UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO
CENTRO DE ESTUDOS EM DIREITOS E DESIGUALDADES
CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO
E TECNOLÓGICO
Cartografia social e análise das experiências de assessorias jurídicas
universitárias populares brasileiras: Relatório de pesquisa
Responsável: Fabiana Cristina Severi
Pesquisadores envolvidos:
Cinthia de Cássia Cathoia (FDRP/USP)
André Luís Gomes Antonietto (FDRP/USP)
Maurício Buosi Lemes (FDRP/USP)
José Roberto Porto de Andrade Junior (UNESP)
Aline Sonobe (FFCLRP/USP)
Ribeirão Preto
2014
Coleta de dados: André Luis Gomes Antonietto e Cinthia de Cássia Catoia
Elaboração de Tabelas e gráficos: Aline Sonobe e André Luis Gomes Antonietto
Revisão: Maurício Buosi Lemes e José Roberto Porto de Andrade Junior
Elaboração dos mapas: André Luis Gomes Antonietto
Diagramação e capa: Felipe Muzel
Imagem da capa: Decisiones, Marcos Severi.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Severi, Fabiana Cristina
Cartografia social e análise das experiências de assessorias jurídicas
universitárias populares brasileiras: Relatório de Pesquisa. Ribeirão
Preto: Faculdade de Direito de Ribeirão Preto FDRP/USP, 2014.
71 p.: 30 cm
ISBN: 978-85-62593-06-2
1. Assessoria Jurídica Universitária Popular. 2. Direito. 3. Educação
Popular. 4. Movimentos sociais. I. Título.
CDD 303.484
Apresentação
A presente pesquisa teve dois elementos motivadores principais, na perspectiva
da equipe realizadora. Um deles, de caráter geral, foi somar-se a um conjunto de
análises recentes que têm se proposto a aprofundar as discussões sobre a exigibilidade
de direitos humanos, produzindo um entendimento mais profundo a respeito das formas
de relação do Judiciário com a sociedade civil e dos obstáculos que os movimentos
sociais, classes sociais pobres, trabalhadores organizados, grupos minoritários
enfrentam ao buscarem acessar o sistema formal de justiça.
O outro esforço, de caráter interno à instituição propositora, foi entender
criticamente o papel social e as características da atuação dos advogados populares do
Brasil e das assessorias jurídicas universitárias na judicialização dos conflitos sociais e
na democratização do acesso ao Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que
construíamos, na Instituição proponente, uma prática extensionista desse tipo1.
Queríamos entender o contexto de surgimento das Assessorias Jurídicas Universitárias
Populares (AJUPs) e Advocacias ou Assessorias Populares (APs) no Brasil, seus
múltiplos formatos, as transformações nas suas formas de atuação e relação com o
Estado, para que a prática local pudesse ser uma prática situada historicamente. Ao
mesmo tempo, interessávamos em conhecer alguns desses grupos para que a atuação
local pudesse tomar uma dimensão de trabalho em rede.
Assim, os objetivos iniciais da proposta eram: a) analisar a permeabilidade do
sistema de justiça brasileiro aos interesses e expectativas de grupos e movimentos
populares, a partir da percepção das advogadas e advogados populares no Brasil e do
repertório de suas experiências associadas à judicialização dos conflitos sociais; b)
mapear a assessoria jurídica popular no Brasil, buscando-se identificar os grupos ou
projetos de assessoria jurídica popular em direitos humanos, os temas principais em que
cada um atua, as principais estratégias utilizadas, os formatos organizacionais e fontes
principais de recursos, os principais parceiros e formas de parcerias, os espaços
territoriais de atuação, os principais desafios e dificuldades recentes ligados ao sistema
1 O Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto (NAJURP) é um projeto de extensão
universitária do curso de Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo,
formado por docentes, alunos e alunas, com o objetivo de identificar, em Ribeirão Preto e região,
violações a direitos humanos, bem como intervir na defesa desses direitos. Para isso, com o auxílio de
professores, defensores públicos, membros de movimentos sociais e outros atores sociais, o NAJURP
propõe-se a desenvolver e coordenar ações relacionadas à extensão, ao ensino e à pesquisa em torno dos
temas Direitos Humanos, Educação Popular e acesso ao Sistema de Justiça.
formal de justiça, bem como os principais riscos, perseguições e ameaças sofridas em
razão da atuação na advocacia popular;
Após a aprovação da pesquisa pelo CNPq, contudo, identificados duas pesquisas
em andamento com o mesmo campo de problemática: a) Mapa territorial, temático e
instrumental da Assessoria Jurídica e Advocacia Popular no Brasil, conduzida por
pesquisadores das entidades Terra de Direitos e Dignitatis Assessoria Técnica Popular,
com apoio recebido do Observatório da Justiça Brasileira (GEDIEL et al, 2013); e b)
Advocacia de interesse público no Brasil: a atuação das entidades de defesa de direitos
da sociedade civil e sua interação com os órgãos de litígio do Estado, realizada pelo
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e com apoio da Secretaria de
Reforma do Judiciário (Projeto BRA/05/036-Fortalecimento da Justiça Brasileira) (SRJ,
2013). Nos dois casos, o foco da análise eram grupos e entidades que prestavam
assessoria jurídica a grupos da sociedade civil em temas de direitos humanos e
demandas, sobretudo, de natureza coletiva e difusa. Os objetivos delas estavam ligados
à identificação desses grupos (perfil dos participantes e das próprias entidades) e à
caracterização das relações que estabeleciam com o Estado, na defesa dos direitos.
Tendo em vista a existência dessas pesquisas em andamento, com proposições
similares ao inicialmente proposto em nosso estudo, optamos por reduzir a proposta
inicial de mapeamento e análise inicialmente oferecida, no sentido de nos focarmos no
levantamento de dados e mapeamento das Assessorias Jurídicas Universitárias
Populares (AJUPs), uma vez que a discussão sobre as Advocacias ou Assessorias
Populares (APs) já estava sendo conduzida em outros trabalhos, o que nos permitiria
utilizar os dados obtidos em nossas próprias análises.
Essa redefinição também acabou por redirecionar o campo de problemáticas que
traria o marco teórico para análise dos dados. Nosso interesse primeiro estava na análise
da relação entre tais entidades e o sistema de Justiça brasileiro, o que nos faria
percorrer, como marco teórico para análise dos dados, a bibliografia sobre a
democratização do acesso à justiça. Todavia, ao focarmos nas AJUPs, tal marco passa a
ser secundário, pelas próprias características desses grupos: a relação direta com os
órgãos de litígio do Estado é muito tênue ou, na maioria dos casos, inexistente.
Tentamos olhar os dados, então, a partir, também das discussões sobre a
democratização da sociedade brasileira. Além disso, os dados obtidos nos forçaram a
visitar um campo de discussões não contempladas no projeto original: a educação
jurídica no país.
O presente relatório, portanto, traz os resultados de nossas análises prévias sobre
o papel das AJUPs na mediação entre Estado e sociedade e nos cursos de Direito,
enquanto uma prática extensionista com desdobramentos em termos de ensino e
pesquisa. O relatório também apresenta a distribuição territorial das AJUPs
identificadas na pesquisa, em formato de mapas, nos moldes da pesquisa citada acima
sobre as APs (GEDIEL et al, 2013).
A construção dos mapas (Cartografia social da advocacia popular brasileira)
apoia-se nas perspectivas teóricas e metodológicas que têm identificado novos
significados e papéis, sobretudo políticos, à atividade de construção cartográfica. De
acordo com Acselrad (2008, p. 19-22), decorrem implicações políticas dos mapas. Isso
porque eles são enunciados performáticos, que dizem algo sobre o real e sobre este
produz efeitos. Por isso, eles não são reflexos passivos do mundo dos objetos, mas
intérpretes de uma determinada verdade que se constrói pelo “ver”. Da mesma forma,
pode-se falar também sobre determinadas emergências de políticas cartográficas, “em
que os mapeamentos são, eles próprios, objeto da ação política”. Determinadas
informações, ao serem produzidas por mapas, podem ser analisadas e visualizadas
espacialmente, de modo a se transmitir ideias de forma persuasiva e “convencer as
pessoas da importância destas ideias”.
Assim, a construção e apresentação das experiências da advocacia popular por
meio de mapas busca produzir múltiplos efeitos, entre os quais, a multiplicação
democratizante das formas de interpretar tais experiências.
Esse relatório tem como foco principal apresentar, de forma sistematizada, o
conjunto dos dados coletados pela pesquisa às AJUPs e APs brasileiras, seus apoiadores
e outros pesquisadores.
Introdução
Vivenciamos, desde os anos 1980, inúmeras transformações nas instituições
jurídicas do país, muitas delas impulsionadas pela “vontade de democracia2” que
permeia todo o texto da Constituição de 1988 e foi motriz dos processos sociopolíticos
que as engendraram. As alterações na estrutura dos poderes do Estado, as inovações
formais que possibilitaram velhos e novos personagens entrarem em cena no processo
político brasileiro e a intensificação das ações reivindicatórias de natureza redistributiva
e por reconhecimento de vários grupos e movimentos sociais viabilizada por inúmeros
dos dispositivos constitucionais são fatores fortemente responsáveis por mudanças no
padrão de funcionamento das instituições.
As mudanças não necessariamente têm acontecido, todas elas, em um sentido
único, de maior democratização de suas estruturas e com caráter redistributivo. Na
realidade, as instituições jurídicas estão incorporando em seu funcionamento, ainda que
em medidas variadas, os conflitos e as tensões sociais. Ou seja, o reconhecimento de
novos direitos e de novos sujeitos de direitos realizado, sobretudo a partir da
Constituição de 1988, somado ao uso crescente da Constituição na ação dos
movimentos sociais, levaram a tensão e os conflitos sociais para o interior das
instituições jurídicas, provocando, necessariamente, alterações em seu perfil de
funcionamento.
O exemplo mais interessante, nesse sentido, é o do Judiciário brasileiro. As
demandas ao Poder Judiciário aumentaram nas últimas décadas, do ponto de vista
quantitativo e qualitativo, gerando uma série de transformações institucionais e culturais
em sua estrutura, tendentes à democratização do acesso substancial à justiça
(ESCRIVÃO FILHO, 2010). Nesse sentido, podemos citar a criação do Conselho
Nacional de Justiça, em 2004; a previsão de novos instrumentos de participação social
no controle de constitucionalidade (as audiências públicas, o amicus curiae e as ações
diretas) e o uso crescente de mecanismos jurídicos não tradicionais que possam dar
conta da chamada judicialização de conflitos envolvendo direitos sociais e grupos
minoritários que, comumente, eram levados apenas aos outros dois poderes (Executivo
e Legislativo).
2 Termo usado em alusão à expressão de Konrad Hesse, “vontade de constituição”. Ver: A força
normativa da constituição.
Nesse cenário de transformações recentes das instituições jurídicas brasileiras e
do crescente uso do direito e dos três poderes do Estado pelos movimentos sociais em
suas estratégias de ação, o papel e a configuração dos serviços jurídicos prestados pelos
profissionais do direito também sofrem inúmeras modificações. O nosso foco, na
presente pesquisa, está nas assessorias jurídicas populares, dedicadas a atuarem em
conjunto com grupos vulneráveis e movimentos sociais. Em específico, buscaremos
analisar as Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUPs), buscando mapeá-las
e perceber as mudanças em seu perfil de atuação e na construção identitária de tais
grupos, em face desse novo contexto acima delineado.
Estudos recentes têm apostado nas análises de “histórias sobre o cotidiano das
relações entre os setores populares e a Justiça”, como forma de se buscar compreender,
em maior profundidade, os “tipos de reformas possíveis ou necessárias”, a partir do
olhar e da experiência dos sujeitos que atuam, cotidianamente, para a judicialização dos
conflitos sociais e para que indivíduos e grupos desfavorecidos sejam reconhecidos
como sujeitos de direitos (SÁ E SILVA, 2011, p. 20).
Nosso interesse articula-se a tais análises, ao tentar entender o papel das
assessorias universitárias como mediadoras das lutas politicas dos movimentos sociais
no processo brasileiro de democratização da sociedade, do Estado e do sistema de
justiça.
1. As Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUPs)
A atividade da advocacia ou assessoria jurídica em geral é composta por
distintas e até antagônicas concepções e formas de se dirigir aos setores públicos e
privados, com estratégias e objetivos profissionais bem diversificados. Dentre os vários
perfis de assessoria jurídica ou advocacia, iremos analisar um tipo específico: a
Assessoria Jurídica Popular.
Quando a atividade é desenvolvida por profissionais junto a movimentos
populares, sindicatos ou organizações não governamentais, o nome atribuído é
Assessoria Jurídica Popular (AJP) ou Advocacia Popular (AP), como é conhecido no
Brasil e na América Latina desde a segunda metade dos anos 19803. Se ela se
desenvolve no meio acadêmico (em universidades, centros universitários ou
faculdades), a designação mais utilizada é Assessoria Jurídica Universitária Popular
(AJUP).
Como veremos abaixo, tais designações nascem a partir de um esforço de
autodenominação por parte dos sujeitos que realizam uma forma específica de relação
do profissional ou estudante do direito (por vezes, também, profissionais de outras áreas
do conhecimento) com a sociedade, com o Direito e com os poderes públicos. Seus
sentidos somente podem ser compreendidos se as considerarmos ligadas a
determinados: contexto político, sistema jurídico, tradição jurídica, relação com a
Ordem Profissional e projeto de transformação social. Da mesma forma, as mudanças
ocorridas nesses campos também irão incidir sobre esse tipo de atividade,
diferenciando-a ou aproximando-a de outras formas de advocacia ou assessoria
(JUNQUEIRA, 2002).
Em linhas gerais, podemos encontrar várias características em comum aos dois
tipos de atividades (APs e AJUPs): a) seus destinatários (movimentos sociais e
populares); b) um projeto de transformação social que toma o exercício do direito como
3 Junqueira (2002) apresenta outras expressões encontradas nos Estados Unidos para indicar um tipo de
advocacia que estaria comprometida com valores ético-sociais e que assumiria um caráter político: cause
lawyering, critical lawyering, transformative lawyering, rebellious lawyering, lawyering for the good,
social justice lawyering, public interest lawyering, activist lawyering, progressive lawyering, equal
justice lawyering, radical lawyering, lawyering for social change, socially conscious lawyering,
lawyering for the underrepresented, lawyering for the subordinated, alternative lawyering, political
lawyering, visionary lawyering, com tênues diferentes entre cada uma delas. Ela também aponta que é
difícil chegar a uma definição genérica, já que a própria pratica depende das condições concretas em que
se desenvolve como: o regime político, o sistema jurídico, a tradição jurídica, a relação com a ordem
profissional e pelo projeto de transformação social.
forma significativa de intervenção política; c) o tipo de demanda ou tema,
caracterizados, em geral, como de direitos humanos4; d) o uso de estratégias legais e
extralegais em sua atuação; e) a adoção de metodologias de trabalho ligadas aos
pressupostos da educação popular; e f) a posição crítica com relação ao direito. Além
das características que as aproximam, podemos perceber pelos mapas abaixo
apresentados que os dois tipos de grupos trabalham, quase sempre, de maneira
articulada, em formato de rede social ou atuação em conjunto.
