UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
NEOCONSTITUCIONALISMO E A SOFISTICAÇÃO DO DISCURSO DA APLICABILIDADE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS
JEFFERSON AUGUSTO DE PAULA
Itajaí [SC], dezembro de 2008
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
NEOCONSTITUCIONALISMO E A SOFISTICAÇÃO DO DISCURSO DA APLICABILIDADE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS
JEFFERSON AUGUSTO DE PAULA
Dissertação submetida à Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, para obtenção do grau de
Mestre em Ciência Jurídica.
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa
Itajaí [SC], dezembro de 2008
3
“Nas favelas, no senado Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia, na Baixada fluminense
No Mato Grosso, nas Gerais e no Nordeste tudo em paz Na morte eu descanso mas o sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Terceiro Mundo se for Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas Dos nossos índios num leilão.
Que país é esse?”
(Legião Urbana)
4
Agradecimentos:
Agradeço a Deus;
A minha esposa, Michele Grisbach, pelo amor, atenção e
carinho dedicados;
A minha mãe, Marines Mello de Paula, um exemplo de
pessoa;
Ao meu pai, Benedito de Paula um grande advogado;
Ao Coordenador do Curso de Mestrado Prof. Dr. Paulo
Márcio Cruz;
Ao Orientador Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa, um
notável jurista e amigo;
Aos professores do Programa de Mestrado, em especial,
Profs. (as): Daniela Cadermatori, Luiz Henrique Cadermatori, Marcos Leite Garcia,
César Luiz Pasold, Osvaldo Ferreira de Mello e Paulo Tarso Brandão;
Ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, pelos
ensinamentos e por ter me acolhido em sua disciplina na Universidade Federal do
Paraná;
Aos membros da secretaria do curso, Jaqueline, Lucilaine, e
o funcionário Alexandre;
Aos colegas de estudo, Fernando Laélio Coelho, Rogério
Sady Bege, Bárbara Dayana Brasil, Felipe Gobbo, Mauro Ferradin, pela
convivência e experiências compartilhadas;
5
Dedicatória:
Dedico a Deus,
A minha esposa Michele Grisbach, companheira de todas as horas, que soube
compreender a minha ausência para me dedicar aos estudos, e sempre me
apoiou na minha vida.
A minha mãe Marinês Mello de Paula
Mãe é mãe, não se explica, não se justifica, mãe é compromisso, é fidelidade, é
amor incondicional, mãe é o ser mais puro do universo, a quem devemos todo o
respeito e admiração, você sempre fará parte de minhas dedicatórias...
6
Esta Dissertação foi julgada APTA para a obtenção do título de Mestre em Ciência
Jurídica e aprovada, em sua forma final, pela Coordenação do Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI.
Professor Doutor ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Orientador
Professor Doutor PAULO MÁRCIO CRUZ
Coordenador Geral/CPCJ
Apresentada perante a Banca Examinadora Composta pelos
Professores:
Dr. Alexandre Morais da Rosa (UNIVALI) - Presidente
Dr. Mário Luiz Ramidoff (UNICURITIBA) - Membro
Dr. Marco Aurélio Marrafon (UNIBRASIL) – Membro
Itajaí [SC], 04 de dezembro de 2008.
7
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando
a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Programa de
Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e
qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí [SC], dezembro de 2008.
Jefferson Augusto de Paula
Mestrando
8
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................... IX
ABSTRACT............................................................................................................ X
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 01
CAPÍTULO 1 ........................................................................................................ 05
NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUA APLICABILIDADE ................................ 05
1.1 NORMA JURÍDICA E ORDENAMENTO JURÍDICO ..................................... 05
1.2 NORMAS PRINCÍPIOS (CONSTITUCIONAIS) E O RESTO (NORMAS
REGRAS)............................................................................................................. 16
1.3 A DISTINÇÃO ENTRE VIGÊNCIA, VALIDADE, EFETIVIDADE E
APLICABILIDADE ............................................................................................... 25
CAPÍTULO 2 ........................................................................................................ 28
A CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE ACORDO COM
JOSÉ AFONSO DA SILVA.................................................................................. 28
2.1 A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A PARTIR DE
JOSÉ AFONSO DA SILVA....................................................................................28
2.1.1 Normas de Eficácia Plena......................................................................... 31
2.1.2 Normas de Eficácia Contida ..................................................................... 33
2.1.3 Normas de Eficácia Limitada.................................................................... 35
2.2 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS E SUA EFETIVIDADE ............................ 39
2.3 A PREVISÃO DO § 1º DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA . 48
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................ 52
NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO................................52
9
3.1 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO .................. 52
3.1.1 A 1ª edição de 'Constituição Dirigente' de Canotilho ............................ 52
3.1.2 A 2ª edição de 'Constituição Dirigente' de Canotilho ............................ 62
3.1.3 O pensamento de Canotilho no séc. XXI................................................. 70
CAPÍTULO 4 ........................................................................................................ 81
A FORÇA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E A APLICABILIDADE DAS
NORMAS CONSTITUCIONAIS ........................................................................... 81
4.1 O NEOCONSTITUCIONALISMO................................................................... 81
4.2 A EPISTEME GARANTISTA COMO POSSIBILIDADE DA NOVA ORDEM
CONSTITUCIONAL EM 'TERRA BRASILIS' ...................................................... 97
4.3 O IMPÉRIO DA CONSTITUIÇÃO E A SUPERAÇÃO DA TEORIA DAS
NORMAS PROGRAMÁTICAS .......................................................................... 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 106
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 108
10
RESUMO
Esta dissertação tem por objeto a discussão acerca de uma
nova abordagem que deve ser dada a Teoria da Aplicabilidade das Normas
Constitucionais, em especial pelo surgimento do Neoconstitucionalismo. Para
encetar a pesquisa trata-se, no primeiro Capítulo, de apresentar a construção
filosófica e ainda hoje mantida da Teoria da Norma Jurídica e do Ordenamento
Jurídico. Dedica-se o segundo Capítulo a abordar a Teoria de José Afonso da
Silva sobre a Aplicabilidade das Normas Constitucionais criada em 1967 e mantida
até hoje em sua 7ª edição, destacando-se a classificação dele de normas de
eficácia plena, contida e limitada. No terceiro Capítulo, abordam-se as normas
programáticas a partir de José Joaquim Gomes Canotilho desde a 1ª edição de
sua obra ‘Constituição Dirigente e a Vinculação do Legislador’, e após, com sua
virada de pensamento, quando do lançamento da 2ª edição, e por fim, os
trabalhos recentes do autor português, quando fica demonstrado que ele abdicou
de sua teoria. No quarto e último Capítulo, faz-se referência ao surgimento do
Neoconstitucionalismo, e algumas outras teorias importantes para o Direito
Constitucional, como a teoria garantista de Luigi Ferrajoli, fechando o capítulo,
demonstrando a importância da Constituição da República para aplicação e
interpretação do direito brasileiro. As Considerações Finais trazem em seu bojo a
importância de se valorizar a Constituição da República em razão de que nelas
estão os valores e princípios de um povo.
Palavras-chaves: Aplicabilidade, Constituição Federal,
Garantismo, Neoconstitucionalismo.
11
ABSTRACT
The present essay has the objective to discuss about the new
approaching that must be given to the Theory of the Applicability of the
Constitutional rules, especially due to the appearing of the new constitutionalism.
To start this research, in the first chapter, to present the philosophical construction
and existing until today the Theory of the Rule of Law and the Legal System.
The second chapter is dedicated to approach the Jose
Alfonso da Silva's Theory on the Applicability of the Constitutional rules created in
1967, which exists until today in his 7th edition, and is being distinguished
nowadays as his classification of full effectiveness, contained and limited rules.
In the third Chapter, is shown the programming rules from
Jose Joaquin Gomes Canotilho since the 1st edition of his work "Leading
Constitution and the Entailing of Legislator", are approached and, even after his
turn of thought, when the 2nd edition came out, and finally, the recent works of the
Portuguese author, when it is demonstrated that he abdicated of his theory.
In the 4th and last Chapter, it is referred to the sprouting of
the new constitutionalism, and some other important theories for the Constitutional
law, as the guarantee theory of Luigi Ferrajoli, closing the chapter, demonstrating
the importance of the Federal Constitution for application and interpretation of the
Brazilian laws. The Final considerations bring in their midst the importance of
developing the value of the Federal Constitution because in it, lies the values and
principles of a nation.
Key-Words: Applicability, Federal Constitution, Guarantor,
New Constitutional.
1
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como objeto1 a análise da
Aplicabilidade das Normas Constitucionais procurando demonstrar que uma teoria
por mais perfeita que possa aparecer, nunca pode ser estática quando tem como
tema o direito.
Falar em direito pressupõe um movimento dinâmico sobre
suas fórmulas e seus conteúdos, pois, os tempos mudam e com eles mudam
também as concepções e valores do homem, sobre o que deve ser regulado pelo
direito.
Esta dissertação foi produzida no Programa de Mestrado em
Ciência Jurídica do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica-
CPCJ/UNIVALI, na área de Concentração Fundamentos do Direito Positivo, Linha
de Pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional, junto ao Projeto de
Pesquisa Fundamentos Teóricos Contemporâneos dos Princípios e Garantias
Constitucionais, e o objetivo institucional é a obtenção do Título de Mestre em
Ciência Jurídica pelo referido Programa de Mestrado.
O objetivo geral é o estudo do surgimento de Teorias
Constitucionais como o Garantismo e o Neoconstitucionalismo que passam a ser
ferramentas para a aplicabilidade das normas da Constituição da República.
Os objetivos específicos serão distribuídos da seguinte
forma: no primeiro capítulo discorrer-se-á sobre as normas constitucionais e sua
1 Nesta introdução, cumpre-se as orientações metodológicas previstas em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8ª ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 170.
2
aplicabilidade, onde tratar-se-à das normas jurídicas e do ordenamento jurídico.
Sobre a norma jurídica, procurar-se-á demonstrar qual é a diferença da norma
jurídica para os demais tipos de normas, e após, delimitá-la, demonstrar-se-á
como se compõe um ordenamento jurídico.
Ainda sobre as normas, apresentar-se-á um tema que foi
muito discutido e ainda hoje merece atenção, que é a diferença existente das
normas princípios e das normas regras.
Aproveitando esta discussão, discorrer-se-á também ainda
no primeiro capítulo, sobre a diferença entre validade, vigência, eficácia e
aplicabilidade;
No segundo capítulo: apresentar-se-á, a teoria da
‘Aplicabilidade das Normas Constitucionais’ formulada por José Afonso da Silva, e
que ainda hoje é muito aplicada, inclusive em Tribunais Superiores.
Sobre este teoria, tratar-se-á das normas chamadas de
eficácia plena, contida e limitada, e nesta ultima, trataremos especialmente as
normas programáticas e sua aplicabilidade segundo o referido autor.
Procurar-se-á demonstrar o alcance do § 1º do art. 5º da
Constituição, em razão da afirmação que o referido parágrafo faz da aplicabilidade
imediata das normas de direitos fundamentais, tentando estendê-lo a todas as
normas constitucionais;
No terceiro capítulo: demonstrar-se-á a relevância dos
estudos do professor português José Joaquim Gomes Canotilho, quando da
publicação de sua obra clássica ‘Constituição Dirigente e Vinculação do
Legislador’, e depois, com o lançamento da sua 2ª edição, onde muitos autores
interpretaram que Canotilho teria dito que a sua Constituição Dirigente estaria
morta, o que lhe rendeu o apelido de Canotilho II.
Mas a discussão sobre os trabalhos do professor português
3
prosseguem ainda no mesmo capítulo, onde se apresentará textos novos do autor,
demonstrando um novo olhar sobre o tema, agora já mais liberal do que seu
pensamento anterior.
No quarto capítulo: discutir-se-á o avanço da Constituição,
com o surgimento do movimento neoconstitucionalista, que vem como uma teoria
de revigoramento e de uma crítica ao modelo positivo das normas constitucionais.
Demonstraremos também a existência de outras correntes,
como a teoria garantista, que lapidada por Luigi Ferrajoli, acabou sendo muito bem
acatada em terras brasilis, em especial, pela corrente do direito alternativo, que a
modelaram para viabilizar sua aplicação junto aos Tribunais de nosso país.
Por fim, será discutida a relevância que o texto constitucional
possui neste novo milênio, como instrumento de garantia as pessoas, frente à
omissão dos Estados nacionais e internacionais.
O tema surge da preocupação com a inaplicabilidade das
normas constitucionais, principalmente pelo Poder Judiciário que usando teorias e
correntes não mais apropriadas, acabam por esvaziar de conteúdo e ilogicidade a
Constituição da República, quando na verdade, existem teorias modernas e
adequadas que dão conta do problema hermenêutico do texto Constitucional.
O presente trabalho tem como fundamento aprofundar os
conhecimentos sobre as Teorias de Aplicabilidade das Normas Constitucionais
nestes novos tempos pós-modernos.
Assim, diante dos objetivos traçados, foram levantadas as
seguintes hipóteses:
a) Os Direitos previstos na Constituição da República são
valores e princípios de um povo, e como tal, merecem o respeito necessário;
b) Com a promulgação da CRFB/88, os Direitos
Fundamentais e neles incluídos os Direitos Sociais passaram a ter proteção
4
constitucional, atribuindo-se-lhes fundamentabilidade formal e material;
c) Os Direitos Fundamentais possuem um caráter prima facie
de princípios;
d) A Teoria de José Afonso da Silva não se sustenta mais,
em face de que hoje vigora a máxima da prevalência das Normas Constitucionais,
em especial, a máxima de que uma lei só é válida se o seu conteúdo também
respeitar o texto Constitucional;
e) O garantismo – respeitando seus limites – é uma teoria
que serve para valorizar a aplicabilidade da Constituição;
f) O presente estudo se encerrará com as considerações
finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da
estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o
Neoconstitucionalismo como teoria de superação da inaplicabilidade das normas
constitucionais programáticas.
Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase
de Investigação, utilizar-se-á o método indutivo2, na fase de tratamento de dados o
método cartesiano; e o relatório dos resultados, expresso na presente dissertação,
é composto na base lógica indutiva3. Nas diversas fases da pesquisa, foram
acionadas as técnicas do referente e da pesquisa bibliográfica.
2 Forma de “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. p. 87.
3 Sobre os Métodos e Técnicas nas diversas Fases da Pesquisa Científica, vide: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. p. 86-106.
5
CAPÍTULO 1
NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUA APLICABILIDADE
1.1 NORMA JURÍDICA E ORDENAMENTO JURÍDICO
O papel e a função do Direito no contexto democrático atual
não podem se perder em breves e frágeis divagações sobre contextos históricos,
justamente porque este trabalho procura se focar num ponto muito preciso: o
impacto do discurso neoconstitucionalista no campo da aplicação das normas
constitucionais, em especial, no discurso da (não) auto-aplicabilidade, buscando a
superação deste discurso. De qualquer forma, sabe-se que o Direito proporciona o
estabelecimento de normas de convivência, não só em relação aos privados,
naquilo que hoje se denomina de eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais,
como também, e especialmente, no campo das relações verticais entre os sujeitos
e o Estado. Neste contexto, pois, a Constituição assume um papel de
protagonismo na definição da cartografia democrática a ser implementada4.
De qualquer forma, cabe destacar que a Revolução Francesa
foi o marco divisório a partir do qual os direitos e garantias individuais passaram a
ser o fator preponderante da legitimidade do uso do poder pelo Estado.
Atualmente, o discurso liberal encontra-se no dilema democrático entre o eixo do
sujeito e o do coletivo, consoante se verifica nas novas perspectivas totalitárias
pós 11 de setembro. Por isto, o direito deve ser visto, cada vez mais, como um
instrumento de garantia.5
4 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
5 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley de más débil. Trad. Perfecto Andres Ibanez y Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 1999.
6
O direito, assim, é um complexo de normas jurídicas
(ordenamento), capaz de criar, modificar e extinguir deveres e obrigações entre
particulares ou com entes públicos, sem prejuízo de se acolher um certo
pluralismo6. Com esta limitação, pois, passa-se, então, a discorrer como se
organiza e se aplica a norma jurídica, de cariz constitucional.
Para se viver em sociedade, como visto acima,
‘dependemos’ de regula(menta)ção, e quem desempenha este papel é a norma
jurídica. Mas, o que é uma norma jurídica? É uma obrigação prevista (expressa)
em uma lei, que tem por objetivo regular um fato da vida, que interessa para o
direito, sendo isto, uma das tantas diferenças das demais normas (moral,
social/ética, religiosa, etc.).
Um jurista que tratou bem da difícil missão de diferenciar a
norma jurídica das demais normas foi Norberto Bobbio, em sua obra “Teoria da
Norma Jurídica”7.
Para este autor, “o melhor modo para aproximar-se da
experiência jurídica e aprender seus traços característicos é considerar o direito
como um conjunto de normas, ou regras de conduta”8. Acresce o autor ainda:
“Acreditamos ser livres, mas na realidade, estamos envoltos em uma rede muito
espessa de regras de conduta”.9
Para Bobbio, vivemos num mundo de normatizações10, e as
“normas jurídicas (...) não passam de uma parte da experiência normativa11”. Este
autor citando ROMANO, diz que, os elementos constitutivos do conceito de direito
6 Neste trabalho, ainda que reconhecida a existência do denominado “pluralismo jurídico”, a abordagem será interna ao ordenamento jurídico. Ver: WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1997.
7 Título Original: Teoria della norma giuridica (G. Giappichelli Editore, Torino, 1993).
8 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru, SP: EDIPRO, 3ª ed, 2005, p. 23.
9 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 23.
10 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 24.
11 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 25.
7
são três: sociedade, ordem e organização, e a “sociedade ordenada e organizada
é aquilo que Romano chama de instituição”12, porém, Bobbio, faz uma crítica a
esta concepção, dizendo que: “a produção de regras é sempre o fenômeno
originário (...) para a constituição de uma instituição”13, em outras palavras, as
normas vem antes da organização, e arremata Bobbio: “..., o direito não é norma,
mas conjunto coordenado de normas (...) uma norma jurídica não se encontra
nunca sozinha, mas é ligada a outras normas com as quais forma um sistema
normativo”.14
Uma das facetas que faz uma norma ser jurídica é o fato da
mesma pertencer a um ordenamento jurídico, e isto é dito por Bobbio:
“O problema da caracterização do direito não reside sobre o plano
da relação; se encontra somente sobre o plano das normas que
regulam a relação (...) nós não diríamos que uma norma é jurídica
porque regula uma relação jurídica, mas sim que uma relação é
jurídica porque é regulada por uma norma jurídica. Não existe, na
natureza, ou melhor, no campo das relações humanas, uma
relação que seja por si mesma, isto é, ratione materiae, jurídica: há
relações econômicas, sociais, morais, culturais, religiosas, há
relações de amizade, indiferença, inimizade, há relações de
coordenação, de subordinação, de integração. Mas nenhuma
dessas relações é naturalmente jurídica. Relação jurídica é aquela
que, qualquer que seja o seu conteúdo, é tomada em
consideração por uma norma jurídica, é subsumida por um
ordenamento jurídico, é qualificada por uma ou mais normas
pertencentes a um ordenamento jurídico.”15
Logo, uma primeira distinção entre a norma jurídica e os
outros tipos de normas é que as normas jurídicas regulam relações jurídicas, ou
seja, criam, modificam ou extinguem direitos. É importante não esquecer que
12 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 29.
13 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 37.
14 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 37.
15 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 43.
8
quando Bobbio desenvolve sua idéia de norma jurídica, o faz sob uma perspectiva
formal16, assim, como Kelsen o fez em sua ‘Teoria Pura do Direito’17.
Bobbio percebe porém, que buscar a distinção das normas
jurídicas das demais normas, apenas pelo critério formal, é uma tarefa ‘destinada
ao fracasso’18, e com isto tenta analisar outros critérios capazes de solucionar o
problema, chegando a apresentar “Um novo critério: a resposta a violação da
norma”19.
Bobbio procura construir sua teoria, assim, demonstrando
que a norma jurídica é uma proposição20 prescritiva21, mas, o autor apresenta
duas significantes ressalvas sobre esta afirmação, a primeira, é a de que: “Quando
defino uma proposição como um conjunto de palavras que possuem um
significado em sua unidade, entendo excluir do uso deste termo conjuntos de
palavras sem significado22”, e a segunda ressalva, é que:
“Quando dizemos que uma norma jurídica é uma proposição,
queremos dizer que é um conjunto de palavras que têm um
significado. Com base no que dissemos acima, a mesma
proposição pode ser formulada com enunciados diversos. O que
interessa ao jurista, quando interpreta uma lei, é o seu
significado”.23
16 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 69.
17 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
18 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 147.
19 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 152.
20 Para ele, proposição é “um conjunto de palavras que possuem um significado em sua unidade”. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 73.
21 Quanto ao segundo elemento a prescrição, Bobbio procura explicar assim: “(...), a função prescritiva, própria da linguagem normativa, consiste em dar comandos, conselhos, recomendações, advertências, influenciar o comportamento alheio e modificá-lo, em suma, no fazer fazer”. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica, p. 78. Ainda: “A linguagem prescritiva é a que tem maiores pretensões, porque tende a modificar o comportamento alheio”. (p.79).
22 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 74.
23 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 74.
9
Com o objetivo de justificar o porquê a função prescritiva se
adequa melhor a norma jurídica, o autor procura apresentar as diferenças com a
proposição descritiva, dizendo sobre três modos:
Quanto à função, a proposição descritiva informa, enquanto
que a proposição prescritiva modifica o comportamento alheio. Quanto ao
destinatário, à proposição descritiva em regra faz com que o receptor creia na
veracidade da proposição, enquanto que na proposição prescritiva, ele receptor
apenas executa.
Mas, o que chama a atenção de Bobbio, e que para ele
realmente distingue as proposições é o critério de valoração. Vejamos sua
explicação:
“Sobre as proposições descritivas, pode-se dizer que são
verdadeiras ou falsas; sobre as prescritivas, não. As proposições
prescritivas não são nem verdadeiras nem falsas, no sentido em
que não estão sujeitas à valoração de verdade ou falsidade. (...)
Verdade e falsidade não são atributos das proposições
prescritivas, mas somente das descritivas (...).”24
O ponto nevrálgico da distinção de uma norma jurídica de
outros tipos de normas é a existência de uma sanção. Como se defende no
imaginário social, em razão do pacto social, o Estado é o único legitimado a usar
da força (violência) física – se necessário e em último caso é claro - para impor a
ordem/paz (o direito). Sendo assim, a sanção é a punição dada ao agente pelo
seu descumprimento a uma ordem estatal, que muitas vezes ocorre, pelo simples
descumprimento de uma norma jurídica. É importante destacar, que existem
normas jurídicas que são apenas declaratórias, e estas normas não interessam
para o presente trabalho.
Para Bobbio:
24 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 81.
10
“ordenar implica sempre a ameaça de uma sanção; em outras
palavras, a força do comando, o que o torna um conjunto de
palavras significantes cuja função é modificar o comportamento
alheio, reside nas conseqüências desagradáveis que o destinatário
deve esperar de sua inexecução”25.
Esta afirmação fica mais visível, quando lidamos com o
direito penal, que possui seus preceitos secundários nos tipos penais, mas não
nos percebemos que – praticamente - toda norma possui - direta ou indiretamente
- uma sanção pelo seu não cumprimento.
Este é o traço distintivo e marcante da norma jurídica, a
obrigatoriedade de seu cumprimento. Quando não se cumpre uma norma moral,
sabe-se que é possível a existência de conseqüências, mas, em todos os casos, o
agente pode mensurar o alcance destas conseqüências, e optar pelo não
cumprimento da norma, ou seja, a obrigatoriedade não lhe é exigida. Muitos fatos
são legais, mas imorais, e vice-versa.
Bobbio afirma que “só o direito obriga; a moral se limita a
aconselhar, a dar recomendações que deixam o indivíduo livre (isto é, apenas ele
responsável) de segui-las ou não”26, e complementa o autor:
“..., os imperativos (ou comandos) são aquelas prescrições que
têm maior força vinculante. Esta maior força vinculante se exprime
dizendo que o comportamento previsto pelo imperativo é
obrigatório, ou, em outras palavras, o imperativo gera uma
obrigação à pessoa a quem se dirige. Imperativo e obrigação são
dois termos correlativos: onde existe um, existe o outro.”27
O referido autor tratando das teorias restritivas, que
entendem que a norma jurídica não é prescritiva, demonstra a seu ver, a
25 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 83.
26 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 79.
27 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 96.
11
inexatidão daqueles que apontam a teoria de Hans Kelsen, como uma teoria
negativista, pois, inclusive Kelsen, apresentava-se como um negativista, vejamos:
“Se o proprium da norma jurídica é, como dissemos até agora,
pertencer à categoria das proposições prescritivas, a teoria de
Kelsen, para quem a norma jurídica se converte em juízo
hipotético, não é uma teoria contrária à tese da norma jurídica
como prescrição, porque o juízo em que se expressa a norma é
sempre um juízo hipotético prescritivo e não descritivo, isto é, um
juízo que na sua segunda parte contém uma prescrição (“... deve
ser B”). Em suma, a teoria antimperativista de Kelsen não pode ser
considerada uma teoria negativa no sentido em que, negando às
normas jurídicas a qualificação das prescrições, faz delas
asserções, mas só no sentido limitado, e para a tese sustentada
até aqui irrelevante, que faz delas prescrições distintas das morais,
mas sempre, prescrições, e isto é o que mais importa até o fim da
nossa investigação”.28
Bobbio, prosseguindo a apresentação sobre a existência de
teorias negativistas, aponta outro vertente da teoria antimperativista segundo a
qual as normas jurídicas são juízos de valoração. Para esta corrente formada por
autores italianos como Perassi e Giuliano, as normas jurídicas são “cânones que
valoram uma conduta do indivíduo na vida em sociedade (T. Perassi, Introduzione
alle scienze giuridiche [Introdução às Ciências Jurídicas], Pádua, Cedam, 1953, p.
