, é a partir de Max Sorre que a noção é mais
bem analisada e elaborada, uma vez que esse autor retoma as concepções propostas pelo
primeiro autor para que se formulasse melhor esse termo utilizado pela Geografia. Na
definição do termo, Max Sorre deixa clara a descrição de combinações técnicas
utilizadas por indivíduos ou grupos combinadas de acordo com as condições naturais e
espirituais, assim “a noção de gênero de vida é extremamente rica, pois abrange a maior
parte, se não a totalidade, das atividades do grupo humano” (SORRE apud MAIA,
2001, p. 76). Para ele não só os gêneros de vidas se evoluem, se modifica, mas a própria
noção do termo se transforma:
[...] Podemos resumir tudo dizendo que, em lugar de se definir, como
no passado, em relação aos elementos do meio físico e vivo, ela tende
a se definir em relação a um complexo geográfico, econômico e
social. Ela muda de plano à medida que a atividade dos homens muda
de dependência (SORRE, apud MAIA, 2001, p. 77).
A questão do gênero de vida está associada a uma temporalidade e a uma
condição espacial, em que na transformação desta última, transformam-se também as
técnicas e hábitos de uma condição de vida já existente. Essa questão para nosso
trabalho é de grande importância, pois o grupo Xucuru-Kariri, em sua história é
marcado por transformações em múltiplas escalas de tempo e de espaços vividos, o que
acarreta uma reorganização desses mesmos. Pensamos então, que o gênero de vida
produz e é produto a partir de determinados territórios, ou seja, ele acontece conforme a
dinâmica territorial, pois possui também uma dinâmica social, que para La Blache seria
mais histórica.
O autor Claude Raffestin (1993) trabalha a questão do território não dissociado
e sim condicionado pelas relações existentes nos espaços, relações essas norteadas de
alguma maneira, pelo poder. Nesse processo, portanto, temos a passagem do espaço ao
território:
36
É necessário compreender bem que o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação
conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa)
em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou
abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa”
o espaço (1993, p.143).
Os territórios são posteriores aos espaços, são o que as sociedades produzem
com seus laços, necessidades e afinidades. Assim, é importante pensar a dimensão
cultural, em que os modos de vida e as paisagens ganham valores juntamente com o
estudo das influências do meio sobre as sociedades humanas. Essas relações (homem e
meio) são produzidas de diversas maneiras, sendo a partir delas a construção das
territorialidades, ou seja, a ligação dos indivíduos ou coletivos de transformar o espaço
em território. Nessa linha de pensamento, o território é o espaço que foi projetado um
trabalho, que de alguma maneira se marca pelo poder, “o espaço é a ‘prisão original’, o
território é a prisão que os homens constroem para si” (RAFFESTIN, 1993, p.144).
Assim, quando pensarmos em analisar comunidades tradicionais (e não só) é
importante que levemos em consideração as subjetividades que esses grupos constroem
junto ao ambiente em que vivem, para que se possa ter uma melhor compreensão das
dinâmicas socioespaciais. Essas têm uma importante contribuição para uma análise mais
complexa das situações, uma vez que o grupo não é mantido somente pela tradição
étnica existente, mas também por políticas públicas e sociais de extrema objetividade e
tecnicidade. Por isso, além da cultura e do modo de vida do grupo, tem de ser levada
em consideração a identidade territorial e a percepção por ele criado nos espaços de
vivência.
Ao considerar uma identidade territorial que os representa um grupo humano
frente e no espaço e, que é a partir dela que serão produzidas suas territorialidades,
também conectadas ao poder, em Raffestin (1993, p.158-9) particular se faz o valor da
territorialidade,
[...] pois reflete a multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos
membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens
‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial
por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas.
Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas as
relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram
modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais.
Os atores, sem se darem conta disso, se automodificam também. O
poder é inevitável e, de modo algum, inocente. Enfim, é impossível
manter uma relação que não seja marcada por ele.
37
As relações produzidas no e pelo espaço estão ligadas a um campo de poder,
assim, representar no espaço é produzir uma apropriação. Desta forma quando o espaço
é de alguma maneira projetado, isso se faz através da expressão de uma representação
que revela o território desejado, portanto “a imagem ou modelo, ou seja, toda
construção da realidade, é um instrumento de poder e isso desde as origens do homem”
(RAFFESTIN, 1993, p.145).
O espaço de hoje dito global configura-se a partir da ampliação e
internacionalização das trocas em um processo conhecido por muitos como
globalização, que é uma maneira de “indicar a disseminação em escala planetária de
processos gerais concernentes às relações de trabalho, difusão de informações e
uniformização cultural” (HAESBAERT et. al., 1999, p.40). Desta forma, apropriar e
dominar os espaços serão acontecimentos múltiplos e variados, inseridos nos tempos
rápidos dos fluxos. Henri Lefebvre (apud HAESBAERT 2005, p.6775) discute a
produção do espaço nunca dissociado das relações humanas, configurando assim em um
espaço-processo, socialmente construído. Dessa maneira, as relações estariam marcadas
pelo poder, mas não somente pelo poder político, como também pelo poder
camuflado/oculto em todas as relações. O poder, no sentido mais simbólico, seria o de
natureza própria do uso do espaço, da vivência acontecida nele. E por outro lado, o
poder no sentido mais concreto, estaria ligado ao valor de troca do espaço (propriedade)
e suas funcionalidades. Apropriação e dominação andam juntas e, nesse processo o
primeiro deveria sobressair sobre o segundo, entretanto, frente à lógica capitalista que
rege a sociedade atual, isso acontece ao contrário:
[...] o uso reaparece em acentuado conflito com a troca no espaço, pois
ele implica “apropriação” e não “propriedade”. Ora, a própria
apropriação implica tempo e tempos, um ritmo ou ritmos, símbolos e
uma prática. Tanto mais o espaço é funcionalizado, tanto mais ele é
dominado pelos “agentes” que o manipulam tornando-o unifuncional,
menos ele se presta à apropriação. Por quê? Porque ele se coloca fora
do tempo vivido, aquele dos usuários, tempo diverso e complexo
(LEFEBVRE, 1986, p.411-412 apud HAESBAERT, 2005, p.6775).
Haesbaert (2004) compartilha da opinião de que o território não se restringe a
uma porção do espaço (demarcação) e aos limites físicos (algo concreto), mas um
espaço que é nutrido por especificidades que lhe deram formação e que o constitui a
cada momento. Ou seja, o território tem que ser entendido como um todo, que possui
uma dialética, que é vivo e dinâmico, representando as próprias existências nele
contidas. Assim, o autor afirma que os territórios são agentes que causam
38
desterritorialização e reterritorialização, desta forma esse território deve ser percebido e
entendido não meramente como coisa ou objeto, mas como ação e “território reforça sua
dimensão enquanto representação, valor simbólico” (p.50).
Seguindo essa linha, podemos pensar em dois grandes ‘tipos ideais’ para se
investigar o território, um mais próximo às questões simbólicas e outro mais próximo às
funcionalidades, sabendo que estes ditos como ‘tipos ideais’, nunca acontecem em
estado puro no que se referem a não possuir resquícios de uma categoria em outra. Ou
seja, por menos expressiva que seja, todo território ‘funcional’ tem uma carga
simbólica, da mesma forma que todo território ‘simbólico’ possui, por mais reduzida
que seja, certa funcionalidade (HAESBAERT, 2004).
Sobre essa aparente dicotomia em analisar a questão territorial, Haesbaert
(2005, p. 6777-8) salienta para uma importância além dessa:
[...] Mais importante, contudo, do que esta caracterização genérica e
aparentemente dicotômica é fundamental perceber a historicidade do
território, sua variação conforme o contexto histórico e geográfico. Os
objetivos dos processos de territorialização, ou seja, de dominação e
de apropriação do espaço, variam muito ao longo do tempo e dos
espaços. Assim, as sociedades tradicionais conjugavam a construção
material (“funcional”) do território como abrigo e base de “recursos”
com uma profunda identificação que recheava o espaço de referentes
simbólicos fundamentais à manutenção de sua cultura. Já na sociedade
“disciplinar” moderna (até por volta do século XIX) vigorava a
funcionalidade de um “enclausuramento disciplinar” individualizante
através do espaço – não dissociada, é claro, da construção da
identidade (individual, mais do que de grupo). Mais recentemente, nas
sociedades “de controle” ou “pós-modernas” vigora o controle da
mobilidade, dos fluxos (redes) e, consequentemente, das conexões – o
território passa então, gradativamente, de um território mais “zonal”
ou de controle de áreas para um “território-rede” ou de controle de
redes. Aí, o movimento ou a mobilidade passa a ser um elemento
fundamental na construção do território.
Juntamente à Haesbaert (2004) construímos possíveis objetivos que as
territorializações do grupo carregam: o abrigo no sentido físico, fonte de recursos
naturais ou meio de produção; processo de identificação e simbolização de grupos
através de referências espaciais (por exemplo, os limites); processo de disciplinar ou
controlar através do espaço e, construção e controle de conexões e redes, ou seja, fluxos
de pessoas, mercadorias e informações.
Nesse momento traçamos uma linha de pensamento sobre a questão territorial
do grupo Xucuru-Kariri: compreendemos que a história é parte e condicionante da
dinâmica territorial e, que os remanejamentos presentes nesse processo, desde a tradição
39
até ao momento conhecido como modernidade representam descontinuidades que
marcam um (re) começo e uma (re) organização de relações socioespaciais, ou seja,
novos caminhos territoriais a serem construídos e vividos pelo grupo.
Ao que se refere à população indígena, alguns assuntos possuem
complexidades mais profundas, uma vez que a subjetividade permeia grande parte das
ações construindo um universo simbólico na existência do território. E é com essas
ações que relacionamos a importância da lógica espacial do grupo na construção e
afirmação de seus territórios. Nessa perspectiva, Gallois (2004) demonstra como a
lógica espacial é de grande importância para delimitação de territórios indígenas, pois
diferencia o sentido de ‘Terra indígena’ (a partir do Estado Nacional) com território
indígena (o da própria etnia, em que a questão simbólica contida e condicionada no/do
espaço tem grande importância na construção territorial pelo grupo). Assim, descreve
como um grupo indígena em contato com outros tipos de sujeitos o coloca diante de
lógicas espaciais diferentes das suas e que passam a ser expressas também em termos
territoriais. E que “as diversas formas de regulamentar a questão territorial indígena
pelos Estados Nacionais não podem ser vistas apenas do ângulo do reconhecimento do
direito à “terra”, mas como tentativa de solução desse confronto” (2004, p.1).
