UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA
BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA
ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERPROFISSIONAIS NO HOSPITAL GERAL:
CONTRIBUIÇÕES DA SAÚDE MENTAL PARA UMA CLÍNICA DO SUJEITO
CAMPINAS
2016
BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA
ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERPROFISSIONAIS NO HOSPITAL GERAL:
CONTRIBUIÇÕES DA SAÚDE MENTAL PARA UMA CLÍNICA DO SUJEITO
Dissertação de Mestrado apresentada à Pós-Graduação em
Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos
exigidos para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva,
área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde.
ORIENTADOR: PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA E ORIENTADO PELO PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS
CAMPINAS
2016
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO
BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA
ORIENTADOR: GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS
COORIENTADOR:
MEMBROS:
1. PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS
2. PROFA. DRA. ANA MARIA FERNANDES PITTA
3. PROFA. DRA. DANIELE SACARDO NIGRO
Programa de Pós-Graduação em [PROGRAMA] da Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas.
A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca
examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.
Data: 24/02/2016
AGRADECIMENTOS
Ao Gastão, por sua disponibilidade para a troca de saberes e práticas com os
mais jovens, além do apoio e confiança depositados neste trabalho...
À minha mãe, fonte inesgotável de identificações pessoais e profissionais...
Ao meu pai, principal responsável pelo processo de me tornar homem...
Ao meu irmão e às minhas irmãs, por acreditarem e incentivarem
incondicionalmente seu irmão mais velho...
Às equipes dos CAPSi Espaço Criativo e Roda Viva, pelo convívio diário de
trabalho, em que pude experimentar a potência da invenção, mesmo em
contextos de intenso sofrimento psíquico, podendo construir laços de
amizade e amor....
À Yumi, pelo carinho e parceria, fundamentais para o início deste trabalho...
À Giovana e Carolina, pelo acolhimento das angústias e ansiedades
despertadas durante a conclusão deste trabalho...
Ao Coletivo de Apoio e Estudos Paidéia, por todo o conhecimento generoso
que foi-me possibilitado...
À Danielle, ao Rubens e à Ana, pelas imensas contribuições científicas e
afetivas durante o momento de qualificação e de defesa do mestrado...
Aos meus amigos paulistanos, pela manutenção e investimento em nossas
relações de amizade, que já duram tantos anos, apesar das distâncias
geográficas...
Ao meu analista, por acompanhar-me na árdua tarefa de responsabilização
pelos próprios desejos e sintomas...
RESUMO
O Hospital Geral nasce enquanto instrumento terapêutico somente a partir da segunda metade do século XVIII. É nesse momento histórico que o médico surge como a figura principal na organização hospitalar, enquanto portador do conhecimento sobre a cura e sobre a gerência econômica e espacial do hospital. A saúde mental, anteriormente excluída e enclausurada no manicômio enquanto campo de práticas, reintegra-se ao hospital geral tendo a interconsulta como uma ferramenta-chave nesse processo. Esta investigação teve como objetivo estudar as relações interprofissionais em um hospital público a partir do trabalho de interconsulta da saúde mental. Foi realizado levantamento e análise exploratória de todos os pedidos de interconsulta aos profissionais da saúde mental durante o período de um ano (junho de 2014 a maio de 2015). Procurou-se investigar a função clínico-institucional desses profissionais, utilizando-se de entrevistas semi-estruturadas aos profissionais da saúde mental e à equipe de uma enfermaria, analisando os dados obtidos por meio da abordagem metodológica Paidéia, fazendo uso de conceitos oriundos da Saúde Mental e da Saúde Coletiva. A partir dos resultados obtidos com o trabalho, buscou-se desenvolver contribuições para a implementação de novos arranjos/dispositivos de gestão dos processos de trabalho e da clínica e, dessa forma, poder compreender as condições de possibilidade que permitem a emergência de novas práticas em saúde centradas no sujeito, tanto para dentro do Hospital Geral como em suas articulações com a rede de serviços do SUS. Palavras-chave: trabalho interprofisisonal, interconsulta, apoio matricial, saúde mental no hospital geral.
ABSTRACT The General Hospital is born as a therapeutic tool only from the second half of the eighteenth century. It is in this historical moment that the physician emerges as the leading figure in the hospital organization, as bearer of knowledge about healing and about the economic and spatial management of the hospital. Mental health, previously excluded and cloistered in the asylum as field practices, reintegrates to the general hospital with the interconsultation as a key tool in this process. This research aimed to study the inter-relationship in a public hospital from the mental health interconsultation work. Was conducted survey and exploratory analysis of all requests for interconsultation to mental health professionals during the period of one year (June 2014 to May 2015). We sought to investigate the clinical and institutional role of these professionals, using semi-structured interviews with mental health professionals and staff of a ward, analyzing the data obtained through the methodological approach Paideia, using concepts from Mental Health and Public Health. From the results obtained with the work, we sought to develop contributions to the implementation of new arrangements / management devices work processes and clinical and thus be able to understand the conditions of possibility that enable the emergence of new practices health-centered subject, both within the General Hospital as its articulations with the SUS service network. Keywords: interprofessional work, interconsultation, matrix support, mental health in the general hospital.
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 9
2. INTRODUÇÅO ........................................................................................... 10
2.1. Norma médica: considerações sobre o normal e o patológico ..... 10
2.2. O nascimento do Hospital Geral .................................................. 14
2.3. Interconsulta e saúde mental ....................................................... 17
2.4. O Hospital Geral como campo de estudo .................................... 25
2.5. As implicações da trajetória profissional do pesquisador ............ 26
3. OBJETIVOS ............................................................................................. 34
3.1. Objetivos gerais ........................................................................... 34
3.2. Objetivos específicos ................................................................... 34
4. METODOLOGIA ........................................................................................ 35
5. RESULTADOS ESPERADOS ................................................................... 38
6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................... 39
6.1. Observações de campo ............................................................... 39
6.2. Resultados quantitativos .............................................................. 41
6.3. Resultados qualitativos ................................................................ 50
6.3.1. Profissionais da saúde mental ................................................. 51
6.3.2. Profissionais da clínica médica ................................................ 62
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 77
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 84
9. ANEXOS ................................................................................................... 88
9
1. APRESENTAÇÃO
O presente trabalho apresenta um estudo exploratório descritivo das
solicitações de interconsulta à saúde mental em um hospital geral, bem como
analisa tematicamente seis entrevistas com profissionais da saúde mental e
com outros profissionais da equipe de saúde.
O material está organizado em capítulos, além da introdução e dos
anexos. Na introdução, procuramos situar brevemente nosso objeto de
estudo e a motivação pessoal do pesquisador em relação ao tema.
Na primeira parte da introdução, são feitas considerações sobre a
norma médica e as bases epistemológicas que sustentam a clínica do normal
e do patológico. Na sequência, são apresentadas as condições de
possibilidade para o surgimento do hospital como instrumento terapêutico,
regido por uma organização disciplinar dos corpos e local de produção do
saber médico. Na terceira parte, é trabalhado o conceito de interconsulta na
saúde mental e suas implicações no hospital geral. Em seguida, o campo de
estudo do trabalho é contextualizado. Na quinta e última parte da introdução,
são trabalhados os conceitos de Clínica Ampliada e Compartilhada, Práxis
Paidéia, e de Apoio Matricial e de Equipes de Referências.
No capítulo seguinte, explicitamos o objeto de estudo, os objetivos
gerais e específicos propostos. A metodologia utilizada aparece no capítulo
posterior. A isto chamamos de “elementos constitutivos” da pesquisa.
Em seguida, são apresentados, analisados e discutidos os dados
quantitativos e qualitativos obtidos com o estudo, alem das observações
preliminares de campo.
No último capitulo do trabalho são feitas as considerações finais do
trabalho relacionando os objetivos propostos com os resultados obtidos.
Por fim, as tabelas, o parecer do comitê de ética e o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido podem ser visualizados nos Anexos.
10
2. INTRODUÇÃO
2.1. Norma médica: considerações sobre o normal e o patológico
A prática clínica dentro do Hospital Geral privilegia o olhar como meio
de produção de conhecimento sobre a doença. Podemos retomar a
etimologia da palavra clínica, que traz consigo o sentido de “se debruçar
sobre o leito do doente”. O exame busca compreender o fenômeno
patológico presente no corpo que se submete à apreciação médica,
procurando delinear um diagnóstico a partir de uma série de procedimentos
avaliativos que visam apreender e combater os desvios dos processos
fisiológicos ditos normais. Mas o que a fisiologia determina como sendo
“normal”? E como faz para chegar a tal consideração?
Faremos uma incursão na obra O normal e o patológico de Georges
Canguilhem para compreender as condições de possibilidade que permitiram
a construção da fisiologia como disciplina privilegiada pela medicina para
que, em um segundo momento, possamos analisar o olhar examinador do
médico e suas conseqüências clínicas.
A partir de um estudo genealógico da medicina, enquanto
conhecimento e prática científica, Canguilhem (2014) destaca a influência da
corrente de pensamento positivista sobre o campo da medicina, desde A.
Comte e sua leitura sobre Broussais, tomando seu princípio como universal,
em que considera as doenças como alterações de excitação dos tecidos,
como falta ou excesso, para aquém ou além dos limiares do estado normal.
O “princípio de Broussais” constata a conservação da essência dos
fenômenos e suas modificações se dá somente por mudanças de
intensidade, não acarretando uma mudança de natureza. A conseqüência
desse postulado é de que os fenômenos de doença seriam coincidentes aos
fenômenos de saúde, já que representariam somente intensidades distintas.
Canguilhem (2014) questiona a validade dessas duas noções, excesso e
falta, denotando seu caráter explicitamente vago, apesar da pretensão
quantitativa inerente à sua utilização. Segundo o autor, somente podemos
nos referir à excesso ou falta a partir de uma norma balizadora, isso implica
“reconhecer o caráter normativo do estado dito normal” (Canguilhem, 2014, p.
24). A partir dessas considerações, ressalta-se a existência de “um ideal de
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perfeição [que] paira sobre essa tentativa de definição positiva” (p. 24).
Canguilhem (2014) faz objeção à tese de que a patologia seria uma fisiologia
mais ampla, e que esta última serviria como base científica para as
formulações das práticas terapêuticas, mas isso só teria sentido, segundo o
autor, se “fosse possível dar-se uma definição puramente objetiva do normal
como de um fato” e também se “fosse possível traduzir qualquer diferença
entre o estado normal e o estado patológico em termos de quantidade”
(Canguilhem, 2014, p. 24).
Dando continuidade à investigação das condições de possibilidade
para uma medicina científica, Canguilhem (2014) retoma os trabalhos de seu
conterrâneo Claude Bernard que, segundo o autor,
(...) considera a medicina como a ciência das doenças, e a fisiologia como ciência da vida. Nas ciências, é a teoria que ilumina e domina a prática. A terapêutica racional só poderia ser sustentada por uma patologia cientifica e uma patologia científica deve se basear na ciência fisiológica (p. 33).
Claude Bernard afirma que entre fisiologia e patologia há uma
correspondência das funções que estão em jogo no organismo. Portanto,
conhecer os mecanismos em funcionamento de um corpo sadio, serviria de
base para compreender as alterações patológicas. Segundo Bernard, “a
exageração, a desproporção, a desarmonia dos fenômenos normais
constituem o estado doentio” (Claude Bernard apud Canguilhem, 2014, p.
36).
Essa visão homogeneizante de normal e patológico revela uma
preocupação na manutenção da lei e da ordem ditas naturais, com intuito de
fazer valer o progresso como conseqüência da produção científica. Estamos
diante de uma proposta de defesa incondicional do positivismo na ciência
biomédica.
Para dar credibilidade a sua formulação teórica, Claude Bernard se
utilizou da experimentação controlada para quantificar seus conceitos
fisiológicos. Contudo, será possível anular o caráter qualitativo presente na
experiência mórbida, utilizando-se dos termos “dis-túrbio, des-proporção,
dês-armonia?”, pergunta-se Canguilhem (2014). E continua com o problema:
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“o conceito de doença será o conceito de uma realidade objetiva acessível ao
conhecimento científico quantitativo?” (p. 40).
A tentativa de Bernard não desconsideraria o valor dado pelo ser vivo
ao seu próprio adoecimento e isso seria passível de mensuração? Tratando a
saúde como uma norma médica, poderíamos pensar que a medicina buscaria
sempre a correção do estado patológico independentemente da existência de
um sujeito que o encarna.
Canguilhem (2014) refere que a validade da teoria de C. Bernard só se
confirma se restringirmos o fenômeno patológico a algum de seus sintomas,
ao buscar a causa dos efeitos sintomáticos em um mecanismo específico do
organismo (p. 47). Essa validade parcial revela uma limitação da teoria, visto
que reduz o olhar para fragmentos de um sistema – o corpo. Podemos
verificar na clínica os riscos envolvidos ao considerar os sintomas
isoladamente, descontextualizados. Para exemplificar, Canguilhem (2014)
explicita:
Um sintoma patológico pode traduzir isoladamente a hiperatividade de uma função cujo o produto é rigorosamente idêntico ao produto das mesmas funções nas condições ditas normais, mas isso não quer dizer que o mal orgânico, considerado como outro modo de ser da totalidade funcional, e não como uma soma de sintomas, não seja para o organismo uma nova forma de se comportar em relação ao meio (p. 50)
A prática clínica está cada vez mais degradada na pós-modernidade,
já que o contato prévio entre médico e paciente, em que por meio do
encontro se possibilita a tomada singularizada de uma história de vida e a
apreensão da ruptura de sua continuidade por conta da doença, vem
perdendo sua capacidade de produzir conhecimentos novos, ocorrendo um
abuso da utilização de protocolos (categorias pré-fixadas), ou seja, um eterno
retorno ao Mesmo. O ponto de vista do doente perde força e seu modo de
subjetivação não coincidem com a técnica objetivante do médico. Tratar o
estado patológico como extensão do estado fisiológico aniquila nossa
capacidade de considerar a singularidade da experiência mórbida, em seu
aspecto qualitativo.
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Apesar dessa vocação médica de ir a procura das constantes
fisiológicas presentes no evento patológico, não podemos esquecer que é a
partir da patologia que foi possível toda construção de uma fisiologia do
normal, visto que é a doença que tensiona os limites do corpo, rompendo
com o silêncio dos órgãos, enquanto ideal de saúde, assim como afirma
Leriche (apud Canguilhem, 2014). Mesmo se consagrando como a ciência da
vida, a fisiologia continua sendo tributária da patologia.
Inclusive, é a partir das doenças que o médico começa a por em
prática seu conhecimento e sua técnica, com o intuito de diagnosticá-las para
poder curar o paciente. Nas palavras de Canguilhem,
a tarefa que lhe cabe é determinar quais são os fenômenos vitais durante os quais os homens se dizem doentes, quais são as origens desses fenômenos, as leis de sua evolução, as ações que os modificam (p. 77).
De acordo com o autor, a ciência médica não faz especulação acerca
dos sentidos da existência para o ser, aliás se afasta cada vez mais de uma
apreensão ontológica do homem. Os valores desejados pelo homem, como
sinônimos de saúde, são segundo Jaspers (apud Canguilhem, 2014)
conceitos como:
A vida, uma vida longa, a capacidade de reprodução, a capacidade de trabalho físico, a força, a resistência à fadiga, a ausência de dor, um estado no qual se sente o corpo o menos possível, além da agradável sensação de existir (p. 77).
O próprio Jaspers explicita o desinteresse do médico pelo sentido das
palavras saúde e doença, pelos possíveis significados que têm para o
homem, estando voltado exclusivamente para a ciência dos fenômenos vitais.
Portanto, assim como o conceito de saúde é determinado socialmente, o de
doença não passaria impune e “mais do que a opinião dos médicos, é a
apreciação dos pacientes e das idéias dominantes do meio social que
determina o que se chama ‘doença’” (Jaspers apud Canguilhem, 2014, p. 76).
Apesar de não haver um compromisso da medicina com as
significações coletivas dadas à saúde e doença, a norma médica é
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hegemônica no que diz respeito às ofertas de meios possíveis para a
reconciliação do doente com seu bem-estar corpóreo, já que
teoricamente, curar é fazer voltar à norma uma função ou organismo que dela se tinham afastado. O médico geralmente tira a norma de seu conhecimento da fisiologia, dita ciência do homem normal, de sua experiência vivida das funções orgânicas, e da representação comum da norma em um meio social em dado momento (Canguilhem, 2014, p. 77).
Esses determinantes da norma representam as autoridades médicas,
predominando, indubitavelmente, a fisiologia como a principal delas, pois “se
apresenta como uma antologia canônica de constantes funcionais”, sendo
que “essas constantes são classificadas como normais enquanto designam
características médias e mais freqüentes de casos praticamente
observáveis”, bem como são “classificadas como normais porque entram,
como ideal, nessa atividade normativa que é a terapêutica” (Canguilhem,
2014, p. 77).
O normal, como ideal, expressão da norma médica, serve à medicina
como meta a ser alcançada pela terapêutica, mesmo que seu olhar
examinador, e objetificante, seja incompatível com a construção subjetiva
feita pelo paciente acerca de seu próprio processo de adoecimento.
Será a respeito da prática médica e de sua institucionalização no
hospital geral que iremos nos debruçar – para não perder a raiz etimológica
da palavra clínica – a partir deste momento do trabalho, utilizando-nos das
contribuições de outro autor francês, que fora orientando de Canguilhem -
Michel Foucault.
2.2. O nascimento do Hospital Geral
Enquanto instrumento terapêutico, o surgimento do hospital remonta à
segunda metade do século XVIII (Foucault, 1986, p. 99). De acordo com o
filósofo francês, esse tipo de estabelecimento já se fazia presente no cenário
das grandes cidades do Ocidente desde a Idade Média. Entretanto, até o
século XVII, essa edificação urbana assumia outra função social, a qual
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consistia em assistir material e espiritualmente os pobres que estavam à
beira da morte.
O hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo, quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna (Foucault, 1986, p. 101).
Espaço de salvação das almas daqueles que cuidam e dos miseráveis
assistidos, essa era a destinação desse espaço intermediário entre a vida e a
morte. Segundo Foucault (1986)
(...) o Hospital Geral, lugar de internamento, onde se justapõem e se misturam doentes, loucos, devassos, prostitutas, etc., é ainda, em meados do século XVII, uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação espiritual, em que a função médica não aparece (p. 112).
O hospital ainda não se organizava como um espaço medicalizado,
sendo que a medicina ainda não fazia do hospital seu lócus privilegiado para
a formação clínica de médicos. O encontro entre essas duas instituições
(Hospital e Medicina) não vai se dar de modo fortuito, mas a partir da
convergência entre uma tecnologia política – a disciplina; como técnica de
exercício do poder para o re-ordenamento hospitalar e para a gestão dos
homens - e o sistema epistemológico da medicina, tendo como modelo de
inteligibilidade da doença advindo da Botânica, isto é, considera-se a doença
como um fenômeno natural (Foucault, 1986, pp. 107-108). Embora, como já
fora citado por Jaspers (apud Canguilhem, 2014), há uma determinação
social do conceito de doença.
A concepção arquitetônica do hospital e sua distribuição espacial,
segundo Foucault (1986), além da própria administração dos corpos doentes,
representam o esquadrinhamento disciplinar que a instituição hospitalar está
submetida, sendo justificado por “razões econômicas, o preço atribuído ao
individuo, [e] o desejo de evitar que as epidemias se propaguem” (p. 107).
Paralelamente, as transformações no saber médico produzem outro conceito
de doença, entendida como composta por “espécies, características
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observáveis, curso e desenvolvimento como toda a planta.” (p. 107).
Portanto, a doença seria o efeito da ação da natureza, e de suas leis
naturais, sobre o indivíduo. Logo, será preciso intervir no meio que possibilita
o desenvolvimento desses fenômenos naturais, ou seja, será necessário agir
sobre “o ar, a água, a temperatura ambiente, o regime, a alimentação, etc.”
(p. 107) com o intuito de permitir a cura da doença.
Esse encontro entre o poder disciplinar e o saber da “medicina do
meio”, portanto, faz do médico a figura principal na organização hospitalar, já
que portador de um conhecimento da cura e, consequentemente, do modo
mais adequado de gerir econômica e espacialmente o hospital, fazendo
desse estabelecimento medicalizado um meio de intervenção terapêutica
sobre o doente e a doença.
A formação médica estará, a partir de então, condicionada ao acúmulo
de experiência no âmbito institucional, conformando, assim, sua concepção
de clínica.
Com a disciplinarização do espaço hospitalar que permite curar, como também registrar, formar e acumular saber, a medicina se dá como objeto de observação um imenso domínio, limitado, de um lado, pelo indivíduo e, de outro, pela população” (Foucault, 1986, p. 111).
Ao isolar os doentes será possível prescrever condutas
individualizadas, ao mesmo tempo que, ao se utilizar dos registros
documentais – os prontuários de hoje em dia –, será permitida a realização
de estudos comparativos e deduzir “fenômenos patológicos comuns a toda a
população” (p. 111).
A tecnologia hospitalar permitiu a conjugação de duas medicinas –
individual e populacional -, agenciamento histórico que, segundo Foucault
(1986), sofrerá uma redistribuição a partir do século XIX (p. 111).
