UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
APLICABILIDADE DA TEORIA ULTRA VIRES ÀS SOCIEDADES LIMITADAS
JOANA MARIA GHISI GARCIA
São José, novembro de 2007
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
APLICABILIDADE DA TEORIA ULTRA VIRES ÀS SOCIEDADES LIMITADAS
Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.
JOANA MARIA GHISI GARCIA Orientadora: Professora MSc Rosângela Barreto Laus
São José, novembro de 2007
AGRADECIMENTO
Agradeço a DEUS pela vida, saúde e pela coragem nos momentos
difíceis.
Agradeço sempre, e nunca em excesso, a minha família, em especial aos
meus pais, Sidnei e Jane, pela educação e pelo amor incondicional.
Ao meu irmão, Lucas, pela convivência.
A minha avó, Maria Graciosa Ghisi, suporte de todas as horas.
Ao meu namorado, Jonatan, pelo carinho e apoio nesta reta final.
A todos os juristas que fazem parte da minha família, em especial ao meu
tio, José Clésio, e meus primos, Marco Aurélio e Marco Augusto, que me ensinaram
a amar o estudo do Direito.
Aos professores do curso de direito pelos conhecimentos transmitidos e
pela compreensão ao longo de todos esses anos de aprendizado.
A todos os colegas de universidade, em especial as amigas Nathália
Testoni e Vanessa do Sul Martins, pelo companheirismo, amizade e apoio durante
todo o curso e, principalmente, na oportunidade da realização deste trabalho.
Agradeço especialmente a minha orientadora, Professora MSc Rosângela
Barreto Laus, pelo carinho, pelos conhecimentos valiosos compartilhados na
elaboração desta pesquisa monográfica e pelo tempo dispensado para, sempre que
necessário, elucidar minhas dúvidas.
DEDICATÓRIA
A minha família, e especialmente, aos meus pais Sidnei e Jane;
As minhas amigas, e em especial, Nathália e Vanessa;
E a minha orientadora Professora MSc Rosângela Barreto Laus.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a Orientadora de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 05 de novembro de 2007.
Joana Maria Ghisi Garcia Graduando
RESUMO
O Código Civil de 2002 revogou o Decreto 3.708/19 e trouxe ao ordenamento
jurídico, novos dispositivos legais para disciplinar a sociedade limitada. Contudo,
iniciou-se uma discussão acerca do entendimento dos incisos do parágrafo único do
artigo 1.015 do Código Civil, que faculta à sociedade a proteção ao terceiro de boa –
fé contra atos abusivos ou excesso de poder praticado por seu administrador. Sendo
assim, passou-se a questionar se esta alteração ao Código Civil não teria originado
a adoção da teoria Ultra Vires no direito brasileiro. Teoria esta que surgiu em
meados do século XIX, na Inglaterra, com o intuito de evitar atos estranhos ao objeto
social na administração de sociedades por ações e preservar os interesses de
investidores, e foi perdendo força no decorrer do século XX por dificultar as
atividades econômicas. Até a vigência do Código Civil de 2002, a legislação
brasileira não havia aceitado a teoria Ultra Vires, porém se compreender que a
aplicação desta teoria incide nos atos estranhos aos negócios da sociedade e esta
pode ser oposta ao credor como excesso de poderes do administrador, a norma
disposta no artigo 1.015, parágrafo único, incisos I, II, e III do Código Civil é
claramente preceito inspirado na teoria Ultra Vires.
Palavras chave: sociedade limitada; teoria ultra vires; responsabilidade do
administrador.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................08 2 O INSTITUTO DA REPRESENTAÇÃO .................................................................10
2.1 NATUREZA JURÍDICA DA REPRESENTAÇÃO.................................................10
2.2 CONCEITO E ELEMENTOS DA REPRESENTAÇÃO ........................................15
2.2.1 Conceito de Representação ..........................................................................15 2.2.2 Elementos da Representação........................................................................17
2.3 A REPRESENTAÇÃO NO NOVO CÓDIGO CIVIL..............................................18
2.4 A REPRESENTAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS .............................21
3 TEORIA GERAL DA REPRESENTAÇÃO.............................................................24
3.1 TEORIA DA SEPARAÇÃO..................................................................................25
3.2 TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS E A TEORIA DA APARÊNCIA .......................27
3.2.1 A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a Teoria da Aparência..29
3.3 TEORIA ULTRA VIRES.......................................................................................35
3.3.1 Breve Histórico...............................................................................................35
3.3.2 Conceituação..................................................................................................37
3.4 ASPECTOS DISTINTIVOS ENTRE A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA, A TEORIA DA APARÊNCIA E A TEORIA ULTRA
VIRES........................................................................................................................38
4 A ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA E A TEORIA ULTRA VIRES.40
4.1 BREVES NOÇÕES DA SOCIEDAE LIMITADA ..................................................40
4.2 A REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA............................................41
4.3 A ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR NA GESTÃO DOS NEGÓCIOS SOCIAIS 46
4.3.1 Deveres do Administrador.............................................................................47 4.3.2 Atribuições e Poderes do Administrador.....................................................49
4.4 A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES NO CÓDIGO CIVIL.........50
4.5 A APLICABILIDADE DA TEORIA ULTRA VIRES DE ACORDO COM O CÓDIGO
CIVIL .........................................................................................................................52
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................60 REFERÊNCIAS.........................................................................................................62
8
1 INTRODUÇÃO
A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, atualmente
denominada sociedade limitada, originou-se na Alemanha em 1982 e Portugal foi o
segundo país a reconhecê-la. Sob influência portuguesa, o Brasil, em 10 de janeiro
de 1919 por meio do Decreto 3.708, adotou este tipo de sociedade.
No Brasil, este tipo societário despontou com o propósito de atender
melhor os interesses de empresários de pequeno e médio porte trazendo uma
estrutura empresarial mais ágil, funcional e eficaz.
A partir da vigência do Código Civil de 2002, as normas atinentes à
sociedade limitada compõem o Capítulo IV do Título II do Livro II da Parte Especial,
artigos 1.052 ao 1.087. Contudo, nas omissões de sua específica regulamentação,
aplicam-se à Limitada as normas da sociedade simples. Normas essas que constitui
uma verdadeira parte geral do direito societário.
No que tange as alterações estabelecidas pelo código, às disposições do
artigo 1.015 tem causado grande controvérsia quanto ao seu entendimento,
concluindo alguns doutrinadores que este dispositivo teria seu preceito inspirado na
teoria Ultra Vires.
Assim, esta pesquisa desenvolve-se com o intento de analisar se as
disposições do art. 1015 do Código Civil introduziram no Direito Brasileiro a Teoria
Ultra Vires.
O método de investigação do presente trabalho será o indutivo que,
segundo PASOLD1, consiste em “pesquisar e estabelecer as partes de um
fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”. A
técnica de pesquisa utilizada compreende a pesquisa bibliográfica, com base na
busca de assuntos que integram, especialmente, artigos, livros, legislações e, em
sites da internet, cujo conteúdo verse sobre a matéria a ser analisada.
A disposição dos capítulos obedece a seguinte ordem: no capítulo
inaugural, explica-se a representação societária, iniciando com considerações a
respeito da natureza jurídica da representação, com breve menção às teorias de
Savigny e de Pontes de Miranda, bem como o conceito e os elementos da 1 Cf. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 5 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2001. p. 87.
9
representação. A necessidade de mencionar sobre a natureza e as normas
aplicáveis à sociedade limitada dá-se, por alterações do Código Civil de 2002
quando trata de representação societária. Aborda-se ainda, a representação
societária propriamente dita, que anteriormente pendia para responsabilizar a
sociedade por atos culposos de gestão e, atualmente, tornou clara a
responsabilidade do administrador atenuando a responsabilidade da pessoa jurídica.
No capítulo seguinte, enfrentam-se as teorias que regem ou regiam a
representação social, amenizando ou reduzindo a responsabilidade dos
administradores, e como forma de distinguir essas teorias da Ultra Vires, confroutou-
se esta com a teoria da Aparência e a teoria da Desconsideração da Personalidade
Jurídica.
Prosseguindo com a apresentação do instituto da representação
societária, manifesta-se no capítulo derradeiro, breves e gerais considerações sobre
a administração da sociedade limitada e com maior profundidade as questões
pertinentes à gestão dos negócios sociais, tais como, deveres; atribuições e poderes
concedidos aos administradores, pelo contrato social ou pela lei. Enfim, tem-se a
grande discussão dessa pesquisa que é a aplicabilidade da teoria Ultra Vires à luz
das disposições do Código Civil.
Solidifica-se o estudo do presente com a realização das conclusões, nas
quais constam resumidos os principais pontos investigados em atendimento as
hipóteses pretendidas com o trabalho realizado.
10
2 O INSTITUTO DA REPRESENTAÇÃO
Antes de tratar especificamente da categoria representação societária,
torna-se imperioso abordar, a priori, a sua natureza jurídica como forma de
compreender as teorias que a explicam.
2.1 NATUREZA JURÍDICA DA REPRESENTAÇÃO
O instituto da representação desenvolveu-se, notadamente, na doutrina
germânica a partir das teorias explicativas da natureza jurídica da representação.
Antes, porém de analisá-las, deve-se esclarecer que tais teorias objetivam
elucidar a relação jurídica entre a vontade do representado e a manifestação desta
pelo representante, os poderes a este conferidos e “a vontade manifestada no
negócio jurídico ou ato celebrado, ou seja, a vontade declarada pelo representante
para celebração do negócio jurídico, lato sensu”2.
Dentre as seis teorias que se passa a abordar, a primeira, conhecida
como a “Teoria de Savigny” ou “do dono do negócio”, atualmente é tida como
ultrapassada, não obstante tenha sido de fundamental importância para a
elaboração e desenvolvimento das teorias ulteriores3.
Ernesto A. Sanchez Urite, citado por MAIA JÚNIOR4, sintetiza o
pensamento de Savigny da seguinte maneira: “o representado é quem se apresenta
como verdadeiro sujeito do negócio jurídico, enquanto considera o representante
como mero mensageiro, ou seja, ‘um portador de uma declaración de voluntad
ajena’”5. Pode-se então dizer, que o representante seria o intermediário atuando
como instrumento da manifestação da vontade do representado.
Por isso, PEREIRA afirma que Savigny explicava a natureza jurídica da
representação “como intermediação a bem dizer material, obrando o representante
como instrumento do representado”6.
2 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 59. 3 Cf. MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 59. 4 Apud MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 60. 5 Um portador da declaração de vontade da pessoa. [Tradução livre] 6 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.1. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 615.
11
Na obra intitulada Tratado de Direito Civil, publicada em 1955, Luiz da
Cunha Gonçalves evidencia os defeitos e as críticas levantadas pela doutrina à
teoria de Savigny e, as resume nos seguintes termos: a) há diferença entre o mensageiro e o representante, pois este procede por vontade própria, ao passo que aquele reproduz a declaração do emitente (Fulano manda-lhe dizer etc.); b) não é aplicável ao representante legal, que não é portador da vontade do incapaz representado; c) não toma em consideração a vontade do representante, que, às vezes, é preponderante; d) não explica o caso de mandato geral, nem o do mandato sem instruções; e) ainda menos se concilia com o excesso de mandato e sua possível ratificação7.
A segunda teoria, conhecida como a da ficção, possui pontos em comum
com a de Savigny e tem como autor Windscheid que, por ocasião da edição das
Pandectas8, elaborou as suas primeiras formulações9.
Inicialmente, diz MAIA JÚNIOR10, a teoria da ficção de Windscheid,
também afirmava que a vontade do representante manifestava-se pela declaração
do representado. Entretanto, ao perceber o equívoco cometido, em razão das
críticas sofridas por Savigny, reformulou o seu pensamento e estabeleceu um novo
conceito para a natureza jurídica da representação. Passou então a afirmar que a
declaração do representante “é distinta a do representando em seu conteúdo, não
obstante ser desta decorrente”. Conclui que as teorias de Windscheid e de Savigny
diferem porque para o primeiro “existiria a declaração de vontade do representante,
paralela a do representado”, enquanto que o segundo “admite a manifestação de
vontade por parte do representante”.
Dentro desse contexto, PEREIRA leciona que para a doutrina de
concepção ficcionista “o representante é veículo da vontade do representado”. E
aduz: “a escola tradicional tem preferido a concepção ficcionista, em virtude da qual
7 Apud MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 60. 8 Pandectas é o designativo grego atribuído ao Digesto, que significa a compilação de fragmentos das constituições imperiais formuladas para resolver um problema em relação ao direito contido nas obras dos jurisconsultos clássicos que não tinham sido compiladas. O grande volume de jurisprudências encontrava-se desordenada, o que dificultava que fosse encontrada. É uma obra mais completa que o Código e constituíam uma suma do Direito Romano, restrita ao império bizantino. Cf. Wikpédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Corpus_juris_civilis. Acesso em: 09.07.2007. 9 Cf. MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 62. 10 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 62.
12
o representante procede como se fosse o representado, e em conseqüência a
vontade deste é presumida na que aquele emitir”11.
Aliás, a teoria de Windscheid também não ficou imune a críticas,
sobretudo, por não explicar satisfatoriamente várias situações, dentre elas, a da
representação do incapaz, pois, “é justamente pelo fato de não poder exprimir sua
vontade que se lhe concede representante legal”. No entanto, não se pode deixar de
conferir certo mérito à teoria ficcionista, vez que reconhece e aceita que a
declaração de vontade emana do representante12.
PEREIRA, em alusão às críticas dirigidas a teoria de Windscheid, observa
que o instituto da representação, conforme formulado, além de deixar de fora a
gestão de negócios, não satisfaz a situação da representação legal na hipótese “em
que o representado não tem vontade nenhuma (menor ou louco), pois repugna
admitir que se explique por uma fictio, na qual o representante aparece como
portador de uma declaração volitiva de quem não tem nenhuma aptidão para proferi-
la”13.
A terceira teoria, concebida por Thöl e que leva o mesmo nome do autor,
ou, conhecida também por “teoria do duplo negócio”, evidencia que “os direitos e
obrigações nascem da atividade ‘gestora’ do representante em nome do
representado, porém não surgem do contrato ou do negócio jurídico que o
representante estipula com outrem, mas serão, na verdade, originados de dois
contratos distintos”14.
