UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA NO DIREITO
COMPARADO: UMA VISÃO CRÍTICA
Por: Maria Tereza Faria
Orientador
Prof. Dr. FRANCIS RAJZMAN
Rio de Janeiro
2010
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA NO DIREITO
COMPARADO: UMA VISÃO CRÍTICA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Direito e
Processo Penal
Por: Maria Tereza Faria
3
RESUMO
Pesquisa de direito brasileiro e direito comparado acerca da
execução provisória da sentença e o princípio da presunção de inocência.
O tema envolve questão polêmica entre vedação de liberdade
individual, que suscita, no âmbito penal, a ponderação entre prisão e a
intangibilidade de garantias constitucionais.
Também na prática, é tema controverso, quanto à eficácia da
aplicação da execução provisória da sentença penal, pois quando se trata, por
exemplo, de condenados pobres ou miseráveis, no aguardo de julgamento
recursal por tempo que chega a ultrapassar a própria duração da pena, gera a
sensação de injustiça ao jurisdicionados. Por outra banda, o princípio da
presunção de inocência, quando conclamado para garantir o aguardo de
recurso em liberdade a autores de delitos até mesmo gravíssimos, como
normalmente acontece com apenados de classe social abastada, gera a
sensação de impunidade aos jurisdicionados.
A intenção é confrontar o sistema jurídico pátrio com outros
sistemas jurídicos com a finalidade de tecer uma visão crítica sobre o assunto
em questão se justifica não só pelo estudo e pesquisa do tema, mas também
pela opinião crítica do autor a fim de verificar se o Direito Penal Brasileiro está
pautado em um modelo de política criminal ínsito em seu tempo, assim como
os direitos com ele comparados.
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METODOLOGIA
Pelo fato de o assunto abordar tema atual, que ainda se encontra
sendo alvo de revisão no universo jurídico nacional, a metodologia da pesquisa
consistiu em consultar não apenas leis, códigos, livros de doutrina,
jurisprudência e artigos jurídicos publicados eletronicamente.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 6
CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
7
CAPÍTULO II
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO DIREITO PÁTRIO EM CONSONÂNCIA
COM O DIREITO INTERNACIONAL 11
CAPÍTULO III
O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NAS CONSTITUIÇÕES
MUNDIAIS 19
CAPÍTULO IV
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE -
ENTENDIMENTOS A FAVOR 25
CAPÍTULO V
ENTENDIMENTOS CONTRA A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE 32
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA 43
ÍNDICE 48
FOLHA DE AVALIAÇÃO 50
6
INTRODUÇÃO
Os princípios gerais do Direito são os alicerces do ordenamento
jurídico, independentemente de estarem positivados em norma legal.
O princípio da presunção de inocência é a garantia de que será
mantido o estado de inocência do réu até o trânsito em julgado da sentença
condenatória.
A positivação da presunção de inocência em diversas Constituições,
incluindo a brasileira, coincide com a superação de regimes totalitários e
autoritários e com a inauguração da ordem democrática global.
Mesmo assim, ainda que relevante o caráter geral e amplo que
detêm os direitos humanos, onde neles se inclui a presunção de inocência, a
compreensão da amplitude de seu alcance vê-se mitigada, em nossos dias,
pela aplicação da execução provisória da sentença antes da ocorrência do
trânsito em julgado.
Ao contrário do que o senso comum possa proclamar, a presunção
de inocência não está para impedir a custódia cautelar do infrator, mas para
reforçar os critérios para sua decretação, dentre eles, perigo à atividade
processual ou policial, como medida extrema, subordinada a requisitos diretos
de legalidade.
O Código de Processo Penal brasileiro data da primeira metade do
século passado está sendo reformado aos poucos, em que pese quase todos
os nosso países vizinhos já tiveram sua reforma no Processo Penal, como a
Argentina, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Chile, Bolívia e Paraguai.
Urge, portanto, a reforma completa do velho codex processual
nacional, tendo em vista que o contexto mundial nos favorece e já estarmos
atrasados em relação a esses países.
7
CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA
O princípio da presunção de inocência tem sua origem na
Antiguidade, em texto de Domitius Ulpianu, o favor rei: ―Ninguém deve ser
condenado por suspeitas, porque é melhor que deixe impune o delito de um
culpável que condenar um inocente‖ (CORPUS IURIS CIVILIS. Dig. 48,19,5.
Obra publicada entre os anos 529-534, por ordem do imperador bizantino
Justiniano apud PINTO, Felipe Martins p.79).
Santo Tomás de Aquino, na sua obra Suma Teológica
(http://www.permanencia.org.br/sumateologica/suma.htm), tratou de questões
ligadas à justiça, justamente delineando a importância da presunção de
inocência, do desenvolvimento da jurisdição e do processo.
Aquino conceitua as três causas da suspeita, que certamente
poderiam ser as mesmas que levam as pessoas a ter presunção de
culpabilidade em face do acusado e mais especifica-mente, no aspecto de que
―somos maus e por isso pensamos mal dos outros‖; ou, nós, integrantes de
sociedade, ―temos má vontade para com os outros‖ (a afeição tolhe a razão);
ou ainda, ―a experiência nos faz mais desconfiados‖ (os velhos suspeitam mais
dos jovens).
Ainda na Suma Teológica, artigo IV, afirma-se o princípio da dúvida
a favor do réu: in dubio pro reo, porque é melhor enganar-se muito, fazendo
muito boa opinião de outrem, a enganar-se raramente, julgando mal.
O in dubio pro reo pode ser identificado desde o direito romano, por
influência do Cristianismo. Porém, o princípio da presunção de inocência, regra
tradicional no sistema da common law, insere-se entre os postulados
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fundamentais que presidiram a reforma do sistema repressivo empreendida
pela Revolução Liberal do século XVIII.
A evolução histórica da presunção de inocência pode estar inserida
principalmente após a edição da Magna Carta de 1215, que surgiu a partir de
um poder real e soberano instituído na Inglaterra com a supremacia do rei
sobre os barões feudais, reforçada durante o século XIII.
Desde então, sempre foi necessário que fossem tomadas
precauções para proteger a figura do cidadão, inocente de investigações e
condenações injustas, levando-se em consideração a possibilidade do erro, os
princípios humanistas de presunção da inocência e o in dubio pro reo, como
ditames de um procedimento penal orientado aos fundamentos do Estado
Democrático de Direito.
A positivação da presunção de inocência em diversas Constituições,
incluindo a brasileira, coincide com a superação de regimes totalitários e
autoritários e a inauguração da ordem democrática.
A França detém o pioneirismo, tendo, após a Revolução Francesa,
publicado a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que
previu em seu art. 9°:
Todo homem é tido como inocente até o momento em
que seja declarado culpado; se for julgado indispensável
para a segurança de sua pessoa, deve ser severamente
reprimido pela lei (Wikipédia. Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão).
Após, foi seguida pela Constituição italiana de 1986, promulgada
após a queda do Fascismo, pela Constituição Portuguesa de 1978,
consequente à Revolução dos Cravos, e pela Constituição Espanhola de 1973,
decorrente da derrubada do Regime Franco.