Esse remanejamento das medicinas nos convida ao exercício reflexivo
de compreender quais as condições de possibilidade que permitiram a
institucionalização do modelo hospitalar com que nos deparamos na
contemporaneidade. A fragmentação do saber médico em compartimentos
especializados, o nascimento dos sistemas públicos de saúde, a migração de
outros núcleos de práticas e saberes para os serviços de saúde, são alguns
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exemplos de realidades historicamente constituídas e que co-existem na
atualidade, produzindo efeitos notórios e indissociados do objeto de
apreensão desse estudo - o Hospital Geral.
Dentre essas construções históricas que foram se constituindo ao
longo do tempo e que produziram mudanças significativas no cenário
institucional do hospital geral, desde o seu surgimento como instrumento
terapêutico no século XVIII, a transferência da psiquiatria do manicômio para
o nosocômio permitiu uma maior amplitude da prática clínica hospitalar, bem
como a entrada de outros núcleos profissionais, como a própria psicologia,
que também contribuíram nesse processo. Portanto, é relevante
apresentarmos uma das ferramentas que possibilitou esse intercâmbio da
psiquiatria com as outras especialidades médicas: a interconsulta da saúde
mental. Por conseguinte, considerando as particularidades presentes na
organização dos processos de trabalho da saúde mental no hospital geral,
mostra-se pertinente um aprofundamento teórico dessa ferramenta
institucional para elucidar as bases epistemológicas que sustentam essa
tecnologia, isto é, este conjunto de saberes e práticas que orientam os
trabalhadores em suas atividades laborais.
2.3. Interconsulta e saúde mental
Do ponto de vista histórico, como já foi dito, a interconsulta da saúde
mental representa uma reentrada da psiquiatria no hospital, que ocorreu “não
somente quando o psiquiatra começa a atuar com uma ideologia dinâmica
terapeuticamente efetiva, se não também quando o hospital decide aceitar a
internação de pacientes psiquiátricos” (Ferrari, Luchina e Luchina, 1980, p.
30). A psiquiatria clássica, embora compartilhasse do mesmo esquema
referencial teórico das outras especialidades médicas, tinha como lócus de
atuação não o hospital geral, mas o hospital psiquiátrico (ou manicômio),
isolando-se assim das outras medicinas.
De acordo com Ferrari, Luchina e Luchina (1980), “a aparição
simultânea e em grande escala de serviços psiquiátricos com possibilidade
de internação em hospitais gerais ocorre após a Segunda Guerra Mundial” (p.
30). A prática psiquiátrica inserida no contexto do hospital geral, não mais
restrita ao manicômio, liga-se a uma especialidade denominada consultation-
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liaison psychiatry ou psychosomatic medice, como passou a ser nomeada
nos Estados Unidos. Se desenvolveu no país norte-americano desde a
década de 1930, conforme as unidades psiquiátricas foram se consolidando
no interior dos hospitais gerais. Após a Segunda Guerra Mundial, há um
aumento significativo desta prática, por conta do acolhimento de ex-
combatentes que manifestavam algum tipo de transtorno mental (Botega,
2012).
Além da expansão desses serviços, em escala mundial, para abarcar
os diversos tipos de sofrimento psíquico decorrentes da violência
desproporcional vivenciada nos campos de batalha, o término dos conflitos
armados suscitou reflexões sobre o papel das próprias instituições
segregadoras na sociedade – como os manicômios –, contribuindo assim
para que modificações no campo da saúde mental fossem possíveis.
Segundo Amarante (2007), os campos de concentração, forjados na
Segunda Guerra Mundial, trouxeram à tona o horror produzido por esses
depósitos de pessoas, fazendo a sociedade refletir acerca da natureza
humana, criando condições de possibilidade para a ocorrência de
transformações no campo da psiquiatria. Consequentemente, as instituições
totais (Goffman, 2013) passaram a ser alvo de crítica devido às diversas
violações da dignidade humana, permitindo a sociedade dirigir seus olhares
aos manicômios e às condições de vida oferecidas aos pacientes
psiquiátricos internados nessas instituições, que nada se diferenciavam dos
campos de concentração. A constatação dessa situação permitiu que as
primeiras experiências de reforma psiquiátrica pudessem nascer.
Amarante (2007) categoriza essas experiências em três grupos
distintos. O primeiro grupo é composto pela Comunidade Terapêutica
(Inglaterra) e Psicoterapia Institucional (França), em que ambas as
experiências apostaram na reinvenção da instituição asilar através de uma
remodelagem da gestão e da clínica. No segundo grupo, estão presentes as
experiências da Psiquiatria de Setor (França) e a Psiquiatria Preventiva
(Estados Unidos), em que se acreditava que o modelo hospitalar estava
obsoleto e que era necessária a construção de outros serviços assistências
que viessem a diminuir a importância do hospital psiquiátrico. Por fim, o
último grupo é formado pela Antipsiquiatria (Inglaterra) e pela Psiquiatria
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Democrática (Itália), propostas não reformistas da psiquiatria, mas correntes
de pensamento que criticaram os pressupostos que sustentam o modelo
científico psiquiátrico, incluindo seus serviços assistenciais, propondo a
desconstrução da psiquiatria enquanto instituição.
Já no Brasil, de acordo com Amarante (1995), “a reforma psiquiátrica é
um processo que surge mais concreta e, principalmente, a partir da
conjuntura da redemocratização, em fins da década de 70” (p. 87). É nesse
momento histórico que os ideais ético-políticos das reformas psiquiátricas
ocorridas na Europa e nos Estados Unidos ecoam no país, contaminando a
sociedade civil e, principalmente, os trabalhadores da saúde mental. Essa
conjuntura agrega várias entidades vinculadas à saúde fazendo eclodir “um
novo ator, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que
desempenha, durante um longo período, o principal papel, tanto na
formulação teórica quanto na organização de novas práticas” (p. 88).
Em 1987 ocorre o II Congresso Nacional do MTSM, na cidade de
Bauru (SP), em que é adotado o lema “Por uma sociedade sem manicômios”.
Vale relembrar que no mesmo ano foi realizada a I Conferência Nacional de
Saude Mental no Rio de Janeiro e também foi inaugurado o primeiro Centro
de Atenção Psicossocial (CAPS) do país, na cidade de São Paulo (Brasil,
2005).
O ano de 1989 marcou o início do processo de intervenção da
Secretaria Municipal de Saude de Santos (SP) na Casa de Saude Anchieta
(hospital psiquiátrico), local alvo de denúncias de maus-tratos e inclusive de
mortes de pacientes internados. No mesmo período, foram implantados os
Núcleos de Atenção Psicossocial na cidade, funcionando 24 horas (Brasil,
2005). Esse mesmo ano também
(...) marca a entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. E o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo (Brasil, 2005).
A década de 1990 é caracterizada por um processo de expansão
descontínuo dos CAPS e NAPS. As novas normatizações do Ministério da
Saude não estabeleceram uma linha especifica de financiamento dos
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serviços substitutivos, embora os regulamentassem. Não haviam normas de
fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos que previssem a
redução sistemática dos leitos, sendo que a maior parte dos recursos
federais ainda eram destinados aos hospitais psiquiátricos (Brasil, 2005).
O ano de 2001 foi marcado pela promulgação da lei 10216, após 12
anos de tramitação no Congresso Nacional. Vale ressaltar que o projeto
original foi rejeitado, tendo sido aprovado um substitutivo que dispõe sobre “a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saude mental”, sem no entanto instituir
mecanismos claros que garantissem a progressiva extinção dos manicômios,
uma das aspirações fundamentais do texto original. De qualquer modo, a Lei
da Reforma Psiquiátrica Brasileira, como ficou conhecida, permitiu avanços
significativos no campo da saúde mental (Amarante, 2007).
Vale ressaltar que é a partir de 2002, através de uma série de
normatizações do Ministério da Saúde, incluindo especificamente o Programa
Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria),
que se instituem mecanismos com clareza, eficácia e segurança suficiente
para a redução dos leitos dos grandes hospitais psiquiátricos. Portanto, trata-
se da institucionalização do primeiro processo avaliativo sistemático e anual
dessas instituições (Brasil 2005).
No contexto da reforma, com o fechamento progressivo dos hospitais
psiquiátricos e criação dos serviços extra-hospitalares – como os CAPS –, o
hospital geral passou a ser o local de acesso para tratamento dos usuários
da saúde mental, seja para o cuidado de questões clínicas relacionadas ou
não ao adoecimento mental, seja para atender à crises agudas, podendo ser
utilizados leitos psiquiátricos em enfermarias de clínica médica ou com a
criação de enfermarias próprias de psiquiatria/saúde mental no interior do
hospital geral.
Botega (2012) chama atenção ao fato de que a instalação das
Unidades de Psiquiatria no Hospital Geral (UPHG) e a oferta de serviços de
interconsulta permitiram a psiquiatria se constituir como uma estrutura
organizacional no âmbito do hospital geral, ressaltando que essa entrada não
passou impune de resistências diversas, podendo ser observadas até hoje,
mas que, segundo o autor, esse processo de integração e interação mútua,
21
com as demais especialidade médicas, só foi possível graças ao
deslocamento de pacientes com diagnósticos psiquiátricos para as unidades
de internação de psiquiatria, através da realização de interconsultas e
também em função da participação de psiquiatras em comissões
hospitalares.
Ao estudar o processo de reintegração da psiquiatria no hospital geral,
Ferrari, Luchina e Luchina (1980) explicitam as causas de fundo que
propiciaram esse movimento. Apresentaremos aqui as dez causas
levantadas pelos autores em seu trabalho.
1) A introdução de fármacos, a partir do desenvolvimento da
farmacologia, que em elevadas doses podem provocar transtornos
mentais, como a depressão ou quadros confusionais agudos.
2) A utilização de procedimentos técnicos e cirúrgicos mais invasivos,
com pré e pós-operatórios complicados, que podem acarretar
sofrimento psíquico mesmo em intervenções exitosas.
3) A administração cada vez mais freqüente de pacientes que
necessitam de cuidados médicos e psiquiátricos simultâneos. Como,
por exemplo, nos casos de episódios confusionais em pacientes
idosos ou de delirium tremens em usuários crônicos de álcool.
4) As trocas que foram se produzindo nos esquemas referenciais
médicos, com a necessária consideração do contexto psicossocial do
paciente, em que o conhecimento sobre fatores oriundos desse
contexto revela seu envolvimento na aparição, exacerbação e
perpetuação das doenças.
5) A diversificação dos métodos relativos à cura faz com que o
paciente deixe de depender somente de um médico, necessitando do
cuidado de outras especialidades médicas e também de profissionais
não médicos.
6) Ações terapêuticas cada vez mais despersonalizadas, por conta dos
avanços tecnológicos e do aumento do número de especialidades
médicas, produziram uma quebra da imagem do “médico de cabeceira
como continente dos problemas pessoais e familiares dos pacientes”
(p. 33).
22
7) Os desenvolvimentos científicos na área da psicologia constituíram
um campo de atuação profissional antes destinado aos manejos
intuitivos da equipe de saúde. Vale ressaltar que a chegada ao
hospital produz uma crise na estabilidade emocional dos pacientes.
8) Por conta do aumento dos meios de comunicação e
consequentemente o maior acesso às informações relacionadas a
saúde, os pacientes tornam-se cada vez mais informados acerca das
causas das doenças, dos métodos terapêuticos existentes, além do
que implica sua colaboração no processo de cura. Os pacientes
deixam de ser sujeitos passivos, vindo a fazer exigências e sugestões
em seu tratamento, o que torna a tarefa do médico mais difícil.
9) As ansiedades interpessoais presentes no trabalho em equipe, além
do estresse advindo do próprio trabalho hospitalar, exercem influencia
sobre o trabalho do médico, afetando sua vida emocional e pessoal.
10) Por fim, uma maior proximidade com o paciente produz um
conhecimento mais profundo sobre sua vida pessoal, em que são
apresentadas situações que o médico vem a conhecer, mas não sabe
como intervir. Isso acarreta um aumento de ansiedade do profissional.
No atual momento, portanto, a interconsulta de saúde mental vem se
consolidando como uma prática clínica pertencente ao âmbito hospitalar.
Nogueira-Martins e Botega (1998) definem a interconsulta psiquiátrica como
uma sub-especialidade da Psiquiatria que trabalha na interface com a
Medicina, desenvolvendo práticas assistenciais, bem como de ensino e
pesquisa. A Interconsulta também é compreendida como um instrumento
metodológico utilizado no trabalho em serviços de saúde pelo psiquiatra,
objetivando compreender e aprimorar a tarefa assistencial.
No Brasil o termo interconsulta psiquiátrica é constituído pelas
categorias consultoria psiquiátrica e psiquiatria de ligação. Consultoria diz
respeito ao trabalho de um profissional da saúde mental que avalia e
prescreve tratamentos aos pacientes que tem seu cuidado sob
responsabilidade de outros profissionais especialistas. Sua presença no
serviço não é freqüente, mas episódica, já que responde a uma solicitação
específica para atendimento. Enquanto que a psiquiatria de ligação implica
23
em um contato contínuo com setor do hospital geral, como as enfermarias,
por exemplo, em que o profissional da saúde mental participa do cotidiano do
serviço, compondo a equipe de saúde, participando das discussões de caso,
prestando assistência direta aos pacientes, além de lidar com questões
institucionais que permeiam à equipe, os pacientes e seus familiares, além da
própria unidade assistencial (Botega, 2012).
Embora, como afirma Botega (2012), a interconsulta de saúde mental
não seja uma prática hegemônica no hospital geral, alguns autores têm
elaborado diversos trabalhos para avaliar os resultados dessa prática.
Dentre esses trabalhos, Carvalho e Lustosa (2008) fazem uma revisão
da literatura acerca da interdisciplinaridade na área da saúde e a
interconsulta psicológica1, com vistas a apresentar suas contribuições para
garantir a integralidade do cuidado dos usuários do SUS e os limites a serem
superados. A partir do levantamento e análise das publicações relacionadas
ao tema, as autoras citam:
Vários estudos apontam os custos e as consequências negativas de negligenciar o manejo de transtornos psiquiátricos e queixas psicossociais durante o tratamento. Sobre os custos e a utilização dos serviços médicos, sabe-se que tal negligência acarreta na maior duração do tratamento médico, mais frequente e menos apropriada utilização de diagnósticos médicos e procedimentos, além de repetidas e desnecessárias readmissões hospitalares (Carvalho & Lustosa, 2008, p. 36).
Em outro trabalho de revisão de literatura, acerca da interconsulta
psiquiátrica2, Nogueira-Martins e Botega (1998) afirmam que há evidências
de que intervenções psiquiátricas, psicológicas e psicossociais acarretam
benefícios para os serviços hospitalares, bem como para os seus usuários,
1 Segundo Rossi (2008) a interconsulta psicológica “estuda os aspectos psicológicos e sociais da atividade médica hospitalar. Seus objetivos são auxiliar profissionais de outras áreas no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos ou psicossociais (situações emocionais emergentes) e intermediar a relação entre os envolvidos na situação (equipe de saude, pacientes e familiares), facilitando a comunicação, a cooperação e a elaboração de conflitos. (...) Envolve, portanto, um olhar centrado no paciente e não em sua doença (p. 31). 2 É digno de nota explicitar que no Brasil, em 1977, foi estruturado e organizado o primeiro serviço de interconsulta, inserido como estágio profissional na residência médica em psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), dentro do departamento de psiquiatria e psicologia médica. Em 1992 há o reconhecimento da Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association) da interconsulta como uma subespecialidade da psiquiatria (Botega, 2012).
24
pois produzem uma diminuição do uso de serviços assistenciais, de exames
radiológicos e laboratoriais, além de reduzir o tempo de hospitalização,
resultando na queda dos custos com as internações hospitalares.
Os autores também enfatizam os efeitos dessa prática na formação
profissional dos psiquiatras, bem como na equipe de saúde como um todo.
No que se refere a formação de recursos humanos para a área de saude, a Interconsulta é uma importante estratégia pedagógica destinada a melhorar a qualificação profissional das equipes de saude, aumentando sua capacidade para identificar e resolver problemas de natureza psiquiátrica, em uma população onde a prevalência de tais problemas é alta. Um outro objetivo é o de aprimorar a qualificação do psiquiatra, mediante sua participação em unidades ou enfermarias clínico-cirurgicas, nas quais o interconsultor pode ter contato com situações que habitualmente não ocorrem em serviços especializados de Psiquiatria. (Nogueira-Martins & Botega, 1998).
Na Argentina, autores como Ferrari, Luchina e Luchina (1980)
desenvolveram o conceito de interconsulta médico-psicológica,
referenciando-se a atuação do profissional da saúde mental voltada para
relação médico-paciente, a partir da construção de um diagnóstico
situacional, utilizando-se do referencial psicanalítico para a compreensão e
manejo da situação. A interconsulta, portanto, emergiria a partir de um
conflito dessa relação.
A relação médico-paciente é compreendida, em termos
psicodinâmicos, como complexa e com certo grau de profundidade, sendo
modulada por mecanismos inconscientes de ambos os termos dessa relação.
Entre médico e paciente se estabelece um campo dinâmico, transferencial,
em que a doença transita e organiza-se neste interstício. A organização da
doença está condicionada às forças que atuam nessa relação em um
determinado espaço físico, sendo atravessada por aspectos pessoais,
familiares, institucionais e culturais. (Ferrari, Luchina & Luchina, 1980).
A interconsulta, portanto, concebe uma “semiologia do ‘campo
dinâmico’ médico-paciente, o que em outros termos significa saber como se
organizou a doença e como ela foi conduzida” (Ferrari, Luchina e Luchina,
1980). Esta semiologia, segundo os autores,
(...) terá diferentes alcances segundo as necessidades da crise, e esta pode envolver, como indicação, uma
25
desestruturação total da organização levantada, fixa e estereotipada, que condicionou a crise, ou desestruturações parciais com instrumentalização operativa a nível do paciente e/ou da instituição; o que nunca pode ficar excluído de se considerar da crise é o médico. O interconsultor a cargo da Interconsulta precisa considerar o grau de operatividade que implica desestruturar a organização de uma doença e de uma relação médico-paciente em ação, introduzindo a variável (ação psiquiátrica) que significa cuidar de um paciente a partir de uma interconsulta, o que necessariamente comporta criar uma nova relação médico-paciente, uma nova organização da doença e pôr termino à anterior relação e organização. (Ferrari, Luchina e Luchina, 1980, p. 50).
A partir dessas considerações e concepções acerca da interconsulta
em saúde mental, o pesquisador foi a campo para estudar o fenômeno em
questão como objeto que permitiu apreender aspectos referentes às relações
interprofissionais. Portanto, mostra-se necessário contextualizar o campo de
pesquisa eleito para a realização deste trabalho – no caso, o hospital geral.
2.4. O Hospital Geral como campo de estudo
O campo de investigação eleito para este estudo foi um hospital
público situado no município de Campinas, que se constitui como referência
no atendimento de urgência e emergência para a Região Metropolitana de
Campinas (RMC). Atualmente, o hospital é composto por pronto-socorro (PS)
adulto e infantil, unidade de terapia intensiva (UTI) adulta e infantil,
enfermarias de ortopedia e neurologia, de cirurgia geral e especialidade, de
clínica médica e moléstias infectocontagiosas, além de uma enfermaria
pediátrica. Conta ainda com centro cirúrgico, centro de referência em
oncologia, ambulatório de especialidades e o serviço de atendimento
domiciliar (SAD).
A partir de 2001, o serviço hospitalar passou por uma mudança em
seu modelo de gestão, operando de forma colegiada. Nesse momento, surge
o colegiado gestor do hospital, composto por diretores e pelos coordenadores
locais, além da formalização do Conselho Local de Saúde (CLS), em que os
usuários passaram a participar da tomada de decisão de assuntos
concernentes à organização do serviço e à assistência. O hospital se
reorganiza através de unidades de produção, que seriam “um Coletivo
26
Organizado em potencial, já que juntaria sob uma mesma direção diferentes
profissionais e especialistas, todos envolvidos com um certo processo
produtivo” (Campos, 2000, p. 155), com a presença de um gestor local por
Unidade, sendo que qualquer profissional de nível superior poderia exercer
essa função, com a responsabilidade de fazer a gestão dos recursos
humanos, materiais e dos processos de trabalho. Essa transição de modelo
visava romper com as linhas de mando verticais, centrada nas especialidades
médicas e/ou categorias profissionais, com suas chefias próprias e
independentes das demais.
Simultaneamente, foram instituídos os colegiados gestores nas
unidades assistenciais, compostos por trabalhadores e pelo gestor local,
possibilitando o aumento da democracia institucional a partir da aproximação
entre coordenadores e executores das ações. Esse arranjo organizacional
tem como atribuição fazer a gestão compartilhada dos processos de trabalho
de cada unidade de produção do hospital.
Outro arranjo organizacional proposto, para dar sustentabilidade ao
novo modelo de gestão, foi a institucionalização das referências técnicas.
Compostas por profissionais com conhecimento teórico-prático reconhecido,
que desenvolveriam ações de apoio técnico, e não gerenciais, aos colegas
de mesma categoria profissional ou especialidade.
