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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
FACULDADE DE VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
STHENIA SANTOS ALBANO AMÓRA
VIGILÂNCIA ENTOMOLÓGICA E CONTROLE BIOLÓGICO DE Lutzomyia longipalpis NA CIDADE DE MOSSORÓ, RIO GRANDE DO NORTE
FORTALEZA 2009
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STHENIA SANTOS ALBANO AMÓRA
VIGILÂNCIA ENTOMOLÓGICA E CONTROLE BIOLÓGICO DE Lutzomyia longipalpis NA CIDADE DE MOSSORÓ, RIO GRANDE DO NORTE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Veterinárias. Área de Concentração: Reprodução e Sanidade Animal. Linha de Pesquisa: Reprodução e Sanidade de Carnívoros, Onívoros e Aves. Orientadora: Profa. Dra. Claudia Maria Leal Bevilaqua.
FORTALEZA 2009
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AGRADECIMENTOS
Ø A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao PPGCV da
UECE, por ter fornecido viabilidade para o desenvolvimento desse trabalho e pela atenção.
Ø Obrigada, “Senhor”! Desde o início dessa caminhada tu estiveste comigo... E agora que
alcancei meu objetivo, venho te louvar, te agradecer e oferecer humildemente o amor, a
felicidade e enfim, a vitória deste momento.
Ø Agradeço por ter me iluminado ao longo dessa jornada que se encerra e, diante de tanto amor,
é que rogo “Mãe Santíssima”, que olhe por mim na nova etapa que se inicia.
Ø Aos meus pais, Stheno Batista Albano Amóra e Solange Santos Albano Amóra, tesouro da
minha, a vocês devo minha existência e toda força que tenho para superar os obstáculos e
correr atrás dos meus sonhos. Não consigo mensurar nem descrever o quanto vocês são
importantes pra mim. Amo vocês com toda pureza da minha alma!
Ø A minha orientadora Profa. Dra. Claudia Maria Leal Bevilaqua. A Senhora antes de tudo
acreditou em mim, se interessou, se responsabilizou e trabalhou comigo com afinco... Apoiou
minhas decisões e vibrou com minhas vitórias. A Senhora dedico meu carinho,
reconhecimento, respeito, admiração e gratidão. Como sentirei sua falta...
Ø Minha grande amiga Profa. Dra. Nilza Dutra Alves. Tenho certeza que jamais deixarei de ser
sua discípula. A discípula que guardará na memória os seus ensinamentos, sua força,
determinação e ética; E no coração guardarei a gratidão, o respeito e infinito afeto. As
batalhas que você travou por mim e as vitórias que tivemos são impagáveis, mas como
amizade não se paga só tenho a lhe agradecer... Por ter confiado em mim, acreditado no meu
potencial e assumido todos os riscos apenas pelo desejo de me ver vencer. Obrigada por tudo!
Ø Ao meu namorado, Júlio César dos Reis Saraiva, amigo, companheiro e incentivador. Devo a
você muito de tudo que venho conquistando nesses seis anos de jornada, você sempre esteve
presente nos momentos mais difíceis e me mostrou do que eu sou capaz. Estar ao seu lado em
mais essa conquista é muito bom e acredito que não será a última... Muitas conquistas ainda
nos espera... Obrigada por tudo. Te amo!
Ø À minha família de São Paulo, Recife e de Mossoró. Em especial à minha madrinha – Rosa
Santos Radicchi, minha priminha Thatiane Santos Radicchi (saudades de vocês) e meus
primos Robson/Elaine Alves Santana. Obrigada por acreditarem em mim, por vibrar com
minhas vitórias e se indignar com as injustiças.
Ø À minha família por opção, minhas filhinhas, Márcia Viviane Alves Saraiva e Maria Luciana
Lira de Andrade. O dia-a-dia tem poder transformador... O colega torna-se amigo, torna-se
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companheiro, afinidades se apresentam, laços se formam... Hoje, temos um pouco da outra em
cada uma de nós... E por tudo e de tudo, a saudade há de ficar. Amo vocês, obrigada por me
tornar uma pessoa mais sensível, mais bonita e mais “convivível”! E como não falar dos seus
maridos, Vando Santiago de Sousa e Edilson Lopes Júnior, pessoas adoráveis... Não só por
fazê-las felizes, o que já é um grande motivo pra eu gostar deles, mas também por todo
carinho, respeito e consideração que sempre tiveram por mim.
Ø As minhas amigas/irmãs de longa data Ediane Fernandes de Almeida, Gabriela Medeiros
Gabriel, Kênia Suênia M. Araújo, Andressa Luara J. Rosado e Thalita Queiroz. E as amigas
mais recentes, mas não menos queridas, Maíra Aparecida Araújo, Romeika Hermínia M. A.
Pereira e Mariana Machado Matos. Por sempre me lembrar o que sou e de tudo que sou
capaz... Por zelar por mim, se preocupar, compartilhar, vibrar com minhas vitórias e me
encorajar nas derrotas. Amo vocês e sinto muita, muita saudades!
Ø As minhas “mais novas melhores amigas de infância”, Iara Tersia de Freitas Macedo e Lorena
Mayana Beserra de Oliveira. Obrigada por ter dado um novo sentido a minha passagem pelo
PPGCV, por terem sido presentes e prestativas, confidentes e companheiras, por todos os
momentos divertidos e difíceis que passamos juntas. Obrigada por tonar esse último ano de
doutorado insequecível! Vou sentir muita falta de vocês!
Ø A família do meu namorado, em especial seus pais Dra Maria Nilza R. Saraiva e Dr.
Francisco Saraiva da Silva, por terem me acolhido e me considerado sua filha... Por terem me
acompanhado, participado desses últimos passos. Por terem torcido por mim e pelo cuidado.
Com afeto e respeito lhes dedico minha gratidão.
Ø Aos casais Edilval Almeida / Leda Maria Fernandes de Almeida, José Hernesto Rocha Matos
/ Aldenora Machado Matos e José Antenor Saraiva / Maria do Socorro Alves, pois como pais
de amigas muito queridas e principalmente como pessoas maravilhosas que são sempre
cuidaram e se preocuparam comigo com muito zelo e carinho.
Ø A Profa Dra e amiga Ana Carolina Fonseca Lindoso Melo (UFPI), você abriu as portas do
Laboratório de Doenças Parasitárias (LABODOPAR) pra mim e me mostrou os caminhos
para chegar até a prof Claudia ☺... Foi amiga incondicional nos momentos mais difíceis que
passei durante o período de adaptação no doutorado e mais que isso, sempre acreditou em
mim mesmo antes de me conhecer. Muito obrigada!
Ø Ao meu co-orientador Prof. Dr. Francisco Marlon Carneiro Feijó, obrigada por todo incentivo
e apoio, por ter acreditado em mim e me orientado durante essa jornada. Obrigada também
pela amizade e carinho durante todos esses anos.
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Ø A Profa Dra Elza A. Luna-Alves Lima (UFPE) que gentilmente cedeu às cepas fúngicas
tornando possível a execução deste trabalho.
Ø Ao Prof Dr e amigo Fúlvio Aurélio M. Freire (UFERSA) pelo apoio científico nas estatísticas,
pelas sugestões e principalmente pelo carinho com que sempre me recebeu nas horas de
“aperreio”.
Ø Ao Prof Dr Marcos Fábio Gadelha Rocha (UECE), principalmente pelo apoio científico, mas
também pelas críticas e sugestões que em muito enriqueceu os resultados deste trabalho. Um
agradecimento especial também por ter aceitado o convite para participar da minha banca.
Ø A Dra Elizabeth Ferreira Rangel (FIOCRUZ) e Profa. Dra. Diana Magalhães de Oliveira
(UECE) por terem contribuído com seu conhecimento e experiência na área de flebotomíneos
e biologia molecular, respectivamente, e por terem aceitado o convite para participar da minha
banca.
Ø Aos Profs do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da UECE e aos Profs Drs
Rui Sales Júnior e Celicina M. S. B. Azevedo ambos da UFERSA. Meu respeito e gratidão
pela ajuda e atenção prestada.
Ø À Profa Dra Izabel Alencar B. Vasconcelos da UFC (in memorian). Porque todos aqueles que
passam em nossas vidas não passam em vão, levam um pouco de nós e deixam um pouco de
si. À Senhora dedico meu respeito e grande admiração.
Ø Aos demais amigos do LABODOPAR, Michelline do Vale Maciel, Cícero Temístocles
Coutinho Costa, Maria Vivina Barros Monteiro (e João Pedro), Marina Parissi Accioly, Vitor
Luz Carvalho, Fabrício Rebouças de Oliveira, Ana Carolina Moura Rodrigues, Eudson Maia
de Queiroz Júnior, Camila de Albuquerque Almeida, Bruno Grangeiro, Diana Romão
Bezerra, Marianna Colares Albuquerque. E em especial a Fernanda Cristina Macedo Rondon,
Rafaella Albuquerque Silva e Renata Simões Barros, que consquistaram um lugar especial no
meu coração por sua bondade, competência, prestatividade e carinho. Obrigada a todos!
Ø Aos meus colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da UECE e com
carinho a “colônia mossoroense” do PPGCV, Michelline do Vale Maciel (Michê), Aracely
Rafaelle F. Ricarte (Bacura), Suzana Aparecida A. da Costa e Tânia Valeska M. Dantas (Tâ).
Chega ao fim mais uma etapa das nossas vidas. Da convivência certamente tiraremos alguma
lição e de tudo fica a saudade, amizade e a gratidão. Em especial à Michê por dividir as
“pancadas e aperreios”, Bacura pelas noites de divã no apartamento e Tâ por todo apoio
administrativo e “memorial”.
Ø As alunas de iniciação científica da UFERSA, Romeika H. M. Assunção Pereira, Paula
Gabriela Melo de Oliveira, Gislayne C. Xavier Peixoto, Mariana Araújo Silva e também a
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Herbert Sousa Soares e Ana Carla Diógenes Suassuna. Por todo tempo dedicado aos nossos
experimentos, pelos finais de semana perdido, pela paciência e compreensão... Por terem feito
minha estadia na UFERSA mais divertida e prazerosa. Vocês foram essenciais na execução
deste trabalho, obrigada!
