UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA PROPGPq
CENTRO DE CINCIAS E TECNOLOGIA - CCT PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA PROPGEO
LAURA MARY MARQUES FERNANDES
O CEAR TURSTICO: POLTICA DE REGIONALIZAO E GOVERNANA NOS DESTINOS INDUTORES
FORTALEZA CEAR 2014
2
LAURA MARY MARQUES FERNANDES
O CEAR TURSTICO: POLTICA DE REGIONALIZAO E GOVERNANA NOS
DESTINOS INDUTORES
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Geografia do Programa de Ps-Graduao em Geografia do Centro de Cincias e Tecnologia da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutora em Geografia.
Orientadora: Prof. Dra. Luzia Neide M.T. Coriolano
FORTALEZA CEAR
2014
3
5
DEDICATRIA
Dedico esta tese minha me, Luiza Marques.
Ao meu filho, Pedro Marques Costa.
Profa. Dra. Luzia Neide Coriolano, minha
orientadora.
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AGRADECIMENTOS
O Doutorado foi antecedido por mudanas intensas na minha vida.
Realizao de um sonho foi tambm perodo que tornou gestos de apoio e ateno
mais preciosos. Sou grata a todos que me ajudaram, me torno ainda mais confiante
nessa fora que chamo de Deus e mantenho a inquietao em aprender. Sou muito
grata:
minha me Luiza, uma das melhores pessoas que conheo, pelo amor,
apoio e incentivo.
Ao meu filho Pedro, tesouro que no me pertence, por simplesmente
existir.
s minhas irms Fernanda e Cristine pelas palavras de incentivo. Tudo
tem uma histria, assim agradeo ao meu irmo George que muito me ajudou no
Mestrado construindo o caminho na produo da pesquisa cientfica que me trouxe
ao Doutorado.
Aos meus sobrinhos, Joo, Ana Luiza e Matteo. Vidas que se iniciam, so
fontes de inspirao.
minha orientadora, Profa. Dra. Luzia Neide Coriolano pela dedicao ao
trabalho de orientao. Muito obrigada Professora, pelos ensinamentos, por
destacar minhas qualidades positivas. Obrigada pela solidariedade, amizade e
confiana. Meu respeito e admirao.
Aos amigos e todas as pessoas que em algum momento me ajudaram,
direta ou indiretamente, no perodo do Doutorado, especialmente: Jean Franois,
Adriana, Ana Clia, Ana Clvia, Ana Cristina,Ana Maria, Cldio, Colombo,
Conceio, Fred,Jefferson, Juraci Gutierres, Lena, Marcelo,Maria lia, Nilson, Pedro
Srgio, Rafael, Rebouas, Rosaline,Rozania, Tereza Neuma e Tiago.
Ao caro Tomaz Joca Noleto, pela amizade desinteressada, pela presena
constante, pela serenidade e muitas risadas nos poucos momentos de lazer.
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Ao Sr. Manuel Coriolano e Fbio Coriolano pela cordialidade com que me
recebem na residncia da famlia.
Aos professores Eustgio Dantas, Paulo Henrique Oliveira,Horcio Frota,
Hildemar Brasil e Ana Arajo pelas crticas e sugestes feitas ao projeto de tese.
Aos professores Daniel Pinheiro, Everaldo Melazzo e Fbio Perdigo
pelas contribuies em sala de aula e tratamento cordial.
Aos professores da banca examinadora da tese que aceitaram o convite
para este momento to importante para mim, e certamente, para minha orientadora,
pois sou sua primeira doutoranda: Agileu Gadelha, ClertonMartins, Daniel Pinheiro,
Fbio Perdigo, Francisco dos Anjos, Maione Cardoso e Sylvio Bandeirade Mello.
Aos profissionais e funcionrios das instituies com quem obtive
documentos e informaes.
Fundao Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico- FUNCAP pela concesso da bolsa de estudo.
Jlia e Adriana da secretaria do PROPGEO pela habitual cordialidade e
presteza.
Aos entrevistados, sem eles a tese no se efetivaria.
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RESUMO
O espao geogrfico cearense torna-se locus de turismo e de polticas pblicas que
incentivam o desenvolvimento da atividade. Neste estudo parte-se da premissa que
o turismo gera territorialidade de forma desigual no espao geogrfico cearense e
prtica social e atividade socioeconmica que ocasiona transformaes diversas nas
regies tursticas. fenmeno socioeconmico com contedo material e simblico,
atividade recente com produo cientfica que leva atualizao de conceitos e que
na regionalizao do turismo a governana proposta de democratizao na gesto
pblica e possibilita a socializao da poltica. A tese trata da governana nos
destinos indutores do desenvolvimento turstico regional do Cear: Fortaleza,
Aracati, Jijoca de Jericoacoara e Nova Olinda. Tem como objetivo principal estudar a
governana no processo de regionalizao por meio das instncias de governana
locais: os grupos gestores dos destinos indutores. Tambm so objetivos da tese
identificar que papis os grupos gestores tm desempenhado nas polticas pblicas
de turismo nos destinos indutores e nas regies tursticas, conhecer desafios,
contribuies, dificuldades e conflitos que os grupos gestores enfrentam para
efetivao da governana pela regionalizao. Buscou-se realizar estudo crtico,
encontrar as determinaes e contradies inerentes ao fenmeno estudado,
entendendo que a relao entre sujeito investigador e investigado se inicia na
escolha do problema. Realizaram-se reviso de literatura, pesquisa documental,
entrevistas e aplicao de questionrios. Os resultados da pesquisa revelaram que
possvel avanar na governana apesar da desarticulao dos grupos gestores em
consequncia de mudanas poltico-administrativas. E ainda que as dificuldades na
efetivao da governana esto relacionadas ao pouco reconhecimento dos
governos s instncias de governana e que a estratgia de destino indutor regional
no produziu os resultados pretendidos pela poltica. Deste modo, verificou-se a
confirmao das hipteses da tese: o incremento da governana incipiente, os
investimentos se concentram na implantao de infraestrutura, equipamentos e
servios voltados ao turismo, a despeito de ainda existirem muitas deficincias nos
destinos indutores; os grupos gestores foram institudos para descentralizar o poder
de deciso relacionado ao turismo, mas no conseguem atuar da forma pretendida,
os grupos gestores dos destinos indutores so institudos, mas no se mantm
articulados e pouco contribuem para o desenvolvimento do turismo nas regies do
Cear. Conclui-se que a efetivao da regionalizao e da governana necessita de
direcionamento e de realizaes. A estrutura de governana proposta implica
compatibilizar a autonomia das instncias de governana, legitimar politicamente
esses sujeitos e definir instrumentos que dificultem a mudana de encaminhamento
da organizao da governana a cada eleio. Para ocorrer o desenvolvimento
regional so necessrios planos e projetos regionais e no apenas priorizao de
destinos indutores.
Palavras- chave: Turismo. Regionalizao. Governana. Destino indutor. Grupo
gestor.
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ABSTRACT
Ceara's geographic area becomes a space for tourism and public policies that
stimulate growth of this activity. We started with the premise that tourism generates
territoriality in an uneven way in Ceara's geographic area; that it is a social practice
and a socio-economic activity which causes various changes in the tourism regions,
a socio-economic phenomenon with symbolic and material content, a recent activity
with scientific production that leads to renewing concepts and that, in the process of
regionalizing, governance is a way to democratise public management and to make
possible socialisation of politics. The thesis deals with governance of the inductors
destinations of regional development of tourism in the state of Ceara: Fortaleza,
Aracati, Jijoca de Jericoacoara and Nova Olinda. The main objective is to study the
governance of inductors destinations in the regionalization process. Also identify the
role of managers groups in tourism policies in inductors destinations and tourist
areas. Knowing the challenges, contributions, difficulties and conflicts that such
organizations face in the execution of governance. We attempted to realize a critical
study, to find the determinations and contradictions inherent to the subject studied,
understanding that the relation between the research subject and investigated
subject begins with the selection of the problem. We realized literature reviews,
document research and interviews. The results of the study revealed that it is
possible to progress in the governance; it also showed that they disarticulate due to
politico-administrative changes, that difficulties in the application of governance are
related to the low level of recognition of governments for the managers groups and
that the regional destinations inductors strategy did not produce the results intended
by the political establishment. Thus, we verified the confirmation of our hypotheses:
although many deficiencies still exist in the inductors destinations, investments are
being concentrated upon the infrastructures, equipments and services related to
tourism, while the increase of governance is incipient, managers groups were
established to decentralize of decision making power, but fail to work as intended
managers groups inductors destinations are established but not maintained
articulated, their contribute to the development of tourism in the regions of Cear is
not significative. The realization of regionalization and governance needs direction
and accomplishments, and the proposed governance structure implies making
compatible the autonomy of managing organs, to legitimize these subjects in a
political way, to determine ways that could hamper the governance structure policy
changes with each election. To occur regional development projects and regional
plans are necessary on a regional level and not only for inductors destinations.
Key-words: Tourism. Regionalization. Governance. Inductor destination. Managers
groups.