Embora apresente caráter aparentemente original, aplicam-se a esta
teoria as mesmas observações formuladas às teorias de Savigny e de Windscheid,
por não explicar “a razão pela qual a vontade do representante obriga o
representado. Tampouco justifica as situações em que o representante procede com
abuso ou excesso de poder”15.
Para a quarta teoria, denominada de Teoria de Mitteis ou teoria da
interposição (Vermittlungstheorie), a representação decorre das vontades do
representante e do representado sob a forma de cooperação unitária de ambas as
partes. A respeito dessa teoria, colhe-se da lição de MAIA JÚNIOR que:
11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.1. p. 615. 12 Cf. MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 62-63 13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.1. p. 615-616. 14 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 63. 15 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 64.
13
[…] o negócio jurídico não é, em regra, constituído nem pela vontade do representado, nem pela vontade do representante. Surge, ao contrário, de um meio-termo, ou seja, da cooperação de ambas as vontades. A vontade indispensável à celebração do contrato seria formada pela conjunta manifestação das vontades do representado, dominus negotti, e do representante, sem que estivesse descaracterizada sua unicidade16.
Também essa não foi poupada de críticas. A censura recaía sobre a
impossibilidade do negócio jurídico expressar, ao mesmo tempo, a vontade do
representado e do representante. Além do mais, a teoria de Mitteis, assim como as
anteriormente mencionadas, omite a representação legal do incapaz. Desse modo, a
vontade, “há que ser do representante, embora formada por sugestão ou imposição
do representado. O representante deseja, ele mesmo, negociar, ainda quando quer
negociar em conformidade com as determinações do representado” 17.
Por sua vez, a quinta teoria, conhecida como teoria clássica da
representação ou simplesmente, teoria da representação, tem como principais
defensores, Buchka, von Ihering, Hupka, von Tuhr. Para esses pensadores “o
representante age em nome do representado, e entre aquele e a contraparte deve
haver necessariamente um acordo de vontades”. Entretanto, os atos jurídicos
praticados pelo representante afetam a esfera jurídica do representado, e não do
representante18.
MAIA JÚNIOR, ao discorrer sobre a teoria clássica da representação
observa que ela evidencia, claramente, a dicotomia entre causa e efeito, pois, nas
palavras do autor: […] o negócio jurídico nasce da atuação (vontade) do representante, sendo ele criado; enquanto que os efeitos, ao contrário, alcançam a pessoa e o patrimônio do representado. Destarte, a capacidade para agir, bem como os vícios do consentimento, que podem afetar a vontade negocial, são aferidos com relação à pessoa do representante e não do representado19.
Entende o autor que a teoria clássica da representação inclui
satisfatoriamente a representação legal do incapaz, considerando-a traço distintivo
16 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 65. 17 Apud MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 16. 18 Cf. MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 69. 19 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 70.
14
das teorias anteriores, pois nessa, a própria atividade do representante independe
da vontade do representado20.
Por não concordar com as teorias retro abordadas, Pontes de Miranda
criou sua própria tese sobre o tema da representação, a qual recebeu o nome de
Teoria da Juridicização. Sua discordância com as teorias precedentes, justifica-se no
seguinte enfoque: A manifestação de vontade do representante não é a do representado; porque isso seria reduzir o representante ao núncio. Nem há as duas, emergindo uma da outra. Nem se trata de manifestação de vontade do representante, com eficácia a favor ou contra o representado, separando-se a causa e o efeito21.
Para Pontes de Miranda a manifestação da vontade é o suporte fático do
ato de representação, porque entende “o ato de representar como elemento do
suporte fático, sendo os efeitos produzidos decorrentes desse ato,
concomitantemente com o suporte fático, negócio jurídico representativo”. Observa,
ainda, que “o momento de atuação da vontade do representante não se situa antes
do negócio jurídico, mas é concomitantemente a este, já que integra, conjuntamente
com a vontade manifestada pelo terceiro contratante, a vontade formadora do
negócio jurídico”22.
A respeito da teoria de Pontes de Miranda, MAIA JÚNIOR afirma que a
posição do jurista não responde satisfatoriamente as questões da representação,
pois, além de não explicar as situações de abuso de poder praticadas pelo
representante, também não esclarece “de quem seria a vontade expressada no
momento da celebração do negócio jurídico, para fins de verificação da ocorrência
de vícios de consentimento, já que a vontade negocial seria a do representado
manifestada pelo representante”23.
Como se pode verificar, múltiplas são as teorias que pretendem explicar a
natureza jurídica da representação, o que permite concluir que nenhum instituto
nasce pronto, pois, sofre as mais variadas influências dos pensadores e das escolas
a qual se filiam.
Contudo, deve-se salientar que neste trabalho, a abordagem do instituto
da representação alcança a responsabilidade dos atos praticados nos interesses da 20 Cf. MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 71. 21 Apud MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico, p. 71-72 22 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 72. 23 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 73.
15
pessoa jurídica, como reflexo da vontade coletiva e que são exercidos por
intermédio de seus representantes legais – administradores – uma vez que a pessoa
jurídica não tem vontade, mas interesses.
2.2 CONCEITO E ELEMENTOS DA REPRESENTAÇÃO
2.2.1 Conceito de Representação
A palavra representação origina-se do latim representatio, de
repraesentare e significa apresentar, estar presente, reproduzir24. Segundo
FREIRE25, é a “ação ou efeito de representar; ação ou efeito de pôr diante dos olhos;
ser mandatário ou procurador; fazer as vezes de; apresentar-se no lugar de”.
No universo jurídico a representação, nas palavras de SCHREIBER26,
consiste “na realização de um negócio jurídico em nome de outra pessoa, sobre
quem devem recair os efeitos negociais”. Isto quer dizer que a declaração, ou
manifestação de vontade pode ser feita por outra pessoa, em nome do interessado,
como se fosse o próprio a declarar27.
Como reconhece AMARAL28 a representação concretiza o poder que tem
o representante em praticar determinados atos jurídicos em nome e no interesse do
representado, de modo que os seus efeitos se verificam, em regra, na esfera
patrimonial do último.
LOPES, por sua vez, associa a idéia de representação ao encontro de
uma necessidade e de um interesse. Nesse sentido, assevera: De uma necessidade quando efetivamente o interessado, por uma circunstância especial, está incapacitado de exercitar o ato de vontade, como no caso do menor, do interdito, do ausente; de uma conveniência quando, por força de circunstâncias especiais e particulares, não pode estar presente ao ato, como no caso de uma
24 Cf. SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico, v.IV. 3. ed. São Paulo: Forense, 1973, p. 1351. 25 FREIRE, Laudelino. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, v. IV. Rio de Janeiro, 1958. p. 4.371. 26 SCHREIBER, Anderson. A representação no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil – constitucional. 2.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 232. 27 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5.ed. rev., atual. e aum.. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 437. 28 Cf. AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. p. 438.
16
moléstia, de uma viagem ou outro qualquer motivo que obste a sua presença no ato da efetuação do negócio jurídico29.
O representante não age em nome próprio, mas em nome do
representado. Nesse sentido, F. Sagesse, citado por LOPES, diz que a
representação consiste no: [...] instituto, mediante o qual uma pessoa (representante) dá materialmente vida a um ato jurídico, que diz respeito a uma outra pessoa (representado) e com a intenção externamente manifestada de que todos os efeitos do ato tenham repercussão na esfera jurídica deste outro, como se ele tivesse sido o autor30.
De qualquer modo, não se pode confundir a representação legal com a
representação voluntária ou convencional. Na representação legal, os pais, tutores,
curadores praticam o ato no interesse do representado. Enquanto que na
representação voluntária ou convencional, uma parte cuida de outorgar a outra, por
ato de vontade, poderes gerais ou específicos para que esta pratique atos jurídicos
em seu nome e no seu interesse. Consiste numa verdadeira legitimação para agir
em nome de outrem. Entretanto, em qualquer das formas de representação, requer-
se a comprovação da qualidade de representante, bem como a extensão de seus
poderes para atuar em nome do representado31.
Percebe-se, portanto, que no instituto da representação há o concurso de
três pessoas: o representante, aquele que pratica o ato; o representado, a pessoa
em nome de quem ele atua; e, o terceiro, a pessoa com quem o ato jurídico é
materializado e mediante a atuação do representante que age em nome do
representado. Em contrapartida, o terceiro deve conhecer a qualidade do co-
contratante, uma vez que, logo que concluído, o ato praticado pelo representante
produz os seus efeitos, quer em face do terceiro, quer em face do representado.
Pode-se com isso compreender que a figura da representação permite
que os atos físicos de um representante produzam efeitos jurídicos no patrimônio do
representado, e, no âmbito da representação da pessoa jurídica, tais atos podem
responsabilizar pessoalmente o representante se não forem concretizados nos
29 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos, v.I. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000. p. 469-470. 30 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos, v.I. p. 470. 31 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral, v.1. São Paulo: Saraiva, 2002. p.106-107.
17
limites da atribuição de competência e poder. Importante, nesse momento, ressaltar
que essa questão será enfrentada adiante, quando se tratar dos atos praticados
pelos administradores das sociedades.
2.2.2 Elementos da Representação
Cabe destacar a importância do estudo dos elementos da representação,
dentro dos limites da proposta deste trabalho, com os preceitos genéricos aplicáveis
à representação voluntária, para se compreender a problemática dos efeitos da
responsabilidade na representação das sociedades empresárias.
Nesse sentido, um dos elementos da representação voluntária ou
convencional é a declaração expressa (contemplatio domini) por parte do
representante de atuar em nome de outrem. Assim, a exteriorização de tal elemento
é fundamental “para que o terceiro saiba com quem está se obrigando e,
conseqüentemente, onerando seu patrimônio em troca de contraprestação garantida
pela pessoa conhecida”. O outro elemento é identificado pelo poder transferido
(alieno nomini) ao representante para que este realize o ato em seu nome32.
MAIA JÚNIOR cita Manuel Domingues de Andrade para afirmar que são
três os pressupostos da representação: a contemplatio domini, a vontade de
contratar manifestada pelo representante e o poder de representação. O autor
afirma que segundo o civilista lusitano: […] os dois primeiros diriam respeito à própria existência da representação, ‘de cujo conceito são elementos integradores’, enquanto o terceiro diria respeito à eficácia da representação, ‘sendo necessário apenas para que o negócio representativo atinja o escopo a que tende, projectando directamente as suas conseqüências na órbita jurídica do representado33.
Sobre o tema, LOPES manifesta opinião semelhante a de Manuel
Domingues de Andrade e atesta que os requisitos da representação são: 1º) Vontade própria do representante – o representante tem que manifestar a sua própria vontade, pois o negócio se realiza em conseqüência da própria vontade do representante; 2º) Intenção de agir em nome do representado – é necessário que o terceiro perante quem o representante vai agir nessa qualidade saiba ou tenha motivos para saber que o negócio está sendo levado a efeito
32 TANURE, Rafael Jayme. Os atos ultra vires no novo código civil. Disponível em: http://jus2uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5083. Acesso em: 10.04.2007. 33 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 76.
18
de outrem. Trata-se da contemplatio domini; e 3º) o poder de representar – consoante se trate de um representante legal, judicial voluntário, os poderes de que se achar investido decorrem da lei, de determinação do juiz ou do negócio jurídico. As duas primeiras formas estão governadas pela lei; a última, pela vontade dos representados34.[grifo nosso]
Por fim, MAIA JÚNIOR baseado na quase uniformidade da doutrina
conceitua os elementos da representação da seguinte forma: O representante atua com autonomia, dentro de limites preestabelecidos pelo representado, ou seja, de acordo com os poderes conferidos por este último, na determinação do conteúdo do negócio jurídico com a parte contratante, produzindo-se os efeitos da vontade manifestada pelo representante na esfera jurídica do representado, constituindo direitos ou gerando obrigações, modificando ou extinguindo relações jurídicas35.
Assim, no âmbito do direito civil, a representação é essencial para a
validade dos negócios jurídicos e, origina-se da outorga de poderes para que outra
pessoa pratique atos jurídicos, em nome do representado. Contudo, se ocorrer
excesso de poder o representante poderá ter eventual responsabilidade civil.
2.3 A REPRESENTAÇÃO NO CÓDIGO CIVIL
O instituto da representação não recebeu tratamento adequado no Código
Civil de 1916. Contudo, o diploma civil de 2002, ao suprir a lacuna da legislação
anterior, dedicou à representação, um capítulo, na parte geral, “com preceitos
genéricos aplicáveis tanto à representação legal, quanto à voluntária”36, enquanto
que a representação voluntária é tratada na parte especial do mesmo diploma legal.
RODRIGUES ensina que “uma inovação trazida pelo Código de 2002 foi a
introdução de um capítulo (II) sobre a ‘Representação’, no Livro ‘Dos fatos jurídicos’,
Título I, ‘Do negócio jurídico’, em seguida às ‘Disposições gerais’ (Capítulo I), cujo
tema principal é a manifestação da vontade”37.
34 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos, v.I. p. 474. 35 MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. p. 28. 36 Cf. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral, v.1. p. 347-348. 37 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: parte geral, v.I. 34ª ed., atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 165.
19
Ao discorrer sobre a representação no Código Civil de 1916, VENOSA
garante que: Ao contrário de outras legislações, como o Código alemão que dispensa disciplina específica ao instituto (arts. 164 a 181), nosso Código Civil de 1916 absteve-se de dar disciplina à representação, apesar de a ela referir-se em dispositivos esparsos e de modo geral, como no caso da representação legal da família (art. 233, I; novo, arts. 567 e 1.568), do pátrio poder ou poder familiar (art. 384, V; novo, art. 1.634), da tutela (art. 424, I; novo, art. 1.740), dos absoluta e relativamente incapazes (art. 84; novo, art. 116); além de disciplinar o mandato como contrato (arts. 1.288 a 1.330; novo, 653 a 692)38.
O que é importante destacar é que o Código Civil de 2002 além de trazer
renovações a respeito do instituto da representação, supriu a omissão deixada pelo
Código de 1916.
O artigo 115 do atual diploma civil é claro ao apontar preceitos genéricos
acerca da representação legal e a convencional, quando dispõe que: “Os poderes de
representação conferem-se por lei ou pelo interessado”.
A representação legal encontra disciplina específica nas normas relativas
do poder de família, da tutela e da curatela, além de outros institutos estabelecidos
em legislação especial, como por exemplo, aos sindicatos quando da celebração de
acordos coletivos; ao administrador judicial da massa falida; aos síndicos dos
condomínios edilícios e, a do inventariante.