31)29”, sendo ainda, “juízos sobre o comportamento (e sobre a conduta) de
determinados cidadãos diante da (ou dependentemente da) verificação de
determinadas situações, de determinados eventos, mas genericamente de
determinados fatos (M. Giuliano, I diritti e gli obbligui degli stati [Os direitos e as
Obrigações do Estado], I, Pádua, Cedam, 1956, p. 8)30”.
Porém, alerta Bobbio, que se equivocam estes autores, a
não reconhecerem nestas teorias a existência da função prescritiva, pois, para ele:
28 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 139. 29 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 140. 30 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 140.
12
“Quando os autores acima lembrados dizem que a norma é a
valoração de certos fatos, querem dizer que a norma jurídica
qualifica certos fatos como jurídicos, isto é, coliga a certos fatos
conseqüências, chamadas de conseqüências jurídicas (...) A mais
importante e mais freqüente destas conseqüências jurídicas é o
surgimento de uma obrigação (...) o fato é a condição para o
surgimento de uma obrigação. Mas a obrigação reenvia para uma
prescrição. Por isso, dizer que certos fatos têm certas
conseqüências jurídicas significa reconhecer que certos
comportamentos, mais do que outros, são obrigatórios enquanto
são prescritos”.31
Analisando esta teoria de forma inversa, nota-se que a
prescrição da norma surge da obrigação desta, e a obrigação é a conseqüência
jurídica do fato valorado, logo, os fatos são o núcleo da norma, e possuem vinculo
direto com a prescrição, que nada mais é do que obrigar o cidadão a cumprir a
norma. Concluindo, esta teoria também não retira a função prescritiva da norma.
A norma jurídica é uma proposição prescritiva, com a
sanção como elemento de cumprimento da norma, em razão de sua
obrigatoriedade, pois, para Bobbio a “tarefa de uma norma não é a de descrever
as conseqüências que derivam de certos fatos, mas de colocá-las em ação”.32
Quando o agente pratica seus atos de acordo com o que
dispõe a norma, ele esta praticando como deve ser, mas, na prática o ideário
social, nem sempre corresponde com a realidade (o que é), e isto é notado por
Bobbio, quando diz:
“Uma norma prescreve o que deve ser. Mas aquilo que deve ser
não corresponde sempre com o que é. Se a ação real não
corresponde à ação prescrita, afirma-se que a norma foi violada. É
31 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 141. 32 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 142.
13
da natureza de toda prescrição ser violada, enquanto exprime não
o que é, mas o que deve ser. À violação, dá-se o nome de ilícito.”33
A possibilidade de se praticar o ilícito - não importando em
qual seara -, é um fator marcante da norma jurídica, o que a distingue da norma
científica, pois, nesta não se admite exceções, enquanto naquela (norma jurídica),
as exceções (descumprimento da norma) são partes integrantes do sistema, pois,
caso contrário, não teria validade alguma à sanção34.
Ronald Dworkin, explicando a definição de obrigação jurídica
para John Austin, diz que “temos uma obrigação jurídica se nos encontramos
entre os destinatários de alguma ordem de caráter geral do soberano e se
corremos o risco de sofrer uma sanção caso não a obedeçamos”.35
Já para Bobbio, a sanção é a resposta à violação36:
“A ação que é cumprida sobre a conduta não conforme para anulá-
la, ou pelo menos para eliminar suas conseqüências danosas, é
precisamente aquilo que se chama de sanção. A sanção pode ser
definida, por este ponto de vista, como o expediente através do
qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da
erosão das ações contrárias; é, portanto, uma conseqüência do
fato de que em um sistema normativo, diferentemente do que
ocorre em um sistema científico, os princípios dominam os fatos,
ao invés dos fatos os princípios”.37
Para ele, o que diferencia estes dois sistemas, é que no
sistema científico, prevalece o critério da verificação empírica, enquanto que no
sistema normativo, é o princípio da autoridade.
33 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 152. 34 “Em um sistema científico, no caso em que os fatos desmintam uma lei, nos orientamos no sentido da modificação da lei; em um sistema normativo, no caso em que a ação que deveria ocorrer não ocorre, nos orientamos sobretudo no sentido de modificar a ação e salvar a norma”. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 153. 35 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. Martins Fontes. São Paulo: 2002, p. 29. 36 Este é o novo critério criado por Bobbio, quando abdica os critérios apresentados por outros autores. 37 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 153
14
Falar que o critério que diferencia a norma jurídica das
demais é a sanção, caí num grande problema, qual seja, existem outras normas
(moral, social/ética, religiosa), que também possuem sanção.
Por exemplo, quando o agente pratica um fato grave, que
atente contra os dogmas da igreja, a pena para ele, pode ser a excomungação da
igreja, ou seja, a proibição de freqüentar as atividades religiosas, bem como, os
representantes daquela instituição, não consideram mais aquela pessoa como um
membro.
Bobbio explicando esta distinção diz: “Afirma-se que são
morais aquelas normas cuja sanção é puramente interior”. E prossegue no seu
intento: “A única conseqüência desagradável da violação de uma norma moral
seria o sentimento de culpa, um estado de incômodo, de perturbação, às vezes de
angustia, que se diz, na linguagem da ética, “remorso” ou “arrependimento”.”38
Para ele, a sanção interior, é ineficaz muitas vezes, pois, só
tem efeito naqueles destinatários “capazes de provar satisfação e insatisfação
íntimas”39, e na prática são estes que respeitam as normas morais, logo, quase
não haverá aplicação de sanção.
Diferente da sanção interna, o autor trata da sanção social40,
que se expressa de forma externa, ou seja, pelo modo como reagem as pessoas
daquele convívio social. A crítica apresentada a esta sanção, é a falta de
previsibilidade (ausência de regulação) de qual será a sanção aplicada para cada
fato, pois, a norma social é pré-disposta a todos, mas suas punições não.
Para Bobbio, “... a resposta pode ser desproporcional à
gravidade da violação (...) pode-se dizer que os defeitos da sanção social são
representados pela incerteza do seu êxito, pela inconstância da sua aplicação e
38 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 155. 39 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 156. 40 Que pode ser compreendida como a ética.
15
pela falta de medida na relação entre violação e resposta”.41 Pois, o problema
deste tipo de sanção, é que na maioria das vezes, o grupo social não é
institucionalizado, e para o autor “um grupo se organiza quando passa da fase da
sanção incontrolada à da sanção controlada. E usualmente denomina-se grupo
jurídico, ordenamento jurídico, com uma palavra forte como “instituição”, um grupo
com sanção institucionalizada”.42
Neste compasso, a sanção jurídica, vem, para evitar a
escassa eficácia da sanção interna e a falta de proporção da punição na sanção
externa, diferenciando-se também da moral, por ser externa sua sanção e da
social por ser institucionalizada. Nas palavras do autor, “Trata-se das normas cuja
violação tem por conseqüência uma resposta externa e institucionalizada”43, e esta
é uma marca distintiva da norma jurídica.
O ordenamento jurídico neste viés é a criação pelos grupos
sociais de sanções institucionalizadas, em outras palavras, quando se criam
sanções institucionalizadas, esta se construindo um ordenamento jurídico.
Dworkin tratando do positivismo jurídico a partir de Austin e
Hart apresenta a crítica deste último àquele quando trata da obrigação do
cumprimento da regra:
“Austin havia dito que toda regra é uma ordem de caráter geral e
que um individuo está submetido a uma regra se ele for passível
de penalidade caso a desobedeça. Hart assinala que isso oblitera
a distinção entre ser compelido (being obliged) a fazer alguma
coisa e ser obrigado (being obligated) a fazê-lo. Se alguém está
submetido a uma regra, não está simplesmente compelido, mas
obrigado a fazer o que a regra determina. Portanto, estar
submetido a uma regra deve ser diferente de estar sujeito a um
dano, caso se desobedeça a uma ordem. Entre outras coisas, uma
regra difere de uma ordem por ser normativa, por estabelecer um
41 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 159. 42 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 159. 43 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 160.
16
padrão de comportamento que se impõe aos que a ela estão
submetidos, para além da ameaça que pode garantir sua
aplicação. Uma regra nunca pode ser obrigatória somente porque
um indivíduo dotado de força física quer que seja assim. Ela deve
ter autoridade para promulgar essa regra ou não se tratará de uma
regra; tal autoridade somente pode derivar de outra regra que já é
obrigatória para aqueles aos quais ele se dirige. Essa é a diferença
entre uma lei válida e as ordens de um pistoleiro”.44
Na concepção de Hart, uma regra é jurídica por dois
motivos: o primeiro é o fato de advir de uma autoridade com competência para
criá-la; e, o segundo é o dever de cumprir a regra, ou seja, estar obrigado45.
Por fim, Bobbio conclui sua distinção dizendo que “o caráter
das normas jurídicas está no fato de serem normas, em confronto com as morais e
sociais, com eficácia reforçada” (máximo de eficácia)46, e que mesmo assim a
realidade social faz com que umas tenham mais ou menos aceitação, e deixa
claro que seu objetivo é apresentar esquemas de classificação, e não definições
de essências puras.47
1.2 NORMAS PRINCÍPIOS (CONSTITUCIONAIS) E NORMAS REGRAS (INFRA-
CONSTITUCIONAIS)
“A diferença entre princípios jurídicos e regras
jurídicas é de natureza lógica” (Dworkin)
Não é possível falar em normas (no caso constitucionais),
sem preceder um estudo para demonstrar a existência – doutrinária e prática - de
uma divisão entre normas-regras e normas-princípios.
44 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 32. 45 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 33. 46 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 161 47 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 162
17
Sendo assim, já é possível deduzir que a doutrina48 (Alexy)
aponta a regra e os princípios como espécies do gênero norma.
Sobre a validade desta distinção, Robert Alexy discorrendo
sobre o estudo da norma – em especial de direito fundamental - diz:
“Esta distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito
dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de
problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem
ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições
a direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre
colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos
fundamentais no sistema jurídico. Essa distinção constitui um
elemento fundamental não somente da dogmática dos direitos de
liberdade e igualdade, mas também dos direitos a proteção, a
organização e procedimento e a prestações em sentido estrito.
Com sua ajuda, problemas como os efeitos dos direitos
fundamentais perante terceiros e a repartição de competências
entre tribunal constitucional e parlamento podem ser mais bem
esclarecidos. A distinção entre regras e princípios constitui, além
disso, a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos
fundamentais e, com isso, um ponto de partida para a resposta à
pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no
âmbito dos direitos fundamentais. Nesse sentido, a distinção entre
regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da teoria
dos direitos fundamentais”.49
48 “Já se torna cada vez mais difundido entre nós esse avanço fundamental da teoria do direito contemporânea, que, em uma fase “pós-positivista” (GUERRA FILHO, 1996; BONAVIDES, 1977, p. 247), com a superação dialética a antítese entre o positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade”. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª edição. Celso Bastos: São Paulo. 2001. p. 52-53.
49 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros: São Paulo. 2008. p. 85.
18
Autores nacionais como Guerra Filho50 entre outros51
atestam que quem apresentou primeiramente esta distinção entre normas-regras e
normas-princípios, foi Ronald Dworkin, no seu ensaio intitulado ‘Levando os
direitos a sério’52.
Nesta obra Dworkin explica - sob sua ótica e tradição do
commow law - o surgimento do ‘positivismo jurídico’ através de John Austin (The
Province of Jurisprudence Determined, 1832), e sua reformulação – com as
devidas correções – feitas por H. L. A. Hart (The Concept of Law, 1961).
Na análise de J. Austin (segundo Dworkin), “o direito é um
conjunto de regras especialmente selecionadas para reger a ordem pública”.53
Esta afirmação, peca pela sua simplicidade, o que obriga Dworkin a criticar Austin,
fazendo duas objeções: sendo a primeira, de que esta afirmação não se aplica nas
sociedades complexas, em razão da pluralidade e mutabilidade política; e, a
segunda que “a análise de Austin falha por completo em explicar, e até mesmo
reconhecer, certos fatos surpreendentes sobre as atitudes que tomamos com
relação ao “direito”54.”
50 “Na teoria do direito anglo-saxônica, e de um modo geral, quem deu o maior impulso para o reconhecimento da natureza diferenciadora dos princípios enquanto norma jurídica foi, a nosso ver, conforme salientado anteriormente, RONALD DWORKIN, com sua tentativa de superação do conceito de ordenamento jurídico como um conjunto de regras primárias e secundárias, devida a H. L. A. HART (1994 esp. Postscript, p. 238 a 276). Cf., v.g., DWORKIN (1977, p. 38 s., esp. p. 45 s.; 1985, The Fórum of Principles e Principle, Policy, Procedure, p. 33 s.). GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 53, em nota de roda pé nº 40.
51 Virgílio Afonso da Silva, em sua obra ‘A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares’, não aceita esta teoria da distinção da forma como é dada, mas reconhece que Dworkin e Alexy são os pioneiros desta doutrina, e cita a teoria de Alexy apenas para ilustrar sua existência.
52 O próprio Ronald Dworkin assume que sua distinção é genuína, na pág. 113 de sua obra Levando os direitos a sério.
53 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 30 54 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 30.
19
Austin e Hart não diferenciam as normas em regras e
princípios, pois, esta classificação parte de Dworkin55.
Tratando ainda sobre as versões do positivismo em Austin e
Hart, Dworkin faz o seguinte alerta: “A versão do positivismo de H. L. A. Hart é
mais complexa que a de Austin (...) ele reconhece (...) que regras podem ser de
tipos lógicos diferentes (...) ele rejeita a teoria de Austin segundo a qual uma regra
é uma espécie de ordem e a substitui por uma análise mais elaborada e geral do
que são regras”56. E conclui a teoria de Hart dizendo que: “podemos registrar a
distinção fundamental de Hart da seguinte maneira: uma regra pode ser
obrigatória porque é aceita57 ou porque é válida58.”
Dworkin ataca o positivismo – usando a teoria de Hart -, pois,
entende que esta corrente não atende os reclamos do direito, quando se esta
diante dos casos difíceis (hard cases59).
55 Porém, Dworkin explica que para Hart, ele “... fala apenas a respeito de regras, mas não define “regra” da maneira limitada que defino esse termo no capítulo 2. Portanto, ele pode ser entendido, quando fala de regras, como se elas incluíssem tanto princípios como regras em um sentido restrito”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 93
56 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 31. 57 “(a) uma regra pode tornar-se obrigatória para um grupo de pessoas porque, através de suas práticas, esse grupo aceita a regra como um padrão de conduta. Não basta simplesmente que o grupo se ajuste a um padrão de comportamento. Ainda que a maioria dos ingleses possa ir ao cinema no sábado à noite, eles não aceitaram uma regra que exige que eles façam isso. Uma prática contém a aceitação de uma regra somente quando os que seguem essa prática reconhecem a regra como sendo obrigatória e como uma razão para criticar o comportamento daqueles que não a obedecem”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 32.
58 “(b) Uma regra também pode tornar-se obrigatória de uma maneira muito diferente, isto é, ao ser promulgada de acordo com uma regra secundária que estipula que regras assim promulgadas serão obrigatórias. Por exemplo, se o contrato de fundação de um clube estipula que os estatutos poderão ser adotados pela maioria de seus membros, então os estatutos particulares que forem aprovados dessa maneira serão obrigatórios para todos os membros, não devido a qualquer prática de aceitação desses estatutos particulares, mas porque o contrato de fundação assim estabelece. Nesse contexto, usamos o conceito de validade: regras obrigatórias que tiverem sido criadas de acordo com uma maneira estipulada por alguma regra secundária são denominadas regras “válidas”.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 33.
59 Dworkin destaca que: “o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 36
20
Durante sua obra, o autor delimita o que são as regras60, e
passa a tratar com mais ênfase aquilo que não são regras, que chama de
“princípios, políticas e outros tipos de padrões”61, explicando que ora vai tratar dos
princípios de forma genérica – lato sensu -, e em outros casos, o especificará.
Quanto às distinções de regras e princípios, Dworkin62 e
Virgílio Afonso da Silva63 dizem ser de natureza lógica: “As regras são aplicáveis à
maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipulam, então ou a
regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é
válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”.64
Dworkin defende ainda, que as regras possuem exceções, e
não é certo citar a regra e omitir as exceções, pois, estas irão enunciar melhor a
regra. Já com os princípios – a regra é outra -, pois, se as condições são dadas, a
norma prevista no princípio a de ser aplicada. Além disto, outra diferença é que os
princípios possuem a dimensão do peso ou da importância65, dimensão esta que
as regras não têm66 (lembra é tudo-ou-nada sempre).
60 Um padrão normativo criado pelo positivismo 61 Segundo Dworkin: “Denomino “política” aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (...) Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerável desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 36
62 ‘... distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 39.
63 “Estrutura lógica diversa significa também, como será visto adiante (...) forma de aplicação diversa”. SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito. p. 31, nota de roda-pé nº 6.
64 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 39. 65 “..., essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 43.
66 “As regras não têm essa dimensão. Podemos dizer que as regras são funcionalmente importantes ou desimportantes (...) Nesse sentido, uma regra jurídica pode ser mais importante do que outra porque desempenha um papel maior ou mais importante na regulação do comportamento. Mas não podemos dizer que uma regra é mais importante que outra enquanto parte do mesmo sistema de regras, de tal modo que se duas regras estão em conflito, uma
21
Da forma como Dworkin coloca sua tese, ele minimiza o
problema das antinomias de regras, pois, para ele: “Se duas regras entram em
conflito, uma delas não pode ser válida”.67 O autor sustenta ainda que: “...
somente regras ditam resultados. Quando se obtém um resultado contrário, a
regra é abandonada ou mudada. Os princípios não funcionam dessa maneira; eles
inclinam a decisão em uma direção, embora de maneira não conclusiva. E
sobrevivem intactos quando não prevalecem”68. Um princípio não é tirado do
sistema, mas, apenas deslocado num caso concreto, quando se escolhe outro
princípio mais adequado aquele caso69.
As regras não possuem graus de elevação uma da outra, já
os princípios é quase uma exigência que uns sejam mais importantes que
outros70.
Num segundo momento de sua obra, o autor procura
responder as críticas de Sartorius e Raz, procurando defender a – sua – distinção
entre regras e princípios.
suplanta a outra em virtude de sua importância maior.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 43.
67 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 43. 68 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 57. 69 Tratando deste assunto, Guerra Filho diz: “Uma constatação que se faz absolutamente necessária, no que toca a natureza diversa de regras e princípios, dá-se quando ocorre um choque entre suas disposições. Assim, caso sejam duas regras que dispõem diferentemente sobre uma mesma situação ocorre um excesso normativo, uma antinomia jurídica, que deve ser afastada com base em critérios que, em geral, são fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico, para que se mantenha sua unidade e coerência. Essas, aliás, são exigências que se pode fazer decorrer da própria isonomia, com seu imperativo de que se regule igualmente situações idênticas. Já com os princípios tudo se passa de modo diferente, pois eles, na medida em que não disciplinam nenhuma situação jurídica específica, considerados da forma abstrata como se apresentam para nós, no texto constitucional, não entram em choque diretamente, são compatíveis (ou “compatibilizáveis”) uns com os outros. Contudo, ao procuramos solucionar um caso concreto, que não é resolvido de modo satisfatório aplicando-se as regras pertinentes ao mesmo, inquirindo dos princípios envolvidos no caso, logo se percebe que esses princípios se acham em um estado de tensão conflitiva, ou mesmo, em rota de colisão. A decisão tomada, em tais casos, sempre irá privilegiar um (ou alguns) dos princípios, em detrimento de outro (s), embora todos eles se mantenham íntegros em sua validade e apenas diminuídos, circunstancial e pontualmente, em sua eficácia.” GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 55.
70 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 60.
22
Dentre as várias críticas, apontemos apenas uma delas, para
ilustrar que Dworkin, diz em verdade, que Raz não entendeu sua teoria:
“Raz tem outro argumento contra minha distinção, um argumento
que não entendo integralmente. Afirma que ela é solapada pelo
fato de que as regras podem conflitar com os princípios; as regras
de usucapião de bem imóvel, por exemplo, podem ser pensadas
como conflitantes com o princípio de que nenhum homem pode
beneficiar-se de seus próprios delitos. Não me parece
esclarecedor recorrer à noção de conflito para descrever a relação
entre essas regras e esses princípios como sendo uma de conflito.
O fato de tais regras existirem é, como já disse, uma prova de que
o princípio de que ninguém pode beneficiar-se de seus próprios
delitos é, de fato, um princípio, e não uma regra. Se as regras de
usucapião de bens imóveis forem um dia emendadas, seja por um
ato legislativo explícito ou por uma reinterpretação judicial, uma
razão para isso poderá ser que o princípio passou a ser
considerado mais importante do que era, quando da adoção das
regras. Não obstante isso, pode-se afirmar que, mesmo a esta
altura, as regras que regem o usucapião de bens imóveis antes
refletem o princípio do que conflitam com ele. Isso se deve ao fato
de que essas regras têm uma forma diferente da que teriam, caso
nenhum peso fosse atribuído ao princípio, quando da decisão”.71
Após, responder esta crítica, Dworkin, justifica que na
verdade:
“... uma das minhas razões para estabelecer a distinção entre
regras e princípios foi exatamente mostrar quão costumeiramente
as regras representam uma espécie de compromisso – que toma
essa forma – entre princípios concorrentes e como esse ponto
pode perder-se ou submergir, quando falamos muito
imprecisamente sobre como regras conflitam com princípios”.72
71 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 121 72 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 121
23
Para Robert Alexy, existem diversos critérios73 para se
distinguir regras de princípios, sendo o mais freqüente a generalidade74.
Analisando esse critério, “... princípios são normas com grau de generalidade
relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente
baixo”.75
O autor acima discorrendo sobre os critérios pontua:
“Com base nesses critérios, são possíveis três teses inteiramente diversas acerca da distinção entre regras e princípios. A primeira sustenta que toda tentativa de diferenciar as normas em duas classes, a das regras e dos princípios, seria, diante da diversidade existente, fadada ao fracasso. (...) Diante disso, é necessário atentar para as diversas convergências e diferenças, semelhanças e dessemelhanças, que são encontradas no interior da classe das normas, algo que seria mais bem captado com a ajuda do conceito de wittgensteiniano de semelhança de família que por meio de uma divisão em duas classes. A segunda tese é defendida por aqueles que, embora aceitem que as normas possam ser divididas de forma relevante em regras e princípios, salientam que essa diferenciação é somente de grau. Os adeptos dessa tese são sobretudo aqueles vários autores que vêem no grau de generalidade o critério decisivo para a distinção. A terceira tese, por sua vez, sustenta que as normas podem ser distinguidas em regras e princípios e que entre ambos não existe apenas uma diferença gradual, mas uma diferença qualitativa. Essa tese é correta.”76
E a diferença qualitativa narrada é entender o princípio como
mandamento de otimização, isto é:
73 Exemplos de critérios de distinção: a determinabilidade dos casos de aplicação; forma de seu surgimento; o caráter explícito de seu conteúdo axiológico; referência a idéia de direito; entre outros.
74 “Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. (...) O grau de abstração vai então crescendo até o ponto em que não se tem mais regras, e sim, princípios, dentre os quais, contudo, se pode distinguir aqueles que se situam em diferentes níveis de abstração .” GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 53-54.
75 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 87 76 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 89-90
24
“princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de
otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em
graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua
satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas
também das possibilidades jurídicas”.77
E as regras:
“... são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas.
(...) Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo
que é fática e jurídicamente possível. Isso significa que a distinção
entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma
distinção de grau”.78
No Brasil, Virgílio Afonso da Silva apresenta uma
classificação em três grandes categorias sobre a distinção entre regras e
princípios denominados de: distinção forte; distinção débil e teorias que rejeitam a
distinção. Nas palavras deste autor:
“Segundo a teoria da distinção forte, princípios e regras são
normas que têm estruturas lógicas diversas. (...)
As teorias que propõe uma diferenciação débil entre regras e
princípios partem do pressuposto de que a diferença entre ambos
não é assim tão marcada como propõe a teoria acima
mencionada. Entre princípios e regras haveria, portanto, somente
uma diferença de grau.
Já as teorias que rejeitam a possibilidade de distinção entre
princípios e regras sustentam que todas as qualidades lógico-
deônticas presentes nos princípios estão presentes também nas
regras. Por isso, ou são princípios e regras absolutamente
idênticos, ou o grau de semelhança é tão grande que uma
diferenciação definitiva se torna impossível”.79
77 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 90 78 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 91. 79 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito. p. 31.
25
Segundo Joseph Raz, citado por Virgílio, “o termo “princípio”
denota uma maior generalidade e uma maior importância do que o termo “regra”.80
1.3 A DISTINÇÃO ENTRE VIGÊNCIA, VALIDADE, EFETIVIDADE E
APLICABILIDADE
Por muito tempo a doutrina discutia – e ainda hoje discute -,
sobre a existência de diferenças entre vigência e validade, efetividade e
aplicabilidade. Sem dúvida, são temas que merecem serem discutidos, pois, além
da importância para o direito, em especial a aplicabilidade é tema do trabalho.
Trilhando pela corrente do garantismo, buscaremos as
explicações de Luigi Ferrajoli, sobre estas distinções, ou seja, na proposta
apresentada por Ferrajoli, há um terceiro elemento lógico que é trazido à baila.
Enquanto para o modelo positivista não se fazia distinção entre vigência e
validade, o garantismo de Ferrajoli propugnará uma distinção entre estes atributos.