Com relação ao uso da designação “popular”, de acordo com Luz (2005, p. 179),
ela não se refere apenas ao critério instrumental que seleciona e define o perfil dos
beneficiários dos serviços legais realizados, mas representa uma opção ético-política
dos assessores envolvidos, “enraizada numa compreensão da alteridade, do outro que
demanda por ‘socorro’, mas que também exige o reconhecimento de sua dignidade e de
sua humanidade ferida nas suas mais comezinhas necessidades fundamentais”.
Portanto, não é apenas o caráter gratuito da atividade, nem só o fato de atuar em
demandas coletivas de direitos humanos ou de ser destinada a pessoas marginalizadas
politica e economicamente, pois é possível reconhecer outras experiências de entidades
civis ou grupos que mantêm uma relação com a sociedade civil e com o Estado por
meio do direito que carrega uma ou algumas dessas características, sem que sejam
consideradas AJPs.
O levantamento realizado na pesquisa conduzida pelo CEBRAP (SRJ, 2013),
por exemplo, reuniu na categoria advocacia de interesse público um rol amplo de
experiências de mobilização jurídica para a defesa de direitos pela sociedade civil: as
APs, as AJUPs, as extensões universitárias que prestam assistência gratuita, as
promotoras legais populares, as ONGs de direitos humanos ou especializadas em certas
temáticas que promovem uma advocacia estratégica em âmbito nacional e internacional
ou que prestam atendimento direto a indivíduos, a grupos ou a outras ONGs. Apesar de
não terem as mesmas características gerais, elas poderiam ser compreendidas em dois
subgrupos, de acordo com a forma predominante de advocacia que exercem: a client-
oriented e a issue-oriented. No primeiro subgrupo encontram-se as entidades que
pautam suas atividades na solução de casos concretos e na obtenção de justiça
individual, “ainda que o objetivo não se restrinja à satisfação do interesse do indivíduo e
4 Na maior parte das experiências de AJPs, o sentido de direitos humanos não corresponde,
necessariamente, ao sentido hegemônico dos sistemas regionais e internacional de direitos humanos. Refere-se, mais à construção popular
busque a transformação social trazida pelo acesso ao direito por parte de grupos
marginalizados” (SRJ, 2013, p. 13). Elas estariam relativamente próximas ao perfil
tradicional de advocacia que presta assistência gratuita. No segundo, encontram-se as
advocacias temáticas, voltadas a mudanças sociais em áreas especificas (meio ambiente,
discriminação racial, direitos das mulheres, entre outras). Há, neste modelo, um trabalho
de escolha de casos considerados paradigmáticos, tidos como prioritários, pela
capacidade de gerarem o máximo de impacto dentro dos objetivos traçados pela
entidade e beneficiarem uma coletividade ampla. Elas realizam, preferencialmente, o
chamado litígio estratégico.
Uma das primeiras tentativas de se buscar um conceito amplo para essas
atividades foi realizada por Campilongo (1991). Ele considerou os serviços legais que
estavam envolvidos, nos anos 80, com o movimento de ampliação do acesso à justiça e
que realizavam assistência ou assessoria jurídica gratuita a pessoas ou grupos, e os
dividiu em dois grandes tipos: os serviços legais tradicionais e os serviços legais
inovadores. A cada um deles foram atribuídas as seguintes características gerais: a)
serviços legais tradicionais: microética, paternalismo, assistencialismo, apatia, mistério,
magia, mística, hermenêutica formal, controle social, profissionais exclusivamente do
direito, adjudicação institucional-formal, e ética utilitarista; b) serviços legais
inovadores: macroética, organização, participação, desencantamento, magia
emancipatória, exegese socialmente orientada, acesso igualitário a direitos, técnicos de
diferentes áreas, inúmeras formas de resolução de conflitos e ética comunitarista.
Este trabalho não tem como propósito propor uma forma alternativa de
categorização ou conceituação das APs e das AJUPs, embora reconheça que as
conceituações existentes na bibliografia sobre o tema, mesmo quando consideramos os
escritos mais recentes, apenas dialogam com algumas das características desses grupos e
experiências de advocacia. Tais trabalhos não foram efetivos, ainda, em categorizar as
experiências levando em conta as atuais conformações do Estado e do Direito
brasileiros, bem como as novas formas de mobilização social e participação popular
contemporaneamente vivenciadas no Brasil. Não é nosso objetivo, contudo, suprir essa
importante lacuna do pensamento científico sobre o tema.
Seguiremos, por ora, com o entendimento sobre as APs e as AJUPs, construído a
partir dos critérios e das características que os grupos se utilizam para a construção de
suas identidades coletivas. É importante fazermos essa ressalta porque a maioria dos
trabalhos dedicados a essas temáticas foi realizada por profissionais e estudantes
envolvidos com práticas de assessoria jurídica popular, em um esforço duplo por
reconhecimento (até mesmo em razão do processo de criminalização vivido por vários
assessores populares) e por entendimento teórico e crítico de suas práticas cotidianas.
Apesar dos elementos comuns, iremos abordar as AJUPs e as APs de forma
separada, em razão do próprio recorte da presente pesquisa e das particularidades
guardadas por cada uma das experiências.
1.1 As Assessorias ou Advocacias Populares (APs)
Como foi apontado por Gediel et al (2013), é difícil encontrarmos uma
designação única para as APs, mesmo que haja uma forte comunhão de referenciais
teóricos e políticos entre os autores que se dedicam a estudá-las.
Em termos de contexto histórico, o aparecimento dos advogados populares,
trabalhando junto a movimentos sociais e populares em causas coletivas e utilizando-se
de estratégias jurídicas e políticas, deu-se nos anos 1980 (SÁ E SILVA, 2010). Mas foi
só após a abertura política do país que houve condições mais favoráveis ao
fortalecimento desse tipo advocacia. Apesar de não ser a regra geral, o fortalecimento
das experiências de AP esteve associado, também, à consolidação dos direitos humanos
no país e dos sistemas internacionais e regionais de proteção deles, bem como ao forte
apoio financeiro recebido de organizações internacionais.
Até os anos 1990, o índice de advogados filiados a algum partido, sobretudo a
partidos de esquerda e/ou que participavam de movimentos sociais, sindicais e
populares era muito grande (JUNQUEIRA 2003). Por essas experiências pessoais,
inclusive, que muitos obtiveram consciência política, sensibilização e preparo para a
atuação como advogados ou assessores populares.
Luz (2005) afirma que as experiências de assessoria jurídica popular
desenvolveram-se por meio do engajamento de sujeitos sensíveis às demandas dos
movimentos sociais que buscavam, com as ações de apoio jurídico popular, alternativas
concretas de realização da emancipação social. No mesmo sentido, La Torre Rangel
(2006) afirma que tais experiências, tanto no Brasil como em toda a América Latina,
assumem explicitamente um projeto de transformação social que pressupõe a utilização
tanto dos instrumentos clássicos de defesa dos direitos, como de mecanismos mais
claramente politizados, por meio da associação com os movimentos sociais e com as
organizações de base.
De acordo com Gorsdorf (2011, p. 12), o que constitui a advocacia ou assessoria
como popular são os seus principais destinatários, os movimentos sociais, e as suas
finalidades, ligadas à defesa dos direitos humanos e à transformação social:
é uma das missões do advogado popular, ao pleitear um direito, ao apresentar
uma realidade, fornecer uma concepção alargada, que inclua realidades
suprimidas, silenciadas ou marginalizadas, bem como realidades emergentes
ou imaginadas. Isso será possível se houver solidariedade entre o advogado
popular e os movimentos sociais, pois só é possível conhecer criando
solidariedade. A solidariedade como forma de conhecimento é o
reconhecimento do outro como igual, não tomar uma postura de
superioridade sempre que a diferença acarrete inferioridade, e como
diferente, sempre que a igualdade lhe ponha em risco a identidade.
As APs podem ser formadas por advogados, advogadas e profissionais de outras
áreas e se constituem formalmente como associações civis, ou apenas serem
caracterizadas pela atuação informal de sujeitos atuando em formato de redes sociais
com outras APs e com movimentos sociais. Santos (2010) afirma que a designação
genérica de advogado popular envolve uma grande diversidade de práticas jurídicas,
compromissos políticos e soluções institucionais. O que é comum a todas elas seria a
compreensão do direito como “uma experiência social progressista”. Como tal, ele deve
ser usado radicalmente dentro dos seus limites e, caminhar para os seus limites,
significaria explicitar o que está para além deles: “a luta política e sem fim por uma
sociedade melhor” (SANTOS, 2010, p. 05).
As matrizes teóricas fundamentais nas quais se apoiam, historicamente, tais
experiências são: a educação popular (com ênfase na abordagem dialógica entre
assessores e movimentos sociais) (FREIRE, 1985), as abordagens teóricas marxistas e
críticas e o pluralismo jurídico (LUZ, 2005; WOLKMER, 2004). Seu trabalho pode ser
desenvolvido de diversas formas, de acordo com as estratégias a serem adotadas pelo
movimento social ou de acordo com a situação de consolidação e concretização do
direito ao qual está relacionada a demanda. Nesse sentido, Flores (2009) entende que a
assessoria jurídica se concretiza pela luta que se apoia em sistemas de garantias já
formalizados e, por vezes, em planos de a-legalidade.
A postura crítica com relação ao direito e à tradição jurídica de matriz liberal,
não afasta a possibilidade de um “uso não burguês” de seus instrumentos. Isso porque,
em geral, o Direito e as instituições jurídicas não são vistos como instrumentos
exclusivamente voltados para a opressão e dominação de classe, mas também como
meios para a transformação social, ainda que considerando as contradições imbricadas
em tal uso. Essa perspectiva é evidenciada, por exemplo, no olhar que Pressburger
(1991, p. 39-40) tem sobre o papel do assessor popular:
Ao assessor jurídico popular toca, pelo menos, uma dupla tarefa: utilizar o
regramento estatal até os limites máximos de suas contradições, fazendo com
que, mesmo lentamente, acabe por prevalecer a conceituação da norma de
uma forma progressista e não atrelada à retrógrada dogmática. [...] A segunda
tarefa é a de ir corporificando as demandas das classes subalternas, e os
advogados e juristas, em seu campo específico (o aparato judiciário do
Estado) desde já travarem a luta pelos novos princípios de direito
compatíveis com as necessidades daquelas classes. Esta atuação pressupõe
um razoável domínio, por parte do advogado popular, daqueles instrumentos
clássicos que movem o mundo jurídico: a dogmática, a hermenêutica, a
jurisprudência, etc.
Alguns esforços teóricos surgidos entre os anos 1980 e 1990 como as linhas do
“direito achado na rua”, “direito alternativo”, “direito insurgente” e “uso alternativo do
direito” podem ser citados como tentativas de buscar construir bases para uma teoria
jurídica crítica ou para se aprofundar o entendimento sobre o direito como instrumento
de transformação social.
Até o final dos anos de 1980, o uso de instrumentos legais por parte dos
assessores populares, apesar de existente, não era prioritário5. Isso muda após a
promulgação da atual Constituição Federal, já que é possível contar, a partir daí, com
uma ampliação das estratégias jurídicas e leis disponíveis para se buscar ampliar a
efetivação de direitos aos seus destinatários e a mobilização sociopolítica nos marcos da
legalidade.
Além dessas atividades, uma das áreas de maior atuação em que as APs
brasileiras reúnem seu mais abrangente repertório de conquistas é a reforma agrária.
Vários advogados e advogadas populares, em articulação com movimentos de luta pela
terra em todo o país, engendraram significativas modificações nas teorias jurídicas,
doutrinas e jurisprudência tradicional nos processos judiciais que envolviam conflitos
de terra, buscando fortalecer uma nova semântica ao princípio constitucional da função
social da propriedade (STROZAKE, 2000; 2002).
5 As APs foram fundamentais no engendramento de transformações sociais que conduziram aos processos
de democratização na América Latina. Os advogados e advogadas populares ligados aos movimentos
sociais da década de 1960 tiveram fundamental importância na construção de uma prática que sustentou a
crítica ao autoritarismo, durante o processo de democratização da sociedade brasileira, atuando na esfera
dos direitos civis e políticos e na defesa contra as arbitrariedades das prisões politicas e dos inquéritos
militares (JUNQUEIRA, 2002). Mas, essa atuação não estava centrada necessariamente na busca das vias
legais para a defesa de direitos, já que o Brasil encontrava-se em um momento político de exceção. As
estratégias de mobilização social via educação popular junto às bases e articulação com movimentos
populares e sindicais, com o uso de estratégias até mesmo ilegais, caracterizaram, em maior medida, o
tipo de advocacia popular realizada nesta época.
A Constituição de 1988 reconheceu a igualdade entre homens e mulheres; os
direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais; o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental; entre outros novos
direitos. Com isso, o padrão geral de atuação das APs foi alterado, ampliando-se as suas
estratégias e temáticas, juntamente com modificações sofridas pelo Estado e pelo
sistema de justiça. Até mesmo a reforma agrária, um dos principais temas de atuação
das AJPs, atualmente não é tratada pelos movimentos sociais de luta pela terra e pelos
advogados populares separadamente de outros temas como: reforma urbana,
comunidades tradicionais, conhecimentos tradicionais, povos indígenas, relações de
gênero e meio ambiente.
Diferentemente da atuação tradicional dos outros tipos de advocacia ou
assessoria, a atuação junto ao sistema de justiça não é o caminho exclusivo, nem
preferencial das APs para a defesa de direitos. Outras estratégias, sobretudo de natureza
sociopolíticas, são bem mais utilizadas, entre as quais, o monitoramento de políticas
públicas e das instituições democráticas, a mobilização social (com plebiscitos
populares, tribunais populares, audiências públicas populares e formação de
promotorias legais populares), o encaminhamento de denúncias a órgãos públicos
nacionais e internacionais e a própria educação popular em direitos junto aos grupos e
movimentos sociais, atividade que historicamente sempre caracterizou as APs.