Já a representação convencional, pauta-se na autorização privada
mediante a outorga de poderes. Nas palavras de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO39
“a representação, como forma de manifestação de vontade do representado através
do representante deve produzir plenamente seus efeitos”. É o que dispõe o artigo
116 do Código Civil, nesses termos: Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado.
Importante ressaltar que o mandato é um contrato de representação e, a
procuração a sua forma. Nesses termos é o preceito do artigo 653 do Código de
2002:
38 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. v.I. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 394. 39 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral, v.1. p. 348.
20
Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.
Contudo, mandato e representação, necessariamente, não se superpõem,
pois há a possibilidade de representação sem mandato. O mandato caracteriza-se
pela idéia de representação, no entanto, não há mandato quando alguém recebe
poderes de outrem, por meio de atribuição conferida por contrato ou estatuto social,
para em seu nome atuar. Como é o caso, por exemplo, da deliberação dos sócios de
uma sociedade empresária para que administre, cotidianamente, a empresa.
Por fim, um ponto interessante a ser destacado é o referente ao contrato
consigo mesmo. Como se vê do art. 117 do diploma civil em vigor, há restrição legal
ao negócio jurídico consigo mesmo. É que o preceitua: Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos.
Sobre o tema, Maria Cândida do Amaral Kroetz, citada por GAGLIANO e
PAMPLONA JUNIOR, vislumbra duas situações distintas que qualificam o
autocontrato. A primeira se dá quando o autor do negócio jurídico intervém com um duplo papel, sendo que uma das partes é ele mesmo, atuando em nome próprio, e outra é a pessoa por ele representada. A outra hipótese se verifica quando o contratante é representante das duas partes por força de relações representativas distintas. Nesta espécie peculiar de negócio jurídico não estão envolvidas duas pessoas, mas duas partes, nem duas vontades, mas uma declaração de vontade que, de um lado, vale como vontade do representante, e, de outro, como vontade do representado40.
Trata-se, na verdade, de uma situação de dupla representação, apesar de
ser em princípio um negócio anulável, exceto se a lei ou o representado autorizarem
sua realização. Entende-se, assim, que a causa objetiva de anulabilidade prevista no
40 Apud GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral, v.1. p. 348-349.
21
artigo 117 estende-se tanto a representação legal quanto à convencional ou a
qualquer outro meio41 de transmissão a outrem de poderes de representação.
Entretanto, SCHREIBER42 assevera que o atual diploma legal não
introduziu uma verdadeira revolução ao direito vigente. A ausência de grandes
inovações, diz o autor, “se explica pela própria desatualidade do projeto original,
elaborado em 1975, mais de uma década antes, portanto, da atual Constituição da
República”.
Não obstante, é de se reconhecer que a codificação civil adota
expressamente o instituto da representação e admite a autonomia do instituto.
2.4 A REPRESENTAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
A figura central da empresa, considerando-se esta como a atividade
econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços43, é a
organização social integrada pela direção dos negócios. Por isso, os atos de gestão
dos administradores devem observar a realização do objeto social, sob pena de ser
responsabilizado no caso de aplicar, em prejuízo da sociedade, créditos ou bens
sociais com excesso ou desvio de poder44.
Na avaliação de REQUIÃO45, nas sociedades de pessoas, nas quais um
dos sócios, ou todos eles, desfrutam do poder de direção, essa organização é
menos aperfeiçoada. Porém nas sociedades de capital, sendo a sociedade anônima
o maior exemplo, a questão da administração social impõe uma melhor distribuição
de poderes, que recebe a designação de “órgãos sociais”.
Nesse panorama, torna-se relevante explicitar a classificação que a
doutrina46 adota para distinguir a sociedade de pessoa da sociedade de capital.
41 É de se salientar que além dos meios de representação legal e convencional ou voluntária, há, ainda, as hipóteses de representação judicial. O representante judicial é o nomeado pelo juiz em face de processo, como no caso do inventariante, do administrador judicial da falência ou processo de recuperação judicial. 42 SCHREIBER, Anderson. A representação no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil – constitucional. p. 240. 43 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.1. 11.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 19 44 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.177. Cf. tb. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v.2. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 166. 45 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v.2. p. 166 46 Os autores dão nomes diferentes para distinguir sociedade de pessoa de sociedade de capital. Rubens Requião nomeia a classificação da sociedade em relação a “estrutura econômica”. Fábio Ulhoa Coelho denomina “Condições da participação societária”, enquanto que Dylson Doria prefere
22
Obviamente que em todas as sociedades há necessidade de elementos pessoais e
de capital; sem tais elementos inexistiria a sociedade. Entretanto é em razão da
maior ou menor importância da affectio societatis que as sociedades se classificam
em sociedades de pessoas e de capital. Assim, se em sua formação há
predominância das qualidades pessoais dos sócios, diz-se tratar-se de sociedade de
pessoas; contudo, se o caráter pessoal é secundário e, a relevância para cumprir os
fins sociais a que se destina repousa, exclusivamente, na destinação de recurso à
formação societária, diz-se então que a sociedade é de capital47.
A verdade é que as sociedades regidas exclusivamente pelo Código Civil,
as quais o ato de constituição é instrumentalizado por um contrato social, são
classificadas como sociedade de pessoas. Nesse grupo enquadram-se as
sociedades em nome coletivo e comandita simples. Já as sociedades por ações,
dentre elas a sociedade anônima e comandita por ações, são sempre de capital.
Segundo COELHO48, em relação à sociedade limitada, a lei não define a
natureza, são os sócios que definem no contrato social se a sociedade será de
pessoa ou de capital. Quanto a legislação aplicável, o regime disciplinar segue as
normas do Capítulo IV, artigos 1.052 a 1.087, do Código Civil. Entretanto, nas
omissões, a disciplina supletiva pode ser a da sociedade simples ou a da anônima49,
dependendo da vontade dos sócios, exceto em matéria de constituição e dissolução,
que deverá seguir sempre as normas referentes às sociedades simples – sociedade
contratual.
A importância da abordagem sobre a natureza e as normas aplicáveis à
sociedade limitada, explica-se, em razão das modificações introduzidas pelo Código
Civil de 2002 na questão da representação societária, pois as novas normas
aumentaram a exposição do patrimônio pessoal dos administradores.
Sabe-se que a sociedade, pessoa jurídica, atua através dos
administradores que decidem “as questões técnicas que lhe são propostas para
execução da vontade social”50. Assim, a regra geral é que a sociedade responde
classificar sob a rubrica “influência dos sócios”. Cf. NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, v.1. 3 ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 236. 47 Cf. NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, v.1. p. 238. 48 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 370. 49 Sobre a matéria dispõe o Código Civil: “Art. 1053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”. 50 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v.2. p. 166.
23
pelos atos de gestão dos administradores, adjetivados de diretores, desde que tais
atos sejam praticados de acordo com o contrato social e que obedeçam as
disposições legais pertinentes.
Tem-se assim, que a tendência das decisões pretorianas era a de
responsabilizar a pessoa jurídica por atos culposos de gestão, imputando à
sociedade, pela aplicação da teoria da aparência, o cumprimento de obrigação
contraída em seu nome. Contudo, o Código Civil tornou clara a responsabilidade do
administrador, com isso, atenuou a responsabilidade da sociedade.
Antes, porém, de abordar os aspectos que ampliam a responsabilidade
dos administradores, por força das disposições do diploma civil pátrio, requer se
compreendam algumas das teorias que amenizavam, ou, reduziam a
responsabilidade dos administradores.
24
3 TEORIA GERAL DA REPRESENTAÇÃO
A pessoa jurídica é uma criação do direito, uma vez que é o sistema
jurídico que lhe concede personalidade jurídica51 atribuindo-lhe direitos e capacidade
de contrair obrigações. Segundo GOMES, as pessoas jurídicas “são grupos
humanos dotados de personalidade, para a realização de fim comum, podendo ser
denominada pessoa moral, social, jurídica ou civil”52.
Sendo as sociedades empresárias, pessoas jurídicas de direito privado, a
partir da sua existência, passam “por uma organização, competindo aos órgãos
regularem a vida interior e determinar a sua identidade”53. Segundo REQUIÃO54,
diretor ou administrador, é um órgão da sociedade empresária. Assim, é o órgão que
“executa a vontade da pessoa jurídica, ainda como o braço, a mão, a boca executam
a da pessoa natural”.
São os órgãos que permitem a presença da sociedade empresária no
mundo exterior; desse modo, o diretor ou administrador de qualquer sociedade
personificada, e toda sociedade empresária é personificada, “é o órgão de execução
da vontade social”55.
Portanto, o que obriga a sociedade são os atos de seus administradores,
os quais, devem ser “exercidos nos limites de seus poderes, definidos no ato
constitutivo”56, o que significa dizer que no trato das relações o titular do direito
transfere a terceiro a incumbência de realizar em seu nome, atos de gestão ou atos
específicos.
A partir de tal preceito, a “tecnologia jurídica”57 elaborou teorias que
explicam a Representação; contudo, não é uma questão de fácil compreensão, uma
51 Código Civil. “Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito provado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. 52 GOMES, Orlando. Introdução ou direito civil. 3.ed. atual. por Humberto Teodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 186 53 KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no código civil de 2002. São Paulo: Editora Método, 2007. p. 170. 54 REQUIÃO. Rubens. Curso de direito comercial, v.1. 25. ed. atualizada por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 443. 55 REQUIÃO. Rubens. Curso de direito comercial, v.1. p. 443. 56 Código Civil. “Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”. 57 Termo adotado por Fábio Ulhoa Coelho para designar os conceitos formulados pela doutrina. Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p.446.
25
vez que o Código Civil, ao incluir a Representação na sua Parte Geral, lhe dá força
normativa geral, o que, permite concluir que suas normas aplica-se também aos
institutos da Parte Especial, como por exemplo, às Sociedades. Tema esse que se
passa a desenvolver nos itens a seguir.
3.1 TEORIA DA SEPARAÇÃO
O Poder de Representação que surgiu na Europa sob o nome de Teoria
da Separação é adotada pelas legislações da Alemanha, Portugal de 1966 e
Italiana, com a clara e expressa declaração do representante de estar autorizado a
atuar em nome de outrem58.
Assim, a representação é uma forma de delegação de poderes para que
um pratique atos ou realize negócios em nome de outrem. No âmbito da gestão de
negócios, a teoria da separação concebe que mandato e representação compõem
institutos distintos, portanto, pode haver um sem o outro.
Esse é o entendimento de Leonardo Mattieto, citado por SCHREIBER59:
“a teoria da separação consagra o entendimento de que o poder de representação
nasce não do mandato, mas de um negócio jurídico unilateral, autônomo e abstrato,
a que a doutrina tem dado o nome de ‘procuração’. Portanto, conforme sugere
TANURE60 a teoria da separação atua diretamente sobre o poder de representação.
Sendo assim, verifica-se que a autonomia entre o poder de representar e
o mandato, julga eficaz a representação, onerando o representado, “ainda que se
verifique um eventual vício no contrato de mandato ou em qualquer outra relação
contratual interna entre o representante e o representado”61.
SCHREIBER62 atesta que: A teoria da separação traz, assim, uma clara opção pela proteção do terceiro (de boa-fé) em desfavor do representado. Protegendo-se, acima do vínculo jurídico entre representante e representado, a
58 Cf. TANURE, Rafael Jaime. Os atos Ultra Vires no novo Código Civil. Disponível em: http://jus2uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5083. Acesso em: 10.04.2007. 59 SCHREIBER, Anderson. A representação no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil – constitucional. p. 238. 60 Cf. TANURE, Rafael Jayme. Os atos ultra vires no novo código civil. Disponível em: http://jus2uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5083. Acesso em: 20.09.2007. 61 SCHREIBER, Anderson. A representação no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil – constitucional. p. 238-239. 62 SCHREIBER, Anderson. A representação no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil – constitucional. p. 239.
26
confiança daquele que foi levado, pela convivência de outrem, a contratar com o representante. A nulidade, a anulabilidade ou o descumprimento do mandato são questões que fica imune o terceiro, que contrata com o representante. Há, na teoria da separação, maior sensibilidade às práticas contemporâneas e maior eqüidade na distribuição dos riscos sociais.
E conclui justificando que não há razão que fundamente “lançar sobre o
terceiro o ônus de uma falha qualquer na regulação do exercício do poder de
representar, já que (i) se trata de uma relação jurídica interna entre o representante
e o representado, e (ii) a própria representação é instituída a critério e em benefício
do representado, o que, a princípio, justifica a proteção do terceiro, que confiou na
legitimidade da atuação em nome de outrem”63.
Percebe-se, assim, que os mandatários (prepostos64 ou gerentes65)
correspondem às pessoas que atuam em nome da sociedade. Agem em nome dela,
realizam e cumprem atos que constituem a sua própria manifestação nas relações
que desenvolve.
Pelos atos praticados pelos mandatários, na concepção de RIZZARDO,
está “inerente a idéia de representação, com poderes de mandato, ou de execução
dos atos em nome do preponente, ao mesmo tempo em que se constata uma
contratação de serviços”66.
O artigo 1.175 do Código Civil dispõe sobre o exercício dos poderes de
mandato pelo gerente e a responsabilidade, perante terceiros, do representado por
atos praticados pelo primeiro. São esses os termos: Art. 1.175. O preponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta daquele.
Assim, da análise desse comando normativo pode-se extrair que o
legislador civil de 2002, incluiu a Teoria da Separação no direito civil pátrio, uma vez
que a responsabilidade perante terceiros é do preponente, cabendo, tão somente,
63 SCHREIBER, Anderson. A representação no novo Código Civil. In TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil – constitucional. p. 239. 64 Nesse sentido estabelece o Código Civil: “Art. 1.169. O preposto não pode, salvo autorização escrita, fazer-se substituir no desempenho da preposição, sob pena de responder pessoalmente pelos atos do substituto e pelas obrigações por ele contraídas”. 65 De conformidade com que estabelece o Código Civil em seu art. 1.172: “Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta ou em sucursal, filial ou agência”. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. São Paulo:Saraiva, 2006. 66 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.1077.
27
ao gerente praticar os atos e realizar os negócios jurídicos dentro dos poderes que
lhe são atribuídos em razão da função que exerce.