Gallois (2004) nos chama a atenção para a gravidade do desvirtuamento
contido na construção da imagem indígena pela mídia atual, em que o índio que não
mantém vínculos com as características românticas e os territórios intocados, a grande
parte da população brasileira “diz-se que perderam sua tradição”, por não
corresponderem a essa imagem. Tal gravidade acontece,
[...] especialmente se consideramos que, apesar das diferenças entre o
conceito jurídico de Terra Indígena, tal como está posto na
Constituição, e a compreensão antropológica dos fundamentos da
ocupação e territorialidade indígena, há evidentes intersecções e
possibilidades de articulação. Senão vejamos: o artigo 231 reconhece
aos índios “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam”; o texto constitucional também indica que tal ocupação
tradicional deve ser lida através das categorias e práticas locais, ou
seja, levando-se em conta os “usos, costumes e tradições” de cada
grupo. Logo, uma Terra Indígena deve ser definida – identificada,
reconhecida, demarcada e homologada – levando-se em conta quatro
dimensões distintas, mas complementares, que remetem às diferentes
formas de ocupação, ou apropriações indígenas de uma terra: “as
terras ocupadas em caráter permanente, as utilizadas para suas
atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural (GALLOIS, 2004, p.37)”.
40
Bem, desta forma fica claro como as questões indígenas (território, identidade,
modos de vida, abrigo, entre outras) possuem uma funcionalidade permeada de
elementos simbólicos que são base de suas construções territoriais, portanto, se
caracterizando como um aglomerado de complexidades materiais e contidos nas
dinâmicas territoriais.
O processo histórico-cultural que dá forma à atual estruturação da sociedade
humana, em que mobilidade e fluidez são partes condicionantes das dinâmicas
espaciais, acredita-se em um processo conhecido como desterritorialização, ou seja, o
‘fim dos territórios’. Entretanto, o território está imbricado nesse processo de
desterritorialização, uma vez que frente a atual dinâmica, é possível que se construa
territórios na e pela mobilidade. O termo desterritorialização nunca é dissociado do
termo territorialização, representando assim, o movimento dialético existente nesse
processo (HAESBAERT, 2004). A desterritorialização acontece em algumas
perspectivas: econômica, política, imaterial, cartográfica e cultural. Assim, pensemos a
desterritorialização cartográfica, que constitui primeiramente em “superação do
constrangimento ‘distância’, uma espécie de ‘superação do espaço pelo tempo’”
(VIRILIO, 1997 apud HAESBAERT, 2002, p.130). Percebe-se então uma diminuição
das questões de distanciamento espacial, em favor do tempo e da história. Produto do
hibridismo cultural, a desterritorilização na perspectiva cultural aponta o mundo
culturalmente se desterritorializando, onde não existem mais identidades territoriais
claramente definidas, onde o território fica em segundo plano. Porém, com esse
hibridismo existem formas de criar novas territorialidades. Os territórios que perdem a
função de identificação cultural, também:
[...] perdem o sentido/o valor dos espaços aglutinadores de
identidades, na medida em que as pessoas não mais se identificam
simbólica e afetivamente com os lugares em que vivem, ou se
identificam com vários deles ao mesmo tempo e podem mudar de
referência espacial-identitária com relativa facilidade (HAESBAERT,
2002, p.131).
Desta forma, no processo histórico do grupo de diversas formas os territórios
Xucuru-Kariri foram transformados, tendo a capacidade de sobrepor e incorporar novos
e diversos territórios. Assim, possuem múltiplas maneiras de experimentar e viver novas
territorialidades. Essa capacidade adquirida pelo homem da atualidade de dinamizar
múltiplos territórios nos remete à multiterritorialidades:
[...] dentro dessas novas articulações espaciais em rede surgem
territórios-rede flexíveis onde o que importa é ter acesso, ou aos meios
41
que possibilitem a maior mobilidade física dentro da(s) rede(s), ou aos
pontos de conexão que permitam “jogar” com as múltiplas
modalidades de território existentes, criando a partir daí uma nova
(multi)territorialidade (HAESBAERT, 2005, p.6787).
Concluímos o nosso ‘pensar’ sobre os territórios Xucuru-Kariri como
elementos vivos representados pelas mobilidades do grupo, por seus remanejamentos e
por suas técnicas tradicionais (considerando também os elementos culturais) para
ser/estar no mundo desde sua saída de Palmeira dos Índios, em meados dos anos 1980,
até à atualidade, residentes em Caldas. Toda transformação existente a partir das
dinâmicas socioespaciais do grupo no processo histórico configura um movimento
dialético na construção territorial: territorialização, desterritorialização e
reterritorialização. Cada processo desses citados configura uma pluralidade de possíveis
aconteceres ao grupo Xucuru-Kariri, com novos espaços cheios de possibilidades que
podem configurar uma nova territorialidade, assim pensamos a multiplicidade desses
aconteceres durante a vida do grupo, que a cada desterritorialização em seu
remanejamento implicou a criação de novas territorialidades.
5.2 Dinâmicas e processos territoriais: do território tradicional em Palmeira dos
Índios a nova reserva em Caldas
Nesse tópico exploraremos a questão territorial no sentido de processo
construtivo e reconstrutivo, constantemente, ou seja, todo processo de
desterritorialização implica um novo processo de reterritorialização e, assim, um
acumular e sobrepor de territórios.
5.2.1 A desterritorialização
Os índios Xucuru-Kairiri necessitam de seu território, seja pelo aspecto
material ou simbólico. O que melhor identifica um indivíduo ou grupo é seu território,
pois este é o que condiciona as possibilidades existentes na construção da identidade.
No entanto, se pensarmos os territórios do grupo como sendo as fortes ligações
existentes entre ele e a reserva indígena atual ou do passado, o rio, a cidade, a escola, a
roça, entre outros, esses foram(estavam) sujeitos às transformações e alterações em suas
dinâmicas, na maioria das vezes causadas pelos remanejamentos que fizeram pelo
território brasileiro, mas também por outros fatores (desemprego, crise econômica,
período de seca, necessidades sociais e de saúde, etc.).
42
Quando essas mudanças aconteceram no que une o grupo a determinados
territórios, os índios estiveram inseridos em um processo de desterritorialização que,
pode ser definido como uma quebra de vínculos, num ‘perder’ de territórios. Esse
processo acarreta um enfraquecimento no controle das territorialidades, podendo ser
elas pessoais ou coletivas. Entretanto, esse processo por mais que faça com que haja
diminuição ou anulação de acesso aos territórios, não impossibilita que eles (re) vivam
ou mantenham esse território na memória (universo simbólico), no plano imaterial, no
qual ainda muitos fazem sentido a alguns indivíduos do grupo Xucuru-Kariri,
reconhecendo-se parte daquele território. Essa construção no plano da memória associa-
se diretamente ao viver dos índios pelos territórios (espaço vivido), em que absorveram
percepções e fenômenos diversos, Paul Claval (1995, p.83) nos chama atenção para
isso, dizendo que:
Na medida em que a ação humana não é fundada diretamente sobre o
instinto, mas sobre o instinto contextualizado, normatizado e
canalizado pela cultura, ela supõe memorização de esquemas de
condutas, atitudes, práticas e conhecimentos. As formas que revestem
a memória são múltiplas.
As experiências dão sentido à construção do território da mesma forma que,
quando esse é perdido, essa experiência ainda dá existência a ele, exatamente por essas
múltiplas formas que envolvem a questão da memória, “reconhecer-se supõe uma
apropriação do espaço pelo sentido” (CLAVAL, 1995, p.194).
Dessa forma, usaremos um trecho de entrevista coletado em trabalho de campo
para melhor contextualizar a memória como sustentadora das imaterialidades contidas
no desterritorializado. Nesse momento percebemos como o uso dos recursos naturais
pelo grupo são apropriados e mantidos tornando-se elementos construtores da
identidade e do território Xucuru-Kariri. O trecho citado a seguir é da professora
Jizelma (32 anos) que, em conversa conta-nos sobre as faltas que sentem causadas pelos
remanejamentos:
O que a gente mais sente falta mesmo aqui, que não tem, é o rio... não tem rio,
não tem peixe. Assim... todos os lugares que a gente passou tinha rio e tinha
peixe, e a gente já estava acostumado a pescar, a tomar banho no rio, buscar
água no rio, lavar roupa no rio. Isso mudou muito nossos hábitos, agora você,
agora ninguém mais, por mais que a gente vai pro Norte não quer mais lavar
roupa no rio, pegar aquela pedra grande e lavar roupa no rio... lava no
tanquinho né, mais fácil.
43
Podemos perceber como a questão dos elementos naturais se transforma em
uma questão cultural atrelada ao território, pois o rio e o peixe foram apropriados como
parte de seus hábitos em determinados territórios. Entretanto, o não acesso a esses
territórios que proporcionavam que esses recursos naturais se tornassem hábitos, faz
com que haja uma reorganização ou anulação de alguns hábitos do grupo. Isso se
exemplifica na fala da professora indígena Jizelma, uma vez que diz sentir falta do rio e
do peixe e, assim de todas as ações derivadas relativas a eles. Mas também de uma
territorialidade em desuso, um exemplo disso é o lavar roupa no rio, já que se
acostumaram às técnicas de nossa sociedade, que é o uso do tanquinho. É importante
que se observe que essa dinâmica só é existente atualmente devido a um processo de
desterritorialização que lhes aconteceram.
Assim, fica clara nossa posição de que por mais que esse processo aconteça,
elementos simbólicos de territórios passados façam algum sentido nos territórios atuais.
Rogério Haesbaert (1993, p.169) chama atenção para que quando se reportar a
desterritorialização é preciso que fique claro a referência às imbricações das duas
dimensões:
[...] uma política, mais concreta, e outra cultural, de caráter mais
simbólico, ou privilegiando uma delas, mesmo por que muitas vezes
se tratam de processos não - coincidentes. Embora fronteiras de
domínio político possam corroborar e mesmo criar uma identidade
cultural, como foi o caso de muitos Estados nações, nem toda fronteira
de apropriação territorial no sentido cultural coincide com e/ou
proporciona uma fronteira política concreta. Muitos processos de
desterritorialização contemporâneos, como no caso dos refugiados de
Ruanda e dos palestinos, decorrem, pelo menos em parte, dessa
desconexão entre territórios no sentido de domínio político e
territórios no sentido de apropriação simbólico-cultural.
Essa mesma questão - de como os elementos naturais influenciam na nova
territorialidade – observamos outro trecho da entrevista com Jizelma sobre o processo
de reterritorialização no município de Caldas.
Dificuldade a gente teve no começo por causa do frio, por que você vê, a gente
sai lá do norte que as coisas é quente, o clima bem quente.. quando a gente
chegou aqui, chegou bem no frio mesmo, chegamos aqui em maio [...]
Chegamos aqui em pleno frio, quando chegamos pensamos o que tá
acontecendo aqui, tá tudo molhado mesmo? Assim, a gente com aqueles
cobertores bem fininhos do norte, a gente dizia ‘nós vamos morrer todo mundo
aqui congelado’ (risos). Mas aí não, agora já passou muito tempo, a gente já
acostumou um pouco, vamos levando, a gente gosta daqui.