Tais estratégias fazem parte do reconhecimento de um novo papel da AP, o de
contribuir criativamente com os novos mecanismos políticos e técnicas jurídicas para o
alargamento democrático do sistema de justiça, no sentido da efetivação dos direitos
humanos. As ações vão desde a chamada judicialização da política (levar à apreciação
do Poder Judiciário vários direitos com caráter público-prestacionais) até à exigência de
participação social e controle democrático sobre a administração da justiça6.
Geralmente, a atuação, de forma ampliada, das APs sobre o sistema de justiça
visa colocar em evidência as demandas e interesses dos grupos e movimentos que
defendem. O pressuposto é o de que as reformas no Poder Judiciário não são realizadas
de forma dissociada das pressões e demandas advindas dos diversos grupos sociais que
compõem o tecido social. De acordo com Santos (1996, p. 42):
6 Os grupos de assessoria jurídica popular vêm, atualmente, buscando também identificar, potencializar e
alargar os mecanismos de participação social no Poder Judiciário, além das vias tradicionais (por meio da
participação em audiências públicas, do amicus curiae e da pressão sobre as políticas públicas do
Judiciário elaboradas pelo CNJ), no interesse de conseguir modificações significativas na cultura e na
política interna do Judiciário, em termos de sua maior democratização (ESCRIVÃO FILHO, 2010).
Essas questões “internas” do sistema judicial não são abordadas e decididas
num vazio social. Pelo contrário, a natureza das clivagens no seio da classe
política, a existência ou não de movimentos sociais e organizações cívicas
com agendas de pressão sobre o poder político, em geral, e sobre o poder
judicial, em especial, a existência ou não de uma opinião pública esclarecida
por uma comunicação social livre, competente e responsável, todos estes
fatores interferem no modo como são abordadas as questões referidas.
Assim, se a AP era marcada principalmente por uma percepção sobre o Poder
Judiciário como uma instituição conservadora, comprometida com interesses burgueses
e contra as organizações populares (JUNQUEIRA, 2002), a partir do processo de
redemocratização formal do país e da introdução de novos direitos e novos instrumentos
de tutela a tais direitos, o Judiciário passou a aparecer recentemente como uma arena
privilegiada de luta política e jurídica.
A especificidade e complexidade da judicialização dos conflitos e das demandas
por direitos humanos têm trazido novos aprendizados às APs. Entre elas, Pivato (2010)
destaca: a) construir conjuntamente com os movimentos sociais as estratégias jurídicas e
políticas da intervenção; b) atuar a partir de múltiplos instrumentos de exigibilidade de
direitos humanos, reforçando o conceito amplo da assessoria jurídica popular; c)
construir parcerias e relações de confiança entre os sujeitos envolvidos (movimento
social, organizações de direitos humanos, advogados e advogadas populares, setores do
Estado); d) informar documentos, denúncias, ofícios e, principalmente, as petições com
argumentos de direitos humanos; e) continuar e qualificar ainda mais as ações de
assessoria jurídica popular em defesa dos direitos humanos, reconhecendo-se a
necessidade de disputar politicamente o Poder Judiciário, democratizar a justiça para o
fortalecimento da democracia e de uma cultura dos direitos humanos.
Ao mesmo tempo em que se ampliam as possibilidades de atuação das APs,
aumentam também as ameaças sobre eles com o objetivo de intimidar tal atuação e
paralisar as iniciativas (GORSDORF, 2011). O Relatório sobre a situação das
defensoras e defensores dos direitos humanos nas Américas da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (2006) identificou várias formas de criminalização
e violações contra defensores de direitos humanos e movimentos sociais; entre as quais,
a instauração de ações penais que depreciam o trabalho das defensoras e defensores de
direitos humanos.
Além disso, a ampliação do foco das APs nas estratégias junto ao sistema de
justiça depende de uma maior tecnificação e especialização das suas equipes e
configurações jurídicas. Os problemas aí são vários. Vamos citar apenas dois: a
necessidade de se buscar fontes de financiamento para suas atividades e o eventual
distanciamento de advogados e advogadas populares das estratégias sociopolíticas de
mobilização popular junto aos movimentos e grupos que buscam defender.
Discutiremos um pouco sobre eles mais abaixo, no momento de análise dos dados. Mas,
mais uma vez, reconhecemos a complexidade das questões que permeiam as relações
entre o sistema de justiça e a advocacia popular, bem como a relevância de estudos em
tais temáticas, capazes de aprofundar a análise das contradições e ambivalências aí
presentes.
A relevância dos trabalhos desenvolvidos por esse tipo de advocacia para os
processos de democratização do Estado e da sociedade nos últimos anos afasta os
argumentos pejorativos ou depreciativos sobre ela encontrados na literatura. Todavia, é
necessário, nesse momento, um esforço teórico crítico que nos faça ultrapassar os
modelos de estudos eminentemente laudatórios das APs ou das AJUPs, para que se
possa dizer que o compromisso dos agentes envolvidos nessas experiências é com uma
práxis transformadora.
1.2 As Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUPs)
As experiências de Assessoria Jurídica Popular nas universidades foram gestadas
em meio às reformas, ocorridas nas últimas décadas, dos cursos de direito e às reflexões
sobre os caminhos para se superar a crise do ensino jurídico e o viés excessivamente
dogmático do Direito. Tais grupos multiplicaram-se no Brasil na década de 1990, com o
intuito de fortalecer a formação de um perfil de atuação profissional ligado à
concretização de direitos humanos e às demandas dos movimentos sociais (LOPES,
1988; CAMPILONGO, 1991; ALFONSIN, 1998; LUZ, 2005; SOUSA JR, 2006).
De acordo com Sousa Júnior (2006), o processo de formação das AJUPs nas
universidades surgiu dentro de um movimento que buscava integrar extensão
universitária comunitária com a reivindicação de responsabilidade social, de modo a se
valorizar direitos comunitários, locais, populares e mobilizá-los em favor das lutas das
camadas populares, que cotidianamente se confrontavam com um direito oficial hostil
ou ineficaz (SOUSA JR, 2006).
As AJUPs pioneiras, surgidas na década de 1990, nasceram em universidades
públicas, não contando, necessariamente, com reconhecimento institucional mínimo
para que pudessem funcionar com práticas formais de extensão universitária. Como
veremos, pelos dados obtidos em nossa pesquisa, até hoje, muitos dos grupos
autonomeados de AJUPs ou SAJUs (Serviços de Assessoria Jurídica Universitária)
contam com pouco ou quase nenhum apoio ou reconhecimento formal da universidade
onde estão situados os seus agentes (discentes e docentes). Em muitos casos, os grupos
são formados apenas por discentes, sem que haja participação até mesmo de docentes do
curso. O apoio recebido, nestes casos, é de outros grupos universitários parecidos
(atuação em rede), de APs e/ou dos próprios movimentos sociais que eles acompanham.
Foi a Portaria n. 1886 de 1994 do Ministério da Educação (MEC) que previu,
como uma das diretrizes curriculares para o ensino jurídico, a configuração do eixo de
formação prática a ser desenvolvido por meio de atividades curriculares simuladas e
também reais, sob supervisão pedagógica, em Núcleo de Prática Jurídica. Mais tarde, a
Resolução nº 9, de 2004, editada pelo Conselho Nacional de Educação e que rege
atualmente as diretrizes para o curso de graduação em Direito, asseverou que o eixo de
formação prática “objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos
desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o
Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares”.
Dessa forma, as atividades práticas, voltadas para o desenvolvimento das
habilidades técnicas e desenvolvidas em núcleos próprios, passaram a ser obrigatórias
nos cursos de Direito, assegurando-se também as dimensões epistemológicas e sociais
de suas ações. Cabe também destacar a inserção, como dimensão institucional
obrigatória às Instituições de Ensino Superior (IES), da “responsabilidade social da
instituição, considerada especialmente no que se refere à sua contribuição em relação à
inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da
memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural” realizada pela Lei n.
10.861/04, em seu artigo 3º.
Os Núcleos de Prática Jurídica, em substituição aos tradicionais escritórios
modelo de advocacia, aparecem então, de modo geral, no contexto dos anos de 1990 em
meio às reflexões sobre os caminhos para se superar a crise do ensino jurídico e o viés
excessivamente dogmático do Direito. Tratava-se de empreender um trabalho crítico
que pudesse romper com a percepção abstrata e formalista do direito, incapaz de captar
a complexidade e as mutações das realidades sociais e políticas, bem como
propiciadoras do imobilismo científico na formação intelectual do jurista e do
profissional do Direito (MACHADO, 2009).
Ao longo das duas últimas décadas, muitos Núcleos de Prática Jurídica (NPJs),
sobretudo aqueles criados em universidades públicas, foram aliando a prática tradicional
de advocacia às atividades de extensão comunitária e ao debate sobre a responsabilidade
social das universidades, com nuances e intencionalidades diversas, mas em cujo âmbito
podia se aferir o interesse pela elaboração de outras formas de atuação mais diretamente
ligadas a contextos sociais de vulnerabilidade social e à valorização dos direitos
comunitários, locais e populares (SANTOS, 1994).
Esse contexto foi propício ao fortalecimento das AJUPs como projetos de
extensão e de estágio profissional, bem como de outras formas de extensão e estágio
universitários que ultrapassavam os moldes dos NPJs. Como exemplo, podemos citar os
Balcões de Direitos, as promotoras legais populares, os Centros de Referência em
Direitos Humanos, as ouvidorias, as clínicas e os observatórios de Direitos Humanos. A
maior parte desses projetos passaram a ser reconhecidos formalmente pelas
universidades, governos executivos, órgãos de fomento à pesquisa e extensão e OAB, o
que, em tese, facilitaria a construção de um perfil de atuação profissional em direito
mais crítico e voltado para a concretização de direitos humanos (LOPES, 1988;
CAMPILONGO, 1991; ALFONSIN, 1998; LUZ, 2005; RIBAS, 2008; SOUSA
JUNIOR, 2008).
Muitos autores destacam as atividades das AJUPs como ações ligadas
diretamente ao desafio do acesso à justiça e de defesa de direitos humanos junto ao
Judiciário e outros órgãos do Estado. Sob esse ponto de vista, as ações das AJUPs
vinculam-se ao desafio mais amplo de realização da promessa democrática da
Constituição de 1988. No seu modelo de articulação de teoria e prática, elas acabam por
sustentar um sistema contínuo de ampliação do acesso à justiça, ao abrirem-se a
problemas críticos da atualidade e dando-se conta das possibilidades de mudanças no
direito para indicar novas alternativas para seu saber técnico (SOUSA JUNIOR;
COSTA, 1998). Além disso, alguns autores também reconhecem as AJUPs como
instrumento de conscientização e emancipação social. Nesse caso, o que se enfatiza, de
forma geral, é o alargamento das possibilidades de atuação e dos métodos propiciados
por tal tipo de atividade.
A despeito da diversidade de experiências nesse campo, pode-se afirmar que a
maior parte delas são realizadas nos marcos da educação popular e dos direitos
humanos, enfatizando a abordagem dialógica de estudantes e movimentos sociais. São
também entendidas como orientação e suporte técnico-jurídico a hipossuficientes, como
orientação, ou como processo jurídico-educativo que pode, ou não, englobar atividades
de assistência jurídica, tais como aquelas realizadas pelos NPJs. Pode-se, por exemplo,
avançar em questões como: a democratização da universidade e do próprio ensino
jurídico brasileiro (RIBAS, 2008), a ênfase nas ações de mediação de conflitos
(WARAT, 2010) e a compreensão do acesso à justiça em marcos que não envolvam
apenas um complexo de condicionantes econômicos, mas também inúmeras
condicionantes sociais e culturais resultantes do processo de socialização e de
interiorização de novos valores na cultura jurídica tradicional (SADEK, 2004).
Para Ribas (2008), a AJUP acaba por implicar em modificações na educação
jurídica com a abertura epistemológica para o pluralismo jurídico, o desenvolvimento de
um perfil de profissional não apenas técnico, mas humanista dos agentes jurídicos em
condições de promover a reflexão sobre a condição humana que contextualize o direito
no seu ambiente histórico, cultural, politico, existencial e afetivo, e a aptidão para
distinguir, entre as múltiplas demandas, as que exigem um ambiente procedimental
adequado para negociação de diferenças e diminuição de desigualdades.
Quando existem os dois núcleos nos cursos de direito, os NPJs e as AJUPs, é
comum que os primeiros fiquem com a função de dar um amparo legal gratuito às
pessoas carentes que não podem pagar um advogado para resolver as suas demandas. Já
os segundos ficam com as atividades de contato direto com grupos vulneráveis e
movimentos sociais, em demandas coletivas que dependem de estratégias não só
jurídicas, mas, sobretudo, de educação e mobilização populares. Para Sousa Júnior
(2008), o trabalho de assessoria jurídica é realizado por meio da educação para a
cidadania, das ações de mediação de conflitos individuais e coletivos, do
monitoramento e avaliação de políticas em direitos humanos, do desenvolvimento de
linhas de pesquisa a partir do diálogo entre a universidade e os grupos sociais e do
desenvolvimento de uma práxis orientada para a formação profissional mais crítica e
interdisciplinar sobre o fenômeno jurídico.
2. Procedimentos metodológicos para a coleta de dados
A coleta de dados da pesquisa foi pensada em três etapas principais, quais
sejam: (I) o preenchimento de dois questionários (online) pelas assessorias jurídicas
universitárias; (II) realização de entrevistas (presenciais e por vídeo conferência) com
parte das assessorias que participaram da 1ª etapa da pesquisa; (III) disponibilização dos
mapas produzidos a partir das informações obtidas pelo questionário aos grupos que
aceitaram preenchê-lo para que, se desejarem, possam analisar brevemente os dados
e/ou trazer novas informações sobre outras assessorias universitárias que não foram
identificadas nos mapas.
Os principais instrumentos de coleta utilizados na pesquisa foram questionários
para a coleta das informações gerais dos mapas a serem construídos.
Os questionários foram compostos por um conjunto de perguntas que tinham
por objetivos: (I) a caracterização social e política dos membros dos grupos pesquisados
e (II) a caracterização dos grupos de assessoria jurídica universitária popular; (III) além
de obter as percepções dos grupos pesquisados sobre a assessoria jurídica popular e a
relação dos grupos com as instituições de ensino em que estavam inseridos, a relação
com o grupos assessorados e a relação dos grupos com o sistema de justiça. Os
questionários seguiram com uma cópia do projeto de pesquisa e do termo de sigilo, que
foi previamente aprovado por um comitê de ética.