Ø Aos componentes do Núcleo de Genômica e Bioinformática Tarsísio Pimenta (NUGEN) da
UECE, especialmente a Samara Cardoso Silva, Michel Toth Kamimura, Ana Patrícia S. de
Lima e Eliana Matos Ribeiro, por terem me recebido com carinho e atenção, por todo apoio e
ensinamentos sobre biologia molecular. Obrigada a todos vocês por terem enriquecido este
trabalho.
Ø Aos profissionais, Raimundo Nonato de Souza, Nélio Batista Morais, Lindemberg Caranha e
Richristi A. Silva todos da Secretaria Estadual de Saúde do Ceará; Edmilson de Castro Dias,
Ana Claudia B. Mendonça e Sodré Rocha da Secretaria de Vigilância em Saúde de Mossoró,
por terem me recebido prontamente e pela assistência na coleção de flebotomíneos.
Ø Às secretárias do PPGCV, Adriana Maria S. Albuquerque e Ana Cristina S. Nascimento, ao
Antônio Cesar Camelo também da UECE e aos funcionários da Superintendência de Infra-
Estrutura da UFERSA representada pelo Sr Francisco Ilbernon Barboza Alves. A vocês, que
pela dedicação ao trabalho, me ofereceram condições de percorrer esse caminho, meu sincero
respeito e reconhecimento.
Ø Aos Senhores José Maria de Souza Filho e Antonieta Vieira de Souza do bairro
Quixabeirinha, Josias Torres da Silva do bairro Rincão e Tereza Linhares da Costa e João
Vieira da Costa do bairro Abolição IV, moradores das residências visitadas em Mossoró
durante o experimento, que me receberam sempre com muito carinho e boa vontade,
facilitando e contribuindo para a coleta de flebotomíneos.
Ø A família do Restaurante Balú por toda paciência e dedicação, por cuidar dos meus pais na
minha ausência, fazerem nossos caprichos e vibrar com nossas vitórias. Em especial à Otíla
Guedes e Rosa Santos pelo carinho especial que sempre tiveram por mim.
Ø Aos meus “filhos” (meus cachorros), Shaila e Sarinha (in memorian), Sophia e o récem
chegado Sheiky. Como pode um amor tão puro, tão fiel, tão desinteressado, tão desastrado...
Como sinto falta da minha pequinininha, insubstituível! Como aquele quintal ficou grande e
vazio sem o jeitão preguiçoso de Shailinha. Sophia, primogênita, aos 12 anos, quem diria
firme e forte, mais pedindo do que dando carinho... Mas com certeza a alegria da casa. E o
que dizer de Sheiky, um furacão, tão brincalhão, tão carinhoso e tão querido. Impossível não
amar essas criaturas!
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RESUMO
O uso do controle biológico com fungos entomopatogênicos é uma alternativa viável
para o controle do vetor da leishmaniose visceral (LV). Baseado no exposto, este estudo
objetivou uma investigação entomológica de flebotomíneos na cidade de Mossoró, Rio
Grande do Norte, e sua relação com as variáveis ambientais, bem como avaliar os efeitos dos
fungos Beauveria bassiana e Metharizium anisopliae var. acridum sobre os diferentes
estágios de Lu. longipalpis. Os flebotomíneos foram capturados mensalmente durante um ano,
no intra e peridomicílio das residências. A patogenicidade dos fungos sobre Lu. longipalpis,
foi avaliada em 5 concentrações de 1x104 a 1x108 conídios/mL, acompanhado do controle
negativo (Tween 80 0,05%) e controle positivo (cipermetrina 196 mg/mL). Os ovos não-
eclodidos, larvas e adultos mortos expostos aos fungos foram semeadas para reisolamento
fúngico, análise dos parâmetros de crescimento e revalidação por PCR e seqüenciamento.
Foram capturados 7.347 flebotomíneos, 94% eram Lu. longipalpis. Somente a temperatura
influenciou negativamente a densidade populacional desses insetos. A infecção com B.
bassiana reduziu em 59% a eclosão de ovos, ao passo que, M. anisopliae var. acridum
reduziu 40%. A mortalidade larvar dos flebotomíneos pós-infecção fúngica foi
significativamente aumentada e a longevidade dos adultos foi menor do que o controle
negativo (p < 0,001) para ambos os fungos. O efeito dos fungos sobre a eclosão dos ovos
postos pelas fêmeas infectadas também foi significativo e inóculo-dependente (p < 0,05).
Quanto aos parâmetros de crescimento fúngico pós-infecção, para B. bassiana apenas a
conidiogênese e esporulação foram significativamente maiores do que o fungo antes da
infecção (p < 0,001). Enquanto que, para M. anisopliae var. acridum somente o crescimento
vegetativo não foi significativo quando comparado ao fungo antes da infecção (p > 0,05). A
revalidação da identificação dos fungos reisolados foi confirmada pelo sequenciamento após a
infecção de todas as fases do inseto para B. bassiana e somente pós-passagem em adultos para
M. anisopliae var. acridum. Conclui-se que, Lu. longipalpis é o flebotomíneo predominante
em Mossoró. Além disso, B. bassiana foi eficaz contra Lu. longipalpis e no que se refere a
fecundidade de fêmeas infectadas com M. anisopliae var. acridum, os resultados foram
satisfatórios, demonstrando que o vetor da LV é susceptível à infecção com fungos
entomopatogênicos. Consequentemente, o uso desses fungos nos programas de controle de
flebotomíneos poderá reduzir o uso de inseticidas químicos, resultando em benefícios para os
seres humanos e o ambiente.
Palavras-chave: Leishmaniose visceral. Lutzomyia longipalpis. Sazonalidade do vetor.
Controle biológico do vetor. Fungos entomopatogênicos.
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ABSTRACT
The use of biological control with entomopathogenic fungi is a viable alternative to control
the vector of visceral leishmaniasis (VL). This study aimed a phlebotomine sandflies survey
in Mossoró, Rio Grande do Norte, and its relation with the environmental variables, as well as
to evaluate the effects of the fungi, Beauveria bassiana and Metharizium anisopliae var.
acridum on the different stages of Lu. longipalpis. Sandfly were captured monthly during one
year, in the intra and peridomicile of the houses. The Lu. longipalpis infected by fungi was
evaluated in five concentrations from 1x104 to 1x108 conidia/mL, accompanied by negative
control (Tween 80 0.05%) and positive control (cypermethrin 196 mg/ml). The unhatched
eggs, larvae and dead adults exposed to fungi were sown to reisolate the fungi, analysis of
parameters of growth and revalidation by PCR and sequencing. The overall sandflies
captured, were 7,347, 94% were Lu. longipalpis. Only temperature affected negatively the
density this insects. Infection with B. bassiana reduced by 59% the egg hatch, while M.
anisopliae var. acridum reduced in 40%. The larval mortality of sandflies after fungal
infection was significantly increased and the longevity of adults was lower than the negative
control (p < 0.001) for both fungi. The effects of the fungal infection on the hatching of eggs
laid by infected females were also significant and inoculum-dependent (p < 0.05). On the
fungal post-infection growth parameters, for B. bassiana only the germination and sporulation
were significantly higher than the fungus before the infection (p < 0.001). While for M.
anisopliae var. acridum only the vegetative growth was not significant when compared to the
fungus before the infection (p > 0.05). The revalidation of the identification of the reisolated
fungus was confirmed by sequencing post-passage in all insect stages for B. bassiana and
only from adult insect for M. anisopliae var. acridum. Thus, Lu. longipalpis the predominant
sandflies in Mossoró, represents a serious public health problem because it is the vector of a
zoonotic disease endemic in the city. Moreover, B. bassiana was effective against Lu.
longipalpis and in terms of infected females fecundity with M. anisopliae var. acridum the
results were significant, proving the vector of the VL is susceptible to infection with the
entomopathogenic fungi. Consequently, the use of these fungi in phlebotomine control
programs has potential as a means of reducing the use of chemical insecticides, resulting in
benefits to humans and the environment.
Keywords: Visceral leishmaniasis. Lutzomyia longipalpis. Seasonality of the vector.
