A INCLUSÃO DO AUTISMO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Rio de Janeiro
2016
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Marcia Regina Guimarães
ORIENTADORA:
Prof.ª Mary Sue Pereira
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
A INCLUSÃO DO AUTISMO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Rio de Janeiro
2016
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Educação Especial e Inclusiva Por: Marcia Regina Guimarães
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Deus por
proporcionar a minha vida.
Agradeço à minha família por
sempre estar ao meu lado nos momentos mais
difíceis.
DEDICATÓRIA
Brincar desenvolve as habilidades da criança de forma natural, pois brincando aprende a
socializar-se com outras crianças, desenvolve a motricidade, a mente, a
criatividade, sem cobrança ou medo, mas sim com prazer.
Cunha, 2001, p.14
RESUMO
O tema Autismo tem recebido especial relevância na atual literatura,
para contribuir com a enorme demanda dentro da inclusão, seja educacional ou
clinica para o enfrentamento dos autistas dentro do espectro. Os autistas fazem
parte do grupo de pessoas com necessidades especiais, exigindo uma
educação especial e inclusiva para seu desenvolvimento e inserção na
sociedade. Com a bibliografia estudada, analisamos as ações pedagógicas na
sala de aula que contribuem para interação social do aluno. As estratégias
pedagógicas utilizadas pelos docentes são os principais instrumentos de
interação social de alunos autistas no ambiente escolar. Dessa forma, pode-se
pensar em novos olhares, novos planejamentos, para estes alunos. O vinculo é
o grande agente que possibilita e dinamiza o aprendizado. O objetivo desta
pesquisa é apresentar dadas essências para o educador compreender melhor
o transtorno do espectro autista, suas particularidades, usando novos recursos,
estratégias para ajudá-lo na inclusão e identificar as carências educacionais
para fermentar o aprendizado dos alunos autistas.
METODOLOGIA
Este trabalho trata-se de uma pesquisa realizada por um levantamento bibliográfico, onde se utilizou como ferramenta para coleta de dados, informações de artigos científicos, revistas, dissertações e livros que abordassem a inclusão do autismo na educação infantil e a sua importância para o desenvolvimento da criança, as construções e a eficácia de recursos lúdicos na estimulação.
Os principais autores utilizados para este trabalho foram:
Lampreia Caroline, Jordan Rita, Kanner, Fontana R. A. C., Leboyer M., Rocha M. S. P. M. L., Vygotsky L. S., Wallon H., Wajskop G., Pino A. e Cunha Eugênio.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
Capítulo I
INCLUSÃO E LUDICIDADE: SITUANDO A QUESTÃO 10
Capítulo II
A LUDICIDADE, NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM 19
Capítulo III
A MEDIAÇÃO DO LÚDICO COM CRIANÇAS AUTISTAS 30
CONCLUSÃO 43
BIBLIOGRAFIA 45
ÍNDICE 46
8
INTRODUÇÃO
A Inclusão do autismo na educação infantil é uma modalidade que
vem sendo discutida no meio educacional, como uma maneira significativa e
prazerosa de promover a aprendizagem de alunos especiais. O lúdico utilizado
como instrumento mediador do ensino-aprendizagem, objetiva uma prática
pedagógica mais agradável, prazerosa, diversificada e eficaz que contempla a
interação dos alunos com necessidades educacionais especiais no meio social,
podendo assim contribuir para um bom desenvolvimento individual, cognitivo e
social. Entende-se que o aluno com necessidades educacionais especiais tem
suas dificuldades no seu processo de escolarização, assim como qualquer
outro aluno e como qualquer criança. Diante disso, apresentamos nosso
trabalho monográfico tendo como título: A Inclusão do Autismo na Educação
Infantil tendo como objetivo identificar o papel da ludicidade na educação de
alunos com necessidades educacionais especiais, como também compreender
de que maneira os professores trabalham com alunos especiais utilizando
atividades lúdicas. Por entendermos que o professor é o sujeito apropriado e
capaz de modificar e de elevar o entendimento dos alunos especiais por meio
de metodologias e vivências significativas e alegres, que possibilite o
ensino/aprendizagem de maneira mais lúdica, nos interessamos em investigar
de que maneira os professores estão utilizando a ludicidade no
ensino/aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais.
Sabemos que o lúdico é um aliado do professor e do educando, e
diante de tantas transformações sócio-político-econômicas sofridas em nossa
sociedade, onde as quais se refletem no ambiente escolar, faz com que a
escola muitas vezes perca a sua verdadeira identidade, que é de facilitar o
indivíduo na compreensão e vivência do mundo e que, a ele deve ser aliado a
uma proposta democrática, humana e diversificada, incorporando as
dimensões afetivas, cognitivas e sócio-culturais, as quais o indivíduo esteja
inserido.
A conscientização de conhecer-se enquanto pessoa através de
atividades rítmicas, jogos, brinquedos populares, teatro, que priorizem a
9
ludicidade, deverá esta estar presente nos conteúdos programáticos das
escolas.
Uma vez que o lúdico deverá estar no processo ensino
aprendizagem é necessário que se perceba a sua importância.
Buscamos através desta pesquisa a veracidade da importância do
lúdico no ensino aprendizagem como um agente facilitador na construção de
conhecimentos e inclusão provando que é através deste, que se beneficia o
desenvolvimento do aluno em todas as áreas (afetivas, cognitivas e sócio-
culturais).
Sendo assim, a construção da nossa pesquisa ficou organizada em
três capítulos: no primeiro apresentamos a Inclusão e Ludicidade: Situando a
questão. No segundo apresentamos a Ludicidade, na construção da
aprendizagem. No terceiro abordaremos a mediação do lúdicocom crianças
autistas.
10
CAPÍTULO I
INCLUSÃO E LUDICIDADE
Dentre as mudanças que atualmente se discute no contexto da
sociedade brasileira e pouco a pouco são incorporadas nas políticas públicas
sociais está a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais
na escola regular. As últimas três décadas têm sido marcadas por um processo
de democratização da educação, que na prática, significa tornar a educação
acessível e suficiente para todos, e inclui, ideologicamente, igualdade de
acesso e qualidade. Como prevê a Constituição Federal de 1988 em seu art.
208 o “dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de,
dentre outros atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.A igualdade do
ensino que tanto se discute reforça a responsabilidade do Estado em promover
a educação regular para pessoas com necessidades especiais. Esse
pensamento é enfatizado na Declaração de Salamanca (1994) segundo a qual,
todas as escolas têm o dever de receber todas as crianças independentemente
de suas necessidades ou deficiência. Inclusão e participação são essenciais à
dignidade humana e ao gozo e exercício dos direitos humanos.
No campo da educação, tal se reflete no desenvolvimento de
estratégias que procuram proporcionar uma equalização genuína de
oportunidades. A experiência em muitos países demonstra que a integração de
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é mais
eficazmente alcançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças
de uma comunidade.Paradoxalmente, à escola tem sido atribuída a
responsabilidade de promover as transformações sociais, faltam-lhe as
habilidades e agilidade no processo de transformação de si mesma. Mais
facilmente, ela reproduz os interesses e princípios que regem a sociedade na
qual está inserida tornando-se a instituição mais eficiente para segregar as
pessoas, por dividir e marginalizar parte dos alunos com o objetivo de
reproduzir a sociedade de classes. O paradigma da inclusão requer não
11
apenas que a escola seja inclusiva, mas que a sociedade como um todo
reconheça a igualdade como um direito assegurado pela Constituição Federal,
e não como um ato de caridade ou de solidariedade, inspirado em valores
religiosos ou humanitários. Segundo Mazzotta (2001): É importante lembrar
que a ação social para a organização do atendimento com os portadores de
necessidades especiais, teve de início, um caráter assistencial, buscando
proporcionar-lhes algum conforto e bem-estar. A seguir, surgiram medidas
preventivas e curativas que acabaram por conduzir ao atendimento
educacional em organizações assistenciais e terapêuticas. É o chamado
atendimento médico-pedagógico.
Diante das mudanças também na legislação educacional, visando à
garantia desses direitos, pode-se perceber que os sistemas púbicos de ensino
têm se empenhado em garantir a matricula, isso, todavia, não garante a
inclusão porque a escola nem sempre é adaptada de acordo com as
necessidades dos alunos com deficiência, e quase sempre essas adaptações
limitam-se à acessibilidade física.Observa-se também, que os pressupostos da
educação inclusiva perpassam questões bem abrangentes, justificando um
olhar próprio e aprofundado da educação para além do convencional conceito
de necessidades especiais, gerando uma especificidade nos estudos didáticos
pedagógicos que atendam à demanda das necessidades educacionais
especiais.