De 2001 em diante, o serviço hospitalar passou por diversas
mudanças de gestão, que acarretaram no enfraquecimento do Colegiado
Gestor e assim fragilizando o modelo de gestão compartilhada e democrática
proposto. No capítulo 5.1 apresentaremos algumas das consequências
dessas mudanças estruturais a partir das observações feitas em campo.
Anteriormente a isso, consideramos importante destacar como se deu o
encontro do pesquisador com o campo de pesquisa, com o intuito de
ressaltar as motivações em jogo para a construção dessa pesquisa.
2.5. As implicações da trajetória profissional do pesquisador
O encontro do pesquisador com o Hospital Geral se deu anteriormente
à produção deste trabalho, por meio do estabelecimento de vínculo
empregatício com o hospital público campineiro. Essa passagem se constitui
como marco significativo no processo de formação/atuação do mesmo
27
enquanto trabalhador na área da saúde. Portanto, será preciso entender a
historicidade dessa construção profissional, destacando aspectos desse
itinerário de formação, que se (re)atualizam no encontro com essa
modalidade de serviço de saúde.
A respeito da implicação do pesquisador com o próprio processo de
formação, Jean Oury (1991) explicita:
Encaremos, portanto, a formação como alguma coisa da ordem de uma “modificação”: modificação de um certo nível da personalidade do sujeito que se engaja neste trabalho; não uma transformação, mas uma modificação no sentido de uma sensibilização para alguma coisa específica. (…) Essa sensibilização não necessita, da parte do sujeito que se engaja, uma disponibilidade de saída, ou antes, uma disposição particular de sua própria personalidade? Pois, se trata do engajamento de toda uma vida nesse trabalho. Não é alguma coisa que se faz de maneira passageira. (…) Seria importante poder precisar quais são as qualidades implícitas que estão na base de uma certa “escolha” profissional. Certamente que se pode estar aí por acaso. Mas isto nunca é puro acaso: existe sempre uma dimensão inconsciente na decisão de se engajar. (…) A formação deve, com efeito, poder se integrar ao desenvolvimento da personalidade.
A partir das considerações de Oury, além da formação universitária em
Psicologia e do interesse teórico-prático do pesquisador pela psicanálise e
análise institucional, que designam historicamente as escolhas intrínsecas à
sua trajetória profissional, devemos nos deter, também, em suas
experimentações no campo da Saúde Mental e na interface com a Saúde
Coletiva, visto sua importância no desenvolvimento de uma práxis implicada
ética e politicamente com a clínica. Mais especificamente, com a apropriação
e operacionalização do conceito de clínica ampliada e compartilhada, no
horizonte do trabalho em saúde.
Clínica adjetivada por ampliada por seu objeto de intervenção não se
restringir à doença, mas que compreende o sujeito que encarna a doença,
considerando os riscos e vulnerabilidades em jogo em seu organismo, bem
como aqueles(as) referentes ao seu contexto social e também dependentes
de sua condição psíquica. Portanto, nenhuma especialidade é capaz de
realizar uma abordagem integral do sujeito. Além do objeto, o objetivo
também se amplia, já que não se limita à produção de saúde – seja pela via
28
curativa, preventiva, reabilitadora ou paliativa –, mas contribui para o
aumento do grau de autonomia dos usuários (Campos & Amaral, 2007).
Autonomia aqui entendida como um conceito relativo, e não absoluto, como
sendo a capacidade do sujeito de refletir e intervir sobre si mesmo e sobre o
meio que o circunda, isto é, o modo como pratica o autocuidado e como se
relaciona com sua rede de dependências (Campos & Onocko Campos, 2006;
Campos & Amaral, 2007).
Segundo Campos e Amaral (2007), a construção de autonomia e de
autocuidado somente será alcançada
(...) caso se pratique uma clínica compartilhada, alterando-se radicalmente a postura tradicional que tende a transformar o paciente em um objeto inerte, ou em uma criança que deveria acatar, de maneira acrítica e sem restrições, todas as prescrições e diretrizes disciplinares da equipe de saúde (p. 580).
A clínica enquanto compartilhada, como explicitam os autores, implica
em uma modificação da relação entre profissional e usuário, já que ambos se
tornam corresponsáveis pelo processo de produção de saúde. Essa
concepção de trabalho em saúde impõe um rearranjo na dinâmica do poder
na relação profissional-usuário, modificando os papéis desempenhados por
cada termo dessa relação. Para que essa prática se torne exequível, o
estabelecimento de uma relação dialógica entre os sujeitos envolvidos é
imprescindível, quando os contratos terapêuticos são debatidos e negociados
em conjunto, construindo, dessa forma, objetivos comuns e definindo
responsabilidades entre as partes. A partir disso, instaura-se um processo de
cogestão da clínica, diminuindo o abismo existente na relação entre usuários
e profissionais, produzindo atos terapêuticos menos mecanicistas e
protocolares, além de interferir diretamente na resolutividade das ações
clínicas, devido ao aumento da participação dos usuários em seu próprio
tratamento.
Fazer clínica ampliada e compartilhada é um grande desafio para os
serviços públicos de saúde. Implica a promoção de encontros entre diferentes
disciplinas e sujeitos concretos. Se entrecruzam trajetórias de vida, saberes e
práticas sobre um mesmo objeto de trabalho, estabelecendo-se objetivos
comuns que norteiam as diferentes intervenções. Nesse sentido, a
29
participação do pesquisador no Coletivo de Estudos e Apoio Paidéia,
coordenado pelo prof. Dr. Gastão W. S. Campos e vinculado ao
Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), serviu como meio para
experimentações empíricas e construções teóricas acerca dessa noção de
trabalho interdisciplinar em saúde.
Campos et al. (2013) trabalham com a concepção de práxis Paidéia
para refletir e desenvolver práticas que incorporem a cogestão nas relações
sociais. Paidéia se refere à possibilidade de desenvolvimento do potencial de
seres humanos por meio de uma educação integral. Compunha a tríade
ateniense que visava garantir o bem-estar dos sujeitos na Polis grega,
juntamente com a cidadania (direitos) e a democracia participativa (Ágora).
Portanto, a práxis Paidéia é uma proposta de sociabilidade democrática e
uma metodologia para a formação de pessoas que objetiva a ampliação da
capacidade de analisar e intervir sobre si mesmas e sobre o contexto que
estão inseridas (pp. 15-16).
Destarte, a cogestão do trabalho em saúde é uma aposta que visa a
produção desse efeito Paidéia nas pessoas e nos serviços de saúde, através
da construção de espaços coletivos em que há o compartilhamento de poder
e de saberes. Com a democratização institucional, fazendo-se presente
dentro das equipes de saúde, criam-se condições de possibilidade para a
interdisciplinaridade da clínica. Mas de que modo compor um plano comum
de trabalho sem que se diluam as especificidades de cada disciplina?
Os conceitos de campo e núcleo (Campos, 1997) são úteis para tratar
dessa questão, pois “permitem distinguir os saberes e práticas peculiares a
cada profissão, dos saberes, práticas e responsabilidades comuns a todos os
profissionais de saude” (Campos e col., 2013, pp. 67-68).
O campo seria composto por saberes e responsabilidades comuns a
várias especialidades e/ou profissões. Conhecimentos compartilhados acerca
do processo saúde-doença, que envolvem saberes acerca do organismo, da
relação profissional-paciente, dos riscos epidemiológicos, de regras gerais de
promoção e prevenção, além de noções genéricas política, organização de
modelos e do processo de trabalho em saúde (Campos, 1997).
30
Núcleo é constituído por um conjunto de saberes e responsabilidades
concernentes a cada profissão ou especialidade. Marca a diferença entre os
membros de uma mesma equipe, pois contém a singularidade que define a
identidade de cada profissional ou especialista, os conhecimentos e ações
exclusivas de acordo com sua competência (Campos, 1997).
Portanto, a equipe multiprofissional, operando interdisciplinarmente,
compartilha conhecimentos comuns, circunscrevendo assim seu campo de
atuação, e cada núcleo integra o trabalho grupal, a partir das contribuições
específicas de seu aglutinado de saberes e práticas, de modo dinâmico,
dialógico, em que as ações são pactuadas coletivamente, tendo como objeto
de intervenção o sujeito e a(s) doença(s) que encarna.
Logo, a escuta dos sujeitos que procuram os serviços de saúde, para
além e/ou aquém do exame de seu corpo, traz à tona demandas de outra
ordem, convocando a prática clínica a se deter não só nas regularidades
fisiopatológicas, mas também nos determinantes sociais e nas condições
psíquicas que estão em jogo para uma existência singular.
Para que essas demandas sejam trabalhadas de modo integral, será
preciso que as fronteiras entre os núcleos de competências e
responsabilidades possuam gradientes cada vez maiores de permeabilidade,
já que o encontro com a alteridade necessita de uma clara disponibilidade
para à afetação mútua.
Ceccim (2008), a propósito do trabalho em equipe, propõe a ética da
entre-disciplinaridade, e que nesse movimento
a equipe multiprofissional de saúde teria, nos recursos e instrumentos terapêuticos de cada corpo de conhecimento [competências] e atos de uma profissão [responsabilidades], a oportunidade de compor e inventar a intervenção coletiva, constituindo-se cada desempenho ampliado ou modificado em um desempenho protegido pela condição da equipe. A equipe comporia o tempo todo um sistema de práticas em aberto, relacionado mais a cada situação concreta e relativa a cada equipe ou local selecionado que a um sistema burocrático de divisão técnica do trabalho em situação abstrata de competências e habilidades por título profissional (p. 271).
Além das determinações socioeconômicas que impõe limites a prática
clínica, tornando-a degradada, pois diminuem sua capacidade para resolver
31
problemas (Campos, 2013), o rompimento com o sistema burocrático de
divisão técnica do trabalho permitiria questionar a clínica oficial de se
autorizar a não se responsabilizar pela integralidade dos sujeitos, por conta
de seu objeto de estudo e intervenção reduzido (Campos, 2013). O enfoque
desequilibrado nos aspectos biológicos, em detrimento das dimensões
subjetiva e social dos sujeitos, acarreta “em saberes e prática marcados pelo
mecanicismo e pela unilateralidade de abordagem” (Campos, 2013, pp. 61-
62). A redução do objeto, por outro lado, tende a considerar mais a doença
do que o sujeito que a encarna, e quando este último é considerado, pensa-
se o de modo fragmentado, dividido em partes que apenas teoricamente
guardariam uma noção de interdependência (Campos, 2013, p. 62). Esse
reducionismo origina inúmeras consequências negativas. Dentre elas,
Campos (2013) explicita:
Abordagem terapêutica excessivamente voltada para a noção de cura (...), ficando em segundo plano tanto as possibilidades de promoção da saúde, ou de prevenção e até mesmo as de reabilitação. Além do mais, esse objeto reduzido autorizaria a multiplicação de especialidades, que terminam por fragmentar, em grau insuportável, o processo de trabalho em saúde. Em decorrência, vem reduzindo-se a capacidade operacional de cada Clínico, estabelecendo-se uma cadeia de dependência quase impossível de ser integrada em projetos terapêuticos coerentes (p. 62)
Considerar essa dimensão ética do trabalho em equipe, da entre-
disciplinaridade, aliada aos conceitos de núcleo e campo, são fundamentais
para se efetivar a construção de uma clínica ampliada, em que se produzem
desvios da lógica assistencial pautada pela fragmentação das
especialidades. O rompimento com essa racionalidade produz outros modos
de operacionalização da clínica, esta voltada não só para a cura, mas para a
produção de saúde. Campos (1997) ainda nos lembra que “a organização
parcelar do trabalho em saúde e a consequente fixação do profissional a
determinada etapa de um certo projeto terapêutico produzem alienação”,
embrutecendo e aborrecendo o trabalhador, já que concentra-se
(...) em atos esvaziados de sentido, ou cujo sentido depende de uma continuação que o trabalhador não somente não controla como até desconhece, tudo isso
32
termina produzindo um padrão de relacionamento com o saber e com a prática profissional altamente burocratizado (p. 236).
São nos espaços de cogestão do serviço e da clínica (colegiado
gestor, planejamento do serviço, reuniões de equipe etc.) que o uso desses
conceitos se mostra fundamental para dar condições de possibilidade às
transformações que visam à democracia institucional, já que nos autoriza a
criar zonas de contato com os diversos saberes e práticas.
O contato com esses arranjos institucionais permite a experimentação
de meios possíveis em que clínica e gestão adquirem inteligibilidade
enquanto termos indissociáveis, reafirmando a causa primeira de qualquer
serviço de saúde: produzir saúde!
Dentre esses arranjos institucionais, destacamos o apoio matricial
como uma ferramenta fundamental para pensar a gestão da clínica. O Apoio
Matricial é tanto arranjo organizacional como metodologia para a gestão do
trabalho em saúde. Pode ser compreendido como retaguarda assistencial e
suporte técnico especializado para equipes multiprofissionais, aumentando
sua capacidade de fazer clínica ampliada. Permite a regulação dos
encaminhamentos para a atenção especializada, incidindo sobre o sistema
de “referência e contra-referência” e as “interconsultas”, corresponsabilizando
os profissionais envolvidos com o caso, com vistas a garantir a integralidade
do cuidado com cada caso singular (Campos, 1999; Campos e Domitti, 2007;
Campos et al. 2013).
O Apoio Matricial pode ser considerado uma práxis Paidéia, pois
(...) busca levar a lógica da cogestão e do apoio para as relações interprofissionais, substituindo as tradicionais modalidades de relação burocrática e com grande desequilíbrio de poder. (...) busca pensar modos de lidar com esses processos segundo o referencial da interdisciplinaridade e da interprofissionalidade. (...) em que os profissionais sejam responsáveis por pessoas, e não por setores, atividades e procedimentos (Campos et al., 2013, p. 65).
Inserir a lógica da cogestão nas relações interprofissionais, permite
promover a construção dialógica de Projetos Terapêuticos Singulares junto à
33
população, sem deixar de considerar a complexidade do processo saúde-
doença e seus determinantes sociais (território, cultura, políticas públicas)
psicológicos (modos de subjetivação, circulação dos afetos, dinâmica familiar,
sofrimento psíquico) e biológicos (anátomo-fisiologia das doenças, herança
genética).
Além disso, ao substituir as modalidades tradicionais de
encaminhamento para outros profissionais ou especialidades, seja pela via
da “referência e contra-referência” ou pelas solicitações de “interconsulta”, a
metodologia de apoio matricial cria condições de possibilidade para o
estabelecimento de relações com maior grau de democracia entre os
profissionais, podendo, inclusive, ser um sustentáculo para a ascensão do
usuário enquanto sujeito de desejos e interesses, corresponsável pelo próprio
tratamento.
É a partir dessas considerações acerca do Apoio Matricial que este
trabalho se pauta para (re)pensar o trabalho do profissional especialista em
Saúde Mental dentro do Hospital Geral. No que essa metodologia de trabalho
poderia contribuir para mudar a prática clínica hospitalar, notadamente
marcada pela excessiva fragmentação do processo de trabalho e pelo
sofrimento psíquico manifesto pelos usuários, que submetem seus corpos às
intervenções biomédicas, com baixo grau de autonomia sobre as práticas
diagnósticas e terapêuticas que se expõe.
34
3. OBJETIVOS
3.1. OBJETIVOS GERAIS
- Investigar a prática clínica da saúde mental e sua relação com outras
profissões no Hospital Geral;
- Compreender o papel clínico-institucional do psicólogo e do psiquiatra
hospitalar.
3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Realizar análise exploratória que caracterize o padrão de encaminhamento
de casos e das avaliações em saúde mental;
- Analisar a função estratégica do profissional de saúde mental no hospital
geral no que se refere à promoção de uma ampliação da clínica e quais as
ferramentas teórico-conceituais utilizadas para tal promoção;
- Fornecer subsídios para novas práticas clínico-institucionais que favoreçam
a emergência do sujeito na clínica;
- Apreender quais as condições de possibilidade que permitem a emergência
de novas práticas em saúde pautadas na clínica ampliada e compartilhada.
35
4. METODOLOGIA
A pesquisa de campo foi realizada em um hospital público do
município de Campinas. Para entrada do pesquisador no campo de estudo,
em um primeiro momento, foi utilizado como método de coleta e análise de
dados a observação do contexto hospitalar. Observou-se o modo de
funcionamento do serviço de saúde, compreendendo, assim, os fluxos e
arranjos institucionais que organizam os processos de trabalho, com ênfase
para a relação entre os profissionais de saúde mental com as outras
especialidades. O pesquisador entrou em contato com as unidades de
produção e seus trabalhadores e gestores, além da clientela atendida, com
vistas à apreender a dinâmica clínico-institucional do Hospital Geral e sua
historicidade. Os dados obtidos serviram para descrever o modelo de
atenção estruturado no hospital.
Em um segundo momento da pesquisa (fase quantitativa), para a
coleta de dados referente às intervenções em saúde mental, foi realizado um
estudo exploratório descritivo da assistência psicológica e psiquiátrica às
unidades de produção do Hospital Geral, por meio dos registros de
atendimento em interconsulta desses profissionais. A partir desses registros,
foi feito um levantamento de todos usuários atendidos pela psicologia e
psiquiatria no ano anterior a entrada do pesquisador no campo (junho de
2014 a maio de 2015), já que esse intervalo de tempo permite apreender
aspectos sazonais inerentes aos pedidos de interconsulta.
A partir desse material foi realizada análise descritiva das relações
interprofissionais e foram coletados dados dos usuários, encaminhados à
Saúde Mental, como sexo, idade, data de entrada e de alta do Hospital,
especialidade de origem do encaminhamento, diagnóstico médico e
avaliação e conduta da equipe de saúde mental, incluindo os
encaminhamentos para a rede de saúde (mental) municipal.
Após a concretização desse levantamento, os dados obtidos foram
tabulados com o intuito de identificar os tipos de encomenda predominantes
nos pedidos de interconsulta para psicólogos(as) e psiquiatras.
A partir dos dados quantitativos, utilizou-se de abordagem qualitativa
para complementar as informações colhidas até o momento. Para isso, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com todos os profissionais de saúde
36
mental do Hospital Geral (três psicólogos e um psiquiatra) e com outros
profissionais representantes da área clínica que mais realizou
encaminhamentos à saúde mental (sendo um(a) médico(a) especialista,
um(a) enfermeiro(a) e um(a) assistente social) para poder apreender sua
avaliação acerca do trabalho em equipe multiprofissional, como ocorre a
construção e compartilhamento de casos clínicos (ou projetos terapêuticos
singulares), comparando o trabalho realizado quando psicólogos e
psiquiatras compõem, de fato, a equipe de saúde do setor, com o trabalho
realizado por eles como interconsultores, isto é, quando não são parte
integrante da equipe da unidade de produção. Foram incluídos nessas
entrevistas os profissionais da saúde mental que tivessem vínculo
empregatício com o hospital geral e estivessem lotados em algum setor
específico (centro de custo). Portanto, foram excluídos os psicólogos e
psiquiatras com contrato de estágio/residência com o serviço. Para as
entrevistas com outros profissionais da área clínica, foram selecionados
trabalhadores com vínculo empregatício com o hospital geral e que
apresentassem uma jornada de trabalho horizontal, além de serem
representantes da unidade de produção que mais solicitou interconsultas de
saúde mental, indicados pela coordenação da própria unidade. Excluiu-se,
portanto, os profissionais “plantonistas” e aqueles que tem vínculo de
estágio/residência com o serviço.
A entrevista é um instrumento de coleta de dados pertinente já que
permite a construção de informações conexas ao objeto de estudo, como
afirma Minayo (2013). As entrevistas foram fonte de informação de dados
primários, pois os conteúdos foram diretamente construídos a partir do
diálogo entre entrevistador e entrevistado, tratando das reflexões que os
entrevistados têm da realidade que vivenciam. Portanto, expressam as
representações dessa realidade por esses sujeitos (Minayo, 2013).
As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, mediante
o candidato estar de acordo com a participação e assinar o termo de
consentimento livre e esclarecido, garantindo-se assim o anonimato do
entrevistado.
Para analisar os dados obtidos, utilizamos como referencial
metodológico a teoria Paidéia desenvolvida por Campos (2000). Essa
37
metodologia nos fornece ferramentas para analisar a (co-)produção de
saberes, práticas e sujeitos no âmbito hospitalar, nos servindo de conceitos
oriundos da Saúde Mental – interconsulta psiquiátrica e médico-psicológica –
e também da Saúde Coletiva – trabalho interprofissional, em equipe e em
rede de cuidados, sob o referencial do apoio matricial. Tendo como
pressuposto aumentar a capacidade de reflexão e ação dos sujeitos
envolvidos no processo saúde-doença-intervenção. Todo material empírico
coletado serviu para analisar o grau de democratização institucional do
serviço, o modo de conformação das relações interprofissionais e como
ocorre a assistência em saúde mental.