Assim é que a vigência81 decorre de um processo legislativo formal, ou seja,
mediante o cumprimento de todas as etapas legais da produção legislativa. A
validade82, por sua vez, encontra-se situada no juízo de pertinência material com o
80 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito. p. 31, nota de roda-pé 8. 81 “El problema de la vigencia es, pues, el problema de la existencia de la regla en cuanto tal, independientmente del juicio de valor sobre su contenido de justicia y del juicio social sobre su eficacia. Vigencia jurídica de una norma equivale a existencia de esa norma como norma juridica”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia: la aportación garantista de la norma jurídica. Madrid: Trotta, 1999, p. 23.
82 “El problema de la validez está muy vinculado al problema de la vigencia, pero no muy lejos – como veremos – del problema de la justicia. Si vigencia es igual a mera existencia, la validez ‘de forma más oscura’ – como sostiene Delgado (1990: 132) – parece involucrar existencia y obligatoriedad. La validez sería definible provisionalmente como la cualidad o estatus de aquellas normas vigentes que reúnem los requisitos establecidos en otra norma vigente en un sistema jurídico. Se dice, por tanto, que una norma determinada es válida cuando además de cumplir las condiciones formales de procedimiento y competencia, es decir, cuando además de estar vigente, cumple otras condiciones de validez substancial que se refieren a su sentido, a sua significado coherente con reglas de rango superior o con reglas del mismo rango y posteriores en el tiempo. Tanto las condiciones formales (competencia y procedimiento) como las sustanciales (coherencia) están establecidas por normas jurídicas que disciplinan su producción en un nivel superior, pero mientras las condiciones formales constituyen requisitos de hecho en ausencia de los cuales el acto normativo es imperfecto y la norma dictada por él no llega a existir, las condiciones substanciales de la validez constituen normalmente en el respeto de valores – igualdad, libertad, garantía – cuya lesión produce una antinomia, es decir, in conflicto entre
26
conteúdo da Constituição e dos Direitos Fundamentais83. Assim, embora se possa
falar de norma jurídica vigente, nem por isso ela pode ser considerada válida. A
validade, portanto, desde o ponto de vista interno, exige um processo de
compreensão em que possa, ou não, se situar no contexto constitucional
democrático84. A eficácia85, em todos os casos, fica vinculada ao cumprimento da
norma no plano fático. A aplicabilidade – que se deixará para tratar mais a frente –
nas palavras de José Luis Serrano é a qualidade em virtude da qual uma norma
pertence a um sistema momentâneo, e resulta, portanto, aplicável a um caso
dado86. Para Serrano não se pode falar em aplicabilidade, sem que se faça uma
analise prévia de vigência. Nas palavras do autor:
“... los critérios de aplicabilidad son tales sólo porque están
vigentes, esto es, porque pertenecen al ordenamiento jurídico. El
juez puede execpcionar la aplicación de una norma vigente y
seguir, por ejemplo, el criterio de aplicabilidad de la lex favorabilis,
normas de contenido o significado incompatible”, SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 24.
83 “Enquanto os juízos sobre a vigência ou não de normas apresentam um caráter fortemente descritivo, eis que dizem respeito a fatos concretos, tais como a promulgação daquelas por autoridades competentes e a observância do devido procedimento de edição, os juízos sobre a validade – pelo fato de pretenderem verificar processos de adequação valorativa – trazem uma acentuada carga axiológica. (...) No entanto, enquanto as condições formais constituem requisitos de fato em cuja ausência as normas não chegam juridicamente a existir, as condições substanciais de validade – e de forma especial as da validade constitucional – consistem no respeito de valores – tais como a igualdade, a liberdade e as garantias dos direitos dos cidadãos – cuja lesão produz uma antinomia, isto é, um conflito entre normas de significados incompatíveis.” CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 83.
84 “Juicio de vigencia es aquel que va referido a la mera constatación de la existencia de una norma en el interior de un sistema jurídico. Es un juicio de hecho o técnico, pues se limita a constatar que la norma cumple los requisitos formales de competencia, procedimiento, espacio, tiempo, materia y destinatario; y como tal juicio de hecho es susceptible de verdad y falsedad.” SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 51.
85 “Los fines expresados por una norma se alcanzan. Esta primera acepción de la eficacia, a la que llamaremos efectividad, implica una concepción instrumental del ordenamiento jurídico al servicio de determinados fines y caracteriza a la norma jurídica desde el punto de vista de sua virtualidad para alcanzar un fin, su idoneidad como instrumento para lograr determinado objetivo”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 20.
86 “... pertenencia – cualidad en virtude de la cual una norma pertenece a un orden jurídico y es susceptible de pertenecer, por lo tanto, a los sistemas momentáneos que de él se deriven. El sistema de normas aplicables serían, pues, en principio, un subconjunto del sistema de normas pertenecientes a un ordem jurídico”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 88.
27
porque y sólo porque este criterio está vigente en el momento de la
aplicación.
En este sentido las normas que contienen criterios de aplicabilidad
(...) requieren de un juicio de vigencia previo”.87
A grande sofisticação do discurso jurídico foi o de dissociar a
validade da vigência e com esta distinção propiciar uma maior efetividade no
controle de constitucionalidade, a qual não fica mais à mercê de uma
compreensão simplificada, ou seja, entre válida e não válida, mas propiciando que
o complexo mundo da vida se possa modular a validade, inclusive com os
mecanismos de controle de constitucionalidade. Em todos os casos, esta nova
compreensão se mostra importantíssima quando se procura estabelecer o sentido
democrático dos princípios e das normas constitucionais ditas programáticas.
87 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 89.
28
CAPÍTULO 2
A CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE ACORDO COM JOSÉ AFONSO DA SILVA
2.1 A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A PARTIR DE
JOSÉ AFONSO DA SILVA
Em 1967 José Afonso da Silva lança uma obra intitulada
“APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS”, trazendo o debate sobre
a eficácia das normas constitucionais.
Na referida obra, o autor explica em linhas gerais o que
reinava anteriormente nos Estados Unidos sobre a idéia de que poucas normas
constitucionais seriam auto-executáveis, em face da necessidade de legislações
para melhor explicitá-las na ordem jurídica88.
Mesmo passados mais de quatro décadas, a doutrina e a –
conservadora - jurisprudência, insistem em dizer que a maioria das normas
constitucionais tem aplicabilidade, porém algumas mais outras menos, mas todas
88 José Afonso citando ensinamentos de Ruy Barbosa diz: “Como acontece com quase todos os grandes temas do direito constitucional, foram a jurisprudência e a doutrina constitucional norte-americanas que conceberam e elaboraram a classificação das normas constitucionais, do ponto de vista de sua aplicabilidade, em self-executing provisions e not self-executing provisions, que os autores divulgaram, entre nós, pela tradução, respectivamente, de disposições (normas, cláusulas) auto-aplicáveis ou auto-executáveis, ou aplicáveis por si mesmas, ou, ainda, bastantes em si, e disposições não auto-aplicáveis, ou não auto-executáveis, ou não-executáveis por si mesmas, ou, ainda, não-bastantes em si”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 73. A nosso ver, ocorre que a jurisprudência pode ser modificada, e, é isto que se espera, que os julgados passem a admitir a aplicabilidade das normas, mesmo que não existam as normas que deveriam ter sido criadas (ulteriores), pois, o que vale é o valor contido na Carta Magna. Concordamos com José Afonso quando ele diz: “A classificação pura e simples das normas constitucionais em auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis não corresponde, com efeito, à realidade das coisas e às exigências da ciência jurídica, ...” (p. 75).
29
têm certo grau de efetividade89, dividindo as referidas normas em normas de
eficácia plena, contida e limitada.
É importante destacar que José Afonso da Silva na referida
obra citada, faz a ênfase de que para seu estudo, interessa a Constituição na sua
perspectiva formal90, ou seja, como “fonte formal do direito constitucional”91.
A idéia de fonte formal apresentada por José Afonso se
aproxima da idéia de Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, onde basta que a
norma seja válida em razão de obedecidos seus requisitos formais de criação,
independerá seu conteúdo (material).
Isto se confirma quando o autor diz: “Importa, pois, apenas o
conceito de normas constitucionais formais, assim consideradas, como vimos,
todas as que integram uma constituição rígida, nada interessando seu conteúdo
efetivo, porque só elas constituem fundamento de validade do ordenamento
jurídico”.92
O foco de estudo de José Afonso na obra é a aplicabilidade93
das normas:
89 “..., a jurisprudência e a doutrina italianas formularam uma classificação das normas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, que assim se apresenta: a) normas diretivas, ou programáticas, dirigidas essencialmente ao legislador;b) normas preceptivas, obrigatórias, de aplicabilidade imediata; c) normas preceptivas, obrigatórias, mas não de aplicabilidade imediata”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 80: E ainda: “Se todas têm eficácia, sua distinção, sob esse aspecto, deve ressaltar essa característica básica e ater-se à circunstância de que se diferenciam tão-só quanto ao grau de seus efeitos jurídicos”. (p. 82) A nosso ver, um dos problemas de se copiar normas alienígenas é que muitas vezes estas não se enquadram no ordenamento jurídico (sistema) interno, isto quer dizer, que não é o fato de que na jurisprudência norte americana ou italiana uma norma não é auto-aplicável, que a sua importação deva seguir os mesmos moldes, pelo contrário, devemos importar aquilo que é bom é modificá-lo de acordo com as nossas exigências/necessidades.
90 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 36, 37 e 45. 91 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 16. 92 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 45. 93 “O problema da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais começa com as incertezas terminológicas, o que dificulta ainda mais sua solução e até mesmo sua formulação científica”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 80. A nosso ver, não é só a terminologia, mas, sim a falta de vontade (política) de efetivação.
30
“Nossa tese situa-se precisamente neste terreno árduo da ciência
do Direito em geral e da ciência do direito constitucional em
particular. Queremos demonstrar a improcedência daquela posição
negativista, não só reafirmando a eficácia jurídica, maior ou menor,
de todas as disposições constitucionais, e especialmente
destacando o importante papel que as chamadas normas
programáticas exercem na ordem jurídica e no regime político do
país”.
O problema de José Afonso da Silva, é que ele combate à
tese negativista, mas, apresenta uma tese intermediária, onde admite graus de
aplicabilidade, e no que se refere às normas programáticas, diz que o grau é
diminuto, o que significa quase à mesma coisa que não aplicável.
Sendo assim, o autor apresenta a ‘sua’ classificação:
“Em vez, pois, de dividir as normas constitucionais, quanto à
eficácia e aplicabilidade, em dois grupos, achamos mais adequado
considerá-las sob tríplice característica, discriminando-as em três
categorias:
I – normas constitucionais de eficácia plena;
II – normas constitucionais de eficácia contida;
III – normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida.
Na primeira categoria incluem-se todas as normas que, desde a
entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos
essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os
objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou,
desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo
direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. O
segundo grupo também se constitui de normas que incidem
imediatamente e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos
queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter
sua eficácia contida em certos limites, dada certas circunstâncias.
Ao contrário, as normas de terceiro grupo são todas as que não
produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos
essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo,
não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso
bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro
órgão do Estado.
31
Por isso, pode-se dizer que as normas de eficácia plena sejam de
aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os interesses objeto
de sua regulamentação jurídica, enquanto as normas de eficácia
limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque
somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma
normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto
tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não-
essenciais, ou, melhor, não dirigidos aos valores-fins da norma,
mas apenas a certos valores-meios e condicionantes, como
melhor se esclarecerá depois. As normas de eficácia contida
também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral,
porque sujeitas a restrições previstas ou dependentes de
regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade.”94.
Isto para nós será o problema a ser enfrentado, pois, José
Afonso sustenta a divisão daquilo que venho de fora em três categorias, e que
passados mais de 20 anos, da promulgação da Constituição de 1988, manteve
seu posicionamento, ou seja, ainda admite a mesma classificação para nossa
atual Constituição95.
2.1.1 Normas de Eficácia Plena
Na busca dessa eficácia, o doutrinador Jose Afonso diz que:
“A Constituição Federal, no entanto, revelou acentuada tendência para deixar ao
legislador ordinário a integração e complementação de suas normas. Mesmo
assim, uma simples análise mostra que a maioria de seus dispositivos acolhe
normas de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata”.96
Buscando conceituar e distinguir as normas de eficácia plena
das demais, o referido autor, busca inspiração na fórmula americana através das
lições de Rui Barbosa, que diz que uma lei é auto-executável (o que significa “de
94 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 82/83. 95 Basta ver a sua última edição da obra (7ª, 2007). 96 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 88.
32
eficácia plena”): “quando, completa no que determina, lhe é supérfluo o auxilio
supletivo da lei, para exprimir tudo o que intenta, e realizar tudo o que exprime.”97.
O sentido da palavra completa significa que o texto tem todos
os elementos inerentes a um pronto entendimento, não necessitando de mais
nada para completá-lo. Portanto, quando a norma prevê determinado
mandamento positivo e negativo, em determinado caso futuro e concreto,
regrando-o de forma a não gerar dúvidas, estaríamos diante de uma norma de
eficácia imediata, o que não significa dizer de eficácia social, que significa a
aceitação das pessoas sobre o seu texto.
Na opinião do doutrinador98, são de eficácia plena as normas
que:
“a) contenham vedações ou proibições; b) configuram isenções,
imunidades e prerrogativas; c) não designem órgãos ou
autoridades especiais a que incumbam especificamente sua
execução; d) não indiquem processos especiais de sua execução;
e) não exijam a elaboração de novas normas legislativas que lhe
completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo,
porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição
dos interesses nelas regulados”.
Com isto o autor convalida a clássica explicação norte
americana.
A natureza destas normas constitucionais se baseia na idéia
de estabelecerem condutas jurídicas positivas ou negativas com comando certo e
definido, e que desde a entrada da Constituição têm possibilidade de produzir,
97 Para José Afonso, o conceito de eficácia plena é o seguinte: “... aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 101
98 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 101.
33
todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses e situações que o
constituinte quis regular99.
Para serem logo aplicáveis100, basta serem invocadas pelo
interessado ao judiciário, que evidenciando estarem de posse de todos os seus
elementos, as traduzirá ao caso concreto, sem maiores delongas ou empecilhos,
isto claro, num Estado que possua os órgãos jurisdicionais completos e equipados
para atender estes fins.
2.1.2 Normas de Eficácia Contida
Esta definição de normas de eficácia contida é uma criação
do autor, que buscando distinguir as demais normas se preocupou em não igualá-
las, face algumas peculiaridades, explicando-a da seguinte forma101:
“Muitas dessas normas fazem menção a uma legislação futura,
motivo por que alguns as incluem entre as normas de eficácia
limitada, que não as programáticas, ou seja, aquelas que Crisafulli
denomina normas de legislação. Trata-se, a nosso ver, de
equívoco manifesto, porquanto o fato de remeterem a uma
legislação futura não autoriza equipará-las a outras que exigem
uma normatividade ulterior integrativa de sua eficácia. O contrário
é que se verifica – conforme mostraremos daqui a pouco -, pois,
com relação a elas, a legislação futura, antes de completar-lhes a
eficácia, virá impedir a expansão da integridade de seu comando
jurídico.”
Além do que, estas normas trazem termos gerais, como
utilidade pública, interesse público, segurança nacional, que visam limitar a
99 “Uma constituição é um conjunto sistemático e orgânico de normas. Em regra, apresenta-se como um todo unitário, uma codificação de normas, organizadas coerentemente, que o poder constituinte julgou fundamentais para a coletividade estatal”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 179. A nosso ver, não é o constituinte, mas sim, o povo que julgou fundamental.
100 “São de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 101/102.
101 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 103.
34
incidência de leis geradoras de situações subjetivas ativas ou de vantagens, em
desconformidade com os princípios gerais da Constituição.
São apontadas algumas características peculiares como:
a) serem normas que solicitam a intervenção do legislador
ordinário, fazendo remissão a uma legislação futura, fazendo com que o legislador
ordinário regulamente os direitos subjetivos englobados na norma;
b) fazem com que se tornem plenas até a promulgação da
lei posterior, que virá a dar seus contornos mais exatos;
c) serem normas de eficácia imediata e plena, em face do
constituinte ter apresentado elementos mínimos porém satisfatórios para sua
concretização; e,
d) trazem conceitos societários, que servem para
preservar sua intenção, no tocante a limitação de sua eficácia.
É exemplo deste tipo de norma, a hipótese do inciso XIII do
art. 5º. que diz: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Isto quer dizer que
cabe ao legislador ordinário vir a regular as profissões e ofícios, porém, enquanto
não criada a lei que regulamentará determinado trabalho, pode o cidadão invocar
este dispositivo para si, num caso concreto, onde esteja sendo cerceado de
exercer seu mister, através do mandado de injunção.
Quanto à natureza destas normas, são entendidas como
sendo “normas imperativas, positivas ou negativas, limitadoras do poder
público,...”102, que em outras palavras tende a significar que são normas que
lisonjeiam os direitos subjetivos dos indivíduos ou de entidades públicas ou
privadas.
102 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 116.
35
Portanto como dito, são normas de eficácia imediata, e
plena103, enquanto não existirem legislações que venham a regular o exercício
destes direitos, daí a denominação de contida, que significa dizer dentro de limites
fixados na lei.
Por fim, é possível resumir estas normas como sendo:
“aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente
os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem
à atuação restritiva por parte da competência discricionária do
Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de
conceitos gerais nelas enunciados”.104
2.1.3 Normas de Eficácia Limitada
No tocante a esta definição de normas de eficácia limitada o
doutrinador desdobra em três seguimentos, como sendo normas de eficácia
limitada de princípio; institutivo e programático.
Quanto às primeiras denominadas de normas constitucionais
de princípios, estas não são propriamente fundamentais, mais contêm princípios
gerais, como forma de diretrizes a serem seguidas pela ordem jurídica nacional,
como aquelas que consagram o princípio à isonomia, legalidade, entre outras.
Estes princípios tendem a formar um tema de uma teoria
geral do direito constitucional, pois envolvem conceitos gerais, como o do
federalismo, socialismo entre outros.
Já a norma chamada de princípios institutivos tem por base a
indicação de uma legislação futura que lhes complete a eficácia e lhe dê efetiva
aplicação. Umas deixam boa margem ao legislador ordinário, outras já limitam
103 “São de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente ...”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 104.
104 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 116.
36
mais o campo material da lei ulterior, bem como, outras deixam para o legislador
ordinário apenas aspectos secundários.
José Afonso citando a tese de Azzariri, diz que:
“as normas de princípios institutivos são consideradas como
precepitivas, dotadas de comandos jurídicos de aplicação direta,
mas não imediata, porque requerem outras normas jurídicas
integrativas, com o quê, salvo a terminologia, podemos concordar,
e as programáticas seriam diretivas, destituídas de preceito
concreto, mas dando só indicações ao legislador futuro105”.
O constituinte no momento da criação da Constituição
reconheceu a necessidade de disciplinar às matérias relativas à organização de
instituições constitucionais, mas por outras razões, limitou-se a traçar esquemas
gerais, sobre o assunto, fazendo com que o legislador ordinário, termine o serviço
iniciado por aqueles. Portanto, de acordo com a matéria, fica certo campo de
discricionariedade ao legislador ordinário a regulamentação destas instituições106.
Quanto a sua eficácia, estas normas podem ser impositivas
ou facultativas.
Impositivas são as normas que determinam ao legislador, em
termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa, como: “A lei
disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios” (art. 33 da
CR).
105 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 125. 106 “As normas de eficácia limitada, em geral, não receberam do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador ordinário a tarefa de completar a regulamentação da matéria nelas traçada em princípio ou esquema. As de princípio institutivo encontram-se principalmente na parte orgânica da constituição, enquanto as de princípio programático compõem os elementos sócio-ideológicos que caracterizam as cartas magnas contemporâneas. Todas elas possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível e criam situações subjetivas simples e de interesse legítimo, bem como direito subjetivo negativo. Todas, enfim, geram situações subjetivas de vínculo”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 262.
37
Por sua vez, as facultativas não impõem uma obrigação,
limitando-se apenas a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instruir ou
regular a situação nelas delineadas. Exemplo: “A lei estadual poderá criar,
mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual” (art. 125, §
3º). Como visto, não impõe nada ao legislador, deixando a cargo deste a criação
ou não do cerne do dispositivo explícito na norma.
José Afonso diz que:
”(...) as normas impositivas estatuem a obrigatoriedade de o
legislador emitir uma lei, complementar ou ordinária, na forma,
condições e para os fins previstos; as normas facultativas apenas
lhe atribuem poderes para disciplinar o assunto, se achar
conveniente (...)”107.
Sustenta também o doutrinador que estas normas são de
aplicação imediata no que tange a legislação anterior, bem como, as legislações
futuras que com ela devem se moldar.
Por fim, apresenta as normas de princípio programático,
como normas que prevêem compromissos do Estado, com as pessoas de forma a
não serem autoritários os governos, dando, direitos de ordem principalmente
econômicos e sociais.
Sobre as normas programáticas, pontua o autor:
“Em conclusão, as normas programáticas têm eficácia jurídica
imediata, direta e vinculante nos casos seguintes:
I – estabelecem um dever para o legislador ordinário;
II – condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem
inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;
III – informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram
sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais,
proteção dos valores da justiça social e revelação dos
componentes do bem comum;
107 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 128.
38
IV – constituem sentido teleológico para a interpretação,
integração e aplicação das normas jurídicas;
V – condicionam a atividade discricionária da Administração e do
Judiciário;
VI – criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de
desvantagem, ....”108
Com o devido respeito, isto é pouco, pois, deveriam e devem
ter aplicabilidade imediata. A razão da existência de destas normas, é que não
basta haver direitos fundamentais, sem um mínimo de condição de realização
destes direitos (não há direitos sem garantias, FERRAJOLI), ou seja, não adianta
estar escrito na Constituição que todos têm direito fundamental a vida, se ao
mesmo tempo, as pessoas não têm o que comer, e, portanto, sem comida, não
haverá forma de manter a vida.
As constituições anteriores previam apenas direitos
fundamentais, que sempre foram de aplicação imediata, portanto, é possível
concluir que não existiam problemas referentes a efetividades das normas em face
o seu conteúdo, ser da vontade de todo o mundo. Porém, com as inserções de
programas – México 1917 e Alemanha 1919 - a serem cumpridos na ordem social,
começaram a surgir problemas de cunho referente à aplicação destas normas, em
virtude de fatores externos ao texto (previsão orçamentária), o que acabou por
culminar pela inaplicabilidade imediata destas normas, o que se virá com mais
ênfase à frente.
Apenas com o fim de entender seu significado é possível
entendê-las na conceituação de Meireles Teixeira na citação de José Afonso como
normas:
“através das quais o constituinte, em vez de regular, direita e
imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes
os princípios para serem cumpridos pelos seu órgãos (legislativos,
executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das
108 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 164.
39
respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do
Estado”.109
2.2 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS E SUA EFETIVIDADE
Para o professor português, Jorge Miranda110, as normas
programáticas:
“são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução
imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-
valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm
como destinatário primacial – embora não único – o legislador, a
cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a
ser revestidas de plena eficácia (e nisto consiste a
discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer
cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em
vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só
por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas
constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de
expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem,
muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou
parcialmente indeterminados”.
Como o seu nome já diz, são programas a serem atingidos
pelo governo, principalmente, tratando-se de direitos sociais.
Por sua vez, José Afonso da Silva, buscando as explicações
do italiano Crisafulli, diz que programáticas são:
“aquelas normas constitucionais com as quais um programa de
ação é assumido pelo Estado e assinalado aos seus órgãos,
legislativos, de direção política e administrativos, precisamente
109 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p.138. 110 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo 1, 4ª ed., Editora Coimbra, 1990, p. 218
40
como um programa que a eles incumbe a obrigação de realizar
nos modos e nas formas das respectivas atividades”.111
A relevância de se estudar este tema, foi muito bem
analisado pelo constitucionalista José Afonso ao apontar pelo menos três motivos,
quais sejam:
“1ª.) é que ainda se ouve falar que a Constituição de 1988, está repleta de normas de intenção, como se jurídicas e imperativas não fossem; 2ª.) outro motivo é o fato de que tais normas traduzem os elementos sócio-ideológicos da constituição, onde se acham os direitos sociais, num sentido abrangente também de direitos econômicos e culturais; e, o 3º.) tendo para o jurista como de grande importância o fato de indicarem fins e objetivos do Estado, como forma de indicar o sentido geral da ordem jurídica.”112
José Afonso da Silva sustenta que todas as normas
constitucionais têm eficácia, porém, com graus diferentes, e o que se buscará
identificar é qual a escala desse grau, e que se esta efetividade poderá assegurar
a aplicação dos direitos postos na norma.
Isto é tratado por Regina Ferrari, que afirma categoricamente
que: “(...) não é possível questionar a sua imperatividade, mas apenas a sua
efetividade”.113
Como afirmado acima, não se pode negar que são
imperativas, pois caso não as fossem, nem seriam motivos de discussão pelos
estudiosos, e já não estariam no texto constitucional. Quanto à hierarquia, também
não resta discussão, pois, está dentro de uma Carta Magna, o que só por isto
eleva ao seu grau de hierarquia constitucional, frente às legislações de cunho
ordinário.
111 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 137. 112 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 139. 113 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. São Paulo: RT, 1991, p. 172.
41
Em verdade, isto só não basta, pois na lição de Konrad
Hesse, as normas constitucionais:
“ao impor tarefas estas devem ser efetivamente observadas, o que
só acontecerá se existir “vontade de constituição”, embasada em
três vertentes: a compreensão da necessidade de uma ordem
normativa contra o arbítrio, a constatação de que essa ordem não
é eficaz sem o concurso da vontade humana e que a ordem
normativa adquire e mantém sua vigência sempre mediante atos
de vontade. Assim, a força normativa da Constituição não depende
apenas de seu conteúdo, mas, também, de sua prática”.114
Numa espécie de distinção das normas, José Afonso diz que:
“as declarações dos direitos fundamentais do homem, do século
XVII, postularam a realização dos valores jurídicos da segurança,
da ordem e da certeza, enquanto as declarações constitucionais
dos direitos econômicos e sociais pretendem a realização do valor-
fim do Direito: a justiça social, que por uma aspiração do nosso
tempo, em luta aberta contra as injustiças do individualismo
capitalista115”.