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LISTA DE SIGLAS
ABAV Associao Brasileira de Agncias de Viagens
ABEOC Associao Brasileira das Empresas de Eventos
ABIH Associao Brasileira da Indstria Hoteleira
ABRASEL Associao Brasileira de Bares e Restaurantes
ACETER Associao Cearense do Turismo no Espao Rural e Natural
AMHT Associao dos Meios de Hospedagem e Turismo do Cear
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIT Feira Internacional de Turismo de Milo
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
BNTM Brazil National Tourism Mart
BTL Bolsa Turismo de Lisboa
CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CEC Centro de Eventos do Cear
CEDE Conselho Estadual de Desenvolvimento Econmico
CIC Centro Industrial Cearense
CNAE Classificao Nacional de Atividades Econmicas
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatrio de Impacto Ambiental
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
EMCETUR Empresa Cearense de Turismo
11
ENANPEGE Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em
Geografia
FC&VB Fortaleza Convention and Visitors Bureau
FDI Fundo de Desenvolvimento Industrial do Cear
FIFA FdrationInternationale de Football Association
FINOR Fundo de Investimentos do Nordeste
FITUR Feira Internacional de Turismo de Madrid
FMI Fundo Monetrio Internacional
GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios
IDM ndice de Desenvolvimento Municipal
IDS ndice de Desenvolvimento Social
IDS-R ndice de Desenvolvimento Social de Resultado
IPECE Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear
IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Arquitetnico Nacional
IPLANCE Fundao Instituto de Pesquisa e Informao do Cear
ISIC International Standard Industrial Classification
ITB Feira Internacional de Turismo de Berlim
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
MTur Ministrio do Turismo
OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico
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OIM Organizao Internacional para as Migraes
OMT Organizao Mundial do Turismo
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
PDTIS Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentvel
PIB Produto Interno Bruto
PLAMEG Plano de Metas Governamentais
PNC Programa Nordeste Competitivo
PNMT Programa Nacional de Municipalizao do Turismo
PRODETUR Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo
PRODETURIS Programa de Desenvolvimento do Turismo do Litoral do Cear
PROURB Programa de Desenvolvimento Urbano e Gesto de Recursos
Hdricos
PRT Programa de Regionalizao do Turismo
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
Redturs Rede de Turismo Comunitrio da Amrica Latina
RMF Regio Metropolitana de Fortaleza
SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SEP Secretaria de Portos
SEPLAN Secretaria de Planejamento
SEPLAG Secretaria do Planejamento e Gesto do Cear
SETUR Secretaria do Turismo do Cear
SEUMA Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza
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SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste
Turisol Rede Brasileira de Turismo Solidrio e Comunitrio
UHs Unidades Habitacionais
UIOOT Unio Internacional dos rgos Oficiais de Turismo
USTTA United States Travel and Tourist Administration
14
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Centro de Eventos do Cear - CEC .......................................................... 38
Figura 2: Bondinho de Ubajara, CE .......................................................................... 47
Figura 3: EMCETUR, Fortaleza ................................................................................ 47
Figura 4: Orla martima de Fortaleza ........................................................................ 48
Figura 5: Aeroporto Internacional de Fortaleza - Pinto Martins ................................ 52
Figura 6: Aeroporto de Cruz nas proximidades de Jericoacoara.............................. 57
Figura 7: Aeroporto de Aracati ................................................................................. 57
Figura 8: Aeroporto de Juazeiro do Norte - Orlando Bezerra de Menezes .............. 58
Figura 9: Participao das regies brasileiras na emisso de turistas para o Cear
em 2010 .................................................................................................................... 79
Figura 10: Principais mercados emissores internacionais para o Cear via Fortaleza
em 2010 .................................................................................................................... 80
Figura 11: Municpios cearenses mais visitados pelos turistas via Fortaleza 2012 100
Figura 12: Oferta hoteleira nos municpios tursticos do Cear - 2012 ................... 105
Figura 13: Fases tericas do Turismo - paradigmas de Thomas S. Kuhn .............. 112
Figura 14: Macrorregies Tursticas - Principais ncleos regionais e ncleos
tursticos .................................................................................................................. 201
Figura 15: Regies tursticas do Cear - Programa de Regionalizao do Turismo
................................................................................................................................ 202
Figura 16: Mapa das regies tursticas do Cear/2013 .......................................... 203
Figura 17: Cear: regies e destinos prioritrios .................................................... 205
Figura 18: Localizao dos destinos indutores do Cear ....................................... 216
Figura 19: Orla martima de Fortaleza .................................................................... 219
Figura 20: rea Interna do Mercado Central, Fortaleza. ........................................ 220
Figura 21: Centro Drago do Mar de Arte e Cultura - Fortaleza ............................. 220
Figura 22: Sede urbana de Aracati ......................................................................... 221
Figura 23: Rua principal de Canoa, Broadway ....................................................... 222
15
Figura 24: Falsias e cone de Canoa Quebrada, Aracati ...................................... 223
Figura 25: Trecho de acesso Jericoacoara ......................................................... 223
Figura 26: Vila de Jericoacoara. Jijoca de Jericoacoara ........................................ 224
Figura 27: Vila de Jericoacoara. Jijoca de Jericoacoara ........................................ 225
Figura 28: Sede do municpio de Nova Olinda ....................................................... 226
Figura 29: Faixa no prdio do centro de visitantes de Nova Olinda ....................... 227
Figura 30: Oficina de Espedito Seleiro ................................................................... 227
Figura 31: Loja de Espedito Seleiro ....................................................................... 228
Figura 32: Fundao Casa Grande ........................................................................ 228
Figura 33: Smbolo das pousadas domiciliares em Nova Olinda ........................... 229
Figura 34: Integrao dos projetos ......................................................................... 267
16
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Demanda turstica do Cear .................................................................... 78
Quadro 2: Valores de investimento efetuados por estrangeiro pessoa fsica 2010-
2013 .......................................................................................................................... 88
Quadro 3: Autorizaes concedidas a estrangeiros no Cear e pas de origem ...... 89
Quadro 4: Oferta hoteleira nos municpios tursticos do Cear: dezembro 2012 ... 103
Quadro 5: Etapas para implantao dos Programas de Municipalizao e de
Regionalizao ........................................................................................................ 188
Quadro 6: Destinos indutores do desenvolvimento turstico regional no Brasil ...... 197
Quadro 7: Regies tursticas do Cear 2013 e 2009 ............................................. 204
Quadro 8: Regies dos destinos indutores do desenvolvimento turstico regional . 209
Quadro 9: Destinos indutores e resultados globais e dos indicadores que
contemplam emprego e renda dos ndices de Desenvolvimento Social IDS de
resultado e do Desenvolvimento Municipal IDM ................................................... 212
Quadro 10: Rede Tucum nos destinos indutores do desenvolvimento turstico
regional ................................................................................................................... 214
Quadro 11: Evoluo da populao dos destinos indutores - 2000/2010 .............. 217
Quadro 12: PIB por setor 2010 ............................................................................... 218
Quadro 13: Agenda dos grupos gestores no Cear ............................................... 269
Quadro 14: Dimenses e variveis do ndice de competitividade .......................... 278
Quadro 15: ndice de competitividade do turismo nacional .................................... 280
Quadro 16: Boas prticas nos destinos indutores do desenvovlimento turstico
regional ................................................................................................................... 284
Quadro 17: Os dez destinos tursticos em alta ....................................................... 286
Quadro 18: Avaliao sobre quem exerce influncia na tomada de deciso
relacionada ao turismo na cidade ............................................................................ 297
Quadro 19: Coeso entre integrantes dos grupos gestores ................................... 300
17
SUMRIO
LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... 10
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. 14
LISTA DE QUADROS ............................................................................................... 16
INTRODUO .......................................................................................................... 19
PARTE I - A INVENO DO CEAR TURSTICO .................................................. 33
1 REORDENAMENTO SOCIOESPACIAL E TURISMO NO CEAR .................... 35
1.1 Marcos da construo do Cear turstico ...................................................... 40
1.2 Ocupao histrica e econmica do Estado na insero do turismo ............. 62
1.3 Impactos do turismo no Cear ....................................................................... 76
1.4 Mobilidade de turistas no espao cearense ................................................... 85
2 A OPO METODOLGICA E O CAMINHO PERCORRIDO ......................... 107
2.1 Epistemologia do turismo e aproximao do fenmeno estudado ...............110
2.2 A produo do conhecimento pela pesquisa ...............................................119
PARTE II TURISMO, POLTICA PBLICA E REGIONALIZAO NO CEAR 126
3 TURISMO E POLTICA PBLICA ................................................................... 127
3.1 Concepes do turismo em Geografia ......................................................... 133
3.2 Polticas pblicas e turismo na estrutura governamental ............................. 142
4 REGIO E REGIONALIZAO NO TURISMO DO CEAR ............................ 159
4.1 Regionalizar: articular lugares tursticos em busca de competitividade ....... 163
4.2 Regionalizaes do territrio cearense para o turismo ................................ 199
18
PARTE III GOVERNANA E GRUPOS GESTORES DOS DESTINOS INDUTORES DO DESENVOLVIMENTO TURSTICO DAS REGIES CEARENSES
................................................................................................................................ 233
5 GOVERNANA COMO POSSIBILIDADE DE SOCIALIZAO DA POLTICA...... .................................................................................................... 235
5.1 Concepes de governana......................................................................... 238
5.2 Governana: grupos gestores nos destinos indutores do desenvolvimento turstico regional no Cear ................................................................................ 263
6 GOVERNANA E COMPETITIVIDADE NA REGIONALIZAO DO TURISMO ..
...........................................................................................................................273
6.1 A competitividade na regionalizao
...........................................................................................................................276
6.2. Dinmica e (des) construo dos espaos de governana nos destinos
indutores do Cear ............................................................................................288
CONCLUSO ......................................................................................................... 318
REFERNCIAS ....................................................................................................... 329
APNDICES ........................................................................................................... 351
19
INTRODUO
Esta tese tem como objeto de anlise o turismo no Cear com nfase na
regionalizao e governana nos destinos indutores do desenvolvimento turstico
regional. Estudam-se regionalizao no turismo, relaes contraditrias das
polticas, prtica discursiva e governana o que implica compreender as diretrizes da
gesto do turismo propostas pelo Governo Federal por meio do Programa de
Regionalizao do Turismo - PRT. A rea de abrangncia da pesquisa engloba
todos os destinos indutores do desenvolvimento do turismo regional no Cear no
mbito do PRT: Fortaleza, Aracati, Jijoca de Jericoacoara e Nova Olinda. Cidades
localizadas em regies tursticas distintas e que apresentam diferentes experincias
de desenvolvimento do turismo.