Notamos como o frio foi uma dificuldade encontrada pelo grupo em se
adaptarem ao novo território, uma vez que nunca passaram por isso e obtinham técnicas
para facilitar a adaptação, como ela mesma diz sobre a possuir apenas “cobertores bem
44
fininhos do norte”. É perceptível o conflito existente ao que estavam acostumados
(clima quente) e ao que tiveram que se acostumar (clima frio). Percebemos também que
embora essa questão climática apareça como dificuldade pelo grupo no começo, quando
chegaram ao município de Caldas, essa dificuldade parece não ser mais um problema ao
grupo, como no início, visto que chegou ao município em 2001 e essa entrevista foi
feita no ano de 2012.
Os remanejamentos do grupo desde que saíram de Palmeira dos Índios
(território tradicional desde o início da etnia Xucuru-Kariri, permeado de hábitos e
costumes tradicionais) até ao município de Caldas onde se encontram morando
atualmente, foi um processo de desterritorialização seguido de uma reterritorialização,
pois as mudanças encontradas pelo grupo quando deixaram seu território tradicional
implicaram-se em outro para se reterritorializar no estado da Bahia, por exemplo. E da
mesma forma, entretanto com possibilidades e acontecimentos distintos, aconteceu
quando deixaram Paulo Afonso com destino a São Gotardo e, posteriormente, Caldas. A
cada reterritorialização múltiplas possibilidades e múltiplas territorialidades foram
sendo absorvidas pelo grupo e seus indivíduos em diferentes escalas. E assim acontece
sempre quando pensamos o homem como um ser eminentemente social e sociável,
necessitando de se adaptar às novas circunstâncias, assim, a novos territórios. Assim, “a
desterritorialização seria uma espécie de “mito” (HAESBAERT, 1994, 2001b, 2004),
incapaz de reconhecer o caráter imanente da (multi) territorialização na vida dos
indivíduos e dos grupos sociais” (HAESBAERT, 2005, p.6774).
5.2.2 As territorialidades
Descreveremos agora algumas territorialidades do grupo Xucuru-Kariri
escolhidas por nós, assim acreditamos haja uma melhor elucidação de como essa
dinâmica é múltipla. Escolhemos territorialidades mais notórias, sem seguir algum
padrão ou escala. Territorialidades existentes como muitas outras que não são
percebidas ou sabidas por nós.
Os elementos culturais, de grande poder simbólico, são partes constituintes da
construção da territorialidade. É a partir deles que existem diferentes maneiras de
apropriar e dominar os espaços, a fim de exercer alguma influência sobre determinada
porção territorial. Dessa maneira, Robert Sack (1986) define a territorialidade humana
como sendo uma poderosa estratégia geográfica de influenciar ou controlar pessoas,
45
relações e fenômenos através do controle de área, utilizada em relacionamentos do dia-
a-dia e em organizações mais complexas. O autor salienta que espaço e sociedade estão
inter – relacionados pela territorialidade, é o meio para tal condição. Assim, as funções
que fazem mudar as territorialidades ajudam a entender as relações históricas entre
sociedade, espaço e tempo.
É pela territorialidade que conseguimos compreender o movimento dos
elementos culturais, políticos, de poder contidos em um território e, de como essa
junção se dinamiza. Para Gallois (2004, p.37), o estudo da territorialidade é:
[...] uma abordagem que não só permite recuperar e valorizar a
história da ocupação de uma terra por um grupo indígena, como
também propicia uma melhor compreensão dos elementos culturais
em jogo nas experiências de ocupação e gestão territorial indígenas.
Não dissociamos a questão das temporalidades do processo de construção de
territorialidades. Elas são conjuntas. As temporalidades nos permitem viver
experiências espaciais do passado, assim é também parte constituinte dessas
experiências no presente. Segundo Saquet (2011, p.79-8):
[...] As temporalidades também significam processualidades históricas
que se encontram no presente. Vivemos temporalidades passadas,
presentes/coexistentes e futuras. A temporalidade é, assim, absoluta e
relativa, simultaneamente, a partir do movimento mais amplo do
Universo e dos movimentos da sociedade numa contínua unidade do
próprio movimento com des-continuidades.
Pensamos a territorialidade como um condicionante e produto no viver um
espaço, é a criação, o que permanece e o que transforma ao mesmo tempo. É o que dá
existência ao território junto de uma identidade. A territorialidade é uma condição
inerente aos seres que habitam um território, já que surge da necessidade de se
identificar com o espaço que se habita e da consciência de participação na construção do
território (HAESBAERT, 2004).
A primeira territorialidade que vamos tratar em relação ao grupo Xucuru-Kariri
é a rural. A partir de que foram sendo remanejados, em cada novo território as
condições eram diferentes, sendo que atualmente no município de Caldas os grupo não
detém técnicas tradicionais para plantio e manuseio da terra, isso devido à uma não
adaptação das condições naturais com os tipos de cultura que estavam acostumados.
Houve uma descontinuidade espacial dessa territorialidade quando moraram em São
Gotardo. O que restou desse trabalho que caracterizamos como roça é plantação de
hortaliças e a produção leiteira que acontece na atual reserva de Caldas, que é
46
organizada e efetuada pelo vice cacique Jal e algumas crianças, representando uma parte
da subsistência dos índios. A roça, que representa grande parte dessa territorialidade
existiu com maior frequência no passado. O não uso dessa territorialidade que eram
acostumados faz com que os hábitos alimentares dos indígenas estejam cada vez mais
parecidos com os nossos, uma vez que se tornaram consumidores diretos de
supermercados e outros comércios.
A segunda territorialidade a ser comentada é da relação homem e natureza
buscando proceder a uma aglomeração de valores entre eles, isso nos permite imaginar
como ocorrem nesses territórios diferentes combinações, funcional e simbólico, pois
exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar “funções” quanto para produzir
“significados”. Podemos pensar o território funcional como sendo aquele de proteção ou
abrigo, aquele em que haja uma utilização e controle dos recursos, no caso, por
exemplo, o solo usado na plantação de hortaliças.
O simbólico é o que marca a terceira territorialidade a ser descrita dos Xucuru-
Kariri. Analisamos essa questão junto ao ritual sagrado do grupo, o Ouricuri, que
acontece no interior das matas na reserva. Essa manifestação cultural na atual reserva
acontece em uma descontinuidade espacial, uma vez que não acontece sempre e há um
trajeto até que se chegue ao interior da mata. Além do mais, o tempo é o que marca o
ritual, acontecendo uma vez por ano. Uma observação feita é que o espaço no interior
das matas não é usado apenas durante o acontecimento do ritual, mas quando há
necessidade dos indivíduos ficarem em paz consigo mesmo, segundo eles: Nós temos
outra moradia dentro da mata. E essa moradia que temos dentro da mata é a moradia
que nossos antepassados viveram e hoje a gente vive, e essa o povo não vê. Se eu
pudesse eu morava lá (Dona Josefa, 59 anos. Anotação de campo, Caldas/abril 2012).
A quarta territorialidade é a do vínculo com territórios do passado, tanto em
Palmeira dos Índios, na Fazenda Canto, quanto em Paulo Afonso, na Bahia. É
importante salientar que essa territorialidade é apenas simbólica, ela representa
exatamente o vínculo com o passado, com as recordações dos espaços vividos pelo
grupo, que não há uma continuidade espacial. Essa ligação acontece também pelo fato
de ainda existir índios Xucuru-Kariri morando nestes territórios. Outro modo de ver a
importância desse vínculo com o passado é a reprodução de algumas formas na reserva
atual, exemplos: o quiosque de alvenaria existente na reserva é chamado pelo grupo de
oca, remetendo às formas de moradia do passado e, o outro, é o fogão que Dona Josefa
tem construído no quintal de casa, direto na terra, pois segundo ela esses aparelhos
47
tecnológicos (fogão a gás) uma hora ou outra acaba não funcionando, portanto, mesmo
tendo um fogão a gás, não deixou de usar da técnica que há tempos está acostumada e
sabe que não falha.
A quinta territorialidade é a urbana, que muitos outros povos tradicionais
também já adquiriram. Os espaços urbanos em sua maioria são organizados pelos
interesses capitalistas, de alta valorização de imóveis urbanos e sua especulação para tal,
pela segregação de pessoas e recursos pela lógica de muitos planejamentos urbanos, que
remete ao desconhecido, símbolos diferentes dos seus, em um processo fenomenológico
até então nunca percebido e vivido. A dinâmica a partir de então acontece a partir do
tempo da cidade, e não mais o tempo do campo, “das coisas próximas que passam
devagar”. Acreditamos que essa territorialidade, que surge de necessidades como
trabalho, recebimento de aposentadorias e outros serviços bancários, compras mensais
nos supermercados, lazer para alguns, foi a que mais rápido inseriu hábitos e técnicas
bem diferentes às indígenas no passado. A aposentadoria está sendo para alguns índios
uma importante entrada de recurso financeiro para suas necessidades e vontades, e todos
os caminhos para tal acontecem no espaço urbano. Ou seja, auxilia em medicamentos,
alimentação, roupas, lazer, entre outros. A territorialidade urbana se expressa nas
manifestações e reivindicações que os indígenas fazem pelo território brasileiro, como a
Rio + 20, fóruns de assuntos indigenistas, reuniões de negociações com a FUNAI e até
mesmo em visitas a parentes que ficaram em outros territórios. E também para os índios
que atualmente usam do centro urbano para lazer, trabalho e estudo, como as crianças
que estudam na cidade.
Atualmente alguns traços de modos de vida urbanos são característicos do
grupo, a territorialidade urbana no universo das concepções Xucuru-Kariri é a vivência
na modernidade, de que muitos já se acostumaram. Há nesse momento uma
experimentação ao mundo moderno, ao diferente do mundo vivido por eles até então, de
quando tinham pouquíssimas necessidades atreladas aos centros urbanos. A
comunicação com outras instituições para o grupo também acontece nos centros
urbanos, em sua maioria, como os assuntos associados às políticas públicas e
assistencialistas do governo federal.
A sexta territorialidade é a das conexões políticas com o mundo diferente,
propriamente o relacionamento com o não índios. A formação desse território começa
anteriormente a vida na Fazenda Canto, em Alagoas, durante os movimentos
migratórios. E é nesse movimento que a territorialidade urbana se torna política para
48
assuntos com órgãos governamentais e processo de conquistas de terras. Tanto que
dentro da organização do grupo existe quem responde e reivindica por esse território
político, de reivindicações, como é o caso do cacique e vice-cacique. Entretanto, a
dinâmica desse território faz com que muitos atributos não indígenas sejam absorvidos e
vivenciados pelo grupo alterando seus modos de vida. Dessa maneira, após um longo
período em que a cultura Xucuru-Kariri estava ‘adormecida’ como dizem eles, uma
escola foi reivindicada, e que teve inicio de seu funcionamento em 2004 buscando uma
educação diferenciada que aproximassem a educação dos aspectos tradicionais do
grupo, inserindo disciplinas como Cultura e Uso do Território. Essa territorialidade faz
com que as lideranças não se mantenham nos moldes tradicionais de pensar pelo grupo,
pois essas atualmente têm que agir muito mais fora do que dentro das reservas
indígenas, na reivindicação de um território mínimo (direto a terra, abrigos e recursos).
Quadro 2 - Síntese das territorialidades do grupo Xucuru-Kariri.