Para haver inclusão, a educação é desafiada a adaptar-se e a
diversificar-se, também, nos aspectos didáticos e metodológicos. Em vez de
focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem como as
formas e condições de aprendizagem; em vez de procurar, no aluno, a origem
de um problema, define-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e
apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar;
por fim, em vez de pressupor que o aluno deve ajudar-se (adequar-se) a
padrões de normalidade para aprender, aponta para a escola o desafio de
ajudar e adequar-se para atender a diversidade de seus alunos (BRASIL, 2001,
p.33).
12
Incluir alunos com necessidades educacionais especiais na escola
regular é muito mais do que matricular, é valorizar e potencializar sua
autonomia, considerando seus ritmos de desenvolvimento tanto cognitivo,
como afetivo, social, cultural e físico, de forma que não os desestimulem,
enquanto seres pensantes e atuantes capazes de serem autores, ou no
mínimo, co-autores de seu próprio desenvolvimento e aprendizagem. Diante
desse contexto faz-se necessária também uma formação docente voltada para
atender a essa diversidade, pois o processo educativo envolve complexidades
diversas, principalmente porque cada criança possui um jeito peculiar de
aprender, e é imprescindível que o educador tenha conhecimento de tal
realidade e consciência da necessidade do uso de variadas estratégias e
metodologias, de forma a oportunizar uma variação que atenda às diferentes
formas de desenvolvimento doseducandos, salientam que ao tocar no aspecto
das práticasinclusivas é necessário comentar a importância que a formação do
professor que atuará nas classes inclusivas tem no sucesso da inclusão as
práticas pedagógicas eficazes e apropriadas às deficiências são
imprescindíveis para a evolução dos alunos, e isso o professor só consegue
planejar e desenvolver quando recebe o referencial teórico e a assessoria
pedagógica adequada. A discussão sobre a formação docente frente ao
paradigma da inclusão, ganha importância porque demanda uma adaptação do
todo em benefício das parcelas da comunidade escolar.
Todos os profissionais da educação necessitam desenvolver
habilidades para atender à diversidade. Isso torna o processo de inclusão, algo
que deforma ideal, só pode ser alcançado em longo prazo. A escola não deve
preocupar-se com a capacitação de apenas alguns educadores para atuarem
especificamente com alunos com necessidades educacionais especiais, pois
isto seria tornar a educação inclusiva uma especialidade e reforçaria a
segregação e a exclusão. Assim como todos os educadores necessitam atentar
para as especificidades, o especialista em educação especial precisa abrir-se
para as diversidades.
Se por um lado, a educação inclusiva exige que o professor do
ensino regular adquira formação para fazer frente a uma população que possui
13
características peculiares, por outro, exige que o professor de educação
especial amplie suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas
características.
Historicamente, as pessoas com algum tipo de necessidades
especiais são tratadas como seres incapazes de adquirir conhecimentos no
ensino regular junto às pessoas ditas normais. Essa incompreensão ocasionou
o surgimento das instituições especializadas, escolas especiais, geralmente
ligadas a instituições filantrópicas, religiosas ou até mesmo terapêuticas. E, a
elas atribuiu-se toda a responsabilidade de cuidar e educar os deficientes,
vistos como seres estranhos, eventualmente, prejudiciais, que convinha afastar
da vida coletiva, incapazes de conviver com os outros e aprender na escola
regular. A perspectiva inclusiva não descarta o uso de serviços especializados
na educação de pessoas com necessidades educacionais especiais, porém a
mudança que se idealiza é que, ainda que continuem utilizando esses serviços,
todos os seres humanos encontrem na escola regular as condições de acesso
e permanência de forma igualitária. Para Mazzotta (2001) os alunos portadores
de necessidades especiais podem ser adequadamente educados em situações
comuns de ensino, ou, ainda, requer educação especial. De um modo ou de
outro,a concretização de uma educação de melhor qualidade para tais alunos
depende, em grande parte, de seu devido equacionamento nas políticas
educacionais.As crianças com necessidades especiais precisam ser
respeitadas como crianças nas suas diversidades e necessidades, acima de
tudo como crianças que brincam que sentem prazer, alegria e incorporam,
independentemente de suas deficiências, todas as características
comportamentais peculiares à infância.
A educação pode, e deve apropriar-se de elementos lúdicos como
recurso incentivador eestimulador da aprendizagem de maneira a valorizar a
afetividade das crianças,utilizando brincadeiras que possibilitem a interação
destas com seu meio para a construção de um ser social. Pois através das
brincadeiras podemos despertar e estimular a inteligência e autonomia da
criança, como bem deixa claro o Referencial Curricular de Educação Infantil
(1998), ao afirmar que: Brincar é uma das atividades fundamentais para o
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desenvolvimento da identidade e autonomia (...). Nas brincadeiras as crianças
podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a
imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas
capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e
experimentação de regras e papéis sociais.Como aponta o Referencial, a
ludicidade surge como alternativa facilitadora no processo de aprendizagem, e
que oferece ao educando alegria, satisfação naquilo que ele faz, atendendo
aos seus anseios e às suas necessidades como seres em desenvolvimento. E,
neste sentido, Santos (1997) afirma que “A ludicidade é uma necessidade do
ser humano em qualquer idade e não pode ser apenas como diversão”. O
desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento
pessoal, social e cultural colabora para uma boa saúde mental, prepara para
um estado interior fértil facilita os processos de socialização, comunicação,
expressão e construção do conhecimento. A ludicidade ao ser utilizada com
intenção pedagógica exerce grande influência no processo de ensino-
aprendizagem, por tratar-se de um elemento motivador e estimulador do
pensamento nas várias dimensões da personalidade, afetiva, social,motora e
cognitiva.
Educar ludicamente requer proporcionar ambiente que seja atraente
e adequado para estimular o desenvolvimento da criança de forma
integral.Diante disso Santos (1997) afirma que:
“É enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual e externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos”.
Assim sendo, o lúdico tem grande influência no desenvolvimento
pleno da criança,fazendo com que o pensamento e sua criatividade sejam
elevados de maneira mais segura, visto que as atividades lúdicas despertam
na criança as curiosidades.O lúdico pode ser utilizado no espaço escolar como
uma metodologia de ensino-aprendizagem, tanto para crianças como para
adultos, no entanto a sua aplicação deverá ser diferenciada de acordo com a
faixa etária dos educandos como também sua deficiência e necessidades
15
especificas.
A legislação brasileira acompanhou uma tendência mundial de
proteção e inclusão das pessoas com demandas especiais, nelas inseridas os
autistas.
A Lei nº. 12.764/12 (Lei Berenice Piana), que instituiu a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista, no seu art. 1º, §2º, deixou claro que o indivíduo diagnosticado no
espectro autista é considerado pessoa com deficiência, para todos os efeitos
legais.
No contexto da educação, há uma ampla normatização, merecendo
um inicial destaque a Lei nº. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), que em seu art. 59, dispõe que todas as escolas devem assegurar
aos estudantes um atendimento adequado às suas necessidades. Para
conferir:
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; (...) III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
De acordo com KHOURY et al, in Manejo comportamental de
crianças com Transtornos do Espectro do Autismo em condição de inclusão
escolar: guia de orientação a professores (2014, p. 25):
Assim como em outros transtornos do desenvolvimento, crianças com TEA possuem necessidades educacionais especiais devido às condições clínicas, comportamentais, cognitivas, de linguagem e de adaptação social que apresentam. Precisam, muitas vezes, de adaptações curriculares e de estratégias de manejo adequadas. Quando as necessidades educacionais de crianças com TEA são atendidas, respeitando a condição espectral do transtorno, ações educacionais poderão garantir que alcancem o nível universitário (especialmente aquelas que não apresentam deficiência intelectual importante), assim como qualidade de
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vida individual e familiar e inserção social no mercado de trabalho, sempre que as condições fenotípicas da doença possibilitem (2014, p. 25).
Mas afinal, o que concretamente deve realizar uma instituição de
ensino para atender, por exemplo, um aluno com diagnóstico de autismo?
Diversas são as ações, valendo citar algumas mais expressivas.