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Não podemos nos furtar de citar o artigo 11, da Declaração dos
Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU – de 1948:
Artigo 11 - I) Todo o homem acusado de um ato delituoso
tem o direito de ser presumido inocente até que a sua
culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas
todas as garantias necessárias a sua defesa.
II) Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou
omissão que, no momento, não constituíam delito perante
o direito nacional ou internacional. Também não será
imposta pena mais forte do que aquela que, no momento
da prática, era aplicável ao ato delituoso (dhnet-
Declaração Universal dos Direitos Humanos).
Outrossim, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, aprovado em 1969, que
entrou em vigor internacionalmente em 1978, prevê, em seu artigo 8.º, 1 e 2:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para
que se determinem seus direitos ou obrigações de
natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza.
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se
presuma sua inocência enquanto não se comprove
legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa
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tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias
mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por
tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o
idioma do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da
acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios
adequados para a preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de
ser assistido por um defensor de sua escolha e de
comunicar-se, livremente e em particular, com seu
defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor
proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo
a legislação interna, se o acusado não se defender ele
próprio nem nomear defensor dentro do prazo
estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes
no tribunal e de obter o comparecimento, como
testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam
lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma,
nem a declarar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal
superior (dhnet – Pacto de San Jose da Costa Rica).
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CAPÍTULO II
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO DIREITO PÁTRIO EM
CONSONÂNCIA COM O DIREITO INTERNACIONAL
No Brasil, a primeira vez em que a presunção de inocência integrou
expressamente uma Constituição foi em 1988, considerada um verdadeiro
marco no processo de redemocratização brasileira, iniciada a partir do
crepúsculo do Regime Militar, em 1984, e que traz como conteúdo
determinante a preocupação notória com a estruturação de um sistema de
direitos e garantias individuais.
Diz o texto da Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 5.°,
inciso LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória".
Dessa forma, o acusado de ato ilícito tem o direito de ser tratado
com dignidade enquanto não se solidificam as acusações.
A presunção de inocência, na carta política de 88, encontra-se
implícita, vez que o texto constitucional não coloca claramente o pressuposto
de ser o réu inocente, mas tão somente não carrega consigo a culpa pelo fato
que lhe é imputado pela acusação.
Tal princípio, ainda que positivado em 1988, já foi arrolado pela
doutrina pátria dentre os princípios gerais que regiam o direito processual
penal, consoante exemplo do RE86297-SP, do STF, julgado em 1969.
Vale lembrar que, em solo pátrio, desde o início do século passado,
Rui Barbosa, conectado às normas internacionais, já observava a necessária
observância do princípio da presunção de inocência:
Não sigais os que argumentam com o grave das
acusações, para se armarem de suspeita e execração
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contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais
odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver
mais contra os acusadores, e menos perder de vista a
presunção de inocência, comum a todos os réus,
enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito
inocência (O Dever do Advogado apud FONSECA,
Adriano Almeida).
A forma como está enunciado na constituição, entretanto, ensejou
por si mesma alguns debates a respeito do seu alcance. Isso porque não se
repetiu a fórmula consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, bem como pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de
1948, assim também pela Convenção Americana de Direitos Humanos de
1969.
No entanto, é cediço que não se pode dar à norma vigente
interpretação meramente literal, ou seja, de que o legislador constituinte de
1988 não teria adotado o princípio da presunção de inocência, mas o distinto
princípio da não-culpabilidade, que teria menor abrangência.
Até porque, desde que o Congresso Nacional, através do Decreto
Legislativo n.º 27, de 26 de maio de 1992, aprovou o texto da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e o
Governo Brasileiro em 25 de setembro de 1992, depositou a Carta de Adesão
a esta Convenção, e determina seu integral cumprimento pelo Decreto n.º 678,
de 06 de novembro de 1992.
E, com a inserção do parágrafo §3.º, no artigo 5.º da CRFB/1988,
promovida pela Emenda Constitucional de n.º 45/2004, que tratou da Reforma
do Judiciário, trouxe inovação no sentido de que os tratados internacionais de
direitos humanos poderão ter status de emenda constitucional, dependendo
para tal do mesmo quorum especial exigido para reforma do texto
constitucional.
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Assim, a Suprema Corte do país entendeu que o caráter especial
desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar
específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém
acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil foi reconhecido pelo
pleno do STF, no julgamento do RE 349.703, em 3/12/2008, publicado DJE de
5/06/2009 (STF- A constituição e o supremo).
Portanto, o princípio da presunção de inocência é um direito
fundamental, inerente aos direitos humanos.
E os direitos humanos são um conjunto de condições, garantias e
comportamentos, capaz de assegurar a característica essencial do homem, a
sua dignidade, de forma a conceder a todos, sempre, o cumprimento das
necessidades inseridas em sua condição de pessoa humana.
A doutrina (Moraes, 1998) ressalta algumas características próprias
desses direitos, sendo: 1) Universalidade - todo e qualquer ser humano é
sujeito ativo desses direitos, independente de credo, raça, sexo, cor,
nacionalidade, convicções; 2) Inviolabilidade - esses direitos não podem ser
descumpridos por nenhuma pessoa ou autoridade; 3) Indisponibilidade - esses
direitos não podem ser renunciados. Não cabe ao particular dispor dos direitos
conforme a própria vontade, estes devem ser sempre seguidos; 4)
Imprescritibilidade - eles não sofrem alterações com o decurso do tempo, pois
têm caráter eterno; 5) Complementaridade - os direitos humanos devem ser
interpretados em conjunto, não havendo hierarquia entre eles.
A figura da presunção de inocência, conforme Alves Bento (BENTO,
2007), enquanto presunção de não culpabilidade e enquanto instrumento do
exercício da pretensão punitiva estatal, deve ser identificada como um corolário
direto do Devido Processo Legal, para que se discuta a culpabilidade, dentre o
exercício das garantias da ampla defesa, do contraditório e da proibição de
utilização de provas ilícitas.
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Em contraponto, ensina a professora Simone Schreiber
(SCHREIBER, 2005), apontando divergência hermenêutica:
De fato, a Constituição Federal Brasileira adotou a
redação do art. 27.2 da constituição italiana de 1948, a
qual por sua vez resultou de um movimento
protagonizado por parte da doutrina italiana que defendia
a restrição do alcance do princípio da inocência, com
vistas a garantir a eficácia do processo penal. Enrico Ferri
sustentava que só se poderia admitir a presunção de
inocência do delinqüente ocasional que houvesse negado
a prática do crime, e mesmo assim somente enquanto
não se reunisse prova indiciária contra ele. A própria
instauração do processo criminal autorizaria que se
presumisse a culpa do imputado, e não sua inocência.