Territorialidade Dinâmica Características
Rural Maior constância no
passado com roças,
lavoura, plantações.
Atualmente
transformada a partir
das novas
circunstâncias.
No passado
associava-se às
técnicas de cultivos
de grãos, verduras e
legumes,
principalmente da
mandioca.
Atualmente se
caracteriza pela
produção leiteira e
plantação de
hortaliças.
Homem e
natureza
Simbólica e
funcional.
Domínio sobre o
espaço para realizar
“função” ou produzir
significado.
Ritual - Ouricuri Simbólica, elemento
cultural do grupo.
Acontece geralmente
uma vez por ano no
interior da mata,
embora esse espaço
seja usado quando
exista necessidade.
Ritual sagrado para
etnia Xucuru-Kariri.
É permitida somente
a participação dos
índios do grupo.
49
Vínculo com
territórios do
passado
Com um valor
simbólico acontece
nos vínculos e
recordações com os
espaços vividos pelo
grupo.
Vínculo com
indivíduos do grupo
que ficaram em
territórios passados.
Reprodução de
algumas formas:
quiosque e fogão.
Urbana Acontece de maneira
funcional e simbólica
nas necessidades e
atividades com e nos
centros urbanos.
Trabalho,
pagamentos de
aposentadoria, lazer,
compras, entre
outras.
Conexões políticas
com o mundo
diferente
Basicamente
acontece no contato
com o mundo não
índio, para relações
diversas.
Reivindicações e
necessidades para
viver com o território
e a partir dele.
Organização: Caetano Lucas Borges Franco.
Todas as territorialidades se interligam em algum lugar no tempo e no espaço
da memória do grupo, fazendo com que haja a construção de um laço simbólico –
material pela história de vida do grupo, configurando uma rede. Esses territórios
identificados acontecem em espaços contínuos como zonas, ou descontínuos,
conectados pelas relações e, formatados também em redes. Acumulam e sobrepõem-se.
5.2.3 A Multiterritorialidade
Entendemos por multiterritorialidade o movimento de indivíduos ou grupos por
múltiplos territórios, que se estabelecem por laços simbólicos e materiais com os
territórios tanto na e pela mobilidade, que pode também ser exercido e/ou acionado sem
a necessidade de se deslocar, como pode ser observado nas diversas conversas com o
grupo Xucuru-Kariri. A partir de Haesbaert (2007, p.19), temos que a
multiterritorialidade:
[...] Aparece como uma alternativa conceitual dentro de um processo
denominado por muitos como “desterritorialização”. Muito mais que
perdendo ou destruindo nossos territórios, ou melhor, nossos
processos de territorialização (para enfatizar a ação, a dinâmica),
estamos na maior parte das vezes vivenciando a intensificação e
complexificação de um processo (re) territorialização muito mais
múltiplo, “multiterritorial”.
Pensando a trajetória do grupo de Alagoas ao sul de Minas Gerais, é tratado
cada município por eles morado como um território que existiu e foi experimentado por
eles. Pensamos também a possibilidade múltipla de existência de outros territórios a
50
partir desses citados, tanto ao que se refere ao indivíduo ou ao grupo. Haesbaert (2004,
p.344) considera que:
[...] a existência do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo
menos no sentido de experimentar vários territórios ao mesmo tempo e de, a
partir daí, formular uma territorialização efetivamente múltipla, não é
exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de
territorialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda
relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de
diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma
‘multiterritorialidade’.
Concluímos dessa maneira que a existência de múltiplos territórios pelo
processo histórico do grupo foi fator influenciador na construção de sua identidade.
Todas as relações materiais e imateriais foram incorporadas de algumas maneiras a
nível individual ou do grupo. Ladeira (2008) também parte do multidimensional do
território para discutir a identidade Mbya, assinalando que a constituição identitária dos
Mbyas se relaciona com os territórios vividos por eles. Para ela o território está inter-
relacionado a uma visão de mundo, podendo ser também um modo de vida que se
imbrica as construções das identidades e que essas perpassam pelas e nas relações com
os outros. Sendo assim, entende que a formação da identidade está atrelada ao espaço
geográfico, reforçando assim a ideia de Haesbaert (1999) sobre identidade social, como
identidade territorial. No próximo capítulo iremos explorar melhor a questão das
identidades culturais e territoriais dos índios Xucuru-Kariri, a modo de pensar seus
posicionamentos sempre sendo dinâmicos e negociantes.
5.3 As transformações dos modos de vida: alguns exemplos
Nesse momento, exploraremos como que através do tempo e dos espaços
vividos, a dinâmica dos modos vidas vai se transformando juntamente com o
transformar de territórios do grupo. Esse transformar de modos de vida que falamos se
caracteriza também pelas técnicas que os índios utilizam para vivenciar esses territórios.
Para isso, utilizamos trechos de algumas conversas que tivemos em trabalho de campo
para melhor ilustrar essas transformações nos hábitos do grupo Xucuru-Kariri. Dona
Flora (83 anos) em conversa nos conta de como a questão alimentícia e climática está
atrelada a esses modos de viver que os territórios possuem, e de que maneira ela lida
com essa situação no presente.
Eu que sou velha já estou acostumada com o frio... foi difícil uns tempinhos, e
depois nos acostumamos, nos acostumamos aqui, com o frio daqui, mas o que
achei ruim aqui foi negócio de comida, misturas, essas coisas assim, pois lá a
51
gente tinha negócio de galinha a gente comprada na feira, era matada na
hora... e aí quando a gente botava para ajeitar para comer né ficava uma carne
gostosa. E aqui, as carnes daqui, os frangos são sem gosto. [...]Foi o que eu
achei ruim aqui foi isso.Lá tem o peixe salgado, peixe fresco, peixe de todo tipo
que a gente quisesse, e aqui, os peixes daqui é bacalhau que quando a pessoa
compra ele e molha ele faz aquele cheiro de cru da ‘desgrama’, a carne só é
carne de costelas de porco, costelas de vaca, por que aqui não mata boi, só
vaca. Foi isso que eu achei ruim daqui. Eu to acostumada, só com as misturas
daqui que não, eu como por que sou quase obrigado para não comer feijão
pura, mas as comidas aqui não me agradam não. [...] E Eu no tempo que eu
possuía meu marido lá, as coisas eram outras, tinha muita fruta, as pessoas tem
aquele sítio na serra aonde tem aquele monte de fruta, cheio de manga, sem
precisar comprar, jaca tem demais também,toda fruta que a pessoa quisesse, é
isso que eu sinto muita falta.
Já a Dona Josefa também em conversa compara os tempos do passado com
atualmente no que se refere a objetos e utensílios, mostrando que a técnica usada na
construção desses, se diferencia com o passar dos tempos, entretanto possuem as
mesmas funcionalidades.
Não tem nem comparação. [...] Antes era tudo mais natural e nativo. Não
existia tanto contato de gente misturada. Não existia fogão, não existia panela
que nem hoje, colher, garfo, faca, essas coisas, a colher nossa era os cinco
dedos, e as conchas para tirar o feijão era mãe que fazia, não tem os cocos?
Que a gente parte para rapar aquele miolo dele? A gente comia o miolo e
raspava, um coco só dava duas conchas, que era para tirar o feijão. Panela do
próprio barro, prato do próprio bairro, cama não existia. Ninguém ficava
comprando essas coisas, cadeiras, era tudo natural. Luz era o candeeiro e o
fogo. O que era uma coisa muito bonita que eu achava, quando era de noite, as
índias velha diziam: Vamos cuidar de comer cedo que mais tarde vamos lá na
casa de compadre fulano. Pra quê? Para contar historias dos antepassados
deles, fazia um fogo no terreiro deles, e nos vivíamos numa vida muito
tranquila e mistura era do mato, feijão era da terra, da roça, ninguém saia
para rua procurando tempero para colocar nas panelas, era tudo do mato. E
mistura era de caça e peixe. Por isso eu te digo, a vida antigamente era muito
boa. [...] Essa relação com os antepassados, nossos costumes aqui não se
perderam, estamos vivos e fica tentando, passando para os outros, faz reunião,
conversa com eles, para não deixar nosso costume cair. O que é muito diferente
para gente hoje é o costume das roupas e da alimentação.
É perceptível como a dinâmica de vida do grupo se transforma, pois se antes
existiam as rodas de conversas com os mais velhos sobre a cultura Xucuru-Kariri e seus
antepassados, hoje essa comunicação acontece de outra forma. O próprio preparo e
produção das comidas e dos utensílios que usam acontecem de maneira diferente que
em tempos e territórios passados. A inserção de hábitos cotidianos da sociedade não-
52
índia no cotidiano de vida deles produz materialidades e imaterialidades distintas,
fazendo com que o grupo reorganize seus modos alimentares e de vestimenta. Assim,
mostra que é através dessa percepção absorvida pelos índios que irão reproduzir suas
necessidades e desejos. Esse grupo, que no passado tinha uma dinâmica de vida
próxima as suas raízes e tradições, hoje se vê frente a um mundo que lhes oferece
múltiplas possibilidades de agir e ser em seus territórios. A professora Jizelma nos fala
um pouco sobre essa questão em que o grupo está em constante contato com a
sociedade não-índia, e não tem como deste se desvencilhar. A reserva atual no
município de Caldas é caracterizada de espaços híbridos onde há mistura de objetos
artesanais e antigos, que são próximos da cultura dos índios, mas também de objetos
tecnológicos como televisão, fogão, geladeiras, DVD e outros. Não que isso não deva
existir ou que eles não devam fazer o uso desses objetos, mas são através dessas
dinâmicas que são absorvidos aspectos imateriais de outra realidade, como notamos
novamente nas falas da professora.
O que a gente não deve deixar para trás é a cultura. Mas de resto a gente
leva. Se está inovando tudo, porque que a gente não tem que inovar também.
Ninguém tá parado lá, o tempo não para, né? Que nem uma vez né, veio um
pessoal aqui e disse: mas vocês têm celular? Tem carro? Mas o que a gente
vai fazer então no mundo sem a gente ter nada, a gente não estamos fechado, a
gente está vivendo junto com todo mundo...
6- IDENTIDADES: elementos culturais e territoriais
6.1 Algumas considerações teóricas
A história do povo Xucuru-Kariri se fragmenta em diversos espaços e relações,
as quais são condicionadas por dinâmicas (sociais, espaciais, econômicas, culturais e
ambientais) múltiplas e diversas, que fazem com que sua identidade seja negociada e
reconstruída constantemente. Objetivando compreender o modo de construção territorial
do grupo, nos predispusemos a entender os indivíduos, bem como a unidade que juntos
constituem. Nesse momento, a identidade e a diferença nos auxiliam a pensar como se
criam e reproduzem seus territórios, uma vez que os termos se tornam inseparáveis para
suas próprias distinções e significados. Assim, levando em consideração que o cotidiano
é a transformação das circunstâncias, a identidade às vezes se comporta como produto, e
às vezes como produtora de territórios. Ou seja, as identidades acontecem em múltiplas
dimensões, sendo elas histórico-geográficas, cultural, social, territorial, entre outras.