O Cear definido como turstico por consecutivos governos desde a
dcada de 1980, o que indica que o turismo uma das atividades indutoras do
crescimento socioeconmico do estado. O Cear Turstico remete ao territrio
cearense, mas, muito mais a uma imagem projetada do estado como destino de
frias, de investimento de negcios, contrapondo-se imagem das dificuldades com
as secas e com as carncias socioeconmicas. As polticas de turismo esto no
centro do processo de modernizao do estado do Cear que privilegia tambm a
indstria e o agronegcio.
A concretizao de projetos pblicos voltados ao turismo produz o espao
geogrfico cearense mudando, principalmente, a Metrpole Fortaleza, lugar de
destaque no apenas no Nordeste, mas no pas. O Cear reinventado para a
atividade turstica se moderniza e diz respeito ao movimento dos fluxos de pessoas
para lazer e trabalho. O Cear torna-se destaque socioeconmico na produo de
territorialidade e de relaes com outras metrpoles recebendo fluxos de empresas
areas nacionais e internacionais e cruzeiros martimos. As atividades ligadas ao
turismo se desenvolvem de forma seletiva, portanto desigual no espao geogrfico e
nas regies tursticas.
Fortaleza e outros municpios litorneos so destaque no interesse dos
fluxos internacionais e nacionais. A hegemonia de Fortaleza resultado das polticas
20
pblicas e privadas que investem tornando certas regies dinmicas e competitivas.
O lazer e o turismo tambm so desenvolvidos nas serras e no serto cearense,
porm em escala menor de fluxo de pessoas e de investimento. Entre os 20
municpios mais visitados em 2012, conforme pesquisa da demanda turstica via
Fortaleza, esto no litoral os dez primeiros que representam em torno de 51% do
fluxo total: Caucaia, Aquiraz, Beberibe, Aracati, Jijoca de Jericoacoara, Paraipaba,
So Gonalo do Amarante, Cascavel, Paracuru e Trairi. Os municpios das serras e
do serto que compem a lista so: Sobral, Canind, Guaramiranga, Maranguape,
Juazeiro do Norte e Maracana (SETUR/CE, 2014)1. A referncia ao Cear turstico
no de um Cear homogneo, pois nem Fortaleza, o principal destino turstico do
Cear totalmente turstica, como no homogneo o Nordeste turstico, o Brasil
agrrio ou o Brasil agroexportador.
Imagens do Cear Turstico so projetadas pelo marketing dos governos
estaduais com a inteno de despertar interesse em investimentos, ampliar os fluxos
de turistas que visitam o Cear. So veiculadas imagens da beleza natural que
destacam o semirido e divulgam de forma atrativa as muitas horas de sol e a m
distribuio das chuvas. Diversas imagens so atribudas a um mesmo lugar, assim
nas aes de marketing o Cear turstico o Cear prspero. Aes promocionais
do Estado e publicitrias de empresrios realam atributos positivos da terra
cearense, as riquezas do patrimnio cultural com destaque para o artesanato, a
culinria e a hospitalidade do povo, alm da modernidade dos equipamentos e da
qualidade dos servios disponveis no estado, embora haja muito a ser melhorado
na prestao de servios tursticos e nas condies sociais do estado, estas esto
aqum do desejado pela populao.
Importantes iniciativas voltadas ao turismo so desenvolvidas antes dos
anos 1980 como a criao da Empresa Cearense de Turismo EMCETUR, a
implantao do bondinho de Ubajara, do Centro de Convenes Edson Queiroz e
dos hotis municipais. Mas a atividade turstica entra no centro de interesses dos
governos do Cear, principalmente, a partir dos anos 1980. Na dcada de 1990 o
rgo oficial de turismo transformado em Secretaria de Estado e se implanta o
Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo PRODETUR/CE
1 Indicadores Tursticos 1995/2013. SETUR/CE, 2014.
21
responsvel pela estruturao da atividade. Com o Programa de Desenvolvimento
do Turismo - PRODETUR em diferentes fases: PRODETUR I, II e PRODETUR
Nacional so executadas aes diversificadas como a reestruturao do terminal de
passageiros do Aeroporto Internacional Pinto Martins, ampliao do acesso ao litoral
Oeste, ampliao e implantao do sistema de esgotamento sanitrio e
abastecimento d'gua em trechos do litoral Oeste. Os municpios de Aracati e Cruz
passam a contar com aeroportos em virtude das atividades tursticas nas praias de
Canoa Quebrada e Jericoacora.
O Cear turstico se diversifica, investe-se no segmento de negcios e
eventos, assim em 2012, o Governo do Estado inaugura o Centro de Feiras e
Eventos, projeto de aproximadamente R$ 580 milhes. O sistema virio da
Metrpole foi modificado com construo de tneis e viadutos para viabilizar o
acesso a essa rea equipada para o turismo. Procede-se ampliao do terminal de
passageiros do Porto do Mucuripe tendo em vista o turismo de cruzeiros e a
requalificao urbana da Metrpole.
A deciso poltica dos governos de priorizar o turismo resulta em
intervenes na mobilidade urbana. Instala-se um Cear turstico totalmente
diferenciado do Cear das dcadas de 1950 a 1970, embora antigos problemas
persistam tanto na Metrpole quanto no serto semiarido e no litoral, a exemplo das
ocupaes desordenadas, saneamento bsico precrio, transporte urbano e novos
problemas estejam surgindo, como a violncia e as drogas. No serto, a questo da
gua persiste em razo das secas peridicas e da forma como a questo
administrada sendo um dos grandes problemas enfrentados pela populao e pelos
governos. As polticas pblicas no Cear privilegiam grandes projetos considerados
estruturantes para o estado como o Porto do Pecm. No turismo, as polticas no
so diferentes, o modelo de desenvolvimento pautado na lgica da modernizao
espacial.
A opo pelo turismo no Cear relaciona-se s mudanas na economia
mundial geradas pela crise industrial que pem em evidncia os servios. O capital
se desloca dos pases centrais para pases onde a mo de obra encontra-se
desorganizada e sem forte poder de barganha. H reordenamento espacial do
turismo mundial com o redirecionamento de indstrias para pases em
22
desenvolvimento que mobiliza fora de trabalho de alto nvel para pases pobres e
perifricos ao capital, o que exige equipamentos e instalao de espaos de lazer e
turismo para atendimento a essa demanda. O Cear e outros estados do Brasil
passam pela experincia da industrializao tardia. Com a liberao do tempo dos
trabalhadores nos pases centrais o capitalismo incorpora o lazer e o turismo
tambm como oportunidade de garantir a reproduo da fora de trabalho alm da
acumulao. A dinmica do capital e as particularidades histricas do Cear
contextualizam o desenvolvimento do turismo no estado.
A disperso dos fluxos tursticos evolui e no se d mais apenas dos
pases centrais aos perifricos, mas tambm no sentido oposto. O pblico brasileiro,
por exemplo, considerado importante no consumo turstico dos Estados Unidos, da
Frana e de outros pases. Os habitantes do hemisfrio norte buscam o litoral
tropical, sendo o litoral motivao importante tambm para os brasileiros que
buscam o Nordeste. A regio Nordeste que oscilou do protagonismo, ao ser lugar da
primeira capital do Brasil, perda de poder poltico e econmico para o Sudeste,
tem no turismo forma de ascenso no cenrio nacional. Passa a ser vista no
apenas como regio pobre e local de sada de trabalhadores, mas tambm como
regio de entrada de turistas, principalmente, brasileiros. O Nordeste do Brasil,
destino turstico de regio perifrica mundial, internamente, assume ares de espao
polarizador e na diviso internacional do trabalho incorpora a atividade de servios:
o turismo.
Fazer turismo implica deslocamento do lugar de residncia, necessrio
ir ao lugar escolhido: o destino turstico. No h possibilidade de transferncia
distncia, fazer turismo pressupe consumo da viagem e o lazer. As conquistas dos
trabalhadores por tempo livre e por frias pagas geram perspectiva de lazer e
turismo. O tempo livre usado para fazer turismo torna-se mercadoria, revertendo
conquistas dos trabalhadores ao consumo em viagem. Mas a experincia de fazer
turismo est para alm do deslocamento e da compra de mercadoria, pois envolve
expectativas de quem viaja e realiza troca cultural em relaes sociais entre
visitantes e visitados. Fazer turismo vivenciar experincias de estar em outro lugar
que no o do cotidiano.
23
O Cear se destaca como destino turstico de sol e praia, negcios e
eventos e aventura. O passeio ainda a maior motivao da demanda turstica via
Fortaleza, representa 46,81%, em 2013. Mas a motivao para eventos aumenta na
demanda total em 2013, quando fica em torno de 11,5%. Em 2009, o segmento de
eventos representava 7,3% da demanda total (SETUR, 2014). O segmento de
negcios e eventos passa a receber mais ateno e investimentos como a reforma
do Centro de Convenes e a implantao do Centro de Feiras e Eventos que
qualifica a cidade de Fortaleza e o Cear para a concorrncia de grandes eventos
nacionais e internacionais. Gestores hoteleiros habilitam os hotis com instalaes e
servios para realizar eventos. O segmento de eventos transformado em
importante segmento para o estado e o Cear em um dos destinos tursticos
nacionais mais procurados pelos brasileiros.
A demanda via Fortaleza nacional e internacional de 3.141.406 turistas
em 2013. A taxa de ocupao hoteleira tem tido movimento ascendente e com
percentuais de 57,4% e 69,2% nos anos de 2006 e 2013, respectivamente. O
turismo desempenha papel importante na economia do Cear, o setor de servios
representa cerca de 70% da economia cearense e a participao do turismo de
15,6% em 2013. A participao da renda gerada pelo turismo no Produto Interno
Bruto - PIB de 11,1% em 2013.