Partindo-se dessa lógica, o Apoio Matricial – enquanto práxis Paidéia –
se constitui como conceito chave para compreender as relações de trabalho
no interior das equipes multiprofissionais, no que se refere ao
compartilhamento de conhecimentos e responsabilidades, os jogos de poder
e a dinâmica intersubjetiva. Essas três dimensões (pedagógica, política e
psicológica) são inerentes aos processos de trabalho, portanto, a análise do
material coletado considerou-as como fundamentais para pensar e dizer
sobre a constituição dos sujeitos envolvidos no trabalho em saúde.
38
5. RESULTADOS ESPERADOS
Conseguir analisar e compreender as ações desempenhadas pelos
profissionais da saúde mental, no âmbito hospitalar, com vistas à obtenção
subsídios para o planejamento de ações que promovam o aumento do grau
de autonomia dos usuários do serviço e que levem em consideração a
singularidade do sujeito desejante.
Potencializar arranjos/dispositivos de gestão democrática que
permitam o compartilhamento dos saberes e práticas, produzindo, dessa
forma, gradientes maiores de transversalização dos núcleos imersos no
campo hospitalar, garantindo assim a construção de uma prática clínica
implicada, não somente com o sujeito-em-sofrimento, mas também com os
seus efeitos no corpo social.
39
6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
6.1. OBSERVAÇÕES DE CAMPO
Observamos que a interconsulta é uma prática clínica corriqueira no
âmbito hospitalar. Constitui-se como prática a partir da solicitação de
avaliação e conduta à uma outra especialidade médica, ou outra categoria
profissional, realizada pelo médico responsável pela condução do tratamento
de determinado usuário em uma dada unidade assistencial do hospital geral.
Os pedidos são feitos a partir do preenchimento de uma guia específica em
que há dados de identificação do usuário, a hipóteses diagnóstica formulada,
além das suspeitas diagnósticas ou os sinais e sintomas que necessitam ser
esclarecidos por outra especialidade ou núcleo profissional. Após a avaliação
do interconsultor, é dada uma devolutiva com as respectivas sugestões de
tratamento ou de exames diagnósticos ou laboratoriais, podendo ser
realizada por escrito em prontuário ou através de discussão de caso com o
responsável pela solicitação.
Nesse contexto institucional se inserem as interconsultas da saúde
mental, especificamente da psiquiatria e psicologia, objeto privilegiado de
estudo do presente trabalho. Portanto, será necessário caracterizar as
especificidades inerentes à interconsulta em saúde mental.
Primeiramente, o arranjo organizacional proposto para o núcleo da
saúde mental se diferencia dos demais, pois o intercâmbio com as outras
especialidades ocorre prioritariamente através da discussão de caso prévia e
também posteriormente à avaliação. As solicitações de interconsulta à
psicologia, especificamente, não seguem o mesmo mecanismo de
preenchimento dos pedidos (guias), o que torna o diálogo com o profissional
solicitante imprescindível para a execução da interconsulta. Esse arranjo
permite também que as solicitações não fiquem restritas à categoria médica,
estendendo-se aos outros profissionais que compõem a equipe de saúde. No
caso da psiquiatria, o protocolo institucional, seguido pelas outras
especialidades, mantém-se o mesmo. Contudo, vale ressaltar que a
discussão de caso ainda assim é indispensável para a execução dessa
prática.
O serviço hospitalar conta atualmente com três profissionais da saúde
mental, sendo duas psicólogas e um psiquiatra. Uma das profissionais da
40
psicologia está alocada na enfermaria de Clínica Médica e de Moléstias
Infectocontagiosas (CM/MI), enquanto a outra faz parte da equipe da
enfermaria de pediatria. Cada qual é responsável pelos usuários internados
em suas respectivas unidades, além de realizarem interconsultas nas outras
enfermarias, pronto-socorro adulto e pediátrico, além das Unidades de
Terapia Intensiva (UTI) adulta e pediátrica, sendo que a psicóloga que atua
na CM/MI é responsável por atender a UTI e o PS adulto, além da Clínica
Cirúrgica (CG), enquanto que a outra psicóloga responde à UTI pediátrica,
PS infantil, Ortopedia e Neurologia. O psiquiatra, por sua vez, está alocado
no Pronto-Socorro (PS) adulto, sendo responsável por realizar interconsultas
somente nesta unidade de produção. As enfermarias, no caso, contam com
retaguarda psiquiátrica da residência em psiquiatria do Serviço de Saúde Dr.
Cândido Ferreira (SSCF).
Observou-se que o modelo de gestão colegiada proposto a partir de
2001, conforme o passar dos anos, vem sofrendo um processo de
degradação. Empiricamente, observa-se a exclusividade de gestores locais
com formação médica, sendo auxiliados por gerentes com experiência
administrativa ou por profissionais do núcleo da enfermagem. Objetivamente,
essa composição produz uma cisão na gestão dos processos de trabalho das
unidades, pois criam-se linhas de mando individualizadas, em que há uma
gerência especifica por categoria profissional, no caso medicina e
enfermagem. Essa condição produz efeitos importantes não só na
organização e dinâmica das equipes, mas também afeta diretamente à
assistência aos usuários, pois gera consequências para o cuidado clínico,
tornando-o mais fragmentado e sensível às sequelas danosas oriundas de
disputas corporativas.
Outro aspecto relevante que vem comprometendo o trabalho em
equipe multiprofissional é a extinção das referências técnicas enquanto apoio
especializado. Seus representantes têm assumido funções gerenciais,
tornando-os coordenadores específicos da categoria profissional que
representam.
Embora a democratização institucional seja parte do discurso oficial do
serviço, com informações presentes inclusive nos meios de comunicação
institucional, acompanhamos a ocorrência de mudanças estruturais no modo
41
de fazer gestão que são significativas, vindo a comprometer o projeto de
cogestão iniciado em 2001, que visava a sustentação de espaços
democráticos de discussão e de deliberação de propostas e ações.
6.2. RESULTADOS QUANTITATIVOS
Com o intuito de realizar uma análise exploratória descritiva da
assistência em saúde mental, foi realizado um levantamento dos
atendimentos em interconsulta a partir do registro desses profissionais acerca
de sua produção.
A interconsulta da saúde mental, como dito anteriormente, é um
arranjo organizacional estabelecido no Hospital Geral em que os profissionais
responsáveis pelo acompanhamento dos usuários, inseridos em alguma
unidade de produção, solicitam avaliação e conduta dos profissionais
psicólogos e/ou psiquiatras. Esse pedido pode ser realizado por qualquer
membro da equipe, pertencente a algum determinado setor do hospital,
podendo ser um profissional da enfermagem, do serviço social, das
especialidades médicas ou até mesmo da família do paciente que porventura
identifica uma necessidade de assistência em saúde mental e requer
atendimento especializado.
As solicitações de interconsulta são feitas por intermédio de breve
discussão de caso (queixa inicial, hipótese diagnóstica, histórico clínico etc.),
que pode ser realizada por telefone, pessoalmente ou por escrito, em que é
feita uma encomenda aos profissionais da saúde mental no sentido de avaliar
e intervir na situação.
O psiquiatra do PS adulto não detém nenhuma forma de registro
pessoal para além daquilo que escreve em prontuário multiprofissional. Logo
42
não foi possível ter acesso a nenhuma fonte de dados secundária da
psiquiatria, lembrando que neste estudo não estava prevista análise de
prontuário, tanto por não se tratar de estudo de caso, como pelo tempo
limitado de pesquisa.
Por outro lado, como material de registro, as psicólogas utilizam um
livro-ata em que anotam todos os atendimentos realizados por elas, seja
aqueles solicitados por outros profissionais, assim como aqueles efetuados
sem contato prévio com outra categoria profissional ou especialidade.
Utilizou-se dessa fonte de registro como objeto de investigação devido
a sua praticidade, já que permitiu o acesso às informações necessárias para
o cumprimento da fase analítica quantitativa deste estudo. Vale ressaltar que
para cada usuário acompanhando pela psicologia hospitalar é produzida uma
ficha de atendimento com informações detalhadas sobre o caso, como dados
de identificação, diagnóstico médico, avaliação psicológica, além dos
encaminhamentos propostos para a rede municipal de saúde. Como esse
estudo não objetiva investigar os pormenores das intervenções realizadas
com os usuários pelas profissionais, já que se propõem a traçar um
panorama geral das solicitações de interconsulta em um espaço de tempo
(um ano), os arquivos que contém essas fichas de atendimento não foram
acessados pelo pesquisador.
Portanto, a partir da análise desses dados quantitativos, referentes aos
pedidos de interconsulta realizados pelos profissionais da psicologia,
obtivemos duas fontes de informações distintas, correspondentes às Tabelas
1 e 2 (vide anexos).
43
Apesar de uma padronização, no que se refere ao tipo de informação
a ser registrada, os materiais são produzidos de forma diferente, em que é
possível citar alguns motivos para tal distinção: 1) a singularidade de notação
de cada profissional, 2) os aspectos relativos às especificidades dos
processos de trabalho presentes em cada unidade de produção, 3) a postura
profissional individual e 4) a clientela atendida.
Comecemos então pela análise dos dados embutidos na Tabela 1.
A psicóloga pertencente à equipe da Pediatria, durante o período de
um ano, realizou 15 interconsultas de um total de 478 atendimentos nesse
mesmo espaço de tempo. No que se refere ao processo de trabalho, a
profissional compreende que os casos pertencentes à sua unidade de
origem, a pediatria, são avaliados pela mesma sem que haja a necessidade
de um pedido prévio de interconsulta por outros profissionais da enfermaria.
Portanto, a quantidade de interconsultas realizadas pela psicóloga
representa, somente, os atendimentos realizados em outros setores, fora da
unidade pediátrica.
Observando os dados obtidos a partir do registro feito por essa
psicóloga, presentes na Tabela 1, apreendemos que a maior parte das
solicitações de interconsulta provém do Pronto-Socorro, por diagnósticos
médicos bem diversificados, sendo 8 requerimentos da unidade adulta e 2
pedidos oriundos da unidade infantil. Podemos inferir que os pacientes
agudos, atendidos pelas equipes da urgência e emergência, produzem certo
tipo de demanda que ultrapassa a capacidade resolutiva dos profissionais,
em que podemos pensar que a agudização do processo saúde-doença traz
44
consigo um sujeito em crise, pois também urgem e emergem questões intra-
psíquicas.
Até por conta disso, chama-nos atenção os casos em que se pode
apreender questões específicas da saúde mental, já que ficam explícitos os
diagnósticos psicológicos, como por exemplo os casos de violência sexual,
depressão e intoxicação exógena, acidental ou não (tentativa de suicídio).
Além das unidades de urgência/emergência, as outras unidades
solicitantes, com o respectivo número de pedidos de interconsulta, são as
enfermarias de Ortopedia (2), Neurologia (2) e Clínica Médica (1).
A idade média dos pacientes atendidos é de aproximadamente 24
anos, sendo que 11 estão abaixo dessa média, sendo 8 menores de 18 anos.
Os demais usuários estão dentro de uma faixa etária entre 54 e 66 anos de
idade.
Quase a metade dos pacientes atendidos em interconsulta pela
psicóloga (7) permaneceram hospitalizados por menos de 24 horas, ou seja,
ingressaram no serviço e receberam alta no mesmo dia.
Com relação a sua distribuição no tempo, no ano de 2014, foram
realizados 2 atendimentos em Junho, 1 em Julho, 3 em Setembro e 1 em
Outubro. Já no ano de 2015, foram feitos 1 atendimento em Janeiro, 3 em
fevereiro e 4 em março. Não é possível realizar qualquer inferência acerca de
questões sazonais envolvidas, devido aos diferentes tipos de diagnósticos
médicos e por sua repartição no tempo.
É importante ressaltar que os dados obtidos não evidenciam
claramente o tipo de intervenção realizada pela profissional, já que sua
notação é pouco especifica, e tão pouco é possível discernir algo acerca do
45
tipo encaminhamento dado aos casos, pois não há qualquer tipo de registro
no livro-ata de atendimentos.
Passemos, então, a análise dos dados contidos na Tabela 2.
A psicóloga que integra a equipe de saúde da enfermaria de Clínica
Médica e Moléstias Infectocontagiosas atendeu, no período de 1 ano, a 118
pedidos de interconsulta. Dentre as solicitações de avaliação e conduta,
estão casos referentes à sua unidade de produção de origem, além de casos
vinculados às outras unidades de produção. É importante considerar essa
particularidade, pois o registro evidencia as relações interprofissionais
estabelecidas entre a psicologia e as outras especialidades, no que se refere
aos pedidos de interconsulta em saúde mental, no interior da própria equipe
da CM/MI. Por se tratarem de membros da mesma equipe, as solicitações de
atendimento ocorrem a partir de uma discussão de caso prévia, em que há o
encontro presencial entre os profissionais, podendo a devolutiva da
interconsulta ser realizada também nos mesmos termos.
Analisando a Tabela 2, constatamos o predomínio de interconsulta
realizadas na própria unidade de origem da psicóloga, totalizando 68
pedidos, como podemos conferir na Tabela 3.
Tabela 3 - Número de interconsultas por unidade de origem dos pedidos.
UNIDADE DE ORIGEM No
Clínica Médica 68
Pronto-Socorro Adulto 7
Clínica Cirúrgica 7
Pediatria 5
Ortopoedia/Neurologia 3
46
UTI Adulta 2
Recepção 1
Centro de Referência em Oncologia 1
Esse número é muito superior se compararmos à todas as solicitações
oriundas de outras unidades de produção (26) – Pronto-Socorro adulto (7),
Clínica Cirúrgica (7), Pediatria (5), Ortopedia/Neurologia (3), UTI adulta (2),
Oncologia (1), além da Recepção (1) do hospital, que se trata de uma
unidade administrativa. Vale ressaltar que em 24 interconsultas não foi
registrada a unidade de procedência do paciente. Esses dados evidenciam o
peso que tem a presença do psicólogo quando esse profissional integra uma
equipe multiprofissional, pois isso acaba produzindo demandas específicas
de atendimento. Nas outras unidades assistenciais, podemos inferir que a
ausência desse profissional na equipe – com exceção da Pediatria – acaba
produzindo poucas demandas passíveis de psicologização, o que não
significa dizer que não existam usuários que se beneficiariam de intervenções
do núcleo da psicologia, mas que essa oferta não incide de modo efetivo nos
processos de trabalho das unidades de produção que não contam com essa
categoria profissional. Além do mais, podemos considerar a possibilidade da
existência de uma retaguarda psiquiátrica, executada pela residência do
SSCF, como moduladora dos pedidos de interconsulta em saúde mental,
dirigindo demandas especificamente à essa especialidade médica.
Em relação aos solicitantes dos pedidos de interconsulta,
independentemente da unidade de produção de origem, observamos que a
enfermagem se constitui como núcleo profissional que mais convocou a
47
psicologia a intervir nos casos, totalizando 33 pedidos, como podemos
visualizar na Tabela 4.
Tabela 4 - Número de interconsultas por categoria profissional ou pessoas
solicitantes.
Solicitantes dos pedidos de interconsulta No
Enfermagem 33
Medicina 25
Familiares 17
Serviço Social 14
Nutrição 8
Fisioterapia 3
Usuário 3
Coordenação 2
Psicologia 2
Outros 2
A categoria médica surge em segundo lugar, com 25 solicitações
realizadas. Na terceira posição, encontramos os familiares dos pacientes
hospitalizados, com 17 pedidos. Esse dado é significativo, pois expõe a
possibilidade de acesso das famílias à profissional da psicologia, em que
suas queixas podem ser acolhidas e transformadas em demandas de
intervenção específicas desse núcleo de competências. Dando seguimento
aos dados presentes nessa categoria de análise, parecem o serviço social
(14), a nutrição (8), a fisioterapia (3), os próprios usuários (3), a coordenação
(2), outros colegas de categoria profissional (2), além de uma professora de
educação especial (1) e outros usuários (1) internados na mesma unidade.
No que diz respeito à distribuição temporal das interconsulta,
verificamos que o mês com maior número de solicitações é Dezembro (20),
48
seguido pelos meses de Julho (16), Agosto (16), Setembro (13), Outubro (13)
e Janeiro (12). Podemos observar essa distribuição na Tabela 5.
Tabela 5 - Número de interconsultas por mês.
MÊS No
Junho 0
Julho 16
Agosto 16
Setembro 13
Outubro 13
Novembro 9
Dezembro 20
Janeiro 12
Fevereiro 3
Março 0
Abril 10
Maio 6
Em Dezembro, chama-nos atenção o número de casos (3) atendidos
com o diagnóstico médico de doença não especificada causada pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV), que na Tabela 2, consta como B24 – código
representativo presente na Classificação Estatística Internacional de Doenças
e Problemas Relacionados a Saude, atualmente em sua 10a versão (CID-10).
As doenças cardiorrespiratórias se sobressaem nos casos atendidos pela
psicologia, contabilizando 6 pedidos de interconsulta para paciente
diagnosticados com esse tipo de patologia – J96.0, I50.0, J18.9, i20.9, i20.0 e
i26.0 (CID-10).
Com relação ao gênero, 61 pacientes atendidos em interconsulta pela
profissional da psicologia são do sexo feminino, enquanto que 54 são do
49
sexo masculino. Em 3 casos não houve especificação do gênero do paciente.
Não se observa uma diferença significativa com relação a esse dado.
Tabela 6 - Número de interconsultas por gênero.
GÊNERO No
Masculino 54
Feminino 61
Não especificado 3
Total 118
Os dados relativos à idade revelam uma concentração maior de
pacientes atendidos em interconsulta na faixa etária de 41 a 64 anos de
idade (46). Conforme demonstra a Tabela 7.
Tabela 7 - Número de interconsultas por faixa etária.
FAIXAS ETÁRIAS No
0-18 anos 7
19-40 anos 24
41-64 anos 46
65 anos ou mais 25
São 24 usuários de 19 a 40 anos e o mesmo número de casos com
idade igual ou superior a 65 anos. Crianças e adolescentes, com até 18 anos,
representam o menor número de casos (7), lembrando que essa profissional
não está alocada na enfermaria de Pediatria e nem é responsável direta
pelas interconsultas no PS infantil. O predomínio de interconsultas aos
pacientes acima dos 40 anos de idade pode estar relacionado à clientela
atendida, principalmente, na enfermaria de CM/MI, já que o perfil é de
usuários adultos e idosos. Além disso, como dito anteriormente, essa é a
50
unidade em que a profissional de psicologia está inserida e apresenta o maior
número de solicitações de interconsulta.
Analisando os tipos de intervenção realizadas pela profissional,
constatamos uma maior variedade de procedimentos registrados em seu
livro-ata de atendimentos. Ações clínicas como 1a entrevista; atendimento no
leito; atendimento, orientação e/ou apoio familiar; suporte psicológico;
acompanhamento psicológico; acolhimento; encaminhamento e articulação
de rede, compõem uma gama variada de intervenções que se destinam tanto
ao usuário hospitalizado como a sua família, de caráter pontual ou
processual, além da tentativa de garantir a integralidade do cuidado através
da continuidade do acompanhamento na rede de serviços de saúde.
6.3. RESULTADOS QUALITATIVOS
Para a confecção desta etapa da pesquisa, forma construídas
categorias de análise a partir daquilo que se destacou dos discursos dos
sujeitos entrevistados e a partir do olhar crítico do pesquisador.
Em um primeiro momento, foram analisadas e discutidas as
entrevistas feitas com os profissionais da saúde mental (6.3.1) e,
posteriormente, o mesmo processo foi realizado com as entrevistas dos
outros profissionais que atuam na enfermaria de clínica médica (6.3.2). Vale
ressaltar que foram construídas três categorias temáticas de análise para
cada bloco de entrevistas. Contudo, ressaltamos que essa categorização não
se esgota aqui, podendo ser depreendidas outras categorias de análise
devido a riqueza que o material apresenta.
51
6.3.1. PROFISSIONAIS DA SAÚDE MENTAL – Psicóloga 1 (Psi1),
Psicóloga 2 (Psi2) e Psiquiatra (Psiq)
(A) INTERCONSULTA: CONCEPÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS
A concepção de interconsulta, presente no discurso de uma das
psicólogas, refere-se às solicitações de avaliação feitas pelos médicos, seja
para a psicologia ou psiquiatria, seja para outras especialidades médicas.
Podemos observá-la na seguinte fala:
(...) quando o especialista médico, ele faz a sua avaliação e ele sente a necessidade de estar chamando, seja o psicólogo, o psiquiatra ou também outras especialidades médicas (...) (Psi1).
Embora outros profissionais realizem pedidos de interconsulta à saúde
mental, como observado na Tabela 2, nota-se nessa fala uma centralidade na
figura do médico como o principal responsável pelos requerimentos de
avaliação. Podemos afirmar que esse é um discurso médico-centrado,
sugerindo que os processos de trabalho, no que diz respeito ao
referenciamento de casos para outras especialidades ou categorias
profissionais, está localizado em um só núcleo profissional.
Contudo, a outra profissional da psicologia abrange em sua fala outras
categorias profissionais como possíveis solicitantes de interconsulta, pois
esse arranjo se dá “quando algum profissional do hospital pede uma
avaliação, no meu caso da psicologia” (Psi2). A mesma entrevistada sugere
que a intervenção a ser adotada em cada caso particular deve ser construída
de modo compartilhado, pois “depois da avaliação é feita a devolutiva para
que se defina o melhor procedimento para aquele paciente para qual a
interconsulta foi solicitada” (Psi2). Vale salientar que, em sua experiência
profissional anterior, essa psicóloga não havia trabalhado com esse arranjo
clínico-institucional.
