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-
.
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
WI33c
3.ed.
88-0594
Wagley, Charles, 1913-
Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos /
Charles Wagley ; tradução de Clotilde da Silva Costa. - 3. ed. -
Belo Horizonte: Itatiaia ; São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1988.
(Coleção Reconquista do Brasil. 2. série v. 136)
Bibliografia.
~
I. Amazônia
- Condições
viagens 3. Amazônia - Usos
Brasil - Amazônia I. Título.
trópicos. m. Série.
sociais 2. Amazônia
- Descrição e
e costumes 4. Geografia humana -
n. Título: Estudo do homem nos
CDD-981.1
-390.09811
-918.11
IÍldices para catálogo sistemático:
1. Amazônia
2. Amazônia
3. Amazônia
4. Amazônia
5. Amazônia
: Condições sociais 981.1
: Costumes 390.09811
: Descrição e viagens 918.11
: Geografia humana 918.11
: Vida social 390.09811
;
j
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, .
sum r o
Prefácio à segunda edição brasikira ....................
Prefácio
.
1.
2.
3.
4.
S.
6.
7.
8.
9.
o problema do homem dos trópicos..............
Uma comunidade amazônica.....................
O meio de vida nos trópicos . . . . . . . . . . . . . . . . .
As relações sociais em uma comunidade amazônica. . . .
Os assuntos de família em uma comunidade amazônica
A gente também se diverte
oo. . . . . . . . oo .0. . o.
Da magia à ciência o. . . . .
.
. . . . . oo. . . . . . o. o.
Uma comunidade de uma área subdesenvolvida. o. o
Há em 1974: um epílogo por DARRELMILLER) . o. .
ibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . o. . . . . . . . . . o. o. . . . . . . . .
13
19
25
43
83
118
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193
217
254
289
315
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c.Q.T~ 10
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prefácio à
segund edição r sileir
Esta -é a nova edição de um livro que apareceu primeiro em
inglês em 1953 e posteriormente em português em 1956. Porém,
de certa forma, é um livro novo , pois, como mostrarei neste
prefácio, a situação global da Amazônia brasileira passou por enor-
mes transformações. E também -graças à contribuição de Darrel
L. Miller, estudante de pós-graduação da Universidade da Fló-
rida, com um capítulo sobre Há em 1974. Foi-lhe possível reestudar
a situação de Itá, em 1974, depois de muitos meses de discussão
comigo e após cuidadosas leituras da edição anterior deste livro
e do livro antos e visagens de Eduardo Galvão l)
-
estudo da
religião na mesma cidade. Esta edição é baseada na de 1956,
publicada pela Companhia Editora Nacional. Na edição americana
de 1964 2) constava um epílogo, que não fará parte desta por
ter perdido sua validade.
O Brasil está empenhado num gigantesco projeto de conquis-
ta da AmazÔnia , cujas dimensões envolvem a construção de mais
de 13. 500km de estradas por todo o vale amazônico, incluindo-se as
rodovias Leste - Oeste Transamazônica), Norte - Sul Cuiabá
- Santarém), e a Perimetral Norte envolvendo a floresta pluvial
amazônica num extensíssimo arco em forma de ferradura, ao longo
das fronteiras com Guianas, Venezuela, Colômbia e Peru). Essas
rodovias significarão a queda da última barreira mundial à cir-
culação de automóveis e caminhões de transporte, e a conexão com
as principais artérias de tráfego do Brasil. Não podemos deixar
de salientar, também, que um dos mais delicados sistemas ecoló-
1) Publicado pela Companhia Editora Nacional, 1955.
2) Borzoi Latin American Series, Nova York, Alfréd Knopf.
13
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gicos do mundo, a floresta pluvial amazônica, se acha agora em
perigo. Ver-se-á toda a intensidade de vida da região amazônica
transladar-se do grande sistema fluvial para as proximidades das
rodovias; ao invés das várzeas dos rios, ocupar-se-á a terra firme:
É nas várzeas que estão as terras férteis, pois, anualmente, rece-
bem o limo dós rios, enquanto a terra firme. é geralmente pobre
paTa a agricultura. É esta última, porém, que está sendo rasgada
pelas novas rodovias.