Investimentos de grande envergadura voltados ao turismo tm sido feitos
pelos sucessivos governos na busca de gerao de emprego e renda. A iniciativa
privada tambm investe nas atividades tursticas, assim a oferta hoteleira do Cear
de 27.836 unidades habitacionais UHs. Em maio de 2010 so registrados 2.519
prestadores de servios tursticos em Fortaleza: agncias de viagens, meios de
hospedagem, organizadoras de eventos, transportadoras tursticas, cooperativas de
txi, guias de turismo, restaurantes e boxes de artesanato. No estado, so
aproximadamente 117.997 empregos na hotelaria e alimentao em 2006, 129.990,
em 2011 e 140 mil em 2013 (SETUR, 2013).
As associaes de classe representam setores chave na
operacionalizao do turismo. a mobilizao dos empresrios que dependem da
articulao dos setores pblicos, pois o negcio, qualquer que seja, est instalado
em uma cidade, em uma regio e interage com a forma como o espao turstico
24
ordenado. O setor privado no Cear se organiza e os empresrios fundam sees
estaduais da Associao Brasileira de Agncias de Viagens ABAV-CE, Associao
Brasileira da Indstria Hoteleira - ABIH-CE, Associao Brasileira das Empresas de
Eventos - ABEOC-CE, Associao Brasileira de Bares e Restaurantes - ABRASEL,
alm da Associao dos Meios de Hospedagem e Turismo do Cear AMHT,
Associao Cearense de Turismo no Espao Rural e Natural ACETER e o
Fortaleza Convention & Visitors Bureau, por exemplo. Fruns que renem setores
pblicos, privados e a sociedade civil se organizam: Frum de Turismo do Cear,
Frum de Cultura e Turismo do Cariri, Frum do Litoral Leste, entre outras
entidades. Essas entidades fortalecem diferentes atividades e a governana no
turismo, denotando a capacidade de organizao e articulao da sociedade.
Essas informaes atestam a relevncia que o turismo alcana no Cear,
no entanto, a instalao de equipamentos tursticos e o fluxo de turistas promovem
segregao espacial, acarretam a sada de comunidades pesqueiras das praias. A
paisagem dos lugares se urbaniza, comunidades modificam hbitos, ocorre
desmantelamento de atividades tradicionais e privatizao do espao litorneo. Os
impactos so irreversveis e no acompanhados apenas de gerao de riqueza para
as populaes residentes. A apreciao do turismo no se restringe ao aumento da
demanda e da oferta turstica, pois so gerados custos para a sociedade com a
apropriao do espao geogrfico, assim as mudanas decorrentes nas vidas das
populaes e no ambiente fsico devem ser levadas em conta.
Com o turismo, ambientes so alterados, os preos das mercadorias
aumentados, modos de ser e fazer das populaes visitadas modificados, ambientes
degradados, aumenta a produo de lixo, o consumo de gua e de energia.
Investidores lucram, o Estado recolhe impostos e contribuies e a populao local
usufrui de empregos formais e informais, apesar de alguns postos de trabalho serem
sazonais. O ritmo do crescimento dos lugares intenso e o turismo acelera o
processo e gera lucros que so distribudos de forma desigual. O desempenho do
turismo beneficia a muitos, mas h que se interrogar como esto divididos esses
benefcios e qual a relao custo benefcio para os interessados: governos,
empresrios e comunidades, ou seja, o que est crescendo, para quem e a que
custo. A ocupao desordenada, as mudanas socioculturais, a destruio do solo,
consumo de gua e energia e o consumo da natureza precisam ser contabilizados.
25
Os custos da explorao da atividade ficam com a natureza e, em grande
parte, com os habitantes e o lugar. Os governos priorizam as polticas de turismo,
instigam investidores a ampliar os investimentos nas atividades tursticas, a exemplo
de resorts e hotis, pois buscam divisas e impostos e os residentes nem sempre so
prioridade. Quando os governos alteram o foco das polticas e investidores se
deslocam para outros pases e lugares as pessoas e pequenos investidores que
passaram por transformaes irreversveis no podem sair, pois no tm a
mobilidade dos investidores. A companhia livre para se mudar, mas as
consequncias da mudana esto fadadas a permanecer. Quem for livre para fugir
do lugar livre para escapar das consequncias, como explica Bauman (1999). Para
o autor (1999) esses so os esplios mais importantes da vitoriosa guerra espacial,
explicada por Santos (2006), como competitividade dos lugares.
No Cear, por meio de polticas pblicas so implantadas infraestruturas
orientadas para o crescimento do turismo. As polticas privadas de turismo tm
gerado empregos nos mercados formal e informal por desencadearem
transformaes com efeito multiplicador. Alimentos e bebidas, por exemplo, so
reas que mais empregam no Cear, conforme dados do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados CAGED (SETUR, 2012). No entanto, algumas
transformaes esto distantes dos objetivos de desenvolvimento social, pois so
direcionadas ao mercado e no s pessoas. A atividade turstica permeada de
contradies, gera concentrao de riqueza que implica escassez para outros nos
destinos receptores. O desenvolvimento do turismo no Nordeste e no Cear segue o
eixo convencional voltado ao mercado e lucros, e o eixo alternativo desenvolvido por
comunidades voltado para a defesa do meio ambiente e ao combate pobreza.
O turismo adquire importncia no Cear como demonstram as paisagens
urbanas da Metrpole Fortaleza e de vrios municpios tursticos. Hotis municipais
do lugar a empreendimentos de hospedagem da iniciativa privada: pousadas,
hotis, resorts que avanam em quantidade, qualidade e requinte. So oferecidos
servios tursticos como: restaurantes, bares, cafs, barracas de praia, casas de
restaurao especializadas nas quais se encontra da comida local japonesa,
italiana, chinesa e especialidades da cozinha brasileira. E ainda segmentos do
turismo esportivo como surf, windsurf, kitesurf, asa delta, parapente que oferecem
26
servios para a prtica dessas modalidades. H porm, a necessidade de preparar
as localidades para apoiar as especificidades dos segmentos de turismo.
relevante investigar o fenmeno turstico que integra movimento em
escala global e local, gera impactos sociais, ambientais, econmicos e polticos e
outros resultados de forma intensa. A anlise do Cear sob a perspectiva do turismo
exige pensar as consequncias decorrentes da atividade, pois o fenmeno turismo
impulsionado por polticas pblicas e privadas se apropria de espaos.
A Constituio Federal brasileira considera o turismo fator de
desenvolvimento social e econmico promovido pela Unio, Estados, Distrito
Federal e Municpios (art. 180, CF/88) conferindo importncia atividade. A
descentralizao da gesto e o estmulo participao da sociedade acontecem
desde os anos 1990 com a reforma gerencial do Estado e quando o turismo
expresso como atividade significativa para o crescimento do Brasil. Em decorrncia,
o Programa de Municipalizao e, em seguida, o de Regionalizao enfocam a
participao efetiva dos gestores municipais e lideranas locais indicando forma
descentralizada de gerir o turismo pela poltica da governana.
No Brasil, a regionalizao no turismo institucionalizada na poltica
pblica de turismo pelo governo federal, a partir de 2003, definindo a regio como
escala territorial para a gesto do turismo. Apresentada ao pas em 2004, sugere a
articulao dos lugares tursticos em regies, portanto estudar a regionalizao do
turismo como proposta nacional remete ao processo iniciado h uma dcada.
Ratificada na Lei 11.771 de 2008, chamada Lei Geral do Turismo, sendo objetivo do
Sistema Nacional do Turismo, conforme Decreto n 7381/2010.
Com a meta de estruturao de 65 destinos tursticos com padro de
qualidade internacional do Plano Nacional do Turismo Uma viagem de incluso
2007- 2010 surge o chamado destino indutor, definido como aquele capaz de induzir
o desenvolvimento turstico regional. Assim, alm da regio que agrupa municpios,
a regionalizao passa a utilizar a figura do destino indutor do desenvolvimento
turstico regional. A partir dos recortes territoriais, surgem as instncias de
governana: a regional e a municipal, esta ltima denominada de grupo gestor do
destino indutor.
27
Trabalhar o tema governana no turismo remete perspectiva de
execuo de polticas que levem a resultados de interesse das populaes
residentes. estudar uma forma proposta na poltica pblica de turismo de como o
Estado e a sociedade podem operar diminuindo a distncia entre governantes e
governados. Significa pesquisar atores, estruturas e processos na perspectiva do
exerccio da governana. Entendendo-se governana como compartilhamento de
poder entre Estado e sociedade.
Nesse raciocnio, governana implica formas participativas de tomada de
deciso e para este estudo optou-se por pesquis-la por meio dos grupos gestores
dos destinos indutores do desenvolvimento turstico regional. Os grupos so
formados por pessoas que representam diferentes segmentos e interesses nos
destinos indutores. A base poltica constituda pela articulao entre Estado e
sociedade organizada com foco na colaborao e competitividade dos destinos e
das regies tursticas como objetivo a ser alcanado, unidade de contrrios.
Diante de projetos tursticos governamentais, privados e comunitrios,
experincias denotam o envolvimento de pessoas na construo de outra forma de
fazer o turismo. A tese que se elabora se desenvolve a partir do cenrio apresentado
que demonstra altos investimentos pblicos e privados na oferta de infraestrutura,
equipamentos e servios com resultados perceptveis e pouco avano no
compartilhamento do poder e integrao por meio da regionalizao, apesar das
polticas terem indicativos de descentralizao e participao.