Na verdade eu nunca tinha ouvido esse termo antes [interconsulta], eu trabalhava em centro de saúde e lá a gente discutia casos em equipe, mas esse termo interconsulta para mim foi novo e eu acabei aprendendo aqui no hospital mesmo (Psi2).
É interessante destacar que há uma diferenciação posta nesse
discurso. A profissional diferencia sua atuação no Centro de Saúde com o
Hospital Geral, pois no serviço hospitalar a psicóloga é solicitada a atender
52
determinadas encomendas feitas à psicologia, enquanto que na Unidade
Básica de Saúde (UBS) os casos eram discutidos com a própria equipe,
podendo assim produzir ou não uma demanda de atendimento psicológico.
Essa distinção revela um dos modos como as relações interprofissionais
operam no contexto hospitalar, ou seja, uma modalidade burocrática e com
grande desequilíbrio de poder, seguindo o modelo tradicional descrito por
Campos e col. (2013). Segundo Onocko Campos (2013), “nos grandes
hospitais contemporâneos (...) a lógica de produção de procedimentos
substituiu a produção de saude”, em que a eficiência, medida através da
produção no tempo, se sobressai sobre a eficácia das ações de saúde. A
respeito dessa discussão acerca da relação entre eficiência e eficácia no
trabalho em saúde, Campos e Amaral (2007) comentam:
Esses modelos [pautados no trabalho em linha de produção] podem apresentar ganhos em eficiência e produtividade, mas tendem a subestimar a eficácia; ou seja, o objetivo primário dos serviços de saude que é a produção de saude (p. 579)
Outra distinção significativa, ao compararmos os discursos das duas
profissionais da psicologia, está presente nas expectativas da psicóloga 1 em
relação a sua atuação a partir da interconsulta, em que sua avaliação e a
conduta prescrita devem ser seguidas rigorosamente pelo profissional médico
que solicitou “ajuda”, para que assim possa se garantir “uma relação legal”
entre ambas as partes. Essa compreensão está contida no seguinte trecho:
O que eu espero é que eles entendam as orientações que eu dou em relação ao meu trabalho e que seja cumprida, assim como a gente acaba cumprindo as orientações [do médico]. (...) se ele [médico] chamou é porque ele pediu ajuda em relação a isso, então o que você orientar, tanto a ele quanto ao paciente, enquanto ele estiver na internação, que a gente tem uma relação legal e de entendimento sobre este paciente. Até mesmo orientando ele como agir, até onde chegar com esse paciente (Psi1).
Embora haja uma crítica, presente nesse mesmo discurso, relativa ao
arranjo organizacional da interconsulta, já que anseia-se por processos de
trabalho “multiprofissionais”, para poder se chegar no que “seria um
atendimento integral ao invés de ser [só] uma interconsulta” (Psi1), evidencia-
se a disputa de poder existente na relação médico-psicólogo, em que o saber
53
especializado, sobre uma determinada parte do sujeito-paciente, tem o
estatuto de verdade soberana sobre os demais saberes, devendo ser
acatado por aqueles que não o detém. Essa disputa corporativa revela uma
preocupação maior com os procedimentos e técnicas específicos de cada
profissão, do que propriamente com a responsabilidade pelo resultado final
das ações propostas ao usuário. (Campos et. al, 2013).
Já no discurso do psiquiatra que atua no PS adulto, está presente uma
concepção teórica do que é a interconsulta psiquiátrica, baseada no que
nomeia de “modelo americano” (sic), em que essa especialidade médica
ingressa no hospital geral como apoio às áreas clínicas. Esse modelo,
segundo o entrevistado, é importado no Brasil por volta da década de 1980,
colocando limites na prática psiquiátrica no Hospital Geral, já que o usuário
nunca será um paciente psiquiátrico, isto é, não estará sob responsabilidade
do psiquiatra. Segundo o profissional, “isso teoricamente coloca certos limites
na prática, não só a nível da prática objetiva, mas também da prática até a
nível politicamente éticos do seu trabalho” (Psiq). Limite prático, ético e
político. O entrevistado está se referindo a prática de consultoria psiquiátrica,
descrita por Botega (2012) como uma avaliação e prescrição do profissional
da saúde mental dos pacientes sob responsabilidade de outra especialidade
médica, não fazendo parte da equipe assistencial e respondendo somente às
solicitações específicas.
O entrevistado considera ser responsável por aquilo que avalia e
sugere, mas ressalta que há uma “responsabilidade final” (Psiq) que não lhe
cabe. Pondera que, no nível teórico, haveria uma diferença entre esse
modelo e o da corresponsabilidade, pois a partir da coparticipação daqueles
profissionais envolvidos com diferentes níveis de atendimento destinados ao
paciente, haveria mais de uma pessoa responsável pelo caso. Cita como
exemplo de corresponsabilidade quando “os colegas solicitavam interconsulta
muitas vezes para tentar avaliar se o paciente tinha ou não capacidade
psíquica e emocional para poder saber o que ele está escolhendo” (Psiq). O
profissional está se referindo às solicitações de avaliação da capacidade
psíquica do paciente no que diz respeito ao julgamento crítico acerca do que
é colocado para ela como oferta terapêutica de tratamento. Para exemplificar
essa questão:
54
[Quando a] cirurgia vascular, solicitava uma interconsulta para poder saber se o paciente que não quer fazer uma amputação por um início de necrose diabética ou algo assim, se ele tinha condição ou não de entender a gravidade da situação (Psiq).
Entende que esse tipo de pedido ultrapassa os limites do que seria a
interconsulta, já que nesse caso, assumiria uma corresponsabilidade pelo
usuário, a partir do que nomeia de “laudo psiquiátrico”.
Através de sua experiência concreta, o arranjo interconsulta, portanto,
é descrito como um apoio especializado dado ao “colega” médico que
apresenta alguma dúvida específica. Por conseguinte, apoiar significa sanar
dúvidas e fazer sugestões, a partir de uma demanda circunscrita, para
auxiliar no manejo do caso, lembrando que “o paciente (...) sempre é de
responsabilidade de quem pediu a interconsulta, (...) embora até [se] tenha
contato com o paciente na interconsulta quando é necessário” (Psiq) ou com
a família. O profissional nomeia-se como “consultor”, restringindo sua prática
de “apoio” a uma consultoria dada ao médico solicitante, o que não seria uma
restrição da concepção de apoio enquanto práxis Paidéia (Campos et. al.
2013).
O entrevistado ressalta essa concepção de interconsulta ao declarar
que o limites observados por ele dessa prática são fazer com que o médico
solicitante compreenda o enquadre desse arranjo, em que a relação do
interconsultor – ou simplesmente consultor – com o paciente não ultrapassa a
responsabilidade atribuída ao próprio médico que demanda apoio
especializado. Essa ideação fica evidente no discurso do psiquiatra, quando
este afirma que:
(...) não sou eu que vou medicar o paciente que está agitando, por exemplo, posso sugerir para ele que o paciente seja medicado com isso, com aquilo ou aquilo outro (Psiq).
A partir desse trecho, podemos conceber que a assistência
psiquiátrica, prestada diretamente ao usuário, se resume a avaliação
especializada, orientação, encaminhamento e prescrição medicamentosa,
sendo que o profissional especialista não assume a condução do caso ao
longo do período de hospitalização – “o paciente não é e não vai ser meu”
(Psiq). Essa postura implica em uma relação estrangeira com a equipe que
55
acompanha o paciente, já que o próprio profissional afirma que “a relação é
da equipe com o paciente, eu não faço parte da equipe, eu entro no meio
dela e saio dela” (Psiq).
(B) O QUE PODE A INTERCONSULTA? CONSIDERAÇÕES SOBRE
LIMITES, DESAFIOS E POSSIBILIDADES
A psicóloga 2 compreende que o trabalho de interconsulta pode
permitir uma transformação das práticas vigentes no Hospital Geral, sendo
estratégico para a “mudança desse modelo que acontece hoje para um que
seja melhor para a equipe e para o usuário” (Psi2).
Considera que um dos limites do trabalho em sua unidade de origem
seria a concepção de trabalho em equipe impregnada nas práticas
cotidianas, tendo conseqüências clínicas significativas, já que o
próprio olhar que se dá para o paciente, (...) as questões psicológicas elas não são (...) trazidas em evidência, a não ser em casos extremos quando o paciente está se recusando a tomar remédio ou quando está ameaçando ir embora sem ter alta consentida, então assim, são situações chaves que daí o psicólogo é chamado, mas, por exemplo, na visita conjunta3, a discussão fica muito focada na questão clínica, o que o paciente tem, a medicação, então aí acho que já envolve esse limite da concepção, talvez do que seja esse trabalho interdisciplinar aqui (Psi2).
A partir dessa consideração, entende que o desafio do trabalho
interprofissional seria uma quebra de paradigma, criando condições de
possibilidade para a implementação de uma clinica ampliada e
compartilhada, de modo a romper com a cisão disciplinar e, por conseguinte,
com a fragmentação do cuidado.
Idealmente, a profissional concebe que a prática de interconsulta
poderia desenvolver outras formas de engajamento das pessoas com a
clínica, usando “da interconsulta como um disparador até para a equipe estar
refletindo para outras questões”, não focando somente naquilo que despertou
o interesse de solicitar uma avaliação psicológica, mas de pensar nas
(...) relações entre a questão somática que o paciente traz e as emocionais que levaram ele ao longo do
3 Esse arranjo organizacional terá seu funcionamento descrito posteriormente.
56
tempo, e de repente adquirir certas doenças, ou não estar se cuidando tão bem quanto poderia em relação ao uso da medicação (Psi2).
A psicóloga compreende que essa transformação das relações
interprofissionais produziria efeitos importantes nas ofertas terapêuticas
propostas, já que a eficácia das ações seria maior e com isso diminuiriam as
frustrações pessoais dos profissionais com o seu próprio trabalho, pois
passariam a ver os resultado das suas intervenções, em que os pacientes
conseguiriam “assumir um [auto]cuidado com a qualidade que precisa” (Psi2),
não necessitando regressar ao serviço de alta complexidade tantas vezes.
Como meio de evitar as frustrações pessoais relacionadas ao trabalho,
Campos e col. (2013) afirmam que
(...) a realização profissional e existencial dos profissionais de saude depende do reconhecimento – por parte da sociedade e deles próprios – dos resultados de seu trabalho, isto é, da apropriação de sua obra, como algo digno da admiração e do respeito publico. E a religação dos profissionais e das equipes a sua obra se faz possível por meio da articulação (aproximação) entre os objetos de investimento dos profissionais, seu objeto de trabalho e a produção de valores de uso (pp. 367-368).
Contudo, a profissional da psicologia considera que para que essas
mudanças possam ser implementadas no contexto hospitalar, será
necessária a abertura dos trabalhadores para a reflexão de suas práticas,
produzindo assim um deslocamento do olhar (ou da escuta), se propondo “a
olhar para aquilo que ele está acostumado a olhar de um jeito, olhar de uma
nova forma” (Psi2). Entende que seria preciso quebrar essas barreiras
pessoais, de modo a ampliar as possibilidades de interpretação das situações
para criar soluções novas, deixando de pautá-las, exclusivamente, em ações
do tipo queixa conduta.
No discurso do psiquiatra também está presente a idéia de que uma
disponibilidade prévia à mudança ser necessária para uma transformação
das práticas. No que se refere as possibilidades do trabalho de interconsulta,
o psiquiatra entende que essa prática, ao criar uma superfície de contato
entre saberes distintos, pode vir a produzir desdobramentos pedagógicos, a
partir das próprias dificuldades que a equipe apresenta em relação à
57
determinados assuntos que não fazem parte de seu repertorio clínico. Mas
isso só poderá acontecer, como já exposto anteriormente, se a equipe tiver
abertura para repensar as próprias práticas.
Contudo, esse desdobramento é compreendido como “outra coisa
diferente da interconsulta” (Psiq). Podemos diferenciar essa compreensão do
que se entende por Apoio Matricial (Campos, 1999; Campos e Domitti, 2007;
Campos et al. 2013) e por Interconsulta em saúde mental (Ferrari et. al.,
1980; Botega, 2012), pois o suporte dado à equipe de referência, além de ser
técnico, é também pedagógico.
O entrevistado cita um exemplo de uma ação pedagógica que
encabeçou no PS adulto.
(...) já fui solicitado a tentar fazer um pequeno curso, digamos assim, com as equipes, por exemplo, para tentar orientá-los da melhor forma a lidar com o paciente que chega no hospital por tentativa de suicídio, por exemplo, claramente, muitas vezes existe uma série de atitudes que são inadequadas para lidar com esses pacientes, independente da categoria do profissional, e às vezes ao falar um pouco sobre isso surge a possibilidade de um desdobramento, mas que se insere dentro de toda a dificuldade do dia a dia do trabalho, equipes que trabalham em ritmo de plantão, que trocam ao longo do dia, ao longo da semana, mas é um desdobramento interessante, talvez um dia isso possa ser estruturado de uma forma como um trabalho como um todo. Mas isso não é interconsulta (Psiq).
O profissional conclui sua ilustração reforçando a incompatibilidade
dessa ação pedagógica com o que compreende por interconsulta, embora
explicite que esse “curso” foi uma conseqüência de sua prática como
interconsultor. Além disso, explicita que há um efeito pedagógico para a sua
prática, em que é possível modificar suas concepções e ações a partir
daquilo que aprende no encontro com os pacientes e seus familiares.
A psicóloga 1, por outro lado, enfatiza a importância do encontro do
paciente com a saúde mental como um ganho em si para o usuário do
serviço, em um contexto em que não se está habituado com ações da
psicologia e psiquiatria. A partir disso, a profissional destaca a importância de
se terem mais profissionais da saúde mental atuando no Hospital Geral, já
que entende que o atual quadro de trabalhadores dessa área como
deficitário.
58
Explicita o encaminhamento para a rede de serviços de saúde do
município como um limite e também como um desafio do trabalho em
interconsulta. Encontra dificuldades para garantir um encaminhamento ágil
aos usuários, já que “você não ter muitas vezes a emergência [ou urgência?]
na hora para dar continuidade do nosso trabalho”. Podemos pensar que essa
necessidade de assegurar urgentemente a continuidade do cuidado, além de
ser uma forma de responsabilização pelo caso, reflete uma postura
imediatista, em que uma resposta precisa ser dada, à questão emergente,
naquele exato momento. Se por um lado isso evidencia uma dinâmica
institucional que privilegia ações aceleradas para atender o fluxo ininterrupto
de porta de entrada do serviço (Pronto-Socorro), por outro lado revela o
sofrimento da profissional ao se deparar com uma situação em que não há
uma mesma receptividade da rede em acolher o paciente atendido por ela,
assim como não sente-se acolhida em sua própria angústia. Portanto, a
urgência também é da profissional, que busca uma resposta às pressas para
uma demanda formulada à saúde mental, mas que não vai ser trabalhada no
contexto hospitalar, se o paciente não for ficar internado. Podemos dizer que
há uma identificação como o sofrimento do outro, já que para ambos os
casos, tanto do paciente quanto da profissional, suas demandas não podem
ser escutadas. Alivia-se, então, essa dor através da justificativa de “os outros
de lá” estão sobrecarregados, já que faltam profissionais e estrutura para
acolher urgências e emergências. Nota-se que há uma preocupação da
psicóloga com a não aderência do paciente, ao serviço que foi encaminhado,
por conta das dificuldades no acesso, o que geraria desistência. As
perguntas que ficam são: os encaminhamentos estão sendo feitos de forma
implicada? Há uma corresponsabilização pelo caso?
Outro desafio que se coloca em questão é quando da não aceitação
do paciente de se submeter às intervenções da psicologia ou psiquiatria,
observada na seguinte fala:
E o desafio também acaba sendo você percebe que aquele paciente tem a necessidade tanto de um acompanhamento psicológico, como psiquiátrico e ele não aceita, então para a gente se torna um desafio para que ele se cuide (Psi1).
59
Para além da concepção e do exercício de tornar o paciente um ser
dócil, submisso à tudo aquilo que lhe é proposto, tendo como justificativa a
intenção de fazê-lo se cuidar - o que seria uma disciplinarização do corpo do
paciente, como trabalhado por Foucault (2005) em sua analítica do poder
disciplinar –, essa fala revela também um outro tipo de sofrimento, ligado à
experiência de impotência diante de uma situação concreta em que se teria
algo para intervir.
(C) DIAGNÓSTICOS PREDOMINANTES
As tentativas de suicídio, ou risco de suicídio, se configuram como as
encomendas predominantes à saúde mental, de acordo com dois dos
entrevistados (Psi2 e Psiq).
A psicóloga que atua na unidade de clínica médica considera que o
fator tempo é um limite do trabalho como interconsultora no PS adulto, e que
por conta dessa dinâmica da unidade, acaba que precisando correr “contra o
relógio” (Psi2) para atender as solicitações de atendimento.
Acho que os limites envolvem a dinâmica do setor que solicitou a interconsulta, por exemplo, se é lá no pronto socorro eu sinto que as coisas são muito rápidas porque a demanda toda hora chegando, então esse fator tempo acaba sendo limite (...) (Psi2).
Nos casos que envolvem risco ou tentativa de suicídio, existe a
percepção da entrevistada de que há uma “intolerância” da equipe solicitante,
demandando da interconsulta o encaminhamento dos pacientes para “leito no
CAPS ou para um pronto socorro que tenha essa retaguarda psiquiátrica”
(Psi2). A justificativa para tal encomenda seria a necessidade de liberação de
leitos para atender outras questões clínicas urgentes. A profissional
rememora uma fala que ouviu de uma profissional da unidade de urgência e
emergência para ilustrar sua argumentação:
‘olha, se não conseguir resolver isso, ela vai, a paciente vai ficar lá na sala de espera porque vai ter que entrar um infartado’ (Psi2).
60
O sofrimento psíquico acaba não sendo prioridade dentro do pronto-
socorro, não por uma questão de desprezo, segundo a psicóloga, mas devido
a preeminência das questões de ordem física.
Embora não considere que as emergências de ordem psíquica sejam
desprezadas, o discurso da entrevistada evidencia uma predileção no
atendimento às enfermidades de causa orgânica em detrimento das
psicogênicas. De acordo com Botega e Nogueira-Martins (2012), toda
interconsulta destinada à saúde mental deve ser considerada como
emergencial, seja por conta do quadro clínico apresentado pelo paciente,
seja pelo fato do pedido de ter sido feito após um tempo de postergação, em
que a decisão de fazer uma solicitação à saúde mental pode vir em um
momento em que
(...) o médico já atingiu o seu limite de suportar a angústia desencadeada por uma situação clínica, e, quando solicita a interconsulta, quer a presença urgente do psiquiatra, pois urgente é sua aflição (p. 161).
O psiquiatra entrevistado afirma que as demandas destinadas à
interconsulta psiquiátrica, no pronto-socorro, “basicamente são as tentativas
de suicídio”.
Nessas situações de um modo geral o colega vai tentar saber qual é a orientação que ele vai fazer após a alta, e daí dependendo da situação, desde um encaminhamento, a minha sugestão pode ser desde um encaminhamento para o centro de saúde que tem a equipe de saúde mental, seja para o CAPS, ou mesmo, em raríssimas exceções para uma internação hospitalar direta, raríssimas exceções (Psiq).
O profissional do pronto-socorro ressalta que a avaliação do caso vai
configurar o destino do encaminhamento dado ao paciente. Explicita que as
transferências para unidade de psiquiatria em hospital geral são raras, pois
embora “a prevalência maior seja a tentativa de suicídio raramente vai ter
algum paciente claramente psicótico” (Psiq).
Aponta sua preferência em fazer o contato diretamente com o serviço
ou equipe de saúde mental que irá acolher o paciente encaminhado do
hospital, revelando que “em algumas situações mais sérias” (Psiq), busca
entrar em contato com a família para saber sobre o desfecho do
61
encaminhamento, apesar de não produzir nenhum tipo de registro dessa
ação em prontuário.
Outras situações que é convocado a atender em interconsulta são os
casos de “pacientes alcoolistas ou dependentes químicos”, em que “a dúvida
de modo geral é só em relação a como fazer o encaminhamento” (Psiq).
Já a psicóloga 1 revela que os tipos de sofrimento, atrelados às
solicitações de interconsulta mais predominantes, se referem à internações
mais prolongadas, frustrações relacionadas à não ocorrência de uma cirurgia
que estava programada, pois “eles não pensam no emocional do paciente
quando uma cirurgia é suspensa” (Psi1), ou até mesmo como informar sobre
o diagnóstico, sendo que “quem vai me socorrer nessa hora é a psicologia”
(Psi1).
Mas nem sempre os pedidos de interconsulta são feitos à psicologia
para “tampar um buraco que (...) o próprio profissional cavou para o
paciente”. Segundo a entrevistada, muitas vezes a equipe consegue perceber
sintomas relacionados à depressões ou ansiedades, o que culmina em
pedidos de interconsulta mais qualificados, o que “para a gente é gratificante
quando vem desta forma” (Psi1).