O Brasil vem-se empenhando, também, num projeto de colo-
nização da região amazônica, prittcipalmente. ao longo das novas
estradas. De início, planejou-se trazer centenas de milhares de
pessoas para ocupar as regiões não habitadas que foram abertas
pelas estradas. Agora, no entanto, parece haver incertezas quanto
à exeqüibilidade, economicamente falando, de tão grandioso pro-
jeto, embora já existam algumas agrovilas e pelo me.nos uma
agrópolise uma rurópolis semiconstruída na rodovia Transama-
zônica. Os colonos procedem não somente dos Estados do Nor-
deste, mas também de Minas Gerais, Santa Catarina, São l aulo
e Rio Grande do Sul. Desde a migração de nordestinos para a.
Amazônia, nas últimas décadas do século passado, e a dos sol..
dados da borracha durante a Segunda Guerra Mundial, não se
vêem tantas pessoas chegando à região. Não pude averiguar seu
número, mas testemunhei sua. presença nos novos povoados e nas
antigas cidades e vilas, comoAltamira e Itaitubá. Não sãà -somente
os que recebem subsídios do governo que ali se instalam. Muitos
o fazem por conta própria, em busca de nova vida num novo
mundo. A Amazônia nunca mais será a mesma, pois esses minei-
ros, gaúchos, goianos e até mesmo paulistas estão modificando a
cultura amazônica e, por sua vez, recebendo a influência desta.
- - -Até mesmo as velhas -cidades ribeirinhas, desligadas das rodo-
vias, como Itá, sentem o impacto do fervor brasileiro de conquis..-
tar a Amazônia,cómo se- pode apreender no trabalho de Darrel
L. Miller, no capítulo final deste livro. Devo admitir que Itá mudou
mais do que eu podia imaginar. Essa mudança, porém, não se
operou da forma como eu esperava. O movimento, os automóveis
em circulação, as estradas dando acessibilidade às áreas periféri-
cas da municipalidade, a população, às escolas e as agências federais
é
estaduais são signos dessa transformação. Mas Itá permanece
atada às incertezas de uma economiaextrativa. Penso que nem o
sistema rodoviário, nem o velho sistema fluvial de transporte, terão
sucesso, sem que sejam conectados. As vias fluviais naturais são
meios de transportar mercadorias que, daí podem ser transferidas
4
J
1
q
4
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para as novas rodovias. Diante da perspectiva de continuidade da
crise de energia no final deste século, o raciocínio lógico deverIa
ser no sentido de ligar os portos fluviais à principal artéria' da
Transamazônica, através de outras.
Nada modifiquei neste livro, mas apenas incluí este novo pre-
fácio e o capítulo adicional escrito por Darrel L. Miller. Preferi
deixar como estava a descrição da sociedade amazônica tradicio-
nal . Juntamente com o excelente livro de Eduardo Galvão,
antos
e visó gens
constitui um monumento a um povo, em um lugar c
uma era particulares da história e do desenvolvimento cultural
brasileiros. Mais do que isso, estes dois livros são impórtarites para
a compreensão do desenvolvimento moderno da Amazônia, pois
descrevem a cultura básica da qual dependerá, em última instância,
(I progresso social e econômico da região. Uma nova sociedade não
pode nascer do nada; deve ser construída a partir de antecedentes'
históricos. A noVa sociedade que o Brasil pretende criar na Ama-
zônia terá por base o conhecimento. que o povo dessa região acumu-
lou durante séculos, dos tempos a~ríginesao presente. No trans-
correr dos séculos, os índios e mais tarde os caboclos.1uso-brasileiros
aprenderam a coexistir com o meio local e a explora-lo. Eles
conhecem os solos, a flora e a fauna, a cheia e a vazante dos
grandes rios, a época das chuvas e os períodos relativamente secos,
'os perigos dos insetos e das doenças endêmicas, e muitos outros
aspectos do seu meio ambiente. E, a partir dessa experiência, mol-
daram a sua própria cultura amazônica, com seu próprio sistema
social, sua cozinha, suas formas de recreação e sua mitologia.