Esses aspectos que influenciaram os direitos sociais se
refletem na reivindicação da população mais carente, na busca de uma maior
igualdade de condições, com o fim de erradicar a pobreza, e acabar com as
injustiças sociais que assolavam o país.
Porém, o Estado antes liberal e não intervencionista, não
havia se preparado suficientemente e nem adequado suas condições para a nova
ordem constitucional, acabando por editar inúmeros direitos sociais, sem nenhuma
condição de efetividade, alegando falaciosamente a falta de recursos e previsões
orçamentárias para concretizar estes direitos.116
114 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991, p. 19-20. 115 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 146. 116 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 32-34.
42
O motivo pelo qual se institui estes direitos sociais em nosso
texto, foi a necessidade de apresentar um elenco de direitos sociais compatíveis
com as demais ordens constitucionais internacionais, até mesmo, para que o
nosso país não sofresse qualquer retaliação de ordem internacional.
Outro fator que desencadeou para a inclusão destes direitos
foi o fato de que a assembléia constituinte em sua maioria se revestia de ex-
congressistas, que buscando resguardar e manter suas posições frente a novas e
futuras eleições preferiram demonstrar que se preocupavam com a população.
Não se esta defendendo que os direitos sociais não deveriam
estar no texto constitucional, mas se estes direitos, não forem possíveis de serem
exercidos, a Constituição seria apenas um pedaço de papel como afirmou
Ferdinand Lassale na sua época.
Estas afirmações por mais que pareçam radicais, não podem
ser desprezadas, face o que temos visto, no campo social, onde a cada dia se
dificulta mais a efetividade destas normas, face a escassez de recursos, fazendo
com que o governo, apresente incessantes Medidas Provisórias, como forma de
criar tributos, como foi com a CPMF, e com isso, angarie mais verbas para a
implantação dos programas previstos na Constituição.
É possível observar na obra de Luis Roberto Barroso, que há
uma enorme incongruência na terminologia empregada às estas normas,
assinalando que: “se é norma, comando imperativo, não pode ser programa, que
tem cunho dispositivo.”117
Na verdade é uma norma programa, prevê de forma
imperativa a observância do Estado para sua atuação futura, objetivando com isto,
o bem estar social, como meta a ser seguida.
117 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas. p. 119.
43
Os pessimistas alegam que o Brasil, por ser um país
subdesenvolvido, nem sempre terá as condições exigíveis para efetivar estes
direitos, seja por questões da verba nacional estar comprometida com a divida
externa, ou com obrigações estrangeiras, que foram necessárias serem feitas,
com o objetivo de assegurar um amplo desenvolvimento econômico no mercado
internacional. A outros fatores também que podem gerar dificuldade no exercício
destes direitos, como a corrupção – mal que assola os países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento como o Brasil, que faz com muitos valores destinados aos
fins sociais seja desviado comprometendo assim a implantação de políticas
públicas.
Clémerson Cléve, tratando dos direitos fundamentais sociais,
diz: “É necessário ter clareza quanto a isso, são direitos de satisfação progressiva,
cuja realização encontra-se estreitamente ligada ao PIB (Produto Interno Bruto) e,
portanto, à riqueza do país.”118
Acrescenta ainda:
“No plano da dimensão subjetiva os direitos fundamentais
desempenham, pelo menos, três funções: - defesa, prestação e
não discriminação. Ou seja, os direitos fundamentais (i) situam o
particular em condição de opor-se à atuação do poder público em
desconformidade com o mandamento constitucional, (ii) exigem do
poder público a atuação necessária para a realização desses
direitos, e, por fim, (iii) reclamam que o Estado coloque à
disposição do particular, de modo igual, sem discriminação (exceto
aquelas necessárias para bem cumprir o princípio da igualdade),
os bens e serviços indispensáveis ao seu cumprimento.”119
Para Luis Roberto Barroso é neste prisma que se configura a
sua inefetividade, pois, se não podemos exigi-las pela falta de um aparato próprio,
não podemos conceber que tenham algum grau de efetividade.
118 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. Crítica Jurídica: Revista Latinoamericana de Política, Filosofia y Derecho. Unibrasil, nº 22, p. 22.
119 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 22.
44
Nem sempre podemos acreditar que o simples fato do
legislador ordinário, ou até mesmo, o constituinte originário ou derivado, inserir
alguma norma no ordenamento jurídico pátrio, faz com que, um dia após a sua
publicação todos comecem a obedecer aquele regramento. Apesar de ser norma,
e por isto ter condão de imperatividade, as normas sofrem desgastes se o seu
conteúdo não for coadunado com os costumes e modos da época, pelo qual foram
criadas. É necessária a vontade de Constituição!
Sobre o tema, Luis Roberto Barroso confirma:
“Como regra, um preceito legal é observado voluntariamente. A
efetividade das normas jurídicas resulta, comumente, do seu
cumprimento espontâneo. Sem embargo, descartados os
comportamentos individuais isolados, há casos de insubmissão
numericamente expressiva, quando não generalizada, aos
preceitos normativos, inclusive os de hierarquia constitucional.
Assim se passa, por exemplo, quando uma norma se confronta
com um sentimento social arraigado, contrariando tendências
prevalecentes na sociedade. Quando isso ocorre, ou a norma cairá
em desuso ou sua efetivação dependerá da freqüente utilização do
aparelho estatal. De outra vez, resultará difícil a concretização de
uma norma que contrarie interesses particularmente poderosos,
influentes sobre os próprios organismos estatais, os quais, por
acumpliciamento ou impotência, relutarão em acionar os
mecanismos para impor sua observância compulsória”.120
Não podemos negar que o fato dela impedir que sejam
criadas ulteriormente normas ordinárias que venham a conflitar com as mesmas
não deixe de ser um argumento para justificar seu grau de efetividade.
Esta é uma das explicações de Barroso, que diz:
“Delas não resulta para o indivíduo o direito subjetivo, em sua
versão positiva, de exigir uma determinada prestação. Todavia,
fazem nascer um direito subjetivo “negativo” de exigir do Poder
120 BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5a. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 248.
45
Público que se abstenha de praticar atos que contravenham os
seus ditames. Em verdade, as normas programáticas não se
confundem, por sua estrutura e projeção no ordenamento, com as
normas definidoras de direitos. Elas não prescrevem,
detalhadamente, um conduta exigível, vale dizer: não existe,
tecnicamente, um dever jurídico que corresponda a um direito
subjetivo. Mas, indiretamente, como efeito, por assim dizer, atípico,
elas invalidam determinados comportamentos que lhe sejam
antagônicos. Nesse sentido, é possível dizer-se que existe um
dever de abstenção, ao qual corresponde um direito subjetivo de
exigi-la.”121
Para Regina Ferrari122, estas normas têm destinatários
específicos, quais sejam: em primeiro lugar o Legislativo, como forma de criar as
normas necessárias a sua regulamentação, e por destinatário final o Poder
Público, a quem cabe colocá-las em prática, para atender os seus fins, vindo a
prestigiar a população carente que precisa de atividades sociais do Estado, para
que alcance os mínimos necessários à sobrevivência.
A autora defendendo a tese de sua efetividade aponta para
alguns aspectos importantes, que merecem atenção:
“Outra característica da norma constitucional programática que deve ser analisada, é a que diz respeito a quem são elas endereçadas, o que não autoriza desconsiderar quem ao deixar liberdade de agir aos órgãos do Poder Público, pode propiciar, pela eleição da oportunidade de agir de acordo com a conveniência ou oportunidade, a caracterização de uma omissão inconstitucional, em virtude de uma dilação de tempo que ultrapasse o campo do razoável. Portanto, não é aceitável argumentar para o seu não cumprimento a falta de desenvolvimento socioeconômico. A obrigatoriedade de sua observância é imperativa, ainda quando o seu destinatário, originário e direto, seja o Poder Público e, com certeza, pelo menos os órgãos legislativos.”123
Sustenta ainda a autora que:
121 BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 121. 122 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. p. 187. 123 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. p. 188.
46
“O Estado, nessa nova realidade, de simples árbitro da paz, da ordem e da segurança, passa a buscar o bem-estar coletivo dentro de uma nova visão de Estado, mediante a estatuição do salário mínimo, do direito de greve, da repressão do abuso do poder econômico, da previdência social e onde a propriedade privada, a livre iniciativa, a ação econômica dos empreendedores passam a ter que observar um objetivo comum.”
Muitos autores124 procuram trabalhar a idéia de direitos
fundamentais sociais, atrelados à questão do mínimo existencial, ou seja, tentando
salvaguardar a efetividade destes direitos, através de valores humanos como o
direito da dignidade humana.
Para Vicente de Paulo Barreto125, existem algumas formas
de discurso que procuram retirar a fundamentalidade dos direitos sociais. Ele
explica:
“Existem diferentes formas de argumentação que sustentam a
inconsistência dos direitos sociais como direitos humanos
fundamentais, vale dizer, afirmados universalmente e consagrados
no sistema jurídico nacional. Todas partem do pressuposto de que
os direitos fundamentais sociais não são reconhecidos “como
verdadeiros direitos” (Krell, 2002:23). Uma das formas mais
comuns de se negar efetividade aos direitos sociais é retirar-lhes a
característica de direitos fundamentais. Afastados da esfera de
direitos fundamentais, ficam privados da aplicabilidade imediata,
excluídos da garantia das cláusulas pétreas, e se tornam assim
meras pautas programáticas, submetidas à “reserva do possível”
ou restritos à objetivação de um “padrão mínimo social”. A doutrina
jurídica contemporânea oscila entre esses dois pólos
argumentativos, servindo, a nosso ver, para justificar modelos
políticos e sociais que se antepõem à idéia central do estado
democrático de direito, que afirma ser a observância dos direitos
sociais uma exigência ética, não sujeita a negociações políticas
(Campilongo, 1995:135).”126
124 Entre eles: Ingo W. Sarlet e Clémerson Merlin Cléve. 125 BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões Sobre os Direitos Sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais Sociais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 112.
126 BARRETO, Vicente de Paulo. Direitos Fundamentais Sociais. p. 112.
47
Clémerson Merlin Cléve, defendendo a tese de um mínimo
de eficácia dos direitos sociais, diz:
“Os direitos sociais não tem a finalidade de dar ao brasileiro,
apenas, o mínimo. Ao contrário, eles reclamam um horizonte
eficacial progressivamente mais vasto, dependendo isso apenas
do comprometimento da sociedade e do governo e da riqueza
produzida pelo país. Aponta, a Constituição, portanto, para a idéia
de máximo, mas de máximo possível (o problema da
possibilidade). O conceito do mínimo existencial, do mínimo
necessário indispensável, do mínimo último, aponta para uma
obrigação mínima do poder público, desde logo sindicável, tudo
para evitar que o ser humano por falta de emprego, de saúde, de
previdência, de educação, de lazer, de assistência, vê confiscados
seus desejos, vê combalida sua vontade, vê destruída sua
autonomia, resultando num ente perdido no cipoal das
contingências, que fica a mercê das forças terríveis do destino.”127
Como pode ser visto, através dos pontos de vista dos
doutrinadores, o problema das normas programáticas constitucionais, consiste na
sua efetividade, pois, ninguém dúvida que ela seja imperativa, mas não consegue
ter o alcance das outras normas de aplicação imediata, que dispensam legislação
ulterior, e a boa vontade dos parlamentares.
Regina Ferrari aponta com bastante atenção este problema
da efetividade em sua obra, quando explica:
“Quando se trata de normas constitucionais programáticas, o
principal problema que decorre da sua existência é a sua
efetividade, isto é, a possibilidade de serem alcançados os
objetivos previstos na norma, a sua real concretização no mundo
fático, “os efeitos que a regra suscita através do seu
cumprimento”, seu cumprimento efetivo, o que depende de sua
aptidão para incidir e, dessa forma, reger as situações de vida.
Já foi tratado, anteriormente, no curso deste estudo, o problema
do mínimo do universo eficácial das normas constitucionais
programáticas e aceito que o seu simples surgir no sistema
127 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 27.
48
constitucional acarreta, como conseqüência, o informar a atuação
do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, de tal modo que
quaisquer de seus atos que se desviem da diretriz prevista no
comando normativo da Lei Fundamental, viciam-se por
inconstitucionalidade.
Tratando dos efeitos das normas programáticas, Luís Roberto
BARROSO, depois de ponderar que se bipartem em imediatos e
diferidos, afirma que, em relação aos segundos, a produção dos
resultados é transposta para um momento futuro, fato que propicia
que o controle exercitável sobre a sua efetivação seja frágil,
porque estando a sua realização na dependência de uma atividade
estatal, desenvolvida por critérios de conveniência ou
oportunidade, tal discricionariedade exclui a intervenção judicial
para sua concretização que surja para o indivíduo o direito de
exigir uma determinada prestação. Portanto, “por não
prescreverem, detalhadamente, uma conduta exigível, vale dizer:
não existe, tecnicamente, um dever jurídico que corresponda a um
direito subjetivo.”128
Portanto, para certa corrente da doutrina129, todas as normas
constitucionais, inclusive as programáticas, tem efetividade. Porém, estes
doutrinadores esclarecem através de seus conceitos a existência de um grau que
diferencia esta efetividade, informando que a norma programática tem o grau
mínimo de eficácia, expondo que um dos fatores que demonstram esta efetividade
é a obrigação dos parlamentares em respeitar os ditames constitucionais, e com
isto, não criar leis que venham em desencontro com estes preceitos, bem como,
determinar ao Poder Executivo que cumpra o programa estabelecido pela
Constituição. Estes são as maiores bandeiras em defesa das normas
programáticas constitucionais, onde se enquadram à maioria dos direitos sociais.
2.3 A PREVISÃO DO § 1º DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Um dos maiores motivos que acabaram por desencadear
toda esta discussão doutrinária, que não havia anteriormente, foi a inclusão do
128 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. p. 220. 129 Entre eles, José Afonso, Regina Ferrari, Barroso entre outros.
49
parágrafo primeiro no art. 5o da Constituição Federal que diz: “As normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Aparentemente, o problema não aparece, mas basta
olharmos a localização do referido parágrafo para entendermos a grande
discussão.
No sumário de nossa Constituição, temos o Título I que é
chamado de “DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS”, que enquadram o art. 1o ao
art. 4o. Logo em seguida, surge o Título II denominado de “DOS DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS”, englobando por sua vez o art. 5o ao art. 17, que
em outras palavras trata de todos os direitos fundamentais.
Em face da enormidade de artigos e incisos, o constituinte
originário preferiu dividir este título em cinco capítulos, compreendendo no
primeiro capítulo: “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, e no capítulo II:
“Dos Direitos Sociais”.
Porém, a norma que prevê que os direitos fundamentais têm
aplicação imediata, foi colocada somente no Capítulo I, o que implica dizer que, o
constituinte originário neste momento acabou por distinguir aqueles direitos
previstos no art. 5o dos demais direitos previstos no mesmo título. Logo, numa
interpretação simplista, pode-se entender que os demais direitos previstos no
mesmo título não teriam aplicação imediata.
Ocorre, porém, que o Título II trata dos “Direitos
Fundamentais”, dando a entender que todos os artigos previstos neste Título
teriam que ter aplicação imediata por tratarem de direitos fundamentais, o que na
prática – infelizmente - não é assim, e será visto com mais atenção à frente.
Logo, esta localização - geográfica - do parágrafo primeiro,
traz uma conotação de distinção de aplicabilidade das normas, que não existiam
antes, mas que foram inovados pela Constituição de 1988, que trouxe uma
infinidade de direitos sociais, em face dos reclamos da população em geral.
50
Daí surge à dúvida, se a Constituição de 1988 foi à carta
política que mais trouxe direitos sociais entre todas as outras cartas, teria
propositalmente feito a diferenciação entre os direitos fundamentais do art. 5o, com
os direitos sociais do art. 6o?
José Afonso aponta que o mandado de injunção seria “... o
instrumento que, correlacionado com o citado § 1º do art. 5º da Constituição, torna
todas as normas constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente”.130
Para os incautos, os direitos sociais não são direitos
fundamentais, e para eles, as normas constitucionais que tratam de educação e
saúde, não têm aplicação imediata.
Clémerson Merlin Cléve131, adverte que:
“Há teorias que sustentam que os direitos sociais não são
verdadeiros direitos, constituindo, na verdade, meros programas
de ação governamental. Afinal, as disposições constitucionais
respectivas não apontam o responsável por sua efetivação, não
definindo ademais, e concretamente, a prestação devida. Não
definem sequer, de uma maneira geral, a precisa prestação
reclamada do Estado para a sua solução.”
Podemos ver nitidamente que a nossa Constituição não traz
diferença no regime dos direitos sociais e fundamentais, apenas, existindo esta
diferença na doutrina e na aplicação do direito pelos Tribunais, que demonstram
de forma evidente a distinção na aplicação destas normas.
Clevé, explica que em Portugal existe esta diferença entre
direitos, liberdades e garantias (direitos de defesa), dos direitos sociais e
econômicos (direitos prestacionais), dizendo que:
130 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 165. 131 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p.22.
51
“Em tese, no direito constitucional brasileiro, o regime dos direitos
fundamentais clássicos é o mesmo dos direitos fundamentais
exigentes de uma atuação positiva do poder público. Por isso, o
dispositivo nos parágrafos primeiro e segundo do art. quinto da
Constituição incide sobre ambos os territórios (direitos de defesa e
direitos sociais prestacionais).
Ora, se é verdade que a Constituição não aparta os direitos
(clássicos ou prestacionais) em regimes distintos, não é menos
verdade que apontados direitos decorrem de disposições
constitucionais dotadas de estruturas normativas distintas. Não é
possível deixar de considerar que a estrutura das normas que
tratam de direitos sociais é diferente daquela própria dos direitos
de defesa.
No sítio dos direitos de defesa, ocorrendo hipótese de violação, o
papel do juiz como guardião da ordem constitucional não exige, no
geral, uma autuação além da censura judicial à ação do poder
público.
A situação muda em relação aos direitos prestacionais, exigentes
de uma atuação positiva do poder público, em particular porque o
âmbito material definitivo desses direitos depende de uma
manifestação legislativa (e material) do Estado. Além disso, esses
direitos são insuscetíveis de realização integral (o horizonte é
sempre infinito), pois o seu cumprimento implica uma caminha
progressiva sempre dependente do ambiente social no qual se
inserem, do grau de riqueza da sociedade e da eficiência e
elasticidade dos mecanismos de explicação (da sociedade, pelo
Estado) e de alocação (justiça distributiva) de recursos.”132
É notório que na prática exista uma diferença de aplicação
dos direitos fundamentais quanto aos direitos sociais, pois aqueles são
indiscutíveis sua efetividade em face de sua aplicabilidade imediata, pela própria
previsão expressa no texto constitucional, enquanto este, apesar de trazer temas
considerados fundamentais (saúde), se obriga a ter que esperar um melhor
afirmamento nos Tribunais para sua aplicação, em face da necessidade de
legislações ulteriores, ou mesmo, de verbas orçamentárias, para atingirem o fim
de suas disposições.
132 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 21.
52
CAPÍTULO 3
NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO
3.1 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO
A importância do tema – normas constitucionais {em especial
programáticas} – despertou interesse – ultramares - em doutrinadores
constitucionalistas. Um destes doutrinadores merece destaque, pois, escreveu sua
tese de doutorado sobre o assunto, e estamos falando de José Joaquim Gomes
Canotilho.
A tese do citado constitucionalista transformou-se em livro,
intitulado ‘Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador’: Contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas.
A 1ª edição da referida obra foi escrita em 1982, e
reimpressa em 1994, pela editora Coimbra, surgindo uma 2ª edição em 2001, sob
o pretexto de ‘corrigir’ a 1ª edição, em razão das muitas críticas sofridas.
Passemos a tratar as referidas obras, bem como, outros
trabalhos escritos do referido autor, focando as normas constitucionais
programáticas.
3.1.1 A 1ª edição de ‘Constituição Dirigente’ de Canotilho133
O jurista lusitano apresenta uma variedade de assuntos em
sua obra, mas, o que interessa ao nosso trabalho, é o item 4 da 2ª parte, quando o
133 Citamos 1ª edição, mas na verdade é a tese de doutorado, pois, só passa a ser entendida como 1ª edição, quando do surgimento da 2ª edição em 2001. Importante informar o leitor, que trabalhamos com a reimpressão de 1994.
53
mesmo trata da ‘Vinculação do legislador’, ao cumprimento dos direitos
fundamentais.
Fazendo uma ligação com o item 2.2.1 do presente trabalho,
J. J. Gomes Canotilho diz: “A eficácia jurídica imediata que hoje se reconhece aos
direitos fundamentais traduz a mutação operada nas relações entre a lei e os
direitos do cidadão: de direitos fundamentais apenas no âmbito da lei transitou-se
para a idéia de lei apenas no âmbito dos direitos fundamentais”.134
Já de inicio, o autor pontua, que os direitos fundamentais
estão na norma constitucional e não na lei posterior, e isto por si só, traz
conseqüências positivas, como a indisponibilidade135 destes direitos, ou seja, “a
problemática dos direitos fundamentais não se sintetiza hoje na fórmula: “a lei
apenas no âmbito dos direitos fundamentais”; exige um complemento; “a lei como
exigência de realização concreta dos direitos fundamentais”.136
Canotilho vincula os direitos sociais, econômicos e culturais a
direitos fundamentais a prestação. Sobre este ponto o autor destaca:
“A força dirigente e determinante dos direitos a prestações
(económicos, sociais e culturais) inverte, desde logo, o objecto
clássico da pretensão jurídica fundada num direito subjectivo: de
uma pretensão de omissão dos poderes públicos (...) transita-se
para uma proibição de omissão (direito a exigir que o Estado
134 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Reimpressão. Coimbra, 1994.
135 “... de acordo com a concepção liberal de direitos fundamentais como direitos de defesa perante os poderes, a “actualidade vinculante” significa indisponibilidade (pelo menos no seu cerne essencial) destes direitos pelo legislador e possibilidade de invocação dos mesmos contra as próprias entidades legiferantes”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 363. É importante destacar que Ferrajoli na obra ‘Derechos y garantias’, compartilha com a concepção de que os direitos fundamentais são indisponíveis.
136 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 363-364.
54
intervenha activamente no sentido de assegurar prestações aos
cidadãos).”137
Uma questão muito bem pontuada pelo autor – na qual
concordamos - é que o Estado não se estruturou quando da mutação do período
Liberal para o Social, acarretando uma insuficiência da estrutura política,
constitucional e jurídica do Estado Liberal, gerando os subseqüentes problemas
que a substituição ou complementação da arquitectónica do Estado Liberal coloca
quando se deseja efectivamente transitar para um Estado Democrático-
Constitucional.138
Canotilho procura dissipar a dúvida esclarecendo que as
normas programáticas possuem duas dimensões, sendo uma subjetiva139 e outra
objetiva140. Além disto, o autor também explica que normas programáticas e
imposições constitucionais são coisas diversas141, dizendo assim:
137 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 365
138 Ainda merece destaque: “No campo dos direitos a prestações se evidencia, igualmente, a aporia da constituição dirigente: a um máximo de “desejabilidade constitucional” de direitos económicos, sociais e culturais, corresponde, em geral, uma relativização dos mesmos direitos, derivada da interpositio necessária do legislador e da subordinação da efectividade constitucional à proclamada reserva do possível (em termos económicos, sociais e, naturalmente, também políticos).” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 365
139 “No plano subjectivo: os direitos sociais, económicos e culturais, consideram-se inseridos no espaço existencial do cidadão, independentemente da possibilidade da sua exequibilidade imediata”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 367.
140 “No plano objectivo: (1) em muitos casos, as normas consagradoras dos direitos fundamentais estabelecem imposições legiferantes, no sentido de o legislador actuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos; (2) algumas das imposições constitucionais traduzem-se na vinculação do legislador a fornecer prestações aos cidadãos”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 367.
141 “Direito subjectivo social, econômico e cultural – imposições legiferantes – prestações não devem confundir-se.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 368. Ainda: “A confusão resulta do facto de a imposição constitucional legiferante e o direito subjetivo à prestação poderem visar fins idênticos e destinar-se a prosseguir os mesmos interesses.” (pág. 367). Mas o que importa de tudo isto, é que as normas são direitos – também – subjetivos.
55
“Como as prestações têm, igualmente, uma dimensão subjectiva e
uma dimensão objectiva, considera-se que, em geral, esta
prestação é o objecto da pretensão dos particulares e do dever
concretamente imposto ao legislador através das imposições
constitucionais. Todavia, como a pretensão não pode ser
judicialmente exigida, não se enquadrando, pois, no modelo
clássico de direito subjectivo, a doutrina tende a salientar apenas o
dever objectivo da prestação pelos entes públicos e a minimizar o
seu conteúdo subjectivo. Ainda aqui a caracterização material de
um direito fundamental não tolera esta inversão de planos: os
direitos à educação, saúde e assistência não deixam de ser
direitos subjectivos pelo facto de não serem criadas as condições
materiais e institucionais necessárias a fruição desses direitos. Por
sua vez, o direito à prestação não corresponde, rigorosamente, ao
dever de prestação do Estado, contido na imposição legiferante: o
âmbito normativo daquele direito pode ser mais amplo ou mais
restrito que o deste dever”.142
Como dito anteriormente, o direito fundamental não está na
lei – ulterior – mas sim, está na norma constitucional143. Não é porque não se criou
a lei, que o direito deva deixar de ser reconhecido, ou, mesmo de existir. Nas
palavras de Canotilho:
“A realização dos direitos fundamentais é, neste sentido, um
importante problema de competência constitucional: ao legislador
compete, dentro das reservas orçamentais, dos planos
econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do
país, garantir as “prestações” integradoras dos direitos sociais,
económicos e culturais. Paradoxalmente, parece vir a cair-se no
esquema relacional lei-direitos fundamentais que vigorou no século
passado: os direitos fundamentais apenas se reconhecem no
142 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 368.