A pesquisa decorre de reflexes a partir da vivncia profissional e da
realizao de estudos da pesquisadora sobre turismo nas reas de planejamento e
marketing no Cear e no Brasil. E da verificao da apropriao do espao
geogrfico cearense pelo turismo e o papel desempenhado pelos governos com
polticas territoriais que implantam infraestruturas como o Porto do Pecm, barragem
do Castanho, Aqurio, aeroportos, rodovias e incentivam polticas privadas para
tornar o Cear ncleo receptor do turismo levando a se identificar o Cear turstico,
moderno e prspero em contraposio ao Cear arcaico e pobre.
Cresce o turismo convencional operado por pequenos, mdios e grandes
empresrios e o turismo alternativo, contra-hegemnico desenvolvido por
28
comunidades e gestores que planejam e operacionalizam o turismo comunitrio.
Iniciativas tm sido realizadas envolvendo periferias, bairros e comunidades que
promovem o turismo a exemplo da Rede de turismo comunitrio, como a Rede
Brasileira de Turismo Solidrio e Comunitrio Turisol, da Rede Cearense de
Turismo Comunitrio Rede Tucum, da Rede de Turismo Comunitrio da Amrica
Latina, Redturs. Os resultados dessas experincias reforam a ideia que iniciativas
gestadas localmente contribuem na realizao de projetos que resultam em mais
benefcio para os residentes colaborando para o desenvolvimento social. So formas
diferenciadas de arranjo das foras produtivas desenvolvendo outra ordem
econmica e social na sociedade capitalista possvel pelo processo de
democratizao e organizao local.
O turismo como atividade transdisciplinar influencia atividades
socioconmicas que incidem nos lugares sendo a governana grande desafio.
Gerenciar territrios para o turismo implica estabelecer diretrizes e prioridades,
sobretudo promover articulaes na esfera pblica, privada e entre essas e a
populao residente, de difcil articulao e envolve a governana tema da tese.
A ineficincia da gesto das metrpoles que continuam intensamente
inchadas, desumanizadas, apresentando dificuldades para mobilidade urbana,
algumas violentas e inseguras d espao ao surgimento da gesto territorial do
turismo como poltica compensatria para implantao de servios urbanos bsicos,
por serem ncleos receptores do turismo. Dessa forma, as polticas de turismo
acabam por suprir deficincias estruturais dos ncleos receptores: implanta-se
infraestrutura, cria-se delegacia para turistas, discute-se a valorizao da cultura e a
conservao dos ambientes devido a importncia dada aos turistas em detrimento
da populao. A inverso na ordem dos valores da gesto territorial acirra os
problemas. Entretanto, ncleos receptores de turismo ainda enfrentam dificuldades
pela precariedade dos servios urbanos e a dinmica do turismo no ajuda na
soluo de problemas locais, ao contrrio, muitas vezes, agrava a situao.
A elaborao da tese se insere na produo acadmica que exige viso
terica e crtica da realidade. A pesquisadora no dissimula a perspectiva da
contribuio do turismo para o desenvolvimento social do Cear, tanto na busca de
mais benefcios para as populaes dos ncleos receptores, quanto na perspectiva
29
do acesso ao turismo. No se trata de mercantilizao da cincia, mas de
compromisso social. A pesquisadora apoia-se nas seguintes premissas:
O turismo como atividade gera territorialidade de forma desigual no
espao geogrfico cearense;
A desigualdade de apropriao do espao geogrfico pelo turismo se
d no mbito do estado, das regies tursticas e dos municpios;
O turismo como prtica social e atividade socioeconmica gera
transformaes diversas nas regies tursticas;
O turismo fenmeno socioeconmico tem contedo material e
simblico;
O turismo atividade recente como produo cientfica e leva
atualizao de conceitos;
A governana proposta de democratizao do poder na gesto
pblica e possibilidade de socializao da poltica.
inegvel a importncia da atuao das populaes residentes como
sujeitos nos projetos de desenvolvimento. Iniciativas demonstram a possibilidade de
fazer o turismo com o envolvimento de comunidades, o que no significa apenas
acertos e harmonia, mas conflitos e avano na sociedade. No desenvolvimento do
turismo comunitrio as pessoas do lugar se apoderam e gerenciam as atividades e
o turismo incentivado em busca de desenvolvimento social.
A concepo com a qual a pesquisadora comunga implica em
determinadas escolhas tericas e metodolgicas para a realizao da tese. A partir
da problemtica elaborada e tendo em vista que se busca fazer anlise que v alm
das aparncias dos fatos, trabalha-se com as categorias movimento, totalidade e
contradio em uma pesquisa crtica-dialtica. Entende-se o turismo como prtica
social que comporta objetividade e subjetividade, dimenso espacial e histrica. A
problemtica conduz s categorias, conceitos e noes para o estudo: turismo,
regionalizao, regio, regio turstica e governana.
30
no contexto de investimentos pblicos e privados no turismo apoiado
em polticas que se investiga a governana - distribuio do poder nas decises
relacionadas ao turismo, na dinmica da regionalizao turstica. Para viabilizar a
operacionalizao da pesquisa opta-se pelos destinos indutores da
regionalizao. Centra-se a ateno nas instncias de governana locais que
so os grupos gestores dos destinos indutores para estudar questes ligadas
regionalizao, especificamente, governana no turismo: dificuldades,
conflitos, estratgias e desafios que a governana envolve. A partir dessa
problemtica definiram-se como questionamentos norteadores da tese:
A institucionalizao dos grupos gestores concretiza a descentralizao
do poder?
Os destinos indutores do desenvolvimento turstico regional tm
conseguido induzir o desenvolvimento do turismo nas regies?
Que desafios enfrentam os grupos gestores dos destinos indutores na
efetivao da governana?
Quais as mudanas decorrentes da regionalizao do turismo nos
destinos indutores?
Questionamentos, leituras, observao dos fatos e vivncia profissional
em projetos do turismo levam elaborao das seguintes hipteses:
O incremento do turismo intenso e desigual enquanto o incremento
do compartilhamento do poder entre governos, sociedade organizada e
populao residente incipiente no turismo.
Os grupos gestores foram institudos para descentralizar o poder de
deciso relacionado ao turismo, mas no tm o apoio necessrio e no
conseguem efetivar as aes pretendidas, assim a descentralizao do
poder de deciso no se efetiva.
Os grupos gestores dos destinos indutores so institudos, mas no se
mantm articulados.
31
A tese voltada compreenso da governana nos territrios para o
turismo, particularmente regionalizao, tem como objetivos:
Estudar no processo de regionalizao a governana nos destinos
indutores do desenvolvimento turstico regional pela instncia de
governana local.
Identificar que papis os grupos gestores tm desempenhado nas
polticas pblicas de turismo nos destinos indutores da regionalizao na
construo de espaos de governana.
Conhecer desafios, contribuies, dificuldades e conflitos que os
grupos gestores enfrentam para efetivao da governana pela
regionalizao.
Verificar os resultados alcanados pelo processo de regionalizao nos
destinos indutores.
A tese est estruturada em trs partes. Inicia-se com esta introduo na
qual so apresentadas problematizao, premissas, questionamentos, hipteses e
objetivos que do origem ao estudo. Explicitam-se a justificativa, o cerne e a
estrutura do trabalho.
Na Parte I intitulada a inveno do Cear turstico explica-se o que se
denomina Cear turstico com respaldo das transformaes urbanas e implantao
de equipamentos e servios especficos instalados, sobremaneira, na capital, mas
tambm no interior. Explanam-se a ocupao do territrio cearense e a formao
econmica do estado com o intuito de contextualizar a opo pelo turismo desde a
deciso governamental de insero do estado no contexto do turismo globalizado
produo do espao socialmente construdo o que demonstra a concretizao do
Cear turstico com a instalao de equipamentos modernos e mobilidade de
turistas. Demonstra-se que o territrio cearense no produzido de forma
homognea para o turismo. A prioridade do turismo nas polticas e projetos pblicos
observvel nas paisagens da metrpole Fortaleza, do litoral e de lugares
direcionados atividade, confirmando o discurso do governo que o turismo
relevante na economia do estado. Teoriza-se sobre a mobilidade no turismo
32
inserindo-a na discusso sobre mobilidade e migrao temporria, discorre-se sobre
mobilidade turstica, apresenta-se suporte terico sobre o conceito exemplificando-o
a partir da mobilidade dos turistas que visitam o Cear com amparo nos dados de
pesquisas da demanda turstica. A mobilidade dos fluxos tursticos est atrelada ao
conjunto de equipamentos e servios que demonstra a concretizao do Cear
turstico. Na segunda seo da Parte I apresentam-se a construo da opo
metodolgica e o caminho percorrido para realizao da tese. Detalham-se a reviso
de literatura, na qual se recorre a literatura nacional e internacional, e a pesquisa
documental, bem como a pesquisa de dados primrios realizada por meio de
observao, entrevistas e questionrios.
Na Parte II, turismo, poltica pblica e regionalizao no Cear
apresentam-se estudos sobre o turismo na literatura do Turismo e da Geografia e
concepes de poltica pblica. Essa parte concentra algumas opes tericas da
tese nela so abordadas categorias e conceitos importantes para fundamentao da
pesquisa, em especial, regio e regio turstica e processo de regionalizao. A
categoria regio tem como foco as discusses geogrficas, estuda-se o conceito de
regio turstica a partir dos tericos do Turismo e como forma de estruturao oficial
da gesto do turismo no Brasil. Abordam-se o recorte espacial, a estrutura de gesto
e a base operacional do processo de regionalizao. So apresentadas experincias
de turismo de iniciativas locais nos destinos indutores. Finaliza-se a Parte II com a
compartimentao do territrio cearense para o turismo, com foco na regionalizao.
So apresentadas as regies tursticas do Cear e os destinos indutores do
desenvolvimento turstico regional.