Voltando a entrevista da psicóloga 2, a profissional explicita também
que já foi solicitada à atender pacientes a partir do pedido da própria família,
assim como mostram os dados da Tabela 4.
(...) já aconteceu pedido de familiar, familiar assim que percebe que o paciente está meio deprimido, ou mesmo em casos daqui da MI [moléstias infectocontagiosas] que tem casos de uso de drogas, e assim pede orientação para encaminhar ou para conversar com o paciente para ver se o paciente muda o comportamento (Psi2).
A psicóloga se surpreende com o fato de não receber pedidos de
interconsulta em “casos de violência domestica” (Psi2). Outras situações que
é chamada para intervir são de pacientes com internações longas, na UTI
principalmente, que passam a apresentar sintomas depressivos, pois “às
vezes a família não podia estar muito presente e eu acabo sendo chamada
para dar esse apoio” (Psi2).
62
6.3.2. PROFISSIONAIS DA CLÍNICA MÉDICA – Médico (Med), Assistente
Social (AS) e Enfermeira (Enf)
(A) CONCEPÇÕES SOBRE INTERCONSULTA
Há uma concepção idealizada do que seria uma interconsulta da
saude mental para o médico entrevistado, em que “ela deveria ser feita de
uma forma sistemática até a alta deste paciente” (Med). O profissional faz
uma crítica ao caráter pontual das intervenções em saúde mental no hospital,
afirmando que devido a “complexidade dos nossos pacientes” (Med), essas
intervenções deveriam ser “mais institucionalizadas” (Med), contando, para
que essa prática seja exequível, com “um grupo maior de saude mental”
(Med). A partir dessa concepção do médico, há o entendimento de que a
interconsulta desencadeia um processo de cuidado que necessitaria de uma
continuidade, que poderia até se estender para além da internação.
A assistente social entrevistada compreende que a interconsulta da
saúde mental deveria abranger todos os pacientes assistidos no hospital
geral, preferencialmente através de entrevista no inicio da internação, se
tornando dessa forma uma prática institucionalizada e protocolar, “assim
como a gente [do serviço social] faz uma ficha de internação” (AS). A
profissional reforça essa idéia enaltecendo a especificidade do olhar dos
profissionais da saúde mental diante dos outros olhares possíveis para os
usuários do serviço hospitalar, pois “até de repente facilita na cura do
paciente” (AS). Para corroborar com sua análise, a assistente social
rememora uma experiência de trabalho conjunto:
(...) e como eu já trabalhei em grupo com psicóloga, a gente sempre trabalhou em parceria, então eu valorizo muito isso, acho que o olhar do outro profissional, nossa, eu acho fantástico (AS).
Segundo a profissional (AS), os pedidos de interconsulta formulados
por ela não são feitos por escrito, mas acontecem a partir de discussões de
caso, pois tem apreço pelo compartilhamento de saberes, já que dessa forma
pode dividir as percepções que construiu a partir do caso, incluindo suas
dúvidas, bem como explicitar questões sociais pertinentes, que compõem sua
avaliação.
63
Contudo, a entrevistada afirma que o compartilhamento de casos com
a saúde mental depende de como a relações interprofissionais se constituem,
pois
(...) dependendo de quem é o profissional de saúde mental, se ele é um profissional que tem interesse, que se envolve, que também está interessado no paciente, que é o principal objetivo nosso, eu fico, nossa, eu me empolgo em estar passando essas informações, e trocando e querendo, e você conversou e como foi? (AS)
Vale destacar que sendo o principal objetivo, das ações em saúde, o
paciente, as relações profissionais necessitam estar formatadas de modo a
contemplar a complexidade do processo saude-doença, incorporada em
sujeitos concretos, revelando assim a necessária interdependência
profissional para a elaboração de intervenções eficazes. Colocar o usuário
como foco de nossas preocupações pode ser a chave para que possamos
produzir ampliações na clínica, determinando responsabilidades
coletivamente pactuadas. A respeito da centralidade das ações em saúde no
usuário e da responsabilidade profissional, Ceccim (2008) afirma:
Se todo profissional de saude requer habilitação técnica para a clínica e para a operação de recursos e instrumentos terapêuticos, então ele deve poder ser responsabilizado por assistir em conjunto com a sua equipe de organização da atenção à saude. Reconhecer, validar e legitimar o assistir em conjunto desloca, definitivamente, o eixo corporativo-centrado das práticas profissionais de saude, para o eixo usuário-centrado. Em um eixo corporativo-centrado, a responsabilidade pelos atos de saude pertence a cada profissional individualmente identificado com cada ação prestada ao usuário. Em um eixo usuário-centrado, a responsabilização gerada é para com o projeto terapêutico, tornando cada ato mais implicado com o direito a saude de cada usuário, segundo uma jurisprudência usuário-centrada (p. 272).
A trabalhadora do serviço social compreende que vai depender de um
certo perfil profissional, a saber, ter “esse interesse em saber, ir lá, entender
e querer discutir o caso” (AS), para um compartilhamento eficaz e usuário-
centrado seja possível.
Em contrapartida à compreensão idealizada acerca da interconsulta da
saúde mental, a profissional do serviço social classifica o arranjo atualmente
64
instituído como uma forma de “apagar fogo” (AS), descrevendo o modo como
ocorrem as construções dos pedidos de interconsulta da seguinte forma:
(...) quando o profissional percebe que tem alguma questão ali que ele não está dando conta, que é importante para o tratamento do paciente, ele chama o profissional da saúde mental, mas eu penso que muitas coisas acabam passando desapercebidas pelos profissionais que estão ali e que aí quando não percebem, vamos chamar a saúde mental? Então eu penso que existe alguma falha neste processo (AS).
Dois aspectos dessa descrição merecem ser ressaltados.
Primeiramente, a entrevistada compreende que os chamados aos
profissionais da saúde mental ocorrem mediante a percepção de que existe
“alguma questão” que o profissional responsável pelo caso “não está dando
conta” (AS). Ferrari, Luchina e Luchina (1980) compreendem que os pedidos
de interconsulta são conseqüência da existência de um conflito na relação
médico-paciente, em que fatores psicológicos, familiares, institucionais e
culturais interferem nessa dinâmica. Esses autores compreendem que esse
conflito revela uma crise dessa relação, que se expressa através do canal
transferencial estabelecido entre aquele que pretende curar (o médico) e o
que espera ser curado pelo outro (o paciente). Em segundo lugar, a
assistente social se pergunta sobre como convocar os profissionais da saúde
mental se muitas vezes algumas demandas passam “desapercebidas pelos
profissionais” (AS). A não apreensão de questões relacionadas a
subjetividade dos usuários assistidos pode estar relacionada ao modelo de
clínica hegemônico que opera no contexto hospitalar, isto é, o modelo
biomédico. Para biomedicina as doenças são consideradas como fatos
concretos, ou seja, são passíveis de observação empírica, podendo ser
verificados através de um arsenal técnico e científico, enriquecidos através
do desenvolvimento extraordinário das ciências biológicas e do formidável
progresso tecnológico (Ferrari, Luchina & Luchina, 1980). Analisar aspectos
advindos do psíquico, das relações familiares e o contexto social do paciente
não são consideradas atividades médicas por não ter, à rigor, fundamentação
científica (Ferrari, Luchina & Luchina, 1980). Portanto, essas questões
fugiriam ao olhar treinado dos médicos. Contudo, podemos analisar essa fala
65
da entrevistada considerando justamente o número reduzido de profissionais
da saúde mental que atuam no hospital. Uma oferta reduzida de
interconsultas desse núcleo, por conta da escassez de profissionais, sendo
apontada como problemática por todos participantes entrevistados,
compromete a produção de demandas para a saúde mental. De acordo com
Baremblitt (2002) “a demanda não é espontânea, a demanda não é o
primeiro passo de um processo: ela é produzida, de tal modo que existe um
passo anterior à demanda que é a oferta. A demanda não existe por si” (p.
61). Portanto, uma oferta restrita de interconsultas interferirá na produção de
demanda para esse tipo de intervenção especializada. Ferrari e col. (1980)
fazem uma descrição da curva de encaminhamentos para a saúde mental e
os determinantes em jogo na oscilação do número de pedidos de
interconsulta.
A percentagem de chamadas parece depender, entre outras coisas, da imagem que a equipe de Interconsulta projeta no hospital, ou seja, a sua capacidade de se adaptar à tarefa médica com a urgência exigida pelas circunstâncias, em outras palavras, a sua utilidade e sua eficiência clínica, da estabilidade dos membros integrantes da equipe de interconsultores, etc. A porcentagem de interconsultas varia naturalmente ao longo do tempo que a equipe de Interconsulta está em funcionamento; inicialmente há um aumento gradual das encomendas, então alguma estabilidade é alcançada e, em seguida, começar um declínio a medida que os próprios médicos podem cuidar de situações que antes, por nenhum conhecimento, eram exclusivamente destinadas à Interconsulta (p. 54).
Para a enfermeira entrevistada, as solicitações de interconsulta para a
psiquiatria são feitas de “médico para médico”, utilizando do “papel da
interconsulta” para realizar os pedidos. Pontua que no caso da psicologia, há
um contato direto da psicóloga com os enfermeiros, seja para obter
informações da enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de
enfermagem) sobre os pacientes, seja para receber as demandas destinadas
à ela. É importante destacar que existe um contato cotidiano da psicóloga
com a equipe de enfermagem, pois essa profissional está alocada na
enfermaria de clínica médica, sendo responsável por “acompanhar todos os
casos de todos os pacientes” (Enf).
66
Para exemplificar essa distinção entre as solicitações de interconsulta
dirigidas à psiquiatria daquelas encaminhadas à psicologia, a profissional de
enfermagem explicita:
Então, da psiquiatria tem um papel, um formulário próprio que entrega na mão da pessoa mesmo, né, agora da psicologia a gente faz mais verbalmente mesmo, eu vou na sala dela quando preciso conversar, pedir algo especial para algum paciente, algo desse tipo, eu não faço papel de pedido de interconsulta, pelo menos a enfermagem não faz (Enf).
O médico entrevistado não diferencia o modo como são realizadas as
solicitações para a saúde mental das de outras especialidades médicas, já
que “existe um formulário próprio para todas as interconsultas” (Med).
Também não faz distinção entre os pedidos encaminhados aos residentes de
psiquiatria, que tem como campos de estágio a enfermaria de clínica médica,
daqueles direcionados à psicóloga que atua na unidade, sendo que ambos os
núcleos profissionais estariam submetidos ao mesmo tipo de protocolo de
interconsulta.
No que se refere à construção e o compartilhamento dos casos
clínicos, o profissional da medicina somente considera, em seu discurso, a
possibilidade de discussão de caso com os médicos residentes em
psiquiatria.
Quando são esses residentes da psiquiatria, eles têm feito de uma forma muito mais intensa, eles discutem com nosso residente também, com o preceptor que está junto no caso assim, então aí há um dinamismo muito maior na discussão (Med).
No entanto, pondera que o modo como a discussão de caso se
operacionaliza pode variar de profissional para profissional. Sugere, portanto,
que
(...) houvesse essa discussão também numa reunião mais ampliada que nós fazemos todas as quintas-feiras [visita conjunta multiprofissional] quando temos cinco, seis preceptores com todos os residentes, nós discutimos amplamente todos os casos (Med).
A visita conjunta multiprofissional é um arranjo institucional que
viabiliza a discussão de todos os pacientes atendidos na unidade de clínica
67
médica através de uma apresentação, feita pelo médico residente
responsável pelo cuidado, da evolução do caso clínico, considerando-se a
queixa inicial, o histórico de doenças, as hipóteses diagnósticas levantadas,
as condutas diagnósticas e terapêuticas propostas, além dos
encaminhamentos necessários para a continuidade do tratamento. Além dos
residentes de clínica médica e seus preceptores, participam outros
profissionais que atuam na unidade assistencial, dentre eles a psicóloga.
Contudo, esse espaço de discussão apresenta um caráter médico-centrado,
como aponta a enfermeira entrevistada:
(...) a gente faz a visita conjunta de quinta-feira, mas é uma coisa muito parte médica, fica centrada na parte médica e depois fala um pouquinho a enfermagem, mas não tem aquela coisa conjunta de todo paciente, qualquer que seja o paciente, de estar trabalhando junto com a psicologia, sabe, não tem essa coisa integrada assim, é bem fragmentada mesmo (Enf).
Os profissionais não médicos contribuem com seu olhar específico
para a discussão dos casos clínicos, mas fica evidente no discurso da
entrevistada o caráter multidisciplinar do arranjo, além da hegemonia do
saber médico sobre a clínica. A respeito da biomedicina, Campos e col.
(2013) defendem que para a manutenção do trabalho em saúde como práxis,
a clínica depende da arte de equilibrar doença e sujeito (Campos & Bedrikow,
2011).
O trabalho em saude como praxis requer que se mantenha, permanentemente, a tensão entre o saber sobre a doença e o saber sobre a relação com o sujeito doente, o que só é possível quando, na clínica, o profissional de saude reconhece a incompletude do modelo biomédico ao exercer sua função terapêutica no caso singular (Campos et. al., 2013, p. 340).
(B) DEMANDAS DIRIGIDAS À SAÚDE MENTAL
A assistente social explicita que a saúde mental é convoca à intervir
em casos muito graves, em casos de rupturas, por exemplo, o paciente vai ter uma amputação de membro, casos de não aceitação da doença, o paciente acabou de ter um diagnóstico de um câncer ou de alguma doença grave ou alguma coisa assim (...), caso de amputação, em caso de diagnóstico de doenças graves, doenças que precisam de um tratamento mais prolongado, a não aceitação da doença, a não aceitação
68
da internação, enfim, não só para o paciente como para a família, um paciente que sofreu um politrauma e ele precisa ficar numa cama, quer dizer, desestrutura a família toda (...), casos de depressão, casos de tentativa de suicídio, paciente soropositivo (AS).
A profissional do serviço social faz uma distinção entre a função de
acolher o paciente nessas situações graves e a capacidade de intervenção
nas mesmas, em que intervir seria uma atribuição especificamente da
psicologia, considerando-a como uma ajuda para “superar ou aceitar essa
idéia” (AS), isto é, estar doente.
A entrevistada, continuando sua linha de raciocínio, cita também como
exemplo casos em que um paciente idoso passa a ficar na condição de
acamado. Essa perda de autonomia, segundo ela, cria uma dependência
maior do paciente para com a família nuclear ou extensa, em que pode
ocorrer uma inversão de papéis, sendo que aquele que antes era cuidador,
passa a ser cuidado por outro(s), que “então deixa de ser o filho e vai
começar a ser o pai ou a mãe desse paciente” (AS). Compreende que nesses
casos a saúde mental pode auxiliar no apoio àqueles que apóiam o paciente,
pois a família pode não estar preparada para o cuidado ou acaba se
esquivando da responsabilidade de cuidar (AS).
Já o médico entrevistado explicita que as situações ou casos que
desencadeiam pedidos de interconsulta estão relacionadas à pacientes que
apresentam “surto de comportamento”, “depressão”, “agitação psicomotora
que foge da gente” ou “algum surto que ocorre muitas vezes aqui de o
paciente internar” (Med).
Posteriormente, o entrevistado faz uma descrição mais detalhada dos
diagnósticos que suscitam solicitações de interconsulta à saúde mental,
relacionando-os com a idade ou fase da vida. Com relação aos usuários
idosos, o médico afirma:
(...) nós temos bastante pacientes idosos aqui no hospital e nós sabemos que com a internação desencadeia muita depressão né, ou alteração de comportamento (...) o paciente começa a ficar com uma confusão mental ou delirium né, e muitas vezes a gente pede avaliação, orientação da saúde mental em como lidar com isso (Med).
69
Já no que se refere ao que acomete os usuários mais jovens:
Pacientes mais jovens também, nós temos pacientes muito etilistas, paciente que precisa de uma avaliação, ou que estão com surto psicótico, ou porque estão precisando de um acompanhamento depois pelo etilismo, então também é uma situação que muitas vezes a gente pede a avaliação da saúde mental (Med).
Outras situações que o profissional menciona, também
desencadeadoras de pedidos de interconsulta, estão relacionadas aos
diagnósticos fechados pela equipe de saúde da unidade e suas
conseqüências para os usuários. Cita como exemplos:
(...) o paciente descobre que ele é soropositivo ou um paciente que descobre uma doença oncológica, ou paciente, um cardiopata. Então nós temos assim situações de pacientes que tem que fazer uma cirurgia cardíaca e descobre que vai ter que operar então isso traz uma série de mudanças comportamentais que a gente solicita a saúde mental para nos ajudar (Med).
A ajuda solicitada pela medicina à saúde mental se limita, de acordo
com o discurso do médico, à execução de avaliações e a formulação de
orientações para o profissional solicitante, sendo que essas orientações
estariam relacionadas, exclusivamente, ao uso de psicotrópicos, restringindo
assim o escopo de ações clínicas propostas pela saúde mental à prescrição
de medicamentos. Não podemos negar a importância do uso de psicotrópicos
para o tratamento em saúde mental, mas devemos ponderar, assim como
Pitta (1999), que as ansiedades e depressões dos pacientes são
naturalmente projetadas no hospital por mediação dos próprios
trabalhadores, havendo um risco dos profissionais serem invadidos por esses
sentimentos intensos e incontroláveis, constitutivos da própria natureza do
trabalho hospitalar. Uma das formas de responder a essas manifestações
sintomáticas dos usuários, sequelas da própria hospitalização, seria a
medicalização de questões clínico-institucionais e que se expressam na
relação trabalhador-usuário. Podemos afirmar, a partir de Campos e col.
(2013), que as consequências da medicalização seriam:
o declínio da capacidade das pessoas de lidarem de forma autônoma com seus adoecimentos e dores cotidianas; a desagregação das relações que entrelaçam o homem a sua
70
doença e sofrimento; e uma crescente e infindável demanda por atenção médica para todos os tipos de problemas, gerando dependência excessiva, alienação e outras iatrogenias. (p. 85-86)
É interessante observar que o médico entrevistado diz não se recordar
de que qualquer situação em que a saúde mental foi acionada para realizar
algum tipo de orientação familiar, reforçando a idéia de que esse tipo de ação
foge das atribuições anteriormente conferidas à saúde mental – avaliar o
paciente em crise e prescrever remédios (Med).
Ao ser perguntada sobre a existência de intervenções da saúde mental
com os familiares, a profissional da enfermagem afirma que há “problemas na
comunicação” (Enf) na relação da equipe de enfermagem com os usuários e
suas famílias. Justifica sua afirmação exemplificando que são feitas tentativas
de se explicar determinados tipos de procedimento, mas que não são
assimiladas pelos familiares do paciente, necessitando da “ajuda da
psicóloga para comunicação, para ser mais claro” (Enf). Além disso, a equipe
de enfermagem conta com o acompanhamento da psicóloga da unidade para
“falar de algum diagnóstico difícil” (Enf).
É interessante observar no discurso do médico que a descoberta da
doença, ou da necessidade de ter que se fazer um procedimento invasivo,
não contempla a ação do médico de comunicar o paciente sobre os fatos.
Enquanto que na fala da enfermeira, esta expõe as dificuldades
apresentadas quando da necessidade de transmissão de alguma informação
relevante sobre o caso, seja devido à algum procedimento a ser realizado,
seja para noticiar um diagnóstico. Portanto, qual a responsabilidade dos
profissionais que atuam no caso frente a necessidade de comunicação
dessas notícias difíceis e como as comunicam? Como lidar com os efeitos,
dessas informações, desencadeados no e pelo paciente?
Pitta (1999), a partir da análise do trabalho de Menzies (1970),
classifica cinco tipos de mecanismos de defesa estruturados socialmente que
os membros de uma organização – no caso, o hospital geral – desenvolvem
e que tendem a se tornar aspectos da realidade externa, em que a mesma
necessita ser pactuada pelos novos e antigos membros da organização.
Dentre esses mecanismos de defesa está a fuga da angústia de ter uma
71
responsabilidade específica e de tomar uma decisão final. Esse mecanismo
logra defender o sujeito contra o peso da responsabilidade, buscando reduzi-
lo. A autora complementa sua argumentação, ressaltando que a fuga da
angústia se beneficia do modo parcelar e fragmentado que se estruturam os
processos de trabalho. Portanto, convocar os profissionais da saúde mental à
intervir pode servir como um meio do profissional responsável pelo caso se
proteger da angústia que o interpela.
Ferrari, Luchina e Luchina (1980) defendem a ideia de que o
interconsultor deve intervir, em casos como os citados pelos profissionais
entrevistados, na relação dinâmica estabelecida entre médico e paciente4
com o intuito de fortalecer o vínculo estabelecido entre eles, aumentando
assim a capacidade resolutiva do médico e assegurando a confiança
depositada pelo paciente naquele que o assiste.
Retomando a entrevista concedida pela enfermeira, a mesma explicita
que além das situações que envolvem dificuldades na comunicação entre a
equipe de saúde e o usuário, a saúde mental é convocada à intervir quando o
paciente está em “período de confusão”, quando “não está aceitando o
tratamento” ou “não aceita intervenção da enfermagem”, seja porque “não
quer tomar o remédio ou por não estar aceitando a situação dele”, ou seja,
em momentos em “que realmente está assim muito difícil de ir conversar, de
lidar”. Além dessas situações, a interconsulta é solicitada em casos em que o
paciente está “depressivo” ou se “já faz algum tratamento psiquiátrico” (Enf).