Elaboramos dois questionários, a saber: (I) um questionário para a
caracterização dos grupos de assessorias jurídicas universitárias que participaram da
pesquisa e (II) um questionário para a caracterização individual dos membros dos
grupos. Indicamos aos grupos a importância de que o questionário (I) fosse preenchido
em conjunto pelo grupo, e se não fosse possível, que o grupo indicasse, ao fim do
questionário, a forma como foi preenchido. E que o questionário (II) fosse preenchido
individualmente por cada um dos membros da assessoria em questão.
Os questionários foram enviados aos endereços eletrônicos dos grupos de
assessoria jurídica universitária popular.
O contato com os grupos de assessoria jurídica universitária que participaram
da pesquisa foi feita da seguinte forma: identificamos, por meio do sítio eletrônico do
Ministério da Educação (MEC), as instituições universitárias brasileiras que têm o curso
de Direito. A partir daí, entramos em contato por telefone com as instituições
universitárias públicas a fim de saber se ali havia assessorias jurídicas populares.
O objetivo era um contato inicial com os grupos de assessoria jurídica popular
para convidá-los a participar da pesquisa e para obter o endereço eletrônico para o envio
dos questionários. Importante destacar a dificuldade de contato com as instituições7,
bem como a falta de informações dos funcionários que nos atendiam sobre a existência
ou não de grupos de Assessoria Jurídica Popular.
Outra forma de pesquisa dos contatos dos grupos foi a partir da página do
facebook da Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária (RENAJU). O grupo
disponibiliza uma lista de contatos dos grupos de Assessorias Jurídicas Universitárias
Populares. E, apesar da desatualização da lista, com nomes de pessoas que não fazem
mais parte de grupos de assessorias jurídicas, o RENAJU foi essencial para
conseguirmos o contato de boa parte dos grupos. Nessa fase de coleta, o contato por
telefone ainda foi a principal estratégia para descrição e o convite aos grupos para a
participação na pesquisa.
Como destacamos, os questionários foram enviados aos endereços eletrônicos
dos grupos de assessoria jurídica universitária popular. Porém, depois de um período de
tempo de aproximadamente seis meses em que a maior parte dos grupos não respondeu
aos questionários enviados, foi necessário realizar um novo contato. Nesta segunda
tentativa, optamos pelo contato com membros dos grupos por meio do facebook. Assim,
utilizamos novamente a página do RENAJU, desta vez para divulgação e convite para a
participação da pesquisa. Além disso, procuramos páginas específicas dos grupos de
assessoria jurídica popular no facebook e ainda conversamos diretamente com membros
de vários grupos identificados.
Percebemos que o espaço virtual da RENAJU no facebook facilitou o
questionamento, por parte dos grupos de assessoria, dos objetivos da pesquisa e
esclarecerem dúvidas com relação aos questionários enviados. Isso foi fundamental para
maior adesão dos grupos à pesquisa.
Por fim, outro espaço de divulgação da pesquisa e preenchimento dos
questionários foi o Encontro Estadual de Assessorias Jurídicas Populares, realizado pela
Faculdade de Direito da Universidade do Estado de São Paulo no mês de julho de 2013.
7 Especialmente as instituições universitárias federais, em decorrência do período de greve (entre
maio/2013 e setembro de 2013).
Ao final da fase de coleta dos dados, identificamos 42 AJUPs em atividade no
Brasil. Com os dados da pesquisa realizada por Gediel et al (2012) de mapeamento das
advocacias e assessorias jurídicas populares no Brasil, construímos o seguinte mapa das
APs e AJUPs:
Mapa 1: Cruzamento do mapa das APs com o mapa das AJUPs
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Mapa 2: Cruzamento do mapa das APs com o mapa das AJUPs em outra escala
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Dentre as AJUPs identificadas, 27 (64,3%) responderam aos questionários
enviados, sendo que 128 responderam apenas aos questionários individuais, 15 grupos
responderam aos dois questionários (individual e grupo) e 14 não responderam a
nenhum deles. Desse modo, o quadro geral relativo à participação das AJUPs na
pesquisa é o seguinte:
8 Há uma AJUP (região sudeste) que respondeu parcialmente ao questionário (individual), declarando que
o grupo estava em fase de criação. Como não foi especificado o nome do grupo ou características gerais
dele, consideramos os dados disponibilizados para o calculo do perfil dos integrantes, mas não
consideramos o grupo no cálculo dos grupos. Ele também não aparece identificado nos mapas da
pesquisa.
Gráfico 1: Participação das AJUPs na pesquisa
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
O quadro abaixo apresenta as IES de origem das AJUPs participantes da
pesquisa e o número de pessoas de cada uma delas que respondeu ao questionário
individual:
Instituição de Ensino
Superior (IES)
AJUP Número de
participant
es na
pesquisa
1 Instituto Camillo Filho –
ICF
Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária Comunitária Justiça e
Atitude - NAJUC JA
1
2 Pontifícia Universidade
Católica - PUC-SP
Em fase de criação 1
3 Unidade de Ensino
Superior Dom Bosco –
UNDB
Programa de Assessoria Jurídica
Universitária Popular - PAJUP
4
4 Universidade de Brasília
– UnB
Assessoria Jurídica Universitária
Popular Roberto Lyra Filho - AJUP
Roberto Lyra Filho
22
5 Universidade de São
Paulo – USP
SAJU-USP (FD) 18
NAJURP – (FDRP)9 0
6 Universidade Estadual de
Feira de Santana - UEFS
JUSTIÇA UNIVERSITÁRIA
ALTERNATIVA/ JUÁ
1
7 Universidade Estadual de
Londrina - UEL
Lutas Londrina 4
8 Universidade Estadual do
Piauí - UESPI
CORAJE 1
9 A AJUP da instituição responsável pela pesquisa é considerada no número total de grupos identificados
(em especial, nos mapas), mas os dados sobre ela e de seus integrantes não serão considerados para
análise.
12 15 14
27
41
AJUPs
Participação das AJUPs na pesquisa
Parcial Completo Não participou
Total de participantes Total de indetificadas
9 Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia -
UESB
Núcleo de Assessoria Jurídica
Alternativa - NAJA
2
10 Universidade Federal da
Bahia – UFBA
Serviço de Apoio Jurídico - SAJU 1
11 Universidade Federal da
Paraíba - UFPB
Núcleo de Extensão Popular Flor de
Mandacaru - NEP
4
12 Universidade Federal de
Goiás – UFG
NAJUP GO 2
13 Universidade Federal de
Minas Gerais - UFMG
Programa Pólos de Cidadania 4
14 Assessoria Jurídica Universitária
Popular da UFMG /AJUP UFMG
2
15 Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE
NAJUP - Direito nas Ruas -
Movimentos Sociais
5
16 Universidade Federal de
Uberlândia - UFU
ESAJUP-UFU 2
17 Universidade Federal do
Ceará - UFC
CAJU 1
18 Universidade Federal do
Maranhão - UFMA
Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária - NAJUP Negro Cosme
2
19 Universidade Federal do
Pará - UFPA
Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária Popular Aldeia Kayapo -
NAJUPAK
4
20 Universidade Federal do
Paraná - UFPR
Serviço de Assessoria Jurídica
Universitária Popular (SAJUP)
2
21 Universidade Federal do
Rio de Janeiro - UFRJ
Najup Luiza Mahin 2
Núcleo de Direitos Coletivos -
Assessoria Jurídica Popular
4
22 Universidade Federal do
Rio Grande do Norte -
UFRN
Programa de Educação Popular em
Direitos Humanos - Lições de
Cidadania
2
23 Direito e Cidadania 1
24 Universidade Federal do
Rio Grande do Sul -
UFRGS
SAJU-UFRGS 1
25 Grupo de Assessoria Popular - GAP
SAJU
3
26 Universidade Federal de
Juiz de Fora - MG
NAJUP-Gabriel Pimenta 4
27 Universidade Regional
do Cariri - URCA
Programa de Assessoria Jurídica
Estudantil - P@JE
12
Total 112
Tabela 1: Instituições/AJUPs participantes da pesquisa
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Há casos de dois ou mais grupos de AJUPs em uma mesma IES. Também, há
casos de instituições que aparecem na lista, mas que sua AJUP não foi computada
dentre as AJUPs que serão analisadas. Por isso, o número de IES é diferente do número
de AJUPs participantes da pesquisa.
Os dados que serão apresentados nessa pesquisa sobre o perfil das AJUPs
referem-se, então, aos 15 grupos que responderam ao questionário de caracterização do
grupo. Já os dados sobre o perfil dos participantes referem-se a 112 (cento e doze)
membros que preencheram o questionário individual.
Com relação ao modo de preenchimento dos questionários de caracterização da
AJUP, 7 grupos respondentes declararam que preencheram de forma individual e 8 de
maneira coletiva.
3. Perfil dos entrevistados
A pesquisa coordenada pelo CEBRAP (SRJ, 2013) elencou alguns elementos da
trajetória acadêmica, política, profissional e pessoal dos seus entrevistados, todos eles,
participantes de entidades de defesa de direitos da sociedade civil. Tais elementos foram
reunidos em três grandes grupos: a) experiências universitárias, b) experiências
profissionais e c) experiências pessoais e sociais. Os elementos reunidos no primeiro
grupo (extensão universitária, pesquisa/ensino e movimento estudantil) correspondem a
maior parte das respostas (46,3%), sendo que a experiência com projetos ou grupos de
extensão universitária foi o mais mencionado em relação aos outros do mesmo grupo,
como sendo influência para a atuação em entidades que exercem advocacia de interesse
público. Isso porque, de acordo com os entrevistados, a extensão “promove um contato
com a realidade de violação de direitos e sensibiliza para a necessidade de uma atuação
profissional voltada à defesa de certos grupos e temáticas” (SRJ, 2013, p. 27).
Podemos dizer que esses dados sugerem que a experiência universitária é um
forte componente definidor do perfil profissional futuro dos estudantes, mesmo em
relação às experiências sociais e pessoais do indivíduo. Além disso, ao confrontarmos
esses dados com as descrições encontradas na bibliografia sobre AJPs, é possível
entender as AJUPs, do ponto de vista dos seus participantes, como espaços constituintes
de identidades10
e formador de indivíduos que se percebem capazes de intervir na
realidade. Em outros termos, o repertório de práticas e ações realizadas coletivamente
nos espaços sociopolíticos das AJUPs contribui com o processo de construção das
identidades pessoais e profissionais dos indivíduos nelas envolvidos.
Assim, buscamos coletar alguns dados sobre o perfil dos discentes participantes
das AJUPs, para tentarmos identificar alguns elementos da trajetória social e pessoal
que poderiam contribuir favoravelmente para a participação em nesse tipo de
experiência universitária. Mas, isso não nos faz perder de vista o próprio papel das
AJUPs no processo de construção identitária de seus membros.
10
Utilizamos o termo identidade no sentido atribuído por Ciampa (1987), como metamorfose, um
processo de constituição permanente do eu, a partir das condições sociais e de vida que o indivíduo está
inserido. De acordo com o autor (CIAMPA, 1987, p. 242), “O conteúdo que surgirá dessa metamorfose
deve subordinar-se ao interesse da razão e decorrer da interpretação que façamos do que merece ser
vivido. Isso é busca de significado, é invenção de sentido. É autoprodução do homem. É vida”.
Os dados coletados sobre o perfil dos 112 participantes da pesquisa. A tabela
abaixo traz o universo total dos respondentes, com os percentuais relativos ao tipo de
vínculo que eles mantêm com a IES sede das AJUPs:
Tipo de vínculo %
Sem resposta 0,9
Aluno 87,5
Colaboradora da AJUP 4,5
Docente 4,5
Mestrando 0,9
Ex-aluno 1,8
Total 100,0 Tabela 2: Tipo de vínculo com a Instituição de Ensino Superior sede da AJP
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Os docentes que responderam ao questionário atuam nas seguintes áreas do
direito: Direito Penal e Direito das relações étnicos-raciais (); Direito Processual Civil
(1), Introdução ao Direito (1) e Prática Jurídica (2). Apenas um deles atua na IES por
mais de 5 anos. Os demais são recém-ingressos, com menos de 1 ano de atuação.
Com relação os discentes, 93,08% declararam cursar a graduação em Direito. Os
outros cursos de graduação citados são Ciência Política (1%), Psicologia (3%). Há
também um discente pós-graduando em Direito. Com relação à distribuição dos
graduandos nos períodos do curso, percebemos uma concentração maior em duas faixas
3º-4º semestres e 9º-10º semestres.
Período (semestre) %
Sem resposta 2,0
1º ou 2º semestre 15,8
3º ou 4º semestre 27,7
5º ou 6º semestre 21,8
7º ou 8º semestre 6,9
9º ou 10º semestre 23,8
11° semestre 1,0
Mestrado 1,0
Total 100,0 Tabela 3: Participantes discentes segundo o período (semestre) do curso
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
O tempo de participação dos membros no grupo parece ser entre 1 e 3 anos. Do
total de respondentes da pesquisa, 45,54% participa há menos de 1 ano e 42% entre 1 e
3 anos. O percentual de discentes que participam do grupo aproximadamente 2 ou 3
anos é significativo, considerando que os cursos de direito têm duração de, no mínimo,
5 anos e é comum, ao longo da graduação, os discentes não se dedicarem mais do que 1
ano a atividades de pesquisa ou extensão extracurriculares. Ressaltamos, novamente,
que a maior parte das AJUPs que compõem nossa amostra não conta com
reconhecimento formal junto à IES, tampouco os discentes contabilizam as horas
dedicadas à assessoria popular na carga horária geral cumprida na graduação. O
trabalho, em geral, é de caráter voluntário e concorre com as demais atividades formais
do curso.
Tempo de participação %
Sem resposta 0,89
Menos de 1 ano 45,54
01 a 03 anos 41,96
03 a 05 anos 8,93
06 a 10 anos 2,68
Total 100,0 Tabela 4: Participantes segundo o tempo de participação na Assessoria Jurídica Universitária
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Alguns grupos declararam a existência de participantes que não apresentam
qualquer tipo de vínculo com a IES sede das AJUPs. No total, foram 8 respondentes que
se encontram nesse perfil, sendo 4 deles advogados, 2 graduandos em direito em outro
curso, um pesquisador e 1 não declarou.
Dos 112 respondentes, 42,9% são do sexo masculino e 57,1 % do sexo feminino.