Na Parte III a governana tema central, dando continuidade ao tema
regionalizao j introduzido ao longo da Parte II. Apresentam-se diferentes
abordagens sobre governana e competitividade. Atenta-se para a relao dialtica
das proposies da poltica pblica: premissa da sustentabilidade em busca de
competitividade por meio da governana. Explanam-se os resultados da pesquisa
sobre governana realizada junto aos representantes dos grupos gestores dos
destinos indutores do desenvolvimento turstico regional. Em seguida, apresentam-
se as concluses que so o cerne da tese com os achados da pesquisa, resultados
da verificao das hipteses levantadas e do alcance dos objetivos pretendidos.
33
PARTE I - A INVENO DO CEAR TURSTICO
Somos to curiosos que achamos bonito o tempo nublado, que outros consideram carregado e ameaador. Estamos aqui por pura teimosia e fomos capazes de construir um ethos das sobras, das perdas e da falta que tem na inventiva e na habilidade, seus pontos altos... Apesar de tudo, cantamos, danamos... Tiramos partido das pequenas coisas, o que no nos faz mesquinhos, mas diz de nossa fome e da nossa resistncia. (Gilmar de Carvalho)
Nesta primeira parte da Tese explicam-se as razes da inveno do
Cear turstico, como e porque o turismo priorizado e concretizado compondo o
cenrio poltico-econmico do estado. Mostra-se a contribuio do turismo na
acelerao dos processos de produo do espao. Apresentam-se formas imediatas
de manifestao do turismo no Cear, so processos polticos conflituosos e
contraditrios. Remonta-se no tempo entendendo as atividades econmicas no
Cear suportes para a insero do turismo no estado. Interrelacionam-se fatos para
identificar as determinaes e a essncia do fenmeno estudado. O turismo
atividade econmica visvel e diferenciada da sociedade de consumo, moderna e
globalizada e torna-se fenmeno ao ser objeto de pesquisa cientfica. No Cear
realidade emprica e objeto de estudo quando teses so elaboradas e produzem
teorias, categorias de anlise, conceitos, definies que passam a compor o
referencial terico que o explica cientificamente.
O turismo assume posio concreta na histria corrente do Cear e
apresenta desdobramentos significativos no espao e na sociedade, no presente e
futuro do estado estabelecendo possibilidades para estudo no mbito da Geografia,
pois como afirma Santos (1988, p.57), a Geografia deve preocupar-se com as
relaes presididas pela histria corrente e explica que a relao social, por mais
parcial que parea [...] contm parte das relaes que so globais. [...] E nessa
concepo que se analisa a atividade turstica no Cear. Compreendendo que a
histria que se passa, neste exato instante, em um lugarejo qualquer, no se
restringe aos limites desse lugarejo. Essa histria no se restringe aos
acontecimentos do presente, conecta-se tambm aos acontecimentos pretritos,
34
haja vista o espao geogrfico ser formado por um conjunto indissocivel, solidrio
e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no
considerados isoladamente, mas como um quadro nico no qual a histria se d.
Esclarece ainda o autor, que no comeo era a natureza selvagem [...] objetos
naturais, que ao longo da histria vo sendo substitudos por objetos fabricados [...]
tcnicos, [...], depois cibernticos [...] (SANTOS, 2009, p.63). O espao geogrfico
modificado com a implantao de equipamentos para prestao de servios de lazer
e turismo no contexto da segunda natureza, pois turismo implica consumo e
produo de espao.
So apresentadas tambm a opo metodolgica, a orientao terica e
os passos da pesquisa. E ainda, as teorias e definies que orientam a concepo
explicativa do Cear turstico. As categorias historicidade, contradio e totalidade
so recorrentes no decorrer do estudo.
35
1. REORDENAMENTO SOCIOESPACIAL E TURISMO NO CEAR
O Cear se insere mais nitidamente no contexto da mundializao do
capital com os estados do Nordeste brasileiro pela industrializao tardia aps os
anos 1950 e com o turismo no final dos anos 1980 e incio dos anos 1990 quando
so intensificadas as polticas pblicas de acolhimento s empresas internacionais,
inclusive as de turismo. No Brasil dos anos 1990 ocorre abertura poltica e
econmica quando assume o primeiro presidente de governo civil aps a ditadura
militar (de 1964) que, entre outras medidas, facilita a entrada de capital estrangeiro.
Com a interligao do espao geogrfico mundial possvel pelo
desenvolvimento tecnolgico, em especial, com telecomunicaes e transportes, a
distncia deixa de ser entrave para a mobilidade das pessoas e do capital. O
capitalismo entra na fase de mundializao exacerbada e promove reestruturao
do modo de produo, assim estabelece-se nova diviso territorial do trabalho. A
partir da dcada de 1960, as inovaes nas tecnologias dos transportes tornaram
mais fcil o deslocamento da produo, para reas com salrios baixos e fraca
organizao do trabalho (HARVEY, 2011, p.58). No Cear, a economia antes
ancorada na pecuria extensiva, na agricultura de sequeiro e no extrativismo vegetal
d lugar reestruturao produtiva que enfatiza a indstria, o agronegcio e o
turismo. O turismo integra o movimento mundial, assim a anlise se faz
compreendendo-o como integrante de vrias relaes e de diferentes determinaes
e externalidades que se apresentam em diferentes escalas. O setor tercirio cresce
e sobre a importncia dos servios no Brasil, Santos (2006, p. 21), avalia que na
insistncia, naquele tempo e ainda hoje, em interpretar o territrio e as cidades a partir do enfoque da industrializao. a maior parte dos trabalhos sobre territrio e a urbanizao da Amrica Latina. A industrializao no explica, uma cpia absolutamente grotesca, uma cpia miservel do modelo do norte que impediu uma interpretao mais correta do processo de organizao do espao e do processo de urbanizao. Nenhuma cidade brasileira nasceu ou de qualquer pas latino-americano cresceu ou se organizou a partir da industrializao. A industrializao constitui apenas um dos elementos que, todavia, foi tomado como central nas hipteses de trabalho e no trabalho. por isso que o tercirio sempre foi visto como residual, tanto por marxistas como por Rostowianos. Esse tercirio que depois aparece metamorfoseado em marginalidade uma forma esquisita de tratar a realidade urbana, mais tarde vai dar lugar ao famoso setor informal.
36
O autor enftico ao analisar as cidades brasileiras e afirma que no Brasil
a indstria no foi responsvel pela produo das cidades, mas o setor tercirio.
Portanto, diferente da Europa. Afirmao em sintonia com Lefebvre (2001, p.17)
para quem h casos de ampliao macia da cidade e urbanizao (no sentido
amplo do termo) com pouca industrializao. Este seria o caso de Toulouse, o que
ocorre em geral nas cidades da Amrica do Sul e da frica. (LEFEBVRE, 2001).
O Cear turstico compe, simultaneamente, a economia do estado com o
Cear agrrio e industrial. Dessa forma, registram-se 207 meios de hospedagem,
10.680 unidades habitacionais (apartamentos) e 26.419 leitos em 2012. (SETUR
2014). O espao cearense apropriado por atividades voltadas ao turismo.
Ao longo das ltimas dcadas, novos objetos passam a compor a
paisagem do Cear: hotis, pousadas, barracas, velas de windsurf e de kite surf,
elicas, para citar alguns exemplos. De um lado, os sistemas de objetos
condicionam a forma como se do as aes, e, de outro lado, o sistema de aes
leva criao de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes
(SANTOS, 1994, p.111). o que ocorre na concretizao do Cear turstico quando
o territrio cearense passa a ser reestruturado para produzir fixos tursticos para
receber fluxos. O espao reunio dialtica de fixos e de fluxos (SANTOS, 1994,
p.110). E comporta outras categorias, entre elas: regio, territrio, paisagem e lugar
que podem ser operacionalizadas no estudo do turismo.
Em alguns ncleos receptores de turismo no Brasil e no mundo a
produo agropecuria e a industrial se tornam atrativos tursticos, como as rotas de
vinhos, engenhos, perfumarias, confeces, calados fortalecendo a produo local
com o aumento do consumo decorrente do fluxo turstico. A produo do espao
parte integrante de relaes entre processos sociais, econmicos e polticos que se
apresentam espacialmente. A materializao desses processos vincula-se a
processos histricos e a relao entre sociedade e natureza permeada de conflitos
e de interesses. O espao dinmico, concreto e abstrato, e se apresenta conforme
estgios das foras produtivas. Inicialmente, predomina no Cear o turismo de sol e
praia, em seguida, desenvolvem-se o turismo de aventura, ecoturismo, de negcios
e eventos que se tornam ncoras, notadamente, para Fortaleza e outras cidades
37
cearenses. Situao que, consequentemente, influencia no sistema de aes e se
materializa no espao geogrfico.
O fenmeno turstico se impe e se insere na economia cearense apoiado
por polticas pblicas e privadas. O estudo de documentos oficiais mostra a ao
estatal, tome-se como exemplo a mensagem do governador Assembleia
Legislativa em 2001. Nossos esforos na rea do turismo tm-se concentrado no
objetivo de tornar o Cear uma das principais portas de entrada do fluxo turstico
internacional do pas [...] (SEPLAG, 2001, p.9)2. Outra fonte reafirma a importncia
dada ao turismo pelo governo estadual a publicao Cear em Nmeros, 2003:
O turismo cearense, a partir de 1995, recebeu tratamento especial do governo como ao estruturadora capaz de causar impactos sobre a base fsica estadual e com efeitos multiplicadores na economia, contribuindo para o aumento das oportunidades de trabalho e alternativas de gerao de renda (IPECE, 2003, p.127).