A interconsulta da saúde mental é solicitada quando os corpos dos
pacientes parecem resistir à dominação exercida pelo poder disciplinar que
opera no âmbito hospitalar. As práticas de enfermagem, assim como de
outros núcleos de saber, buscam pela disciplina tornar “dócil” o corpo do
paciente, o que culminaria, nas palavras de Foucault (2005), no aumento das
forças produtivas do corpo, pensando-se em sua utilidade econômica, ao
mesmo tempo em que diminui as forças desse mesmo corpo, dominando-o
politicamente através da obediência.
4 A interconsulta médico-psicológica, conceito abordado por esses autores, intervém preferencialmente na relação médico-paciente. Embora possamos extrapolar essa concepção e pensar nessa intervenção em outras relações transferenciais, com outros profissionais, que o paciente possa vir a estabelecer no contexto hospitalar.
72
Os exemplos citados pela entrevistada expressam a tentativa de
submeter o corpo do doente às práticas de cuidado disciplinares. A respeito
dessa dinâmica institucional, Pitta (1999) caracteriza qual o tipo de condição
imposta ao doente:
Por uma cultura própria, onde as relações de poder e disciplina atravessam as diversas atuações no seu interior sem serem vistas ou examinadas de forma clara, até porquanto não se manifestam de modo transparente, é tendência instituída infantilizar o doente, submetendo-o ao paternalismo, fato que se manifesta de incontáveis maneiras no dia-a-dia do hospital (p. 51).
(C) LIMITES, DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA INTERCONSULTA
O maior limite da interconsulta de saúde mental, apontado pela
assistente social entrevistada, seria a escassez de recursos humanos
destinados a esse núcleo profissional. Esse fato seria consequência da
hegemonia da biomedicina no campo de saberes e práticas da saúde
coletiva, acarretando em uma desvalorização dos conhecimentos e técnicas
advindos da saude mental, já que “nossa estrutura de saude ainda não está
montada com este olhar” (AS).
A profissional do serviço social esclarece seu ponto de vista,
explicitando que a “estrutura de saude publica, ela é muito médico-centrada”
(AS), vindo a fazer uma comparação com os serviços especializados em
saúde mental e o modo como suas equipes multiprofissionais estão
estruturadas.
Questiona como está equacionado o quadro de trabalhadores do
hospital, pois entende que há uma hipervalorização de uma só categoria
profissional – a médica. Ressalta que a equipe de saúde deveria ter um papel
central, e não os médicos, “como se a equipe de saude fosse médico em
primeiro lugar” (AS), já que todos os membros que a compõem tem sua
importância técnica específica.
De acordo com Campos e col. (2013) o paradigma biomédico
“restringe a capacidade dos profissionais de analisarem e intervirem na
complexidade dos problemas de saude” (p. 88), sendo preciso esticar as
bordas das práticas de saúde individuais e coletivas para além da
biomedicina.
73
Quanto aos desafios colocados à saúde mental, a assistente social
compreende que ações preventivas precisariam ser implementadas a médio
e longo prazo, já que caracteriza a população como sendo “coletivamente
doente”, isto é, nós seríamos “neurótico[s] por causa disso, por causa
daquilo, por causa da insegurança, por causa de tudo”, sendo necessária
(...) uma estrutura montada voltada para isso, espaços para que a gente também possa esvaziar um pouquinho essas neuroses da insegurança de tudo o que acontece, que acaba levando uma pessoa ao suicídio, a depressão, então eu acredito muito na prevenção (...) Eu penso que hoje em dia o curativo impera, mas o preventivo está muito perdido, então se a gente trabalhasse mais no preventivo, o curativo talvez fosse menor, ou o numero de suicídios fosse menor (AS).
Essa aposta em ações preventivas de saúde mental toma corpo, no
discurso da entrevistada, quando ela defende a universalização do acesso à
profissionais da psicologia através da atenção básica à saúde. Garantindo-se
acesso a psicólogos e psicólogas, a população iria “conhecer mais o que faz
a psicologia”, desmistificando assim algumas crenças presentes no
imaginário social acerca da associação restrita entre psicologia e doença
mental. Considera a profissão como elitizada, entendendo que uma maior
disponibilidade de profissionais nas unidades básicas de saúde promoveria
uma socialização dos conhecimentos e práticas desse núcleo (AS).
A assistente social compreende que o trabalho de interconsulta em
saúde mental possibilita, aos usuários que tem acesso à esses profissionais,
a construção de um encaminhamento para algum outro profissional ou
serviço.
Considera que o trabalho de interconsulta, além de uma prática
assistencialmente dirigida diretamente ao usuário, também tem uma
dimensão pedagógica que permeia as relações interprofissionais.
(...) eu gosto muito de trabalhar com o pessoal da saúde mental porque a visão, a forma, a avaliação que tem do profissional e nessa discussão de caso isso me acrescenta muita coisa
Mas não deixa de enfatizar, ao término da entrevista, a necessária
“quebra de paradigmas” – modelo biomédico da clínica e elitização da
psicologia –, para ampliação de oferta de saúde mental no hospital. Entende
74
que deveriam existir psicólogos atuantes em todas as unidades de produção
do hospital.
A enfermeira entrevistada explicita “que precisa melhorar muito a parte
de saúde mental do hospital”, pois compreende que os profissionais da
equipe de saude “não sabem lidar com o paciente psiquiátrico” (Enf). Embora
considere que o atendimento a essa população específica seja deficitário,
sinaliza que em casos de pacientes que não tem histórico de
acompanhamento em saúde mental, as dificuldades de manejo da equipe
continuam presentes. Se o usuário “de repente solta alguma coisa assim
meio estranha” (Enf), os profissionais apresentam dificuldades em acolher o
conteúdo manifesto que remete a uma subjetividade latente. Esse discurso
deixa claro que tudo o que foge da pretensa neutralidade na relação
trabalhador-usuário, pretendida por meio da objetividade técnica, assola os
profissionais da enfermagem.
Pondera que as demandas apresentadas por meio dos casos
atendidos pela equipe de enfermagem, na enfermaria de clínica médica, por
conta de sua complexidade, exigem dos profissionais paciência e preparação
adequada, o que se agrava, em sua percepção, com a falta de recursos
humanos que vem comprometendo o funcionamento do hospital como um
todo e que vem a produzir um esgotamento nos trabalhadores, diminuindo
assim sua capacidade de lidar com os pacientes (Enf). Entende que haveria a
necessidade de se realizar treinamentos tanto com a equipe de enfermagem
como com a equipe médica, pois compreende que os casos de saúde mental
ou de cuidados paliativos carecem de um olhar para a subjetividade do
paciente. Aponta que o pronto-socorro seria um lugar importante para
realização desses treinamentos, pois é a porta de entrada em “que chega o
paciente psiquiátrico” (Enf). Cita como exemplos casos em que usuários
chegam ao serviço intoxicados pelo uso de álcool ou outras drogas, sendo
assistidos de forma preconceituosa, sofrendo julgamentos morais através de
rotulações estereotipadas: “é bêbado” ou “é drogado” (Enf). A entrevistada
explicita que quando é resgatado o histórico de vida do paciente, passa-se a
saber a respeito de sua singularidade. Com isso, os preconceitos revelam
sua moralidade e se tornam inconsistentes ao serem confrontados com a
realidade vivida.
75
(...) às vezes quando chega alguém que a gente sabe do histórico, a gente conversa com a auxiliar ela fala ‘nossa, eu não sabia disso’ e realmente começa a tratar diferente aquele paciente, não tem mais aquele olhar ‘tipo, ai eu achei que ele, sabe, estava fazendo de propósito e era sem-vergonhice do paciente’ (Enf).
A partir da quebra dessas construções fantasiosas acerca do outro
que se entorpece, torna-se possível considerar uma intoxicação aguda por
conta do uso de substâncias psicoativas como um sintoma que manifesta o
sofrimento psíquico do paciente. “A gente precisa tratar disso, como tem um
problema físico ou biológico, tem o problema mental também” (Enf).
O médico entrevistado, por sua vez, entende que para superar os
limites de como a interconsulta em saude mental está instituída, “deveria ser
repensada a saúde mental dentro do hospital em geral”, pois considera a
necessidade de maior interação entre a psiquiatria e as demais
especialidades médicas, em que avanços são precisos
(...) não só na internação de pacientes psiquiátricos, como avaliação de uma forma mais sistemática em nível de pronto socorro, que é onde tem muitos pacientes de psiquiatria, e nós trabalhamos de uma forma muito pontual, muito mal elaborada (Med).
Para o profissional médico, o maior desafio a ser enfrentado é a
dissociação da saúde mental do SUS, “como fossem coisas separadas, a
saúde mental é uma coisa e todo o atendimento do SUS é outra”.
(...) porque a impressão que nos dá é que pelo SUS os gestores não se importam com a saúde mental, a impressão que dá muitas vezes é que os gestores acham a saúde mental um peso, não uma solução que, então a gente vê um baixíssimo entendimento, investimento nisso (Med).
Cita como exemplo, desse “baixíssimo entendimento” e “investimento”
na saúde mental, os problemas apresentados na gestão do convênio firmado
entre a Prefeitura Municipal de Campinas e o Serviço de Saúde Cândido
Ferreira5 (SSCF) no que se refere a contratação de profissionais e sua
inserção na rede.
5 Instituição filantrópica que firmou convênio de cogestão e de cooperação interinstitucional com a prefeitura em 2002. O SSCF é responsável pela administração de serviços públicos
76
Já no que concerne às possibilidades que a interconsulta permite, o
entrevistado compreende que esse trabalho propicia um exercício reflexivo
acerca de como “está a saude mental dentro do hospital, o que dá para
crescer”. Embora se consiga hoje “atingir até certo nível terapêutico”, a oferta
deveria ser amplamente aumentada, já que “a gama de pacientes que
precisa[m] de um tratamento de saúde mental dentro de um hospital como o
nosso é muito grande”, necessitando portanto de “uma atuação mais
conjunta” (Med).
Já a profissional da enfermagem concebe que a interconsulta da
saúde mental possibilita “ver um outro lado”, já que “as vezes a gente está
tão focado só na parte clínica (...) e não vê o paciente como um todo” (Enf).
Considera que as intervenções da psicologia, com as quais está mais
habituada em seu ambiente de trabalho,
(...) vem para somar essa parte, para ver realmente que aquilo lá é um ser humano, é uma pessoa que a gente tem que ver os problemas que ele tem em casa, os problemas na família, os problemas pessoais, a gente meio que esquece assim, a gente fica focando no que a gente está trabalhando no dia a dia e acaba esquecendo (Enf).
“Aquilo lá é um ser humano”. Essa fala reflete uma postura clínica que
através do exame físico transforma corpos em objetos de investigação e
intervenção, desconsiderando o sujeito que incorpora a doença.
de saúde mental pertencentes Rede de Atenção Psicossocial do município (RAPS) e pela contração de seus trabalhadores.
77
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados obtidos, conseguimos apreender como a
prática clínica da saúde mental se efetiva, no interior do hospital geral, por
intermédio da interconsulta. Essa metodologia clínico-institucional compõe a
rotina de trabalho dos profissionais da saúde mental, mas existem
concepções distintas acerca de sua execução, seu alcance e também suas
limitações, como pudemos verificar através da análise e discussão das
entrevistas realizadas com as duas psicólogas e o psiquiatra.
Essas diferentes concepções acerca da função assistencial e
organizacional da interconsulta refletem em atividades práticas que não são
coincidentes entre si, produzindo modos singulares de inserção nas equipes
de saúde. As composições possíveis com outros profissionais, portanto,
dependerá de como é ofertada a interconsulta de saúde mental. Os
resultados obtidos através do levantamento dos pedidos de interconsulta
revelam que a presença in loco pode gerar ou não demandas específicas de
encaminhamento para a saúde mental, vindo a depender da oferta de
intervenção proposta por cada profissional. A consultoria ofertada pelo
psiquiatra, a partir do enquadre fechado de sua atuação, origina solicitações
pontuais de apoio técnico sem que haja uma corresponsabilização pelos
casos. As entrevistas de avaliação feitas pela psicóloga pertencente a
enfermaria de pediatria demonstraram intervenções independentes do
restante dos procedimentos propostos pela equipe da unidade pediátrica,
acarretando em projetos terapêuticos não integrados e resultando, assim, em
poucos pedidos de interconsulta. Por fim, as discussões de caso
protagonizadas pela psicóloga da unidade de clínica médica engendram
78
processos de trabalho que rompem com a fragmentação do cuidado,
produzindo o compartilhamento de saberes e a divisão de responsabilidades,
mesmo a profissional tendo que se deparar com a hegemonia de práticas
clínicas medicocentradas.
Portanto, apreendemos uma diversidade de papéis clínico-
institucionais assumidos pelos profissionais da saúde mental, estando de
acordo com suas compreensões individuais acerca do arranjo organizacional
da interconsulta. O que confirma o que foi observado por vários estudiosos
da gestão em saúde sobre a existência de uma autonomia relativa dos
profissionais que fazem clínica em relação aos gestores, programas e
normas organizacionais.
Se nos determos aos objetivos específicos propostos para esse trabalho,
podemos afirmar que não foi possível traçar um padrão de encaminhamento
e das avaliações da saúde mental por meio da análise exploratória das
solicitações de interconsulta, por conta da não padronização dos registros de
atendimentos dos profissionais. Apesar de existir uma fonte de registro
semelhante para detalhar as informações pertinentes dos atendimentos
realizados pela psicologia, o conteúdo do material produzido pelas
profissionais, em suas anotações, não é correspondente. Esse fato reflete
não somente a singularidade de notação de cada profissional, mas revela às
especificidades dos processos de trabalho presentes em cada unidade de
produção onde as psicólogas estão alocadas, assim como expõe o modo
como são moldadas as relações interprofissionais.
Embora não tenha sido possível depreender desses dados o padrão
dos pedidos de interconsulta à saúde mental, foi possível identificar os
79
diferentes modos de conformação das relações interprofissionais, como dito
anteriormente, em consonância com as particularidades do trabalho de cada
profissional da saúde mental. Não havendo uma sistematização padronizada
dos pedidos de interconsulta à saúde mental, como pudemos observar no
registro das atividades realizadas pelos profissionais, podemos constatar a
existência de diferentes concepções acerca do trabalho empenhado por cada
interconsultor no modo como compreendem o serviço prestado. Embora seja
uma prática vigente no âmbito hospitalar, a interconsulta da saúde mental se
operacionaliza de acordo com a experiência prática de cada profissional, o
que consequentemente produz intervenções pautadas em esquemas
referenciais individualizados. No caso da psicóloga que atua na enfermaria
de pediatria, a não ocorrência de pedidos de interconsulta provenientes da
mesma unidade de origem sugere que sua atuação assistencial acontece de
forma independente da equipe de saúde, o que indica que nesse caso se
adota um modelo multidisciplinar de trabalho, pois as ações de saúde não
ocorrem de forma integrada e conjunta, fazendo com que a profissional
realize “entrevistas de avaliação” com todos os pacientes internados e seus
familiares, independentemente do caso e do acompanhamento já realizado
por outros profissionais. Com relação aos dados obtidos através do registro
de atendimentos da outra psicóloga, pudemos constatar a predominância de
encaminhamentos à saúde mental provenientes de sua própria unidade de
origem, o que sugere uma inserção desse núcleo profissional interligada ao
campo de saberes e práticas da clínica médica. Vale ressaltar que os pedidos
de interconsulta foram formulados à psicóloga por diferentes núcleos
profissional, sendo majoritárias as solicitações feitas pela enfermagem. Esse
80
dado revela a não centralidade na figura do médico como solicitante
privilegiado de interconsultas, além de expressar uma proposta de trabalho
interdisciplinar a partir da construção dos casos de forma compartilhada,
como descrito pela própria profissional da psicologia em sua entrevista.
Podemos concluir, a partir da análise exploratória realizada, que não
há no hospital geral estudado um serviço de saúde mental estruturado a
partir de uma equipe de interconsultores, mas que existem profissionais
alocados em unidades de produção distintas e com inserções singulares nas
equipes de saúde que pertencem,
Por outro lado, a interconsulta da saúde mental é tida como um arranjo
organizacional de importância reconhecida pelos profissionais que atuam na
enfermaria de clínica médica, unidade esta eleita como campo para a
confecção das entrevistas semiestruturadas. Sua função na organização dos
processos de trabalho é estratégica, pois serve como recurso para desvelar e
abordar os aspectos psicossociais presentes nos casos atendidos pela
equipe de saúde. Além de se constituir como uma ferramenta terapêutica
fundamental para compor com o tratamento proposto aos pacientes
internados, a presença dos profissionais da saúde mental no ambiente
hospitalar ressalta a necessária abordagem de questões psíquicas para
abarcar a complexidade dos casos atendidos, com vistas a acolher o
sofrimento causado pela própria institucionalização hospitalar, a contribuir no
tratamento de comorbidades psiquiátricas relacionadas à doenças orgânicas
e a auxiliar no aumento da eficácia nas ações terapêuticas propostas,
tornando-as mais resolutivas. Podemos inferir que a interconsulta da saúde
mental é um instrumento capaz de produzir ampliações na clínica, embora as
81
estratégias teórico-conceituais utilizadas como referencial para tal prática não
tenham sido postas em evidencia no discurso dos profissionais da saúde
mental. Contudo, algumas noções gerais são apresentadas como
fundamentais para o exercício de uma clínica ampliada e compartilhada,
como a necessidade de garantir a integralidade do cuidado dos usuários, não
negligenciando os aspectos psíquicos e sociais determinantes do processo
saúde-doença; a necessária abordagem interdisciplinar dos casos clínicos,
visto sua complexidade; e a construção de arranjos institucionais que
garantam a troca de conhecimento entre os distintos núcleos profissionais e a
construção de estratégias individuais e coletivas de cuidado para os usuários
assistidos, considerando as competências de cada especialidade e definindo
responsabilidades.
Como pudemos observar nas entrevistas com os profissionais da
saúde mental, as relações interprofissionais se estabelecem de acordo com o
tipo de assistência prestada, em que o profissional ou a equipe solicitante
pode ser entendida como demandante de uma avaliação especializada, em
que não há o compartilhamento de responsabilidades sobre caso, ou pode
ser concebida como parte integrante da avaliação e de intervenção sobre o
processo de saúde-doença dos usuários assistidos.
O modo como estão conformadas as relações interprofissionais é
determinante para o tipo de clínica a ser posto em prática. Embora tenha sido
feita uma reestruturação do modelo de gestão do hospital, com vistas a
produzir maiores gradientes de democratização institucional, o modelo
assistencial parece não ter sofrido qualquer tipo alteração, sendo mantida a
hierarquia dos saberes, em que a biomedicina tem lugar cativo no topo dessa
82
estrutura, tendo consequências visíveis na clínica. A aposta na interconsulta
médico-psicológica (Ferrari et. al., 1980) e na interconsulta psiquiátrica
(Botega, 2012), bem como no apoio matricial (Campos, 1999; Campos e
Domitti, 2007; Campos et al. 2013), como metodologias de organização do
trabalho da saúde mental no hospital geral, pode servir para criar condições
de possibilidade para a emergência de práticas em saúde pautadas no
sujeito, sem excluir a doença que o acomete, mas considerando a
singularidade do processo de adoecimento. Portanto, pensamos que uma
gestão democrática somente se sustenta a partir uma prática clínica também
democrática e vice-versa, pois se não corremos o risco de reproduzir a linhas
de comando verticais, presentes na administração científica de Taylor
(Campos, 2000), nas relações interprofissionais, assim como podemos fazer
gestão a partir das evidências originárias de um só núcleo profissional,
deslegitimando e constrangendo outras fontes de conhecimento teórico-
prático.
Portanto, concluímos este trabalho considerando a necessidade de
produção de outros estudos a acerca das contribuições da saúde mental para
o desenvolvimento de práticas clínicas centradas no sujeito no contexto
hospitalar. Como vimos, a partir dos resultados deste trabalho, a interconsulta
da saúde mental é uma ferramenta fundamental para garantir o aumento da
capacidade resolutiva das equipes de equipe, visto que põe em destaque os
determinantes psicossociais presentes no processo saúde-doença dos
usuários assistidos.
A presença de profissionais da saúde mental, no âmbito hospitalar, por
si só não produz alterações no modelo assistencial vigente, sendo necessária
83
a implementação de arranjos clínico-institucionais que tenham como
referencial teórico-metodológico o trabalho interdisciplinar, permitindo assim o
compartilhamento de saberes e práticas, para definição de responsabilidades
em equipe; também possibilitando uma atenuação dos efeitos nocivos das
disputas corporativas e dos jogos de poder; além de abarcar dinâmica
intersubjetiva como parte constitutiva do trabalho em saúde.