Todas essas identidades se localizam no espaço e no tempo simbólico, pois
possuem singularidades como paisagens, relações, tradições, ambientes. Desta forma,
53
que concordamos com Haesbaert (1999), quando argumenta que a identidade social é
também territorial quando o referente simbólico central para a construção desta
identidade acontece a partir do território ou o transpassa. A dinâmica do território e da
identidade acontece em mão dupla, uma vez que a partir do território possa haver uma
modelação na identidade, assim como esta possa modelar o território. A própria reserva
indígena carrega consigo esse processo, uma vez que as identidades culturais dos grupos
sociais dependem desse território para se reafirmar, e vice-versa.
Voltar ao passado e reconstruir a história e a vida do grupo em cada espaço e
tempo, desde sua terra nativa, é importante para compreendermos o processo de
construção de sua identidade, que além de produzida simbólica e socialmente, possui
um caráter biológico. Conhecer e/ou reconstruir o passado são umas das formas de
fortalecer a identidade (WOODWARD, 2000), já que são construídas e mantidas. A
identidade é que marca as dimensões de posicionamento dos sujeitos. Desta forma, não
devemos nos ater a uma análise estável e fixa, mas a uma análise baseada em esferas
fragmentadas e múltiplas, já que é construída a partir de determinadas dimensões
sociais, simbólicas e psicológicas (WOODWARD, 2000), fazendo-se relacional. Desta
forma, a diferença marca a identidade.
A identidade que se cria no e com o espaço e relações nele presentes, produz
uma subjetividade em cada indivíduo, que articulando e atuando nele de forma singular,
o transforma de múltiplas maneiras. Envolta e contida nessas ações está a cultura desse
grupo, produzindo identidades e diferenças particulares, dinamizando os modos de
reprodução de vida social. Elas serão representadas basicamente nos fatos ativos da
mente, ou seja, dos impulsos e afetuosidades que produzem uma pluralidade de
sentimentos que influenciará nas ações e decisões de cada um. Investir em um estudo de
identidade é importante para entendermos os sujeitos e suas subjetividades, o que
envolve a condicionante dos agentes do espaço, qual seja, a psique humana.
Ao argumentar que “existe uma associação entre a identidade da pessoa e as
coisas que uma pessoa usa”, Woodward (op. cit., p.10) nos leva a pensar a identidade
individual ou de um grupo/comunidade produzindo uma realidade/vida social de acordo
com seus utensílios, e muitas das vezes, esses utensílios são compreendidos por técnicas
próprias, caracterizando-os desta forma, ou seja, “a representação inclui as práticas de
significação e nós como sujeito. Consideramos que o espaço também é umas dessas
coisas que as pessoas usam, e este se associa a identidade de tal. É por meio dos
54
significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e
aquilo que somos” (p. 17).
Nessa marcação da identidade pela diferença, são produzidos símbolos
concretos que ajudam a identificar nas relações quem é um determinado tipo de sujeito
(homem, mulher, etc.) ou não, mostrando mais uma vez que a produção da identidade é
tanto simbólica quanto social, e a luta para afirmar uma ou outra identidade ou as
diferenças que cercam a vida cotidiana têm causas e consequências materiais.
A diferença é marcada em relação à identidade através de sistemas
classificatórios que fabricam sistemas simbólicos por meio da exclusão. Esses sistemas
classificatórios que se fazem duais na maioria das vezes (mito e religião, puras e
impuras, etc.) constituem forma de incluir e excluir indivíduos a partir de categorias.
Então identidade e diferença se mostram de maneiras conflituosas participantes no
comportamento e reprodução da vida social, e a singularidade dos casos se afirma já que
a “identidade é marcada pela diferença, mas parece que algumas diferenças – neste caso
de grupos étnicos – são vistas como mais importantes que outras, especialmente em
lugares particulares e em momentos particulares” (p.11).
Na produção social a identidade parece ser um acontecimento autônomo, que
faz referência a si própria, sendo autocontida e autossuficiente. Neste diapasão, a
diferença é aquilo que o outro é, o que faz da diferença, assim como a identidade, ser
concebida desta forma como auto-referenciada (SILVA, 2000, p.74). Os termos se
ligam no que se refere a tornar-se e não tornar-se, ser ou não ser, portanto, a diferença é
marcada pela positividade negativa. Identidade – é negatividade – se faz também
daquilo que não é.
Silva (op. cit.) nos alerta que tanto a identidade quanto a diferença são criaturas
de linguagem que se criam social e culturalmente, o que as tornam maleáveis e
marcadas pela indeterminação e instabilidade, uma vez que o caráter da linguagem se
comporta de maneira vacilante. A diferença é marcada pela linguagem. Entender a
produção da identidade e da diferença se torna tarefa complexa frente a um espaço
globalizado e híbrido, em que as relações e os fluxos são cada vez mais intensos e
correntes. Apesar das transformações que percorrem a identidade e a diferença ainda
carregam o poder de definir, como afirma o autor:
[...] elas não só são definidas como também impostas, elas não
convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem
hierarquias; elas são disputadas. A identidade e diferença estão, pois,
em estreita conexão com a relação de poder: o poder de definir a
55
identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações
mais amplas de poder. A identidade e a diferença não são, nunca,
inocentes (p.81).
Apesar de a identidade possuir uma tendência de se fixar, o processo oscila
entre o que tende a fixar e estabilizar e o que tende a subverter e desestabilizar, o que
torna sua análise complexa. Portanto, é através das representações que irão ganhar
sentido, pois:
[...] é também por meio da representação que a identidade e a
diferença se ligam ao sistema de poder. Quem tem o poder de
representar tem o poder de definir e determinar identidade. É por isso
que a representação ocupa um lugar tão central na teorização
contemporânea sobre a identidade e nos movimentos sociais ligados à
identidade (SILVA, op. cit., p. 91).
Portanto, a representação como um processo cultural produzirá questões
individuais cunhadas no aspecto da busca do ser e o que poderemos ser. Inseridos no
processo cultural dos indivíduos e grupos sociais, o costume e a tradição representarão
nas relações, as identidades no âmbito da cultura, uma vez que:
[...] a representação inclui as práticas de significação e nós como
sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações
que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos
(WOODWARD, op. cit., p.17).
Importante se faz a concepção de que as identidades estão sempre se
produzindo e reproduzindo, não se comportando como sistemas fechados e terminados,
o que para Hall (2000) se faz como negociadas, construtivas, não fixa e não imutável. O
que nos leva a pensar então em uma constante transformação, constituindo um processo
de identificação. A situação desse comportamento se complica frente a um mundo
globalizado, constituído de espaços fluídos e trocas simultâneas, onde técnica e
informação são os ditames da atual dinâmica que produz um cotidiano de vida
fragmentada.
Portanto, na construção da identidade a percepção, que é construída através da
semiótica e da fenomenologia, se comporta como fator decisivo e estimulante de
práticas sociais, comportando os indivíduos nos espaços diante do que vivem e
experimentam, dos inúmeros sentimentos e sensações que determinam os processos na
paisagem geográfica, oriundos do cotidiano, ou seja:
[...] os sentimentos humanos se materializam no espaço através de
signos materiais (prédios, jardins, monumentos, pontes, etc.) e
imateriais (frases, palavras, gestos, silêncios e pensamentos). Cada um
destes signos será interpretado de acordo com a bagagem cultural,
social, emocional de cada interprete num determinado tempo e espaço
(ROCHA, 2003, p.78).
56
A partir da contextualização teórica podemos refletir como os índios Xucuru-
Kariri e suas identidades são importantes e determinantes na maioria das vezes para a
construção territorial, pois é pelo território que existe a relação simbólica entre cultura e
espaço (ROSENDALH, 2003). Nesse momento, nos atemos a uma melhor elucidação
da questão por meio de experiências práticas do grupo e realização de entrevistas em
trabalho de campo. Propomos-nos então a entender como foi construída e como é a
dinâmica dessa identidade frente ao processo histórico por eles vividos nos
remanejamentos, nas relações e na atual reserva.
6.2 As identidades marcadas pelas diferenças, pelos utensílios e pelos saberes
étnicos
Iniciamos aqui, para a discussão da identidade do grupo, com trechos de
entrevistas e falas colhidos pela pesquisadora em educação Beatriz Sales da Silva, que
junto ao grupo, escreveu sua dissertação de mestrado. Quando realizou suas entrevistas
para a tese, Silva (2010) se deparou, em um primeiro momento, com a questão
identitária do grupo, com a fala de Dona Josefa, esposa do cacique José Sátiro, que se
preocupava com a imagem que passaria aos outros através de suas vestimentas: “a
imagem fica gravada na cabeça de quem não conhece o povo Xucuru- Kariri” (p.30).
Nesse momento percebemos que apesar de saber que ser índio para Dona Josefa não se
reduz somente às suas roupas e utensílios, existe uma preocupação em se apresentarem
vestidos com suas roupas de rituais. Percebemos também que essa preocupação vincula-
se a não querer imagens distorcidas sobre sua identidade indígena, uma vez que ser
índio não é somente viver na mata e/ou não ter relações institucionais. Inerentemente ao
grupo, essas relações e novos modos de vida foram lhes atribuídos. Portanto, a
identidade a ser fixada sobre os indígenas é totalmente a do índio literário, a do índio
genérico, não levando em consideração as diferenças que os marcam de diversas
maneiras.
Assim, para Hall (2004) a identidade só entra em questionamento, quando as
incertezas e dúvidas se sobrepõem a algo tido como fixo, estável e coerente. E é nesse
ponto em que a identidade indígena do grupo aproxima-se da crise, pois eles
atravessaram e atravessam diversas fronteiras em seus remanejamentos, e é nesse
atravessar que fica para trás lugares, relações, tradições e pessoas que lhes
57
representavam a estabilidade e as apropriações. Portanto, as incertezas e dúvidas sobre a
identidade indígena do grupo são elaboradas como preocupação pelo próprio grupo,
pela imagem que eles passam, e nesse momento utilizamo-nos novamente de um trecho
de entrevista de Silva (2010, p.31-2) com o cacique do grupo, José Sátiro:
Hoje muita gente pensa que porque o índio veste roupa, trabalha com sapato
no pé, bota um celular no bolso, relógio. Não é isso que faz esquecer aquilo que
são. Nós aprendemos com o branco, coisas boas e coisas ruins. As ruins a gente
esquece só lembra das boas. Hoje a gente está no limite, quase que nem o
branco. Como igual ao branco, não é igual ao branco porque não posso
comprar aquilo que o branco come, o rico. Mas o feijão, a carne, o macarrão,
a farinha, isso é básico dos índios. Eu não sei que cabeça tem nossos governos,
acabou com as matas, acabou com os rios, acabou com os peixes, acabou com
as caças. Modificou e fez o índio seguir o caminho dos brancos, mas não fez no
índio mudar os costumes tradicionais, que é a cultura, o ritual, as crenças e
tradições. Isso nunca vai ser mudado por que está no sangue, é nativo.