O Decreto nº. 6.949/09, que promulgou a Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo,
norma com status constitucional, no seu art. 24, item 2, “c”, “d” e “e”,
estabelece o seguinte:
Artigo 24 Educação (...) 2. Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que: (...) c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena.
As “adaptações razoáveis” mencionadas acima encontram-se
definidas na própria convenção, especificamente no seu art. 2, abaixo
transcrito:
Artigo 2 Definições Para os propósitos da presente Convenção: (...) “Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
Entre as diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da
Pessoa com Transtorno do Espectro Autista está “o incentivo à formação e à
capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com
17
transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis” (art. 2º, inciso
VII da Lei nº. 12.764/12).
Na prática, as instituições de ensino devem (ou deveriam)
desenvolver estudos, levantamentos, debates e práticas pedagógicas, bem
como promover cursos, simpósios, seminários e outros eventos, buscando a
formação e atualização de recursos humanos para atuar com as crianças e
adolescentes inseridos no espectro autista, só assim garantindo a habilitação
de seus profissionais.
Também devem haver iniciativas voltadas a proporcionar orientação
e acompanhamento aos pais ou responsáveis do estudante autista,
viabilizando a sua participação ativa no processo educacional e a integração
escola-família-comunidade.
Segundo Eugênio Cunha, em sua obra Autismo e Inclusão:
psicopedagogia e práticas educativas na escola e na família:
A prática escolar é uma grande oportunidade para profissionais e familiares construírem um repertório de ações inclusivas para o aprendente com autismo. Não se trata meramente de estipular tarefas isoladas e pedir para serem cumpridas com rigor e método, mas trata-se de uma concepção de aprendizagem que inclui desafios e superação, sempre com o intuito de propiciar a autonomia. A autonomia é uma conquista elementar no seio da escola (2014, p. 57).
Ainda no contexto da educação, mais concretizadores ainda da
Política Nacional são os direitos da pessoa autista, previstos no art. 3º da Lei
Berenice Piana, entre eles, a figura do acompanhante especializado, na forma
do seu parágrafo único:
Art. 3o São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: (...) IV - o acesso: a) à educação e ao ensino profissionalizante; (...) Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado.
18
Como visto, para muito além de normas meramente programáticas,
a legislação de proteção e inclusão dos autistas no ambiente escolar prevê
regras claras e assertivas a serem observadas, só assim oportunizando uma
educação adequada às necessidades especiais dessas crianças e
adolescentes.
19
CAPÍTULO II
A LUDICIDADE, NA CONSTRUÇÃO DA
APRENDIZAGEM
A perspectiva histórico-cultural concebe o homem como um ser
social. Pautada no materialismo histórico e dialético, compreende que as
modificações e interferências do homem na natureza, na busca de suprir suas
necessidades, provocaram transformações em sua própria natureza, tornando-
o um ser social.
No contato com o meio natural, a atividade do homem foi se
transformando. Ao longo da historia da humanidade, o que era natural passou
a ser cultural com a criação, pelo próprio homem, de instrumentos e sistemas
simbólicos utilizados para mediar seu contato com a natureza e com os outros
homens. O homem transforma-se de ser biológico/natural, no qual as aptidões
para a sobrevivência eram apenas orgânicas, instintivas e hereditárias, para
ser sociocultural, em que o organismo, para se desenvolver, depende de
processos que não são apenas hereditários e biológicos, mas da apropriação
das experiências e dos conhecimentos acumulados pelo homem ao longo da
história, que são passados de uma geração a outras pelos próprios homens em
relação uns com os outros.
O desenvolvimento humano torna-se uma síntese que envolve: a
evolução da espécie humana; a forma como cada ser, cada organismo, se
desenvolve como parte dessa espécie; a história cultural e o meio onde o
individuo se desenvolve no meio, que o torna único. Portanto, o
desenvolvimento do homem só pode ser compreendido na inter-relação com o
desenvolvimento cultural.
O desenvolvimento cultural, de acordo com Vygotsky (1983), é a
base para as transformações fundamentais no organismo, para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores. O ser humano se
desenvolve na medida em que se internaliza a cultura e dela se apropria,
20
utilizando signos e instrumentos disponíveis e atuando no meio em que está
inserido.
Para Vygotsky (1983), o desenvolvimento infantil não acontece de
maneira linear, gradual e cumulativa, mas em um processo dialético no qual
fatores internos e externos se entrelaçam e impulsionam as transformações
nas funções psíquicas elementares e superiores a partir de saltos e revoluções
qualitativas, com evoluções na adaptação ativa ao meio que resulta do choque
real entre organismo e o meio social.Dessa maneira, o desenvolvimento infantil
se dá em dois planos, na dimensão biológica. (natural) e na dimensão cultural
(social), que são interdependentes na constituição única do ser humano. A
criança, ao nascer, é despojada dos meios simbólicos. Suas ações e reações
são orgânicas e sem sentido. O bebê é introduzido no meio cultural na medida
em que essas ações espontâneas começam a ser significadas pelo outro, que
responde as ações, atribuindo sentidos produzidos no meio cultural.
Inserida de modo progressivo no universo cultural dos homens, no
contato constante com a realidade material, a criança excederá as fronteiras do
sensorial chegando à representação simbólica. A atividade simbólica da
criança não é uma descoberta espontânea, nem intelectual, como indica Pino
(2005, p.159):
Sua origem deve ser procurada no campo social, campo das
relações sociais em que os sistemas sígnicos inventados pelos homens nos
revelam a verdadeira significação que as coisas têm para eles e que, portanto,
terão para a criança: pois é com os homens e por intermédio deles que ela
descobrirá a significação e o valor das coisas que fazem parte do mundo criado
por eles.
O desenvolvimento infantil é um processo de apropriação da cultura
pela significação que o outro mediador faz das ações da criança,
transformando-as em atos significativos. A criança constitui-se como um ser
social com e pelo outro, por meio da mediação que a insere no meio cultural.
De acordo com Vygotsky (1983), o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores na criança envolve inevitavelmente o plano
intersubjetivo, porque todas essas funções são sociais. Segundo a lei genética
21
geral do desenvolvimento cultural de Vygotsky, todas as funções surgem
primeiro na relação interpessoal, na relação real entre sujeitos, em um
processo externo, social, que, ao ser internalizado, se configura em uma
relação intrapessoal, que constitui o modo como a criança se relaciona com ela
mesma a partir de como os outros se relacionam com ela.Nesse sentido,
Vygotsky (2000) afirma que todo desenvolvimento cultural passa por três
estágios: em si, para outros e para si. A criança toma para si a significação
dada pelo outro em suas manifestações em si. Tudo que é interno nas funções
superiores, o que é para si, foi antes para os outros e exemplifica com o gesto
de apontar, que inicialmente é um movimento de agarrar mal sucedido
direcionado a um objeto (em si), a mãe interpreta a ação da criança como um
gesto indicativo (para outro), depois a criança passa a utilizar o gesto para
indicar (para si). Por “trás de todas as funções superiores e suas relações
estão relações geneticamente sociais, relação reais das pessoas”.
(VYGOTSKY, 2000, p.26). Dessa forma, o desenvolvimento das funções
psicológicas na infância, como o falar, o pensar, a memória, as emoções, a
imaginação, a percepção e a consciência, se constitui na dimensão cultural.
Isso não quer dizer que a dimensão biológica seja anulada ou desconsiderada
no desenvolvimento dessas funções, mas nos permite pensar em que as
dimensões estão em uma constante relação dialética, na qual a síntese é a
constituição e o desenvolvimento do sujeito social.A dialética entre a dimensão
biológica e a dimensão cultural acontece no meio social, nas relações sociais
concretizadas na relação entre eu e outro. O corpo biológico vai se constituindo
como um corpo social nos processos mediados de significação na constituição
do “eu” a partir do outro. Conforme afirmação de Vygotsky (1983, p.149), “[...]
passamos a ser nós mesmos por meio dos outros”.
Entendemos, a partir da perspectiva histórico-cultural, que as
relações sociais e as mediações que nelas perpassam são marcadas pelas
condições concretas de vida criadas pelo próprio homem que determinam a
vida dos sujeitos. Portanto, no processo de desenvolvimento infantil, é preciso
considerar o sistema complexo de posições e papeis estabelecidos nas
relações sociais. A posição social do sujeito remete a um lugar marcado no
qual há uma expectativa de ações/condutas a ele associadas.