É uma herança rica que jamais deverá ser ignorada na moderna
conquista da Amazônia.
Contudo, essa cultura tradicional da Amazônia e o sistema
sócio-econômico que' a sustentou cOl1stituem uma barreira à mu-
dança e à formação da nova sociedade e cultura amazônica que
o Brasil espera desenvolver. O sistema econômico de exploração
que resultou da e~tração do látex e de outros produtos da flo-
resta, e o sistema de servidão por débito que está ligado às rela-
ções seringueiro-seringalista - o chamado sistema de fornecedor-
cliente - descritos neste livro, são enormes obstáculos ao desen-
volvimento. Sob o' impacto da moderna economia brasileira,' ambos
os .sistemas estão desaparecendo do vale amazônico. Mas, ainda
na década de 70, não haviam desapa,recidode todo. Ein alguns
lugares, vê-se, lado a lado, o Velho'lbarraco (posto de comérdo)
do tradicional patrão e o moderno ~difício do Banco do Brasil. Em
tá, como veremos no capítulo final deste livro, o recente' surto da.
. ,
... ....
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extração de madeira de lei para a exportação foi organizado pela
extensão do crédito dado pelas companhias aos empreiteiros da
região, que, por sua vez, estendem crédito aos cortadores locais,
fazendo lembrar o sistema tradicional da extração da borracha.
Este morre aos poucos, sem ainda ter sido substituído por um
outro comercial, moderno e produtivo.
Além do mais, a nova economia da Amazônia tende para a
continJ.1idade do extrativismo, mas sob uma nova forma. Não
obstante os esforços do governo brasileiro no sentido de estabe-
lecer pequenos agricultores na região, enormes extensões. de terras
\'êm sendo concedidas às grandes corporações, tanto brasileiras
como internacionais, sendo essas terras utilizadas para a cr~ação
de gado em enormes fazendas, para as quais a mata é clareada
com o fim de estabelecer pastagens. Como a criação de gado requer
pouca mão-de-obra, tais fazendas não podem servir de incentivo
ao crescimento populacional da Amazônia, embora venham a
aumentar a produção da carne. Outras enormes extensões de terras
são concedidas a empresas especializadas na cultura de árvores de
crescimento rápido, para extração de celulose. Com isso, também, .
poderão surgir benefícios temporários e para o desenvolvimento,
uma vez que essas grandes empresas cultivam em sítios reservados
produtos destinados à alimentação. O objetivo a longo prazo é a
cultura de exportação, não a ocupação da terra. Ademais, há um
empenho fervoroso pela exploração e pelo desenvolvimento da
mineração de bauxita, ferro (uma das maiores jazidas de ferro
do Brasil, e talvez do mundo, foi descoberta na serra dos Carajá:5)
e outros minérios. Vemos, com isso, novamente, o perigo de que.
o Brasil desenvolva na Amazônia uma economia essencialmente
extrativa - um sistema de exploração dessa área gigantesca que
pouco ou nada beneficiará ao seu póvo. Produzirá matérias-primas
de exportação para o crescenté complexo industrial do Sul do
Brasil, ou para a
.
massa de consumidores do Japão, dos Estados
Unidos e da Europa.
Não quero, neste prefácio, dar a impressão de que esteja pes-
simista quanto ao futuro do vede amazônico. Porém, devo admitir,
neste momento, que me sinto desanimado; de fato, até com receio.
Parece-me que o Brasil está tentando mudar. a Amazônia, mais
com espírito patriótico do que com o verdadeiro planejamento cien-
tífico. Anos atrás (e na primeirC ;edição deste livro), invoquei a
necessidade de uma ciência tropicalista e de uma tecnologia
tropicalista distinta da que foi criada para as zonas temperadas
do mundo e que sempre foi aplicada na Amazônia tropical. É ver-
16 .