3.2 TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS E A TEORIA DA APARÊNCIA
A Teoria da Aparência ou também conhecida como Aparência de Direito
é, segundo os ensinamentos de Álvaro Malheiros mencionado por DANTAS, “uma
situação de fato que manifesta como verdadeira uma situação jurídica não
verdadeira, e que, por causa do erro escusável de quem, de boa-fé, tomou o
fenômeno real como manifestação de uma situação jurídica verdadeira, cria um
direito subjetivo novo, mesmo à custa da própria realidade”67.
Contudo, cabe salientar que alguns doutrinadores fazem distinção entre
aparência no Direito e aparência de direito. De acordo com Fábio Borghi, citado por
DANTAS, a aparência no Direito “tem por fundamento dispositivos de lei e busca a
proteção do terceiro de boa-fé. Cita como exemplos, a posse (aparência de
propriedade), o casamento putativo, o herdeiro aparente e o credor68”.
Já a aparência de direito, de acordo com o mesmo autor “não encontra
suporte no ordenamento jurídico brasileiro, é um Princípio de Direito que sequer
goza de uniformidade de entendimento na doutrina e jurisprudência, tanto pátrias
como estrangeiras” 69.
Sendo assim, entende DANTAS que a aparência de direito “tem por
missão amparar, naqueles ordenamentos que a aceitam, as pessoas que,
cometendo um erro escusável, e agindo de boa-fé, buscavam adquirir direitos
legítimos. Assim, como é lógico e intuitivo, a aparência de direito não pode ser
invocada por aqueles que pretendiam aproveitar-se daquela aparência para obter
uma vantagem indevida”70.
67 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A Inaplicabilidade da Teoria da Aparência de Representação no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, v.40. Março 2006. p. 76. 68 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A Inaplicabilidade da Teoria da Aparência de Representação no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, v.40. p. 77. 69 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A Inaplicabilidade da Teoria da Aparência de Representação no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, v.40. p. 76. 70 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A Inaplicabilidade da Teoria da Aparência de Representação no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, v.40. p. 76
28
Portanto, essa é a conhecida teoria da aparência que concede garantias
aos terceiros de boa-fé e que continua válida para todas as sociedades anônimas e,
para as sociedades limitadas, em que o contrato social estabelece a aplicação
subsidiária da Lei de Sociedades Anônimas71.
Vicente Raó citado por DANTAS, apresenta requisitos objetivos e
subjetivos que julga necessários para a caracterização da aparência de direito.
Como requisitos objetivos o autor menciona: “a) uma situação de fato
cercada de circunstâncias tais que manifestamente a apresentem como se fora uma
situação de direito; b) situação de fato que assim possa ser considerada segundo a
ordem geral e normal das coisas; c) e que, nas mesmas condições acima, apresente
o titular aparente como se fora titular legítimo, ou o direito como se realmente
existisse.” Já como requisitos subjetivos têm-se: “a) a incidência de erro de quem, de
boa-fé, a mencionada situação de fato como situação de direito considera; e b) a
escusabilidade desse erro, apreciada segundo a situação pessoal de quem nele
incorreu.72”
Sendo assim, percebe-se a necessidade de “aparência de juridicidade do
ato exteriorizado, inclusive no que se respeita ao agente que praticou o ato”, bem
como, “a boa-fé daquele que agiu reputando como de direito uma situação de fato, e
a escusabilidade deste erro73”. A partir desses preceitos, pode-se concluir que a
ausência de um desses quesitos torna insustentável a utilização da teoria.
Já a teoria dos atos próprios, de acordo com Weber, citado por KÜMPEL
é “o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento
assumido anteriormente pela parte”74.
KÜMPEL analisa, através dos ensinamentos de Menezes Cordeiro que “o
‘venire contra factum proprium’”, que significa “o exercício de uma posição jurídica
em contradição com o comportamento assumido anteriormente pela parte”75 atenta
contra o princípio fundamental das relações empresarias, que é a confiança.
71 Cf. PELLICIARI, Flavia Maria. O excesso de poderes do administrador da sociedade: Art. 1.015 do novo Código Civil. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4075. Acesso em: 22.09.07. 72 Apud DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A Inaplicabilidade da Teoria da Aparência de Representação no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, v.40. p. 78. 73 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A Inaplicabilidade da Teoria da Aparência de Representação no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, v.40.p. 78. 74 Apud KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. p. 48. 75 Apud KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. p. 49
29
Por isso, os atos praticados não geram conseqüências jurídicas válidas e
o principal motivo “está no fato de o mesmo (venire contra factum proprium) gerar,
na outra parte, a confiança da coerência com o ato já praticado” 76.
Para ilustrar a diferença entre a teoria da aparência e a teoria dos atos
próprios, KÜMPEL77 sugere o seguinte exemplo: Pode-se citar como exemplo o caso do herdeiro que repudia herança deixada a ele, e, após verificar que a mesma foi transmitida a outro titular, vem, e antes do prazo prescricional de dez anos intenta ação declaratória de herdeiro, em petição de herança, contra o co-herdeiro. Supõe-se que as partes tenham celebrado um contrato particular e, pelo fato de não haver mais interesse por parte do herdeiro, este passe mover a referida ação. Neste caso, o autor tem direito de, com base no ‘venire contra factum proprium’, exigir que o juiz declare sua condição de co-herdeiro, pois como não havia à herança, fato que geraria uma irretratabilidade, tem sua hipótese subsumida no art 1.824 do CC. Porém, o co-herdeiro, prejudicado, requererá, com base na teoria da aparência, e fulcrado na confiança legítima nele depositada, a vedação do ‘venire contra factum proprium’, para pleitear não a inadmissibilidade do co-herdeiro, mas para que o juiz acolha também a cessão dos direitos hereditários por força dos arts. 1.793 e seguintes do CC.
Possível é trazer o exemplo acima transcrito para as relações
empresariais, quando, um terceiro de boa-fé, que costumava contratar com
determinada pessoa que sempre representou a sociedade, e, que não faz mais parte
dela, utiliza seu nome para concluir negócios de seu interesse pessoal. Obviamente
que o terceiro de boa-fé, confia no trato com o pretenso órgão da pessoa jurídica
(diretor ou administrador), assim como na lisura da manifestação da vontade de seu
representante.
Por fim, deve-se mencionar que pela teoria da aparência a pessoa é tida
como titular de um direito, quando, na verdade, não o é. Desse modo, são
reproduzidas manifestações de vontade que não coadunam com a realidade.
Diferentemente é o que ocorre com o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica, o qual, em breve síntese, aborda-se no item a seguir, com o
único objetivo de evidenciar a distinção entre este e a teoria da aparência.
3.2.1 A Desconsideração da Personalidade Jurídica e a Teoria da Aparência
76 KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. p. 49. 77 KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. p. 50-51.
30
A desconsideração da personalidade jurídica, denominada na sua origem
de disregard of legal entity78, foi criada com o objetivo de “penetrar no âmago da
sociedade, superando ou desconsiderando a personalidade jurídica, para atingir e
vincular a responsabilidade do sócio”79.
Por oportuno, deve-se mencionar que a pessoa jurídica é uma realidade
técnica80, com personalidade jurídica própria, por concessão da lei81, cujos atos são
praticados por intermédio de quem tem poderes e atribuições para manifestar a sua
vontade.
Nesse sentido, observa RODRIGUES: “são entidades a que a lei
empresta personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com
personalidade diversa da dos indivíduos que os compõem, capazes de serem
sujeitos de direitos e obrigações na ordem civil”82.
Em se tratando de sociedade, a vontade da pessoa jurídica é externada
pelos membros que a compõem, os sócios ou administradores. Assim, em face do
princípio da autonomia patrimonial - patrimônio do sócio é distinto do patrimônio da
sociedade - “as sociedades empresárias podem ser utilizadas como instrumento
para a realização da fraude contra credores ou mesmo abuso de direito”83.
Por conta disso, desenvolveu-se a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, tendo-se, no Brasil, como precursor Rubens Requião,
conforme menciona CARVALHO84.
Atualmente, em matéria civil, o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica, está contemplado no artigo 50 do Código Civil85. Contudo, o
78 A disregard doctrine of legal entity, tem sua origem na jurisprudência do direito anglo-saxônico. Contudo, o instituto foi doutrinariamente desenvolvido por Rolf Serick, da Universidade de Heidelberg, em estudo monográfico por ele desenvolvido com o nome de “Aparência e realidade das sociedades comerciais: abuso de direito por meio da pessoa jurídica”. REQUIÃO. Rubens. Curso de direito comercial, v.1. p.377. 79 REQUIÃO. Rubens. Curso de direito comercial, v.1. p.378. 80 Adota-se aqui a postura doutrinaria de Savigny, para a qual, a pessoa jurídica é uma realidade jurídica ou técnica - expressões sinônimas -, uma vez que é o ordenamento jurídico lhe confere personalidade jurídica. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p. 7-9. 81 Código Civil. “Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)”. 82 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil:parte geral, v.1. p. 86. 83 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p. 32. 84 CARVALHO, Lucila de Oliveira. A Administração da Sociedade Limitada e o Novo Código Civil. In RODRIGUES, Frederico Viana. Direito de Empresa no Novo Código Civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 244. 85 Código Civil. Lie n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando le couber intervir no processo, que os efeitos
31
primeiro diploma legal a acolher a teoria foi o Código de Proteção e Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/90). Na seqüência, outros diplomas legais - Lei n. 8.884/94
ao tratar das infrações à ordem econômica e a Lei n. 9.605/98, ao dispor sobre os
crimes ambientais, acolheram expressamente o instituto86.
Segundo os ensinamentos de Maria Helena Diniz, citada por KÜMPEL87,
a desconsideração da personalidade jurídica é “o ato pelo qual o magistrado, num
dado caso concreto, não considera os efeitos da personificação ou da autonomia
jurídica da sociedade, para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o
intuito de impedir a consumação de fraudes88 e abusos de direitos89, cometidos por
meio de personalidade jurídica que causem prejuízo ou danos a terceiros”.
No mesmo sentido ensina VENOSA que: A teoria da desconsideração autoriza o juiz, quando há desvio de finalidade, a não considerar os efeitos da personificação, para que sejam atingidos bens particulares dos sócios ou até mesmo de outras pessoas jurídicas, mantidos incólumes, pelos fraudadores, justamente para propiciar ou facilitar a fraude. Essa é a única forma eficaz de tolher abusos praticados por pessoa jurídica, por vezes constituída tão-só ou principalmente para o mascaramento de atividades dúbias, abusivas, ilícitas e fraudulentas90.
E SILVA complementa: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surge com o intuito de preservar o instituto da pessoa jurídica, pois o problema não está propriamente no instituto, mas sim, no uso inadequado que se faz dele. A teoria da desconsideração apresenta-se como tentativa de se proteger a própria pessoa jurídica, atingindo o caso concreto em que houver fraude ou abuso de direito, sem atingir a validade de seu ato constitutivo91.
de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. 86 Cf. KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. p. 175-176. 87 KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. p. 174. 88 Fraude, para Caio Mário da Silva Pereira é “a manobra engendrada com o fito de prejudicar terceiro; e tanto se insere no ato unilateral (caso em que macula o negócio ainda que dela não participe outra pessoa), como se imiscui no ato bilateral (caso em que a maquinação é concertada entre as partes)”. Apud SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil. In RODRIGUES, Frederico Viana. Direito de Empresa no Novo Código Civil. p. 436. 89 O abuso de direito é a utilização da pessoa jurídica de maneira contrária ao fundamento que a criou ou a reconheceu. SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil. In RODRIGUES, Frederico Viana. Direito de Empresa no Novo Código Civil. p. 435. 90 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil:parte geral, v.I. p. 304. 91 SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil. In RODRIGUES, Frederico Viana. Direito de Empresa no Novo Código Civil. p. 432.
32
Portanto, de acordo com RODRIGUES “o que pretendem os adeptos
dessa doutrina é justamente permitir ao juiz erguer o véu da pessoa jurídica, para
verificar o jogo de interesses que se estabeleceu em seu interior, com o escopo de
evitar o abuso e a fraude que poderiam ferir os direitos de terceiros e o Fisco”92.
Ou, conforme leciona SARAI, buscar “um ponto de equilíbrio onde, ao
mesmo tempo em que se proteja a autonomia patrimonial e a própria existência da
pessoa jurídica, seja assegurada a sociedade contra o uso indevido deste
instituto93”.
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica nas
sociedades cuja responsabilidade dos sócios é limitada em relação às obrigações
sociais, ocorre, segundo PAZZAGLINI FILHO e CATANESE, quando: Na hipótese de os sócios tirarem proveito da limitação de sua responsabilidade às quotas por eles integralizadas na sociedade limitada para desviarem do objeto social, cometendo fraudes ou abusos (v.g., exercerem atividades empresariais totalmente dissonantes do escopo societário), ou promoverem confusão patrimonial ou diluição do capital social (v. g. , utilizando-se de dinheiro da sociedade para a compra de bens pessoais ou outra finalidade causadora de seu enriquecimento pessoal sem causa lícita às custas da sociedade), ou lesarem interesses legítimos dos demais sócios ou de credores da sociedade, poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade limitada, estendendo-se, judicialmente, a execução por determinadas obrigações e dívidas da sociedade aos bens pessoais de tais sócios (especialmente aos bens particulares dos administradores que assim se comportarem) 94.
Importante, nesse momento ressaltar que a desconsideração da
personalidade jurídica não é aplicada a todos os tipos societários dotados de
personalidade jurídica adotados pelo direito brasileiro. A aplicação do instituto
restringe-se a apenas dois tipos societários, a saber: às sociedades limitadas e às
sociedades anônimas95.
92 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil:parte geral, v.I. p. 96. 93 SARAI, Leandro. A Doutrina da Desconsideração da Personalidade Jurídica e alguns de seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro: Lei nº 8.078/90, Lei nº 9.605/98 e Lei nº 10.406/02. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/13962. Acesso em: 13/09/2007. 94 PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. São Paulo: Atlas, 2003. p. 113. 95 Cf. SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil. In RODRIGUES, Frederico Viana. Direito de Empresa no Novo Código Civil. p. 435.
33
Isso porque, nos outros tipos societários96 que combinam a
responsabilidade limitada com a ilimitada, ou somente ilimitada, não podem utilizar-
se da teoria da desconsideração, tendo em vista que “os sócios dirigentes sempre
serão responsabilizados ilimitadamente nesses tipos de sociedade” 97.
Portanto, nessas espécies societárias não há que se falar em
desconsiderar a responsabilidade jurídica, porque já há previsão legal de atingir a
responsabilidade dos sócios, mesmo que de maneira subsidiária98, pelo
cumprimento das obrigações sociais.