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Consideramos, assim que os processos de mediação e inserção da
criança no mundo e na cultura são atravessados pelas expectativas do outro
em relação à posição e ao lugar social ocupado pela criança e na projeção de
posições e lugares futuros. Diante disso, é importante problematizar a maneira
como a criança tem sido vista em nossa sociedade, e a repercussão que essa
visão tem na percepção da criança com Autismo.
Atualmente, as crianças têm ocupado em nossa sociedade um lugar
de transição entre o que elas são e o que virão a ser no sistema produtivo; são
percebidas como um ser em transição para a vida adulta, desconsiderando que
elas são sujeitos históricos participantes e constituintes das relações e vida
social. Nesse lugar de transição, as formas como os múltiplos outro se
relacionam com a criança constituem os diferentes modos de ser criança,
demarcando papeis, posições e lugares diversos.
Para Sarmento (2005, p.365),[...] a criança é historicamente
construída, a partir de um processo de longa duração que lhe atribui um
estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais
do seu lugar na sociedade. Esse processo, para além de tenso e internamente
contraditório, não se esgotou. É continuamente atualizado na prática social,
nas interações entre crianças e nas interações entre crianças e adultos.
A sociologia da infância concebe a infância como múltipla, pois, em
uma mesma sociedade, existem infâncias diversas. O modo como essas
infâncias são produzidas está diretamente ligado às relações sociais
estabelecidas, nas interações com o(s) outros(s) que constituem a criança,
impulsionam seu desenvolvimento e suas funções psicológicas. Percebemos
que, quando se trata da criança com algum tipo de “deficiência”, há uma
predominância da imagem do deficiente em relação ao ser criança.
(PLAISANCE, 2005)
Nessas condições concretas de vida, a posição social e o lugar da
criança com autismo são muitas vezes atravessados pela impossibilidade de
participar de atividades tipicamente infantis, devido às suas características e,
principalmente, ao comportamento estereotipado.
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Os comprometimentos nas áreas de interação social e linguagem
fazem com que o processo de mediação e significação pelo outro seja marcado
pelo encontro com uma criança estranha, um enigma, causando um
desconforto no processo interativo. A circulação social da criança com Autismo
fica muitas vezes limitada aos espaços terapêuticos que visam à reestruturação
do comportamento, pois suas diferenças são consideradas como impeditivas
do brincar com outras crianças, compartilhar espaços com diferentes crianças e
até mesmo ir à escola.
O autismo compreendido a partir da falta, de impossibilidades e
limitações, demarca os lugares e papéis ocupados por essas crianças como os
de quem precisa primeiro ser educado em seu “defeito”, para depois participar
das práticas culturais, o que pode privá-las de um desenvolvimento cultural
mais amplo, negando-lhes até mesmo a possibilidade de viver sua infância em
uma perspectiva mais ampla. Concordamos com Vygotsky (1997), quando
indica que não é a deficiência que traça o destino da criança, mas a maneira
como ela é significada culturalmente.
Dessa forma, a perspectiva histórico-cultural nos permite olhar para
a criança com Autismo, para seu desenvolvimento a partir do que lhe é
possibilitado no meio social, nos modos como a interação e a mediação do
outro podem favorecer sua participação nas práticas culturais.
O jogo, o brincar, a ludicidade está na história de vida de cada ser
humano.
Quando nascemos, mesmo sem consciência do que estamos
fazendo, brincamos com as próprias peças do nosso corpo, e assim,
aprendemos, construímos o nosso conhecimento.
“Se acompanharmos a evolução da humanidade, percebemos que o lúdico representa o processo de aprendizagem e descoberta do ser humano. É uma forma direta de colocar na construção cultural de um povo, de uma sociedade.Com o jogo aprende-se regras, limites e obtêm- se objetivos claros, de forma voluntária e prazerosa.” Piaget, 1972.
24
Partindo dessa observação de vida humana que percebemos,
podemos dizer que o brincar é anterior a cultura, ficando evidente que é a partir
daí que tudo se inicia, quando pensamos no complexo campo das relações
interpessoais com o mundo e a natureza.
O jogo e o brincar ultrapassam os limites da atividade física ou
biológica.
A atividade lúdica, no contexto da educação é pertinente e deve ser
utilizada como uma proposta pedagógica. “Independente do nível em que a
criança se encontra, jogar contribui para o seu desenvolvimento e favorece a
passagem para níveis superiores”.
Roseli Palermo aborda e assinala a importância do jogo na
educação, com uma tomada de consciência de seus limites e cuidados.
Mostra-nos do quanto é importante o saber fazer, pois o jogo é uma importante
atividade no ensino aprendizado enquanto permite o desenvolvimento afetivo,
motor, cognitivo, social e moral e a aprendizagem de conceitos, mas se torna
necessário compreendê-lo no contexto educativo na medida certa, para que
não se coloque a criança somente com um comportamento lúdico, com
dificuldades para encontrar a realidade, isolando-a num mundo ilusório.
É fundamental, entretanto, ressaltar que não é o jogo por si que
permitirá o desenvolvimento e a aprendizagem, mas, sobretudo, a ação de
jogar, ação esta que, sem dúvida, depende da compreensão. Não se alcança
êxito num jogo de regras sem que haja pelo menos um mínimo de
compreensão.
O lúdico deve ser situado a partir da definição de objetivos amplos,
como o papei da educação em relação à sociedade. Sendo a escola um
elemento de transformação dessa sociedade, na função de construir junto com
outras situações a vida social, deve considerar os educandos como seres
sociais e trabalhar com eles no sentido de que sua interação na sociedade seja
construtiva.
25
Partindo desse princípio, entro na linha de pensamento de Adriana
Friedmann - em que a educação deve privilegiar o contexto sócio-econômico-
cultural, sendo considerado os valores e a bagagem que o educando já possui;
ter a preocupação de proporcionar a todos um desenvolvimento íntegro e
dinâmico (cognitivo, afetivo, linguístico, social, moral, e físico-motor), assim
como a construção e o acesso aos conhecimentos socialmente disponíveis do
mundo físico e social.
A criança em seu processo de construção de hipóteses sobre o
mundo, sobre ela mesma neste mundo, faz uso de seu universo próprio
sensorial-emocional- cognitivo de maneira orgânica, conjunta; ela explora e se
relaciona com o exterior de todas as formas possíveis. A criança é movimento,
curiosidade, emoção, pesquisa, ação, experimentando suas possibilidades
integralmente, e a todo o instante seus sonhos povoam seu mundo simbólico.
Suas brincadeiras, jogos, imitações que ela vai construindo num processo de
interação com o meio, o mundo da natureza, o mundo das coisas, o mundo das
emoções, sonhos, fantasias e pessoas. Formar homens sensíveis, criativos,
inventivos e descobridores, assim como espíritos capazes de criticar e
distinguir entre o que está provado e o que não está, deve ser o principal
objetivo da educação.
A educação deve instrumentalizar os educandos de forma a tornar
possível a construção de sua autonomia, criatividade, responsabilidade e
cooperação.
O lúdico traz sua contribuição aos contextos escolares,
desenvolvendo o cognitivo enfocando o construtivismo, os jogos e o ensino
aprendizagem, baseando-nos na teoria de Piaget.
Este enfoque sobre o lúdico é de importância vital para a prática
pedagógica, pois ele funciona como um elemento motivador para o educando,
desde que seja aplicado, como foi dito anteriormente, adequadamente. O
professor que tem como aliado o conhecimento da aplicação do lúdico na sala
de aula, que entende e interpreta o brincar, permitirá ao educando fixar
26
conteúdos com mais prazer, alegria e consequentemente, haverá uma maior
compreensão dos mesmos, portanto, uma construção de seu potencial. A
aprendizagem depende em grande parte da motivação; as necessidades e os
interesses das crianças são mais importantes que qualquer outra razão para
que ela se ligue a uma atividade.
As atividades lúdicas devem ser priorizadas, pois despertam mais
interesse nas aulas e as tornam mais dinâmicas, sendo ele um fator
determinante em qualquer trabalho relacionado a criança em seu processo de
construção de hipóteses sobre o mundo, sobre ela mesma neste mundo,
fazendo uso de seu universo.
É um aliado do professor e do educando perante a tantas
transformações sócio-político-econômicas sofridas em nossa sociedade, onde
as quais se refletem no ambiente escolar, fazendo com que a escola, muitas
vezes, perca a sua verdadeira identidade, que é de facilitar o indivíduo na
compreensão e vivência do mundo e que, a ele, deve ser aliada uma proposta
democrática, humana e diversificada, incorporando as dimensões afetivas,
cognitivas e sócio-culturais, aos quais o indivíduo esteja inserido.