Em termos de faixa etária, a maioria (91,1%) encontra-se na faixa etária comum ao
universo dos estudantes do ensino superior (até 25 anos).
Faixa etária %
Menor que 20 aos 38,4
De 21 a 25 anos 52,7
De 26 a 30 anos 7,1
Acima de 31 anos 1,8
Total 100,0 Tabela 5: Tipo de vínculo com a Instituição de Ensino Superior sede da AJP
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Com relação à raça/cor dos respondentes, um dos dados que consideramos mais
interessante diz respeito ao percentual de pretos e pardos que participam das AJUPs:
37,5%. Esse percentual é bem superior (181% maior) ao de pretos e pardos
matriculados em instituição de ensino superior no país em 2012, de 13,3% (INEP,
2012). Mesmo sem considerar diversas variáveis que poderiam alterar esse percentual, é
possível levantar a hipótese de haver percentual maior de declarantes pretos/pardos nas
AJUPs em relação às outras categorias consideradas nos censos (brancos e outros) do
que o percentual geral de declarantes pretos e pardos matriculados nas IES em que elas
estão sediadas.
Além disso, apenas 1,8% dos respondentes não declararam a raça/cor. Esse
número também é bem distinto dos dados do Censo 2012 da Educação Superior
brasileira (27,3%) e pode sugerir a existência da reflexão dos grupos com relação à
questão racial no Brasil ou, ao menos, que eles atribuem relativa importância à
afirmação da identidade racial.
Gráfico 2 Participantes das AJUPs segundo raça/cor
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
O percentual de respondentes filiados a algum partido é de 11,6%, sendo que os
partidos citados são, em sua maioria, partidos de esquerda.
Partido %
Não se aplica 88,4
Consulta Popular 5,4
PT 2,7
PSOL 1,8
Estudante independente 0,9
Sem especificação 0,9 Tabela 6: Partido político a que se filia
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
1,8%
58,0%
0,9%
25,9%
11,6%
1,8%
Amarela
Branca
Indígena
Parda
Preta
Não Declarada
No que se refere à crença ou religião, houve o maior número de respostas “não
declaradas” em relação às demais questões sobre o perfil pessoal (51,8%). Do restante,
apesar do percentual de cristãos/católicos ser bastante expressivo, podemos perceber um
rol bastante diversificado de crenças declaradas.
Religião %
Não se aplica 51,8
Catolicismo 18,8
Espiritismo 7,1
Cristianismo 3,6
Agnóstico 2,7
Cristianismo protestante 2,7
Sem especificação 2,7
Crença em Deus 1,8
Umbandista 1,8
Ateu 0,9
Budista 0,9
Catolicismo e espiritismo 0,9
Cristianismo católico 0,9
Evangélico 0,9
Ordem Jedi 0,9
Rosacruz 0,9
Sincretismo 0,9
Total 100,0 Tabela 7: Crença ou religião
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Algumas perguntas foram realizadas com o intuito de buscarmos alguns
elementos sobre perfil socioeconômico dos participantes das AJUPs. Nesse sentido, a
tabela abaixo traz as faixas de renda familiar mensal, em salários mínimos:
Renda Familiar Mensal N % % cumulativa
Até 01 salário mínimo 1 0,9 0,9
01 a 02 salários mínimos 6 5,4 6,3
02 a 05 salários mínimos 28 25,0 31,3
05 a 10 salários mínimos 33 29,5 60,7
10 a 30 salários mínimos 34 30,4 91,1
30 a 50 salários mínimos 8 7,1 98,2
Acima de 50 salários mínimos 2 1,8 100,0
Total 112 100,0 - Tabela 8: Renda Familiar Mensal (salário mínimo)
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Houve um percentual expressivo de respondentes que declararam estar
trabalhando atualmente (35,7%) ou já ter trabalhado em algum momento (28,6%).
34,8% dos respondentes nunca trabalharam.
Por fim, com relação ao tipo de ensino fundamental e médio cursados pelos
respondentes, obtivemos os seguintes dados:
Tipo de Ensino Fundamental cursado %
Somente em escola particular 65,2
Somente em escola pública 18,8
Parte em escola pública e parte em escola particular 16,1
Total 100,0
Tipo de Ensino Médio cursado %
Somente em escola particular 63,4
Somente em escola pública 31,3
Maior parte em escola particular 3,6
Maior parte em escola pública 1,8
Total 100,0 Tabela 9: Participantes segundo o tipo de Ensino (fundamental e médio) cursado.
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Esses dados são insuficientes para que possamos tirar conclusões muito
aprofundadas sobre o perfil dos participantes das AJUPs no Brasil, em razão da amostra
e das deficiências do próprio instrumento de coleta. Mas talvez eles apontem para uma
tímida ampliação no espectro do perfil dos participantes das AJUPs (percentual de
pretos/pardos e de discentes com renda familiar nas faixas correspondentes a camadas
populares, por exemplo) em relação aos perfis predominantes de estudantes de direito
no Brasil. Ou seja, ainda que o processo identitário vivido no grupo seja um fator muito
importante para a construção social do assessor jurídico popular, alguns elementos da
trajetória pessoal e social, ou até mesmo a identificação do discente com o perfil das
pessoas atendidas ou com os temas de atuação da AJUPs podem ser fatores que
favorecem o envolvimento deles na proposta da assessoria popular.
4. Perfil das Assessorias Jurídicas Universitárias Populares
(AJUPs) no Brasil
Em nossa amostra, são poucos os grupos com existência superior a 10 anos
(20%). Os maiores percentuais encontram-se entre os grupos com menos de 1 ano de
funcionamento (34%) e com idade entre 6 a 10 anos (33%). Esses números aproximam-
se aos estudos sobre o tema que apontam para a existência de AJUPs com mais de 20
anos em número muito reduzido e de forma muito pontual no Brasil. A maior
concentração irá aparecer, a partir da ocorrência de alguns fatores: a) a criação da
RENAJU (Rede Nacional de Assessorias Jurídicas Universitárias), que permitiu a
divulgação das práticas e o trabalho em rede social entre os grupos existentes; b) a
criação de algumas linhas de financiamento externo e interno às IES públicas que
apontam, em seus objetivos, o estímulo a práticas extensionistas de assessoria a
comunidades periféricas e grupos vulneráveis; e c) as reformas curriculares obrigatórias
nos cursos de Direito após 200411
. Além desses fatores, houve uma expansão de vagas e
cursos nas universidades públicas12
nos últimos anos, com o consequente ingresso de
novos docentes nas universidades. Alguns deles tiveram experiências com AJUPs como
estudantes e, agora, como docentes, têm buscado criar novos grupos de assessoria.
Gráfico 3: Tempo de existência das AJUPs
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
11
Para fins de adequação à Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004 que instituiu as novas
diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Direito no país. 12
Nesse sentido, ver Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, que instituiu o Programa de Apoio a Planos
de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).
34%
13% 33%
13% 7%
Menos de 1 ano 1 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 15 anos Mais de 16 anos
Somando-se o número de participantes em cada AJUP que foi declarado pelos
15 grupos respondentes, chegamos ao total de 415 alunos e 47 docentes, sendo que a
maioria dos grupos (12) contam com até 5 docentes e até 20 alunos envolvidos (8
grupos). 2 grupos declararam não haver participação de nenhum docente e 3 grupos são
formados por um número de alunos superior a 90. Além disso, 8 grupos (53%)
declararam haver participação de discentes externos à universidade e ao curso de direito
a que estão ligados.
Com relação à sua caracterização junto à IES, apesar de os grupos
desenvolverem, geralmente, atividades de pesquisa e/ou estágio profissional, a quase
totalidade dos respondentes (14 deles) afirmou que as AJUPS são consideradas como
atividades de extensão universitária. Isso não significa, necessariamente, que todos os
grupos são reconhecidos formalmente como projetos de extensão, mas apenas que os
participantes reconhecem as atividades enquanto práticas extensionistas, com
desdobramentos relacionados ao ensino e a à pesquisa, buscando construir um sentido
bastante específico à expressão extensão universitária. Os principais critérios
diferenciadores que caracterizariam esse tipo específico de extensão seriam os sujeitos a
que se destinam (movimentos sociais e grupos em vulnerabilidade), as metodologias
fundadas no diálogo entre os saberes populares e acadêmicos (extensão entendida como
comunicação, nos termos do educador Paulo Freire) e o compromisso político dos
indivíduos envolvidos ligados a propósitos de transformação social13
.
Dos 15 grupos, 8 não contam com nenhum tipo de apoio financeiro da IES em
que estão localizados, sendo que 4 destes também não contam com nenhum tipo de
13
O sentido de extensão compartilhado pela maioria das AJUPs está delineado em documento elaborado
pelos próprios estudantes de Direito, durante o I Encontro Nacional de Estudantes de Direito
Extensionistas (I ENEDEX), realizado em julho de 2010. Várias AJUPs presentes assinam o documento.
De acordo com seu texto, os princípios norteadores desse tipo de extensão seriam: “- Sensibilização do/da
estudante para a função social e o papel político da universidade e da pratica jurídica, propiciando a
organização e o engajamento dos/das estudantes no compromisso com a superação das desigualdades
sociais e com o combate às opressões, por meio de uma prática emancipatória e coerente com os
princípios dos Direitos Humanos; - Humanização da racionalidade jurídica, por meio de uma formação
orientada pelo exercício da alteridade; - Construção e fortalecimento da cidadania ativa e engajamento
político dos/das atores/atrizes envolvidos/das no processo de construção de novas realidades com a
sociedade; - Fomento da autonomia da auto-organização e do auto-reconhecimento de grupos sociais; -
Troca e coprodução de saberes e subjetividades por meio de uma construção dialógica e horizontal de
conhecimentos entre comunidade e universidade; - Atuação continuada dos projetos, prezando pela
responsabilidade dos compromissos firmados com a comunidade, pelo planejamento e pelo constante
repensar das ações; Formação transdisciplinar do/a estudante no sentido de desenvolver uma
compreensão mais complexa da sociedade e de seus problemas, bem como um olhar critico sobre o
ensino e prática do Direito”. (ENEDEX, 2010, p. 2).
Disponível em: http://fexfdunb.files.wordpress.com/2010/07/plenaria-final-enedex.pdf. Acesso em
12/12/2013.
apoio material das IES em que estão localizados e 6 não contam com nenhum tipo de
apoio financeiro (externo ou interno à IES):
Apoio: Material da IES Financeiro da IES Financeiro externo à
IES
Não 4 8 11
Sim 11 7 4
Total 15 15 15
Tabela 10: Apoio da IES ao grupo
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas.
Mesmo quando recebem algum tipo de apoio material por parte da IES, na maior
parte das circunstâncias, ele se revela mínimo: 9 referiram-se à estrutura física (uso de
salas para as reuniões, uso de telefone e de equipamentos eletrônicos, não
necessariamente de uso exclusivo do grupo), 5 mencionaram obter material de
escritório, 3 obtêm bolsas individuais para alguns membros e 2 grupos recebem auxílio
em transporte para realização de seus projetos.
Dentre os grupos que declararam obter apoio financeiro de algum tipo, as
instituições de fomento citadas são:
Entidade de fomento N. de AJUPs
Não recebe 6
Programas ou órgãos de extensão das IES 4
Proext-MEC 2
Órgão do poder executivo estadual 1
Centros Acadêmicos 1
OAB e órgãos do sistema de justiça (defensorias públicas) 1
Total 15
Tabela 11: Entidade que apoiam financeiramente as AJUPs
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Somado à falta de apoio por parte da IES, é comum os docentes, dirigentes e
discentes desconhecerem a existência de AJUP em funcionamento no curso ou
universidade em que eles trabalham ou estudam. Também são frequentes as percepções
de caráter depreciativo ou pejorativo da comunidade acadêmica com relação às
atividades desenvolvidas pelas AJUPs ou aos alunos participantes.
A falta de apoio institucional pode ser explicada, em alguns casos, pela forma
como os grupos surgiram. Diferentemente da maioria das atividades de extensão
universitária, muitas das AJUPs não nasceram de um projeto formal conduzido por
docentes ou dirigentes universitários, mas da auto-organização dos discentes. Assim,
somente após o início das atividades é que os discentes irão procurar algum tipo de
apoio da IES. Às vezes, pela falta de docentes no curso que conheçam os princípios da
proposta e sejam capazes de apoiar o grupo sem interferir na sua dinâmica, ou porque os
discentes entendem que as AJUPs são tipos de grupos de organização estudantil,
algumas AJUPs mantêm-se de forma autônoma em relação à IES. Quando é necessário
algum tipo de recurso financeiro, é comum os grupos utilizarem formas de captação
bem parecidas com aquelas praticadas pelos movimentos populares próximos a eles:
fazem rifas promocionais, vendem camisetas ou sacolas, socializam recursos de bolsas
individuais de iniciação científica ou extensão obtidas por algum dos membros em
projetos institucionalizados, solicitam auxílio à rede de AJUPs (RENAJU), aos Centros
e Diretórios Acadêmicos ou a entidades que comumente apoiam movimentos sociais e
populares.
Os ganhos individuais e coletivos, em termos de aprendizado para a autogestão e
auto-organização, são inúmeros. Mas, na medida em que os grupos começam a recorrer,
tal qual as APs, a formas mais diversificadas de atuação junto aos movimentos sociais e
aos grupos atendidos, o apoio formal das IES começam a ser cada vez mais necessários.
Contribuir com a judicialização das demandas, participar de fóruns, audiências públicas
ou outros tipos de experiências de mobilização junto aos poderes públicos em conjunto
com os movimentos populares atendidos demandam recursos de transporte, material de
escritório, equipamentos de informática, entre outros. Ou seja, a capacidade de
ampliação das atividades externas aos muros e corredores das universidades por parte
das AJUPs está atrelada à disponibilidade de recursos financeiros. A situação torna-se
mais dramática quando consideramos a sede da maior parte das AJUPs (capitais e
regiões metropolitanas) e o perfil socioeconômico dos discentes envolvidos. Quando
questionadas sobre as principais dificuldades sofridas dentro da IES, 12 AJUPs (86%)
referiram-se à falta de apoio financeiro.
Os parceiros mais comuns das AJUPs no desenvolvimento de suas atividades
são APs, movimentos sociais, associações civis formalizadas ou não (de moradores, de
direitos humanos, de trabalhadores e de estudantes e profissionais), centros e diretórios
acadêmicos, determinados órgãos do sistema de justiça (Ministério Público Estadual,
Defensorias Públicas Estaduais), comissões pastorais da igreja católica e Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Cabe ressaltar a ocorrência de respostas referindo-se, de
forma satisfatória, às parcerias realizadas entre AJUPs e Defensorias Públicas estaduais,
em especial, na região Sudeste. Isso porque, no quadro referente às dificuldades
enfrentadas pelas AJUPs, é possível perceber, pelas respostas, uma percepção bastante
pejorativa com relação a vários órgãos do Sistema de Justiça.