É bom que se considere que não é qualquer ato ilícito que autoriza o
afastamento da autonomia patrimonial. É indispensável que os atos praticados pelos
membros da sociedade decorram de prática fraudulenta, configuradora de
transgressão, aos princípios que informam o regramento das sociedades
empresárias, inclusive a função social dessas99.
A presença de má-fé, na concepção de abuso de direito, desvio de
finalidade e a confusão patrimonial, são os elementos que autorizam o magistrado
afastar o célebre princípio do direito societário - autonomia patrimonial -, para atingir
o patrimônio dos sócios ou administradores da sociedade100. Esses são os preceitos
consagrados pela norma civil (art. 50 do Código Civil).
Entretanto, KÜMPEL, a partir da análise dos elementos inseridos pela
legislação consumeirista e que alargam os pressupostos estabelecidos pela teoria
clássica da disregard doctrine, prevê que: [...] para se adotar a disregard, somente se pode fazer, quando o que exterioriza é exatamente o abuso de direito, o excesso de poder, a infração da lei, o ato ilícito ou a violação dos estatutos e contratos sociais, podendo ocorrer, ainda, no caso de falência ou insolvência101.
96 Sociedade em Nome Coletivo; Sociedade em Comandita Simples; Sociedade em Comandita por Ações. 97 Cf. SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil. In RODRIGUES, Frederico Viana. Direito de Empresa no Novo Código Civil. p. 435. 98 A responsabilidade subsidiária, também tida como benefício de ordem, encontra previsão legal na regra do artigo 1.024 do Código Civil: “Os bens particulares dos sócios não podem se executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. No mesmo sentido dispõe o Código de Processo Civil: “Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade”. 99 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. p. 115. 100 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. p. 115. 101 KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002.p. 176.
34
Destaca-se, por oportuno, que as hipóteses previstas no caput do artigo
28 do Código de Defesa do Consumidor sofrem inúmeras críticas da doutrina102.
Inclusive, RIZZARDO103 a esse respeito manifesta:
Inquestionavelmente, o caminho para o qual pendeu o avanço na aplicação da teoria desandou para a generalização da responsabilidade, não dando qualquer valor aos princípios diretores do direito societário. […] Ao invés de avanços, têm-se seitas que maculam a pureza e a sanidade do direito e deturpam as conquistas fundadas na coerência e no respeito a institutos jurídicos milenares.
Conclui-se, assim, que pela teoria da desconsideração da personalidade
jurídica é imperioso que haja a exteriorização de um ato de sócio ou administrador
“que suplante a pessoa jurídica na sua existência e produção de efeitos”104.
Tendo-se presente que a pessoa jurídica é uma realidade, não procede
confundir este instituto com o da teoria da aparência. Justifica-se tal assertiva no
entendimento manifestado por Luiz Fabiano, citado por KÜMPEL, de que: “enquanto
a teoria da desconsideração despreza o que aparece, a teoria da aparência dá
relevo ao que aparece”105.
Ainda, segundo OLIVEIRA, o problema de imputação de responsabilidade
por atos praticados com abuso de direito ou desvio de finalidade, resumem-se na
resposta ao seguinte questionamento: “foi realmente a pessoa jurídica que agiu, ou
foi ela mero instrumento nas mãos de outras pessoas físicas ou jurídicas?”.
A resposta é dada pelo mesmo autor: Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário a lei, ao contrato, ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência106.
Daí a permissão para se concluir que pela teoria da aparência, a
aparência mascara a realidade; enquanto que pela desconsideração da
personalidade jurídica, o afastamento da aparência para se conhecer a realidade.
102 Nesse sentido ver COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p.49-53; MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias, v.2. São Paulo: Atlas, 2004. p. 251. 103 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 1127. 104 KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. p. 176. 105 Apud KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002.p. 176. 106 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 613.
35
3.3 TEORIA ULTRA VIRES
3.3.1 Breve Histórico
A prática de que as sociedades têm que exercer apenas o que está
definido no ato de constituição, contrato ou estatuto social é um dever da pessoa
jurídica. Dessa forma, fica latente que não se admite que, de forma direta ou
indireta, sejam exercidas atividades não compreendidas no objeto social107.
Em função da vinculação da sociedade a prática de atos estranhos ao
objeto social, em nome da sociedade, fez surgir no direito britânico, a teoria dos atos
ultra vires.
O prefixo latino ultra significa excesso, além de, acima de, fora de.
Geralmente é empregado “para indicar o que sai do normal”, ou aquilo que
“extravasa o âmbito que o comporta108. Assim a locução ultra vires, transposta para
o âmbito do Direito Societário, expressa excesso de poder; além do poder, que é
conferido ao administrador para utilizar a firma ou denominação social. Quer dizer,
para realizar atos em nome da sociedade.
A teoria ultra vires ou ultra vires doctrine surgiu, na Inglaterra, em meados
do século XIX, “com a criação do sistema de liberdade de constituição para as
sociedades por ações”109. Evitar os desvios de finalidade na administração das
sociedade por ações e preservar os interesses daqueles que nela investiam, eram
os principais objetivos da teoria110.
Consoante o que dá conta COELHO, a partir de 1856, “a personalização
das companhias e a limitação da responsabilidade dos acionistas passou a
depender, no direito inglês, não mais de específico ato de outorga do poder real ou
parlamentar, mas apenas do registro perante a repartição pública competente”111.
Destarte, o ato constitutivo, registrado, delimitava o objeto social e,
somente, para as atividades descritas nele, vigorava os efeitos do registro. Contudo,
as cortes passaram a mostrar preocupação com a extensão indevida dos efeitos do 107 Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9.ed.rev.,aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 59. 108 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, v.I., Q-Z. São Paulo: Forense, 1973. p. 1605. 109 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. p. 447. 110 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p. 447. 111 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p. 447.
36
registro (personalidade jurídica própria da sociedade e limitação da responsabilidade
dos acionistas), com os atos não registrados, portanto, estranhos ao objeto social112.
COELHO113 esclarece ainda que a teoria ultra vires, apresentava, na sua
formulação inicial, um rigor extremado. Em função desse rigor, as sociedades
inglesas passaram a vivenciar sérios problemas, pois ninguém mais contratava com
elas sem que o negócio estivesse claramente identificado e registrado no objeto
social. Como, nessa época, o objeto social não podia ser modificado, a cláusula
relativa ao objeto social, passou a apresentar extensa lista das atividades
econômicas que poderiam ser exercidas pelas sociedades.
Entretanto, conforme anota o autor, no decorrer do século XX, a teoria
ultra vires foi perdendo força e o ato estranho ao objeto social, que anteriormente
era considerado nulo, tornou-se inimputável a sociedade. Desse modo, o terceiro de
boa-fé poderia exigir, do administrador da sociedade, o cumprimento da obrigação,
ou então, determinar à própria sociedade a efetivação dos atos estranhos ao objeto
social, se demonstrada a ignorância na delimitação do objeto social114.
Contudo, em 1989, com o ingresso do Reino Unido na Comunidade
Econômica Européia, hoje União Européia, e, diante dos inconvenientes da teoria
ultra vires, tornou-se imprescindível determinar o seu fim115. Assim, através de
Company Act de 1989, aboliu-se a sua eficácia perante terceiros116.
Nos Estados Unidos a teoria ainda é aplicada, com vista a
“responsabilização de administrador por ato de liberalidade praticado à custa da
companhia”117.
Ainda, segundo COELHO118, no direito argentino, a teoria dos atos ultra
vires está expressa na lei, cujo teor revela que às sociedades são imputados todos
os atos praticados que os administradores praticam em seu nome, exceto os que
notoriamente não estiverem contemplados no objeto social.
No Brasil, até a vigência do Código Civil de 2002, o direito brasileiro não
havia acolhido a teoria ultra vires. O Decreto n° 3.708, de 1919 que regulava as
112 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. p. 447-448. 113 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. p. 448. 114 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. p. 448. 115 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. p. 448. 116 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. p. 59. 117 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. p. 448. 118 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.2. p. 448-449.
37
sociedades limitadas, continha disposição que afastava essa teoria119. Segundo
COELHO, os problemas relacionados aos atos que extrapolavam os limites do
objeto social eram examinados com fundamento na teoria da aparência120.
Entretanto com a vigência do diploma civil de 2002, o direito pátrio passa
a contemplar, no capítulo relativo às sociedades simples, norma inspirada na ultra
vires doctrine.
3.3.2 Conceituação
Antes de conceituar a teoria ultra vires é necessário esclarecer que a
pessoa jurídica, segundo SILVA, “age por intermédio de atos que se exteriorizam
através dos atos praticados pelos diretores ou administradores, que, como pessoas
naturais, também são autênticos sujeitos de direitos e de obrigações, com
capacidade de agirem em seu próprio nome ou em nome da sociedade (pessoa
jurídica)”121.
Desse modo, o fato de a sociedade inadimplir um compromisso firmado
pelo “legítimo representante de seu órgão regular de gestão não é desconhecida no
direito e, de forma muito mais grave, com imputação de anulação do ato jurídico,
compõe a formulação inicial da teoria que se convencionou designar por ultra vires
societatis”122.
SIMÃO FILHO, nas palavras de José Waldecy Lucena, eleva a
importância do objeto social asseverando que “a teoria ultra vires societatis, de
origem anglo-saxônica, e que se liga ao objeto social, o qual, estipulado no contrato
de constituição da sociedade, erige-se em balizas do campo de atuação desta, e,
por via de conseqüência, delimita os poderes dos gerentes, presente que a principal
missão destes, como órgãos da sociedade, é a realização do objeto social”123.
119 Decreto n° 3.708, de 1919. “Art. 10. Os sócios gerentes ou que derem nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei”. 120 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p. 449. 121 SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil. In RODRIGUES, Frederico Viana. Direito de Empresa no Novo Código Civil. p. 440. 122 SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada. 1.ed. Barueri, SP: Manole, 2004. p. 153. 123 SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada. p. 153-154.
38
VERSOLA124 ao discorrer sobre o tema, utiliza-se das palavras de
Waldirio Bulgarelli, que também confirma a ligação de tal doutrina ao objeto social.
São as palavras do autor: [...] liga-se essa doutrina estreitamente aos limites impostos à sociedade pela cláusula do objeto social […]. Os atos dos administradores que violarem ou ultrapassarem os limites do objeto social definido no estatuto serão ultra vires, ou seja, serão atos exercidos além dos poderes da sociedade.
Essas atividades realizadas, pelos administradores, além dos limites do
objeto social configuram os chamados atos ultra vires que de acordo com Barbi Filho
mencionado por CARVALHO125: São ultra vires não apenas os atos que excedem ao objeto social, mas também aqueles que, não sendo indispensáveis à realização do objeto social, não são expressamente autorizados pelo estatuto. Como também os atos de qualquer natureza por ele vedados.
Importante ressaltar que antes da vigência do Código Civil de 2002,
atribuía-se à sociedade a responsabilidade, perante terceiros de boa-fé, pela prática
de atos contrários ou excedentes ao objeto social, contraídos por intermédio de seus
administradores. Tema central deste trabalho que será enfrentado em capítulo
próprio.
3.4 ASPECTOS DISTINTIVOS ENTRE A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA, A TEORIA DA APARÊNCIA E A TEORIA ULTRA
VIRES
Cabe agora confrontar a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, a teoria da aparência e a teoria ultra vires. Algumas vezes elas parecem
imbuir-se umas nas outras, porém cada uma possui particularidades próprias que as
distingui umas das outras.
Antes, porém de analisá-las, deve-se fazer algumas considerações para o
melhor entendimento das mesmas. A pessoa jurídica, por não ser um ente "físico",
mas sendo titular de direitos e obrigações, realiza negócios por intermédio de seu 124 VERSOLA, Humberto Luis. A Responsabilidade dos Administradores das Sociedades por Ações perante a Teoria Ultra Vires Societatis. In HENTZ, Luiz Antonio Soares (Coord.). Obrigações no Novo Direito de Empresa. 1.ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 129. 125 CARVALHO, Lucila de Oliveira. Os artigos 47 e 1.015 do Novo Código Civil e a Teoria Ultra Vires. Disponível em: www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf. Acesso em: 21.09.2007.
39
representante legal, no caso, o administrador, dentro dos limites de poderes que lhe
são delegados, no contrato, ou das atribuições do próprio cargo. Assim, é essa
pessoa, diretor ou administrador, quem pratica os atos em nome da pessoa jurídica.
Portanto, se alguém (terceiros) de boa-fé, pensa que está contratando
com a pessoa jurídica, porque acostumada a realizar operações com aquela pessoa
(administrador), mas, por qualquer razão, por exemplo, não é mais o diretor (foi
destituído do cargo, por exemplo) e o terceiro não sabe. Quem responde pelos atos
praticados é a pessoa jurídica com base na teoria da aparência. No caso de
inadimplemento de uma obrigação contratual (relativo àquele negocio jurídico) e, em
caso de ação de execução; será o patrimônio da pessoa jurídica o executado.
Assim, DANTAS sugere que a teoria da aparência “seria a não-
correspondência entre um dado acontecimento exteriorizado e a realidade fática. A
aparência de direito somente estaria configurada, portanto, quando um determinado
acontecimento, um determinado fato aparentasse alguma coisa que, na realidade,
não o é”126.
No caso da desconsideração da personalidade jurídica, os atos que são
praticados são aparentemente lícitos. Somente com o afastamento da personalidade
jurídica é que será possível constatar o abuso de direito ou desvio de finalidade.
Nessa hipótese, a responsabilidade dos sócios ou do administrador é direta, isto é,
são estes que responderão, ilimitadamente, com seus patrimônios pessoais. Esse
deve ser do entendimento sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Para
atingir o patrimônio dos sócios ou administradores (art. 50 do Código Civil), o juiz,
provocado pelas partes, determina o afastamento episódico da pessoa jurídica, para
responsabilizar quem praticou a fraude.
Quanto a teoria ultra vires, de acordo com CARVALHO127, a regra é que a
sociedade permanece imune de responsabilidade “por atos praticados pelos
administradores que não se enquadrarem dentro do objeto da sociedade”.