Pode-se afirmar que do ponto de vista dos projetos estruturantes os
governos estaduais no ficam no discurso, as polticas se materializam e o Cear
turstico se concretiza, conforme mensagem do governador Assembleia
Legislativa, em 2013 que informa as aes realizadas:
Sendo vocao natural do Cear e setor de importante efeito multiplicador para crescimento da economia do Estado, o Turismo recebeu investimentos em 2012 da ordem de 259 milhes, oriundos de recursos do Governo Estadual e Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNDES e Banco Interamericano de Desenvolvimento BID. Tais recursos aplicados na consolidao da infraestrutura turstica asseguraram, em 2012, as inauguraes do Centro de Eventos, tneis de acesso, aeroporto de Aracati, Teatro Carlos Cmara, Caminhos de Assis, Ponte dos Ingleses, e a execuo das obras do Centro de Eventos de Iguatu e Crato, duplicao da CE-040 e CE-085 e requalificao de outras estradas, aeroporto de Jericoacoara, Aqurio Cear, saneamento das Praias de Porto das Dunas e Cumbuco (SEPLAG, 2013, p.19).
3
O Centro de Eventos mencionado na mensagem do governador
Assembleia Legislativa de 2009 como outra aposta de infraestrutura turstica no
Estado [...] (SEPLAG, 2009, p.14). O governo ao privilegiar o turismo de negcios e
eventos agrega contedo ao turismo no estado construindo o Centro de Eventos do
2 Disponvel em:
http://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2011.pdf. Acesso em: 05/maio/2013. 3 Disponvel em:
http://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2013.pdf. Acesso em: 05/maio/2013.
http://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2011.pdfhttp://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/servidor/images/stories/pai/MensagemdoGovernador2013.pdf
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Cear CEC em Fortaleza, ilustrado na Figura 1. No interior do estado altera o
conjunto de equipamentos para o turismo, a forma determinada pelo contedo
diversifica o turismo no Cear. A regio do Cariri, no interior do estado, recebe um
Centro de Convenes e aeroportos regionais so construdos na serra e no litoral.
Figura 1: Centro de Eventos do Cear - CEC Fonte: Divulgao/SETUR, 2014.
O Centro de Eventos do Cear reconhecido como um dos melhores
equipamentos do gnero no pas com o prmio Os dez mais do turismo 4, categoria
Espao para Eventos - 2013. Considerado o segundo maior espao para feiras e
eventos no Brasil, primeiro no Nordeste. O projeto foi iniciado em agosto de 2009, e
inaugurado em 2012, com investimentos de R$ 580 milhes. Destes, R$ 58,5
milhes foram custeados pelo Ministrio do Turismo.5
O estado passa por grandes transformaes, os governos do Cear
realizam projetos com o objetivo de moderniz-lo. So construdos o porto do
Pecm, o aude Castanho e o Canal do Trabalhador. Amplia-se o aeroporto Pinto
Martins, desenvolvem-se projetos de permetros irrigados. So dados incentivos
agroindstria para produo de frutas frescas e flores para exportao; h
fortalecimento dos setores txtil e caladista, tanto na Regio Metropolitana de
4 O ttulo faz parte da premiao Os dez mais do turismo, criada h 28 anos pelo Grupo Travel
News, e agracia equipamentos, empresas, gestores pblicos, empresrios, executivos, e jornalistas especializados que se destacam na indstria do turismo no Brasil. SETUR/CE, 2013 5 Centro de eventos do Cear abre as portas para o pblico. MTur, 16/agosto/2012. Disponivel em:
http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20120816.html. Acesso em: 16/mar/2014.
http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20120816.html
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Fortaleza - RMF como em regies interioranas com incentivos fiscais. A indstria
chega ao serto, notadamente, o setor caladista.
A atuao do setor tercirio expressiva e os servios tursticos
representam importante parcela do setor e perspectivas de crescimento. O tercirio
domina a economia do Cear que se insere no processo de mundializao do
capital. Os problemas sociais persistem, assim afirma Coriolano (2006, p.70):
Apesar das mudanas no Cear, notadamente as produzidas nas estruturas econmicas e tecnolgicas nesses ltimos 30 anos, pouco mudou nas condies sociais da maioria da populao. O poder aquisitivo e a renda da maior parte dos cearenses no mudaram substancialmente e esse o maior desafio que o Governo tem para enfrentar, at como forma de fazer o turismo acontecer nos termos que ele se prope.
Atividade recente no Cear, o turismo apresentado como relevante para
o desenvolvimento econmico e social do estado tanto pelo setor pblico quanto
pela iniciativa privada. No entanto, a exemplo de todas as atividades desenvolvidas
sob o capitalismo, o turismo atividade econmica realizada para acumulao do
capital, traz na gnese desigualdade, essncia desse modo de produo que nas
mesmas relaes nas quais se produz a riqueza se produz tambm a misria; que
nas mesmas relaes nas quais h desenvolvimento das foras produtivas h uma
fora produtora de represso [...] (MARX, 2007, p.112). Portanto, o debate em torno
da capacidade dos sujeitos, em especial, governos e empresrios que fazem a
atividade gerar renda e diminuir a pobreza precisa ser analisado.
Por meio da execuo de polticas de turismo voltadas ao
desenvolvimento social pode-se desenvolv-la na busca de mitigar os impactos
negativos e beneficiar mais os residentes. Nesse sentido, o compartilhamento do
poder com as populaes na elaborao dessas polticas tema relevante e
necessrio. Alguns residentes vo alm, assim comunidades tm optado pelo
turismo alternativo em detrimento do turismo convencional para participar
diretamente dos benefcios gerados pela atividade.
40
1.1 Marcos da construo do Cear turstico
Para explicar a integrao do Cear ao turismo aborda-se a escala local e
as relaes com as escalas nacional e global. Discute-se o processo de turistificao
e, em seguida, se faz retrospectiva breve de alguns aspectos da histria e da
economia do Cear, local relegado no processo de colonizao do pas, depois
associado seca e pobreza e que nas ltimas dcadas se torna um dos destinos
tursticos mais procurados no Brasil, pelos brasileiros. Essa retrospectiva denota a
produo socioespacial para o turismo quando se constri um Cear moderno que
se urbaniza, se volta ao turismo e se realinha para entrada na modernidade pelos
servios. Paviani (2006) chama a ateno que na urbanizao, o termo moderno se
volta configurao da cidade, em termos de edificaes arrojadas [...] poucas
vezes se v a utilizao do termo modernidade ao desenvolvimento social, ao
aparelhamento de hospitais [...] (2006, p. 94). Assim, o Cear que avana para se
tornar moderno, ainda mantm padres de ineficincia na prestao de servios
bsicos.
A produo social passa por constantes movimentos. Para entender a
integrao do Cear economia nacional e mundial se estuda o processo histrico
que contempla atividades econmicas desenvolvidas no estado e o contexto poltico
de dcadas mais recentes que deu origem ao que se est chamando de Cear
turstico, entendido no de forma isolada, mas conectado, interdependente,
associado ao processo socioeconmico. Afirma Coriolano (2006), que o turismo
inserido nesse contexto, quando os fluxos tursticos reproduzem as contradies da
sociedade, mostrando que tambm os espaos do turismo so seletivos, que as
relaes socioespaciais so marcadas pelo signo da dependncia e da explorao
econmica. Chesnais (1996, p.203) menciona vantagens de localizao utilizadas
no turismo e explica que a maioria das cadeias de hotis que atuam como
empresas-rede utilizam franquias tornando-se eficiente na obteno de menor custo
e mximo de lucro para as grandes empresas. No Cear, encontram-se
empreendimentos hoteleiros internacionais e tambm empresas nacionais e
independentes locais e familiares.
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O turismo se articula gerando possibilidade para ativar economias dado o
efeito multiplicador e a capacidade que tem de agregar valor s atividades
tradicionais e modernas. Lida com prestao de servios de pessoas para pessoas,
portanto gera postos de trabalho, insere pessoas com diferentes nveis de instruo.
Apesar das possibilidades de valorizar culturas e tradies agiliza transformaes
socioculturais, modifica territrios e segrega espaos.
Trabalhadores temporrios e ocasionais, baixa remunerao, elevado
nmero de horas trabalhadas e baixo grau de sindicalizao caracterizam o trabalho
no turismo. Dessa forma, os dados sobre a implantao de equipamentos tursticos,
aumento do fluxo turstico, gerao de empregos entre outros, demandam
detalhamento e aprofundamento, inclusive informaes sobre impactos
socioambientais, condies de trabalho, faixa salarial, origem dos empregados, por
exemplo.
O turismo pode ser importante poltica para o alcance dos objetivos do
milnio, particularmente com relao erradicao da extrema pobreza e da fome,
garantia de sustentabilidade ambiental e ao estabelecimento de uma parceria
mundial para o desenvolvimento6 como sinaliza o Plano Nacional do Turismo,
apesar de ser atividade contraditria. Coriolano (2006, p. 215) explica que o turismo:
Faz parte da dinmica atual da mundializao do capital, que cria territorialidades, como forma de responder as crises da acumulao global, envolvendo alm do mercado, o Estado e a sociedade civil [...] apesar de concentrar lucro, riqueza e renda, termina por criar oportunidades de ganhos aos trabalhadores e aos lugares mais pobres.
Comunidades que desenvolvem o turismo alternativo buscam obter
ganhos diretos com o turismo, sem a intermediao de terceiros. Atuam como
protagonistas no planejamento e na operacionalizao das atividades tursticas no
territrio. Becker (1996a, p.2) afirma que o turismo hbrido no sentido em que ele
ao mesmo tempo, um enorme potencial de desenvolvimento e um enorme
potencial de degradao socioambiental, na ausncia de uma regulao adequada
para o setor. Interpreta-se a coexistncia de lados contraditrios como movimento
dialtico, assim as atividades tursticas reproduzem as contradies da sociedade e
tambm so oportunidades para prover a subsistncia de parcelas da populao e
6 Plano Nacional do Turismo 2007/2010 uma Viagem de Incluso (MTur, 2007, p.15)
42
de comunidades perifricas. Com o turismo vendem-se e consomem-se
diferentes regies do globo. Para Meliani (2011, p.1):
O turismo vende os lugares que produz como mercadoria que tem valor de uso pela satisfao de experincias imaginadas e, do mesmo modo que qualquer outra mercadoria os vende na perspectiva de lucro obtido por meio da explorao da mais-valia dos trabalhadores.