4.1 Atividades desenvolvidas
Dentre as principais atividades realizadas atualmente por cada uma das AJUPs,
há um predomínio de atividades de educação popular e mobilizações em conjunto com
movimentos sociais já organizados. A tabela abaixo traz as respostas por grupo
respondente, dos tipos principais de atuação14
:
AJUPs Principais atividades desenvolvidas
1 - Advocacia popular a movimentos sociais;
- Assessoramento político e técnico-jurídico nos processos de negociação com
o Estado;
- Realização de oficinas e atividades pedagógicas com os movimentos sociais;
2 - Educação popular com: população carcerária, comunidades quilombolas
urbanas;
- Atendimento jurídico a vítimas de violência doméstica e de gênero;
- Grupo de estudos;
3 - Assessoramento jurídico,
- Oficinas político-pedagógicas para educação em direitos humanos e
empoderamento do sujeito político;
- Mobilização junto a movimentos sociais e organizações da sociedade civil
organizada;
- Parceria na mobilização e organização de manifestações populares;
4 - Atividades que envolvem a demanda de Movimentos Sociais Urbanos
(formação política);
- Organização de jornadas de debates sobre moradia digna;
- Construção do Comitê Popular da Copa local;
5 - Construção do Grito dxs Excluídxs junto a grupo da igreja católica;
- Assessoria jurídica e trabalho de base junto às comunidades atingidas por
grandes obras;
- Atividades de formação dentro da universidade sobre direito à cidade e
direito à moradia;
6 - Atividades de mobilização de calouros da universidade para ingresso no
grupo;
- Sessões de cinema, seguidas de debate sobre temas relacionados a opressões;
- Debates sobre assessoria jurídica universitária com a comunidade
universitária;
- Construção de um acervo bibliográfico de obras ligadas às atividades do
grupo, juntamente com um assentamento de reforma agrária;
14
Buscamos manter, o quanto possível, a literalidade das respostas dadas, extraindo apenas as
informações que pudessem prejudicar o anonimato dos respondentes.
7 - Encaminhamento de casos;
- Assessoria Jurídica;
8 - Grupos de debates na universidade e Seminários;
9 - Núcleo de Assistência: Atendimento individual judicial, acompanhamento
processual;
- Núcleo de Assessoria: oficinas em comunidade, produção de materiais,
assessoria jurídica e acompanhamento processual de ação envolvendo
comunidade parceira;
10 - Atividades de pesquisa, ensino e extensão sobre os temas;
- Encontros com os grupos/comunidades, formações internas, eventos dentro
da universidade, revista;
11 - Educação popular em diversas áreas: direitos da criança e do adolescente,
questão agrária e o direito à terra, questão urbana, direito à moradia, direito à
cidade e a um transporte público de qualidade, ocupação urbana,
assentamentos rurais da região, grupos de transexuais e travestis, questão de
gênero e combate às opressões;
- Realização de debates na própria sala de aula, questionando o ensino
jurídico e o direito dogmático distantes da realidade social;
12 - Oficina de apresentação da AJUP na semana do calouro;
- Assessoria a Associação de Moradores;
- Participação do Fórum Socioambiental do Estado;
- Seminário Direito e Gênero;
- Ciclos de palestras na universidade Formação política em assentamentos e
acampamentos;
- Jornada de lutas;
13 - Pesquisas e estudos sobre a lei de ação civil pública, direitos difusos e
coletivos, doutrinas e jurisprudências relacionadas com o tema; bem como
levantamento e análise das ações civis publicas em andamento no TJ do
Estado;
- Elaboração da cartilha de orientações às ONGs;
- Montagem e publicação do site do projeto;
- Organização de palestras;
- Atendimento e prestação de assessoria jurídica à associações e demais
interessados;
14 - Assessoria jurídica com educação popular com grupos locais;
- Formação interna em educação popular, pesquisa-ação e assessoria jurídica
popular;
- Seminários locais na universidade sobre os temas do projeto;
- Pesquisa-ação sobre os temas "partições da cidade", "legitimidade da
ocupação de terras para morar e trabalhar", "usos do direito e práticas no
sistema de justiça contra os movimentos sociais";
- Participação em outros projetos e cursos de extensão da Universidade;
- Apresentação de resumos e artigos em congressos e seminários.
15 - Projeto de extensão em conjunto com o MST, abordando temas como
Direito à Terra e Direito à Reforma Agrária;
- Projeto junto com escola municipal que tenta desenvolver um ensino
jurídico tendo em vista os moldes da educação popular;
- Participação na Frente de Defesa do Restaurante Popular da cidade;
- Elaboração de representação junto ao Ministério Publico Estadual para
apurar as irregularidades na construção de equipamento público;
- Mobilização, em conjunto com comunidades locais, pela reabertura da rádio
comunitária fechada pela ANATEL;
- promoção de semana de estudos em direitos sociais, econômicos e culturais
na Faculdade, para apresentar o núcleo aos estudantes, convidar mais
integrantes para participar de suas atividades e levar militantes de direitos
humanos da cidade para o espaço da Universidade Pública. Tabela 12: Principais atividades desenvolvidas pelas AJUPs
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
De acordo com as respostas da tabela acima, podemos tentar classificar as
atividades realizadas a partir dos seguintes eixos: a) assessoria jurídica popular a
movimentos sociais e grupos comunitários; b) processos de formação do próprio grupo
e direcionadas á comunidade acadêmica; c) atividades de articulação e mobilização
social; d) pesquisa, produção de material impresso e outros. Essa classificação não
corresponde a um tratamento realizado, pelos grupos, dessas atividades realizadas de
modo separado. Em seu cotidiano, essas atividades combinam-se de acordo com os
objetivos que estão sendo buscado e, todas elas, são consideradas atividades de
assessoria jurídica popular.
4.1.1 Atividades de Assessoria Jurídica.
A atividade de assessoria popular realizada pelas AJUPs caracteriza-se,
predominantemente pelo atendimento a demandas coletivas e a grupos sociais já
organizados (como movimentos sociais, fóruns sociais permanentes, comitês populares
ou associações civis) ou ainda em fase de organização (moradores de ocupações urbanas
irregulares, assentados de reforma agrária, pequenos agricultores, mulheres vítimas de
violência, jovens e adolescentes em conflito com a lei, por exemplo).
Tanto as estratégias junto aos poderes públicos para exigibilidade dos direitos
em que atuam, como as práticas de educação popular são comumente entendidas pelas
AJUPs como sendo atividades de assessoria jurídica.
Dentre as AJUPs estudadas, há uma predominância no atendimento a
movimentos sociais urbanos e rurais. O atendimento individual é realizado, comumente,
pelos Núcleos de Prática Jurídica (NPJs) das IES. O fato de haver grupos que realizam
atendimento individual pode indiciar uma aproximação entre os dois tipos de projetos.
Grupos atendidos pela Assessoria Jurídica Número de respostas
Movimentos sociais urbanos 12
Movimentos sociais rurais 9
Organizações civis 6
Atendimento individual 3
Universitários 2
Comunidades 1 Tabela 13: Grupos atendidos pela Assessoria Jurídica
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
4.1.2 Atividades de formação do próprio grupo e direcionados á comunidade
universitária.
Dentre o conjunto de atividades realizadas pelas AJUPs, existem as atividades
de formação teórica e capacitação dos próprios membros, compostas por reuniões de
estudo, encontros nacionais ou regionais de formação e debates abertos aos demais
membros das IES, representantes de movimentos sociais, de órgãos do sistema de
justiça e sociedade civil em geral. Quando perguntadas sobre os principais referenciais
teóricos utilizados para subsidiar suas atividades de extensão, houve um predomínio dos
seguintes autores: Paulo Freire (12), Roberto Lyra Filho (3), Karl Marx (2) e
Boaventura de Sousa Santos (2). São autores que, de modo geral, oferecem os
pressupostos teórico-metodológicos gerais das assessorias: a educação popular como
método e a construção de uma visão dialética e instrumental (para a transformação da
sociedade) do direito. De acordo com a resposta de um dos grupos respondentes:
O Direito caracteriza-se como uma das esferas de atuação da Assessoria
Jurídica Universitária Popular, pois dialoga com este conhecimento de modo
crítico, a fim de utilizá-lo em favor da classe oprimida, como mecanismo
para atenuar as contradições sociais. Tendo como objetivo propor novas
formas de refletir sobre o Direito, através de teorias que propõem uma visão
crítica deste, tais como: pluralismo jurídico, direito alternativo, direito achado
na rua, positivismo de combate, ensino jurídico crítico, etc. O ensino jurídico
proposto pelos projetos de Assessoria Jurídica Popular objetiva, sobretudo,
formar profissionais comprometidos com as transformações estruturais da
sociedade, com o intuito de atender aos interesses das classes oprimidas e
com elas lutar para a efetivação dos direitos já conquistados e a positivação
dos avanços obtidos. Por isso, utilizamos como referenciais teóricos: Karl
Marx, Engels, Roberto Lyra Filho, Antônio Carlos Wolkmer, Boaventura de
Sousa Santos, Evgeni Pachukanis etc. O projeto tem como método a
educação popular, trata-se de um método de alfabetização dialético, e sempre
defendeu o diálogo com as pessoas simples, não só como método, mas como
um modo de ser realmente democrático. Um dos principais referenciais
teóricos é Paulo Freire, que delineou uma Pedagogia da Libertação,
intimamente relacionada com a visão marxista do Terceiro Mundo e das
consideradas classes oprimidas na tentativa de elucidá-las e conscientizá-las
politicamente. Ademais, tal concepção ganhou força por incorporar o
conceito básico de que não existe educação neutra. Segundo a visão de
Freire, todo ato de educação é um ato político, um instrumento para que o ser
humano possa ser sujeito da sua própria história.
Além dos nomes acima, uma diversidade grande de autores aparecem como
referências teóricas aos temas de trabalho dos grupos: movimentos sociais, feminismo,
criminologia, reforma agrária, reforma urbana, direito à cidade, infância e juventude,
questão indígena, advocacia popular e direitos humanos. Dessa forma, há um conjunto
de referências praticamente obrigatórias a todos os grupos, relativas à metodologia de
trabalho e teoria do direito. A maior parte dos nomes que aí se encontram são, ainda,
autores modernos clássicos ou referências nacionais com produção realizada, sobretudo,
nas décadas de 1980 e 1990. Esses autores são utilizados, geralmente, nas atividades de
formação junto aos novos integrantes, a cada ano ou período de renovação dos
integrantes.
É possível perceber que, além de um conjunto de práticas neste eixo
direcionadas ao fortalecimento da assessoria propriamente dita direcionada ao meio
externo à universidade, as AJUPs também se dedicam a realizar atividades nos espaços
acadêmicos e no campo jurídico em geral, com vistas à realização de um projeto de
universidade e ao fortalecimento de compreensão critica15
“do” e “sobre” o Direito.
Com relação ao projeto de universidade, podemos destacar as práticas relativas à
democratização da universidade pública, expressa no envolvimento das AJUPs em
debates como: cotas, marcadores sociais (gênero, raça, classe social) e formas de acesso
às universidades. Já, no que refere ao Direito ou à ciência jurídica, pode-se dizer que a
maior parte dos grupos partem de referenciais que, de modo geral, realizam uma crítica
ao modelo jurídico moderno, de caráter monista, formalista e de matriz liberal.
4.1.3. Atividades de mobilização social
É bastante comum a participação das AJUPs em mobilizações na esfera
pública16
e articulações inter-organizacionais promovidas pela sociedade civil
15
O termo crítica aqui é utilizado em um sentido amplo, buscando abarcar todas as experiências teóricas
do direito que tentam fundamentar as práticas de AJPs ou são construídas a partir dessas experiências. 16
De acordo com Scherer-Warren, 2006, p. 112), “as mobilizações na esfera pública são fruto da
articulação de atores dos movimentos sociais localizados, das ONGs, dos fóruns e redes de redes, mas
buscam transcendê-los por meio de grandes manifestações na praça pública, incluindo a participação de
simpatizantes, com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os
próprios manifestantes (no sentido político-pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma de
organizada, ainda que as temáticas e demandas envolvidas em tais práticas não façam
parte do cotidiano das ações das AJUPs. Essa participação acontece, de modo geral, em
razão da relativa facilidade dos membros das assessorias em trabalharem no formato de
rede de mobilização.
4.1.4. Pesquisa e publicação
A elaboração de cartilhas, estudos técnicos de direito (jurisprudência, análise de
casos, dogmática jurídica e legislação), iniciação científica e dissertações de mestrado
voltadas para os temas de atuação da AJUP, são alguns exemplos de atividades
desenvolvidas pelas AJUPs nesse eixo. Tem sido cada vez mais frequente, também, a
participação em encontros científicos e de extensão universitária com a apresentação de
trabalhos dos membros relativos às atividades. A maioria dos textos acadêmicos em
periódicos científicos, de livros e trabalhos de dissertações e teses sobre o tema da
assessoria jurídica popular que encontramos na revisão bibliográfica realizada para esta
pesquisa foi produzida por acadêmicos que passaram pela experiência de participação
em alguma AJUP ou AP.
4.2 Mapas instrumentais das AJUPs
Apesar da participação de docentes e advogados17
em algumas AJUPs, as
possibilidades concretas para que as AJUPs possam utilizar as mesmas estratégias de
exigibilidade que as APs comumente dispõem, são poucas. A pesquisa realizada por
Gediel et al (2013, p. 57) considerou o sentido de exigibilidade de forma ampliada,
compreendendo todo “processo social, político e legal” que se expressa em ações
interessadas em um duplo efeito para os direitos humanos: “delegação de legitimidade
política e jurídica para a sociedade exigir a efetivação de seus direitos” e “respeito ou
pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo. Alguns exemplos ilustram essa
forma de organização, incluindo vários setores de participantes: a Marcha Nacional pela Reforma
Agrária, de Goiânia a Brasília (maio de 2005), foi organizada por articulações de base como a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), o Grito dos Excluídos e o próprio MST e por outras, transnacionais, como a Via
Campesina”. 17
A maior parte das práticas judiciais são, legalmente, privativas do Advogado. Dessa forma, para que
seja possível à AJUP ingressar com alguma ação processual ou participar de algum processo judicial, é
necessário que haja ao menos um advogado no grupo. Também, o estudo técnico sobre a viabilidade da
judicialização de determinada demanda ou sobre quais os mecanismos processuais estrategicamente mais
interessantes para os atendidos, geralmente, depende de experiência prévia dos discentes em demandas
judiciais ou da orientação de docentes que tenham não apenas a experiência profissional, mas também na
atividade de assessoria jurídica popular.
promoção ativa destes direitos pelo Estado”. Desse modo, a “exigibilidade” abarcaria
tanto os processos sociopolíticos e culturais de formação da opinião pública e
organização coletiva da sociedade (educação popular), como as estratégias para
exigência, defesa e promoção dos direitos perante o sistema de justiça (justiciabilidade).