Feitas tais considerações que se reputa essenciais à análise da efetiva
aplicação, no direito brasileiro, da teoria ultra vires, inicia-se, no capítulo a seguir,
comentar a perspectiva de aplicação às sociedades limitadas, da regra contida no
parágrafo único do artigo 1.015 do Código Civil. 126 DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. A Inaplicabilidade da Teoria da Aparência de Representação no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, v.40. p. 76. 127 CARVALHO, Lucila de Oliveira. Os artigos 47 e 1.015 do Novo Código Civil e a Teoria Ultra Vires. Disponível em: www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf. Acesso em: 23.09.2007.
40
4 ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA E A TEORIA ULTRA VIRES
4.1 BREVES NOÇÕES DA SOCIEDADE LIMITADA
Em 20 de abril de 1892, por iniciativa parlamentar foi criada na Alemanha,
a Gesellschaft mit beschränkter Haftung, ou seja, a sociedade por quotas de
responsabilidade limitada, com a intenção de melhor atender os interesses de
empresários de pequeno e médio porte128 que pretendessem explorar atividade
econômica com a limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais.
O surgimento desse tipo societário inspirou o direito de vários países129,
inclusive do Brasil que, em 10 de janeiro de 1919, promulgou o Decreto n. 3.708
instituindo e regulando a sociedade por quotas de responsabilidade limitada130. Dada
a importância da sociedade limitada, MAMEDE131 observa que seu estudo deve
iniciar pela relevância de sua projeção social e econômica132.
O Decreto n. 3.708 de 1919, vigorou até a promulgação do Código Civil
de 2002 e, com o advento da legislação civil, a sociedade passou, simplesmente, a
denominar-se sociedade limitada, tendo, como principal característica a
responsabilidade de seus sócios limitada à integralização do capital social133.
Para disciplinar a sociedade limitada o legislador civil pátrio destinou, o
Capítulo IV, do Título II, do Livro II da Parte Especial do Código Civil. Além das
regras que se lhe são próprias, previstas nos artigos 1.052 até 1.087, esse tipo
societário, assim como as demais sociedades contratuais, rege-se, nas omissões,
pelas normas da sociedade simples, ou, supletivamente, pelas regras das
sociedades anônimas134.
128 Cf. ALMEIDA, Amador Paes. Manual das sociedades comerciais: direito de empresa. 16ª ed. ver. atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2007. p.123. Ver também: REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v.1. p. 456. 129 Depois da Alemanha, Portugal foi o primeiro país a adotar, por lei de 1901 esse tipo societário. Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v.1. p. 459. 130 Cf. ALMEIDA, Amador Paes. Manual das sociedades comerciais: direito de empresa. p.124. 131 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 314. 132 A sociedade limitada foi o tipo societário adotado em aproximadamente 99% das sociedades empresárias registradas entre 1985 e 2002, dos 8.443.677 registros efetuados perante as Juntas Comerciais do Brasil. MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 314. 133 Cf. NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, v.1. p. 344. 134 Cf. CARVALHO, Lucila de Oliveira. A Administração da sociedade limitada e o novo código civil. In: Direito de Empresa no novo Código Civil. Coordenador Frederico Viana Rodrigues. p. 224.
41
É o que dispõe o artigo 1.053 e parágrafo único do Código Civil, nesses
termos: Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.
Em linhas gerais pode-se afirmar que dependendo da vontade dos sócios,
a disciplina supletiva da sociedade limitada pode ser a da sociedade anônima e, as
omissões do capítulo do Código Civil relativo às limitadas devem ser supridas pelas
normas da sociedade simples, que, conforme COELHO, “correspondem às do
regramento geral das sociedades contratuais”135.
Nessas breves considerações, importante ressaltar que o contrato social
deve mencionar, além de outras disposições estabelecidas em lei ou pelos sócios, o
objeto social a que se propõe realizar, restringindo o âmbito em que exercerá a sua
atividade. Portanto, não é admissível que a sociedade exerça atividades não
compreendidas no escopo social136.
Ainda, cabe repisar que o administrador é órgão da sociedade; em razão
disso exerce com plenitude os poderes de administração, salvo as limitações
constantes do contrato social. É desse teor o tema do item a seguir.
4.2 A REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA
Inicialmente cabe reafirmar que o administrador como órgão da
sociedade, não se confunde com mandatário, pois este detém apenas os poderes
que lhe são expressamente outorgados pelo instrumento procuratório; enquanto que
aquele tem todos os poderes, exceto os que lhe forem limitados pelo contrato
social137.
Para distinguir mandatário de administrador, colhe-se da lição de BORBA
a seguinte ponderação: O mandatário não gera a vontade, apenas a transmite conforme as instruções do mandante; órgão gera a vontade social, sendo ele próprio uma força ordenadora dos interesses que manifesta.
135 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p. 367. 136 Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. p. 59 137 Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. p. 60-61.
42
Assim, a sociedade e, por conseguinte, os sócios são representados
interna e externamente, judicial e extrajudicialmente, pelos administradores
nomeados no contrato social ou em ato separado138.
Embora os doutrinadores e a própria lei adotem o termo representante
legal para designar a função do órgão societário, o administrador na visão de Pontes
de Miranda citado por COELHO, deveria ser chamado presentante legal porque tem
como incumbência fazer presente a vontade da sociedade empresária139.
Nesse sentido, BORBA ao transcrever as palavras de Pontes de Miranda
esclarece: O órgão não representa, presenta. A pessoa jurídica é que assina o título de crédito, ou qualquer título circulável, ou o instrumento público ou particular de contrato, ou qualquer ato jurídico, negociável ou não, posto que a mão que escreve seja a do órgão da sociedade, uma vez que o nome de quem materialmente assina integre a assinatura. A pessoa jurídica pode outorgar poderes de representação. Mas o órgão tem outros poderes, que resultam de sua investidura, na conformidade do ato constitutivo ou dos estatutos, ou de lei. O representante figura em nome do representado; o órgão não é figurante; quem figura é a pessoa jurídica: ela se vincula em seu próprio nome140.
Desse modo, como órgão encarregado de manifestar externamente a
vontade da sociedade, criando-lhes direitos e obrigações, o representante legal,
expressão que se adotará neste trabalho porque corrente na doutrina e na lei,
efetua operações, assina documentos, compromete a sociedade empresária.
A sociedade limitada, de acordo com o artigo 1.060 do Código Civil, “é
administrada por uma ou mais pessoas denominadas no contrato social ou em ato
separado”.
RIZZARDO141 aduz que o contrato social deverá estipular quem serão os
administradores, podendo ser um ou vários, caso contrário, estabelecer-se-á a forma
de escolha dos mesmos. Também do instrumento contratual constará quais os
poderes que serão delegados ao administrador, especificando, ainda, os negócios
que envolvem.
138 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa, p. 141. 139 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v.2. p. 447. 140 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. Nota de rodapé n. 4. p. 61. 141 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 215.
43
Cabe anotar, segundo RIZZARDO142, que a pessoa jurídica também pode
ser indicada para o exercício da administração da sociedade limitada; no entanto, a
administração desempenhada por pessoa jurídica deve ser exercida pelo diretor ou
administrador da mesma.
Contudo, MAMEDE não compartilha do entendimento do autor acima
citado. Afirma que a sociedade limitada deve ser administrada, obrigatoriamente, por
pessoas naturais. Nesse sentido esclarece que: [...] administrar, no caso, interpreta-se em sentido estrito, a implicar a prática de atos humanos entre os quais se pode destacar, por óbvio, o ato de firmar, isto é, o ato de assinar em nome da sociedade143.
Concorda-se com Gladston Mamede, pois o inciso VI do artigo 997 do
Código Civil, aplicável também às Limitadas é de indiscutível clareza ao dispor: Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: […] VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; […]
Assim, a escolha do administrador pode recair sobre os sócios da
sociedade, como também, os não-sócios. Contudo, a administração por não sócio só
é factível se prevista no contrato social, nas condições que se verá a seguir.
No caso da administração ser atribuída a todos os sócios, a interpretação
do contido no parágrafo único do artigo 1.060 do Código Civil permite assegurar
que: “aquele que se tornar sócio depois não terá automaticamente a qualidade de
administrador, ou seja, os efeitos da cláusula contratual não se estendem,
imediatamente, ao futuro sócio”144.
RIZZARDO leciona que mesmo com o falecimento do diretor de uma
empresa, seus herdeiros não passarão, de pleno direito, a administrá-la145. Contudo,
complementa RETTO, se for do interesse dos outros sócios que o recém-ingresso
adquira a função de administrador, mas exista cláusula no contrato que não permita
142 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 215. 143 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 342. 144 RETTO, Marcel Gomes Bragança. Sociedades limitadas. Barueri, SP: Manole, 2007. p. 111. 145 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 216.
44
tal fato, é necessário que se faça em ato separado a alteração desta cláusula e de
forma expressa declare a vontade dos sócios146.
Tem-se ainda, baseado no artigo 1.061 do Código Civil que, inexistindo
vedação contratual, a possibilidade de administração da sociedade limitada por não-
sócio dependerá de quorum especial enquanto o capital social não estiver
integralizado. Esse quorum especial significa que o administrador estará sujeito à
aprovação da unanimidade dos sócios. Porém, com o capital integralizado, a
administração por não sócio depende da aprovação dos votos de titulares que
representem, no mínimo, dois terços do capital social147.
Nesse sentido é o esclarecimento de RETTO: se aprovada a designação por sócios representantes de dois terços do capital social, estará a pessoa não sócia eleita. Isso fica claro quando o artigo exige a unanimidade dos sócios (aí sim, falar-se em sócios ou em sócios representantes da totalidade do capital social implica, necessariamente, a mesma coisa), no caso de não integralizado o capital”148.
Entende-se relevante, neste momento, observar que a exigência de
quorum unânime para a escolha de administrador não sócio está imbricada com os
riscos assumidos pelos sócios.
Explica-se: a responsabilidade dos sócios, de acordo com a regra do
artigo 1.052, do diploma civil149, é da solidariedade dos sócios pela integralização do
capital social. Tendo-se por referência a essa estipulação legal, na hipótese de
qualquer ato negligente ou imprudente praticado pelo administrador, antes que o
capital social se encontre totalmente integralizado, implica na responsabilidade dos
sócios pelo valor que falta integralizar150.
Feitas tais considerações a respeito da nomeação do administrador,
pode-se resumir que existem duas formas de nomeação do administrador da
sociedade limitada, por cláusula incluindo sua designação já no contrato social, ou,
em ato separado.
146 Cf. RETTO, Marcel Gomes Bragança. Sociedades limitadas. p. 111. 147 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. p. 127. No mesmo sentido, Cf. CARVALHO, Lucila de Oliveira. A Administração da Sociedade Limitada e o Novo Código Civil. p. 225. 148 RETTO, Marcel Gomes Bragança. Sociedades limitadas. p. 112. 149 Código Civil. “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. 150 Cf. MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 345.
45
Nesse último caso, segundo o artigo 1.062 do Código Civil, e pela
interpretação de CARVALHO “o administrador será investido no cargo mediante
termo de posse no livro de atas da administração, que deverá ser assinado nos trinta
dias seguintes à designação, sob pena de esta se tornar sem efeito. Em seguida,
nos dez dias após a investidura, o administrador deve requerer sua averbação no
registro competente”151.
Sobre o assunto, RETTO propõe que o ato de designação em separado
caberá à nomeação de administrador não-sócio, mas se os administradores forem
os próprios sócios, designados em cláusula contratual, as suas assinaturas
originarão o consentimento de todas as cláusulas contratuais. Dado que os
administradores não-sócios estejam nomeados no contrato, poderão assinar o
próprio contrato confirmando a aceitação ou então, empossar-se através da
assinatura na livro de atas da administração152.
Ao lado das regras para a nomeação do administrador da sociedade
limitada, existem também normas para o fim do exercício desse cargo que acontece
pela destituição ou pelo término do prazo, se não houver recondução.
Nesse diapasão, RETTO atesta que os sócios têm o direito de destituir os
administradores de seus cargos, ou seja, essa demissão independe da concordância
do administrador153.
A destituição do sócio nomeado administrador no contrato, segundo o
artigo 1.063, parágrafo primeiro do Código Civil, dá-se pela “aprovação de titulares
de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo
disposição contratual diversa”. Para bem esclarecer este artigo, RETTO154 cita o que
anota Carvalhosa: Tratando-se de administrador sócio designado no contrato social, este somente poderá ser destituído de seu cargo por deliberação de quotistas que representem, no mínimo, dois terços, do capital social, podendo o contrato social aumentar ou reduzir esse quorum.
Assim como a investidura, a destituição do exercício do cargo de
administrador deve ser do conhecimento de todos visando à proteção de terceiros.
151 CARVALHO, Lucila de Oliveira. A Administração da Sociedade Limitada e o Novo Código Civil. p. 225-226. 152 Cf. RETTO, Marcel Gomes Bragança. Sociedades limitadas. p. 113. 153 Cf. RETTO, Marcel Gomes Bragança. Sociedades limitadas. p. 113. 154 RETTO, Marcel Gomes Bragança. Sociedades limitadas. p. 114-115.
46
Para tanto, o administrador deve averbar o feito no registro competente, o que dará
publicidade ao ato.
No entanto, se a sociedade tem o direito de destituir o administrador do
exercício de sua função, esse também pode renunciar ao cargo. Logo, percebe-se
que é concedido ao administrador abdicar-se do exercício do cargo e, para esse
fato, o parágrafo terceiro do artigo 1.063 do Código Civil elege duas situações para a
concretização do ato. A primeira delas é que a renúncia do administrador só será
eficaz, ou seja, produzirá algum efeito em relação à sociedade se esta tomar
conhecimento do fato de forma escrita pelo renunciante. E, a segunda, é que a
renúncia só gerará efeitos perante terceiros quando o ato de renúncia for averbado e
publicado.
Pelo que foi exposto, observou-se neste item as regras para a
nomeação e destituição do administrador da sociedade limitada. Impeça-se a seguir
abordar as regras de gestão dos negócios da sociedade.
4.3 A ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR NA GESTÃO DOS NEGÓCIOS SOCIAIS
Como já mencionado, cabe ao administrador, sócio ou não sócio,
nomeado no contrato social ou em documento apartado, a gestão dos negócios da
sociedade. É ele o órgão que representa a sociedade interna e externa corporis,
dentro dos poderes e atribuições que lhe são delegados.
Deve-se ressaltar que "administrador" é sinônimo de "diretor", porém, de
acordo com RIZZARDO, não se deve confundir esse cargo com o de gerência, que
se define como um preposto permanente, o qual atua em determinado setor das
atividades, qualificado e de confiança, submetido às ordens superiores”155.