Enquanto isso eu acho que os culpados de hoje os índios estarem
americanizados foi os padres, que tratou de catequizar. Fazer os índios, a
maioria do nosso povo hoje, tem gente que fez esquecer, costumes, tradições,
mas pelo contrário àquela que zela, que nasceu no sangue, que está no sangue,
ninguém jamais fez esquece aquilo que somos. Que é a nossa tradição, o nosso
ritual, nosso costume tribal. Então isso a gente não quer falar das antigas
datas, vamos falar do presente, porque das antigas datas é sofrer duas vezes.
Eu acabei de dizer que os nossos parentes, nossos irmãos índios no dia vinte e
dois de abril de um mil e quinhentos, eram seis milhões de índios e hoje nos
quatro cantos do Brasil tem quatrocentos e setenta e poucos índios. O restante
foi para a pistola das grandes mineradoras, das grandes hidrelétricas, das
grandes madeireiras. Isso fez o índio se revoltar. No Brasil são três poderes,
existe uma coisa que é engraçada e eu não combino, mas está na lei a gente tem
que seguir. Quando o índio não sabia plantar, um pé de arroz, um pé de milho,
um pé de feijão, o índio era completamente inocente e vivia até cem anos. Hoje
depois que o índio estudou, se formou e vê o que é bom para o povo e bom para
si, existe uma lei de que o índio é incapaz. Isso aí dói dentro da gente, mas
piamente quem lançou essa lei e faz valer esse poder é mais criança que os
próprios índios.
Primeiramente, podemos trabalhar a ideia de Woodward (2000) da existência
de relação entre identidade e o que a pessoa usa. O cacique faz referência a suas
vestimentas, como sapato, celular e relógio, e em seguida afirma que não é por usar
esses objetos que deixa de ser índio. Percebemos aí que a diferença existente entre os
objetos ditos dos não-índios e índios, é o que também pode afirmar a sua identidade
indígena. Depois ele faz referência às coisas que aprendem com os ‘brancos’, e nesse
momento podemos perceber que ao dizer que as coisas ‘ruins’ eles esquecem, só
aproveitam as coisas boas, mais uma vez a diferença ou o que para ele é julgado como
58
‘ruim’ também marca sua identidade. Pois a diferença é marcada pela identidade através
desses sistemas classificatórios que se fazem duais, como afirma Woodward (2000). No
decorrer de sua fala, é importante notar como a questão da identidade é produzida
simbólica e socialmente, quando faz referência aos padres, ao tipo de alimentação e aos
governos que lhe ditam como ser, atribuindo aos índios hábitos e condições inexistentes
anteriormente. Salienta-se que tanto a identidade quanto a diferença não se apresentam
somente como múltiplas, mas também de complexas maneiras, pois suas dinâmicas são
e estão associadas aos espaços institucionalizados e das imaterialidades neles contidos.
Nessa mesma perspectiva da identidade se relacionar com as coisas que uma
pessoa usa, abordamos agora de outra fala, coletada em nosso trabalho de campo, para
elucidar o índio e seus adereços. Em conversa com Dona Josefa (46 anos), outra índia,
que não a citada anteriormente, nota-se um trecho importante em relação a esses
utensílios. Ao falar sobre sua etnia e como é ser índio, ela expressa:
Eu como índia sou uma mulher que tenho as coisas dentro de casa, eu
tenho meu cocar, eu tenho minha roupa de dançar, tenho meu sutiã, eu
tenho minha saia, e tenho minha cultura e tenho meu cachimbo. Sei fazer
meu ‘trabalhinho’ de índio que minha avó me deixou desde ‘novinha’.
Nesse trecho podemos notar que apesar de não estar caracterizada como um
índio da visão literária, aí existe uma preocupação em relação a sua imagem, pois ela
possui coisas/utensílios que para ela afirma-se como identitário ao índio, como por
exemplo, o cocar, a saia, a roupa de dança e o cachimbo. Notamos também que o
afirmar ser índio se faz pelo ‘trabalhinho’ que ela diz herdar da avó, mostrando que essa
identidade se afirma também como pelo costume e pela memória, sendo um
aprendizado construído com os mais velhos, ou seja, produzida simbolicamente.
Reforça-se assim a identidade, conhecendo e reconstruindo o passado, como afirma
Woodward (2000).
Outro trecho a ser trabalhado é da entrevista com o cacique substituto Jal (39
anos), filho do Sr. José Sátiro, que em meio a nossas conversas sobre os costumes e
tradições do grupo, coloca o toré como um importante elemento cultural na afirmação
de sua identidade indígena, e também mostra como os saberes passados dos mais velhos
para os mais novos também reforçam na afirmação dessa identidade:
Índio tem que ter a sua identidade, nós tem a nossa identidade. A gente
não perdemos essa identidade, nós já nascemos com essa identidade,
então essa identidade que nós temos a gente tem que ensinar as crianças,
né, para que ela mais tarde quando sentir que perdeu uma avó, que nem
tem a minha avó aqui por parte de mãe, tem que ser lembrada pelos
59
netos. E os netos tem que saber que existiu uma velha que nasceu de um
índio e uma índia, e esse neto tem que pegar o ensinamento e não deixar
cair. Aqui tem meu pai que é o cacique que foi de uma época antiga, e
ele tá ficando antigo, por que tem muitos netos e até bisneto, então daqui
mais alguns anos nosso Deus, não vai falar qual a data que vai levar ele
também para que ele seja lembrado, e esses costumes como o toré, que a
gente dança para se alegrar, para tirar a tristeza, né, e fazer com que os
indígenas procure cada vez mais ter essa identidade que os mais velhos
ensinaram. Hoje tem minha mãe que é uma das responsável né, inclusive
ela junta o povo para que mais tarde ela possa ser lembrada, e quando
ela faz isso, ela ta deixando a identidade do nosso povo viva, né, então
nós tem que aproveitar, os novos (nós), para que esses ensinamentos,
para quando Deus levar ela também, a gente saber que a gente somos
Xucuru-Kariri e saber que passou alguém ensinando, quando ensinou a
eles, agora eles já são pais da comunidade Xucuru-Kariri, então eu
tenho que saber que ele deixou o ensinado também.
Portanto, nota-se que a identidade está atrelada para os índios com o ensinar,
com os saberes dos mais velhos, com momentos vividos e experimentados por eles e
repassados aos mais novos como uma garantia de saber o que é ser índio. Mostra-se
assim, da parte dos mais velhos, a preocupação de ser índio nos tempos atuais. E são
nesses saberes dos mais velhos que se encontram laços com espaços e tempos do
passado, em que a memória refaz e reconstrói elementos culturais comuns ao grupo.
Nesta mesma linha em que as representações produzem um significado na afirmação
identitária do grupo, que expressa o que são, notamos essa importância nas falas do Sr.
José Sátiro, mostrando que a identidade é também produzida simbolicamente:
O toré é um ritual que é símbolo do povo Xucuru, que tem mais de 150 anos
que tem né, esse nome que significa a dança. A dança do povo Xucuru, essa que
nos apresenta. Mas nós temos nosso ponto no mato, que é o nosso ritual que é
onde nós faz nossas orações e convoca os espíritos, não é espírito morto, é
espírito vidente né, é de lá que vem nasce a cura e de lá vê a maldade que
existe lá fora com nosso povo, e descobre também a maldade do branco e do
próprio índio. [...] O toré não é gostar, é uma raiz, é tradição. A gente tem de
berço, do nascimento de nossos pequenos, de nossos antepassados. [...] O índio
é forte, não deixamos cair, e nunca vamos deixar cair nosso ritual, nosso
costume tribal. [...] O índio já se habitua na tradição, por que já vem de Deus,
essa festa, que a gente dança e se diverte, ele acontece quando dá vontade, pra
toré não tem data certa não.
Entretanto, sabemos que a identidade, além de simbolicamente construída,
socialmente se produz e é remanejada. Nessas negociações acarretadas pelas relações
60
sociais surgem dificuldades, processos e dinâmicas de vida, que de certa forma, ajudam
em um processo de identificação. Notamos na fala abaixo de Sr. Zito (54 anos), como as
dificuldades enfrentadas em outros espaços e em outros tempos, socialmente negociou e
reproduziu a identidade indígena:
Eu senti muitas diferenças e mudanças na vinda de Alagoas para Caldas. Lá é
mais sacrificoso o tempo pra viver, mais sacrificoso né. Aqui já melhorou um
pouco mais pra mim a vida, não passei mais o que eu passava lá. Passava fome
e discriminação do povo de lá, dos brancos vizinhos, não queriam ver os índios,
ver os índios passando por dentro das terras deles, aqui o povo é mais humilde.
Mas tive dificuldade quando cheguei aqui por causa do frio, eu era acostumada
em terra quente. Hoje sinto falta dos meus amigos, deixei muitos amigos por lá.
A fome, um problema social, representa para ele a lembrança de um tempo de
sacrifício, em um espaço que o ser índio estava entrelaçado com o preconceito e a
discriminação de sujeitos não-índios. A identidade indígena é marcada aí nas dinâmicas
espaciais com os vizinhos brancos, pois o limite da terra representa uma diferença social
existente nesse momento, uma vez que o índio passa a ver pela discriminação as
diferenças entre ele e o vizinho, marcando assim sua identidade.
Quando conquistaram suas terras no município de Caldas, o povo Xucuru-
Kariri, em um movimento pela revitalização de sua cultura, começa a lutar por uma
escola dentro da reseva, para que houvesse uma melhor aproximação entre educação e
no modo de se relacionar. Foram anos até a instalação da escola, juntamente com a
Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, e enfim, conquistaram o espaço
para a E.E. Indígena Xucuru-Kariri Warcanã de Aruanã. Além das matérias
convencionais da escola do não índio, a alfabetização se faz juntamente com duas novas
disciplinas escolares, julgadas por eles de grande importância para seu povo e, assim, os
alunos da escola passam a ter as aulas de Cultura e Uso do Território. Importante
lembrar que todas as disciplinas oferecidas na escola são ministradas por indígenas
moradores da reserva.
A introdução da escola já é uma readaptação da cultura deles - uma instituição
externa à sua história, a escola - mas para manter a sua cultura, o que representa uma
contradição dialética entre identidade e diferença.
Nessa nova dinâmica dentro da reserva, a escola se comporta como grande
aliada na revitalização da cultura do povo Xucuru-Kariri e da construção e negociação
da identidade indígena, uma vez que se tem através dela, uma educação diferenciada.
61
Para melhor dialogar sobre o papel da escola na afirmação da identidade indígena,
trabalharemos trechos de entrevistas feitas com a professora da escola, Jizelma:
Hoje a gente decidiu, fizemos reunião com o cacique, tem que ter aula de cultura, vai
ter, mas vamos falar da nossa cultura. Vamo ensinar pros nossos filhos, pros nossos
alunos de onde a gente veio, de onde somos. Às vezes eles saem pra fora e não sabe
nem contar nada da gente. Tamo em Minas Gerais e o que, a maioria dos meninos que
estão estudando na cidade são a maioria daqui, nasceram aqui, então eles tem que
saber da onde a gente veio, e saber dizer eu sou índio, eu tenho minha cultura, somos
diferentes por causa disso e daquilo, não ter vergonha e nem ter medo, falar, é
importante...cada um tem sua cultura, seu jeito de ser, de falar, de viver.