A escolha da interconsulta em saúde mental como objeto deste estudo
nos possibilitou interrogar o saber-poder médico, através das fissuras que se
abrem a partir do que os usuários-sujeitos revelam com seus sintomas, que
escapam à institucionalização da clínica biomédica hegemônica. Pensamos,
portanto, que é a partir da escuta do que resiste que podemos questionar as
formas instituídas, tensionando assim o modelo de clínica e gestão
tradicionais.
Por fim, entendemos que a produção de novos estudos voltados para
a investigação das articulações possíveis entre apoio matricial e interconsulta
de saúde mental, seja de fundamental importância para a consolidação de
práticas assistenciais centradas no sujeito e também para a
instrumentalização dos profissionais que atuam no contexto hospitalar,
trazendo assim benefícios inquestionáveis para os próprios trabalhos, assim
como para os usuários assistidos pelo SUS.
84
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Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2008
9. ANEXOS
ANEXO 1 – TABELAS
TABELA 1
Nome Idd Sx Unidd. Solicitante
Entrada Atendi. Alta Diag. Médico Intervenção da Psic. Diagnóstico Psicológico
MACFS 15d M PSI 24/06/14
24/06/14
24/06/14
Vítima abuso sexual
Entrevista de avaliação
Vitima abuso sexual
NCS 9 M PSI 24/06/14
24/06/14
24/06/14
Agressor abuso sexual
Entrevista de avaliação
Agressor abuso sexual
ICM 17 M Ortopedia 04/07/14
07/07/14
15/07/14
Fratura de tíbia E
Entrevista de avaliação
LSAP 1 F PSI 05/09/14
05/09/14
08/09/14
Intoxicação exógena
Entrevista de avaliação
MBB 63 M Neurologia 25/08/14
15/09/14
01/10/14
Biopsia linfomadoma
Entrevista de avaliação
MESNM 15 F PSI 24/09/14
25/09/14
25/09/14
Intoxicação exógena
Entrevista de avaliação
Tentativa de suicídio
MESI 22 F PSA 06/10/14
06/10/14
06/10/14
Depressão pós parto
Entrevista de avaliação
Depressão pós parto
DSPS 22d M PSI 28/01/15
28/01/15
28/01/15
Febre e tosse seca a/e
Entrevista de avaliação
ALOF 8 F PSI 02/02/15
02/02/15
02/02/15
Vômito ao ingerir alimentação
Entrevista de avaliação
MSL 66 F Neurologia 03/02/15
12/02/15
26/02/15
Paraparesia Entrevista de avaliação
89
DBT 15 F PSI 18/02/15
19/02/15
19/02/15
Esquecimento + dor de cabeça
Entrevista de avaliação
AMO 20 M Ortopedia 07/01/15
11/03/15
06/05/15
Osteomielite crônica em tíbia E
Entrevista de avaliação
JPS 15 F PSI 17/03/15
17/03/15
17/03/15
FCC antebraço E
Entrevista de avaliação
MCRP 54 F PSA 20/03/15
23/03/15
15/04/15
Pressão alta + angina
Entrevista de avaliação
JS 57 M Clínica médica 08/03/15
24/03/15
07/04/15
Edema agudo de pulmão
Entrevista de avaliação
90
TABELA 2
Nome Idd. Sx. Unidade de origem Solicitante Entrada Atendim. Alta Diag. Médico
Intervenção Psi. Diag. Psi.
WCO 56 F CM/MI Nutricionista 02/07/14 07/07/14 J18.9 1a entrevista psi Depressão
ALVL 41 M CM/MI Enfermagem 02/07/14 04/07/14 08/07/14 Z00.0
1a entrevista psi
IRJ 41 F PSA 04/07/14 04/07/14 04/07/14 Tentativa de Suicídio (TS)
Avaliação e encaminhamento
TS
CMINE
16 F PSA 04/07/14 04/07/14 04/07/14 TS Avaliação e encaminhamento
TS
MBL 46 F CM/MI Enfermagem 05/07/14 15/07/14 Atendimento no leito
RL 5 F Pediatria Serviço social 15/07/14 A86 Atendimento familiar (avó)
CPN 61 M CM/MI Medicina 28/06/14 03/07/14 03/07/14 (óbito)
Apoio familiar
RL 5 F Pediatria Serviço social 22/05/14 16/07/14
VGQ 56 M Psicologia 19/06/14 01/07/14 23/07/14 I10 Entrevista/orientação familiar
RL 5 F Psicologia 07/05/14 22/07/14 A86 Observação/orientação e suporte familiar
MBL 46 F CM/MI Medicina 05/07/14 Apoio psicológico durante internação
91
BJ 76 M CM/MI Medicina/nutricionista
18/07/14 24/07/14 1a entrevista (usuário e filha)
MBL 46 F CM/MI Medicina/enfermagem
5/7/14 18/7/15 Acompanhamento psicológico
JRS 79 F Outros usuários do HMMG
28/7/14 Atendimento familiar (filha)/suporte psicológico
CRR 48 F CM/MI Medicina 24/7/14 28/7/14 1a avaliação psicológica (filho)
JB 72 M Família (conflito com o hospital)
28/7/14 Apoio familiar/ atendimento ao paciente e família
CCO 26 F Recepção HMMG 5/8/14 5/8/14 Queixas sobre como lidar com os comportamentos da filha (3a11m)
Encaminhamento da mãe para UBS/orientação
JB 72 M CM/MI Enfermagem 20/7/14 6/8/14 Z00.0 Suporte psicológico (paciente e família)
ASL 29 F CM/MI Enfermagem 02/08/14 6/8/14 Z00.0 1a entrevista
LSMA 19 M CM/MI Enfermagem 30/7/14 6/8/14 A15 1a entrevista
SRO 33 F CM/MI Medicina 6/8/14 12/8/14 N39.0 1a entrevista psicológica
CCL 83 M CM/MI Enfermagem 8/8/14 12/8/14 J96.0 1a entrevista
MNS 63 F CM/MI Nutrição 22/7/14 18/8/14 N18.9 Acompanhamento
DPJ 62 M CM/MI Enfermagem 11/8/14 18/8/14 I21.3 Suporte psicológico
MLCM F Clínica Cirúrgica Serviço Social 20/8/14 1a entrevista
CFN Clínica Cirúrgica Serviço social 20/8/14 1a entrevista
92
SRO 33 F Professora educação especial
6/8/14 22/8/14 N39.0 Orientação ao profissional/articulação de rede
TM Ortopedia/Neurologia
Serviço social 22/08/14
FUBC 24 M CM/MI Coordenação 20/08/14 25/08/14 1ª entrevista
LMB 26 F Clínica Cirúrgica Família (Mãe) 26/08/14 1ª entrevista/encaminhamento (marido)
CFN F Clínica Cirúrgica 26/08/14 Acompanhamento
MLCT F Clínica Cirúrgica 26/08/14 Acompanhamento
SSL 53 M Parente de funcionário do PSI
01/09/14 Orientação/encaminhamento UBS
Conflitos conjugais e ejaculação precoce
ERMS 28 M CM/MI Medicina 29/08/14 02/09/14 B20.8 Orientação/acolhimento
RLS 29 M CM/MI Enfermagem 21/08/14 05/09/14 05/09/14 R50.9 Orientação
LMC 63 F CM/MI Medicina 03/09/14 12/09/14 13/09/14 A46 1ª entrevista
GNG 68 M CM/MI Medicina 29/07/14 11/09/14 19/09/14 R52 Suporte psicológico
LHFC 51 F CM/MI Medicina 10/09/14 18/09/14 B59 1ª entrevista
TR 19 M PSA 19/09/14 TS Orientação/avaliação/encaminhamento
TS
R UTI 19/09/15 Acompanhamneto
VXS 49 M CM/MI Nutrição 28/08/14 22/09/14 J18.9 1ª entrevista
EVC 75 F CM/MI Enfermagem 21/09/14 29/09/14 J96.0 1ª entrevista
JPR 29 F Oncologia Psicologia 27/09/14 29/09/14 T07 1ª entrevista
RCS 49 M CM/MI Enfermagem 09/09/14 30/09/14 K70.1
93
MC 27 M CM/MI Enfermagem 19/09/14 30/09/14 A15 1ª entrevista
MFB 66 M CM/MI Medicina 12/9/14 1/10/14 N170 Acompanhamento
JA M Ortopedia/Neurologia
Medicina 1/10/14 TB 1ª entrevista
IFL 63 M Clínica Cirúrgica Serviço social 6/10/14 Apoio psicológico
MES 53 F CM/MI Enfermagem 10/10/14 B20 Atendimento
RRF 34 F CM/MI Enfermagem 13/10/14 I70.0 Encaminhamento
MF 67 M CM/MI Medicina/nutrição 1/10/14 14/10/14 Orientação
LGFO 9 M Pediatria Serviço social 27/9/14 16/10/14 1ª entrevista
ABL F Clínica Cirúrgica Enfermagem 15/10/14 1ª entrevista’
LSS F Ortopedia/Neurologia
Enfermagem 15/10/14 Suporte psicológico
ZSR 71 F PSA 15/10/14 Avaliação e encaminhamento
JMP 64 M CM/MI Serviço social 18/9/14 20/10/14 1ª entrevista
ADR M CM/MI Serviço social 16/10/14 20/10/14 1ª entrevista
SMRC 39 F Paciente 16/10/14 20/10/14 1ª entrevista
APOA 46 F CM/MI Medicina 30/1014 3/11/14 I46.0 1ª entrevista
RAO 64 F CM/MI Medicina/nutrição 19/10/14 3/11/14 N30.0 Apoio familiar (filho) ‘
ASD 31 M CM/MI Fisioterapia 22/9/14 3/11/14 R50 1ª entrevista
RAP 64 F CM/MI Medicina/nutrição 19/10/14 7/11/14 19/11/14 N30.0 1ª entrevista
ABS 65 M CM/MI Medicina 27/10/11 11/11/14 11/11/14 1ª entrevista/encaminhamento
AAA 33 M CM/MI Medicina 11/10/14 11/11/14 A27.0 encaminhamento
SVPZ 59 F CM/MI Enfermagem 13/11/14 14/11/14 6/12/14 C97 1ª entrevista
ICS 70 F Família (filha) 5/11/14 24/11/14 I20.0 Orientação/suporte psicológico
ABMV 56 F Família (filha) 5/11/14 27/11/14 27/11/14 N18.0 Avaliação e
94
encaminhamento (filha)
SGS 33 F CM/MI Enfermagem 26/11/14 3/12/14 B24 1ª entrevista
MLPS 80 F CM/MI Enfermagem 29/11/14 3/12/14 J96.0 1ª entrevista
N F CM/MI Nutrição Suporte psicológico
E M Paciente Atendimento/orientação
JLP 42 M PSA 9/12/14 10/12/14 TS TS
AAS 75 M CM/MI Enfermagem 3/12/14 12/12/14 I50.0 1ª entrevista
AAS 60 M CM/MI Enfermagem 1/12/14 16/12/14 6/1/15 J18.9 Acompanhamento
DAM 40 F CM/MI Enfermagem 7/12/14 16/12/14 I20.9 1ª entrevista
ICS 70 F Família (filha) 2/12/14 16/12/14 Suporte familiar
LTCC 79 F CM/MI Fisioterapia 25/11/14 17/12/14 R10.0 Suporte psicológico
JADS 37 M CM/MI Enfermagem 8/12/14 17/12/14 B24 1ª entrevista
CHLV 22 M PSA 17/12/14 18/12/14 S14.1 1ª entrevista e orientação familiar
JADS 37 M CM/MI Enfermagem 8/12/14 22/12/14 B24
ICS 70 F Família (filha) 2/12/14 2/12/14 I20.0 Suporte familiar
JEGG 56 M CM/MI Medicina 9/12/14 22/12/14 I26.0 1ª entrevista
JADS 37 M CM/MI Família (visita filha 10ª) -
8/12/14 23/12/14 B24 Avaliação/orientação
MLS 48 F CM/MI Medicina 1/12/14 24/12/14 1/1/15 N17.8 1ª entrevista
AMC 52 F CM/MI Enfermagem 22/12/14 24/12/14 b.20.8 1ª entrevista
JADS
M Família 29/12/14
ANS 60 F Família (filha) 30/10/14 05/12/14 21/01/15 Apoio familiar
JEGG 56 M CM/MI Medicina 09/12/14 5/01/15 I26.0 Acompanhamento
CFD 43 F CM/MI Enfermagem 25/12/14 6/01/15 Z00.0 1ª entrevista/suporte
95
psicológico
ER 42 F CM/MI Serviço social 16/01/15 07/01/15 1ª entrevista
TOF 14 M Pediatria Serviço social 06/01/15 08/01/15 L55.2 Suporte psicológico
SSO 09 M Pediatria Serviço social 06/01/15 08/01/15 L55.2 1ª entrevista
SHBC 44 F PSA 11/01/15 12/01/15 TS (ingestão de remédio)
Avaliação/orientação familiar/encaminhamento
TS
YAC 53 M CM/MI Medicina 29/12/14 13/01/15 J18.9 Suporte familiar
MANS 31 M Família 04/01/15 13/01/15 K76.7 Acolhimento/orientação
ANS 70 F CM/MI Enfermagem 01/08/14 13/01/15 T07 1ª entrevista
ICS 70 F Família (filha) 02/01/15 13/01/15 J82 Suporte familiar
FLR 48 M CM/MI Conflito (família x enfermagem)
12/01/15 22/01/15 B24 Acolhimento/orientação à mãe
MAO 59 F CM/MI Fisioterapia 20/12/14 27/01/15 I50.0 Acompanhamento
CJS 71 F CM/MI Medicina 26/01/15 06/02/15 J18.0 Suporte psicológico/orientação
JCMT M UTIa Serviço social 06/02/15 1ª entrevista
MLFF 74 F Enfermagem 23/01/15 09/02/15 C71.0
Período de férias (02/03/15 à 30/03/15)
MSV 54 F CM/MI Coordenação 09/03/15 02/04/15 10/04/15 I20.0 1ª entrevista
JS 57 M CM/MI Psicologia 8/03/15 06/04/15 07/04/15 1ª entrevista
MSV 54 F Paciente 09/03/15 06/04/15 10/04/15 I20.0 Acompanhamento
RCAM 24 F CM/MI Serviço social 07/04/15 14/04/15 E14.0 1ª entrevista
SMJD 78 F CM/MI Enfermagem 08/04/15 15/04/15 I50.0 1ª entrevista
MCCS 63 M CM/MI Enfermagem 17/03/15 15/04/15 1ª entrevista
CMML 85 F Família (neto) 09/04/15 15/04/15 J15.9 Acolhimento
96
LZ 81 M Família (filha) 12/04/15 28/04/15 J18.0 Filha pede para trazer a neta do paciente/sofrimento, medo da perda
LPOA 45 F CM/MI Enfermagem 12/03/15 28/04/15 J81 Acompanhamento
SM 64 M Família (filha) 14/04/15 30/04/15 R10.0 Apoio familiar
SM 64 M CM/MI Medicina 14/04/15 04/05/15 R10.0 Acompanhamento
APS 78 F Família (filhos) 04/04/15 04/05/15 Acolhimento filho/entrevista filha
SSJ 52 F CM/MI Enfermagem 04/05/15 05/05/15 1ª entrevista
R F CM/MI Enfermagem 22/05/15
V M Família (filha) 26/05/15 Acompanhamento
CC 47 M CM/MI Medicina 25/05/15 26/05/15 1ª entrevista
TABELA 3 - Número de interconsultas por unidade de origem dos pedidos.
UNIDADE DE ORIGEM No
Clínica Médica 68
Pronto-Socorro Adulto 7
Clínica Cirúrgica 7
Pediatria 5
Ortopoedia/Neurologia 3
UTI Adulta 2
Recepção 1
Centro de Referência em Oncologia 1
TABELA 4 - Número de interconsultas por categoria profissional ou pessoas
solicitantes.
Solicitantes dos pedidos de interconsulta No
Enfermagem 33
Medicina 25
Familiares 17
Serviço Social 14
Nutrição 8
Fisioterapia 3
Usuário 3
Coordenação 2
Psicologia 2
Outros 2
TABELA 5 - Número de interconsultas por categoria profissional ou pessoas
solicitantes.
98
Solicitantes dos pedidos de interconsulta No
Enfermagem 33
Medicina 25
Familiares 17
Serviço Social 14
Nutrição 8
Fisioterapia 3
Usuário 3
Coordenação 2
Psicologia 2
Outros 2
TABELA 6 - Número de interconsultas por gênero.
GÊNERO No
Masculino 54
Feminino 61
Não especificado 3
Total 118
TABELA 7 - Número de interconsultas por faixa etária.
FAIXAS ETÁRIAS No
0-18 anos 7
19-40 anos 24
41-64 anos 46
65 anos ou mais 25
99
ANEXO 3 – Roteiros de entrevista
1) profissionais da saúde mental
A) O que é interconsulta?
- Descrição do arranjo institucional
- Concepção teórica
B) Como faz interconsulta?
- Descrição de como a atividade é realizada
- Relação interporfissional: Como se dá a construção e o
compartilhamento dos casos clínicos
- Ações clínicas propostas
- Desdobramentos: discussões de caso, encaminhamentos etc
C) Quais suas expectativas em relação a interconsulta realizada por
você?
- Os resultados que espera com o trabalho realizado:
Em relação ao usuário
Em relação à equipe
Em relação à própria prática
D) Quais são as encomendas predominantes aos serviços de psicologia e
psiquiatria?
- Diagnósticos
- Conflitos
- Tipos de sofrimento psíquico: do usuário, da família, da equipe
E) Quais são os limites, desafios e as possibilidades do trabalho em
equipe quando se utiliza o recurso da interconsulta?
- Desafios: O que precisa mudar
- Limites: Até onde se pode atuar
- Possibilidades: O que o trabalho permite
100
2) Profissionais da área clínica:
A) Como é a interconsulta da saúde mental?
- Descrição do arranjo institucional
- Concepção teórica
B) Como são feitos os pedidos de interconsulta saúde mental?
- Descrição de como a atividade é realizada
- Relação interporfissional: como se dá a construção e o
compartilhamento dos casos clínicos
- Ações clínicas propostas
- Desdobramentos: discussões de caso, encaminhamentos etc
C) Quais as situações ou casos clínicos em que a saúde mental é
convocada a intervir?
- Diagnósticos
- Conflitos
- Tipos de sofrimento psíquico: do usuário, da equipe, da família
D) Quais os limites, desafios e possibilidades da interconsulta em Saúde
Mental?
- Desafios: O que precisa mudar
- Limites: Até onde se pode atuar
- Possibilidades: O que o trabalho permite
101
ANEXO 4 - TCLE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este documento, chamado
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pretende assegurar seus direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador.
Essa pesquisa chamada “Estudo das relações interprofissionais no hospital geral: contribuições da saúde mental para uma clínica do sujeito”, do Departamento de Saude Coletiva/ FCM/ Unicamp será desenvolvida junto ao serviço de saúde Hospital Municipal Dr. Mário Gatti - Campinas. Seu objetivo é analisar as contribuições da saúde mental à prática clínica no Hospital Geral. Desta forma, pretende-se analisar os pedidos de interconsulta para a saúde mental e também investigar as concepções dos profissionais acerca do trabalho em equipe e a inserção da psicologia e psiquiatria no compartilhamento de casos clínicos.
As entrevistas serão realizadas em local de fácil acesso, de preferência no próprio setor do Hospital em que o participante trabalha. A entrevista terá duração de cerca de meia hora.
Durante a entrevista, será utilizado um gravador de áudio para garantir a recuperação das informações e para que estas possam ser analisadas posteriormente. Os pesquisadores ouvirão as gravações várias vezes e transcreverão as conversas fielmente. Assim que as transcrições forem feitas, o material gravado será descartado.
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.
A participação na pesquisa é voluntária e não haverá qualquer custeio ou reembolso de despesas, como transporte e alimentação. Você tem liberdade para se recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem que tenha nenhum tipo de prejuízo.
O pesquisador se compromete a prestar qualquer tipo de esclarecimento, antes, durante e após a pesquisa, sobre os procedimentos e outros assuntos relacionados a ela, além de retornar os resultados da pesquisa a todos os participantes.
Para esclarecimento de dúvidas relacionadas aos procedimentos do estudo, entrar em contato diretamente com o pesquisador responsável pelos telefones: (11) 99955 9051. Qualquer questão, dúvida, esclarecimento ou reclamação sobre os aspectos éticos dessa pesquisa, favor entrar em contato com: Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126 – Caixa Postal 6111 – CEP: 13083-887 – Campinas/ SP – Fone: (19) 3521 8936 ou 3521 7187– E-mail: [email protected]
Sendo assim, pelo presente instrumento que atende às exigências legais, não restando qualquer dúvida a respeito do lido e explicado, o Sr.(a) ______________________________________________, portador(a) da cédula de identidade _________________________, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO concordando em participar da pesquisa proposta.
E, por estarem de acordo, assinam o presente termo. Campinas/ São Paulo, ______ de ________________ de _______.
___________________________________ __________________________________ Pesquisador Participante
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado e pela CONEP, quando pertinente. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.
__________________________________________________ Data:____/_____/______.
(Assinatura do pesquisador)
ANEXO 5 – Parecer do comitê de ética
102
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