Considerando essa segunda dimensão da exigibilidade de direitos, a
justiciabilidade, a pesquisa de Gediel et al (2013) identificou o seguinte rol de
mecanismos utilizados pelas APs da amostra estudada: a) justiciabilidade internacional
(acesso aos organismos internacionais de direitos humanos, por meio de denúncias ou
petições) e b) justiciabilidade interna (trabalho jurídico junto ao sistema de justiça
brasileiro), subdividida em b.1) litigância (referente aos elementos das ações judiciais),
b.2) estratégias (elementos da relação entre a via jurídica e política), e b.3) acesso à
justiça (referente à compreensão acerca da atuação do Poder Judiciário).
Pelo rol das atividades das AJUPs acima detalhado, podemos perceber que o
foco principal encontra-se nos mecanismos de exigibilidade mais diretamente
identificados com a formação de opinião e organização da sociedade para que ela
própria possa exigir do Estado a efetivação de direitos. Isso é realizado por meio dos
vários processos, principalmente, de educação popular. Quanto aos mecanismos de
justiciabilidade, podemos dizer que a utilização deles dependerá, em especial, do tempo
de existência da AJUP, do tipo de apoio financeiro e material que recebe da sua IES de
origem e da quantidade e tipo de parcerias que realiza com órgãos do sistema de justiça.
Mas, de todo modo, parece ser raro o uso das estratégias de justiciabilidade interna
(litigância) e isso parece depender, muitas vezes, menos da estrutura disponível nas
AJUPs e mais da própria concepção que os integrantes têm sobre os órgãos do Sistema
de Justiça, em especial, sobre o Judiciário brasileiro, com espaços para se buscar a
efetivação de direitos humanos. A pesquisa realizada por Gediel et al (2013) também
aponta para um baixo índice de litigância das APs entrevistadas. Essa baixa
litigiosidade das APs, de acordo com Gediel et al (2013, p. 67) fortalece a hipótese de
que o aumento na litigiosidade ocorrida na Justiça brasileira nos últimos anos não
significa ampliação do acesso à justiça em sentido restrito. Permanece, ainda, o uso
repetitivo e patológico do judiciário pelos chamados “maiores litigantes” da justiça
brasileira, que favorecem a morosidade da justiça. Além disso, persiste uma cultura da
“morosidade ativa”, ou seja, uma atitude protelatória por parte do Judiciário em casos
de judicialização de temas como reforma agrária, titulação de territórios quilombolas,
demarcação de terras indígenas e casos emblemáticos de direitos humanos.
Pelas respostas obtidas em nossa pesquisa, não identificamos AJUPs que
realizem ou tenham realizado algum tipo de prática de justiciabilidade internacional.
Abaixo, construímos alguns mapas que consideram a localização das AJUPs e os
tipos principais de instrumentos que utilizam para garantir a exigibilidade dos direitos e
interesses envolvidos nas atividades de assessoria jurídica popular. O primeiro
demonstra uma “mancha” na região centro nordeste do país, correspondente aos grupos
que atuam em conjunto com movimentos sociais, em busca da exigibilidade dos
direitos.
Mapa 3: AJUPs que atuam em parceria com os Movimentos Sociais
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
O segundo mapa, abaixo, indica uma concentração na região sudeste sul de
AJUPs que que atuam não apenas com os movimentos populares, mas também
conseguem estabelecer algum tipo de articulação com órgãos do Sistema de Justiça.
Mapa 4: AJUPs que atuam em parceria com órgãos do Sistema de Justiça
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Além das duas manchas acima ilustradas, podemos perceber também a
distribuição quase homogênea das AJUPs (72% das entrevistadas) que reconhecem na
educação popular um importante instrumento para a exigibilidade dos direitos. Esse
dado parece acompanhar a percepção geral que as AJUPs mantêm sobre os princípios
de seus trabalhos: a educação popular contribui com a mobilização e organização
coletiva dos indivíduos destinatários da assessoria popular em busca da efetivação ou
reconhecimento de seus direitos. Além disso, como já ressaltamos anteriormente, a
sistemática falta de apoio formal e/ou material às AJUPs por parte das IES ou de outras
entidades de fomento inviabilizam a ampliação de seus instrumentos de ação. Assim, é
comum que, durante o trabalho de educação popular, as AJUPs encaminhem os
representantes dos grupos atendidos a órgãos do sistema de justiça (Defensoria Pública
ou Ministério Público, por exemplo), ou mesmo a alguma AP para que possam
judicializar a demanda, caso seja esse o caminho.
Mapa 5: AJUPs que realizam Educação Popular em Direitos
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
4.3. Temas de atuação
Com relação aos temas de atuação, agrupamos os dados disponibilizados pelos
respondentes sob os seguintes termos: conciliação e mediação, cooperativas de
catadores de materiais recicláveis e gestão de resíduos sólidos, direito à cidade/reforma
urbana/moradia, direitos humanos, gênero/sexualidade/LGBTTT, infância e juventude,
movimentos estudantis, raça/etnia, sistema carcerário, sistema de justiça e
criminalização dos movimentos sociais, terra/campo/reforma agrária/comunidades
tradicionais, e outros. A maior parte das AJUPs respondentes (53%) atua em 3 ou 4
desses temas acima citados, sendo que poucos grupos chegam a trabalhar com 6 ou 7
temas (13%).
Abaixo, seguem os mapas das AJUPs considerando os seus temas de atuação:
Mapa 6: AJUPs que atuam com a temática da Conciliação e Mediação
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Esses não seriam propriamente temas, mas estratégias ou metodologias de
trabalho. Geralmente elas fazem parte do rol de atividades previstas para os NPJs das
Faculdades de Direito. Isso porque elas passaram a ser consideradas nos instrumentos
de avaliação dos cursos jurídicos elaborados pelo Ministério da Educação e pela Ordem
dos Advogados. Também, porque são metodologias mais comumente empregadas em
conflitos de natureza individual.
Mesmo se considerarmos que algumas AJUPs realizam um trabalho de
mediação e conciliação em um sentido bem amplo, o uso de tais termos é evitado por
elas, geralmente, porque eles correspondem a técnicas específicas, previstas em
legislação específica.
Mapa 7: AJUPs que atuam com a temática cooperativas de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
O processo de organização coletiva e mobilização social dos catadores e
catadoras de materiais recicláveis no Brasil teve seu início, nos final dos anos 1980,
com apoio, sobretudo, de entidades religiosas (pastorais católicas) e grupos de extensão
universitária. Em 1999 surgiu o Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis
(MNCR), que passou a atuar, por meio de pressão social junto ao Legislativo, no
processo de elaboração do projeto de lei que deu origem à Política Nacional dos
Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305, de 2 de Agosto de 2010). Para isso, na época, os
catadores receberam apoio de APs. Após a promulgação desta lei e frente às ameaças de
violação dos direitos por ela afirmados aos catadores e às suas associações ou
cooperativas, inicia-se um processo de aproximação de AJUPs com a temática.
Interessante notar que as AJUPs dedicadas a essa temática estão localizadas,
territorialmente, em locais onde o MNCR tem suas atividades mais fortalecidas e
funcionam as cooperativas pioneiras no processo de organização coletiva dos catadores.
Mapa 8:AJUPs que atuam com as temáticas do Direito à Cidade, Reforma Urbana e Moradia
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Esse é um grupo de temas com maior incidência entre as AJUPs respondentes e
sua distribuição territorial é quase homogênea. Os motivos não estão apenas
relacionados à intensificação dos protestos e formas de organização de movimentos
sociais e populares ligados a temáticas urbanas (que, por si só, já seria explicação
suficiente), mas, também a fatores como: a) a maior identificação dos discentes com as
agendas reivindicatórias dos movimentos urbanos; b) a maior facilidade em se manter
uma atuação frequente e duradoura de assessoria popular junto a espaços urbanos, ainda
que em regiões distantes da sede da Universidade, em relação ao trabalho em áreas
rurais; c) a atual articulação entre reforma urbana e reforma agrária realizada pelos
movimentos sociais, favoreceu que algumas AJUPs, que tradicionalmente trabalhavam
com a temática da reforma agrária, também realizasse esse tipo de articulação; e d) o
histórico de algumas AJUPs pioneiras, que tinham o tema da moradia como principal
motriz de suas ações e reflexões.
Mapa 9: AJUPs que atuam com a temática dos Direitos Humanos
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
De modo geral, podemos dizer que todos os grupos trabalham com temas que, de
um modo ou de outro, podem ser reunidos sob o eixo direitos humanos. Mas, da mesma
forma que acontece com as APs, a ideia de que o tipo de trabalho realizado pelas AJPs
corresponde a uma luta pela efetivação de direitos humanos tem se fortalecido apenas
recentemente e não em todas as AJPs. Isso porque ainda há uma resistência em se
utilizar o discurso sobre os direitos humanos nos projetos e ideários de transformação
social compartilhados por vários dos sujeitos aí envolvidos, em face das inúmeras
ambiguidades que a expressão, historicamente, sugere.
Mapa 10: AJUPs que atuam com as temáticas de Gênero, Sexualidade e LGBTTT
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
As temáticas aqui reunidas aparecem em cinco pontos no mapa, mas a presença
delas junto às AJUPs vem crescendo nos últimos anos, da mesma forma que a atuação
nesses temas vem crescendo, nos últimos anos, junto às APs (GEDIEL et al, 2013). Os
temas aparecem não apenas dentre as atividades de assessoria desenvolvidas, mas
também nas práticas de formação interna dos grupos. O crescimento da visibilidade e
das conquistas dos movimentos feministas e LGBTTTs nos últimos anos, com reflexos
significativos em mudanças legislativas e jurisprudenciais favoráveis aos direitos dos
grupos envolvidos, podem ser elementos de estímulo às AJUPs para que se dediquem a
essas temáticas.
Mapa 11: AJUPs que atuam com a temática da Infância e Juventude
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Somente três AJUPs declararam manter atuação na temática infância e
juventude, todas elas localizadas apenas Norte e Nordeste do país. Já nas APs, o tema é
um dos que apresenta maior incidência, com o foco concentrado no Sudeste, em
especial, na região Metropolitana de São Paulo (GEDIEL et al, 2013).
Mapa 12: AJUPs que atuam com a temática dos Movimentos Estudantis
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Apesar de, comumente, as AJUPs trabalharem em conjunto ou em formato de
rede com vários movimentos estudantis em determinadas atividades (frequentemente os
discentes de AJUPs também participam de algum outro tipo de movimento ou
organização estudantil), apenas um grupo respondente declarou realizar assessoria
jurídica popular a movimentos estudantis. A relação entre os dois tipos de grupos,
possivelmente, é percebida pelos envolvidos como uma relação de parceria para
realização de alguns objetivos em comum, diferentemente da relação estabelecida com
outros movimentos sociais e populares.
Mapa 13: AJUPs que atuam, também, com assistência jurídica tradicional
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Neste mapa, reunimos dois grupos respondentes que declararam realizar algum
tipo de atividade muito próxima à assistência ou assessoria jurídica tradicional, focada
em demandas individuais. Não ficou claro se tal atividade é realizada ou não em
conjunto com o NPJ do curso. Mas a baixa ocorrência desse tipo de atuação no total da
amostra revela que o foco das AJUPs, efetivamente, está direcionado para as demandas
coletivas ou para um tratamento coletivo a demandas que aparecem para os grupos de
forma individualizada.
Mapa 14: AJUPs que atuam com as temáticas de Raça e Etnia
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Duas AJUPs declararam realizar assessoria popular sobre o tema raça-etnia. Essa
baixa incidência pode ser justificada pela pouca proximidade entre os cursos de direito e
os movimentos sociais nessa área, somada à maciça presença de estudantes brancos nas
universidades brasileiras, sem experiência ou contato prévio com tais movimentos. É
importante ressaltar, porém, que as temáticas ligadas a todos os marcadores sociais de
diferenças (gênero, raça, etnia e classe social) são transversais em quase todas as
práticas desenvolvidas pelas AJUPs. Isso pode ser identificado nos documentos
produzidos por elas com propósitos de formação interna ao grupo, de mobilização
estudantil e de educação popular junto aos grupos atendidos.
Mapa 15:AJUPs que atuam com a temática do Sistema Carcerário
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Em geral, os trabalhos das AJUPs no tema sistema carcerário desenvolvem-se
em parcerias com entidades como comissões pastorais católicas, comissões de direitos
humanos e Defensoria Pública. Sem essas parcerias, o trabalho das AJUPs torna-se
bastante difícil nessa área, em face dos próprios obstáculos comumente encontrados
frente à administração penitenciária. As atividades mais recorrentes são direcionadas às
famílias dos presos, auxiliando-as na revisão da situação prisional do penitenciado ou
no acesso às informações sobre seus direitos.
Mapa 16: AJUPs que atuam com as temáticas:Terra, Campo, Reforma Agrária e Comunidades Tradicionais
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
As temáticas ligadas à questão agrária são as mais tradicionais, não apenas nas
APs, mas também nas AJUPs. E, ainda que muitos grupos não atuem diretamente com
movimentos sociais de luta pela terra desenvolvendo a assessoria popular, esses
movimentos, sobretudo o MST, e seus símbolos (bandeiras, hinos etc) fazem parte do
cotidiano das AJUPs. O MST, por exemplo, contribui com as atividades de formação
política e teórica dos discentes e auxilia na organização dos eventos de formação da
RENAJU quando solicitados e as AJUPs. A Escola Nacional Florestan Fernandes, os
espaços coletivos de Assentamentos de Reforma Agrária e, até mesmo, os barracões de
lona das áreas ocupadas pelo movimento sempre foram lugares acolhedores e propícios
para a formação e sensibilização de discentes para atividades de assessoria popular.