A fala da professora Jizelma enriquece o diálogo, quando se percebe que a
identidade para eles é a própria cultura, e essa cultura é associada em grande parte pelas
apropriações espaciais e seus costumes tribais. Quando diz ensinar pros nossos filhos,
pros nossos alunos de onde a gente veio, de onde somos, ela remete a sentimentos do
passado, a lugares que moraram antes e que para eles há sentimentos de pertencimento,
pois o ensinar a história para os que em Minas Gerais nasceram é um modo de afirmar
uma identidade territorial construída e mantida de tempos e espaços anteriormente por
eles vividos. Em um segundo momento, percebemos novamente como a identidade é
marcada pela diferença, e como a diferença é marcada pela identidade. Assim, afirma-se
o que Silva (2000) coloca como diferença e identidade auto-referenciada, ou seja, a
diferença ser marcada por aquilo que o outro é. Isso se evidencia quando ela diz que
“então eles têm que saber da onde a gente veio, e saber dizer eu sou índio, eu tenho
minha cultura, somos diferentes por causa disso e daquilo, não ter vergonha e nem ter
medo, falar, é importante...cada um tem sua cultura, seu jeito de ser, de falar, de
viver”, desta forma, nota-se que os hábitos e o que eles realmente são e sabem que são
diferentes da sociedade hegemônica marcam a sua identidade. Quando ela menciona
que para afirmar ser índio não deva existir nem vergonha e nem medo, é que
conseguimos ver como eles lidam com as questões de afirmação étnica e preconceitos
existentes em práticas do cotidiano. Nesse caso, o se sentir inferior para se afirmar como
índio reforça sua identidade pelas desigualdades étnicas que existem, ou seja, o poder
que tanto a diferença quanto a identidade tem de definir (SILVA, 2000).
Continuando com as falas da professora Jizelma, que muito conversou sobre a
importância da escola dentro da aldeia, conseguimos mais argumentos que possam
fomentar a discussão sobre a identidade. Apesar dos mais velhos saberem da
importância de manter a cultura indígena e lutarem por isso, eles sabe que hoje em dia
62
seus relacionamentos não são limitados entre eles, até por que há necessidade de
relações fora da reserva, sejam elas por lazer ou por questões de trabalho. Alguns índios
se casaram fora da aldeia e moram no centro urbano, da mesma forma que existem os
índios que se casaram e moram na aldeia. Portanto, eles vivem dinâmicas espaciais e
sociais diversas, muitas delas com indivíduos ou instituições diferentes de sua etnia.
Eu acho muito importante uma escola dentro da aldeia, por que assim, sabe por
que, antes quando os meninos estudavam na rua, que não tinha escola dentro
da aldeia, aí tinha aquele preconceito. Aqui dentro da aldeia os meninos vão do
jeito que quer, se tiver descalço eles vão, se tiver com a roupinha rasgada ou
suja eles vão, às vezes chega atrasado ou chega sem caderno a gente dá ou
arruma uma folha, uma caneta. E já na escola lá fora, não é assim, algumas
escolas exigem os meninos fardados, com o sapato bom. E por isso já
aconteceu vários problemas, uma vez aconteceu de um menino ir de sandália,
chinelo havaiana, os meninos de lá riram dele, não tinha sapato. Muito
meninos de 12 e 13 anos desistiram de estudar lá fora por isso, por causa desse
preconceito deles (não-índios).[...] Eu achei importante a escola aqui dentro
por que eles vão do jeito que eles querem, como se eles tivesse em casa, muito
à vontade.[...] Meu filho foi estudar na cidade, depois de três dias ele não
queria ir mais, por que os meninos de lá riam do sotaque dele, que não é tão
puxado o R como aqui.[...] A escola aqui dentro da aldeia é muito importante
para melhor se relacionar, se fosse possível a gente formar a criança aqui
dentro da aldeia seria melhor, mas a gente tem que ver o outro lado não pode
mais fazer isso, nem os índios que vive na Amazônia não estão preso, hoje a
gente tem que se relacionar com o mundo, com todo mundo, a gente tem que
misturar , querendo ou não temos que misturar, não estamos numa ilha preso,
a gente tá mais evoluído como diz o outro.
Nesse momento está um exemplo de síntese da contradição entre identidade e
diferença. Novamente percebemos como “identidade” e “diferença” se associam o que
talvez na questão indígena seja mais fácil de perceber pelo fato de serem etnias com
hábitos e costumes distintos. Nota-se como as ações, os saberes e o próprio jeito de falar
identificam e os diferenciam de outros sujeitos. E desta forma, concordamos com
Woodward (2000) quando diz que algumas diferenças são mais importantes que outras,
principalmente em caso de grupos étnicos, “especialmente em lugares particulares e em
momentos particulares” (p.11). A escola tem o papel para eles de educar, mas essa
educação é diferenciada, pois para o índio o aprender e o ter conhecimento não se faz só
de disciplinas e regras como nas escolas dos não índios. Buscar essas dinâmicas
espaciais diferenciadas dentro da escola, nos mostra a importância para eles de se
relacionar entre si de uma maneira mais arraigada às suas origens e etnia, pois é nesse
relacionar que eles estarão fortalecendo seus elementos culturais para relacionamentos
fora da reseva. É como se para relacionar fora da reserva devesse existir uma preparação
cultural como índio, pois assim estariam mais fortes e mais resistentes à cultura alheia.
63
Mas essa cultura é dinâmica, ela existe no e pelo movimento e trocas. Portanto, essa
identidade se negocia socialmente, os modos de ser têm que lidar com esses limites que
a cultura do próximo impõe, com o preconceito existente. Assim, essas identidades não
se fazem como fixas, elas estão a todo o momento se deparando com situações e
relações que os identificam e os diferenciam. A professora Jizelma mostra entender isso
de uma maneira bem simples quando diz que hoje a gente tem que se relacionar com o
mundo, com todo mundo, a gente tem que misturar, querendo ou não temos que
misturar, não estamos numa ilha preso. Desta forma se percebe como os símbolos da
cultura indígena e as relações sociais constroem a identidade.
Portanto, a identidade se faz no movimento, é mutável e não fixa. O cotidiano
da sociedade capitalista, (por mais que exista resistência por parte de alguns -
geralmente dos mais velhos do grupo), ganha espaço entre os indígenas, e se reproduz
dentro da aldeia. O contato e os relacionamentos com a nossa sociedade e com os
avanços tecnológicos transformam a percepção do índio e os coloca frente às nossas
necessidades de consumo e materialidades.
Os índios vivem suas vidas dentro da reserva, mas têm seus afazeres e suas
necessidades para sobrevivência nos centros urbanos, o que mostra uma constante troca
de informação, comunicação e hábitos alheios. Nesse momento, existem as
contrariedades de ser e usar desses recursos entre os mais velhos e os mais novos, e
desta forma, as identidades se comportam de maneiras diversas. Adquirem-se novas
identidades, sobrepõem-se identidades. O comportamento da identidade dinamiza-se
através dos tempos e espaços de outrora, a tradição e a modernidade modifica e
reestrutura as diversas identidades vividas e exercidas pelos sujeitos, portanto o
comportamento e as dinâmicas tribais se veem pautadas nas transformações
tecnológicas e nos espaços cada vez mais fluídos. Utilizo aqui, mais uma fala de grande
importância da professora Jizelma para dialogar sobre o comportamento da identidade
através dos tempos:
A nossa cultura tá muito forte, tem o professor como eu falei, o Jânio, ele
ensina a língua, que não tava morta, tava adormecida, tava um pouco
esquecida, tem os meninos que ensina o toré, que é a nossa dança do dia-a-dia
e, tem também o resto da nossa cultura que a gente vai fazer lá na mata, ou
terrero como a gente fala, é um lugar que é secreto, que é só de nós mesmo, só
de nós mesmo, aí pros brancos não, branco, branco não, que ninguém é
branco, para os não-índio tem o toré que a gente pode apresentar para
qualquer pessoa, assim foi uma maneira de fortalecer nossa cultura, a escola
64
dentro da aldeia, tá fortalecendo mais ainda, a nossa cultura, não deixando que
ela morra ou adormeça.[...] O que a gente nunca deixou de lado foi o toré, que
a gente sempre dançava, fazia o artesanato que ainda faz até hoje.Mas o
negócio da língua que a gente não pode, por que depois dessas tecnologias de
hoje, ninguém mais fica,ninguém faz que nem antigamente, fazer uma fogueira
e todo mundo sentar ao redor da fogueira e contar história, falar a língua... e
os mais velhos falar entre eles. É muito difícil você chegar e pegar aquelas
pessoas e juntar para contar uma história, né. E hoje não, com a escola, de vez
em quando uma pessoa mais velha vai e conta uma história, que nem o Jal
mesmo que vai e pega os meninos e fala a nossa língua. A escola tá trazendo
as riquezas que tavam perdida na nossa cultura, perdida não, esquecida. [...]
Quando eles (os meninos) saem pra estudar na cidade a gente tem essa
preocupação, e a cultura onde é que fica? Por isso que é bom. Mas os meninos,
assim, por mais que eles estejam estudando na cidade, ele não esquece a
cultura dele, né, por que, o que a gente fala pros nossos filhos, pros nossos
alunos é isso, você vai pra fora vai, mas não se esqueça da sua cultura, nunca
esqueça da onde você veio e do que você é.
A professora fala de um costume não exercido ou de grande dificuldade para
que se exerça consistente na reunião dos indígenas para perpetuar ou manter histórias
em comum a eles em tempos atuais, dificuldade essa marcada pela imposição do
cotidiano da sociedade capitalista sobre a rotina de vida em conjunto na aldeia, em que a
tecnologia se mostra como um novo hábito e/ou refúgio aos afazeres dos índios. Desta
forma, o comportamento das identidades se modifica através dos tempos e espaços
vividos, assim, na tradição e na modernidade a identidade se mantêm de formas
diferentes. Giddens (1990, p.37-8 apud HALL, 2006, p.14-5) discute as diferenças do
processo de identidade entre as sociedades tradicionais e as sociedades modernas,
argumentando que,
[...] nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos
são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações.
A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo
qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do
passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por
práticas sociais recorrentes.
Percebemos assim, que para os índios mais velhos as práticas tribais
aconteciam de uma maneira mais próxima entre os sujeitos e suas raízes, o que se
transforma nesse passar de tempos lentos para tempos rápidos em que a tecnologia dita.
Assim, para Giddens (1990, p.37-8 apud HALL, 2006, p.15) na modernidade “as
práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz das informações
recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente, seu
caráter”.
65
6.3 As identidades territoriais
Os aspectos que levam ao estudo do grupo Xucuru-Kariri devem ser
incorporados por uma visão mais subjetiva para que se possa compreender como se
constroem as dinâmicas socioespaciais, contribuindo assim para uma análise mais
complexa das situações, uma vez que o grupo não é mantido somente pela tradição
étnica existente, mas também por políticas públicas e sociais de extrema objetividade e
tecnicidade. Por isso, além da cultura e do modo de vida do grupo, tem de ser levada
em consideração a identidade territorial e a percepção por ele criado nos espaços de
vivência.