Vicenzo Manzini refuta com veemência o princípio,
qualificando-o como absurdo, "una extravagancia
derivada de los viejos conceptos, nacidos de los
princípios de la Revolución francesa, por los que se llevan
a los más exagerados e incoherentes excesos las
garantias individuales”. Para Manzini, considerando que
as presunções são meios de prova indireta através dos
quais se chega a determinado convencimento, absoluto
ou relativo, com base na experiência comum, é impróprio
falar em presunção de inocência. Isso porque, com base
na experiência, não se pode afirmar que a maior parte
dos imputados tenha sido declarada inocente ao final do
processo. Ademais, a própria imputação se apóia em
indícios previamente colhidos contra o processado, o que
por si impede que seja presumido inocente. Sustenta
ainda que a presunção de inocência, tomada em todas as
suas conseqüências, teria que levar, por exemplo, à
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abolição da prisão cautelar, e tornaria inócua a própria
persecução criminal.
No entanto, a prevalência do poder estatal em face da liberdade
individual do cidadão, ainda hoje prestigiada, é típica da inquisição, época
marcada por arbitrariedade. Tal período tinha como traço marcante o poder de
instrutor, acusador e julgador concentrado em uma única pessoa, o juiz,
retirando todas as garantias possíveis ao pleno exercício da defesa, tendo
ainda como características ser totalmente escrito, secreto e, ainda desprovido
do contraditório.
Foi Cesare Bonesana - Marquês de Beccaria - em sua obra ―Dos
Delitos e das Penas‖, que iniciou a reagir contra os processos inquisitórios.
Sua obra influenciou o processo penal, de forma a ser considerada
dentre os primeiros marcos oposicionistas para a presunção da culpabilidade,
preconizada pelo período iluminista de cunho inquisitório.
Assim, Cesare Bonesana registrava a necessidade da presunção
de inocência do homem:
A um homem não se pode chamar de culpado antes da
sentença do juiz, nem a sociedade pode negar-lhe a sua
protecção pública, senão a partir do momento em que for
decidido que ele violou os pactos por intermédio dos
quais ela lhe foi concedida. Qual é, pois, o direito, se não
o da força que dá potestas ao juiz para impor uma pena a
um ar enquanto há dúvidas se é réu ou inocente? Não é
novo este dilema: ou o crime é certo ou incerto. Se certo,
não convém que se lhe aplique outra pena diferente
daquelas que se encontram previstas na lei, e é inútil a
tortura porque inútil à confissão do réu; se for incerto, não
se deve atormentar um inocente, pois ele é, segundo a
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lei, um homem cujos delitos não estão provados.
(BECCARIA,1764)
As previsões garantistas de dignidade humana privilegiam a
preservação do princípio da presunção de inocência como se pode ver até
então, a partir de todos os diplomas legais aqui abordados, assim como não
podem deixar de ser citados: a Convenção Européia para Proteção dos
Direitos do Homem, 1950; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, 1966; a Convenção Européia de Direitos Humanos, 1990; a Carta
dos Direitos Fundamentais da União Européia, 2000.
No entanto ainda persistam modelos processuais penais ligados a
um sistema antigo, em que a justiça penal funciona como uma forma alienada
de controle social. Segundo Dornelles, ―é a constituição de um novo sentido
comum penal que aponta para a criminalização da miséria‖ que funciona como
―um mecanismo perverso de controle social‖ que serve para ―regular o trabalho
assalariado precário em sociedades capitalistas neoliberais‖ (Dornelles).
De outra banda, a ênfase contemporânea dada à integração cultural
e política dos Estados como comunidades supranacionais, busca mecanismos
capazes de estimular reformas como é o caso do projeto do Código de
Processo Penal Modelo para Íbero-América, apresentado às XI Jornadas
Ibero-Americanas de Direito Processual (Rio de Janeiro, 1988). Acerca do
codex, segundo Ada Pellegrini (GRINOVER, p. 544):
O Código Modelo de Processo Penal para Ibero-América
procura servir de base a uma impostergável política
renovadora, recolhendo a tradição cultural que desde o
início tem inspirado o processo uniformizador. Parte
assim, das propostas das ―Quintas Jornadas
Iberoamericanas de Direito Processual‖ (Bogotá-
Cartagena. 1970), que haviam acolhido como bases
principais as lançadas por Niceto AIcalá-Zamora para o
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Código de Córdoba. Estas bases, junto com as de Clariá
Olmedo e Velei Maricoade (Bases para a unificação
legislativa em matéria processual penal na América
Latina), para cujo aperfeiçoamento muito colaborou Victor
Fairén-Guillén, foram depois retornadas por Comissões
formadas por Fairén-Guillén, Jose Frederico Marques.
Ferncndo de la Rua. Julio Maier e, mais tarde, Ada
Pellegrini Grinover e Jayme Bernal Cuellar.
A elaboração técnica das referidas bases, sob forma de
Código Modelo, foi levada a termo nesses últimos anos,
por Julio Maier e Fernando de la Rua e posteriormente
revista pelo mesmo Júlio Maier e por Ada Pellegrini
Grinover, que se serviram de colaboradores argentinos e
brasileiro.
O Projeto final, apresentado às Xl Jornadas Ibero-
americanas de Direito Processual (Rio de Janeiro, 1988),
além de calcar-se nas aludidas bases, inspira-se no
Código de Processo Penal da Alemanha, sem descurar
as tendências evolutivas do processo penal espanhol,
português, italiano e francês. E, com relação aos direitos
fundamentais e aos princípios políticos, fundamenta-se
nas Declarações e Pactos internacionais mais
importantes - desde as Declarações Universais à
Convenção Européia e à Americana de São José da
Costa Rica.
O projeto de Código Processual Penal-Tipo para Ibero-América, no
seu artigo 3°, descreve expressamente a observância ao estado de inocência
do cidadão:
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Artigo 3°. Tratamento do imputado como inocente. O
imputado ou acusado deve ser tratado como inocente
durante o procedimento, até que uma sentença
irrecorrível lhe imponha uma pena ou uma medida de
segurança. As disposições desta lei que restringem a
liberdade do imputado ou limitam o exercício de suas
faculdades serão interpretadas restritivamente; nesta
matéria, a interpretação extensiva e a analogia são
proibidas, enquanto não favoreçam a liberdade do
imputado são as que este Código autoriza; terão caráter
de excepcionais e serão proporcionais à pena ou à
medida de segurança que se espe¬ra do procedimento,
como estrita sujeição às disposições pertinentes. A
dúvida favorece ao imputado.
19
CAPÍTULO III
O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NAS
CONSTITUIÇÕES MUNDIAIS
Apresentamos neste capítulo uma pequena síntese acerca do
assunto, segundo ensina Ricardo Bento, em seu livro Presunção de Inocência
no Processo Penal (BENTO, 2007):
Constituição Italiana
A presunção de inocência na Itália obteve status constitucional no
ano de 1948, sendo aprovado pela Assembléia Constituinte Italiana; o artigo
27, § 2°, de sua Carta Política diz que o acusado não é considerado culpado
senão após a sentença definitiva.
A Carta Italiana não primou pela observância dos preceitos
humanistas da Declaração Francesa, restando resquícios de um Estado
Totalitário, inquisitivo, na qual, pela nobre escusa de paridade de tratamentos,
olvida-se reconhecer a infungibilidade dos bens inseridos no âmbito do
processo penal, enquanto Direito Constitucional aplicado.