Biological control of the vector. Entomopathogenic fungus.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Formas amastigotas de L. chagasi livres ou no interior de macrófagos corados pelo Giemsa..........................................................................................................................20 Figura 2. Formas promastigotas de L. chagasi encontradas no tubo digestivo do vetor.....20 Figura 3. Principais áreas endêmicas de leishmaniose visceral no mundo..........................21 Figura 4. Leishmaniose visceral: Casos no Brasil e Região Nordeste, 1980-2006..............22 Figura 5. Estágios imaturos de Lu. longipalpis observados em estereomicroscópio com aumento 80x: A – ovos e B – larva de 4o estágio.................................................................23 Figura 6. Adultos de Lu. longipalpis observados em estereomicroscópio com aumento 80x: A – macho e B – fêmea........................................................................................................24 Figura 7. Estruturas genitais de Lu. longipalpis utilizadas na identificação da espécie, observadas em microscópio: A – espermatecas da fêmea, setas (40x) e B – parâmero do macho, caixa (25x)...............................................................................................................24 Figura 8. Fêmea de Lu. longipalpis ingurgitada durante repasto sanguíneo em humano.................................................................................................................................26 Figura 9. Peridomicílios de residências propícios ao desenvolvimento de flebotomíneos, localizados em área endêmica para LV na cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte.....................................................................................................................................27 Figura 10. Municípios brasileiros com transmissão de LV, notar que municípios com transmissão esporádica representam 82% dos municípios com casos confirmados de LV.........................................................................................................................................30 Figura 11. Coleira de pvc impregnada com deltametrina (A) e esquema do seu mecanismo de ação em cães (B)..............................................................................................................36 Figura 12. Esporos e cristais biopiramidais de Bacillus thuringiensis var. israelensis (1mm)....................................................................................................................................40 Figura 13. Bacillus sphaericus (1mm).................................................................................40 Figura 14. Ascogregarina chagasi, protozoário parasito natural de Lu. longipalpis...........41 Figura 15. Fêmea de Lu. longipalpis após 5 dias de infecção com 107 conídios/ml de B. bassiana................................................................................................................................42 Figura 16. A - Lu. longipalpis dissecado infectado com larvas filiformes de nematóide em torno do corpo (s) e das asas (w), sob microscopia interferência com o filtro azul. B – Ovos e larvas de nematode isoladas a partir de uma infecção flebotomíneos observada sob microscopia de fluorescência...............................................................................................42
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Figura 17. Beauveria bassiana: A - Macroscopia da colônia, filamento micelial de cor branca cilíndrico; B – Microscopia, hifas, comídios e conidióforos maduros, simples ou ramificados, ovóides e conídios globosos corados em azul de Amann (setas), 640x......................................................................................................................................45 Figura 18. Conídios de M. anisopliae var. acridum, formato ovóide e coloração esverdiado (400x)...................................................................................................................................49 Figura 19. Apressórios de M. anisopliae var. acridum ao longo do eixo hifal após 96h de cultivo em lâmina em BDA, corado com azul de Amann (400x)........................................49 Figura 20. M. anisopliae var. acridum: A - Macroscopia da colônia, filamento micelial de cor esverdeado. B – Microscopia, conidióforos ramificados corados em azul de Amann, 640x......................................................................................................................................50 Figura 21. Conidiogênese de conídios de B. bassiana (A) e M. anisopliae var. acridum (B) após 16h de inoculação em BDA, reisolados de Lu. longipalpis.........................................51 Figura 22. Cultivo em lâmina de B. bassiana em BDA corados em azul de Amann (1000x): Anastomose após 48h de crescimento (A - setas) e conidióforos maduros (B) após 120h......................................................................................................................................52 Figure 1 - DNA amplification of Beauveria bassiana from Lutzomyia longipalpis eggs at 8 days post-infection with varying conidia/ml concentrations: Lane Br: without DNA, Lane C+: B. bassiana DNA, Lane 2: 105, Lane 3: 106, Lane 4: 107, Lane 5: 108, Kb: Ladder. DNA from larvae on different days post-infection with 104 conidia/ml: Lane 13: 3 days, Lane 14: 5 days, Lane 15: 9 days, Lane 16: 10 days, Lane 17: 20 days…………………..73 Figure 1 - Amplification of M. anisopliae var. acridum DNA from Lu. longipalpis adults at different days post-infection with varying conidia/ml concentrations: Lane Br: no DNA, Lane C+: M. anisopliae var. acridum DNA, Lane 1: 1x106 at 7 days, Lanes 2-4: 1x107 at 1, 5 and 6 days, Lanes 5-7: 1x108 at 1, 6 and 10 days, Kb: Ladder………………………….94 Figure 1 - Mossoró, Rio Grande do Norte State, Brazil and the neighborhoods, Aeroporto, Abolição and Rincão where the phlebotomine sandfly survey was conducted from January to December 2007..............................................................................................................109 Fig. 2: Temperature, relative humidity, rainfall and prevalence of sandfly Lutzomyia longipalpis and Lutzomyia evandroi captured during the 2007 phlebotomine sandfly survey in Mossoró, Rio Grande do Norte State, Brazil……………………………………….....109
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LISTA DE TABELAS
Table 1 - Treatment efficacy of Beauveria bassiana and longevity of Lutzomyia longipalpis life stages. Data presented are means ± SD......................................................71 Table 2 - Conidia germination and vegetative growth of Beauveria bassiana reisolated from infected Lutzomyia longipalpis eggs, larvae and adults on PDA medium…..............72 Table 3 - Colony counting and sporulation of Beauveria bassiana (mean ± SD) reisolated from infected Lutzomyia longipalpis eggs, larvae and adults at 3, 6, 9, 12 and 15 days after inoculation on PDA medium................................................................................................72 Table 1 - Treatment efficacy of M. anisopliae var. acridum and longevity of Lu. longipalpis life stages…………...........................................................................................93 Table 2. Conidia germination and vegetative growth of Beauveria bassiana reisolated from infected Lutzomyia longipalpis eggs, larvae and adults on PDA medium...........................93 Table 3. Colony counts and sporulation of M. anisopliae var. acridum (mean ± SD) reisolated from infected Lu. longipalpis adults at 3, 6, 9, 12 and 15 days after inoculation on PDA medium...................................................................................................................94 Table 1 - Distribution of Lutzomyia spp. according to species, sex and place of capture during the 2007 phlebotomine sandfly survey in Mossoró, Rio Grande do Norte State, Brazil..................................................................................................................................107 Table 2 - Prevalence of Lutzomyia longipalpis and mean environmental variables, including temperature (°C), relative humidity (%) and rainfall (mm), during the 2007 phlebotomine sandfly survey conducted in Mossoró, Rio Grande do Norte State, Brazil…..…………………………………………………………………………………107 Table 3 - Analysis of the influence of environmental variables, including temperature, relative humidity and rainfall, on the population density of Lutzomyia longipalpis during the 2007 phlebotomine sandfly survey in Mossoró, Rio Grande do Norte State, Brazil….…..……………………………………………………………………………...108 Table 4 - Distribution of Lutzomyia longipalpis in accordance with the location of capture (intra/peridomicile) during the dry period (July-Nov) and the rainy period (Dec-Jun) during the 2007 phlebotomine sandfly survey in Mossoró, Rio Grande do Norte State, Brazil……………………………………………………………………………………..108
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
c2 - Chi-square test (teste Qui-quadrado)
mg - Microgram (micrograma)
ml - Microliter (microlitro)
°C - Grau Celsius
ACL - American Cutaneous Leishmaniasis (leishmaniose tegumentar
americana)
AFLP - Amplified fragment length polymorphism (polimorfismo do
comprimento do fragmento amplificado)
Bals. - Balsamo
BDA - Ágar batata dextrose
BHC - Hexacloro-ciclo-hexano
BOD - Biochemical Oxygen Demand (demanda bioquímica de oxigênio)
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDC - Centers for Disease Control (armadilha luminosa)
Cepa 291 - Cepa de Metharizium anisopliae var. acridum
Cepa CL1 - Cepa de Beauveria bassiana
CID - Coleiras impregnadas com deltametrin
cm - Centimeter (centímetro)
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DDT - Diclorodifeniltricloroetano
DEPA - N-dietil fenil acetamida
df - Degree of freedom (grau de liberdade)
DIC - deltamethrin impregnated collars (coleiras impregnadas com
deltametrina)
DNA - Ácido desoxirribonucléico
dNTP - Desoxirribonucleotídeo trifosfatado
F - Análise de Variância (ANOVA)
FML - Fucose-mannose ligand (ligante fucose-manose)
H - Kruskal-Wallis
h - Hours (hora)
HCl - Hydrochloric acid (ácido clorídrico)
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IGS - Intergenic space (espaço ribossomal intergênico)
ITS - Internal transcribed spacer (espaço interno transcrito)
Kb - Kilobase (quilobase)
KCl - Cloreto de potássio
km - Kilometer (quilômetro)
LABODOPAR - Laboratório de Doenças Parasitárias
LTA - Leishmaniose tegumentar americana
LV - Leishmaniose visceral
LVC - Leishmaniose visceral canina
m - Meter (metro)
mg - Milligram (miligrama)
MgCl - Cloreto de magnésio
min - Minute (minuto)
ml - Milliliter (mililitro)
mm - Millimeter (milímetro)
mM - Milimoles
n - Areas counted per field (áreas contadas por campo)
no. - Number (número)
NS - No significance (sem significância)
NUGEN - Núcleo de Genômica e Bioinformática Tarsísio Pimenta
OMS - Organização Mundial de Saúde
P/ p - Probability (probabilidade)
pb - Pairs of base (pares de base)
PCR - Polymerase Chain Reaction (reação em cadeia da polimerase)
PDA - Potato dextrose agar (ágar batata dextrose)
pH - Potencial hidrogeniônico
pM - Picomoles
PR - Paraná
pvc - Polyvinyl chloride (cloreto de polivinila)
r - Coeficiente de correlação de Pearson
r2 - Coeficiente de determinação
RAPD - Random amplification of polymorphic DNA (amplificação aleatória de
DNA polimórfico)
RFLP - Restriction fragment length polymorphism (polimorfismo do
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comprimento dos fragmentos terminais de restrição)
RH - Relative humidity (umidade relativa)
RNA - Ácido ribonucléico
s / sec - Second (segundo)
SD - Standard deviation (desvio padrão)
SESA - Secretaria Estadual de Saúde
U - Unidade internacional
UECE - Universidade Estadual do Ceará
UFERSA - Universidade Federal Rural do Semi-Árido
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE - Universidade Federal de Pernambuco
URM - Micoteca do Departamento de Micologia da Universidade Federal de
Pernambuco
UV - Ultra-violeta
VL - Visceral Leishmaniasis (leishmaniose visceral)
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 20
2 REVISÃO DE LITERATURA.......................................................................................... 21
2.1 LEISHMANIOSE VISCERAL.......................................................................................... 21
2.2 FLEBOTOMÍNEOS........................................................................................................... 23
2.2.1 Lutzomyia longipalpis................................................................................................ 25
2.3 CONTROLE DAS LEISHMANIOSES............................................................................ 28
2.3.1 Controle vetorial......................................................................................................... 30
2.3.1.1 Educação em saúde voltada ao controle de flebotomíneos............................... 31
2.3.1.2 Modificações ambientais................................................................................... 33
2.3.1.3 Controle químico............................................................................................... 35
2.3.1.4 Coleira impregnada com deltametrina.............................................................. 37
2.3.1.5 Vacina contra LVC como “bloqueadora de transmissão”................................. 38
2.3.1.6 Controle com plantas inseticidas....................................................................... 39
2.3.1.7 Controle biológico............................................................................................. 40
2.4 FUNGOS ENTOMOPATOGÊNICOS.............................................................................. 44
2.4.1 Beuaveria bassiana.................................................................................................... 45
2.4.2 Metharizium anisopliae var. acridum........................................................................ 49
2.4.3 Diagnóstico da infecção pelos fungos B. bassiana e M. anisopliae var. acridum..... 50
2.4.3.1 Crescimento fúngico pós-infecção e características microscópicas.................. 50
2.4.3.2 Biologia molecular para diagnóstico de B. bassiana e M. anisopliae.............. 53
3 JUSTIFICATIVA............................................................................................................... 56
4 HIPÓTESE CIENTÍFICA................................................................................................. 57
5 OBJETIVOS........................................................................................................................ 58
5.1 Objetivo Geral................................................................................................................ 58
5.2 Objetivos Específicos..................................................................................................... 58
6 CAPÍTULOS........................................................................................................................ 59
Capítulo I - Control of phlebotomines (Diptera: Psychodidae) vectors of
leishmaniasis…….................................................................................................................... 59
Capítulo II - Evaluation of the fungus Beauveria bassiana (Deuteromycotina:
Hyphomycetes), a potential biological control agent of Lutzomyia longipalpis (Diptera,
Psychodidae)…………….………………………………………………………………..…. 68
17
Capítulo III - The effects of the fungus Metarhizium anisopliae var. acridum infection on
Lutzomyia longipalpis………………………………....………….......................................... 76
Capítulo IV - Phlebotomine sandflies (Psychodidae: Phlebotominae) survey in an urban
transmission area of visceral leishmaniasis, in northeastern Brazil......................................... 95
7 CONCLUSÕES GERAIS................................................................................................... 110
8 PERSPECTIVAS................................................................................................................ 111
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 112
18
1 INTRODUÇÃO
A leishmaniose visceral (LV) é uma zoonose sistêmica que pode ser fatal quando não
tratada. Caracteriza-se pela infecção de fagócitos mononucleares pelo protozoário Leishmania
chagasi (sin. Leishmania infantum). É endêmica em grandes áreas dos trópicos, subtrópicos e
Bacia do Mediterrâneo (CHAPPUIS et al., 2007; LUKEŠ et al., 2007) afetando mais de 80
países em todo mundo (MONTEIRO et al., 2005). No Brasil é endêmica e até o momento, seu
principal transmissor é Lutzomyia longipalpis (DEANE; DEANE, 1955; ALENCAR et al.,
1956). Tal enfermidade tem o cão como principal reservatório doméstico, apresenta
transmissão peridomiciliar, principalmente pela adaptação do inseto vetor aos ambientes
naturais modificados (MADEIRA et al., 2003). Este fenômeno leva a uma redução do espaço
ecológico do vetor, facilitando a ocorrência de epidemias (MONTEIRO et al., 2005). Pois em
conseqüência das transformações ambientais este vetor circula no peridomicílio e
intradomicílio de residências urbanas e rurais (CABRAL et al., 1998).