.
j
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dade que o governo brasileiro restaurou algumas instituições cien-
tíficas da Amazônia, como o Museu Paraense Emílio Goeldi e
o Instituto Evandro Chagas, ambos em Belém; que também vem
subvencionando generosamente o Instituto Nacional de Pesquisas
Amazônicas, em Manaus, e outras instituições educativas e de
pesquisa, inclusive a relativamente nova Universidade Federal do
Pará, que ja tem um Núcleo para Estudos da Amazônia. Também
um novo centro científico, a chamada Cidade Von Humboldt, está
em andamento no Estado de Mato Grosso. Contudo, falando com
franqueza, todas. essas instituições são débeis, em comparação com
as existentes no Sul do Brasil. Nelas está um grupo de cientistas
dedicados, mas o seu número é pequeno e o apoio que recebe é
escasso. Se é que o Brasil deseja sinceramente desenvolver a Ama-
zônia, ele vai ter que investir no efetivo humano científico tanto
quanto na construção de rodovias. Nesta altura, basta-me citar as
palavras eloqüentes e sinceras de Paulo Almeida Machado, por
vários anos diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Amazôni-
cas, e que nesta. condição veio a compreender a Amazônia e a
afeiçoar-se. sinceramente por essa região da sua pátria. São suas
ás afirmações que transcrevemos abaixo:
A história da Amazônia é por si um sério aviso e um eioqüente exemplo
da confusão que se faz entre prosperidade econômica e desenvolvimento.
Não importa qual seja o volume de circulação mcin~tária; só haverá
desenvolvimento quando se conhecer melhor o ambiente e as riquezas naturais
e quando o homem, de acordo com esse conhecimento, mudar o seu compor-
tamento. Somente pelà educaç~o e pela pesquisa se poderá garantir a
perpetuidade do novo impulso progressista que existe na Amazônia brasi-
leira. Se o homem puder desenvolver e estabelecer uma convivência com o
meio ambiente amazônico, a Amazônia sairá definitivamente do seu estágio
de subdesenvolvimento . PalJlo Almeida Machado, in Man inthe mazon
editado por Charles Wagley, Gainesville, University of Florida Press, 1974,
p. 330.)
Neste curto parágrafo, Paulo Almeida Machado exprime o espírito
e talvez a essência do que escrevi neste livro muitos anos atrás.
É
sobremodo penoso dizer que essa mensagem é mais justificá-
vel hoje em dia do que há 20 anos.
Para esta nova edição, são poucas as pessoas a quem devo
apresentar o agradecimento e apreço. Primeiramente agradeço a
Darrel L. Miller e à sua mulher Linda, que revisitaram Há em
1974, por seu excelente capítulo documentando as mudanças ocor.
ridas na minha querida. cidadezinha amazônica. Minha esposa,
Cecília Roxo Wagley, e eu retomamos à Há em 1961, para uma
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pequena visita, sobre a qual escrevi uma breve nota à segunda
edição deste livro, mas o novo capítulo de Darrel L. Miller torna
supérfluo aquele epílogo. Meus agradecimentos se estendem aos
muitos estudantes, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, que,
depois de lerem este livro em edições anteriores, escreveram cartas
de apreciação e simpatia para com as pessoas descritas e a cidade
de Há. Aliás, um grupo de estudantes secundários da Escola Ame-
ricana de. Recife, quando em excursão à Amazônia, descobriram
o nome verdadeiro da cidade e passaram um dia inteiro tentando
descobrir as personagens deste livro e entrevistá-Ias. Escreveram
uma série de relatórios que foram mimeografados em dois volu-
mes, os quais guardo com grande carinho. Agradeço por fim a
Mércio P. Gomes que traduziu este prefácio e a contribuição de
Darrel L. Miller.
Resta-me esclarecer que o meu livro sobre Há Amazônia
não é um estudo na linha da moderna ciência social, embora se
utilize da- temática da antropologia social. Ao refletir sobre o pas-
sado, sei agora que sou essencialmente um humanista; e chego à
conclusão de que este foi um livro humanista com mensagem
humanista.