Constituição Portuguesa
A Constituição da República de Portugal de 1976 elevou o princípio
da presunção de inocência à categoria de direito constitucional, acrescentando
que somente se atingirá esta presunção de inocência, se o cidadão for julgado
em um processo criminal, dentro de um prazo célere e compatível com o
exercício pleno da sua defesa, apto a contraditar todos os pontos da acusação
durante a instrução criminal.
Constituição Francesa
A Constituição Francesa, berço da propagação da civilização
humanista, proclamada em 4 de outubro de 1958 e atualizada em 03 de
outubro de 2000, declara no seu preâmbulo, expressamente, a adesão aos
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Direitos Humanos e aos princípios da soberania nacional, originados e
definidos pela Declaração Francesa de 1789.
A presunção de inocência está inserida no preâmbulo da Carta
Francesa de 1958. Há mais de 200 anos, a Constituição Francesa proclama a
presunção de inocência, até que o pretenso infrator seja declarado culpado, e
se fosse indispensável sua prisão, todo rigor que não fosse necessário para tal
ato deveria ser severamente punido, nos seguintes termos:
―Todo homem deve ser presumido inocente até que tenha
sido declarado culpado; se for indispensável prendê-lo,
todo rigor que não seja necessário para garantir sua
integridade, deve ser severamente reprimido pela lei‖.
Constituição Espanhola
A Constituição Espanhola, aprovada em 31 de outubro de 1978,
também privilegia o instituto da presunção de inocência como observância
necessária da dignidade da pessoa humana, fundamento da maioria dos
Estados Contemporâneos, inclusive quanto à possibilidade do cidadão
espanhol e de seu acesso à justiça, quanto ao exercício de seus direitos e
legítimos interesses, não havendo caso de exercício de ato, sem produção de
defesa, tendo sua inserção na carta espanhola, no artigo 24, nos itens 1 e 2:
―Artigo 24.
1 .Todas as pessoas têm o direito a obter tutela efetiva
dos juízes e tribunais em exercício de seus direitos e
interesses legítimos, sem que, em nenhum caso, possa
se produzir cidadão sem defesa.
2. Assim mesmo, todos têm o direito a um juízo ordinário
predeterminado por lei, à defesa e à assistência
especializada, a serem informados da acusação
formulada contra eles, a um processo público sem
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dilações indevidas e com todas as garantias, a utilizar os
meios de prova pertinentes para sua defesa, a não
declarar contra si mesmo, a não se confessar culpado e à
presunção de inocência.‖
Constituição Colombiana
A Constituição Política da Colômbia de 1991, com reforma de 1997,
tem o registro da presunção de inocência diretamente ligada ao devido
processo legal e sua observância com as leis preexistentes, como a
impossibilidade do cidadão ser julgado senão pela autoridade judicial
competente, e a sua plenitude de formas de cada juízo. A previsão da
presunção de inocência está no artigo 29 da Constituição Colombiana, nos
seguintes termos, no seu original em língua espanhola:
―Artigo 29. O devido processo se aplicará a toda classe
de atuações judiciais e administrativas. Ninguém pode ser
julgado senão conforme as leis preexistentes ao ato que
se imputa, ante o juiz ou tribunal competente e com
observância da plenitude de formas próprias de cada
juízo. Em matéria penal, a lei permissiva ou favorável,
ainda que seja posterior, se aplicará de preferência a
restritiva ou desfavorável. Toda pessoa se presume
inocente enquanto não se haja declarado judicialmente
culpado. Quem for investigado tem o direito à defesa e
assistência de um advogado por ele, de oficio, durante a
investigação e o julgamento; a um devido processo
público sem dilações injustificadas; a apresentar provas e
contradizer as que se alegam em seu prejuízo; a
impugnar a sentença condenatória, e a não ser julgado
duas vezes pelo mesmo fato. É nula, de pleno direito, a
prova obtida com violação do devido processo.‖
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Constituição Costarriquenha
A Constituição Política da Costa Rica de 7 de novembro de 1949
privilegia o instituto da presunção de inocência em seu conteúdo. Tal
posicionamento ratifica os preceitos deste país, tanto que, em 1946 houve a
opção de extinção das Forças Armadas, e sendo destinados tais recursos,
exclusivamente para proporcionar à população geral uma qualidade de vida
melhor, quantos aos aspectos de saúde pública, de alfabetização e demais
requisitos para se usufruir uma vida observadora da dignidade de pessoa
humana e, portanto, da presunção de inocência.
Constituição Mexicana
A Constituição Mexicana, como as outras cartas constitucionais
latinas, observa, também, o princípio da presunção de inocência, de forma a
não infringir direitos fundamentais do cidadão, evitando excessos estatais no
exercício da pretensão punitiva.
O primeiro registro na Constituição Mexicana sobre a presunção de
inocência é no artigo 13, registrando a impossibilidade de alguém ser julgado
por leis parciais e por tribunais especiais.
Constituição Argentina
A Constituição Argentina tem o registro da presunção de inocência
nos artigos 18 e 19, ratificando os posicionamentos adotados pelas Repúblicas
Democráticas ao consagrar a não culpabilidade do cidadão, e somente assim
proceder, após os ditames concatenados de um devido processo penal.
Constituição Brasileira
A presunção de inocência está prevista no artigo 5.º, inciso LVII da
Constituição Brasileira de 1988, em que estão elencados os direitos e
garantias dos cidadãos brasileiros, não olvidando os preceitos humanistas da
Declaração Francesa de 1789 e os ditames do devido processo legal em 1215
na Inglaterra, como corolários da observância irrestrita da paridade de armas,
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do contraditório e da ampla defesa, quando haja uma imputação de uma
infração penal em face de um cidadão em sede persecução criminal: ―art.5°,
LVII. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória.‖
Constituição Alemã
A Constituição da República Federal da Alemanha, conhecida como
a Constituição de Weimar, na Alemanha em 1919 (The Basic Law -
Grundgesetz), teve sua atualização em 23 de maio de 1949 estabeleceu, no
Capítulo 1, os Direitos Básicos, e mais precisamente, no artigo 1°, os Direitos
Humanos, reconhecendo a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana,
preservando e respeitando contra qualquer obrigação de autoridades estatais;
e, ainda, que o povo alemão reconhece daqui por diante, a inalienabilidade dos
direitos humanos básicos de qualquer comunidade humana, baseada na paz e
justiça mundial, e que no final do artigo 1°, que os direitos básicos
subseqüentes terão validade de lei:
―Artigo 1° - Dignidade Humana: (1) Dignidade Humana é
inviolável. Para lhes respeitar e proteger é o dever de
toda autoridade estatal‖.(2) O povo alemão reconhece
admitindo a sua inviolabilidade e inalienabilidade
enquanto direitos humanos como base de cada
comunidade humana, de paz e de justiça no mundo.(3)
Os seguintes direitos básicos são baseados nas leis
válidas dos poderes legislativo, executivo e judiciário.
Constituição Norte Americana
Na Constituição dos Estados Unidos da América, em seu artigo VI,
fica estabelecido que o cidadão terá o direito ―de ser informado sobre a
natureza e a causa da acusação e de ser acareado com as testemunhas de
acusação; de fazer comparecer por meios legais testemunhas de defesa, e de
24
ser defendido por um advogado‖, como preservação do cidadão, ante ao
exercício irrestrito da pretensão punitiva do Estado.