No que tange às Sociedades Limitadas, um dos poderes atribuídos aos
administradores está estabelecido no artigo 1.064 do Código Civil e expressa que "o
uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os
necessários poderes".
Nesse sentido, cumpre anotar que dentro dos poderes e atribuições que
lhe são conferidos por lei e pelo contrato social, o administrador deve, no exercício
de suas funções, proceder de modo a atender os fins e interesses da sociedade.
155 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 215.
47
Daí a necessidade de explicitar, nos itens que se seguem, os deveres, as
atribuições de poderes ao administrador, para, ao final, concluir pela
responsabilidade deste perante a sociedade e terceiros que com ela contrata.
4.3.1 Deveres do Administrador
O Código Civil não dispõe de parte especial a respeito dos deveres dos
administradores na sociedade limitada, sendo assim, devem ser estipulados no
contrato social e, na omissão deste, aplicam-se as normas gerais que tratam da
administração da sociedade simples.
Nesse sentido parece oportuno destacar as disposições dos artigos 153 e
155 da Lei 6.404/76, para o caso dos sócios escolherem a regência supletiva pelas
normas da sociedade anônima, e do artigo 1.011 do Código Civil, quando aplicável
às regras da sociedade simples. Entretanto, esclarece-se que num e noutro diploma
legal o teor é idêntico e anotam: O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios156.
Sobre o tema RIZZARDO ensina que “deve o administrador se portar com
um padrão de conduta diligente, idôneo, sensato, ponderado, interessado, além de
revelar qualidades e conhecimentos próprios da atividade desenvolvida”157.
Portanto, todo aquele que administra interesse ou patrimônio alheio com o
objetivo de bem administrar e, principalmente, ser fiel aos seus compromissos, deve
com acurada dedicação viabilizar as relações jurídicas da sociedade de acordo com
a atribuição de competência e de poder nos limites definidos no contrato social158.
O artigo 1.017 do Código Civil deixa claro que o dever de transparência e
informação acerca de todos os atos praticados é mais um dos deveres dos
administradores. Isso quer dizer que o administrador tem o dever de lealdade
156 Lei n° 6.404/76. “Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. “Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: […]”. Código Civil. “Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”. 157 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 217. 158 Cf. MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 359.
48
perante a sociedade, devendo agir com obediência às normas por ela estabelecidas,
sendo-lhe vedado tirar proveito dos bens, serviços ou créditos da sociedade159.
Nesse sentido, MAMEDE pontifica: Aplicáveis, também, as normas que regulam a possibilidade de anulação ou declaração de nulidade de atos de administração que violem a lei ou o contrato social, bem como as rígidas regras que recomendam não atuar em benefício próprio e em prejuízo da sociedade, respondendo pelos danos - incluindo lucros cessantes e danos morais - que provocar, considerado as disposições genéricas dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil e, analogicamente, a regra do seu artigo 1.010, § 3°160.
Por isso, mesmo que agir com respeito à lei, mas utilizando-se de
informações privilegiadas da sociedade, tornará o negócio anulável podendo ser
judicialmente desfeito e o administrador assumirá a responsabilidade pelos danos
causados161.
Não obstante, deve o administrador, no exercício de seu cargo, ao tomar
conhecimento de uma oportunidade de negócio aproveitá-la em benefício da
sociedade, nunca em benefício próprio ou de terceiro.
Parece razoável também ponderar a obrigação dos administradores em
prestar contas aos sócios de sua administração e ainda, menciona o artigo 1.020 do
Código Civil, que devem ser apresentados o inventário anual, o balanço patrimonial
e o de resultado econômico. Cabe ao administrador dar ciência aos sócios da
situação da empresa e do seu próprio exercício do cargo de administrador162.
E por fim, segundo PAZZAGLINI FILHO e CATANESE163, o último e o
principal dever dos administradores é o de respeitar a vontade da maioria social no
exercício do cargo não ultrapassando os limites de suas funções.
Resumindo, têm-se como deveres dos administradores o dever de
transparência e informação, dever, na prática de atos de gestão, de respeitar a
vontade da maioria social, dever de prestação de contas e dever de cuidado e
diligência no exercício da administração.
159 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 7ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 228. 160 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 359. 161 Cf. OLIVEIRA, Celso Marcelo. Sociedade limitada: à luz do novo código civil brasileiro. Campinas: LZN Editora, 2003. p.195-196. 162 Cf. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 217 163 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. p. 113.
49
4.3.2 Atribuições e Poderes do Administrador
Assim como ocorre com deveres do administrador, o Código Civil não
expressa as atribuições e poderes que lhe são concedidos. As disposições legais
tão somente inserem, no inciso VI do artigo 997, alhures transcrito, que é no contrato
social ou em documento separado, devidamente registrado no Registro Público de
Empresas, que devem estar mencionados os poderes conferidos a seu
representante legal a fim de viabilizar os negócios jurídicos sociais.
Nesse contexto, LUCENA164 explica que a doutrina vem se utilizando dos
ensinamentos de Teixeira de Freitas e de Carvalho de Mendonça para enumerar as
atribuições dos administradores de sociedades limitadas, das quais se resume as
mais relevantes e que compreendem: a prática de todos os atos compreendidos no
objeto da sociedade e exigidos pela função normal da empresa; assim como, o
poder de contrair obrigações; representar a sociedade em juízo, ativa ou
passivamente; exigir dos sócios as quotas e contingentes a que se obrigaram nos
prazos e pela forma convencionados no contrato social.
Contudo, cabe novamente lembrar que “administração é representação”165
e, a concretização da vontade da pessoa jurídica depende da ação de seres
humanos. Desse modo, nas sociedades limitadas, como se afere do artigo 1.064 do
Código Civil, o uso da firma ou denominação é privativo dos administradores, que
tenham os necessários poderes.
Antes da vigência do Código Civil, como já se disse, a sociedade limitada
era regida pelo Decreto nº 3.708 de 1919. Esse diploma legal previa a possibilidade
do contrato social não contemplar a quem era atribuído o poder de representação da
sociedade; na omissão, todos os sócios poderiam fazer uso da firma.
Todavia, o Código Civil traz outra solução. Pelo disposto no artigo 1.060
estabelece que a sociedade é administrada por uma ou mais pessoas, designadas
no contrato social ou em ato separado e, o artigo 997, inciso VI determina que o
contrato social deve mencionar as pessoas naturais incumbidas da administração da
sociedade.
164 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6ª ed. Atual. e ampl.. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 419-420. 165 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p.358.
50
Diante disso, a cláusula relativa à administração da sociedade, deve
expressamente mencionar quem tem poderes para administrá-la, mesmo que os
sócios queiram atribuir a administração a todos os sócios166.
4.4 A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES NO CÓDIGO CIVIL
A responsabilidade dos administradores, sócio ou não-sócio, tem como
norma geral, segundo PAZZAGLINI FILHO e CATANESE167, a não
responsabilização pessoal por atos causados em relação a terceiros e a sociedade.
Essa é a regra para os atos praticados dentro da legalidade, segundo as normas do
contrato ou da lei, na realização das funções (atribuições) de administrador da
sociedade limitada.
Para melhor ilustrar, LUCENA168 faz a seguinte colocação: Não respondem os sócios, administradores ou não, por atos normais, sejam negociais de gestão social (administradores), ou por votos legitimamente externados para a formação de deliberações sociais (sócios não administradores). Enquanto pautem suas condutas por regras legais e contratuais (estatutárias), seus atos, legítimos que são, não lhes acarretam responsabilidade solidária e ilimitada. Basta que sigam a recomendação do CC/2002 segundo a qual “o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios” (art.1.011).
Ou seja, os eventuais danos acarretados a terceiros oriundos de
obrigações contraídas pelo administrador em nome da sociedade, agindo em
conformidade com a lei e com contrato social, não serão de responsabilidade dele e
sim, exclusivamente, da sociedade limitada169.
Essa matéria é controvertida, razão de ser da pesquisa que resultou neste
trabalho e que será objeto de análise no item relativo à aplicabilidade da teoria ultra
vires às sociedades limitadas, a partir das disposições do Código Civil.
No entanto, agora, impende tratar, de maneira geral, da responsabilidade
dos administradores da sociedade limitada de acordo com as normas do Código
166 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, v.1. p. 498. 167 PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. p. 128. 168 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 899. 169 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. p. 129.
51
Civil, fazendo alusão, contudo, a dispositivos legais que possam excepcionar a regra
da não responsabilização dos administradores por atos por ele praticados.
Como já se disse, a sociedade limitada será regida, preferencialmente, na
omissão do capítulo que lhe é próprio, pelas normas da sociedade simples.
Assim, o Código Civil nas disposições gerais, atinentes à sociedade
simples e às demais sociedades contratuais, incluindo-se nestas a sociedade
limitada, preconiza no artigo 1.009 que, quando os administradores distribuírem
lucros ilícitos ou fictícios aos sócios e esses conhecendo ou devendo conhecer de
tal ilegitimidade, acarretará responsabilidade solidária dos administradores que
realizaram o ato e dos sócios que receberam o ilícito.
Já o artigo 1.012 do Código Civil aduz que o administrador, nomeado em
ato separado, responde pessoal e solidariamente com a sociedade quando aquele,
antes de requerer a averbação do instrumento de nomeação praticar atos em nome
da sociedade.
Ademais, sugere o parágrafo segundo do artigo 1.013 do Código Civil que
o administrador ao realizar operações sociais conhecendo ou devendo conhecer que
estava agindo em desacordo com a maioria dos sócios, responderá por perdas e
danos perante a sociedade.
Isso quer dizer que se o administrador ao realizar uma atividade
mercantil, como por exemplo, a venda de um bem ou serviço, e estando ciente que a
maioria dos sócios era contra essa transação, responderá por perdas e danos ante a
sociedade.
Todavia, quando o administrador no desempenho de suas funções agir
com abuso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatuto, torna-se
responsável pelos danos causados a sociedade e aos terceiros prejudicados é o que
dispõe o artigo 1.016 do Código Civil.
Nesse sentido, cabe mencionar a regra do artigo 135, inciso III do Código
Tributário Nacional170, estabelece a responsabilidade pessoal e ilimitada do
administrador de sociedade limitada, em matéria fiscal, quando agir com excesso de
poder, infração à lei ou ao contrato social.
Sendo assim, a inadimplência de débito tributário só caracterizará a
responsabilização do administrador da sociedade limitada se tiver concorrido para o
170 O artigo 135 do Código Tributário Nacional já se encontra transcrito em capítulo anterior deste trabalho.
52
descumprimento da obrigação tributária. Nesse caso, acarretará na penhora dos
bens particulares daquele que agiu de forma ilegal para garantir o pagamento das
obrigações tributárias171.
Sobre o alcance da responsabilidade ilimitada do administrador de
sociedade limitada pelo descumprimento das obrigações tributárias, REQUIÃO
adverte: “A responsabilidade do sócio-gerente deflui não só da impossibilidade de a
sociedade pagar o credor, mas da ilegalidade ou fraude que o sócio praticar na
gerencia”. E, pontifica: “Essa é a doutrina dominante” porque, por “fraude ou desídia,
não importa, descumpriu a lei”.
Portanto, atuando o administrador com abuso ou excesso de poder ou
violação da legislação no desempenho de suas funções, responderá ante a
sociedade e o terceiro lesado.
Tem-se ainda, de acordo com o artigo 1.017 do Código Civil, que “o
administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens
sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar
o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele
também responderá.” E o parágrafo único do mesmo artigo dispõe que o
administrador estará sujeito a sanções se em qualquer operação tomar parte
contrária ao interesse da sociedade.
Portanto, em assim procedendo, fica impedido de participar de qualquer
negociação que possua interesse diverso da sociedade, até mesmo nas decisões
que os demais administradores tomarem a respeito do assunto172.
O artigo 1.036 do Código Civil pontifica que também respondem solidária
e ilimitadamente os administradores que após a dissolução da sociedade praticarem
novas operações em nome dela.
Depois de conceituar a representação societária, distinguir as teorias que
amenizavam, ou, reduzem a responsabilidade dos administradores, dentre elas a
Ultra Vires, cabe por fim, como tema nuclear deste trabalho, analisar a aplicabilidade
dessa teoria, à sociedade limitada, à luz das disposições do Código Civil.
4.5 A APLICABILIDADE DA TEORIA ULTRA VIRES DE ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL 171 Cf. PAZZAGLINI FILHO, Marino e CATANESE, Andréa Di Fuccio. Direito de empresa no novo código civil: empresário individual e sociedades: sociedade limitada. p. 128. 172 Cf. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. p. 228.
53
A teoria Ultra Vires originária no direito inglês está diretamente ligada ao
objeto social da sociedade. Esse objeto social encontra-se convencionado no
contrato social; restringe a área de atividade da empresa e, por dedução, delimita os
poderes dos administradores173.
Como anteriormente mencionado, essa teoria que surgiu no século XIX,
foi concebida como instrumento de defesa dos acionistas de sociedades anônimas,
em face de atos dos administradores e tem como principal particularidade a isenção
da sociedade de responsabilidade por atos praticados pelos administradores que
não se enquadrem dentro do objeto social174.
Assim, conforme concebida na sua origem, o ato praticado pelos diretores
de sociedade anônima que excedessem o objeto social era ultra vires nulo175.
Entretanto, sustenta SOUZA176, grande parte dos países que
anteriormente eram fiéis a essa teoria tem deixado de utilizá-la, pois perceberam a
insegurança jurídica gerada pela adoção desse entendimento e passaram a
prestigiar a proteção ao terceiro de boa-fé.
É consabido que o administrador trata dos negócios relativos à gestão
social, dentro de seus poderes e atribuições definidos no contrato social; mas, não
se mostra possível prever, sempre, a extensão desses atos. Sensível a essa
dificuldade, o legislador de 2002, incluiu no artigo 1.015 do Código Civil a seguinte
regra: Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Fácil é compreender que é o contrato social que dita as regras para a
gestão social e, para os assuntos de maior complexidade, como por exemplo, a
173 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 422. 174 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 453. No mesmo sentido, Cf. CARVALHO, Lucila de Oliveira. Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria Ultra Vires. Disponível em: www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf. Acesso em: 10/08/2007. 175 Cf. REQUIÃO. Curso de direito comercial. v.2. p. 223. 176 Cf. SOUSA, Cláudio Calo. Algumas impropriedades do denominado “novo” Código Civil. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3660. Acesso em: 10/08/2007. Cf. tb. CARVALHO, Lucila de Oliveira. Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria Ultra Vires. Disponível em: www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf. Acesso em: 10/08/2007.