143 “O “acto de transformação do legislador democrático” surge, assim, não tanto como um acto que “transforma” as pretensões subjectivas individuais, mas como acto criador de pressupostos concretos, necessários ao exercício de um direito social.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 369.
56
âmbito da lei; a lei é “dona” dos direitos fundamentais. Só na
aparência, porém.”144
E arremata o autor, mais a frente:
“A força dirigente dos direitos fundamentais justifica que se
ultrapasse a degradação dos direitos sociais, econômicos e
culturais (...) em “simples direitos legais”145.”
Neste sentido é possível ver uma possível falha do Supremo
Tribunal Federal quando – em alguns casos - deixou de aplicar o antigo §3º do art.
192 da CR, pois, o direito fundamental econômico de limitar os juros em 12% ao
ano, estava na dimensão constitucional, e não na dimensão legal, e portanto, não
necessariamente precisava de regulamentação.
O doutrinador lusitano desponta em apontar a problemática
da omissão legislativa, como causa predominante para a não concretização dos
direitos fundamentais, in casu, dos direitos sociais, sendo esta omissão uma
verdadeira violação dos direitos fundamentais:146
“Não há dúvida que a falta de dinamização legislativa dos direitos
a prestações se situa nos terrenos do constitucionalmente
relevante: não-cumprimento inconstitucional. A omissão legislativa
em sentido restrito só ocorrerá, porém, quando a norma
consagradora do direito fundamental contiver uma imposição
constitucional concreta. Tal como na concepção dos direitos
144 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 369.
145 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 370.
146 “Como na fixação de uma omissão legislativa existe sempre, per definitionem, a violação de uma norma impositivo-constitucional (Gebotsnorm) e de um dever jurídico desta decorrente, e como as normas impositivas estão consagradas em preceitos constitucionais, segue-se que uma omissão juridicamente relevante (normwidriges Unterlassen) terá de ser também uma omissão constitucionalmente ilícita (verfassungswidriges Unterlassen). A omissão legislativa é ainda violadora dos direitos fundamentais (grundrechtswirig) quando o não cumprimento do dever legislativo de actuação implica, de modo necessário, a violação de um direito fundamental”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 373.
57
originários a prestações visa-se assegurar um estatuto subjectivo,
haja ou não uma concretização legal”.147
É interessante notar, que em alguns pontos, Canotilho e
Ferrajoli, convergem, sendo um destes pontos, a concepção de que os direitos
fundamentais são do cidadão148/pessoa149. Nas lições de Canotilho:
“Dimensão subjectiva, que resulta: a) da consagração
constitucional destes direitos como direitos fundamentais dos
cidadãos e não apenas como “direito objectivo” expresso através
de “normas programáticas” ou de <<imposições constitucionais
(direitos originários de prestações); b) da radicação subjectiva de
direitos através da criação por lei, actos administrativos, etc., de
prestações, instituições e garantias necessárias à concretização
dos direitos constitucionalmente reconhecidos. É neste segundo
sentido que se fala de direitos derivados a prestações (assistência
social, subsídio de desemprego, etc.) que justificam o direito de
judicialmente ser reclamada a manutenção do nível de realização
e de se proibir qualquer tentativa de retrocesso social”.150
Sabendo-se que o Estado – Prestacional - Social não estava
preparado para dar conta dos reclamos sociais, surgiram as teses do governo e
dos seus defensores que o Estado não pode tudo, que o Estado tem um limite, e
este limite é o orçamento, e logo, há uma reserva do possível. Contra este
discurso que virou moda, Canotilho explica:
“A “perda de justiciabilidade” e a colocação dos direitos a
prestações dentro da “reserva do possível” e da “reserva de lei”
devem ser compensadas por uma intensificação de participação
democrática na política dos direitos fundamentais. A liberdade de
147 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 373.
148 Nomeclatura usado por Canotilho, ver p. 374 da obra ‘Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador’.
149 Nomeclatura usado por Ferrajoli, na obra ‘Derechos y garantías’: la ley de más débil. Trad. Perfecto Andres Ibanez y Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 1999, p. 27.
150 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 374.
58
conformação do legislador na concretização (ou não
concretização) dos direitos a prestações sofre aqui a
“compreensão democrática” constitucional de forma a evitar-se
que: (1) a pretexto de não haver “meios jurídicos”, os direitos
fundamentais se tornem “fórmulas vazias”, em virtude de o
legislador “não ter vontade” ou “ser incapaz” de “actualizar” os
direitos econômicos, sociais e culturais, constitucionalmente
garantido; (2) o “conhecimento jurídico” e as “valorações políticas”
dos recursos necessários à “efectivação dos direitos fundamentais”
não resvale para o “arbítrio” e completa desconformidade com os
“princípios de realização” constantes de normas constitucionais.
Eis porque os direitos econômicos, sociais e culturais, ao
transformarem-se em “modelos de acção” para o Estado e os
cidadãos, exigem uma compreensão material quer dos direitos
fundamentais, quer da liberdade de conformação do legislador”.151
E arremata o autor:
“A realização legislativa dos direitos fundamentais pressupõe a
“desvinculação” do princípio constitucional da reserva de lei de um
unidimensional conceito de liberdade, aliado a uma função
exclusivamente negativa da legislação. Compreender a reserva de
lei, no âmbito dos direitos fundamentais, como simples
“autorização de ingerência” ou como “norma de competência” com
base na qual o legislador pode, excepcionalmente, “coagir” uma
esfera individual preexistente e predeterminada, significaria
continuar a entender a legislação e os direitos fundamentais como
antíteses autônomas”.152
Ao legislador cabe obedecer a Constituição, e criar a lei para
regulamentar o direito fundamental previsto na norma Constitucional. Não se trata
de uma mera discricionariedade, ou um simples convite ao legislativo, mas sim, de
uma imposição constitucional constituindo a mora legislativa, num total
151 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 379.
152 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 379.
59
desrespeito ao Constituinte Originário – que nada mais é do que povo brasileiro -,
bem como, um verdadeiro atentado/violação aos direitos fundamentais.153
É inaceitável o Supremo Tribunal Federal, não dar o devido
valor ao mandado de injunção, ou mesmo a ADIn por Omissão, sob o argumento
que a interferência do Judiciário fere o princípio da independência dos poderes,
pois, sendo a Constituição Federal a lei maior, todos os poderes devem obedecê-
la, e nisto entra também o legislativo, com a obrigação de criar as leis que a Carta
Magna manda.
Portanto, o Judiciário quando é provocado num caso onde o
legislativo foi omisso, deveria ordenar que o legislador fizesse o seu dever, e não
vemos isto como ingerência, mas sim, como papel do STF, de fazer a verdadeira
guarda da CR (art. 102, I da CR). Por este motivo cada vez se mostra mais
importante discutir-se a democratização do acesso ao STF, pois a livre escolha do
Presidente apresenta elementos que não se perfectibilizam com a transparência
de uma República.
Canotilho para justificar a possibilidade de concretização dos
direitos fundamentais a prestação, vai buscar como um dos seus fundamentos, o
princípio da igualdade154.
Acredita o autor - e nisto não deixa de ter razão – que o
princípio da igualdade, implica numa obrigação do legislador, de não deixar
ocorrer desigualdades sociais155, e para isto, necessita o legislativo de uma firme
153 “Fundamentando originariamente direitos a prestações, não é legítimo dizer-se que as normas consagradoras destes direitos são leges imperfectae, sem qualquer conteúdo jurídico-constitucional antes da sua concretização legislativa”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 379.
154 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Para Canotilho, o princípio da igualdade perante a lei significa “igualdade na aplicação do direito” (pág. 380), que é igual a “igualdade através da lei” (pág. 381).
155 “..., o princípio da igualdade, como elemento constitutivo de uma imposição constitucional concreta, fundamenta inequivocadamente um dever legislativo de actuação”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 387.
60
atuação, criando as leis – ulteriores – para suprimir qualquer discriminação
atentatória ao ser humano.156
Finaliza o autor este ponto – que é ponto que nos interessa
nesta 1ª edição – defendendo sua Constituição Dirigente, dizendo:
“A constituição dirigente pressupõe que aos poderes públicos –
designadamente legislador e órgãos de direcção política – se deve
assegurar uma capacidade de acção necessária para o
cumprimento do “programa constitucional” e das “imposições
legiferantes”. Todavia, o direito a prestações e a efectividade da
igualdade de oportunidades não atentam, segundo alguns, num
problema crucial da democracia: o reconhecimento destas
prestações implica uma tendência para “expectativas escalantes” e
reivindicações progressivas, inevitavelmente conducentes à
“sobrecarga do governo” e à “ingovernabilidade”. Estas referências
descritivas justificam, segundo se crê, aquilo que se começou por
se afirmar em sede de pré-compreensão: a teoria da constituição
dirigente é indissociável, como qualquer outra teoria, da pré-
compreensão do Estado e da sociedade157.”.
Lendo a 1ª edição, nota-se um autor empolgado que escreve
sobre sua Constituição Portuguesa - mas que em verdade aproveita-se
praticamente tudo o que ele fala em terra brasilis – demonstrando os ‘problemas’ e
‘falhas’ na aplicação das normas constitucionais.
Aquilo que se deduz sejam problemas, para o autor não
passa de uma má interpretação, pois, como bem dito, o direito está na norma
constitucional, e não na lei posterior, e não é porque não se cria a lei que não se
pode aplicar o direito, ou mesmo, dizer que o direito é inexistente.
156 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 384.
157 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 392.
61
A omissão legislativa inverte a ordem das coisas, pois, ao
legislador só cabe uma coisa, qual seja, cumprir a Carta Constitucional, e legislar
segundo seus termos.
O texto coerente e sábio da 1ª edição sofre críticas lá em
Portugal e aqui no Brasil, e o autor volta atrás sobre o seu posicionamento, e
relativiza sua ‘Constituição Dirigente’, lançando a 2ª edição, conforme se verá
abaixo.
3.1.2 A 2ª edição de ‘Constituição Dirigente’ de Canotilho
Na 2ª edição de Constituição Dirigente, o autor português
demonstra certa preocupação com as críticas recebidas e procura no prefácio
dissipá-las.
Chamando a sua obra de um filho enjeitado158, o autor quer
com isto “explicar, mesmo per suma capita, a actual situação do dirigismo e
programaticidade constitucionais”.159 O autor descreve ainda que as décadas de
setenta e oitenta apresentavam acontecimentos políticos contraditórios e os textos
constitucionais se circundavam num movimento da modernidade projetante.160
Nas palavras do autor:
“(...) as constituições dirigentes registravam o momento epigonal
da modernidade num tempo em que ganhavam estatuto de
158 “Esta 2ª edição da nossa tese de doutoramento tem uma história. Vale a pena ser contada porque ela justifica o aparecimento de uma nova edição e a relativa mudança da opinião do autor relativamente ao livro em referência. A idéia reiterada em várias reimpressões da obra reconduzia-se ao seguinte: é irrevisível o livro que, com as suas qualidades e defeitos, representa as posições do autor numa certa época. O texto e o contexto são indissociáveis e, por isso, mais valia deixar em repouso a narrativa de 1982 do que procurar insuflar-lhe um novo sopro de pós-modernidade”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a compreensão das normas programáticas. 2ª edição: Coimbra, 2001, pág. V.
159 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. V.
160 “Não admira, assim, que os textos constitucionais dirigentes se viessem a defrontar com uma radical mudança na compreensão dos problemas políticos, econômicos e culturais”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. VI.
62
ideologia dominante as significações retóricas e retoricizantes do
pós-modernismo. (...) é inegável que todo o constitucionalismo –
do liberal ao programático-social – se insere no projecto da
modernidade. As constituições eram corolários da razão política e
humanista, constituíam propostas do devir político e social (...) as
constituições liberais e sociais, mas mais estas do que aquelas,
escondem no seu bojo um pecado mortal – a lógica da
narratividade emancipatória, a ideia de progresso do homem, a
utopia da desalienação, a promessa da felicidade para as
mulheres e o homem do presente e das próximas gerações
futuras. O desafio que se coloca aos cultores do direito
constitucional não pode ser outro que não o de tentar compreender
as novas lógicas, as novas razões, os novos mitos.”161
Mais à frente o autor expõe que a Constituição Dirigente,
possui problemas atuais, como de: inclusão; referência; reflexividade;
universalização; materialização do direito; reinvenção do território;
fundamentação162; e, simbolização.
É possível verificar que o cerne do prefácio da 2º edição de
Canotilho, foi transformado em um artigo intitulado ‘Rever ou Romper com a
Constituição Dirigente’, que será tratado mais a frente num momento adequado. O
que nos interessa deste prefácio, é a conclusão das explicações dada pelo autor,
na seguinte forma:
“Em jeito de conclusão, dir-se-ia que a Constituição dirigente está
morta se o dirigismo constitucional for entendido como
normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si,
operar transformações emancipatórias. Também suportará
impulsos tanáticos qualquer texto constitucional dirigente
introvertidamente vergado sobre si próprio e alheio aos processos
161 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. VI-VII.
162 “A constituição dirigente lidava com fins, tarefas, encargos, missões, valores. Hoje argumentava-se racionalmente em termos de paradoxos, de dilemas e de teoremas. A racionalização argumentativa – muitas vezes em termos matemáticos – causa aqui alguns dos problemas sentidos em economia. A idéia dirigente compatibiliza-se com uma lógica material de valores mas coaduna-se pouco com a razão lógica dos discursos analíticos.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. XXV.
63
de abertura do direito constitucional ao direito internacional e aos
direitos supranacionais. Numa época de cidadanias múltiplas e de
múltiplos de cidadania seria prejudicial aos próprios cidadãos o
fecho da constituição, erguendo-se à categoria de <<linha de
Maginot>> contra invasões agressivas dos direitos fundamentais.
Alguma coisa ficou, porém, da programaticidade constitucional.
Contra os que ergueram as normas programáticas a <<linha de
caminho de ferro>> neutralizadora dos caminhos plurais da
implantação da cidadania, acreditamos que os textos
constitucionais devem estabelecer as premissas materiais
fundantes das políticas públicas num Estado e numa sociedade
que se pretendem continuar a chamar de direito, democráticos e
sociais.”163
Apesar de já terem se passado mais de duas décadas e
meia, da 1ª edição da Constituição Dirigente de Canotilho, sua obra ainda gera
muita discussão, em especial a modificação de pensamento, explanada no
prefácio da 2ª edição, que gerou a denominação de Canotilho II.164
Esta virada de pensamento, inclusive gerou motivo para um
diálogo, no estilo do século XXI, através de vídeo conferência, que acabou virando
livro chamado ‘Canotilho e Constituição Dirigente’.165
No referido diálogo, Eros Roberto Grau, procura de pronto
buscar o significado dado por Canotilho sobre “Constituição dirigente”, dizendo
assim:
163 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. XXX.
164 Eros Roberto Grau - numa espécie de resenha de um prefácio, in “Canotilho e a Constituição Dirigente” - assim fala: “Tem-se falado, ora para criticar, ora com certa afetuosidade, em um “CANOTILHO II”. É bom que seja assim, porque o verdadeiro intelectual é aquele que se renova saturnianamente, devorando suas próprias idéias, para reconstruí-las incessante e permanentemente. A pausa na reflexão, ela sim é a morte absoluta do que se julga sábio. Também por ser já um outro CANOTILHO – e porque há de serem outros, amanhã e depois – todos eles permanecem a nos ensinar.” COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 21-22.
165 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
64
“Diz ele [2001:11] que o título do seu livro – Constituição dirigente
e vinculação do legislador – “aponta já para o núcleo essencial do
debate a empreender: o que deve (e pode) uma constituição
ordenar aos órgãos legiferantes e o que deve (como e quando
deve) fazer o legislador para cumprir, de forma regular, adequada
e oportuna, as imposições constitucionais”.
(...)
Mais adiante [2001:224], o CANOTILHO afirma que, no seu
trabalho, a constituição dirigente “é entendida como o bloco de
normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do
Estado, se estabelecem directivas e estatuem imposições. A
constituição dirigente aproxima-se, pois, da noção de constituição
programática”.166
Para Eros Grau, a alegada morte da Constituição Dirigente, é
relativa167, e que a Constituição quando elaborada é fruto de um tempo, que nem
sempre caminha em paralelo com a realidade do tempo em evolução, pois, nas
palavras de Eros Grau: ”Quem escreveu o texto da Constituição não é o mesmo
que o interpreta/aplica, que o concretiza.”.168
Ainda Eros Grau, diz que a terminologia “normas
programáticas”, traz “vícios ideológicos perniciosos”, pois, o “adjetivo não
desqualifica o substantivo a que vem acoplada”169, e reconhece que acabou
revendo seu posicionamento sobre o tema, se reportando a uma decisão do
Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, que, em acórdão já de
29 de janeiro de 1969 [NJW 1969, Heft 14, págs. 597-604], assumiu o
entendimento nos seguintes termos enunciado, parcialmente, na síntese de
ROLANDO E. PINA [1973:72 e ss]:
166 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.
167 Fazendo a ressalva o autor de que: “se é que se pode morrer não em termos absolutos”. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.
168 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p.XXIII. 169 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.
65
“a) quando a teoria sobre normas constitucionais programáticas
pretende que na ausência de lei expressamente reguladora da
norma esta não tenha eficácia, desenvolve uma estratégia mal
expressada de não vigência (da norma constitucional), visto que, a
fim de justificar-se uma orientação de política legislativa – que
levou à omissão do Legislativo – vulnera-se a hierarquia máxima
normativa da Constituição;
b) o argumento de que a norma programática só opera seus
efeitos quando editada a lei ordinária que a implemente implica,
em última instância, a transferência de função constituinte ao
Poder Legislativo, eis que a omissão deste retiraria de vigência,
até a sua ação, o preceito constitucional;
c) não dependendo a vigência da norma constitucional
programática da ação do Poder Legislativo, quando – atribuível a
este a edição de lei ordinária -, dentro de um prazo razoável, não
resultar implementado o preceito, sua mora implica em violação da
ordem constitucional;
d) neste caso, tal mora pode ser declarada inconstitucional pelo
Poder Judiciário, competindo a este ajustar a solução do caso sub
judice ao preceito constitucional não implementado pelo legislador,
sem prejuízo de que o Legislativo, no futuro, exerça suas
atribuições constitucionais.
(...)
É contudo essencial, para a conservação da República, a
vinculação do legislador, pois não há governo constitucional sem
essa sua vinculação à Constituição, ainda que conforme diferentes
graus de intensidade vinculativa.
Pois é certo que o normativismo constitucional revolucionário e a
programaticidade constitucional (vinculação do legislador) não
estão no mesmo plano, seqüencialmente, mas superpostos, de
modo que a exclusão do primeiro não significa qualquer
necessária amputação na idéia de Constituição dirigente. Ainda
que o primeiro seja ultrapassado, há de ficar a vinculação do
legislador como condição indispensável da conservação da
República.”170
Veja-se como é importante para o cenário jurídico nacional,
que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, tenha revisto seu posicionamento e
170 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.
66
passado a adotar a efetividade/aplicabilidade das normas constitucionais,
fundamentando-se em pensamento jurisprudencial europeu.
Um dos responsáveis pela possibilidade do diálogo que viu
livro, foi um orientando brasileiro do Professor Canotilho, chamado Néviton
Guedes, que respondendo em parte os questionamentos acima, argumentando o
motivo da criação da 1ª edição da obra de Canotilho dizendo:
“Para dar resposta a esses graves problemas é que o Professor
Canotilho se colocou a tarefa de, com a sua tese de doutoramento,
produzir um estudo – com suficiência teórica e dogmática – apto a
oferecer respostas juridicamente convincentes às objeções
levantadas por uma reação jurídica (e política) que se mostrava
excessivamente conservadora. É nesse contexto que surge a sua
“Constituição Dirigente”. A obra, como se vê, buscava a afastar de
vez as dúvidas quanto à inquestionável aplicabilidade das normas
ditas programáticas.
(...)
... Constituição Dirigente e a Vinculação do Legislador oferece ao
leitor desde uma construção de uma Teoria da Constituição
constitucionalmente adequada, passando por uma brilhante
recuperação de todas as grandes teorias da Constituição então
existentes, avança pelos estudos dos mais importantes teóricos do
direito da época (jurista ou não), até alcançar o seu núcleo
essencial, que é a discussão sobre a discricionariedade do
legislador, onde oferece limites convincentes – tanto negativos,
como positivos – à atuação do poder legislativo.”171
Néviton Guedes afirma ainda que diferente do que ocorre no
Brasil, lá em Portugal a obra entre outros fatores, surtiu seu efeito172, e as normas
171 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XIV. 172 “(...), diferentemente do que ocorre em nosso país, onde o âmbito normativo dito programático da Constituição ainda enfrenta severa resistência conservadora, como avalia o próprio professor Canotilho, o livro, em Portugal, juntamente com outros fatores (entre os quais, certamente se situam as reformas que foram promovidas na Constituição Portuguesa de 1976), já alcançou adequadamente os seus objetivos. Infelizmente, porém, como se disse, essa não é a realidade brasileira. Como todos sabem, tácita ou expressamente, ainda se cultiva uma nada desprezível oposição, tanto de setores políticos como acadêmicos, no que se refere ao cumprimento das normas constitucionais que impõem objetivos, tarefas e finalidades ao legislador. Aliás, bem avaliada a questão, os grupos hegemônicos, no Brasil, manifestam uma especial vocação para o
67
programáticas, tiveram seu reconhecimento, afirmando ainda ao final de seu
apontamento, que não há que falar-se de “antinomia ou contradição entre um e
outro Canotilho.”173
Eros Grau, pergunta a Canotilho no referido diálogo, se “o
sentido diretivo teria se deslocado da Constituição e rumado para os Tratados
Internacionais”, sendo respondido por Canotilho que:
“(...) a Constituição dirigente era um projecto da modernidade, um
projecto de transformação, um projecto com sujeitos históricos (até
em termos hegelianos), sujeitos que, que no caso da Constituição
portuguesa, eram os trabalhadores, as classes trabalhadoras, o
Movimento das Forças Armadas.
(...)
Quer queiramos quer não, quanto a essa Constituição dirigente
temos de ser humildes e dizer que ela acabou. Mas isto não pode
significar que não sobrevivam algumas dimensões importantes da
programaticidade constitucional e do dirigismo constitucional.”.
(...) a Constituição Portuguesa trouxe o direito a igualdade, e não
se deu o devido valor a esta norma, mas, bastou Portugal assinar
tratados internacionais que constassem o mesmo direito, para
todos erguerem a bandeira da importância da igualdade. Foi neste
sentido que Canotilho disse haver migrado a diretividade, pois, se
dá mais valor aos tratados do que o próprio texto
Constitucional.”174
Não podemos esquecer que um tratado para ser convalidado
como norma aplicável internamente, tem que ser aprovado pelo Congresso, e
estar conforme a Carta Constitucional interna, sob pena de não ser vigente.
É importante entender esta resposta dada por Canotilho, que
na verdade, o que faltou para a concretização da Constituição Dirigente foi o
não-cumprimento da Constituição que não se restringe ao seu âmbito programático. Somem-se a essa constatação particular à nossa realidade – de que os objetivos visados com Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador não foram aqui ainda totalmente conquistados”. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 07-08.
173 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 09. 174 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 08.
68
movimento do povo para efetivação das normas, houve uma ausência de
reivindicação do cidadão português de seus direitos. Willis Santiago Guerra Filho
diz que a ‘Constituição é um processo’175, onde o primeiro passo é o texto e o
segundo a vontade popular de transformar aquele texto em realidade, quem sabe
seja isto que faltou em Portugal, pois, aquele ‘sujeito’ não existia mais, conforme
afirmou Canotilho.
Um dos interlocutores do diálogo foi o professor Lênio Luiz
Streck, que destacou sobre a visão procedimentalista de Canotilho em desfavor da
substancialista, sendo-lhe respondido por Canotilho assim:
“Bem. Eu tenho escrito e dito que não sou muito defensor da idéia
de total judicialização da vida política. Aqui, na Europa, parece que
se considera que os tribunais constitucionais e os outros tribunais
são a últimas etapas do aperfeiçoamento político. As últimas
sugestões feitas aqui mesmo, na minha Faculdade, vão no sentido
de que a visão principialista só tem sentido numa visão
jurisprudencialista do direito.
A isso eu respondo: pelo contrário, as grandes etapas do homem
não foram os juízes que as fizeram, foi o povo, com outros
esquemas organizativos e com outras propostas de actuação.”176
Não se discorda do autor, que o povo é o responsável pela
efetivação dos direitos, mas quando o povo é omisso, como foi em Portugal, é
necessário à intervenção do Judiciário, para não se perder a força diretiva da
Constituição.
O movimento procedimentalista em nossa visão, só serve
quando as pessoas têm total noção de seus direitos e efetivamente participação
das decisões. No Brasil, a mídia e outros setores manipulam a vontade popular, e
o povo é uma marionete que dança de acordo com as notas tocadas, logo, em
nosso país, o movimento substancialista é o ideal na atualidade, não querendo
175 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 20. 176 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 26.
69
dizer que após o amadurecimento mental da população, não possamos trocar de
modelo.