E é na identidade territorial que nos apoiamos para entender as construções
territoriais e suas dinâmicas vividas pelo grupo. E ela se faz complexa, constituindo-se
de alguns pressupostos. Para HAESBAERT (1999):
[...] toda identidade territorial é uma identidade social definida
fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma relação
de apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto no da
realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim parte
fundamental do processo de identidade social (p. 172).
Para o autor, a identidade territorial é simbólica e concreta ao mesmo tempo, se
comportando como um sentimento de pertencimento ao lugar. E esse mesmo autor
adverte sobre a complexidade existente:
[...] o fato de tratarmos a identidade territorial primordialmente como
identidade social não quer dizer que ignoremos a indissociabilidade
das dimensões individual, mais subjetiva, e social, mais objetiva, na
construção de identidade.
Assim como a identidade individual, a identidade social é também
uma identidade carregada de subjetividade e objetividade. Na
discussão da identidade territorial isto irá aparecer de forma muito
nítida, pois por mais que se reconstrua simbolicamente um espaço,
sua dimensão mais concentra constitui [grifo do autor], de alguma
forma, um componente estruturador da identidade (p. 173, 174).
Nesse contexto, o processo histórico gravado na memória e no imaginário
social do grupo, se faz de grande importância:
Uma das características mais importantes da identidade territorial,
correspondendo ao mesmo tempo a uma característica geral da
identidade, é que ela recorre a uma dimensão histórica, do imaginário
social, de modo que o espaço que serve de referência “condense” a
memória do grupo [...] (p. 180).
66
Desta forma, o território é quem pluraliza e singulariza essa identidade, quem
organiza, produz, é produto e dinamiza essas identidades:
[...] Produto e produtor de identidade, o território não é apenas um
“ter”, mediador de relações de poder (político-econômico), onde o
domínio sobre parcelas concretas do espaço é sua dimensão mais
visível. O território compõe também o “ser” de cada grupo social, por
mais que sua cartografia seja reticulada, sobreposta e/ou descontínua.
Ao mesmo tempo prisão e liberdade, lugar e rede, fronteira e
“coração”, o território de identidade pode ser uma prisão que esconde
e oprime ou uma rede que se abre e conecta e um “coração” que
emana poesia e novos significados (p. 186).
Assim, independente de sua tradição, o grupo possui identidade territorial e é
possível identificá-las. Desta forma, para o autor a identidade territorial possui o mesmo
valor de territorialidade e desterritorialização, que é entendida como perda do território
(concreto e simbólico).
Podemos entender que as representações culturais como o toré que é passada
dos mais velhos para os mais novos, como uma tradição, produz um significado de
identidade indígena para o povo Xucuru-Kariri, pois representa a experiência de sua
cultura e aquilo que são. Importante entender que as apropriações e os símbolos criados
espacialmente fazem referências às suas próprias identidades, e que é desta forma,
através das territorialidades, que os indígenas possuirão sua identidade territorial.
Usamos aqui, mais uma vez, um entrevista colhida pela educadora Beatriz Silva (2010,
p. 64) para exemplificar um pouco essa identidade territorial, que o Sr. José Sátiro
mostra com a importância e as dinâmicas espaciais existentes dentro da aldeia, envolta
por símbolos, valores e apropriações:
É duas coisas que a gente luta para ser diferenciada, educação e saúde, duas
coisas que estão andando de mãos dadas. Educação diferenciada, porque na
cidade tem coisas que se passa que é diferente da nossa aldeia. Na nossa aldeia
existe uma coisa que a gente se orgulha. Não é preconceito. É saber colocar o
povo no seu devido lugar. Na nossa aldeia a gente nas reuniões discute aquilo
que é bom para o nosso povo. Aquilo que é bom para o nosso povo existe uma
diferença grande da cidade. Na cidade existe uma coisa que eu não combino
nunca, com o assunto que funciona sobre droga. Eu tenho lutado muito e venci
e vou vencer porque as diferenças da cidade para a aldeia existem muitas. Esse
é um ponto, o outro é o nome da aldeia Xucuru Kariri. Isso é uma honra, aonde
a gente chega a zelar o nosso nome de Xucuru Kariri. Isso diferencia muito do
homem branco, porque Xucuru é uma etnia. No pano somos iguais, esse pano é
igual ao branco, mas dentro de nós existe uma coisa que o branco não tem e
nem sabe e nunca vai saber nem vai ter que é os nossos costumes tribal, ritual e
tradição e é essa diferença que tem dentro da nossa aldeia para a cidade.
67
Pensamos então, que o simples fato e viver e dinamizar um espaço já nos
identifica socialmente, tornando-o um espaço vivido. Reconhecemo-nos nesses espaços,
e essa identificação e apropriação também é que os tornam territórios. Esses espaços se
fazem de relações de poder, mas também de ligações afetivas de indivíduos ou grupos
com espaços. Nessas relações são produzidos e apropriados símbolos, imagens e
aspectos culturais que dão sentido e reconhecimento aos territórios.
Na contemporaneidade alguns dilemas discorrem sobre a construção da
identidade, sendo por um lado um processo que passa por constantes (re) construções,
caracterizando desta forma, como aponta Haesbaert: “mais identificações em curso do
que identidades estáveis”, por outro lado identidades que se mantém fechadas e
segregadas a partir de uma ideia conservadora. Também identidades construídas em
diversas escalas (locais, regionais, nacionais, globais) que se configuram em um
hibridismo, de múltiplas maneiras. E por último, em identidades territoriais
fragmentadas, sem bases materiais contínuas, que caminham junto a espaços multi-
identitários, o que configura uma multiterritorialidade.
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
No passado, quando os índios moravam em suas terras nativas, suas dinâmicas
socioespaciais já estavam em negociação, em contato com outros grupos e outros
hábitos, entretanto acontecia numa escala de relações menores tanto cartograficamente
quanto temporalmente, ou seja, a relação homem e natureza configurava um modo de
vida integrado ao ambiente, que existia em um universo simbólico-material mais
enraizado e conjunto dos que os períodos que sucederam. A vida carregava um valor
próximo à totalidade, ao estar e se sentir completo, material e imaterialmente. Isso é
visível através das conversas em que tivemos nos trabalhos de campo com os índios
Xucuru-Kariri, os mais velhos que geralmente são de Palmeira dos Índios carregam um
saudosismo do tempo que viveram lá que está associado à questão material, ao espaço
físico como fonte de recursos, como por exemplo, alimentação e moradia, mas também
a questão simbólica desse tempo, das relações pessoais com o ambiente, com a vida que
tinham,”...de um tempo que não volta mais”(Anotação em campo/abril de 2012,
Caldas).
Entretanto o que percebemos é que esse modo de vida vai se transformando –
adquirindo e perdendo hábitos e técnicas – a partir dos novos territórios compartilhados
68
com outros modos de vidas e outras instituições (política, cultural, religiosa, científica,
cultural). Vivendo e experimentando as multiterritorialidades ao longo desse processo
histórico, a população indígena transformou-se e adicionou hábitos e técnicas em seu
dia-a-dia. Suas territorialidades se interligam e criam uma rede, sendo vividas de
maneiras diferentes por cada um e em tempos diferentes. Essa rede compreende as
territorialidades (compreendidas por afetos e relações com determinados espaços) dos
índios com os centros urbanos, com as terras que moraram e moram, com o rio que
usavam para lazer e alimentação (que na nova reserva não é presente), a própria
territorialidade dentro do Estado nacional e também as novas dinâmicas espaciais na
atual reserva. Esses são exemplos de como os índios foram (re) construindo seus
territórios, na medida em que eram remanejados, e pela sua vivência grupal do dia-a-
dia. Desta forma, o povo Xucurú-Karirí, ao longo de sua história, incorporou novos
elementos culturais, tanto materiais quanto imateriais. Os primeiros podem ser
representados pelos inúmeros objetos que são agregados ao seu cotidiano, como
aparelhos tecnológicos, vestimentas e alimentação. Sendo essa materialidade
transformadora da percepção dos índios, as imaterialidades, de certa forma, ganham
outros valores, outras dinâmicas sociais e espaciais. Tal população diferenciada, frente
ao processo de globalização e estruturação capitalista da sociedade, não se vê como um
grupo limitado, que se relaciona apenas entre si. Inerentemente aos índios está a
transformação de seus elementos culturais, que muitas vezes os colocam em situações
de conflitos identitários, pois ao passo que denotam as dificuldades de sua etnia frente a
nossa (seja pelo preconceito enfrentado ou por outros motivos), já não mais desta
sedesvencilham, tendo em vista a constante necessidade de empregos e/ou de atividades
urbanas tanto quanto necessárias à sua sobrevivência.
Portanto, no atual período, novamente os índios estão reproduzindo seus
espaços e relações, de uma maneira diferente que as anteriores, por ser um novo espaço
que possibilita uma diversidade de acontecimentos. Os remanejamentos que fazem de
Alagoas ao sul de Minas Gerais apresentam-se como o mais importante fator das
alterações de sua organização social e cultural.
Assim, percebemos que os territórios e os modos de vida se aproximam a ponto
de se tornarem indissociáveis e produtos de um processo histórico de inter-relações do
grupo Xucuru-Kariri que se desenvolveram no cotidiano, acarretando uma atribuição de
singularidades aos lugares. As identidades e diferenças construídas e dinamizadas nesse
processo significam uma autoafirmação, e também o poder de definição pelo diferente.
69
Destarte, temos territórios como aspectos formadores do grupo, tanto na auto
identificação e autenticidade, mas também como ferramenta política para suas
reivindicações. Portanto, seus territórios são a manutenção de suas autonomias, práticas
aliadas aos modos de vida e, a resistência total desses, frente ao mundo diferente.
Entretanto, para que esse grupo possa dinamizar seus territórios com seus
hábitos e singularidades, a fim de dar continuidade ao que os configuram como um
grupo humano e diferenciado é preciso que haja maiores interesses e políticas de
incentivos por parte do Estado, que ao invés de lhes garantir esse direito, mais se
preocupa com os interesses do capital. É necessário que frente à complexidade de nossa
sociedade, não exista a anulação desses modos e povos.
ALGUMAS FOTOGRAFIAS
Fotografia 10 – Menino andando de bicicleta, grande diversão para as crianças. Caetano Lucas
Borges Franco, março/2013.
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Fotografia 11 – Artesanato feito pelos índios e comercializado em algumas ocasiões.
Caetano Lucas Borges Franco, março/2013.
Fotografia 12 – Uma parcela do grupo dançando o toré.
Fonte: SILVA (2010)
Fotografia 13 – Casa em condições precárias na nova reserva. Caetano Lucas Borges
Franco, março/2013.
71
Fotografia 14 – Índios de várias idades jogando futebol. Caetano Lucas Borges Franco,
março/2013.
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