O controle da LV destaca o inquérito sorológico canino e eutanásia dos cães
portadores, diagnóstico e tratamento dos casos humanos e a aplicação de inseticida residual à
base de piretróides. Entretanto, essas medidas, não têm apresentado efetividade na redução da
incidência da doença, determinando assim a necessidade de reavaliação das ações propostas
(AMÓRA et al., 2006). Nesse âmbito, estudos recentes (MONTEIRO et al., 2005;
MARESCA et al., 2009), sobre a dinâmica de transmissão da LV enfatizam duas variáveis a
serem consideradas nos programas de controle: a variação sazonal da população de
flebotomíneos e o número de cães infectados. Dessa forma, o controle do vetor pode então
oferecer solução menos onerosa e mais prática, o que conduziria a medidas preventivas
eficazes em um maior número de focos de leishmaniose.
Some-se a isto o fato de que a aplicação de inseticidas químicos pode resultar em
problemas ambientais, toxicológicos e na seleção de linhagens de insetos resistentes a esses
agentes. Resultando na necessidade de se desenvolver novas tecnologias de controle, na busca
por qualidade de vida. Uma alternativa sugerida é o uso do controle biológico do vetor.
Dentre os organismos que atuam no controle biológico de dípteros de interesse sanitário e
veterinário, os fungos entomopatogênicos em geral, apresentam taxas mais eficientes e exibe
maior especificidade sobre o inseto-alvo (hospedeiros) do que os inseticidas químicos
(BARRETO et al., 2004). Neste contexto, o fungo Beauveria bassiana tem sido isolado de
centenas de espécies de insetos (KAUFMAN et al., 2005), ocorre na forma epizoóticas
inclusive entre Diptera (ALVES; LECUONA, 1998 ), persisti por períodos longos e pode
19
infectar o hospedeiro em todas as fases de desenvolvimento (MACIEL et al., 2005). Estudos
sugerem que este fungo é também patogênico para vetores de leishmaniose (WARBURG,
1991; REITHINGER et al., 1997). Já Metarhizium anisopliae var. acridum que é conhecido
por sua eficácia no controle de gafanhotos no Brasil e em outros países (FARIA;
MAGALHÃES, 2001) sua patogenicidade sobre Diptera de interesse em saúde pública ainda
não foram suficientemente explorados, embora seus efeitos sobre organismos não-alvo
incluindo outros Orthoptera, Diptera e Hymenoptera tenha sido verificado. No Brasil, a
avaliação da ação patogênica de fungos sobre dípteros psicodídeos ainda está em fase inicial
de avaliação e o controle biológico poderia ser útil no manejo integrado de flebotomíneos e
beneficiar a saúde pública.
A LV é endêmica no Rio Grande do Norte, estado do Nordeste do Brasil. Nos últimos
anos, tem havido um aumento nos casos de LV relatados em muitos dos municípios do estado
(CORTEZ et al., 2007; XIMENES et al., 2007). No entanto, os dados que documenta a
presença e a distribuição de Lu. longipalpis na cidade de Mossoró são geralmente
insuficientes para traçar um perfil eco-epidemiológico da doença. Além disso, a alta
prevalência da LV em cães em diferentes localidades de Mossoró (AMÓRA et al., 2006;
MATOS et al., 2006) demonstra a necessidade de medir a frequência flebotomíneos em áreas
urbanas.
20
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 LEISHMANIOSE VISCERAL
As leishmanioses são zoonoses causadas por protozoários do gênero Leishmania (Fig.
1-2), importantes na saúde pública e afetam mais de 80 países em todo mundo. As
enfermidades apresentam transmissão peridomiciliar, principalmente devido à adaptação de
algumas espécies de insetos vetores aos ambientes modificados; assim como, em decorrência
do aumento da população humana associado à ocupação desordenada, sobretudo próxima às
encostas e/ou matas, acarretando a redução do espaço ecológico do vetor e favorecendo a
instalação de um ciclo extraflorestal (MADEIRA et al., 2003) o que facilita a ocorrência de
epidemias (MONTEIRO et al., 2005). Os principais determinantes dos níveis epidêmicos das
leishmanioses nos grandes centros são: convívio estreito entre homem/reservatório (cão),
aumento da densidade do vetor, desmatamento acentuado e o constante processo migratório.
Obrigatoriamente, outros fatores devem estar envolvidos, em especial o potencial de
transmissão decorrente da densidade vetorial e taxa de infecção dos vetores, além da
vulnerabilidade das pessoas suscetíveis ao desenvolvimento da doença (MONTEIRO et al.,
2005; MARESCA et al., 2009).
Figura 1. Formas amastigotas de L. chagasi (setas) livres ou no interior de macrófagos corados pelo
Giemsa. Fonte: http://www.vet.uga.edu
Figura 2. Formas promastigotas de L. chagasi (setas) encontradas no tubo digestivo do vetor.
Fonte: http://www.uni_tuebingen.de_leishmania
Nos últimos dez anos vem ocorrendo a urbanização das leishmanioses, consolidada
pelos surtos epidêmicos em diversas áreas do Mediterrâneo e em diversos países latino-
americanos (MAROLI; KHOURY, 2004). Essa expansão resultou no estabelecimento de
21
novas áreas endêmicas (MADEIRA et al., 2003), passando de doença quase que exclusiva de
áreas rurais para ampla distribuição em áreas urbanas.
A LV, especificamente, é endêmica em diversos países tropicais em todo o globo (Fig.
3). Esta doença tem sido considerada emergente e foi colocada entre as sete endemias de
prioridade pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (MICHALSKY et al., 2009).
Figura 3. Principais áreas endêmicas de leishmaniose visceral no mundo.
Fonte: http://www.who.int/tdr/dw/leish_map.htm
Nas Américas a LV ocorre desde o México até a Argentina, tendo sido descrita em
pelo menos 12 países. Grande parte dos casos humanos descritos é procedente do Brasil onde
a doença é endêmica e até o momento (MICHALSKY et al., 2009), seu principal transmissor
pertence ao gênero Lutzomyia (MONTEIRO et al., 2005). Na década de 90, aproximadamente
90% dos casos notificados de LV ocorreram na região Nordeste. À medida que a doença se
expandiu para as outras regiões e atingiram áreas urbanas e periurbanas, esta situação veio se
modificando e, no período de 2000 a 2002, a região Nordeste apresentou redução para 77% e
em 2003 para 65% dos casos do país (Fig. 4) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Além dos
dados registrados na literatura científica onde constam registros de casos de LV em 19 das 27
unidades da federação, com aproximadamente 1.600 municípios apresentando transmissão
autóctone (GONTIJO; MELO, 2004). Atualmente a LV atinge todas as regiões brasileiras
com casos autóctones registrados também no Distrito Federal (GOVERNO DO DISTRITO
FEDERAL, 2009) e mais recentemente em municípios do Rio Grande do Sul (GOVERNO
DO ESTADO RIO GRANDE DO SUL, 2009).
Dessa forma, seja no espaço rural ou urbano, essas enfermidades ampliam sua área de
ocorrência (DANTAS-TORRES; BRANDÃO-FILHO, 2006). Por um lado, cães abandonados
22
vagando na periferia da cidade podem se infectar quando entram em contato com
reservatórios silvestres na presença do vetor e, ao retornarem para o interior da cidade, servem
de amplificadores da infecção para outros cães e humanos. Por outro, o vetor se adapta
facilmente às áreas depauperadas, explorando o acúmulo de matéria orgânica gerada por
animais domésticos e más condições sanitárias (COSTA; TAPETY; WERNECK, 2007). O
entendimento das interações entre mudanças do meio ambiente e os flebotomíneos vetores
constituem um pré-requisito para o desenvolvimento de ações apropriadas de prevenção e
estratégias de controle (GONTIJO; MELO, 2004).