O idealizador do encontro, o professor Jacinto Nelson de
Miranda Coutinho, pergunta ao professor lusitano, sobre o que ele pensa sobre o
discurso apresentando pelos neoliberais, que afirmam que a Constituição
Dirigente estaria morta, como forma de atacar diretamente o Estado Social, e
sobre isto Canotilho assim responde:
“... quando alguns atacam o estado social e a idéia de socialidade
do estado, a idéia de direitos econômicos, sociais e culturais,
muitas vezes não sabem do que falam. Quando atacam estas
premissas da sociedade em nome de maior eficácia, de maior
eficiência, estão a pôr em causa uma outra luta, a luta contra essa
outra violência que é a pobreza. Eu tenho afirmado aí no Brasil
que o problema da pobreza se coloca sobretudo com grande
acuidade nestas situações, em que milhões de pessoas são
pobres e não têm culpa de terem nascido pobres. Ora os
esquemas neo-liberais parecem desconhecer esta questão, ou
seja, desconhecem que a socialidade implica ainda uma
positividade do poder, uma positividade do Estado, um
compromisso do Estado que não pode ser facilmente substituído
por esquemas difusos, por esquemas outros que podem já ser
operacionais em determinados contextos culturais, mas
dificilmente o são noutras formas de evolução”.
(...) quando coloca essas questões da ‘morte da constituição
dirigente’, o importante é averiguar por que é que se ataca o
dirigismo constitucional. Uma coisa é dizer que estes princípios
não valem e outra é dizer que, afinal de contas, a Constituição já
não serve para nada, já não limita nada. O que se pretende é uma
coisa completamente diferente da problematização que vimos
efectuando: é escancarar as portas dessas políticas sociais e
econômicas a outros esquemas que, muitas vezes, não são
transparentes, não são controláveis. Então eu digo que a
constituição dirigente não morreu.
(...)
70
Não sei se respondi às vossas angústias, mas, neste aspecto, eu
sou firme quanto ao dirigismo constitucional”.177
Canotilho com esta resposta, esta a demonstrar que o papel
da Constituição Dirigente que ainda não se transformou não deixa de ter seu valor,
pois, o Estado Social Democrático de Direito, ainda existe nos tempos de
modernidade, e cabem a este Estado algumas tarefas que são primordiais, e uma
delas é respeitar o texto Constitucional, e fazer valer seu dirigismo constitucional.
3.1.3 O pensamento de Canotilho no séc. XXI
Em 2006, José Joaquim Gomes Canotilho, lança um livro da
Coleção “O Tempo e a Norma”, da Editora Almedina de Coimbra, organizada por
Rui Cunha Martins, na forma de coletânea de seus artigos anteriormente escritos,
intitulado “Brancosos” e Interconstitucionalidade: Itinerários dos Discursos sobre a
Historicidade Constitucional”.178
Na referida obra, existe um artigo chamado “O dirigismo
constitucional e sua crise”, o que demonstra que para o autor, o seu pensamento
do inicio da década de 80 não teria dado certo.
Canotilho inicia o artigo explicando-se:
“Esta expressão – “Constituição dirigente” – revelou-se,
posteriormente, um termo equívoco. Em primeiro lugar, a
Constituição dirigente passou a ser identificada com dirigismo
programático-constitucional. As críticas movidas contra este
dirigismo ganharam grande virulência quando a programaticidade
constitucional era reconduzida à idéia de narratividade
emancipatória. O texto constitucional deixava de ser uma lei para
se transformar numa “bíblia de promessas” de “novas sociedades”
(“transição para outra sociedade”, “sociedade mais justa”). Em
segundo lugar, a Constituição dirigente pressupunha uma
177 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 26. 178 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade: ITINERÁRIOS DOS DISCURSOS SOBRE A HISTORICIDADE CONSTITUCIONAL”. Coleção “O Tempo e a Norma”. Coimbra: Almedina, 2006.
71
indiscutida autosuficiência normativa parecendo indicar que
bastavam as suas imposições legiferantes e as suas ordens de
legislar para os seus comandos programáticos adquirirem
automaticamente força normativa. O problema central da
constituição dirigente consistia (e consiste) em saber se através de
“programas”, tarefas e directivas constitucionais se conseguiria
uma imediaticidade actuativa e concretizável das normas e
princípios constitucionais de forma a acabar com os queixumes
constitucionais da “constituição não cumprida” ou da “não
concretização da constituição”. Em terceiro lugar, a teoria da
constituição dirigente procurava fornecer arrimos jurídico-
dogmáticos a uma fundamentação dos limites materiais-
constitucionais vinculativos do legislador. Diversamente do que
entendia a doutrina tradicional arreigada à idéia de constituição
dirigente procurava extrair das normas constitucionais as
determinantes positivas da actividade legislativa. No fundo, a
doutrina explicava mal o enigma de um legislador desvinculado
nos fins, quando, na verdade, alguns preceitos da constituição se
revelavam suficientemente densos e determinantes para limitarem,
em termos jurídicos, os “excessos” do poder legislativo”.179
Para aqueles que acreditavam e sonhavam na força da
Constituição Dirigente – como nós que ainda acreditamos -, receberam um banho
de água fria, pois, o próprio autor, não lhe dava o merecido valor180.
Na mesma linha de discussão, Canotilho escreveu outro
trabalho181 chamado “Rever ou Romper com a Constituição Dirigente: Defesa de
um Constitucionalimo Moralmente Reflexivo”, onde procura neste trabalho,
flexibilizar a sua Constituição Dirigente, já traçando seu novo pensamento, qual
179 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 31-32. 180 “Teremos oportunidade de analisar (...) algumas das razões justificativas do nosso aparente desencanto perante o dirigismo normativo-constitucional. Aparente desencanto, repita-se. Continuamos a defender a Constituição como lei-quadro fundamental condensadora de premissas materialmente políticas, econômicas e sociais (...) Nuns casos, é razoável admitir que o conhecimento emancipatório do Estado auxilie a articulação do pensamento de realidade com o pensamento de possibilidade”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 34-35.
181 A primeira publicação deste artigo foi feita pela Revista dos Tribunais, na 15ª edição dos Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, em 1996. Referido artigo, foi republicado na Coletânea “BRANCOSOS” em 2006.
72
seja, um governo responsável através de um constitucionalismo moralmente
reflexivo.182
Demonstrando não mais acreditar em sua teoria, o autor diz:
“A Constituição dirigente, ou melhor, os textos constitucionais carregados de
programaticidade (...) estão num “fosso” sob o olhar implacável de muitos
escárneos e mal-dizeres”.183 Ainda complementa o autor: “... os olhares políticos,
doutrinários e teoríticos de vários quadrantes (...) não se cansam de proclamar a
falência dos “Códigos dirigentes” num mundo caracterizado pela conjuntura, a
circularidade, os particularismos e os riscos”.184
Procurando apresentar uma nova serventia a Constituição, o
autor explica que:
“(...) subjaente ao programa constitucional está toda uma filosofia
do sujeito e uma teoria da sociedade cujo voluntarismo desmedido
e o holismo planetário condizirão à arrogância de fixar a própria
órbita das estrelas e dos planetas. A Constituição será, desta
forma, o caminho de ferro social e espiritual através da qual vai
peregrinar a subjetividade projectante (...) a ideia de directividade
constitucional terá ainda hoje sentido quando inserida numa
compreensão crítica próxima do chamado constitucionalismo
moralmente reflexivo”.185
Uma Constituição serve antes de tudo, para regular a relação
vertical entre Estado e cidadão186, e nem sempre isto pode ser visto como uma
regulação desnecessária, se fazendo às vezes, como um caminho seguro. Porém,
182 Em verdade, este trabalho faz parte do meio do prefácio da 2ª edição de Constituição Dirigente de Canotilho.
183 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 08. 184 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente, p. 08. 185 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 09. 186 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente, a nota de roda-pé na página 08, diz o seguinte: Paulo, Convivium, n. 6, 1988: Nessa linha – escreve esse autor – a Constituição deve ser mais de que uma organização limitativa do poder: Deve ser um grande programa de transformações políticas, mas sobretudo econômicas e sociais.
73
o autor demonstra neste artigo certo descontentamento com esta regulação,
dizendo:
“As constituição dirigentes, entendidas como constituições
programático-estatais não padecem apenas de um pecado original
– o da má utopia do sujeito projectante, como dissemos; elas
ergueram o Estado a “homem de direcção” exclusiva ou quase
exclusiva da sociedade e converteram o direito em instrumento
funcional dessa direcção. Deste modo, o Estado e o direito são
ambos arrastados para a crise da política regulativa”187.
É sabido que existem fatores externos a ordem jurídica, que
exercem pressão – ás vezes incontrolável – na organização e funcionamento do
Estado. O legislador e o aplicador do direito, não podem ser tolos em
desconsiderar estas forças. Porém, o que discordamos, é que na maioria das
vezes os princípios da Constituição, tenham sempre que ceder a estes
fenômenos188. O autor ainda aponta a força da globalização na ordem jurídica, e
diz:
“Mesmo que as constituições continuem a ser simbolicamente a
magna carta da identidade nacional, a sua força normativa terá
parcialmente de ceder perante novos fenótipos político-
organizatórios, e adequar-se, no plano político e no plano
normativo, aos esquemas regulativos das novas “associações
abertas de estados nacionais abertos”189
Por outro lado, em vários pontos de seus artigos, o autor
procura demonstrar que não abandonou sua tese, ou seja, o que ele busca é rever
187 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 8-9. 188 “Outra das fragilidades epistémicas de um texto constitucional dirigente consistiria no seu autismo nacionalista e patriótico. Se bem compreendemos as coisas, o défice epistémico da programaticidade constitucional não estaria apenas na conversão irrealista de uma simples folha de papel em instrumento dirigente da sociedade. Para além disso, a Constituição arrogar-se-ia ao papel de alavanca de Arquimedes com força para transformar o mundo, mas sem atender ao facto de ela estar cercada por outros mundos. Por outras palavras: o dirigismo normativo-constitucional repousa no dogma “Estado-soberano”, constituindo a “soberania constitucional” um corolário lógico desde mesmo dogma”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 10.
189 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 10.
74
sua Constituição Dirigente, e assim ele aponta aos seus críticos dizendo “... os
“pecados” e “maldades” apontados com justeza ao dirigismo normativo-
constitucional não tolhem totalmente a razoabilidade racional do discurso jurídico –
dogmático em torno da “constituição dirigente190”.”
A Constituição Dirigente, teria assim, um papel de apresentar
as tarefas do Estado191, e os órgãos do Poder Público, deveriam assim, apenas
cumprir as referidas tarefas. Não cabe ao aplicador e ao legislador
discricionariedade, mas sim, cumprir de acordo com os mandamentos da
Constituição. Isto é dito implicitamente por Canotilho quando declara que:
“O outro “modelo” responde à questão do Estado em sentido
diametralmente oposto: é a Constituição que pertence “decidir”
vinculativamente sobre as tarefas do Estado. O fundamento e
medidas jurídicos para o exercício de tarefas é a Constituição.
Neste sentido, as tarefas do Estado são tarefas constitucionais”192.
Mas de todo o seu texto, o que traz complexidade, e
demonstra – pelo menos para nós – que realmente Canotilho não reviu, mas sim,
rompeu com sua tese, é quando o autor afirma que é errôneo acreditar na
imediatividade do texto constitucional, vejamos:
“Uma outra incompreensão teórica relacionada com a constituição
dirigente é suscitada pela expressão “directamente aplicável”
oriunda da Constituição de Bona e posteriormente transferida para
os textos constitucionais de Portugal, Espanha e Brasil (art. 5º,
LXXVII, 1º). Como é sabido, através da idéia de direito
directamente aplicável expressamente plasmada no art. 1º/3 da
Grundgesetz (Ünmittelhar geltendes Recht”) pretende-se afirmar
que a Constituição se impõe como lei mesmo no âmbito dos
direitos fundamentais, que, desta forma, não podem ser
190 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 10. 191 “A teoria da Constituição dirigente procurou associar o recorte categorial de tipos de normas constitucionais – normas-fim, normas-tarefa, imposições constitucionais – a uma teoria das tarefas do Estado”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 11.
192 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 12.
75
rebaixados a simples declarações ou normas programáticas ou até
a simples fórmulas de oportunidade política. Todavia, a expressa
afirmação da vinculatividade não significa nem significa que as
normas consagradoras de direitos fundamentais excluam a
necessidade de uma maior densificação operada sobretudo
através da lei”.193
E prossegue o autor:
“O problema está (...) no alargamento não sustentável da força
normativa directa das normas constitucionais a situações
necessariamente carecedoras da interpositio legislativa. É o que
acontece, a nosso ver, com a acrítica transferência do princípio da
aplicabilidade imediata consagrado no art. 5º, LXXVII, 1º da
Constituição Brasileira a todos os direitos e garantias fundamentais
de forma a abranger indiscriminadamente os direitos sociais
consagrados no Capítulo II no caso de existência de omissões
inconstitucionais”.194
Alega o autor, que o próprio Constituinte originário, quando
da criação do texto, não acredita na força dele195. Daí surge à indagação: então
porque existe o texto? Pensamos que esta concepção do autor é pessimista de
mais, pois, a nossa Constituição Cidadã, teve a participação de todos os
193 Em outro trecho, na p. 15, se vê esta posição desacredita do autor, quando diz: “... o livre desenvolvimento da personalidade e a defesa da dignidade da pessoa humana postulam ética e juridicamente a positivação constitucional dos chamados “direitos sociais”, mas uma coisa é recortar juridicamente um catálago de direitos da terceira geração e, outra, fazer acompanhar a positivação dos direitos de um complexo de imposições constitucionais tendencialmente conformadoras de políticas públicas de direitos econômicos, sociais e culturais”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 12-13.
194 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 12-13.
195 “Nestas linhas condensam-se alguns dos problemas levantados pela hipertrofia de imposições constitucionais (...) Os constituintes moderados aceitam, no momento fundacional, compromissos emancipatórios semanticamente formulados, mas na acreditam neles, nem tencionam levá-los à prática (...) é preciso parcimônia normativa quanto a positivação constitucional de imposições (...) o instituto da inconstitucionalidade por omissão deve manter-se, não para deslegitimar governos e assembleias inertes, mas para assegurar uma via de publicidade crítica e processual contra a constituição não cumprida”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 14.
76
membros, grupos e classes da sociedade, e o seu conteúdo, não é uma simples
folha de papel (Lassale), mas sim, um caminho a seguir196.
Canotilho sustenta que um mínimo da Constituição deva ser
preservado e aplicado:
“Qualquer constituição possui um núcleo de identidade aberto ao
desenvolvimento constitucional. Entendemos por núcleo de
identidade o conjunto de normas e princípios estruturantes de uma
determinada ordem jurídico-constitucional. Desenvolvimento
constitucional significa o conjunto de formas de evoluções da
Constituição (nova compreensão dos princípios, propostas
interpretativas, alargamento da disciplina constitucional a novos
problemas). A articulação da identidade com desenvolvimento
constitucional leva-nos ao conceito de identidade reflexiva que
significa a capacidade de prestação da magna carta constitucional
face à sociedade e os cidadãos”.197
Demonstrando então o autor, que é necessário rever seu
posicionamento, apresenta uma teoria flexibilizadora da Constituição Dirigente,
denominando de ‘constitucionalismo reflexivo’, e assim a defende:
“... a teoria da Constituição deverá continuar a ser uma instância
crítica de um constitucionalismo reflexivo que evite duas
unilateralidades:
1. o peso do discurso da metanarratividade que hoje só poderia
subsistir como relíquia da má utopia do sujeito do domínio e da
razão emancipatória;
2. a desestruturação moral dos pactos fundadores escondidos,
muitas vezes, num simples esquema processual da razão cínica
econômico-tecnocrática.”198
Continua o autor: 196 Nos dizeres de Willis Santiago Guerra Filho, a “Constituição é um processo”, ou seja, é um processo de transformação social. Primeiro surge o texto, depois, as pessoas seguem o texto, até a sua concretização total. A Constituição seria assim, um ‘ponta pé’ inicial, para um novo tempo de prevalência do direito.
197 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 14. 198 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 15.
77
“Um dos desafios com que se defronta este constitucionalismo
moralmente reflexivo consiste na substituição de um direito
autoritariamente dirigente mas ineficaz através de outras fórmulas
que permitam completar o projeto da modernidade (...) nas
condições complexas de pós-modernidade. Nesta perspectiva,
certas formas já apontadas de “eficácia reflexiva” ou de “direcção
indireta” – subsidiariedade, neocorporativismo, delegação – podem
apontar para o desenvolvimento de instrumentos coorporativos
que reforçando a eficácia, recuperem as dimensões justas do
princípio da responsabilidade apoiando e encorajando a dinâmica
da sociedade civil”.199
Canotilho, em certo momento pontua que:
“Uma constituição deve estabelecer os fundamentos adequados a
uma teoria da justiça, definindo as estruturas básicas da sociedade
sem se comprometer com situações particulares (...) a
Constituição não teria de incorporar um projeto emancipatório sob
a forma de “constitucionalização dos excluídos”, mas uma teoria a
justiça edificada sobre a indiferença das condições particulares”.200
Discordamos do autor neste ponto, pois, uma Constituição
quando estiver desacreditada perde sua força e sua razão de existir. Não há como
desconfigurar o sentido da criação de uma Carta Magna, pois, o fim precípuo dela
é ser o instrumento de organização do Estado, e de proteção do cidadão contra o
Estado, e por isto, sua força deve ser suprema.
Nesta onda de constitucionalismo reflexivo, o autor, aponta
um norte a ser seguido, qual seja, um Governo Responsável com suas
obrigações, e com este slogan, o autor apresenta um artigo intitulado:
“Constitucionalismo e Geologia da Good Governace”.201
199 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 16. 200 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 16. 201 “Good governance significa, numa compreensão normativa, a condução responsável dos assuntos do Estado. Trata-se, pois, não apenas da direcção de assuntos do governo/administração mas também da prática responsável de actos por parte de outros poderes do Estado como o poder legislativo e o poder jurisdicional. (...) a good governance insiste
78
No referido trabalho, o autor, apresenta uma comparação um
tanto estranha num primeiro olhar, mas que é explicada pormenorizadamente na
seqüência: “... tal como na geologia, a ciência do direito constitucional aumenta a
sua massa rochosa como resultado das teorias da constituição, da metódica das
normas, da ponderação de princípios, da concretização de direitos fundamentais,
da radicação da democracia, do estear do Estado de direito”.202 E ainda: “O que se
detecta, no dealbar do novo milênio, é uma nova estratificação cujos movimentos
e contornos não são fáceis de recortar. Propomo-nos abrir algumas pistas”.203
Neste novo pensamento, a Constituição possui um papel
regulatório do atuar do governo204, o que de certa forma, esbarra no princípio da
separação de poderes, o qual não entendemos absoluto, com uma única ressalva,
que o Poder Judiciário possa interferir no Executivo e Legislativo, quando estes
desrespeitarem a Constituição205.
Já que tocamos em princípios, o autor afirma ser essencial
para a aplicação desta tese o cumprimento dos seguintes princípios:
“Esta estatalidade aponta para novos princípios: princípio da
transparência dos trabalhos das instituições (...) o princípio da
coerência entre as diferentes políticas e acções que um Estado
promove no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental
e internacional (...) o princípio da eficácia em que se coloca a
novamente em questões politicamente fortes como as da governabilidade, da responsabilidade (accountability) e da legitimação”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 327. E ainda, p. 328: “... a “governação responsável” diz respeito também à “essência do Estado”, pois o desenvolvimento sustentável, centrado na pessoa humana, envolve como elementos essenciais o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, incluindo o respeito pelos direitos sociais fundamentais”.
202 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 326. 203 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 326. 204 “... a Constituição deve ser considerada como lei regulatória em que a good governance assume uma dimensão básica não apenas de “Estado administrativo” mas de um verdadeiro Estado Constitucional”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 326.
205 “... à nova ciência do direito constitucional. Colocar no centro das investigações o princípio da condução responsável dos assuntos do Estado”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 329.
79
questão central de um Estado promover políticas que dêem
resposta às necessidades sociais com base em objectivos claros
(...) por fim, o princípio da democracia participativa em que as
instituições políticas têm o dever fundamental de dialogar com os
cidadãos e outras associações representativas”.206
Ainda:
“O princípio da proporcionalidade (...) deve agora ser articulado
com uma outra idéia de justa medida na condução dos assuntos
do Estado (...) Mas, como se vê, a “good governance” não é uma
constituição nacional, supranacional ou global. Talvez se possa
dizer que é um novo princípio estruturante do multilevel
constitutionalism”.207
Por fim arremata o autor, a percepção que devemos ter ao
surgimento de uma nova cidadania, dizendo:
“Muitas das sugestões anteriores apontam decididamente para
novos conceitos de cidadania. Em primeiro lugar, uma cidadania
centrada também na pessoa humana e não apenas em liberdades
econômicas (liberdade de circulação de pessoas, produtos,
capitais). Em segundo lugar, uma cidadania que, ao pressupor a
accountability (dever de cuidado dos poderes públicos e o dever
de prestar contas) e a responsiveness (sintonia profunda da
actuação dos poderes públicos com as aspirações dos cidadãos),
retoma as dimensões da cidadania activa e participativa e não
apenas da cidadania representativa. Em terceiro lugar, uma
cidadania para além da “cidadania estatal”, pois a condução
responsável e sustentável dos recursos aponta para uma
cidadania cosmopolita, apta a lidar com as novas constelações
pós-nacionais. Em quarto-lugar, uma cidadania grupal que
complementa os múltiplos individuais da cidadania (associações
de ambiente, organizações não governamentais, comissões de
avaliação, etc).”208
206 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 331-332. 207 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 333. 208 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p.334.
80
Eros Roberto Grau por sua vez, entende que é importante
um dinamismo teórico, onde o doutrinador pode repensar sua obra e mudá-la,
caso se convença que aquilo que escreveu não serve mais em outro tempo.
Porém, para nós, a virada (flexibilização) de pensamento do professor português,
era desnecessária, pois, se aquele sujeito projetante da modernidade, apesar de
não constar mais no texto permanece vivo - quem sabe inerte, mas vivo, precisaria
apenas um movimento de conscientização popular, e isto quem faz não é só o
texto, mas, pessoas interessados.
Acreditamos que Canotilho não precisava flexibilizar seu
pensamento (movimento que se denominou ‘Canotilho II’), mas sim, precisava
provocar este sujeito, para que este saísse da inércia, e passa-se a buscar aquilo
que o texto lhe previa. E não podemos deixar de nos preocupar, com aquilo que
Canotilho vem escrevendo no século XXI, pois, nos parece que nada mais existe
daquele Canotilho da tese de doutorado.
81
CAPÍTULO 4
A FORÇA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
4.1 O NEOCONSTITUCIONALISMO
No item 3.2 apresentamos um diálogo em forma de livro feito
entre vários professores aqui do Brasil através de teleconferência com o Professor
Canotilho lá em Portugal. Fazendo um gancho/link com a resposta dada por
Canotilho a pergunta de Eros Grau se a diretiva constitucional havia sido
transferida para os tratados internacionais, vimos que Canotilho frisou que não,
explicando que, o que ocorre, é que se passou a dar valor aos tratados, sem
perceber que o tema/matéria do tratado também consta na Constituição209, em
outras palavras, não se dava valor ao texto constitucional, mas se dava aos
tratados, mesmo quando o direito em si era o mesmo.
O link feito acima, serve para demonstrar que por muito
tempo a Constituição não merecia a atenção necessária, e só aos poucos foi
sendo reconhecida como um Estatuto Político Fundamental.
209 “Quando, por exemplo, se dizia no texto constitucional que era preciso assegurar a igualdade real entre os portugueses, a igualdade entre homens e mulheres, a coesão constitucional, diziam alguns: “isto é programaticidade, isto é um aleluia jurídico, isto não tem vinculatividade”. Pelo simples facto de estarem consagrados na Constituição da República Portuguesa – suspeita em termos ideológicos – não faltaram vozes a considerar aqueles objectivos como um entulho programático, sem qualquer força vinculativa. Agora, quando esses mesmos objectivos constam de tratados internacionais, toda a gente vem dizer que é preciso levá-los a sério, dada a imperatividade e normatividade das cláusulas dos Tratados que apontam para a igualdade entre homens e mulheres. Agora, aquelas mesmas vozes reconhecem e sublinham a imperatividade dos textos que apontam para a igualdade real e para a coesão econômica e social. E não discutem a imperatividade do Tratado de Amesterdão quando consagra direitos sociais dos trabalhadores”. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 15.
82
A Constituição atualmente – pelo menos doutrinariamente –
possui lugar de destaque, pois, a maioria das obras jurídicas do momento, passam
a focar o direito a partir da Constituição. Exemplo disso é vermos doutrinas de
Direito Civil com um enfoque Constitucional. Assim a Constituição torna-se um
topói.
Mas daí surge o questionamento: o que motivou esta
valorização repentina da Constituição?
Tentando responder esta questão, verificamos que a
Constituição da República Federativa do Brasil outorgada em 05/10/1988, trouxe
já no seu início, um Título inteiro chamado “DOS DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS”, com mais de setenta incisos consagrando direitos e garantias
aos brasileiros. Isto nunca havia ocorrido na história do Constitucionalismo
nacional. Houve um despertar das pessoas ao tomarem ciência, que eram
portadoras de direitos e podiam exigi-los do Estado, através dos instrumentos de
garantias, que a própria Constituição lhe outorgava.
Em artigo intitulado “Direitos fundamentais sociais na
Constituição de 1988”, publicado na imprensa, Clémerson Mérlin Cléve assim
disse:
“A Constituição que está a completar vinte anos de vigência foi
generosa com os direitos fundamentais e, entre eles, com os
sociais. E é fácil compreender a razão. A Constituição vigente
pode ser compreendida como resposta a um passado de arbítrio (a
ditadura militar), apresentando-se com a pretensão de reordenar o
futuro do país a partir de novos princípios e fundamentos. Uma
normatividade capaz de diminuir os contrastes encontráveis na
sociedade brasileira desde o início de seu processo de formação.