Além de todos esses temas destacados nos mapas acima, um dos respondentes,
situado na região Sudeste, informou a “criminalização dos movimentos sociais” como
um dos temas em que o grupo também atua.
4.4 Principais dificuldades das AJUPs
Dividimos as dificuldades enfrentadas pelas AJUPs em três grupos: dificuldades
enfrentadas dentro da IES em que estão sediados, dificuldades com relação às parcerias
e aquelas relativas aos grupos ou demandas atendidos. Nas três situações, os
respondentes poderiam descrever até três elementos.
Com relação às dificuldades enfrentadas pelos grupos dentro das IES para a
execução das atividades, o tema predominante está relacionado ao apoio financeiro. Ela
é apontada pela quase totalidade dos respondentes.
Gráfico 4: Principais dificuldades enfrentadas pelo grupo em relação à Universidade
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Já as dificuldades apontadas pelas AJUPs nas parcerias ou articulações com
órgãos públicos (do sistema de justiça e do Executivo, sobretudo municipal), foram
obtidas 19 respostas, agrupadas por nós em 12 categorias e subdivididas em dois
grupos: fatores atribuídos às AJUPs (internos) e fatores ligados às próprias instituições
(externos):
Tipos Tipo de dificuldade Número
de
respostas
Externos Estabelecimento de articulações de longo prazo por conta do 1
0
2
4
6
8
10
12
14
Articular
pesquisa e
extensão
Apoio
Financeiro e
material
Perfil elitista
dos alunos
Ausência de
docente
orientador
Dificuldades
com os
docentes
orientadores
Escassez de
alunos
Principais dificuldades enfrentadas pelo grupo em relação à Universidade
tumultuado cotidiano destas instituições;
Dificuldade de alguns setores e instituições em compreender a
proposta de atuação das AJUPs
2
Burocracia 3
Conservadorismo das instituições 3
Inércia de alguns órgãos 1
Intransigência de órgãos do Executivo perante as
reivindicações dos movimentos sociais
1
Pouca abertura de algumas das organizações competentes para
a defesa dos direitos humanos na cidade
1
Falta de credibilidade em tais órgãos 1
Internos Forma de inserção (como realizar os primeiros contatos) 1
Limitações do próprio grupo de alunos 2
Falta de recursos financeiros 1
Dificuldade em se obter informações precisas 2 Tabela 14: Principais dificuldades encontradas pelo grupo junto aos órgãos com os quais o grupo se relaciona
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Organizamos da mesma forma que as respostas do quadro anterior as
dificuldades encontradas pelas AJUPs junto as grupos atendidos. Foram 25 elementos
citados, agrupados em 14 tipos de dificuldades:
Tipos Tipos de dificuldades N
Externos Desconfiança da (ou desinteresse pela) proposta do grupo 1
Internos A formação periódica dos membros do projeto 1
Deslocamento até o local onde tais grupos se encontram 3
Falta de compreensão sobre a amplitude do projeto e de sua
composição interdisciplinar
1
Construção do vínculo com os Movimentos Sociais 3
Atrair o interesse dos atendidos e fazê-los entenderem nossa
metodologia.
1
Falta de preparo do próprio grupo em relação ao trabalho com
alguns grupos
1
Forma de aproximação e inserção 4
Realizar de forma concreta e eficaz o trabalho de emancipação
política dos grupos atendidos.
1
Fornecimento de assistência jurídica litigiosa 1
Complexidade dos processos de organização coletiva 4
Incompatibilidades entre o tempo da comunidade e o da
universidade
2
Apoio material da Universidade para o transporte dos alunos até
os grupos atendidos
1
Pouca experiência do grupo 1 Tabela 15: Principais dificuldades encontradas pelo grupo junto aos grupos atendidos pela Assessoria Jurídica
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Interessante perceber a grande diferença entre o número de fatores externos
apontados como dificuldades frente às parcerias com órgãos públicos (8) e com os
grupos atendidos (1). Em alguma medida, esses dados podem apontar para uma
percepção geral as AJUPs sobre os órgãos públicos (pejorativa) e sobre os grupos
atendidos (tendência a interpretar todo o tipo de dificuldade encontrada durante as
práticas de assessoria como decorrente de fatores ligados aos próprios discentes).
Também, podem sinalizar para um potencial de autocrítica bastante intensificado das
AJUPs com relação ao seu trabalho.
4.5 Principais conquistas
Apesar do rol extenso de dificuldades apontadas pelos grupos para que possam
realizar a assessoria jurídica popular, todos os grupos respondentes apontaram ao menos
um tipo de conquista recente obtida por meio do trabalho do grupo. Dividimos as
respostas obtidas em dois grupos: a) as conquistas internas, ligadas ao espaço da IES em
que se encontram e b) as conquistas externas, relativas ao trabalho com os movimentos
sociais e grupos comunitários. Foram apontados os seguintes aspectos pelas AJUPs:
Tipos Principais conquistas do grupo na atividade de assessoria
jurídica
N
Internos Consolidação de um grupo com identificação política e
reconhecimento como tal
3
Institucionalização do projeto de extensão na Universidade 2
Consolidação do projeto enquanto referência em termos de extensão
popular com movimentos sociais na Faculdade
4
Sobreviver 1
Atividades de formação politica, oficinas e debates junto à
comunidade acadêmica
3
Elaboração de cartilhas e material de apoio às atividades 1
Externos Construção de relações de confiança com movimentos sociais 4
Ingresso na RENAJU e organização de encontros regionais 1
Promoção de ações judiciais em favor dos grupos e movimentos
sociais
1
Atividades de formação politica, oficinas e debates junto com
movimentos sociais
3
Conquista de direitos a grupos e movimentos 4
Apoio a comunidades e grupos ameaçados 1 Tabela 16: Principais conquistas do grupo na atividade de assessoria jurídica
Fonte: Dados tabulados pelos autores a partir das respostas às entrevistas
Tanto as tabelas ligadas às dificuldades quanto esta última compreendendo as
conquistas das AJUPs revelam a diversidade de ações realizadas pelos discentes, na
maioria das vezes sem apoio algum de docentes ou da própria IES, e de sujeitos ou
entidades a que se propõem a dialogar ou a realizar trabalhos em conjunto.
Conclusão
As experiências de AJUPs estão multiplicando-se rapidamente no país nos
últimos anos, combinada com a crescente ampliação dos temas de abordagem e
estratégias de atuação.
Boa parte da literatura sobre o tema e dos dados aqui apresentados revelam a
importância das AJUPs na formação de um perfil de profissional do Direito bastante
sensível às lutas sociais de grupos comunitários e movimentos sociais por direitos e pela
democratização do Estado e da sociedade.
Isso não é pouco se considerarmos o modelo de ensino jurídico e de perfil
profissional dos egressos hegemônicos ainda no país. Apesar disso, elas seguem
carentes de apoio formal e material das IES em que atuam ou de algum outro tipo de
entidade/órgão. Com relação ao apoio das IES, muitos grupos entendem até ser
fundamental que haja pouca ou nenhuma institucionalização junto à IES, dado o caráter
de mobilização política estudantil que os grupos assumem.
Quando o tipo de trabalho envolve estratégias de mobilização ou de educação
popular em direitos, o apoio não parece ser decisivo para o trabalho das AJUPs. Mas,
para a realização de atividades junto a órgãos do sistema de justiça ou para a
judicialização de demandas, a falta de apoio parece ser um dos principais desafios a ser
superado.
A questão não é tão simples de ser resolvida. A disponibilidade de apoio está
associada a um acréscimo de exigências aos discentes que, não raras vezes, enfraquece a
autogestão do grupo e o protagonismo estudantil. Por outro lado, a falta de apoio impõe
obstáculos, muitas vezes decisivos, para que a assessoria possa garantir a qualidade e
continuidade dos trabalhos que pretendem realizar.
Considerando, portanto, o próprio uso do direito e do sistema de justiça que os
grupos comunitários e movimentos sociais têm buscado realizar nas últimas décadas,
parece-nos ser fundamental às AJUPs pensarem formatos organizativos que, sem
eliminar o protagonismo estudantil, possam fortalecer suas estratégias jurídicas e
políticas de atuação.
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ANEXOS – Questionários aplicados
Questionário (1) Caracterização das Assessorias Jurídicas Universitárias nas
Universidades Públicas Brasileiras
Esse questionário deve ser preenchido em conjunto pelo grupo. (* Obrigatório)
1. Instituição Universitária: * ______________________________________________
2. Campus: _____________________________________________________________
3. Cidade / UF * _________________________________________________________
4. Endereço ____________________________________________________________
5. Nome do Grupo / Sigla * ________________________________________________
6. Assessoria Jurídica da universidade em questão caracteriza-se formalmente como: *
( ) Extensão
( ) Núcleo de Prática Jurídica
( ) Outro: ______________________________________________________________
7. Indique há quantos meses e/ou anos o grupo existe formalmente: * _______________
8. Indique há quantos meses e/ou anos o grupo realiza atividades: * ________________
9. Indicar o total de docentes que integra o grupo: * _____________________________
10. Indicar o total de alunos que integra o grupo: * _____________________________
11. Há participação no grupo de integrantes de outras áreas de conhecimento além do
Direito? *
( ) Sim
( ) Não
12. Há participação no grupo de integrantes não vinculados à universidade? *
( ) Sim
( ) Não
13. O grupo recebe algum tipo de apoio financeiro da universidade: *
( ) Sim
( ) Não
14. O grupo recebe apoio financeiro externo à universidade? *
( ) Sim
( ) Não
14.1 Se sim, indicar se esse apoio financeiro externo tem origem:
( ) Somente pública
( ) Somente privada
( ) Pública e privada
14.2 Indicar o nome das entidades de fomento: * _______________________________
15. O grupo recebe apoio material (ex.: estrutura física, equipamentos, transporte,
telefonia, material de consumo) de sua universidade? *
( ) Sim
( )Não
15.1 Se sim, especifique que tipo de apoio é concedido:
16. Indicar qual o referencial teórico-metodológico que orienta o trabalho do grupo.
17. Indicar dentre os grupos abaixo quais são atendidos pela Assessoria Jurídica em
questão. *
(Possibilidade de assinalar mais de uma alternativa.)
( ) atendimento individual
( ) movimentos sociais rurais
( ) movimentos sociais urbanos
( ) Associações
( ) Cooperativas
( ) Outro. Indicar: _______________________________________________________
18. Indicar as parcerias (ex.: Ministério Público, Defensorias, Sindicatos, Associações)
feitas pela Assessoria Jurídica em questão para realização de seu trabalho: *
19. Quais os principais temas com que o grupo trabalha? *
20. Descreva as principais atividades desenvolvidas pelo grupo. *
21. Aponte duas das principais dificuldades encontradas pelo grupo para desenvolver o
trabalho no interior da Instituição Universitária. *
22. Aponte duas das principais dificuldades encontradas pelo grupo junto às instituições
e órgãos com os quais o grupo se relaciona. *
(Ministério Público, Defensoria, Judiciário, Secretarias, Escolas, etc.)
23. Aponte duas das principais dificuldades encontradas pelo grupo junto aos grupos
atendidos pela Assessoria Jurídica. *
24. Aponte as duas principais conquistas do grupo enquanto núcleo de assessoria
jurídica. *
25. Explicitar a maneira que foi realizada essa etapa do preenchimento do questionário.*
( ) Por um único membro responsável pelo grupo
( ) Por parte dos integrantes do grupo
( ) Por todos os membros do grupo
( ) Outro. Indicar: _______________________________________________________
(Individual) Caracterização das Assessorias Jurídicas Universitárias nas
Universidades Públicas Brasileiras
Este questionário deverá ser preenchido individualmente por todos os membros da
Assessoria Jurídica em questão. (*Obrigatório)
1. Nome * _____________________________________________________________
(O seu nome será utilizado apenas para controle interno dos dados da pesquisa.)
2. Nome do Grupo/ Sigla * ________________________________________________
3. Universidade * _______________________________________________________
4. Cidade/UF * __________________________________________________________
5. Sexo *
( ) Feminino
( ) Masculino
6. Idade * _______
7. Cor ou Raça *
( ) Branco
( ) Preto
( ) Pardo
( ) Amarelo
( ) Indígena
( ) Não declarar
8. Tem alguma crença ou religião? Se sim, indicar qual. * ________________________
9. Tem alguma filiação partidária? Se sim, indicar qual. * ________________________
Renda Familiar (mensal): *
( ) Até 01 salário mínimo
( ) 01 a 02 salários mínimos
( ) 02 a 05 salários mínimos
( ) 05 a 10 salários mínimos
( ) 10 a 30 salários mínimos
( ) 30 a 50 salários mínimos
( ) Acima de 50 salários mínimos
10. Em que tipo de escola você cursou o ensino fundamental? *
( ) Somente em escola pública.
( )Parte em escola pública e parte em escola particular.
( ) Somente em escola particular.
( ) Somente em escola indígena.
( ) Parte na escola indígena e parte em escola não indígena.
( ) Outro. Indicar ________________________________________________________
11. Em que tipo de escola você cursou o ensino médio? *
( ) Somente em escola pública.
( ) Maior parte em escola pública.
( ) Maior parte em escola particular.
( ) Somente em escola particular.
( ) Somente em escola indígena.
( ) Maior parte em escola não indígena.
( ) Outro. Indicar _______________________________________________________
12. Você trabalha, ou já trabalhou, ganhando algum salário ou rendimento? *
( ) Sim, trabalho atualmente.
( ) Já trabalhei
( ) Nunca trabalhei.
( ) Nunca trabalhei, mas estou procurando emprego.
13. Qual sua relação com a Instituição Universitária em questão? *
( ) Docente
( ) Aluno
( ) Outro. Indicar ________________________________________________________
14. Se for docente da Instituição Universitária em questão, indicar qual área de atuação:
15. Se for docente, indicar a quanto tempo leciona nessa universidade. ______________
16. Se for aluno da Instituição Universitária. Indicar qual curso faz na Instituição
Universitária: ___________________________________________________________
17. Se for Aluno, indicar em qual período (semestre) que se encontra.
( ) 1º ou 2º semestre
( ) 3º ou 4º semestre
( ) 5º ou 6º semestre
( ) 7º ou 8º semestre
( ) 9º ou 10º semestre
( ) Outro. Indicar ________________________________________________________
18. Se for membro externo à universidade, indicar qual área de atuação.
19. Indicar há quanto tempo faz parte da Assessoria Jurídica Universitária. *
( ) Menos de 1 ano
( ) 01 a 03 anos
( ) 03 a 05 anos
( ) 06 a 10 anos
( ) mais de 10 anos