O Direito Norte Americano traz ainda uma grande contribuição para
o estudo da presunção de inocência, no registro do caso Miranda v. Arizona,
onde ficou estabelecido que qualquer extorsão ou tortura para obtenção da
confissão é ilegal, e a inadmissibilidade de sua utilização contra o suspeito.
Ernesto Miranda, um jovem de 23 anos, foi preso em sua casa em
Phoenix, Estado norte-americano do Arizona, e conduzido para a delegacia de
polícia para realização de seu interrogatório, por suspeita do cometimento dos
crimes de estupro e rapto. Após duas horas de interrogatório, foi obtida uma
confissão assinada por ele.
Quando da realização do julgamento, Ernesto ainda justificava sua
inocência, mas a confissão assinada foi suficiente para a sua condenação.
Apelando para a Suprema Corte norte-americana, cinco dos nove juízes
determinaram que Ernesto fosse colocado em liberdade, posto que a polícia
não teria lhe ofertado seus direitos constitucionais, dentre eles o direito ao
silêncio e a ter assistência de um advogado.
Em observância aos preceitos do caso Miranda, foram estabelecidos
procedimentos ao policial norte-americano, para obrigatoriamente proceder à
leitura de direitos, nos seguintes termos ―A Constituição determina que o
policial informe o infrator‖: 1) Você tem o direito de permanecer calado; 2)
Qualquer coisa que disser poderá e será usado contra você numa Corte da lei;
3) Você tem o direito de falar com um advogado agora e tê-lo presente agora
ou em qualquer tempo durante o interrogatório; 4) Se não puder pagar um
advogado, um será indicado para você sem nenhum custo.
Em seguida o policial, quando em caso de flagrante delito,
observará as garantias constitucionais do cidadão, devendo ainda efetuar as
seguintes perguntas: “1) Você entende cada um destes direitos que eu
expliquei para você?; 2) Você deseja falar conosco neste momento?”.
25
CAPÍTULO IV
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
- ENTENDIMENTOS A FAVOR
O artigo 393, do Código de Processo Penal Brasileiro:
Art. 393. São efeitos da sentença condenatória recorrível:
I - ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas
infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto
não prestar fiança;
II - ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.
O Artigo 669, do Código de Processo Penal:
Art. 669. Só depois de passar em julgado, será exeqüível
a sentença, salvo:
I - quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a
prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto não
for prestada a fiança;
II - quando absolutória, para o fim de imediata soltura do
réu, desde que não proferida em processo por crime a
que a lei comine pena de reclusão, no máximo, por tempo
igual ou superior a oito anos.
Era nos dispositivos acima, combinados com o art. 594, do mesmo
codex, no qual rezava não poder o réu apelar sem recolher-se à prisão, antes
da sua revogação pela lei 11.719/2008, que a doutrina afirmava sobre a
natureza jurídica de tal prisão, de que não seria cautelar, sob o fundamento de
nada mais ser do que uma verdadeira execução penal provisória.
26
E hodiernamente, apesar da revogação da medida, defende Paulo
Fernando Silveira a manutenção da prisão, in verbis:
Assim, por força da prevalência do interesse da
sociedade, a sentença condenatória, ainda que recorrível,
gera, de imediato, o efeito (CPP, art. 393, I) de ―ser o réu
preso ou conservado na prisão, assim nas infrações
inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar
fiança.‖
Poder-se-ia alegar - para acomodar o entendimento
contrário - que esse dispositivo legal teria sido revogado
tacitamente pela superveniência do contido no artigo 387,
parágrafo único do CPP, embutido no Título XII, que
cuida ―Da Sentença‖, com a redação que lhe foi dada pela
Lei 11.719/2008, in verbis:
―O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a
manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão
preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do
conhecimento da apelação que vier a ser interposta.‖
Ou, semelhantemente, pelo contido no art. 2º, parágrafo
3º, da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, com a redação
da Lei 11.464, de 2007 (Lei dos crimes hediondos): ―Em
caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em
liberdade.‖
Sobre esses normativos legais, há dois pontos a
destacar.
O primeiro é que, data venia, o dispositivo anterior (CPP,
art. 393, I) não foi revogado. Nem o poderia, eis que ele
27
regulamenta adequadamente tanto o comando
constitucional que determina a prisão dos acusados que
perpetrarem os crimes inafiançáveis por ela mencionados
(CF, art. 5º, incisos XLII (a prática do racismo constitui
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei) e XLIII (a lei considerará
crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a
prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem),
como aqueles assim considerados pela própria legislação
infraconstitucional (crimes hediondos, por exemplo).
Portanto, a teor o do art. 387, com sua nova redação,
ficou bem claro que o juiz deverá impor a prisão do réu
sempre que se tratar de crime inafiançável, cuja
condenação não comporte a substituição da pena
privativa da liberdade por uma restritiva de direito.
Acerca da execução provisória da pena privativa de liberdade, é
uma medida evidentemente adotada pelo Conselho Nacional de Justiça e sua
aplicação está prevista pelo procedimento regulado na Resolução nº 19, de 29
de agosto de 2006, que dispõe sobre a execução penal provisória.
Ainda Paulo Fernando Silveira na defesa da aplicação da medida
em face da prisão somente após o trânsito em julgado, que segundo o autor,
amplia a impunidade:
(...) o réu se torna quase intocável durante todo o
processo criminal, o que, certamente, não se pode
deduzir do princípio constitucional da inocência, que
sequer ―presume‖ a inocência do acusado, mas apenas
declara que ele só será considerado culpado depois do
28
trânsito em julgado da sentença condenatória. Portanto, o
próprio princípio não inibe a tomada de medidas pelo
judiciário, visando proteger a sociedade. Dentre elas, é
lógico, figura o encarceramento cautelar do indiciado, nas
circunstâncias acima expostas, ou o definitivo, após a
sentença penal condenatória, o qual só pode ser revertido
se vingar, excepcionalmente, um dos recursos interpostos
pelo condenado para as instâncias superiores. A
presunção, aqui — que deve valer como regra —, é de
que, tendo sido o reu condenado, com observância do
devido processo legal, a sentença deve iniciar, de
imediato, sua execução, salvo se eventualmente cassada.
A presunção de culpabilidade, nessa altura, embora não
tenha, ainda, atingido o grau de certeza em sua plenitude
jurídica (falta o trânsito em julgado da sentença
condenatória), trespassa os umbrais da primitiva e natural
inocência do acusado, cujo status libertatis é
originalmente protegido pela Constituição, e desloca-se
de vetor, graduando-se em nível superior, agora em favor
da sociedade (pro societate). Esse novo patamar jurídico
autoriza, por si só, a manutenção do reu na cadeia, sem
prejuízo de seu direito de recorrer. Note-se que o
condenado não é, ainda, considerado formalmente
culpado, eis que a sentença condenatória não transitou
em julgado, como quer a Constituição. Mas, por efeito da
sentença penal, ele é presumivelmente culpado (de fato),
com elevadíssimo grau de certeza jurídica, devendo ser,
de logo, encarcerado nos crimes inafiançáveis.