A conscientização de conhecer-se enquanto pessoa através de
atividades rítmicas, jogos, brinquedos populares, teatro, que priorizem a
ludicidade, deverá estar presente nos conteúdos programáticos das escolas,
uma vez que o lúdico é um agente facilitador no processo ensino
aprendizagem, tornando-se necessário entendê-lo no cotidiano escolar do
ensino fundamental e construtor do indivíduo como um todo. O jogo é a
atividade essencial das crianças e seria interessante que constituísse um dos
enfoques básicos para o desenvolvimento dos programas pré- escolares e de
1a grau, enquanto meio para atingir os objetivos de ensino.
O lúdico é uma das variadas formas da prática de ensino. É através
dele que temos a oportunidade de levar até a criança uma forma de
aprendizagem com mais prazer, podendo ser um meio de promover
aprendizagens ou induzir comportamentos.
27
Se for despertada nas crianças a consciência dos conhecimentos
sociais que estão acontecendo durante o jogo. Por exemplo, esse
conhecimento poderá ser usado no sentido de ajudá-las no desenvolvimento
de uma compreensão positiva da sociedade e na aquisição de habilidades; por
consequência, partindo do princípio que toda a criança brinca, a educação
deve privilegiar o seu contexto sócio-econômico-social, tendo a consciência de
que o lúdico desenvolve as áreas da linguagem, afetiva, físico-motor e moral.
2.1 - A formação dos educadores integrada a ludicidade
Muitos educadores simplesmente deixam brincar, outros tomam tão
a sério a associação entre o ensino e aprendizagem com brincadeira que
acabam por fazer acontecer duas ou três vezes por semana.
Dependendo da situação e organização do planejamento condizente
a realidade dos educandos e escola, os educadores preservam sempre a
individualidade de cada criança. Sempre com a preocupação de interdisciplinar
o lúdico, sem esquecer a essência da brincadeira e seus objetivos a serem
almejados.
A vista disso, a necessidade de se ter profissionais capacitados no
seu trabalho. Preocupados em fazer um ensino com diferença e qualidade
incluindo sempre dinamismo em suas aulas tornando-as atrativas. A vista disso
é preciso uma sensibilização de ambas as partes: sistema e educador,
procurando atender as necessidades da educação.
Enquanto os educadores permitam o brincar, desde que dirigido, as
crianças deixam aflorar o lado mais sensível, a profunda paz de espírito e, sem
perceber, faz-se uma terapia grupal contando com as novas experiências
vividas na essência do lúdico na sala onde o educador será capaz de
diagnosticar as reais necessidades que o educando apresenta.
Entretanto, o fato indica que as modificações inseridas excepcionalmente
pelos docentes sem a cumplicidade da criança - parecem não surtir resultado
no habitual. Felinto (2000) ressalta que as transformações externas realizadas
28
por adultos em algumas características da brincadeira, especificamente na
música que integram as brincadeiras infantis costumam não se enraizar.
Para esse trabalho com brincadeiras nesta característica cantadas, o
educador deve levar em consideração e o cuidado com o ensino da letra a
discussão do tema abordado, o respeito à faixa etária, contextualizara
brincadeira (histórico, época, formas de realização e transformação acerca da
música), ensino da melodia, construção de gestos feito em trabalho em equipe
e finalmente recriar esta brincadeira e levando a nova forma de estruturação da
mesma.
Os educadores precisam ser dinâmicos, terem iniciativas e
principalmente inovadores, sempre com a intenção de almejar grandes sonhos.
Porque nossos educandos espelham no seu trabalho alguém de suma
importância para eles, por isso a necessidade de mostrar aulas um tanto
atrativas.
Alguns alunos adoecem com a rotina estafante na escola, tarefas,
cargas de obrigações, disciplinas rígidas, desvinculando sempre da cultura
vivida pelas crianças. Por conseguinte, não se pode permitir a negação do
lúdico a essas crianças, pois é o mesmo que lhes negar a sua cultura, a vista
disso o brincar começa em casa e a escola só vai dar continuidade neste
processo.
Assim, sendo fundamentai a relação aluno x professor para o
sucesso do lúdico. Uma forma de planejar sempre estratégias que despertem
tal interesse nas áreas de conhecimento.
2.2 – Criatividade e ludicidade
A ludicidade é assunto que tem conquistado espaço no panorama
nacional cuja criança se torna criadora porque além da sua necessidade de
exprimir seus sentimentos, precisa relacionar-se com o mundo.
Foi através da criatividade que o homem solucionou os problemas
29
do seu cotidiano, como criar armas para caçar, obter alimentos e roupas,
descobrir o fogo para se aquecer. Avançando e buscando diversas formas para
melhorar a sua condição de vida.
A criatividade humana manifestar-se pelo progresso conquistado
pelo homem em todos os campos da vida. Em qualquer profissão, a
criatividade está presente. No plano individual, acriatividade torna o homem um
ser mais acessível para realizar experiências enriquecedoras, para expressar e
ativar sua capacidade, para ser feliz. Marcellino (1991) diz que “este novo
prazer lúdico deve ser crítico e criativo, desenvolvendo possibilidades de novos
valores, questionamentos de situações vigentes e do furto do componente
lúdico da cultura da criança”. É comprovado que a evasão escolar e a
repetência se dão ao carácter imposto do trabalho escolar.
Isto ocorre muitas vezes por falta de valores do lazer na escola e
educadores qualificados para assumir tal tarefa. São diversas as formas de
brincar, porém são poucas as quais possuem objetivo e direcionamento.
Por isso a ludicidade abre um leque de experiências que a criança
vivênciará e será única com características pessoais e que servirá como base
na relação qualitativa no ensino e aprendizagem tornando-a significativa. Junto
ao educador como mediador desta relação.
É preciso aprender a viver criativamente, ter pensamentos novos e
fazer produtos novos sob quaisquer condições. A criatividade é significativa
porque a situação humana em si própria e por si própria exige criatividade.
30
CAPÍTULO III
A MEDIAÇÃO DO LÚDICO COM CRIANÇAS AUTISTAS
O desenvolvimento cultural da criança é um processo de
aprendizado/apropriação da cultura pela significação do outro na e pela
linguagem. Por meio da linguagem, o mundo é traduzido para a criança que vai
sendo inserida no meio social. Na medida em que se apropria e internaliza a
cultura, suas funções psicológicas superiores se desenvolvem de modo que ela
mesma possa interpretar o mundo e regular seus modos de agir sobre ele.
O conceito de mediação é central na abordagem histórico-social.
Portanto, o desenvolvimento humano não pode ser visto como um percurso
solitário; ele depende dos modos de participação do outro, na inserção e
interação do sujeito na vida cultural, um processo que acontece a partir da
linguagem que possibilita a comunicação e realização de ações conjuntas.
Como a linguagem é fundamental na inserção e interação no meio
social que são fundamentais para o desenvolvimento infantil, nossa reflexão
visa analisar como a linguagem do outro pode favorecer o desenvolvimento da
criança com Autismo no espaço da educação infantil, possibilitando formas de
se perceber e participar das práticas culturais estabelecidas nesse espaço.
A imersão da criança com Autismo, no universo cultural e simbólico
da educação infantil, tem uma relação direta com a forma como suas ações
são inseridas pelos outros no sistema de significação cultural e escolar. No
movimento de produção de significações, faz-se necessário analisar os modos
de participação do outro.
A significação no espaço escolar está diretamente relacionada com
o papel e a função social da instituição escolar, isto é, a transmissão e
apropriação do conhecimento acumulado ao longo da história às gerações
mais novas. Na instituição escolar, os lugares, os papéis e as funções daqueles
31
que ensinam e daqueles que aprendem são marcados e delimitados histórica e
institucionalmente, traçando um modo de relação especifico entre eles.
A partir da abordagem histórico-cultural, entendemos a atividade do
mediador na educação infantil, que tem por objetivo maior o desenvolvimento
expressivo-motor, socioafetivo, cognitivo e linguístico das crianças, por meio da
mediação pedagógica. Essa forma se caracteriza pela intencionalidade e
sistematicidade e necessita de planejamento das ações, diferenciando-se das
mediações cotidianas que são imediatas e nem sempre intencionais.