2.2 FLEBOTOMÍNEOS
Os flebotomíneos (Diptera, Psychodidae, Phlebotominae) são vetores de importância
médica e veterinária, podendo transmitir leishmanioses, bartoneloses e algumas arboviroses
(PESSOA; MEDEIROS; BARRETT, 2007) como as fleboviroses (XU et al., 2007),
flaviviroses, orbiviroses (TRAORÉ-LAMIZANA et al., 2001) e vesiculoviroses (COMER;
TESH, 1991). Outros microrganismos também têm sido isolados incluindo fungos,
gregarinas, bem como evidências de outros tripanossomatídeos além de Leishmania, como
Endotrypanum. Sendo que, são os estudos sobre as leishmanioses que têm gerado muitas das
informações que existem atualmente sobre esses diferentes parasitas (SHAW et al., 2003).
Estes insetos são pequenos, frágeis, de atividade noturna e vôo direto e curto. As fêmeas
precisam de sangue para amadurecer os ovos e ambos os sexos precisam de açúcar para fins
Figura 4. Leishmaniose visceral: Casos no Brasil e Região Nordeste, 1980-2006.
Fonte: Ministério da Saúde, 2007
23
energéticos, obtidos principalmente a partir de tecidos vasculares de plantas. Os
flebotomíneos adultos abrigam-se durante o dia em lugares escuros e úmidos como buracos
em árvores e abrigos de animais ou sob rochas, podendo ser coletados por vários métodos,
quer enquanto descansam durante o dia ou em atividade durante a noite. Os ovos se
estabelecem em micro-hábitat terrestre rico em matéria orgânica, que fornece alimento para as
larvas (ALEXANDER, 2000). As formas imaturas são difíceis de encontrar e ainda há muito
a ser descoberto sobre os sítios de reprodução dos flebotomíneos dada sua alta capacidade de
recolonizar o que restringe as opções para controle vetorial (MAIA-ELKHOURY et al.,
2008).
No tocante a morfologia, os ovos são elípticos ou ovóides, alongados e pouco
encurvados, medindo 300-500 mm de comprimento por 70-150 mm de largura. Após a
postura são brilhantes e esbranquiçados e dentro de 2-3 horas escurecem e tomam a cor
definitiva que é castanha escura (Fig. 5-A) (SHERLOCK; SHERLOCK, 1959). As larvas são
pequenas, claras, vermiforme, com uma cápsula cefálica escura e mandíbulas robustas (Fig. 5-
B). As pupas possuem cefalotórax e abdômen, fixam-se imóveis ao substrato, esbranquiçadas
ou amareladas, escurecendo progressivamente à medida que se aproxima a eclosão do adulto,
que leva de 20-40 dias (MARCONDES, 2001).
O adulto possui corpo e as asas recobertas de espessa pilosidade, as antenas são longas
com 14 flagelômeros cilíndricos e a probóscida tem comprimento semelhante ao do restante
da cabeça apontado para o substrato, medem de 1-3 mm de comprimento. Possuem corpo
revestido por pêlos e são de coloração clara, castanho claro ou cor de palha (Fig. 6)
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
Figura 5. Estágios imaturos de Lu. longipalpis observados em estereomicroscópio com aumento
100x: A – ovos, B – larva de 4o estágio. Fonte: AMÓRA, 2007
24
Machos e fêmeas distinguem-se morfologicamente em suas probóscidas, mais curta
nele do que nela, na qual é longa e adaptada para picar e sugar e pelos últimos segmentos
abdominais, modificados para constituir a genitália do inseto: nas fêmeas os segmentos
menores e discretos dispõem-se como estruturas telescopadas, as quais conferem aspecto
arredondado à genitália do inseto, denominda espermateca (Fig. 7-A), enquanto no macho
está presente um conjunto de apêndices bem desenvolvidos e ornamentados em forma de
ganchos formando o parâmero (Fig. 7-B) (BRAZIL; BRAZIL, 2003).
Os vetores de Leishmania spp compreendem mais de 40 espécies de Phlebotomus no
Velho Mundo e 30 espécies de Lutzomyia nas Américas (ALEXANDER; MAROLI, 2003).
Estes se caracterizam por abrigarem-se em florestas primárias, secundárias e em rochas
calcárias, preferencialmente. A adaptação que algumas espécies de flebotomíneos vêm
Figura 6. Adultos de Lu. longipalpis observados em estereomicroscópio com aumento 80x:
A – macho e B – fêmea. Fonte: AMÓRA, 2007
Figura 7. Estruturas genitais de Lu. longipalpis utilizadas na identificação da espécie,
observadas em microscópio: A – espermatecas da fêmea, setas (40x) e B – parâmero do macho, caixa (25x). Fontes: AMÓRA, 2007; NUVET, 2007
25
sofrendo, principalmente em locais que passaram por modificações humanas, aproxima os
vetores dos domicílios podendo facilitar a transmissão das leishmanioses (DIAS et al., 2007).
As características climáticas ideais para o desenvolvimento de fletomíneos são mais
comumente encontradas em áreas com teor de umidade e temperatura ambiente relativamente
alta, como observado em áreras de clima tropical. Fato que já havia sido observado por
Alencar, Holanda e Cavalcante (1956), durante suas pesquisas no Vale do Jaguaribe, Ceará,
onde foi observada maior concentração do vetor nas margens do rio Jaguaribe, onde o teor de
umidade e o calor da região eram consideráveis. A chuva beneficia os flebotomíneos quando
em níveis moderados ao longo da estação chuvosa (DIAS et al., 2007) amenizando a
temperatura e aumentando a disponibilidade de alimento para as larvas, o que ocorre em
virtude da queda das folhas com a entrada do outono, que podem, por sua vez, estimular a
pupação em massa, como foi observado no Estado de São Paulo (ODORIZZI; GALATI,
2007). Todavia, a chuva em níveis elevados prejudica esses dípteros inundando o solo,
destruindo os criadouros e matando as pupas (DIAS et al., 2007).
Na década de 50, Joaquin Alencar e os Deane, estudando a LV no Ceará e outros
estados vizinhos, verificaram que o inseto hematófago mais frequentemente encontrado no
intra e peridomicílio era Lu. longipalpis, estabelecendo a sua importância epidemiológica
como vetor. A partir de então, a presença de Lu. longipalpis foi associada com casos de LV
em grande área do continente americano, desde o norte do México até o sul da Argentina. A
distribuição coincidente de Lu. longipalpis e de LV reforçou a convicção dos Deane de que
esse flebotomíneo é o principal vetor da doença (LAINSON; RANGEL, 2005).
2.2.1 Lutzomyia longipalpis
No Brasil, a espécie Lu. longipalpis (Fig. 8) está distribuída em todas as regiões do
país e recentemente foi encontrado no Distrito Federal e Rio Grande do Sul onde foram
diagnosticados casos autóctones de LV (SILVA et al., 2008; GOVERNO DO DISTRITO
FEDERAL, 2009; GOVERNO DO ESTADO RIO GRANDE DO SUL, 2009). Esta espécie é
bem adaptada ao ambiente peridomiciliar, alimentando-se em uma grande variedade de
hospedeiros vertebrados, entre aves, homem e outros animais silvestres ou domésticos
(REBELO, 2001; QUEIROZ et al., 2009), podendo resistir as condições adversas e explorar
novos ambientes, facilitando assim a transmissão da LV (MICHALSKY et al., 2009).
26
A presença significativamente maior de flebotomíneos no peridomicílio foi observada
em muitos municípios do estado do Rio Grande do Norte (XIMENES et al. 2000; 2007) e em
Montes Claros, Minas Gerais, onde são capturados flebotomíneos próximo de abrigos de
animais domésticos (MONTEIRO et al. 2005). Estes dados podem se justificar pela
devastação de áreas selvagens para exploração econômica, o que leva a doença a periferia de
centros urbanos. Vetores e hospedeiros são forçados a migrar para o peridomicílio humano à
procura de alimento (MAROLI et al. 2001; BARATA et al. 2005). Também é importante
observar o elevado número de Lu. longipalpis que tem sido capturado no interior das casas,
ingurgitada após repasto sanguíneo em seres humanos ou animais. Estes dados ilustram o
comportamento endofílico do vetor e enfatizam a possibilidade de transmissão da LV
intradomícilo (MISSAWA; DIAS, 2007; XIMENES et al. 2007, MISHALSKY et al. 2009).
Adicionalmente, fêmeas de Lu. longipalpis alimentam-se avidamente de galinhas
domésticas (LAINSON; RANGEL, 2005), fato de considerável importância epidemiológica,
uma vez que não é habitualmente feito a borrifação de galinheiros com inseticidas. Um estudo
realizado no município de Raposa, Maranhão, área de transmissão de LV, reafirma a
importância dessas aves na epidemiologia de Lu. longipalpis, no qual se estudou 2.240 fêmeas
de Lu. longipalpis capturadas nos ambientes intra e peridoméstico, a investigação confirmou a
galinha como preferência alimentar do inseto (28,3%) seguido pelo cão (21,7%) (DIAS;
LOROSA; REBÊLO, 2003).