J
I
1
I
I
I
1
I
~
I
CHARLES W AGLEY
Gainesville F árida 1975
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pr fá io
Etn
939
visif.ei o Brasil central que, então, era uma das várias
regiões do mundo que se poderiam escolher para um estudo do
homem primitivo. Durante quase dezoito meses vivi entre os índios
Tapirapé, estudando os seus costumes.
É
uma tribo isolada qu.e
ainda mantém, em essência, seus costum,es aborígines. Proporcio-
naram um excelente campo de pesquisas para o antropólogo social,
mas, vivendo em seu mevo, pouco aprendi sobr.e o Brasil moderno,
Quando deixei o Brasil, em 1940, tinha a certeza de que voltaria.
M eu conhecimento superficial do país, de passagem pelo Rio de
Janeiro, São Paulo e Goiás, em minhas viagens de ida e volta para
a aldeia dos Tapirapé, deu-me a convicção de que O Brasil é um
dos mais interessantes laboratórios de pesquisa para a antropologia
social. Desde então tenho-me dedicadoj de uma maneira ou de
outra, ao estudo d,o Brasil moderno,
Em
94
voltei para estudar os índios Tenetehara, uma tribo
que vivia em -estreito contato com brasileiros da zona, rural e que
estava sendo gradualmente incorporada à nação, E então, em
942 os acontecimentos colocaram-me em contato direto com os
problenws do Brasil mod,erno. Naquele ano, como, parte de sel
programa comum para o esforço de guerra, os governos do Brasil
e dos Estados Unidos est,abeleceram um serviçowoperativo de,
saúde pública qu.e se tornou conhecido como
SESP
Serviço Espe-
cial d,e Saúde Pública).
O SESP
foi concebido, a princípio, como
uma medida de guerra e um de seus principais programas era for~
9
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n r
assistência médica aos produtores de matérias-primas estra-
tégicas os seringueirós do Vale Amazônico os .emigrantes das
zonas do Nordeste devastadas pelas secas que demandavam o Ama-
zonas para extrair a borracha e QSmineiros de mica e quartzo das
regiões montOlnhosas do Brasil central. Vivendo a maioria dessa..
gente no interior um antropólogo Stocial com grande experiência
e conhecimento do sertão brasileiro seria de grande u.tilidade para
o srerviço. Durante os três anos e meio em que fui membro da
missão técnica brasileira do Instituto de Assuntos I nteramericanos
ligado ao SESP desempenhei várias funções como membro do
escritório regional do SESP no Vale Amazônico como diretor de
seu Programa de Migração pr-oporcionando assistência médica a
milhares de p.essoas que deixavam seus lares no árido Nordeste
para trabalhar no Amazonas como assistente do superintendente
do SESP e finalmente como diretor de StW Divisão de Educação
Sanitária. Mo. decorre.r desses anos muito aprendi sobr.e
ó Brasil
tanto na minha qualidade de antropólogo quanto na de. administra..
dor. Meu ponto de vista antropológico auxiliou-me enormemenfi
nas questões de administr ação e planrejamento da mesma maneira
que minha crescente familiaridade com os pr oblemas práticos con-
.
tribuiu para aguçar meu interesse científico no Brasil. Em minhas
viagens através de extensas rregiões do interior brasileiro e na mi-
nha convivência com os habitantres de suas zonas rurais adquiri
consciência dos problemas agrícolas tanto do ponto de vi.sta do
povo como do ponto de vista dos planejadores e administradores
da cidade.
Visitei pela primeira vez a pequena cidade de há em 1942
durante uma viagem dre estudos que antecedeu o planejamento do
serviço de saúde pública do SESP no Vale Amazônico. Foi nessa
lenta viagem de lancha descendo o rio Amazonas na companhia de
meu jovem assistente e companheiro Cleo Braga que pela primei-
ra vez tive consciêncw da riqu.eza da cultura amazônica e da neces-
sidade de um estudo da vida do homem da A 1nazônia. À medida
que visitávamos as aldeias .e os p ostos de comércio do Baixo Ama-
zonas e que conversávamos com pessoas de todas as classes sociais
cheguei à conclusão de que a exótica magnificência do panorama
tropical havia desviado as atenções do homem do Vale Amazônico.