No entanto, a viagem de turismo possui componentes subjetivos. H no
fazer turismo motivaes que induzem as pessoas a se deslocarem e sarem
temporariamente do lugar de residncia. Faz parte do movimento que envolve o
turismo o que lembra Claval (2010): a viagem questiona nossa identidade, nossas
crenas. Contemporaneamente, as razes para viajar so multiplicadas, no entanto
ainda constante a curiosidade do desconhecido, diferente, indito, imprevisto, a
procura do outro. O turismo atividade terciria inserida no modo de produo
capitalista, tambm uma prtica social, fenmeno que se apresenta com forte
tendncia de crescimento, por isso preciso estud-lo e buscar diretrizes que
norteiem a evoluo para se consolidar como poltica de desenvolvimento regional.
A totalidade do fenmeno turstico contempla o fator econmico, mas tambm, o
carter simblico, o imaginrio daqueles envolvidos no universo das viagens: os
turistas, os que trabalham no turismo e os residentes em geral. Viajantes se
divertem, ao passo que para outras pessoas turismo significa trabalho e para outras
convvio, pois residentes convivem com forasteiros no mesmo territrio.
Para alm das produes espaciais, o movimento de turistas nos lugares
proporciona contato entre povos de diferentes culturas e nesse contato as pessoas
no saem ilesas, nem residentes, nem visitantes. Ocorrem assimilaes culturais, e
quando o cearense nega ou no prestigia a cultura local acaba por assimilar a dos
estrangeiros visitantes.
A entrada do Cear na lgica do consumo por meio do turismo se d com
mais intensidade a partir do Governo das Mudanas7 liderado pelo empresrio
Tasso Jereissati oriundo do Centro Industrial Cearense CIC. Perodo que
representa o rompimento com a poltica tradicional dos coronis e compreendido
como tempo de subordinao da poltica aos objetivos de mercado e de expanso
dos negcios privados estaduais, na busca de ndices satisfatrios de crescimento
7 Governos de Tasso Jereissati 1987-1990, 1995- 1998, 1999-2002 e de Ciro Gomes 1991-1994
43
econmico e de alternativas para o desenvolvimento estadual (BONFIM, 2002, p.
36). Contrastando com a maioria das anlises sobre o perodo do governo das
mudanas Bandeira e Silva Neta (2008, p.9) chamam ateno para as semelhanas
entre as medidas adotadas pelo referido governo e as adotadas no governo de
Virglio Tvora,
Tanto as aes de modernizao e eficincia da mquina pblica, quanto as interferncias em infraestrutura e criao de estrutura econmica so bastante similares s diretrizes e aes do PLAMEG I e II
8. At mesmo o
FDI Fundo de Desenvolvimento Industrial, um dos mecanismos mais eficazes utilizados pelo governo Tasso em seu programa de modernizao industrial do Cear, foi criado no governo Virglio. Tasso adotou de forma plena a poltica industrial e de infraestrutura econmica de Virglio, promovendo apenas em seu terceiro mandato algumas mudanas formais na legislao. As similaridades descritas sugerem que o coronel Virglio Tvora foi o principal formulador e executor do projeto de modernizao do Cear na segunda metade do sculo XX e que suas proposies foram posteriormente adotadas com pontuais alteraes pelos governantes que o sucederam apresentando-se como mudancistas
Esse perodo confere notoriedade ao Cear no cenrio poltico nacional.
Coriolano (1998, p.66-67) ao estudar as polticas de turismo a partir da dcada de
1970 enfatiza que no final dos anos 1980 que o turismo passa a ser considerado
um dos eixos prioritrios de propulso da economia cearense. Portanto, a
construo da ideia do Cear turstico se intensifica a partir dos anos 1980 quando
os Governos Estaduais passam a investir e incentivar o desenvolvimento da
atividade e a imagem do Cear passa a ser associada modernizao:
A formulao de uma retrica de evocao a mudanas mantm sua eficcia simblica a partir do momento em que os atores polticos imprimem uma temporalidade [...] Concorre tambm para a instaurao de uma nova temporalidade a imagem do Cear projetada para o restante do Pas. [...] (BARREIRA, 2002, p.69).
Na dcada de 1990 o discurso poltico utiliza e refora a ideia do moderno
como algo melhor que se anuncia em contraposio ao arcaico que deve ser
substitudo. Como assinala Latour (1994, p.15): quando as palavras moderno,
modernizao e modernidade aparecem, definimos, por contraste, um passado
arcaico e estvel.
Se antes interessava destacar a seca no Nordeste, o que contribui para
estabelecer uma questo regional no pas, o que interessa nesse momento criar
8 Plano de Metas Governamentais PLAMEG
44
imagem positiva do Cear. O esforo governamental tornar o Cear moderno. O
incentivo industrializao, ao agronegcio e ao turismo mostra o processo de
modernizao local. A inteno tornar o estado competitivo no mercado global, da
a implantao da infraestrutura urbana e turstica com instalao de equipamentos
para lazer e, consequentemente, a acelerao da modernizao e alinhamento do
Cear globalizao. Em meio pobreza do Cear comprovada nos ndices sociais,
o turismo passa a ser prioridade para o governo como um dos vetores em busca de
desenvolvimento.
A ideia que os pases subdesenvolvidos podem se beneficiar com o
turismo se desenvolve fortemente nos anos 1960. Em 1963, na Conferncia das
Naes Unidas o turismo internacional declarado como atividade que pode dar
efetiva contribuio para os pases subdesenvolvidos. A Unio Internacional dos
rgos Oficiais de Turismo UIOOT, organismo que antecede a Organizao
Mundial do Turismo OMT, desenvolve intensa ao voltada aos pases
subdesenvolvidos, com apoio financeiro do Banco Mundial, sujeito global. Grandes
centros tursticos so construdos nos cinco continentes. Regies de diversos pases
so transformadas em estruturas de receptivo para os fluxos de turistas. A
mobilidade turstica se apresenta como movimento alternativo de deslocalizao das
populaes assalariadas sem precedente na histria (Lanfant, 2004).
Os turistas comeam a chegar ao Cear de forma espontnea nos anos
1970. Espontnea, pois chegam por conta prpria, sem maior apelo promocional. O
turismo se intensifica nos anos 1990 quando j eclodira no mundo, especialmente na
Europa e Amrica do Norte, o turismo massivo das dcadas de 1950 e 1970 que se
apropria cada vez mais do espao geogrfico intensificando as territorialidades
tursticas. A forma como o turismo se desenvolve tributria das transformaes
mundiais e do modelo de desenvolvimento adotado no estado. Bonfim (2002)
referindo-se ao Centro Industrial Cearense CIC esclarece que no existia um
projeto de desenvolvimento estabelecido pelos empresrios:
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Tal projeto foi concebido paulatinamente, a medida que os anos os eventos foram se delineando no horizonte poltico. Contudo, sua existncia, na forma do programa de obras estruturantes e dos mecanismos de incentivo fiscal criados pelo Governo do Estado resultado de uma orientao poltica maior que foi trazida para o interior do aparelho de estado cearense ainda em 1987 e que representa o que denominaremos aqui, singularidade cearense decorrente da antecipao de uma agenda de modernizao do Brasil, no mais pela via do Estado, mas pelo mercado, expanso da indstria, servios e captao de recursos privados para incrementar o desenvolvimento regional (BONFIM, 2002, p.36).
No segundo mandato de Tasso Jereissati, 1995-1998, os projetos
estruturantes foram priorizados nas polticas pblicas. Entre os projetos esto na
economia rural a agricultura irrigada e a agroindstria, a concluso do aude
Castanho, a interiorizao do desenvolvimento industrial, o Programa de
Desenvolvimento Urbano e Gesto de Recursos Hdricos - PROURB, a
implementao do Complexo Industrial e Porturio do Pecm e o investimento no
turismo. No incio dos anos 1990, o Programa de Desenvolvimento do Turismo do
Litoral do Cear PRODETURIS, desenvolvido em 1989, serve de base para o
Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo PRODETUR. O
PRODETUR prioriza, inicialmente, parte do litoral cearense. Cerca de dez anos
depois os governos estaduais avanam na poltica de turismo e levam recursos e
projetos para outras reas do estado. O contexto poltico de meados dos anos 1980
gera a retrica que vincula o Cear imagem de lugar prspero, que se despede da
pobreza e do arcaico dando lugar ao Cear moderno (BONFIM, 2002, p. 56-57).
O PRODETUR/NE estrutura os estados nordestinos para o turismo. No
Cear, o PRODETUR/CE implantado com destaque em relao aos demais
estados. O sucesso do PRODETUR no Nordeste desperta interesses de outras
regies e assim o PRODETUR torna-se PRODETUR nacional. O pas investe no
turismo, o que era poltica regional passa a ser nacional. Diz Barreira (2002, p.70-
71) que as referncias ao governo do Estado com suas estratgias peculiares de
ao abrangem o crescimento do setor turstico. As estratgias locais voltadas para
a eficcia administrativa, o enfoque nos temas mudana e modernidade esto, por
sua vez, alinhados s estratgias nacionais, esclarece o autor. O turismo
apresentado pelos governos como prioridade na economia cearense. O Cear
turstico se junta ao agrrio e industrial o que remete ex