Áreas sem saneamento, drenagem de águas pluviais e com coleta de lixo irregular,
associado à presença de animais domésticos contribuem para a acumulação de matéria
orgânica e, por conseguinte, favorece a presença de Lu. longipalpis (Fig. 9) (MICHALSKY et
al., 2009). O predomínio do vetor da LV, Lu. longipalpis, também tem sido observado em
Figura 8. Fêmea de Lu. longipalpis ingurgitada durante repasto sanguíneo em humano. Fonte: http://iproweb.procempa.com.br
27
diversas áreas endêmicas para LV no Brasil (BARATA et al., 2005; MONTEIRO et al., 2005;
MISSAWA; DIAS, 2007; XIMENES et al., 2000; 2007; CORTEZ et al., 2007; OLIVEIRA et
al., 2008; MACEDO et al., 2008; MICHALSKY et al., 2009; QUEIROZ et al., 2009). Bem
como outros países, mesmo quando o vetor é outra espécie de flebotomíneo, tal como
Phlebotomus sergent no nordeste do Uzbequistão (MAROLI; KRASNONOS; GAFUROV,
2001), Phlebotomus arias no nordeste da Espanha (ARANSAY et al., 2004), Phlebotomus
perniciosus Itália (BONGIORNO et al., 2003; ROSSI et al., 2008), Phlebotomus papatasi em
Marrakesh, Morocco (BOUSSAA et al., 2005) e Lutzomyia pseudolongipalpis na Venezuela
Ocidental (FELICIANGELI et al., 2006). Em Porteirinha, Minas Gerais, além da abundância
do vetor ainda foi observada uma correlação positiva entre a densidade populacional de Lu.
longipalpis e os casos de leishmaniose visceral canina (LVC) (FRANÇA-SILVA et al., 2005).
Figura 9. Peridomicílios de residências propícios ao desenvolvimento de flebotomíneos, localizados em
área endêmica para LV na cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte. Fonte AMÓRA, 2007
Estudos recentes da dinâmica de transmissão da LV enfatizaram duas variáveis a
serem consideradas nos programas de controle: variação sazonal da população de
flebotomíneos e o número de cães infectados (MONTEIRO et al., 2005). Obrigatoriamente,
outros fatores devem estar envolvidos, em especial o potencial de transmissão decorrente da
densidade vetorial e da taxa de infecção dos vetores, além da vulnerabilidade das pessoas e
animais suscetíveis ao desenvolvimento da doença. Os inquéritos sorológicos na população de
cães e os levantamentos entomológicos nas áreas endêmicas revelam em alguns locais, que a
alta prevalência da LV canina e a presença predominante e abundante do vetor redunda em
elevado risco de transmissão para o homem (MONTEIRO et al., 2005; MARESCA et al.,
2009). Camargo-Neves et al. (2001) consideraram ainda a necessidade de analisar a densidade
vetorial e correlacioná-la com os aspectos ambientais do peridomicílio, tais como presença de
28
vegetação, raízes, troncos de árvores e matéria orgânica no solo, representando possíveis
abrigos e criadouros para o vetor; e fatores abióticos como temperatura, umidade e chuvas.
No entanto, os dados quanto à presença e distribuição de espécies vetores de LV, em geral,
são insuficientes para caracterizar o perfil eco-epidemiológico da doença (MICHALSKY et
al., 2009).
2.3 CONTROLE DAS LEISHMANIOSES
No Brasil, as campanhas de controle da LV tiveram início na década de 50, sendo os
Estados do Ceará e Minas Gerais os principais alvos das atividades. Entretanto, durante a
década de 60, as ações foram interrompidas e apenas em 1982, o programa foi retomado,
quando a extinta Superintendência de Controle de Endemias (SUCAM) detectou um aumento
do número de casos de LV (ALVES; BEVILACQUA, 2004).
As medidas de controle das leishmanioese preconizadas pela OMS constam de
diagnóstico precoce e tratamento dos casos humanos, controle dos vetores e realização de
inquéritos sorológicos nas populações caninas seguidos da eliminação dos animais
soropositivos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006; 2007). No Brasil, essas ações foram sempre
descontínuas por diversas razões, tais como problemas orçamentários e escassez de recursos
humanos adequadamente treinados. Essas medidas não atingiram os efeitos esperados,
ocorrendo reinfestações dos ambientes e ressurgimentos dos casos humanos e caninos
(GONTIJO; MELO, 2004).
Tendo em vista as dificuldades de controle da doença, algumas modificações foram
propostas pelo próprio Ministério da Saúde (2006) para a vigilância, baseando-se em uma
melhor definição das áreas de transmissão ou de risco. O novo enfoque é incorporar os
estados e municípios silenciosos, ou seja, sem ocorrência de casos humanos ou caninos da
doença, nas ações de vigilância, visando assim minimizar os problemas referentes a este
agravo em áreas sem transmissão. Nas áreas com transmissão de LV, após estratificação
epidemiológica, as medidas de controle são distintas e adequadas para cada área trabalhada.
Entretanto, é de fundamental importância que as medidas usualmente empregadas no controle
da doença sejam realizadas de forma integrada e reavaliadas, para que possam ser efetivas,
reduzindo custos operacionais e contribuindo para sustentabilidade dos programas de controle
(WERNECK et al., 2002).
Estudos enfocando a estratégia de eliminação canina têm oferecido resultados
conflitantes, pelo menos quando utilizada separadamente do controle vetorial (COSTA;
29
TAPETY; WERNECK, 2007), já que a doença em cães precede o aparecimento de casos
humanos e as chances de infecção para os seres humanos aumentam em áreas com altas taxas
de prevalência da infecção canina, quando o vetor está presente (MAIA-ELKHOURY et al.,
2008; OLIVEIRA et al., 2008). De acordo com o manual de LV do Ministério da Saúde, áreas
sem casos de LV e áreas com uma média de até 2,4 casos em cinco anos, no último caso
classificadas como áreas com transmissão esporádica da doença, não incluem em suas
medidas de vigilância e controle o conhecimento da sazonalidade do vetor e nenhum tipo de
controle químico deve ser realizado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006), ou seja, mesmo
sendo indispensável a presença do vetor para manutenção do ciclo da doença nada é feito para
controlar sua população, continuando as medidas centralizadas no controle do reservatório
canino, demonstrando mais uma vez que as medidas não são integradas e que muito
provavelmente essa é uma das maiores causas do insucesso do programa no controle da
doença.
Nessa situação a retirada dos cães se torna improdutiva, pois à medida que a população
de flebotomíneos aumenta, aumentará ainda mais o risco de humanos serem picados
considerando a clara adaptação de Lu. longipalpis ao ambiente domiciliar, onde encontra
abrigo e fonte alimentar (BARATA et al., 2005; MONTEIRO et al., 2005; MISSAWA;
DIAS, 2007; XIMENES et al., 2007; MISHALSKY et al., 2009). Portanto, os hábitos
alimentares dos vetores de LV podem ter implicações para a transmissão da doença em áreas
urbanas e peri-urbanas onde a privação de hospedeiros vertebrados para repasto das fêmeas
vetoras ou mesmo sua criação em íntimo contato com as pessoas pode favorecer a infecção de
humanos (BONGIORNO et al., 2003).
Se a vigilância epidemiológica da LV em áreas com transmissão esporádica incluísse o
controle vetorial, haveria um risco bem menor de aumentar a prevalência da doença
considerando que municípios brasileiros com essa classificação representam 82% dos
municípios com casos confirmados de LV (Fig. 10). E mesmo em áreas com transmissão
moderada e intensa de LV, ou seja, média de casos entre 2,4-4,4 e mais de 4,4 casos em cinco
anos, respectivamente, nenhuma medida de controle químico é recomendada no período pré-
chuvas, antes do aumento populacional do vetor, quando suas formas imaturas ainda estão por
evoluir e sendo estas formas também sensíveis à desinsetização (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2006). Esse fato permite que os insetos completem seu ciclo de vida garantindo sua
sobrevivência. Já o manual da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) é mais cauteloso
nesse sentido, indicando especificamente que o período que antecede às chuvas ou
imediatamente após devem ser borrifados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
30
O que sustenta a utilização do controle vetorial e de reservatórios como estratégias de
intervenção sobre as leishmanioses é a conjectura de que a incidência de infecção em
humanos está diretamente relacionada ao número de cães infectantes e a presença do vetor
(COSTA; TAPETY; WERNECK, 2007). Especificamente sobre o controle do vetor, mesmo
na ausência de informações detalhadas sobre fatores de risco (culturais, demográficos,
epidemiológicos, clínicos e geográficos), a utilização de redes impregnadas com inseticidas,
por exemplo, parece um método adequado de prevenção às leishmanioses, como observado
no Sudão (KOLACZINSKI et al., 2008). Mas, o controle utilizado não consegue atingir as
fases imaturas do inseto (PESSOA; MEDEIROS; BARRETT, 2007). Conseqüentemente, o
controle do vetor ainda depende exclusivamente do combate ao inseto em sua forma adulta
(ALEXANDER; MAROLI, 2003).
2.3.1 Controle vetorial
A interrupção do ciclo da LV através do controle químico do vetor pode oferecer uma
solução menos onerosa e mais prática, o que poderia conduzir a medidas preventivas mais
eficazes em um maior número de focos de LV (MAROLI; KHOURY, 2004). Entretanto, até o
presente momento, o controle do vetor preconizado pela OMS baseia-se na captura e
aplicação de piretróides residuais vinculados à procedência dos casos humanos
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006; 2007). Como são pouco conhecidos os locais de
Figura 10. Municípios brasileiros com transmissão de LV, notar que municípios
com transmissão esporádica representam 82% dos municípios com casos confirmados de LV. Fonte: Ministério da Saúde, 2007
31
procriação natural dos flebotomíneos e descanso diurnal dessas espécies, o controle utilizado
não consegue atingir as fases imaturas do inseto (FELICIANGELI, 2004). Apesar disso,
mesmo quando são realizadas campanhas contra o flebotomíneo adulto, a avaliação da
eficácia e do custo/benefício é difícil porque as estratégias são pouco controladas e raramente
são empregadas intervenções diferentes para que se possa comparar e escolher a melhor
estratégia (KILLICK-KENDRICK, 1999; GONTIJO; MELO, 2004).
É necessário identificar os fatores que tenham impacto no controle de Lu. longipalpis,
dada a sua alta capacidade de recolonizar o ambiente urbano bem como a complexidade de
identificar os sítios com suas formas imaturas. A utilização de informações como a presença
ou ausência do vetor, abundância e infestações no intra e peridomicílios ainda é limitado para
estimar o risco de transmissão da LV, uma vez que não existem parâmetros estabelecidos para
esses indicadores (MAIA-ELKHOURY et al., 2008).