As clássicas narrações d.e H. W. Bates Alfred R. W allace do
tenente William H erndon de Louis Agassiz e outros . que descre-
vem o grande vale faz.em referências surpreendentemente escassas
ao homem e às questões humanas. E a aldeiu. de ftá pareceu...me
ser o local id.eal para um estudo desta natureza.
2
1
I
j
1
I
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Depois de 1943, quando o SESP instalOtt u posto de saúde
etn I tá, pude acompanhar, de longe, os acontecimentos dessa aldeia,
pela leitura dos relatórios de seus méqicos; r,euni também grande
quantidade de dados StObrea comunidade. Voltei a Itá em 1945.
Nessa ocasião, acompanhamm-me Eduard.o Catete Pinheiro, wm
especialista em educação sanitária e filho daquela região, e Dalcí-
dio Jurandir, conhecido romancista brasileiro que estava escre ZJendo
os textos cJ,QSprogratnas educativos que o SESP pretendia, realizar
no Vale Amazônico. Em sua primeira mocidade) Dalcídio vivera
em Itá, onde servira como secretário do Prefeito da localidade. Seu
profundo conhecimento da vida da cidade e > )grande círculo de
amigos a que me apresentoÍt, tornaram-me possível aprender mais
a respeito de I tá, em um mês, do que o teria conseguido Ú dóis
me,ses sem o seu auxílio. Catete Pinheiro e Dalcídio Jurandir, pela
própria formação de suas vidas, muita me ensinaram sobre a
Amazônia.
Este livro, entretanto, baseia-se, sobretudo, em dados colhidos
de junho a setembro de 1948, durante um estudo da Amazônia
realizado pela Organização Cultural, Científica e Educacional das
Nações Unidas, para o Instituto Internacional da Hiléa Amazôni-
ca. Durante esses meses de pesquisas e residência em I tá, contei
com a colaboração de Eduardo e Clara Galvão e de minha esposa,
CecíUa Roxo Wagley, que também me acompanhou a Itá em
1942.
N osso, equipe de estudos aluglou ali uma casa onde vivíamos e tra-
calhá ZJamos.Fazíamos as refeições na casa de um comerciante ao
lugar. Visitávamos as pessoas em suas casas e elas nos retribu1 l,m
as visitas. Freqüentávamos as festas e os bailes) tagarelávam.os nas
esquinas e nas lojas, percorf\Ú1Jmoscom .os a,migos os seus roçados
e viajávamos de canoa para assistir a festejos rurais e visitar os
postos de comércio onde os seringueiros ofereciam seus PJ1odutos.
Participamos da vida de Itá tanto quanto é possível a um estranho
fazê-lo. Nãa havia barreiras de linguagem, pois três c.ompl }nentes
de nossa equipe de estudos eram brasileiros e: eu própria, domino
razoavelmente o partuguês. Cada um de nós realizava, diariamen-
te, longas entrevistas cam numerosas pessoas de todas as condições
saciais e todos os dias tomáva,m~s notas copiosas. Com o auxílio
de dois assistentes do lugar, nassa equipe realizou estudos de casos
de
1 13
famílias da. comunidade, que abra,ngeram pormenores sobre
su,a, alimentação, despesas, rendimentos, objetos pessoais) além de
várias outras informações específicas, de caráter econômico e social.