Trata-se, portanto, de construir uma sociedade emancipada
constituída por cidadãos livres e iguais. Há, no discurso
constitucional, portanto, uma conexão evidente entre as idéias de
democracia (auto-governo), dignidade da pessoa humana,
liberdade (autonomias pública e privada) e igualdade (respeito,
reconhecimento, alteridade), tudo para conformar aquilo que
83
podemos chamar de Estado Democrático de Direito. O que haverá
de unir os brasileiros, para além de nossa história, de nossa
cultura, de nossa gastronomia, de nossa música ou de nossa arte,
é o sentimento de pertencimento a uma comunidade de destino,
chamada Brasil, fundada a partir de certos valores, de certos
princípios, de certos direitos.
Os direitos sociais, foram, disse antes, generosamente
contemplados na Constituição. Além daqueles vinculados ao
mundo do trabalho, o texto constitucional reporta-se,
particularmente no art. 6º, aos direitos à educação, saúde, moradia
(incluído pela Emenda Constitucional 26/2000), lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade e infância e à
assistência aos desamparados. São todos direitos de eficácia
progressiva, que expandem o seu horizonte de realização à
medida que a sociedade progride, que novas políticas públicas são
implementadas e que a sociedade os reivindica. Um componente
essencial da política, hoje, no contexto desta Constituição, é fazer
valer as promessas constitucionais, diminuindo a distância entre a
normatividade e a realidade constitucionais.
Há mecanismos jurídicos previstos no direito brasileiro para a
efetivação desses direitos. O Judiciário, neste particular, embora
criticado aqui e acolá, vai assumindo certo papel antagônico
(ativismo) nesse campo. Mesmo à falta de regulamentação, ou da
insuficiência das políticas públicas, tais direitos podem ser
reclamados judicialmente pelo menos para a garantia daquilo que
se convencionou chamar de mínimo existencial. De outro ângulo, é
preciso ver que os movimentos sociais, hoje, no país, levantam as
suas bandeiras reclamando uma específica interpretação da
Constituição. Não atuam contra ela, como no passado. É a
solução. Da dinâmica reivindicante da sociedade, muitas vezes
contraditória, serve-se a Constituição para reforçar a sua
legitimidade e atualizar o seu sentido, inclusive no campo dos
direitos sociais.
Nunca é demais lembrar que uma sociedade autônoma, que
constrói o seu próprio destino, que delibera sobre a sua
experiência política e existencial, é constituída por mulheres e
homens emancipados, não dependentes, reivindicantes e
responsáveis ao mesmo tempo. Há condições necessárias para a
deliberação pública e o amadurecimento da democracia. Entre
eles, indispensáveis são os direitos sociais. Sem eles, a condição
humana apresenta apenas os horizontes limitados da dependência
84
e da fragilidade, que o Brasil precisa urgentemente superar, se
quer mesmo apresentar-se no futuro como sociedade exemplar.
Em síntese, nesse campo a nova Constituição avançou
enormemente. Mas é apenas um começo. A ponta do iceberg. Há
muito, ainda, a fazer. A Constituição não é apenas texto. É
também experiência, vivência, dinâmica política. Ela é construída
todos os dias. A novidade é que, agora, temos uma Constituição
capaz de orientar a construção de uma sociedade emancipada, e
não o contrário.”210
Concorda-se com o Constitucionalista paranaense que muito
foi feito, mas, sem dúvida há muito mais a fazer, e é esta vontade política de se ter
uma ‘sociedade emancipada’, é o que dá força para acreditarmos na efetividade
constitucional.
Atualmente – após os vinte anos de Constituição – a Carta
Magna passou a ter um valor imenso, sendo a cruz de Cristo, onde todos se
curvam – ou deveriam se curvar -, pois, esta no topo da cadeia do ordenamento
jurídico, irradiando sua luz para toda a órbita jurídica nacional.
Este revigoramento da Constituição é aquilo que foi batizado
como Neoconstitucionalismo, ou seja, um ‘novo movimento constitucional’, um
‘novo olhar’ – quem sabe despertar – para o texto constitucional.
A força normativa da Constituição (Hesse) trouxe muito
interesse da doutrina, em especial estrangeira, que passou a se debruçar sobre
uma nova forma de atuar do texto Constitucional. Uma das pessoas que se
dedicaram a este estudo foi Susanna Pozzolo, que é Professora de Teoria do
Direito da Universidade de Gênova na Itália, e tem um livro sobre o
‘Neocostituzionalismo e positivismo giuridico’, o qual não tem tradução no Brasil.
O trabalho mais conhecido da autora em nosso país é o seu
artigo chamado ‘Un Constitucionalismo Ambiguo’, que faz parte da coletânea:
210 Caderno ‘Direito e Justiça’ do Jornal Estado do Paraná - publicada coincidentemente no dia 05 de outubro de 2008, quando a Constituição estava fazendo vinte anos -, p. 8.
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‘NEOCONSTITUCIONALISMO(S)’, publicado pela Trotta, que foi organizado por
Michel Carbonell. Na referida obra, a autora procura circunscrever a noção de
‘neoconstitucionalismo’ como teoria do Direito do Estado Constitucional211.
A autora afirma que o termo ‘neoconstitucionalismo’ não
possui um significado único, sendo possíveis várias interpretações212, dizendo
ainda:
“<Neoconstitucionalismo> es un término que ha entrado en el
léxico de los juristas hace poco tiempo y que, si bien no tiene un
significado unívoco, ha logrado una gran aceptación. En las
páginas que siguen, el término ‘neoconstitucionalismo’ será
empleado para indicar una precisa prospectiva iusfilosófica que se
caracteriza por ser constitucionalista (o sea, por insertarse en la
corriente iusfilosófica dedicada a la formulación y predisposición de
los límites jurídicos al poder político) y antipositivista. El
neoconstitucionalismo tiene como objeto específico el análisis de
los modernos ordenamientos constitucionales y democráticos de
Occidente”.213
Um dos traços marcantes do ‘neoconstitucionalismo’ para
Susanna é a colocação da lei numa posição de subordinação e introdução, junto
aos critérios de validez formal já presentes, os critérios de validez material
capazes de condicionar a atividade legislativa inclusive em seus conteúdos e não
só em suas formas214. É a demonstração dita anteriormente, e que será inúmeras
211 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editora TROTTA, 2003. p. 187.
212 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 189. 213 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 188 214 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 189. Vide também, p. 190, onde diz: “Quizá una de las más relevantes se refiere a la noción de validez jurídica que aquélla presupondría: la que se entiende como estricta o exclusivamente formal, que se revelaría inadecuada para ser empleada por el Derecho del Estado constitucional, cuyas normas serían válidas, antes que nada, por satisfacer critérios materiales, o sea, por su contenido”. Mas Susanna não esta sozinha, pois, este pensamento é muito forte em Ferrajoli, e também é seguido por Serrano que diz: “La diferencia conceptual validez/vigência rompe completamente con esta imagem analítica, mecanicista y atômica de la norma jurídica. La norma ya no es el enunciado general y abstracto, puesto y positivo, em virtude del cual ‘si ilícito, entonces debe de ser sanción’. La norma es ahora ese elemento, precepto o proposición promulgada, más un juicio de coherencia con el sistema jurídico, incluidos en él los valores
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vezes repetidas neste trabalho, que uma lei para ser válida não precisa somente
ter sido respeitado o seu processo legislativo, mas antes de tudo, deve estar
conformado o seu conteúdo com os preceitos da Constituição, ou seja, só valerá
se o seu conteúdo não contrariar o texto da Magna Carta.
Ainda sobre a terminologia ‘neoconstitucionalismo’, Susanna
apresenta de forma inédita, as lições apreendidas em sala de aula – através de
anotações/apontamentos – com o Professor T. Mazzarese, no curso de filosofia do
Direito da Universitá degli Studi di Brescia, que diz haver três possíveis sentidos
de neoconstitucionalismo, sendo eles:
“a) en un primer sentido, ‘neoconstitucionalismo’ indicaria un rasgo
caracterizador de algunos ordenamientos jurídicos: en particular, el
dato positivo por el cual el ordenamiento presenta una Constitución
que, además de contener las reglas de individualización y de
acción de los órganos principales del Estado, presenta un elenco
más o menos amplio de derechos fundamentales; b) en un
segundo sentido, ‘neoconstitucionalismo’ indicaria un cierto modelo
explicativo del contenido de determinados ordenamientos jurídicos
(los indicados en el punto precedente), o sea, el término indicaria
un cierto paradigma del Derecho, de sus formas de aplicación y de
conocimiento; en este segundo sentido ‘neoconstitucionalismo’ no
indica por tanto nada en el mundo, sino que más bien representa
un modelo teórico; c) en un tercer sentido, el término
‘neoconstitucionalismo’ indicaria un modelo axiológico-normativo
del Derecho, un modelo ideal al que el Derecho positivo debería
tender. Este ideal, sin embargo, no sería el mero desarrolo y la
mera concretización del Derecho real, sobre la base de los
princípios y de los valores que en este último están expresamente
enunciados”.215
positivizados en su plano más alto: la constitución histórica, indisponible para cualquiera de sus tres poderes incluido el legislativo. La norma ya no es una unidad dada, sino una cadena de unidades argumentadas dinámica (competencia y procedimiento) y estáticamente (coherencia)”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 102.
215 Esta citação, esta na nota de roda-pé nº 02 da pág. 188-189, de: POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s).
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Para Susanna Pozzolo, há distintas razões para a superação
da metodologia juspositivista, onde o neoconstitucionalismo teria como função o
reconhecimento de um grande número de princípios de justiça, e também sociais,
pois, num Estado Constitucional, os direitos fundamentais são efetivamente
jurídicos e por isto, devem ser aplicados pelo Poder Judiciário216. Nas palavras da
autora: “Esta función de concretización sería una de las que la legislación y la
jurisdición (en particular el Tribunal Constitucional), pero también la ciencia
jurídica, deberían llevar a cabo”.217 A Constituição para a autora seria um valor em
si mesma.218
A Professora de Gênova é firme em reconhecer que o
sistema jurídico deveria necessariamente apresentar um conteúdo justo para
poder ser considerado como Direito219, pois só seria possível “calificar como
‘jurídico’ un sistema normativo o una norma singular, por tanto, sería el contenido
de justicia que expresaran (...) el neoconstitucionalismo entiende que tal contenido
de justicia es interno al Derecho, es decir, positivado”.220
A importância da correta interpretação da Constituição221, foi
objeto de analise de Susanna que disse:
216 Na terminologia de Susanna: “son justiciables”, op. cit., p. 190. 217 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 190. 218 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 192. 219 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 191. 220 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 191. 221 “..., a tese da abertura na determinação de sentido se impõe não apenas devido ao processo de aquisição de verdades descrito pela cadeia psicanalítica de significações, onde se intentou mostrar a natureza do princípio enquanto motivo conceitual e a primazia do significante determinado pelo “grande Outro”, mas também pela própria impossibilidade, na esteira analítica existencial do Dasein, de o sujeito se livrar de sua pré-estrutura de compreensão ao se deparar com o texto. Nessa perspectiva, os postulados da hermenêutica filosófica, a unidade da applicatio e o constante reconstruir do sentido em função da projeção do Dasein, desenhado na figura do círculo hermenêutico, que não pode ser vicioso e nem se fechar em si, permitem inferir que em toda a interpretação jurídica há uma inescapável determinação de aspectos individuais e subjetivos”. MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e Sistema Constitucional: a decisão judicial “entre” o sentido da estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis : Habitus Editora, 2008, p. 183.
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“El intérprete, en el fondo, deberá elegir entre la estricta legalidad y
la justicia sustancial, adoptando la solución menos traumática y
más compatible con la realidad (ocasional) y con el sistema
jurídico en su conjunto, haciendo así prevalecer uno u otro valor
contingentemente relevante. Es claro que el intérprete privilegiado,
que de este modo asume también la tarea de custodio del
constitucionalismo moderno, será el juez de las leyes. Este último,
al que le está confiada la tarea de ‘garantizar’ la Constitucióin,
abandonado, si es que alguma vez la ha ejercido, el papel de
‘legislador negativo’, se transforma en ‘legislador concurrente’ y,
con una actividad extensa y penetrante, se empuja a remodelar la
ley sobre los contenidos de la Constitución, formulando así, al
mismo tiempo, la ‘Constituição-norma’, o sea, la específica
concepción (elegida de entre las contenidas en el texto) del
significado de las normas constitucionales, que se afirma
positivamente en el Derecho concreto. Desde la prospectiva
neoconstitucionalista, sin embargo, la actividad que permite el
paso de la ‘Constitución-documento’ a la ‘Constitución-norma’ no
se caracteriza como discrecional, ya que el ideal jurídico al que se
adecua sería interno al Derecho positivo mismo y de ese modo tal
actividad resultaría completamente vinculada. Presupuestos estos
datos, a la ley no sólo le quedaría una posición subordinada al
dictado constitucional, sino un papel en cierta forma residual, ya
que se convertiría en mero instrumento de actuación (más
concreto) de los princípios constitucionales, perdiendo así su
carácter de libre expresión del poder político. No habrá más
espacio para meras political questions, puesto que cada elección
legislativa, debiendo conformarse al desarrolo de los valores
constitucionalizados, será necesariamente justiciable sobre la base
de la ‘Constitución-norma’ que se ha afirmado como Derecho
concreto”.222
Para ela o que diferencia a Constituição do direito
infraconstitucional, não seria somente a questão de hierarquia normativa, mas sim,
222 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 193-194.
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há existência de um conteúdo qualificado.223 Sobre esta diferença, a autora ainda
fala:
“Si no me equívoco, entonces, la contraposición entre
iuspositivismo y neoconstitucionalismo no parece basarse tanto
sobre la relevancia de una diferencia estructural del objeto
estudiado (...) sino más bien en la diferente teoría del Derecho y de
sus tareas que se entiende como propria del uno y del otro. Según
el neoconstitucionalismo, en sustancia, las tareas meramente
descriptivas que el iuspositivismo requiere al teórico no serían
escindibles de las tareas normativas que el Derecho del Estado
constitucional prentedería del mismo. Pero si esta afirmación
puede ser fundada cuanto el sujeto que desarrolla la actividad
interpretativa (de individualización del contenido del Derecho) es el
jurista-juez, no lo es por el contrario cuando el que desarrolla esa
actividad de individualización del Derecho es el mero jurista.
Entonces, si es necesario reconocer el mérito del
neoconstitucionalismo por haber llamado la atención sobre este
punto, sobre esta diferencia, obligando al mismo tiempo al proprio
iuspositivismo a volver a discutir algunas cuestiones, es necesario
también confirmar que el neoconstitucionalismo se ha equivocado
si la conexión entre Derecho y moral (positiva) de la que habla está
referida a la actividad del mero jurista”.224
Na mesma coletânea de Miguel Carbonell, o autor italiano
Luigi Ferrajoli escreveu um artigo chamado ‘Pasado y Futuro Del Estado de
Derecho’, onde procura neste trabalho demonstrar as espécies de Estado de
Direito, e suas possíveis vias de evolução ao Estado Constitucional.225
223 “La incorporación de los valores, ahora bajo la forma de derechos fundamentales, determinaría la inseparabilidad del valor ético respecto del contenido meramente jurídico de la Constitución, determinando la especificidad de tal documento y requiriendo una interpretación moral del texto fundamental. Esto, debido a que, para atribuir un sentido a las disposiciones constitucionales, sería necesario adscribir primero un sentido concreto a los valores y, por tanto, adoptar una cierta concepción de los principios y de los derechos fundamentales”. POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 198-199.
224 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 205. 225 Afirmação de Michel Carbonell no ‘Prólogo: Nuevos Tiempos para el Constitucionalismo’, do livro: Neoconstitucionalismo(s), Edición de Miguel Carbonell, Editora Trota: 2003, p. 10.
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Ferrajoli inicia o trabalho dizendo haver duas formas de
‘Estado de Direito’, sendo uma em sentido lato, mais fraca ou formal, que designa
qualquer ordenamento jurídico em que os poderes públicos são conferidos pela lei
e exercitado nas formas e nos procedimentos legalmente estabelecidos226. Já
outra versão do Estado de Direito, seria uma versão forte ou substancial, sendo
aqueles ordenamentos em que os poderes públicos estão ademais sujeitos a lei
(e, portanto, limitados ou vinculados por ela), não somente relativo às formas,
senão também pelos conteúdos227.
Esta segunda forma de Estado de Direito, ainda é vista na
Itália, de um modo mais restrito, sendo aqueles ordenamentos em que todos os
poderes, incluído o legislativo, estão vinculados ao respeito de princípios
substanciais, estabelecidos por normas constitucionais, como a da divisão de
poderes e dos direitos fundamentais.228
Explicando o surgimento do Estado de Direito, Ferrajoli diz:
“El Estado de Derecho moderno nace, con la forma del Estado
legislativo de Derecho, en el momento en que esta instancia
alcanza realización histórica, precisamente, con la afirmación del
Derecho válido y antes aún existente, con independencia de sua
valoración como justo. Gracias a este principio y a las
codificaciones que sons u actuación, uma norma jurídica es válida
no por ser justa, sino exclusivamente por haber sido ‘puesta’ por
uma autoridad dotada de competência normativa.”229
Esta afirmação de que uma lei é válida se posta por uma
autoridade competente, trouxe reflexos positivos naquele período para as
pessoas, pois, assim, a lei era a ‘garantia’ do povo contra as ordens dos reis
226 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 13. 227 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 13. 228 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 13-14. 229 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, in, Neoconstitucionalismo(s), p. 16. Ainda vale a pena destacar, p. 17: “Se evidencia el extraordinário alcance de la revolución producida con la afirmación del principio de legalidade por efecto del monopólio estatal de la producción jurídica”.
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déspotas da época. Mas fruto do seu tempo, a validade de uma lei em razão de
apenas sua formalidade, não permanece como modo válido no século XX, em
especial no século XXI. Ferrajoli explica que houve uma segunda mudança de
paradigma que seria a consideração de validez de uma lei, não só pela sua
formalidade, mas também e especialmente pelo seu conteúdo estar em
conformidade com a Constituição. Sobre isto vejamos:
“... un segundo cambio, no menos radical, es el producido en este
último medio siglo con la subordinación de la legalidad misma –
garantizada por uma específica jurisdicción de legitimidad – a
Constituciones rígidas, jerárquicamente supraordenadas a las
leyes como normas de reconocimiento de su validez (...) cambian
las condiciones de validez de las leyes, dependientes ya no solo
de la forma de su producción sino también de la coherencia de sus
contenidos con los princípios constitucionales. La existência (o
vigência) de las normas, que en el paradigma paleo-iuspositivista
se había disociado de la justicia, se disocia ahora también de la
validez, siendo posible que una norma formalmente válida, y por
consiguiente vigente, sea sustancialmente inválida por el contraste
de su significado con normas constitucionales, como por ejemplo
el principio de igualdad o los derechos fundamentales.”230
Esta sem dúvida é a virada de pensamento do Estado de
Direito para o Estado Constitucional, pois, aquelas formas de validade de uma lei
de Kelsen, cedem espaço para uma validade não só formal, mas sim, validade
substancial (conteúdo). Neste caminho, Ferrajoli diz que a Constituição passa a ter
um papel crítico e projetivo em relação com o seu próprio objeto.231 Neste viés:
“se altera el papel de la jurisdicción, que es aplicar la ley solo si es
constitucionalmente válida, y cuya interpretación y aplicación son
siempre, por esto, también, um juicio sobre la ley misma que el
230 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 18. 231 “En efecto, en el Estado constitucional de Derecho la Constitución no sólo disciplina las formas de producción legislativa sino que impone también a ésta prohibiciones y obligaciones de contenido, correlativas unas a los derechos de liberdad y las otras a los derechos sociales, cuya violación genera antinomias o lagunas que la ciencia jurídica tiene el deber de constatar para que sean eliminadas o corregidas”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 18.
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juez tiene el deber de censurar como inválida mediante la
denuncia de sua inconstitucionalidad, cuando no sea posible
interpretala em sentido constitucional. De aqui se deriva, tanto
para la cultura jurídica como para la jurisdicción, uma dimensión
pragmática y uma responsabilidad cívica, desconocidas para la
razón jurídica própria del viejo iuspositivismo formalista: el
señalamiento de las antinomias y las lagunas, y la promoción de
sua superación por médio de las garantias existentes, o la
proyección de las garantias que falten.”232
Das explicações acima, podemos observar que a fonte
primordial do direito era a lei formalmente válida. Junto com ela, haviam as
jurisprudências, as doutrinas e os costumes, mas a lei era a que imperava. Antes
da lei, os costumes exerciam o seu papel de preponderância. Porém, isto tudo
mudou e hoje a fonte principal do direito é a Constituição, isto quer dizer, a
jurisprudência, costume, doutrina, lei, ainda são fontes do direito, mas só serão
válidas, se não confrontarem com algum conteúdo da Constituição233.
Ferrajoli ainda apresenta outra mudança gerada pelo Estado
Constitucional, que sob sua ótica seria a alteração na ‘natureza da democracia’,
pelo limite imposto pela Constituição à observância de seus princípios234. O autor
232 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 18-19. 233 Este também é o pensamento de Serrano que diz: “..., una teoría garantista del derecho debe moverse en la distinción de la vigencia de la norma tanto con respecto a su validez como con respecto a sua eficácia (cf. Ferrajoli, 1989: 872). Esta diferencia conceptual validez/vigencia es una diferenciación temporal e histórica propria de la forma constitucional del estado y no un invento metodológico del garantismo. Pero precisamente por su radical historicidad, la diferencia conceptual validez/vigencia se convierte en metodológicamente esencial para comprender la estructura normativa de los estados constitucionales de derecho. Y esta dualidad entre historia y lógica de la investigación científica configura al garantismo como crítica del derecho positivo vigente, ‘no meramente externa o politica o de iure condendo sino interna jurídica o de iure condito’ (Ferrajoli, 1989: 872)”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 108.
234 “La subordinación de la ley a los princípios constitucionales equivale a introducir uma dimensión sustancial no sólo em las condiciones de validez de las normas, sino también en la natureza de la democracia, para la que representa um limite, a la vez que la completa. Un limite porque a los derechos constitucionales establecidos corresponden prohibiciones y obligaciones impuestas a los poderes de la mayoría, que de outra forma serían absolutos. Y la completa porque estas mismas prohibiciones y obligaciones se configuran como otras tantas garantias de los derechos de todos, frente a los abusos de tales poderes que – como la experiência enseña – podrían de outro modo arrollar, junto con los derechos, al próprio método democrático. Al mismo tiempo el constitucionalismo rígido produce el efecto de completar tanto el Estado de Derecho como el mismo positivismo jurídico, que alcanzan com él su forma última y más desarrollada: por la
93
italiano distingue em três fases a produção jurídica, sendo a primeira, o
‘jusnaturalismo’ em suas muitas variantes foi à filosofia jurídica dominante na
época pré-moderna, faltando apenas o monopólio estatal da produção jurídica;
depois, o ‘juspositivismo’ havia sido a partir das codificações e o nascimento do
Estado moderno; e por último, o ‘neoconstitucionalismo’ criado a partir da
introdução da garantia jurisdicional da rigidez das Constituições.235
O motivo do trabalho de Ferrajoli é mostrar que estes
Estados – o Legislativo de Direito e o Constitucional de Direito - possuem
situações de crise, e busca a partir destas crises, apontar perspectivas para o
futuro. Sobre as crises o autor diz que uma das tantas formas que se apresenta, é
a regressão a um Direito jurisprudencial do tipo pré-moderno236.
Para Ferrajoli, o primeiro aspecto da crise afeta o princípio da
legalidade237, e tem sua origem em dois fatores: sendo num primeiro plano à
inflação legislativa e num segundo plano a disfunção da linguagem legal238. E isto
para o autor é um problema grave, pois:
“la racionalidad de la ley, que Hobbes había contrapuesto a la ‘iuris
prudentia o sabiduría de los jueces desordenados’ del viejo
Derecho común, ha sido disuelta por una legislación obra de
legisladores todavia más desordenados, que abre el camino a la
discrecionalidad de los jueces y a la formación jurisprudencial,
sujeción a la ley incluso del poder legislativo, antes absoluto, y por la positivación no solo ya del ser del Derecho, es decir, de sus condiciones de ‘existencia’, sino también de su deber ser, o sea, de las opciones que presiden su producción y, por tanto, de sus condiciones de ‘validez’”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 19.
235 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 19-20. 236 “En ambos aspectos, la crisis se manifiesta em otras tantas formas de regresión a um Derecho jurisprudencial de tipo premoderno: por um lado, el colapso de la capacidad reguladora de la ley el retorno al papel creativo de la jurisdicción; por otro, la perdida de la unidad y coherencia de las fuentes y la convivencia y superposición de diversos ordenamientos concurrentes”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 20.
237 Que lembrem-se, para Ferrajoli: “era a norma de reconhecimento própria do Estado Legislativo de Direito”, FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 20.
238 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 20.