2.3.1.1 Educação em saúde voltada ao controle de flebotomíneos
A forte relação apresentada pela ocorrência da leishmaniose visceral e os perfis
cultural, nutricional e socioeconômico da população atingida, remetem a questão do controle
para além das barreiras pertencentes ao contexto ambiental em que a doença está inserida
(BORGES et al., 2008).
Os manuais de LV e LTA recomendam as atividades de educação em saúde, devendo-
se inseri-las em todos os serviços que desenvolvem as ações de controle das leishmanioses,
requerendo o envolvimento efetivo das equipes multiprofissionais e multi-institucionais com
vistas ao trabalho articulado nas diferentes unidades de prestação de serviços (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2006; 2007). Nesse âmbito, Sherlock (1996), já havia observado na Bahia e em
outras regiões do Brasil que a pobreza, a desnutrição e a alta densidade de flebotomíneos,
tanto no intra quanto no peridomicílio, estão associadas à elevada presença de animais
domésticos e péssimas condições sanitárias em áreas de transmissão da LV. Bem como em
Montes Claros, Minas Gerais, onde as habitações têm, em sua maioria deficiência na coleta de
lixo e de saneamento básico, em algumas áreas muitos moradores possuem baixos índices
sócio-econômicos, a convivência com animais domésticos é bastante elevada, resultando em
acúmulo de matéria orgânica, proporcionando condições favoráveis para a ocorrência da
transmissão da doença (MONTEIRO et al., 2005). Esse quadro, infelizmente, não mudou mas
tem se expandido também para população de bom nível sócio-econômico, tendo sido também
observado em Várzea Grande, Mato Grosso (MESTRE; FONTES, 2007) e em Belo
32
Horizonte, Minas Gerais, onde um estudo sobre o conhecimento da LV verificou que 50% dos
indivíduos acometidos pela doença desconheciam-na completamente quando foram infectados
e apenas 1,2% conheciam o vetor, além disso pessoas analfabetas tem oito vezes mais chance
de ser acometidas pela doença (BORGES et al., 2008).
O despreparo dos serviços de saúde focado em diagnosticar e tratar precocemente as
leishmanioses em humanos, medida de caráter eminentemente curativo, vem trazendo taxas
de letalidade preocupantes (COSTA; TAPETY; WERNECK, 2007). Fato agravado pela
desorganização de órgãos públicos de saúde, trocas constantes de especialistas em controle de
vetores que têm gerado a carência de pessoal capacitado para a execução de trabalhos de
controle (TEODORO et al., 2007), falta de informação da população e principalmente dos
profissionais de saúde. Luz et al. (2003), citam a educação como controle cultural para a LV,
por tornar participantes diversas camadas da população e por democratizar atitudes capazes de
beneficiar as práticas de controle.
Outro ponto crítico é a produção audiovisual sobre as leishmanioses voltada para a
população, a qual não tem dado conta de uma representação problematizada da doença,
entendendo-a, no contexto de suas relações sócio-culturais (PIMENTA; LEANDRO;
SCHALL, 2007). Na análise de materiais educativos impressos sobre as leishmanioses, Luz
et al. (2003) alertaram para um processo de imposição de discursos e reprodução de
preconceitos através de desenhos e fotografias. Assim sendo, seja nos contextos dos serviços
de saúde ou nas áreas de educação e comunicação, a escassez e a baixa qualidade do material
remetem à necessidade de uma reflexão crítica em torno dessa produção audiovisual e sobre a
possibilidade de propor novas abordagens sobre as leishmanioses. Estudos interdisciplinares
podem contribuir para a compreensão da doença em diversos campos da saúde coletiva, e a
antropologia da saúde e antropologia visual podem auxiliar numa maior compreensão a
respeito da produção audiovisual sobre as leishmanioses (PIMENTA; LEANDRO; SCHALL,
2007). A precariedade de informação, traduzida nesses resultados, aponta a necessidade da
realização de práticas educativas em diferentes frentes, que podem contar com a participação
de médicos e veterinários durante consultas, professores e agentes de saúde em palestras e
durante as visitas domiciliares (BORGES et al., 2008).
Para as doenças transmitidas por vetores ligadas às precárias condições sócio-
econômicas e sanitárias, além das medidas de controle realizadas de forma sistemática, são
necessárias definições de políticas públicas que garantam a resolução das distorções e
desigualdades existentes nos padrões de saúde, ultrapassando limites das ações desse setor,
onde novas alternativas deveriam ser incorporadas como acesso à educação, habitação, renda,
33
suplementação alimentar, saneamento básico e ambiental que provavelmente teriam um novo
impacto sobre a ocorrência dessas doenças (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2003). Nesse âmbito, a
educação em saúde levando à população o conhecimento dos possíveis locais de procriação
do vetor dentro de uma localidade, pode resultar em redução significante na incidência da
doença. E as mudanças de atitudes numa população é meta a ser atingida com o tempo, pois
envolve variações na cultura; esta parece ser a explicação para a dificuldade em alcançar altos
índices de prevenção (BORGES et al., 2008).
Como em qualquer doença de importância em saúde pública, seu conhecimento
básico, geral e amplo deve ser disseminado (KISHORE et al., 2006), através de medidas
alternativas, pouco onerosas e práticas que possam ser incorporadas no dia-a-dia das
populações que vivem em áreas de risco. O que pressupõe que a prevenção e o controle desses
vetores requerem estudos de avaliação da efetividade com componentes da promoção da
saúde e participação imprescindível da comunidade em sua implementação, para assegurar
sua sustentabilidade (TEODORO et al., 2007). O potencial de proteção que tem o
conhecimento sobre a LV em Belo Horizonte, Minas Gerais, (BORGES et al., 2008) deixa
claro que ao se tornar consciente do agravo à população tem como contribuir, de forma ativa e
permanente, no controle do mesmo, sendo esta a chave para a execução, consolidação e
vigilância das ações de controle de endemias como as leishmanioses.
2.3.1.2 Modificações ambientais
Cada mudança ambiental através de fenômenos naturais ou por intervenção humana,
altera o equilíbrio ecológico e o contexto dentro dos quais vetores e parasitas se desenvolvem
e transmitem doenças (PESSOA; MEDEIROS; BARRETT, 2007). Os flebotomíneos, por sua
vez, procriam mais comumente em lugares escuros, em fendas de árvores na presença de
húmus e umidade. Contudo, em face a sua graduação adaptação também tem procriado em
pridomicílios ricos em matéria orgânica e entulhos. O princípio do manejo ambiental é
administrar o ambiente de forma a torná-lo inadequado ao vetor (KISHORE et al., 2006).
Os abrigos de animais domésticos construídos próximos das habitações humanas, a
ausência de boas condições de higiene no peridomicílio e a proximidade de pequenos capões
de mata, freqüentemente observado nas áreas rurais em diversas regiões do Brasil
(TEODORO et al., 2001), associado às áreas com solos úmidos e acúmulo de matéria
orgânica de origem vegetal e animal, promove condições para a formação de criadouros e
concentração de flebotomíneos no ambiente peridomiciliar (CASANOVA, 2001).
34
As medidas preconizadas no manual de LTA (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007),
como a poda de árvores para aumentar a insolação e diminuir o sombreamento do solo
evitando as condições favoráveis de temperatura e umidade para o desenvolvimento de larvas
de flebotomíneos, são mais claras e objetivas e conseguem atingir melhor os focos de
procriação do vetor quando comparadas as recomendações do manual de LV (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2006).
Assim, uma alternativa para o controle de flebotomíneos pode-se dar através de
modificações do habitat favorável ao seu desenvolvimento, de alterações do microclima e do
ambiente. A exemplo dos trabalhos de reorganização e limpeza do peridomicílio, bem como a
desinsetização de edificações utilizados para o controle de flebotomíneos em Doutor
Camargo, Paraná, que diminuíram a freqüência desses dípteros no peri e intradomicílio, em
áreas endêmicas de LTA (TEODORO et al., 2004). Pessoa, Medeiros e Barrett (2007), após a
retirada dos troncos das árvores em uma floresta produtora de madeira na Amazônia, também
observaram que tanto a abundância vetorial quanto as taxas de fêmeas infectadas por
Leishmania, foram afetadas negativamente. A combinação de tratamento químico e manejo
ambiental de edificações também tem-se revelado eficaz na redução de vetores no
intradomicílio (MAIA-ELKHOURY et al., 2008).
Dessa forma, a importância vetorial dos flebotomíneos exige intensivas investigações
da ecologia destes dípteros como parte integrante da rotina dos serviços de saúde pública,
sobretudo nas regiões onde as leishmanioses são endêmicas (FRANÇA-SILVA et al., 2005).
Onde o entendimento das interações entre mudanças do meio ambiente urbano e os
flebotomíneos vetores constituem um pré-requisito para o desenvolvimento de ações
apropriadas de prevenção e estratégias de controle (GONTIJO; MELO, 2004).
2.3.1.3 Controle químico
A primeira tentativa de controle dos flebotomíneos usando inseticida foi feita com
diclorodifeniltricloroetano 5% (DDT) em focos de bartoneloses, no Peru, em 1944, com a
borrifação de cabanas, obtendo ação inseticida residual sobre Lutzomyia verrucarum por uma
semana (HERTIG; FAIRCHILD, 1948). Posteriormente, entre as décadas de 50 e 60, após
intenso trabalho para tentar erradicar a malária através do uso do DDT, observou-se que a
prevalência da leishmaniose em vários focos também caiu drasticamente, mas voltou aos
níveis prévios quando as borrifações foram suspensas (KISHORE et al., 2006). No Brasil,
esse inseticida foi usado pela primeira vez em 1954, contra focos de LTA no Rio de Janeiro
35
(NERY-GUIMARÃES; BUSTAMANTE, 1954). Tendo sido subseqüentemente utilizado em
campanhas de controle de Lu. longipalpis no Ceará, em algumas ocasiões os resultados foram
insatisfatórios, o que provavelmente se deveu a falha na aplicação do inseticida durante o
período apropriado (ALENCAR, 1961).