Além disso, o SESPtambém oos pôs à disp.osiçãoos resultados de
uma pesquisa sobre hábitos domésticos realizada em I tá, relacio-
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-
nad~ principalmente C011la alimentação. Em 1950, por sugestiio
minha, fris Myers, que s.e especializa tanto em antropologia C01.no
em psicologia, passou várias semanas em /tá. Infelizmente, não rne
foi pos~ível, ao escrever este livro, compulsar pessoalmente os
resultados d.e suas experiências psicológicas, mas suas cartas e ano-
tações forneceram-me dados e -maior compreensão da sociedade de
Itá. Todas as jontes acima. mencionadas estiveram à minha dispo-
sição durante a feitura deste livro.
Os Msenhos que o ilustram são de autoria do conhecido pintor
brasileiro, João José Rescala. Em seu prêmio de viagem pelo
Brasil perCJOrreuodo o Vale Amazônico. Observou e visitou pes-
soas como as que descrevemos neste livro, sendo s.eus desenhos
feitos de memória e de numerosos esboços realizados durante sua
viagem pela Amazônia.
Quero .expressar minha imensa gratidão a todos a que acima
me referi. Em maior ou menor escala, todos participaram dos estu-
dos que levaram à composição deste livro. Muito particularmente
quero agradecer aos meus companheiros de .estudos da missão da
UNESCO
em
1948,
por me terem permitido utilizar a riqueza de
informações de seus cadernos de notas. Mas, principalment.e, desejo
agradecer os muitos amigos de Itá, cuja hosPitalidade e coopera-
ção, cuja paciência com as contínuas perguntas do antropólogo a
respeito de t()dos os aspectos de suas vidas, tornou possível a
realização deste estudo. Infelizmente, têm qu.:; permanecer anôni-
mos; o antropólogo tem obrigação de preservar, tanto quanto
possível, todos aqueles que lhe revelam suas vidas e lhe forne-ce11l
informações sobre outrem.
C
omparec.em neste livro vários de nos-
sos amigos de ftá. Seus nomes, entretanto, foram mudados. Pela
mesma razão, a aldeia também, recebeu um nome fictício.
Desejo consignar o au.dlio financeiro da
UNESCO
e do Con-
selho d.e Pesquisas de Ciências Socia.is da Universidade de Colúm-
bia ao nosso estudo da A nta.zônia brasileira. A U NESCOdeu-me
permissão para utilizar as informações colhidas durante o estudo
da Hiléia Amazônica, mas as opiniões .expressas neste livro são
exclusivamente minhas e não representam a política da UNESCO.
Alguns dos dados aqui reproduzidos já foram publicados em outros
trabalhos, sob outra forma.
O
caPítulo sobre «Relações raciais de
uma comunidade amazônica foi publicado no folheto
« Race and
Class in Rural Brazil (Raças e classes do Brasil rural) UNESCO,
Paris,
1952 ,
e a conferência pronunciada no Instituto Brasileiro da
Universidade de Vanderbilt, que resume alguns aspectos da cultura
de Itá, foi publicada sob o título, .«The Brazilian Amazon; the Case
22
-,.
I
~
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for an Under-Developed Area (A Amazônia brasileira; o histó-
rico de uma área subd<Jsenvolvida) e1/ tFour Papers Presented to
the Brazilian lnstitute
(Quatro ensaios apresentados ao Instituto
Brasileiro), (Universidade 4e Vanderbilt, Editora, N ashville,
1950). Os dados sobre a religião de Itá foram compilados por
Eduardo Galvão em sua tese intitulada ((A vida religiosa M uma
comunidade amazônica (Biblioteca da Uni i}ersidade de
C
olúmbia,
microfilme,
1952) ;
os capítulos
6
e
7
deste livro de~ <Jmmuito a.)
seu estudo desse aSP<Jctoda cultura de I tá.
Finalmente, quero agradecer a Alfred M étraux, da
UNESCO.
que muito contribuiu para possibilitar a cOlfstância de meus estudos
sobre o Brasil. Agradeço ainda os meus amigos Carl Withers.
Gen<JWeltfish e Cecil Scott da ilfacmillan Compan) que leram o
manuscrito antes de sua re~lisão final e oferearam sugestões para
()
êOrrigir e melhorar.
CHARLES \V AGLEY.
.\ (J, il
York,
1953.