No desenvolvimento e na constituição da criança com autismo,
interessamos pelos processos de significação da atividade dessa criança por
meio da mediação pedagógica na educação infantil. Nesse contexto, é preciso
analisar como as práticas são vivenciadas e significadas para a criança com
autismo, de modo que se possam observar nessa criança indícios de
compartilhamento de sentidos ali produzidos a partir da forma como ela
participa com toda sua singularidade.
Portanto, instiga-nos analisar de que maneira essa criança é
compreendida no espaço escolar por seus mediadores e pares; como as
relações e interações sociais contribuem para que ela se aproprie da cultura; e
de que forma ocorre a mediação do outro no sentido de significar e regular
suas ações, possibilitando sua inserção no meio social de modo mais
autônomo. Consideramos, assim como rocha (2005, p.35), que são as pessoas
com que ela se relaciona, que, efetivamente, lhe propiciam sua participação na
dimensão simbólica elaborada socialmente, na medida em que interpretam e
atribuem significados aos seus movimentos, privilegiadamente por meio de uso
de formas verbais de linguagem.
A dificuldade de compreender a linguagem e de compartilhar
sentidos com a criança com Autismo pode configurar situações interativas
marcadas pelo baixo investimento do outro na interação, prendendo-se na falta
de retorno da criança e não busca de pistas e indícios desse retorno.
(MARTINS, 2009; CRUZ, 2009)
32
A linguagem da criança com autismo é marcada por suas
estereotipias. A corporal apresenta gestos repetitivos e a verbal ecolalia
(repetição imediata ou tardia de palavras). Carvalho e Avelar (1998) apontam
que as estereotipias são repetições que se esvaziaram do valor simbólico e
causam um efeito de estranhamento no interlocutor. Essa estereotipia da
criança com Autismo reduz o valor simbólico de sua linguagem, pois seus atos,
interpretados como estranhos e “bizarros”, são validados pelo seu diagnóstico,
limitando a significação ao Autismo.
No espaço escolar, é preciso perceber o sujeito em constituição. A
aprendizagem da criança com Autismo deve ser orientada para um maior
investimento nos processos de significação, ressignificar a criança a criança
para além do Autismo. Perceber as formas de interação do sujeito em toda sua
singularidade, pois a significação dos gestos e das palavras, como nos aponta
Vygotsky (2005), existe primeiro para outro e, somente depois, é que passa a
existir para a própria criança.
O processo de convencionalização de sentidos que perpassa os
gestos e as palavras da criança está inter-relacionado com a interpretação que
o adulto faz deles e com o modo como a criança se apropria do sentido
produzido na dinâmica interativa. Investir nos processos de significação é
apostar que é possível compartilhar sentidos com a criança com Autismo,
significando suas ações ao mesmo tempo em que a orienta para aquilo que se
espera da criança em determinadas situações.
Para Smolka (1991), partindo dos estudos de Bakhtin, os sentidos
não existem por si só, eles são produzidos nas enunciações concretas. As
enunciações que acontecem no espaço escolar refletem o controle exercido
pelo mediador que, diante do lugar que ocupa, de sua voz social, orienta as
ações das crianças. Contudo, essa voz se constitui e se modifica no movimento
de interlocução; o modo de falar e agir do mediador são repassados pelas falas
de seus alunos e pela imagem que faz deles.
33
Na mediação pedagógica, no contato cotidiano, a imagem da criança
com o autismo (genérica) produzida no discurso social macro, de quem não
interage com o outro, deve abrir espaço para a imagem de uma criança que
apresenta sim especificidades, mas, como toda e qualquer criança (e ser
humano), necessita do outro para se desenvolver culturalmente de forma
singular e única.
Tendo em vista que o processo de aprendizagem se dá nas
condições concretas de vida dos sujeitos, partilhado nas relações de ensino,
consideramos que, na mediação pedagógica, o modo como o mediador conduz
o processo, mediando a participação da criança com Autismo, pode favorecer
ou restringir as aprendizagens, o que consequentemente impulsiona ou limita
o desenvolvimento dessa criança.
As formas de interação entre o mediador e a criança com Autismo,
em uma perspectiva histórico-cultural, não podem ser desvinculadas da
dimensão afetiva que suscita o pensamento e a ação deles, inserindo-os no
universo dos desejos, das necessidades e das vontades.
Para Vygotsky, não há como separar os pensamentos e as ações
dos sujeitos da base afetivo-volitiva que os move. Portanto, as ações do
mediador, no processo de mediação pedagógica com a criança com Autismo,
são movidas por interesses, necessidades, desejos e motivações pessoais que
envolvem situações concretas de vida e relação. “Uma compreensão plena e
verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua
base afetivo-volitiva”. (VYGOTSKY, 2005, p. 187)
Portanto, consideramos, de acordo com Oliveira (2005), que o afeto
constitui os processos interativos. As relações estabelecidas em sala de aula
são perpassadas pelo afeto. As interações que acontecem na escola, assim
como as demais interações sociais, são permeadas por práticas discursivas
que, movidas e atravessadas pelo afeto, circulam no espaço escolar e
constituem os modos de interações com/da criança com Autismo.
34
As práticas realizadas na escola devem favorecer à criança com
Autismo, novos modos de ser e de se constituir, abrindo caminho para
possibilidades singulares de interagir com os outros e o mundo. A mediação
pedagógica deve ser intencional, uma ação consciente de mediar e intervir “[...]
com o propósito de promover a interação social e a participação na cultura,
desenvolver a linguagem e as formas de significar o mundo, e elevar os níveis
de pensamento”. (GOÉS, 2002, p. 106)
Como ressalta Vygotsky (2007), aprendizado e desenvolvimento são
processos que se relacionam desde o início da vida da criança, contudo a
aprendizagem escolar se difere da aprendizagem espontânea, cotidiana não
somente pela sistematicidade, mas também pelo que ela produz de novo no
desenvolvimento da criança.
A mediação pedagógica deve se orientar para criar zonas de
desenvolvimento proximal, isto é, se orientar para o futuro, investindo em
aprendizagens que, embora não estejam consolidadas, estão em processo de
maturação. O mediador precisa, sem desconsiderar a especificidade da criança
com Autismo, investir nas potencialidades e nas suas possibilidades de
interação e de constituição como ser social, membro de uma determinada
cultura, portanto, com o direito de acesso ao patrimônio cultural produzido no
âmbito dessa cultura.
Ao se orientar para criar zonas de desenvolvimento proximal na
criança com Autismo, a mediação pedagógica deve fundamentar-se em
processos compensatórios. Atuar na zona de desenvolvimento proximal por
meio de processos compensatórios é investir nas possibilidades da criança
com Autismo, a partir das vivências concretas dentro da escola que mobilizem
essa criança a interagir com os outros e com o meio.
A compensação, para Vygotsky (1983, 1997), é o processo no qual o
outro, nesse caso, o mediador, investe no desenvolvimento cultural da criança
com Autismo, oferecendo a ela caminhos alternativos, orientando
prospectivamente esse desenvolvimento, rompendo com as limitações que
35
encontra no meio, a partir da busca de possibilidades de essa criança interagir
e participar desse meio, da cultura, envolvendo-a no campo da significação.
O mediador precisa perceber-se como o outro da mediação
pedagógica, que privilegia as potencialidades da criança com Autismo, de
forma que se possibilite uma vivência significativa da linguagem. O mediador,
em sua relação com a criança com Autismo, pode auxiliá-la a realizar
atividades que ela ainda não faz sozinha, investindo para que, futuramente, ela
possa vir a realizá-las sem ajuda.Ao pensarmos na criança com Autismo e em
como criar zonas de desenvolvimento proximal, remetemo-nos a Freitas
(2001), quando nos aponta que a atuação na zona de desenvolvimento
proximal não acontece de modo linear e harmônico; existem tensões e conflitos
nessa relação de complementaridade entre eu e outro.
Não há como prever como e quando os avanços vão se concretizar.
O desenvolvimento não se consolida no momento da atividade realizada em
colaboração e as repostas nem sempre são imediatas, necessitado um maior
investimento do adulto, administrando as frustrações e as resistências. Atuar
na zona de desenvolvimento proximal é observar as pistas e os indícios de
mudança que ocorrem no desenvolvimento, que se efetivam de modo não
linear e não progressivo, possibilitando no presente lançar olhares prospectivos
para o futuro.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal favorece, no
processo de ensino para crianças com alguma deficiência, a mudança de olhar
dos profissionais que se voltam [...] para as deficiências da criança, ao invés de
se voltar para seus pontos fortes, encorajando-a. (VYGOTSKY, 2005, p. 130)
Ciente de que as relações não são sempre harmônicas, os
encontros nem sempre são potencializadores e de que, na dinâmica das
relações, existem tensões, conflitos e resistências por parte dos que estão em
interação, em nosso caso, mediador, criança com Autismo e seus pares.