Devido às evidências decisivas contra o uso do DDT, conseqüência de seus efeitos
colaterais, ambiental e de risco a saúde humana (KISHORE et al., 2006), no Brasil, as
primeiras medidas restritivas se deram em 1971 quando foi proibida a fabricação e
comercialização de DDT e hexacloro-ciclo-hexano (BHC) para combate de ectoparasitos em
animais domésticos. Em 1985, proibiu-se em todo o território nacional a comercialização, o
uso e a distribuição de produtos organoclorados destinados à agropecuária. Mesmo assim,
esses inseticidas continuaram sendo permitidos em campanhas de saúde pública e em uso
emergencial na agricultura, a critério do Ministério da Agricultura (D’AMATO; TORRES;
MALM, 2002).
No momento a atenção está focada nos piretróides sintéticos, com aplicação destes
compostos nos domicílios e anexos do peridomicílio para o controle de flebotomíneos. Apesar
de amplamente utilizado, tem variado em eficácia, duração do impacto e no recurso requerido
pelas diferentes áreas endêmicas (GONTIJO; MELO, 2004; MAIA-ELKHOURY et al.,
2008). Os piretróides apresentam toxicidade nos mamíferos variando de baixa à moderada,
são pouco voláteis, tem alta atividade inseticida, seus efeitos independem do comportamento
do inseto e são necessárias baixas concentrações para causar efeito (KISHORE et al., 2006).
Foi o sucesso no uso de mosquiteiros impregnados com piretróides no controle do vetor da
malária que estimulou os estudos deste inseticida contra os flebotomíneos. Esta medida tem a
vantagem de poder ser empregada em nível doméstico/individual e pode ser disposta sem
grandes efeitos colaterais podendo ainda, controlar outros insetos picadores (MAROLI;
KHOURY, 2004). No Brasil, só há registro de um estudo controlado testando borrifações
intra e peridomiciliares com deltametrina para controle do vetor da LTA no estado do Espírito
Santo, onde embora tenha sido observado um bom efeito residual durante 12 meses pós-
tratamento, o inseticida só foi capaz de reduzir a densidade de flebotomíneos no
intradomicílio (FALCÃO et al., 1991).
Na prática a prevenção de doenças transmissíveis por vetores biológicos é bastante
difícil, ainda mais quando associada à existência de reservatórios domésticos e silvestres e aos
aspectos ambientais, incluindo aspectos físicos de utilização do espaço habitado (GONTIJO;
MELO, 2004). Nesse contexto, deve-se manter os animais domésticos distantes do
36
intradomicílio durante a noite, de modo a reduzir a atração dos flebotomíneos para este
ambiente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
É importante ainda ressaltar que, em áreas rurais onde as habitações estão mais
dispersas e rodeadas por grandes populações de reservatórios, os resíduos das borrifações
realizadas nas casas podem ser ineficazes e não ter aplicabilidade, por razões logísticas
(MAROLI; KHOURY, 2004). O manual da LV, por exemplo, recomenda que o controle
químico seja realizado em todos os domicílios da localidade onde ocorreu a transmissão
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Já o manual de LTA apresenta-se novamente mais
específico, indicando que a área a ser borrifada deve compreender um raio inicial de 500
metros em torno dos domicílios onde ocorreram os casos humanos, podendo esta distância ser
ampliada para um quilômetro quando as residências foram dispersas (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2007).
Em resumo, o controle de flebotomíneos têm focado o uso de inseticidas químicos.
Essas medidas apesar de atrativas não são permanentes, além do que, a precariedade das
habitações, a descontinuidade e/ou o uso em épocas inapropriadas e os riscos ambientais
advindos da aplicação de inseticidas em ambientes silvestres, constituem fatores limitantes
para o controle de flebotomíneos (TEODORO et al., 2007).
2.3.1.4 Coleira impregnada com deltametrina
Também já foram tentadas experiências baseadas no controle do vetor e centradas no
reservatório canino, como os experimentos recentes com coleiras impregnadas com
deltametrina (CID) (Fig. 11), que têm mostrado resultados promissores na proteção dos
animais, com conseqüências na transmissão (GONTIJO; MELO, 2004).
Figura 11. Coleira de pvc impregnada com deltametrina (A) e esquema do seu mecanismo
de ação em cães (B). Fonte: http:// www.sin-mosquitos.com...index.asp
A B
37
Em áreas endêmicas para LV na Itália (MAROLI et al., 2001) e no Irã (MAZLOUMI
GAVGANI et al., 2002), foi demonstrado que cães usando a CID durante toda estação de
transmissão, apresentaram menor risco de infecção com Leishmania infantum. Outros estudos
também têm confirmado o efeito anti-picada do uso da CID contra Lu. longipalpis e
Lutzomyia migonei, com uma taxa de redução entre 81 e 100%, por até 35 semanas. Acredita-
se que o efeito epidemiológico da CID seja imediato não somente pela redução na taxa de
cães picados pelo vetor, como também pela elevada taxa de mortalidade dos flebotomíneos ao
tentarem alimentar-se nos cães com CID (DAVID et al., 2001). Acredita-se que como efeito
prático, a CID não só protege os cães como também reduz o risco de transmissão de
Leishmania em crianças, podendo atuar no controle da LVC e substituir a controversa
eutanásia de cães nos programas de controle de alguns países (MAZLOUMI GAVGANI et
al., 2002). Contudo, através de modelo matemático simulou-se comparativamente o controle
da LV através do uso da CID com a eutanásia de cães por um período de cinco anos,
observando-se que não houve diferença significativa entre os dois tratamentos
(REITHINGER et al., 2004).
Assim, a decisão de incluir a aplicação em massa da CID nos programas de controle
das leishmanioses no Brasil dependerá da sua aplicabilidade prática no campo, ou seja, uso
voluntário, eficiência na troca dos colares e do custo relativo da intervenção (MAZLOUMI
GAVGANI et al., 2002; DANTAS-TORRES, 2006), a fim de interromper o ciclo de
transmissão doméstico, sendo necessária para isso a implementação de estudos longitudinais
que demonstrem sua efetividade como medida de controle (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2006).
2.3.1.5 Vacina contra LVC como “bloqueadora de transmissão”
A primeira vacina contra a LVC, LeishmuneÒ da Fort Dodge Saúde Animal, foi
desenvolvida pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a qual em testes de campo
foi capaz de proteger 92 a 95% dos cães vacinados contra LV (BORJA-CABRERA et al.,
2002). Apesar de ser uma medida diretamente voltada ao reservatório canino, estudos
experimentais demonstraram que fêmeas de Lu. longipalpis que se alimentam de cães
vacinados podem desenvolver receptores para os anticorpos produzidos pelo antígeno vacinal
ligante fucose-manose. Esses anticorpos, no intestino médio do vetor, bloqueiam o sítio de
ligação que seria usado pelo protozoário, não permitindo que novas formas de L. chagasi
ingeridas pelo inseto em outros repastos completem seu ciclo. Seus resultados foram
38
significativos tanto para L. infantum quanto para L. chagasi (SARAIVA et al., 2006). Os
achados deste estudo demonstraram que a vacina é um potencial bloqueador de transmissão,
abrindo uma nova perspectiva para o controle da LV através do bloqueio da transmissão
vetorial. Porém, ainda falta conhecimento sobre o impacto positivo que a vacina pode
provocar na saúde pública (DANTAS-TORRES, 2006). Por isso, o Ministério da Saúde ainda
não adotou a utilização desta vacina como medida de controle nas campanhas de saúde
pública contra LVC no Brasil. Além disso, os estudos até agora realizados não tem
demonstrado redução na incidência da LV humana, assim como ainda não há constatação de
seu custo-benefício e efetividade para o controle do próprio reservatório canino em programas
de saúde pública (WERKHAUSER, 2004).
Mais recentemente, foi lançada no mercado nacional uma vacina recombinante contra
LVC denominada Leish-TecÒ da Hertape Calier Saúde Animal S.A., desenvolvida por
pesquisadores da UFMG (HERMONT, 2008), esta vacina baseia-se em modificações
genéticas no DNA de L. chagasi e tem como antígeno a proteína recombinante A2
(FERNANDES, et al., 2008). Entretanto, até o presente momento não foram publicadas
pesquisas indicando possível efeito deste fármaco sobre o ciclo reprodutivo de Leishmania no
tubo digestvo do vetor.
2.3.1.6 Controle com plantas inseticidas
A necessidade de métodos mais eficazes e cada vez mais seguros no controle de
insetos também tem estimulado a busca de novos inseticidas em plantas (NOGUEIRA;
PALMÉRIO, 2001). As plantas têm sido importantes fontes de substâncias químicas ativas
contra insetos, tais como os piretróides (piretrina e aletrina) e os rotenóides. Estudos têm
demonstrado que alguns fitoquímicos agem em geral como tóxico contra adultos e larvas de
insetos, seja interferindo no crescimento e desenvolvimento do inseto e/ou na sua reprodução
ou produzindo ainda estímulo olfatório de atração ou repelência (ICMR Bulletin, 2003).
Os resultados comparativos do óleo de nim, Azadirachta indica, com N-dietil fenil
acetamida (DEPA) sobre P. papatasi demonstraram que o óleo utilizado por três dias nas
concentrações de 1% e 2% obteve efeito repelente significativamente superior
(SRINIVASAN; KALYANASUNDARAM, 2001). No Brasil, outro estudo testando
azadirachtina, um dos principais constituintes do neem, demonstrou que 0,1; 1,0 e 10,0g de
azadirachtina adicionados à dieta de larvas de Lu. longipalpis aumentou sua mortalidade em
mais de 70%, tendo as menores doses bloqueado a ecdise das larvas no terceiro estágio,
39
enquanto a maior dose chegou a bloquear a muda ainda no segundo estágio larvar. Os
resultados indicam que o neem como um potente inibidor do desenvolvimento de Lu.
longipalpis (COELHO et al., 2006).
Muitas outras espécies de plantas têm sido descritas na literatura como possuidoras de
atividade inseticida e/ou repelente. Luitgards-Moura et al. (2