Na mesma linha de raciocínio, em seara de direito comparado,
ensina Sérgio Fernando Moro (Publicações eletrônicas do CEJ):
29
A Convenção Européia dos Direitos do Homem, em seu
art. 6.º, estabelece, de forma mais clara que a CF/88, que
todo réu, num processo penal, é presumido inocente até
que tenha sua culpabilidade estabelecida.
Coerentemente, o art. 5.º, a, considera a condenação
criminal, ainda que por julgamento não definitivo, motivo
suficiente e autônomo para a prisão.
De forma semelhante, na Inglaterra, berço histórico da
presunção da inocência, o direito ao devido processo é,
acima de tudo, o direito a um julgamento em primeira
instância, não tendo a apelação se tornado um
mecanismo rotineiro.
Segundo o processualista italiano Mario Chiavario, o
direito de apelar é exercido contra apenas 1,2% das
condenações oriundas da Corte de Magistrados e contra
apenas 12% das condenações provindas da Corte da
Coroa.
Também nos Estados Unidos, ainda um modelo de
legislação penal eficaz e compatível com os princípios
liberais democráticos (excluam-se os excessos
decorrentes da assim denominada ―guerra contra o
terrorismo‖), não tem o condenado em primeiro grau de
jurisdição um direito irrestrito de apelar em liberdade. Ao
contrário, tem ele o ônus de demonstrar que sua
liberdade não coloca em risco a sociedade ou o processo
e que seu recurso não tem cunho protelatório. Há uma
nítida distinção entre a situação do acusado antes e
depois da condenação, mesmo não sendo esta definitiva.
É oportuna a transcrição do item b da Seção 3.143, do
Título 18 do US Code: (b) Livramento ou detenção na
pendência de apelo pelo acusado. - (1) Exceto o que foi
estabelecido no parágrafo (2), o juiz deve ordenar que
30
uma pessoa, que foi reputada culpada de uma ofensa e
sentenciada a um período de prisão e que interpôs uma
apelaçãoou uma petição por um writ of certiorari, seja
detida, a não ser que o juiz entenda: (A) por prova clara e
convincente que a pessoa não irá fugir ou colocar em
perigo a segurança de qualquer outra pessoas ou da
comunidade se libertada na forma da seção 3142 (b) ou
(c) deste título; e (B) que o apelo não tem propósito
protelatório e levanta uma questão de direito ou de fato
substancial e que possa resultar em – (I) absolvição, (II)
uma ordem para um novo julgamento, (III) uma sentença
que não inclui um período de prisão, ou (IV) a redução da
sentença para um período de prisão menor que o total de
tempo já prestado além da duração esperada do apelo.
E a Rule 46, c, da Federal Rules of Criminal Procedure
deixa clara a transferência do ônus da demonstração para
a defesa: As provisões do 18 USC §3.143 governam o
livramento na pendência da sentença (após o veredicto)
ou do apelo. O ônus de estabelecer que o acusado não
vai fugir ou colocar em perigo outra pessoa ou a
comunidade é do acusado.
Mesmo o exemplo de países nos quais as apelações ou
recursos de cassação têm efeito suspensivo da
condenação15 deve ser visto com reservas, uma vez que
usualmente inexiste a prodigalidade recursiva que
caracteriza o sistema judicial brasileiro.
Assim, cada país tem seus peculiares sistemas judiciais,
nem tudo sendo apropriado à realidade brasileira. Isso é
válido para o exemplo alemão, norteamericano ou inglês.
Chama a atenção o fato que, no Direito comparado, não
há o reconhecimento irrestrito do direito de apelar em
31
liberdade mesmo contra uma condenação em primeiro
grau de jurisdição.
Como isso é correto até em países de tradição liberal e
democrática mais intensa do que a brasileira, inclusive
naqueles considerados berços históricos do princípio da
presunção de inocência, é forçoso concluir que este não é
usualmente considerado, no Direito comparado, como um
óbice à prisão ou à execução provisória da pena, pelo
menos após uma condenação criminal, mesmo de
primeiro grau.
32
CAPÍTULO V
ENTENDIMENTOS CONTRA A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Acerca da execução provisória da pena privativa de liberdade, José
Barcelos de Souza ensina:
Proferida uma sentença condenatória não estará ela
desde logo em termos de ser executada, uma vez que
poderá ser modificada em virtude de recursos que
couberem.
Nestas condições, em princípio só se poderá cogitar da
execução da pena quando a sentença se tomar
irrecorrível.
Já se poderá falar, então, na existência de um título
executivo, um dos pressupostos de qualquer execução
forçada, e também da execução penal, ou seja, neste
caso, de uma decisão judicial válida, passada em julgado.
Não há lugar, no crime, para uma execução na pendência
de recursos, dita execução provisória, como pode ocorrer
no cível, não só porque a lei dela não cuida, mas também
porque se trataria de medida inadequada.
Execução provisória, com efeito, não se coaduna com o
direito criminal. Vou dar um exemplo extremo, porque
exemplo desse tipo esclarece melhor. Imagine-se, pois, a
execução provisória de uma pena de morte. Levada a
efeito, não teria essa provisória execução ficado
irremediavelmente definitiva?
33
Mas nem é necessário um exemplo tão drástico, por isso
que seria também desastroso executar provisoriamente
uma pena privativa da liberdade. Ninguém, pedido de
desculpas algum, indenização alguma tiraria das costas
do cidadão injustamente preso a cadeia que levou.
(PINTO, Felipe Martins – p. 105/106)
Nos países citados anteriormente, no capítulo III, com exceção de
Brasil, Estados Unidos e México, conforme demonstrado por Alves Bento
(BENTO, 2007), existe estreita consonância das respectivas leis processuais
penais vigentes com as suas constituições no que tange à presunção de
inocência, como veremos a seguir.
O Código de Procedimento Penal Italiano, reformado em 1988,
passou a vigorar em 1989.
O Código de Processo Penal Português tem registros que podem
conduzir à preservação da presunção de inocência do argüido, mais
especificamente, ao tratar das medidas alternativas às prisões cautelares,
enquanto privações provisórias de liberdade do cidadão.
O Código de Processo Penal francês, ainda que não faça referência
ao princípio da presunção de inocência, este, conforme relatado anteriormente,
surgiu na França, mais especificamente na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, em 1789, inegavelmente possuindo um comando superior.
Tanto que figura entre os princípios previstos na Constituição Francesa de
1958 e, mais ainda, a assinatura e ratificação pela França da Convenção
Européia dos Direitos do Homem, respectivamente em 4 de novembro de 1950
e 31 de dezembro de 1973 dá certeza da garantia.
A lei processual espanhola tem como paradigma a Constituição de
1978, cujo artigo 24 consagrou o direito a um juízo justo, tutela judicial efetiva,
direito de defesa, e principalmente, a presunção de inocência.
34
O Código de Processo Penal Colombiano foi editado pela Lei n° 600
de 24 de julho de 2000 e segue sua Constituição.