Consideramos que, pela linguagem, no modo como orientam e regulam as
atividades da criança, mediador e demais crianças podem (ou não) favorecer
36
que a criança realize as atividades de forma mais consciente e autorregulada, a
partir das apropriações culturais constituídas na/pela significação.
A linguagem e o outro ocupam um papel relevante no
desenvolvimento da autorregulação, pois é na palavra do outro, no modo como
ela é enunciada e interpretada, a partir de uma rede de significações, que os
sentidos são produzidos na atividade da criança regulando culturalmente sua
ação.
No diálogo com a perspectiva histórico-cultural, representada pelos
estudos de Vygotsky, buscamos a visão prospectiva que, de acordo com
Carvalho (2006, p. 35), [...] privilegia os aspectos dinâmicos e as
potencialidades que emergem e se realizam continuamente (das mais diversas
formas) nas relações da pessoa com o mundo.
Ao destacarmos o papel do mediador como o outro do
desenvolvimento infantil não pode desconsiderar a dimensão afetiva que
perpassa a relação entre sujeitos. No encontro entre sujeitos, somos afetados e
afetamos quem encontramos, o que constitui o modo como nos relacionamos
com cada sujeito e a maneira como os sentidos são atribuídos e
compartilhados.
O presente capítulo abordará as mediações pedagógicas com a
criança com Autismo nas situações de brincadeiras, considerando, com base
na perspectiva histórico-cultural, o brincar como atividade realizada pela
criança fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas.
Embora o brincar seja uma atividade livre da criança, não podemos
considerá-lo como uma atividade natural. A brincadeira/jogo infantil tem sua
origem nas experiências concretas da criança. As motivações e necessidades
que levam a criança a brincar são construções culturais, que variam de acordo
com o meio em que está inserida e sofrem mudanças ao longo do
desenvolvimento infantil, portanto “aquilo que é de grande interesse para um
bebê deixa de interessar uma criança um pouco maior”. (VYGOTSKY, 2007, p.
108).
37
Vygotsky (2007) indica que o prazer não deve ser considerado como
a característica que define o jogo/brincar, pois a criança fora do jogo pode
experimentar situações mais prazerosas; e, ainda, no final da idade pré-
escolar, a criança se depara com jogos que podem lhe causar desprazer. Suas
atividades podem não ser tão agradáveis, e o que motiva a participação da
criança no jogo é o resultado que considera interessante (como nos jogos de
ganhar e perder), podendo o resultado lhe causar um desprazer.
Na criança pequena, o caráter desinteressado do brincar, sem a
finalidade de produzir algo concreto, permite a liberdade de ações. Na idade
pré-escolar, como aponta Vygotsky (2007), na brincadeira, a criança busca
solucionar as tensõesentre seus desejos imediatos de atuar na realidade
concreta e suas reais possibilidades de atuação, criando uma forma particular de
atividade como meio de lidar com essa tensão, envolvendo-se em um mundo
ilusório e imaginário no qual os desejos não realizáveis podem ser realizados.
Entram em cena três características fundamentais do jogo infantil, a
imaginação, a imitação e a regra, que surgem a partir do desenvolvimento das
funções psicológicas da criança e, ao mesmo tempo, impulsionam
qualitativamente o desenvolvimento dessas funções.
Assim, ao brincar, a criança imita situações reais como cuidar de um
bebê, dirigir um carro, interpretar papéis de adulto, mas não como uma
reprodução mecânica daquilo que observam, pois, ao representar situações
reais em um plano imaginário, a criança emancipa-se da situação concreta,
assimila suas experiências, ao mesmo em tempo que ao representá-las de
forma criativa, operando com regras e valores sociais que vê realidade
concreta, muitas vezes não seria possível operar.
A brincadeira se constitui como atividade fundamental no
desenvolvimento infantil por possibilitar que brinca, a criança, sozinha ou em
interação com outras crianças/pessoas, resolva problemas, elabore hipóteses e
pensar sobre si e sua atuação no meio, favorecendo os modos de pensamento.
Por mais livre que se pareça o jogo/brincadeira infantil, este possui
38
uma regra que pode ser explícita, como na amarelinha, dominó etc., ou
implícita como em um faz de conta. As brincadeiras são conduzidas e
ordenadas por suas regras, pois é a partir delas que a criança pensa e age,
ajustando-se à situação da brincadeira e favorecendo o desenvolvimento do
autocontrole, comportando-se além do que é habitual para sua idade, criando
uma zona de desenvolvimento proximal.
A criança, no brincar, age “como se ela fosse maior do que é na
realidade. Como foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as
tendências do desenvolvimento sob forma condensada” (VYGOTSKY, 2007, p.
122). O brincar para o autor é uma grande fonte de desenvolvimento, pois:
“Fornece ampla estrutura básica para mudanças da necessidade e da consciência. A ação na esfera imaginativa, em uma situação imaginária, a criação das intenções voluntárias e a formação dos planos da vida real e motivações volitivas - tudo aparece no brinquedo, que se constitui assim, no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. A criança desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo.” (VYGOTSKY, 2007, p. 122).
Desde a mais tenra idade, a criança aprende a brincar nas relações
que estabelece com outras pessoas mais experientes, adultos ou crianças, que
provocam/propõem em sua atividade formas humanas de agir com os objetos e
interagir com as pessoas, portanto brincar é uma atividade fundamental no
cotidiano da educação infantil.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil indicam
que o currículo deve articular as experiências em saberes da criança o
conhecimento acumulado pela humanidade, favorecendo o seu
desenvolvimento integral, respeitando os princípios éticos, políticos e estéticos
e, em seu art. 9o, determina que “as práticas pedagógicas que compõem a
proposta curricular da Educação infantil devem ter como eixos norteadores as
interações e a brincadeira”.
Dessa forma, a organização do currículo na educação infantil deve
garantir tempo e espaço para o brincar, favorecendo o desenvolvimento da
39
imaginação da criança, exercendo sua capacidade de criar, experimentar e
levantar hipóteses a partir da realidade.Contudo, observa-se nos espaços de
educação infantil uma instrumentalização do jogo/brincar voltada
principalmente para o aprendizado e desenvolvimento da leitura, da escrita e
do conhecimento lógico.
Compreendendo o brincar como uma atividade que se aprende e
desenvolve na relação com outras crianças e/ou adultos, no espaço da
educação infantil, cabe ao professor investir na criação de condições para que
a criança com deficiência amplie suas experiências de brincadeira na relação
com seus pares. A criança com deficiência, apresenta dificuldades para iniciar
ou dar continuidade a brincadeiras em que precisam representar papéis ou
situações sociais cotidianas,porque lhe falta conhecer a realidade externa que
ultrapassa o limite de sua realidade circundante.
(2010, p. 107) indica que a função do professor no brincar é de
“acompanhar o movimento lúdico da criança, percebendo aspectos que
envolvem o seu brincar sistematizando a quantidade e a heterogeneidade de
experiências que a criança poderá ter sem perder de vista a sua qualidade”.
Contudo, diante da criança com Autismo, ao descrédito nas
atividades imaginativas, como brincar, soma-se o descrédito nas possibilidades
de desenvolvimento e aprendizagem do aluno especial.
Como nos aponta Orrú (2009, p. 139), “uma das afirmações mais
comuns sobre os autistas é a de que eles não brincam por não interagirem”. De
fato, quase concordamos: não brincam porque não sabem brincar em virtude
da ausência de relações sociais.
Martins (2009) indica que, na criança normal, o brincar acontece e
se desenvolve de maneira que nos parece espontânea nas situações em que
adultos e/ou outras crianças interagem com ela, em que aprende a partilhar a
atividade e a atuar com os objetos de forma lúdica. Mas, quando se trata da
criança com Autismo, o processo não é simples, pode ser longo e frustrante
para o outro - pais, familiares e educadores - devido à pouca interação, o que
40
provoca um baixo investimento nas possibilidades do brincar, desacreditando
da importância e da viabilidade da brincadeira para o desenvolvimento dessa
criança.