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administrativa o privada del Derecho, según el antiguo modelo
premoderno, con la consiguiente perdida de certeza, de eficiência
y de garantías”.239
Um segundo aspecto preocupante da crise, é o papel
garantista da Constituição que esta em declínio em relação a legislação, fruto do
fim do Estado Nacional como monopólio da produção jurídica. O autor enfatiza
que o processo de integração da Europa esta deformando a estrutura
constitucional das democracias nacionais, pois, se estão deslocando para fora dos
Estados as decisões da comunidade européia. O autor aponta o risco de se
confundir fontes e de se ter incertezas quanto às competências, sendo uma dupla
forma de dissolução da modernidade jurídica.240
Por fim, no que se refere à crise do Estado, o autor trata do
risco que a globalização vem a trazer para a esfera do direito público, dizendo
assim:
“..., todo el proceso de integración econômica mundial que
llamamos ‘globalização’ bien puede ser entendido como um vacío
de Derecho público producto de la ausência de limites, reglas y
controles frente a la fuerza, tanto de los Estados com mayor
potencial militar como de los grandes poderes econômicos
privados. A falta de instituciones a la altura de las nuevas
relaciones, el Derecho de la globalización viene modelándose cada
dia más, antes que em las formas públicas, generales y abstractas
de la ley, en las privadas del contrato, signo de una primacia
incontrovertible de la economía sobre la política y del mercado
sobre la esfera pública. De tal manera que la regresión
neoabsolutista de los poderes econômicos transnacionales, un
neoabsolutismo regressivo y de retorno que se manifiesta em la
239 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 20. 240 “Así, se corre el riesgo de que se produzca, em la confusión de las fuentes y en la incertidumbre de las competências, una doble forma de disolución de la modernidad jurídica: el desarrollo de un incierto Derecho comunitário jurisprudencial, por obra de tribunales concurrentes y confluyentes entre si, y la regresión al pluralismo y a la superposición de los ordenamientos que fueron propios del Derecho premoderno. Expresiones como ‘principio de legalidad’ y ‘ reserva de ley’ tienen cada vez menos sentido”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 21.
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ausência de reglas abiertamente asumida por el actual anarco-
capitalismo globalizado, como una suerte de nueva grundnorm del
nuevo orden econômico internacional”.241
A partir desta citação, podemos perceber que realmente não
houve um planejamento correto, quando se pensou em ‘globalização’. Certo é que
a vontade dos Estados era melhorar a sua condição de capital, através da livre
abertura das alfândegas para compra e venda de produtos, bem como, livre
acesso aos seus cidadãos. Porém, para uma convivência harmoniosa entre estes
povos, eles não poderiam esquecer que apesar de europeus, possuíam tradições
diferentes, e os valores nacionais eram também em alguma parte diferentes. Hoje
o problema esta visível, como aglutinar Estados, sem desrespeitar soberania,
poderes internos, e principalmente, direitos individuais? Impossível é claro!
Mais a frente Ferrajoli, procura demonstrar a necessidade e a
possibilidade da criação de um Estado Constitucional de Direito ampliado242,
fazendo frente aos problemas conjunturais atuais, demonstrando ainda, a
importância de uma Constituição, mesmo neste cenário mundial. Sobre isto, o
autor pontua:
“Creo que esta concepción comunitaria debe ser invertida. Una
Constitución no sirve para representar la voluntad común de um
pueblo, sino para garantizar los derechos de todos, incluso frente a
la voluntad popular. Su función no es expresar la existência de un
demos, es decir, de una homogeneidad cultural, identidad colectiva
o cohesión social, sino, al contrario, la de garantizar, a través de
aquellos derechos, la convivência pacífica entre sujetos e
interesses diversos y virtualmente en conflicto. El fundamento de
su legitimidad, a diferencia de lo que ocurre con las leyes
241 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 22.
242 “la perspectiva de este tercer modelo ampliado de Estado de Derecho, diseñada por las cartas supranacionales de derechos, suscita todavía em la cultura politológica resistencias y dudas teóricas, tanto en lo relativo a sua posibilidad como sobre que sea predecible. Faltarían, se dice, um pueblo, una sociedad civil y uma esfera pública europea, y más aún, mundial, que serían los presupuestos indispensables del constitucionalismo y del Estado de Derecho”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 27.
96
ordinarias y las opciones de gobierno, no reside en el consenso de
la mayoría, sino en un valor mucho más importante y prévio: la
igualdad de todos en las libertades fundamentales y en los
derechos sociales, o sea en derechos vitales conferidos a todos,
como limites y vínculos, precisamente, frente a las leyes y los
actos de gobierno expresados em las contingentes mayorías”.243
Por fim, conclui o autor garantista:
“Nada autoriza a afirmar que la perspectiva de un Estado
internacional de Derecho sea, en el plano teórico, irrealizable. Su
realización depende únicamente de la política y precisamente de la
voluntad de los países más fuertes em el plano econômico y
militar. Es únicamente este el verdadero problema: la crisis de
aquel proyecto de paz y de igualdad en los derechos que
precisamente la política había diseñado trás el final de la Segunda
Guerra Mundial. La paradoja es que la crisis de este proyeto ha
surgido en una momento de transición de alcance epocal, en la
que es cierto que, en el espacio de pocas décadas, los actuales
procesos de integración nos conducirán, de todos modos, a un
nuevo orden planetário. La calidad de este nuevo ordem
dependerá de la política y del Derecho”.244
Como visto, a globalização trouxe reflexos positivos para o
mercado mundial, porém, trouxe também, drásticas conseqüências, para a ordem
jurídica, em especial, para o Direito Constitucional interno. Pensamos estar certo
Ferrajoli, quando afirma que só será possível um Estado de Direito Constitucional
Ampliado, quando se colocar em pauta a necessidade de adequar num mesmo
ordenamento jurídico mundial, todos os princípios que cada povo-membro possui
internamente. Só assim, se manterá o valor de cada carta política nacional. Mas,
até chegarmos neste nível, veremos muita injustiça sendo praticada, ao mando do
mercado capitalista.
243 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 28. 244 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 29.
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4.2 A EPISTEME GARANTISTA COMO POSSIBILIDADE DA NOVA ORDEM
CONSTITUCIONAL EM ‘TERRA BRASILIS’
O garantismo ganha relevo no cenário jurídico mundial, com
Luigi Ferrajoli, onde este procura aquilatar a teoria já existente de garantir
efetivamente os direitos aos acusados no âmbito penal, surge assim num primeiro
momento, uma teoria apropriada ao direito penal (garantismo penal). Mas com o
passar do tempo, esta teoria passa a ser utilizada – com seus moldes necessários
– para outros ramos do direito, sendo chamado por Perfecto Ibánez de
‘garantismo dinâmico’, com ênfase no direito público, em especial no Direito
Constitucional245.
O garantismo para Perfecto Andrés Ibánez é um regime de
garantias de direitos (de primeira geração) com vocação de efetividade, fundado
na idéia de separação de poderes, sendo o Poder Judiciário, encarregado de
assegurar esta independência.246
Já para Ferrajoli o sistema garantista – que ele chama de
modelo – é o sistema de legalidade, que confere um papel de garantia em relação
com o direito ilegítimo.247 Para ele, as garantias não são outra coisa que as
técnicas previstas pelo ordenamento para reduzir a distância estrutural entre
normatividade e efetividade, e portanto, para possibilitar a máxima eficácia dos
direitos fundamentais em coerência com sua estipulação constitucional.248 Mas
sem dúvida, uma das marcas do garantismo é a valorização dos direitos
245 IBÁNES, Perfecto Andrés. Garantismo: Una teoría crítica de la jurisdicción, In: Garantismo: Estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Trotta: Madrid, 2005, p. 59.
246 IBÁNES, Perfecto Andrés. In: Garantismo, p. 59. 247 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias: La ley del más débil. Madrid: Trotta, 1999, p. 19-20. 248 “..., el garantismo de un sistema jurídico es una cuestión de grado, que depende de la precisión de los vínculos positivos o negativos impuestos a los poderes públicos por las normas constitucionales y por el sistema de garantías que aseguran una tasa más o menos elevada de eficacia a tales vínculos”. FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 25.
98
fundamentais, ao ponto de elevá-los a uma esfera do indecídivel249, nas palavras
do autor: “los derechos fundamentales sobre los que se asienta la democracia
sustancial están garantizados a todos y a cada uno de manera incondicionada,
incluso contra la mayoría”250.
Apesar de ser uma teoria bem apropriada, não podemos
esquecer de lembrar a cautela dita por Lênio Streck251 e Alexandre Morais da
Rosa252, que o garantismo não é uma teoria perfeita, pois, possui suas falhas,
sendo uma delas, estar ainda embutida na filosofia da consciência.
Como diz Alexandre Morais da Rosa: “Ainda assim,
cotejando-se a ‘Epistemologia Garantista’ com a maneira pela qual se
(re)produzem decisões no Processo Penal brasileiro, pode-se perceber
claramente que a proposta de Ferrajoli significa uma evolução democrática”.253
249 “Los derechos fundamentales, precisamente porque están igualmente garantizados para todos y sustraídos a la disponibilidad del mercado y de la política, forman la esfera de lo indecidible ...”. FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 25.
250 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 26.
251 “Alerte-se – por relevante – que o garantismo é visto, no âmbito e nos (bem delimitados) limites destas reflexões, como uma maneira de fazer democracia dentro do Direito e a partir do Direito. Como “tipo ideal”, o garantismo reforça a responsabilidade ética do operador do Direito. É evidente que o garantismo não se constitui em uma panacéia para a cura dos “males” decorrentes de um Estado Social que não houve no Brasil, cujos reflexos arrasados deve(ria)m indignar os lidadores do Direito. O que ocorre é que, em face da aguda crise do positivismo jurídico-normativista, não se pode desprezar um contributo para a operacionalidade do Direito do porte do garantismo, que prega, entre outras coisas, que a Constituição (em sua totalidade) deve ser o paradigma hermenêutico de definição do que seja um texto normativo válido ou inválido, propiciando toda uma filtragem dos dispositivos infraconstitucionais que, embora vigentes, perdem sua validade em face da Lei Maior. Dito de outro modo, o garantismo não significa um retorno a um “Estado bom” que já houve. Nos países avançados da Europa, beneficiários do welfare state, isso até seria possível. No Brasil, ao contrário, onde o Estado Social foi um simulacro, o garantismo pode servir de importante mecanismo na construção das condições de possibilidades para o resgate das promessas da modernidade”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito, 5ª edição, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2004, p. 251-252.
252 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: A bricolagem de significantes. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 293.
253 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 293.
99
O garantismo prega que o direito fundamental é um direito da
pessoa, enquanto ser humano, independente de sua cidadania254, rompendo com
a ideologia tradicional que só o cidadão tem direitos. Isto traz reflexos fantásticos,
pois, por si só, legitima o ser humano, como titular de direitos contra o Estado.
Outra acepção importante do garantismo é a relevância dada
ao juiz como responsável pela efetividade dos direitos fundamentais. Nas palavras
do autor:
“... los derechos fundamentales son de cada uno y de todos, su
garantía exige um juez imparcial e independiente, sustraído a
cualquier vínculo con los poderes de mayoría y en condiciones de
censurar, en su caso, como inválidos o como ilícitos, los actpos a
través de los cuales aquéllos se ejercen. (...) Su fundamento es
únicamente la intangibilidad de los derechos fundamentales. Y, sin
embargo, es una legitimación democratica de los jueces, derivada
de su función de garantía de los derechos fundamentales, ...”255
Esta imparcialidade só é possível se o acesso à magistratura
for sempre pelo modo mais transparente. Porém, isto não ocorre com todos os
tribunais, sendo que a escolha dos Ministros para o tribunal mais importante do
país (STF), ainda é por indicação.
Mesmo assim, a interferência positiva do Judiciário
(Judicialização da política), quando feita com parcimônia e nos limites da
necessidade, tem se mostrado necessária, pois, temos que reconhecer que
mesmo após 20 anos de Constituição, ainda não se efetivaram todos os direitos
fundamentais.
Concordamos com o ex-Presidente do Superior Tribunal de
Justiça, Ministro Edson Vidigal, quando este disse:
254 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias, p. 55. 255 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias, p. 27.
100
“(...) a Constituição de 1988, foi o desaguadouro das frustrações
do imaginário brasileiro e das aspirações reprimidas durante o
período autoritário. Passados apenas 17 anos da promulgação da
nova Carta, a democracia brasileira ainda vive a juventude, o que
explica os excessos, as peraltices que têm ocorrido na parte de
setores do Ministério Público e até da magistratura.”256
A mais marcante faceta do garantismo foi exigir da norma
jurídica para sua validade, a compatibilidade substancial, rompendo com a
ideologia que dominou por décadas – e que ainda teima em existir em ressuscitar
em alguns gabinetes neste país - da validade formal. Sobre este tema deixaremos
de tratar, pois, foi bastante discutido acima.
Tentando sintetizar todas as qualidades do garantismo, José
Serrano comprime na seguinte afirmação:
“El garantismo em su acepción de teoria del derecho se nos
convierte así em una nueva teoria de la unidad, de la coherencia y
de la plenitud; que impugna a la teoría general del derecho
concebida como todo compuesto de partes: la teoría de la norma,
de un lado, y la teoría del ordenamiento jurídico, de otro; y que
abre la teoría de sistemas jurídicos concebida como una teoría de
la diferenciación sistémica y como una teoría de la complejidad
jurídica. El garantismo, en suma, impugna el todo/parte y abre el
sistema/entorno. El garantismo sirve además para reprogramar
sistemas jurídicos en la orientación de los derechos fundamentales
y para ejecutar sistemas programados con otra orientación,
mejorando su eficiencia garantizadora”.257
Sendo assim, reconhecemos também, que o garantismo não
é a cura para os males que assolam a efetivação dos direitos em nosso país, mas,
é uma teoria que devidamente adequada ao sistema jurídica nacional, trouxe e
trará mais avanços para a concretização da Constituição.
256 Tema: “Espasmos Facistas” – Min. Edson Vidigal, Presidente do STJ, afirmações feitas por ocasião da inauguração da nova sede da Procuradoria Geral da República, São Paulo, Sexta-feira, 02, fonte: O ESTADO DO PARANÁ, 04/12/04, pág. 06.
257 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 108.
101
4.3 O IMPÉRIO DA CONSTITUIÇÃO E A SUPERAÇÃO DA TEORIA DAS
NORMAS PROGRAMÁTICAS
Reconhecendo que a Constituição ganhou uma nova
roupagem através do movimento do neoconstitucionalismo, e que o garantismo
tem trazido suas benesses práticas para o Brasil do século XXI, só nos resta
manter o que está bom, e buscar efetivar os direitos faltantes de concretização.
A valorização da Constituição como topói hermenêutico foi
bem caracterizada por Lênio Streck258, quando enfatiza:
“Sendo o texto constitucional, em seu todo, dirigente e vinculativo,
é imprescindível ter em conta o fato de que todas as normas
(textos) infraconstitucionais, para terem validade, devem passar,
necessariamente, pelo processo de contaminação constitucional
(banho de imersão, se se quiser usar expressão cunhada por
Liebman, ou filtragem constitucional, no dizer de Cléve). O juiz (e o
operador jurídico lato sensu) somente está sujeito à lei enquanto
válida, quer dizer, coerente com o conteúdo material da
Constituição. Não se deve olvidar, com Ferrajoli, que é
relativamente fácil delinear um modelo garantista em abstrato e
traduzir seus princípios em normas constitucionais dotadas de
claridade e capazes de deslegitimar, com relativa certeza, as
normas inferiores que se apartem dele. Mais difícil, acrescenta, é
modelar as técnicas legislativas e judiciais adequadas para
258 “Conseqüentemente, a Constituição passa a ser, em toda a sua substancialidade, o topos hermenêutico que conformará a interpretação do restante do sistema jurídico. Alerte-se, entretanto, que a Constituição não pode ser entendida como um ente disperso “no mundo”. Tampouco pode ser entendida como uma espécie de topos conformador/subsuntivo da atividade interpretativa, o que igualmente seria resvalar em direção à metafísica, ocultando a diferença ontológica. (...) A Constituição é, assim, a materialização da ordem jurídica do contrato social, apontando para a realização da ordem política e social de uma comunidade, colocando à disposição os mecanismos para a concretização do conjunto de objetivos traçados no seu texto normativo deontológico. Por isto, as Constituições Sociais devem ser interpretadas diferentemente das Constituições Liberais. O plus normativo representado pelo Estado Democrático de Direito resulta como um marco definidor de um constitucionalismo que soma a regulação social com o resgate das promessas da modernidade”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 245-246.
102
assegurar efetividades aos princípios constitucionais e os Direitos
Fundamentais consagrados por eles. Isto porque, como bem
ilustra o mestre italiano, em uma perspectiva “garantista” do
Direito, “todos os direitos fundamentais – e não só os direitos
sociais e os deveres positivos por eles impostos ao Estado, mas
também os direitos de liberdade e as correspondentes proibições
negativas que limitam a intervenção daquele – equivalem a
vínculos de substância e não de forma, que condicionam a
validade substancial das normas produzidas e exprimem, ao
mesmo tempo, os fins para que está orientado esse moderno
artifício que é o Estado Constitucional de Direito. A partir desta
ótica garantista, explica Ferrajoli, o juiz está sujeito somente à lei
enquanto válida, isto é, coerente com a Constituição: “A
interpretação judicial da lei é sempre um juízo sobre a própria lei,
relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de
escolher somente os significados válidos, ou seja, (os significados
que são) compatíveis com as normas substanciais e com os
direitos fundamentais por ela estabelecidos”. Fazer isto, segundo o
mestre italiano, é fazer uma interpretação da lei conforme à
Constituição, e quando a contradição é insanável, é dever do juiz
(ou do Tribunal) declará-la inconstitucional. Portanto, conclui, já
não é uma sujeição à lei de tipo acrítico e incondicional, mas sim
sujeição, antes de mais nada, à Constituição, que impõe aos
tribunais e aos juízes a crítica das leis inválidas por meio da sua
reinterpretação em sentido constitucional (interpretação conforme)
ou a sua denúncia por inconstitucionalidade (invalidade total)”.259
Neste novo contexto260, não cabe mais querer validar o
discurso da lei, como dizem as más línguas “ta na lei”, pois, esta lei, antes de tudo,
tem que ser reconhecida como válida pela Constituição. É normal nos dias de hoje
ainda – infelizmente – a jurisprudência apontar a validade de um ato, pelo simples 259 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 250-251. 260 Neste mesmo sentido, vale a pena ler: RAMIDOFF, Mário Luiz. A Constituição ainda constitui? In: Ciência e Opinião. v. 1, n. 1 (jan./jun. 2003). Curitiba : UnicenP, 2003, p. 115-126.
103
fato de ter previsão num código (seja ele civil, penal, etc.). Exemplo disto foi à
famigerada aplicação por muito tempo da lei dos crimes hediondos, no que se
referia a proibição de concessão de liberdade provisória e da progressão de
regime, que só restou vencida, quando se criou outra lei, concedendo tal direito.
Que nunca caia no esquecimento do povo, os sangues que
foram derramados para assegurarem os direitos fundamentais nos textos das
Constituições. Nos dizeres de Lênio Streck:
“A Constituição é um espaço garantidor das relações democráticas
entre o Estado e a Sociedade (...). Constituição significa constituir
alguma coisa; é fazer um pacto, um contrato, no qual toda a
sociedade é co-produtora (...) Isto porque a Constituição – em
especial a que estabelece o Estado Democrático de Direito,
oriundo de um processo constituinte originário (...) vem a ser a
explicação desse pacto social”.261
Se a Constituição tem o seu valor, por sua vez, todas as
normas da Constituição, também devem ser valorizadas, até mesmo as normas
programáticas. Nos dizeres de Bonavides:
“... atribuindo-se eficácia vinculante à norma programática, pouco
importa que a Constituição esteja ou não repleta de proposições
desse teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos
sociais. O cumprimento dos cânones constitucionais pela ordem
jurídica terá dado um largo passo à frente. Já não será fácil com
respeito à Constituição tergiversar-lhe aplicabilidade e eficácia das
normas como os juristas abraçados à tese antinormativista, os
quais, alegando programaticidade de conteúdo, costumam evadir-
se ao cumprimento ou observância de regras e princípios
constitucionais”.262
Aproveitando o tema, importante também concordar com
Lenio Streck:
261 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 244-245. 262 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 211.
104
“... a violação de um princípio passa a ser mais grave que a
transgressão de uma regra jurídica (no dizer de Bandeira de
Mello), representado a violação de um princípio constitucional na
ruptura da própria Constituição, tendo essa inconstitucionalidade
conseqüências muito mais graves do que a violação de um
simples dispositivo, mesmo constitucional (na acepção de Souto
Maior Borges), tudo porque – e não deveria haver qualquer
novidade nisto – todos os dispositivos constitucionais são
vinculativos e têm eficácia, podendo-se afirmar, com Canotilho,
que hoje não há normas (textos jurídicos) programáticas. As assim
denominadas “normas programáticas” não são o que lhes
assinalava a doutrina tradicional: “simples programas”, “exortações
morais”, “declarações”, “sentenças políticas”, etc., juridicamente
desprovidas de qualquer vinculariedade; às normas programáticas
é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico
ao dos restantes preceitos da Constituição”.263
O movimento constitucionalista além de buscar num primeiro
plano os direitos a liberdade, acabou por fundar as bases para as novas cartas de
direitos, num plano em que estas novas cartas, somam-se sempre aos direitos
anteriormente conquistados, com os novos direitos que vão surgindo. Hoje já se
fala em direitos de quarta geração, incluindo-se o meio ambiente, ciência e
tecnologia. A quantidade de emendas que são criadas para atualizar a
Constituição, às vezes, prejudicam o bom funcionamento dela, mas antes ampliar
os direitos do que reduzi-los264, até mesmo porque há direitos que não podem ser
extirpados da Constituição (art. 60, § 4º da CF).
Sobre a percepção de Constituição, enfatiza Lenio Streck:
“..., percebemos a Constituição “como” Constituição quando a
confrontamos com a sociedade para a qual é dirigida; percebemos
263 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 247. 264 “..., a Constituição não tem somente a tarefa de apontar par ao futuro. Tem, igualmente, a relevante função de proteger os direitos já conquistados. Desse modo, mediante a utilização da principiologia constitucional (explícita ou implícita), é possível combater alterações feitas por maiorias políticas eventuais, que, legislando na contramão da programaticidade constitucional, retiram (ou tentam retirar) conquistas da sociedade”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 254.
105
a Constituição “como” Constituição quando examinamos os
dispositivos que determinam o resgate das promessas da
modernidade e quando, através de nossa consciência histórica,
nos damos conta da falta (ausência) de justiça social; percebemos
a Constituição “como” Constituição quando constatamos, por
exemplo, que os direitos sociais somente foram integrados ao
texto da Constituição exatamente porque a imensa maioria da
população não os têm; a Constituição, é, também, desse modo, a
própria ineficácia da expressiva maioria de seus dispositivos;
percebemos, também, que a Constituição não é somente um
documento que estabelece direitos individuais, sociais e coletivos,
mas, mais do que isto, ao estabelecê-los, a Constituição coloca a
lume a sua ausência, desnudando as mazelas da sociedade;
enfim, não é a Constituição uma mera Lei Fundamental que “toma”
lugar no mundo jurídico, estabelecendo um “novo dever-ser”, até
porque antes dela havia uma outra “Constituição” e antes desta
outras quatro na era republicana ..., mas, sim, é da Constituição
nascida do processo constituinte, como algo que constitui, que
deve exsurgir uma nova sociedade”.265
Parafraseando Ronald Dworkin, é levar a Constituição a
sério, pois, só com o desejo de constituir algo melhor266, é que poderemos ter os
nossos direitos efetivamente garantidos. E para isto, temos que crer num Poder
Judiciário da mesma forma sério e imparcial, pois, neste poder (Juiz Hércules)
depositamos todas as nossas esperanças, e se ele falhar, nos preparemos para a
volta da tirania e da ditadura.
265 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 306. 266 “A Constituição é, finalmente, o resultado de sua interpretação, uma vez que uma coisa só é (algo, uma coisa) na medida em que é interpretada (porque compreendida “como” algo)”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 306.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após análise e detida discussão dos temas aqui abordados,
podemos concluir que a teoria de ‘Aplicabilidade das Normas Constitucionais’ de
José Afonso da Silva, já não serve mais da forma como ainda é apresentada.
Pois, os tempos mudam e com eles mudam os valores de um povo.
Os direitos sociais não estão na Constituição como enfeites
de uma arvore de natal. Estão sim para serem aplicados, independente da
vontade do Estado, pois, se estão na Constituição é porque o povo lutou para tê-
los e agora quer vê-los aplicados.
Sabemos que o Estado tem limites, inclusive econômicos,
mas, isto não quer dizer que os direitos sociais sejam programas a serem
efetivados num futuro muito distante. A saúde, a moradia, a educação, são direitos
que necessitam ser imediatamente aplicados pelo Estado, custe o que custar.
Concordamos com Crisafuli que os direitos – sociais - estão
no texto da Constituição e não nas normas infraconstitucionais ulteriores, ou seja,
os direitos estão pré-dispostos, as normas vêm apenas para regulamentar a sua
aplicação, mas o direito já existe pelo simples fato de estar vigente a Constituição.
A Constituição é um processo nos dizeres de Guerra Filho,
onde primeiro passo da caminhada é o texto, e os demais passos, cabem ao povo
reivindicar do Estado.
Um dos grandes culpados pela inaplicabilidade dos direitos é
o Poder Judiciário, que com o seu conservadorismo acaba por cercear a
efetivação dos valores e princípios que o povo tanto lutou para conquistar.
O Poder Judiciário não sabe ainda o seu verdadeiro papel,
de garantidor dos direitos fundamentais. O princípio da inércia do Poder Judiciário
vai até o momento em que é provocado, a partir daí, o seu mister é combater a
107
inércia do Poder Executivo e do Legislativo, quando estes não cumprem os
ditames da Carta Magna. Não há interferência de Poderes, há sim, aplicação da
Constituição.
Se hoje somos livres é porque pessoas lutaram e morreram
para assegurar esta liberdade. Agora em pleno século XXI, não precisamos mais
empunhar armas, pois, o instrumento de luta do povo é o direito. Cabe ao povo
reivindicar, e aos poderes públicos cumprir o que a Constituição determina. Assim,
ninguém precisará pedir ao Judiciário que interfira na política.
Mas se os poderes Legislativo e Executivo não fizerem sua
parte, caberá ao Poder Judiciário, fazer cumprir integralmente os valores e
princípios da Constituição da República, superando o discurso ultrapassado da
teoria da aplicabilidade das normas Constitucionais de José Afonso da Silva em
face do Neoconstitucionalismo.
108
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