54
oneração ou a venda de bens imóveis, dentre outros, caberá a decisão aos sócios,
obedecido o quorum estabelecido na lei ou no contrato177.
Já se disse que o representante legal age em nome da sociedade por ele
administrada. Assim, o respeito à regra de que não age em nome próprio e que os
atos praticados, nos limites dos seus poderes, vinculam a sociedade por ele
administrada, compõe um “dever”.
Também já se mencionou que o artigo 47 do diploma civil pátrio, aplicável
genericamente a todas as pessoas jurídicas de direito privado, prevê que obrigam a
pessoa jurídica, os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes
definidos no contrato social.
Todavia, questão relevante, no plano específico do direito societário, é a
que diz respeito aos atos que o administrador praticar excedendo os poderes que
lhe foram conferidos, os denominados atos ultra vires.
A prática de ato exorbitante ao objeto social, não estava expressa na lei
societária brasileira. Atualmente, a matéria encontra-se regulamentada pelo
parágrafo único do artigo 1.015 do Código Civil de 2002. Em decorrência disso,
LUCENA assevera que a legislação brasileira contrariando a tendência universal
evidenciou a ‘teoria ultra vires societatis’, quando esta perde força até mesmo nos
países onde surgiu e se desenvolveu178.
É nesse sentido a regra insculpida no parágrafo único do artigo 1.015 do
Código Civil: Art. 1015. [omissis] Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Como se afere do parágrafo único do artigo 1.015 do Código Civil, o
excesso ou abuso de poder cometido pelos administradores, isenta a sociedade da
culpa e a desencarrega de cumprir a obrigação acordada com terceiro, se ocorrer
pelo menos uma das hipóteses ali consignadas.
177 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 142. 178 Cf. LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 459.
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Entretanto, CARVALHO179 faz observações pertinentes sobre o tema.
Inicialmente, expõe que a previsão do inciso primeiro diz respeito à limitação dos
poderes averbada no registro social e, o inciso segundo refere-se ao evidente
conhecimento do terceiro. Para a autora, nessas hipóteses subsistem questões
estranhas; a da possibilidade dos poderes não estarem averbados no registro social,
mas serem apenas de conhecimento do terceiro, e a do contrato social não conter
limitação de poderes. Nesse caso, questiona o mesmo autor: “como é que o terceiro
de boa-fé pode ‘conhecer’ outras limitações ou inferir o que ali não está escrito?”.
O segundo conflito gerado pela análise da norma e levantado pelo autor
em comento, diz respeito ao inciso II do mesmo artigo que seria, se o feito está
inscrito ou averbado no registro próprio, é de se concluir que o conhecimento do
terceiro sobre os limites dos poderes dos administradores já seria presumido, não
necessitando prova do fato pela sociedade.
A interpretação e aplicação da norma expressa nos incisos do parágrafo
único do artigo 1.015, na visão de MAMEDE180, exige cuidado redobrado, “mormente
considerando-se a prevalência, como exigido pelo Código Civil, da boa-fé e
probidade, bem como a determinação de que os negócios sejam interpretados
considerando a intenção das partes, além dos usos, […], sob pena de se
estabelecer um hiato entre norma e realidade.
Para o caso concreto, é importante considerar que a realidade das
relações empresariais cotidianas, são marcadas pela celeridade, argumenta o
doutrinador, “incompatíveis, com uma habitual consulta aos atos constitutivos
(contrato social ou estatuto social) da pessoa jurídica”.
Para ilustrar esse entendimento, exemplifica: O entregador de gás não irá examinar os atos constitutivos para verificar se o pedido de um botijão corresponde ou não aos poderes outorgados ao administrador da empresa; um comprador que entra numa loja não tem que examinar os atos constitutivos para saber se pode ou não comprar o livro que viu na vitrine; o candidato a emprego não precisa, igualmente, ler os atos constitutivos para saber se aquele que o contrata pode ou não fazê-lo.
E acrescenta:
179 CARVALHO, Lucila de Oliveira. Os artigos 47 e 1.015 do novo código civil e a teoria Ultra Vires. Disponível em: www.adraf.com.br/pdf/0305-art-47-ncc.pdf. Acesso em: 10/08/2007. 180 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 143-144.
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Fico a imaginar a esdrúxula cena do administrador de uma micro empresa, uma estamparia de fundo de quintal, tentando compreender o estatuto social de uma grande sociedade anônima cujo diretor pretende contratá-lo para estampar 200 camisetas de malha branca.
Sobre o assunto, DELGADO181 utiliza-se das palavras de Marlon
Tamazette e pontifica que para corroborar a dimensão dos poderes dos
administradores será inevitável o exame do contrato da sociedade. Contudo,
reconhece que em certas situações, torna-se difícil para terceiro definir se a
operação é ou não estranha aos negócios da sociedade, como quer o inciso III do
parágrafo único do artigo 1.015 do Código Civil.
Também, para justificar a dificuldade da interpretação e aplicação da
norma a uma situação real, lança mão da hipótese de em uma transação comercial
estar em jogo a compra de tijolos à uma padaria.
Se analisar o fato como quer o artigo, sustenta o autor, concluir-se-á que
o ato é desconhecido do objeto social, pois a atividade da empresa é vender pães,
bolos, roscas, e etc. Contudo, a aquisição desses tijolos poderia ser destinada à
construção de um forno, ou até mesmo, uma reforma na padaria. Essas duas
situações são de interesse para a sociedade, no entanto, não estão previstas no
objeto social182.
Há quem entenda, diz BORBA183, que nem mesmo as limitações
contratuais aos poderes dos administradores geram eficácia externa; servem apenas
para a responsabilização interna. No entanto, a matéria é controvertida, pois os “atos
dos administradores obrigam sempre a sociedade, desde que compatíveis com o
objeto social”.
Nesse sentido alude que Paulo Afonso de Sampaio Amaral, ao comentar
acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo teor abraçou a tese de que: “o
sócio-gerente não pode agir contra a lei e contra o contrato; mas a infração que
181 Cf. DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil do administrador “não-sócio”, segundo novo Código Civil. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8320. Acesso em: 12/03/07. 182 Cf. DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil do administrador “não-sócio”, segundo novo Código Civil. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8320. Em: 12/03/07. 183 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. p. 61
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cometer contra os estatutos ou contrato não prejudica terceiros”, não encontra
entendimento pacífico nem na doutrina184 nem na jurisprudência.
Aduz que por muito tempo as decisões dos tribunais pátrios foram
conflitantes sobre a matéria, até que, com o beneplácito do Supremo Tribunal
Federal e, hoje, pelas disposições do Código Civil, acabou prevalecendo à tese
consagrada nesse acórdão.
Paulo Afonso para firmar posição de que a tese esposada no acórdão,
afirmou-se gradativamente, destaca que a análise de cada caso, deve ser feita
levando-se em conta a: […] ocorrência de proveito para a sociedade do ato abusivo ou exorbitante, correspondendo esse proveito a uma espécie de ratificação do ato; o vulto e a natureza da operação, posto que apenas nos grandes negócios justifica-se a pesquisa, pelo terceiro contratante, dos poderes dos administradores; o tamanho da sociedade, considerando que a complexidade de algumas empresas exige uma minuciosa distribuição de atribuições185.
MAMEDE não discrepa desse entendimento, pois assegura que a
extensão exata dos atos pertinentes à gestão da sociedade, devem ser interpretados
caso a caso. De acordo com o objeto social, sim, mas levando-se em conta as
atividades negociais desempenhadas pela pessoa jurídica186.
Por isso, para a exegese dos incisos do parágrafo único do artigo 1.015,
deve-se ter por base duas situações específicas: (a) o terceiro que conhece o ato
constitutivo e/ou as limitações de poder do administrador; e, (b) o terceiro que deve
conhecer que está obrigado, em virtude de sua atividade específica (como as
instituições financeiras, a quem cabe o exame dos atos constitutivos para aferirem a
regularidade ou não de um negócio bancário qualquer), a examinar o ato constitutivo
para investigar a exata extensão dos poderes do administrador187.
De acordo com MAMEDE188, para outras situações que não as acima
mencionadas, deve-se entender que as restrições contratuais não podem ser
estendidas a terceiros de boa-fé; vinculam, não só o administrador, como também os
sócios. Os sócios, porque além de responsáveis pela escolha do administrador,
184 Carvalho de Mendonça se inclinava pela tese do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (1ª. Câmara Civil); enquanto que Waldemar Ferreira abraçava a tese oposta. Apud BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário, em nota de rodapé 5, p. 61. 185 Apud BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário, em nota de rodapé 5, p. 61-62. 186 Cf. MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 142. 187 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 144. 188 Cf. MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 144.
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devem estar alertas aos riscos que são inerentes ao órgão da administração. Risco
esse, pondera o autor, que: […] sustentando os ganhos dos sócios quotistas ou acionistas (seus dividendos), deve também servir de base para fazer-lhes suportar prejuízos inerentes à delegação de poderes implícita na investidura na administração empresarial189.
Idêntica postura interpretativa é assumida por RIZZARDO190 ao sustentar
que cabe, diretamente, a qualquer sócio o direito de fiscalizar a gestão social, em
função disso, pode impugnar os atos de administração.
Se, contudo, o terceiro que negocia com o administrador está ciente de
que este está excedendo os poderes que lhe foram conferidos, ou que contrariam
vedações legais, não terá ação contra a sociedade e nem contra o próprio
administrador, salvo se provar que o representante da pessoa jurídica lhe prometeu
ratificação dos sócios ou se responsabilizou pessoalmente191.
RIZZARDO também apóia esse entendimento ao aduzir que: […] se um negócio é estranho ao objeto da sociedade, incabível que se aceite, em favor de quem contratou com a sociedade, a escusa, ou se conceda a isenção das obrigações. Qualquer pessoa está apta a perceber como estranho o negócio de venda de alimentos por uma sociedade dedicada à construção civil. Daí que os terceiros não estão autorizados a acionar a sociedade por eventual descumprimento192.
Apesar de todas as ponderações, favoráveis e contrárias, acerca da
aceitação da teoria ultra vires pelo direito nacional, o Código Civil a contemplou;
todavia de uma maneira mais flexível do que o rigor de sua formulação inicial pelo
direito anglo-saxônico.
Uma das conclusões da III Jornada de Direito Civil, realizada no ano de
2004, em Brasília, na parte que tratou do Direito de Empresa, na qual foi aprovado o
enunciado n° 219, comprova a recepção da teoria ultra vires pelo direito nacional:
É desse teor das conclusões sobre o assunto: 219 – Art. 1.015: Está positivada a teoria ultra vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a
189 MAMEDE, Gladston. Direito Societário: sociedades simples e empresárias. p. 145. 190 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 131. 191 Código Civil. “Art. 673. O terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do mandato, não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente”. 192 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. p. 132.
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sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o art. 1.015 às sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos administradores (art. 158, II, Lei n. 6.404/76)193.
Assim, de acordo o parágrafo único do artigo 1.015, restou evidenciada
que a prática de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade pode
ser oposta ao credor como excesso de poderes do administrador. Entretanto, os
sócios poderão deliberar em reunião ou assembléia, por ratificar os atos dos
administradores que extrapolem os seus poderes, isentando-o de responsabilidade e
assumindo a responsabilidade social.
De qualquer modo, a teoria Ultra Vires, indiscutivelmente, está firmada no
Direito Societário Brasileiro e, por conta da aplicação subsidiária das normas da
sociedade simples à sociedade limitada, a essas também é aplicada. Contudo, se
trará avanços ou dificuldades aos julgados não se pode prever, o que resta é
esperar e observar a interpretação dos tribunais.
Por todos esses motivos enumerados, esperam os juristas que seu efeito
seja atenuado pela doutrina e pelos Tribunais dando entendimento favorável a
manutenção do estágio evolutivo da norma194.
.
.
193 Disponível em: www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIjornada. Acesso em: 18.07.2007. 194 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. p. 460.
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5 CONCLUSÃO
Ao longo do presente trabalho constatou-se que a teoria Ultra Vires,
apesar de decadente nos países que a originaram, foi adotada pelo direito brasileiro
com a vigência do Código Civil de 2002.
Tal teoria foi criada como meio de preservar os sócios das sociedades
limitadas frente às investidas dos administradores que muitas vezes utilizam-se do
nome empresarial, firma ou denominação social, para realizar atividades em
benefício próprio.
Está diretamente ligada ao objeto social da empresa e esse, encontra-se
convencionado no contrato social, delimitando os poderes dos administradores, por
dedução, através da restrição da área de atividade da empresa.
O artigo 1.015, parágrafo único do Código Civil ao introduzir no sistema
societário brasileiro tal teoria, assevera que o excesso ou abuso de poder cometido
pelos administradores, isenta a sociedade da culpa e a desencarrega de cumprir a
obrigação acordada com terceiro, se a limitação dos poderes estiver averbada ou
inscrita no registro social (inciso I); se ficar provado que o terceiro conhecia os
limites de poderes dos administradores (inciso II) e por fim, se a atividade realizada
pelo administrador extrapolar os limites do objeto social.
No mesmo sentido, pontifica também a teoria Ultra Vires, que os atos
estranhos ao objeto social, praticados pelos administradores, eximem a sociedade
de responsabilidade. Ou seja, atos praticados fora do âmbito dos negócios sociais
são ineficazes no que tange à sociedade, pois a teoria a dispensa de cumprir com as
obrigações contraídas em nome da pessoa jurídica, pelo administrador.
No entanto, há doutrinadores que apresentam críticas sobre o assunto,
pois esse novo entendimento afeta o equilíbrio das negociações empresariais, em
razão dos cuidados redobrados que o terceiro de boa-fé deverá ter, no sentido de
conhecer a limitação de poderes imposta pelo contrato social aos seus
administradores.
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Por fim, conclui-se que se aplica aos administradores de sociedade
limitada a responsabilidade por atos praticados com excesso de poder travados com
terceiros e os que excederem ao objeto social, nas condições estabelecidas nos
incisos do parágrafo único do artigo 1.015 do Código Civil. No entanto, o diploma
civil, amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo que os administradores possam
realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, desde que as operações
não sejam estranhas ao objeto social e, que a sociedade poderá por intermédio de
seu órgão deliberativo, ratificar o ato.
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