Contudo, acreditamos que se deve caminhar em direção contrária,
criando e envolvendo a criança com Autismo em situações de brincadeiras, o
que exige um maior investimento e aposta do outro no processo de
significação. Dessa forma, partindo do pressuposto de que a brincadeira/jogo
infantil não é uma atividade natural da criança, torna-se fundamental no espaço
da educação infantil ensinar a criança com Autismo a brincar, pois:
“a brincadeira, além de possibilitar ganhos de desenvolvimento que lhe são próprios (atuação no plano imaginativo, refinamento da significação), proporciona um rico espaço de circulação social de linguagem e uso de instrumentos, sendo, assim uma importante fonte para os processos de constituição dos sujeitos”. (MARTINS, 2009, p. 43)
Ao longo do estudo, a mediação pedagógica nas situações de
brincadeira se constituía em uma tentativa de compartilhar sentidos e, ao
mesmo tempo, inserir Daniel no universo simbólico, ampliando a possibilidade
de circulação social na linguagem e no uso de instrumentos a partir do
desenvolvimento da imaginação.
Tendo em vista a importância da brincadeira no desenvolvimento
infantil, por ser um meio pelo qual a criança se apropria do mundo, das ações
tipicamente humanas, constituindo-se como sujeito histórico cultural,
interessamo-nos em compreender como a mediação pedagógica pode
favorecer experiências lúdicas para a criança com Autismo na educação
infantil, especialmente a brincadeira.
Consideramos, de acordo com Rocha (2005, p. 46), que o
desenvolvimento da atividade lúdica está articulado com as experiências que,
em sentido geral, são oferecidas para as crianças. Estas experiências são em
geral, em larga medida, responsabilidade do educador, como organizador do
cotidiano educacional. A capacidade imaginária e a atividade lúdica decorrem
das condições concretas de vida do sujeito. Não sendo processo psicológico e
41
atividade naturais da criança, torna-se imprescindível que sejam criadas
condições necessárias para que ela se aproprie deles.
A brincadeira, como aponta Martins (2009), é uma possibilidade de
desenvolvimento da criança com Autismo a partir de sua interação social, em
uma prática social específica da infância que também pertence a essa criança,
como sujeito que apresenta especificidades na maneira como se relaciona com
o outro, mas tem o direito de participar da cultura.
A escolha das brincadeiras livres se deu pelo fato de essa forma de
brincar ocorrer diariamente e por percebermos nas professoras uma concepção
de brincar livre, como algo natural que move as crianças a realizar essa
atividade. Por consequência, não era necessária a intervenção do adulto nesse
momento. Na brincadeira livre, a participação do adulto é mínima,
acontecemais na mediação de conflitos, o que gira em torno da disputa de
materiais utilizados ou escolha de personagens.
Consideramos como brincadeira livre os momentos de faz de conta,
jogos de construções/encaixe, brincar no parquinho, situações em que as
crianças escolhiam seus pares de brincadeira e exploravam, de acordo com
seus interesses, os materiais disponíveis, tais como: bonecas, carrinhos, jogos
de encaixe (tipo lego e monta tudo), brinquedos do parquinho e outros
materiais disponíveis, como tampinhas de garrafa, potes, cadeiras etc.,
favorecendo o desenvolvimento da imaginação.
A imaginação, de acordo com Vygotsky (1998, p. 127), é “uma forma
mais complicada de atividade psíquica, a união real de várias funções em suas
peculiares relações”, devendo ser entendida como um sistema psicológico que
tem como características as conexões e relações interfuncionais.
As brincadeiras livres possibilitavam às crianças explorar os
materiais, criar situações imaginárias, organizando-se em grupos de acordo
com as afinidades e os desejos com referência à situação de brincadeira, sem
a orientação de um adulto. Representavam personagens e situações diversas
observadas ou vivenciadas imitando adultos, bebês, super-heróis, animais,
43
Entendendo que este trabalho apenas introduz uma
reflexão,considerando, sobretudo,a complexidade que envolve o fenômeno
educativo, especialmente, no que tange à temática da educação de pessoas
com necessidades educacionais especiais.
A pesquisa demonstra que os educadores possuem clara
consciência da sua carência deformação para atender às expectativas da
educação inclusiva, uma vez que lhes faltam informações fundamentais até
mesmo para compreender e distinguir os próprios conceitos de Educação
Especial e Educação Inclusiva.Não bastam as disposições legais ou
determinações administrativas. As mudanças nas práticas pedagógicas
somente se efetivam quando o professor enquanto mediador doprocesso
educativo assumir-se como protagonista das mesmas. O educador precisa
estar atento aos aspectos do desenvolvimento das crianças e de como elas
constroem o conhecimento, como também as possibilidades de aprendizagem
e desenvolvimento de habilidades dos alunos especiais através da ludicidade.
É de grande importância que o professor tenha conhecimento sobre
a intenção pedagógica de sua prática envolvendo o lúdico reconhecendo-o
como elemento mediador da aprendizagem das crianças. Não há dúvida do
claro reconhecimento por parte dos educadores de que ouso de elementos
lúdicos se constitui uma alternativa indispensável para tornar o
ensino/aprendizagem muito mais eficiente. Contudo, sabe-se que há certa
dificuldade na implementação ou utilização dessa metodologia na prática como
elemento mediador da aprendizagem, ou talvez o conhecimento necessário
para colocar isso em prática. Oque percebemos, no entanto, é que há um
discurso sobre a importância do lúdico como processo mediador da
aprendizagem, porém a prática apresenta uma ausência desse lúdico.
Acreditamos que isto só será possível mediante um conhecimento
prático dos professores com o trabalho com crianças com necessidades
especiais e isso só é possível através de uma formação sólida destes
professores. Além disso, o professor necessitará de apoio didático-pedagógico
visto que ele não será capaz de dar conta de todas essas especificidades
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sozinho, inclusive para a construção de jogos brincadeiras ou outras atividades
lúdicas com as devidas adaptações para atender as necessidades das
crianças.Estas são algumas das considerações que fazemos neste trabalho,
porém comoqualquer pesquisa, elas são provisórias, visto que outro
pesquisador poderá em outro momento, confirmar, ampliar ou refutar o que
aqui foi encontrado.
A temática não se esgota aqui. É fundamental que novos estudos se
debrucem para investigar sobre a mediação pedagógica no processo de
significação da criança com Autismo, nas possibilidades de seu
desenvolvimento cultural, no contexto da educação infantil, potencializando os
encontros que ali acontecem.
Torna-se necessário investigar o sujeito com Autismo e seus
percursos de escolarização, indagar sobre a formação docente, as políticas
públicas e, sobretudo, o diagnóstico desses sujeitos e o modo como toda a sua
vida se desenrola a partir dele.
Enfatizamos aqui o diagnóstico, pois é a partir dele, ou melhor, do
modo como ele é utilizado ou interpretado pelas pessoas que convivem com
esse sujeito (familiares, profissionais etc.), que os limites e as possibilidades do
seu desenvolvimento se constroem.
Com este trabalho, nosso maior desejo foi o de apontar que existem
caminhos a serem trilhados no trabalho educativo com a criança com Autismo
e que esses caminhos se fazem no próprio caminhar. Às vezes, esse caminho
é longo, ou parece que andamos em círculos; às vezes, encontramos atalhos
que nos levam a avanços significativos. Tudo isso é processo. É um caminhar.
BIBLIOGRAFIA
45
CUNHA, Eugênio. Autismo e Inclusão psicopedagogia e práticas educativas na
escola e na família. Rio de Janeiro. Wak, 2014.
FONTANA, R.A.C. Como nos tornamos professoras? Belo Horizonte. Autêntica.
2005.
LEBOYER, M. Autismo infantil: fatos e modelos. São Paulo. Papirus.
PINO, A. O social e o cultural na obra de Vygotsky. Campinas. Cedes, 2009.
ROCHA, M.S.P.M.L. Não brinco mais: A desconstrução do brincar no cotidiano
educacional. Ijuí, RS: Unijuí, 2005.
VYGOTSKY, L.S. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
WAJSKOP, G. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1999.
WALLON, H. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1995.
ÍNDICE
46
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
INCLUSÃO E LUDICIDADE: SITUANDO A QUESTÃO 10
CAPÍTULO II
A LUDICIDADE, NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM 19
CAPÍTULO III
A MEDIAÇÃO DO LÚDICO COM CRIANÇAS AUTISTAS 30
CONCLUSÃO 43
BIBLIOGRAFIA 45
ÍNDICE 46