O Código de Processo Penal da Costa Rica, como as outras
legislações processuais da América Latina, estabelece a preservação da
dignidade da pessoa humana, para somente considerar culpado, o cidadão
após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória em face de sua
pessoa.
O Código de Processo Penal argentino tem preceitos que podem ser
identificados como observadores da presunção de inocência e, portanto, da
dignidade da pessoa humana.
Na Alemanha, a presunção de inocência é observada ao se
determinar a custódia do cidadão, de forma fundamentada, discorrendo sobre
os requisitos desta medida cautelar.
O Código de Processo Penal brasileiro, editado nos anos 40, vem
sofrendo reformas e, portanto, se adequando aos acontecimentos sociais com
os preceitos da Carta Constitucional de 1988.
No que tange ao princípio da presunção de inocência, o projeto de
lei de n.º 4.208/2001 ainda tramita em Congresso Nacional. Nele consta a
alteração dos dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prisão,
medidas cautelares e liberdade. Propõe, por exemplo, ao art. 283, caput do
Código de Processo Penal a seguinte redação:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, em decorrência de sentença
condenatória transitada em julgado ou, no curso da
investigação ou do processo, em virtude de prisão
temporária ou prisão preventiva..
Segundo a mensagem nº 214/01do relator, deputado Ibraim Abi
Ackel, de 07 de janeiro de 2002, com relação ao PL 4.208/2001:
35
Constrói o projeto novo e amplo sistema de regras sobre
a prisão, as medidas cautelares e a fiança, especificando
as circunstâncias que as justificam. Estas terão lugar em
casos previstos, destinados a assegurar a aplicação da lei
penal e a prevenir a prática de novas infrações criminais.
São enunciadas com clareza as hipóteses de aplicação,
descumprimento, revogação e substituição das medidas
cautelares, fugindo desse modo o projeto das causas
indeterminadas, como, no caso da prisão preventiva, ―a
garantia da ordem pública‖ e a ―garantia da ordem
econômica‖, substituídas por definições precisas das
circunstâncias que a justificam. Ainda em conseqüência
dessa enumeração revoga-se as disposições
autorizativas da prisão em decorrência da sentença de
pronuncia ou de sentença condenatória, objeto de justa
crítica da doutrina por constituírem antecipação da pena,
ofensiva ao princípio constitucional da presunção de
inocência.
Até mesmo o efeito suspensivo que o Recurso Especial e o Recurso
Extraordinário não possuíam, passou, a partir de fevereiro de 2009, a ser
reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 84.078.
Segundo notícia publicada no site do Consultor Jurídico, em 5 de fevereiro:
Já em seu voto, de abril passado, Eros Grau afirmou
enfaticamente que é proibida a execução da pena antes
do fim do processo. ―Quem lê o texto constitucional em
juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem
a lei, nem qualquer decisão judicial imponham ao réu
alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória. Não me parece possível, salvo se for
negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão
adversa ao que dispõe o inciso LVII do seu artigo 5º‖,
afirmou.
36
O ministro ainda afirmou que tirar do Recurso Especial e
Recurso Extraordinário o efeito suspensivo é criar uma
política criminal repreensiva. ―Essa desenfreada vocação
à substituição de Justiça por vingança denuncia aquela
que em outra ocasião referi como ‗estirpe dos torpes
delinquentes enrustidos que, impunemente, sentam à
nossa mesa, como se fossem homens de bem‘‖,
observou.
Para Eros Grau, se não for respeitado o princípio da
presunção prescrito pela Constituição, ―é melhor sairmos
com um porrete na mão, a arrebentar a espinha de quem
nos contrariar‖. Segundo ele, ―a prisão só pode ser
decretada a título cautelar, nos casos de prisão em
flagrante, prisão temporária ou preventiva‖.
Já o ministro Celso de Mello lembrou que para alguém
ser preso é preciso de uma guia de recolhimento. ―A guia
de recolhimento só pode ser extraída depois da decisão
ter transitado em julgado. A lei proíbe de forma clara a
prisão sem o transitado em julgado da condenação‖,
afirmou. Ele disse que 27% dos Recursos Extrordinários
que chegam ao Supremo são revistos.
O ministro Cezar Peluso argumentou que, segundo a lei,
um funcionário público que é condenado continua a
receber o salário se o processo não está transitado em
julgado. ―Mas, [a lei] pode admitir a punição máxima das
medidas gravosas que é a restrição da liberdade‖,
questionou, referindo-se àqueles que têm recursos
pendentes. Segundo ele, a presunção de inocência ―é
uma dos mais importantes princípios para que possa a
ser reduzida a na sua eficácia‖. O ministro ainda citou o
julgamento sobre os ―ficha-suja‖, que permitiu a
candidatura dos políticos condenados, mas com
37
processos ainda passíveis de recursos.
Já o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que cabe ao
Judiciário ―a missão histórica para que esse valor [direito
a liberdade] seja preservado em sua integridade‖.
Segundo Carlos Britto,―enquanto não sobrevêm o transito
em julgado em sentença condenatória, o sujeito se
encontra investido desse princípio de presunção de
inocência‖, reforçou o ministro. Para ele, não há
contradição em sua posição nesta decisão com a dos
ficha-suja porque não a questão eleitoral é diversa da
penal.
38
CONCLUSÃO
Podemos concluir que o princípio de presunção de inocência é uma
garantia fundamental presente nas constituições do mundo moderno, como
consequência pautada, sobretudo, no Direito Internacional, cuja primazia é
garantir os Direitos Humanos.
Logo, a presunção de inocência é citada por inúmeros tratados
internacionais aos quais a maioria dos países ocidentais está submetida a pelo
menos um desses pactos internacionais ou a mais de um.
Dentre as exceções, como vimos, estão os Estados Unidos,
principalmente no que tange ao fato de não se obrigarem em tratados
internacionais de direitos humanos, conforme afirma o professor Thiago Bottino
(Mariana Ito, 2009). Pois mesmo que o direito à presunção da inocência esteja
presente na raiz da sociedade americana dentre os direitos por ela cultivado
desde os primórdios das fundações constitucionais, não é para os
norteamericanos um contra-senso o fato de que as decisões penais
condenatórias serem executadas imediatamente, vez que, segundo informação
da embaixada dos EUA , ―o sistema legal norte-americano não se ofende com
a imediata execução da pena imposta ainda que pendente sua revisão‖
(http://2ccr.pgr.mpf.gov.br/docs_institucional/eventos/execução da pena).
No ordenamento jurídico brasileiro, a presunção de inocência ainda
se vê maculada pela aplicação da execução provisória da sentença. Muitos
dos que a defendem sustentam equivocadamente sua viabilidade e legalidade
na prisão preventiva, prevista no Código de Processo Penal.
As promessas da modernidade, conforme Lenio Streck, ainda não
se concretizaram no Brasil, onde persiste uma desfuncionalidade do direito, o
que em parte pode ser explicado pela formação jurídica precária dos
profissionais da área, os quais muitas vezes permanecem reféns de um
"sentido comum teórico" (expressão de Warat) produzido por uma cultura de
39
manuais que "ficcionaliza o mundo jurídico" e os afasta da realidade social.
(STRECK - 2005, 81-88 apud Oliveira e Tomazine-2008).
E sob o aspecto de política criminal, o discurso penal agrada à
sociedade, que ali deposita as suas esperanças. A mídia, que exerce poderosa
influência em nosso meio, se encarrega de fazer o trabalho de convencimento
da sociedade, mostrando casos atrozes, terríveis sequer de serem imaginados.
Como resposta a eles, pugna-se por um Direito Penal mais severo, mais
radical em suas punições.
No entanto, a necessidade de preservar a dignidade humana deve
ser tratada com a devida precisão e alcance deste preceito fundamental, para
a garantia da liberdade do cidadão, havendo a utilização proporcional das
prisões cautelares, sempre que necessário e de forma fundamentada, a
custódia cautelar do imputado.
O que se faz indispensável, a fim de garantir a presunção de
inocência, é estorvar totalmente a execução provisória da sentença, vez que
em nada dificulta as medidas preventivas, no geral.
Pois as prisões provisórias estão previstas em nosso ordenamento
jurídico assim como a prisão para a execução da pena, que transitou em
julgado e não há mais recurso. Esta modalidade de prisão é regulamentada
pela Lei de Execuções Penais, que possibilita o sistema de progressão do
regime e trata dos direitos e deveres dos presos e das faltas disciplinares. Não
há como confundi-la com as prisões provisórias. Têm natureza jurídica
distintas. Uma – a prisão preventiva - é privação de liberdade por força de
cautela do Estado; a outra é pena, de caráter repressivo, mas que, ao mesmo
tempo, tem como escopo a recuperação do criminoso, até porque o Estado
que pune é o mesmo que se obriga a reintegrar socialmente o condenado.
Como pudemos observar, no Brasil, o entendimento de que a
execução provisória da sentença penal fere o princípio da presunção de
40
inocência está consolidado, mas, ainda resta que letra de lei infraconstitucional
expressamente impeça a aplicação da medida para por fim a discussão.
O fato de a tramitação processual ser longa demais, não pode ser
sanado com medida que atente contra a própria dicção constitucional e a
ordem jurídica internacional dos tratados.
À administração da justiça cabe gerenciar de forma eficiente a
sobrecarga de processos no judiciário.
Estão em curso as medidas estabelecidas pelas metas do Conselho
Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, um marco
da reforma do judiciário alavancada desde 1996, através de recomendação do
Banco Mundial, por meio do Documento Técnico nº 319, intitulado O setor
judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para reforma.
O prosseguimento dos planos e elaborações também são
promovidos pela Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça,
que, instituída desde o ano de 2003, coordena e dissemina as ações e projetos
de melhoria do Poder Judiciário, assim como as reformas na legislação penal,
dentre outras.
Segundo o Conjur, em artigo publicado em janeiro de 2009 (Para
presidente do STF, há prisões preventivas demais), cerca de 40% da
população carcerária está detida devido a prisões provisórias decretadas pela
Justiça e segundo o presidente Conselho Nacional de Justiça, não está
havendo o cumprimento devido nem quanto à soltura dos presos, nem à
concessão de benefícios e o tema que diz respeito ao Judiciário, ao Executivo,
ao Legislativo, e a toda a sociedade. Por isso, explica, o Conselho lançou a
campanha para a reinserção dos presos. Se as pessoas não encontrarem
abrigo, trabalho, elas voltam a delinqüir. E a reincidência tem de ser combatida,
disse.
Vivemos um período de intensas transformações e de crise. E sobre
a crise da Justiça no Brasil, não podemos deixar de citar o Professor José
Eduardo Faria, titular da cadeira de sociologia jurídica da USP, em conclusão
41
de texto preparado para o seminário ―Direito e Justiça no Século XXI‖:
Se nas fases rotineiras da sociedade o conhecimento
cotidiano, organizacional e funcional é suficiente para que
as instituições saibam determinar as diferenças entre o
certo e o errado, o novo e o anacrônico, o bom e o ruim,
nos períodos de transformações intensas e radicais atual,
essas distinções ficam difíceis de serem reconhecidas e
as incertezas se multiplicam (Santos, Marques e Pedroso:
1996). Nessas situações, por isso mesmo, as instituições
são obrigadas a reformular suas regras cognitivas e a
rever, aprofundar e refinar seus mecanismos de
aprendizagem, para conseguir neutralizar riscos, poder se
adequar aos novos ventos e até garantir as condições de
sobrevivência.
É justamente a partir dessa aprendizagem que a
magistratura brasileira pode conscientizar-se da
encruzilhada em que hoje se encontra a instituição a que
serve. Por um lado, e este é mais um juízo de fato do que
de valor, a Justiça faz parte de um Estado cuja
capacidade de iniciativa legislativa, autonomia decisória e
base tributário-orçamentária têm sido postas em xeque
pela transnacionalização dos mercados. Por outro, está
situado num contexto social contraditório e explosivo, que
nada lembra aquela idéia de sociedade como uma
pluralidade de cidadãos livres, independentes e
encarados a partir de sua individualidade, tão comum na
cultura jurídica de cariz privatista; um contexto em que a
cidadania, quando não é excluída e condenada ao
universo da informalidade, é integrada e submetida ao
42
―moinho satânico‖ do capital globalizado, com todos os
custos sociais, políticos e morais que isso acarreta.
Acionada pelos ―excluídos‖ para dirimir conflitos que
afetam o processo de apropriação das riquezas e
distribuição eqüitativa dos benefícios sociais, mas
desprezada por muitos setores ―incluídos‖ na economia
transnacionalizada, que tendem cada vez mais a elaborar
suas próprias normas, ritos e mecanismos de resolução
de controvérsias, a Justiça brasileira é uma instituição que
tem de redefinir seus espaços de atuação e forjar uma
identidade funcional mais precisa. Se estão certos
aqueles que afirmam não ter ela outra legitimidade a não
ser a que lhe é dada por sua independência institucional,
por sua eficiência funcional e por sua autoridade moral,
essa legitimidade precisa ser permanentemente validada
pela prática, no cotidiano de cada tribunal - e é por isso
que a instituição e seus integrantes têm de mudar.(FARIA
- 2003)
43
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48
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
RESUMO 3
METODOLOGIA 4
SUMÁRIO 5
INTRODUÇÃO 6
CAPÍTULO I
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
7
CAPÍTULO II
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO DIREITO PÁTRIO EM CONSONÂNCIA
COM O DIREITO INTERNACIONAL 11
CAPÍTULO III
O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NAS CONSTITUIÇÕES
MUNDIAIS 19
CAPÍTULO IV
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE -
ENTENDIMENTOS A FAVOR 25
CAPÍTULO V
ENTENDIMENTOS CONTRA A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE 32
49
CONCLUSÃO 38
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43
ÍNDICE 48
FOLHA DE AVALIAÇÃO 50
50
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO ―LATO SENSU‖
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Título do trabalho: PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E EXECUÇÃO
PROVISÓRIA DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA NO DIREITO
COMPARADO: UMA VISÃO CRÍTICA
Autor: Maria Tereza Faria
Data da entrega: 25 de março de 2010
Avaliado por:
Conceito: