UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANAacute
CENTRO DE EDUCACcedilAtildeO E LETRAS
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU EM SOCIEDADE
CULTURA E FRONTEIRAS - NIacuteVEL DE MESTRADO
AacuteREA DE CONCENTRACcedilAtildeO LINGUAGEM CULTURA E IDENTIDADE
ALINE CRISTINA PAIVA
POLIacuteTICAS EDUCACIONAIS PARA DIVERSIDADE E ESCOLAS NAS FRONTEIRAS O CASO DE FOZ DO IGUACcedilU COM A ARGENTINA E O
PARAGUAI
FOZ DO IGUACcedilU-PR 2016
ALINE CRISTINA PAVA
POLIacuteTICAS EDUCACIONAIS PARA DIVERSIDADE E ESCOLAS NAS FRONTEIRAS O CASO DE FOZ DO IGUACcedilU COM A ARGENTINA E O
PARAGUAI
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Universidade Estadual
do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE- para obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Mestre em Sociedade Cultura e Fronteiras
junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Strictu Sensu
Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras Linha
de pesquisa Linguagem Cultura e Identidade
Orientadora ProfaordfDra Regina Coeli Machado e
Silva
FOZ DO IGUACcedilU-PR 2016
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)
Biblioteca do Campus de Foz do Iguaccedilu ndash Unioeste Ficha catalograacutefica elaborada por Miriam Fenner R Lucas - CRB-9268
P149 Paiva Aline Cristina
Poliacuteticas educacionais para diversidade e escolas nas fronteiras o caso de
Foz do Iguaccedilu com a Argentina e o Paraguai Aline Cristina Paiva - Foz do
Iguaccedilu 2016
141 f il
Orientadora Profordf Drordf Regina Coeli Machado e Silva
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociedade Cultura e Fronteiras - Universidade Estadual do Oeste do
Paranaacute
1 Triacuteplice Fronteira (Argentina Brasil e Paraguai) ndash Educaccedilatildeo 2 Escolas
ndash Foz do Iguaccedilu ndash Histoacuteria 3 Multiculturalismo ndash Foz do Iguaccedilu 4 Educaccedilatildeo
e Estado ITiacutetulo
CDU 37(8182892)
370145
ALINE CRISTINA PAIVA
POLIacuteTICAS EDUCACIONAIS PARA DIVERSIDADE E ESCOLAS NAS FRONTEIRAS O CASO DE FOZ DO IGUACcedilU COM A ARGENTINA E O
PARAGUAI
Esta dissertaccedilatildeo foi julgada adequada para a obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre em
Sociedade Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu em Sociedade Cultura e Fronteiras ndash Niacutevel de
Mestrado aacuterea de Concentraccedilatildeo em Linguagem Cultura e Identidade da
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute ndash UNIOESTE
COMISSAtildeO EXAMINADORA
______________________________________________________
Profa Dra Neiva Maria Jung
Universidade Estadual de Maringaacute (UEM)
Membro Efetivo convidado
_______________________________________________________
ProfDr Fernando Joseacute Martins
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Membro Efetivo da Instituiccedilatildeo
______________________________________________________
ProfaDra Regina Coeli Machado e Silva
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Orientadora
Foz do Iguaccedilu 15 de marccedilo de 2016
Dedico este trabalho
Aos meus pais Joatildeo e Maria
Aos meus irmatildeos William e Joatildeo Victor
Ao meu namorado Eduardo
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agrave Professora Dra Regina Coeli Machado pela compreensatildeo pelas
saacutebias orientaccedilotildees que natildeo se limitaram agraves paacuteginas desta dissertaccedilatildeo
Ao professor Dr Fernando Joseacute Martins e agrave professora Dra Neiva Maria Jung pela
participaccedilatildeo na banca de defesa
Aos meus pais Maria Aparecida e Joatildeo Bosco e irmatildeos Joatildeo Victor e William que me
deram o suporte necessaacuterio para essa jornada foi pensando neles que nos
momentos mais difiacuteceis tive forccedila para prosseguir
A todos os meus amigos que me apoiaram com as leituras de meus rascunhos
correccedilotildees e pelo incentivo que de modo direto ou indireto contribuiacuteram para a
conclusatildeo deste trabalho
Ao Eduardo Eliana e Baacuterbara que me deram o suporte emocional apoio e carinho
em toda essa trajetoacuteria
A primeira condiccedilatildeo para modificar a realidade consiste
em conhececirc-la
Eduardo Galeano (1985)
PAIVA Aline Cristina Poliacuteticas Educacionais para a diversidade e escolas nas fronteiras O caso de Foz do Iguaccedilu na fronteira com a Argentina e o Paraguai 2016 149 paacuteginas Dissertaccedilatildeo (Mestrado Interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras)- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
RESUMO
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as relaccedilotildees entre poliacuteticas educacionais e a diversidade cultural presente na fronteira de Foz do Iguaccedilu localizada no estado do Paranaacute A cidade brasileira juntamente com Ciudad del Este no Paraguai e Puerto Iguazuacute na Argentina formam a triacuteplice fronteira que dentre outras caracteriacutesticas eacute conhecida pelo turismo e pelas intensas relaccedilotildees comerciais O processo de formaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu foi marcado pela influecircncia dos paiacuteses da fronteira e pela presenccedila de outras nacionalidades e etnias Trata-se portanto de uma cidade natildeo apenas diversa pela presenccedila dos paraguaios e argentinos mas que tambeacutem eacute compartilhada por libaneses chineses coreanos chilenos bolivianos italianos dentre outros A escola e as poliacuteticas educacionais para esse contexto eacute o centro desta pesquisa na medida em que a instituiccedilatildeo escolar eacute um importante espaccedilo de socializaccedilatildeo A histoacuteria da educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu e a histoacuteria das poliacuteticas educacionais no Brasil revelam como a escola eacute uma instituiccedilatildeo importante na formaccedilatildeo da identidade nacional e como estas afetam a relaccedilatildeo com o bdquooutro‟ Nesse sentido foram analisados documentos de poliacuteticas educacionais para a diversidade implementadas apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 sendo elas a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 os Paracircmetros Curriculares Nacionais para a pluralidade cultural de 1997 o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute de 2015 e o curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do oeste do Paranaacute feita pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP) em 2007 Por uacuteltimo buscou-se analisar o Programa Escola Intercultural Biliacutengue iniciativa do Mercosul que tem como objetivo integrar as regiotildees fronteiriccedilas por meio da educaccedilatildeo Com base nas analises das poliacuteticas educacionais para a diversidade principalmente a partir de 1988 verificou-se uma tendecircncia universalista dessas poliacuteticas para a diversidade que difere da diversidade particular vivida em Foz do Iguaccedilu PALAVRAS-CHAVE poliacuteticas educacionais escola estado fronteira
PAIVA Aline Cristina Educational policies for diversity and schools in the boundaries the case of Foz do Iguaccedilu on the border with Argentina and Paraguay 2016 149 pages Dissertation (Masters in Interdisciplinary Society Culture and Borders) - State University of Western Paranaacute-UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
ABSTRACT
The objective of this study is from the relationship school and state investigate educational policies and consider whether they make it possible to work with diversity on the border of Foz do Iguaccedilu in the state of Paranaacute The Brazilian city along with Ciudad del Este in Paraguay and Puerto Iguazu in Argentina form the triple border which among other characteristics is known for tourism and the intense trade relations The process of formation of Foz do Iguaccedilu was marked by the influence of the border countries and the presence of other nationalities and ethnicities It is therefore a city not only different by the presence of Paraguayan and Argentinean neighbors but that is also shared by Lebanese Chinese Korean Chilean Bolivian Italian among others The school and educational policies in this context become the center of this research since the school is a major means of training and socialization of individuals and may contribute to the integration process the intercultural bias or other hand being a border to disregard the existence of ethnic and cultural diversity that makes up the school environment The reasons for the discussions in this work pass necessarily by the nation-state relationship with schoolThe history of education in Foz do Iguaccedilu and the history of educational policies in Brazil reveal how the school is an important institution in the national identity formation and how they impact relations in border schools To analyze the educational policies for diversity policies were analyzed educational documents from the Constitution of 1988 it derived the Law of Guidelines and Bases of National Education in 1996 and the National Curriculum Guidelines for cultural plurality in 1997 These two policies along with the State Plan for 2015 Paranaacute Education and basic curriculum for public school in western Paranaacute made by the Association of western Paranaacute Cities (AMOP) in 2007 to discuss public policies in the border region implies think of the region as a whole An example of an educational policy for border is the Intercultural Bilingual School Program the Mercosur initiative which passed through discussions with other countries in the border region In the city of Foz do the program takes place at the Municipal School Adele Zanotto Scalco and aims to contribute to the integral formation of children adolescents and young people through the articulation of actions aimed at regional integration through intercultural education by offering the bilingual educationIn order to get to know an educational policy there were two interviews with Brazilian teachers one former member of the program and the other which entered the year 2015 with the interviews it was possible to collect the first impressions of the program in Foz do Iguaccedilu its challenges and its importance as an educational policy in the field of linguistics integrationist content to influence future public policy KEYWORDS educational policies school state border
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai26
Figura 02- Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi
em Satildeo Paulo capital27
Figura 03-Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo28
Figura 04- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai52 Figura 05-- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre60
Figura 06- Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGB- Associaccedilatildeo dos Geoacutegrafos Brasileiros
ANPUH- Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria
AMOP ndash Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute
CEEPR- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
CF- Constituiccedilatildeo Federal
COEF- Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental
CONAE- Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CMC- Conselho do Mercado Comum
CRUTACS- Centros Rurais Universitaacuterios de Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria
DCE ndash Diretrizes Curriculares da Educaccedilatildeo Baacutesica do Estado do Paranaacute
DICEI- Diretoria de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral
EBN- Empresa Brasileira de Notiacutecias
GEREI- Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPOL- Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em Poliacutetica Linguiacutestica
ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PNC ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais
IMS- Instituto Mercosul Social
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional
MEC- Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
MEC Y T- Ministeacuterio de la Educaciacuteon Ciencia y Tecnologia
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NRE- Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
OMS- Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PPA- Plano Pluri Anual
PEIF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
PEIBF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues de Fronteira
PCN- Paracircmetros Curriculares Nacionais
PDI- Plano de Desenvolvimento Integrado
PEEPR- Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
PF- Poliacutecia Federal
PME- Plano Municipal de Educaccedilatildeo
PNE- Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PNLD- Plano Nacional do Livro Didaacutetico
PP- Poliacutetica Puacuteblica
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
RME- Reuniatildeo de Ministros da Educaccedilatildeo
SEB- Secretaria da Educaccedilatildeo Baacutesica
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SEEDPR- Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo do Paranaacute
SENAC- Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial
SEM- Setor Educacional do Mercosul
SISFRON- Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
SIS-MERCOSUL- Sistema Integrado de Sauacutede do Mercosul
SUED- Superintendecircncia da Educaccedilatildeo
SUS- Sistema Uacutenico de Sauacutede
TEC- Tarifa Externa Comum
UFF- Universidade da Fronteira Sul
UNESCO- Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura
UNILA- Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana
UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 15
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico 20 II Estrutura da dissertaccedilatildeo 21
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA 25 11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees 25 12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo 29 13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos 32 14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas 36 15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do Estado 41
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS 50
21 Contexto histoacuterico 51 21Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo 53 22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo61 23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus impactos na educaccedilatildeo 64 24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas escolas 69
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUA 71
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens 71 32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil 74 33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 83 34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais 84
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo 86 342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais 91 343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural 94 344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute 98 345 O Curriacuteculo da AMOP 100 346 Algumas consideraccedilotildees 103
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica educacional para a fronteira 104
351 Do processo de elaboraccedilatildeo 107 352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica 108 353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF 110 354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu 116 355 As fronteiras do projeto 122 356 PEIF Uma alternativa na fronteira 123
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 126
5 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 130
15
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo apresenta um estudo sobre as poliacuteticas educacionais e
diversidade em regiatildeo de fronteira internacional Os estudos fronteiriccedilos perpassam
por diversas aacutereas do conhecimento como a Geografia Sociologia Antropologia
Ciecircncia Poliacutetica que tem apresentado inuacutemeras pesquisas a partir das mais
variadas formas de conceituar e abordar a temaacutetica (FRANCcedilA DORFMAN 2013)
No que se refere aos estudos sobre a regiatildeo de fronteira na aacuterea da educaccedilatildeo a
produccedilatildeo ainda eacute tiacutemida no Brasil (FEDATTO 1995 CITRINOVITZ 1996
ROSSATO 2003)
Para Pereira (2009) isso se reflete no processo de desenvolvimento das
poliacuteticas puacuteblicas que ateacute recentemente estavam sendo tratadas de forma
homogecircnea e unilateral ou seja sem levar em consideraccedilatildeo as particularidades de
cada regiatildeo fronteiriccedila No que tange agrave poliacutetica educacional brasileira esta deve ser
pensada em contexto amplo onde fatores como a Constituiccedilatildeo Federal a poliacutetica
nacional de direitos humanos e os acordos e tratados internacionais devem ser
considerados assim como os fatores sociais e culturais da sociedade brasileira
(SILVA MOURA MELLO 2013) Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos
sobre as poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira no Brasil satildeo recentes mas
encontra-se em processo de construccedilatildeo e crescimento
Por outro lado grupos como a Rede RETIS do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro atuam desde 1994 com pesquisa de limites
e fronteiras internacionais Com uma ampla rede de associados o grupo conta com
um acervo digital1 com diversas notiacutecias artigos teses e dissertaccedilotildees sobre
fronteiras internacionais incluindo trabalhos sobre educaccedilatildeo e fronteira
internacional Existe tambeacutem o acervo digital2 do Instituto de Investigaccedilatildeo e
Desenvolvimento em Poliacutetica Linguumliacutestica fundado em 1999 com sede em
Florianoacutepolis Santa Catarina Brasil que desenvolve projetos de apoio teacutecnico agraves
comunidades agraves comunidades de falantes de liacutenguas e variedads linguiacutesticas
1Site oficial do Retis lt httpwwwretisigeoufrjbr gt Acesso em 23062015
2Site Oficial do Ipol lthttpe-ipolorgpublicacoesgt Acesso em 23062015
16
minoritaacuterias do Brasil e do Mercosul objetivando a manutenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da
diversidade linguumliacutestica braseleira O instituto aleacutem de publicaccedilotildees proacuteprias divulga
inuacutemeros trabalhos que tratam do tema das poliacuteticas lingustiacutecas sendo um important
mecanismo de busca para pesquisa relacionadas agrave educaccedilatildeo e fronteira
internacional divulgando trabalhos como o de Sagaz (2013) e Pereira (2014) que
apresentam em suas dissertaccedilotildees o tema das escolas interculturais biliacutenguumles de
fronteira
As universidades localizadas nas regiotildees de fronteira internacional tem se
constituiacutedo enquanto importantes centros de investigaccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e
fronteira a citar a Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE) que
possui o programa de poacutes-graduaccedilatildeo strictu sensu em Sociedade Cultura e
Fronteira que conforme as especificaccedilotildees em sua paacutegina oficial3 tem entre outros
objetivos ldquoqualificar profissionais que desenvolvam durante o processo de formaccedilatildeo
capacidades para coordenar estudos e pesquisas transfronteiriccedilos na perspectiva
de ultrapassar as fronteiras geopoliacuteticardquo Nos uacuteltimos anos tambeacutem foram criadas
outras universidades em regiotildees de fronteiriccedilas como a Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFF) criada em 2009 localizada na Mesorregiatildeo Grande Fronteira
Mercosul e a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) criada
em 2010 na cidade de Foz do Iguaccedilu no Paranaacute Dentre outros objetivos estas
instituiccedilotildees buscam o desenvolvimento de pesquisa em regiotildees fronteiriccedilas
contribuindo assim para o crescimento de estudos no campo das poliacuteticas
educacionais em regiatildeo de fronteira internacional
O interesse em tratar do tema da fronteira e poliacuteticas educacionais comeccedilou
em 2011 momento em que saiacute de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais
para chegar agrave cidade de fronteira Foz do Iguaccedilu no Oeste paranaense com o
objetivo de cursar uma segunda graduaccedilatildeo pois sou licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Viccedilosa em Minas gerais e agora bacharel em Ciecircncia
Poliacutetica e Sociologia pela Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana As
duas graduaccedilotildees foram fundamentais para despertar o interesse pela pesquisa e
pelo mestrado interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras o que resultou
nesta dissertaccedilatildeo
3Paacutegina virtual do Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute lt
httpwwwunioestebrpossociedadeeculturagt Acesso em 13082014
17
Quando fiz a graduaccedilatildeo em Pedagogia meu interesse em poliacuteticas
educacionais para a diversidade nasceu em disciplinas de Sociologia da Educaccedilatildeo e
principalmente na disciplina que discutia as relaccedilotildees eacutetnicos e raciais nas escolas e
a formaccedilatildeo do professor A partir das reflexotildees sobre a funccedilatildeo da escola e do
professor em lidar com a diversidade eacutetica e racial em sala de aula meu problema
de pesquisa para a elaboraccedilatildeo do trabalho de conclusatildeo de curso foi de trabalhar a
formaccedilatildeo dos professores para desenvolver o trabalho com a Lei 1063903 que
tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria e da cultura afro-brasileira e africana em todas
as escolas puacuteblicas e particulares Ao teacutermino do curso senti a necessidade de
realizar outra graduaccedilatildeo a fim de me aprofundar melhor no campo da sociologia e
da educaccedilatildeo Conheci o curso da Unila e ingressei no curso de Ciecircncia Poliacutetica e
Sociologia no ano de 2011 O interesse por estudar na referida instituiccedilatildeo era
despertado pela curiosidade em viver em uma cidade de fronteira e pela proposta de
integraccedilatildeo latino-americana que a universidade propotildee
Finalizei a graduaccedilatildeo em Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia e meu objeto de
pesquisa foi as poliacuteticas educacionais no contexto do neoliberalismo a partir dos
anos de 1990 em comparaccedilatildeo com as poliacuteticas educacionais propostas pelos
movimentos sociais Seguindo a proposta de integraccedilatildeo da Unila optei por um
estudo comparado com as propostas oriundas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Movimentos Indiacutegenas na Boliacutevia
Entretanto minhas indagaccedilotildees sobre a vivecircncia de escolas na fronteira natildeo
puderam ser respondidas Durante estes anos em Foz do Iguaccedilu meu olhar sobre
as relaccedilotildees em meio agrave diversidade de etnias e nacionalidades mudou
significativamente e segue em transformaccedilatildeo
Meus primeiros contatos com a populaccedilatildeo e com os meios de comunicaccedilatildeo
local e as imagens que eles tinham sobre o lugar em que moravam logo contrastou
com meu imaginaacuterio sobre o que eacute uma fronteira A violecircncia diaacuteria presente nos
jornais televisivos e impressos fadava a fronteira como o inevitaacutevel caminho para
entrada do traacutefico de drogas e armas A ponte da Amizade que liga a cidade de Foz
do Iguaccedilu agrave Ciudad del Este como o limbo entre o legal e o ilegal A passagem dos
trabalhadores caracterizados como informais era uma constante nos jornais A frase
ldquotinha que ser paraguaiordquo chegou aos meus ouvidos algumas vezes como tambeacutem
as noccedilotildees de que a Ciudad del Este era suja e desorganizada e o paiacutes de um modo
geral atrasado e pobre Tambeacutem eram perceptiacutevel as imagens referentes aos
18
aacuterabes caracterizados como ricos e isolados do restante da populaccedilatildeo aleacutem da
falta de distinccedilatildeo da comunidade aacuterabe pelo paiacutes de origem ou pela divisatildeo religiosa
que haacute entre xiitas e sunitas dentro do islamismo Exemplos como esses me
provocaram Ingenuamente pensava apenas no lado positivo dessa integraccedilatildeo entre
diferentes nacionalidades e etnias mas a vivecircncia na cidade permitiu-me ampliar
essas referecircncias do que era fronteira para outras bdquofronteiras‟ e mais ainda
deslocou minha atenccedilatildeo para as escolas brasileiras que recebem diferentes perfis
de imigrantes o que torna a regiatildeo fronteiriccedila tatildeo peculiar
Meus primeiros questionamentos eram de como a escola recebia esses
alunos estrangeiros como era organizada a documentaccedilatildeo escolar como era
realizado o diagnoacutestico de alunos que haviam comeccedilado seus estudos em seu paiacutes
de origem e como eram as relaccedilotildees professor - aluno aluno-aluno e escola-aluno
Essas primeiras inquietaccedilotildees me levaram a outras como a questatildeo do curriacuteculo
escolar em cidades de fronteira uma vez que haacute uma tendecircncia nos curriacuteculos
oficiais agrave homogeneizaccedilatildeo como ao monolinguismo Outro ponto eacute sobre como a
escola lida natildeo apenas com a questatildeo do idioma mas tambeacutem como ela se
posiciona diante dos conflitos como estigmas negativos relacionados agrave origem dos
alunos que podem se revelar muitas vezes como praacuteticas xenofoacutebicas Na tentativa
de inferiorizar o outro eacute comum escutar brasileiros que tratam os paraguaios como
ldquoxiruacute4rdquo e preguiccediloso natildeo aprende porque ldquoa escola laacute eacute fracardquo Esses comentaacuterios
foram constantes em sala de aula durante o periacuteodo em que lecionei sociologia para
jovens e adultos em um cursinho popular entre os anos de 2011 e 2013 em Foz do
Iguaccedilu Nas ocasiotildees em que se abordava o tema da fronteira a imagem que se
tinha do paraguaio era carregada de valores negativos
Tantas inquietaccedilotildees impossiacuteveis de serem abarcadas em uma mesma
pesquisa pois estudar uma realidade fronteiriccedila exige bdquoolhares demorados‟ para o
objeto em estudo tiveram que ser delimitadas na seguinte proposta pensar as
poliacuteticas educacionais para a diversidade nas escolas de fronteira internacional
nesse caso nas escolas de Foz do Iguaccedilu cidade que faz divisa com a cidade
Argentina de Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este no Paraguai
4O termo xiru eacute de origem guarani Che ldquoeu meurdquo e iru ldquocompanheiro amigordquo que traduzindo para o
portuguecircs significa ldquomeu amigordquo ldquomeu companheirordquo mas para os brasileiros tomou a conotaccedilatildeo de falsificado (TRISTONE 2011)
19
Ao delinear parte do percurso insiro parte de meus valores e visatildeo de mundo
que concordando com Ludke e Andreacute (1986) iratildeo influenciar a maneira como a
pesquisa eacute proposta ldquoem outras palavras os pressupostos que orientam seu
pensamento vatildeo tambeacutem nortear sua abordagem de pesquisardquo (LUDKE ANDREacute
1986 p03)
A justificativa da delimitaccedilatildeo empiacuterica passa pela relaccedilatildeo fronteira entre o
Estado nacional e a escola O espaccedilo escolar eacute visto como um espaccedilo de tensotildees e
contradiccedilotildees em que se manifestam as mais distintas formas de relaccedilotildees sociais
onde o preconceito o racismo a xenofobia e a exclusatildeo ocorrem ao mesmo tempo
em que se ldquocombate essas formas de violecircnciardquo A escola nesta dissertaccedilatildeo natildeo eacute
uma entidade a parte uma maacutequina do Estado Eacute tambeacutem instrumento do Estado
ao mesmo tempo que perpassa pela vida de diferentes sujeitos como os
professores alunos diretores pesquisadores que podem criar condiccedilotildees de
resistecircncia a fim de construiacuterem outros curriacuteculos a margem do Estado e adaptaacute-los
agrave realidade local e natildeo universal
Nesse sentido estudar as poliacuteticas puacuteblicas educacionais a partir da
diversidade nas escolas de fronteira parte da hipoacutetese de que o Estado ao mesmo
tempo em que se faz presente na fronteira a deixa agraves margens quando natildeo
consegue a partir das poliacuteticas educacionais nacionais direcionadas ou natildeo para a
diversidade lidar com as diferenccedilas proacuteprias de uma realidade fronteiriccedila
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as poliacuteticas educacionais e as
relaccedilotildees com a diversidade na fronteira A diversidade qual nos referimos reside na
presenccedila de muacuteltiplas nacionalidades e etnias presentes nas escolas e o que essa
presenccedila e suas manifestaccedilotildees a partir das relaccedilotildees entre os diferentes sujeitos
acarretam para a escola Embora os questionamentos desta pesquisa envolva as
escolas o objeto principal da pesquisa satildeo os documentos e as poliacuteticas
educacionais para a diversidade para as escolas situadas em regiatildeo de fronteira
internacional
A fim de desenvolver a hipoacutetese de trabalho o primeiro capiacutetulo aborda o
tema da fronteira Eacute preciso compreender a polissemia e as diferentes abordagens
no acircmbito da pesquisa Albuquerque (2009) apresenta os novos enfoques
socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos que tem dado acesso a pesquisas no
campo das praacuteticas culturais e sociais para aleacutem da visatildeo tradicional de fronteira
poliacutetico-juriacutedica Na concepccedilatildeo de Joseacute de Souza Martins (1997) a fronteira se faz
20
de muitas e diferentes coisas fronteiras espaciais fronteira do pensamento fronteira
da civilizaccedilatildeo etc Conforme essa citaccedilatildeo a concepccedilatildeo de fronteira ultrapassa a
visatildeo tradicional pois para o referido autor fronteira pressupotildee diferentes
significados sejam eles poliacuteticos econocircmicos sociais ou culturais
A partir do enfoque da fronteira enquanto limite juriacutedico e de espaccedilo de
relaccedilotildees sociais busca-se relacionaacute-los partindo do pressuposto de que o
nascimento da fronteira enquanto limite juriacutedico estabelecido para demarcar os
territoacuterios entre os Estado nacionais desencadeou em outros processos no campo
social que devem ser analisados a fim de desmistificar a cristalizaccedilatildeo das fronteiras
como um espaccedilo naturalizado
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico
Metodologicamente fizemos levantamentos de dados em fontes histoacutericas e
documentais para ldquoinvestigar os acontecimentos processos e instituiccedilotildees do
passadordquo (LAKATOS MARKONI 2003 p106) Compreende-se que para entender
as atuais formas de organizaccedilatildeo social na fronteira eacute fundamental refazer a histoacuteria
dessas instituiccedilotildees e costumes desde sua origem Desse modo foi possiacutevel no
momento da contextualizaccedilatildeo do objeto de estudo perceber quais foram os fatos
que influenciaram sua atual estrutura Assim o primeiro e segundo capiacutetulo centrou-
se principalmente na pesquisa bibliograacutefica que consistiu no levantamento de
dados por meio de livro artigos e perioacutedicos impressos e online
O terceiro capiacutetulo apresenta a anaacutelise das poliacuteticas educacionais Na
primeira parte da investigaccedilatildeo utilizou-se da pesquisa documental que difere da
pesquisa bibliograacutefica pela natureza das fontes de dados que satildeo ricas e estaacuteveis
(GIL 2010) Satildeo considerados documentos ldquoquaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informaccedilatildeo sobre o comportamento humanordquo
(LUDKE ANDREacute 1986 p38)
Os documentos analisados foram a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional (LDB96) os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCN‟S) de 1997 o
curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute (2007)
produzido por iniciativa da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP)
e o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEEPR)
21
Utilizamos como referencial analiacutetico a abordagem de poliacuteticas puacuteblicas de
Leite e Flexor (2006) e Secchi (2013) para anaacutelise do Programa Escola Intercultural
Biliacutenguumle de Fronteira
As entrevistas semiestruturadas tambeacutem fizeram parte do arcabouccedilo
metodoloacutegico da pesquisa Conforme Ludke e Andreacute (1986) as entrevistas natildeo
estruturadas onde natildeo haacute a determinaccedilatildeo e uma ordem riacutegida de questotildees
permitem com que o entrevistado fale do tema proposto com base nas informaccedilotildees
que ele possui Os benefiacutecios da entrevista sobre outras teacutecnicas ldquoeacute que ela permite
a captaccedilatildeo imediata e corrente da informaccedilatildeo desejada praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados toacutepicosrdquo (LUDKE ANDREacute 1986 p33-
34)
As entrevistas foram realizadas com duas professoras da escola brasileira
que recebem o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumle de Fronteira Uma das
entrevistadas participa do desenvolvimento do programa desde seu iniacutecio e a outra
professora passou a acompanhar o projeto em 2015 Essa escolha permitiu
conhecer as diferentes fases da inserccedilatildeo do programa na escola O principal
objetivo da entrevista foi o de analisar os impactos do PEIF na praacutetica a partir das
experiecircncias relatadas O PEIF foi a uacutenica poliacutetica analisada a partir de entrevistas
aos atores diretamente envolvidos pois ateacute o momento da redaccedilatildeo desta
dissertaccedilatildeo constatou-se que este programa eacute a uacutenica poliacutetica educacional oficial do
Estado direcionada especificamente para escolas em regiatildeo de fronteira
internacional
II Estrutura da dissertaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo estaacute estruturada em trecircs capiacutetulos juntamente com a
introduccedilatildeo e consideraccedilotildees finais No primeiro capiacutetulo- Eacute preciso falar de escola na
fronteira- buscou-se a revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica fronteira Em seguida a
Fronteira o Territoacuterio e Estado-naccedilatildeo satildeo abordados partindo do princiacutepio de que
no processo de consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo o territoacuterio representou o espaccedilo
onde o Estado exerce a sua soberania (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 2004)
A fronteira se insere na condiccedilatildeo de limite poliacutetico fundamental para delimitar o
territoacuterio que por sua vez seraacute o espaccedilo onde o imaginaacuterio da naccedilatildeo eacute construiacutedo
22
(ANDERSON 1993) A seccedilatildeo seguinte apresenta os aspectos da cidade fronteiriccedila
de Foz do Iguaccedilu que permite dizer que ela juntamente com Ciudad del Este e
Puerto Iguazuacute conformam uma regiatildeo fortemente interligada em que fatores como
os econocircmicos e sociais afetam as trecircs cidades
A premissa da triacuteplice fronteira enquanto uma regiatildeo conectada eacute observada nos
exemplos apresentados na seccedilatildeo 14 A porosidade do Estado na fronteira Um deles
demonstra a necessidade de se criar accedilotildees conjuntas para resolver questotildees como
a regulamentaccedilatildeo do trabalhador que atravessa de um paiacutes para o outro na busca
por melhores condiccedilotildees de salaacuterio e que ao natildeo possuir os documentos que o
regularize natildeo possui direitos de trabalho garantidos Os dois uacuteltimos toacutepicos deste
mesmo capiacutetulo abordam identidade e as escolas na fronteira respectivamente As
diferenccedilas que tem como um dos marcadores a identidade satildeo evidenciadas nas
escolas que se apresenta neste contexto enquanto reguladora a partir de padrotildees
universalistas construiacutedos sem um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007)
O capiacutetulo II- A Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu construtos e
contradiccedilotildees para a consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo concentrou-se no processo de
formaccedilatildeo das escolas no contexto em que a cidade de Foz do Iguaccedilu foi formada
como tambeacutem sua relaccedilatildeo com a fronteira A Colocircnia Militar criada para proteccedilatildeo e
colonizaccedilatildeo do territoacuterio marca o iniacutecio das demandas pela criaccedilatildeo de escolas que
na ausecircncia do poder puacuteblico eram improvisadas pelos setores da sociedade
(EMER 1991) A influecircncia dos paiacuteses vizinhos no iniacutecio do seacuteculo XX eacute evidenciada
em relatoacuterios que explicam que a ausecircncia de escolas eacute um fator preocupante pois
as crianccedilas brasileiras estavam indo estudar na Argentina Essa influecircncia estaacute nos
relatoacuterios do Plano de desenvolvimento integrado (PDI) da deacutecada de 1970 que ao
analisar a escola e os motivos do fracasso escolar culpabiliza os alunos
estrangeiros que natildeo falam o portuguecircs A deacutecada de 1930 e o projeto de
nacionalizaccedilatildeo de Getuacutelio Vargas satildeo abordados para analisar a importacircncia que a
escola tinha para a construccedilatildeo do projeto de naccedilatildeo
O uacuteltimo capiacutetulo Poliacuteticas Puacuteblicas para a educaccedilatildeo na fronteira entre
Argentina Brasil e Paraguai teve como objetivo analisar as poliacuteticas puacuteblicas
educacionais para a diversidade Apoacutes traccedilar a trajetoacuteria das poliacuteticas educacionais
no Brasil verificou-se seu viacutenculo direto com as condiccedilotildees histoacutericas de cada eacutepoca
No Brasil colocircnia as necessidades estavam voltadas para a catequizaccedilatildeo do
indiacutegena e na instruccedilatildeo dos filhos dos proprietaacuterios de terra e da elite colonial como
23
um todo (MARCILIO 2005) A chegada da coroa portuguesa em 1808 marca o
periacuteodo das reformas pombalinas Marques de Pombal criou uma seacuterie de cursos
profissionalizantes escolas militares tanto de niacutevel meacutedio como superior
(GHIRALDELLI JR 2001)
As primeiras deacutecadas de 1930 marcam o iniacutecio do predomiacutenio das reformas
educacionais de teor nacionalista Ateacute 1930 a estrutura econocircmica brasileira estava
voltada para o modelo agraacuterio-exportador principalmente no campo da cafeicultura
Com a crise do modelo oligaacuterquico e a entrada de Getuacutelio Vargas no poder um novo
modelo de produccedilatildeo se configura mas a dependecircncia do capital estrangeiro
permanece Eacute o modelo de substituiccedilatildeo de importaccedilotildees iniciado em 1930
caracterizado pela intervenccedilatildeo estatal na economia e no incentivo agrave criaccedilatildeo de
induacutestrias (IANNI 1994)
No campo educacional eacute criado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e com
ele importantes poliacuteticas educacionais como a reforma Francisco Campos em 1931
que regulamentou as escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
algumas concepccedilotildees pedagoacutegicas inovadoras (SAVIANI 2008)
O fim do Estado Novo com a nova constituinte proporcionou algumas
mudanccedilas na educaccedilatildeo Em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal foram
regulamentados foi criado o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC
As principais reformas educacionais aconteceram no governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1960) A construccedilatildeo de Brasiacutelia a abertura ao capital estrangeiro
e o investimento em tecnologia marcaram um periacuteodo em que a naccedilatildeo eacute mobilizada
para superar seu atraso No campo da educaccedilatildeo o programa de metas do governo
priorizou a formaccedilatildeo teacutecnica dos trabalhadores
Na deacutecada de 1950 inicia-se o debate sobre a Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
e sua funccedilatildeo ateacute entatildeo destinada agrave mera transmissatildeo de conteuacutedos Eacute o comeccedilo do
debate em torno da educaccedilatildeo popular que incluiacuteam vaacuterios adeptos educadores
liacutederes comunitaacuterios intelectuais e estudantes de todo o paiacutes A liberdade de
expressatildeo nos primeiros anos da deacutecada de 1960 permitiu que houvesse a criaccedilatildeo
de diversos espaccedilos para promoccedilatildeo das massas e da educaccedilatildeo popular Inspirado
nesse movimento de base o Plano de Nacional Alfabetizaccedilatildeo de 1964 no governo
de Joatildeo Goulart criou o meacutetodo que alfabetizava em 40 horas guiado pelo meacutetodo
de Paulo Freire Contudo com o golpe militar em 1964 o plano mal chegou a ser
implantado (PAIVA 1984)
24
A partir do governo dos militares em termos educacionais presencia-se a
repressatildeo exclusatildeo das camadas populares do ensino profissionalizante e o
desmantelamento da organizaccedilatildeo docente (GHIRALDELLI JR 2001)
A Constituinte de 1988 marca a retomada da participaccedilatildeo de diferentes
grupos organizados da sociedade como os movimentos sociais nas proposiccedilotildees de
poliacuteticas puacuteblicas A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 96 eacute nesse
sentido considerada um grande avanccedilo ao incluir em 2003 e 2008 a Lei 1063903
que torna o ensino de histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira como obrigatoacuterio
no curriacuteculo das escola puacuteblicas e brasileiras Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
com o tema transversal pluralidade cultural tambeacutem satildeo outros dispositivos que
buscam abordar a diversidade eacutetnico-racial nas escolas brasileiras (BRASIL 2003)
Apesar dos avanccedilos das poliacuteticas educacionais para diversidade algumas
anaacutelises apontam para a sua tendecircncia homogeneizadora (ABG 1996) As poliacuteticas
em niacutevel estadual natildeo satildeo muito diferentes dos pressupostos nacionais na medida
em que estatildeo subordinados agrave LDB96 e isso inclui o curriacuteculo baacutesico para a escola
puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute feito pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oe
ste do Paranaacute (AMOP)
Dentre as poliacuteticas educacionais estudadas o Programa Escolas
Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira eacute um programa que nasceu com o objetivo de
promover o processo intercultural por meio do ensino biliacutengue nas escolas
pertencentes a regiotildees de fronteira internacional Os primeiros paiacuteses que aderiram
ao programa foram a Argentina e o Brasil mediante acordos assinados dentro do
bloco econocircmico Mercosul por meio do Setor Educacional do Mercosul (SEM)
responsaacutevel por desenvolver as propostas para implementaccedilatildeo de poliacuteticas
educacionais dentre essas a poliacutetica linguiacutestica
25
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA
11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees
Etimologicamente a palavra fronteira deriva do latim Fron e quer dizer ldquode
frenterdquo Ela foi utilizada pela primeira vez no seacuteculo XIII para estabelecer o limite
temporaacuterio e flutuante que separava dois exeacutercitos de poder no momento de conflito
(FEgraveBVRE 1962 apud SILVA 2008 p8) Foi a partir da formaccedilatildeo e expansatildeo do
Estado-naccedilatildeo que a fronteira passou a ser sinocircnimo de limite de soberania O termo
linha de fronteira por sua vez representa os limites internacionais Tal expressatildeo
acompanhou estreitamente os avanccedilos do pensamento moderno sobre territoacuterio
Hoje assim como inuacutemeras palavras que mudam ou assumem outros
sentidos de acordo com o tempo e espaccedilo a palavra fronteira assume outros
sentidos e significados No dicionaacuterio de liacutengua portuguesa Aureacutelio5 a definiccedilatildeo de
fronteira eacute apresentada enquanto limite ou divisa de um dado territoacuterio No entanto
esta palavra natildeo se resume agrave noccedilatildeo de separaccedilatildeo De acordo com Becker (2007) a
fronteira eacute concebida como parte das relaccedilotildees humanas em suas mais distintas
formas sejam elas econocircmicas poliacuteticas sociais religiosas culturais ou simboacutelicas
Os novos enfoques socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos tecircm ampliado as
possibilidades de estudos diferenciados acerca do tema fronteira Um exemplo disto
satildeo as anaacutelises sobre praacuteticas culturais e accedilotildees sociais Para Albuquerque (2010) a
fronteira apresenta-se como um cenaacuterio de relaccedilotildees sociais
As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relaccedilotildees sociais entrelaccediladas com os atuais processos de globalizaccedilatildeo e de redefiniccedilatildeo do papel dos limites entre os Estados nacionais A fronteira eacute geralmente percebida por esses estudiosos como um lugar de passagem de contato e traduccedilatildeo cultural (ALBUQUERQUE 2010 p48)
Nesse sentido a palavra fronteira natildeo eacute neutra ao contraacuterio eacute carregada de
inuacutemeros sentidos como exemplifica Faacutebio Reacutegio Bento ldquopara o contrabandista
fronteira significa afliccedilatildeo para o exilado poliacutetico passar a fronteira significa
libertaccedilatildeordquo (BENTO 2012 p2)
5Ver Dicionaacuterio Aureacutelio Online Disponiacutevel em lthttpwwwdicionariodoaureliocomfronteiragt Acesso
em 01102014
26
Na perspectiva durkhiemiana Fronteira eacute definida enquanto um fato social
Em As Regras do Meacutetodo Socioloacutegico (1865) Eacutemile Durkheim busca trata-la como
coisa ou seja algo possiacutevel de ser estudado Sendo coisa social a fronteira eacute
exterior ao indiviacuteduo assim torna-se passiacutevel de ser compreendida e explicada
racionalmente Regina Coeli Machado e Silva (2015) citando Strathern (2014)
aponta entretanto que a ldquofronteira eacute um dos conceitos menos sutis da anaacutelise
socioloacutegica como reificaccedilatildeo de uma abstraccedilatildeo socialrdquo Eacute a partir dessa mesma
abstraccedilatildeo que obtemos efeitos sociais tanto de exclusatildeo e quanto de participaccedilatildeo
social demonstrado as ldquoambiguidades do Estado-Naccedilatildeo brasileiro e das suas
fronteiras geopoliacuteticasrdquo (STRATHERN 2014 apud SILVA 2015 p1)
De maneira geral os estudos referentes agrave fronteira apresentam-se tanto no
sentido Stricto - a noccedilatildeo tradicional onde fronteira eacute a divisa entre estados no
acircmbito nacional ou internacional6 - como tambeacutem no sentido Lato - neste caso as
fronteiras do pensamento sendo elas nocircmades e sociais A respeito deste uacuteltimo
pode-se mencionar o exemplo de uma cidade marcada pela desigualdade social
Nela a fronteira manifesta-se por meio da disposiccedilatildeo das residecircncias estatildeo
dispostas a cidade de Satildeo Paulo demonstra estas fronteiras de um lado
comunidades carentes de outro casas luxuosas7
Imagem 1 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte wwwoiguassucom
6Vide imagem 1
7Vide imagem 2
27
Imagem 2 - Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi em Satildeo Paulo capital
Fonte e foto Tuca Vieira- httpwwwtucavieiracombrA-foto-da-favela-de-Paraisopolis
Desse modo nesta dissertaccedilatildeo ao tratarmos a fronteira em seu sentido
geograacutefico estaremos buscando a localizaccedilatildeo no tempo e espaccedilo de onde
estamos falando Quando ampliarmos a noccedilatildeo deste termo para os sentidos poliacutetico
e social estaremos buscando responder a questotildees que dizem respeito agraves
consequecircncias de um processo histoacuterico em que os Estados nacionais mesmo
tendo realizado as demarcaccedilotildees de seus limites natildeo conseguiram impedir que o
mesmo ocorresse entre as populaccedilotildees que transitam em seu interior Eacute o que afirma
Albuquerque (2010) para o qual
A reflexatildeo sobre identidades nacionais e os conflitos sociais nas aacutereas de delimitaccedilotildees dos Estados-Nacionais produzem novas abordagens sobre as fronteiras e desnaturalizam as bdquofronteiras naturais‟ das naccedilotildees (ALBUQUERQUE 2010 p 45)
Em artigo publicado na obra ldquoDilemas e Diaacutelogos Platinos Fronteirasrdquo
Machado (2010) aponta que os estudos entre as fronteiras dos Estados-Nacionais
satildeo uacutenicos No caso do Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 confirmou a delimitaccedilatildeo de
150 km a partir do limite internacional como faixa de fronteira Desse modo natildeo
apenas a cidade que faz divisa com outro paiacutes eacute considerada fronteiriccedila mas
tambeacutem as outras cidades que ficam dentro desta faixa de 150 km
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE 2014)
o Brasil possui uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros e 16886 quilocircmetros de
fronteira terrestre com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul sendo eles Argentina
Boliacutevia Colocircmbia Guiana Peru Suriname Venezuela Paraguai Uruguai e com o
Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana conforme observa-se na Figura 3
28
Imagem 3 - Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo
Fonte Jornal Tribuna wwwjornaltribunacombr
Como os dados assinalam a dimensatildeo da fronteira do Brasil com os paiacuteses
da Ameacuterica Latina eacute expressiva e natildeo apenas no sentido de extensatildeo territorial
visto que o contato direto e diaacuterio entre as populaccedilotildees inseridas neste contexto torna
a fronteira expressiva tambeacutem no que se refere agrave dimensatildeo das relaccedilotildees sociais
Desse modo ao estudar as poliacuteticas puacuteblicas no contexto de fronteira
internacional natildeo eacute apenas a conjuntura nacional que estaacute sendo considerada mas
tambeacutem o plano externo -em sentido transnacional - considerando-se os fluxos da
populaccedilatildeo brasileira paraguaia e argentina que circulam de um paiacutes para o outro
Fernand Brauduel (1989) ao abordar as fronteiras afirma que elas
incorporam aleacutem da dimensatildeo espacial tambeacutem a ldquodimensatildeo temporalrdquo (BRAUDEL
1989 apud Heinsfeld 2014 281) Como exemplo o autor cita as divisotildees territoriais
da Ameacuterica colonial feitas por Portugal e Espanha delimitaccedilotildees essas que foram
incorporadas antes mesmo da independecircncia das colocircnias Braudel chama atenccedilatildeo
para este fato afirmando que a histoacuteria tem a tendecircncia de cristalizar as fronteiras
como se fossem ldquoacidentes naturaisrdquo (BRAUDEL 1989 p 147) Albuquerque (2010)
tambeacutem compartilha desse raciociacutenio Segundo este autor haacute uma tendecircncia
disseminada no senso comum em se conceber a fronteira enquanto algo dado
pronto e natural como se natildeo houvesse nenhum conflito de fronteira Para aleacutem
disto a fronteira tambeacutem eacute percebida preconceituosamente pela imprensa e o
imaginaacuterio popular como uma terra de ningueacutem perigosa e violenta ou seja espaccedilo
da ilegalidade e da transgressatildeo
Para Albuquerque estas representaccedilotildees satildeo construiacutedas principalmente a
partir de notiacutecias negativas associadas a conflitos violentos Como exemplo temos a
29
imigraccedilatildeo clandestina dos mexicanos para os Estados Unidos ou a disputa territorial
na faixa de Gaza entre Israel e a Palestina Cabe ressaltar que nesta perspectiva
os Estados nacionais desempenham um papel fundamental na construccedilatildeo destas
concepccedilotildees e noccedilotildees acerca da fronteira satildeo eles que legitimam tais imaginaacuterios
por meio de estrateacutegias de proteccedilatildeo do territoacuterio No caso da fronteira com os
Estados Unidos e Meacutexico a poliacutetica de seguranccedila eacute extremamente violenta natildeo
apenas no sentido fiacutesico por meio da construccedilatildeo de muros com arames farpados e
redes de alta tensatildeo mas por meio de um monitoramento que existe com a
utilizaccedilatildeo de tecnologias de ponta A natildeo obediecircncia aos limites pode levar aqueles
(natildeo apenas mexicanos) que queiram atravessar a fronteira ilegalmente agrave morte
Segundo Kearney (apud MONTIEL 2007) esta representaccedilatildeo dos problemas
fronteiriccedilos tem estado muito presente na imprensa norte-americana e tem resultado
na justificativa e defensiva do que ele denomina de ldquonacionalismo dos brancosrdquo
(KEARNEY 1991 apud MONTIEL 2007 p10) Isto explicaria o atual endurecimento
da poliacutetica do governo estadunidense que resulta natildeo apenas na militarizaccedilatildeo da
mesma mas no polecircmico projeto de construccedilatildeo de um muro ao longo da faixa de
fronteira remetendo ao modelo da ldquocortina de ferrordquo dos paiacuteses europeus no periacuteodo
da Guerra Fria que dividia de um lado os paiacuteses do leste europeu sob a influecircncia
da Uniatildeo Sovieacutetica e de outro os paiacuteses pertencentes agraves zonas de influecircncia dos
Estados Unidos
12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo
Segundo o Dicionaacuterio de Poliacutetica o Estado Moderno tal qual o conhecemos
tem suas origens nas transformaccedilotildees ocorridas ao final da Idade Meacutedia que
resultaram em tratados como a Paz de Vestfaacutelia que simbolizou ldquoo momento em
que se reconhece formalmente de modo geral a soberania absoluta do Estado no
plano internacionalrdquo (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 1998 p1090) Mas eacute a
definiccedilatildeo de Max Weber sobre o Estado Moderno uma das mais conhecidas Para
ele o Estado faz o uso legiacutetimo da violecircncia numa relaccedilatildeo entre homens que
dominam seus iguais em um determinado territoacuterio
Estado eacute uma relaccedilatildeo de homens dominando homens relaccedilatildeo mantida por meio da violecircncia legiacutetima (isto eacute considerada como
30
legiacutetima) Ele eacute uma comunidade humana que pretende com ecircxito o monopoacutelio do uso legiacutetimo da forccedila fiacutesica dentro de um determinado territoacuterio (WEBER 1998 p98-99)
Destaca-se aqui a questatildeo do territoacuterio uma vez que sua relaccedilatildeo com a
fronteira eacute inerente Logo falar de fronteira fiacutesica em sua definiccedilatildeo claacutessica
pressupotildee que haja um territoacuterio que fora delimitado a partir de tratados acordos ou
mesmo a venda do territoacuterio em disputa O geoacutegrafo Rogeacuterio Haesbaert afirma que o
territoacuterio estaacute mergulhado em
() relaccedilotildees de dominaccedilatildeo eou de apropriaccedilatildeo sociedade-espaccedilo desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominaccedilatildeo poliacutetico-econocircmica mais bdquoconcreta‟ e bdquofuncional‟ agrave apropriaccedilatildeo mais subjetiva eou bdquocultural-simboacutelica (HAESBAERT 2004 p95-96)
O autor chega a esta conclusatildeo apoacutes realizar uma analise histoacuterico-social do termo
quando a palavra territoacuterio surgiu com duas conotaccedilotildees material e simboacutelica ldquopois
etimologicamente aparece tatildeo proacuteximo de terra-territorium quanto de terreo-territor
(terror aterrorizar)rdquo (HAESBAERT 2004 p 2) O autor afirma que as duas
conotaccedilotildees tem a ver com poder natildeo somente no significado tradicional de bdquopoder
poliacutetico‟ ldquoEle diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto de dominaccedilatildeo
quanto ao poder no sentido mais simboacutelico de apropriaccedilatildeordquo (HAESBAERT 2004 p
2)
Portanto todo territoacuterio eacute ao mesmo tempo e obrigatoriamente em diferentes combinaccedilotildees funcional e simboacutelico pois exercemos domiacutenio sobre o espaccedilo tanto para realizar ldquofunccedilotildeesrdquo quanto para produzir bdquosignificados‟ (HAESBART 2004 p67)
Hoje o modelo de Estado territorial eacute definido como aquele que organiza este
territoacuterio que por sua vez eacute delimitado por uma fronteira cuja populaccedilatildeo estaacute unida
pelo sentimento de naccedilatildeo Por naccedilatildeo Benedict Anderson (1993) entende que ldquoseja
uma comunidade imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo
tempo soberanardquo (ANDERSON 1993 p24)
Utilizando a definiccedilatildeo de Anderson para naccedilatildeo tendo em vista que haacute outras
definiccedilotildees para o termo o autor explica que a naccedilatildeo eacute imaginada pois nem todos
aqueles que fazem parte dela se reconhecem ainda que tenham consciecircncia que
haja uma comunhatildeo entre eles Desse modo o sentido de pertenccedila agrave naccedilatildeo existe
somente quando os sujeitos partilham de certo imaginaacuterio social mesmo que natildeo se
conheccedilam mutuamente Entretanto esta imaginaccedilatildeo eacute limitada uma vez que seu
31
campo de abrangecircncia eacute limitado Eacute soberano assim o anseio de qualquer naccedilatildeo
ser livre da subordinaccedilatildeo de outros poderes8ou de outras naccedilotildees
Por fim a naccedilatildeo eacute imaginada como uma comunidade tendo em vista que
independentemente das desigualdades que existam entre as pessoas - sociais
poliacuteticas ou econocircmicas - o senso de companheirismo extrapola as diferenccedilas
sociais que haacute entre elas Para Anderson eacute este sentimento de unicidade que fez
com que tantas pessoas morressem em nome da defesa da naccedilatildeo nos uacuteltimos
seacuteculos
A fim de explicar como se deu este processo de construccedilatildeo da naccedilatildeo nos
paiacuteses europeus Benedict Anderson menciona os jornais impressos que quando
popularizados tornaram-se um dos meios mais eficazes de inculcar valores na
sociedade servindo entatildeo de instrumento para a construccedilatildeo de uma naccedilatildeo Se
partirmos da afirmaccedilatildeo de Durkheim segundo a qual a educaccedilatildeo tem como funccedilatildeo
coletiva adaptar a crianccedila ao meio social faz-se necessaacuterio para isto que se
estabeleccedila entre a sociedade e a escola uma ldquocomunhatildeo de ideias e sentimentos
suficientes entre os cidadatildeos comunhatildeo sem a qual qualquer sociedade eacute
impossiacutevelrdquo (DURKHIEM 2011 p63) podemos perceber como a escola e o modo
com que o Estado designa o que deve ou natildeo conter como base comum a todo
curriacuteculo nacional torna a educaccedilatildeo escolar um mecanismo de constructo da naccedilatildeo
seguindo portanto a mesma premissa de Anderson
Na cidade fronteiriccedila durante o periacuteodo de instalaccedilatildeo e funcionamento da
Colocircnia Militar da Foz de Iguaccedilu entre 1889 e 1912 jaacute havia uma preocupaccedilatildeo com
o fato de as crianccedilas brasileiras estudarem na Argentina Afinal estavam
assimilando a cultura e os valores nacionais do paiacutes vizinho o que ameaccedilava o
territoacuterio Mais tarde na Era Vargas o projeto nacionalista de unificar o paiacutes passou
pela educaccedilatildeo Neste periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais que tinham entre outros
objetivos
() homogeneizar a populaccedilatildeo dando a cada nova geraccedilatildeo o instrumento do idioma os rudimentos da geografia e da histoacuteria paacutetria os elementos da arte popular e do folclore as bases da formaccedilatildeo ciacutevica e moral a feiccedilatildeo dos sentimentos e ideias coletivos em que afinal o senso de unidade e de comunhatildeo nacional repousam
8Eacute tambeacutem imaginada como soberana porque nasceu numa eacutepoca em que o Iluminismo e a
Revoluccedilatildeo destruiacuteram a legitimidade do domiacutenio dinaacutestico e ordenado por Deus (ANDERSON 1993)
32
(PALMEIRA 1943 apud SCHWARTZMAN BOMENY COSTA 2000 p 93)
Diante das estrateacutegias que o Estado Moderno desenvolveu para construir a
ideia de naccedilatildeo a proacutepria fronteira poliacutetica requer quase sempre a justificaccedilatildeo
ideoloacutegica da comunidade nacional Fora preciso estabelecer na fronteira natildeo
apenas a delimitaccedilatildeo em termos juriacutedicos e fiacutesicos mas tambeacutem no social a partir
da separaccedilatildeo entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo
A preocupaccedilatildeo com a construccedilatildeo de um senso de unidade e de comunhatildeo
nacional pela educaccedilatildeo escolar portanto acompanhou a histoacuteria de Foz do Iguaccedilu
Pois eacute importante descrever na proacutexima seccedilatildeo como ela aparece retomando como
ideacuteia a fronteira na histoacuteria da cidade
13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos
A cidade de Foz do Iguaccedilu eacute reconhecida por ser uma importante cidade
turiacutestica Nela encontram-se uma das ldquosete maravilhas da naturezardquo as Cataratas do
Iguaccedilu e a maior usina geradora de energia do mundo9 a hidreleacutetrica Itaipu
Binacional Por fazer fronteira com o Paraguai a cidade brasileira torna-se ainda
mais atrativa devido ao comeacutercio com Ciudad del Este Os meios de comunicaccedilatildeo
que costumam divulgar os atrativos turiacutesticos de Foz do Iguaccedilu exaltam o fato da
cidade possuir diferentes etnias e nacionalidades convivendo em um mesmo
territoacuterio Na ocasiatildeo do centenaacuterio da cidade foi composta a muacutesica bdquoIsso eacute Foz do
Iguaccedilu‟ que evidecircncia esse bdquoolhar‟ multicultural
Cidade de todas as raccedilas Que aceita o negro que aceita o branco
Iacutendio cafuzo amarelo e mamelucoCidade cosmopolitaTem brasileiro tem
argentinoAacuterabe chinecircs paraguaio e palestino Isso eacute Foz do IguaccediluDa
triacuteplice fronteira do sul Onde o ceacuteu eacute mais que azulTerra das cataratas do
Iguaccedilu (COPETTI 2014)
Nos versos verifica-se que uma das principais caracteriacutesticas atribuiacutedas agrave
cidade eacute ser multicultural com diferentes nacionalidades e etnias convivendo
pacificamente neste territoacuterio rico por suas belezas naturais No entanto existe
tambeacutem uma narrativa que caracteriza a cidade como perigosa marginal rota para
9 Dados obtidos no site oficial da Usina Hidreleacutetrica de Itaipu Binacional Disponiacutevel em
lthttpswwwitaipugovbrgt Acesso em 12122015
33
o grande traacutefico de armas e drogas espaccedilo de corrupccedilatildeo e lavagem de dinheiro
representada principalmente pela imprensa argentina de Puerto Iguazuacute e de Foz do
Iguaccedilu (ALBUQUERQUE 2010) conforme os enunciados abaixo sugerem
-PF10 estoura quadrilha que envolvia empresas-fantasmas de Foz do Iguaccedilu e traficantes do Paraguai Operaccedilatildeo Sustenido desmantelou organizaccedilatildeo criminosa suspeita de movimentar R$ 300 milhotildees (PORTAL R7 22052015)
-Contrabando ldquoempregardquo 15 mil em Foz do Iguaccedilu (GAZETA DO POVO 03032015) -Policia Federal apreende cigarros contrabandeados e um veiacuteculo (JT TRIBUNA 29012016)
Na perspectiva de Lorenzo Macagno (2011) esta visatildeo tatildeo dicotocircmica e
oposta ldquose produz e se reproduz justamente num espaccedilo peculiar e contraditoacuterio
Ali nos confins da naccedilatildeo nos espaccedilos liminares e de tracircnsito eacute onde esta conciliaccedilatildeo parece impor a necessidade de uma perpeacutetua reatualizaccedilatildeo de si mesma Sob este aparente paradoxo reside uma tensatildeo iminente entre o bdquonacional‟ e o transnacional (MACAGNO 2011 p25)
Para conhecer a dinacircmica de Foz do Iguaccedilu enquanto cidade de fronteira eacute
preciso primeiramente localizaacute-la no contexto da Triacuteplice Fronteira que recebeu
essa denominaccedilatildeo a partir de 1992 momento em que se levantavam suspeitas da
presenccedila de terroristas islacircmicos na regiatildeo A partir de 1996 o termo foi oficialmente
adotado pelo governo dos trecircs paiacuteses Utilizo-me da tese de Fernando Lima (2011)
o qual defende e argumenta que esta Triacuteplice Fronteira pode ser considerada uma
regiatildeo por possuir caracteriacutesticas proacuteprias diferente assim de outras regiotildees do
estado do Paranaacute e do sul do Brasil (LIMA 2011)
Ao tratar da origem do termo Triacuteplice Fronteira Rabossi (2004) aponta que
antes dos anos de 1990 para se referir agrave regiatildeo em seu conjunto se falava zona
regiatildeo ou trecircs fronteiras Em alguns jornais do final dos anos de 1980 o termo
bdquotriacuteplice fronteira‟ aparece para nomear a regiatildeo entretanto esse uso era geneacuterico
nunca substantivo proacuteprio Para exemplificar a constataccedilatildeo da dificuldade que era
pensar os paiacuteses fronteiriccedilos enquanto uma unidade Rabossi (2004) cita o trecho
texto do jornalista Bojunga de 1978 que diz
10
PF - abreviaccedilatildeo para Poliacutecia Federal
34
Em IguaccediluIguazuPuerto Presidente Strossneressa atividade [o contrabando] atinge caracteriacutesticas delirantes Nesse ponto em que as fronteiras da Argentina do Brasil e do Paraguai se encontram nada se perde tudo se trafica (BOJUNGA 1978 p 202 apud RABOSSI 2004 p 24)
A apariccedilatildeo do substantivo proacuteprio bdquoTriacuteplice Fronteira‟ surge a partir das
suspeitas de que havia terroristas islacircmicos na regiatildeo apoacutes os atentados na
embaixada de Israel na capital argentina Buenos Aires em 1992 Esta suspeita
aumentou apoacutes o atentado agrave Asociaciacuteon de Mutuales Israelitas Argentinas [AMIA]
em 1994 (RABOSSI 2004) Deste modo o termo Triacuteplice Fronteira surge
relacionado agraves questotildees de seguranccedila que envolve os trecircs paiacuteses ldquoEssa
denominaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de uma aacuterea singular e participa de sua
criaccedilatildeo a partir de uma praacutetica de nominaccedilatildeo que possibilita a emergecircncia
conceitual de um lugar onde estatildeo relacionadas agraves trecircs cidadesrdquo (RABOSSI 2004
p24) Rabossi (2004) considera a Triacuteplice Fronteira uma regiatildeo singular como Lima
(2011) afirma que Foz do Iguaccedilu possui caracteriacutesticas distintas das demais cidades
brasileiras cuja distinccedilatildeo se daacute por essa localizaccedilatildeo
Lima fala da integraccedilatildeo comercial seja por meio do turismo como a visitaccedilatildeo
agraves cataratas no Brasil e na Argentina seja por meio das compras em Ciudad del
Este que tornam a situaccedilatildeo econocircmica das cidades dependentes uma das outras O
autor chama atenccedilatildeo para a relaccedilatildeo entre as cidades de Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este Ele chega agrave conclusatildeo de que a relaccedilatildeo de trabalho entre brasileiros e
paraguaios natildeo se reduz agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos aos sacoleiros que pagam aos
paraguaios para atravessarem a ponte com a mercadoria que excede a cota
permitida ldquoTrata-se de uma verdadeira extensatildeo do mercado de trabalho de Foz do
Iguaccedilurdquo (LIMA 2011 p142)
Lima aponta que embora a Itaipu seja de suma importacircncia econocircmica para
o Brasil e o Paraguai a hidreleacutetrica eacute uma ldquoinduacutestria deslocalizadardquo (LIMA 2011 p
143) Isto significa que o que ela movimenta em termos econocircmicos fica longe da
cidade Os benefiacutecios para a cidade se encontram nos pagamentos de royalties e
nos salaacuterios dos trabalhadores que por sua vez eacute um grupo relativamente pequeno
o que ldquoimpede que se forme uma massa salarial grande o suficiente para gerar uma
dinacircmica endoacutegena de crescimentordquo (LIMA 2011 p142) Ateacute mesmo o expressivo
nuacutemero de funcionaacuterios puacuteblicos existente em Foz do Iguaccedilu em decorrecircncia da
35
Aduana e da Poliacutecia Federal natildeo eacute capaz de juntamente com a Itaipu estimular o
mercado de serviccedilos local Uma das maiores movimentaccedilotildees econocircmicas da cidade
encontra-se no turismo motivado pelas Cataratas do Iguaccedilu No entanto esta aacuterea
apresenta inuacutemeras fragilidades sobretudo no que diz respeito agraves flutuaccedilotildees do
cacircmbio brasileiro e argentino aleacutem da questatildeo sazonal e a proacutepria dinacircmica do
mercado que gera a competiccedilatildeo com outros destinos turiacutesticos Com estas
caracteriacutesticas Fernando Lima afirma que tanto no acircmbito econocircmico como no
social Foz do Iguaccedilu articula-se aos fatos econocircmicos da fronteira conformando
uma economia regional Neste sentido o autor sugere a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas que possam oferecer maior liberdade ao comeacutercio da regiatildeo em relaccedilatildeo agraves
poliacuteticas nacionais
Devido agrave falta desse tipo de poliacutetica de fronteira que Machado (2010) afirma
que tem sido difiacutecil para os Estados-Nacionais lidarem com a real ldquofluidez dos
agrupamentos humanosrdquo e mais ainda com o ajustamento de redes poliacuteticas
identitaacuterias econocircmicas e sociais superpostas aos limites dos estados territoriais
(MACHADO 2010 p71) Torna-se necessaacuterio avanccedilar na concepccedilatildeo de Estado
para aleacutem da esfera juriacutedica e poliacutetica para compreender que a fronteira eacute um
espaccedilo permeado por vidas e com relaccedilotildees que ultrapassam os seus limites
territoriais A Triacuteplice Fronteira ldquoeacute o espaccedilo de trocas culturais onde o local e o
internacional se articulam estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas especiacuteficasrdquo
(MULLER 2005 p03)
Cury e Fraga (2013) consideram que a especificidade da Triacuteplice Fronteira
manifesta-se a partir das experiecircncias que se realizam nos espaccedilos e unem povos
e culturas distintas sociedades que apresentam princiacutepios sociais de forma
integrada na sua diversidade ldquosem que se dispense o fato de que os brasileiros satildeo
brasileiros paraguaios satildeo paraguaios e argentinos satildeo argentinosrdquo (CURY e
FRAGA 2013 p 52)
Estes fluxos intensos fazem com que haja encontros e desencontros De um
lado as trocas interculturais a sociabilidade e a relaccedilatildeo amistosa de outro e ao
mesmo tempo as tensotildees de ordem cultural
A vida na fronteira passa constantemente pela afirmaccedilatildeo do eu e consequumlentemente pelo reconhecimento do outro Os de laacute e os de
36
caacute constroem a relaccedilatildeo estruturam o espaccedilo como sendo de ambos (MULLER 200311)
Neste sentido ocorre uma reatualizaccedilatildeo da naccedilatildeo na fronteira pois eacute um
espaccedilo que ao mesmo tempo une e separa nas palavras de Clemente de Souza
(2009 p106) ldquoSatildeo espaccedilos nos quais o local e o internacional se articula
estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas proacuteprias construiacutedas e reforccediladas pelos povos
fronteiriccedilosrdquo Para Souza (2009) as identidades e as culturas nacionais de cada um
dos paiacuteses fronteiriccedilos satildeo construiacutedas e reelaboradas por meio da interaccedilatildeo entre a
populaccedilatildeo desta regiatildeo assim acabam por constituir ldquooutra cultura e identidade
diferenciada capaz de recriar um novo lugar com aspectos regionaisrdquo (SOUZA
2009 p106)
14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas
Natildeo eacute apenas a educaccedilatildeo um tema delicado ao se abordar poliacuteticas puacuteblicas
para a fronteira Os exemplos das pesquisas tratadas nessa seccedilatildeo demonstram que
a particularidade da fronteira faz com que as poliacuteticas nacionais para o trabalho e a
sauacutede natildeo alcancem todos na fronteira
Na regiatildeo da Triacuteplice Fronteira a relaccedilatildeo que se estabelece principalmente entre
o Brasil e o Paraguai chama a atenccedilatildeo por seus laccedilos comerciais que fazem com
que o fluxo de pessoas seja intenso nos dois lados da fronteira Eacute comum a
premissa um morador passar o dia de trabalho em paiacutes vizinho onde sua renda eacute
obtida e viver parte do tempo em seu paiacutes de origem Eacute o caso dos trabalhadores
que satildeo contratados para atravessar mercadorias de Ciudad del Este para Foz do
Iguaccedilu de brasileiros que possuem alguma atividade comercial na Argentina ou
Paraguai ou das trabalhadoras domeacutesticas conhecidas como diaristas De modo
direto ou indireto satildeo trabalhadores (as) que contribuem com a economia da regiatildeo
fronteiriccedila mas que do ponto de vista dos direitos trabalhistas eacute um grupo que
acaba ficando agrave margem desses direitos por diferentes justificativas No caso das
11 Documento eletrocircnico sem paginaccedilatildeo MULLER K M O estudo Miacutedia e fronteira jornais locais em Uruguaiana-Libres e Livramento-Rivera Tese de doutorado defendida na Universidade do Vale dos
Sinos Satildeo Leopoldo fev 2003
17112015
37
diaristas paraguaias dada sua situaccedilatildeo de imigrantes encontram dificuldades para
a comprovaccedilatildeo de documentos necessaacuterios para exercer tal atividade no paiacutes Com
isso acabam na informalidade abrindo brechas para a desvalorizaccedilatildeo de seus
salaacuterios podendo ateacute mesmo virem a trabalhar sob condiccedilotildees insalubres e
exaustivas O delegado da Poliacutecia Federal Rodrigo Perin em uma reportagem
concedida ao site G1 fez a seguinte observaccedilatildeo sobre essa situaccedilatildeo
Na realidade se a pessoa estiver regularizada em territoacuterio nacional e estiver apta para trabalhar como ela vai ter todos os direitos trabalhistas ela natildeo vai poder receber um salaacuterio menor do que o piso fixado para aquela categoria bdquoA partir do momento que ela se encontra em situaccedilatildeo irregular ela vai receber um salaacuterio muito iacutenfimo agraves vezes varia de R$ 150 a R$ 200‟ afirmou o delegado A pessoa que contratar uma empregada domeacutestica ilegal pode ser multado em R$ 2500 Aleacutem disso o patratildeo pode responder criminalmente por manter o trabalhador em condiccedilatildeo similar a de escravo A empregada pode ser deportada para o paiacutes de origem (PORTAL DE NOTIacuteCIAS G1 2011)
Como exemplo de uma possiacutevel soluccedilatildeo ao problema da informalidade o
Ministeacuterio Puacuteblico de Foz do Iguaccedilu apoacutes receber denuacutencias acerca das
trabalhadoras domeacutesticas em regime irregular de trabalho passou a notificar os
siacutendicos de condomiacutenios da cidade a prestar contas sobre o nuacutemero de funcionaacuterios
(as) e empregados(as) contratados pelos moradores Entretanto os proacuteprios
trabalhadores temendo a demissatildeo optaram por seguirem na informalidade Tal
medida explica Hofling (2001) ldquofoi puramente repressiva e unilateral por parte do
governo brasileiro sem planejamento ou conexatildeo com outras poliacuteticas integradas
com os paiacuteses vizinhosrdquo (HOFLING 2001 p 177)
No que confere agrave questatildeo entre o legal e o ilegal este uacuteltimo eacute tatildeo
frequumlentemente associado agrave fronteira que quase vira seu sinocircnimo Esta noccedilatildeo fora
criticada por Rabossi (2011) o qual considera que o modelo de ordem e de lei
vigente natildeo se aplica para pensar ldquoo funcionamento efetivo da lei nem as atividades
que se desenvolvem naquele espaccedilordquo (RABOSSI 2011 p64) Segundo Silva (2015)
a vida dessas pessoas que vivem na ilegalidade equivaleria ao que ela denomina
de ldquoprotocidadania em direccedilatildeo inversa ou a uma forma de vida ambiacutegua e
paradoxal diante do Estado-Naccedilatildeordquo Para a autora haacute uma cidadania que eacute rompida
em sua continuidade entre o nascimento e a nacionalidade onde o sujeito encontra-
se dentro e fora da lei imersos em uma bdquozona de inderteminaccedilatildeo‟ (SILVA 2015
p3)
38
Quanto agrave questatildeo da violecircncia do traacutefico de drogas da exploraccedilatildeo sexual do
trabalho infantil que satildeo intensas na regiatildeo Rosana Pinheiro Machado (2011) em
seu artigo ldquoCaminhos do descaminho Etnografia da fiscalizaccedilatildeo na Ponte da
Amizade e seus efeitos no cotidiano da Triacuteplice Fronteira aponta que apenas ldquouma
fiscalizaccedilatildeo unilateral sem amparo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo parece extinguir tais
problemas mas apenas deslocaacute-losrdquo (MACHADO 2011 p145)
Quando se trata de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para a regiatildeo de fronteira
internacional o tema da seguranccedila e defesa nacional aparecem como destaque no
processo de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Albuquerque explica que a
ldquofronteira geralmente eacute uma zona onde as forccedilas repressoras e fiscalizadoras do
Estado tecircm dificuldade em exercer o monopoacutelio das armas e das leisrdquo
(ALBUQUERQUE 2005 p67) Essa suposta ausecircncia de controle acaba
legitimando a imagem de que a fronteira eacute uma terra de ningueacutem
O mesmo autor explica que a triacuteplice fronteira a partir de meados da deacutecada
de 1990 passou a ser representada principalmente pela imprensa brasileira e
argentina juntamente com os organismos oficiais de inteligecircncia dos Estados
Unidos como um local de traacutefico de armas e drogas de lavagem de dinheiro dentre
outros sendo portanto caracterizada como ldquosantuaacuterio da corrupccedilatildeo impunidade e
delinquumlecircnciardquo (ALBUQUERQUE 2010 p39)
Seja pelas imagens incansaacuteveis divulgadas pelos meios de comunicaccedilatildeo de
que a fronteira requer maior atenccedilatildeo no quesito seguranccedila ou pelas pressotildees
internacionais ou mesmo pelo interesse do Estado em querer legitimar o uso da
forccedila na regiatildeo demonstrando sua soberania perante os paiacuteses vizinhos a
seguranccedila na fronteira eacute o tema mais visiacutevel no sentido de poliacutetica puacuteblica
Certamente a securitizaccedilatildeo processo pelo qual a seguranccedila puacuteblica torna-se o argumento central nas relaccedilotildees entre sociedade e Estado (Gruszczac 2010) marca a gestatildeo estatal das fronteiras no globo com ecircnfases e significados ligados agrave seguranccedila puacuteblica nacional e internacional (Machado Novaes Monteiro 2009 Dorfman Franccedila 2013) O governo brasileiro mobiliza suas instituiccedilotildees como decorrecircncia dos processos securitizatoacuterios poacutes 11-S mas tambeacutem o faz dentro de um projeto maior e mais antigo de construccedilatildeo do Brasil potecircncia (FRANCcedilA DORFMAN 2014 p11)
Um exemplo desses projetos eacute o receacutem criado Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) um conjunto de sistemas integrados do
39
exeacutercito brasileiro para o monitoramento e controle das fronteiras terrestres
Segundo o site oficial do SISFRON trata-se de um dos maiores projetos de
seguranccedila e defesa em execuccedilatildeo do mundo De acordo com o Ministeacuterio da Defesa
seu propoacutesito eacute ldquofortalecer a presenccedila e a capacidade de accedilatildeo do Estado na faixa de
fronteira terrestre contribuindo para a maior efetividade no combate aos delitos
transfronteiriccedilos e praticados na faixa de fronteirardquo (BRASIL 2014 p1) Dorfman e
Franccedila (2014) citam outros programas como o Plano Estrateacutegico de Fronteiras em
2011 promovido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
Estes e outros programas nacionais de proteccedilatildeo ao territoacuterio representam a
materializaccedilatildeo da claacutessica definiccedilatildeo de Estado o exerciacutecio do uso legiacutetimo da forccedila
tendo como pano de fundo dessa legitimidade o consenso da populaccedilatildeo que em
tese aceita em troca da proteccedilatildeo do Estado (WEBER 1998)
Aleacutem da seguranccedila a sauacutede eacute um setor delicado em regiatildeo de fronteira que
ao contraacuterio das poliacuteticas para seguranccedila da fronteira natildeo recebe recursos
diferenciados das demais regiotildees do paiacutes
Relatoacuterios do ldquoEstudo da Rede de Serviccedilos de Sauacutede na Regiatildeo de
Fronteirardquo referentes a 2001 e 2002 produzidos para a Organizaccedilatildeo Mundial da
Sauacutede (OMS) ao estudar a situaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica nas cidades de Puerto
Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad Del Este verificaram a existecircncia de uma
dificuldade no processo de contabilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo que necessita de
atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) haja vista que parte dessa
populaccedilatildeo eacute flutuante Deste modo os repasses de verba para o SUS acabam natildeo
abarcando a realidade total da populaccedilatildeo atendida
Neste estudo as informaccedilotildees indicaram ainda que a maior transferecircncia de
atenccedilatildeo existe entre Ciudad Del Este e Foz do Iguaccedilu Este fenocircmeno pode ser
explicado basicamente pela acessibilidade geograacutefica somadas agraves condiccedilotildees
sociais e comerciais manifestado no tracircnsito entre Ciudad del Este e Foz do Iguaccedilu
Nesse sentido Luis Astorga (2004) responsaacutevel pelo estudo da sauacutede nas trecircs
cidades completa
A atenccedilatildeo que os cidadatildeos do Paraguai solicitam em Foz equivale a algo entre 5 e 55 dos serviccedilos produzidos em Cidade do Leste sendo o Atenccedilatildeo Primaacuteria e de Especialidade os mais procurados pela populaccedilatildeo paraguaia Os serviccedilos mais demandados pela populaccedilatildeo paraguaia satildeo aqueles onde haacute maior diferenccedila entre Cidade do Leste e Foz que satildeo precisamente os serviccedilos
40
ambulatoriais de especialidade Segundo os estudos de Foz aparentemente o maior fluxo de paraguaios concentra-se nos centros de sauacutede proacuteximos ao rio e agrave ponte dado que a populaccedilatildeo pode se deslocar a peacute desde Ciudad del Este (ASTORGA etal 2004 p88)
Cabe aqui a ressalva de que em regiotildees de fronteira internacional assim
como em outras regiotildees do paiacutes o problema da sauacutede eacute resultado de uma
conjuntura de fatores sendo que os mais citados para justificar a ineficiecircncia do
sistema eacute a falta de recursos humanos especializados as distacircncias entre os
municiacutepios e os grandes centros de referecircncia e a insuficiecircncia de equipamentos
para realizaccedilatildeo de tratamentos e procedimentos de meacutedia e alta complexidade
(GADELHA 2007 p216)
Na tentativa de amenizar essa situaccedilatildeo nas cidades de fronteira tendo o
MERCOSUL como propositor dessa poliacutetica criou-se o Sistema Integrado de Sauacutede
do Mercosul (SIS-MERCOSUL) Instituiacutedo em julho de 2005 e lanccedilado em
novembro do mesmo ano na cidade de Uruguaiana ndash RS ndash por meio do ministeacuterio
da sauacutede e dos Estados-membros do Mercosul seu objetivo eacute criar uma agenda
com propostas de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre os paiacuteses do referido bloco e garantir
o atendimento para a populaccedilatildeo da regiatildeo por meio de estrateacutegias que melhorassem
a sauacutede local dos paiacuteses envolvidos
Costa e Gadelha (2007) explicam que ldquoa ideacuteia eacute iniciar uma poliacutetica de
incentivo agrave gestatildeo a partir do repasse de recursos financeiros para os municiacutepios de
fronteirardquo (COSTA e GADELHA 2007 p218) Estas municipalidades por outra via
devem participar ativamente da elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico da realidade da sauacutede
local e realizar o cadastro da populaccedilatildeo no cartatildeo do SUS A complexidade do
diagnoacutestico reside no fato de que momento em que o Estado natildeo considera como
usuaacuterios do sistema uacutenico cidadatildeos advindos dos paiacuteses vizinhos Neste caso eacute
fundamental que haja investimento integrado com os demais paiacuteses
Alguns avanccedilos tecircm sido alcanccedilados no tocante agrave elaboraccedilatildeo de diagnoacutesticos de sauacutede para municiacutepios da linha de fronteira mas ainda natildeo se consegue verificar o relacionamento deste diagnoacutestico da infra-estrutura instalada e real utilizaccedilatildeo do sistema por parte da populaccedilatildeo flutuante que o utiliza Para reverter essa situaccedilatildeo muito haacute que se avanccedilar na coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de fronteiras no Brasil assim como em sua articulaccedilatildeo com as dos paiacuteses vizinhos (COSTA CADELHA 2007 p217)
41
Como podemos observar nos dados apresentados autores que tratam das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas para regiotildees fronteiriccedilas insistem em uma melhor
articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses com poliacuteticas para a fronteira de modo
que estas possam ser executadas com sucesso
15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do
Estado
Albuquerque (2010) apresenta alguns trabalhos histoacutericos e antropoloacutegicos
acerca do Estado e dos agentes locais fronteiriccedilos ldquonas redefiniccedilotildees das identidades
nacionais regionais e locaisrdquo (ALBUQUERQUE 2010 p 46) Dentre estes estudos
o autor descreve aqueles referentes agrave fronteira dos Estados Unidos com o Meacutexico
em que a loacutegica de um hibridismo cultural de uma integraccedilatildeo cultural na fronteira
entre os dois paiacuteses eacute questionada Disto decorre o fortalecimento das identidades
nacionais Inspirados pelos estudos referentes agraves fronteiras entre os paiacuteses
Europeus e Meacutexico e Estados Unidos Albuquerque aponta que os antropoacutelogos do
cone sul em destaque os argentinos tecircm realizado inuacutemeras etnografias nas
fronteiras entres os paiacuteses da Ameacuterica do Sul
O que haacute de comum eacute a tentativa de pensar a tensatildeo entre naccedilatildeo e processos de integraccedilatildeo supranacionais e as maneiras como as identidades nacionais se fortalecem nestes espaccedilos de fronteiras apesar do visiacutevel hibridismo de liacutenguas e outras expressotildees culturais (GRIMSON 2003 KARASIK 2000 VIDAL 2000 apud ALBUQUERQUE 2010 p 27)
A complexidade das relaccedilotildees sociais existentes na fronteira nos permite dizer
que seria leviano rotular as pessoas que nelas transitam Conforme Laclau
(1996)ldquonatildeo se pode afirmar uma identidade diferencial sem distingui-la de um
contexto e no processo de fazer a distinccedilatildeo afirma-se o contexto simultaneamenterdquo
(LACLAU 1996 apud HALL 2003 p 85) No contexto da fronteira nos deparamos
com um sujeito que possui sua identidade nacional negociada o tempo todo atraveacutes
do encontro com os ldquooutrosrdquo
Em Foz do Iguaccedilu como mencionado eacute comum a presenccedila de outras etnias
e nacionalidades que buscam preservar seus costume e tradiccedilotildees mas ao entrar em
contato com outros costumes e valores acabam por adquirir parte de seus haacutebitos
Machado (2006) aponta que uma vez que a identidade sendo cultural e portanto
42
social e historicamente construiacuteda ela pode ser reconstruiacuteda ou reinventada
conforme as circunstancias temporais e espaciais (MACHADO 2006 p 93)
Figueiredo (2005) afirma que a questatildeo da identidade vai para aleacutem da construccedilatildeo
para a negociaccedilatildeo
Se anteriormente as identidades apareciam como construccedilotildees ainda que percebidas como processos simboacutelicos hoje em dia aleacutem dessa noccedilatildeo pode-se pensar e discutir a identidade como negociaccedilatildeo tanto como nas fronteiras culturais como nas linguumliacutesticas e territoriais (FIGUEIREDO 2005 p546)
Deste modo estes encontros relaccedilotildees e negociaccedilotildees entre diferentes
costumes haacutebitos liacutenguas se fazem presentes em Foz do Iguaccedilu e tambeacutem se
manifestam em diferentes espaccedilos como o escolar A escola eacute considerada um
espaccedilo plural principalmente com a globalizaccedilatildeo que provocou dentre outras
mudanccedilas ldquoum redimensionamento de grupos e movimentos migratoacuteriosrdquo (VIERA
2010 p10) Grandes metroacutepoles como Satildeo Paulo possui um grande nuacutemero de
estrangeiros Em reportagem feita para o Jornal bdquoO Estado de Satildeo Paulo‟ a
jornalista Isabela Palhares foi agrave uma escola na capital paulista Os dados fornecidos
pela direccedilatildeo da escola indica que ela possui mais de 55 de alunos estrangeiros
Trata-se da Escola Estadual Marechal Deodoro no Bom Retiro regiatildeo central de
Satildeo Paulo Dos 772 estudantes matriculados 55 satildeo de outro paiacutes ou satildeo filhos
de pais que vieram recentemente para o Brasil ldquoA maioria desses alunos
estrangeiros eacute de bolivianos peruanos e paraguaios mas ainda haacute coreanos
argentinos chilenos e um camaronecircsrdquo (PALHARES 2015)
Embora natildeo seja uma grande cidade em termos populacionais12 como as
capitais ou metroacutepoles brasileiras Foz do Iguaccedilu possui uma diversidade notaacutevel
quanto agrave presenccedila de imigrantes de diferentes nacionalidades e etnias que
possibilita transformaccedilatildeo e reconfiguraccedilatildeo da cultura e do cenaacuterio local Essa
presenccedila de imigrantes como explica Maria Eta Viera (2010) nem sempre eacute
percebida pelo brasileiro como algo valorativo A autora descreve a reaccedilatildeo de
algumas pessoas em transportes puacuteblicos e nas ruas que ao perceberem a
12
Conforme o censo realizado pelo IBGE em 2010 Foz do Iguaccedilu possui cerca de 260 mil
habitantesDisponiacutevel
emlthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=410830ampsearch=||infogrE1ficos-
dados-gerais-do-municEDpiogt Acesso em 14062015
43
presenccedila do estrangeiro com traccedilos fiacutesicos diferentes e falando outro idioma
reagem com repulsa e redobram os cuidados com seus pertences (bolsa celular
carteira etc) (VIERA 2010)
Tradicionalmente tido como um paiacutes hospitaleiro receptivo ao extremo e que valoriza - agraves vezes ateacute de forma exagerada- o que eacute estrangeiro causam estranheza algumas atitudes que tecircm sido observadas com relaccedilatildeo a imigrantes de determinados paiacuteses (VIERA 2010 p61)
O imigrante que deixa seu paiacutes leva consigo a sua histoacuteria cultura valores e
ao chegar a outro paiacutes deve readequar a sua vida a este novo cenaacuterio Esse
encontro pode dar-se de modos diferentes ldquoprovocando desde uma coexistecircncia e
convivecircncia paciacuteficas entre os valores e costumes das comunidades envolvidas ateacute
repulsa e marginalizaccedilatildeo do estrangeiro (VIERA 2010 p63)
Conforme apresenta Homik Babha (1998) natildeo devemos concentrar nossas
atenccedilotildees seja em um lado ou em outro - neste caso o brasileiro em relaccedilatildeo aos
outros Ele critica esta noccedilatildeo binaacuteria entre totalidades Ao observar praacuteticas comuns
tiacutepicas de uma cultura assimiladas por outras eacute possiacutevel sugerir alguns exemplos
passiacuteveis de ocorrer em Foz do Iguaccedilu a saber o mesmo sujeito brasileiro que
chama o paraguaio de xiruacute a fim de ofendecirc-lo eacute o que adquiriu o haacutebito comum aos
paraguaios de tomar o tererecirc13 Isto vale tambeacutem para os apelidos pejorativos e
estigmas que tentam associar ao aacuterabe que reside em Foz do Iguaccedilu como
terrorista14 atraveacutes da denominaccedilatildeo de ldquohomens-bombardquo Aquele que os ofende eacute o
mesmo que fuma o narguile15 consome o shawarma e a esfiha Deste modo Babha
entende que a diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao outro ocorre ao mesmo tempo em que
haacute incorporaccedilatildeo do outro dentro de si mesmo
1313Terereacute ou tererecirc eacute uma bebida tiacutepica feita com a infusatildeo de ervas em aacutegua fria Sua origem eacute atribuiacuteda aos Paraguai tendo suas raiacutezes na cultura dos indiacutegenas guaranis 14A partir do dia 11 de setembro de 2001 uma seacuterie de alegaccedilotildees sobre viacutenculos terroristas na Triacuteplice Fronteira entre Brasil Paraguai e Argentina cruzou as Ameacutericas Essa teoria circulada nos meios de comunicaccedilatildeo combinou com duas correntes imperialistas da poliacutetica externa dos Estados Unidos por um lado a imagem do aacuterabe ou do mulccedilumano como terrorista e por outro a representaccedilatildeo da Ameacuterica do Sul como uma ldquoterra sem leirdquo (MONTENEGRO GIMEacuteNEZ BEacuteLIVEAU 2006 apud KARAN 2011 p203) 15Espeacutecie de cachimbo muito usado por hindus persas e turcos constituiacutedo de um fornilho um tubo longo e um pequeno recipiente contendo aacutegua perfumada pelo qual passa a fumaccedila antes de chegar agrave boca (Dicionaacuterio online Disponiacutevel em lthttpwwwdiciocombrnarguilegtAcesso em 23112015
44
Nas escolas puacuteblicas de Foz do Iguaccedilu este ldquooutrordquo satildeo representados em
sua maioria por paraguaios e argentinos ou seja as diferenccedilas tecircm como marcador
principal a identidade nacional Trata-se de um problema histoacuterico jaacute que a escola
foi um dos instrumentos que permitiu ao Estado tentar iniciar o processo de
homogeneizaccedilatildeo cultural Logo conforme Pereira (2009) a escola deste o iniacutecio foi
considerada um espaccedilo negaccedilatildeo da diversidade O nacional torna-se assim fator
de diferenciaccedilatildeo de tensotildees de abertura para preconceitos e estigmas
Na dissertaccedilatildeo sobre a presenccedila de brasiguaios nas escolas brasileiras
Cirlani Terenciani (2011) menciona o trabalho de Joseacute Carlos de Souza (2001)
sobre as representaccedilotildees que os brasileiros fazem em relaccedilatildeo aos paraguaios
() que se tomar dinheiro emprestado natildeo gosta de pagar e natildeo quer que lembre da diacutevida Eacute vingativo para as pessoas que lhe traem a confianccedila () costuma-se dizer que trecircs coisas o paraguaio natildeo daacute a mulher o cavalo e a arma (SOUZA 2001 p 55 apud TERENCIANI 2011 p56)
Tratam-se de afirmaccedilotildees preconceituosas que contribuem para que a imagem do
paraguaio seja associada agrave ldquofalsidade ilegalidade desconfianccedilardquo (TERENCIANI
2011p 57)
Durkheim em Educaccedilatildeo e Sociologia (2011) descreve a escola enquanto
uma instituiccedilatildeo que natildeo estaacute alheia aos fatos sociais presentes na sociedade Logo
a representaccedilatildeo do ldquooutrordquo tanto em seus aspectos positivos quanto negativos eacute
reproduzido no acircmbito escolar sendo portanto um espaccedilo de negociaccedilotildees das
identidades-diferenccedilas
A educaccedilatildeo eacute inseparaacutevel da sociedade em seus momentos histoacutericos Para
Durkhiem (2011) cada sociedade em determinado momento de seu
desenvolvimento teve um sistema de educaccedilatildeo que se impocircs aos indiviacuteduos com
uma forccedila geralmente irresistiacutevel Isto significa que a educaccedilatildeo tem uma relaccedilatildeo
muito estreita com as necessidades e os conflitos que a sociedade vivencia em
determinado momento histoacuterico A funccedilatildeo social da escola estaria na socializaccedilatildeo da
crianccedila Joseacute Carlos Martins (2010) partindo da teoria sociointeracionista de
Vygotsky cuja visatildeo de desenvolvimento humano se baseia na premissa de que o
pensamento eacute constituiacutedo em um espaccedilo histoacuterico e cultural afirma que ldquoa crianccedila
reconstroacutei internamente uma atividade externa como resultado de processos
interativos que se datildeo ao longo do tempordquo (MARTINS 2010 p114) Com isso o
45
professor e os demais constituintes da comunidade escolar acabam fazendo parte
do processo formativo da crianccedila Logo as ideias valores e conhecimentos desta
instituiccedilatildeo e de outros organismos da sociedade vatildeo influir diretamente na formaccedilatildeo
desta crianccedila
No que confere agraves escolas situadas em regiatildeo de fronteira o grande desafio eacute
lidar com situaccedilotildees que envolvem tanto os aspectos formais quanto os transversais
que se passam em sala de aula como exemplo a funccedilatildeo mediadora do professor e
demais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do aluno ao lidar com diferenccedilas eacutetnicas e
linguumliacutesticas o que eacute comum nas escolas de fronteira internacional Em artigo
publicado sobre a diversidade cultural em sala de aula intitulado de ldquoFronteira
Diversidade Cultural e Cotidiana Escolar na cidade de Ponta Poratilderdquo Nunes e
Terenciani (2010) analisaram as manifestaccedilotildees da diversidade cultural social e
poliacutetica vivida diariamente nas aulas de geografia As autoras constataram que os
alunos oriundos do Paraguai tinham muita dificuldade com a liacutengua portuguesa
() estes alunos principalmente os das seacuteries iniciais muitas vezes chegam agrave escola sem saber falar a Liacutengua Portuguesa e em alguns casos natildeo sabem falar sequer a Liacutengua Espanhola comunicando-se apenas atraveacutes da Liacutengua Guarani o que dificulta o processo de aprendizagem bem como a relaccedilatildeo dos professores com seus alunos (NUNES TERENCIANI 2010 p04)
Nunes e Terenciani (2010) consideram que a escola e o formalismo no qual
ela se fundamenta reforccedila as fronteiras simboacutelicas o que impede a integraccedilatildeo entre
os paiacuteses fronteiriccedilos
Por sua vez na pesquisa com alunos bolivianos que estudam em redes
puacuteblicas e privadas na cidade de fronteira Corumbaacute ndash MS as autoras Ruth Souza e
Aline Rodrigues (2009) em entrevista a coordenadores professores e diretores das
escolas por elas analisadas chegaram agrave conclusatildeo de que os alunos bolivianos
apresentam dificuldades para ler e escrever o que dificulta ateacute mesmo o processo
de integraccedilatildeo dos alunos com os demais (no caso os brasileiros) aleacutem de se
sentirem tiacutemidos pela estranheza daquele universo escolar Ao analisarem o Projeto
Poliacutetico Pedagoacutegico das escolas visitadas as responsaacuteveis pela pesquisa deram o
seguinte parecer
Observa-se entatildeo que a escola brasileira natildeo eacute preparada para atender o aluno estrangeiro nem mesmo em aacutereas de fronteira onde
46
essa realidade eacute cada vez mais frequumlente Os PPP‟s satildeo engessados nas diretrizes gerais da educaccedilatildeo e desconsideram as especificidades locais natildeo oferecendo subsiacutedios adequados para as escolas atenderem os alunos estrangeiros e buscarem a inserccedilatildeo do mesmo no ambiente escolar e garantir o seu aprendizado (SOUZA RODRIGUES 2009 p10)
Outro estudo referente agrave presenccedila de migrantes fronteiriccedilos realizado na
fronteira do Brasil com o Uruguai na cidade de Sant‟Ana do Livramento ndash RS por
Geovana Bardesio e Paulo Cassanego (2013) apontou que as diferenccedilas
relacionadas ao idioma principalmente a expressatildeo escrita da liacutengua portuguesa
foram assinaladas pelos gestores entrevistados como um dos maiores desafios a
serem superados para o melhor desenvolvimento do aluno migrante Os mesmos
quando questionados sobre as atividades desempenhadas com vistas agrave promoccedilatildeo
da socializaccedilatildeo entre os alunos das escolas natildeo relataram nenhuma atividade
direcionada especificamente para o acolhimento de alunos migrantes ldquotambeacutem natildeo
foram verificados incentivos a promoccedilatildeo de discussotildees entre os professores sobre o
tema migraccedilatildeo e sobre a situaccedilatildeo de acolher estudantes nesta condiccedilatildeo na escolardquo
(CASSANEGO E BARDESIO 2013 p7)
Jacira Pereira (2003) apresenta o resultado de sua pesquisa referente agraves
identidades eacutetnico-culturais e sua relaccedilatildeo com o curriacuteculo de escolas situadas em
regiatildeo de fronteira A pesquisa foi realizada na fronteira entre Brasil e Paraguai nas
cidades de Ponta Poratilde e Pedro Juan Caballero Buscou entrevistar duas geraccedilotildees
de migrantes presentes nas cidades oriundos de diferentes etnias e nacionalidades
Dentre as questotildees presentes na entrevista encontra-se uma referente a
atitudes preconceituosas nas escolas devido agrave origem eacutetnica do aluno Pereira
destacou a seguinte resposta de uma estudante paraguaia quando perguntada se
sofria algum tipo de preconceito
Preconceito assim natildeo mas tem aquelas brincadeirinhas de mau gosto Cala boca sua paraguaia [] Isto acontecia desde pequena agora parou um pouco Mas acontecia sempre e eu ficava brava brava Eu tinha vergonha (Luciana Assunccedilatildeo ndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p7)
Em relaccedilatildeo a possiacuteveis apelidos dados pelos colegas de turma a autora
destaca as seguintes falas
Natildeo ligo de ser descendente de libanecircs eu gosto [] Eu natildeo tenho mas os amigos do meu irmatildeo me chamam de turquinho Mas eu natildeo tenho um apelido que todo mundo me chama (Rames Husseinndash 2ordm geraccedilatildeo)
47
Tenho vaacuterios entre eles o de japonecircs porque me confundem com japonecircs [] Natildeo gosto disso (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Pode-se inferir com base nos relatos que nas relaccedilotildees no interior da escola
natildeo se discrimina o sujeito apenas por sua nacionalidade como tambeacutem pela
aparecircncia Ainda com relaccedilatildeo aos preconceitos e agrave discriminaccedilatildeo que sofrem os
migrantes a pesquisadora constatou que a minoria migrante paraguaia eacute a que mais
demonstra ser alvo de tratamento diferenciado expresso nas zombarias e nas
chacotas o que eacute possiacutevel captar nas relaccedilotildees tensas e conflitantes entre as
diferentes etnias na fronteira Eis alguns dos relatos dessas manifestaccedilotildees
Tem alguns soacute mas natildeo falam de verdade eacute soacute de brincadeira os paraguaios natildeo levam muito a seacuterio Tem amigo do meu irmatildeo que chama de chipeiro porque eacute do Paraguai soacute que esse apelido pegou e todo mundo soacute chama assim os paraguaios (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) Jaacute vi colocar apelido Um rapaz que tem na minha sala o chamam de chipa de paraguaio Mas eacute coisa de amigo ele leva na brincadeira Natildeo leva a mal (Rames Husseinndash 2ordf geraccedilatildeo) Assim natildeo eacute que tira sarro Chama assim de chipa (Latiffe Nasserndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Com estes dados a pesquisadora aponta que eacute comum em escolas da
fronteira a reproduccedilatildeo do imaginaacuterio negativo que se tem do ldquooutrordquo e conclui ldquoque a
comunicaccedilatildeo entre os colegas eacute carregada de hostilidade o que marca a diferenccedila
eacutetnica como uma caracteriacutestica negativardquo (PEREIRA 2003 p7)
A professora Maria Elena Pires dos Santos (2010) em pesquisa realizada
sobre o cenaacuterio sociolinguiacutestico na fronteira e sua relaccedilatildeo com as poliacuteticas
educacionais e pedagoacutegicas ao realizar um estudo com alunos brasiguaios em uma
escola de Foz do Iguaccedilu percebe que haacute diferentes olhares para a escrita hiacutebrida do
aluno brasiguaio Para a autora ldquoa leitura e a escrita processos mais valorizados na
escola eacute justamente o que evidencia a visibilizaccedilatildeo do aluno brasiguaio
constituindo fonte de estigmatizaccedilatildeo e preconceitordquo (PIRES-SANTOS 2010 p 46)
Ela ainda aponta que os professores ficavam insatisfeitos quando tinham que
receber alunos ldquobrasiguaiosrdquo sendo uma das possiacuteveis explicaccedilotildees o fato deste
aluno possuir uma linguagem hiacutebrida e pelo fato do ldquoportunholrdquo ser um grande fator
de preconceito na fronteira
48
Em pesquisa realizada sobre a presenccedila de alunos brasiguaios em escolas
de fronteira BrasilParaguai na cidade de Ponta Poratilde Ione Dalinghaus (2009)
observou que mesmo em uma escola onde 90 dos alunos satildeo paraguaios ou
ldquobrasiguaiosrdquo eacute proibido o uso de outra liacutengua que natildeo o portuguecircs evidenciando
assim o mito16 do monolinguismo Tambeacutem Cerliani Terenciani (2011) em sua
dissertaccedilatildeo tratou de estudar a presenccedila de alunos oriundos do Paraguai nas
escolas de Ponta Poratilde Ao entrevistar uma professora cujos pais satildeo paraguaios
mas ela fora registrada no Brasil relata sua experiecircncia na escola
Eu sofri hien ixi Me chamavam de paraguaia Falavam que eu era uma iacutendia que natildeo sabia falar o portuguecircs e essas coisas tipo de deboche assim sabe que eacute ()(Entrevista concedida agrave CERLIANI 2011 p102)
Outra percepccedilatildeo da dificuldade de adaptaccedilatildeo do(a) aluno(a) paraguaio(a) em
escolas brasileiras agora na cidade de Santa Terezinha de Itaipu17 encontra-se na
pesquisa de Marli Schlosser e Margarete Frasson (2012) sobre a imigraccedilatildeo de
alunos da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo Baacutesica do Paraguai para escolas brasileiras da rede
municipal de ensino entre os anos de 2007 e 2011 Segundo as autoras a fronteira
pode se apresentar como um espaccedilo de vivecircncia e possibilidades que seria por
exemplo o aluno migrante aprender um novo idioma No entanto quando os novos
conhecimentos que este aluno tem que adquirir na escola natildeo eacute em sua liacutengua
materna o processo de travessia na fronteira torna-se doloroso para o mesmo
ldquoobrigando-o a fazer uso de atitudes de silenciamento ou seja ele passa a se
apresentar reservado e em bdquoinvisibilidade‟ retraiacutedo para natildeo ser visto pelo olhar
hegemocircnico da escolardquo (GENTILI 2004 apud SCHLOSSER E FRASSON 2012
p4)
As pesquisas realizadas em diferentes escolas de fronteira apontam para a
necessidade de discussotildees que passem pelo campo das poliacuteticas linguumliacutesticas e
educacionais para a diversidade Ataiacutede e Moraes (2003) discorrem sobre a
tendecircncia de homogeneizaccedilatildeo curricular que aliena a escola de seu contexto O
Brasil como um todo ldquoproduz um projeto pedagoacutegico exoacutegeno e xenoacutefobordquo (ATAIacuteDE
16
Aleacutem do portuguecircs satildeo faladas hoje mais de 222 liacutenguas no Brasil Dessas liacutenguas explica Maher
mais de 180 satildeo indiacutegenas cerca de 40 satildeo liacutenguas de imigraccedilatildeo e duas satildeo liacutenguas de sinais LIBRAS-a Liacutengua Brasileira de Sinais-e a Liacutengua de Sinais Kaapor Brasileira Aleacutem das liacutenguas africanas Assim o Brasil pode ser considerado como um paiacutes multiliacutenguumle (MAHER 2013 p117) 17
Cidade localizada na zona de fronteira entre Brasil e Paraguai
49
e MORAES 2003 p83) Jurjo Santomeacute (1995) fala sobre o silenciamento que existe
nos curriacuteculos nacionais referentes agraves minorias no ambiente escolar sendo que no
caso da presenccedila de estrangeiros nas escolas fronteiriccedilas ela natildeo eacute nem negada e
tampouco silenciada tecircm se a impressatildeo de sua inexistecircncia Albuquerque e Souza
(2014) utilizam a expressatildeo ldquotrincheiras culturaisrdquo para se referirem agraves escolas em
aacutereas de fronteiras que tem por funccedilatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo e combater o
idioma estrangeiro (ALBUQUERQUE 2014 p02)
Embora a expressatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo seja reducionista ao limitar a
funccedilatildeo da escola agrave nacionalizaccedilatildeo um fato ocorrido em 1999 na fronteira entre
Brasil e Uruguai na cidade de Rivera natildeo tira em alguma medida este caraacuteter
ldquonacionalizadorrdquo o qual o Estado busca desempenhar atraveacutes da escola Trata-se de
uma reportagem publicada nos dois principais jornais da capital uruguaia
Montevideacuteu em que o ministro da educaccedilatildeo do paiacutes demonstrou sua indignaccedilatildeo
pelo fato do idioma portuguecircs ter invadido as escolas do Uruguai localizadas em
regiotildees de fronteira senti verguenza del estado de nuestras escuelas () Hasta
queacute punto el idioma portuguecircs habiacutea penetrado em nuestro paiacutes (Jornal El Paiacutes
1999 p6 apud SAacuteNCHEZ 2002p 115) A posiccedilatildeo do Conselho Diretivo Central de
Ensino natildeo foi muito diferente do ministro
por la expasiacuteon del idioma portugueacutes y el portunhol em aacutereas fronterizas y las acertadas medidas que adoptaraacute-fortalecimiento de la ensentildeanza del espanotildel formaacuteciacuteon de docentes de esa a signatura y maacutes centros educativosrdquo (Jornal El Observador 1999 p10 apud SAacuteNCHEZ 2002 p116)
A escola apresenta-se neste contexto enquanto reguladora seja de valores
culturas memoacuterias identidades a partir de padrotildees universalistas construiacutedos sem
um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007 p119) Uma possiacutevel tentativa de
transformar estas questotildees em estudo nas regiotildees fronteiriccedilas eacute o Programa das
Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) que conforme o documento oficial do
programa busca discutir a ldquoidentidade regional biliacutengue e intercultural no marco de
uma cultura de paz e cooperaccedilatildeo interfronteiriccedilardquo (ARGENTINABRASIL 2007 p 2)
Esta proposta seraacute analisada no proacuteximo capiacutetulo
Este capiacutetulo teve como objetivo traccedilar algumas perspectivas possiacuteveis de
abordar o tema de fronteira a comeccedilar com a etimologia da palavra utilizada pela
primeira vez no seacuteculo XIII como separaccedilatildeo entre Estados Hoje a fronteira eacute
estudada a partir de diferentes dimensotildees social simboacutelica cultural etc Desse
50
modo rompemos com a ideia de fronteira apenas como o limite entre estados e com
a tendecircncia de se cristalizaccedilatildeo da mesma pois eacute fruto de uma construccedilatildeo histoacuterica
Outro aspecto levantado foi o papel da educaccedilatildeo escolar na construccedilatildeo do
imaginaacuterio e do sentimento de pertenccedila agrave naccedilatildeo (ANDERSON 1993) O Estado
utilizou as escolas para propagaccedilatildeo dos ideais nacionais na cidade de Foz do
Iguaccedilu com o objetivo de demarcar e proteger o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos dos
imigrantes e seus descendentes
Na relaccedilatildeo entre fronteira e poliacuteticas puacuteblicas a bibliografia levantada sobre
estudos sobre fronteira e relaccedilotildees trabalhistas fronteira e o Sistema Uacutenico de Sauacutede
e das escolas em regiatildeo de fronteira demonstraram que os paiacuteses convivem como
naccedilotildees diferentes entre si embora os problemas que o afetem extrapolam a questatildeo
nacional de cada paiacutes A fronteira eacute um lugar o Estado se faz presente eacute notaacutevel
pelo processo de securitizaccedilatildeo da fronteira brasileira mas eacute tambeacutem o lugar onde o
Estado-naccedilatildeo se enfraquece dada a fluidez dos agrupamentos humanos
(MACHADO 2010)
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS
E CONTRADICcedilOtildeES PARA A CONSOLIDACcedilAtildeO DO ESTADO-NACcedilAtildeO
51
Este capiacutetulo tem como objetivo principal apresentar o processo pelo qual a
educaccedilatildeo na cidade de Foz do Iguaccedilu se desenvolveu com a finalidade de
demonstrar que neste trajeto a escola foi um dos principais instrumentos do
Estado junto com a militarizaccedilatildeo da fronteira para bdquonacionalizar‟ e proteger o
territoacuterio brasileiro Para isto primeiramente apresentamos o contexto ao qual a
cidade de Foz do Iguaccedilu foi fundada destacando que o territoacuterio desde a fundaccedilatildeo
da Colocircnia Militar em 1889 contava com a presenccedila de estrangeiros
Ao mesmo tempo abordamos a trajetoacuteria da formaccedilatildeo das escolas em Foz do
Iguaccedilu a partir da histoacuteria da educaccedilatildeo do Paranaacute O capiacutetulo destaca os principais
fatos histoacutericos que ocorreu no Estado paranaense e na regiatildeo Oeste do Paranaacute que
marcaram a criaccedilatildeo das escolas Destaca-se aqui os anos de 1930-1945 periacuteodo
em que ocorreu a Marcha para o Oeste e a fundaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do
Iguaccedilu que estimulou o desenvolvimento do Oeste do Paranaacute e com isto a criaccedilatildeo
de escolas ao mesmo tempo em que a poliacutetica nacionalista do governo varguista
aplicou uma poliacutetica de vigilacircncia sobre as escolas dos imigrantes ou mesmo o seu
fechamento Delineamos ainda os principais aspectos educacionais a partir dos
anos de 1990 ateacute os dias atuais para destacar os resquiacutecios e as transformaccedilotildees da
educaccedilatildeo na cidade de fronteira ao longo deste periacuteodo
21 Contexto histoacuterico
A regiatildeo da chamada triacuteplice fronteira eacute composta pela Argentina Brasil e
Paraguai com suas respectivas cidades Puerto Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este como pode ser observado no mapa abaixo
52
Imagem VI- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte httpgeouel2009blogspotcombr201207triplice-fronteira-apontamentoshtml
A presenccedila de imigrantes europeus na regiatildeo onde hoje eacute a cidade de Foz do
Iguaccedilu data do ano de 1542 com os relatos da chegada de Aacutelvaro Nunes Cabeza
de Vaca agraves cataratas Este relato faz parte da histoacuteria de construccedilatildeo da cidade
brasileira e se funde agrave histoacuteria das cataratas do Iguaccedilu - uma das sete maravilhas da
natureza Foz do Iguaccedilu tem como marco fundador a criaccedilatildeo da colocircnia militar em
1889 e a data de 1930 como iniacutecio de seu processo modernizador (SOUZA 2009)
Portanto eacute a partir da fundaccedilatildeo da colocircnia militar que buscamos conhecer o
processo de formaccedilatildeo das primeiras escolas da regiatildeo oeste paranaense e
portanto de Foz do Iguaccedilu
Compreender o processo de desenvolvimento da cidade de Foz do Iguaccedilu
bem como o de suas instituiccedilotildees de ensino implica na contextualizaccedilatildeo dos
acontecimentos e transformaccedilotildees no Brasil e tambeacutem das mudanccedilas ocorridas
nesta regiatildeo fronteiriccedila
A educaccedilatildeo brasileira do seacuteculo XIX foi reflexo das transformaccedilotildees no acircmbito
da produccedilatildeo da vida social ocorridas no Brasil poacutes-independecircncia No Paranaacute as
atividades econocircmicas tinham como base as fazendas de gado A criaccedilatildeo de gado e
o comeacutercio foram fundamentais para a o povoamento do territoacuterio nesse periacuteodo
Segundo Maria Ceciacutelia Oliveira (1986) com o crescimento das lavouras de
cafeacute em Satildeo Paulo o comeacutercio interno de escravos cresceu significativamente Do
mesmo modo no Paranaacute que por volta de 1865 viu o nuacutemero de escravos
diminuiacuterem significativamente na Proviacutencia A falta de matildeo-de-obra refletiu na
agricultura paranaense direcionada para o abastecimento de gecircneros alimentiacutecios
53
Para solucionar a falta de matildeo-de-obra o governo provincial ldquoque jaacute vinha
promovendo a imigraccedilatildeo de grupos de estrangeiros intensificou a poliacutetica
imigratoacuteria objetivando a atender o problema da matildeo-de-obra na produccedilatildeo agriacutecolardquo
(OLIVEIRA 1986 p34) A mesma autora aponta que a Proviacutencia do Paranaacute criou
escolas em diversas colocircnias estrangeiras situadas proacuteximas dos nuacutecleos urbanos
sobretudo de Curitiba Ao mesmo tempo os imigrantes criaram suas proacuteprias
escolas para manutenccedilatildeo da cultura de seus respectivos paiacuteses de origem
As escolas e o conjunto de sua estrutura eram precaacuterios ldquofaltava preacutedio
escolares ausecircncia e deficiecircncia de professores baixa frequumlecircncia escolar aleacutem dos
parcos recursos disponiacuteveisrdquo (OLIVEIRA 1986 p35) No Brasil como um todo
seguia sem diretrizes que pudessem organizar melhor o ensino no paiacutes
A ausecircncia de um plano definido de educaccedilatildeo que atendesse agraves necessidades brasileiras pode ser verificada pelas inuacutemeras reformas e projetos apresentados na Corte que marcam o Segundo Impeacuterio e influiacuteram na organizaccedilatildeo do ensino Entre eles podem ser
destacados (OLIVEIRA 1986 p35)
No Paranaacute apoacutes sua emancipaccedilatildeo em 1853 a instruccedilatildeo puacuteblica encontrava-
se em condiccedilotildees de precariedade e natildeo atingia toda a populaccedilatildeo Trindade (2001)
aponta que em meio a uma populaccedilatildeo de 620000 habitantes haviam apenas 615
alunos nos cursos de primeiras letras ldquoo ensino secundaacuterio era praticamente
inexistente e o pouco que havia em Curitiba buscava atender agrave demanda local e do
interior da Proviacutenciardquo (TRINDADE 2001 p 61)
21 Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo
A colocircnia militar que marcou o iniacutecio da atuaccedilatildeo do Estado na regiatildeo de Foz do
Iguaccedilu foi criada a partir da lei imperial nordm 601 de 18 de setembro de 1850
regulamentada pelo decreto nordm 1318 de 30 de janeiro de 1854 que determinava o
registro das terras no territoacuterio brasileiro Desse modo o entatildeo presidente da
Proviacutencia do Paranaacute recebeu em 1854 o pedido para implementaccedilatildeo da colocircnia
militar e junto ao pedido seguiam as atividades a ser desenvolvidas pela colocircnia
1ordm Conceder o governo terras e fazer o sacrifiacutecio pecuniaacuterio annual
de 30 contos por certo numero de annos para pagar os juros de capital que se tomasse emprestado e se houvesse de applicar as
54
despezas de viagem e sustento de 500-600 familias 2ordm Estar a
direcccedilatildeo agrave cargo de pessoas responsaacuteveis pelo capital sob a
vigilacircncia o governo 3ordm Serem os lotes de terras divididos e vendidos
conforme hum preccedilo determinado destinando-se o producto a
construccedilatildeo de igrejas escolas etc etc 4ordm Incumbir a direcccedilatildeo a
procura de colonos e fornecimento de casas sementes animaes
viveres roupa bom mercado ao seus productos ampc 5ordm Cultivarem
as colocircnias de serra-acima cereais crearem animaes fazerem manteiga e queijo ao passo que as de serra-abaixo devem entregar-
se aacute cultura de generos coloneaes 6ordm Fazer o governo com as
despezas com padres e mestres de escola (RIIT 2011 p51 apud VASCONCELOS 1854 p 56)
Desse modo a ocupaccedilatildeo da regiatildeo por parte do Brasil foi consolidada no ano
de 1889 com a colocircnia militar O objetivo consistia em proteger o territoacuterio brasileiro
principalmente apoacutes a Guerra da Triacuteplice Alianccedila18 (1864-1870) Segundo Valdir
Gregory (2012) as intencionalidades em estabelecer um posto militar avanccedilado eacute
apenas uma justificativa que tinha ldquocomo pano de fundo a necessidade da
construccedilatildeo da nacionalidade () os sucessos na guerra motivaram a presenccedila fiacutesica
e ideoloacutegica na triacuteplice fronteirardquo (GREGORY 2012 p 50) Escreve Silveira Neto
(1939) em seus relatos de viagem que havia naquele periacuteodo de implementaccedilatildeo da
colocircnia militar 324 habitantes ldquosendo 188 paraguaios 33 argentinos 93 brasileiros
5 franceses 2 espanhoacuteis 1 inglecircs 2 orientais Destes 220 homens e 104 mulheresrdquo
(NETO 1939 p 52)
Estabelecida a colocircnia os militares se preocuparam com a necessidade da
instruccedilatildeo escolar Assim em 1895 foi criada uma escola informal que no iniacutecio
contou com vinte alunos matriculados
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p 37)
18 Na eacutepoca do Brasil imperial toda essa fronteira foi assegurada com a vitoacuteria da Guerra da Triacuteplice
Alianccedila (1865-1870) que derivou no aniquilamento de capacidade econocircmica e beacutelica paraguaia A vitoacuteria brasileira argentina e uruguaia impocircs ao Paraguai a assinatura do Tratado de Limites de 1872 que anexava ao territoacuterio brasileiro terras paraguaias agrave leste do Rio Paranaacute (ROSEIRA 2006 p 38)
55
Segundo o mesmo autor entre os anos de 1889 ateacute 1912 ano de extinccedilatildeo da
Colocircnia Militar as crianccedilas de famiacutelias brasileiras com boas condiccedilotildees financeiras
que natildeo eram filhas de funcionaacuterios do governo buscavam escolarizaccedilatildeo nos paiacuteses
vizinhos Para o autor a instruccedilatildeo particular domiciliar ficava restrita a filhos de
funcionaacuterios que ocupavam cargos importantes Durante o periacuteodo de vigecircncia da
Colocircnia Militar prevaleceu a modalidade de instruccedilatildeo sem instituiccedilatildeo Natildeo existiu
escola ou casa escolar em Foz do Iguaccedilu (EMER 1991 p 28)
Destacam-se os argentinos que nesse periacuteodo dominavam a regiatildeo pois as
companhias ervateiras e madeireiras eram daquele paiacutes ldquoSe a produccedilatildeo local era
estrangeira a moeda a liacutengua e os bens de primeira necessidade tambeacutem o eramrdquo
(ROSEIRA 2006 p41) No que se refere ao idioma o guarani e o espanhol eram
predominantes nesta regiatildeo Em relaccedilatildeo agrave moeda o dinheiro que circulava era o
peso argentino e as propriedades eram em sua maioria pertencentes agraves Obrages
(WACHOWICZ 1985 p 140 apud ROSEIRA 2006 p 51)
Segundo o historiador Ruy Wachowicz (2010) este processo de aproximaccedilatildeo
com a Argentina fez com que a regiatildeo oeste ficasse mais exposta agrave penetraccedilatildeo
argentina do que com o restante do Brasil (WACHOWICZ 2010 p 275) A
proximidade entre os dois paiacuteses fez com que o oeste paranaense fosse
culturalmente influenciado e economicamente dependente da Argentina Wachowicz
aponta que por volta de 1881 os argentinos comeccedilaram a exploraccedilatildeo da erva-mate
em Misiones e mais tarde no Brasil na regiatildeo oeste do Paranaacute
Otiacutellia Schimmelpfeng (1991) em seu livro ldquoRetrospectos iguaccedilusensesrdquo fala
acerca desta singularidade ldquoA moeda argentina circulava com domiacutenio absoluto na
praccedila Pouco ou nada se fala em ldquomil reacuteisrdquo naquele tempordquo (SCHIMMELPFENG
1991 p 28) O ldquopesordquo se introduzia ateacute nas reparticcedilotildees puacuteblicas Em entrevista ao
historiador Ruy Cristovatildeo Wachowicz Otiacutellia eacute mais detalhista sobre a influecircncia
argentina
Eu sentia aqui como se natildeo tivesse no Brasil Me sentia aqui isolada parecia que eu estava em outro paiacutes ateacute Porque todos os haacutebitos a liacutengua falada aqui era mais que predominava era o espanhol o castelhano como se dizia Parece que as pessoas quando vinham pra caacute no Brasil se achavam na obrigaccedilatildeo de aprender o castelhano pra ser entendido Parecia E todo mundo se interessava em falar o castelhano porque a convivecircncia aqui era muito maior com os argentinos Paraguai natildeo tanto porque noacutes natildeo tiacutenhamos Paraguai nessa regiatildeo aqui natildeo era muito habitada Mas tinha o Porto Aguirre que hoje eacute Porto Iguaccedilu que jaacute era um porto de grande movimento de turismo jaacute jaacute tava sendo legalizado entatildeo jaacute tinha mais
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desenvolvimento e mais recurso tambeacutem pra atender Foz do Iguaccedilu entatildeo noacutes tiacutenhamos mais contacto com os argentinos [] Entatildeo a gente tinha aqui um contacto mesmo constante com os argentinos E se falava soacute quase o castelhano a moeda era soacute o peso argentino (SCHIMMELPFENG 1980 apud SBARDELOTTO 2009 p 91)
O contato de Foz de Iguaccedilu era muito mais intenso com os paiacuteses fronteiriccedilos
do que com o restante do paiacutes Sbardelotto (2008) explica que havia tambeacutem um
grande nuacutemero de paraguaios que adentravam no Oeste do Paranaacute para trabalhar
nas empresas de erva-mate e posteriormente de madeira Contudo a presenccedila
argentina se destaca uma vez que eram o grupo que ldquodetinham os meios de
produzir e comercializar a principal atividade produtiva da regiatildeo e que atraveacutes
deste controle econocircmico determinavam os costumes a cultura e tambeacutem a
educaccedilatildeo neste territoacuteriordquo (SBARDELOTTO 2008 p5)
Dessas companhias madeireiras que se estabeleceram na regiatildeo muitas
faziam parte do modelo de exploraccedilatildeo denominado de Obrage ldquoO obragero era o
proprietaacuterio desse tipo de latifuacutendio () o obragero argentino explorava a erva-mate
e a madeira em torosrdquo (WACHOWICZ 2010 p 276) Em poucas deacutecadas a regiatildeo
que compreende a costa paranaense foi ocupada por inuacutemeras obrages e
consequentemente povoada em sua maioria por paraguaios argentinos e guaranis
modernos19 que trabalhavam como mensus20 Em 1930 a populaccedilatildeo estimada nas
obrages passava dos 10000 habitantes em sua maioria estrangeira
Naquele contexto a intensidade das relaccedilotildees fez com que a Argentina se
tornasse o principal prestador de serviccedilos agrave cidade de Foz do Iguaccedilu Segundo
Sbardelotto (2009) muitas crianccedilas eram escolarizadas no sistema argentino
absorvendo a liacutengua a histoacuteria e os costumes do paiacutes vizinho (SBARDELOTTO
2009 p 92)
Durante o periacuteodo em que seguia o desenvolvimento da Colocircnia Militar os
ldquopioneirosrdquo responsaacuteveis por sua construccedilatildeo diante da ausecircncia de um sistema de
ensino institucionalizado passaram a organizar e estruturar uma educaccedilatildeo natildeo-
formal
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e
19
Termo empregado aos indiacutegenas guaranis miscigenados do Paraguai (PRIORI A et al 2012p79) 20 A expressatildeo vem do espanhol da palavra bdquomensual‟ ou seja mensalista (GREGORY 2002 p 89 apud PRIORI A et al 2012p79)
57
funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p37)
No ano de 1910 a Colocircnia Militar passou a ser distrito de Guarapuava e
denominada de Vila do Iguassuacute Em 1912 o Ministeacuterio da Guerra emancipou a
colocircnia que passou a ser administrada pelos civis sob o governo do Estado do
Paranaacute Em 1914 com a lei nordm 1383 foi criada a municipalidade de Vila do Iguassuacute e
em 1918 o nome Foz do Iguaccedilu foi adotado como oficial Conforme Lima (2001) no
periacuteodo compreendido entre 1914 a 1930 aleacutem do estabelecimento das primeiras
famiacutelias brasileiras argentinas e paraguaias houve a colonizaccedilatildeo por parte dos
imigrantes descendentes de alematildees poloneses e italianos (LIMA 2001 p 31)
De acordo com Emer (1991) a partir de 1914 o governo do Estado do
Paranaacute instituiu um novo modelo de escola o Grupo Escolar Estes grupos
escolares dirigiam-se ao ensino de quatro seacuteries com conteuacutedos progressivos Estas
escolas estavam localizadas nos principais centros urbanos e nas regiotildees mais
afastadas do centro seguiam sem escolas ou com muita precariedade de escolas
Os grupos de migrantes na ausecircncia de escolas construiacuteam as suas proacuteprias
A falta de escolas no Paranaacute fazia sentir-se especialmente fora dos nuacutecleos coloniais dos imigrantes que ao contraacuterio dos demais nuacutecleos populacionais natildeo esperavam pela iniciativa do governo mas construiacuteam suas proacuteprias escolas e providenciavam o professor Quando muito solicitavam algum tipo de subvenccedilatildeo do governo estadual A escola dos imigrantes natildeo se desenvolveu mais porque o Estado desde 1901 apenas subvencionava os professores que ensinassem em liacutengua portuguesa Esse natildeo era o interesse dos imigrantes Pretendiam repassar agraves novas geraccedilotildees sua noccedilatildeo de nacionalidade de origem que incluiacutea a liacutengua a religiatildeo e os costumes Se o ensino fosse apenas na liacutengua portuguesa os colonos retiravam seus filhos e organizavam uma nova escola particular Em diversas localidades a escola puacuteblica foi desativada e removido o professor por absoluta falta de alunos (EMER 1991 p 207)
Emer destaca as modalidades de ensino que foram criadas neste periacuteodo
tanto no acircmbito formal quanto na esfera institucionalizada satildeo elas (1) Instruccedilatildeo
sem instituiccedilatildeo - ldquoSimplesmente algumas crianccedilas reuniam-se ao redor da mesa de
refeiccedilotildees de uma residecircncia para aprender ler escrever e calcular - curriacuteculo e
58
objetivos educacionais estabelecidos pelos paisrdquo (referecircncia) - que consistia em que
a educaccedilatildeo era dada pelo grupo social sem nenhuma institucionalizaccedilatildeo (2) casa
escolar - construiacuteda e mantida pelos pioneiros - ldquo() do professor era exigida uma
melhor qualificaccedilatildeo isto eacute deveria ensinar mais que na escolarizaccedilatildeo Domiciliar a
Casa Escolar deveria funcionar tecnicamente bemrdquo (EMER 2012 p 36) (3) casa
escolar puacuteblica criada e regulamentada pelo Municiacutepio- ldquoComo uma escola oficial
os alunos das Casas Escolares Puacuteblicas eram submetidos aos exames puacuteblicos
elaborados pelos oacutergatildeos educacionais puacuteblicos para comprovaccedilatildeo da escolaridaderdquo
Neste modelo ficava a cargo do governo contratar e remunerar o professor
cabendo a este alugar uma sala ou casa e formar o grupo de aluno de primeiras
letras Por uacuteltimo o Grupo Escolar Puacuteblico (4) ndash que se diferencia das demais
modalidades por ter sido construiacuteda em nuacutecleos de povoamento mais desenvolvidos
e pela forma de funcionamento Nas modalidades anteriores o objetivo era aprender
a ler escrever e calcular Posteriormente com a oficializaccedilatildeo da casa escolar a
comprovaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo passou a ser feita por meio de avaliaccedilotildees No grupo
escolar a preocupaccedilatildeo era de bdquoaprovar‟ o aluno para a seacuterie seguinte ldquonum processo
gradual de comprovaccedilatildeo de conhecimentos dos conteuacutedos definidos pelo ldquosistemardquo
educacional como requisito de cada seacuterie (EMER 2012 p 36)
A partir da fundaccedilatildeo da municipalidade em 1914 a populaccedilatildeo passou a
reivindicar um modelo de educaccedilatildeo subsidiado pelo poder puacuteblico Naquele
momento Foz do Iguaccedilu desenvolvia planos para combater o contrabando da
fronteira o que demandou a contrataccedilatildeo de agentes fiscais Esse processo fez com
que o grupo de escolarizados que chegavam agrave cidade passassem a requerer
escolas para seus filhos aleacutem do fato do crescimento da populaccedilatildeo e por
consequecircncia o aumento de crianccedilas (EMER 2012 p 37)
Conforme Emer (1991) entre os anos de 1915 e 1916 ldquoa Prefeitura Municipal
teria construiacutedo e mantido uma casa escolar puacuteblica embora precaacuteria e insuficienterdquo
(EMER 1991 apud Sbardelotto 2009 p 96) Wachowicz afirma que a necessidade
da criaccedilatildeo de escolas por parte da populaccedilatildeo soacute surgiu quando a populaccedilatildeo
urbana cresceu significativamente organizando assim a vida social (WACHOWICZ
1984 p 19) Apesar da iniciativa de dar acesso ao ensino puacuteblico de forma gratuita
a todos Sbardelotto aponta que apenas a populaccedilatildeo masculina foi contemplada
aleacutem do caraacuteter eminentemente elitista uma vez que os filhos de trabalhadores por
terem que optar pela subsistecircncia da famiacutelia abandonavam as escolas
59
Outros fatores contribuiacuteram para o desenvolvimento da educaccedilatildeo em Foz do
Iguaccedilu dentre eles a presenccedila da Igreja Catoacutelica Anterior a fundaccedilatildeo do
municiacutepio em decorrecircncia da localizaccedilatildeo e da dificuldade de deslocamento a
populaccedilatildeo da cidade soacute recebia assistecircncia religiosa uma vez por ano Isso
perdurou ateacute 1918 quando a Igreja optou em criar uma Paroacutequia na cidade desde
que contasse com a ajuda do governo Nesse sentido o acordo entre Igreja e
governo do Estado foi firmado com a condiccedilatildeo de que a Igreja construiacutesse e
dirigisse um grupo escolar
Em 1923 foi instalada a paroacutequia e nomeado o primeiro vigaacuterio um sacerdote alematildeo da Congregaccedilatildeo do Verbo Divino Padre Guilherme Maria Tilecks Para cumprimento do acordo com o Estado mesmo antes da construccedilatildeo do Grupo Escolar o Padre Guilherme passou a lecionar na Casa Escolar Para o desempenho de suas atividades recebeu a ajuda de outros dois padres e de um irmatildeo de sua congregaccedilatildeo (Padre Joatildeo Progzeba Padre Paulo Schneider e Irmatildeo Bianchi) (EMER 2012 p 38)
Por meio do Decreto nordm 1326 do dia 27 de agosto de 1928 surge o Grupo
Escolar Caetano Munhoz da Rocha que posteriormente passou a ser chamado de
Grupo Bartolomeu Mitre primeiro grupo escolar da mesorregiatildeo Oeste do Paranaacute
Em 1930 o grupo escolar passou a ser administrado pelo governo do Paranaacute sob a
direccedilatildeo de professores nomeados pelo Estado Segundo o Plano Municipal de
Educaccedilatildeo (PME) de 2015 ldquoa funccedilatildeo da escola no municiacutepio na eacutepoca era a de
cooperar com a nacionalizaccedilatildeo de um espaccedilo que era submetido por argentinos e
paraguaiosrdquo (PME 2015 p 4) Desse modo a criaccedilatildeo da escola passa a ser
reconhecido pelo Estado como instrumento necessaacuterio para a nacionalizaccedilatildeo da
triacuteplice fronteira O plano municipal utiliza a palavra bdquosubmetido‟ indicando que
naquele periacuteodo havia certa preocupaccedilatildeo com a presenccedila e influecircncia dos paiacuteses
fronteiriccedilos como uma ameaccedila ao territoacuterio e a necessidade de construccedilatildeo da
naccedilatildeo
60
Imagem V- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre Fonte Site da Secretaria Estadual do Paranaacute
httpwwwfozbartolomeumitreseedprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=9
O fato de o Brasil homenagear um general argentino ao nomear uma escola
em seu nome levou Emer a questionar os motivos que levariam o Estado brasileiro a
tomar essa atitude ou se ela foi apenas uma homenagem despretensiosa ao general
argentino Os interesses do Brasil naquele periacuteodo era dar seguimento agrave poliacutetica
integracionista do territoacuterio com uma campanha nacionalista e o Grupo Escolar Mitre
eacute o marco da institucionalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo no oeste paranaense Por isso as
motivaccedilotildees natildeo ficaram tatildeo claras (SBARDELOTTO 2007)
A partir da deacutecada de 1930 a cidade de Foz do Iguaccedilu passou a receber
imigrantes descendentes de italianos e alematildees aleacutem de inuacutemeros agricultores do
Rio Grande do Sul Neste mesmo periacuteodo o governo do Estado do Paranaacute fez
algumas reformas educacionais de teor nacionalista conivente com as mudanccedilas do
governo como aponta o Plano Municipal de Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu (2015)
Algumas mudanccedilas comeccedilam acontecer na educaccedilatildeo do paiacutes Uma delas eacute a manifestaccedilatildeo do Estado entre os anos de 1917 e 1919 o governo federal delibera verba para as escolas que ensinavam em liacutengua portuguesa e as escolas de imigrantes que ensinavam em outra liacutengua eram vigiadas e fechadas (PME 2015 p 5)
Durante o Estado Novo essas escolas passaram a ser alvo do governo
principalmente apoacutes a Marcha para o Oeste ldquoque defendia a ocupaccedilatildeo efetiva e a
nacionalizaccedilatildeo das fronteiras nacionais brasileiras de Norte a Sul do paiacutesrdquo (PRIORI
et al 2012 p 65) O projeto explica Priori (etal 2012) buscava despertar o
sentimento de nacionalidade e brasilidade na populaccedilatildeo que vivia na fronteira
No caso da fronteira de Foz do Iguaccedilu despertar na populaccedilatildeo esse
sentimento de nacionalidade era combater agrave ameaccedila que paraguaios argentinos e
61
os descendentes de alematildees italianos poloneses dentre outros imigrantes que se
fixaram na regiatildeo representavam ao projeto de integraccedilatildeo nacional do governo
22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo
A ldquoMarcha para o Oesterdquo foi um importante processo que contribuiu para o
projeto de nacionalizaccedilatildeo da fronteira Segundo Lenharo (1986 apud Lopes 2004)
o discurso de Vargas justificava a ldquoMarcha para o Oesterdquo pautando-se na conquista
da brasilidade que se daria por meio da interiorizaccedilatildeo do paiacutes ldquoPara ele a
construccedilatildeo da ldquoMarcha para Oesterdquo lembra a imagem da naccedilatildeo em movimento agrave
procura de si mesma de sua integraccedilatildeo e acabamentordquo (LENHARO 1986 p56
apud LOPES 2004 p 4)
Como uma das consequumlecircncias da ldquoMarcha para o Oesterdquo foram criados os
territoacuterios federais ldquonas regiotildees do Amapaacute Guaporeacute (atual Rondocircnia) Rio Branco
(atual Roraima) Iguaccedilu e Ponta Poratilde no Estado de Mato Grosso do Sulrdquo (PRIORI et
al 2012p66) Por meio do Decreto-Lei nordm 58124 no ano de 1943 o Territoacuterio
Federal do Iguaccedilu foi criado abrangendo o Oeste e Sudoeste do Paranaacute e Oeste de
Santa Catarina
Segundo Seacutergio Lopes (2004) dentro do espiacuterito de nacionalizaccedilatildeo o
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu deveria atender urgentemente o estabelecimento de
condiccedilotildees miacutenimas para organizaccedilatildeo econocircmica social e de seguranccedila das regiotildees
fronteiriccedilas e dos sertotildees Desse modo a criaccedilatildeo do territoacuterio pode ser entendida
como um ato de ocupaccedilatildeo definitiva da faixa de fronteira ldquopara assim romper o
isolamento e afastar definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional
que rondava a regiatildeordquo (LOPES 2004 p16)
O primeiro governador a administraacute-lo o Major Joatildeo Garcez do Nascimento
em relatoacuterio enviado ao Ministro da Justiccedila e Negoacutecios Anteriores fez inuacutemeras
consideraccedilotildees sobre a situaccedilatildeo do transporte comeacutercio sauacutede seguranccedila e
educaccedilatildeo na regiatildeo que abrangia o Territoacuterio Federal do Iguaccedilu No aspecto
educacional ele aponta
Haacute no Territoacuterio regular nuacutemero de escolas primaacuterias Satildeo elas
em nuacutemero de setenta Aleacutem disso contam‐se quatro grupos escolares sediados em Pato Branco Clevelacircndia Foz do Iguassuacute e Guaiacutera Quanto ao nuacutemero de escolas pode-se afirmar que atende
62
ainda as necessidades locais quanto as suas instalaccedilotildees poreacutem haacute muito o que providenciar A maioria delas funciona em preacutedios improacuteprios outras em simples salas cedidas a tiacutetulo precaacuterio e por empreacutestimo Em sua maioria natildeo atende aos rudimentares princiacutepios de higiene e didaacutetica O professorado salvo honrosas exceccedilotildees constitui-se de pessoas bem intencionadas e dedicadas mas de niacutevel cultural bastante abaixo do que seria estimaacutevel (RELATOacuteRIO DE 1944 apud LEMIECHEK 2014 p 06)
A criaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do Iguaccedilu fez com que o processo de
urbanizaccedilatildeo crescesse e com ele a demanda por qualidade nos serviccedilos puacuteblicos
como a escola Enquanto as escolas natildeo eram ampliadas a classe mais favorecida
economicamente assegurava o acesso agrave educaccedilatildeo para seus filhos por meio da
contrataccedilatildeo de professores que se ldquodeslocavam ateacute as moradias em casas
escolares ou nuacutecleos urbanos mais distantes como Guarapuava Curitiba Posadas
Corrientes etcrdquo (PME 2015 p9) Para as classes menos favorecidas como aqueles
que viviam em Foz do Iguaccedilu e trabalhavam nas obrages e no cultivo da terra havia
acesso ao ensino aleacutem delas viverem em situaccedilotildees insalubres sem acesso a
higiene alimentaccedilatildeo e sauacutede
A partir desse periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais Era necessaacuterio que essa
populaccedilatildeo na regiatildeo se identificasse com o Brasil enquanto uma paacutetria para
constituiccedilatildeo de um Estado-Naccedilatildeo forte Segundo Helena Bomeny (1999) natildeo havia
no projeto do governo intenccedilotildees para inclusatildeo e aceitaccedilatildeo de convivecircncia com os
grupos culturais estrangeiros nas regiotildees de colonizaccedilatildeo
Em relatoacuterio sobre a nacionalizaccedilatildeo do ensino datado de 1940 o Instituto
Nacional de Estudos e Pedagoacutegicos (INEP) sob a direccedilatildeo do educador Lourenccedilo
Filho ao analisar a trajetoacuteria dos imigrantes e sua fixaccedilatildeo no Brasil constatou com
base nos relatoacuterios e depoimentos de historiadores pensadores poliacuteticos e
escritores que desde o seacuteculo XIX a presenccedila de estrangeiros no paiacutes era fator de
preocupaccedilatildeo (BOMENY 1999) Segundo a mesma autora a precariedade da
educaccedilatildeo nos estados da regiatildeo sul do paiacutes em destaque o Rio Grande do Sul
levava os colonos a optarem pelos coleacutegios privados alematildees Segundo o relatoacuterio
do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede essa opccedilatildeo pelas escolas estrangeiras era
compreensiacutevel sendo culpa do Estado por permitir a criaccedilatildeo destas instituiccedilotildees sem
a vinculaccedilatildeo com os centros nacionais de cultura
63
A escola natildeo eacute um oacutergatildeo abstrato mas um centro de coordenaccedilatildeo da proacutepria accedilatildeo educativa da comunidade Tendo-se cometido o erro de permitir o nucleamento de estrangeiros sem maior vinculaccedilatildeo ou disciplina aos centros nacionais de cultura as instituiccedilotildees educativas que aiacute deveriam surgir seriam as que ensinassem em liacutengua estrangeira (BOMENY 1999 p154 apud INEP 1999 p8)
A preocupaccedilatildeo com a nacionalizaccedilatildeo do ensino eacute anterior ao Estado Novo
Em Foz do Iguaccedilu a educaccedilatildeo escolar das crianccedilas estava presente desde o
periacuteodo de instalaccedilatildeo da Colocircnia Militar em 1889 Na ausecircncia de escolas muitas
crianccedilas frequumlentavam o sistema educacional da Argentina cuja influecircncia
preocupava o governo da eacutepoca Em 1906 Siacutelvio Romero alertava sobre as
ameaccedilas em haver diferentes nacionalidades no Brasil Como soluccedilatildeo ele propocircs
que se ldquoaproveitasse de modo extensivo o proletariado nacional como elemento
colonizador perto do estrangeiro para educar-se com ele no trabalho e em troca
contribuir para o seu abrasileiramentordquo (BOMENY 1999 p154)
Na conferecircncia interestadual de Ensino Primaacuterio de 1921 encontra-se a fala
de Milton C A Cruz que justifica a deficiecircncia do ensino devido aos inuacutemeros
nuacutecleos estrangeiros isolados ldquoO espiacuterito dessas crianccedilas brasileiras formado em
liacutengua nos costumes nas tradiccedilotildees dos paiacutes soacute poderia tender para a paacutetria de
origem constituindo um empecilho agrave coesatildeo nacionalrdquo (BOMENY 1999 p154 apud
INEP 1999 p8)
Por determinaccedilatildeo do Estado Novo a prefeitura de Foz do Iguaccedilu passou a
promover uma administraccedilatildeo que visasse agrave ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro
valorizaccedilatildeo da liacutengua oficial e das moedas nacionais (SPERANCcedilA 1992 apud
LOPES 2004 p 49) Teve ainda que despachar suas documentaccedilotildees criar
anuacutencios comerciais listas de preccedilos ou avisos somente em liacutengua portuguesa
aleacutem da obrigatoriedade do uso da moeda brasileira Essas medidas foram tomadas
pois havia na regiatildeo grande influecircncia dos argentinos no lado brasileiro
Segundo Lopes (2004) a principal preocupaccedilatildeo do Estado Novo em relaccedilatildeo a
essa fronteira era a influecircncia Argentina Como outra medida de contenccedilatildeo dessa
influecircncia estrangeira o governo federal por meio do Decreto nordm 19842 de 1930
tornou obrigatoacuterio a contrataccedilatildeo de no miacutenimo dois terccedilos de trabalhadores nas
empresas estrangeiras presentes dentro do territoacuterio nacional
Diante das estrateacutegias que o Estado Novo desenvolveu para construir a ideacuteia
de naccedilatildeo a fronteira poliacutetica requeria a justificaccedilatildeo ideoloacutegica da comunidade
64
nacional Nessa premissa a escola enquanto instrumento de nacionalizar as
fronteiras foi fundamental
23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus
impactos na educaccedilatildeo
Com a queda de Getuacutelio Vargas em 1945 quando o paiacutes entrou por um
pequeno periacuteodo na fase de redemocratizaccedilatildeo os Territoacuterios do Iguaccedilu e Ponta
Poratilde foram extintos No campo da educaccedilatildeo a pedagoga Lucimara Lemiechek
aponta que vaacuterias foram agraves mudanccedilas em detrimento da promulgaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas e a ampliaccedilatildeo dos Cursos Normais (LEMIECHEK 2014 p 9) Nessa
mesma deacutecada em Foz do Iguaccedilu teve iniacutecio a primeira escola21 particular Jorge
Schimmelpfeng nas dependecircncias do primeiro Centro Espiacuterita fundado no
municiacutepio
Imagem VI - Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)
Fonte Centro Espiacuterita Lidelfonso Correia
A deacutecada de 1950 e 1960 seguiu com um programa de escola de cunho
nacionalista e dualista em um periacuteodo marcado pelo programa desenvolvimentista
Cada vez mais os trabalhadores requeriam educaccedilatildeo diferenciada de um lado a
necessidade de matildeo de obra especializada e de outro a busca pelo status que a
educaccedilatildeo proporcionaria No ano de 1959 a Lei Municipal nordm 234 de 29 de outubro
de 1959 adota o programa de aboliccedilatildeo do analfabetismo
21
Vide imagem IV
65
Art 1ordm A Prefeitura de Foz do Iguaccedilu empreenderaacute uma campanha sistemaacutetica para aboliccedilatildeo do analfabetismo desde as crianccedilas de sete anos feitos aos adultos de qualquer idade (LEI 2341959) Art 2ordm Toda a crianccedila que completar sete anos de 1ordm de janeiro a 31 de dezembro deveraacute obrigatoriamente no comeccedilo do ano letivo imediato ser matriculada em escola puacuteblica ou particular cumprindo-lhes frequumlenta-la com assiduidade durante cinco anos na cidade e trecircs anos letivos nas zonas rurais (PME 2015 p 11)
Eacute nesse momento que chegam a Foz do Iguaccedilu as primeiras populaccedilotildees de
origem aacuterabe que saiacuteram de seus paiacuteses em decorrecircncia dos intensos conflitos
regionais e atraiacutedos pela oportunidade de explorar um mercado com grande
potencial de crescimento (RABOSSI 2007 p 292) Segundo Rabossi a primeira
cidade da Triacuteplice Fronteira em que eles se estabeleceram foi Foz do Iguaccedilu
principalmente na regiatildeo proacutexima da Ponte da Amizade inaugurada em 1965
passando a ligar a cidade brasileira a Ciudad del Este no Paraguai dando iniacutecio ao
comeacutercio na regiatildeo Em 1975 no contexto da Guerra do Liacutebano o comeacutercio dos
aacuterabes na fronteira estava consolidado fazendo com que atraiacutedos pelo comeacutercio e
fugindo da guerra outros grupos oriundos do Oriente Meacutedio imigrassem para a
regiatildeo da fronteiriccedila Segundo Silva (2008 p367) os uacuteltimos 30 anos recebeu um
grande nuacutemero de imigrantes de origem ldquoaacuterabe libaneses palestinos siacuterios
jordanianos bem como chineses coreanos e em nuacutemero bem menor hindus e
portugueses
A mesma autora aponta que duas escolas pertencem agrave comunidade aacuterabe
uma de ensino fundamental que ensina a liacutengua aacuterabe e a religiatildeo sunita vinculada
ao Centro Beneficente Islacircmico de Foz do Iguaccedilu uma organizaccedilatildeo cultural e
cientiacutefica A segunda escola Escola Aacuterabe Brasileira oferta ensino para o ensino
fundamental e meacutedio de acordo com as exigecircncias do Estado A especificidade
desta escola em relaccedilatildeo agraves demais do municiacutepio eacute a oferta do ensino da liacutengua
aacuterabe (SILVA 2008)
Na deacutecada de 1970 tambeacutem chegam a Foz do Iguaccedilu os primeiros imigrantes
chineses atraiacutedos pelo comeacutercio na regiatildeo Segundo Miao Shen Chen a regiatildeo da
triacuteplice fronteira abriga uma comunidade chinesa com aproximadamente quatro mil
indiviacuteduos Em Foz do Iguaccedilu haacute pelo menos mil chineses e descendentes Os
imigrantes tecircm agecircncias de turismo imobiliaacuterias construtoras especializadas em
atender os clientes orientais (CHEN 2010)
66
Apesar da implementaccedilatildeo da Lei Municipal nordm 234 de 1959 que estabelecia a
obrigatoriedade da educaccedilatildeo para aboliccedilatildeo do analfabetismo a escola seguia sendo
para poucos ao menos no que diz respeito agrave permanecircncia dos estudantes Os
alunos mais pobres abandonavam a escola muito cedo pois tinham que optar entre
estudar ou trabalhar para ajudar na subsistecircncia da famiacutelia (PME 2015 p 11)
Para Emer (1991) os colonos que aqui se encontravam diante da
precariedade das escolas mobilizaram-se para criar escolas para seus filhos
contribuindo para construccedilatildeo de inuacutemeros coleacutegios confessionais entre os anos de
1955 e 1965 (EMER 1991 p 125) Quanto agrave contrataccedilatildeo dos professores estes
deveriam ter o perfil que atendesse o grupo social
Destaca-se a criaccedilatildeo da primeira Escola Normal Colegial da regiatildeo Oeste do
Paranaacute a Escola Normal Iguaccedilu criada em 1957 em Foz do Iguaccedilu em um
contexto em que a populaccedilatildeo da cidade crescia e a demanda pelo ensino em
diversos niacuteveis aumentava havendo a necessidade de habilitar os professores para
o trabalho docente Ateacute o ano de 1957 Foz do Iguaccedilu contava com um Grupo
Escolar o Bartolomeu Mitre que atendia aproximadamente 400 crianccedilas uma Casa
Escolar com aproximadamente 80 alunos e cinco escolas rurais isoladas que
tinham capacidade para atender 250 alunos Foz do Iguaccedilu tinha capacidade para
atender aproximadamente 730 alunos no ensino primaacuterio o que era pouco diante da
crescente demanda sobretudo dos nuacutecleos urbanos e das aacutereas rurais aleacutem das
aacutereas distritais22
Ainda que tenha havido a criaccedilatildeo dos coleacutegios normais o relatoacuterio do plano
de desenvolvimento de Foz do Iguaccedilu de 1972 apontava que o corpo docente do
municiacutepio era constituiacutedo em sua maioria por professores sem habilitaccedilatildeo tanto
nas redes municipais e estaduais quanto nas privadas A justificativa para esta
qualificaccedilatildeo segundo o relatoacuterio estava no baixo niacutevel salarial que impedia os
qualificados de se dedicarem ao magisteacuterio Na zona rural a porcentagem era ainda
maior Cerca de 80 do pessoal natildeo qualificado atende ao ensino primaacuterio que
funcionava em 41 escolas isoladas e duas casas escolares Segundo o PDI
22 Dentre os distritos que ficavam sob a jurisdiccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu encontram-se Santa Terezinha
de Itaipu Itacoreacute Alvorada Medianeira dentre outros (SBARDELLOTO 2009 p 146)
67
O Estado que paga os melhores salaacuterios (Cr$ 41600) natildeo faz nomeaccedilotildees e a Prefeitura possuindo apenas 3 elementos em seu quadro efetivo percebendo Cr$ 28000 contrata os professores normalistas por apenas Cr$ 28000 e a professora leiga por 60 do salaacuterio miacutenimo (PDI 1972 p 114)
Quanto agrave estrutura do periacuteodo o relatoacuterio aponta que ateacute 1971 havia cinco
grupos escolares estaduais um privado uma casa escolar municipal e duas escolas
isoladas que segundo o relatoacuterio natildeo eram suficientes para atender a demanda
Quanto agrave estrutura o relatoacuterio aponta
Somente na Zona Urbana vamos encontrar preacutedios escolares de alvenaria com luz aacutegua encanada e instalaccedilotildees sanitaacuterias regulares Natildeo quer isto dizer que sejam instalaccedilotildees satisfatoacuterias pois deixam muito a desejar havendo falta de aacutegua e os miacutenimos requisitos agrave boa higiene dos escolares () Na zona rural os preacutedios satildeo todos de madeira sem as menores condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave higiene escolar notando-se ausecircncia de atendimento sanitaacuterio e de sauacutede (PDI 1972 p 118)
No mesmo relatoacuterio o problema da evasatildeo eacute justificado com o argumento da
localizaccedilatildeo da cidade que por estar em uma regiatildeo de fronteira eacute caracterizada por
possuir uma populaccedilatildeo flutuante As escolas rurais por exemplo em periacuteodos de
colheita eram fechadas pois natildeo havia frequecircncia alguma uma vez que os alunos
estavam trabalhando nas lavouras Outro exemplo eacute a justificativa do baixo
rendimento escolar atribuiacutedo ao alto iacutendice de crianccedilas argentinas e paraguaias que
estudavam no lado brasileiro com a alegaccedilatildeo do problema do idioma que gerava
atraso em toda turma ldquoNo 1ordm ano o periacuteodo de preacute-alfabetizaccedilatildeo que normalmente
eacute feito em trecircs meses (no maacuteximo) chega a durar quase um anordquo (PDI 1972 p
125)
Este argumento que culpabiliza o aluno estrangeiro pelo atraso da turma natildeo
mudou muito Em pesquisa com professores da rede puacuteblica de Foz do Iguaccedilu
sobre a presenccedila de alunos brasiguaios nas escolas brasileiras citado no capiacutetulo
anterior Pires-Santos (2010) fala que alguns professores vecirc a presenccedila deste perfil
de aluno como um entrave um bdquocastigo‟ pois no seu entendimento seraacute difiacutecil
ensinaacute-los Outro destaque reside no fato de que estes relatoacuterios feitos em 1972
foram produzidos em nome do Estado que vivia sob o regime dos militares cuja
preocupaccedilatildeo com o estrangeiro no paiacutes se restringia nas questotildees de seguranccedila
nacional
68
No decorrer da deacutecada de 1970 a pauta da educaccedilatildeo segue em discussatildeo na
regiatildeo sobretudo com a reforma do ensino promulgada pela Lei 569271 Foz do
Iguaccedilu vivia nessa deacutecada os impactos da construccedilatildeo da Usina Hidreleacutetrica de
Itaipu A cidade recebeu aproximadamente 40000 operaacuterios com suas respectivas
famiacutelias oriundas de vaacuterios estados do paiacutes para a construccedilatildeo da hidreleacutetrica O
aumento populacional gerado pela chegada dos trabalhadores na cidade fez com
que todas as obras de infraestrutura fossem feitas apressadamente dentre essas
os hospitais as moradias e escolas subsidiados pela Itaipu Um exemplo foi o
convecircnio entre a Prefeitura por meio da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo e
Cultura com a Itaipu que resultou na construccedilatildeo da escola Prof Parigot de Souza
no ano de 1975
() Fica o Chefe do Executivo Municipal autorizado a firmar convecircnio com a Empresa ITAIPU ndashBINACIONAL objetivando a aplicaccedilatildeo de recursos para pagamento de professores e demais servidores para o setor administrativo bem como da manutenccedilatildeo da nova unidade escolar preacute-fabricada construiacuteda na sede municipal onde seraacute instalada uma extensatildeo do Ginaacutesio Estadual bdquoDom Manoel Konnerrdquode Foz do Iguaccedilu‟
(Foz do Iguaccedilu Lei Municipal nordm 8821975 Art1ordm)
Com a construccedilatildeo da hidreleacutetrica o nuacutemero de escolas em Foz do Iguaccedilu
aumentou significativamente Na deacutecada de 1960 havia cerca de oito escolas
municipais na cidade na deacutecada de 1980 mais nove escolas e hoje segundo dados
da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (2011) a cidade conta com 83 escolas
municipais e 82 estaduais 43 privadas e 04 filantroacutepicas
O periacuteodo que se estende da Colocircnia Militar de 1889 ateacute o fim da Era Vargas
(1930-1954) demonstrou que as raiacutezes pela qual as escolas foram criadas passou
pela construccedilatildeo de valores que satildeo constitutivos de uma ideal de naccedilatildeo Wachowicz
(1984) cita o ofiacutecio do general comandante da 5ordf Regiatildeo Militar em 1925 que
expressava a urgecircncia de se construir escolas nas zonas de fronteira haja vista que
a uacutenica soluccedilatildeo era enviar as crianccedilas para frequentar escola na Argentina O
incocircmodo do general se baseia na busca pelo estabelecimento de uma identidade
nacional ao Brasil pois a presenccedila de alunos brasileiros em escolas argentinas
representava um perigo A escola eacute um dos espaccedilos em que se bdquoimagina‟ se
constroacutei um identidade nacional ldquoNascida na ficccedilatildeo agrave identidade precisava de muita
coerccedilatildeo e convencimento para se consolidar e se concretizar numa realidaderdquo
(BAUMAN 2005 p 27)
69
Em siacutentese a escola natildeo eacute neutra mas perpassam tambeacutem outros interesses
que natildeo satildeo apenas os de ideais nacionalistas Ela eacute um espaccedilo marcado por
contradiccedilotildees Eacute o que o educador brasileiro Paulo Freire (1987) sugere ao natildeo
negar a influecircncia que determinado modo de se propor um modelo educativo pode
causar na sociedade Justamente por saber do potencial transformador da educaccedilatildeo
eacute que ele propunha um modelo para de educaccedilatildeo a partir da base da realidade na
qual o sujeito estaacute inserido
Em Foz do Iguaccedilu haacute a constataccedilatildeo de que o Estado esteve preocupado em
criar escolas a fim de bdquonacionalizar‟ a fronteira Braduel (2009) ao refletir acerca da
relaccedilatildeo entre Estado e territoacuterio e a ocupaccedilatildeo do espaccedilo afirma que ldquoEstados agem
como indiviacuteduos obstinando-se em delimitar seu domiciacutelio da mesma forma que
todo animal livre defende aquilo que ele considera ser o seu territoacuteriordquo (BRAUDEL
2009 p 262 apud Heinsfiel 2014 p 17)
Nessa perspectiva o Estado tem como foco a necessidade de delimitar seus
domiacutenios Domiacutenios estes que satildeo reforccedilados por instituiccedilotildees capazes de legitimar
essa loacutegica tais como as escolas Segundo Bourdieu (2008) um dos principais
poderes do Estado eacute impor categorias de pensamento categorias que noacutes
assumimos como naturais aparentemente espontacircneas mas que na verdade satildeo
impostas pelo Estado (BOURDIEU 2008 p 91)
24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas
escolas
Com o processo de redemocratizaccedilatildeo e da nova Constituiccedilatildeo Federal
promulgada em 1988 houve um grande avanccedilo em termos de direitos civis No
caso da presenccedila de estrangeiros no paiacutes a Carta Magna assegura a todas as
pessoas brasileiras ou estrangeiras estando em situaccedilatildeo migratoacuteria regular ou
irregular o direito agrave educaccedilatildeo escolar Os princiacutepios escolares passaram a ter
como base a igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia nas escolas
da liberdade e do pluralismo de ideacuteias e concepccedilotildees pedagoacutegicas
Art 206 O ensino seraacute ministrado com base nos seguintes princiacutepios I - igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola II - liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber III - pluralismo de ideacuteias e de concepccedilotildees pedagoacutegicas e coexistecircncia de instituiccedilotildees puacuteblicas e
70
privadas de ensino IV - gratuidade do ensino puacuteblico em estabelecimentos oficiais (CF 1998)
Waldman (2012) destaca que a nova constituiccedilatildeo tem pela primeira vez o
princiacutepio da dignidade da pessoa humana como fundamental e afirmou como
objetivos fundamentais a ldquopromoccedilatildeo do bem para todos sem preconceitos de
origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeordquo
(WALDMAN 2012 p63)
No campo das relaccedilotildees internacionais o Brasil se comprometeu pela
prevalecircncia dos direitos humanos pela cooperaccedilatildeo entre os povos e pela atenccedilatildeo
agrave integraccedilatildeo poliacutetica social e cultural da Ameacuterica Latina23 Estes pontos
apresentados satildeo importantes a serem considerados pois satildeo com base na CF
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 seraacute elaborada e a
partir dela outros documentos importantes que toca agrave questatildeo da diversidade
eacutetnicas cultural e racial na educaccedilatildeo Alguns destes documentos satildeo o Curriacuteculo
da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute o Plano Estadual de Educaccedilatildeo
do Paranaacute e os Paracircmetros Curriculares Nacionais que seratildeo analisados no
proacuteximo capiacutetulo
23
Art 4ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaccedilotildees internacionais pelos seguintes
princiacutepios I - independecircncia nacional II - prevalecircncia dos direitos humanos III - autodeterminaccedilatildeo dos povos IV - natildeo-intervenccedilatildeo V - igualdade entre os Estados VI - defesa da paz VII - soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitosVIII - repuacutedio ao terrorismo e ao racismoIX - cooperaccedilatildeo entre os povos para o progresso da humanidadeX - concessatildeo de asilo poliacuteticoParaacutegrafo uacutenico A Repuacuteblica Federativa do Brasil buscaraacute a integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica social e cultural dos povos da Ameacuterica Latina visando agrave formaccedilatildeo de uma comunidade latino-americana de naccedilotildees
71
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA
ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUAI
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens
O campo de estudos de poliacuteticas puacuteblicas avanccedilou nos uacuteltimos sessenta
anos tendo conformado uma literatura instrumental analiacutetica que contribuiu para a
compreensatildeo dos processos de natureza poliacutetico- administrativo (SECCHI 2013)
No Brasil segundo Faria (2003) a aacuterea de anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas ainda eacute
escassa Isso se comprova pela falta de anaacutelises mais sistemaacuteticas no que tange
aos processos de implementaccedilatildeo aleacutem da carecircncia em estudos que tratam de
metodologias e instrumentos de avaliaccedilatildeo destas poliacuteticas pelos trecircs niacuteveis de
governo legislativo executivo e judiciaacuterio
A fim de apresentar a analise de algumas poliacuteticas puacuteblicas (PP) que tratam
da questatildeo da educaccedilatildeo e diversidade cultural faz-se necessaacuterio apresentar o que
se compreende enquanto uma PP Teoacutericos apontam que seu significado natildeo
apresenta uma definiccedilatildeo uacutenica (SECCHI 2010 BONETI 2011) Assim utilizaremos
como definiccedilatildeo de PP as concepccedilotildees de Tamayo Saacuteez (1997) que a entende como
ldquoum conjunto de objetivos decisotildees e accedilotildees que levam a cabo um governo para
solucionar os problemasrdquo (TAMAYO SAEacuteZ 1997 p 2) Complementando esta
definiccedilatildeo citamos Lindomar Boneti (2006) e seu entendimento do que sejam
poliacuteticas puacuteblicas
Accedilatildeo que nasce do contexto social mas que passa pela esfera estatal como uma decisatildeo de intervenccedilatildeo puacuteblica numa realidade social determinada quer seja ela econocircmica ou social Ainda esclarece que as poliacuteticas puacuteblicas representam [] o resultado da dinacircmica do jogo de forccedilas que se estabelece no acircmbito das relaccedilotildees de poder relaccedilotildees estas constituiacutedas pelos grupos econocircmicos e poliacuteticos classes sociais e demais organizaccedilotildees da sociedade civil (BONETI 2006 p 76)
Eacute importante assinalar que as PPs mudam com o tempo e em consonacircncia
com o modelo de Estado vigente como as transformaccedilotildees que ocorrem em uma PP
dentro de um Estado autoritaacuterio para um Estado democraacutetico A criaccedilatildeo de uma PP
natildeo depende somente das decisotildees emanadas do poder puacuteblico Esse jogo de
72
forccedilas ao qual Boneti se refere satildeo concernentes agraves correlaccedilotildees realizadas com
agentes privados e da sociedade civil No entanto no sentido de responsabilizaccedilatildeo
por sua implementaccedilatildeo e permanecircncia compreende-se aqui que uma PP eacute
responsabilidade do Estado24
Dentre os aspectos a serem considerados no momento de escolher uma PP
os fatores culturais satildeo de fundamental importacircncia para a sua implementaccedilatildeo O
sucesso ou o fracasso de uma PP pode estar diretamente ligado ao contexto no qual
se insere
No que confere agrave anaacutelise de uma PP a mais aceita eacute aquela que busca
compreender como os formuladores de poliacutetica (policymakers) lidam com os
problemas com que se defrontam Nas palavras de Wildavsky
() o papel de Anaacutelise de Poliacutetica eacute encontrar problemas onde soluccedilotildees podem ser tentadas ou seja bdquoo analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possiacutevel alguma melhoria‟ Portanto a Anaacutelise de Poliacutetica estaacute preocupada tanto com o planejamento como com a poliacutetica (politics) (WILDAVSKY 1979 apud RUA 2009 p 23)
Segundo Tamayo Saacuteez (1997) a anaacutelise de PP possui um caraacuteter
multidisciplinar Trata-se de um conjunto de teacutecnicas conceitos e estrateacutegias
oriundas de diferentes disciplinas - ciecircncia poliacutetica antropologia sociologia
psicologia e da teoria da organizaccedilatildeo - cujo objetivo eacute interpretar as causas e
consequumlecircncias das accedilotildees do governo Conforme este argumento eacute importante
ressaltar que os atores que analisam determinada PP o fazem a partir de seus
valores sua capacidade teacutecnica seus interesses e o grau de informaccedilatildeo Tais
fatores satildeo fundamentais para compreensatildeo destas anaacutelises
Por poliacuteticas puacuteblicas educacionais compreende-se tudo aquilo que um
governo faz ou deixa de fazer em mateacuteria de educaccedilatildeo No que tange agrave poliacutetica
educacional brasileira esta deve ser pensada em contexto amplo onde fatores
como a constituiccedilatildeo federal a poliacutetica nacional de direitos humanos e os acordos e
tratados internacionais devem ser considerados assim como os fatores sociais e
culturais da sociedade (SILVA MOURA MELLO 2013)
24
Mas vale dizer que natildeo necessariamente uma poliacutetica puacuteblica eacute apenas estatal
73
Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos sobre as poliacuteticas
educacionais no Brasil satildeo recentes mas encontram-se em processo de construccedilatildeo
e crescimento As pesquisas e publicaccedilotildees sobre as poliacuteticas educacionais possuem
dois eixos de estudos o primeiro refere-se aos de caraacuteter teoacuterico com questotildees
mais amplas acerca do processo de formulaccedilatildeo de poliacuteticas abarcando mudanccedilas
no papel do Estado das redes de influecircncia no desenvolvimento de formulaccedilatildeo de
poliacuteticas o segundo trata da anaacutelise e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas e programas
(MAINARDES 2006) Quanto ao primeiro eixo ao destacar a funccedilatildeo do Estado na
definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Mainardes (2006) explica que
natildeo se trata de defender que o Estado ou os governos decidam por implementar as
poliacuteticas puacuteblicas mas isso reflete as pressotildees de diferentes grupos de interesse
Citando Evans Rueschmeyer e Skocpol (1985) Souza (2006) se aproxima da
perspectiva teoacuterica que defende uma autonomia relativa do Estado ldquoque faz com
que o mesmo tenha um espaccedilo proacuteprio de atuaccedilatildeo embora permeaacutevel a influecircncias
externas e internasrdquo (SOUZA 2006 p27 apud Evans Rueschmeyer e Skocpol
1985)
Os dois eixos foram abordados nesta dissertaccedilatildeo pois considera-se
importante conhecer os principais aspectos histoacutericos das poliacuteticas educativas no
Brasil e sua relaccedilatildeo com o Estado para posteriormente tratar da anaacutelise das
poliacuteticas escolhidas O modelo denominado de ciclo de poliacuteticas puacuteblicas seraacute o
recurso utilizado para analise das poliacuteticas educacional
O ciclo de poliacutetica tem adquirido importacircncia progressiva nos estudos sobre a
elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica principalmente por consistir em uma serie de etapas
que envolve o processo poliacutetico-administrativo os atores suas relaccedilotildees recursos de
poder as relaccedilotildees poliacuteticas sociais e as praacuteticas Saravia e Ferrarezi (2006p32)
descrevem sete etapas deste ciclo primeiro uma agenda poliacutetica que eacute a
necessidade social de elaborar determinada poliacutetica puacuteblica em segundo a
elaboraccedilatildeo propriamente dita da poliacutetica puacuteblica para identificar e delimitar um
problema seja ele atual ou que pode vir a ser necessaacuterio Com isto determinam-se
as alternativas para a soluccedilatildeo a partir das possiacuteveis soluccedilotildees para o problema
formula-se a alternativa mais cabiacutevel pra sua implementaccedilatildeo que deve ser
constituiacuteda por meio do ldquoplanejamento e organizaccedilatildeo do aparelho administrativo e
dos recursos humanos financeiros materiais e tecnoloacutegicos necessaacuterios para
executar uma poliacuteticardquo (SARAVIA p34) A proacutexima etapa eacute a execuccedilatildeo destinada a
74
atingir os objetivos traccedilados pela poliacutetica ldquoEssa etapa inclui o estudo dos
obstaacuteculos que normalmente se opotildeem agrave transformaccedilatildeo de enunciados em
resultados e especialmente a anaacutelise da burocraciardquo (SARAVIA 2006 p 34) A
sexta etapa reside no acompanhamento que eacute o processo de supervisatildeo da
execuccedilatildeo de uma atividade a fim de fornecer a ldquoinformaccedilatildeo necessaacuteria para
introduzir eventuais correccedilotildees a fim de assegurar a consecuccedilatildeo dos objetivos
estabelecidosrdquo (SARAVIA 2006 p34) Por uacuteltimo temos a avaliaccedilatildeo que consiste
em analisar os impactos das poliacuteticas implementadas para a sociedade
Saravia (2006) explica que esta sequecircncia eacute mais uma esquematizaccedilatildeo
teoacuterica do que ocorre na praacutetica Nem sempre essas etapas satildeo consideradas Eacute o
caso de muitos paiacuteses da Ameacuterica Latina onde os programas de ajuste estrutural
natildeo consideraram as primeiras etapas iniciais de sua elaboraccedilatildeo os resultados
sociais possiacuteveis Como consequumlecircncia os indicadores da educaccedilatildeo da sauacutede da
previdecircncia social da habitaccedilatildeo do emprego e de outros setores sociais mostram a
existecircncia de uma situaccedilatildeo difiacutecil que se agrava com o tempo (SARAVIA 2006
p35-36)
32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil
No Brasil por muito tempo as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo ficaram
aqueacutem do esperado Valle (2009) aponta que no decorrer do periacuteodo colonial ou do
Impeacuterio natildeo haacute registros de uma real preocupaccedilatildeo com as poliacuteticas puacuteblicas de
Educaccedilatildeo (VALLE 2009) Arauacutejo (2011) explica que eacute recente a ideia de um ldquoEstado
em accedilatildeordquo no sentido de promover poliacuteticas para educaccedilatildeo (ARAUacuteJO 2011 p236)
Em um contexto onde sociedade e economia fundamentaram suas bases em um
modelo econocircmico agroexportador e na matildeo-de-obra escrava a preocupaccedilatildeo com a
educaccedilatildeo surgiu muito tarde
Maria Luisa Ribeiro (1992) escreve que no periacuteodo colonial a poliacutetica
educacional esteve vinculada agrave poliacutetica colonizadora dos portugueses (RIBEIRO
1992 p 20) A historiadora Maria Luiza Marciacutelio (2005) acrescenta estes dados ao
traccedilar as principais caracteriacutesticas do sistema educacional brasileiro no periacuteodo que
se estende de 1554 a 1759 ao explicar que o uacutenico ensino formal presente ateacute
meados do seacuteculo XVIII era oferecido pela Companhia de Jesus que era
75
basicamente elitista atendendo em grande parcela ldquojovens brancos proprietaacuterios
de terras famiacutelias da elite colonial aleacutem de introduzir nas primeiras letras do
catecismo elementar as crianccedilas iacutendias das aldeias jesuiacutetasrdquo (MARCIacuteLIO 2005
p42)
Saviani (2008) aponta que o primeiro documento de poliacutetica educacional foi
editado em 1548 e encontrado nos ldquoRegimentosrdquo de DJoatildeo III com a finalidade de
orientar as accedilotildees do governador geral do Brasil Tomeacute de Souza que veio com a
companhia de mais quatro padres e dois irmatildeos jesuiacutetas liderados por Manuel da
Noacutebrega
Nesse mesmo ano os jesuiacutetas receacutem-chegados deram iniacutecio agrave obra educativa centrada na catequese guiados pela orientaccedilatildeo contida nos referidos bdquoRegimentos‟ cumprindo pois um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal Nessa condiccedilatildeo cabia agrave coroa manter o ensino mas o rei enviava verbas para a manutenccedilatildeo e a vestimenta dos jesuiacutetas natildeo para construccedilotildees (SAVIANI 2008 p8)
No que se refere agrave inclusatildeo da populaccedilatildeo na instituiccedilatildeo jesuiacutetica Marciacutelio
(2005) aponta que no periacuteodo da expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759 a soma de todos
os alunos natildeo atingia 01 da populaccedilatildeo brasileira Em um cenaacuterio que contava
com 50 da populaccedilatildeo constituiacuteda por mulheres e 40 de escravizados aleacutem de
negros livres pardos filhos ilegiacutetimos e crianccedilas abandonadas todos estes ficavam
agrave margem do sistema de ensino Ao todo os jesuiacutetas ficaram agrave frente da educaccedilatildeo
brasileira por mais de dois seacuteculos ateacute a expulsatildeo (MARCIacuteLIO 2005 p3)
A segunda fase de poliacuteticas educacionais no Brasil foi marcada pelas
reformas pombalinas para instruccedilatildeo puacuteblica Com a instalaccedilatildeo da coroa portuguesa
no Brasil Colonial em 1808 a educaccedilatildeo ganhou novos significados Uma ldquoseacuterie de
cursos tanto profissionalizantes em niacutevel meacutedio como em niacutevel superior bem como
militares foram criados para fazer do local algo realmente parecido com uma Corterdquo
(GHIRALDELLI JR 2001 p 16) Deste modo o periacuteodo compreendido como
pedagogia pombalina (1759-1827) corresponde agraves primeiras tentativas de se instituir
uma escola puacuteblica estatal
As reformas pombalinas contrapotildeem-se ao predomiacutenio das ideacuteias religiosas e com base nas ideacuteias laicas inspiradas no Iluminismo institui o privileacutegio do Estado em mateacuteria de instruccedilatildeo surgindo assim a nossa versatildeo da bdquoeducaccedilatildeo puacuteblica estatal‟ (LUZURIAGA 1959 p23-39 apud SAVIANE 2008 p9)
76
Quando Dom Pedro I assume o poder no periacuteodo Regencial a maioria da
populaccedilatildeo seguia analfabeta A independecircncia poliacutetica natildeo alterou o quadro da
situaccedilatildeo de ensino ao menos de imediato Para Joatildeo Cruz Costa citado por
Romanelli (1985) o processo de independecircncia significava ldquosimples transferecircncia de
poderes dentro de uma mesma classe [a independecircncia] entregaria a direccedilatildeo da
nova accedilatildeo aos proprietaacuterios de terras de engenhos e aos letradosrdquo (COSTA 1980
apud ROMANELLI 1985 p 39)
Eacute neste contexto que comeccedila uma nova fase no campo da educaccedilatildeo tendo
como marco inicial a lei das Escolas das Primeiras letras de 1827 com o objetivo de
ensinar toda a populaccedilatildeo brasileira conforme o artigo de nuacutemero 6 presente na Lei
de 15 de outubro de 1827
() Art 6ordm - Os professores ensinaratildeo a ler escrever as quatro operaccedilotildees de aritmeacutetica praacutetica de quebrados decimais e proporccedilotildees as noccedilotildees mais gerais de geometria praacutetica a gramaacutetica de liacutengua nacional e os princiacutepios de moral cristatilde e da doutrina da religiatildeo catoacutelica e apostoacutelica romana proporcionados agrave compreensatildeo dos meninos preferindo para as leituras a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio e a Histoacuteria do Brasil (BRASIL 1827)
No final do seacuteculo XIX marcado pelas influecircncias do positivismo25 comeccedilou no paiacutes
um movimento pela desoficializaccedilatildeo do ensino no Estado defendendo a liberdade
das profissotildees Com isso foram surgindo escolas privadas de benemerecircncia que se
propunham a ofertar ensino gratuito Essa tendecircncia de desoficializaccedilatildeo culminou
com a Reforma Leocircncio de Carvalho em 1879 (SAVIANI 2008) Saviani chama
atenccedilatildeo para este fato ao criticar o fato de que desde iniacutecio das primeiras poliacuteticas
educacionais brasileiras houve certa ldquopromiscuidaderdquo na relaccedilatildeo entre o puacuteblico e o
privado A comeccedilar com a educaccedilatildeo jesuiacutetica que em alguma medida era puacuteblica
mas a entidade que o ofertava natildeo
Conforme Santos (2011) somente a partir do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
XX periacuteodo de transiccedilatildeo para um modelo de desenvolvimento moderno
25
Por Positivismo compreende-se agora de modo mais amplo a filosofia desenvolvida por Augusto Comte que se caracteriza conjuntamente pela expressa confianccedila nos benefiacutecios da industrializaccedilatildeo no otimismo em relaccedilatildeo ao progresso capitalista no culto agrave ciecircncia e a valorizaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico voltados a uma reforma intelectual da sociedade (COTRIM 1993 p 189)
77
intervencionista foi que a educaccedilatildeo passou a ser reclamada como um condicionante
necessaacuterio para o desenvolvimento do paiacutes Conforme Romanelli (1985) o seacuteculo
XIX fora marcado pelo surgimento de uma nova camada intermediaacuteria tambeacutem
chamada de pequena burguesia Esta classe explica a autora foi fundamental para
a evoluccedilatildeo poliacutetica no Brasil monaacuterquico e para mudanccedilas pelas quais passou o
regime no final do seacuteculo (ROMANELLI 1985 p37)
No periacuteodo republicano outra modalidade de poliacuteticas educacionais se
desenvolveu por volta de 1890 com a implantaccedilatildeo progressiva das escolas
graduadas apoiadas nas escolas normais que comeccedilaram a ser consolidadas sob o
fluxo do iluminismo republicano
Esse periacuteodo abrange de 1890 quando se daacute no estado de Satildeo Paulo a organizaccedilatildeo da escola normal graduada ateacute 1931 quando eacute promulgada a reforma Francisco Campos dando iniacutecio ao processo de regulamentaccedilatildeo ao sistema de ensino em acircmbito nacional (SAVIANI 2004a p20-21)
Somente a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX eacute que podemos
encontrar registros das primeiras lutas por uma educaccedilatildeo e escola de qualidade
puacuteblica e gratuita Valle (2009) aponta que a poliacutetica educacional brasileira foi
marcada pela criaccedilatildeo da Universidade do Rio de Janeiro em 1920 hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro ndash UFRJ ndash pelas organizaccedilotildees colegiadas
como a Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo fundada em 1924 liderada pelos
reformadores do movimento Escola Nova cujo marco encontra-se no lanccedilamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo na deacutecada de 1930 (VALLE 2009 p22)
Acerca deste Manifesto escreve Santos (2011)
Lanccedilado em 1932 o Manifesto foi sobretudo um documento de poliacutetica educativa no qual para aleacutem da defesa da Escola Nova estava a causaluta maior dapela escola puacuteblica laica sendo esta responsabilidade do Estado Ressalto que as diretrizes desse manifesto influenciaram a Constituiccedilatildeo de 1934 (FREITAS 2005 SAVIANI 2005 apud SANTOS 2011 p2)
Em 1930 ano em que tecircm iniacutecio a Era Vargas eacute criado o Ministeacuterio dos
Negoacutecios da Educaccedilatildeo e Sauacutede Este periacuteodo eacute considerado por Saviani (2008) o
iniacutecio da sexta modalidade de poliacuteticas educacionais marcado pela reforma
Francisco Campos em 1931 e caracterizada pela regulamentaccedilatildeo em acircmbito
nacional das escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
78
crescentemente as concepccedilotildees pedagoacutegicas renovadoras ateacute a criaccedilatildeo da LDB em
1961
As propostas de poliacuteticas educacionais dos reformadores dentre eles Aniacutesio
Teixeira e Lourenccedilo Filho natildeo foram bem recebidas pelo movimento de 1930
Apesar das controveacutersias houve marcos importantes como aponta Santos (2011)
com os seguintes decretos
1) Decreto 19850 de 11 de abril de 1931 que criou o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo 2) Decreto 19851 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitaacuterio 3) Decreto 19852 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo da Universidade do Rio de janeiro 4) Decreto 19890 de 18 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio 5) Decreto 19941 de 30 de abril de 1931 que instituiu o ensino religioso como mateacuteria facultativa nas escolas puacuteblicas do paiacutes 6) Decreto 20158 de 30 de junho de 1931 que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissatildeo de contador 7) Decreto 21241 de 14 de abril de 1932 que consolidou as disposiccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio (SANTOS 2011 p 2)
De acordo com Ribeiro (1992) de 1931 a 1937 foram realizados inuacutemeros
congressos e conferecircncias nos quais se discutiam os caminhos possiacuteveis para a
elaboraccedilatildeo de um plano nacional para educaccedilatildeo Nestes debates haviam duas
vertentes
Uma jaacute era tradicional representada pelos educadores catoacutelicos que defendiam a educaccedilatildeo subordinada agrave doutrina religiosa (catoacutelica) a educaccedilatildeo em separado e portanto diferenciadas pelos sexos masculino e feminino o ensino particular a responsabilidade da famiacutelia quanto agrave educaccedilatildeo etc Outra era representada pelos educadores influenciados pelas bdquoideacuteias novas‟ e que defendiam a laicidade a co- educaccedilatildeo a gratuidade a responsabilidade puacuteblica em educaccedilatildeo etc (RIBEIRO 1992 p99)
Em um contexto onde o mundo presenciava as experiecircncias de paiacuteses com
ideologias fascistas e comunistas os grupos de educadores que debatiam a
educaccedilatildeo agrave eacutepoca diziam ser contraacuterios agrave monopolizaccedilatildeo do ensino por parte do
Estado Com isto o movimento escola novista e sua ideia da educaccedilatildeo ser de
responsabilidade puacuteblica passam a ser assimiladas agraves ideias comunistas
79
Em 1934 eacute outorgada uma nova Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica que segundo
Ribeiro (1992) apesar de seu caraacuteter contraditoacuterio ao atender as reivindicaccedilotildees
sobretudo dos reformadores catoacutelicos conseguiu destacar a educaccedilatildeo dedicando-
lhe um capiacutetulo especiacutefico para o assunto Entatildeoldquoa reivindicaccedilatildeo catoacutelica quanto ao
ensino religioso eacute atendida assim como outras ligadas aos representantes das
ldquoideacuteias novasrdquo (CapI art 5ordmXIV 1934 apud RIBEIRO 1992 p104)
A partir de 1937 quando o golpe militar instaura o Estado Novo algumas
premissas satildeo mantidas como a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primaacuterio
Institui-se como obrigatoacuterio o ensino de trabalhos manuais nas escolas primaacuterias
normais e secundaacuterias Tambeacutem fica estabelecido o programa escolar em termos de
ensino preacute-vocacional orientado agraves classes menos favorecidas No artigo 129 o
regime de cooperaccedilatildeo entre a induacutestria e o Estado eacute fixado (RIBEIRO 1992 p114-
115)
O periacuteodo do Estado Novo que durou sessenta anos foi um periacuteodo
marcante para a educaccedilatildeo pois traduziu o que aquele regime poliacutetico pretendeu
executar no Brasil Nas palavras de Helena Bomeny (1999)
Formar um bdquohomem novo‟ para um Estado Novo conformar mentalidades e criar o sentimento de brasilidade fortalecer a identidade do trabalhador ou por outra forjar uma identidade positiva no trabalhador brasileiro tudo isso fazia parte de um grande empreendimento cultural e poliacutetico para o sucesso do qual contava-se estrategicamente com a educaccedilatildeo por sua capacidade universalmente reconhecida de socializar os indiviacuteduos nos valores que as sociedades atraveacutes de seus segmentos organizados querem ver internalizados (BOMENY1999p139)
Bomeny apresenta quatro decretos que remetem ao fechamento das escolas
estrangeiras
O Decreto lei ndeg 383 de 18 de abril de 1938 que proibia aos
estrangeiros o exerciacutecio de atividades poliacuteticas no Brasil o Decreto ndeg 406 de 4 de maio 1938 que regulamentava o ingresso e a permanecircncia de estrangeiros ditando providecircncias para sua assimilaccedilatildeo e criando o Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo como oacutergatildeo executor de suas disposiccedilotildees o Decreto ndeg 868 de 18 de novembro de 1938 que instituiu a Comissatildeo Nacional de Ensino Primaacuterio que possuiacutea entre suas atribuiccedilotildees a nacionalizaccedilatildeo do ensino nos nuacutecleos estrangeiros e o Decreto ndeg 948 de 13 de dezembro do mesmo ano que considerando a complexidade das medidas para promover a assimilaccedilatildeo dos colonos e completa nacionalizaccedilatildeo dos filhos de imigrantes estabelecia que as medidas fossem tomadas pelo Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo (BOMENY 1999 p 158)
80
Em documento dirigido a Getuacutelio Vargas em 1939 o entatildeo Ministro de
Guerra Eurico Gaspar Dutra apontou a educaccedilatildeo como um dos setores
intimamente ligados agrave seguranccedila nacional ldquoO problema da educaccedilatildeo apreciado em
toda a sua amplitude natildeo pode deixar de constituir uma das mais graves
preocupaccedilotildees das autoridades militaresrdquo (Arquivo Osvaldo Aranha AO 390418
FGVCPDOC apud BOMENY 1999 p139)
Com o fim do Estado Novo a nova constituiccedilatildeo caracterizada por seu caraacuteter
liberal e democraacutetico possibilitou algumas mudanccedilas na educaccedilatildeo O novo Ministro
da Educaccedilatildeo regulamentou em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal aleacutem do
Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC Neste contexto o Brasil
passou a viver o que se denominou como periacuteodo nacional-desenvolvimentista No
plano internacional o mundo vivia o poacutes-guerra momento marcado pela
reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos o que levou a uma grande fase de crescimento
econocircmico em niacutevel mundial conhecida como a ldquoa era de ourordquo acarretando no que
ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social
O Estado de bem-estar social era um projeto cogente para recuperar o vigor e a capacidade de expansatildeo dos paiacuteses capitalistas apoacutes a tensatildeo social econocircmica e poliacutetica do periacuteodo entre guerras Tanto que o estabelecimento do Estado de bem-estar social entre as deacutecadas de 1940 e 1960 ficou conhecido como bdquoera dourada do capitalismo‟ por ser um momento de desenvolvimento econocircmico com garantias sociais e oferecimento praticamente de emprego pleno para a maioria da populaccedilatildeo nos paiacuteses mais desenvolvidos (VICENTE 2009 p124)
Apoacutes a reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos na guerra ocorreu o processo de
internacionalizaccedilatildeo do capital O avanccedilo do capitalismo para paiacuteses como o Brasil
implicou em uma nova forma de desenvolvimento As ideacuteias por uma poliacutetica
nacional-desenvolvimentista foram propagadas principalmente pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 durante o governo interino
de Cafeacute Filho No governo de Juscelino Kubitschek o ISEB passa a ser o braccedilo do
governo no sentido de propagar a mentalidade nacional para o desenvolvimento
A deacutecada de 1960 eacute caracterizada por uma sociedade brasileira marcada pelo
processo crescente de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo e pelas mudanccedilas nas
relaccedilotildees de trabalho no campo Na mesma intensidade aumentavam as
81
desigualdades sociais o que mobilizou setores da sociedade em lutas por reformas
de base com vistas agrave reduccedilatildeo dessas desigualdades sociais (NASCIMENTO 2006)
No que se refere ao perfil que tomam as poliacuteticas educacionais nesse periacuteodo
Saviani (2005) aponta que
[] se o periacuteodo situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equiliacutebrio entre as influecircncias das concepccedilotildees humanista tradicional (representada pelos catoacutelicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educaccedilatildeo nova) a partir de 1945 jaacute se delineia como nitidamente predominante a concepccedilatildeo humanista moderna (SAVIANI 2005 p14)
Para o autor o foco no desenvolvimento econocircmico do paiacutes que por sua vez geraria
o desenvolvimento em outras instacircncias da sociedade acabou por gerar uma
inversatildeo do ensino puacuteblico A escola passou a ser instrumento para servir agrave loacutegica
do mercado por meio da pedagogia tecnicista26
No periacuteodo que se estende de 1964-1984 periacuteodo da ditadura militar todo o
aparelho estatal fora reformulado em nome da seguranccedila interna
Definindo a seguranccedila interna como accedilatildeo-resposta a um processo subversivo devendo ser conduzida em termos de aplicaccedilatildeo global do Poder Nacional dentro de uma Estrateacutegia Nacional especiacutefica A Escola Superior de Guerra considerava que essa accedilatildeo-resposta se delineava atraveacutes de trecircs atitudes estrateacutegicas preventiva repressiva e operativa (MIRANDA 1970 p18 apud SAVIANI 2004 p119)
Desse modo as accedilotildees preventivas procuravam evitar aquilo que era
entendido como subversivo As accedilotildees repressivas procuravam impedir a praacutetica
subversiva e as accedilotildees operativas destinavam-se a eliminar esses focos mediante a
accedilatildeo armada Em outras palavrasldquoo Poder Nacional tal como concebido pela
ideologia da interdependecircncia eacute acionado para destruir a autonomia nacional nos
termos da ideologia nacional-desenvolvimentistardquo (SAVIANI 2004 p120)
26
A partir do pressuposto da neutralidade cientiacutefica e inspirada nos princiacutepios de racionalidade eficiecircncia e produtividade a pedagogia tecnicista advogou a reordenaccedilatildeo do processo educativo de maneira a tornaacute-lo objetivo e operacional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretendeu-se a objetivaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico Buscou-se entatildeo com base em justificativas teoacutericas derivadas da corrente filosoacutefico-psicoloacutegica do behaviorismo planejar a educaccedilatildeo de modo a dotaacute-la de uma organizaccedilatildeo racional capaz de minimizar as interferecircncias subjetivas que pudessem pocircr em risco sua eficiecircncia (SAVIANI 2009 p11-12)
82
Eacute neste contexto que eacute possiacutevel compreender todas as poliacuteticas educacionais
durante o regime militar Destaca-se o Mobral27 seguido das reformas de ensino de
primeiro segundo e terceiros graus a criaccedilatildeo dos Centros Rurais Universitaacuterios de
Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria (CRUTACS) os Centros Sociais Urbanos o
Projeto Rondon a Empresa Brasileira de Notiacutecias (EBN) etc (SAVIANI 2004)
O periacuteodo ditatorial ao longo de duas deacutecadas que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na presidecircncia da repuacuteblica se pautou em termos educacionais pela repressatildeo privatizaccedilatildeo de ensino exclusatildeo de boa parcela das classes populares do ensino profissionalizante tecnicismo pedagoacutegico e desmobilizaccedilatildeo do magisteacuterio atraveacutes de abundante e confusa legislaccedilatildeo educacional Soacute uma visatildeo otimistaingecircnua poderia encontrar indiacutecios de saldo positivo na heranccedila deixada pela ditadura militar (GHIRALDELLI 1990 p163)
Em 1979 o Brasil dava iniacutecio ao lento e gradual processo de abertura
democraacutetica que teve iniacutecio no governo de General Geisel (1974-1979) A transiccedilatildeo
democraacutetica se fez seguindo a estrateacutegia de conciliaccedilatildeo pelo alto a fim de dar
prosseguimento agrave ordem socioeconocircmica vigente Naquele momento o mundo vivia
as consequumlecircncias da chamada crise do petroacuteleo que teve seu iniacutecio na deacutecada de
1970 As implicaccedilotildees da crise levaram os paiacuteses a tomarem medidas de
desregulamentaccedilatildeo da economia privatizaccedilotildees e destituiccedilatildeo do Estado de bem-
estar social Nesse contexto nasce o chamado neoliberalismo Neo quer dizer novo
e liberalismo refere-se ao pensamento claacutessico que serviu de base ao capitalismo
Segundo Anderson (1995) ldquoo neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra
Mundial como uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estarrdquo (ANDERSON 1995 p 9)
Na Ameacuterica Latina o efeito da crise fez com que os paiacuteses adotassem os
ajustes neoliberais orientados pelo Banco Mundial Fundo Monetaacuterio Internacional e
o governo dos Estados Unidos apoacutes o ldquoConsenso de Washingtonrdquo28 Os impactos
27
O Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo foi criado pela Lei Nordm 5379 de 15121967 e tinha como
prioridade promover a alfabetizaccedilatildeo e educaccedilatildeo continuada para jovens e adultos analfabetos Esteve embasada nas proposiccedilotildees de educaccedilatildeo funcional presente nos documentos da UNESCO em 1958 durante o Congresso Mundial de Ministros O MOBRAL teve iniacutecio em 1970 e foi caracterizado do ponto de vista teacutecnico como proacuteximo aos meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo de Paulo Freire que partia das palavras-chaves mas suas orientaccedilotildees pedagoacutegicas eram controladas e supervisionadas pelo governo 28
Em novembro de 1989 reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionaacuterios do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos O objetivo do encontro convocado pelo Institute for
83
de tais ajustes perpassam pelo campo das reformas educacionais que devem estar
condicionadas agrave loacutegica do mercado bem como da sauacutede da alimentaccedilatildeo do
trabalho e do salaacuterio (SOARES 2000)
Nesse novo contexto as poliacuteticas educacionais satildeo marcadas por um
neoconservadorismo recheado de contradiccedilotildees e ambiguumlidades presentes nas
principais poliacuteticas educacionais que por sua vez foram resultado do debate entre
diversos setores da sociedade que queriam ver seus interesses contemplados nas
poliacuteticas educacionais somadas agraves deliberaccedilotildees dos organismos multilaterais para
a educaccedilatildeo
33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988
Segundo Gabriele Sapio (2010) a Constituiccedilatildeo Federal (CF) eacute ldquouma das
cartas constitucionais mais adiantadas e progressistas do mundo em mateacuteria de
proteccedilatildeo dos direitos sociais fundamentais coletivos e individuaisrdquo (SAPIO 2010
sn) No Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute considerada um avanccedilo no sentido de
assegurar direitos sociais dentre eles o acesso agrave educaccedilatildeo
No que concerne agrave educaccedilatildeo a Constituiccedilatildeo tem uma seccedilatildeo especiacutefica
destinada agrave mesma Seccedilatildeo I do capiacutetulo III Da Educaccedilatildeo da Cultura e do Desporto
A constituiccedilatildeo de 1988 marca o retorno do Brasil para a democracia No contexto de
sua elaboraccedilatildeo houve inuacutemeros debates por parte dos setores da sociedade de
movimentos sociais a grupos dominantes que queriam ver seus interesses
contemplados na Carta Magna afirma Ghiraldelli Jr (2001 p 169) O mesmo autor
ao analisar a Carta de 1988 onde se discute a educaccedilatildeo informa que este aspecto
natildeo eacute soacute tratado em um artigo especiacutefico mas perpassa por outros toacutepicos
Na Carta de 1988 a educaccedilatildeo natildeo veio contemplada apenas no seu local proacuteprio no toacutepico especiacutefico destinada a ela mas veio tambeacutem espalhada em outros toacutepicos Assim no tiacutetulo sobre direitos e
International Economics sob o tiacutetulo Latin American Adjustment How Much Has Happened era proceder a uma avaliaccedilatildeo das reformas econocircmicas empreendidas nos paiacuteses da regiatildeo Para relatara experiecircncia de seus paiacuteses tambeacutem estiveram presentes diversos economistas latino-americanos Agraves conclusotildees dessa reuniatildeo eacute que se daria subsequentemente a denominaccedilatildeo informal de Consenso de Washingtonrdquo (BATISTA 1994 p 5)
84
garantias fundamentais a educaccedilatildeo apareceu como um direito social junto da sauacutede do trabalho do lazer da seguranccedila da previdecircncia social da proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia da assistecircncia aos desamparados (artigo 6deg) Tambeacutem no capiacutetulo sobre a famiacutelia a crianccedila o adolescente e o idoso a educaccedilatildeo foi incluiacuteda A Constituiccedilatildeo determinou ser dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente o direito agrave educaccedilatildeo como uma prioridade em relaccedilatildeo ao outros direitos (GHIRALDELLI JR 2001 p169)
Diante das mudanccedilas que a CF trouxe agrave Educaccedilatildeo houve tambeacutem a
necessidade de se elaborar uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional Em dezembro de 1988 o deputado Octaacutevio Eliacutesio apresentou um projeto
que fixava as diretrizes e bases nacionais da educaccedilatildeo diante da nova realidade
brasileira Apoacutes oitos ano de tramitaccedilatildeo debates e discussotildees a nova LDB foi
aprovada em 1996 Atualmente eacute a diretriz que rege o curriacuteculo nacional Assim eacute a
partir dela que iremos iniciar a anaacutelise propostas das poliacuteticas educacionais para a
diversidade
34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais
Seraacute que a escola pode ser a mesma quando os educandos satildeo outros Seraacute que o curriacuteculo pode ser o mesmo quando os alunos satildeo outros Seraacute que a pedagogia deva ser a mesmaA docecircncia deva ser a mesma (Miguel Arroyo 2014-Em entrevista concedida ao Portal Dia a Dia Educaccedilatildeo)
As perguntas acima foram feitas pelo poacutes-doutor em educaccedilatildeo Miguel
Arroyo em entrevista concedida a TV Paulo Freire no ano de 2013 Quando
questionado sobre como a escola deve trabalhar o tema da diversidade ele aponta
que natildeo eacute o aluno quem deve se adaptar agrave escola mas a escola quem deve se
adaptar ao aluno Nesse sentido adaptando o questionamento de Arroyo sobre as
poliacuteticas educacionais para a realidade fronteiriccedila a pergunta ficaria a seguinte seraacute
que a escola situada em regiatildeo de fronteira internacional pode ser a mesma quando
os educandos satildeo outros
E este bdquooutro‟ na fronteira eacute o argentino o aacuterabe o paraguaio o brasiguaio o
indiacutegena que estatildeo imersos em meio a tantas outras diversidades que natildeo foram
tratadas aqui mas que complexificam ainda mais a realidade das escolas de
85
fronteira Nela tambeacutem nos deparamos com as questotildees de gecircnero de raccedila de
classes etc Pensando nestes aspectos o que as principais poliacuteticas educacionais
nacionais podem ou natildeo oferecer quando o assunto eacute a diversidade nas escolas de
fronteira internacional
Por diversidade Elvira de Souza Lima (2011) entende que a mesma eacute a
norma da espeacutecie humana pois ldquoos seres humanos satildeo diversos em suas
experiecircncias culturais satildeo uacutenicos em suas personalidades e satildeo diversos em suas
formas de perceber o mundordquo Segundo Gurgel (LIMA 2011 p1) a ideia de
diversidade relaciona-se diretamente com os conceitos de pluralidade multiplicidade
que indicam diferentes valores costumes vivecircncias de diferentes grupos da
sociedade
Nas concepccedilotildees de Gurgel do ponto de vista da Antropologia compreender
os elementos constitutivos da diversidade nos leva a entender diferentes ldquohaacutebitos
costumes comportamentos crenccedilas e valores e a aceitaccedilatildeo da diferenccedila no outro
chamada de alteridaderdquo (GURGEL 2011 p 4)
Nilma Lino Gomes (2008) ao discorrer sobre o que eacute diversidade busca seu
significado no dicionaacuterio apontando que as palavras que traduzem seu sentido satildeo
diferenccedila e dessemelhanccedila Em uma primeira interpretaccedilatildeo Nilma explica que a
diversidade pode se referir a fatos observaacuteveis a olho nu Contudo se ampliarmos a
noccedilatildeo sobre o que sejam diferenccedilas e incluir essas discussotildees no acircmbito cultural eacute
possiacutevel compreendecirc-la de duas formas
1)As diferenccedilas podem ser empiricamente observaacuteveis 2) as diferenccedilas tambeacutem satildeo construiacutedas ao longo do processo histoacuterico nas relaccedilotildees sociais e nas relaccedilotildees de poder Muitas vezes os grupos humanos tornam o outro diferente para fazecirc-lo inimigo para dominaacute-lo Por isso falar sobre a diversidade cultural natildeo diz respeito apenas ao reconhecimento do outro Significa pensar a relaccedilatildeo entre o eu e o outro (GOMES 2008 p2)
Na aacuterea de estudos das poliacuteticas educacionais o tema diversidade eacute recente
Somente a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 e da implementaccedilatildeo da LDB96 eacute que as
poliacuteticas educacionais para diversidade ganharam espaccedilo no campo das poliacuteticas
puacuteblicas
86
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo
A atual LDB96 eacute fruto do novo quadro poliacutetico que se instaurou no Brasil com
o processo de abertura democraacutetica Como jaacute mencionado foram oito anos de
tramitaccedilatildeo ateacute que em 1996 ela fosse fixada com a aprovaccedilatildeo da redaccedilatildeo proposta
pelo entatildeo Deputado Federal e antropoacutelogo Darcy Ribeiro
Ao analisar a LDB96 eacute possiacutevel encontrar alguns artigos que reconhecem a
diversidade existente no paiacutes No Capiacutetulo II referente agrave Educaccedilatildeo Baacutesica o artigo
26 prescreve o seguinte
Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da economia e da clientela (BRASIL 1996)
Com base neste artigo compreende-se que dadas as diferenccedilas culturais presentes
em cada regiatildeo cabe agrave instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave
realidade local Logo a lei daacute margem para que um trabalho diferenciado possa ser
realizado em aacutereas de fronteira internacional O inciso de nuacutemero cinco do mesmo
artigo torna obrigatoacuterio o ensino de uma liacutengua estrangeira moderna cuja escolha
fica a criteacuterio da comunidade escolar a partir da quinta seacuterie (hoje sexto ano)
Em 2005 foi criada a Lei de no 11161 que tornou obrigatoacuterio o ensino da
Liacutengua Espanhola para o Ensino Meacutedio
Art 1o O ensino da liacutengua espanhola de oferta obrigatoacuteria pela escola e de matriacutecula facultativa para o aluno seraacute implantado gradativamente nos curriacuteculos plenos do ensino meacutedio sect 1o O processo de implantaccedilatildeo deveraacute estar concluiacutedo no prazo de cinco anos a partir da implantaccedilatildeo desta Lei sect 2o Eacute facultada a inclusatildeo da liacutengua espanhola nos curriacuteculos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a seacuteries Art 2o A oferta da liacutengua espanhola pelas redes puacuteblicas de ensino deveraacute ser feita no horaacuterio regular de aula dos alunos (BRASIL 2005)
Esta uacuteltima lei expressa o contexto da eacutepoca Primeiro pelo crescimento do poder
econocircmico da Espanha e o crescente aumento do espanhol nos EUA (CELADA
1991 apud AMARAL E MAZZARO 2006) Em segundo o entatildeo presidente Luis
Inaacutecio Lula da Silva tinha como plano de governo a aproximaccedilatildeo com os demais
87
paiacuteses da Ameacuterica Latina haja vista que historicamente a relaccedilatildeo do Brasil com os
paiacuteses da regiatildeo tanto no acircmbito econocircmico como social era pequena Com essa
proposta de integraccedilatildeo em um de seus discursos ele diz
A grande prioridade da poliacutetica externa durante o meu governo seraacute a construccedilatildeo de uma Ameacuterica do Sul politicamente estaacutevel proacutespera e unida com base em ideais democraacuteticos e de justiccedila social Para isso eacute essencial uma accedilatildeo decidida de revitalizaccedilatildeo do MERCOSUL enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visotildees muitas vezes estreitas e egoiacutestas do significado da integraccedilatildeo O MERCOSUL assim como a integraccedilatildeo da Ameacuterica do Sul em seu conjunto eacute sobretudo um projeto poliacutetico Mas esse projeto repousa em alicerces econocircmico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforccedilados Cuidaremos tambeacutem das dimensotildees social cultural e cientiacutefico-tecnoloacutegica do processo de integraccedilatildeo (LULA DA SILVA 2003)
A partir de entatildeo outras iniciativas aleacutem do ensino do espanhol foram
implementadas como a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino superior em aacutereas
fronteiriccedilas entre elas a Universidade Federal da Fronteira Sul (Santa Catarina)
criada em outubro de 2009 a Universidade Federal do Pampa (Rio Grande do Sul)
fundada em janeiro de 2008 a Universidade Federal de Grande Dourados (Mato
Grosso do Sul) fundada em agosto de 2005 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo
Latino-Americana (Paranaacute) criada em janeiro de 2010 e a Universidade da
Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira tambeacutem criada em 2010 Esta
uacuteltima que conforme o nome sugere orienta-se para o desenvolvimento cientiacutefico
educacional e cultural da Ameacuterica Latina No acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica temos o
Programa Escola Intercultural Biliacutenguumle de iniciativa do Mercosul que objetiva a
integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo biliacutengue em escolas puacuteblicas do ensino
fundamental presentes em cidades da faixa de fronteira
Nesse sentido ainda que as estrateacutegias dessas instituiccedilotildees estejam
relacionadas ao projeto de integraccedilatildeo na regiatildeo de faixa de fronteira a presenccedila de
instituiccedilotildees de ensino superior contribui para o desenvolvimento de pesquisas
criaccedilatildeo de projetos e programas tanto no acircmbito nacional com as cidades e as
instituiccedilotildees locais como no acircmbito internacional em parceira com instituiccedilotildees dos
paiacuteses com as quais essas instituiccedilotildees fazem fronteira Isso por consequecircncia
pode contribuir para debates e mudanccedilas na educaccedilatildeo nas escolas de fronteira
No que confere agrave obrigatoriedade do ensino de espanhol algumas pesquisas
sobre sua implementaccedilatildeo identificaram algumas fragilidades Nos resultados
88
parciais da pesquisa de doutorado sobre o ensino do espanhol no Brasil realizada
por Maria Fernanda Lisboa (2011) a autora identificou que o discurso de integraccedilatildeo
linguiacutestico-cultural que justifica a lei ldquoeacute apenas uma fachada para desviar a atenccedilatildeo
dos reais interesses por traacutes dessa poliacutetica natildeo soacute linguumliacutesticardquo (LISBOA 2011 p
213) A autora faz referecircncia aos interesses da Espanha que estaacute agrave frente dessa
poliacutetica ldquoinvestindo em assessorias linguumliacutesticas na criaccedilatildeo de vaacuterias sedes do
Instituto Cervantes e ainda disseminando cursos de capacitaccedilatildeo para professoresrdquo
(LISBOA 2011 p 213) Estes cursos satildeo vistos pelas associaccedilotildees de professores
pelos formadores de professores e por Universidades de modo negativo Na
avaliaccedilatildeo daqueles que satildeo contraacuterios a essas formaccedilotildees encontra-se a duacutevida na
real qualidade da mesma visto que eacute um curso inteiramente agrave distacircncia sem
maiores reflexotildees relacionados agrave metodologia
Aleacutem disso haacute outras questotildees como a demanda de professores oferta de
materiais didaacuteticos interesse por parte dos alunos que satildeo desafios a serem
superados nesse processo de implementaccedilatildeo Entretanto mesmo diante das
contradiccedilotildees e lacunas que a sua obrigatoriedade significou a lei que completou dez
anos de sua criaccedilatildeo e cinco do prazo final para sua execuccedilatildeo nas escolas em 2015
abre possibilidades para maiores discussotildees e provocaccedilotildees se pensarmos a partir
da integraccedilatildeo dos paiacuteses fronteiriccedilos ou mesmo em niacutevel de poliacuteticas linguumliacutesticas
para essa regiatildeo Afinal conforme Marcuschi (2005) ldquonatildeo se pode reduzir a
linguagem ao seu papel de ferramenta social tampouco reduzi-la ao caraacuteter formal
pois liacutengua natildeo eacute forma nem funccedilatildeo e sim atividade significante e constitutivardquo
(MARCUSCHI 2005 p 3)
Em 2003 foi criada a lei 1063903 que tornou obrigatoacuteria a inclusatildeo do ensino
da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-Brasileira nos curriacuteculos dos estabelecimentos
de ensino puacuteblicos e particulares da educaccedilatildeo baacutesica E em 2008 foi criada a lei
1164508 que acrescenta o estudo da histoacuteria e cultura indiacutegena nas escolas
puacuteblicas e privadas da educaccedilatildeo baacutesica
1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere este artigo incluiraacute diversos aspectos da histoacuteria e da cultura que caracterizam a formaccedilatildeo da populaccedilatildeo brasileira a partir desses dois grupos eacutetnicos tais como o estudo da histoacuteria da Aacutefrica e dos africanos a luta dos negros e dos povos indiacutegenas no Brasil a cultura negra e indiacutegena brasileira e o negro e o iacutendio na formaccedilatildeo da sociedade
89
nacional resgatando as suas contribuiccedilotildees nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinentes agrave histoacuteria do Brasil sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira e dos povos indiacutegenas brasileiros seratildeo ministrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de educaccedilatildeo artiacutestica e de literatura e histoacuteria brasileira (BRASIL 2008)
No acircmbito estadual o Paranaacute emitiu a seguinte nota sobre a obrigatoriedade
da lei 1063903
No curriacuteculo oficial da Rede de Educaccedilatildeo do Paranaacute a obrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e seus desencadeamentos tem efetivado accedilotildees para a formaccedilatildeo das equipes multidisciplinares nos Nuacutecleos Regionais de Educaccedilatildeo e nas escolas A medida eacute um dos objetivos para valorizar a histoacuteria da populaccedilatildeo negra no Estado do Paranaacute e orientar a comunidade escolar para o enfrentamento do preconceito da discriminaccedilatildeo do racismo (SEED 2013)
Assim a fim de atender tanto a lei 1063903 quanto a 1164508 a Secretaria
Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute instituiu as Equipes Multidisciplinares validadas
pelo artigo 26 da LDB Lei nordm 939496 pela Deliberaccedilatildeo nordm 0406 CEEPR pela
Instruccedilatildeo nordm 01706 SUEDSEED pela Resoluccedilatildeo nordm 339910 SEEDSEED e a
Instruccedilatildeo nordm 0101 SUESSEED As equipes multidisciplinares satildeo compostas por
professores de diferentes aacutereas pedagogos diretores e agentes educacionais e
representantes da comunidade externa (pais movimentos sociais professores do
ensino superior representantes das Comunidades Remanescentes de Quilombos
lideranccedilas indiacutegenas dentre outros)
A equipe se encontra em espaccedilos para debater estrateacutegias e desenvolver
accedilotildees pedagoacutegicas que fortaleccedilam a implementaccedilatildeo das leis 1063903 e 1164508
no curriacuteculo escolar das instituiccedilotildees de ensino da rede puacuteblica estadual e escolas
conveniadas do Paranaacute Com isso nota-se a preocupaccedilatildeo em cumprir a legislaccedilatildeo
sendo uma das accedilotildees a criaccedilatildeo da Equipe Multidisciplinar que deixa claro que o
trabalho da equipe eacute destinado ao ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e
indiacutegena nas escolas estaduais paranaenses conforme as atribuiccedilotildees presentes na
Instruccedilatildeo Nordm 0102010 ndash SUEDSEE da qual destacam
Compete agrave Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo ndash SEED 1Garantir que todos os NREs e estabelecimentos de ensino na Rede Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute organizem suas Equipes Multidisciplinares para tratar da Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-
90
Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afrobrasileira Africana e Indiacutegena Compete agrave Equipe Multidisciplinar do Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
1Orientar e acompanhar o funcionamento e organizaccedilatildeo das Equipe Multidisciplinares dos estabelecimentos da Rede Estadual de Ensino para a efetivaccedilatildeo de accedilotildeesexperiecircncias em ERER subsidiando os profissionais da educaccedilatildeo em consonacircncia com as poliacuteticas puacuteblicas estabelecidas pela Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo 2Promover accedilotildees voltadas agrave formaccedilatildeo continuada e de pesquisa dos teacutecnicos do NRE sobre o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro brasileira Africana e Indiacutegena (SEED 2010)
Ao longo do documento natildeo haacute referecircncias que indiquem que o professor
deva trabalhar com outros temas referentes agrave diversidade Contudo a criaccedilatildeo da
equipe multidisciplinar eacute um exemplo de uma poliacutetica educativa criada para o
cumprimento da legislaccedilatildeo Com isso vem o seguinte questionamento no caso dos
desafios enfrentados pelas escolas e professores situados em regiatildeo de fronteira a
obrigatoriedade para demandas especiacuteficas dessas escolas teria um caminho
possiacutevel (deliberaccedilotildees especiacuteficas para as documentaccedilotildees dos alunos
estrangeiros a obrigatoriedade do ensino da histoacuteria da cultura dos paiacuteses com os
quais a cidade fronteiriccedila faz parte formaccedilatildeo de professores especiacuteficas em cidade
ou regiotildees como Foz do Iguaccedilu que apresenta uma quantidade expressiva de
estrangeiras nesse caso os aacuterabes a proposta de poliacuteticas linguumliacutesticas especiacuteficas
que facilitem o processo de inserccedilatildeo desses alunos em sala de aula etc)
Essas questotildees surgiram agrave medida que se tornou possiacutevel perceber que
quando um tema eacute reconhecido pelo Estado tem-se a impressatildeo de que ele passa a
existir oficialmente nas escolas e nas outras instituiccedilotildees Por exemplo a lei
1063903 discute a temaacutetica da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e possui dentre
outros objetivos o combate ao racismo Essa discussatildeo poreacutem sempre esteve
presente nas escolas pois a luta contra o racismo e discriminaccedilatildeo racial comeccedilou
ainda no periacuteodo escravocrata pelos primeiros movimentos de resistecircncia a citar os
quilombos
Desse modo natildeo eacute novidade o enfrentamento com o racismo nem eacute
novidade que os negros ficaram excluiacutedos da histoacuteria nacional e desde entatildeo
buscam a afirmaccedilatildeo de sua identidade Denota-se que satildeo questotildees que natildeo
passam despercebidas pela escola mas para que chegasse ateacute ela necessitou de
dispositivos legais para que fossem discutidas em sala de aula com o respaldo do
91
Estado Esses respaldos seriam accedilotildees criadas para dar condiccedilotildees de
implementaccedilatildeo agrave lei como a criaccedilatildeo em 2004 da Secretaria de Educaccedilatildeo
Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECAD) com a finalidade de articular o
tema da diversidade nas poliacuteticas educacionais Tambeacutem foram criados alguns
programas e projetos Programa Diversidade na Universidade (2002 a 2007) os
Foacuteruns Estaduais e Foacuteruns Permanentes de Educaccedilatildeo e Diversidade Eacutetnico-Racial
a distribuiccedilatildeo do Kit didaacutetico-pedagoacutegico a Oficina Cartograacutefica sobre Geografia
Afro-brasileira e Africana (2005) o Projeto Educadores pela Diversidade
(20042005) o Curso Educaccedilatildeo e Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais (2005) a Pesquisa
Nacional Diversidade nas Escolas (2006 a 2009) dentre outros (GOMES 2010)
Tudo isto foi possiacutevel explica Gomes (2010) devido ao longo processo de
lutas sociais e natildeo a ldquouma daacutediva do Estado pois enquanto uma poliacutetica de accedilatildeo
afirmativa ela ainda eacute vista com muitas reservas pelo ideaacuterio republicano brasileiro
que resiste em equacionar a diversidaderdquo (GOMES 2010 p 9) Diante das
prerrogativas contidas na LDB96 referentes agrave questatildeo da diversidades cultural
observou que elas por si soacute natildeo atingem a fronteira com suas diversidades que
estatildeo nas escolas que devem seguir as suas normas que por sua vez seguem uma
linha de poliacuteticas universalistas
342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
Os Paracircmetros Curriculares Nacionais foram publicados apoacutes a
implementaccedilatildeo da Lei de Diretrizes e bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 pela
Secretaria de Educaccedilatildeo do Ensino Fundamental do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do
Desporto O contexto de sua construccedilatildeo ocorreu apoacutes a Conferecircncia Mundial de
Educaccedilatildeo para Todos em Jomtien na Tailacircndia (1990) que teve como resultado
um documento que destaca a necessidade de uma educaccedilatildeo para todos sem
distinccedilatildeo Do compromisso assumido internacionalmente para com a Educaccedilatildeo
somados aos princiacutepios previstos na LDB de 1996 nascem os PCN‟S
Os PCN‟s satildeo um instrumento normativo que nasceu para cumprir o artigo
210 disposto no capiacutetulo III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que institui a fixaccedilatildeo de
ldquoconteuacutedos miacutenimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formaccedilatildeo
baacutesica comum e respeito aos valores culturais e artiacutesticos nacionais e regionaisrdquo
Nasceu tambeacutem no contexto das implementaccedilotildees das poliacuteticas neoliberais o que
92
gerou muitas criacuteticas acerca de seus reais propoacutesitos Contaram com os subsiacutedios
de acordos e documentos elaborados por organismos internacionais tais como a
declaraccedilatildeo Mundial sobre a Educaccedilatildeo para Todos Declaraccedilatildeo de Nova Delhi
Relatoacuterio para a Unesco da Comissatildeo Internacional sobre a Educaccedilatildeo para o seacuteculo
XXI dentre outros acordos e documentos de organismos internacionais
(RODRIGUES 2001)
O processo de elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais conforme o
documento comeccedilou a partir do estudo das
Propostas curriculares de Estados e Municiacutepios brasileiros do diagnoacutestico realizado pela Fundaccedilatildeo Carlos Chagas sobre curriacuteculos oficiais e do contato com informaccedilotildees referentes agraves experiecircncias de outros paiacuteses (BRASIL 1998 p15)
Com base nas orientaccedilotildees presentes no Plano Decenal de Educaccedilatildeo (1993-
2003) de pesquisas internas e externas de dados acerca do desempenho dos
estudantes do ensino fundamental aleacutem das experiecircncias de sala de aula
socializadas em seminaacuterios congressos encontros e publicaccedilotildees foi elaborada a
proposta inicial que passou por um processo de anaacutelise entre os anos de 1995 e
1996 Desta anaacutelise saiacuteram aproximadamente setecentos pareceres sobre a
proposta inicial que serviram de referecircncia para sua redaccedilatildeo final
Os PNC‟s de 1ordf a 4ordf seacuterie foram transformados em 10 livros lanccedilados no dia
15 de outubro de 1997 dia do professor na capital Brasiacutelia Estes dez volumes
apresentam os seguintes conteuacutedos introduccedilatildeo liacutengua portuguesa matemaacutetica
ciecircncias naturais histoacuteria e geografia arte educaccedilatildeo fiacutesica apresentaccedilatildeo dos
temas transversais meio ambiente e sauacutede pluralidade cultural e orientaccedilatildeo sexual
Desse modo estatildeo organizados em um documento introdutoacuterio seis documentos
que tratam das aacutereas de conhecimentos gerais e trecircs volumes referentes aos Temas
Transversais (MOTTA 2005)
Segundo o documento elaborado em 1997 com o objetivo de introduzir os
PCN‟s ao professor sua funccedilatildeo eacute de
() orientar e garantir a coerecircncia dos investimentos no sistema educacional socializando discussotildees pesquisas e recomendaccedilotildees subsidiando a participaccedilatildeo de teacutecnicos e professores brasileiros principalmente daqueles que se encontram mais isolados com
93
menor contato com a produccedilatildeo pedagoacutegica atual (BRASIL 1997 p13)
Trata-se portanto natildeo de um curriacuteculo mas de um suporte para que a escola
possa elaborar seu programa curricular dentro de sua realidade especiacutefica Os
PCN‟s estatildeo organizados em dois grupos 1) composto por aacutereas tradicionais
(Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias Naturais Educaccedilatildeo Fiacutesica
Liacutengua Estrangeira e Arte) 2) composto pelos temas transversais que vai tratar das
seguintes questotildees Eacutetica do Meio Ambiente da Pluralidade Cultural da Sauacutede da
Orientaccedilatildeo Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL 1998 p17) A justificativa
para a escolha de tais temaacuteticas pauta-se no fato de serem assuntos urgentes e que
fazem parte das preocupaccedilotildees e do cotidiano da sociedade brasileira
A finalidade uacuteltima dos Temas Transversais se expressa neste criteacuterio que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questotildees que interferem na vida coletiva superar a indiferenccedila e intervir de forma responsaacutevel Assim os temas eleitos em seu conjunto devem possibilitar uma visatildeo ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserccedilatildeo no mundo aleacutem de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participaccedilatildeo social dos alunos (BRASIL 1998 p26)
Por temas transversais compreende-se um conjunto de conteuacutedos que natildeo
ldquoquerendo desbancar os previamente fixados pelas disciplinas acadecircmicas
claacutessicas se apresentam como temas transversais no curriacuteculo e portanto comuns
a todas as aacutereas e disciplinasrdquo (RAMOS 1998 p 2) Neste sentido como explica o
volume 10 dos Paracircmetros Curriculares Nacionais que trata dos temas transversais
os conteuacutedos convencionais devem receber as questotildees dos Temas Transversais
de modo que seus conteuacutedos os explicitem e os objetivos sejam considerados
(BRASIL 1998) Em seguida o documento apresenta o seguinte exemplo para
ilustrar essa transversalidade
() aacuterea de Ciecircncias Naturais inclui a comparaccedilatildeo entre os principais oacutergatildeos e funccedilotildees do aparelho reprodutor masculino e feminino relacionando seu amadurecimento agraves mudanccedilas no corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a puberdade e respeitando as diferenccedilas individuais Dessa forma o estudo do corpo humano natildeo se restringe agrave dimensatildeo bioloacutegica mas coloca esse conhecimento a serviccedilo da compreensatildeo da diferenccedila de gecircnero (conteuacutedo de Orientaccedilatildeo Sexual ) e do respeito agrave diferenccedila (conteuacutedo de Eacutetica) Assim natildeo se trata de que os professores das
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diferentes aacutereas devam ldquopararrdquo sua programaccedilatildeo para trabalhar os temas mas sim de que explicitem as relaccedilotildees entre ambos e as incluam como conteuacutedos de sua aacuterea articulando a finalidade do estudo escolar com as questotildees sociais possibilitando aos alunos o uso dos conhecimentos escolares em sua vida extra-escolar Natildeo se trata portanto de trabalhaacute-los paralelamente mas de trazer para os conteuacutedos e para a metodologia da aacuterea a perspectiva dos temas
(BRASIL 1998 p27)
Fernanda Motta (2005) explica que as discussotildees sobre os temas
transversais no campo da educaccedilatildeo surgem em um momento onde diversos grupos
sociais politicamente organizados em diferentes paiacuteses comeccedilaram a questionar
qual seria o papel da escola em meio a uma sociedade plural e globalizada e quais
assuntos que deveriam ser tratados na educaccedilatildeo escolar (MOTTA 2005 p20)
Neste sentido continua
Esses grupos comeccedilaram a pressionar os Estados para que incluiacutessem na estrutura curricular escolar temas mais vinculados ao cotidiano da maioria da populaccedilatildeo possibilitando que as disciplinas passassem a se relacionar com a realidade contemporacircnea Parte-se do princiacutepio de que a escola natildeo pode ser vista como uma instituiccedilatildeo isolada Sua accedilatildeo deve ser norteada tomando como paracircmetro a cultura na qual estaacute inserida (MOTTA 2005 p28)
Assim podemos compreender a educaccedilatildeo como um tipo de poliacutetica social
pensada natildeo somente a partir do Estado mas por atores da sociedade civil
As poliacuteticas sociais ndash e a educaccedilatildeo ndash se situam no interior de um tipo particular de Estado Satildeo formas de interferecircncia do Estado visando agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de determinada formaccedilatildeo social Portanto assumem bdquofeiccedilotildees‟ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepccedilotildees de Estado (HOFLING 2001 p31)
343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural
No PCN de nuacutemero dez que trata especificamente dos temas transversais
no capiacutetulo referente agrave pluralidade cultural a justificativa pela pertinecircncia do tema eacute
dada pela diversidade cultural presente no paiacutes
Convivem hoje no territoacuterio nacional cerca de 210 etnias indiacutegenas cada uma co identidade proacutepria e representando riquiacutessima diversidade sociocultural junto a uma imensa populaccedilatildeo formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo numeroso de
95
imigrantes e descendentes de povos de vaacuterios continentes com diferentes tradiccedilotildees culturais e religiosas (BRASIL 1997 p125)
O documento chama atenccedilatildeo para o fato de que essa pluralidade cultural que natildeo
foge agrave realidade das escolas eacute ignorada ou mesmo silenciada sendo inuacutemeras as
justificativas para tal silenciamento Um exemplo citado pelos PCN‟s foi o periacuteodo de
nacionalismo dos governos autoritaacuterios que ldquoem diferentes momentos da histoacuteria
valeu-se da accedilatildeo homogeneizadora veiculada na escolardquo (BRASIL 1997 p125) A
deacutecada de 1930 foi um periacuteodo em que a poliacutetica oficial estava preocupada com a
quantidade de imigrantes e buscava formas de fazer com que essa populaccedilatildeo
assimilasse a cultura brasileira Enquanto isso a populaccedilatildeo negra era
marginalizada explica o PCN acerca da pluralidade cultural
O trabalho com o tema transversal propotildee o desenvolvimento das seguintes
capacidades
conhecer a diversidade do patrimocircnio etnocultural brasileiro cultivando atitude de respeito para com pessoas e grupos que a compotildeem reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indiviacuteduos e elemento de fortalecimento da democracia
compreender a memoacuteria como construccedilatildeo conjunta elaborada como tarefa de cada um e de todos que contribui para a percepccedilatildeo do campo de possibilidades individuais coletivas comunitaacuterias e nacionais
valorizar as diversas culturas presentes na constituiccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo reconhecendo sua contribuiccedilatildeo no processo de constituiccedilatildeo da identidade brasileira
reconhecer as qualidades da proacutepria cultura valorando-as criticamente enriquecendo a vivecircncia de cidadania
desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminaccedilatildeo
repudiar toda discriminaccedilatildeo baseada em diferenccedilas de raccedilaetnia classe social crenccedila religiosa sexo e outras caracteriacutesticas individuais ou sociais
exigir respeito para si e para o outro denunciando qualquer atitude de discriminaccedilatildeo que sofra ou qualquer violaccedilatildeo dos direitos de crianccedila e cidadatildeo
valorizar o conviacutevio paciacutefico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural
compreender a desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passiacutevel de mudanccedilas
analisar com discernimento as atitudes e situaccedilotildees fomentadoras de todo tipo de discriminaccedilatildeo e injusticcedila social (BRASIL1998p147)
96
Diante dessas capacidades apresentadas pelo PCN eacute possiacutevel perceber que
o documento natildeo aborda especificamente a questatildeo da diversidade em regiatildeo de
fronteira internacional pois trata-se de orientaccedilotildees a serem desenvolvidas em todas
as escolas do paiacutes e natildeo em determinada regiatildeo especiacutefica cabendo entatildeo agrave
instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias conforme o contexto no qual
estaacute inserida
Eacute importante lembrar que o estreito viacutenculo entre os conteuacutedos selecionados e a realidade local a partir mesmo das caracteriacutesticas culturais locais faz com que este trabalho possa incluir e valorizar questotildees da comunidade imediata agrave escola Contudo a proposta levanta tambeacutem a necessidade de referenciais culturais voltados para a pluralidade caracteriacutestica do Brasil como forma de compreender a complexidade do paiacutes bem como de ampliar horizontes para o trabalho da escola como um todo Lembra-se ainda que os conteuacutedos aqui definidos destinam-se ao trabalho com o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental (BRASIL 1998 p148)
Em uma primeira leitura os temas transversais para a pluralidade cultural
conseguem abordar as principais pautas que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a
LDB96 estabelecem ao propor um ensino que valorize e incorpore o debate da
diversidade cultural na escolas mas que se apresentaram de modo muito superficial
e ao mesmo tempo amplo
Dentre algumas consideraccedilotildees acerca dos PCN‟S encontra-se a do professor
Antocircnio Cunha que na ocasiatildeo do lanccedilamento dos documentos questionou-os em
relaccedilatildeo ao o seu processo de elaboraccedilatildeo uma vez que o governo preferiu criar
propostas novas para os PCN‟s desconsiderando totalmente as anteriores
Em vez de se partir das propostas curriculares existentes para se chegar aos PCN‟s o que se fez foi apresentar aos estupefactos assistentes os paracircmetros jaacute elaborados Esse procedimento insoacutelito serviu para desestimular docentes e pesquisadores a darem seu parecer sobre os documentos quando solicitados pela Secretaria do Ensino Fundamental Parece que mais uma vez a administraccedilatildeo puacuteblica tem da pesquisa uma visatildeo apenas justificatoacuteria das opccedilotildees tomadas pelos dirigentes quando natildeo de algo apresentado tatildeo-somente para efeito propagandiacutestico (CUNHA 1996 p61)
Deste modo algumas das criacuteticas direcionadas aos PCN‟s encontram-se em
sua concepccedilatildeo O Parecer da Agecircncia Nacional dos Geoacutegrafos Brasileiros (AGB)
em consonacircncia com a posiccedilatildeo da Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria (ANPUH)
97
realizado a pedido Secretaria do Ensino Fundamental do MEC na ocasiatildeo de seu
processo de elaboraccedilatildeo deu a seguinte resposta
Os bdquoParacircmetros‟ apresentam-se hoje como um retrocesso Apresentam-se organizados de forma semelhante aos antigos Guias Curriculares divididos em objetivos conteuacutedos avaliaccedilatildeo orientaccedilotildees didaacuteticas (em lugar das estrateacutegias) Apoacutes uma tentativa de explicitaccedilatildeo de conteuacutedos elenca-se para cada ciclo uma lista que pretende sintetizaacute-los Mesmo que no documento introdutoacuterio e nos documentos de aacuterea apareccedila registrada a natildeo intencionalidade da parte do MEC no sentido da obrigatoriedade de conteuacutedos determinados a real intenccedilatildeo jaacute patente a partir da escolha do termo bdquoparacircmetros‟ e a forma da organizaccedilatildeo dos mesmos eacute de molde a constituir em modelos uacutenicos a serem popularizadas e vulgarizadas em novos manuais didaacuteticos ()- O documento intitulado bdquoTemas Transversais‟ homogeneizar para a totalidade do paiacutes a definiccedilatildeo de bdquoconviacutevio social e eacutetica‟ meio ambiente e sauacutederdquo(AGB 1996p 62)
No parecer dos geoacutegrafos a construccedilatildeo de modelos uacutenicos e vulgarizados
bem como a tentativa de universalizar temas como a de conviacutevio social e eacutetico para
todo o paiacutes satildeo objetos de criacuteticas na medida em que a reflexatildeo sobre pluralidade
que haacute no paiacutes deve-se primeiramente ao seguinte questionamento destes temas
transversais - e em destaque o que trata da pluralidade cultural - quando adentra
em realidades como a de Foz do Iguaccedilu satildeo passiacuteveis de considerar as condiccedilotildees
locais Na mesma perspectiva Calllai (1997) fez o seguinte questionamento e
reflexatildeo
Os temas transversais propostos de certa forma homogeinizam tanto os problemas como o curriacuteculo a niacutevel nacional Eacute possiacutevel articular-se questotildees como pluralidade cultural exclusatildeo social e proposiccedilatildeo uacutenica de curriacuteculo As desigualdades sociais satildeo tambeacutem regionalizadas e como tal diferenciadas na sua expressatildeo localizada E eacute no local que o sujeito encara os problemas do seu cotidiano embora eles sejam o mais das vezes globais Poreacutem o global estaacute concretizado no lugar em que se vive e como tal eacute a partir daiacute que se precisa consideraacute-lo (CALLAI 1997 p 10)
Por outro lado aqueles (SILVEIRA MARQUES 2004) que vecircem os Temas
Transversais como uma novidade facilitadora para que haja debates em sala sobre
cultura diversidade e voltada para a interculturalidade possuem a consciecircncia de
que haacute alguma dificuldades seja pela falta de bibliografia pelas poucas experiecircncias
desenvolvidas e ateacute mesmo pela falta de formaccedilatildeo adequada de professores
Para que o trabalho com os temas transversais seja de fato efetivo torna-se
necessaacuterio a construccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica que envolva toda a
98
comunidade escolar Eacute necessaacuterio considerar que os temas ultrapassem os muros
da escola incluindo o contexto social envolvente Com relaccedilatildeo aos PCN‟s ainda que
haja criacuteticas referentes agrave sua elaboraccedilatildeo ainda que eles tendam agrave homogeneizaccedilatildeo
e por isso apresentem certa incoerecircncia teoacuterica a problemaacutetica maior eacute se esse
documento por meio dos temas transversais conseguiu inserir o debate sobre a
diversidade na comunidade escolar e como esse debate foi inserido
De modo geral os PCN‟s representam um avanccedilo no modo como trata do
tema pluralidade cultural No entanto as anaacutelises demonstraram que as tendecircncias
agrave homogeneizaccedilatildeo do curriacuteculo nacional ficam impliacutecitas no documento logo ele
recai em contradiccedilotildees pois reconhece a diversidade que existe no paiacutes mas insiste
em direcionar o trabalho da pluralidade a grupos especiacuteficos Neste caso negros e
indiacutegenas natildeo alcanccedilando realidades como a fronteiriccedila Assim acaba por deixar
de lado outros grupos
344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEE-PR) de 2015 eacute fruto de um
processo que tem iniacutecio na Constituiccedilatildeo de 1988 que por meio do Art 22 inciso
XXIV estabelecia a elaboraccedilatildeo de uma Nova Lei de Diretrizes e Bases para
Educaccedilatildeo Sendo entatildeo criada em 1996 a LDB96 que delegou para estados
municiacutepios Uniatildeo e Distrito Federal ldquoaos entes federados fica a responsabilidade de
garantir os meios necessaacuterios para o acesso e permanecircncia de todos agrave educaccedilatildeo
puacuteblica e gratuitardquo (BRASIL 2014a)
Deste modo conforme o PEE-PR do Paranaacute a educaccedilatildeo foi estruturada em
planos decenais com o objetivo de
Articular o sistema nacional de educaccedilatildeo em regime de colaboraccedilatildeo e definir diretrizes objetivos metas e estrateacutegias de implementaccedilatildeo para assegurar a manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino em seus diversos niacuteveis etapas e modalidades por meio de accedilotildees integradas dos poderes puacuteblicos das diferentes esferas federativas (BRASIL 2014a p 15 apud PEE-PR 2015 p23)
As primeiras discussotildees do PNE comeccedilaram nas Conferecircncias Brasileiras de
Educaccedilatildeo (CBEs) nas deacutecadas de 1980 e 1990 Posteriormente estas conferecircncias
99
foram dando lugar para os Seminaacuterios Brasileiros de Educaccedilatildeo e as Conferecircncias
Nacionais de Educaccedilatildeo datadas da deacutecada de 1920 (PEE-PR 2015 p24) As
CBEs entre os anos de 1996 e 2004 foram substituiacutedas pelos Congressos
Nacionais de Educaccedilatildeo (Coned)(PARANAacute 2015)
O Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) foi aprovado pela primeira vez em 2001
pelo Congresso Nacional Brasileiro Em 2009 foi estabelecida a Conferecircncia
Nacional de Educaccedilatildeo (Conae) sendo um de seus objetivos o de mobilizar os
diversos setores da educaccedilatildeo brasileira a elaborarem um PNE correspondente ao
periacuteodo de 2011-2020 Assim apoacutes quatro anos de debates e de reelaboraccedilatildeo do
PNE a Lei Federal nordm 13005 de junho de 2014 instituiu o novo Plano composto
por 14 artigos e um anexo contendo 20 metas e estrateacutegias nacionais a serem
atingidas no periacuteodo de dez anos (PEE-PR 2015)
O documento base do PEE-PR na introduccedilatildeo apresenta as caracteriacutesticas
gerais da populaccedilatildeo paranaense Nela eacute destacada a presenccedila de diversas etnias e
nacionalidades que fazem parte da histoacuteria do estado e dada essa presenccedila a
educaccedilatildeo eacute uma instacircncia automaticamente atingida por essa diversidade
A populaccedilatildeo eacute formada por descendentes de povos europeus africanos ameriacutendios e indiacutegenas das etnias Guarani Kaingang e Xetaacute e por imigrantes procedentes principalmente dos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Satildeo Paulo e Minas Gerais () Dessa forma esses grupos participaram na construccedilatildeo da cultura paranaense e muitos costumes oriundos dessas diferentes etnias ainda satildeo preservados em determinadas comunidades e se refletem na educaccedilatildeo paranaense (PEE-PR2015p 26)
Refletindo sobre estas caracteriacutesticas e atendendo agraves leis nordm 1063908 e
1164508 sobre a obrigatoriedade do ensino de histoacuteria e cultura afro-brasileira
africana e indiacutegena no curriacuteculo oficial dos estabelecimentos de ensino puacuteblico o
plano base possui as seguintes estrateacutegias
13 Orientar as instituiccedilotildees educacionais que atendem crianccedilas de zero a cinco anos a agregarem ou ampliarem em suas praacuteticas pedagoacutegicas cotidianas accedilotildees que visem ao enfrentamento da violecircncia sexual e a outros tipos de violecircncia agrave inclusatildeo e ao respeito agraves diversidades de toda ordem gecircnero eacutetnico-racial religiatildeo entre outros agrave promoccedilatildeo da sauacutede e dos cuidados agrave convivecircncia escolar saudaacutevel e ao estreitamento da relaccedilatildeo famiacutelia-crianccedila-instituiccedilatildeo ()18 Estabelecer programas em parceria com os municiacutepios para a oferta da educaccedilatildeo inclusiva nas comunidades indiacutegenas
100
quilombolas do campo e ciganas de acordo com suas especificidades (PEE-PR 2015 p64)
Conforme a finalidade no Plano este estabelece metas e estrateacutegias a serem
implementadas e consonacircncia com o Art8ordm contido no plano de educaccedilatildeo que
estabeleceu as seguintes estrateacutegias
I - asseguram a articulaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais particularmente as culturais II - consideram as necessidades especiacuteficas das populaccedilotildees do campo e das comunidades indiacutegenas quilombolas e demais grupos sociais singulares asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural (PEE-PR 2015 p2)
Chama atenccedilatildeo a especificidade do artigo oitavo que visa agrave articulaccedilatildeo das
poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais destacando principalmente a
questatildeo cultural Ao pensar nas particularidades educacionais encontradas em
regiotildees de fronteira internacional em Foz do Iguaccedilu onde a presenccedila de alunos
oriundos de outros paiacuteses eacute comum nas escolas seria pertinente que o tema
diversidade fosse ampliado Por exemplo no caso da presenccedila de alunos aacuterabes
(principalmente libaneses siacuterios e palestinos) nas escolas as diferenccedilas
manifestadas natildeo satildeo apenas linguiacutesticas Neste caso abarca tambeacutem a religiatildeo
(predominante o islatilde) os haacutebitos costumes vestuaacuterio alimentaccedilatildeo etc Neste
sentido propor poliacuteticas puacuteblicas que possibilitem a inclusatildeo desses alunos e natildeo a
exclusatildeo ou a desconsideraccedilatildeo das origens deste aluno eacute sem duacutevidas um grande
desafio
345 O Curriacuteculo da AMOP
Reduzindo o campo de anaacutelise da poliacutetica educativa para a regiatildeo oeste do
Paranaacute onde estaacute localizada a cidade de Foz do Iguaccedilu encontramos o curriacuteculo
baacutesico da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do oeste do Paranaacute (AMOP) que na
introduccedilatildeo do documento baacutesico afirma que houve uma confusatildeo por parte das
escolas municipais que ao implementarem os PCN‟s nas escolas natildeo o utilizaram
como um paracircmetro Muitas o adotaram como curriacuteculo ou tornaram sua proposta
pedagoacutegica como ecleacutetica Assim os educadores da regiatildeo Oeste do Paranaacute
101
sentiram a necessidade de se rediscutir o curriacuteculo Para tal adotaram a seguinte
metodologia
Inicialmente a metodologia adotada nos colocou limites que avaliada apontou para uma nova organizaccedilatildeo Reorganizado um cronograma de trabalho coletivamente com as redes municipais de Ensino chegamos a este documento que eacute resultado de dois anos de intensos estudos de reflexotildees de embates teoacutericos de sistematizaccedilotildees de leituras de discussotildees e de anaacutelises do coletivo dos educadores os quais respeitando o movimento proacuteprio de cada rede e por sua vez de cada escola partiram de contribuiccedilotildees teoacutericas de alguns autores das experiecircncias e compreensotildees do que jaacute se fez ou se faz em nossas escolas (AMOP 2007 p07)
Os trabalhos para elaboraccedilatildeo de diretrizes curriculares para o oeste
paranaense comeccedilaram em 2005 juntamente com secretaacuterios municipais de
educaccedilatildeo do Oeste do Paranaacute Na primeira etapa foram organizados grupos de
trabalho para elaboraccedilatildeo de propostas para as disciplinas de Liacutengua
PortuguesaAlfabetizaccedilatildeo Matemaacutetica Histoacuteria Geografia e Ciecircncias Assim as
atividades comeccedilaram a partir de seminaacuterio com representantes das equipes de
ensino das secretarias municipais de educaccedilatildeo
No qual se discutiu sobre a concepccedilatildeo de homem de sociedade de conhecimento e sobre a funccedilatildeo da escola Participaram do evento aproximadamente 380 representantes (AMOP 2007 p25)
Os trabalhos seguiram no decorrer do ano de 2005 mediante reuniotildees dos
grupos junto aos profissionais da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo (SEED) que
atuaram na elaboraccedilatildeo das diretrizes para as escolas estaduais do Paranaacute O
Departamento Pedagoacutegico da AMOP integrou-se ao grupo como tambeacutem os
educadores da educaccedilatildeo baacutesica e instituiccedilotildees de ensino superior Posteriormente
abriram-se as discussotildees para toda regiatildeo a fim de compreender as primeiras
impressotildees da versatildeo preliminar do documento
A partir desse processo houve a reelaboraccedilatildeo desse documento que reelaborado a partir das contribuiccedilotildees dos educadores dos municiacutepios envolvidos tornou-se o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo do curriacuteculo A construccedilatildeo do curriacuteculo foi feita por meio de um processo que desencadeou discussotildees preacutevias com os representantes dos municiacutepios sistematizaccedilatildeo dessas discussotildees por um grupo menor discussatildeo e anaacutelise dessa sistematizaccedilatildeo pelo conjunto de educadores de cada municiacutepio que tinha suas
102
contribuiccedilotildees registradas pelos seus representantes (AMOP 2007 p26)
A partir de entatildeo elaborado o curriacuteculo no que confere agraves questotildees da
diversidade a partir da realidade em Foz do Iguaccedilu foram identificados nas
diretrizes propostas para o ensino de Geografia e Histoacuteria componentes que
trabalham com a questatildeo da diversidade nas escolas Os conteuacutedos referentes ao
ensino da Geografia estatildeo nas seguintes proposiccedilotildees para o 5ordm ano
Caracteriacutesticas sociais ndash diversidades eacutetnicas e culturais do Paranaacute
Movimentos da populaccedilatildeo paranaense crescimento da populaccedilatildeo
Divisatildeo poliacutetica (formaccedilatildeo do conceito de distritomuniciacutepioestadopaiacutes)
A industrializaccedilatildeo e o crescimento urbano do Paranaacute ndash malha urbana
Tracircnsito - circulaccedilatildeo no estado ndash ligaccedilatildeo rodoviaacuteria ferroviaacuteria aeacuterea - vias pedagiadas ndash Fiscalizaccedilatildeo Poliacutecia Rodoviaacuteria e pesagem
Organizaccedilatildeo dos espaccedilos urbanos ndash problemas urbanos - centro e periferia Impostos e taxas pagamentos que financiam a infra-estrutura dos bens puacuteblicos (AMOPE 2007 p252-253)
Sobre os conteuacutedos propostos no AMOP (2007) o ensino de geografia propotildee que
as diversidades eacutetnicas e culturais presentes no Paranaacute sejam parte do conteuacutedo a
ser desenvolvido em sala de aula Tambeacutem a histoacuteria dos processos migratoacuterios
para o estado e a presenccedila dos diferentes grupos eacutetnicos que formam parte da
histoacuteria de formaccedilatildeo do Paranaacute (AMOP 2007)
Neste sentido a proposta da AMOP se aproxima da LDB96 e dos proacuteprios
PCN‟s que tratam da diversidade cultural com a diferenccedila de que ele eacute destinado
para a rede municipal de educaccedilatildeo do Oeste paranaense Nesta perspectiva haacute um
vieacutes positivo na medida em que delimita o oeste paranaense adotando o enfoque da
diversidade eacutetnico-racial o que permite maior aproximaccedilatildeo com a realidade do
aluno
103
346 Algumas consideraccedilotildees
Diante do exposto considerando os documentos analisados percebe-se que
haacute uma induccedilatildeo clara para que o trabalho pedagoacutegico com a temaacutetica da
diversidade esteja fundada na noccedilatildeo29 presente na Constituiccedilatildeo de 1988 de que o
Brasil sendo formado por trecircs raccedilas - o iacutendio o branco e o negro- deve considerar
essas e reconhececirc-las nos espaccedilos educacionais A LDB96 reafirma esses
propoacutesitos no artigo 26 Os PCN‟spor sua vez se adequa a LDB06 principalmente
com a criaccedilatildeo dos Temas Transversais
No plano estadual as poliacuteticas educacionais para diversidade natildeo ficam
distantes das propostas em niacutevel nacional pois devem obrigatoriamente seguir os
componentes das diretrizes nacionais Desse modo natildeo foi evidenciado nessas
poliacuteticas mecanismos que subsidiassem as escolas presentes em fronteira neste
caso Foz do Iguaccedilu com estrateacutegias para criar programas e projetos para a
diversidade Do mesmo modo podemos falar dos planos nacionais e estaduais de
educaccedilatildeo Por mais que enfatizem o trabalho pedagoacutegico conforme a realidade
local eles natildeo deixam de pensar no nacional Outro problema eacute a imposiccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas e os PCN‟s satildeo um exemplo de uma proposta vertical assim
como inuacutemeros projetos que chegam agrave escola sem uma preacutevia discussatildeo com as
bases que seriam as comunidades escolares
Desse modo o que pode ser feito nas escolas eacute uma adaptaccedilatildeo agrave realidade
local Todas essas poliacuteticas educativas chegam agrave regiatildeo da fronteira mas natildeo
atingem suas especificidades Por especificidades recordamos tratar-se da
presenccedila dos alunos estrangeiros nas escolas de Foz do Iguaccedilu a saber
paraguaios argentinos e brasiguaios que satildeo grupos que fizeram e fazem parte da
histoacuteria da cidade desde o seu iniacutecio mas ao mesmo tempo natildeo satildeo preocupaccedilatildeo
do Estado brasileiro devendo ser uma preocupaccedilatildeo de seus Estados Nacionais
Nesta loacutegica as escolas da regiatildeo natildeo foram criadas a partir da realidade
fronteiriccedila O multilinguismo eacute desconsiderado O Estado por meio da legislaccedilatildeo
impotildee o portuguecircs enquanto liacutengua oficial Falar de diversidade eacute possiacutevel desde
29
Pires-Santos e Cavalcanti (2008) definem o monolinguismo como um a adoccedilatildeo de uma
liacutengua homogecircnea pura uma liacutengua para um povo Trata-se na concepccedilatildeo das autoras de um mito ligado a interesses e investida de ideologia e que estaacute relacionado agrave nacionalidade
104
que seja referente aos grupos presentes no territoacuterio brasileiro que foram
historicamente colocados agrave margem da sociedade Logo 1) Seraacute que as nossas
escolas disponibilizam de tempo espaccedilo e interesse para desenvolver trabalhos de
combate ao preconceito contra o paraguaio chamado em momentos de ofensas de
xiru 2) E quanto agrave presenccedila aacuterabe na regiatildeo ela eacute discutida Como eacute a acolhida
destes na escola 3) O professor se sente preparado para lidar com estas questotildees
em sala de aula
Tais perguntas apresentadas acima foram motivadas a partir do pressuposto
de que temos um curriacuteculo nacional com raiacutezes eurocecircntricas conforme Tomaz
Tadeu da Silva (2007 p7) o curriacuteculo natildeo eacute neutro este ldquotransmite visotildees sociais
particulares e interessadas o curriacuteculo produz identidades individuais e sociais
particularesrdquo Por muito tempo a histoacuteria dos negros e indiacutegenas eram abordadas de
modo superficial por outro lado a histoacuteria antiga e recente da Europa sempre se fez
presente em nossos livros didaacuteticos Desconhecemos a Ameacuterica Latina seus povos
e histoacuteria logo desconhecemos os que fazem fronteira com o Brasil Squinelo
(2011) no artigo ldquoRevisotildees Historiograacuteficas A Guerra do Paraguai nos livros
didaacuteticos brasileiros-PNLD 2011rdquo ao analisar a histoacuteria da Guerra da Triacuteplice Alianccedila
presente nos livros didaacuteticos do Brasil aponta que pouco se discute considera a
versatildeo falha tendenciosa e conclui seu artigo com os seguintes questionamentos
Resta-me ainda algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao porquecirc entatildeo estudamos a Guerra do Paraguai na medida em que a) natildeo procuramos entender o sentido para os paiacuteses nela envolvidos b) natildeo buscamos a compreensatildeo de nosso desenvolvimento histoacuterico-soacutecio-cultural e econocircmico c) natildeo realizamos as conexotildees necessaacuterias ao entendimento das questotildees relacionadas ao Mercosul e finalmente d) natildeo propiciamos ao educando a compreensatildeo dos eventos histoacutericos de nosso passado latino-americano o que nos levaria a nos conhecer e a conhecer o outro e tambeacutem responderia muitas questotildees postas em nosso presente (SQUINELO 2011p 36)
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica
educacional para a fronteira
Dentro das poliacuteticas educacionais encontram-se outras variaacuteveis de poliacuteticas
dentre elas a poliacutetica linguiacutestica definida por Oliveira (2004 p38) como ldquoum o
conjunto de decisotildees que um grupo de poder sobretudo um Estado (mas tambeacutem
105
uma Igreja ou outros tipos de instituiccedilotildees de poder menos totalizantes) toma sobre o
lugar e a forma das liacutenguas na sociedade e a implementaccedilatildeo destas decisotildeesrdquo
Para Maher (2013 p 119) as poliacuteticas linguiacutesticas se referem aos objetivos e
agraves intervenccedilotildees que de uma forma ou outra visam ldquoafetarrdquo tanto o modo como as
liacutenguas se constituem quanto os modos como elas satildeo utilizadas eou transmitidas
A autora chama atenccedilatildeo para o equiacutevoco comumente difundido de que as poliacuteticas
lingusticas seriam apenas criadas por meio do governo ldquoPoliacuteticas linguumliacutesticas podem
ser arquitetadas e colocadas em accedilatildeo localmente uma escola ou uma famiacutelia pode
colocar em praacutetica ou estabelecer certa situaccedilatildeo sociolinguumliacutesticardquo (MAHER 2013
p120)
Essa perspectiva vai ao encontro da abordagem30 multicecircntrica ou policecircntrica
de poliacuteticas puacuteblicas que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como
protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas tais como as organizaccedilotildees
natildeo governamentais organizaccedilotildees privadas e organismos (DROS 1971
KOOIMAN 1993 RHODES 1997 HAJER 2003 apud SECCHI 2013) Nessa
premissa o PEIBF se enquadra na visatildeo multicecircntrica dos estudos de poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que foi fruto de acordos bilaterais iniciados pela Argentina e o
Brasil no acircmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira (PEIBF) surgiu
dentro do oacutergatildeo pertencente ao Mercosul denominado Setor Educacional do
Mercosul (SEM) Segundo o documento ldquoEscolas de Fronteirardquo (BRASIL 2008) dos
antecedentes desse projeto encontra-se a oficializaccedilatildeo da criaccedilatildeo do MERCOSUL
em 1991 instituiccedilatildeo intergovernamental que nasceu com a assinatura do Tratado de
Assunccedilatildeo acordados inicialmente entre Argentina Brasil Paraguai e Uruguai
O bloco econocircmico Mercosul apresenta-se em um contexto de globalizaccedilatildeo
da economia O projeto teve como base as negociaccedilotildees entre Brasil e Argentina
30
Dentro das analises de poliacuteticas puacuteblicas Secchi (2013) discorre sobre o noacute conceitual que haacute na
literatura especializada nos estudos de poliacuteticas puacuteblicas Alguns pesquisadores defendem a abordagem estatista que considera as PP analiticamente monopoacutelio de atores estatais Outros a abordagem multicecircntrica que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas
106
para a integraccedilatildeo de suas economias e os resultados positivos dessa integraccedilatildeo
levaram o Paraguai e o Uruguai a fazerem parte do projeto integracionista
O objetivo inicial do Mercosul fora a integraccedilatildeo dos quatros Estados
membros em termos de circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos e de fatores produtivos da
formulaccedilatildeo de poliacutetica comercial comum da afirmaccedilatildeo de uma Tarifa Externa
Comum (TEC) e da busca por poliacuteticas legislativas comum aos paiacuteses membros Em
2012 a Venezuela tornou-se oficialmente mais um paiacutes membro do bloco e a Boliacutevia
caminha para o processo de ordenamento juriacutedico para oficializar sua participaccedilatildeo
Aleacutem disso o mercado comum conta com a participaccedilatildeo de paiacuteses associados
Chile Peru Colocircmbia Equador Guiana e Suriname
No final do seacuteculo passado o Mercosul passava por outro lado por crises do
ponto de vista comercial as dimensotildees poliacutetica sociocultural e educacional foram
ganhando relevacircncia (ALMEIDA 2015) Este periacuteodo de crise refere-se aos
impactos das poliacuteticas neoliberais implantadas na regiatildeo no decorrer das deacutecadas
de 1980 e 1990 O nuacutemero de pessoas em situaccedilatildeo de pobreza passou de 136
milhotildees em 1980 para 222 milhotildees em 2004 (ESTAY 2007) Neste contexto de crise
econocircmica e aumento das desigualdades sociais que foi assinada a ldquoCarta de
Buenos Aires sobre o Compromisso Social no Mercosul Boliacutevia e Chile31rdquo no dia 30
de junho de 2000 A carta reconhece a importacircncia da dimensatildeo sociocultural do
Mercosul
Com a entrada de governos progressistas como a eleiccedilatildeo de Luiacutes Inaacutecio Lula
da Silva em 2003 e de Neacutestor Kircher na Argentina a funccedilatildeo do Mercosul enquanto
bloco meramente de integraccedilatildeo econocircmica foi revista e acrescida pelas dimensotildees
sociais para a integraccedilatildeo regional Desse modo a aacuterea social do Mercosul que
havia sido abordada na ldquoCarta de Buenos Airesrdquo e pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de
Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul foi expandida e
institucionalizada com a criaccedilatildeo do Instituto Mercosul Social (IMS) em 2007
(ALMEIDA 2015)
31
Em junho de 2000 os presidentes aprovaram a Carta de Buenos Aires com o Compromisso
Social no Mercosul Boliacutevia e Chile O documento estimula as autoridades competentes a ldquofortalecer o trabalho conjunto entre os seis paiacuteses assim como o intercacircmbio de experiecircncias e informaccedilotildees a fim de contribuir para a superaccedilatildeo dos problemas sociais mais agudos que os afetam e para definir os temas ou aacutereas onde seja viaacutevel uma accedilatildeo coordenada ou complementar para solucionaacute-los (BRASIL 2007 p25) Dentre as accedilotildees promovidas a partir da Carta encontra-se a criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul instituiacuteda pela Decisatildeo n 612000 do CMC (ALMEIDA 2015p24)
107
A estrutura organizacional do Mercosul eacute composta pelo Conselho Mercado
Comum (CMC) Grupo Mercado Comum Comissatildeo Parlamentar Foro Consultivo
Econocircmico-Social Comissatildeo de Comeacutercio do Mercosul e Secretaria Administrativa
do Mercosul O CMC eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros da
Educaccedilatildeo (RME) principal responsaacutevel pela estrutura do Setor educacional do
Mercosul (SEM) (MERCOSUL EDUCACIONAL 2013) Dentre os objetivos
estrateacutegicos para a educaccedilatildeo do SEM estaacute agrave integraccedilatildeo e formaccedilatildeo de uma
identidade regional Tem como objetivo ser um espaccedilo regional no qual a educaccedilatildeo
seja de qualidade fundada no ldquoconhecimento intercultural o respeito agrave diversidade e
agrave cooperaccedilatildeo solidaacuteriardquo de modo a contribuir para a democratizaccedilatildeo dos sistemas
educacionais da regiatildeo (MERCOSUL 2011 p15) Da missatildeo definida pelo SEM
encontra-se a de
Formar um espaccedilo educacional comum por meio da coordenaccedilatildeo de poliacuteticas que articulem a educaccedilatildeo com o processo de integraccedilatildeo do MERCOSUL estimulando a mobilidade o intercacircmbio e a formaccedilatildeo de uma identidade e cidadania regional com o objetivo de alcanccedilar uma educaccedilatildeo de qualidade para todos com atenccedilatildeo especial aos setores mais vulneraacuteveis em um processo de desenvolvimento com justiccedila social e respeito agrave diversidade cultural dos povos da regiatildeo (MERCOSUL EDUCACIONAL 2011 p10)
No acircmbito do SEM encontra-se o Comitecirc Coordenador Regional cuja funccedilatildeo eacute
propor poliacuteticas de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeo da aacuterea educacional Uma vez
estabelecidas como liacutenguas oficiais do MERCOSUL o espanhol guarani e
portuguecircs coube ao setor educativo do bloco enfatizar em seu plano de accedilatildeo a
necessidade de difundir o ensino de portuguecircs e do espanhol por meio dos
sistemas educativos formais e informais
Como parte desse processo o Setor Educacional do Mercosul ndash SEM aponta nos seus planos de accedilatildeo a necessidade de difundir o aprendizado do portuguecircs e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e natildeo formais considerando como aacutereas prioritaacuterias o fortalecimento da identidade regional levando dessa forma ao conhecimento muacutetuo a uma cultura de integraccedilatildeo e agrave promoccedilatildeo de poliacuteticas regionais de formaccedilatildeo de recursos humanos visando agrave melhoria da qualidade da educaccedilatildeo (BRASIL 2008 p 6)
351 Do processo de elaboraccedilatildeo
Conforme Secchi (2013) a tomada de decisatildeo no momento de se propor uma
poliacutetica puacuteblica eacute uma etapa em que os interesses dos atores satildeo equacionados
108
onde as razotildees de um problema puacuteblico satildeo explicitadas Nessa fase a equipe
bilateral de teacutecnicos e linguistas argentinos e brasileiros foram requeridos para
formular o projeto a fim de atender agraves expectativas dos dois paiacuteses Assim o projeto
proposto pela equipe teve como intuito promover as liacutenguas espanhola e portuguesa
atraveacutes do ensino biliacutengue e atraveacutes de intercacircmbios culturais entre Argentina e
Brasil
352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica
Para O‟Tolle Jr (2003 apud Secchi 2003p55 ) ldquoa fase de implementaccedilatildeo eacute
aquela em que regras rotinas e processos sociais satildeo convertidos de intenccedilotildees em
accedilotildeesrdquo Dos elementos baacutesicos para anaacutelise desse processo encontram-se
() pessoas e organizaccedilotildees com interesses competecircncias e comportamentos variados () tambeacutem fazem parte de processo as relaccedilotildees existentes entre as pessoas as instituiccedilotildees vigentes (regras formais e informais) os recursos financeiros materiais informativos e poliacuteticos (capacidade de influecircncia) (SECCHI 2013 p57)
Nesta perspectiva o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
foi implementado inicialmente em 2005 nas cidades brasileiras de Dioniacutesio
Cerqueira no estado de Santa Catarina e Uruguaiana no Rio Grande do Sul Do
lado argentino as cidades que aderiram ao programa foram Bernado de Irogoyen
em Misiones e Paso de los Libres em Corrientes O programa foi implantado pelo
Governo Federal brasileiro por meio da Coordenaccedilatildeo de Formaccedilatildeo Continuada do
Departamento de Poliacuteticas de Educaccedilatildeo Infantil e do Ensino Fundamental da
Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica32 em conjunto com o Ministeacuterio de la Educaciacuteon
Ciencia y Tecnologia (MEC y T) da Argentina A partir de 2006 o programa
estendeu-se para outras regiotildees de fronteira sendo elas Puerto Iguazuacute em
Misiones e Santo Tomeacute e La Cru e Corrrientes na Argentina e Foz do Iguaccedilu no
Paranaacute e Satildeo Borja e Itaqui no Rio Grande do Sul
Desde o primeiro momento algumas questotildees sobre sua origem foram
criticadas Sagaz (2013) aponta que o MEC natildeo apresentou o PEIBF oficialmente
como um Programa Temaacutetico ou um Projeto proposto e aprovado em Plano Pluri
32
O PEIF eacute de responsabilidade da Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental (COEF) na Diretoria
de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral - (DICEI) da Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica (SEB) no MEC
109
Anual (PPA) Para o autor natildeo era intenccedilatildeo do poder legislativo discutir os
orccedilamentos ldquotampouco eacute uma accedilatildeo de governo no que diz respeito agraves suas
diretrizes poliacuteticas uma vez que o oacutergatildeo competente natildeo solicitou a formalizaccedilatildeo
dos recursos junto ao PPArdquo (SAGAZ 2013 p 43) Isto manteve o PEIBF ateacute 2010
distante da prioridade e discussatildeo por parte do governo se comparado a outros
Programas e Projetos
O processo de implementaccedilatildeo comeccedilou no ano de 2004 com a primeira
reuniatildeo de planejamento No mesmo ano na cidade de Dioniacutesio Cerqueira ocorreu
uma reuniatildeo para instituir o programa na escola eleita Dentre as instituiccedilotildees
presentes encontravam-se o Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em
Poliacutetica Linguiacutestica (IPOL) a 30ordf Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
(GEREI) e o MECyT
A escola brasileira escolhida para a implementaccedilatildeo do projeto foi a Dr
Theodureto Carlos de Faria Souto A escola possui uma localizaccedilatildeo estrateacutegica pois
estaacute a aproximadamente dois quilocircmetros do posto da Receita Federal na fronteira
BrasilArgentina ldquoPode-se ir caminhando da escola ateacute o outro paiacutes sem nenhum
impedimento em relaccedilatildeo agraves vias de acesso e em relaccedilatildeo ao posto alfandegaacuteriordquo
(SAGAZ 2013 p77) Nela ocorreu a primeira reuniatildeo com os pais dos estudantes
em fevereiro de 2005 De acordo com a equipe teacutecnica a implementaccedilatildeo do PEIBF
deveria ser gradual a comeccedilar com a inclusatildeo das seacuteries iniciais do ensino
fundamental no projeto para posteriormente incluir as demais seacuteries A ampliaccedilatildeo
do projeto para todas as seacuteries da educaccedilatildeo baacutesica de uma soacute vez poderia causar
transtornos dada a necessidade de adequaccedilatildeo dos sistemas locais de educaccedilatildeo agrave
sua estrutura (BRASIL 2008)
As seacuteries escolhidas para o projeto foram o primeiro e segundo ano do ensino
fundamental A estrutura operacional e a tentativa de avanccedilar nas seacuteries iniciais do
ensino fundamental para os anos finais segundo a relatoria tornaram-se inviaacuteveis
pela falta de entendimento pedagoacutegico entre Argentina e Brasil (BRASIL 2008) Em
2006 os ministeacuterios dos paiacuteses envolvidos no PEIBF comeccedilaram a formular um
documento com diretrizes para todas as escolas em zonas de fronteiras envolvidas
no projeto intitulado ldquoModelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira a
partir do desenvolvimento de um programa para a educaccedilatildeo intercultural com
ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanholrdquo Em 2012 o documento baacutesico foi
reelaborado contando com a contribuiccedilatildeo do Uruguai e Paraguai O nome do
110
documento passou a ser Modelo de ensentildeanza comuacuten em escuelas de zona de
frontera a partir del desarrollo de un programa para la educacioacuten intercultural com
eacutenfasis em la ensentildeanza de latildes lenguas predominantes en la regioacuten (MERCOSUL
EDUCACIONAL 2014)
Segundo o documento inicial do programa a projeccedilatildeo pretendida era de que
a cada ano fosse ampliado o nuacutemero de turmas envolvidas e que se avanccedilasse para
as proacuteximas seacuteries de modo que os alunos que fazera parte do programa pudesse
adquirir a familiarizaccedilatildeo com a cultura do paiacutes vizinho
O Programa tem por metodologia o intercacircmbio docente e as escolas satildeo as
responsaacuteveis por organizar os quadros dos professores que iratildeo fazer parte das
chamadas escolasespelhos (unidades baacutesicas de trabalho atuando como uma
unidade operacional)
Esta forma permite aos docentes dos paiacuteses envolvidos vivenciarem eles mesmos na sua atuaccedilatildeo e nas suas rotinas semanais praacuteticas de bilinguumlismo e de interculturalidade semelhantes agraves que querem construir com os alunos na medida em que se expotildeem agrave vivecircncia com seus colegas do outro paiacutes e com as crianccedilas das vaacuterias seacuteries com as quais atuam (BRASIL 2008 p21)
353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF
De acordo com Leite e Flexor (2006) a avaliaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica
consiste em verificar os efeitos atribuiacutedos agrave accedilatildeo do governo tendo portanto um
caraacuteter normativo Os autores afirmam que os avaliadores agem em funccedilatildeo de
quadros de referecircncia com valores e normas incluindo a percepccedilatildeo que devem ser
considerados nesse processo
A dificuldade dessa fase reside tambeacutem no fato de que os resultados efetivos satildeo relativamente independentes das expectativas iniciais Aleacutem disso as aspiraccedilotildees podem mudar no decorrer do percurso outros problemas podem surgir os objetivos satildeo geralmente ambiacuteguos e causas externas podem explicar os resultados Em outras palavras natildeo existe causalidade uniacutevoca (LEITE FLEXOR 2006 p 11)
Para Secchi (2013) existem alguns modelos diferenciados de avaliaccedilatildeo Haacute
aquelas que ocorrem anterior agrave implementaccedilatildeo (ex ante) e a avaliaccedilatildeo posterior agrave
implementaccedilatildeo (ex post) Existe tambeacutem a avaliaccedilatildeo que ocorre durante o processo
de implementaccedilatildeo cujo objetivo eacute a busca de ajustes imediatos O referido autor
111
elenca os principais criteacuterios utilizados para avaliaccedilotildees sendo eles economicidade
produtividade eficiecircncia econocircmica eficiecircncia administrativa eficaacutecia e equidade
O documento preliminar -Programa Escolas Biliacutenguumles de Fronteira - Modelo
de ensino comum em escolas de zona de fronteira a partir do desenvolvimento de
um programa para a educaccedilatildeo intercultural com ecircnfase no ensino do portuguecircs e
do espanholrdquo ( MEC y T MEC2008) busca analisar os primeiras experiecircncias do
projeto Nesse sentido trata-se de uma avaliaccedilatildeo que ocorreu durante o processo
de implementaccedilatildeo Dentre as consideraccedilotildees feitas nessa primeira etapa encontram-
se
- Do repertoacuterio linguumliacutestico das crianccedilas Apoacutes alguns meses do estabelecimento do
programa as professoras envolvidas evidenciaram que as crianccedilas argentinas
tinham maior familiaridade com a liacutengua portuguesa enquanto as crianccedilas
brasileiras tiveram dificuldades para assimilar o espanhol
As crianccedilas argentinas jaacute satildeo em algum niacutevel biliacutengues entendem razoavelmente bem a liacutengua portuguesa e muitas a falam com facilidade Isso se deve ao fato de que muitos satildeo descendentes de brasileiros Aleacutem disso tecircm uma maior exposiccedilatildeo agrave liacutengua atraveacutes da miacutedia maior frequecircncia de estadia no Brasil e eventualmente em consequecircncia destes fatores nota-se uma maior disponibilidade da populaccedilatildeo argentina de fronteira para o aprendizado do portuguecircs (MECy T MEC 2008 p 13)
Neste periacuteodo identificou-se uma necessidade de promover uma ldquosensibilizaccedilatildeo
linguumliacutesticardquo de modo que as crianccedilas brasileiras pudessem querer aprender a liacutengua
espanhola Para tal sensibilizaccedilatildeo a praacutetica intercultural eacute fundamental assinala o
documento
Da necessidade de Intercacircmbio entre alunos Verificou-se que aleacutem do
intercacircmbio entre professores houve a demanda por intercacircmbio entre os alunos
No entanto esse processo eacute mais complexo de ser executado haja vista que haacute
empecilhos como a documentaccedilatildeo das crianccedilas para entrada em outro paiacutes As
crianccedilas brasileiras e argentinas soacute podem realizar a travessia com uma
documentaccedilatildeo assinada pelos pais autorizando sua travessia
Da carga horaacuteria das escolas Como satildeo secretarias educacionais e paiacuteses
distintos um modelo uacutenico para sua execuccedilatildeo eacute praticamente improvaacutevel Essa
112
pauta foi discutida na equipe quando foram elaborados trecircs modelos de
organizaccedilatildeo das escolas envolvidas
Escola em Tempo Integral (Jornada Completa) Nesse modelo os alunos
possuem pelo menos dois dias de aula de liacutengua estrangeira e uma carga
horaacuteria total de 6 horas semanais Como a escola eacute de tempo integral os
alunos podem ter outras atividades destinados agrave educaccedilatildeo biliacutengue
Escola em Contra-Turno eacute semelhante agrave escola de Tempo Integral mas
neste caso apenas em um dos turnos haacute o ensino biliacutengue
Escola em Turno Uacutenico em dois dias da semana os trabalhos do programa
escolas biliacutengues satildeo realizados dentro do proacuteprio turno num total de cinco
horas semanais
Entre os modelos apresentados acima o primeiro eacute o da escola Dioniacutesio
Cerqueira e Bernado Yrigoyen o segundo aplica-se a Foz do Iguaccedilu e Puerto
Iguazuacute o terceiro modelo encontra-se presente em Uruguaina Verificou-se que o
trabalho desenvolvido nas escolas de turno uacutenico possui em sua base curricular o
segundo idioma enquanto o trabalho em contra-turno jaacute assimila as atividades do
programa como atividade extra-curricular o que natildeo eacute o objetivo do PEIBF O
melhor turno para se desenvolver o programa eacute o Turno Uacutenico pois natildeo interfere na
rotina da escola nem na estrutura fiacutesica ou mesmo na contrataccedilatildeo de mais
funcionaacuterios ou aumento da carga horaacuteria dos professores envolvidos (BRASIL
2008)
A escola em contra-turno amplia o periacuteodo de permanecircncia do aluno na
instituiccedilatildeo uma estrateacutegia vaacutelida e uacutetil para o processo de aprendizagem do aluno
Conforme o documento de implantaccedilatildeo as experiecircncias aqui expostas somadas
aos debates nas reuniotildees das equipes de trabalho bilaterais e no decorrer dos
encontros de formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo requerem a formulaccedilatildeo de um novo modelo
para o Programa para que se possa refletir e dar respostas as peculiaridades das
escolas interculturais biliacutenguumles (BRASIL 2008)
A partir de 2012 o PEIBF por meio da Portaria nordm 798 de 19 de junho de
2012 do Diaacuterio Oficial da Uniatildeo passou a se chamar Programa Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF)
113
Art 1ordm Fica instituiacutedo o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) com o objetivo de contribuir para a formaccedilatildeo integral de crianccedilas adolescentes e jovens por meio da articulaccedilatildeo de accedilotildees que visem agrave integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo intercultural das escolas puacuteblicas de fronteira alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes meacutetodos processos e conteuacutedos educativos sect 1ordm As Escolas Interculturais de Fronteira satildeo as escolas puacuteblicas Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruiacutedas pelo Modelo de ensino comum de zona de fronteira a partido desenvolvimento de um Programa para a educaccedilatildeo interculturalcom ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanhol da Declaraccedilatildeo Conjunta de Brasiacutelia firmada em 23 de novembro de 2003 pela Argentina e pelo Brasil e do Plano de Accedilatildeo do Setor Educativo do MERCOSUL (BRASIL 2012)
Pela mesma portaria criou-se o documento ldquoMarco Referencial de Desenvolvimento
Curricularrdquo o qual tem como objetivo central apresentar orientaccedilotildees comuns a serem
desenvolvidos pelas escolas envolvidas Entre os eixos organizadores encontram-
se
Eixo 1 - Funcionamento do Programa na escola
a) o envolvimento de toda a escola b) a definiccedilatildeo de metodologias dos projetos de aprendizagem c) a construccedilatildeo do projeto poliacutetico pedagoacutegico da escola intercultural (planejamento conjunto das accedilotildees) e regimento escolar d) considerar as especificidades curriculares e socioculturais das comunidades do campo indiacutegena e quilombola e) dinamizaccedilatildeo do relacionamento com escola do paiacutes vizinho definindo um plano de accedilatildeo conjunto para a realizaccedilatildeo do intercacircmbio docente aleacutem de outras accedilotildees que promovam a interculturalidade estendendo-se a todos os anos de escolarizaccedilatildeo da escola f) utilizaccedilatildeo das tecnologias da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo disponiacuteveis e necessaacuterias Eixo 3 - Formaccedilatildeo continuada dos profissionais da educaccedilatildeo baacutesica sob a coordenaccedilatildeo das Universidades
a) compor o grupo local formado por Coordenador-geral do PEIF Coordenador-adjunto de Educaccedilatildeo Integral Supervisor de Articulaccedilatildeo e Acompanhamento Pedagoacutegico (secretaria de educaccedilatildeo) Pesquisadores Professores Formadores (universidade) Professor Formador (coordenador pedagoacutegico ou diretor da escola) Tutor agrave distacircncia (universidade) Tutor presencial eou PIBID (universidade para acompanhamento pedagoacutegico na escola) b) promover a articulaccedilatildeo no espaccedilo da Universidade entre educaccedilatildeo integral e interculturalidade c) articular-se com o comitecirc gestor de recursos financeiros de sua
114
instituiccedilatildeo d) ofertar accedilotildeescursos de aperfeiccediloamento e) contribuir para o repositoacuterio dos materiais de formaccedilatildeo f) agilizar os procedimentos de afastamento do paiacutes (tracircmite interno das IES) g) definir arranjos que permitam realizar formaccedilotildees dentro das regiotildees de fronteira nos municiacutepios h) elaborar produtos finais resultantes de cada moacutedulo de formaccedilatildeo conjunta com outros paiacuteses i) articular as accedilotildees do PEIF com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia (PIBIDCAPESMEC) e com o Programa Novos Talentos (CAPESMEC) j) induzir a inclusatildeo da temaacutetica interculturalidade na perspectiva da educaccedilatildeo integral na formaccedilatildeo inicial dos cursos de licenciatura e poacutes-graduaccedilatildeo e na pesquisa acadecircmica k) promover o uso das tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo realizar o diagnoacutestico sociolinguiacutestico das comunidades participantes do PEIF
Dentre os princiacutepios expostos acima destaca-se a participaccedilatildeo das
universidades o que abre espaccedilo para o desenvolvimento de pesquisas da criaccedilatildeo
de novas metodologias e de avaliaccedilotildees do projeto e da formaccedilatildeo docente numa
perspectiva intercultural O entendimento de interculturalidade do Programa eacute
() nesse caso ativa a escola seraacute intercultural na medida em que haja a participaccedilatildeo efetiva de profissionais e de alunos das diversas culturas envolvidas na comunidade educacional (e que natildeo satildeo soacute bdquoduas‟ a cultura argentina e a cultura brasileira o que corresponderia a pensaacute-las como unidades homogecircneas) em todas as instacircncias de convivecircncia que satildeo proacuteprias da instituiccedilatildeo escolar (BRASIL ARGENTINA 2008 p 26)
O Boletim produzido pela publicaccedilatildeo Salto para o Futuro que complementa
as ediccedilotildees televisivas da TV Escola do Ministeacuterio da educaccedilatildeo em sua primeira
ediccedilatildeo de 2014 apresentou o tema das Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
A professora Eliana Rosa Sturza coordenadora do Programa das Escolas
Interculturais de Fronteira na Universidade Federal de Santa Maria e do Laboratoacuterio
Entre liacutenguas da Universidade Federal de Sergipe relata as experiecircncias e
aprendizados do programa em diferentes cidades localizadas na fronteira
A proposta metodoloacutegica foi analisada por Sturza (2010 2014) enfocando a
experiecircncia das crianccedilas brasileiras em Uruguaiana no Rio Grande do Sul cuja
aprendizagem eacute dentro e fora de sala de aula Em uma das escolas as crianccedilas
confundiram as professoras argentinas com enfermeiras do posto meacutedico pois
115
estas usam avental branco costume que natildeo eacute habitual no Brasil As professoras
argentinas por sua vez estranharam as manifestaccedilotildees inicialmente constantes dos
alunos brasileiros que queriam abraccedilaacute-las tocaacute-las beijaacute-las ldquoEste eacute um traccedilo
cultural do comportamento brasileiro muito identificado pelo bdquoestrangeiro‟ Neste
caso nem tatildeo estrangeiro mas um vizinho do outro lado do riordquo (STURZA 2014
p26)
A experiecircncia dos professores brasileiros no projeto possibilitou que eles
tivessem contato direto com o sistema educacional do vizinho e esse contato gerou
novos espaccedilos de discussatildeo sobre o trabalho docente mediante as comparaccedilotildees
sobre os conteuacutedos relaccedilatildeo aluno-professor da infraestrutura das escolas e ateacute a
autonomia da gestatildeo escolar
Nesta experiecircncia os professores foram conhecendo o funcionamento e a estrutura do sistema educacional do paiacutes vizinho e percebendo como sistema brasileiro eacute autocircnomo em relaccedilatildeo ao sistema uruguaio ou argentino mais centralizado O aprendizado eacute de toda ordem ocorrendo entre os professores da escola e os das escolas parceiras ou seja argentinos e brasileiros debatem a educaccedilatildeo trocam ideias e fazem planejamento de projetos em conjunto (STURZA 2014 p25)
A metodologia tem como norte o ensino por Projetos de Aprendizagem (EPA)
modo de organizaccedilatildeo que permite o desenvolvimento de projetos localmente
envolvendo a participaccedilatildeo de toda a comunidade escolar ou outros grupos a
depender da necessidade do projeto
Ensino via Projetos de Aprendizagem (EPA) faz com que as crianccedilas participem de projetos biliacutengues que prevecircem tarefas a serem realizadas em portuguecircs e em espanhol Satildeo coordenadas respectivamente pela docente brasileira ou argentina de acordo com o niacutevel de conhecimento do idioma que possuam e de acordo com o planejamento conjunto realizado periodicamente por professoras argentinas e brasileiras com suas respectivas assessorias pedagoacutegicas (BRASIL 2008 p 28)
Nesta perspectiva os temas das aulas e os projetos de aprendizagem a
serem desenvolvidos parte dos interesses dos alunos Cabe agraves professoras
argentinas e brasileiras o desenvolvimento do programa em conjunto Sturza (2014)
ilustra alguns temas que surgiram da curiosidade dos alunos e que por sua vez
podem ser trabalhadas em conjunto Um exemplo nasce da pergunta porque os
dentes caem Curiosidade comum entre crianccedilas de 7 anos por estarem vivenciado
a troca dos dentes A fim de explicar esse processo as atividades partiram da leitura
116
da histoacuteria ldquoFada dos Dentesrdquo ou do ldquoRaacuteton Peacuterezrdquo a primeira contada no Brasil e a
segunda no Uruguai As tarefas realizadas satildeo como um ldquopasso a passordquo a partir de
um mapa conceitual33
Do ponto de vista normativo todos os trabalhos desenvolvidos devem estar
em acordo com as diretrizes curriculares de cada paiacutes juntamente com a proposta
curricular do projeto Sobre as formas de avaliaccedilatildeo dos alunos o documento da
versatildeo preliminar do programa visa agrave metodologia de bdquoportifoacutelio‟ ldquodefinido como o
acompanhamento realizado a partir de evidecircncias de variadas naturezas do trabalho
realizado pelos alunos individual e coletivamenterdquo (BRASIL 2008 p29) O portifoacutelio
eacute uma forma de organizar o conjunto de memoacuterias de obras realizadas pelo aluno
podendo ser realizadas individualmente ou em grupo O objetivo eacute mostrar a
trajetoacuteria de cada estudante no decorrer de um projeto permitindo que o professor
possa avaliar esse aluno atraveacutes das informaccedilotildees contidas no portfoacutelio
354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu
O PEIF teve iniacutecio na cidade de Foz do Iguaccedilu em abril de 2006 a partir do
encontro com todos os envolvidos na cidade de Puerto Iguazuacute A primeira instituiccedilatildeo
responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do projeto foi a Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo
Em 2014 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) passou a
coordenar o programa
As escolas escolhidas para realizaccedilatildeo do projeto foram a Escola municipal
Adele Zanotto Scalco em Foz do Iguaccedilu e a Escuela 164 em Puerto Iguazuacute As
escolas foram escolhidas pela localizaccedilatildeo estrateacutegica ambas ficam proacuteximas da
regiatildeo da Ponte Tancredo Neves ligaccedilatildeo entre os dois paiacuteses (CARVALHO 2012)
33
Mapas conceituais satildeo ferramentas graacuteficas para a organizaccedilatildeo e representaccedilatildeo do conhecimento Eles incluem conceitos geralmente dentro de ciacuterculos ou quadros de alguma espeacutecie e relaccedilotildees entre conceitos que satildeo indicadas por linhas que os interligam As palavras sobre essas linhas que satildeo palavras ou frases de ligaccedilatildeo especificam os relacionamentos entre dois conceitos Noacutes definimos conceito como uma regularidade percebida em eventos ou objetos designada por um roacutetulo Na maioria dos conceitos o roacutetulo eacute uma palavra embora algumas vezes usemos siacutembolos como + ou e em outras usemos mais de uma palavra Proposiccedilotildees satildeo enunciaccedilotildees sobre algum objeto ou evento no universo seja ele natural ou artificial Elas contecircm dois ou mais conceitos conectados por palavras de ligaccedilatildeo ou frases para compor uma afirmaccedilatildeo com sentido Por vezes satildeo chamadas de unidades semacircnticas ou unidades de sentido (CANAtildeS NOVAK 2010 p10)
117
Cabe destacar que a escola de Foz do Iguaccedilu eacute a uacutenica que participa do projeto no
Paranaacute conforme informaccedilotildees do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (2015)
Sobre a estrutura do programa o relatoacuterio produzido pela Secretaria
Municipal da Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu na ocasiatildeo da primeira reuniatildeo entre a
equipe dos dois paiacuteses em abril de 2006 destaca os principais acordos para a
implementaccedilatildeo do programa nas escolas
Inicialmente o projeto atenderia duas turmas do ensino fundamental de cada
instituiccedilatildeo no turno da tarde todas as quartas-feiras
As aulas biliacutenguumles seriam ministradas no periacuteodo contra turno
A metodologia escolhida foi a de projetos pedagoacutegicos interculturais
A cada quinze dias os planejamentos das aulas seriam feitos com os
professores envolvidos no projeto com alternacircncia dos turnos de encontro e
das escolas
No mesmo relatoacuterio constam as comparaccedilotildees quanto agrave estrutura fiacutesica das
escolas A escola brasileira possui melhor estrutura fiacutesica pois possui videoteca
centro de esportes biblioteca sala de computaccedilatildeo e ar condicionado dentro das
salas de aula A escola argentina natildeo dispotildee desta estrutura Apesar destas
diferenccedilas as crianccedilas da escola brasileira e argentina natildeo possuem maiores
diferenccedilas quanto ao conhecimento pedagoacutegico
No iniacutecio do programa seu objetivo estava voltado para trabalhar com os
aspectos histoacutericos e culturais do paiacutes vizinhos tais como as muacutesicas roupas e as
comidas tiacutepicas de cada naccedilatildeo Depois por meio da assessoria do Instituto de
Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento de Poliacuteticas Linguiacutesticas (IPOL) no Brasil e
do Ministerio de Cultura Educacioacuten Ciencia y Tecnologiacutea de la Provincia de
Misiones (MCECyT) na Argentina passaram a adotar a pedagogia de projetos
(ALBUQUERQUE SOUSA 2014) O tema eacute escolhido pelos alunos e planejado
pelas professoras dos dois paiacuteses
Com a finalidade de conhecer o histoacuterico do PEIF a partir da experiecircncia
daqueles que estatildeo envolvidos diretamente no programa foram realizadas
entrevistas com duas professoras brasileiras ligadas ao programa e que ministram
aulas na argentina As entrevistadas tiveram seus nomes preservados A fim de
118
identificaacute-las adotamos os seguintes nomes fictiacutecios Tacircnia que participou do
projeto por cinco anos e Clara que entrou no programa em 2015
A professora Tacircnia que permaneceu no projeto por cinco anos na ocasiatildeo de
sua entrada relata que o programa na Argentina passava por um processo de
transiccedilatildeo Em 2009 eles inauguraram a Escuela Intercultural Biliacutengue 2 para atender
o PEIF Hoje o cruce (termo utilizado pelas professoras que realizam a travessia
para lecionar no paiacutes vizinho) eacute realizado duas vezes na semana sendo que o
nuacutemero de turmas para as duas escolas envolvidas satildeo as mesmas
Ateacute 2013 o nuacutemero de turmas atendidas por escola eram oito distribuiacutedas
entre quatro professoras com carga- horaacuteria correspondente a 2 horas As seacuteries
atendidas eram do 1ordm ao 4ordm ano No Brasil as professoras argentinas fazem o cruce
duas vezes na semana enquanto as brasileiras todas as quartas-feiras pela manhatilde
A partir de 2014 o nuacutemero de professoras brasileiras a participarem do projeto foi
reduzido pela metade
Assim como Sturza (2014) apontou esse processo de travessia possui um
significado aleacutem de ir ateacute uma escola estrangeira e colocar em praacutetica o programa
Trata-se de um processo de aprendizagem que vai desde as reflexotildees referentes
aos diferentes aspectos educacionais presentes nos dois paiacuteses ateacute os significados
que o programa exerce nos aspectos pessoais
Se eu tiver oportunidade eu volto porque eu gosto do projeto E o projeto eacute uma das minhas paixotildees eu gostei Eacute uma coisa super interessante eacute diferente acho que eacute um crescimento na profissatildeo da gente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
As comparaccedilotildees em relaccedilatildeo agraves diferentes infraestruturas das escolas dos
dois paiacuteses satildeo inevitaacuteveis Tacircnia aponta que apesar da estrutura fiacutesica da escola
argentina ser muito boa os recursos didaacuteticos satildeo precaacuterios percebendo entatildeo os
contrastes que haacute nas poliacuteticas educacionais
A estrutura da escola laacute eacute muito boa eacute maravilhosa mas assim eacute tudo muito burocraacutetico no sentido de organizaccedilatildeo da escola Laacute eacute totalmente diferente aqui a gente tem fartura de material opccedilatildeo de coisa de tudo laacute bdquofarta‟ As salas satildeo uma penumbra com pouca iluminaccedilatildeo e tudo porque o governo natildeo daacute apoio nenhum como aqui tambeacutem (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
119
Outro ponto de comparaccedilatildeo satildeo os salaacuterios A professora Tacircnia aponta que o salaacuterio
da professoras argentinas eacute o dobro enquanto no Brasil o incentivo aos professores
eacute uma especulaccedilatildeo
Uma remuneraccedilatildeo diferente () ah isso aiacute jaacute foi questionado vaacuterias vezes que noacutes teriacuteamos um diferencial no salaacuterio a escola como um todo teria Se tivesse algum incentivo eu duvido que haveria resistecircncia em estar participando (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando a professora diz que ldquoeu duvido que haveria resistecircncia em estar
participandordquo ela se refere agrave resistecircncia de alguns professores em aderir ao PEIF
Quando questionada sobre o processo de escolha dos professores para o projeto
ela descreve que o correto eacute a rotatividade A cada um ou dois anos uma professora
ou professor deve assumir o projeto mas na praacutetica a direccedilatildeo eacute quem escolhe
A intenccedilatildeo do projeto eacute que se faccedila rodiacutezio soacute que aqui eacute por indicaccedilatildeo mesmo ldquoEsse ano vai ser vocecirc e ponto finalrdquo Porque por um bom tempo ficaram praticamente as mesmas pessoas igual eu permaneci por muito tempo (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
No iniacutecio do PEIF natildeo havia na carga horaacuteria oficial da escola a
disponibilidade para o preparo das aulas do programa O grupo que fazia parte do
projeto deveria encontrar uma brecha para organizar suas aulas
() depois do almoccedilo eu ia conciliando assim ia preparando a aula para as minhas turmas daqui para laacute e depois no ano passado34 quando entraram as outras professoras que melhorou comeccedilou a melhorar A prefeitura reduziu para dois professores e liberou a manhatilde para o projeto daiacute a escola se organizava como fosse possiacutevel Soacute que aumentou o nuacutemero de dias laacute (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntada sobre a receptividade do projeto por parte dos
professores Tacircnia responde que havia outros motivos para resistecircncia
Tanto laacute quanto caacute haacute resistecircncia de professores tanto para trabalhar no projeto tanto para receber o projeto na escola Algumas coisas
34
Referente ao ano de 2014 tendo em vista que as entrevistas foram realizadas julho de 2015
120
avanccedilaram algumas estacionaram e muitas tecircm que melhorar ainda Porque ateacute agora o uacutenico objetivo () eacute um projeto lindo maravilhoso muito bom soacute que natildeo eacute feito na iacutentegra Poliacuteticos criam essas coisas e jogam e natildeo datildeo apoio Criam esses projetos porque foi na eacutepoca do Mercosul que foi criado soacute que natildeo datildeo apoio E aiacute a cada mudanccedila de governo eacute aquela burocracia porque um Ministro entra o outro sai o que entra natildeo sabe de nada do que estaacute acontecendo o que saiu deixa tudo engavetado natildeo passa pro outro () eacute aquela coisa (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Evidencia-se aiacute a criacutetica da professora Tacircnia agrave falta de acompanhamento por
parte do Estado em dar continuidade aos projetos O mesmo ocorre quanto aos
repasses de verba Do ponto de vista legal somente apoacutes a criaccedilatildeo da Portaria nordm
798 de 19 de junho de 2012 quando instituiu o Programa Escolas Interculturais de
Fronteira se pode falar em repasses de verba Em 2014 o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou como seriam feitos os repasses a escolas
de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil para promover atividades em periacuteodo integral Dentro
desse grupo35 encontram-se os valores destinados agraves escolas que fazem parte do
Programa Escolas Interculturais de Fronteira no entanto a distribuiccedilatildeo de recursos
segue confusa
Segundo as professoras Tacircnia e Clara houve tambeacutem alguns retrocessos no
decorrer do projeto As duas destacam o processo de formaccedilatildeo dos professores
para atuarem no PEIF Em Foz do Iguaccedilu a universidade que coordena a formaccedilatildeo
para os professores eacute a UNILA entretanto as professoras entrevistadas se
queixam da ausecircncia da instituiccedilatildeo no ano de 2015
No ano passado acho que soacute teve uma formaccedilatildeo que ela (UNILA) proporcionou Mas nem foi a Unila quem acabou dando essa formaccedilatildeo foram as nossas supervisoras aqui Eu arrumei o material com as professoras que jaacute nem estatildeo mais aqui () eu nunca mais tive essas formaccedilotildees no comeccedilo noacutes tivemos vaacuterias (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
35
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 14 de
2014 os detalhes de como seratildeo feito os repasses de verba para as escolas de educaccedilatildeo baacutesica a fim de promover atividades em periacuteodo integral e aos finais de semana De acordo com a Resoluccedilatildeo os montantes repassados seguiratildeo os moldes do Programa Dinheiro Direto na Escola As escolas envolvidas satildeo aquelas que desenvolveratildeo atividades em periacuteodo integral podendo ser urbanas rurais ou no caso das escolas do PEIF a promoccedilatildeo do ensino biliacutenguumle (BRASIL 2016) Disponiacutevel em lthttpwwwbrasilgovbreducacao201406fundo-destina-verba-para-garantir-atividades-da-educacao-integralgt Acesso em 14102015
121
A professora Clara quando questionada se jaacute passou por alguma formaccedilatildeo
responde que em 2015 teve uma que partiu da iniciativa dos professores da escola
Foi para os professores novos que trabalham aqui para conhecerem o projeto pois muitos professores sabem que existe o projeto sabe mais ou menos como ele funciona sabe assim que tem professoras de laacute que vem pra caacute e professoras daqui que vai pra laacute e soacute Mas o funcionamento mesmo tinha bastante professor que natildeo conhecia Daiacute agrave escola tomou iniciativa de fazer um dia todo de formaccedilatildeo Foram levantadas as dificuldades que cada um sentia ou no que poderia mudar mas ateacute agora ningueacutem deu um parecer daquilo ficou no papel (Entrevista realizada com a professora Clara em julho de 2015)
O que chama atenccedilatildeo na fala da professora Clara eacute a iniciativa local A
comunidade escolar organizou um curso de formaccedilatildeo para os professores Nesse
sentido abre possibilidades para que ainda que as poliacuteticas tenham sido em sua
elaboraccedilatildeo sem discussatildeo com as escolas no momento em que se inicia na
praacutetica pode ser ressignificada Aleacutem disso faz-se necessaacuterio maior estreitamento
com a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do PEIF pois conforme a fala das
professoras entrevistas eacute importante a formaccedilatildeo dos professores envolvidos no
projeto
Tacircnia quando questionada se ela conhecia o processo de elaboraccedilatildeo em que
surgiu o PEIF embora goste do projeto deixa claro que a iniciativa na sua
concepccedilatildeo foi arbitraacuteria
Noacutes bdquoengolimos goela a baixo‟ Soacute que natildeo tem apoio nenhum () assim eacute uma coisa muito bonita eacute um projeto maravilhoso Na verdade para ser um projeto mesmo tinha que ter a integraccedilatildeo tanto de noacutes professores funcionaacuterios e tudo mas principalmente das crianccedilas Conhecer a realidade um do outro soacute que isso noacutes nunca conseguimos (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Uma das criacuteticas evidenciadas no decorrer desta dissertaccedilatildeo eacute que o
processo histoacuterico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas educacionais tem origem
distante dos interesses dos grupos interessados por elas Mesmo quando eacute fruto das
demandas sociais elas passam por um confronto de interesses cujo resultado
culmina em leis projetos programas e curriacuteculos que nascem ambiacuteguos
(FRIGOTTO 2002)
122
Santos (et al 2015) em artigo sobre a construccedilatildeo de conhecimento em
Linguiacutestica Aplicada com foco no letramento considerando os conflitos entre o
conhecimento local o campo acadecircmico e os programas governamentais
descrevem as experiecircncias vivenciadas em um processo de formaccedilatildeo de
professores em uma escola puacuteblica na Triacuteplice Fronteira (Brasil Paraguai e
Argentina) As autoras chamam atenccedilatildeo para a resistecircncia de alguns professores
que podem interpretar a interferecircncia externa natildeo como uma cooperaccedilatildeo mas como
ameaccedila pela ldquoimposiccedilatildeo de um conhecimento considerado superior e
consequumlentemente tambeacutem uma desqualificaccedilatildeo do trabalho ali construiacutedordquo
(SANTOS et al 2015p 51) No caso do PEIF a criacutetica da professora Tacircnia
encontra-se na ausecircncia da participaccedilatildeo dos professores diretamente envolvidos no
programa e da falta de integraccedilatildeo entre os alunos dos dois paiacuteses envolvidos
355 As fronteiras do projeto
Quando perguntado agraves professoras quais satildeo as possiacuteveis sugestotildees para
melhorias para o projeto elas sugerem que os alunos possam fazer parte do cruce
No entendimento delas seria importante a integraccedilatildeo entre esses alunos Poreacutem a
rigidez das aduanas com relaccedilatildeo agrave documentaccedilatildeo e agrave travessia de crianccedilas na
ausecircncia dos pais somadas a toda responsabilidade que isso acarretaria torna
difiacutecil imaginar essa possibilidade Com isso o intercacircmbio dos alunos se reduz ao
envio de viacutedeos cartas e fotografias
Tacircnia acrescenta ainda que os proacuteprios professores correm um certo risco ao
fazer a travessia Em caso de acidente natildeo haacute nada que possa comprovar que elas
estavam em horaacuterio de trabalho
A gente vai pra laacute com a cara e a coragem noacutes natildeo temos nada que nos assegure Que Deus o livre se acontece uma desgraccedila Natildeo sei como que vai ficar porque natildeo tem nada que nos assegure Noacutes natildeo temos um seguro de vida nada que nos ampare legalmente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntadas sobre as dificuldades referentes ao bilinguumlismo as
professoras expressam que os alunos argentinos compreendem bem o portuguecircs e
alguns falam portunhol Satildeo curiosos conhecem as novelas os jornais e muacutesicas
123
brasileiras Este fato eacute atribuiacutedo ao intenso contato com os meios de comunicaccedilatildeo
brasileiro principalmente a televisatildeo explica Tacircnia
No comeccedilo eu achei que ia ter dificuldade de entendimento eacute claro que a gente natildeo entende cem por cento mas eu natildeo vi dificuldade nenhuma porque laacute eles satildeo muito receptivos Laacute as crianccedilas participam muito mais do que aqui e assim quanto agrave liacutengua natildeo tem dificuldade nenhuma porque as crianccedilas falam o portunhol e muitos o portuguecircs perfeitamente e eles nos entendem perfeitamente Laacute eles seguem as nossas programaccedilotildees da TV falam que aprendem o portuguecircs na TV na tela Eles amam o portuguecircs eles amam a programaccedilatildeo nossa aqui a gente chega laacute pelo menos nas salas que eu entrava eles querem falar sobre a novela eles querem conversar sobre as nossas programaccedilotildees e quando eu os questiono sobre onde eles aprenderam tudo aquilo eles respondem na tela professora na tela (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Os alunos brasileiro tecircm muita dificuldade com o espanhol Tacircnia explica que
geralmente as professoras brasileiras tecircm que permanecer em sala de aula para
auxiliar as professoras argentinas Retomo os aspectos histoacutericos da cidade para
explicar que o espanhol foi uma liacutengua presente no ensino do municiacutepio mas que foi
retirada do curriacuteculo acrescentando a importacircncia de se promover novamente a
inserccedilatildeo do espanhol nos curriacuteculos baacutesicos para as escolas situadas em fronteira
ou que pelo menos as escolas que integram PEIF
Creio eu que pra nossa cidade aqui () noacutes vivemos em uma fronteira aonde convivemos com dois paiacuteses que fala espanhol entatildeo natildeo que o inglecircs natildeo seja importante mas pelo menos na rede puacuteblica ou ateacute mesmo na particular o espanhol deve fazer parte da grade ou pelo menos nas escolas que tem esse projeto (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
356 PEIF Uma alternativa na fronteira
Com base na literatura que destaca a importacircncia de se analisar as poliacuteticas
puacuteblicas foi possiacutevel verificar que o Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
possui algumas falhas advindas de seu processo de implementaccedilatildeo Dos atores
envolvidos nesse processo os principais satildeo oriundos dos Ministeacuterios da Educaccedilatildeo
a partir de acordos bilaterais Nesse sentido a verticalizaccedilatildeo da implementaccedilatildeo
originou alguns problemas como resistecircncia em aderir ao projeto divergecircncias de
turnos e conflitos de carga horaacuteria das escolas envolvidas Esses problemas talvez
124
pudessem ser amenizados caso os professores e demais membros da equipe
pedagoacutegica das escolas fizessem parte do processo de estruturaccedilatildeo do programa e
natildeo apenas da execuccedilatildeo
A inserccedilatildeo do Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles na cidade de Foz do
Iguaccedilu enquanto uma poliacutetica linguumliacutestica e ao mesmo tempo integracionista
demonstrou alguns ranccedilos Primeiro os documentos de 2008 sobre os primeiros
impactos do programa trata do tema resistecircncia do professor ao aderir ao programa
tambeacutem constado na fala da professora entrevistada que criticou o caraacuteter arbitraacuterio
das poliacuteticas educacionais e de como elas chegam agraves escolas
Eacute importante assinalar que do processo de implementaccedilatildeo o PEIF comeccedilou
sem um marco oficial para a sua institucionalizaccedilatildeo Segundo o ldquoPrograma de
Promoccedilatildeo do Desenvolvimento da Faixa de Fronteirardquo (2010) de 2004 ateacute 2010
ainda natildeo havia as bases legais para implementaccedilatildeo do Programa Isso deu
margem para que em vaacuterias anaacutelises o Programa fosse descrito como projeto pois
natildeo havia um estatuto ou algo que delimitasse o que caracterizava essa poliacutetica
Arbitraacuteria tambeacutem eacute a ausecircncia de discussotildees mais profundas sobre a
implementaccedilatildeo de uma poliacutetica linguiacutestica em regiatildeo de fronteira Nas entrevistas
constatou-se que os alunos argentinos possuem mais proximidade com a liacutengua
portuguesa e em contrapartida os alunos brasileiros demonstraram pouca
intimidade com a liacutengua portuguesa Sturza (2006) explica que enquanto no campo
internacional o espanhol deteacutem certo status se comparado ao portuguecircs na
fronteira esse papel eacute invertido pois argentinos da regiatildeo consideram o portuguecircs
como liacutengua de mais valor
Como pano de fundo desta discussatildeo encontra-se o Estado-naccedilatildeo O Brasil eacute
uma potecircncia regional36 o que pode contribuir tanto para o imaginaacuterio dos brasileiros
quanto de argentinos da regiatildeo ao considerarem os aspectos de nossa cultura isso
inclui nossa liacutengua oficial como superior ao espanhol Outro aspecto relevante eacute a
expressiva presenccedila dos meios de comunicaccedilatildeo por meio dos sinais de raacutedio e TV
que chegam aos lares argentinos o que faz com que eles tenham um contato mais
36
Ver Moniz Bandeira (2008) Texto para o seminaacuterio sobre ldquoA poliacutetica exterior do Brasil em sua
proacutepria visatildeo e na dos parceirosrdquo No artigo o autor cita os aspectos teoacutericos e histoacutericos que permitem caracterizar o Brasil enquanto uma potecircncia regional desde o seacuteculo XIX O que inclui sua dimensatildeo territorial seu poderio econocircmico e militar Disponiacutevel emlt httpwwwespacoacademicocombr09191bandeirapdf gt Acesso em 17112015
125
intenso com a liacutengua por meio dos programas de TV como as novelas citadas pela
professora entrevistada
O programa possui outras lacunas Eacute preciso estabelecer um consenso sobre
o orccedilamento para o programa a fim de fomentar a formaccedilotildees dos professores
manter uma estrutura que possibilite o transporte dos professores com seus
materiais didaacuteticos Contudo em termos de poliacutetica educacional para fronteira eacute a
primeira destinada para regiotildees de fronteira o que significa um certo avanccedilo para a
regiatildeo Eacute importante destacar que o PEIF eacute uma poliacutetica multilateral envolve outros
paiacuteses do Mercosul o que pode ser um exemplo de cooperaccedilatildeo para a promoccedilatildeo de
outras poliacuteticas educacionais
Eacute pioneirismo do Programa por meio da poliacutetica educacional para fronteira
internacional possuir como eixo a funccedilatildeo integradora onde o Mercosul tornou-se a
instituiccedilatildeo que fomentou a ideia a fim de promover programas que ultrapassam as
relaccedilotildees meramente econocircmicas entre os paiacuteses-membros A avaliaccedilatildeo inicial do
Programa mostrou que alguns pontos devem ser repensados Dos relatoacuterios
analisados constam poucos registros por parte dos professores sobre o processo de
aprendizado da liacutengua por parte dos alunos brasileiros Seria fundamental que o
mecanismo de avaliaccedilatildeo do Programa fosse aprimorado com instrumentos capazes
de captar como se daacute o programa em sala de aula mas conforme expresso aqui no
Brasil satildeo poucos os estudos e metodologias de avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
126
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A relaccedilatildeo Estado-naccedilatildeo fronteira e poliacuteticas educacionais foram agraves palavras-
chave que nortearam esta dissertaccedilatildeo A hipoacutetese inicial eacute de que as poliacuteticas
educacionais principalmente as direcionadas para todo o ensino em niacutevel nacional
natildeo contempla as especificidades presentes na fronteira de Foz do Iguaccedilu Desse
modo para o desenvolvimento da hipoacutetese de trabalho buscou-se compreender um
pouco da histoacuteria da educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu e suas particularidades por ser
uma cidade de fronteira
No primeiro capiacutetulo buscamos apresentar os principais conceitos que
norteiam a palavra fronteira Segundo a etimologia a palavra eacute de origem latina Foi
utilizada pela primeira vez no seacuteculo XVIII para estabelecer limites entre exeacutercitos
em conflito deslizando para as definiccedilotildees de fronteira do ponto de vista geograacutefico
geopoliacutetico e socioloacutegico (BECKER 2007 ALBUQUERQUE 2010 SILVA 2010)
Um dos principais objetivos deste capiacutetulo foi de apresentar a fronteira enquanto
uma regiatildeo em que eacute possiacutevel observar os principais instrumentos do Estado para o
construto da naccedilatildeo tais como a imprensa a escola e o exeacutercito
Dentro deste estudo a instituiccedilatildeo escolar foi o centro da pesquisa Com isso
foram apresentadas resultados de pesquisas anteriores (PEREIRA 2009 SOUZA
RODRIGUES 2009 TERENCIANI 2011) que destacam a relaccedilatildeo da escola na
fronteira sob diferentes perspectivas principalmente o da inserccedilatildeo do aluno oriundo
de outro paiacutes que faz fronteira com o Brasil e os principais desafios encontrados por
ele e para a escola Os dados apresentados neste capiacutetulo apontam que quando se
trata de investimentos em poliacuteticas puacuteblicas para regiatildeo de fronteira internacional o
Brasil tem priorizado as poliacuteticas de seguranccedila conforme os trabalhos de Franccedila e
Dorfman (2014) Trata-se de informaccedilotildees que vatildeo em direccedilatildeo aos aspectos
histoacutericos da funccedilatildeo do Estado e das concepccedilotildees de soberania e territoacuterio que
foram apresentadas no iniacutecio deste capiacutetulo
O segundo capiacutetulo apresentou a gecircnese das primeiras escolas na cidade de
Foz do Iguaccedilu sempre vinculadas aos outros aspectos como os fatores econocircmicos
e sociais Demonstrou-se que a formaccedilatildeo das escolas de Foz do Iguaccedilu antes
mesmo da fundaccedilatildeo da municipalidade contou com a presenccedila de estrangeiros que
na ausecircncia de um ensino formal criavam as suas proacuteprias escolas (WACHOWICZ
127
1984 SBARDELOTTO 2009) Essas escolas foram fechadas no periacuteodo
nacionalista momento em o governo brasileiro buscava a conformaccedilatildeo de uma
identidade e integraccedilatildeo nacional para tal conforme Lemiechek (2014) a criaccedilatildeo do
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu em 1943 possibilitou maior controle das escolas
principalmente das escolas estrangeiras
Identificou-se ainda que em meados da deacutecada de 1970 nos relatoacuterios
sobre a situaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu no campo educacional havia uma tendecircncia em
depositar no aluno a culpa do fracasso escolar Nesse caso os alunos oriundos do
Paraguai e da Argentina eram considerados os mais fracos e ldquoatrapalhavamrdquo o
desenvolvimento do restante da turma ou seja a diferenccedila interpretada como um
problema para escola a liacutengua do outro como um entrave
O capiacutetulo trecircs sobre as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo apresenta um
breve histoacuterico das poliacuteticas educacionais brasileiras evidenciando que elas satildeo
fruto do contexto ao qual se inserem o periacuteodo ditatorial evidenciou a ausecircncia da
populaccedilatildeo no processo criaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que por sua vez eram
controladas pelo Estado A partir do periacuteodo de abertura democraacutetica ateacute os dias
atuais as poliacuteticas educacionais passaram por inuacutemeras mudanccedilas Muitas
nasceram a partir das discussotildees oriundas de movimentos sociais das discussotildees
acadecircmicas etc Conforme Das e Poe (2004) o ldquoEstado eacute constantemente
refundado em suas formas de ordenar e fazer leis sugerindo que as margens satildeo
ldquodecorrecircncia e implicaccedilatildeo necessaacuteria do Estado assim como a exceccedilatildeo eacute um
componente necessaacuterio da regrardquo (DAS e POE 2004 p4)
Nesta premissa ao se analisar as principais poliacuteticas educacionais brasileiras
identificou-se que a questatildeo da diversidade cultural presente nos documentos tende
a generalizaccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo dada agrave superficialidade dos documentos Ainda
que represente um grande avanccedilo ao tornar obrigatoacuterio o ensino da cultura afro-
brasileira histoacuteria da Aacutefrica e indiacutegena nas escolas puacuteblicas e privadas brasileiras
quando chegamos agrave fronteira identificamos diversidades para aleacutem dessas duas
poliacuteticas
Tais princiacutepios de universalizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais satildeo o espelho
de um Estado que se formou tentando ter como princiacutepio legal o tratamento igual da
populaccedilatildeo algo que soacute acentua as desigualdades existentes na medida em que o
diferente eacute tratado como um problema a ser solucionado Com esta noccedilatildeo o Estado
128
deixa de ser reconhecido como um importante ator na reproduccedilatildeo das
desigualdades para ser considerado a uacutenica soluccedilatildeo para os problemas sociais
Algumas pesquisas realizadas em escolas presentes em regiotildees de fronteira
constataram a erronia praacutetica de culpabilizar os alunos e professores pelo sucesso
ou fracasso escolar satildeo os professores que natildeo tem formaccedilatildeo satildeo os brasiguaios
argentinos e paraguaios com sua bdquohibridizaccedilatildeo linguiacutestica‟ satildeo os aacuterabes (colocados
em uma uacutenica caixa como se todos viessem do mesmo paiacutes) satildeo os alunos
indiacutegenas que chegam nas escola falando bdquoapenas‟ o guarani As pessoas tornam-se
problema
No caso de Foz do Iguaccedilu o perfil dos alunos que frequumlenta as instituiccedilotildees
escolares demonstra que os conceitos de cidadania natildeo satildeo riacutegidos se (des)fazem
na fronteira Os alunos que chegam aos espaccedilos escolares fronteiriccedilos natildeo
necessariamente assimilaratildeo a liacutengua portuguesa como uacutenica e oficial Ao mesmo
tempo estes alunos trazem consigo conhecimentos adquiridos de seu paiacutes de
origem mas o processo de equivalecircncia de estudos acaba por negar esses
conhecimentos que para serem validados devem ser bdquotraduzidos‟ para o portuguecircs
Para aleacutem do problema linguiacutestico temos a questatildeo da integraccedilatildeo desse
aluno no ambiente escolar que eacute ao mesmo tempo permeada por tensotildees mas
tambeacutem pela aproximaccedilatildeo com o outro Essas relaccedilotildees merecem atenccedilatildeo da escola
a fim de evitar manifestaccedilotildees xenofoacutebicas preconceituosas estigmatizadas e de
inferiorizaratildeo
A primeira hipoacutetese do trabalho me levou a pensar apenas na relaccedilatildeo Estado
Nacional e poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira Poreacutem os vazios
encontrados ao se analisar essas poliacuteticas e o modo como o Estado se faz presente
e ao mesmo distante da fronteira levou-me a refletir sobre a emergecircncia de outras
pedagogias
Para outros sujeitos outras pedagogias (ARROYO 2015) Paulo Freire em
sua obra a Pedagogia do Oprimido fala aos educadores que eacute preciso ter ldquoum
profundo respeito pela identidade cultural dos alunos e das alunas () implica
respeito pela linguagem do outro pela cor do outro o gecircnero do outro outrordquo
(FREIRE 2001 p60)
Conhecer de perto uma poliacutetica educacional para a fronteira do ponto de vista
institucional e das poliacuteticas de governo possibilitou-me a constatar contradiccedilotildees e
complexidades de uma poliacutetica que envolve natildeo apenas o campo das relaccedilotildees
129
internacionais mas o diaacutelogo na construccedilatildeo de um curriacuteculo as implicaccedilotildees legais
para o tracircnsito de pessoas na fronteira os questionamentos sobre as reais intenccedilotildees
do programa PEIF e de como esse programa foi concebido Pode-se considerar que
o PEIF foi a uacutenica poliacutetica puacuteblica analisada a partir dos dois eixos propostos no
iniacutecio do capiacutetulo terceiro Mainardes (2006) Assim traccedilamos os aspectos que
envolveu o papel do Estado na elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica e buscamos por meio
da anaacutelise dos documentos e entrevistas demonstrar os principais aspectos
impactos que a poliacutetica exerceu na escola envolvida considerando principalmente
as experiecircncia dos atores envolvidos neste caso das professoras entrevistadas
Dos caminhos possiacuteveis para uma poliacutetica educacional na fronteira a
perspectiva intercultural ldquoreconhece e assume a multiplicidade de praacuteticas culturais
que se encontram e se confrontam na interaccedilatildeo entre diferentes sujeitosrdquo (FLEURI
2003 p12)
Por fim ao considerar a fronteira uma regiatildeo que engloba as cidades de Foz
do Iguaccedilu Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este a proposiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas em
conjunto com os paiacuteses envolvidos satildeo importantes para atender as demandas
locais
130
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ALINE CRISTINA PAVA
POLIacuteTICAS EDUCACIONAIS PARA DIVERSIDADE E ESCOLAS NAS FRONTEIRAS O CASO DE FOZ DO IGUACcedilU COM A ARGENTINA E O
PARAGUAI
Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Universidade Estadual
do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE- para obtenccedilatildeo do
tiacutetulo de Mestre em Sociedade Cultura e Fronteiras
junto ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Strictu Sensu
Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras Linha
de pesquisa Linguagem Cultura e Identidade
Orientadora ProfaordfDra Regina Coeli Machado e
Silva
FOZ DO IGUACcedilU-PR 2016
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)
Biblioteca do Campus de Foz do Iguaccedilu ndash Unioeste Ficha catalograacutefica elaborada por Miriam Fenner R Lucas - CRB-9268
P149 Paiva Aline Cristina
Poliacuteticas educacionais para diversidade e escolas nas fronteiras o caso de
Foz do Iguaccedilu com a Argentina e o Paraguai Aline Cristina Paiva - Foz do
Iguaccedilu 2016
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Orientadora Profordf Drordf Regina Coeli Machado e Silva
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociedade Cultura e Fronteiras - Universidade Estadual do Oeste do
Paranaacute
1 Triacuteplice Fronteira (Argentina Brasil e Paraguai) ndash Educaccedilatildeo 2 Escolas
ndash Foz do Iguaccedilu ndash Histoacuteria 3 Multiculturalismo ndash Foz do Iguaccedilu 4 Educaccedilatildeo
e Estado ITiacutetulo
CDU 37(8182892)
370145
ALINE CRISTINA PAIVA
POLIacuteTICAS EDUCACIONAIS PARA DIVERSIDADE E ESCOLAS NAS FRONTEIRAS O CASO DE FOZ DO IGUACcedilU COM A ARGENTINA E O
PARAGUAI
Esta dissertaccedilatildeo foi julgada adequada para a obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre em
Sociedade Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu em Sociedade Cultura e Fronteiras ndash Niacutevel de
Mestrado aacuterea de Concentraccedilatildeo em Linguagem Cultura e Identidade da
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute ndash UNIOESTE
COMISSAtildeO EXAMINADORA
______________________________________________________
Profa Dra Neiva Maria Jung
Universidade Estadual de Maringaacute (UEM)
Membro Efetivo convidado
_______________________________________________________
ProfDr Fernando Joseacute Martins
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Membro Efetivo da Instituiccedilatildeo
______________________________________________________
ProfaDra Regina Coeli Machado e Silva
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Orientadora
Foz do Iguaccedilu 15 de marccedilo de 2016
Dedico este trabalho
Aos meus pais Joatildeo e Maria
Aos meus irmatildeos William e Joatildeo Victor
Ao meu namorado Eduardo
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agrave Professora Dra Regina Coeli Machado pela compreensatildeo pelas
saacutebias orientaccedilotildees que natildeo se limitaram agraves paacuteginas desta dissertaccedilatildeo
Ao professor Dr Fernando Joseacute Martins e agrave professora Dra Neiva Maria Jung pela
participaccedilatildeo na banca de defesa
Aos meus pais Maria Aparecida e Joatildeo Bosco e irmatildeos Joatildeo Victor e William que me
deram o suporte necessaacuterio para essa jornada foi pensando neles que nos
momentos mais difiacuteceis tive forccedila para prosseguir
A todos os meus amigos que me apoiaram com as leituras de meus rascunhos
correccedilotildees e pelo incentivo que de modo direto ou indireto contribuiacuteram para a
conclusatildeo deste trabalho
Ao Eduardo Eliana e Baacuterbara que me deram o suporte emocional apoio e carinho
em toda essa trajetoacuteria
A primeira condiccedilatildeo para modificar a realidade consiste
em conhececirc-la
Eduardo Galeano (1985)
PAIVA Aline Cristina Poliacuteticas Educacionais para a diversidade e escolas nas fronteiras O caso de Foz do Iguaccedilu na fronteira com a Argentina e o Paraguai 2016 149 paacuteginas Dissertaccedilatildeo (Mestrado Interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras)- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
RESUMO
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as relaccedilotildees entre poliacuteticas educacionais e a diversidade cultural presente na fronteira de Foz do Iguaccedilu localizada no estado do Paranaacute A cidade brasileira juntamente com Ciudad del Este no Paraguai e Puerto Iguazuacute na Argentina formam a triacuteplice fronteira que dentre outras caracteriacutesticas eacute conhecida pelo turismo e pelas intensas relaccedilotildees comerciais O processo de formaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu foi marcado pela influecircncia dos paiacuteses da fronteira e pela presenccedila de outras nacionalidades e etnias Trata-se portanto de uma cidade natildeo apenas diversa pela presenccedila dos paraguaios e argentinos mas que tambeacutem eacute compartilhada por libaneses chineses coreanos chilenos bolivianos italianos dentre outros A escola e as poliacuteticas educacionais para esse contexto eacute o centro desta pesquisa na medida em que a instituiccedilatildeo escolar eacute um importante espaccedilo de socializaccedilatildeo A histoacuteria da educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu e a histoacuteria das poliacuteticas educacionais no Brasil revelam como a escola eacute uma instituiccedilatildeo importante na formaccedilatildeo da identidade nacional e como estas afetam a relaccedilatildeo com o bdquooutro‟ Nesse sentido foram analisados documentos de poliacuteticas educacionais para a diversidade implementadas apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 sendo elas a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 os Paracircmetros Curriculares Nacionais para a pluralidade cultural de 1997 o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute de 2015 e o curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do oeste do Paranaacute feita pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP) em 2007 Por uacuteltimo buscou-se analisar o Programa Escola Intercultural Biliacutengue iniciativa do Mercosul que tem como objetivo integrar as regiotildees fronteiriccedilas por meio da educaccedilatildeo Com base nas analises das poliacuteticas educacionais para a diversidade principalmente a partir de 1988 verificou-se uma tendecircncia universalista dessas poliacuteticas para a diversidade que difere da diversidade particular vivida em Foz do Iguaccedilu PALAVRAS-CHAVE poliacuteticas educacionais escola estado fronteira
PAIVA Aline Cristina Educational policies for diversity and schools in the boundaries the case of Foz do Iguaccedilu on the border with Argentina and Paraguay 2016 149 pages Dissertation (Masters in Interdisciplinary Society Culture and Borders) - State University of Western Paranaacute-UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
ABSTRACT
The objective of this study is from the relationship school and state investigate educational policies and consider whether they make it possible to work with diversity on the border of Foz do Iguaccedilu in the state of Paranaacute The Brazilian city along with Ciudad del Este in Paraguay and Puerto Iguazu in Argentina form the triple border which among other characteristics is known for tourism and the intense trade relations The process of formation of Foz do Iguaccedilu was marked by the influence of the border countries and the presence of other nationalities and ethnicities It is therefore a city not only different by the presence of Paraguayan and Argentinean neighbors but that is also shared by Lebanese Chinese Korean Chilean Bolivian Italian among others The school and educational policies in this context become the center of this research since the school is a major means of training and socialization of individuals and may contribute to the integration process the intercultural bias or other hand being a border to disregard the existence of ethnic and cultural diversity that makes up the school environment The reasons for the discussions in this work pass necessarily by the nation-state relationship with schoolThe history of education in Foz do Iguaccedilu and the history of educational policies in Brazil reveal how the school is an important institution in the national identity formation and how they impact relations in border schools To analyze the educational policies for diversity policies were analyzed educational documents from the Constitution of 1988 it derived the Law of Guidelines and Bases of National Education in 1996 and the National Curriculum Guidelines for cultural plurality in 1997 These two policies along with the State Plan for 2015 Paranaacute Education and basic curriculum for public school in western Paranaacute made by the Association of western Paranaacute Cities (AMOP) in 2007 to discuss public policies in the border region implies think of the region as a whole An example of an educational policy for border is the Intercultural Bilingual School Program the Mercosur initiative which passed through discussions with other countries in the border region In the city of Foz do the program takes place at the Municipal School Adele Zanotto Scalco and aims to contribute to the integral formation of children adolescents and young people through the articulation of actions aimed at regional integration through intercultural education by offering the bilingual educationIn order to get to know an educational policy there were two interviews with Brazilian teachers one former member of the program and the other which entered the year 2015 with the interviews it was possible to collect the first impressions of the program in Foz do Iguaccedilu its challenges and its importance as an educational policy in the field of linguistics integrationist content to influence future public policy KEYWORDS educational policies school state border
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai26
Figura 02- Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi
em Satildeo Paulo capital27
Figura 03-Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo28
Figura 04- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai52 Figura 05-- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre60
Figura 06- Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGB- Associaccedilatildeo dos Geoacutegrafos Brasileiros
ANPUH- Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria
AMOP ndash Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute
CEEPR- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
CF- Constituiccedilatildeo Federal
COEF- Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental
CONAE- Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CMC- Conselho do Mercado Comum
CRUTACS- Centros Rurais Universitaacuterios de Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria
DCE ndash Diretrizes Curriculares da Educaccedilatildeo Baacutesica do Estado do Paranaacute
DICEI- Diretoria de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral
EBN- Empresa Brasileira de Notiacutecias
GEREI- Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPOL- Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em Poliacutetica Linguiacutestica
ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PNC ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais
IMS- Instituto Mercosul Social
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional
MEC- Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
MEC Y T- Ministeacuterio de la Educaciacuteon Ciencia y Tecnologia
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NRE- Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
OMS- Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PPA- Plano Pluri Anual
PEIF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
PEIBF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues de Fronteira
PCN- Paracircmetros Curriculares Nacionais
PDI- Plano de Desenvolvimento Integrado
PEEPR- Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
PF- Poliacutecia Federal
PME- Plano Municipal de Educaccedilatildeo
PNE- Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PNLD- Plano Nacional do Livro Didaacutetico
PP- Poliacutetica Puacuteblica
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
RME- Reuniatildeo de Ministros da Educaccedilatildeo
SEB- Secretaria da Educaccedilatildeo Baacutesica
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SEEDPR- Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo do Paranaacute
SENAC- Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial
SEM- Setor Educacional do Mercosul
SISFRON- Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
SIS-MERCOSUL- Sistema Integrado de Sauacutede do Mercosul
SUED- Superintendecircncia da Educaccedilatildeo
SUS- Sistema Uacutenico de Sauacutede
TEC- Tarifa Externa Comum
UFF- Universidade da Fronteira Sul
UNESCO- Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura
UNILA- Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana
UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 15
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico 20 II Estrutura da dissertaccedilatildeo 21
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA 25 11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees 25 12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo 29 13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos 32 14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas 36 15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do Estado 41
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS 50
21 Contexto histoacuterico 51 21Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo 53 22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo61 23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus impactos na educaccedilatildeo 64 24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas escolas 69
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUA 71
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens 71 32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil 74 33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 83 34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais 84
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo 86 342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais 91 343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural 94 344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute 98 345 O Curriacuteculo da AMOP 100 346 Algumas consideraccedilotildees 103
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica educacional para a fronteira 104
351 Do processo de elaboraccedilatildeo 107 352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica 108 353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF 110 354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu 116 355 As fronteiras do projeto 122 356 PEIF Uma alternativa na fronteira 123
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 126
5 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 130
15
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo apresenta um estudo sobre as poliacuteticas educacionais e
diversidade em regiatildeo de fronteira internacional Os estudos fronteiriccedilos perpassam
por diversas aacutereas do conhecimento como a Geografia Sociologia Antropologia
Ciecircncia Poliacutetica que tem apresentado inuacutemeras pesquisas a partir das mais
variadas formas de conceituar e abordar a temaacutetica (FRANCcedilA DORFMAN 2013)
No que se refere aos estudos sobre a regiatildeo de fronteira na aacuterea da educaccedilatildeo a
produccedilatildeo ainda eacute tiacutemida no Brasil (FEDATTO 1995 CITRINOVITZ 1996
ROSSATO 2003)
Para Pereira (2009) isso se reflete no processo de desenvolvimento das
poliacuteticas puacuteblicas que ateacute recentemente estavam sendo tratadas de forma
homogecircnea e unilateral ou seja sem levar em consideraccedilatildeo as particularidades de
cada regiatildeo fronteiriccedila No que tange agrave poliacutetica educacional brasileira esta deve ser
pensada em contexto amplo onde fatores como a Constituiccedilatildeo Federal a poliacutetica
nacional de direitos humanos e os acordos e tratados internacionais devem ser
considerados assim como os fatores sociais e culturais da sociedade brasileira
(SILVA MOURA MELLO 2013) Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos
sobre as poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira no Brasil satildeo recentes mas
encontra-se em processo de construccedilatildeo e crescimento
Por outro lado grupos como a Rede RETIS do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro atuam desde 1994 com pesquisa de limites
e fronteiras internacionais Com uma ampla rede de associados o grupo conta com
um acervo digital1 com diversas notiacutecias artigos teses e dissertaccedilotildees sobre
fronteiras internacionais incluindo trabalhos sobre educaccedilatildeo e fronteira
internacional Existe tambeacutem o acervo digital2 do Instituto de Investigaccedilatildeo e
Desenvolvimento em Poliacutetica Linguumliacutestica fundado em 1999 com sede em
Florianoacutepolis Santa Catarina Brasil que desenvolve projetos de apoio teacutecnico agraves
comunidades agraves comunidades de falantes de liacutenguas e variedads linguiacutesticas
1Site oficial do Retis lt httpwwwretisigeoufrjbr gt Acesso em 23062015
2Site Oficial do Ipol lthttpe-ipolorgpublicacoesgt Acesso em 23062015
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minoritaacuterias do Brasil e do Mercosul objetivando a manutenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da
diversidade linguumliacutestica braseleira O instituto aleacutem de publicaccedilotildees proacuteprias divulga
inuacutemeros trabalhos que tratam do tema das poliacuteticas lingustiacutecas sendo um important
mecanismo de busca para pesquisa relacionadas agrave educaccedilatildeo e fronteira
internacional divulgando trabalhos como o de Sagaz (2013) e Pereira (2014) que
apresentam em suas dissertaccedilotildees o tema das escolas interculturais biliacutenguumles de
fronteira
As universidades localizadas nas regiotildees de fronteira internacional tem se
constituiacutedo enquanto importantes centros de investigaccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e
fronteira a citar a Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE) que
possui o programa de poacutes-graduaccedilatildeo strictu sensu em Sociedade Cultura e
Fronteira que conforme as especificaccedilotildees em sua paacutegina oficial3 tem entre outros
objetivos ldquoqualificar profissionais que desenvolvam durante o processo de formaccedilatildeo
capacidades para coordenar estudos e pesquisas transfronteiriccedilos na perspectiva
de ultrapassar as fronteiras geopoliacuteticardquo Nos uacuteltimos anos tambeacutem foram criadas
outras universidades em regiotildees de fronteiriccedilas como a Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFF) criada em 2009 localizada na Mesorregiatildeo Grande Fronteira
Mercosul e a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) criada
em 2010 na cidade de Foz do Iguaccedilu no Paranaacute Dentre outros objetivos estas
instituiccedilotildees buscam o desenvolvimento de pesquisa em regiotildees fronteiriccedilas
contribuindo assim para o crescimento de estudos no campo das poliacuteticas
educacionais em regiatildeo de fronteira internacional
O interesse em tratar do tema da fronteira e poliacuteticas educacionais comeccedilou
em 2011 momento em que saiacute de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais
para chegar agrave cidade de fronteira Foz do Iguaccedilu no Oeste paranaense com o
objetivo de cursar uma segunda graduaccedilatildeo pois sou licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Viccedilosa em Minas gerais e agora bacharel em Ciecircncia
Poliacutetica e Sociologia pela Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana As
duas graduaccedilotildees foram fundamentais para despertar o interesse pela pesquisa e
pelo mestrado interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras o que resultou
nesta dissertaccedilatildeo
3Paacutegina virtual do Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute lt
httpwwwunioestebrpossociedadeeculturagt Acesso em 13082014
17
Quando fiz a graduaccedilatildeo em Pedagogia meu interesse em poliacuteticas
educacionais para a diversidade nasceu em disciplinas de Sociologia da Educaccedilatildeo e
principalmente na disciplina que discutia as relaccedilotildees eacutetnicos e raciais nas escolas e
a formaccedilatildeo do professor A partir das reflexotildees sobre a funccedilatildeo da escola e do
professor em lidar com a diversidade eacutetica e racial em sala de aula meu problema
de pesquisa para a elaboraccedilatildeo do trabalho de conclusatildeo de curso foi de trabalhar a
formaccedilatildeo dos professores para desenvolver o trabalho com a Lei 1063903 que
tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria e da cultura afro-brasileira e africana em todas
as escolas puacuteblicas e particulares Ao teacutermino do curso senti a necessidade de
realizar outra graduaccedilatildeo a fim de me aprofundar melhor no campo da sociologia e
da educaccedilatildeo Conheci o curso da Unila e ingressei no curso de Ciecircncia Poliacutetica e
Sociologia no ano de 2011 O interesse por estudar na referida instituiccedilatildeo era
despertado pela curiosidade em viver em uma cidade de fronteira e pela proposta de
integraccedilatildeo latino-americana que a universidade propotildee
Finalizei a graduaccedilatildeo em Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia e meu objeto de
pesquisa foi as poliacuteticas educacionais no contexto do neoliberalismo a partir dos
anos de 1990 em comparaccedilatildeo com as poliacuteticas educacionais propostas pelos
movimentos sociais Seguindo a proposta de integraccedilatildeo da Unila optei por um
estudo comparado com as propostas oriundas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Movimentos Indiacutegenas na Boliacutevia
Entretanto minhas indagaccedilotildees sobre a vivecircncia de escolas na fronteira natildeo
puderam ser respondidas Durante estes anos em Foz do Iguaccedilu meu olhar sobre
as relaccedilotildees em meio agrave diversidade de etnias e nacionalidades mudou
significativamente e segue em transformaccedilatildeo
Meus primeiros contatos com a populaccedilatildeo e com os meios de comunicaccedilatildeo
local e as imagens que eles tinham sobre o lugar em que moravam logo contrastou
com meu imaginaacuterio sobre o que eacute uma fronteira A violecircncia diaacuteria presente nos
jornais televisivos e impressos fadava a fronteira como o inevitaacutevel caminho para
entrada do traacutefico de drogas e armas A ponte da Amizade que liga a cidade de Foz
do Iguaccedilu agrave Ciudad del Este como o limbo entre o legal e o ilegal A passagem dos
trabalhadores caracterizados como informais era uma constante nos jornais A frase
ldquotinha que ser paraguaiordquo chegou aos meus ouvidos algumas vezes como tambeacutem
as noccedilotildees de que a Ciudad del Este era suja e desorganizada e o paiacutes de um modo
geral atrasado e pobre Tambeacutem eram perceptiacutevel as imagens referentes aos
18
aacuterabes caracterizados como ricos e isolados do restante da populaccedilatildeo aleacutem da
falta de distinccedilatildeo da comunidade aacuterabe pelo paiacutes de origem ou pela divisatildeo religiosa
que haacute entre xiitas e sunitas dentro do islamismo Exemplos como esses me
provocaram Ingenuamente pensava apenas no lado positivo dessa integraccedilatildeo entre
diferentes nacionalidades e etnias mas a vivecircncia na cidade permitiu-me ampliar
essas referecircncias do que era fronteira para outras bdquofronteiras‟ e mais ainda
deslocou minha atenccedilatildeo para as escolas brasileiras que recebem diferentes perfis
de imigrantes o que torna a regiatildeo fronteiriccedila tatildeo peculiar
Meus primeiros questionamentos eram de como a escola recebia esses
alunos estrangeiros como era organizada a documentaccedilatildeo escolar como era
realizado o diagnoacutestico de alunos que haviam comeccedilado seus estudos em seu paiacutes
de origem e como eram as relaccedilotildees professor - aluno aluno-aluno e escola-aluno
Essas primeiras inquietaccedilotildees me levaram a outras como a questatildeo do curriacuteculo
escolar em cidades de fronteira uma vez que haacute uma tendecircncia nos curriacuteculos
oficiais agrave homogeneizaccedilatildeo como ao monolinguismo Outro ponto eacute sobre como a
escola lida natildeo apenas com a questatildeo do idioma mas tambeacutem como ela se
posiciona diante dos conflitos como estigmas negativos relacionados agrave origem dos
alunos que podem se revelar muitas vezes como praacuteticas xenofoacutebicas Na tentativa
de inferiorizar o outro eacute comum escutar brasileiros que tratam os paraguaios como
ldquoxiruacute4rdquo e preguiccediloso natildeo aprende porque ldquoa escola laacute eacute fracardquo Esses comentaacuterios
foram constantes em sala de aula durante o periacuteodo em que lecionei sociologia para
jovens e adultos em um cursinho popular entre os anos de 2011 e 2013 em Foz do
Iguaccedilu Nas ocasiotildees em que se abordava o tema da fronteira a imagem que se
tinha do paraguaio era carregada de valores negativos
Tantas inquietaccedilotildees impossiacuteveis de serem abarcadas em uma mesma
pesquisa pois estudar uma realidade fronteiriccedila exige bdquoolhares demorados‟ para o
objeto em estudo tiveram que ser delimitadas na seguinte proposta pensar as
poliacuteticas educacionais para a diversidade nas escolas de fronteira internacional
nesse caso nas escolas de Foz do Iguaccedilu cidade que faz divisa com a cidade
Argentina de Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este no Paraguai
4O termo xiru eacute de origem guarani Che ldquoeu meurdquo e iru ldquocompanheiro amigordquo que traduzindo para o
portuguecircs significa ldquomeu amigordquo ldquomeu companheirordquo mas para os brasileiros tomou a conotaccedilatildeo de falsificado (TRISTONE 2011)
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Ao delinear parte do percurso insiro parte de meus valores e visatildeo de mundo
que concordando com Ludke e Andreacute (1986) iratildeo influenciar a maneira como a
pesquisa eacute proposta ldquoem outras palavras os pressupostos que orientam seu
pensamento vatildeo tambeacutem nortear sua abordagem de pesquisardquo (LUDKE ANDREacute
1986 p03)
A justificativa da delimitaccedilatildeo empiacuterica passa pela relaccedilatildeo fronteira entre o
Estado nacional e a escola O espaccedilo escolar eacute visto como um espaccedilo de tensotildees e
contradiccedilotildees em que se manifestam as mais distintas formas de relaccedilotildees sociais
onde o preconceito o racismo a xenofobia e a exclusatildeo ocorrem ao mesmo tempo
em que se ldquocombate essas formas de violecircnciardquo A escola nesta dissertaccedilatildeo natildeo eacute
uma entidade a parte uma maacutequina do Estado Eacute tambeacutem instrumento do Estado
ao mesmo tempo que perpassa pela vida de diferentes sujeitos como os
professores alunos diretores pesquisadores que podem criar condiccedilotildees de
resistecircncia a fim de construiacuterem outros curriacuteculos a margem do Estado e adaptaacute-los
agrave realidade local e natildeo universal
Nesse sentido estudar as poliacuteticas puacuteblicas educacionais a partir da
diversidade nas escolas de fronteira parte da hipoacutetese de que o Estado ao mesmo
tempo em que se faz presente na fronteira a deixa agraves margens quando natildeo
consegue a partir das poliacuteticas educacionais nacionais direcionadas ou natildeo para a
diversidade lidar com as diferenccedilas proacuteprias de uma realidade fronteiriccedila
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as poliacuteticas educacionais e as
relaccedilotildees com a diversidade na fronteira A diversidade qual nos referimos reside na
presenccedila de muacuteltiplas nacionalidades e etnias presentes nas escolas e o que essa
presenccedila e suas manifestaccedilotildees a partir das relaccedilotildees entre os diferentes sujeitos
acarretam para a escola Embora os questionamentos desta pesquisa envolva as
escolas o objeto principal da pesquisa satildeo os documentos e as poliacuteticas
educacionais para a diversidade para as escolas situadas em regiatildeo de fronteira
internacional
A fim de desenvolver a hipoacutetese de trabalho o primeiro capiacutetulo aborda o
tema da fronteira Eacute preciso compreender a polissemia e as diferentes abordagens
no acircmbito da pesquisa Albuquerque (2009) apresenta os novos enfoques
socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos que tem dado acesso a pesquisas no
campo das praacuteticas culturais e sociais para aleacutem da visatildeo tradicional de fronteira
poliacutetico-juriacutedica Na concepccedilatildeo de Joseacute de Souza Martins (1997) a fronteira se faz
20
de muitas e diferentes coisas fronteiras espaciais fronteira do pensamento fronteira
da civilizaccedilatildeo etc Conforme essa citaccedilatildeo a concepccedilatildeo de fronteira ultrapassa a
visatildeo tradicional pois para o referido autor fronteira pressupotildee diferentes
significados sejam eles poliacuteticos econocircmicos sociais ou culturais
A partir do enfoque da fronteira enquanto limite juriacutedico e de espaccedilo de
relaccedilotildees sociais busca-se relacionaacute-los partindo do pressuposto de que o
nascimento da fronteira enquanto limite juriacutedico estabelecido para demarcar os
territoacuterios entre os Estado nacionais desencadeou em outros processos no campo
social que devem ser analisados a fim de desmistificar a cristalizaccedilatildeo das fronteiras
como um espaccedilo naturalizado
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico
Metodologicamente fizemos levantamentos de dados em fontes histoacutericas e
documentais para ldquoinvestigar os acontecimentos processos e instituiccedilotildees do
passadordquo (LAKATOS MARKONI 2003 p106) Compreende-se que para entender
as atuais formas de organizaccedilatildeo social na fronteira eacute fundamental refazer a histoacuteria
dessas instituiccedilotildees e costumes desde sua origem Desse modo foi possiacutevel no
momento da contextualizaccedilatildeo do objeto de estudo perceber quais foram os fatos
que influenciaram sua atual estrutura Assim o primeiro e segundo capiacutetulo centrou-
se principalmente na pesquisa bibliograacutefica que consistiu no levantamento de
dados por meio de livro artigos e perioacutedicos impressos e online
O terceiro capiacutetulo apresenta a anaacutelise das poliacuteticas educacionais Na
primeira parte da investigaccedilatildeo utilizou-se da pesquisa documental que difere da
pesquisa bibliograacutefica pela natureza das fontes de dados que satildeo ricas e estaacuteveis
(GIL 2010) Satildeo considerados documentos ldquoquaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informaccedilatildeo sobre o comportamento humanordquo
(LUDKE ANDREacute 1986 p38)
Os documentos analisados foram a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional (LDB96) os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCN‟S) de 1997 o
curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute (2007)
produzido por iniciativa da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP)
e o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEEPR)
21
Utilizamos como referencial analiacutetico a abordagem de poliacuteticas puacuteblicas de
Leite e Flexor (2006) e Secchi (2013) para anaacutelise do Programa Escola Intercultural
Biliacutenguumle de Fronteira
As entrevistas semiestruturadas tambeacutem fizeram parte do arcabouccedilo
metodoloacutegico da pesquisa Conforme Ludke e Andreacute (1986) as entrevistas natildeo
estruturadas onde natildeo haacute a determinaccedilatildeo e uma ordem riacutegida de questotildees
permitem com que o entrevistado fale do tema proposto com base nas informaccedilotildees
que ele possui Os benefiacutecios da entrevista sobre outras teacutecnicas ldquoeacute que ela permite
a captaccedilatildeo imediata e corrente da informaccedilatildeo desejada praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados toacutepicosrdquo (LUDKE ANDREacute 1986 p33-
34)
As entrevistas foram realizadas com duas professoras da escola brasileira
que recebem o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumle de Fronteira Uma das
entrevistadas participa do desenvolvimento do programa desde seu iniacutecio e a outra
professora passou a acompanhar o projeto em 2015 Essa escolha permitiu
conhecer as diferentes fases da inserccedilatildeo do programa na escola O principal
objetivo da entrevista foi o de analisar os impactos do PEIF na praacutetica a partir das
experiecircncias relatadas O PEIF foi a uacutenica poliacutetica analisada a partir de entrevistas
aos atores diretamente envolvidos pois ateacute o momento da redaccedilatildeo desta
dissertaccedilatildeo constatou-se que este programa eacute a uacutenica poliacutetica educacional oficial do
Estado direcionada especificamente para escolas em regiatildeo de fronteira
internacional
II Estrutura da dissertaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo estaacute estruturada em trecircs capiacutetulos juntamente com a
introduccedilatildeo e consideraccedilotildees finais No primeiro capiacutetulo- Eacute preciso falar de escola na
fronteira- buscou-se a revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica fronteira Em seguida a
Fronteira o Territoacuterio e Estado-naccedilatildeo satildeo abordados partindo do princiacutepio de que
no processo de consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo o territoacuterio representou o espaccedilo
onde o Estado exerce a sua soberania (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 2004)
A fronteira se insere na condiccedilatildeo de limite poliacutetico fundamental para delimitar o
territoacuterio que por sua vez seraacute o espaccedilo onde o imaginaacuterio da naccedilatildeo eacute construiacutedo
22
(ANDERSON 1993) A seccedilatildeo seguinte apresenta os aspectos da cidade fronteiriccedila
de Foz do Iguaccedilu que permite dizer que ela juntamente com Ciudad del Este e
Puerto Iguazuacute conformam uma regiatildeo fortemente interligada em que fatores como
os econocircmicos e sociais afetam as trecircs cidades
A premissa da triacuteplice fronteira enquanto uma regiatildeo conectada eacute observada nos
exemplos apresentados na seccedilatildeo 14 A porosidade do Estado na fronteira Um deles
demonstra a necessidade de se criar accedilotildees conjuntas para resolver questotildees como
a regulamentaccedilatildeo do trabalhador que atravessa de um paiacutes para o outro na busca
por melhores condiccedilotildees de salaacuterio e que ao natildeo possuir os documentos que o
regularize natildeo possui direitos de trabalho garantidos Os dois uacuteltimos toacutepicos deste
mesmo capiacutetulo abordam identidade e as escolas na fronteira respectivamente As
diferenccedilas que tem como um dos marcadores a identidade satildeo evidenciadas nas
escolas que se apresenta neste contexto enquanto reguladora a partir de padrotildees
universalistas construiacutedos sem um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007)
O capiacutetulo II- A Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu construtos e
contradiccedilotildees para a consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo concentrou-se no processo de
formaccedilatildeo das escolas no contexto em que a cidade de Foz do Iguaccedilu foi formada
como tambeacutem sua relaccedilatildeo com a fronteira A Colocircnia Militar criada para proteccedilatildeo e
colonizaccedilatildeo do territoacuterio marca o iniacutecio das demandas pela criaccedilatildeo de escolas que
na ausecircncia do poder puacuteblico eram improvisadas pelos setores da sociedade
(EMER 1991) A influecircncia dos paiacuteses vizinhos no iniacutecio do seacuteculo XX eacute evidenciada
em relatoacuterios que explicam que a ausecircncia de escolas eacute um fator preocupante pois
as crianccedilas brasileiras estavam indo estudar na Argentina Essa influecircncia estaacute nos
relatoacuterios do Plano de desenvolvimento integrado (PDI) da deacutecada de 1970 que ao
analisar a escola e os motivos do fracasso escolar culpabiliza os alunos
estrangeiros que natildeo falam o portuguecircs A deacutecada de 1930 e o projeto de
nacionalizaccedilatildeo de Getuacutelio Vargas satildeo abordados para analisar a importacircncia que a
escola tinha para a construccedilatildeo do projeto de naccedilatildeo
O uacuteltimo capiacutetulo Poliacuteticas Puacuteblicas para a educaccedilatildeo na fronteira entre
Argentina Brasil e Paraguai teve como objetivo analisar as poliacuteticas puacuteblicas
educacionais para a diversidade Apoacutes traccedilar a trajetoacuteria das poliacuteticas educacionais
no Brasil verificou-se seu viacutenculo direto com as condiccedilotildees histoacutericas de cada eacutepoca
No Brasil colocircnia as necessidades estavam voltadas para a catequizaccedilatildeo do
indiacutegena e na instruccedilatildeo dos filhos dos proprietaacuterios de terra e da elite colonial como
23
um todo (MARCILIO 2005) A chegada da coroa portuguesa em 1808 marca o
periacuteodo das reformas pombalinas Marques de Pombal criou uma seacuterie de cursos
profissionalizantes escolas militares tanto de niacutevel meacutedio como superior
(GHIRALDELLI JR 2001)
As primeiras deacutecadas de 1930 marcam o iniacutecio do predomiacutenio das reformas
educacionais de teor nacionalista Ateacute 1930 a estrutura econocircmica brasileira estava
voltada para o modelo agraacuterio-exportador principalmente no campo da cafeicultura
Com a crise do modelo oligaacuterquico e a entrada de Getuacutelio Vargas no poder um novo
modelo de produccedilatildeo se configura mas a dependecircncia do capital estrangeiro
permanece Eacute o modelo de substituiccedilatildeo de importaccedilotildees iniciado em 1930
caracterizado pela intervenccedilatildeo estatal na economia e no incentivo agrave criaccedilatildeo de
induacutestrias (IANNI 1994)
No campo educacional eacute criado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e com
ele importantes poliacuteticas educacionais como a reforma Francisco Campos em 1931
que regulamentou as escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
algumas concepccedilotildees pedagoacutegicas inovadoras (SAVIANI 2008)
O fim do Estado Novo com a nova constituinte proporcionou algumas
mudanccedilas na educaccedilatildeo Em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal foram
regulamentados foi criado o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC
As principais reformas educacionais aconteceram no governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1960) A construccedilatildeo de Brasiacutelia a abertura ao capital estrangeiro
e o investimento em tecnologia marcaram um periacuteodo em que a naccedilatildeo eacute mobilizada
para superar seu atraso No campo da educaccedilatildeo o programa de metas do governo
priorizou a formaccedilatildeo teacutecnica dos trabalhadores
Na deacutecada de 1950 inicia-se o debate sobre a Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
e sua funccedilatildeo ateacute entatildeo destinada agrave mera transmissatildeo de conteuacutedos Eacute o comeccedilo do
debate em torno da educaccedilatildeo popular que incluiacuteam vaacuterios adeptos educadores
liacutederes comunitaacuterios intelectuais e estudantes de todo o paiacutes A liberdade de
expressatildeo nos primeiros anos da deacutecada de 1960 permitiu que houvesse a criaccedilatildeo
de diversos espaccedilos para promoccedilatildeo das massas e da educaccedilatildeo popular Inspirado
nesse movimento de base o Plano de Nacional Alfabetizaccedilatildeo de 1964 no governo
de Joatildeo Goulart criou o meacutetodo que alfabetizava em 40 horas guiado pelo meacutetodo
de Paulo Freire Contudo com o golpe militar em 1964 o plano mal chegou a ser
implantado (PAIVA 1984)
24
A partir do governo dos militares em termos educacionais presencia-se a
repressatildeo exclusatildeo das camadas populares do ensino profissionalizante e o
desmantelamento da organizaccedilatildeo docente (GHIRALDELLI JR 2001)
A Constituinte de 1988 marca a retomada da participaccedilatildeo de diferentes
grupos organizados da sociedade como os movimentos sociais nas proposiccedilotildees de
poliacuteticas puacuteblicas A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 96 eacute nesse
sentido considerada um grande avanccedilo ao incluir em 2003 e 2008 a Lei 1063903
que torna o ensino de histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira como obrigatoacuterio
no curriacuteculo das escola puacuteblicas e brasileiras Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
com o tema transversal pluralidade cultural tambeacutem satildeo outros dispositivos que
buscam abordar a diversidade eacutetnico-racial nas escolas brasileiras (BRASIL 2003)
Apesar dos avanccedilos das poliacuteticas educacionais para diversidade algumas
anaacutelises apontam para a sua tendecircncia homogeneizadora (ABG 1996) As poliacuteticas
em niacutevel estadual natildeo satildeo muito diferentes dos pressupostos nacionais na medida
em que estatildeo subordinados agrave LDB96 e isso inclui o curriacuteculo baacutesico para a escola
puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute feito pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oe
ste do Paranaacute (AMOP)
Dentre as poliacuteticas educacionais estudadas o Programa Escolas
Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira eacute um programa que nasceu com o objetivo de
promover o processo intercultural por meio do ensino biliacutengue nas escolas
pertencentes a regiotildees de fronteira internacional Os primeiros paiacuteses que aderiram
ao programa foram a Argentina e o Brasil mediante acordos assinados dentro do
bloco econocircmico Mercosul por meio do Setor Educacional do Mercosul (SEM)
responsaacutevel por desenvolver as propostas para implementaccedilatildeo de poliacuteticas
educacionais dentre essas a poliacutetica linguiacutestica
25
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA
11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees
Etimologicamente a palavra fronteira deriva do latim Fron e quer dizer ldquode
frenterdquo Ela foi utilizada pela primeira vez no seacuteculo XIII para estabelecer o limite
temporaacuterio e flutuante que separava dois exeacutercitos de poder no momento de conflito
(FEgraveBVRE 1962 apud SILVA 2008 p8) Foi a partir da formaccedilatildeo e expansatildeo do
Estado-naccedilatildeo que a fronteira passou a ser sinocircnimo de limite de soberania O termo
linha de fronteira por sua vez representa os limites internacionais Tal expressatildeo
acompanhou estreitamente os avanccedilos do pensamento moderno sobre territoacuterio
Hoje assim como inuacutemeras palavras que mudam ou assumem outros
sentidos de acordo com o tempo e espaccedilo a palavra fronteira assume outros
sentidos e significados No dicionaacuterio de liacutengua portuguesa Aureacutelio5 a definiccedilatildeo de
fronteira eacute apresentada enquanto limite ou divisa de um dado territoacuterio No entanto
esta palavra natildeo se resume agrave noccedilatildeo de separaccedilatildeo De acordo com Becker (2007) a
fronteira eacute concebida como parte das relaccedilotildees humanas em suas mais distintas
formas sejam elas econocircmicas poliacuteticas sociais religiosas culturais ou simboacutelicas
Os novos enfoques socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos tecircm ampliado as
possibilidades de estudos diferenciados acerca do tema fronteira Um exemplo disto
satildeo as anaacutelises sobre praacuteticas culturais e accedilotildees sociais Para Albuquerque (2010) a
fronteira apresenta-se como um cenaacuterio de relaccedilotildees sociais
As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relaccedilotildees sociais entrelaccediladas com os atuais processos de globalizaccedilatildeo e de redefiniccedilatildeo do papel dos limites entre os Estados nacionais A fronteira eacute geralmente percebida por esses estudiosos como um lugar de passagem de contato e traduccedilatildeo cultural (ALBUQUERQUE 2010 p48)
Nesse sentido a palavra fronteira natildeo eacute neutra ao contraacuterio eacute carregada de
inuacutemeros sentidos como exemplifica Faacutebio Reacutegio Bento ldquopara o contrabandista
fronteira significa afliccedilatildeo para o exilado poliacutetico passar a fronteira significa
libertaccedilatildeordquo (BENTO 2012 p2)
5Ver Dicionaacuterio Aureacutelio Online Disponiacutevel em lthttpwwwdicionariodoaureliocomfronteiragt Acesso
em 01102014
26
Na perspectiva durkhiemiana Fronteira eacute definida enquanto um fato social
Em As Regras do Meacutetodo Socioloacutegico (1865) Eacutemile Durkheim busca trata-la como
coisa ou seja algo possiacutevel de ser estudado Sendo coisa social a fronteira eacute
exterior ao indiviacuteduo assim torna-se passiacutevel de ser compreendida e explicada
racionalmente Regina Coeli Machado e Silva (2015) citando Strathern (2014)
aponta entretanto que a ldquofronteira eacute um dos conceitos menos sutis da anaacutelise
socioloacutegica como reificaccedilatildeo de uma abstraccedilatildeo socialrdquo Eacute a partir dessa mesma
abstraccedilatildeo que obtemos efeitos sociais tanto de exclusatildeo e quanto de participaccedilatildeo
social demonstrado as ldquoambiguidades do Estado-Naccedilatildeo brasileiro e das suas
fronteiras geopoliacuteticasrdquo (STRATHERN 2014 apud SILVA 2015 p1)
De maneira geral os estudos referentes agrave fronteira apresentam-se tanto no
sentido Stricto - a noccedilatildeo tradicional onde fronteira eacute a divisa entre estados no
acircmbito nacional ou internacional6 - como tambeacutem no sentido Lato - neste caso as
fronteiras do pensamento sendo elas nocircmades e sociais A respeito deste uacuteltimo
pode-se mencionar o exemplo de uma cidade marcada pela desigualdade social
Nela a fronteira manifesta-se por meio da disposiccedilatildeo das residecircncias estatildeo
dispostas a cidade de Satildeo Paulo demonstra estas fronteiras de um lado
comunidades carentes de outro casas luxuosas7
Imagem 1 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte wwwoiguassucom
6Vide imagem 1
7Vide imagem 2
27
Imagem 2 - Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi em Satildeo Paulo capital
Fonte e foto Tuca Vieira- httpwwwtucavieiracombrA-foto-da-favela-de-Paraisopolis
Desse modo nesta dissertaccedilatildeo ao tratarmos a fronteira em seu sentido
geograacutefico estaremos buscando a localizaccedilatildeo no tempo e espaccedilo de onde
estamos falando Quando ampliarmos a noccedilatildeo deste termo para os sentidos poliacutetico
e social estaremos buscando responder a questotildees que dizem respeito agraves
consequecircncias de um processo histoacuterico em que os Estados nacionais mesmo
tendo realizado as demarcaccedilotildees de seus limites natildeo conseguiram impedir que o
mesmo ocorresse entre as populaccedilotildees que transitam em seu interior Eacute o que afirma
Albuquerque (2010) para o qual
A reflexatildeo sobre identidades nacionais e os conflitos sociais nas aacutereas de delimitaccedilotildees dos Estados-Nacionais produzem novas abordagens sobre as fronteiras e desnaturalizam as bdquofronteiras naturais‟ das naccedilotildees (ALBUQUERQUE 2010 p 45)
Em artigo publicado na obra ldquoDilemas e Diaacutelogos Platinos Fronteirasrdquo
Machado (2010) aponta que os estudos entre as fronteiras dos Estados-Nacionais
satildeo uacutenicos No caso do Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 confirmou a delimitaccedilatildeo de
150 km a partir do limite internacional como faixa de fronteira Desse modo natildeo
apenas a cidade que faz divisa com outro paiacutes eacute considerada fronteiriccedila mas
tambeacutem as outras cidades que ficam dentro desta faixa de 150 km
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE 2014)
o Brasil possui uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros e 16886 quilocircmetros de
fronteira terrestre com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul sendo eles Argentina
Boliacutevia Colocircmbia Guiana Peru Suriname Venezuela Paraguai Uruguai e com o
Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana conforme observa-se na Figura 3
28
Imagem 3 - Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo
Fonte Jornal Tribuna wwwjornaltribunacombr
Como os dados assinalam a dimensatildeo da fronteira do Brasil com os paiacuteses
da Ameacuterica Latina eacute expressiva e natildeo apenas no sentido de extensatildeo territorial
visto que o contato direto e diaacuterio entre as populaccedilotildees inseridas neste contexto torna
a fronteira expressiva tambeacutem no que se refere agrave dimensatildeo das relaccedilotildees sociais
Desse modo ao estudar as poliacuteticas puacuteblicas no contexto de fronteira
internacional natildeo eacute apenas a conjuntura nacional que estaacute sendo considerada mas
tambeacutem o plano externo -em sentido transnacional - considerando-se os fluxos da
populaccedilatildeo brasileira paraguaia e argentina que circulam de um paiacutes para o outro
Fernand Brauduel (1989) ao abordar as fronteiras afirma que elas
incorporam aleacutem da dimensatildeo espacial tambeacutem a ldquodimensatildeo temporalrdquo (BRAUDEL
1989 apud Heinsfeld 2014 281) Como exemplo o autor cita as divisotildees territoriais
da Ameacuterica colonial feitas por Portugal e Espanha delimitaccedilotildees essas que foram
incorporadas antes mesmo da independecircncia das colocircnias Braudel chama atenccedilatildeo
para este fato afirmando que a histoacuteria tem a tendecircncia de cristalizar as fronteiras
como se fossem ldquoacidentes naturaisrdquo (BRAUDEL 1989 p 147) Albuquerque (2010)
tambeacutem compartilha desse raciociacutenio Segundo este autor haacute uma tendecircncia
disseminada no senso comum em se conceber a fronteira enquanto algo dado
pronto e natural como se natildeo houvesse nenhum conflito de fronteira Para aleacutem
disto a fronteira tambeacutem eacute percebida preconceituosamente pela imprensa e o
imaginaacuterio popular como uma terra de ningueacutem perigosa e violenta ou seja espaccedilo
da ilegalidade e da transgressatildeo
Para Albuquerque estas representaccedilotildees satildeo construiacutedas principalmente a
partir de notiacutecias negativas associadas a conflitos violentos Como exemplo temos a
29
imigraccedilatildeo clandestina dos mexicanos para os Estados Unidos ou a disputa territorial
na faixa de Gaza entre Israel e a Palestina Cabe ressaltar que nesta perspectiva
os Estados nacionais desempenham um papel fundamental na construccedilatildeo destas
concepccedilotildees e noccedilotildees acerca da fronteira satildeo eles que legitimam tais imaginaacuterios
por meio de estrateacutegias de proteccedilatildeo do territoacuterio No caso da fronteira com os
Estados Unidos e Meacutexico a poliacutetica de seguranccedila eacute extremamente violenta natildeo
apenas no sentido fiacutesico por meio da construccedilatildeo de muros com arames farpados e
redes de alta tensatildeo mas por meio de um monitoramento que existe com a
utilizaccedilatildeo de tecnologias de ponta A natildeo obediecircncia aos limites pode levar aqueles
(natildeo apenas mexicanos) que queiram atravessar a fronteira ilegalmente agrave morte
Segundo Kearney (apud MONTIEL 2007) esta representaccedilatildeo dos problemas
fronteiriccedilos tem estado muito presente na imprensa norte-americana e tem resultado
na justificativa e defensiva do que ele denomina de ldquonacionalismo dos brancosrdquo
(KEARNEY 1991 apud MONTIEL 2007 p10) Isto explicaria o atual endurecimento
da poliacutetica do governo estadunidense que resulta natildeo apenas na militarizaccedilatildeo da
mesma mas no polecircmico projeto de construccedilatildeo de um muro ao longo da faixa de
fronteira remetendo ao modelo da ldquocortina de ferrordquo dos paiacuteses europeus no periacuteodo
da Guerra Fria que dividia de um lado os paiacuteses do leste europeu sob a influecircncia
da Uniatildeo Sovieacutetica e de outro os paiacuteses pertencentes agraves zonas de influecircncia dos
Estados Unidos
12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo
Segundo o Dicionaacuterio de Poliacutetica o Estado Moderno tal qual o conhecemos
tem suas origens nas transformaccedilotildees ocorridas ao final da Idade Meacutedia que
resultaram em tratados como a Paz de Vestfaacutelia que simbolizou ldquoo momento em
que se reconhece formalmente de modo geral a soberania absoluta do Estado no
plano internacionalrdquo (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 1998 p1090) Mas eacute a
definiccedilatildeo de Max Weber sobre o Estado Moderno uma das mais conhecidas Para
ele o Estado faz o uso legiacutetimo da violecircncia numa relaccedilatildeo entre homens que
dominam seus iguais em um determinado territoacuterio
Estado eacute uma relaccedilatildeo de homens dominando homens relaccedilatildeo mantida por meio da violecircncia legiacutetima (isto eacute considerada como
30
legiacutetima) Ele eacute uma comunidade humana que pretende com ecircxito o monopoacutelio do uso legiacutetimo da forccedila fiacutesica dentro de um determinado territoacuterio (WEBER 1998 p98-99)
Destaca-se aqui a questatildeo do territoacuterio uma vez que sua relaccedilatildeo com a
fronteira eacute inerente Logo falar de fronteira fiacutesica em sua definiccedilatildeo claacutessica
pressupotildee que haja um territoacuterio que fora delimitado a partir de tratados acordos ou
mesmo a venda do territoacuterio em disputa O geoacutegrafo Rogeacuterio Haesbaert afirma que o
territoacuterio estaacute mergulhado em
() relaccedilotildees de dominaccedilatildeo eou de apropriaccedilatildeo sociedade-espaccedilo desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominaccedilatildeo poliacutetico-econocircmica mais bdquoconcreta‟ e bdquofuncional‟ agrave apropriaccedilatildeo mais subjetiva eou bdquocultural-simboacutelica (HAESBAERT 2004 p95-96)
O autor chega a esta conclusatildeo apoacutes realizar uma analise histoacuterico-social do termo
quando a palavra territoacuterio surgiu com duas conotaccedilotildees material e simboacutelica ldquopois
etimologicamente aparece tatildeo proacuteximo de terra-territorium quanto de terreo-territor
(terror aterrorizar)rdquo (HAESBAERT 2004 p 2) O autor afirma que as duas
conotaccedilotildees tem a ver com poder natildeo somente no significado tradicional de bdquopoder
poliacutetico‟ ldquoEle diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto de dominaccedilatildeo
quanto ao poder no sentido mais simboacutelico de apropriaccedilatildeordquo (HAESBAERT 2004 p
2)
Portanto todo territoacuterio eacute ao mesmo tempo e obrigatoriamente em diferentes combinaccedilotildees funcional e simboacutelico pois exercemos domiacutenio sobre o espaccedilo tanto para realizar ldquofunccedilotildeesrdquo quanto para produzir bdquosignificados‟ (HAESBART 2004 p67)
Hoje o modelo de Estado territorial eacute definido como aquele que organiza este
territoacuterio que por sua vez eacute delimitado por uma fronteira cuja populaccedilatildeo estaacute unida
pelo sentimento de naccedilatildeo Por naccedilatildeo Benedict Anderson (1993) entende que ldquoseja
uma comunidade imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo
tempo soberanardquo (ANDERSON 1993 p24)
Utilizando a definiccedilatildeo de Anderson para naccedilatildeo tendo em vista que haacute outras
definiccedilotildees para o termo o autor explica que a naccedilatildeo eacute imaginada pois nem todos
aqueles que fazem parte dela se reconhecem ainda que tenham consciecircncia que
haja uma comunhatildeo entre eles Desse modo o sentido de pertenccedila agrave naccedilatildeo existe
somente quando os sujeitos partilham de certo imaginaacuterio social mesmo que natildeo se
conheccedilam mutuamente Entretanto esta imaginaccedilatildeo eacute limitada uma vez que seu
31
campo de abrangecircncia eacute limitado Eacute soberano assim o anseio de qualquer naccedilatildeo
ser livre da subordinaccedilatildeo de outros poderes8ou de outras naccedilotildees
Por fim a naccedilatildeo eacute imaginada como uma comunidade tendo em vista que
independentemente das desigualdades que existam entre as pessoas - sociais
poliacuteticas ou econocircmicas - o senso de companheirismo extrapola as diferenccedilas
sociais que haacute entre elas Para Anderson eacute este sentimento de unicidade que fez
com que tantas pessoas morressem em nome da defesa da naccedilatildeo nos uacuteltimos
seacuteculos
A fim de explicar como se deu este processo de construccedilatildeo da naccedilatildeo nos
paiacuteses europeus Benedict Anderson menciona os jornais impressos que quando
popularizados tornaram-se um dos meios mais eficazes de inculcar valores na
sociedade servindo entatildeo de instrumento para a construccedilatildeo de uma naccedilatildeo Se
partirmos da afirmaccedilatildeo de Durkheim segundo a qual a educaccedilatildeo tem como funccedilatildeo
coletiva adaptar a crianccedila ao meio social faz-se necessaacuterio para isto que se
estabeleccedila entre a sociedade e a escola uma ldquocomunhatildeo de ideias e sentimentos
suficientes entre os cidadatildeos comunhatildeo sem a qual qualquer sociedade eacute
impossiacutevelrdquo (DURKHIEM 2011 p63) podemos perceber como a escola e o modo
com que o Estado designa o que deve ou natildeo conter como base comum a todo
curriacuteculo nacional torna a educaccedilatildeo escolar um mecanismo de constructo da naccedilatildeo
seguindo portanto a mesma premissa de Anderson
Na cidade fronteiriccedila durante o periacuteodo de instalaccedilatildeo e funcionamento da
Colocircnia Militar da Foz de Iguaccedilu entre 1889 e 1912 jaacute havia uma preocupaccedilatildeo com
o fato de as crianccedilas brasileiras estudarem na Argentina Afinal estavam
assimilando a cultura e os valores nacionais do paiacutes vizinho o que ameaccedilava o
territoacuterio Mais tarde na Era Vargas o projeto nacionalista de unificar o paiacutes passou
pela educaccedilatildeo Neste periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais que tinham entre outros
objetivos
() homogeneizar a populaccedilatildeo dando a cada nova geraccedilatildeo o instrumento do idioma os rudimentos da geografia e da histoacuteria paacutetria os elementos da arte popular e do folclore as bases da formaccedilatildeo ciacutevica e moral a feiccedilatildeo dos sentimentos e ideias coletivos em que afinal o senso de unidade e de comunhatildeo nacional repousam
8Eacute tambeacutem imaginada como soberana porque nasceu numa eacutepoca em que o Iluminismo e a
Revoluccedilatildeo destruiacuteram a legitimidade do domiacutenio dinaacutestico e ordenado por Deus (ANDERSON 1993)
32
(PALMEIRA 1943 apud SCHWARTZMAN BOMENY COSTA 2000 p 93)
Diante das estrateacutegias que o Estado Moderno desenvolveu para construir a
ideia de naccedilatildeo a proacutepria fronteira poliacutetica requer quase sempre a justificaccedilatildeo
ideoloacutegica da comunidade nacional Fora preciso estabelecer na fronteira natildeo
apenas a delimitaccedilatildeo em termos juriacutedicos e fiacutesicos mas tambeacutem no social a partir
da separaccedilatildeo entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo
A preocupaccedilatildeo com a construccedilatildeo de um senso de unidade e de comunhatildeo
nacional pela educaccedilatildeo escolar portanto acompanhou a histoacuteria de Foz do Iguaccedilu
Pois eacute importante descrever na proacutexima seccedilatildeo como ela aparece retomando como
ideacuteia a fronteira na histoacuteria da cidade
13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos
A cidade de Foz do Iguaccedilu eacute reconhecida por ser uma importante cidade
turiacutestica Nela encontram-se uma das ldquosete maravilhas da naturezardquo as Cataratas do
Iguaccedilu e a maior usina geradora de energia do mundo9 a hidreleacutetrica Itaipu
Binacional Por fazer fronteira com o Paraguai a cidade brasileira torna-se ainda
mais atrativa devido ao comeacutercio com Ciudad del Este Os meios de comunicaccedilatildeo
que costumam divulgar os atrativos turiacutesticos de Foz do Iguaccedilu exaltam o fato da
cidade possuir diferentes etnias e nacionalidades convivendo em um mesmo
territoacuterio Na ocasiatildeo do centenaacuterio da cidade foi composta a muacutesica bdquoIsso eacute Foz do
Iguaccedilu‟ que evidecircncia esse bdquoolhar‟ multicultural
Cidade de todas as raccedilas Que aceita o negro que aceita o branco
Iacutendio cafuzo amarelo e mamelucoCidade cosmopolitaTem brasileiro tem
argentinoAacuterabe chinecircs paraguaio e palestino Isso eacute Foz do IguaccediluDa
triacuteplice fronteira do sul Onde o ceacuteu eacute mais que azulTerra das cataratas do
Iguaccedilu (COPETTI 2014)
Nos versos verifica-se que uma das principais caracteriacutesticas atribuiacutedas agrave
cidade eacute ser multicultural com diferentes nacionalidades e etnias convivendo
pacificamente neste territoacuterio rico por suas belezas naturais No entanto existe
tambeacutem uma narrativa que caracteriza a cidade como perigosa marginal rota para
9 Dados obtidos no site oficial da Usina Hidreleacutetrica de Itaipu Binacional Disponiacutevel em
lthttpswwwitaipugovbrgt Acesso em 12122015
33
o grande traacutefico de armas e drogas espaccedilo de corrupccedilatildeo e lavagem de dinheiro
representada principalmente pela imprensa argentina de Puerto Iguazuacute e de Foz do
Iguaccedilu (ALBUQUERQUE 2010) conforme os enunciados abaixo sugerem
-PF10 estoura quadrilha que envolvia empresas-fantasmas de Foz do Iguaccedilu e traficantes do Paraguai Operaccedilatildeo Sustenido desmantelou organizaccedilatildeo criminosa suspeita de movimentar R$ 300 milhotildees (PORTAL R7 22052015)
-Contrabando ldquoempregardquo 15 mil em Foz do Iguaccedilu (GAZETA DO POVO 03032015) -Policia Federal apreende cigarros contrabandeados e um veiacuteculo (JT TRIBUNA 29012016)
Na perspectiva de Lorenzo Macagno (2011) esta visatildeo tatildeo dicotocircmica e
oposta ldquose produz e se reproduz justamente num espaccedilo peculiar e contraditoacuterio
Ali nos confins da naccedilatildeo nos espaccedilos liminares e de tracircnsito eacute onde esta conciliaccedilatildeo parece impor a necessidade de uma perpeacutetua reatualizaccedilatildeo de si mesma Sob este aparente paradoxo reside uma tensatildeo iminente entre o bdquonacional‟ e o transnacional (MACAGNO 2011 p25)
Para conhecer a dinacircmica de Foz do Iguaccedilu enquanto cidade de fronteira eacute
preciso primeiramente localizaacute-la no contexto da Triacuteplice Fronteira que recebeu
essa denominaccedilatildeo a partir de 1992 momento em que se levantavam suspeitas da
presenccedila de terroristas islacircmicos na regiatildeo A partir de 1996 o termo foi oficialmente
adotado pelo governo dos trecircs paiacuteses Utilizo-me da tese de Fernando Lima (2011)
o qual defende e argumenta que esta Triacuteplice Fronteira pode ser considerada uma
regiatildeo por possuir caracteriacutesticas proacuteprias diferente assim de outras regiotildees do
estado do Paranaacute e do sul do Brasil (LIMA 2011)
Ao tratar da origem do termo Triacuteplice Fronteira Rabossi (2004) aponta que
antes dos anos de 1990 para se referir agrave regiatildeo em seu conjunto se falava zona
regiatildeo ou trecircs fronteiras Em alguns jornais do final dos anos de 1980 o termo
bdquotriacuteplice fronteira‟ aparece para nomear a regiatildeo entretanto esse uso era geneacuterico
nunca substantivo proacuteprio Para exemplificar a constataccedilatildeo da dificuldade que era
pensar os paiacuteses fronteiriccedilos enquanto uma unidade Rabossi (2004) cita o trecho
texto do jornalista Bojunga de 1978 que diz
10
PF - abreviaccedilatildeo para Poliacutecia Federal
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Em IguaccediluIguazuPuerto Presidente Strossneressa atividade [o contrabando] atinge caracteriacutesticas delirantes Nesse ponto em que as fronteiras da Argentina do Brasil e do Paraguai se encontram nada se perde tudo se trafica (BOJUNGA 1978 p 202 apud RABOSSI 2004 p 24)
A apariccedilatildeo do substantivo proacuteprio bdquoTriacuteplice Fronteira‟ surge a partir das
suspeitas de que havia terroristas islacircmicos na regiatildeo apoacutes os atentados na
embaixada de Israel na capital argentina Buenos Aires em 1992 Esta suspeita
aumentou apoacutes o atentado agrave Asociaciacuteon de Mutuales Israelitas Argentinas [AMIA]
em 1994 (RABOSSI 2004) Deste modo o termo Triacuteplice Fronteira surge
relacionado agraves questotildees de seguranccedila que envolve os trecircs paiacuteses ldquoEssa
denominaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de uma aacuterea singular e participa de sua
criaccedilatildeo a partir de uma praacutetica de nominaccedilatildeo que possibilita a emergecircncia
conceitual de um lugar onde estatildeo relacionadas agraves trecircs cidadesrdquo (RABOSSI 2004
p24) Rabossi (2004) considera a Triacuteplice Fronteira uma regiatildeo singular como Lima
(2011) afirma que Foz do Iguaccedilu possui caracteriacutesticas distintas das demais cidades
brasileiras cuja distinccedilatildeo se daacute por essa localizaccedilatildeo
Lima fala da integraccedilatildeo comercial seja por meio do turismo como a visitaccedilatildeo
agraves cataratas no Brasil e na Argentina seja por meio das compras em Ciudad del
Este que tornam a situaccedilatildeo econocircmica das cidades dependentes uma das outras O
autor chama atenccedilatildeo para a relaccedilatildeo entre as cidades de Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este Ele chega agrave conclusatildeo de que a relaccedilatildeo de trabalho entre brasileiros e
paraguaios natildeo se reduz agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos aos sacoleiros que pagam aos
paraguaios para atravessarem a ponte com a mercadoria que excede a cota
permitida ldquoTrata-se de uma verdadeira extensatildeo do mercado de trabalho de Foz do
Iguaccedilurdquo (LIMA 2011 p142)
Lima aponta que embora a Itaipu seja de suma importacircncia econocircmica para
o Brasil e o Paraguai a hidreleacutetrica eacute uma ldquoinduacutestria deslocalizadardquo (LIMA 2011 p
143) Isto significa que o que ela movimenta em termos econocircmicos fica longe da
cidade Os benefiacutecios para a cidade se encontram nos pagamentos de royalties e
nos salaacuterios dos trabalhadores que por sua vez eacute um grupo relativamente pequeno
o que ldquoimpede que se forme uma massa salarial grande o suficiente para gerar uma
dinacircmica endoacutegena de crescimentordquo (LIMA 2011 p142) Ateacute mesmo o expressivo
nuacutemero de funcionaacuterios puacuteblicos existente em Foz do Iguaccedilu em decorrecircncia da
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Aduana e da Poliacutecia Federal natildeo eacute capaz de juntamente com a Itaipu estimular o
mercado de serviccedilos local Uma das maiores movimentaccedilotildees econocircmicas da cidade
encontra-se no turismo motivado pelas Cataratas do Iguaccedilu No entanto esta aacuterea
apresenta inuacutemeras fragilidades sobretudo no que diz respeito agraves flutuaccedilotildees do
cacircmbio brasileiro e argentino aleacutem da questatildeo sazonal e a proacutepria dinacircmica do
mercado que gera a competiccedilatildeo com outros destinos turiacutesticos Com estas
caracteriacutesticas Fernando Lima afirma que tanto no acircmbito econocircmico como no
social Foz do Iguaccedilu articula-se aos fatos econocircmicos da fronteira conformando
uma economia regional Neste sentido o autor sugere a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas que possam oferecer maior liberdade ao comeacutercio da regiatildeo em relaccedilatildeo agraves
poliacuteticas nacionais
Devido agrave falta desse tipo de poliacutetica de fronteira que Machado (2010) afirma
que tem sido difiacutecil para os Estados-Nacionais lidarem com a real ldquofluidez dos
agrupamentos humanosrdquo e mais ainda com o ajustamento de redes poliacuteticas
identitaacuterias econocircmicas e sociais superpostas aos limites dos estados territoriais
(MACHADO 2010 p71) Torna-se necessaacuterio avanccedilar na concepccedilatildeo de Estado
para aleacutem da esfera juriacutedica e poliacutetica para compreender que a fronteira eacute um
espaccedilo permeado por vidas e com relaccedilotildees que ultrapassam os seus limites
territoriais A Triacuteplice Fronteira ldquoeacute o espaccedilo de trocas culturais onde o local e o
internacional se articulam estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas especiacuteficasrdquo
(MULLER 2005 p03)
Cury e Fraga (2013) consideram que a especificidade da Triacuteplice Fronteira
manifesta-se a partir das experiecircncias que se realizam nos espaccedilos e unem povos
e culturas distintas sociedades que apresentam princiacutepios sociais de forma
integrada na sua diversidade ldquosem que se dispense o fato de que os brasileiros satildeo
brasileiros paraguaios satildeo paraguaios e argentinos satildeo argentinosrdquo (CURY e
FRAGA 2013 p 52)
Estes fluxos intensos fazem com que haja encontros e desencontros De um
lado as trocas interculturais a sociabilidade e a relaccedilatildeo amistosa de outro e ao
mesmo tempo as tensotildees de ordem cultural
A vida na fronteira passa constantemente pela afirmaccedilatildeo do eu e consequumlentemente pelo reconhecimento do outro Os de laacute e os de
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caacute constroem a relaccedilatildeo estruturam o espaccedilo como sendo de ambos (MULLER 200311)
Neste sentido ocorre uma reatualizaccedilatildeo da naccedilatildeo na fronteira pois eacute um
espaccedilo que ao mesmo tempo une e separa nas palavras de Clemente de Souza
(2009 p106) ldquoSatildeo espaccedilos nos quais o local e o internacional se articula
estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas proacuteprias construiacutedas e reforccediladas pelos povos
fronteiriccedilosrdquo Para Souza (2009) as identidades e as culturas nacionais de cada um
dos paiacuteses fronteiriccedilos satildeo construiacutedas e reelaboradas por meio da interaccedilatildeo entre a
populaccedilatildeo desta regiatildeo assim acabam por constituir ldquooutra cultura e identidade
diferenciada capaz de recriar um novo lugar com aspectos regionaisrdquo (SOUZA
2009 p106)
14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas
Natildeo eacute apenas a educaccedilatildeo um tema delicado ao se abordar poliacuteticas puacuteblicas
para a fronteira Os exemplos das pesquisas tratadas nessa seccedilatildeo demonstram que
a particularidade da fronteira faz com que as poliacuteticas nacionais para o trabalho e a
sauacutede natildeo alcancem todos na fronteira
Na regiatildeo da Triacuteplice Fronteira a relaccedilatildeo que se estabelece principalmente entre
o Brasil e o Paraguai chama a atenccedilatildeo por seus laccedilos comerciais que fazem com
que o fluxo de pessoas seja intenso nos dois lados da fronteira Eacute comum a
premissa um morador passar o dia de trabalho em paiacutes vizinho onde sua renda eacute
obtida e viver parte do tempo em seu paiacutes de origem Eacute o caso dos trabalhadores
que satildeo contratados para atravessar mercadorias de Ciudad del Este para Foz do
Iguaccedilu de brasileiros que possuem alguma atividade comercial na Argentina ou
Paraguai ou das trabalhadoras domeacutesticas conhecidas como diaristas De modo
direto ou indireto satildeo trabalhadores (as) que contribuem com a economia da regiatildeo
fronteiriccedila mas que do ponto de vista dos direitos trabalhistas eacute um grupo que
acaba ficando agrave margem desses direitos por diferentes justificativas No caso das
11 Documento eletrocircnico sem paginaccedilatildeo MULLER K M O estudo Miacutedia e fronteira jornais locais em Uruguaiana-Libres e Livramento-Rivera Tese de doutorado defendida na Universidade do Vale dos
Sinos Satildeo Leopoldo fev 2003
17112015
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diaristas paraguaias dada sua situaccedilatildeo de imigrantes encontram dificuldades para
a comprovaccedilatildeo de documentos necessaacuterios para exercer tal atividade no paiacutes Com
isso acabam na informalidade abrindo brechas para a desvalorizaccedilatildeo de seus
salaacuterios podendo ateacute mesmo virem a trabalhar sob condiccedilotildees insalubres e
exaustivas O delegado da Poliacutecia Federal Rodrigo Perin em uma reportagem
concedida ao site G1 fez a seguinte observaccedilatildeo sobre essa situaccedilatildeo
Na realidade se a pessoa estiver regularizada em territoacuterio nacional e estiver apta para trabalhar como ela vai ter todos os direitos trabalhistas ela natildeo vai poder receber um salaacuterio menor do que o piso fixado para aquela categoria bdquoA partir do momento que ela se encontra em situaccedilatildeo irregular ela vai receber um salaacuterio muito iacutenfimo agraves vezes varia de R$ 150 a R$ 200‟ afirmou o delegado A pessoa que contratar uma empregada domeacutestica ilegal pode ser multado em R$ 2500 Aleacutem disso o patratildeo pode responder criminalmente por manter o trabalhador em condiccedilatildeo similar a de escravo A empregada pode ser deportada para o paiacutes de origem (PORTAL DE NOTIacuteCIAS G1 2011)
Como exemplo de uma possiacutevel soluccedilatildeo ao problema da informalidade o
Ministeacuterio Puacuteblico de Foz do Iguaccedilu apoacutes receber denuacutencias acerca das
trabalhadoras domeacutesticas em regime irregular de trabalho passou a notificar os
siacutendicos de condomiacutenios da cidade a prestar contas sobre o nuacutemero de funcionaacuterios
(as) e empregados(as) contratados pelos moradores Entretanto os proacuteprios
trabalhadores temendo a demissatildeo optaram por seguirem na informalidade Tal
medida explica Hofling (2001) ldquofoi puramente repressiva e unilateral por parte do
governo brasileiro sem planejamento ou conexatildeo com outras poliacuteticas integradas
com os paiacuteses vizinhosrdquo (HOFLING 2001 p 177)
No que confere agrave questatildeo entre o legal e o ilegal este uacuteltimo eacute tatildeo
frequumlentemente associado agrave fronteira que quase vira seu sinocircnimo Esta noccedilatildeo fora
criticada por Rabossi (2011) o qual considera que o modelo de ordem e de lei
vigente natildeo se aplica para pensar ldquoo funcionamento efetivo da lei nem as atividades
que se desenvolvem naquele espaccedilordquo (RABOSSI 2011 p64) Segundo Silva (2015)
a vida dessas pessoas que vivem na ilegalidade equivaleria ao que ela denomina
de ldquoprotocidadania em direccedilatildeo inversa ou a uma forma de vida ambiacutegua e
paradoxal diante do Estado-Naccedilatildeordquo Para a autora haacute uma cidadania que eacute rompida
em sua continuidade entre o nascimento e a nacionalidade onde o sujeito encontra-
se dentro e fora da lei imersos em uma bdquozona de inderteminaccedilatildeo‟ (SILVA 2015
p3)
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Quanto agrave questatildeo da violecircncia do traacutefico de drogas da exploraccedilatildeo sexual do
trabalho infantil que satildeo intensas na regiatildeo Rosana Pinheiro Machado (2011) em
seu artigo ldquoCaminhos do descaminho Etnografia da fiscalizaccedilatildeo na Ponte da
Amizade e seus efeitos no cotidiano da Triacuteplice Fronteira aponta que apenas ldquouma
fiscalizaccedilatildeo unilateral sem amparo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo parece extinguir tais
problemas mas apenas deslocaacute-losrdquo (MACHADO 2011 p145)
Quando se trata de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para a regiatildeo de fronteira
internacional o tema da seguranccedila e defesa nacional aparecem como destaque no
processo de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Albuquerque explica que a
ldquofronteira geralmente eacute uma zona onde as forccedilas repressoras e fiscalizadoras do
Estado tecircm dificuldade em exercer o monopoacutelio das armas e das leisrdquo
(ALBUQUERQUE 2005 p67) Essa suposta ausecircncia de controle acaba
legitimando a imagem de que a fronteira eacute uma terra de ningueacutem
O mesmo autor explica que a triacuteplice fronteira a partir de meados da deacutecada
de 1990 passou a ser representada principalmente pela imprensa brasileira e
argentina juntamente com os organismos oficiais de inteligecircncia dos Estados
Unidos como um local de traacutefico de armas e drogas de lavagem de dinheiro dentre
outros sendo portanto caracterizada como ldquosantuaacuterio da corrupccedilatildeo impunidade e
delinquumlecircnciardquo (ALBUQUERQUE 2010 p39)
Seja pelas imagens incansaacuteveis divulgadas pelos meios de comunicaccedilatildeo de
que a fronteira requer maior atenccedilatildeo no quesito seguranccedila ou pelas pressotildees
internacionais ou mesmo pelo interesse do Estado em querer legitimar o uso da
forccedila na regiatildeo demonstrando sua soberania perante os paiacuteses vizinhos a
seguranccedila na fronteira eacute o tema mais visiacutevel no sentido de poliacutetica puacuteblica
Certamente a securitizaccedilatildeo processo pelo qual a seguranccedila puacuteblica torna-se o argumento central nas relaccedilotildees entre sociedade e Estado (Gruszczac 2010) marca a gestatildeo estatal das fronteiras no globo com ecircnfases e significados ligados agrave seguranccedila puacuteblica nacional e internacional (Machado Novaes Monteiro 2009 Dorfman Franccedila 2013) O governo brasileiro mobiliza suas instituiccedilotildees como decorrecircncia dos processos securitizatoacuterios poacutes 11-S mas tambeacutem o faz dentro de um projeto maior e mais antigo de construccedilatildeo do Brasil potecircncia (FRANCcedilA DORFMAN 2014 p11)
Um exemplo desses projetos eacute o receacutem criado Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) um conjunto de sistemas integrados do
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exeacutercito brasileiro para o monitoramento e controle das fronteiras terrestres
Segundo o site oficial do SISFRON trata-se de um dos maiores projetos de
seguranccedila e defesa em execuccedilatildeo do mundo De acordo com o Ministeacuterio da Defesa
seu propoacutesito eacute ldquofortalecer a presenccedila e a capacidade de accedilatildeo do Estado na faixa de
fronteira terrestre contribuindo para a maior efetividade no combate aos delitos
transfronteiriccedilos e praticados na faixa de fronteirardquo (BRASIL 2014 p1) Dorfman e
Franccedila (2014) citam outros programas como o Plano Estrateacutegico de Fronteiras em
2011 promovido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
Estes e outros programas nacionais de proteccedilatildeo ao territoacuterio representam a
materializaccedilatildeo da claacutessica definiccedilatildeo de Estado o exerciacutecio do uso legiacutetimo da forccedila
tendo como pano de fundo dessa legitimidade o consenso da populaccedilatildeo que em
tese aceita em troca da proteccedilatildeo do Estado (WEBER 1998)
Aleacutem da seguranccedila a sauacutede eacute um setor delicado em regiatildeo de fronteira que
ao contraacuterio das poliacuteticas para seguranccedila da fronteira natildeo recebe recursos
diferenciados das demais regiotildees do paiacutes
Relatoacuterios do ldquoEstudo da Rede de Serviccedilos de Sauacutede na Regiatildeo de
Fronteirardquo referentes a 2001 e 2002 produzidos para a Organizaccedilatildeo Mundial da
Sauacutede (OMS) ao estudar a situaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica nas cidades de Puerto
Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad Del Este verificaram a existecircncia de uma
dificuldade no processo de contabilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo que necessita de
atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) haja vista que parte dessa
populaccedilatildeo eacute flutuante Deste modo os repasses de verba para o SUS acabam natildeo
abarcando a realidade total da populaccedilatildeo atendida
Neste estudo as informaccedilotildees indicaram ainda que a maior transferecircncia de
atenccedilatildeo existe entre Ciudad Del Este e Foz do Iguaccedilu Este fenocircmeno pode ser
explicado basicamente pela acessibilidade geograacutefica somadas agraves condiccedilotildees
sociais e comerciais manifestado no tracircnsito entre Ciudad del Este e Foz do Iguaccedilu
Nesse sentido Luis Astorga (2004) responsaacutevel pelo estudo da sauacutede nas trecircs
cidades completa
A atenccedilatildeo que os cidadatildeos do Paraguai solicitam em Foz equivale a algo entre 5 e 55 dos serviccedilos produzidos em Cidade do Leste sendo o Atenccedilatildeo Primaacuteria e de Especialidade os mais procurados pela populaccedilatildeo paraguaia Os serviccedilos mais demandados pela populaccedilatildeo paraguaia satildeo aqueles onde haacute maior diferenccedila entre Cidade do Leste e Foz que satildeo precisamente os serviccedilos
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ambulatoriais de especialidade Segundo os estudos de Foz aparentemente o maior fluxo de paraguaios concentra-se nos centros de sauacutede proacuteximos ao rio e agrave ponte dado que a populaccedilatildeo pode se deslocar a peacute desde Ciudad del Este (ASTORGA etal 2004 p88)
Cabe aqui a ressalva de que em regiotildees de fronteira internacional assim
como em outras regiotildees do paiacutes o problema da sauacutede eacute resultado de uma
conjuntura de fatores sendo que os mais citados para justificar a ineficiecircncia do
sistema eacute a falta de recursos humanos especializados as distacircncias entre os
municiacutepios e os grandes centros de referecircncia e a insuficiecircncia de equipamentos
para realizaccedilatildeo de tratamentos e procedimentos de meacutedia e alta complexidade
(GADELHA 2007 p216)
Na tentativa de amenizar essa situaccedilatildeo nas cidades de fronteira tendo o
MERCOSUL como propositor dessa poliacutetica criou-se o Sistema Integrado de Sauacutede
do Mercosul (SIS-MERCOSUL) Instituiacutedo em julho de 2005 e lanccedilado em
novembro do mesmo ano na cidade de Uruguaiana ndash RS ndash por meio do ministeacuterio
da sauacutede e dos Estados-membros do Mercosul seu objetivo eacute criar uma agenda
com propostas de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre os paiacuteses do referido bloco e garantir
o atendimento para a populaccedilatildeo da regiatildeo por meio de estrateacutegias que melhorassem
a sauacutede local dos paiacuteses envolvidos
Costa e Gadelha (2007) explicam que ldquoa ideacuteia eacute iniciar uma poliacutetica de
incentivo agrave gestatildeo a partir do repasse de recursos financeiros para os municiacutepios de
fronteirardquo (COSTA e GADELHA 2007 p218) Estas municipalidades por outra via
devem participar ativamente da elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico da realidade da sauacutede
local e realizar o cadastro da populaccedilatildeo no cartatildeo do SUS A complexidade do
diagnoacutestico reside no fato de que momento em que o Estado natildeo considera como
usuaacuterios do sistema uacutenico cidadatildeos advindos dos paiacuteses vizinhos Neste caso eacute
fundamental que haja investimento integrado com os demais paiacuteses
Alguns avanccedilos tecircm sido alcanccedilados no tocante agrave elaboraccedilatildeo de diagnoacutesticos de sauacutede para municiacutepios da linha de fronteira mas ainda natildeo se consegue verificar o relacionamento deste diagnoacutestico da infra-estrutura instalada e real utilizaccedilatildeo do sistema por parte da populaccedilatildeo flutuante que o utiliza Para reverter essa situaccedilatildeo muito haacute que se avanccedilar na coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de fronteiras no Brasil assim como em sua articulaccedilatildeo com as dos paiacuteses vizinhos (COSTA CADELHA 2007 p217)
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Como podemos observar nos dados apresentados autores que tratam das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas para regiotildees fronteiriccedilas insistem em uma melhor
articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses com poliacuteticas para a fronteira de modo
que estas possam ser executadas com sucesso
15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do
Estado
Albuquerque (2010) apresenta alguns trabalhos histoacutericos e antropoloacutegicos
acerca do Estado e dos agentes locais fronteiriccedilos ldquonas redefiniccedilotildees das identidades
nacionais regionais e locaisrdquo (ALBUQUERQUE 2010 p 46) Dentre estes estudos
o autor descreve aqueles referentes agrave fronteira dos Estados Unidos com o Meacutexico
em que a loacutegica de um hibridismo cultural de uma integraccedilatildeo cultural na fronteira
entre os dois paiacuteses eacute questionada Disto decorre o fortalecimento das identidades
nacionais Inspirados pelos estudos referentes agraves fronteiras entre os paiacuteses
Europeus e Meacutexico e Estados Unidos Albuquerque aponta que os antropoacutelogos do
cone sul em destaque os argentinos tecircm realizado inuacutemeras etnografias nas
fronteiras entres os paiacuteses da Ameacuterica do Sul
O que haacute de comum eacute a tentativa de pensar a tensatildeo entre naccedilatildeo e processos de integraccedilatildeo supranacionais e as maneiras como as identidades nacionais se fortalecem nestes espaccedilos de fronteiras apesar do visiacutevel hibridismo de liacutenguas e outras expressotildees culturais (GRIMSON 2003 KARASIK 2000 VIDAL 2000 apud ALBUQUERQUE 2010 p 27)
A complexidade das relaccedilotildees sociais existentes na fronteira nos permite dizer
que seria leviano rotular as pessoas que nelas transitam Conforme Laclau
(1996)ldquonatildeo se pode afirmar uma identidade diferencial sem distingui-la de um
contexto e no processo de fazer a distinccedilatildeo afirma-se o contexto simultaneamenterdquo
(LACLAU 1996 apud HALL 2003 p 85) No contexto da fronteira nos deparamos
com um sujeito que possui sua identidade nacional negociada o tempo todo atraveacutes
do encontro com os ldquooutrosrdquo
Em Foz do Iguaccedilu como mencionado eacute comum a presenccedila de outras etnias
e nacionalidades que buscam preservar seus costume e tradiccedilotildees mas ao entrar em
contato com outros costumes e valores acabam por adquirir parte de seus haacutebitos
Machado (2006) aponta que uma vez que a identidade sendo cultural e portanto
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social e historicamente construiacuteda ela pode ser reconstruiacuteda ou reinventada
conforme as circunstancias temporais e espaciais (MACHADO 2006 p 93)
Figueiredo (2005) afirma que a questatildeo da identidade vai para aleacutem da construccedilatildeo
para a negociaccedilatildeo
Se anteriormente as identidades apareciam como construccedilotildees ainda que percebidas como processos simboacutelicos hoje em dia aleacutem dessa noccedilatildeo pode-se pensar e discutir a identidade como negociaccedilatildeo tanto como nas fronteiras culturais como nas linguumliacutesticas e territoriais (FIGUEIREDO 2005 p546)
Deste modo estes encontros relaccedilotildees e negociaccedilotildees entre diferentes
costumes haacutebitos liacutenguas se fazem presentes em Foz do Iguaccedilu e tambeacutem se
manifestam em diferentes espaccedilos como o escolar A escola eacute considerada um
espaccedilo plural principalmente com a globalizaccedilatildeo que provocou dentre outras
mudanccedilas ldquoum redimensionamento de grupos e movimentos migratoacuteriosrdquo (VIERA
2010 p10) Grandes metroacutepoles como Satildeo Paulo possui um grande nuacutemero de
estrangeiros Em reportagem feita para o Jornal bdquoO Estado de Satildeo Paulo‟ a
jornalista Isabela Palhares foi agrave uma escola na capital paulista Os dados fornecidos
pela direccedilatildeo da escola indica que ela possui mais de 55 de alunos estrangeiros
Trata-se da Escola Estadual Marechal Deodoro no Bom Retiro regiatildeo central de
Satildeo Paulo Dos 772 estudantes matriculados 55 satildeo de outro paiacutes ou satildeo filhos
de pais que vieram recentemente para o Brasil ldquoA maioria desses alunos
estrangeiros eacute de bolivianos peruanos e paraguaios mas ainda haacute coreanos
argentinos chilenos e um camaronecircsrdquo (PALHARES 2015)
Embora natildeo seja uma grande cidade em termos populacionais12 como as
capitais ou metroacutepoles brasileiras Foz do Iguaccedilu possui uma diversidade notaacutevel
quanto agrave presenccedila de imigrantes de diferentes nacionalidades e etnias que
possibilita transformaccedilatildeo e reconfiguraccedilatildeo da cultura e do cenaacuterio local Essa
presenccedila de imigrantes como explica Maria Eta Viera (2010) nem sempre eacute
percebida pelo brasileiro como algo valorativo A autora descreve a reaccedilatildeo de
algumas pessoas em transportes puacuteblicos e nas ruas que ao perceberem a
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Conforme o censo realizado pelo IBGE em 2010 Foz do Iguaccedilu possui cerca de 260 mil
habitantesDisponiacutevel
emlthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=410830ampsearch=||infogrE1ficos-
dados-gerais-do-municEDpiogt Acesso em 14062015
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presenccedila do estrangeiro com traccedilos fiacutesicos diferentes e falando outro idioma
reagem com repulsa e redobram os cuidados com seus pertences (bolsa celular
carteira etc) (VIERA 2010)
Tradicionalmente tido como um paiacutes hospitaleiro receptivo ao extremo e que valoriza - agraves vezes ateacute de forma exagerada- o que eacute estrangeiro causam estranheza algumas atitudes que tecircm sido observadas com relaccedilatildeo a imigrantes de determinados paiacuteses (VIERA 2010 p61)
O imigrante que deixa seu paiacutes leva consigo a sua histoacuteria cultura valores e
ao chegar a outro paiacutes deve readequar a sua vida a este novo cenaacuterio Esse
encontro pode dar-se de modos diferentes ldquoprovocando desde uma coexistecircncia e
convivecircncia paciacuteficas entre os valores e costumes das comunidades envolvidas ateacute
repulsa e marginalizaccedilatildeo do estrangeiro (VIERA 2010 p63)
Conforme apresenta Homik Babha (1998) natildeo devemos concentrar nossas
atenccedilotildees seja em um lado ou em outro - neste caso o brasileiro em relaccedilatildeo aos
outros Ele critica esta noccedilatildeo binaacuteria entre totalidades Ao observar praacuteticas comuns
tiacutepicas de uma cultura assimiladas por outras eacute possiacutevel sugerir alguns exemplos
passiacuteveis de ocorrer em Foz do Iguaccedilu a saber o mesmo sujeito brasileiro que
chama o paraguaio de xiruacute a fim de ofendecirc-lo eacute o que adquiriu o haacutebito comum aos
paraguaios de tomar o tererecirc13 Isto vale tambeacutem para os apelidos pejorativos e
estigmas que tentam associar ao aacuterabe que reside em Foz do Iguaccedilu como
terrorista14 atraveacutes da denominaccedilatildeo de ldquohomens-bombardquo Aquele que os ofende eacute o
mesmo que fuma o narguile15 consome o shawarma e a esfiha Deste modo Babha
entende que a diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao outro ocorre ao mesmo tempo em que
haacute incorporaccedilatildeo do outro dentro de si mesmo
1313Terereacute ou tererecirc eacute uma bebida tiacutepica feita com a infusatildeo de ervas em aacutegua fria Sua origem eacute atribuiacuteda aos Paraguai tendo suas raiacutezes na cultura dos indiacutegenas guaranis 14A partir do dia 11 de setembro de 2001 uma seacuterie de alegaccedilotildees sobre viacutenculos terroristas na Triacuteplice Fronteira entre Brasil Paraguai e Argentina cruzou as Ameacutericas Essa teoria circulada nos meios de comunicaccedilatildeo combinou com duas correntes imperialistas da poliacutetica externa dos Estados Unidos por um lado a imagem do aacuterabe ou do mulccedilumano como terrorista e por outro a representaccedilatildeo da Ameacuterica do Sul como uma ldquoterra sem leirdquo (MONTENEGRO GIMEacuteNEZ BEacuteLIVEAU 2006 apud KARAN 2011 p203) 15Espeacutecie de cachimbo muito usado por hindus persas e turcos constituiacutedo de um fornilho um tubo longo e um pequeno recipiente contendo aacutegua perfumada pelo qual passa a fumaccedila antes de chegar agrave boca (Dicionaacuterio online Disponiacutevel em lthttpwwwdiciocombrnarguilegtAcesso em 23112015
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Nas escolas puacuteblicas de Foz do Iguaccedilu este ldquooutrordquo satildeo representados em
sua maioria por paraguaios e argentinos ou seja as diferenccedilas tecircm como marcador
principal a identidade nacional Trata-se de um problema histoacuterico jaacute que a escola
foi um dos instrumentos que permitiu ao Estado tentar iniciar o processo de
homogeneizaccedilatildeo cultural Logo conforme Pereira (2009) a escola deste o iniacutecio foi
considerada um espaccedilo negaccedilatildeo da diversidade O nacional torna-se assim fator
de diferenciaccedilatildeo de tensotildees de abertura para preconceitos e estigmas
Na dissertaccedilatildeo sobre a presenccedila de brasiguaios nas escolas brasileiras
Cirlani Terenciani (2011) menciona o trabalho de Joseacute Carlos de Souza (2001)
sobre as representaccedilotildees que os brasileiros fazem em relaccedilatildeo aos paraguaios
() que se tomar dinheiro emprestado natildeo gosta de pagar e natildeo quer que lembre da diacutevida Eacute vingativo para as pessoas que lhe traem a confianccedila () costuma-se dizer que trecircs coisas o paraguaio natildeo daacute a mulher o cavalo e a arma (SOUZA 2001 p 55 apud TERENCIANI 2011 p56)
Tratam-se de afirmaccedilotildees preconceituosas que contribuem para que a imagem do
paraguaio seja associada agrave ldquofalsidade ilegalidade desconfianccedilardquo (TERENCIANI
2011p 57)
Durkheim em Educaccedilatildeo e Sociologia (2011) descreve a escola enquanto
uma instituiccedilatildeo que natildeo estaacute alheia aos fatos sociais presentes na sociedade Logo
a representaccedilatildeo do ldquooutrordquo tanto em seus aspectos positivos quanto negativos eacute
reproduzido no acircmbito escolar sendo portanto um espaccedilo de negociaccedilotildees das
identidades-diferenccedilas
A educaccedilatildeo eacute inseparaacutevel da sociedade em seus momentos histoacutericos Para
Durkhiem (2011) cada sociedade em determinado momento de seu
desenvolvimento teve um sistema de educaccedilatildeo que se impocircs aos indiviacuteduos com
uma forccedila geralmente irresistiacutevel Isto significa que a educaccedilatildeo tem uma relaccedilatildeo
muito estreita com as necessidades e os conflitos que a sociedade vivencia em
determinado momento histoacuterico A funccedilatildeo social da escola estaria na socializaccedilatildeo da
crianccedila Joseacute Carlos Martins (2010) partindo da teoria sociointeracionista de
Vygotsky cuja visatildeo de desenvolvimento humano se baseia na premissa de que o
pensamento eacute constituiacutedo em um espaccedilo histoacuterico e cultural afirma que ldquoa crianccedila
reconstroacutei internamente uma atividade externa como resultado de processos
interativos que se datildeo ao longo do tempordquo (MARTINS 2010 p114) Com isso o
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professor e os demais constituintes da comunidade escolar acabam fazendo parte
do processo formativo da crianccedila Logo as ideias valores e conhecimentos desta
instituiccedilatildeo e de outros organismos da sociedade vatildeo influir diretamente na formaccedilatildeo
desta crianccedila
No que confere agraves escolas situadas em regiatildeo de fronteira o grande desafio eacute
lidar com situaccedilotildees que envolvem tanto os aspectos formais quanto os transversais
que se passam em sala de aula como exemplo a funccedilatildeo mediadora do professor e
demais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do aluno ao lidar com diferenccedilas eacutetnicas e
linguumliacutesticas o que eacute comum nas escolas de fronteira internacional Em artigo
publicado sobre a diversidade cultural em sala de aula intitulado de ldquoFronteira
Diversidade Cultural e Cotidiana Escolar na cidade de Ponta Poratilderdquo Nunes e
Terenciani (2010) analisaram as manifestaccedilotildees da diversidade cultural social e
poliacutetica vivida diariamente nas aulas de geografia As autoras constataram que os
alunos oriundos do Paraguai tinham muita dificuldade com a liacutengua portuguesa
() estes alunos principalmente os das seacuteries iniciais muitas vezes chegam agrave escola sem saber falar a Liacutengua Portuguesa e em alguns casos natildeo sabem falar sequer a Liacutengua Espanhola comunicando-se apenas atraveacutes da Liacutengua Guarani o que dificulta o processo de aprendizagem bem como a relaccedilatildeo dos professores com seus alunos (NUNES TERENCIANI 2010 p04)
Nunes e Terenciani (2010) consideram que a escola e o formalismo no qual
ela se fundamenta reforccedila as fronteiras simboacutelicas o que impede a integraccedilatildeo entre
os paiacuteses fronteiriccedilos
Por sua vez na pesquisa com alunos bolivianos que estudam em redes
puacuteblicas e privadas na cidade de fronteira Corumbaacute ndash MS as autoras Ruth Souza e
Aline Rodrigues (2009) em entrevista a coordenadores professores e diretores das
escolas por elas analisadas chegaram agrave conclusatildeo de que os alunos bolivianos
apresentam dificuldades para ler e escrever o que dificulta ateacute mesmo o processo
de integraccedilatildeo dos alunos com os demais (no caso os brasileiros) aleacutem de se
sentirem tiacutemidos pela estranheza daquele universo escolar Ao analisarem o Projeto
Poliacutetico Pedagoacutegico das escolas visitadas as responsaacuteveis pela pesquisa deram o
seguinte parecer
Observa-se entatildeo que a escola brasileira natildeo eacute preparada para atender o aluno estrangeiro nem mesmo em aacutereas de fronteira onde
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essa realidade eacute cada vez mais frequumlente Os PPP‟s satildeo engessados nas diretrizes gerais da educaccedilatildeo e desconsideram as especificidades locais natildeo oferecendo subsiacutedios adequados para as escolas atenderem os alunos estrangeiros e buscarem a inserccedilatildeo do mesmo no ambiente escolar e garantir o seu aprendizado (SOUZA RODRIGUES 2009 p10)
Outro estudo referente agrave presenccedila de migrantes fronteiriccedilos realizado na
fronteira do Brasil com o Uruguai na cidade de Sant‟Ana do Livramento ndash RS por
Geovana Bardesio e Paulo Cassanego (2013) apontou que as diferenccedilas
relacionadas ao idioma principalmente a expressatildeo escrita da liacutengua portuguesa
foram assinaladas pelos gestores entrevistados como um dos maiores desafios a
serem superados para o melhor desenvolvimento do aluno migrante Os mesmos
quando questionados sobre as atividades desempenhadas com vistas agrave promoccedilatildeo
da socializaccedilatildeo entre os alunos das escolas natildeo relataram nenhuma atividade
direcionada especificamente para o acolhimento de alunos migrantes ldquotambeacutem natildeo
foram verificados incentivos a promoccedilatildeo de discussotildees entre os professores sobre o
tema migraccedilatildeo e sobre a situaccedilatildeo de acolher estudantes nesta condiccedilatildeo na escolardquo
(CASSANEGO E BARDESIO 2013 p7)
Jacira Pereira (2003) apresenta o resultado de sua pesquisa referente agraves
identidades eacutetnico-culturais e sua relaccedilatildeo com o curriacuteculo de escolas situadas em
regiatildeo de fronteira A pesquisa foi realizada na fronteira entre Brasil e Paraguai nas
cidades de Ponta Poratilde e Pedro Juan Caballero Buscou entrevistar duas geraccedilotildees
de migrantes presentes nas cidades oriundos de diferentes etnias e nacionalidades
Dentre as questotildees presentes na entrevista encontra-se uma referente a
atitudes preconceituosas nas escolas devido agrave origem eacutetnica do aluno Pereira
destacou a seguinte resposta de uma estudante paraguaia quando perguntada se
sofria algum tipo de preconceito
Preconceito assim natildeo mas tem aquelas brincadeirinhas de mau gosto Cala boca sua paraguaia [] Isto acontecia desde pequena agora parou um pouco Mas acontecia sempre e eu ficava brava brava Eu tinha vergonha (Luciana Assunccedilatildeo ndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p7)
Em relaccedilatildeo a possiacuteveis apelidos dados pelos colegas de turma a autora
destaca as seguintes falas
Natildeo ligo de ser descendente de libanecircs eu gosto [] Eu natildeo tenho mas os amigos do meu irmatildeo me chamam de turquinho Mas eu natildeo tenho um apelido que todo mundo me chama (Rames Husseinndash 2ordm geraccedilatildeo)
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Tenho vaacuterios entre eles o de japonecircs porque me confundem com japonecircs [] Natildeo gosto disso (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Pode-se inferir com base nos relatos que nas relaccedilotildees no interior da escola
natildeo se discrimina o sujeito apenas por sua nacionalidade como tambeacutem pela
aparecircncia Ainda com relaccedilatildeo aos preconceitos e agrave discriminaccedilatildeo que sofrem os
migrantes a pesquisadora constatou que a minoria migrante paraguaia eacute a que mais
demonstra ser alvo de tratamento diferenciado expresso nas zombarias e nas
chacotas o que eacute possiacutevel captar nas relaccedilotildees tensas e conflitantes entre as
diferentes etnias na fronteira Eis alguns dos relatos dessas manifestaccedilotildees
Tem alguns soacute mas natildeo falam de verdade eacute soacute de brincadeira os paraguaios natildeo levam muito a seacuterio Tem amigo do meu irmatildeo que chama de chipeiro porque eacute do Paraguai soacute que esse apelido pegou e todo mundo soacute chama assim os paraguaios (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) Jaacute vi colocar apelido Um rapaz que tem na minha sala o chamam de chipa de paraguaio Mas eacute coisa de amigo ele leva na brincadeira Natildeo leva a mal (Rames Husseinndash 2ordf geraccedilatildeo) Assim natildeo eacute que tira sarro Chama assim de chipa (Latiffe Nasserndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Com estes dados a pesquisadora aponta que eacute comum em escolas da
fronteira a reproduccedilatildeo do imaginaacuterio negativo que se tem do ldquooutrordquo e conclui ldquoque a
comunicaccedilatildeo entre os colegas eacute carregada de hostilidade o que marca a diferenccedila
eacutetnica como uma caracteriacutestica negativardquo (PEREIRA 2003 p7)
A professora Maria Elena Pires dos Santos (2010) em pesquisa realizada
sobre o cenaacuterio sociolinguiacutestico na fronteira e sua relaccedilatildeo com as poliacuteticas
educacionais e pedagoacutegicas ao realizar um estudo com alunos brasiguaios em uma
escola de Foz do Iguaccedilu percebe que haacute diferentes olhares para a escrita hiacutebrida do
aluno brasiguaio Para a autora ldquoa leitura e a escrita processos mais valorizados na
escola eacute justamente o que evidencia a visibilizaccedilatildeo do aluno brasiguaio
constituindo fonte de estigmatizaccedilatildeo e preconceitordquo (PIRES-SANTOS 2010 p 46)
Ela ainda aponta que os professores ficavam insatisfeitos quando tinham que
receber alunos ldquobrasiguaiosrdquo sendo uma das possiacuteveis explicaccedilotildees o fato deste
aluno possuir uma linguagem hiacutebrida e pelo fato do ldquoportunholrdquo ser um grande fator
de preconceito na fronteira
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Em pesquisa realizada sobre a presenccedila de alunos brasiguaios em escolas
de fronteira BrasilParaguai na cidade de Ponta Poratilde Ione Dalinghaus (2009)
observou que mesmo em uma escola onde 90 dos alunos satildeo paraguaios ou
ldquobrasiguaiosrdquo eacute proibido o uso de outra liacutengua que natildeo o portuguecircs evidenciando
assim o mito16 do monolinguismo Tambeacutem Cerliani Terenciani (2011) em sua
dissertaccedilatildeo tratou de estudar a presenccedila de alunos oriundos do Paraguai nas
escolas de Ponta Poratilde Ao entrevistar uma professora cujos pais satildeo paraguaios
mas ela fora registrada no Brasil relata sua experiecircncia na escola
Eu sofri hien ixi Me chamavam de paraguaia Falavam que eu era uma iacutendia que natildeo sabia falar o portuguecircs e essas coisas tipo de deboche assim sabe que eacute ()(Entrevista concedida agrave CERLIANI 2011 p102)
Outra percepccedilatildeo da dificuldade de adaptaccedilatildeo do(a) aluno(a) paraguaio(a) em
escolas brasileiras agora na cidade de Santa Terezinha de Itaipu17 encontra-se na
pesquisa de Marli Schlosser e Margarete Frasson (2012) sobre a imigraccedilatildeo de
alunos da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo Baacutesica do Paraguai para escolas brasileiras da rede
municipal de ensino entre os anos de 2007 e 2011 Segundo as autoras a fronteira
pode se apresentar como um espaccedilo de vivecircncia e possibilidades que seria por
exemplo o aluno migrante aprender um novo idioma No entanto quando os novos
conhecimentos que este aluno tem que adquirir na escola natildeo eacute em sua liacutengua
materna o processo de travessia na fronteira torna-se doloroso para o mesmo
ldquoobrigando-o a fazer uso de atitudes de silenciamento ou seja ele passa a se
apresentar reservado e em bdquoinvisibilidade‟ retraiacutedo para natildeo ser visto pelo olhar
hegemocircnico da escolardquo (GENTILI 2004 apud SCHLOSSER E FRASSON 2012
p4)
As pesquisas realizadas em diferentes escolas de fronteira apontam para a
necessidade de discussotildees que passem pelo campo das poliacuteticas linguumliacutesticas e
educacionais para a diversidade Ataiacutede e Moraes (2003) discorrem sobre a
tendecircncia de homogeneizaccedilatildeo curricular que aliena a escola de seu contexto O
Brasil como um todo ldquoproduz um projeto pedagoacutegico exoacutegeno e xenoacutefobordquo (ATAIacuteDE
16
Aleacutem do portuguecircs satildeo faladas hoje mais de 222 liacutenguas no Brasil Dessas liacutenguas explica Maher
mais de 180 satildeo indiacutegenas cerca de 40 satildeo liacutenguas de imigraccedilatildeo e duas satildeo liacutenguas de sinais LIBRAS-a Liacutengua Brasileira de Sinais-e a Liacutengua de Sinais Kaapor Brasileira Aleacutem das liacutenguas africanas Assim o Brasil pode ser considerado como um paiacutes multiliacutenguumle (MAHER 2013 p117) 17
Cidade localizada na zona de fronteira entre Brasil e Paraguai
49
e MORAES 2003 p83) Jurjo Santomeacute (1995) fala sobre o silenciamento que existe
nos curriacuteculos nacionais referentes agraves minorias no ambiente escolar sendo que no
caso da presenccedila de estrangeiros nas escolas fronteiriccedilas ela natildeo eacute nem negada e
tampouco silenciada tecircm se a impressatildeo de sua inexistecircncia Albuquerque e Souza
(2014) utilizam a expressatildeo ldquotrincheiras culturaisrdquo para se referirem agraves escolas em
aacutereas de fronteiras que tem por funccedilatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo e combater o
idioma estrangeiro (ALBUQUERQUE 2014 p02)
Embora a expressatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo seja reducionista ao limitar a
funccedilatildeo da escola agrave nacionalizaccedilatildeo um fato ocorrido em 1999 na fronteira entre
Brasil e Uruguai na cidade de Rivera natildeo tira em alguma medida este caraacuteter
ldquonacionalizadorrdquo o qual o Estado busca desempenhar atraveacutes da escola Trata-se de
uma reportagem publicada nos dois principais jornais da capital uruguaia
Montevideacuteu em que o ministro da educaccedilatildeo do paiacutes demonstrou sua indignaccedilatildeo
pelo fato do idioma portuguecircs ter invadido as escolas do Uruguai localizadas em
regiotildees de fronteira senti verguenza del estado de nuestras escuelas () Hasta
queacute punto el idioma portuguecircs habiacutea penetrado em nuestro paiacutes (Jornal El Paiacutes
1999 p6 apud SAacuteNCHEZ 2002p 115) A posiccedilatildeo do Conselho Diretivo Central de
Ensino natildeo foi muito diferente do ministro
por la expasiacuteon del idioma portugueacutes y el portunhol em aacutereas fronterizas y las acertadas medidas que adoptaraacute-fortalecimiento de la ensentildeanza del espanotildel formaacuteciacuteon de docentes de esa a signatura y maacutes centros educativosrdquo (Jornal El Observador 1999 p10 apud SAacuteNCHEZ 2002 p116)
A escola apresenta-se neste contexto enquanto reguladora seja de valores
culturas memoacuterias identidades a partir de padrotildees universalistas construiacutedos sem
um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007 p119) Uma possiacutevel tentativa de
transformar estas questotildees em estudo nas regiotildees fronteiriccedilas eacute o Programa das
Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) que conforme o documento oficial do
programa busca discutir a ldquoidentidade regional biliacutengue e intercultural no marco de
uma cultura de paz e cooperaccedilatildeo interfronteiriccedilardquo (ARGENTINABRASIL 2007 p 2)
Esta proposta seraacute analisada no proacuteximo capiacutetulo
Este capiacutetulo teve como objetivo traccedilar algumas perspectivas possiacuteveis de
abordar o tema de fronteira a comeccedilar com a etimologia da palavra utilizada pela
primeira vez no seacuteculo XIII como separaccedilatildeo entre Estados Hoje a fronteira eacute
estudada a partir de diferentes dimensotildees social simboacutelica cultural etc Desse
50
modo rompemos com a ideia de fronteira apenas como o limite entre estados e com
a tendecircncia de se cristalizaccedilatildeo da mesma pois eacute fruto de uma construccedilatildeo histoacuterica
Outro aspecto levantado foi o papel da educaccedilatildeo escolar na construccedilatildeo do
imaginaacuterio e do sentimento de pertenccedila agrave naccedilatildeo (ANDERSON 1993) O Estado
utilizou as escolas para propagaccedilatildeo dos ideais nacionais na cidade de Foz do
Iguaccedilu com o objetivo de demarcar e proteger o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos dos
imigrantes e seus descendentes
Na relaccedilatildeo entre fronteira e poliacuteticas puacuteblicas a bibliografia levantada sobre
estudos sobre fronteira e relaccedilotildees trabalhistas fronteira e o Sistema Uacutenico de Sauacutede
e das escolas em regiatildeo de fronteira demonstraram que os paiacuteses convivem como
naccedilotildees diferentes entre si embora os problemas que o afetem extrapolam a questatildeo
nacional de cada paiacutes A fronteira eacute um lugar o Estado se faz presente eacute notaacutevel
pelo processo de securitizaccedilatildeo da fronteira brasileira mas eacute tambeacutem o lugar onde o
Estado-naccedilatildeo se enfraquece dada a fluidez dos agrupamentos humanos
(MACHADO 2010)
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS
E CONTRADICcedilOtildeES PARA A CONSOLIDACcedilAtildeO DO ESTADO-NACcedilAtildeO
51
Este capiacutetulo tem como objetivo principal apresentar o processo pelo qual a
educaccedilatildeo na cidade de Foz do Iguaccedilu se desenvolveu com a finalidade de
demonstrar que neste trajeto a escola foi um dos principais instrumentos do
Estado junto com a militarizaccedilatildeo da fronteira para bdquonacionalizar‟ e proteger o
territoacuterio brasileiro Para isto primeiramente apresentamos o contexto ao qual a
cidade de Foz do Iguaccedilu foi fundada destacando que o territoacuterio desde a fundaccedilatildeo
da Colocircnia Militar em 1889 contava com a presenccedila de estrangeiros
Ao mesmo tempo abordamos a trajetoacuteria da formaccedilatildeo das escolas em Foz do
Iguaccedilu a partir da histoacuteria da educaccedilatildeo do Paranaacute O capiacutetulo destaca os principais
fatos histoacutericos que ocorreu no Estado paranaense e na regiatildeo Oeste do Paranaacute que
marcaram a criaccedilatildeo das escolas Destaca-se aqui os anos de 1930-1945 periacuteodo
em que ocorreu a Marcha para o Oeste e a fundaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do
Iguaccedilu que estimulou o desenvolvimento do Oeste do Paranaacute e com isto a criaccedilatildeo
de escolas ao mesmo tempo em que a poliacutetica nacionalista do governo varguista
aplicou uma poliacutetica de vigilacircncia sobre as escolas dos imigrantes ou mesmo o seu
fechamento Delineamos ainda os principais aspectos educacionais a partir dos
anos de 1990 ateacute os dias atuais para destacar os resquiacutecios e as transformaccedilotildees da
educaccedilatildeo na cidade de fronteira ao longo deste periacuteodo
21 Contexto histoacuterico
A regiatildeo da chamada triacuteplice fronteira eacute composta pela Argentina Brasil e
Paraguai com suas respectivas cidades Puerto Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este como pode ser observado no mapa abaixo
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Imagem VI- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte httpgeouel2009blogspotcombr201207triplice-fronteira-apontamentoshtml
A presenccedila de imigrantes europeus na regiatildeo onde hoje eacute a cidade de Foz do
Iguaccedilu data do ano de 1542 com os relatos da chegada de Aacutelvaro Nunes Cabeza
de Vaca agraves cataratas Este relato faz parte da histoacuteria de construccedilatildeo da cidade
brasileira e se funde agrave histoacuteria das cataratas do Iguaccedilu - uma das sete maravilhas da
natureza Foz do Iguaccedilu tem como marco fundador a criaccedilatildeo da colocircnia militar em
1889 e a data de 1930 como iniacutecio de seu processo modernizador (SOUZA 2009)
Portanto eacute a partir da fundaccedilatildeo da colocircnia militar que buscamos conhecer o
processo de formaccedilatildeo das primeiras escolas da regiatildeo oeste paranaense e
portanto de Foz do Iguaccedilu
Compreender o processo de desenvolvimento da cidade de Foz do Iguaccedilu
bem como o de suas instituiccedilotildees de ensino implica na contextualizaccedilatildeo dos
acontecimentos e transformaccedilotildees no Brasil e tambeacutem das mudanccedilas ocorridas
nesta regiatildeo fronteiriccedila
A educaccedilatildeo brasileira do seacuteculo XIX foi reflexo das transformaccedilotildees no acircmbito
da produccedilatildeo da vida social ocorridas no Brasil poacutes-independecircncia No Paranaacute as
atividades econocircmicas tinham como base as fazendas de gado A criaccedilatildeo de gado e
o comeacutercio foram fundamentais para a o povoamento do territoacuterio nesse periacuteodo
Segundo Maria Ceciacutelia Oliveira (1986) com o crescimento das lavouras de
cafeacute em Satildeo Paulo o comeacutercio interno de escravos cresceu significativamente Do
mesmo modo no Paranaacute que por volta de 1865 viu o nuacutemero de escravos
diminuiacuterem significativamente na Proviacutencia A falta de matildeo-de-obra refletiu na
agricultura paranaense direcionada para o abastecimento de gecircneros alimentiacutecios
53
Para solucionar a falta de matildeo-de-obra o governo provincial ldquoque jaacute vinha
promovendo a imigraccedilatildeo de grupos de estrangeiros intensificou a poliacutetica
imigratoacuteria objetivando a atender o problema da matildeo-de-obra na produccedilatildeo agriacutecolardquo
(OLIVEIRA 1986 p34) A mesma autora aponta que a Proviacutencia do Paranaacute criou
escolas em diversas colocircnias estrangeiras situadas proacuteximas dos nuacutecleos urbanos
sobretudo de Curitiba Ao mesmo tempo os imigrantes criaram suas proacuteprias
escolas para manutenccedilatildeo da cultura de seus respectivos paiacuteses de origem
As escolas e o conjunto de sua estrutura eram precaacuterios ldquofaltava preacutedio
escolares ausecircncia e deficiecircncia de professores baixa frequumlecircncia escolar aleacutem dos
parcos recursos disponiacuteveisrdquo (OLIVEIRA 1986 p35) No Brasil como um todo
seguia sem diretrizes que pudessem organizar melhor o ensino no paiacutes
A ausecircncia de um plano definido de educaccedilatildeo que atendesse agraves necessidades brasileiras pode ser verificada pelas inuacutemeras reformas e projetos apresentados na Corte que marcam o Segundo Impeacuterio e influiacuteram na organizaccedilatildeo do ensino Entre eles podem ser
destacados (OLIVEIRA 1986 p35)
No Paranaacute apoacutes sua emancipaccedilatildeo em 1853 a instruccedilatildeo puacuteblica encontrava-
se em condiccedilotildees de precariedade e natildeo atingia toda a populaccedilatildeo Trindade (2001)
aponta que em meio a uma populaccedilatildeo de 620000 habitantes haviam apenas 615
alunos nos cursos de primeiras letras ldquoo ensino secundaacuterio era praticamente
inexistente e o pouco que havia em Curitiba buscava atender agrave demanda local e do
interior da Proviacutenciardquo (TRINDADE 2001 p 61)
21 Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo
A colocircnia militar que marcou o iniacutecio da atuaccedilatildeo do Estado na regiatildeo de Foz do
Iguaccedilu foi criada a partir da lei imperial nordm 601 de 18 de setembro de 1850
regulamentada pelo decreto nordm 1318 de 30 de janeiro de 1854 que determinava o
registro das terras no territoacuterio brasileiro Desse modo o entatildeo presidente da
Proviacutencia do Paranaacute recebeu em 1854 o pedido para implementaccedilatildeo da colocircnia
militar e junto ao pedido seguiam as atividades a ser desenvolvidas pela colocircnia
1ordm Conceder o governo terras e fazer o sacrifiacutecio pecuniaacuterio annual
de 30 contos por certo numero de annos para pagar os juros de capital que se tomasse emprestado e se houvesse de applicar as
54
despezas de viagem e sustento de 500-600 familias 2ordm Estar a
direcccedilatildeo agrave cargo de pessoas responsaacuteveis pelo capital sob a
vigilacircncia o governo 3ordm Serem os lotes de terras divididos e vendidos
conforme hum preccedilo determinado destinando-se o producto a
construccedilatildeo de igrejas escolas etc etc 4ordm Incumbir a direcccedilatildeo a
procura de colonos e fornecimento de casas sementes animaes
viveres roupa bom mercado ao seus productos ampc 5ordm Cultivarem
as colocircnias de serra-acima cereais crearem animaes fazerem manteiga e queijo ao passo que as de serra-abaixo devem entregar-
se aacute cultura de generos coloneaes 6ordm Fazer o governo com as
despezas com padres e mestres de escola (RIIT 2011 p51 apud VASCONCELOS 1854 p 56)
Desse modo a ocupaccedilatildeo da regiatildeo por parte do Brasil foi consolidada no ano
de 1889 com a colocircnia militar O objetivo consistia em proteger o territoacuterio brasileiro
principalmente apoacutes a Guerra da Triacuteplice Alianccedila18 (1864-1870) Segundo Valdir
Gregory (2012) as intencionalidades em estabelecer um posto militar avanccedilado eacute
apenas uma justificativa que tinha ldquocomo pano de fundo a necessidade da
construccedilatildeo da nacionalidade () os sucessos na guerra motivaram a presenccedila fiacutesica
e ideoloacutegica na triacuteplice fronteirardquo (GREGORY 2012 p 50) Escreve Silveira Neto
(1939) em seus relatos de viagem que havia naquele periacuteodo de implementaccedilatildeo da
colocircnia militar 324 habitantes ldquosendo 188 paraguaios 33 argentinos 93 brasileiros
5 franceses 2 espanhoacuteis 1 inglecircs 2 orientais Destes 220 homens e 104 mulheresrdquo
(NETO 1939 p 52)
Estabelecida a colocircnia os militares se preocuparam com a necessidade da
instruccedilatildeo escolar Assim em 1895 foi criada uma escola informal que no iniacutecio
contou com vinte alunos matriculados
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p 37)
18 Na eacutepoca do Brasil imperial toda essa fronteira foi assegurada com a vitoacuteria da Guerra da Triacuteplice
Alianccedila (1865-1870) que derivou no aniquilamento de capacidade econocircmica e beacutelica paraguaia A vitoacuteria brasileira argentina e uruguaia impocircs ao Paraguai a assinatura do Tratado de Limites de 1872 que anexava ao territoacuterio brasileiro terras paraguaias agrave leste do Rio Paranaacute (ROSEIRA 2006 p 38)
55
Segundo o mesmo autor entre os anos de 1889 ateacute 1912 ano de extinccedilatildeo da
Colocircnia Militar as crianccedilas de famiacutelias brasileiras com boas condiccedilotildees financeiras
que natildeo eram filhas de funcionaacuterios do governo buscavam escolarizaccedilatildeo nos paiacuteses
vizinhos Para o autor a instruccedilatildeo particular domiciliar ficava restrita a filhos de
funcionaacuterios que ocupavam cargos importantes Durante o periacuteodo de vigecircncia da
Colocircnia Militar prevaleceu a modalidade de instruccedilatildeo sem instituiccedilatildeo Natildeo existiu
escola ou casa escolar em Foz do Iguaccedilu (EMER 1991 p 28)
Destacam-se os argentinos que nesse periacuteodo dominavam a regiatildeo pois as
companhias ervateiras e madeireiras eram daquele paiacutes ldquoSe a produccedilatildeo local era
estrangeira a moeda a liacutengua e os bens de primeira necessidade tambeacutem o eramrdquo
(ROSEIRA 2006 p41) No que se refere ao idioma o guarani e o espanhol eram
predominantes nesta regiatildeo Em relaccedilatildeo agrave moeda o dinheiro que circulava era o
peso argentino e as propriedades eram em sua maioria pertencentes agraves Obrages
(WACHOWICZ 1985 p 140 apud ROSEIRA 2006 p 51)
Segundo o historiador Ruy Wachowicz (2010) este processo de aproximaccedilatildeo
com a Argentina fez com que a regiatildeo oeste ficasse mais exposta agrave penetraccedilatildeo
argentina do que com o restante do Brasil (WACHOWICZ 2010 p 275) A
proximidade entre os dois paiacuteses fez com que o oeste paranaense fosse
culturalmente influenciado e economicamente dependente da Argentina Wachowicz
aponta que por volta de 1881 os argentinos comeccedilaram a exploraccedilatildeo da erva-mate
em Misiones e mais tarde no Brasil na regiatildeo oeste do Paranaacute
Otiacutellia Schimmelpfeng (1991) em seu livro ldquoRetrospectos iguaccedilusensesrdquo fala
acerca desta singularidade ldquoA moeda argentina circulava com domiacutenio absoluto na
praccedila Pouco ou nada se fala em ldquomil reacuteisrdquo naquele tempordquo (SCHIMMELPFENG
1991 p 28) O ldquopesordquo se introduzia ateacute nas reparticcedilotildees puacuteblicas Em entrevista ao
historiador Ruy Cristovatildeo Wachowicz Otiacutellia eacute mais detalhista sobre a influecircncia
argentina
Eu sentia aqui como se natildeo tivesse no Brasil Me sentia aqui isolada parecia que eu estava em outro paiacutes ateacute Porque todos os haacutebitos a liacutengua falada aqui era mais que predominava era o espanhol o castelhano como se dizia Parece que as pessoas quando vinham pra caacute no Brasil se achavam na obrigaccedilatildeo de aprender o castelhano pra ser entendido Parecia E todo mundo se interessava em falar o castelhano porque a convivecircncia aqui era muito maior com os argentinos Paraguai natildeo tanto porque noacutes natildeo tiacutenhamos Paraguai nessa regiatildeo aqui natildeo era muito habitada Mas tinha o Porto Aguirre que hoje eacute Porto Iguaccedilu que jaacute era um porto de grande movimento de turismo jaacute jaacute tava sendo legalizado entatildeo jaacute tinha mais
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desenvolvimento e mais recurso tambeacutem pra atender Foz do Iguaccedilu entatildeo noacutes tiacutenhamos mais contacto com os argentinos [] Entatildeo a gente tinha aqui um contacto mesmo constante com os argentinos E se falava soacute quase o castelhano a moeda era soacute o peso argentino (SCHIMMELPFENG 1980 apud SBARDELOTTO 2009 p 91)
O contato de Foz de Iguaccedilu era muito mais intenso com os paiacuteses fronteiriccedilos
do que com o restante do paiacutes Sbardelotto (2008) explica que havia tambeacutem um
grande nuacutemero de paraguaios que adentravam no Oeste do Paranaacute para trabalhar
nas empresas de erva-mate e posteriormente de madeira Contudo a presenccedila
argentina se destaca uma vez que eram o grupo que ldquodetinham os meios de
produzir e comercializar a principal atividade produtiva da regiatildeo e que atraveacutes
deste controle econocircmico determinavam os costumes a cultura e tambeacutem a
educaccedilatildeo neste territoacuteriordquo (SBARDELOTTO 2008 p5)
Dessas companhias madeireiras que se estabeleceram na regiatildeo muitas
faziam parte do modelo de exploraccedilatildeo denominado de Obrage ldquoO obragero era o
proprietaacuterio desse tipo de latifuacutendio () o obragero argentino explorava a erva-mate
e a madeira em torosrdquo (WACHOWICZ 2010 p 276) Em poucas deacutecadas a regiatildeo
que compreende a costa paranaense foi ocupada por inuacutemeras obrages e
consequentemente povoada em sua maioria por paraguaios argentinos e guaranis
modernos19 que trabalhavam como mensus20 Em 1930 a populaccedilatildeo estimada nas
obrages passava dos 10000 habitantes em sua maioria estrangeira
Naquele contexto a intensidade das relaccedilotildees fez com que a Argentina se
tornasse o principal prestador de serviccedilos agrave cidade de Foz do Iguaccedilu Segundo
Sbardelotto (2009) muitas crianccedilas eram escolarizadas no sistema argentino
absorvendo a liacutengua a histoacuteria e os costumes do paiacutes vizinho (SBARDELOTTO
2009 p 92)
Durante o periacuteodo em que seguia o desenvolvimento da Colocircnia Militar os
ldquopioneirosrdquo responsaacuteveis por sua construccedilatildeo diante da ausecircncia de um sistema de
ensino institucionalizado passaram a organizar e estruturar uma educaccedilatildeo natildeo-
formal
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e
19
Termo empregado aos indiacutegenas guaranis miscigenados do Paraguai (PRIORI A et al 2012p79) 20 A expressatildeo vem do espanhol da palavra bdquomensual‟ ou seja mensalista (GREGORY 2002 p 89 apud PRIORI A et al 2012p79)
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funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p37)
No ano de 1910 a Colocircnia Militar passou a ser distrito de Guarapuava e
denominada de Vila do Iguassuacute Em 1912 o Ministeacuterio da Guerra emancipou a
colocircnia que passou a ser administrada pelos civis sob o governo do Estado do
Paranaacute Em 1914 com a lei nordm 1383 foi criada a municipalidade de Vila do Iguassuacute e
em 1918 o nome Foz do Iguaccedilu foi adotado como oficial Conforme Lima (2001) no
periacuteodo compreendido entre 1914 a 1930 aleacutem do estabelecimento das primeiras
famiacutelias brasileiras argentinas e paraguaias houve a colonizaccedilatildeo por parte dos
imigrantes descendentes de alematildees poloneses e italianos (LIMA 2001 p 31)
De acordo com Emer (1991) a partir de 1914 o governo do Estado do
Paranaacute instituiu um novo modelo de escola o Grupo Escolar Estes grupos
escolares dirigiam-se ao ensino de quatro seacuteries com conteuacutedos progressivos Estas
escolas estavam localizadas nos principais centros urbanos e nas regiotildees mais
afastadas do centro seguiam sem escolas ou com muita precariedade de escolas
Os grupos de migrantes na ausecircncia de escolas construiacuteam as suas proacuteprias
A falta de escolas no Paranaacute fazia sentir-se especialmente fora dos nuacutecleos coloniais dos imigrantes que ao contraacuterio dos demais nuacutecleos populacionais natildeo esperavam pela iniciativa do governo mas construiacuteam suas proacuteprias escolas e providenciavam o professor Quando muito solicitavam algum tipo de subvenccedilatildeo do governo estadual A escola dos imigrantes natildeo se desenvolveu mais porque o Estado desde 1901 apenas subvencionava os professores que ensinassem em liacutengua portuguesa Esse natildeo era o interesse dos imigrantes Pretendiam repassar agraves novas geraccedilotildees sua noccedilatildeo de nacionalidade de origem que incluiacutea a liacutengua a religiatildeo e os costumes Se o ensino fosse apenas na liacutengua portuguesa os colonos retiravam seus filhos e organizavam uma nova escola particular Em diversas localidades a escola puacuteblica foi desativada e removido o professor por absoluta falta de alunos (EMER 1991 p 207)
Emer destaca as modalidades de ensino que foram criadas neste periacuteodo
tanto no acircmbito formal quanto na esfera institucionalizada satildeo elas (1) Instruccedilatildeo
sem instituiccedilatildeo - ldquoSimplesmente algumas crianccedilas reuniam-se ao redor da mesa de
refeiccedilotildees de uma residecircncia para aprender ler escrever e calcular - curriacuteculo e
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objetivos educacionais estabelecidos pelos paisrdquo (referecircncia) - que consistia em que
a educaccedilatildeo era dada pelo grupo social sem nenhuma institucionalizaccedilatildeo (2) casa
escolar - construiacuteda e mantida pelos pioneiros - ldquo() do professor era exigida uma
melhor qualificaccedilatildeo isto eacute deveria ensinar mais que na escolarizaccedilatildeo Domiciliar a
Casa Escolar deveria funcionar tecnicamente bemrdquo (EMER 2012 p 36) (3) casa
escolar puacuteblica criada e regulamentada pelo Municiacutepio- ldquoComo uma escola oficial
os alunos das Casas Escolares Puacuteblicas eram submetidos aos exames puacuteblicos
elaborados pelos oacutergatildeos educacionais puacuteblicos para comprovaccedilatildeo da escolaridaderdquo
Neste modelo ficava a cargo do governo contratar e remunerar o professor
cabendo a este alugar uma sala ou casa e formar o grupo de aluno de primeiras
letras Por uacuteltimo o Grupo Escolar Puacuteblico (4) ndash que se diferencia das demais
modalidades por ter sido construiacuteda em nuacutecleos de povoamento mais desenvolvidos
e pela forma de funcionamento Nas modalidades anteriores o objetivo era aprender
a ler escrever e calcular Posteriormente com a oficializaccedilatildeo da casa escolar a
comprovaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo passou a ser feita por meio de avaliaccedilotildees No grupo
escolar a preocupaccedilatildeo era de bdquoaprovar‟ o aluno para a seacuterie seguinte ldquonum processo
gradual de comprovaccedilatildeo de conhecimentos dos conteuacutedos definidos pelo ldquosistemardquo
educacional como requisito de cada seacuterie (EMER 2012 p 36)
A partir da fundaccedilatildeo da municipalidade em 1914 a populaccedilatildeo passou a
reivindicar um modelo de educaccedilatildeo subsidiado pelo poder puacuteblico Naquele
momento Foz do Iguaccedilu desenvolvia planos para combater o contrabando da
fronteira o que demandou a contrataccedilatildeo de agentes fiscais Esse processo fez com
que o grupo de escolarizados que chegavam agrave cidade passassem a requerer
escolas para seus filhos aleacutem do fato do crescimento da populaccedilatildeo e por
consequecircncia o aumento de crianccedilas (EMER 2012 p 37)
Conforme Emer (1991) entre os anos de 1915 e 1916 ldquoa Prefeitura Municipal
teria construiacutedo e mantido uma casa escolar puacuteblica embora precaacuteria e insuficienterdquo
(EMER 1991 apud Sbardelotto 2009 p 96) Wachowicz afirma que a necessidade
da criaccedilatildeo de escolas por parte da populaccedilatildeo soacute surgiu quando a populaccedilatildeo
urbana cresceu significativamente organizando assim a vida social (WACHOWICZ
1984 p 19) Apesar da iniciativa de dar acesso ao ensino puacuteblico de forma gratuita
a todos Sbardelotto aponta que apenas a populaccedilatildeo masculina foi contemplada
aleacutem do caraacuteter eminentemente elitista uma vez que os filhos de trabalhadores por
terem que optar pela subsistecircncia da famiacutelia abandonavam as escolas
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Outros fatores contribuiacuteram para o desenvolvimento da educaccedilatildeo em Foz do
Iguaccedilu dentre eles a presenccedila da Igreja Catoacutelica Anterior a fundaccedilatildeo do
municiacutepio em decorrecircncia da localizaccedilatildeo e da dificuldade de deslocamento a
populaccedilatildeo da cidade soacute recebia assistecircncia religiosa uma vez por ano Isso
perdurou ateacute 1918 quando a Igreja optou em criar uma Paroacutequia na cidade desde
que contasse com a ajuda do governo Nesse sentido o acordo entre Igreja e
governo do Estado foi firmado com a condiccedilatildeo de que a Igreja construiacutesse e
dirigisse um grupo escolar
Em 1923 foi instalada a paroacutequia e nomeado o primeiro vigaacuterio um sacerdote alematildeo da Congregaccedilatildeo do Verbo Divino Padre Guilherme Maria Tilecks Para cumprimento do acordo com o Estado mesmo antes da construccedilatildeo do Grupo Escolar o Padre Guilherme passou a lecionar na Casa Escolar Para o desempenho de suas atividades recebeu a ajuda de outros dois padres e de um irmatildeo de sua congregaccedilatildeo (Padre Joatildeo Progzeba Padre Paulo Schneider e Irmatildeo Bianchi) (EMER 2012 p 38)
Por meio do Decreto nordm 1326 do dia 27 de agosto de 1928 surge o Grupo
Escolar Caetano Munhoz da Rocha que posteriormente passou a ser chamado de
Grupo Bartolomeu Mitre primeiro grupo escolar da mesorregiatildeo Oeste do Paranaacute
Em 1930 o grupo escolar passou a ser administrado pelo governo do Paranaacute sob a
direccedilatildeo de professores nomeados pelo Estado Segundo o Plano Municipal de
Educaccedilatildeo (PME) de 2015 ldquoa funccedilatildeo da escola no municiacutepio na eacutepoca era a de
cooperar com a nacionalizaccedilatildeo de um espaccedilo que era submetido por argentinos e
paraguaiosrdquo (PME 2015 p 4) Desse modo a criaccedilatildeo da escola passa a ser
reconhecido pelo Estado como instrumento necessaacuterio para a nacionalizaccedilatildeo da
triacuteplice fronteira O plano municipal utiliza a palavra bdquosubmetido‟ indicando que
naquele periacuteodo havia certa preocupaccedilatildeo com a presenccedila e influecircncia dos paiacuteses
fronteiriccedilos como uma ameaccedila ao territoacuterio e a necessidade de construccedilatildeo da
naccedilatildeo
60
Imagem V- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre Fonte Site da Secretaria Estadual do Paranaacute
httpwwwfozbartolomeumitreseedprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=9
O fato de o Brasil homenagear um general argentino ao nomear uma escola
em seu nome levou Emer a questionar os motivos que levariam o Estado brasileiro a
tomar essa atitude ou se ela foi apenas uma homenagem despretensiosa ao general
argentino Os interesses do Brasil naquele periacuteodo era dar seguimento agrave poliacutetica
integracionista do territoacuterio com uma campanha nacionalista e o Grupo Escolar Mitre
eacute o marco da institucionalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo no oeste paranaense Por isso as
motivaccedilotildees natildeo ficaram tatildeo claras (SBARDELOTTO 2007)
A partir da deacutecada de 1930 a cidade de Foz do Iguaccedilu passou a receber
imigrantes descendentes de italianos e alematildees aleacutem de inuacutemeros agricultores do
Rio Grande do Sul Neste mesmo periacuteodo o governo do Estado do Paranaacute fez
algumas reformas educacionais de teor nacionalista conivente com as mudanccedilas do
governo como aponta o Plano Municipal de Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu (2015)
Algumas mudanccedilas comeccedilam acontecer na educaccedilatildeo do paiacutes Uma delas eacute a manifestaccedilatildeo do Estado entre os anos de 1917 e 1919 o governo federal delibera verba para as escolas que ensinavam em liacutengua portuguesa e as escolas de imigrantes que ensinavam em outra liacutengua eram vigiadas e fechadas (PME 2015 p 5)
Durante o Estado Novo essas escolas passaram a ser alvo do governo
principalmente apoacutes a Marcha para o Oeste ldquoque defendia a ocupaccedilatildeo efetiva e a
nacionalizaccedilatildeo das fronteiras nacionais brasileiras de Norte a Sul do paiacutesrdquo (PRIORI
et al 2012 p 65) O projeto explica Priori (etal 2012) buscava despertar o
sentimento de nacionalidade e brasilidade na populaccedilatildeo que vivia na fronteira
No caso da fronteira de Foz do Iguaccedilu despertar na populaccedilatildeo esse
sentimento de nacionalidade era combater agrave ameaccedila que paraguaios argentinos e
61
os descendentes de alematildees italianos poloneses dentre outros imigrantes que se
fixaram na regiatildeo representavam ao projeto de integraccedilatildeo nacional do governo
22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo
A ldquoMarcha para o Oesterdquo foi um importante processo que contribuiu para o
projeto de nacionalizaccedilatildeo da fronteira Segundo Lenharo (1986 apud Lopes 2004)
o discurso de Vargas justificava a ldquoMarcha para o Oesterdquo pautando-se na conquista
da brasilidade que se daria por meio da interiorizaccedilatildeo do paiacutes ldquoPara ele a
construccedilatildeo da ldquoMarcha para Oesterdquo lembra a imagem da naccedilatildeo em movimento agrave
procura de si mesma de sua integraccedilatildeo e acabamentordquo (LENHARO 1986 p56
apud LOPES 2004 p 4)
Como uma das consequumlecircncias da ldquoMarcha para o Oesterdquo foram criados os
territoacuterios federais ldquonas regiotildees do Amapaacute Guaporeacute (atual Rondocircnia) Rio Branco
(atual Roraima) Iguaccedilu e Ponta Poratilde no Estado de Mato Grosso do Sulrdquo (PRIORI et
al 2012p66) Por meio do Decreto-Lei nordm 58124 no ano de 1943 o Territoacuterio
Federal do Iguaccedilu foi criado abrangendo o Oeste e Sudoeste do Paranaacute e Oeste de
Santa Catarina
Segundo Seacutergio Lopes (2004) dentro do espiacuterito de nacionalizaccedilatildeo o
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu deveria atender urgentemente o estabelecimento de
condiccedilotildees miacutenimas para organizaccedilatildeo econocircmica social e de seguranccedila das regiotildees
fronteiriccedilas e dos sertotildees Desse modo a criaccedilatildeo do territoacuterio pode ser entendida
como um ato de ocupaccedilatildeo definitiva da faixa de fronteira ldquopara assim romper o
isolamento e afastar definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional
que rondava a regiatildeordquo (LOPES 2004 p16)
O primeiro governador a administraacute-lo o Major Joatildeo Garcez do Nascimento
em relatoacuterio enviado ao Ministro da Justiccedila e Negoacutecios Anteriores fez inuacutemeras
consideraccedilotildees sobre a situaccedilatildeo do transporte comeacutercio sauacutede seguranccedila e
educaccedilatildeo na regiatildeo que abrangia o Territoacuterio Federal do Iguaccedilu No aspecto
educacional ele aponta
Haacute no Territoacuterio regular nuacutemero de escolas primaacuterias Satildeo elas
em nuacutemero de setenta Aleacutem disso contam‐se quatro grupos escolares sediados em Pato Branco Clevelacircndia Foz do Iguassuacute e Guaiacutera Quanto ao nuacutemero de escolas pode-se afirmar que atende
62
ainda as necessidades locais quanto as suas instalaccedilotildees poreacutem haacute muito o que providenciar A maioria delas funciona em preacutedios improacuteprios outras em simples salas cedidas a tiacutetulo precaacuterio e por empreacutestimo Em sua maioria natildeo atende aos rudimentares princiacutepios de higiene e didaacutetica O professorado salvo honrosas exceccedilotildees constitui-se de pessoas bem intencionadas e dedicadas mas de niacutevel cultural bastante abaixo do que seria estimaacutevel (RELATOacuteRIO DE 1944 apud LEMIECHEK 2014 p 06)
A criaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do Iguaccedilu fez com que o processo de
urbanizaccedilatildeo crescesse e com ele a demanda por qualidade nos serviccedilos puacuteblicos
como a escola Enquanto as escolas natildeo eram ampliadas a classe mais favorecida
economicamente assegurava o acesso agrave educaccedilatildeo para seus filhos por meio da
contrataccedilatildeo de professores que se ldquodeslocavam ateacute as moradias em casas
escolares ou nuacutecleos urbanos mais distantes como Guarapuava Curitiba Posadas
Corrientes etcrdquo (PME 2015 p9) Para as classes menos favorecidas como aqueles
que viviam em Foz do Iguaccedilu e trabalhavam nas obrages e no cultivo da terra havia
acesso ao ensino aleacutem delas viverem em situaccedilotildees insalubres sem acesso a
higiene alimentaccedilatildeo e sauacutede
A partir desse periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais Era necessaacuterio que essa
populaccedilatildeo na regiatildeo se identificasse com o Brasil enquanto uma paacutetria para
constituiccedilatildeo de um Estado-Naccedilatildeo forte Segundo Helena Bomeny (1999) natildeo havia
no projeto do governo intenccedilotildees para inclusatildeo e aceitaccedilatildeo de convivecircncia com os
grupos culturais estrangeiros nas regiotildees de colonizaccedilatildeo
Em relatoacuterio sobre a nacionalizaccedilatildeo do ensino datado de 1940 o Instituto
Nacional de Estudos e Pedagoacutegicos (INEP) sob a direccedilatildeo do educador Lourenccedilo
Filho ao analisar a trajetoacuteria dos imigrantes e sua fixaccedilatildeo no Brasil constatou com
base nos relatoacuterios e depoimentos de historiadores pensadores poliacuteticos e
escritores que desde o seacuteculo XIX a presenccedila de estrangeiros no paiacutes era fator de
preocupaccedilatildeo (BOMENY 1999) Segundo a mesma autora a precariedade da
educaccedilatildeo nos estados da regiatildeo sul do paiacutes em destaque o Rio Grande do Sul
levava os colonos a optarem pelos coleacutegios privados alematildees Segundo o relatoacuterio
do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede essa opccedilatildeo pelas escolas estrangeiras era
compreensiacutevel sendo culpa do Estado por permitir a criaccedilatildeo destas instituiccedilotildees sem
a vinculaccedilatildeo com os centros nacionais de cultura
63
A escola natildeo eacute um oacutergatildeo abstrato mas um centro de coordenaccedilatildeo da proacutepria accedilatildeo educativa da comunidade Tendo-se cometido o erro de permitir o nucleamento de estrangeiros sem maior vinculaccedilatildeo ou disciplina aos centros nacionais de cultura as instituiccedilotildees educativas que aiacute deveriam surgir seriam as que ensinassem em liacutengua estrangeira (BOMENY 1999 p154 apud INEP 1999 p8)
A preocupaccedilatildeo com a nacionalizaccedilatildeo do ensino eacute anterior ao Estado Novo
Em Foz do Iguaccedilu a educaccedilatildeo escolar das crianccedilas estava presente desde o
periacuteodo de instalaccedilatildeo da Colocircnia Militar em 1889 Na ausecircncia de escolas muitas
crianccedilas frequumlentavam o sistema educacional da Argentina cuja influecircncia
preocupava o governo da eacutepoca Em 1906 Siacutelvio Romero alertava sobre as
ameaccedilas em haver diferentes nacionalidades no Brasil Como soluccedilatildeo ele propocircs
que se ldquoaproveitasse de modo extensivo o proletariado nacional como elemento
colonizador perto do estrangeiro para educar-se com ele no trabalho e em troca
contribuir para o seu abrasileiramentordquo (BOMENY 1999 p154)
Na conferecircncia interestadual de Ensino Primaacuterio de 1921 encontra-se a fala
de Milton C A Cruz que justifica a deficiecircncia do ensino devido aos inuacutemeros
nuacutecleos estrangeiros isolados ldquoO espiacuterito dessas crianccedilas brasileiras formado em
liacutengua nos costumes nas tradiccedilotildees dos paiacutes soacute poderia tender para a paacutetria de
origem constituindo um empecilho agrave coesatildeo nacionalrdquo (BOMENY 1999 p154 apud
INEP 1999 p8)
Por determinaccedilatildeo do Estado Novo a prefeitura de Foz do Iguaccedilu passou a
promover uma administraccedilatildeo que visasse agrave ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro
valorizaccedilatildeo da liacutengua oficial e das moedas nacionais (SPERANCcedilA 1992 apud
LOPES 2004 p 49) Teve ainda que despachar suas documentaccedilotildees criar
anuacutencios comerciais listas de preccedilos ou avisos somente em liacutengua portuguesa
aleacutem da obrigatoriedade do uso da moeda brasileira Essas medidas foram tomadas
pois havia na regiatildeo grande influecircncia dos argentinos no lado brasileiro
Segundo Lopes (2004) a principal preocupaccedilatildeo do Estado Novo em relaccedilatildeo a
essa fronteira era a influecircncia Argentina Como outra medida de contenccedilatildeo dessa
influecircncia estrangeira o governo federal por meio do Decreto nordm 19842 de 1930
tornou obrigatoacuterio a contrataccedilatildeo de no miacutenimo dois terccedilos de trabalhadores nas
empresas estrangeiras presentes dentro do territoacuterio nacional
Diante das estrateacutegias que o Estado Novo desenvolveu para construir a ideacuteia
de naccedilatildeo a fronteira poliacutetica requeria a justificaccedilatildeo ideoloacutegica da comunidade
64
nacional Nessa premissa a escola enquanto instrumento de nacionalizar as
fronteiras foi fundamental
23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus
impactos na educaccedilatildeo
Com a queda de Getuacutelio Vargas em 1945 quando o paiacutes entrou por um
pequeno periacuteodo na fase de redemocratizaccedilatildeo os Territoacuterios do Iguaccedilu e Ponta
Poratilde foram extintos No campo da educaccedilatildeo a pedagoga Lucimara Lemiechek
aponta que vaacuterias foram agraves mudanccedilas em detrimento da promulgaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas e a ampliaccedilatildeo dos Cursos Normais (LEMIECHEK 2014 p 9) Nessa
mesma deacutecada em Foz do Iguaccedilu teve iniacutecio a primeira escola21 particular Jorge
Schimmelpfeng nas dependecircncias do primeiro Centro Espiacuterita fundado no
municiacutepio
Imagem VI - Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)
Fonte Centro Espiacuterita Lidelfonso Correia
A deacutecada de 1950 e 1960 seguiu com um programa de escola de cunho
nacionalista e dualista em um periacuteodo marcado pelo programa desenvolvimentista
Cada vez mais os trabalhadores requeriam educaccedilatildeo diferenciada de um lado a
necessidade de matildeo de obra especializada e de outro a busca pelo status que a
educaccedilatildeo proporcionaria No ano de 1959 a Lei Municipal nordm 234 de 29 de outubro
de 1959 adota o programa de aboliccedilatildeo do analfabetismo
21
Vide imagem IV
65
Art 1ordm A Prefeitura de Foz do Iguaccedilu empreenderaacute uma campanha sistemaacutetica para aboliccedilatildeo do analfabetismo desde as crianccedilas de sete anos feitos aos adultos de qualquer idade (LEI 2341959) Art 2ordm Toda a crianccedila que completar sete anos de 1ordm de janeiro a 31 de dezembro deveraacute obrigatoriamente no comeccedilo do ano letivo imediato ser matriculada em escola puacuteblica ou particular cumprindo-lhes frequumlenta-la com assiduidade durante cinco anos na cidade e trecircs anos letivos nas zonas rurais (PME 2015 p 11)
Eacute nesse momento que chegam a Foz do Iguaccedilu as primeiras populaccedilotildees de
origem aacuterabe que saiacuteram de seus paiacuteses em decorrecircncia dos intensos conflitos
regionais e atraiacutedos pela oportunidade de explorar um mercado com grande
potencial de crescimento (RABOSSI 2007 p 292) Segundo Rabossi a primeira
cidade da Triacuteplice Fronteira em que eles se estabeleceram foi Foz do Iguaccedilu
principalmente na regiatildeo proacutexima da Ponte da Amizade inaugurada em 1965
passando a ligar a cidade brasileira a Ciudad del Este no Paraguai dando iniacutecio ao
comeacutercio na regiatildeo Em 1975 no contexto da Guerra do Liacutebano o comeacutercio dos
aacuterabes na fronteira estava consolidado fazendo com que atraiacutedos pelo comeacutercio e
fugindo da guerra outros grupos oriundos do Oriente Meacutedio imigrassem para a
regiatildeo da fronteiriccedila Segundo Silva (2008 p367) os uacuteltimos 30 anos recebeu um
grande nuacutemero de imigrantes de origem ldquoaacuterabe libaneses palestinos siacuterios
jordanianos bem como chineses coreanos e em nuacutemero bem menor hindus e
portugueses
A mesma autora aponta que duas escolas pertencem agrave comunidade aacuterabe
uma de ensino fundamental que ensina a liacutengua aacuterabe e a religiatildeo sunita vinculada
ao Centro Beneficente Islacircmico de Foz do Iguaccedilu uma organizaccedilatildeo cultural e
cientiacutefica A segunda escola Escola Aacuterabe Brasileira oferta ensino para o ensino
fundamental e meacutedio de acordo com as exigecircncias do Estado A especificidade
desta escola em relaccedilatildeo agraves demais do municiacutepio eacute a oferta do ensino da liacutengua
aacuterabe (SILVA 2008)
Na deacutecada de 1970 tambeacutem chegam a Foz do Iguaccedilu os primeiros imigrantes
chineses atraiacutedos pelo comeacutercio na regiatildeo Segundo Miao Shen Chen a regiatildeo da
triacuteplice fronteira abriga uma comunidade chinesa com aproximadamente quatro mil
indiviacuteduos Em Foz do Iguaccedilu haacute pelo menos mil chineses e descendentes Os
imigrantes tecircm agecircncias de turismo imobiliaacuterias construtoras especializadas em
atender os clientes orientais (CHEN 2010)
66
Apesar da implementaccedilatildeo da Lei Municipal nordm 234 de 1959 que estabelecia a
obrigatoriedade da educaccedilatildeo para aboliccedilatildeo do analfabetismo a escola seguia sendo
para poucos ao menos no que diz respeito agrave permanecircncia dos estudantes Os
alunos mais pobres abandonavam a escola muito cedo pois tinham que optar entre
estudar ou trabalhar para ajudar na subsistecircncia da famiacutelia (PME 2015 p 11)
Para Emer (1991) os colonos que aqui se encontravam diante da
precariedade das escolas mobilizaram-se para criar escolas para seus filhos
contribuindo para construccedilatildeo de inuacutemeros coleacutegios confessionais entre os anos de
1955 e 1965 (EMER 1991 p 125) Quanto agrave contrataccedilatildeo dos professores estes
deveriam ter o perfil que atendesse o grupo social
Destaca-se a criaccedilatildeo da primeira Escola Normal Colegial da regiatildeo Oeste do
Paranaacute a Escola Normal Iguaccedilu criada em 1957 em Foz do Iguaccedilu em um
contexto em que a populaccedilatildeo da cidade crescia e a demanda pelo ensino em
diversos niacuteveis aumentava havendo a necessidade de habilitar os professores para
o trabalho docente Ateacute o ano de 1957 Foz do Iguaccedilu contava com um Grupo
Escolar o Bartolomeu Mitre que atendia aproximadamente 400 crianccedilas uma Casa
Escolar com aproximadamente 80 alunos e cinco escolas rurais isoladas que
tinham capacidade para atender 250 alunos Foz do Iguaccedilu tinha capacidade para
atender aproximadamente 730 alunos no ensino primaacuterio o que era pouco diante da
crescente demanda sobretudo dos nuacutecleos urbanos e das aacutereas rurais aleacutem das
aacutereas distritais22
Ainda que tenha havido a criaccedilatildeo dos coleacutegios normais o relatoacuterio do plano
de desenvolvimento de Foz do Iguaccedilu de 1972 apontava que o corpo docente do
municiacutepio era constituiacutedo em sua maioria por professores sem habilitaccedilatildeo tanto
nas redes municipais e estaduais quanto nas privadas A justificativa para esta
qualificaccedilatildeo segundo o relatoacuterio estava no baixo niacutevel salarial que impedia os
qualificados de se dedicarem ao magisteacuterio Na zona rural a porcentagem era ainda
maior Cerca de 80 do pessoal natildeo qualificado atende ao ensino primaacuterio que
funcionava em 41 escolas isoladas e duas casas escolares Segundo o PDI
22 Dentre os distritos que ficavam sob a jurisdiccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu encontram-se Santa Terezinha
de Itaipu Itacoreacute Alvorada Medianeira dentre outros (SBARDELLOTO 2009 p 146)
67
O Estado que paga os melhores salaacuterios (Cr$ 41600) natildeo faz nomeaccedilotildees e a Prefeitura possuindo apenas 3 elementos em seu quadro efetivo percebendo Cr$ 28000 contrata os professores normalistas por apenas Cr$ 28000 e a professora leiga por 60 do salaacuterio miacutenimo (PDI 1972 p 114)
Quanto agrave estrutura do periacuteodo o relatoacuterio aponta que ateacute 1971 havia cinco
grupos escolares estaduais um privado uma casa escolar municipal e duas escolas
isoladas que segundo o relatoacuterio natildeo eram suficientes para atender a demanda
Quanto agrave estrutura o relatoacuterio aponta
Somente na Zona Urbana vamos encontrar preacutedios escolares de alvenaria com luz aacutegua encanada e instalaccedilotildees sanitaacuterias regulares Natildeo quer isto dizer que sejam instalaccedilotildees satisfatoacuterias pois deixam muito a desejar havendo falta de aacutegua e os miacutenimos requisitos agrave boa higiene dos escolares () Na zona rural os preacutedios satildeo todos de madeira sem as menores condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave higiene escolar notando-se ausecircncia de atendimento sanitaacuterio e de sauacutede (PDI 1972 p 118)
No mesmo relatoacuterio o problema da evasatildeo eacute justificado com o argumento da
localizaccedilatildeo da cidade que por estar em uma regiatildeo de fronteira eacute caracterizada por
possuir uma populaccedilatildeo flutuante As escolas rurais por exemplo em periacuteodos de
colheita eram fechadas pois natildeo havia frequecircncia alguma uma vez que os alunos
estavam trabalhando nas lavouras Outro exemplo eacute a justificativa do baixo
rendimento escolar atribuiacutedo ao alto iacutendice de crianccedilas argentinas e paraguaias que
estudavam no lado brasileiro com a alegaccedilatildeo do problema do idioma que gerava
atraso em toda turma ldquoNo 1ordm ano o periacuteodo de preacute-alfabetizaccedilatildeo que normalmente
eacute feito em trecircs meses (no maacuteximo) chega a durar quase um anordquo (PDI 1972 p
125)
Este argumento que culpabiliza o aluno estrangeiro pelo atraso da turma natildeo
mudou muito Em pesquisa com professores da rede puacuteblica de Foz do Iguaccedilu
sobre a presenccedila de alunos brasiguaios nas escolas brasileiras citado no capiacutetulo
anterior Pires-Santos (2010) fala que alguns professores vecirc a presenccedila deste perfil
de aluno como um entrave um bdquocastigo‟ pois no seu entendimento seraacute difiacutecil
ensinaacute-los Outro destaque reside no fato de que estes relatoacuterios feitos em 1972
foram produzidos em nome do Estado que vivia sob o regime dos militares cuja
preocupaccedilatildeo com o estrangeiro no paiacutes se restringia nas questotildees de seguranccedila
nacional
68
No decorrer da deacutecada de 1970 a pauta da educaccedilatildeo segue em discussatildeo na
regiatildeo sobretudo com a reforma do ensino promulgada pela Lei 569271 Foz do
Iguaccedilu vivia nessa deacutecada os impactos da construccedilatildeo da Usina Hidreleacutetrica de
Itaipu A cidade recebeu aproximadamente 40000 operaacuterios com suas respectivas
famiacutelias oriundas de vaacuterios estados do paiacutes para a construccedilatildeo da hidreleacutetrica O
aumento populacional gerado pela chegada dos trabalhadores na cidade fez com
que todas as obras de infraestrutura fossem feitas apressadamente dentre essas
os hospitais as moradias e escolas subsidiados pela Itaipu Um exemplo foi o
convecircnio entre a Prefeitura por meio da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo e
Cultura com a Itaipu que resultou na construccedilatildeo da escola Prof Parigot de Souza
no ano de 1975
() Fica o Chefe do Executivo Municipal autorizado a firmar convecircnio com a Empresa ITAIPU ndashBINACIONAL objetivando a aplicaccedilatildeo de recursos para pagamento de professores e demais servidores para o setor administrativo bem como da manutenccedilatildeo da nova unidade escolar preacute-fabricada construiacuteda na sede municipal onde seraacute instalada uma extensatildeo do Ginaacutesio Estadual bdquoDom Manoel Konnerrdquode Foz do Iguaccedilu‟
(Foz do Iguaccedilu Lei Municipal nordm 8821975 Art1ordm)
Com a construccedilatildeo da hidreleacutetrica o nuacutemero de escolas em Foz do Iguaccedilu
aumentou significativamente Na deacutecada de 1960 havia cerca de oito escolas
municipais na cidade na deacutecada de 1980 mais nove escolas e hoje segundo dados
da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (2011) a cidade conta com 83 escolas
municipais e 82 estaduais 43 privadas e 04 filantroacutepicas
O periacuteodo que se estende da Colocircnia Militar de 1889 ateacute o fim da Era Vargas
(1930-1954) demonstrou que as raiacutezes pela qual as escolas foram criadas passou
pela construccedilatildeo de valores que satildeo constitutivos de uma ideal de naccedilatildeo Wachowicz
(1984) cita o ofiacutecio do general comandante da 5ordf Regiatildeo Militar em 1925 que
expressava a urgecircncia de se construir escolas nas zonas de fronteira haja vista que
a uacutenica soluccedilatildeo era enviar as crianccedilas para frequentar escola na Argentina O
incocircmodo do general se baseia na busca pelo estabelecimento de uma identidade
nacional ao Brasil pois a presenccedila de alunos brasileiros em escolas argentinas
representava um perigo A escola eacute um dos espaccedilos em que se bdquoimagina‟ se
constroacutei um identidade nacional ldquoNascida na ficccedilatildeo agrave identidade precisava de muita
coerccedilatildeo e convencimento para se consolidar e se concretizar numa realidaderdquo
(BAUMAN 2005 p 27)
69
Em siacutentese a escola natildeo eacute neutra mas perpassam tambeacutem outros interesses
que natildeo satildeo apenas os de ideais nacionalistas Ela eacute um espaccedilo marcado por
contradiccedilotildees Eacute o que o educador brasileiro Paulo Freire (1987) sugere ao natildeo
negar a influecircncia que determinado modo de se propor um modelo educativo pode
causar na sociedade Justamente por saber do potencial transformador da educaccedilatildeo
eacute que ele propunha um modelo para de educaccedilatildeo a partir da base da realidade na
qual o sujeito estaacute inserido
Em Foz do Iguaccedilu haacute a constataccedilatildeo de que o Estado esteve preocupado em
criar escolas a fim de bdquonacionalizar‟ a fronteira Braduel (2009) ao refletir acerca da
relaccedilatildeo entre Estado e territoacuterio e a ocupaccedilatildeo do espaccedilo afirma que ldquoEstados agem
como indiviacuteduos obstinando-se em delimitar seu domiciacutelio da mesma forma que
todo animal livre defende aquilo que ele considera ser o seu territoacuteriordquo (BRAUDEL
2009 p 262 apud Heinsfiel 2014 p 17)
Nessa perspectiva o Estado tem como foco a necessidade de delimitar seus
domiacutenios Domiacutenios estes que satildeo reforccedilados por instituiccedilotildees capazes de legitimar
essa loacutegica tais como as escolas Segundo Bourdieu (2008) um dos principais
poderes do Estado eacute impor categorias de pensamento categorias que noacutes
assumimos como naturais aparentemente espontacircneas mas que na verdade satildeo
impostas pelo Estado (BOURDIEU 2008 p 91)
24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas
escolas
Com o processo de redemocratizaccedilatildeo e da nova Constituiccedilatildeo Federal
promulgada em 1988 houve um grande avanccedilo em termos de direitos civis No
caso da presenccedila de estrangeiros no paiacutes a Carta Magna assegura a todas as
pessoas brasileiras ou estrangeiras estando em situaccedilatildeo migratoacuteria regular ou
irregular o direito agrave educaccedilatildeo escolar Os princiacutepios escolares passaram a ter
como base a igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia nas escolas
da liberdade e do pluralismo de ideacuteias e concepccedilotildees pedagoacutegicas
Art 206 O ensino seraacute ministrado com base nos seguintes princiacutepios I - igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola II - liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber III - pluralismo de ideacuteias e de concepccedilotildees pedagoacutegicas e coexistecircncia de instituiccedilotildees puacuteblicas e
70
privadas de ensino IV - gratuidade do ensino puacuteblico em estabelecimentos oficiais (CF 1998)
Waldman (2012) destaca que a nova constituiccedilatildeo tem pela primeira vez o
princiacutepio da dignidade da pessoa humana como fundamental e afirmou como
objetivos fundamentais a ldquopromoccedilatildeo do bem para todos sem preconceitos de
origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeordquo
(WALDMAN 2012 p63)
No campo das relaccedilotildees internacionais o Brasil se comprometeu pela
prevalecircncia dos direitos humanos pela cooperaccedilatildeo entre os povos e pela atenccedilatildeo
agrave integraccedilatildeo poliacutetica social e cultural da Ameacuterica Latina23 Estes pontos
apresentados satildeo importantes a serem considerados pois satildeo com base na CF
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 seraacute elaborada e a
partir dela outros documentos importantes que toca agrave questatildeo da diversidade
eacutetnicas cultural e racial na educaccedilatildeo Alguns destes documentos satildeo o Curriacuteculo
da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute o Plano Estadual de Educaccedilatildeo
do Paranaacute e os Paracircmetros Curriculares Nacionais que seratildeo analisados no
proacuteximo capiacutetulo
23
Art 4ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaccedilotildees internacionais pelos seguintes
princiacutepios I - independecircncia nacional II - prevalecircncia dos direitos humanos III - autodeterminaccedilatildeo dos povos IV - natildeo-intervenccedilatildeo V - igualdade entre os Estados VI - defesa da paz VII - soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitosVIII - repuacutedio ao terrorismo e ao racismoIX - cooperaccedilatildeo entre os povos para o progresso da humanidadeX - concessatildeo de asilo poliacuteticoParaacutegrafo uacutenico A Repuacuteblica Federativa do Brasil buscaraacute a integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica social e cultural dos povos da Ameacuterica Latina visando agrave formaccedilatildeo de uma comunidade latino-americana de naccedilotildees
71
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA
ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUAI
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens
O campo de estudos de poliacuteticas puacuteblicas avanccedilou nos uacuteltimos sessenta
anos tendo conformado uma literatura instrumental analiacutetica que contribuiu para a
compreensatildeo dos processos de natureza poliacutetico- administrativo (SECCHI 2013)
No Brasil segundo Faria (2003) a aacuterea de anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas ainda eacute
escassa Isso se comprova pela falta de anaacutelises mais sistemaacuteticas no que tange
aos processos de implementaccedilatildeo aleacutem da carecircncia em estudos que tratam de
metodologias e instrumentos de avaliaccedilatildeo destas poliacuteticas pelos trecircs niacuteveis de
governo legislativo executivo e judiciaacuterio
A fim de apresentar a analise de algumas poliacuteticas puacuteblicas (PP) que tratam
da questatildeo da educaccedilatildeo e diversidade cultural faz-se necessaacuterio apresentar o que
se compreende enquanto uma PP Teoacutericos apontam que seu significado natildeo
apresenta uma definiccedilatildeo uacutenica (SECCHI 2010 BONETI 2011) Assim utilizaremos
como definiccedilatildeo de PP as concepccedilotildees de Tamayo Saacuteez (1997) que a entende como
ldquoum conjunto de objetivos decisotildees e accedilotildees que levam a cabo um governo para
solucionar os problemasrdquo (TAMAYO SAEacuteZ 1997 p 2) Complementando esta
definiccedilatildeo citamos Lindomar Boneti (2006) e seu entendimento do que sejam
poliacuteticas puacuteblicas
Accedilatildeo que nasce do contexto social mas que passa pela esfera estatal como uma decisatildeo de intervenccedilatildeo puacuteblica numa realidade social determinada quer seja ela econocircmica ou social Ainda esclarece que as poliacuteticas puacuteblicas representam [] o resultado da dinacircmica do jogo de forccedilas que se estabelece no acircmbito das relaccedilotildees de poder relaccedilotildees estas constituiacutedas pelos grupos econocircmicos e poliacuteticos classes sociais e demais organizaccedilotildees da sociedade civil (BONETI 2006 p 76)
Eacute importante assinalar que as PPs mudam com o tempo e em consonacircncia
com o modelo de Estado vigente como as transformaccedilotildees que ocorrem em uma PP
dentro de um Estado autoritaacuterio para um Estado democraacutetico A criaccedilatildeo de uma PP
natildeo depende somente das decisotildees emanadas do poder puacuteblico Esse jogo de
72
forccedilas ao qual Boneti se refere satildeo concernentes agraves correlaccedilotildees realizadas com
agentes privados e da sociedade civil No entanto no sentido de responsabilizaccedilatildeo
por sua implementaccedilatildeo e permanecircncia compreende-se aqui que uma PP eacute
responsabilidade do Estado24
Dentre os aspectos a serem considerados no momento de escolher uma PP
os fatores culturais satildeo de fundamental importacircncia para a sua implementaccedilatildeo O
sucesso ou o fracasso de uma PP pode estar diretamente ligado ao contexto no qual
se insere
No que confere agrave anaacutelise de uma PP a mais aceita eacute aquela que busca
compreender como os formuladores de poliacutetica (policymakers) lidam com os
problemas com que se defrontam Nas palavras de Wildavsky
() o papel de Anaacutelise de Poliacutetica eacute encontrar problemas onde soluccedilotildees podem ser tentadas ou seja bdquoo analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possiacutevel alguma melhoria‟ Portanto a Anaacutelise de Poliacutetica estaacute preocupada tanto com o planejamento como com a poliacutetica (politics) (WILDAVSKY 1979 apud RUA 2009 p 23)
Segundo Tamayo Saacuteez (1997) a anaacutelise de PP possui um caraacuteter
multidisciplinar Trata-se de um conjunto de teacutecnicas conceitos e estrateacutegias
oriundas de diferentes disciplinas - ciecircncia poliacutetica antropologia sociologia
psicologia e da teoria da organizaccedilatildeo - cujo objetivo eacute interpretar as causas e
consequumlecircncias das accedilotildees do governo Conforme este argumento eacute importante
ressaltar que os atores que analisam determinada PP o fazem a partir de seus
valores sua capacidade teacutecnica seus interesses e o grau de informaccedilatildeo Tais
fatores satildeo fundamentais para compreensatildeo destas anaacutelises
Por poliacuteticas puacuteblicas educacionais compreende-se tudo aquilo que um
governo faz ou deixa de fazer em mateacuteria de educaccedilatildeo No que tange agrave poliacutetica
educacional brasileira esta deve ser pensada em contexto amplo onde fatores
como a constituiccedilatildeo federal a poliacutetica nacional de direitos humanos e os acordos e
tratados internacionais devem ser considerados assim como os fatores sociais e
culturais da sociedade (SILVA MOURA MELLO 2013)
24
Mas vale dizer que natildeo necessariamente uma poliacutetica puacuteblica eacute apenas estatal
73
Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos sobre as poliacuteticas
educacionais no Brasil satildeo recentes mas encontram-se em processo de construccedilatildeo
e crescimento As pesquisas e publicaccedilotildees sobre as poliacuteticas educacionais possuem
dois eixos de estudos o primeiro refere-se aos de caraacuteter teoacuterico com questotildees
mais amplas acerca do processo de formulaccedilatildeo de poliacuteticas abarcando mudanccedilas
no papel do Estado das redes de influecircncia no desenvolvimento de formulaccedilatildeo de
poliacuteticas o segundo trata da anaacutelise e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas e programas
(MAINARDES 2006) Quanto ao primeiro eixo ao destacar a funccedilatildeo do Estado na
definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Mainardes (2006) explica que
natildeo se trata de defender que o Estado ou os governos decidam por implementar as
poliacuteticas puacuteblicas mas isso reflete as pressotildees de diferentes grupos de interesse
Citando Evans Rueschmeyer e Skocpol (1985) Souza (2006) se aproxima da
perspectiva teoacuterica que defende uma autonomia relativa do Estado ldquoque faz com
que o mesmo tenha um espaccedilo proacuteprio de atuaccedilatildeo embora permeaacutevel a influecircncias
externas e internasrdquo (SOUZA 2006 p27 apud Evans Rueschmeyer e Skocpol
1985)
Os dois eixos foram abordados nesta dissertaccedilatildeo pois considera-se
importante conhecer os principais aspectos histoacutericos das poliacuteticas educativas no
Brasil e sua relaccedilatildeo com o Estado para posteriormente tratar da anaacutelise das
poliacuteticas escolhidas O modelo denominado de ciclo de poliacuteticas puacuteblicas seraacute o
recurso utilizado para analise das poliacuteticas educacional
O ciclo de poliacutetica tem adquirido importacircncia progressiva nos estudos sobre a
elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica principalmente por consistir em uma serie de etapas
que envolve o processo poliacutetico-administrativo os atores suas relaccedilotildees recursos de
poder as relaccedilotildees poliacuteticas sociais e as praacuteticas Saravia e Ferrarezi (2006p32)
descrevem sete etapas deste ciclo primeiro uma agenda poliacutetica que eacute a
necessidade social de elaborar determinada poliacutetica puacuteblica em segundo a
elaboraccedilatildeo propriamente dita da poliacutetica puacuteblica para identificar e delimitar um
problema seja ele atual ou que pode vir a ser necessaacuterio Com isto determinam-se
as alternativas para a soluccedilatildeo a partir das possiacuteveis soluccedilotildees para o problema
formula-se a alternativa mais cabiacutevel pra sua implementaccedilatildeo que deve ser
constituiacuteda por meio do ldquoplanejamento e organizaccedilatildeo do aparelho administrativo e
dos recursos humanos financeiros materiais e tecnoloacutegicos necessaacuterios para
executar uma poliacuteticardquo (SARAVIA p34) A proacutexima etapa eacute a execuccedilatildeo destinada a
74
atingir os objetivos traccedilados pela poliacutetica ldquoEssa etapa inclui o estudo dos
obstaacuteculos que normalmente se opotildeem agrave transformaccedilatildeo de enunciados em
resultados e especialmente a anaacutelise da burocraciardquo (SARAVIA 2006 p 34) A
sexta etapa reside no acompanhamento que eacute o processo de supervisatildeo da
execuccedilatildeo de uma atividade a fim de fornecer a ldquoinformaccedilatildeo necessaacuteria para
introduzir eventuais correccedilotildees a fim de assegurar a consecuccedilatildeo dos objetivos
estabelecidosrdquo (SARAVIA 2006 p34) Por uacuteltimo temos a avaliaccedilatildeo que consiste
em analisar os impactos das poliacuteticas implementadas para a sociedade
Saravia (2006) explica que esta sequecircncia eacute mais uma esquematizaccedilatildeo
teoacuterica do que ocorre na praacutetica Nem sempre essas etapas satildeo consideradas Eacute o
caso de muitos paiacuteses da Ameacuterica Latina onde os programas de ajuste estrutural
natildeo consideraram as primeiras etapas iniciais de sua elaboraccedilatildeo os resultados
sociais possiacuteveis Como consequumlecircncia os indicadores da educaccedilatildeo da sauacutede da
previdecircncia social da habitaccedilatildeo do emprego e de outros setores sociais mostram a
existecircncia de uma situaccedilatildeo difiacutecil que se agrava com o tempo (SARAVIA 2006
p35-36)
32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil
No Brasil por muito tempo as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo ficaram
aqueacutem do esperado Valle (2009) aponta que no decorrer do periacuteodo colonial ou do
Impeacuterio natildeo haacute registros de uma real preocupaccedilatildeo com as poliacuteticas puacuteblicas de
Educaccedilatildeo (VALLE 2009) Arauacutejo (2011) explica que eacute recente a ideia de um ldquoEstado
em accedilatildeordquo no sentido de promover poliacuteticas para educaccedilatildeo (ARAUacuteJO 2011 p236)
Em um contexto onde sociedade e economia fundamentaram suas bases em um
modelo econocircmico agroexportador e na matildeo-de-obra escrava a preocupaccedilatildeo com a
educaccedilatildeo surgiu muito tarde
Maria Luisa Ribeiro (1992) escreve que no periacuteodo colonial a poliacutetica
educacional esteve vinculada agrave poliacutetica colonizadora dos portugueses (RIBEIRO
1992 p 20) A historiadora Maria Luiza Marciacutelio (2005) acrescenta estes dados ao
traccedilar as principais caracteriacutesticas do sistema educacional brasileiro no periacuteodo que
se estende de 1554 a 1759 ao explicar que o uacutenico ensino formal presente ateacute
meados do seacuteculo XVIII era oferecido pela Companhia de Jesus que era
75
basicamente elitista atendendo em grande parcela ldquojovens brancos proprietaacuterios
de terras famiacutelias da elite colonial aleacutem de introduzir nas primeiras letras do
catecismo elementar as crianccedilas iacutendias das aldeias jesuiacutetasrdquo (MARCIacuteLIO 2005
p42)
Saviani (2008) aponta que o primeiro documento de poliacutetica educacional foi
editado em 1548 e encontrado nos ldquoRegimentosrdquo de DJoatildeo III com a finalidade de
orientar as accedilotildees do governador geral do Brasil Tomeacute de Souza que veio com a
companhia de mais quatro padres e dois irmatildeos jesuiacutetas liderados por Manuel da
Noacutebrega
Nesse mesmo ano os jesuiacutetas receacutem-chegados deram iniacutecio agrave obra educativa centrada na catequese guiados pela orientaccedilatildeo contida nos referidos bdquoRegimentos‟ cumprindo pois um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal Nessa condiccedilatildeo cabia agrave coroa manter o ensino mas o rei enviava verbas para a manutenccedilatildeo e a vestimenta dos jesuiacutetas natildeo para construccedilotildees (SAVIANI 2008 p8)
No que se refere agrave inclusatildeo da populaccedilatildeo na instituiccedilatildeo jesuiacutetica Marciacutelio
(2005) aponta que no periacuteodo da expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759 a soma de todos
os alunos natildeo atingia 01 da populaccedilatildeo brasileira Em um cenaacuterio que contava
com 50 da populaccedilatildeo constituiacuteda por mulheres e 40 de escravizados aleacutem de
negros livres pardos filhos ilegiacutetimos e crianccedilas abandonadas todos estes ficavam
agrave margem do sistema de ensino Ao todo os jesuiacutetas ficaram agrave frente da educaccedilatildeo
brasileira por mais de dois seacuteculos ateacute a expulsatildeo (MARCIacuteLIO 2005 p3)
A segunda fase de poliacuteticas educacionais no Brasil foi marcada pelas
reformas pombalinas para instruccedilatildeo puacuteblica Com a instalaccedilatildeo da coroa portuguesa
no Brasil Colonial em 1808 a educaccedilatildeo ganhou novos significados Uma ldquoseacuterie de
cursos tanto profissionalizantes em niacutevel meacutedio como em niacutevel superior bem como
militares foram criados para fazer do local algo realmente parecido com uma Corterdquo
(GHIRALDELLI JR 2001 p 16) Deste modo o periacuteodo compreendido como
pedagogia pombalina (1759-1827) corresponde agraves primeiras tentativas de se instituir
uma escola puacuteblica estatal
As reformas pombalinas contrapotildeem-se ao predomiacutenio das ideacuteias religiosas e com base nas ideacuteias laicas inspiradas no Iluminismo institui o privileacutegio do Estado em mateacuteria de instruccedilatildeo surgindo assim a nossa versatildeo da bdquoeducaccedilatildeo puacuteblica estatal‟ (LUZURIAGA 1959 p23-39 apud SAVIANE 2008 p9)
76
Quando Dom Pedro I assume o poder no periacuteodo Regencial a maioria da
populaccedilatildeo seguia analfabeta A independecircncia poliacutetica natildeo alterou o quadro da
situaccedilatildeo de ensino ao menos de imediato Para Joatildeo Cruz Costa citado por
Romanelli (1985) o processo de independecircncia significava ldquosimples transferecircncia de
poderes dentro de uma mesma classe [a independecircncia] entregaria a direccedilatildeo da
nova accedilatildeo aos proprietaacuterios de terras de engenhos e aos letradosrdquo (COSTA 1980
apud ROMANELLI 1985 p 39)
Eacute neste contexto que comeccedila uma nova fase no campo da educaccedilatildeo tendo
como marco inicial a lei das Escolas das Primeiras letras de 1827 com o objetivo de
ensinar toda a populaccedilatildeo brasileira conforme o artigo de nuacutemero 6 presente na Lei
de 15 de outubro de 1827
() Art 6ordm - Os professores ensinaratildeo a ler escrever as quatro operaccedilotildees de aritmeacutetica praacutetica de quebrados decimais e proporccedilotildees as noccedilotildees mais gerais de geometria praacutetica a gramaacutetica de liacutengua nacional e os princiacutepios de moral cristatilde e da doutrina da religiatildeo catoacutelica e apostoacutelica romana proporcionados agrave compreensatildeo dos meninos preferindo para as leituras a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio e a Histoacuteria do Brasil (BRASIL 1827)
No final do seacuteculo XIX marcado pelas influecircncias do positivismo25 comeccedilou no paiacutes
um movimento pela desoficializaccedilatildeo do ensino no Estado defendendo a liberdade
das profissotildees Com isso foram surgindo escolas privadas de benemerecircncia que se
propunham a ofertar ensino gratuito Essa tendecircncia de desoficializaccedilatildeo culminou
com a Reforma Leocircncio de Carvalho em 1879 (SAVIANI 2008) Saviani chama
atenccedilatildeo para este fato ao criticar o fato de que desde iniacutecio das primeiras poliacuteticas
educacionais brasileiras houve certa ldquopromiscuidaderdquo na relaccedilatildeo entre o puacuteblico e o
privado A comeccedilar com a educaccedilatildeo jesuiacutetica que em alguma medida era puacuteblica
mas a entidade que o ofertava natildeo
Conforme Santos (2011) somente a partir do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
XX periacuteodo de transiccedilatildeo para um modelo de desenvolvimento moderno
25
Por Positivismo compreende-se agora de modo mais amplo a filosofia desenvolvida por Augusto Comte que se caracteriza conjuntamente pela expressa confianccedila nos benefiacutecios da industrializaccedilatildeo no otimismo em relaccedilatildeo ao progresso capitalista no culto agrave ciecircncia e a valorizaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico voltados a uma reforma intelectual da sociedade (COTRIM 1993 p 189)
77
intervencionista foi que a educaccedilatildeo passou a ser reclamada como um condicionante
necessaacuterio para o desenvolvimento do paiacutes Conforme Romanelli (1985) o seacuteculo
XIX fora marcado pelo surgimento de uma nova camada intermediaacuteria tambeacutem
chamada de pequena burguesia Esta classe explica a autora foi fundamental para
a evoluccedilatildeo poliacutetica no Brasil monaacuterquico e para mudanccedilas pelas quais passou o
regime no final do seacuteculo (ROMANELLI 1985 p37)
No periacuteodo republicano outra modalidade de poliacuteticas educacionais se
desenvolveu por volta de 1890 com a implantaccedilatildeo progressiva das escolas
graduadas apoiadas nas escolas normais que comeccedilaram a ser consolidadas sob o
fluxo do iluminismo republicano
Esse periacuteodo abrange de 1890 quando se daacute no estado de Satildeo Paulo a organizaccedilatildeo da escola normal graduada ateacute 1931 quando eacute promulgada a reforma Francisco Campos dando iniacutecio ao processo de regulamentaccedilatildeo ao sistema de ensino em acircmbito nacional (SAVIANI 2004a p20-21)
Somente a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX eacute que podemos
encontrar registros das primeiras lutas por uma educaccedilatildeo e escola de qualidade
puacuteblica e gratuita Valle (2009) aponta que a poliacutetica educacional brasileira foi
marcada pela criaccedilatildeo da Universidade do Rio de Janeiro em 1920 hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro ndash UFRJ ndash pelas organizaccedilotildees colegiadas
como a Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo fundada em 1924 liderada pelos
reformadores do movimento Escola Nova cujo marco encontra-se no lanccedilamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo na deacutecada de 1930 (VALLE 2009 p22)
Acerca deste Manifesto escreve Santos (2011)
Lanccedilado em 1932 o Manifesto foi sobretudo um documento de poliacutetica educativa no qual para aleacutem da defesa da Escola Nova estava a causaluta maior dapela escola puacuteblica laica sendo esta responsabilidade do Estado Ressalto que as diretrizes desse manifesto influenciaram a Constituiccedilatildeo de 1934 (FREITAS 2005 SAVIANI 2005 apud SANTOS 2011 p2)
Em 1930 ano em que tecircm iniacutecio a Era Vargas eacute criado o Ministeacuterio dos
Negoacutecios da Educaccedilatildeo e Sauacutede Este periacuteodo eacute considerado por Saviani (2008) o
iniacutecio da sexta modalidade de poliacuteticas educacionais marcado pela reforma
Francisco Campos em 1931 e caracterizada pela regulamentaccedilatildeo em acircmbito
nacional das escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
78
crescentemente as concepccedilotildees pedagoacutegicas renovadoras ateacute a criaccedilatildeo da LDB em
1961
As propostas de poliacuteticas educacionais dos reformadores dentre eles Aniacutesio
Teixeira e Lourenccedilo Filho natildeo foram bem recebidas pelo movimento de 1930
Apesar das controveacutersias houve marcos importantes como aponta Santos (2011)
com os seguintes decretos
1) Decreto 19850 de 11 de abril de 1931 que criou o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo 2) Decreto 19851 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitaacuterio 3) Decreto 19852 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo da Universidade do Rio de janeiro 4) Decreto 19890 de 18 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio 5) Decreto 19941 de 30 de abril de 1931 que instituiu o ensino religioso como mateacuteria facultativa nas escolas puacuteblicas do paiacutes 6) Decreto 20158 de 30 de junho de 1931 que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissatildeo de contador 7) Decreto 21241 de 14 de abril de 1932 que consolidou as disposiccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio (SANTOS 2011 p 2)
De acordo com Ribeiro (1992) de 1931 a 1937 foram realizados inuacutemeros
congressos e conferecircncias nos quais se discutiam os caminhos possiacuteveis para a
elaboraccedilatildeo de um plano nacional para educaccedilatildeo Nestes debates haviam duas
vertentes
Uma jaacute era tradicional representada pelos educadores catoacutelicos que defendiam a educaccedilatildeo subordinada agrave doutrina religiosa (catoacutelica) a educaccedilatildeo em separado e portanto diferenciadas pelos sexos masculino e feminino o ensino particular a responsabilidade da famiacutelia quanto agrave educaccedilatildeo etc Outra era representada pelos educadores influenciados pelas bdquoideacuteias novas‟ e que defendiam a laicidade a co- educaccedilatildeo a gratuidade a responsabilidade puacuteblica em educaccedilatildeo etc (RIBEIRO 1992 p99)
Em um contexto onde o mundo presenciava as experiecircncias de paiacuteses com
ideologias fascistas e comunistas os grupos de educadores que debatiam a
educaccedilatildeo agrave eacutepoca diziam ser contraacuterios agrave monopolizaccedilatildeo do ensino por parte do
Estado Com isto o movimento escola novista e sua ideia da educaccedilatildeo ser de
responsabilidade puacuteblica passam a ser assimiladas agraves ideias comunistas
79
Em 1934 eacute outorgada uma nova Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica que segundo
Ribeiro (1992) apesar de seu caraacuteter contraditoacuterio ao atender as reivindicaccedilotildees
sobretudo dos reformadores catoacutelicos conseguiu destacar a educaccedilatildeo dedicando-
lhe um capiacutetulo especiacutefico para o assunto Entatildeoldquoa reivindicaccedilatildeo catoacutelica quanto ao
ensino religioso eacute atendida assim como outras ligadas aos representantes das
ldquoideacuteias novasrdquo (CapI art 5ordmXIV 1934 apud RIBEIRO 1992 p104)
A partir de 1937 quando o golpe militar instaura o Estado Novo algumas
premissas satildeo mantidas como a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primaacuterio
Institui-se como obrigatoacuterio o ensino de trabalhos manuais nas escolas primaacuterias
normais e secundaacuterias Tambeacutem fica estabelecido o programa escolar em termos de
ensino preacute-vocacional orientado agraves classes menos favorecidas No artigo 129 o
regime de cooperaccedilatildeo entre a induacutestria e o Estado eacute fixado (RIBEIRO 1992 p114-
115)
O periacuteodo do Estado Novo que durou sessenta anos foi um periacuteodo
marcante para a educaccedilatildeo pois traduziu o que aquele regime poliacutetico pretendeu
executar no Brasil Nas palavras de Helena Bomeny (1999)
Formar um bdquohomem novo‟ para um Estado Novo conformar mentalidades e criar o sentimento de brasilidade fortalecer a identidade do trabalhador ou por outra forjar uma identidade positiva no trabalhador brasileiro tudo isso fazia parte de um grande empreendimento cultural e poliacutetico para o sucesso do qual contava-se estrategicamente com a educaccedilatildeo por sua capacidade universalmente reconhecida de socializar os indiviacuteduos nos valores que as sociedades atraveacutes de seus segmentos organizados querem ver internalizados (BOMENY1999p139)
Bomeny apresenta quatro decretos que remetem ao fechamento das escolas
estrangeiras
O Decreto lei ndeg 383 de 18 de abril de 1938 que proibia aos
estrangeiros o exerciacutecio de atividades poliacuteticas no Brasil o Decreto ndeg 406 de 4 de maio 1938 que regulamentava o ingresso e a permanecircncia de estrangeiros ditando providecircncias para sua assimilaccedilatildeo e criando o Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo como oacutergatildeo executor de suas disposiccedilotildees o Decreto ndeg 868 de 18 de novembro de 1938 que instituiu a Comissatildeo Nacional de Ensino Primaacuterio que possuiacutea entre suas atribuiccedilotildees a nacionalizaccedilatildeo do ensino nos nuacutecleos estrangeiros e o Decreto ndeg 948 de 13 de dezembro do mesmo ano que considerando a complexidade das medidas para promover a assimilaccedilatildeo dos colonos e completa nacionalizaccedilatildeo dos filhos de imigrantes estabelecia que as medidas fossem tomadas pelo Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo (BOMENY 1999 p 158)
80
Em documento dirigido a Getuacutelio Vargas em 1939 o entatildeo Ministro de
Guerra Eurico Gaspar Dutra apontou a educaccedilatildeo como um dos setores
intimamente ligados agrave seguranccedila nacional ldquoO problema da educaccedilatildeo apreciado em
toda a sua amplitude natildeo pode deixar de constituir uma das mais graves
preocupaccedilotildees das autoridades militaresrdquo (Arquivo Osvaldo Aranha AO 390418
FGVCPDOC apud BOMENY 1999 p139)
Com o fim do Estado Novo a nova constituiccedilatildeo caracterizada por seu caraacuteter
liberal e democraacutetico possibilitou algumas mudanccedilas na educaccedilatildeo O novo Ministro
da Educaccedilatildeo regulamentou em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal aleacutem do
Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC Neste contexto o Brasil
passou a viver o que se denominou como periacuteodo nacional-desenvolvimentista No
plano internacional o mundo vivia o poacutes-guerra momento marcado pela
reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos o que levou a uma grande fase de crescimento
econocircmico em niacutevel mundial conhecida como a ldquoa era de ourordquo acarretando no que
ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social
O Estado de bem-estar social era um projeto cogente para recuperar o vigor e a capacidade de expansatildeo dos paiacuteses capitalistas apoacutes a tensatildeo social econocircmica e poliacutetica do periacuteodo entre guerras Tanto que o estabelecimento do Estado de bem-estar social entre as deacutecadas de 1940 e 1960 ficou conhecido como bdquoera dourada do capitalismo‟ por ser um momento de desenvolvimento econocircmico com garantias sociais e oferecimento praticamente de emprego pleno para a maioria da populaccedilatildeo nos paiacuteses mais desenvolvidos (VICENTE 2009 p124)
Apoacutes a reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos na guerra ocorreu o processo de
internacionalizaccedilatildeo do capital O avanccedilo do capitalismo para paiacuteses como o Brasil
implicou em uma nova forma de desenvolvimento As ideacuteias por uma poliacutetica
nacional-desenvolvimentista foram propagadas principalmente pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 durante o governo interino
de Cafeacute Filho No governo de Juscelino Kubitschek o ISEB passa a ser o braccedilo do
governo no sentido de propagar a mentalidade nacional para o desenvolvimento
A deacutecada de 1960 eacute caracterizada por uma sociedade brasileira marcada pelo
processo crescente de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo e pelas mudanccedilas nas
relaccedilotildees de trabalho no campo Na mesma intensidade aumentavam as
81
desigualdades sociais o que mobilizou setores da sociedade em lutas por reformas
de base com vistas agrave reduccedilatildeo dessas desigualdades sociais (NASCIMENTO 2006)
No que se refere ao perfil que tomam as poliacuteticas educacionais nesse periacuteodo
Saviani (2005) aponta que
[] se o periacuteodo situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equiliacutebrio entre as influecircncias das concepccedilotildees humanista tradicional (representada pelos catoacutelicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educaccedilatildeo nova) a partir de 1945 jaacute se delineia como nitidamente predominante a concepccedilatildeo humanista moderna (SAVIANI 2005 p14)
Para o autor o foco no desenvolvimento econocircmico do paiacutes que por sua vez geraria
o desenvolvimento em outras instacircncias da sociedade acabou por gerar uma
inversatildeo do ensino puacuteblico A escola passou a ser instrumento para servir agrave loacutegica
do mercado por meio da pedagogia tecnicista26
No periacuteodo que se estende de 1964-1984 periacuteodo da ditadura militar todo o
aparelho estatal fora reformulado em nome da seguranccedila interna
Definindo a seguranccedila interna como accedilatildeo-resposta a um processo subversivo devendo ser conduzida em termos de aplicaccedilatildeo global do Poder Nacional dentro de uma Estrateacutegia Nacional especiacutefica A Escola Superior de Guerra considerava que essa accedilatildeo-resposta se delineava atraveacutes de trecircs atitudes estrateacutegicas preventiva repressiva e operativa (MIRANDA 1970 p18 apud SAVIANI 2004 p119)
Desse modo as accedilotildees preventivas procuravam evitar aquilo que era
entendido como subversivo As accedilotildees repressivas procuravam impedir a praacutetica
subversiva e as accedilotildees operativas destinavam-se a eliminar esses focos mediante a
accedilatildeo armada Em outras palavrasldquoo Poder Nacional tal como concebido pela
ideologia da interdependecircncia eacute acionado para destruir a autonomia nacional nos
termos da ideologia nacional-desenvolvimentistardquo (SAVIANI 2004 p120)
26
A partir do pressuposto da neutralidade cientiacutefica e inspirada nos princiacutepios de racionalidade eficiecircncia e produtividade a pedagogia tecnicista advogou a reordenaccedilatildeo do processo educativo de maneira a tornaacute-lo objetivo e operacional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretendeu-se a objetivaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico Buscou-se entatildeo com base em justificativas teoacutericas derivadas da corrente filosoacutefico-psicoloacutegica do behaviorismo planejar a educaccedilatildeo de modo a dotaacute-la de uma organizaccedilatildeo racional capaz de minimizar as interferecircncias subjetivas que pudessem pocircr em risco sua eficiecircncia (SAVIANI 2009 p11-12)
82
Eacute neste contexto que eacute possiacutevel compreender todas as poliacuteticas educacionais
durante o regime militar Destaca-se o Mobral27 seguido das reformas de ensino de
primeiro segundo e terceiros graus a criaccedilatildeo dos Centros Rurais Universitaacuterios de
Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria (CRUTACS) os Centros Sociais Urbanos o
Projeto Rondon a Empresa Brasileira de Notiacutecias (EBN) etc (SAVIANI 2004)
O periacuteodo ditatorial ao longo de duas deacutecadas que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na presidecircncia da repuacuteblica se pautou em termos educacionais pela repressatildeo privatizaccedilatildeo de ensino exclusatildeo de boa parcela das classes populares do ensino profissionalizante tecnicismo pedagoacutegico e desmobilizaccedilatildeo do magisteacuterio atraveacutes de abundante e confusa legislaccedilatildeo educacional Soacute uma visatildeo otimistaingecircnua poderia encontrar indiacutecios de saldo positivo na heranccedila deixada pela ditadura militar (GHIRALDELLI 1990 p163)
Em 1979 o Brasil dava iniacutecio ao lento e gradual processo de abertura
democraacutetica que teve iniacutecio no governo de General Geisel (1974-1979) A transiccedilatildeo
democraacutetica se fez seguindo a estrateacutegia de conciliaccedilatildeo pelo alto a fim de dar
prosseguimento agrave ordem socioeconocircmica vigente Naquele momento o mundo vivia
as consequumlecircncias da chamada crise do petroacuteleo que teve seu iniacutecio na deacutecada de
1970 As implicaccedilotildees da crise levaram os paiacuteses a tomarem medidas de
desregulamentaccedilatildeo da economia privatizaccedilotildees e destituiccedilatildeo do Estado de bem-
estar social Nesse contexto nasce o chamado neoliberalismo Neo quer dizer novo
e liberalismo refere-se ao pensamento claacutessico que serviu de base ao capitalismo
Segundo Anderson (1995) ldquoo neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra
Mundial como uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estarrdquo (ANDERSON 1995 p 9)
Na Ameacuterica Latina o efeito da crise fez com que os paiacuteses adotassem os
ajustes neoliberais orientados pelo Banco Mundial Fundo Monetaacuterio Internacional e
o governo dos Estados Unidos apoacutes o ldquoConsenso de Washingtonrdquo28 Os impactos
27
O Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo foi criado pela Lei Nordm 5379 de 15121967 e tinha como
prioridade promover a alfabetizaccedilatildeo e educaccedilatildeo continuada para jovens e adultos analfabetos Esteve embasada nas proposiccedilotildees de educaccedilatildeo funcional presente nos documentos da UNESCO em 1958 durante o Congresso Mundial de Ministros O MOBRAL teve iniacutecio em 1970 e foi caracterizado do ponto de vista teacutecnico como proacuteximo aos meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo de Paulo Freire que partia das palavras-chaves mas suas orientaccedilotildees pedagoacutegicas eram controladas e supervisionadas pelo governo 28
Em novembro de 1989 reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionaacuterios do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos O objetivo do encontro convocado pelo Institute for
83
de tais ajustes perpassam pelo campo das reformas educacionais que devem estar
condicionadas agrave loacutegica do mercado bem como da sauacutede da alimentaccedilatildeo do
trabalho e do salaacuterio (SOARES 2000)
Nesse novo contexto as poliacuteticas educacionais satildeo marcadas por um
neoconservadorismo recheado de contradiccedilotildees e ambiguumlidades presentes nas
principais poliacuteticas educacionais que por sua vez foram resultado do debate entre
diversos setores da sociedade que queriam ver seus interesses contemplados nas
poliacuteticas educacionais somadas agraves deliberaccedilotildees dos organismos multilaterais para
a educaccedilatildeo
33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988
Segundo Gabriele Sapio (2010) a Constituiccedilatildeo Federal (CF) eacute ldquouma das
cartas constitucionais mais adiantadas e progressistas do mundo em mateacuteria de
proteccedilatildeo dos direitos sociais fundamentais coletivos e individuaisrdquo (SAPIO 2010
sn) No Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute considerada um avanccedilo no sentido de
assegurar direitos sociais dentre eles o acesso agrave educaccedilatildeo
No que concerne agrave educaccedilatildeo a Constituiccedilatildeo tem uma seccedilatildeo especiacutefica
destinada agrave mesma Seccedilatildeo I do capiacutetulo III Da Educaccedilatildeo da Cultura e do Desporto
A constituiccedilatildeo de 1988 marca o retorno do Brasil para a democracia No contexto de
sua elaboraccedilatildeo houve inuacutemeros debates por parte dos setores da sociedade de
movimentos sociais a grupos dominantes que queriam ver seus interesses
contemplados na Carta Magna afirma Ghiraldelli Jr (2001 p 169) O mesmo autor
ao analisar a Carta de 1988 onde se discute a educaccedilatildeo informa que este aspecto
natildeo eacute soacute tratado em um artigo especiacutefico mas perpassa por outros toacutepicos
Na Carta de 1988 a educaccedilatildeo natildeo veio contemplada apenas no seu local proacuteprio no toacutepico especiacutefico destinada a ela mas veio tambeacutem espalhada em outros toacutepicos Assim no tiacutetulo sobre direitos e
International Economics sob o tiacutetulo Latin American Adjustment How Much Has Happened era proceder a uma avaliaccedilatildeo das reformas econocircmicas empreendidas nos paiacuteses da regiatildeo Para relatara experiecircncia de seus paiacuteses tambeacutem estiveram presentes diversos economistas latino-americanos Agraves conclusotildees dessa reuniatildeo eacute que se daria subsequentemente a denominaccedilatildeo informal de Consenso de Washingtonrdquo (BATISTA 1994 p 5)
84
garantias fundamentais a educaccedilatildeo apareceu como um direito social junto da sauacutede do trabalho do lazer da seguranccedila da previdecircncia social da proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia da assistecircncia aos desamparados (artigo 6deg) Tambeacutem no capiacutetulo sobre a famiacutelia a crianccedila o adolescente e o idoso a educaccedilatildeo foi incluiacuteda A Constituiccedilatildeo determinou ser dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente o direito agrave educaccedilatildeo como uma prioridade em relaccedilatildeo ao outros direitos (GHIRALDELLI JR 2001 p169)
Diante das mudanccedilas que a CF trouxe agrave Educaccedilatildeo houve tambeacutem a
necessidade de se elaborar uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional Em dezembro de 1988 o deputado Octaacutevio Eliacutesio apresentou um projeto
que fixava as diretrizes e bases nacionais da educaccedilatildeo diante da nova realidade
brasileira Apoacutes oitos ano de tramitaccedilatildeo debates e discussotildees a nova LDB foi
aprovada em 1996 Atualmente eacute a diretriz que rege o curriacuteculo nacional Assim eacute a
partir dela que iremos iniciar a anaacutelise propostas das poliacuteticas educacionais para a
diversidade
34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais
Seraacute que a escola pode ser a mesma quando os educandos satildeo outros Seraacute que o curriacuteculo pode ser o mesmo quando os alunos satildeo outros Seraacute que a pedagogia deva ser a mesmaA docecircncia deva ser a mesma (Miguel Arroyo 2014-Em entrevista concedida ao Portal Dia a Dia Educaccedilatildeo)
As perguntas acima foram feitas pelo poacutes-doutor em educaccedilatildeo Miguel
Arroyo em entrevista concedida a TV Paulo Freire no ano de 2013 Quando
questionado sobre como a escola deve trabalhar o tema da diversidade ele aponta
que natildeo eacute o aluno quem deve se adaptar agrave escola mas a escola quem deve se
adaptar ao aluno Nesse sentido adaptando o questionamento de Arroyo sobre as
poliacuteticas educacionais para a realidade fronteiriccedila a pergunta ficaria a seguinte seraacute
que a escola situada em regiatildeo de fronteira internacional pode ser a mesma quando
os educandos satildeo outros
E este bdquooutro‟ na fronteira eacute o argentino o aacuterabe o paraguaio o brasiguaio o
indiacutegena que estatildeo imersos em meio a tantas outras diversidades que natildeo foram
tratadas aqui mas que complexificam ainda mais a realidade das escolas de
85
fronteira Nela tambeacutem nos deparamos com as questotildees de gecircnero de raccedila de
classes etc Pensando nestes aspectos o que as principais poliacuteticas educacionais
nacionais podem ou natildeo oferecer quando o assunto eacute a diversidade nas escolas de
fronteira internacional
Por diversidade Elvira de Souza Lima (2011) entende que a mesma eacute a
norma da espeacutecie humana pois ldquoos seres humanos satildeo diversos em suas
experiecircncias culturais satildeo uacutenicos em suas personalidades e satildeo diversos em suas
formas de perceber o mundordquo Segundo Gurgel (LIMA 2011 p1) a ideia de
diversidade relaciona-se diretamente com os conceitos de pluralidade multiplicidade
que indicam diferentes valores costumes vivecircncias de diferentes grupos da
sociedade
Nas concepccedilotildees de Gurgel do ponto de vista da Antropologia compreender
os elementos constitutivos da diversidade nos leva a entender diferentes ldquohaacutebitos
costumes comportamentos crenccedilas e valores e a aceitaccedilatildeo da diferenccedila no outro
chamada de alteridaderdquo (GURGEL 2011 p 4)
Nilma Lino Gomes (2008) ao discorrer sobre o que eacute diversidade busca seu
significado no dicionaacuterio apontando que as palavras que traduzem seu sentido satildeo
diferenccedila e dessemelhanccedila Em uma primeira interpretaccedilatildeo Nilma explica que a
diversidade pode se referir a fatos observaacuteveis a olho nu Contudo se ampliarmos a
noccedilatildeo sobre o que sejam diferenccedilas e incluir essas discussotildees no acircmbito cultural eacute
possiacutevel compreendecirc-la de duas formas
1)As diferenccedilas podem ser empiricamente observaacuteveis 2) as diferenccedilas tambeacutem satildeo construiacutedas ao longo do processo histoacuterico nas relaccedilotildees sociais e nas relaccedilotildees de poder Muitas vezes os grupos humanos tornam o outro diferente para fazecirc-lo inimigo para dominaacute-lo Por isso falar sobre a diversidade cultural natildeo diz respeito apenas ao reconhecimento do outro Significa pensar a relaccedilatildeo entre o eu e o outro (GOMES 2008 p2)
Na aacuterea de estudos das poliacuteticas educacionais o tema diversidade eacute recente
Somente a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 e da implementaccedilatildeo da LDB96 eacute que as
poliacuteticas educacionais para diversidade ganharam espaccedilo no campo das poliacuteticas
puacuteblicas
86
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo
A atual LDB96 eacute fruto do novo quadro poliacutetico que se instaurou no Brasil com
o processo de abertura democraacutetica Como jaacute mencionado foram oito anos de
tramitaccedilatildeo ateacute que em 1996 ela fosse fixada com a aprovaccedilatildeo da redaccedilatildeo proposta
pelo entatildeo Deputado Federal e antropoacutelogo Darcy Ribeiro
Ao analisar a LDB96 eacute possiacutevel encontrar alguns artigos que reconhecem a
diversidade existente no paiacutes No Capiacutetulo II referente agrave Educaccedilatildeo Baacutesica o artigo
26 prescreve o seguinte
Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da economia e da clientela (BRASIL 1996)
Com base neste artigo compreende-se que dadas as diferenccedilas culturais presentes
em cada regiatildeo cabe agrave instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave
realidade local Logo a lei daacute margem para que um trabalho diferenciado possa ser
realizado em aacutereas de fronteira internacional O inciso de nuacutemero cinco do mesmo
artigo torna obrigatoacuterio o ensino de uma liacutengua estrangeira moderna cuja escolha
fica a criteacuterio da comunidade escolar a partir da quinta seacuterie (hoje sexto ano)
Em 2005 foi criada a Lei de no 11161 que tornou obrigatoacuterio o ensino da
Liacutengua Espanhola para o Ensino Meacutedio
Art 1o O ensino da liacutengua espanhola de oferta obrigatoacuteria pela escola e de matriacutecula facultativa para o aluno seraacute implantado gradativamente nos curriacuteculos plenos do ensino meacutedio sect 1o O processo de implantaccedilatildeo deveraacute estar concluiacutedo no prazo de cinco anos a partir da implantaccedilatildeo desta Lei sect 2o Eacute facultada a inclusatildeo da liacutengua espanhola nos curriacuteculos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a seacuteries Art 2o A oferta da liacutengua espanhola pelas redes puacuteblicas de ensino deveraacute ser feita no horaacuterio regular de aula dos alunos (BRASIL 2005)
Esta uacuteltima lei expressa o contexto da eacutepoca Primeiro pelo crescimento do poder
econocircmico da Espanha e o crescente aumento do espanhol nos EUA (CELADA
1991 apud AMARAL E MAZZARO 2006) Em segundo o entatildeo presidente Luis
Inaacutecio Lula da Silva tinha como plano de governo a aproximaccedilatildeo com os demais
87
paiacuteses da Ameacuterica Latina haja vista que historicamente a relaccedilatildeo do Brasil com os
paiacuteses da regiatildeo tanto no acircmbito econocircmico como social era pequena Com essa
proposta de integraccedilatildeo em um de seus discursos ele diz
A grande prioridade da poliacutetica externa durante o meu governo seraacute a construccedilatildeo de uma Ameacuterica do Sul politicamente estaacutevel proacutespera e unida com base em ideais democraacuteticos e de justiccedila social Para isso eacute essencial uma accedilatildeo decidida de revitalizaccedilatildeo do MERCOSUL enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visotildees muitas vezes estreitas e egoiacutestas do significado da integraccedilatildeo O MERCOSUL assim como a integraccedilatildeo da Ameacuterica do Sul em seu conjunto eacute sobretudo um projeto poliacutetico Mas esse projeto repousa em alicerces econocircmico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforccedilados Cuidaremos tambeacutem das dimensotildees social cultural e cientiacutefico-tecnoloacutegica do processo de integraccedilatildeo (LULA DA SILVA 2003)
A partir de entatildeo outras iniciativas aleacutem do ensino do espanhol foram
implementadas como a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino superior em aacutereas
fronteiriccedilas entre elas a Universidade Federal da Fronteira Sul (Santa Catarina)
criada em outubro de 2009 a Universidade Federal do Pampa (Rio Grande do Sul)
fundada em janeiro de 2008 a Universidade Federal de Grande Dourados (Mato
Grosso do Sul) fundada em agosto de 2005 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo
Latino-Americana (Paranaacute) criada em janeiro de 2010 e a Universidade da
Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira tambeacutem criada em 2010 Esta
uacuteltima que conforme o nome sugere orienta-se para o desenvolvimento cientiacutefico
educacional e cultural da Ameacuterica Latina No acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica temos o
Programa Escola Intercultural Biliacutenguumle de iniciativa do Mercosul que objetiva a
integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo biliacutengue em escolas puacuteblicas do ensino
fundamental presentes em cidades da faixa de fronteira
Nesse sentido ainda que as estrateacutegias dessas instituiccedilotildees estejam
relacionadas ao projeto de integraccedilatildeo na regiatildeo de faixa de fronteira a presenccedila de
instituiccedilotildees de ensino superior contribui para o desenvolvimento de pesquisas
criaccedilatildeo de projetos e programas tanto no acircmbito nacional com as cidades e as
instituiccedilotildees locais como no acircmbito internacional em parceira com instituiccedilotildees dos
paiacuteses com as quais essas instituiccedilotildees fazem fronteira Isso por consequecircncia
pode contribuir para debates e mudanccedilas na educaccedilatildeo nas escolas de fronteira
No que confere agrave obrigatoriedade do ensino de espanhol algumas pesquisas
sobre sua implementaccedilatildeo identificaram algumas fragilidades Nos resultados
88
parciais da pesquisa de doutorado sobre o ensino do espanhol no Brasil realizada
por Maria Fernanda Lisboa (2011) a autora identificou que o discurso de integraccedilatildeo
linguiacutestico-cultural que justifica a lei ldquoeacute apenas uma fachada para desviar a atenccedilatildeo
dos reais interesses por traacutes dessa poliacutetica natildeo soacute linguumliacutesticardquo (LISBOA 2011 p
213) A autora faz referecircncia aos interesses da Espanha que estaacute agrave frente dessa
poliacutetica ldquoinvestindo em assessorias linguumliacutesticas na criaccedilatildeo de vaacuterias sedes do
Instituto Cervantes e ainda disseminando cursos de capacitaccedilatildeo para professoresrdquo
(LISBOA 2011 p 213) Estes cursos satildeo vistos pelas associaccedilotildees de professores
pelos formadores de professores e por Universidades de modo negativo Na
avaliaccedilatildeo daqueles que satildeo contraacuterios a essas formaccedilotildees encontra-se a duacutevida na
real qualidade da mesma visto que eacute um curso inteiramente agrave distacircncia sem
maiores reflexotildees relacionados agrave metodologia
Aleacutem disso haacute outras questotildees como a demanda de professores oferta de
materiais didaacuteticos interesse por parte dos alunos que satildeo desafios a serem
superados nesse processo de implementaccedilatildeo Entretanto mesmo diante das
contradiccedilotildees e lacunas que a sua obrigatoriedade significou a lei que completou dez
anos de sua criaccedilatildeo e cinco do prazo final para sua execuccedilatildeo nas escolas em 2015
abre possibilidades para maiores discussotildees e provocaccedilotildees se pensarmos a partir
da integraccedilatildeo dos paiacuteses fronteiriccedilos ou mesmo em niacutevel de poliacuteticas linguumliacutesticas
para essa regiatildeo Afinal conforme Marcuschi (2005) ldquonatildeo se pode reduzir a
linguagem ao seu papel de ferramenta social tampouco reduzi-la ao caraacuteter formal
pois liacutengua natildeo eacute forma nem funccedilatildeo e sim atividade significante e constitutivardquo
(MARCUSCHI 2005 p 3)
Em 2003 foi criada a lei 1063903 que tornou obrigatoacuteria a inclusatildeo do ensino
da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-Brasileira nos curriacuteculos dos estabelecimentos
de ensino puacuteblicos e particulares da educaccedilatildeo baacutesica E em 2008 foi criada a lei
1164508 que acrescenta o estudo da histoacuteria e cultura indiacutegena nas escolas
puacuteblicas e privadas da educaccedilatildeo baacutesica
1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere este artigo incluiraacute diversos aspectos da histoacuteria e da cultura que caracterizam a formaccedilatildeo da populaccedilatildeo brasileira a partir desses dois grupos eacutetnicos tais como o estudo da histoacuteria da Aacutefrica e dos africanos a luta dos negros e dos povos indiacutegenas no Brasil a cultura negra e indiacutegena brasileira e o negro e o iacutendio na formaccedilatildeo da sociedade
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nacional resgatando as suas contribuiccedilotildees nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinentes agrave histoacuteria do Brasil sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira e dos povos indiacutegenas brasileiros seratildeo ministrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de educaccedilatildeo artiacutestica e de literatura e histoacuteria brasileira (BRASIL 2008)
No acircmbito estadual o Paranaacute emitiu a seguinte nota sobre a obrigatoriedade
da lei 1063903
No curriacuteculo oficial da Rede de Educaccedilatildeo do Paranaacute a obrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e seus desencadeamentos tem efetivado accedilotildees para a formaccedilatildeo das equipes multidisciplinares nos Nuacutecleos Regionais de Educaccedilatildeo e nas escolas A medida eacute um dos objetivos para valorizar a histoacuteria da populaccedilatildeo negra no Estado do Paranaacute e orientar a comunidade escolar para o enfrentamento do preconceito da discriminaccedilatildeo do racismo (SEED 2013)
Assim a fim de atender tanto a lei 1063903 quanto a 1164508 a Secretaria
Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute instituiu as Equipes Multidisciplinares validadas
pelo artigo 26 da LDB Lei nordm 939496 pela Deliberaccedilatildeo nordm 0406 CEEPR pela
Instruccedilatildeo nordm 01706 SUEDSEED pela Resoluccedilatildeo nordm 339910 SEEDSEED e a
Instruccedilatildeo nordm 0101 SUESSEED As equipes multidisciplinares satildeo compostas por
professores de diferentes aacutereas pedagogos diretores e agentes educacionais e
representantes da comunidade externa (pais movimentos sociais professores do
ensino superior representantes das Comunidades Remanescentes de Quilombos
lideranccedilas indiacutegenas dentre outros)
A equipe se encontra em espaccedilos para debater estrateacutegias e desenvolver
accedilotildees pedagoacutegicas que fortaleccedilam a implementaccedilatildeo das leis 1063903 e 1164508
no curriacuteculo escolar das instituiccedilotildees de ensino da rede puacuteblica estadual e escolas
conveniadas do Paranaacute Com isso nota-se a preocupaccedilatildeo em cumprir a legislaccedilatildeo
sendo uma das accedilotildees a criaccedilatildeo da Equipe Multidisciplinar que deixa claro que o
trabalho da equipe eacute destinado ao ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e
indiacutegena nas escolas estaduais paranaenses conforme as atribuiccedilotildees presentes na
Instruccedilatildeo Nordm 0102010 ndash SUEDSEE da qual destacam
Compete agrave Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo ndash SEED 1Garantir que todos os NREs e estabelecimentos de ensino na Rede Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute organizem suas Equipes Multidisciplinares para tratar da Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-
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Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afrobrasileira Africana e Indiacutegena Compete agrave Equipe Multidisciplinar do Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
1Orientar e acompanhar o funcionamento e organizaccedilatildeo das Equipe Multidisciplinares dos estabelecimentos da Rede Estadual de Ensino para a efetivaccedilatildeo de accedilotildeesexperiecircncias em ERER subsidiando os profissionais da educaccedilatildeo em consonacircncia com as poliacuteticas puacuteblicas estabelecidas pela Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo 2Promover accedilotildees voltadas agrave formaccedilatildeo continuada e de pesquisa dos teacutecnicos do NRE sobre o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro brasileira Africana e Indiacutegena (SEED 2010)
Ao longo do documento natildeo haacute referecircncias que indiquem que o professor
deva trabalhar com outros temas referentes agrave diversidade Contudo a criaccedilatildeo da
equipe multidisciplinar eacute um exemplo de uma poliacutetica educativa criada para o
cumprimento da legislaccedilatildeo Com isso vem o seguinte questionamento no caso dos
desafios enfrentados pelas escolas e professores situados em regiatildeo de fronteira a
obrigatoriedade para demandas especiacuteficas dessas escolas teria um caminho
possiacutevel (deliberaccedilotildees especiacuteficas para as documentaccedilotildees dos alunos
estrangeiros a obrigatoriedade do ensino da histoacuteria da cultura dos paiacuteses com os
quais a cidade fronteiriccedila faz parte formaccedilatildeo de professores especiacuteficas em cidade
ou regiotildees como Foz do Iguaccedilu que apresenta uma quantidade expressiva de
estrangeiras nesse caso os aacuterabes a proposta de poliacuteticas linguumliacutesticas especiacuteficas
que facilitem o processo de inserccedilatildeo desses alunos em sala de aula etc)
Essas questotildees surgiram agrave medida que se tornou possiacutevel perceber que
quando um tema eacute reconhecido pelo Estado tem-se a impressatildeo de que ele passa a
existir oficialmente nas escolas e nas outras instituiccedilotildees Por exemplo a lei
1063903 discute a temaacutetica da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e possui dentre
outros objetivos o combate ao racismo Essa discussatildeo poreacutem sempre esteve
presente nas escolas pois a luta contra o racismo e discriminaccedilatildeo racial comeccedilou
ainda no periacuteodo escravocrata pelos primeiros movimentos de resistecircncia a citar os
quilombos
Desse modo natildeo eacute novidade o enfrentamento com o racismo nem eacute
novidade que os negros ficaram excluiacutedos da histoacuteria nacional e desde entatildeo
buscam a afirmaccedilatildeo de sua identidade Denota-se que satildeo questotildees que natildeo
passam despercebidas pela escola mas para que chegasse ateacute ela necessitou de
dispositivos legais para que fossem discutidas em sala de aula com o respaldo do
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Estado Esses respaldos seriam accedilotildees criadas para dar condiccedilotildees de
implementaccedilatildeo agrave lei como a criaccedilatildeo em 2004 da Secretaria de Educaccedilatildeo
Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECAD) com a finalidade de articular o
tema da diversidade nas poliacuteticas educacionais Tambeacutem foram criados alguns
programas e projetos Programa Diversidade na Universidade (2002 a 2007) os
Foacuteruns Estaduais e Foacuteruns Permanentes de Educaccedilatildeo e Diversidade Eacutetnico-Racial
a distribuiccedilatildeo do Kit didaacutetico-pedagoacutegico a Oficina Cartograacutefica sobre Geografia
Afro-brasileira e Africana (2005) o Projeto Educadores pela Diversidade
(20042005) o Curso Educaccedilatildeo e Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais (2005) a Pesquisa
Nacional Diversidade nas Escolas (2006 a 2009) dentre outros (GOMES 2010)
Tudo isto foi possiacutevel explica Gomes (2010) devido ao longo processo de
lutas sociais e natildeo a ldquouma daacutediva do Estado pois enquanto uma poliacutetica de accedilatildeo
afirmativa ela ainda eacute vista com muitas reservas pelo ideaacuterio republicano brasileiro
que resiste em equacionar a diversidaderdquo (GOMES 2010 p 9) Diante das
prerrogativas contidas na LDB96 referentes agrave questatildeo da diversidades cultural
observou que elas por si soacute natildeo atingem a fronteira com suas diversidades que
estatildeo nas escolas que devem seguir as suas normas que por sua vez seguem uma
linha de poliacuteticas universalistas
342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
Os Paracircmetros Curriculares Nacionais foram publicados apoacutes a
implementaccedilatildeo da Lei de Diretrizes e bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 pela
Secretaria de Educaccedilatildeo do Ensino Fundamental do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do
Desporto O contexto de sua construccedilatildeo ocorreu apoacutes a Conferecircncia Mundial de
Educaccedilatildeo para Todos em Jomtien na Tailacircndia (1990) que teve como resultado
um documento que destaca a necessidade de uma educaccedilatildeo para todos sem
distinccedilatildeo Do compromisso assumido internacionalmente para com a Educaccedilatildeo
somados aos princiacutepios previstos na LDB de 1996 nascem os PCN‟S
Os PCN‟s satildeo um instrumento normativo que nasceu para cumprir o artigo
210 disposto no capiacutetulo III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que institui a fixaccedilatildeo de
ldquoconteuacutedos miacutenimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formaccedilatildeo
baacutesica comum e respeito aos valores culturais e artiacutesticos nacionais e regionaisrdquo
Nasceu tambeacutem no contexto das implementaccedilotildees das poliacuteticas neoliberais o que
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gerou muitas criacuteticas acerca de seus reais propoacutesitos Contaram com os subsiacutedios
de acordos e documentos elaborados por organismos internacionais tais como a
declaraccedilatildeo Mundial sobre a Educaccedilatildeo para Todos Declaraccedilatildeo de Nova Delhi
Relatoacuterio para a Unesco da Comissatildeo Internacional sobre a Educaccedilatildeo para o seacuteculo
XXI dentre outros acordos e documentos de organismos internacionais
(RODRIGUES 2001)
O processo de elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais conforme o
documento comeccedilou a partir do estudo das
Propostas curriculares de Estados e Municiacutepios brasileiros do diagnoacutestico realizado pela Fundaccedilatildeo Carlos Chagas sobre curriacuteculos oficiais e do contato com informaccedilotildees referentes agraves experiecircncias de outros paiacuteses (BRASIL 1998 p15)
Com base nas orientaccedilotildees presentes no Plano Decenal de Educaccedilatildeo (1993-
2003) de pesquisas internas e externas de dados acerca do desempenho dos
estudantes do ensino fundamental aleacutem das experiecircncias de sala de aula
socializadas em seminaacuterios congressos encontros e publicaccedilotildees foi elaborada a
proposta inicial que passou por um processo de anaacutelise entre os anos de 1995 e
1996 Desta anaacutelise saiacuteram aproximadamente setecentos pareceres sobre a
proposta inicial que serviram de referecircncia para sua redaccedilatildeo final
Os PNC‟s de 1ordf a 4ordf seacuterie foram transformados em 10 livros lanccedilados no dia
15 de outubro de 1997 dia do professor na capital Brasiacutelia Estes dez volumes
apresentam os seguintes conteuacutedos introduccedilatildeo liacutengua portuguesa matemaacutetica
ciecircncias naturais histoacuteria e geografia arte educaccedilatildeo fiacutesica apresentaccedilatildeo dos
temas transversais meio ambiente e sauacutede pluralidade cultural e orientaccedilatildeo sexual
Desse modo estatildeo organizados em um documento introdutoacuterio seis documentos
que tratam das aacutereas de conhecimentos gerais e trecircs volumes referentes aos Temas
Transversais (MOTTA 2005)
Segundo o documento elaborado em 1997 com o objetivo de introduzir os
PCN‟s ao professor sua funccedilatildeo eacute de
() orientar e garantir a coerecircncia dos investimentos no sistema educacional socializando discussotildees pesquisas e recomendaccedilotildees subsidiando a participaccedilatildeo de teacutecnicos e professores brasileiros principalmente daqueles que se encontram mais isolados com
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menor contato com a produccedilatildeo pedagoacutegica atual (BRASIL 1997 p13)
Trata-se portanto natildeo de um curriacuteculo mas de um suporte para que a escola
possa elaborar seu programa curricular dentro de sua realidade especiacutefica Os
PCN‟s estatildeo organizados em dois grupos 1) composto por aacutereas tradicionais
(Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias Naturais Educaccedilatildeo Fiacutesica
Liacutengua Estrangeira e Arte) 2) composto pelos temas transversais que vai tratar das
seguintes questotildees Eacutetica do Meio Ambiente da Pluralidade Cultural da Sauacutede da
Orientaccedilatildeo Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL 1998 p17) A justificativa
para a escolha de tais temaacuteticas pauta-se no fato de serem assuntos urgentes e que
fazem parte das preocupaccedilotildees e do cotidiano da sociedade brasileira
A finalidade uacuteltima dos Temas Transversais se expressa neste criteacuterio que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questotildees que interferem na vida coletiva superar a indiferenccedila e intervir de forma responsaacutevel Assim os temas eleitos em seu conjunto devem possibilitar uma visatildeo ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserccedilatildeo no mundo aleacutem de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participaccedilatildeo social dos alunos (BRASIL 1998 p26)
Por temas transversais compreende-se um conjunto de conteuacutedos que natildeo
ldquoquerendo desbancar os previamente fixados pelas disciplinas acadecircmicas
claacutessicas se apresentam como temas transversais no curriacuteculo e portanto comuns
a todas as aacutereas e disciplinasrdquo (RAMOS 1998 p 2) Neste sentido como explica o
volume 10 dos Paracircmetros Curriculares Nacionais que trata dos temas transversais
os conteuacutedos convencionais devem receber as questotildees dos Temas Transversais
de modo que seus conteuacutedos os explicitem e os objetivos sejam considerados
(BRASIL 1998) Em seguida o documento apresenta o seguinte exemplo para
ilustrar essa transversalidade
() aacuterea de Ciecircncias Naturais inclui a comparaccedilatildeo entre os principais oacutergatildeos e funccedilotildees do aparelho reprodutor masculino e feminino relacionando seu amadurecimento agraves mudanccedilas no corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a puberdade e respeitando as diferenccedilas individuais Dessa forma o estudo do corpo humano natildeo se restringe agrave dimensatildeo bioloacutegica mas coloca esse conhecimento a serviccedilo da compreensatildeo da diferenccedila de gecircnero (conteuacutedo de Orientaccedilatildeo Sexual ) e do respeito agrave diferenccedila (conteuacutedo de Eacutetica) Assim natildeo se trata de que os professores das
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diferentes aacutereas devam ldquopararrdquo sua programaccedilatildeo para trabalhar os temas mas sim de que explicitem as relaccedilotildees entre ambos e as incluam como conteuacutedos de sua aacuterea articulando a finalidade do estudo escolar com as questotildees sociais possibilitando aos alunos o uso dos conhecimentos escolares em sua vida extra-escolar Natildeo se trata portanto de trabalhaacute-los paralelamente mas de trazer para os conteuacutedos e para a metodologia da aacuterea a perspectiva dos temas
(BRASIL 1998 p27)
Fernanda Motta (2005) explica que as discussotildees sobre os temas
transversais no campo da educaccedilatildeo surgem em um momento onde diversos grupos
sociais politicamente organizados em diferentes paiacuteses comeccedilaram a questionar
qual seria o papel da escola em meio a uma sociedade plural e globalizada e quais
assuntos que deveriam ser tratados na educaccedilatildeo escolar (MOTTA 2005 p20)
Neste sentido continua
Esses grupos comeccedilaram a pressionar os Estados para que incluiacutessem na estrutura curricular escolar temas mais vinculados ao cotidiano da maioria da populaccedilatildeo possibilitando que as disciplinas passassem a se relacionar com a realidade contemporacircnea Parte-se do princiacutepio de que a escola natildeo pode ser vista como uma instituiccedilatildeo isolada Sua accedilatildeo deve ser norteada tomando como paracircmetro a cultura na qual estaacute inserida (MOTTA 2005 p28)
Assim podemos compreender a educaccedilatildeo como um tipo de poliacutetica social
pensada natildeo somente a partir do Estado mas por atores da sociedade civil
As poliacuteticas sociais ndash e a educaccedilatildeo ndash se situam no interior de um tipo particular de Estado Satildeo formas de interferecircncia do Estado visando agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de determinada formaccedilatildeo social Portanto assumem bdquofeiccedilotildees‟ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepccedilotildees de Estado (HOFLING 2001 p31)
343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural
No PCN de nuacutemero dez que trata especificamente dos temas transversais
no capiacutetulo referente agrave pluralidade cultural a justificativa pela pertinecircncia do tema eacute
dada pela diversidade cultural presente no paiacutes
Convivem hoje no territoacuterio nacional cerca de 210 etnias indiacutegenas cada uma co identidade proacutepria e representando riquiacutessima diversidade sociocultural junto a uma imensa populaccedilatildeo formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo numeroso de
95
imigrantes e descendentes de povos de vaacuterios continentes com diferentes tradiccedilotildees culturais e religiosas (BRASIL 1997 p125)
O documento chama atenccedilatildeo para o fato de que essa pluralidade cultural que natildeo
foge agrave realidade das escolas eacute ignorada ou mesmo silenciada sendo inuacutemeras as
justificativas para tal silenciamento Um exemplo citado pelos PCN‟s foi o periacuteodo de
nacionalismo dos governos autoritaacuterios que ldquoem diferentes momentos da histoacuteria
valeu-se da accedilatildeo homogeneizadora veiculada na escolardquo (BRASIL 1997 p125) A
deacutecada de 1930 foi um periacuteodo em que a poliacutetica oficial estava preocupada com a
quantidade de imigrantes e buscava formas de fazer com que essa populaccedilatildeo
assimilasse a cultura brasileira Enquanto isso a populaccedilatildeo negra era
marginalizada explica o PCN acerca da pluralidade cultural
O trabalho com o tema transversal propotildee o desenvolvimento das seguintes
capacidades
conhecer a diversidade do patrimocircnio etnocultural brasileiro cultivando atitude de respeito para com pessoas e grupos que a compotildeem reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indiviacuteduos e elemento de fortalecimento da democracia
compreender a memoacuteria como construccedilatildeo conjunta elaborada como tarefa de cada um e de todos que contribui para a percepccedilatildeo do campo de possibilidades individuais coletivas comunitaacuterias e nacionais
valorizar as diversas culturas presentes na constituiccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo reconhecendo sua contribuiccedilatildeo no processo de constituiccedilatildeo da identidade brasileira
reconhecer as qualidades da proacutepria cultura valorando-as criticamente enriquecendo a vivecircncia de cidadania
desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminaccedilatildeo
repudiar toda discriminaccedilatildeo baseada em diferenccedilas de raccedilaetnia classe social crenccedila religiosa sexo e outras caracteriacutesticas individuais ou sociais
exigir respeito para si e para o outro denunciando qualquer atitude de discriminaccedilatildeo que sofra ou qualquer violaccedilatildeo dos direitos de crianccedila e cidadatildeo
valorizar o conviacutevio paciacutefico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural
compreender a desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passiacutevel de mudanccedilas
analisar com discernimento as atitudes e situaccedilotildees fomentadoras de todo tipo de discriminaccedilatildeo e injusticcedila social (BRASIL1998p147)
96
Diante dessas capacidades apresentadas pelo PCN eacute possiacutevel perceber que
o documento natildeo aborda especificamente a questatildeo da diversidade em regiatildeo de
fronteira internacional pois trata-se de orientaccedilotildees a serem desenvolvidas em todas
as escolas do paiacutes e natildeo em determinada regiatildeo especiacutefica cabendo entatildeo agrave
instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias conforme o contexto no qual
estaacute inserida
Eacute importante lembrar que o estreito viacutenculo entre os conteuacutedos selecionados e a realidade local a partir mesmo das caracteriacutesticas culturais locais faz com que este trabalho possa incluir e valorizar questotildees da comunidade imediata agrave escola Contudo a proposta levanta tambeacutem a necessidade de referenciais culturais voltados para a pluralidade caracteriacutestica do Brasil como forma de compreender a complexidade do paiacutes bem como de ampliar horizontes para o trabalho da escola como um todo Lembra-se ainda que os conteuacutedos aqui definidos destinam-se ao trabalho com o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental (BRASIL 1998 p148)
Em uma primeira leitura os temas transversais para a pluralidade cultural
conseguem abordar as principais pautas que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a
LDB96 estabelecem ao propor um ensino que valorize e incorpore o debate da
diversidade cultural na escolas mas que se apresentaram de modo muito superficial
e ao mesmo tempo amplo
Dentre algumas consideraccedilotildees acerca dos PCN‟S encontra-se a do professor
Antocircnio Cunha que na ocasiatildeo do lanccedilamento dos documentos questionou-os em
relaccedilatildeo ao o seu processo de elaboraccedilatildeo uma vez que o governo preferiu criar
propostas novas para os PCN‟s desconsiderando totalmente as anteriores
Em vez de se partir das propostas curriculares existentes para se chegar aos PCN‟s o que se fez foi apresentar aos estupefactos assistentes os paracircmetros jaacute elaborados Esse procedimento insoacutelito serviu para desestimular docentes e pesquisadores a darem seu parecer sobre os documentos quando solicitados pela Secretaria do Ensino Fundamental Parece que mais uma vez a administraccedilatildeo puacuteblica tem da pesquisa uma visatildeo apenas justificatoacuteria das opccedilotildees tomadas pelos dirigentes quando natildeo de algo apresentado tatildeo-somente para efeito propagandiacutestico (CUNHA 1996 p61)
Deste modo algumas das criacuteticas direcionadas aos PCN‟s encontram-se em
sua concepccedilatildeo O Parecer da Agecircncia Nacional dos Geoacutegrafos Brasileiros (AGB)
em consonacircncia com a posiccedilatildeo da Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria (ANPUH)
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realizado a pedido Secretaria do Ensino Fundamental do MEC na ocasiatildeo de seu
processo de elaboraccedilatildeo deu a seguinte resposta
Os bdquoParacircmetros‟ apresentam-se hoje como um retrocesso Apresentam-se organizados de forma semelhante aos antigos Guias Curriculares divididos em objetivos conteuacutedos avaliaccedilatildeo orientaccedilotildees didaacuteticas (em lugar das estrateacutegias) Apoacutes uma tentativa de explicitaccedilatildeo de conteuacutedos elenca-se para cada ciclo uma lista que pretende sintetizaacute-los Mesmo que no documento introdutoacuterio e nos documentos de aacuterea apareccedila registrada a natildeo intencionalidade da parte do MEC no sentido da obrigatoriedade de conteuacutedos determinados a real intenccedilatildeo jaacute patente a partir da escolha do termo bdquoparacircmetros‟ e a forma da organizaccedilatildeo dos mesmos eacute de molde a constituir em modelos uacutenicos a serem popularizadas e vulgarizadas em novos manuais didaacuteticos ()- O documento intitulado bdquoTemas Transversais‟ homogeneizar para a totalidade do paiacutes a definiccedilatildeo de bdquoconviacutevio social e eacutetica‟ meio ambiente e sauacutederdquo(AGB 1996p 62)
No parecer dos geoacutegrafos a construccedilatildeo de modelos uacutenicos e vulgarizados
bem como a tentativa de universalizar temas como a de conviacutevio social e eacutetico para
todo o paiacutes satildeo objetos de criacuteticas na medida em que a reflexatildeo sobre pluralidade
que haacute no paiacutes deve-se primeiramente ao seguinte questionamento destes temas
transversais - e em destaque o que trata da pluralidade cultural - quando adentra
em realidades como a de Foz do Iguaccedilu satildeo passiacuteveis de considerar as condiccedilotildees
locais Na mesma perspectiva Calllai (1997) fez o seguinte questionamento e
reflexatildeo
Os temas transversais propostos de certa forma homogeinizam tanto os problemas como o curriacuteculo a niacutevel nacional Eacute possiacutevel articular-se questotildees como pluralidade cultural exclusatildeo social e proposiccedilatildeo uacutenica de curriacuteculo As desigualdades sociais satildeo tambeacutem regionalizadas e como tal diferenciadas na sua expressatildeo localizada E eacute no local que o sujeito encara os problemas do seu cotidiano embora eles sejam o mais das vezes globais Poreacutem o global estaacute concretizado no lugar em que se vive e como tal eacute a partir daiacute que se precisa consideraacute-lo (CALLAI 1997 p 10)
Por outro lado aqueles (SILVEIRA MARQUES 2004) que vecircem os Temas
Transversais como uma novidade facilitadora para que haja debates em sala sobre
cultura diversidade e voltada para a interculturalidade possuem a consciecircncia de
que haacute alguma dificuldades seja pela falta de bibliografia pelas poucas experiecircncias
desenvolvidas e ateacute mesmo pela falta de formaccedilatildeo adequada de professores
Para que o trabalho com os temas transversais seja de fato efetivo torna-se
necessaacuterio a construccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica que envolva toda a
98
comunidade escolar Eacute necessaacuterio considerar que os temas ultrapassem os muros
da escola incluindo o contexto social envolvente Com relaccedilatildeo aos PCN‟s ainda que
haja criacuteticas referentes agrave sua elaboraccedilatildeo ainda que eles tendam agrave homogeneizaccedilatildeo
e por isso apresentem certa incoerecircncia teoacuterica a problemaacutetica maior eacute se esse
documento por meio dos temas transversais conseguiu inserir o debate sobre a
diversidade na comunidade escolar e como esse debate foi inserido
De modo geral os PCN‟s representam um avanccedilo no modo como trata do
tema pluralidade cultural No entanto as anaacutelises demonstraram que as tendecircncias
agrave homogeneizaccedilatildeo do curriacuteculo nacional ficam impliacutecitas no documento logo ele
recai em contradiccedilotildees pois reconhece a diversidade que existe no paiacutes mas insiste
em direcionar o trabalho da pluralidade a grupos especiacuteficos Neste caso negros e
indiacutegenas natildeo alcanccedilando realidades como a fronteiriccedila Assim acaba por deixar
de lado outros grupos
344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEE-PR) de 2015 eacute fruto de um
processo que tem iniacutecio na Constituiccedilatildeo de 1988 que por meio do Art 22 inciso
XXIV estabelecia a elaboraccedilatildeo de uma Nova Lei de Diretrizes e Bases para
Educaccedilatildeo Sendo entatildeo criada em 1996 a LDB96 que delegou para estados
municiacutepios Uniatildeo e Distrito Federal ldquoaos entes federados fica a responsabilidade de
garantir os meios necessaacuterios para o acesso e permanecircncia de todos agrave educaccedilatildeo
puacuteblica e gratuitardquo (BRASIL 2014a)
Deste modo conforme o PEE-PR do Paranaacute a educaccedilatildeo foi estruturada em
planos decenais com o objetivo de
Articular o sistema nacional de educaccedilatildeo em regime de colaboraccedilatildeo e definir diretrizes objetivos metas e estrateacutegias de implementaccedilatildeo para assegurar a manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino em seus diversos niacuteveis etapas e modalidades por meio de accedilotildees integradas dos poderes puacuteblicos das diferentes esferas federativas (BRASIL 2014a p 15 apud PEE-PR 2015 p23)
As primeiras discussotildees do PNE comeccedilaram nas Conferecircncias Brasileiras de
Educaccedilatildeo (CBEs) nas deacutecadas de 1980 e 1990 Posteriormente estas conferecircncias
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foram dando lugar para os Seminaacuterios Brasileiros de Educaccedilatildeo e as Conferecircncias
Nacionais de Educaccedilatildeo datadas da deacutecada de 1920 (PEE-PR 2015 p24) As
CBEs entre os anos de 1996 e 2004 foram substituiacutedas pelos Congressos
Nacionais de Educaccedilatildeo (Coned)(PARANAacute 2015)
O Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) foi aprovado pela primeira vez em 2001
pelo Congresso Nacional Brasileiro Em 2009 foi estabelecida a Conferecircncia
Nacional de Educaccedilatildeo (Conae) sendo um de seus objetivos o de mobilizar os
diversos setores da educaccedilatildeo brasileira a elaborarem um PNE correspondente ao
periacuteodo de 2011-2020 Assim apoacutes quatro anos de debates e de reelaboraccedilatildeo do
PNE a Lei Federal nordm 13005 de junho de 2014 instituiu o novo Plano composto
por 14 artigos e um anexo contendo 20 metas e estrateacutegias nacionais a serem
atingidas no periacuteodo de dez anos (PEE-PR 2015)
O documento base do PEE-PR na introduccedilatildeo apresenta as caracteriacutesticas
gerais da populaccedilatildeo paranaense Nela eacute destacada a presenccedila de diversas etnias e
nacionalidades que fazem parte da histoacuteria do estado e dada essa presenccedila a
educaccedilatildeo eacute uma instacircncia automaticamente atingida por essa diversidade
A populaccedilatildeo eacute formada por descendentes de povos europeus africanos ameriacutendios e indiacutegenas das etnias Guarani Kaingang e Xetaacute e por imigrantes procedentes principalmente dos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Satildeo Paulo e Minas Gerais () Dessa forma esses grupos participaram na construccedilatildeo da cultura paranaense e muitos costumes oriundos dessas diferentes etnias ainda satildeo preservados em determinadas comunidades e se refletem na educaccedilatildeo paranaense (PEE-PR2015p 26)
Refletindo sobre estas caracteriacutesticas e atendendo agraves leis nordm 1063908 e
1164508 sobre a obrigatoriedade do ensino de histoacuteria e cultura afro-brasileira
africana e indiacutegena no curriacuteculo oficial dos estabelecimentos de ensino puacuteblico o
plano base possui as seguintes estrateacutegias
13 Orientar as instituiccedilotildees educacionais que atendem crianccedilas de zero a cinco anos a agregarem ou ampliarem em suas praacuteticas pedagoacutegicas cotidianas accedilotildees que visem ao enfrentamento da violecircncia sexual e a outros tipos de violecircncia agrave inclusatildeo e ao respeito agraves diversidades de toda ordem gecircnero eacutetnico-racial religiatildeo entre outros agrave promoccedilatildeo da sauacutede e dos cuidados agrave convivecircncia escolar saudaacutevel e ao estreitamento da relaccedilatildeo famiacutelia-crianccedila-instituiccedilatildeo ()18 Estabelecer programas em parceria com os municiacutepios para a oferta da educaccedilatildeo inclusiva nas comunidades indiacutegenas
100
quilombolas do campo e ciganas de acordo com suas especificidades (PEE-PR 2015 p64)
Conforme a finalidade no Plano este estabelece metas e estrateacutegias a serem
implementadas e consonacircncia com o Art8ordm contido no plano de educaccedilatildeo que
estabeleceu as seguintes estrateacutegias
I - asseguram a articulaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais particularmente as culturais II - consideram as necessidades especiacuteficas das populaccedilotildees do campo e das comunidades indiacutegenas quilombolas e demais grupos sociais singulares asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural (PEE-PR 2015 p2)
Chama atenccedilatildeo a especificidade do artigo oitavo que visa agrave articulaccedilatildeo das
poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais destacando principalmente a
questatildeo cultural Ao pensar nas particularidades educacionais encontradas em
regiotildees de fronteira internacional em Foz do Iguaccedilu onde a presenccedila de alunos
oriundos de outros paiacuteses eacute comum nas escolas seria pertinente que o tema
diversidade fosse ampliado Por exemplo no caso da presenccedila de alunos aacuterabes
(principalmente libaneses siacuterios e palestinos) nas escolas as diferenccedilas
manifestadas natildeo satildeo apenas linguiacutesticas Neste caso abarca tambeacutem a religiatildeo
(predominante o islatilde) os haacutebitos costumes vestuaacuterio alimentaccedilatildeo etc Neste
sentido propor poliacuteticas puacuteblicas que possibilitem a inclusatildeo desses alunos e natildeo a
exclusatildeo ou a desconsideraccedilatildeo das origens deste aluno eacute sem duacutevidas um grande
desafio
345 O Curriacuteculo da AMOP
Reduzindo o campo de anaacutelise da poliacutetica educativa para a regiatildeo oeste do
Paranaacute onde estaacute localizada a cidade de Foz do Iguaccedilu encontramos o curriacuteculo
baacutesico da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do oeste do Paranaacute (AMOP) que na
introduccedilatildeo do documento baacutesico afirma que houve uma confusatildeo por parte das
escolas municipais que ao implementarem os PCN‟s nas escolas natildeo o utilizaram
como um paracircmetro Muitas o adotaram como curriacuteculo ou tornaram sua proposta
pedagoacutegica como ecleacutetica Assim os educadores da regiatildeo Oeste do Paranaacute
101
sentiram a necessidade de se rediscutir o curriacuteculo Para tal adotaram a seguinte
metodologia
Inicialmente a metodologia adotada nos colocou limites que avaliada apontou para uma nova organizaccedilatildeo Reorganizado um cronograma de trabalho coletivamente com as redes municipais de Ensino chegamos a este documento que eacute resultado de dois anos de intensos estudos de reflexotildees de embates teoacutericos de sistematizaccedilotildees de leituras de discussotildees e de anaacutelises do coletivo dos educadores os quais respeitando o movimento proacuteprio de cada rede e por sua vez de cada escola partiram de contribuiccedilotildees teoacutericas de alguns autores das experiecircncias e compreensotildees do que jaacute se fez ou se faz em nossas escolas (AMOP 2007 p07)
Os trabalhos para elaboraccedilatildeo de diretrizes curriculares para o oeste
paranaense comeccedilaram em 2005 juntamente com secretaacuterios municipais de
educaccedilatildeo do Oeste do Paranaacute Na primeira etapa foram organizados grupos de
trabalho para elaboraccedilatildeo de propostas para as disciplinas de Liacutengua
PortuguesaAlfabetizaccedilatildeo Matemaacutetica Histoacuteria Geografia e Ciecircncias Assim as
atividades comeccedilaram a partir de seminaacuterio com representantes das equipes de
ensino das secretarias municipais de educaccedilatildeo
No qual se discutiu sobre a concepccedilatildeo de homem de sociedade de conhecimento e sobre a funccedilatildeo da escola Participaram do evento aproximadamente 380 representantes (AMOP 2007 p25)
Os trabalhos seguiram no decorrer do ano de 2005 mediante reuniotildees dos
grupos junto aos profissionais da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo (SEED) que
atuaram na elaboraccedilatildeo das diretrizes para as escolas estaduais do Paranaacute O
Departamento Pedagoacutegico da AMOP integrou-se ao grupo como tambeacutem os
educadores da educaccedilatildeo baacutesica e instituiccedilotildees de ensino superior Posteriormente
abriram-se as discussotildees para toda regiatildeo a fim de compreender as primeiras
impressotildees da versatildeo preliminar do documento
A partir desse processo houve a reelaboraccedilatildeo desse documento que reelaborado a partir das contribuiccedilotildees dos educadores dos municiacutepios envolvidos tornou-se o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo do curriacuteculo A construccedilatildeo do curriacuteculo foi feita por meio de um processo que desencadeou discussotildees preacutevias com os representantes dos municiacutepios sistematizaccedilatildeo dessas discussotildees por um grupo menor discussatildeo e anaacutelise dessa sistematizaccedilatildeo pelo conjunto de educadores de cada municiacutepio que tinha suas
102
contribuiccedilotildees registradas pelos seus representantes (AMOP 2007 p26)
A partir de entatildeo elaborado o curriacuteculo no que confere agraves questotildees da
diversidade a partir da realidade em Foz do Iguaccedilu foram identificados nas
diretrizes propostas para o ensino de Geografia e Histoacuteria componentes que
trabalham com a questatildeo da diversidade nas escolas Os conteuacutedos referentes ao
ensino da Geografia estatildeo nas seguintes proposiccedilotildees para o 5ordm ano
Caracteriacutesticas sociais ndash diversidades eacutetnicas e culturais do Paranaacute
Movimentos da populaccedilatildeo paranaense crescimento da populaccedilatildeo
Divisatildeo poliacutetica (formaccedilatildeo do conceito de distritomuniciacutepioestadopaiacutes)
A industrializaccedilatildeo e o crescimento urbano do Paranaacute ndash malha urbana
Tracircnsito - circulaccedilatildeo no estado ndash ligaccedilatildeo rodoviaacuteria ferroviaacuteria aeacuterea - vias pedagiadas ndash Fiscalizaccedilatildeo Poliacutecia Rodoviaacuteria e pesagem
Organizaccedilatildeo dos espaccedilos urbanos ndash problemas urbanos - centro e periferia Impostos e taxas pagamentos que financiam a infra-estrutura dos bens puacuteblicos (AMOPE 2007 p252-253)
Sobre os conteuacutedos propostos no AMOP (2007) o ensino de geografia propotildee que
as diversidades eacutetnicas e culturais presentes no Paranaacute sejam parte do conteuacutedo a
ser desenvolvido em sala de aula Tambeacutem a histoacuteria dos processos migratoacuterios
para o estado e a presenccedila dos diferentes grupos eacutetnicos que formam parte da
histoacuteria de formaccedilatildeo do Paranaacute (AMOP 2007)
Neste sentido a proposta da AMOP se aproxima da LDB96 e dos proacuteprios
PCN‟s que tratam da diversidade cultural com a diferenccedila de que ele eacute destinado
para a rede municipal de educaccedilatildeo do Oeste paranaense Nesta perspectiva haacute um
vieacutes positivo na medida em que delimita o oeste paranaense adotando o enfoque da
diversidade eacutetnico-racial o que permite maior aproximaccedilatildeo com a realidade do
aluno
103
346 Algumas consideraccedilotildees
Diante do exposto considerando os documentos analisados percebe-se que
haacute uma induccedilatildeo clara para que o trabalho pedagoacutegico com a temaacutetica da
diversidade esteja fundada na noccedilatildeo29 presente na Constituiccedilatildeo de 1988 de que o
Brasil sendo formado por trecircs raccedilas - o iacutendio o branco e o negro- deve considerar
essas e reconhececirc-las nos espaccedilos educacionais A LDB96 reafirma esses
propoacutesitos no artigo 26 Os PCN‟spor sua vez se adequa a LDB06 principalmente
com a criaccedilatildeo dos Temas Transversais
No plano estadual as poliacuteticas educacionais para diversidade natildeo ficam
distantes das propostas em niacutevel nacional pois devem obrigatoriamente seguir os
componentes das diretrizes nacionais Desse modo natildeo foi evidenciado nessas
poliacuteticas mecanismos que subsidiassem as escolas presentes em fronteira neste
caso Foz do Iguaccedilu com estrateacutegias para criar programas e projetos para a
diversidade Do mesmo modo podemos falar dos planos nacionais e estaduais de
educaccedilatildeo Por mais que enfatizem o trabalho pedagoacutegico conforme a realidade
local eles natildeo deixam de pensar no nacional Outro problema eacute a imposiccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas e os PCN‟s satildeo um exemplo de uma proposta vertical assim
como inuacutemeros projetos que chegam agrave escola sem uma preacutevia discussatildeo com as
bases que seriam as comunidades escolares
Desse modo o que pode ser feito nas escolas eacute uma adaptaccedilatildeo agrave realidade
local Todas essas poliacuteticas educativas chegam agrave regiatildeo da fronteira mas natildeo
atingem suas especificidades Por especificidades recordamos tratar-se da
presenccedila dos alunos estrangeiros nas escolas de Foz do Iguaccedilu a saber
paraguaios argentinos e brasiguaios que satildeo grupos que fizeram e fazem parte da
histoacuteria da cidade desde o seu iniacutecio mas ao mesmo tempo natildeo satildeo preocupaccedilatildeo
do Estado brasileiro devendo ser uma preocupaccedilatildeo de seus Estados Nacionais
Nesta loacutegica as escolas da regiatildeo natildeo foram criadas a partir da realidade
fronteiriccedila O multilinguismo eacute desconsiderado O Estado por meio da legislaccedilatildeo
impotildee o portuguecircs enquanto liacutengua oficial Falar de diversidade eacute possiacutevel desde
29
Pires-Santos e Cavalcanti (2008) definem o monolinguismo como um a adoccedilatildeo de uma
liacutengua homogecircnea pura uma liacutengua para um povo Trata-se na concepccedilatildeo das autoras de um mito ligado a interesses e investida de ideologia e que estaacute relacionado agrave nacionalidade
104
que seja referente aos grupos presentes no territoacuterio brasileiro que foram
historicamente colocados agrave margem da sociedade Logo 1) Seraacute que as nossas
escolas disponibilizam de tempo espaccedilo e interesse para desenvolver trabalhos de
combate ao preconceito contra o paraguaio chamado em momentos de ofensas de
xiru 2) E quanto agrave presenccedila aacuterabe na regiatildeo ela eacute discutida Como eacute a acolhida
destes na escola 3) O professor se sente preparado para lidar com estas questotildees
em sala de aula
Tais perguntas apresentadas acima foram motivadas a partir do pressuposto
de que temos um curriacuteculo nacional com raiacutezes eurocecircntricas conforme Tomaz
Tadeu da Silva (2007 p7) o curriacuteculo natildeo eacute neutro este ldquotransmite visotildees sociais
particulares e interessadas o curriacuteculo produz identidades individuais e sociais
particularesrdquo Por muito tempo a histoacuteria dos negros e indiacutegenas eram abordadas de
modo superficial por outro lado a histoacuteria antiga e recente da Europa sempre se fez
presente em nossos livros didaacuteticos Desconhecemos a Ameacuterica Latina seus povos
e histoacuteria logo desconhecemos os que fazem fronteira com o Brasil Squinelo
(2011) no artigo ldquoRevisotildees Historiograacuteficas A Guerra do Paraguai nos livros
didaacuteticos brasileiros-PNLD 2011rdquo ao analisar a histoacuteria da Guerra da Triacuteplice Alianccedila
presente nos livros didaacuteticos do Brasil aponta que pouco se discute considera a
versatildeo falha tendenciosa e conclui seu artigo com os seguintes questionamentos
Resta-me ainda algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao porquecirc entatildeo estudamos a Guerra do Paraguai na medida em que a) natildeo procuramos entender o sentido para os paiacuteses nela envolvidos b) natildeo buscamos a compreensatildeo de nosso desenvolvimento histoacuterico-soacutecio-cultural e econocircmico c) natildeo realizamos as conexotildees necessaacuterias ao entendimento das questotildees relacionadas ao Mercosul e finalmente d) natildeo propiciamos ao educando a compreensatildeo dos eventos histoacutericos de nosso passado latino-americano o que nos levaria a nos conhecer e a conhecer o outro e tambeacutem responderia muitas questotildees postas em nosso presente (SQUINELO 2011p 36)
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica
educacional para a fronteira
Dentro das poliacuteticas educacionais encontram-se outras variaacuteveis de poliacuteticas
dentre elas a poliacutetica linguiacutestica definida por Oliveira (2004 p38) como ldquoum o
conjunto de decisotildees que um grupo de poder sobretudo um Estado (mas tambeacutem
105
uma Igreja ou outros tipos de instituiccedilotildees de poder menos totalizantes) toma sobre o
lugar e a forma das liacutenguas na sociedade e a implementaccedilatildeo destas decisotildeesrdquo
Para Maher (2013 p 119) as poliacuteticas linguiacutesticas se referem aos objetivos e
agraves intervenccedilotildees que de uma forma ou outra visam ldquoafetarrdquo tanto o modo como as
liacutenguas se constituem quanto os modos como elas satildeo utilizadas eou transmitidas
A autora chama atenccedilatildeo para o equiacutevoco comumente difundido de que as poliacuteticas
lingusticas seriam apenas criadas por meio do governo ldquoPoliacuteticas linguumliacutesticas podem
ser arquitetadas e colocadas em accedilatildeo localmente uma escola ou uma famiacutelia pode
colocar em praacutetica ou estabelecer certa situaccedilatildeo sociolinguumliacutesticardquo (MAHER 2013
p120)
Essa perspectiva vai ao encontro da abordagem30 multicecircntrica ou policecircntrica
de poliacuteticas puacuteblicas que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como
protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas tais como as organizaccedilotildees
natildeo governamentais organizaccedilotildees privadas e organismos (DROS 1971
KOOIMAN 1993 RHODES 1997 HAJER 2003 apud SECCHI 2013) Nessa
premissa o PEIBF se enquadra na visatildeo multicecircntrica dos estudos de poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que foi fruto de acordos bilaterais iniciados pela Argentina e o
Brasil no acircmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira (PEIBF) surgiu
dentro do oacutergatildeo pertencente ao Mercosul denominado Setor Educacional do
Mercosul (SEM) Segundo o documento ldquoEscolas de Fronteirardquo (BRASIL 2008) dos
antecedentes desse projeto encontra-se a oficializaccedilatildeo da criaccedilatildeo do MERCOSUL
em 1991 instituiccedilatildeo intergovernamental que nasceu com a assinatura do Tratado de
Assunccedilatildeo acordados inicialmente entre Argentina Brasil Paraguai e Uruguai
O bloco econocircmico Mercosul apresenta-se em um contexto de globalizaccedilatildeo
da economia O projeto teve como base as negociaccedilotildees entre Brasil e Argentina
30
Dentro das analises de poliacuteticas puacuteblicas Secchi (2013) discorre sobre o noacute conceitual que haacute na
literatura especializada nos estudos de poliacuteticas puacuteblicas Alguns pesquisadores defendem a abordagem estatista que considera as PP analiticamente monopoacutelio de atores estatais Outros a abordagem multicecircntrica que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas
106
para a integraccedilatildeo de suas economias e os resultados positivos dessa integraccedilatildeo
levaram o Paraguai e o Uruguai a fazerem parte do projeto integracionista
O objetivo inicial do Mercosul fora a integraccedilatildeo dos quatros Estados
membros em termos de circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos e de fatores produtivos da
formulaccedilatildeo de poliacutetica comercial comum da afirmaccedilatildeo de uma Tarifa Externa
Comum (TEC) e da busca por poliacuteticas legislativas comum aos paiacuteses membros Em
2012 a Venezuela tornou-se oficialmente mais um paiacutes membro do bloco e a Boliacutevia
caminha para o processo de ordenamento juriacutedico para oficializar sua participaccedilatildeo
Aleacutem disso o mercado comum conta com a participaccedilatildeo de paiacuteses associados
Chile Peru Colocircmbia Equador Guiana e Suriname
No final do seacuteculo passado o Mercosul passava por outro lado por crises do
ponto de vista comercial as dimensotildees poliacutetica sociocultural e educacional foram
ganhando relevacircncia (ALMEIDA 2015) Este periacuteodo de crise refere-se aos
impactos das poliacuteticas neoliberais implantadas na regiatildeo no decorrer das deacutecadas
de 1980 e 1990 O nuacutemero de pessoas em situaccedilatildeo de pobreza passou de 136
milhotildees em 1980 para 222 milhotildees em 2004 (ESTAY 2007) Neste contexto de crise
econocircmica e aumento das desigualdades sociais que foi assinada a ldquoCarta de
Buenos Aires sobre o Compromisso Social no Mercosul Boliacutevia e Chile31rdquo no dia 30
de junho de 2000 A carta reconhece a importacircncia da dimensatildeo sociocultural do
Mercosul
Com a entrada de governos progressistas como a eleiccedilatildeo de Luiacutes Inaacutecio Lula
da Silva em 2003 e de Neacutestor Kircher na Argentina a funccedilatildeo do Mercosul enquanto
bloco meramente de integraccedilatildeo econocircmica foi revista e acrescida pelas dimensotildees
sociais para a integraccedilatildeo regional Desse modo a aacuterea social do Mercosul que
havia sido abordada na ldquoCarta de Buenos Airesrdquo e pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de
Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul foi expandida e
institucionalizada com a criaccedilatildeo do Instituto Mercosul Social (IMS) em 2007
(ALMEIDA 2015)
31
Em junho de 2000 os presidentes aprovaram a Carta de Buenos Aires com o Compromisso
Social no Mercosul Boliacutevia e Chile O documento estimula as autoridades competentes a ldquofortalecer o trabalho conjunto entre os seis paiacuteses assim como o intercacircmbio de experiecircncias e informaccedilotildees a fim de contribuir para a superaccedilatildeo dos problemas sociais mais agudos que os afetam e para definir os temas ou aacutereas onde seja viaacutevel uma accedilatildeo coordenada ou complementar para solucionaacute-los (BRASIL 2007 p25) Dentre as accedilotildees promovidas a partir da Carta encontra-se a criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul instituiacuteda pela Decisatildeo n 612000 do CMC (ALMEIDA 2015p24)
107
A estrutura organizacional do Mercosul eacute composta pelo Conselho Mercado
Comum (CMC) Grupo Mercado Comum Comissatildeo Parlamentar Foro Consultivo
Econocircmico-Social Comissatildeo de Comeacutercio do Mercosul e Secretaria Administrativa
do Mercosul O CMC eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros da
Educaccedilatildeo (RME) principal responsaacutevel pela estrutura do Setor educacional do
Mercosul (SEM) (MERCOSUL EDUCACIONAL 2013) Dentre os objetivos
estrateacutegicos para a educaccedilatildeo do SEM estaacute agrave integraccedilatildeo e formaccedilatildeo de uma
identidade regional Tem como objetivo ser um espaccedilo regional no qual a educaccedilatildeo
seja de qualidade fundada no ldquoconhecimento intercultural o respeito agrave diversidade e
agrave cooperaccedilatildeo solidaacuteriardquo de modo a contribuir para a democratizaccedilatildeo dos sistemas
educacionais da regiatildeo (MERCOSUL 2011 p15) Da missatildeo definida pelo SEM
encontra-se a de
Formar um espaccedilo educacional comum por meio da coordenaccedilatildeo de poliacuteticas que articulem a educaccedilatildeo com o processo de integraccedilatildeo do MERCOSUL estimulando a mobilidade o intercacircmbio e a formaccedilatildeo de uma identidade e cidadania regional com o objetivo de alcanccedilar uma educaccedilatildeo de qualidade para todos com atenccedilatildeo especial aos setores mais vulneraacuteveis em um processo de desenvolvimento com justiccedila social e respeito agrave diversidade cultural dos povos da regiatildeo (MERCOSUL EDUCACIONAL 2011 p10)
No acircmbito do SEM encontra-se o Comitecirc Coordenador Regional cuja funccedilatildeo eacute
propor poliacuteticas de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeo da aacuterea educacional Uma vez
estabelecidas como liacutenguas oficiais do MERCOSUL o espanhol guarani e
portuguecircs coube ao setor educativo do bloco enfatizar em seu plano de accedilatildeo a
necessidade de difundir o ensino de portuguecircs e do espanhol por meio dos
sistemas educativos formais e informais
Como parte desse processo o Setor Educacional do Mercosul ndash SEM aponta nos seus planos de accedilatildeo a necessidade de difundir o aprendizado do portuguecircs e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e natildeo formais considerando como aacutereas prioritaacuterias o fortalecimento da identidade regional levando dessa forma ao conhecimento muacutetuo a uma cultura de integraccedilatildeo e agrave promoccedilatildeo de poliacuteticas regionais de formaccedilatildeo de recursos humanos visando agrave melhoria da qualidade da educaccedilatildeo (BRASIL 2008 p 6)
351 Do processo de elaboraccedilatildeo
Conforme Secchi (2013) a tomada de decisatildeo no momento de se propor uma
poliacutetica puacuteblica eacute uma etapa em que os interesses dos atores satildeo equacionados
108
onde as razotildees de um problema puacuteblico satildeo explicitadas Nessa fase a equipe
bilateral de teacutecnicos e linguistas argentinos e brasileiros foram requeridos para
formular o projeto a fim de atender agraves expectativas dos dois paiacuteses Assim o projeto
proposto pela equipe teve como intuito promover as liacutenguas espanhola e portuguesa
atraveacutes do ensino biliacutengue e atraveacutes de intercacircmbios culturais entre Argentina e
Brasil
352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica
Para O‟Tolle Jr (2003 apud Secchi 2003p55 ) ldquoa fase de implementaccedilatildeo eacute
aquela em que regras rotinas e processos sociais satildeo convertidos de intenccedilotildees em
accedilotildeesrdquo Dos elementos baacutesicos para anaacutelise desse processo encontram-se
() pessoas e organizaccedilotildees com interesses competecircncias e comportamentos variados () tambeacutem fazem parte de processo as relaccedilotildees existentes entre as pessoas as instituiccedilotildees vigentes (regras formais e informais) os recursos financeiros materiais informativos e poliacuteticos (capacidade de influecircncia) (SECCHI 2013 p57)
Nesta perspectiva o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
foi implementado inicialmente em 2005 nas cidades brasileiras de Dioniacutesio
Cerqueira no estado de Santa Catarina e Uruguaiana no Rio Grande do Sul Do
lado argentino as cidades que aderiram ao programa foram Bernado de Irogoyen
em Misiones e Paso de los Libres em Corrientes O programa foi implantado pelo
Governo Federal brasileiro por meio da Coordenaccedilatildeo de Formaccedilatildeo Continuada do
Departamento de Poliacuteticas de Educaccedilatildeo Infantil e do Ensino Fundamental da
Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica32 em conjunto com o Ministeacuterio de la Educaciacuteon
Ciencia y Tecnologia (MEC y T) da Argentina A partir de 2006 o programa
estendeu-se para outras regiotildees de fronteira sendo elas Puerto Iguazuacute em
Misiones e Santo Tomeacute e La Cru e Corrrientes na Argentina e Foz do Iguaccedilu no
Paranaacute e Satildeo Borja e Itaqui no Rio Grande do Sul
Desde o primeiro momento algumas questotildees sobre sua origem foram
criticadas Sagaz (2013) aponta que o MEC natildeo apresentou o PEIBF oficialmente
como um Programa Temaacutetico ou um Projeto proposto e aprovado em Plano Pluri
32
O PEIF eacute de responsabilidade da Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental (COEF) na Diretoria
de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral - (DICEI) da Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica (SEB) no MEC
109
Anual (PPA) Para o autor natildeo era intenccedilatildeo do poder legislativo discutir os
orccedilamentos ldquotampouco eacute uma accedilatildeo de governo no que diz respeito agraves suas
diretrizes poliacuteticas uma vez que o oacutergatildeo competente natildeo solicitou a formalizaccedilatildeo
dos recursos junto ao PPArdquo (SAGAZ 2013 p 43) Isto manteve o PEIBF ateacute 2010
distante da prioridade e discussatildeo por parte do governo se comparado a outros
Programas e Projetos
O processo de implementaccedilatildeo comeccedilou no ano de 2004 com a primeira
reuniatildeo de planejamento No mesmo ano na cidade de Dioniacutesio Cerqueira ocorreu
uma reuniatildeo para instituir o programa na escola eleita Dentre as instituiccedilotildees
presentes encontravam-se o Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em
Poliacutetica Linguiacutestica (IPOL) a 30ordf Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
(GEREI) e o MECyT
A escola brasileira escolhida para a implementaccedilatildeo do projeto foi a Dr
Theodureto Carlos de Faria Souto A escola possui uma localizaccedilatildeo estrateacutegica pois
estaacute a aproximadamente dois quilocircmetros do posto da Receita Federal na fronteira
BrasilArgentina ldquoPode-se ir caminhando da escola ateacute o outro paiacutes sem nenhum
impedimento em relaccedilatildeo agraves vias de acesso e em relaccedilatildeo ao posto alfandegaacuteriordquo
(SAGAZ 2013 p77) Nela ocorreu a primeira reuniatildeo com os pais dos estudantes
em fevereiro de 2005 De acordo com a equipe teacutecnica a implementaccedilatildeo do PEIBF
deveria ser gradual a comeccedilar com a inclusatildeo das seacuteries iniciais do ensino
fundamental no projeto para posteriormente incluir as demais seacuteries A ampliaccedilatildeo
do projeto para todas as seacuteries da educaccedilatildeo baacutesica de uma soacute vez poderia causar
transtornos dada a necessidade de adequaccedilatildeo dos sistemas locais de educaccedilatildeo agrave
sua estrutura (BRASIL 2008)
As seacuteries escolhidas para o projeto foram o primeiro e segundo ano do ensino
fundamental A estrutura operacional e a tentativa de avanccedilar nas seacuteries iniciais do
ensino fundamental para os anos finais segundo a relatoria tornaram-se inviaacuteveis
pela falta de entendimento pedagoacutegico entre Argentina e Brasil (BRASIL 2008) Em
2006 os ministeacuterios dos paiacuteses envolvidos no PEIBF comeccedilaram a formular um
documento com diretrizes para todas as escolas em zonas de fronteiras envolvidas
no projeto intitulado ldquoModelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira a
partir do desenvolvimento de um programa para a educaccedilatildeo intercultural com
ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanholrdquo Em 2012 o documento baacutesico foi
reelaborado contando com a contribuiccedilatildeo do Uruguai e Paraguai O nome do
110
documento passou a ser Modelo de ensentildeanza comuacuten em escuelas de zona de
frontera a partir del desarrollo de un programa para la educacioacuten intercultural com
eacutenfasis em la ensentildeanza de latildes lenguas predominantes en la regioacuten (MERCOSUL
EDUCACIONAL 2014)
Segundo o documento inicial do programa a projeccedilatildeo pretendida era de que
a cada ano fosse ampliado o nuacutemero de turmas envolvidas e que se avanccedilasse para
as proacuteximas seacuteries de modo que os alunos que fazera parte do programa pudesse
adquirir a familiarizaccedilatildeo com a cultura do paiacutes vizinho
O Programa tem por metodologia o intercacircmbio docente e as escolas satildeo as
responsaacuteveis por organizar os quadros dos professores que iratildeo fazer parte das
chamadas escolasespelhos (unidades baacutesicas de trabalho atuando como uma
unidade operacional)
Esta forma permite aos docentes dos paiacuteses envolvidos vivenciarem eles mesmos na sua atuaccedilatildeo e nas suas rotinas semanais praacuteticas de bilinguumlismo e de interculturalidade semelhantes agraves que querem construir com os alunos na medida em que se expotildeem agrave vivecircncia com seus colegas do outro paiacutes e com as crianccedilas das vaacuterias seacuteries com as quais atuam (BRASIL 2008 p21)
353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF
De acordo com Leite e Flexor (2006) a avaliaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica
consiste em verificar os efeitos atribuiacutedos agrave accedilatildeo do governo tendo portanto um
caraacuteter normativo Os autores afirmam que os avaliadores agem em funccedilatildeo de
quadros de referecircncia com valores e normas incluindo a percepccedilatildeo que devem ser
considerados nesse processo
A dificuldade dessa fase reside tambeacutem no fato de que os resultados efetivos satildeo relativamente independentes das expectativas iniciais Aleacutem disso as aspiraccedilotildees podem mudar no decorrer do percurso outros problemas podem surgir os objetivos satildeo geralmente ambiacuteguos e causas externas podem explicar os resultados Em outras palavras natildeo existe causalidade uniacutevoca (LEITE FLEXOR 2006 p 11)
Para Secchi (2013) existem alguns modelos diferenciados de avaliaccedilatildeo Haacute
aquelas que ocorrem anterior agrave implementaccedilatildeo (ex ante) e a avaliaccedilatildeo posterior agrave
implementaccedilatildeo (ex post) Existe tambeacutem a avaliaccedilatildeo que ocorre durante o processo
de implementaccedilatildeo cujo objetivo eacute a busca de ajustes imediatos O referido autor
111
elenca os principais criteacuterios utilizados para avaliaccedilotildees sendo eles economicidade
produtividade eficiecircncia econocircmica eficiecircncia administrativa eficaacutecia e equidade
O documento preliminar -Programa Escolas Biliacutenguumles de Fronteira - Modelo
de ensino comum em escolas de zona de fronteira a partir do desenvolvimento de
um programa para a educaccedilatildeo intercultural com ecircnfase no ensino do portuguecircs e
do espanholrdquo ( MEC y T MEC2008) busca analisar os primeiras experiecircncias do
projeto Nesse sentido trata-se de uma avaliaccedilatildeo que ocorreu durante o processo
de implementaccedilatildeo Dentre as consideraccedilotildees feitas nessa primeira etapa encontram-
se
- Do repertoacuterio linguumliacutestico das crianccedilas Apoacutes alguns meses do estabelecimento do
programa as professoras envolvidas evidenciaram que as crianccedilas argentinas
tinham maior familiaridade com a liacutengua portuguesa enquanto as crianccedilas
brasileiras tiveram dificuldades para assimilar o espanhol
As crianccedilas argentinas jaacute satildeo em algum niacutevel biliacutengues entendem razoavelmente bem a liacutengua portuguesa e muitas a falam com facilidade Isso se deve ao fato de que muitos satildeo descendentes de brasileiros Aleacutem disso tecircm uma maior exposiccedilatildeo agrave liacutengua atraveacutes da miacutedia maior frequecircncia de estadia no Brasil e eventualmente em consequecircncia destes fatores nota-se uma maior disponibilidade da populaccedilatildeo argentina de fronteira para o aprendizado do portuguecircs (MECy T MEC 2008 p 13)
Neste periacuteodo identificou-se uma necessidade de promover uma ldquosensibilizaccedilatildeo
linguumliacutesticardquo de modo que as crianccedilas brasileiras pudessem querer aprender a liacutengua
espanhola Para tal sensibilizaccedilatildeo a praacutetica intercultural eacute fundamental assinala o
documento
Da necessidade de Intercacircmbio entre alunos Verificou-se que aleacutem do
intercacircmbio entre professores houve a demanda por intercacircmbio entre os alunos
No entanto esse processo eacute mais complexo de ser executado haja vista que haacute
empecilhos como a documentaccedilatildeo das crianccedilas para entrada em outro paiacutes As
crianccedilas brasileiras e argentinas soacute podem realizar a travessia com uma
documentaccedilatildeo assinada pelos pais autorizando sua travessia
Da carga horaacuteria das escolas Como satildeo secretarias educacionais e paiacuteses
distintos um modelo uacutenico para sua execuccedilatildeo eacute praticamente improvaacutevel Essa
112
pauta foi discutida na equipe quando foram elaborados trecircs modelos de
organizaccedilatildeo das escolas envolvidas
Escola em Tempo Integral (Jornada Completa) Nesse modelo os alunos
possuem pelo menos dois dias de aula de liacutengua estrangeira e uma carga
horaacuteria total de 6 horas semanais Como a escola eacute de tempo integral os
alunos podem ter outras atividades destinados agrave educaccedilatildeo biliacutengue
Escola em Contra-Turno eacute semelhante agrave escola de Tempo Integral mas
neste caso apenas em um dos turnos haacute o ensino biliacutengue
Escola em Turno Uacutenico em dois dias da semana os trabalhos do programa
escolas biliacutengues satildeo realizados dentro do proacuteprio turno num total de cinco
horas semanais
Entre os modelos apresentados acima o primeiro eacute o da escola Dioniacutesio
Cerqueira e Bernado Yrigoyen o segundo aplica-se a Foz do Iguaccedilu e Puerto
Iguazuacute o terceiro modelo encontra-se presente em Uruguaina Verificou-se que o
trabalho desenvolvido nas escolas de turno uacutenico possui em sua base curricular o
segundo idioma enquanto o trabalho em contra-turno jaacute assimila as atividades do
programa como atividade extra-curricular o que natildeo eacute o objetivo do PEIBF O
melhor turno para se desenvolver o programa eacute o Turno Uacutenico pois natildeo interfere na
rotina da escola nem na estrutura fiacutesica ou mesmo na contrataccedilatildeo de mais
funcionaacuterios ou aumento da carga horaacuteria dos professores envolvidos (BRASIL
2008)
A escola em contra-turno amplia o periacuteodo de permanecircncia do aluno na
instituiccedilatildeo uma estrateacutegia vaacutelida e uacutetil para o processo de aprendizagem do aluno
Conforme o documento de implantaccedilatildeo as experiecircncias aqui expostas somadas
aos debates nas reuniotildees das equipes de trabalho bilaterais e no decorrer dos
encontros de formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo requerem a formulaccedilatildeo de um novo modelo
para o Programa para que se possa refletir e dar respostas as peculiaridades das
escolas interculturais biliacutenguumles (BRASIL 2008)
A partir de 2012 o PEIBF por meio da Portaria nordm 798 de 19 de junho de
2012 do Diaacuterio Oficial da Uniatildeo passou a se chamar Programa Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF)
113
Art 1ordm Fica instituiacutedo o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) com o objetivo de contribuir para a formaccedilatildeo integral de crianccedilas adolescentes e jovens por meio da articulaccedilatildeo de accedilotildees que visem agrave integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo intercultural das escolas puacuteblicas de fronteira alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes meacutetodos processos e conteuacutedos educativos sect 1ordm As Escolas Interculturais de Fronteira satildeo as escolas puacuteblicas Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruiacutedas pelo Modelo de ensino comum de zona de fronteira a partido desenvolvimento de um Programa para a educaccedilatildeo interculturalcom ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanhol da Declaraccedilatildeo Conjunta de Brasiacutelia firmada em 23 de novembro de 2003 pela Argentina e pelo Brasil e do Plano de Accedilatildeo do Setor Educativo do MERCOSUL (BRASIL 2012)
Pela mesma portaria criou-se o documento ldquoMarco Referencial de Desenvolvimento
Curricularrdquo o qual tem como objetivo central apresentar orientaccedilotildees comuns a serem
desenvolvidos pelas escolas envolvidas Entre os eixos organizadores encontram-
se
Eixo 1 - Funcionamento do Programa na escola
a) o envolvimento de toda a escola b) a definiccedilatildeo de metodologias dos projetos de aprendizagem c) a construccedilatildeo do projeto poliacutetico pedagoacutegico da escola intercultural (planejamento conjunto das accedilotildees) e regimento escolar d) considerar as especificidades curriculares e socioculturais das comunidades do campo indiacutegena e quilombola e) dinamizaccedilatildeo do relacionamento com escola do paiacutes vizinho definindo um plano de accedilatildeo conjunto para a realizaccedilatildeo do intercacircmbio docente aleacutem de outras accedilotildees que promovam a interculturalidade estendendo-se a todos os anos de escolarizaccedilatildeo da escola f) utilizaccedilatildeo das tecnologias da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo disponiacuteveis e necessaacuterias Eixo 3 - Formaccedilatildeo continuada dos profissionais da educaccedilatildeo baacutesica sob a coordenaccedilatildeo das Universidades
a) compor o grupo local formado por Coordenador-geral do PEIF Coordenador-adjunto de Educaccedilatildeo Integral Supervisor de Articulaccedilatildeo e Acompanhamento Pedagoacutegico (secretaria de educaccedilatildeo) Pesquisadores Professores Formadores (universidade) Professor Formador (coordenador pedagoacutegico ou diretor da escola) Tutor agrave distacircncia (universidade) Tutor presencial eou PIBID (universidade para acompanhamento pedagoacutegico na escola) b) promover a articulaccedilatildeo no espaccedilo da Universidade entre educaccedilatildeo integral e interculturalidade c) articular-se com o comitecirc gestor de recursos financeiros de sua
114
instituiccedilatildeo d) ofertar accedilotildeescursos de aperfeiccediloamento e) contribuir para o repositoacuterio dos materiais de formaccedilatildeo f) agilizar os procedimentos de afastamento do paiacutes (tracircmite interno das IES) g) definir arranjos que permitam realizar formaccedilotildees dentro das regiotildees de fronteira nos municiacutepios h) elaborar produtos finais resultantes de cada moacutedulo de formaccedilatildeo conjunta com outros paiacuteses i) articular as accedilotildees do PEIF com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia (PIBIDCAPESMEC) e com o Programa Novos Talentos (CAPESMEC) j) induzir a inclusatildeo da temaacutetica interculturalidade na perspectiva da educaccedilatildeo integral na formaccedilatildeo inicial dos cursos de licenciatura e poacutes-graduaccedilatildeo e na pesquisa acadecircmica k) promover o uso das tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo realizar o diagnoacutestico sociolinguiacutestico das comunidades participantes do PEIF
Dentre os princiacutepios expostos acima destaca-se a participaccedilatildeo das
universidades o que abre espaccedilo para o desenvolvimento de pesquisas da criaccedilatildeo
de novas metodologias e de avaliaccedilotildees do projeto e da formaccedilatildeo docente numa
perspectiva intercultural O entendimento de interculturalidade do Programa eacute
() nesse caso ativa a escola seraacute intercultural na medida em que haja a participaccedilatildeo efetiva de profissionais e de alunos das diversas culturas envolvidas na comunidade educacional (e que natildeo satildeo soacute bdquoduas‟ a cultura argentina e a cultura brasileira o que corresponderia a pensaacute-las como unidades homogecircneas) em todas as instacircncias de convivecircncia que satildeo proacuteprias da instituiccedilatildeo escolar (BRASIL ARGENTINA 2008 p 26)
O Boletim produzido pela publicaccedilatildeo Salto para o Futuro que complementa
as ediccedilotildees televisivas da TV Escola do Ministeacuterio da educaccedilatildeo em sua primeira
ediccedilatildeo de 2014 apresentou o tema das Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
A professora Eliana Rosa Sturza coordenadora do Programa das Escolas
Interculturais de Fronteira na Universidade Federal de Santa Maria e do Laboratoacuterio
Entre liacutenguas da Universidade Federal de Sergipe relata as experiecircncias e
aprendizados do programa em diferentes cidades localizadas na fronteira
A proposta metodoloacutegica foi analisada por Sturza (2010 2014) enfocando a
experiecircncia das crianccedilas brasileiras em Uruguaiana no Rio Grande do Sul cuja
aprendizagem eacute dentro e fora de sala de aula Em uma das escolas as crianccedilas
confundiram as professoras argentinas com enfermeiras do posto meacutedico pois
115
estas usam avental branco costume que natildeo eacute habitual no Brasil As professoras
argentinas por sua vez estranharam as manifestaccedilotildees inicialmente constantes dos
alunos brasileiros que queriam abraccedilaacute-las tocaacute-las beijaacute-las ldquoEste eacute um traccedilo
cultural do comportamento brasileiro muito identificado pelo bdquoestrangeiro‟ Neste
caso nem tatildeo estrangeiro mas um vizinho do outro lado do riordquo (STURZA 2014
p26)
A experiecircncia dos professores brasileiros no projeto possibilitou que eles
tivessem contato direto com o sistema educacional do vizinho e esse contato gerou
novos espaccedilos de discussatildeo sobre o trabalho docente mediante as comparaccedilotildees
sobre os conteuacutedos relaccedilatildeo aluno-professor da infraestrutura das escolas e ateacute a
autonomia da gestatildeo escolar
Nesta experiecircncia os professores foram conhecendo o funcionamento e a estrutura do sistema educacional do paiacutes vizinho e percebendo como sistema brasileiro eacute autocircnomo em relaccedilatildeo ao sistema uruguaio ou argentino mais centralizado O aprendizado eacute de toda ordem ocorrendo entre os professores da escola e os das escolas parceiras ou seja argentinos e brasileiros debatem a educaccedilatildeo trocam ideias e fazem planejamento de projetos em conjunto (STURZA 2014 p25)
A metodologia tem como norte o ensino por Projetos de Aprendizagem (EPA)
modo de organizaccedilatildeo que permite o desenvolvimento de projetos localmente
envolvendo a participaccedilatildeo de toda a comunidade escolar ou outros grupos a
depender da necessidade do projeto
Ensino via Projetos de Aprendizagem (EPA) faz com que as crianccedilas participem de projetos biliacutengues que prevecircem tarefas a serem realizadas em portuguecircs e em espanhol Satildeo coordenadas respectivamente pela docente brasileira ou argentina de acordo com o niacutevel de conhecimento do idioma que possuam e de acordo com o planejamento conjunto realizado periodicamente por professoras argentinas e brasileiras com suas respectivas assessorias pedagoacutegicas (BRASIL 2008 p 28)
Nesta perspectiva os temas das aulas e os projetos de aprendizagem a
serem desenvolvidos parte dos interesses dos alunos Cabe agraves professoras
argentinas e brasileiras o desenvolvimento do programa em conjunto Sturza (2014)
ilustra alguns temas que surgiram da curiosidade dos alunos e que por sua vez
podem ser trabalhadas em conjunto Um exemplo nasce da pergunta porque os
dentes caem Curiosidade comum entre crianccedilas de 7 anos por estarem vivenciado
a troca dos dentes A fim de explicar esse processo as atividades partiram da leitura
116
da histoacuteria ldquoFada dos Dentesrdquo ou do ldquoRaacuteton Peacuterezrdquo a primeira contada no Brasil e a
segunda no Uruguai As tarefas realizadas satildeo como um ldquopasso a passordquo a partir de
um mapa conceitual33
Do ponto de vista normativo todos os trabalhos desenvolvidos devem estar
em acordo com as diretrizes curriculares de cada paiacutes juntamente com a proposta
curricular do projeto Sobre as formas de avaliaccedilatildeo dos alunos o documento da
versatildeo preliminar do programa visa agrave metodologia de bdquoportifoacutelio‟ ldquodefinido como o
acompanhamento realizado a partir de evidecircncias de variadas naturezas do trabalho
realizado pelos alunos individual e coletivamenterdquo (BRASIL 2008 p29) O portifoacutelio
eacute uma forma de organizar o conjunto de memoacuterias de obras realizadas pelo aluno
podendo ser realizadas individualmente ou em grupo O objetivo eacute mostrar a
trajetoacuteria de cada estudante no decorrer de um projeto permitindo que o professor
possa avaliar esse aluno atraveacutes das informaccedilotildees contidas no portfoacutelio
354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu
O PEIF teve iniacutecio na cidade de Foz do Iguaccedilu em abril de 2006 a partir do
encontro com todos os envolvidos na cidade de Puerto Iguazuacute A primeira instituiccedilatildeo
responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do projeto foi a Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo
Em 2014 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) passou a
coordenar o programa
As escolas escolhidas para realizaccedilatildeo do projeto foram a Escola municipal
Adele Zanotto Scalco em Foz do Iguaccedilu e a Escuela 164 em Puerto Iguazuacute As
escolas foram escolhidas pela localizaccedilatildeo estrateacutegica ambas ficam proacuteximas da
regiatildeo da Ponte Tancredo Neves ligaccedilatildeo entre os dois paiacuteses (CARVALHO 2012)
33
Mapas conceituais satildeo ferramentas graacuteficas para a organizaccedilatildeo e representaccedilatildeo do conhecimento Eles incluem conceitos geralmente dentro de ciacuterculos ou quadros de alguma espeacutecie e relaccedilotildees entre conceitos que satildeo indicadas por linhas que os interligam As palavras sobre essas linhas que satildeo palavras ou frases de ligaccedilatildeo especificam os relacionamentos entre dois conceitos Noacutes definimos conceito como uma regularidade percebida em eventos ou objetos designada por um roacutetulo Na maioria dos conceitos o roacutetulo eacute uma palavra embora algumas vezes usemos siacutembolos como + ou e em outras usemos mais de uma palavra Proposiccedilotildees satildeo enunciaccedilotildees sobre algum objeto ou evento no universo seja ele natural ou artificial Elas contecircm dois ou mais conceitos conectados por palavras de ligaccedilatildeo ou frases para compor uma afirmaccedilatildeo com sentido Por vezes satildeo chamadas de unidades semacircnticas ou unidades de sentido (CANAtildeS NOVAK 2010 p10)
117
Cabe destacar que a escola de Foz do Iguaccedilu eacute a uacutenica que participa do projeto no
Paranaacute conforme informaccedilotildees do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (2015)
Sobre a estrutura do programa o relatoacuterio produzido pela Secretaria
Municipal da Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu na ocasiatildeo da primeira reuniatildeo entre a
equipe dos dois paiacuteses em abril de 2006 destaca os principais acordos para a
implementaccedilatildeo do programa nas escolas
Inicialmente o projeto atenderia duas turmas do ensino fundamental de cada
instituiccedilatildeo no turno da tarde todas as quartas-feiras
As aulas biliacutenguumles seriam ministradas no periacuteodo contra turno
A metodologia escolhida foi a de projetos pedagoacutegicos interculturais
A cada quinze dias os planejamentos das aulas seriam feitos com os
professores envolvidos no projeto com alternacircncia dos turnos de encontro e
das escolas
No mesmo relatoacuterio constam as comparaccedilotildees quanto agrave estrutura fiacutesica das
escolas A escola brasileira possui melhor estrutura fiacutesica pois possui videoteca
centro de esportes biblioteca sala de computaccedilatildeo e ar condicionado dentro das
salas de aula A escola argentina natildeo dispotildee desta estrutura Apesar destas
diferenccedilas as crianccedilas da escola brasileira e argentina natildeo possuem maiores
diferenccedilas quanto ao conhecimento pedagoacutegico
No iniacutecio do programa seu objetivo estava voltado para trabalhar com os
aspectos histoacutericos e culturais do paiacutes vizinhos tais como as muacutesicas roupas e as
comidas tiacutepicas de cada naccedilatildeo Depois por meio da assessoria do Instituto de
Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento de Poliacuteticas Linguiacutesticas (IPOL) no Brasil e
do Ministerio de Cultura Educacioacuten Ciencia y Tecnologiacutea de la Provincia de
Misiones (MCECyT) na Argentina passaram a adotar a pedagogia de projetos
(ALBUQUERQUE SOUSA 2014) O tema eacute escolhido pelos alunos e planejado
pelas professoras dos dois paiacuteses
Com a finalidade de conhecer o histoacuterico do PEIF a partir da experiecircncia
daqueles que estatildeo envolvidos diretamente no programa foram realizadas
entrevistas com duas professoras brasileiras ligadas ao programa e que ministram
aulas na argentina As entrevistadas tiveram seus nomes preservados A fim de
118
identificaacute-las adotamos os seguintes nomes fictiacutecios Tacircnia que participou do
projeto por cinco anos e Clara que entrou no programa em 2015
A professora Tacircnia que permaneceu no projeto por cinco anos na ocasiatildeo de
sua entrada relata que o programa na Argentina passava por um processo de
transiccedilatildeo Em 2009 eles inauguraram a Escuela Intercultural Biliacutengue 2 para atender
o PEIF Hoje o cruce (termo utilizado pelas professoras que realizam a travessia
para lecionar no paiacutes vizinho) eacute realizado duas vezes na semana sendo que o
nuacutemero de turmas para as duas escolas envolvidas satildeo as mesmas
Ateacute 2013 o nuacutemero de turmas atendidas por escola eram oito distribuiacutedas
entre quatro professoras com carga- horaacuteria correspondente a 2 horas As seacuteries
atendidas eram do 1ordm ao 4ordm ano No Brasil as professoras argentinas fazem o cruce
duas vezes na semana enquanto as brasileiras todas as quartas-feiras pela manhatilde
A partir de 2014 o nuacutemero de professoras brasileiras a participarem do projeto foi
reduzido pela metade
Assim como Sturza (2014) apontou esse processo de travessia possui um
significado aleacutem de ir ateacute uma escola estrangeira e colocar em praacutetica o programa
Trata-se de um processo de aprendizagem que vai desde as reflexotildees referentes
aos diferentes aspectos educacionais presentes nos dois paiacuteses ateacute os significados
que o programa exerce nos aspectos pessoais
Se eu tiver oportunidade eu volto porque eu gosto do projeto E o projeto eacute uma das minhas paixotildees eu gostei Eacute uma coisa super interessante eacute diferente acho que eacute um crescimento na profissatildeo da gente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
As comparaccedilotildees em relaccedilatildeo agraves diferentes infraestruturas das escolas dos
dois paiacuteses satildeo inevitaacuteveis Tacircnia aponta que apesar da estrutura fiacutesica da escola
argentina ser muito boa os recursos didaacuteticos satildeo precaacuterios percebendo entatildeo os
contrastes que haacute nas poliacuteticas educacionais
A estrutura da escola laacute eacute muito boa eacute maravilhosa mas assim eacute tudo muito burocraacutetico no sentido de organizaccedilatildeo da escola Laacute eacute totalmente diferente aqui a gente tem fartura de material opccedilatildeo de coisa de tudo laacute bdquofarta‟ As salas satildeo uma penumbra com pouca iluminaccedilatildeo e tudo porque o governo natildeo daacute apoio nenhum como aqui tambeacutem (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
119
Outro ponto de comparaccedilatildeo satildeo os salaacuterios A professora Tacircnia aponta que o salaacuterio
da professoras argentinas eacute o dobro enquanto no Brasil o incentivo aos professores
eacute uma especulaccedilatildeo
Uma remuneraccedilatildeo diferente () ah isso aiacute jaacute foi questionado vaacuterias vezes que noacutes teriacuteamos um diferencial no salaacuterio a escola como um todo teria Se tivesse algum incentivo eu duvido que haveria resistecircncia em estar participando (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando a professora diz que ldquoeu duvido que haveria resistecircncia em estar
participandordquo ela se refere agrave resistecircncia de alguns professores em aderir ao PEIF
Quando questionada sobre o processo de escolha dos professores para o projeto
ela descreve que o correto eacute a rotatividade A cada um ou dois anos uma professora
ou professor deve assumir o projeto mas na praacutetica a direccedilatildeo eacute quem escolhe
A intenccedilatildeo do projeto eacute que se faccedila rodiacutezio soacute que aqui eacute por indicaccedilatildeo mesmo ldquoEsse ano vai ser vocecirc e ponto finalrdquo Porque por um bom tempo ficaram praticamente as mesmas pessoas igual eu permaneci por muito tempo (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
No iniacutecio do PEIF natildeo havia na carga horaacuteria oficial da escola a
disponibilidade para o preparo das aulas do programa O grupo que fazia parte do
projeto deveria encontrar uma brecha para organizar suas aulas
() depois do almoccedilo eu ia conciliando assim ia preparando a aula para as minhas turmas daqui para laacute e depois no ano passado34 quando entraram as outras professoras que melhorou comeccedilou a melhorar A prefeitura reduziu para dois professores e liberou a manhatilde para o projeto daiacute a escola se organizava como fosse possiacutevel Soacute que aumentou o nuacutemero de dias laacute (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntada sobre a receptividade do projeto por parte dos
professores Tacircnia responde que havia outros motivos para resistecircncia
Tanto laacute quanto caacute haacute resistecircncia de professores tanto para trabalhar no projeto tanto para receber o projeto na escola Algumas coisas
34
Referente ao ano de 2014 tendo em vista que as entrevistas foram realizadas julho de 2015
120
avanccedilaram algumas estacionaram e muitas tecircm que melhorar ainda Porque ateacute agora o uacutenico objetivo () eacute um projeto lindo maravilhoso muito bom soacute que natildeo eacute feito na iacutentegra Poliacuteticos criam essas coisas e jogam e natildeo datildeo apoio Criam esses projetos porque foi na eacutepoca do Mercosul que foi criado soacute que natildeo datildeo apoio E aiacute a cada mudanccedila de governo eacute aquela burocracia porque um Ministro entra o outro sai o que entra natildeo sabe de nada do que estaacute acontecendo o que saiu deixa tudo engavetado natildeo passa pro outro () eacute aquela coisa (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Evidencia-se aiacute a criacutetica da professora Tacircnia agrave falta de acompanhamento por
parte do Estado em dar continuidade aos projetos O mesmo ocorre quanto aos
repasses de verba Do ponto de vista legal somente apoacutes a criaccedilatildeo da Portaria nordm
798 de 19 de junho de 2012 quando instituiu o Programa Escolas Interculturais de
Fronteira se pode falar em repasses de verba Em 2014 o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou como seriam feitos os repasses a escolas
de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil para promover atividades em periacuteodo integral Dentro
desse grupo35 encontram-se os valores destinados agraves escolas que fazem parte do
Programa Escolas Interculturais de Fronteira no entanto a distribuiccedilatildeo de recursos
segue confusa
Segundo as professoras Tacircnia e Clara houve tambeacutem alguns retrocessos no
decorrer do projeto As duas destacam o processo de formaccedilatildeo dos professores
para atuarem no PEIF Em Foz do Iguaccedilu a universidade que coordena a formaccedilatildeo
para os professores eacute a UNILA entretanto as professoras entrevistadas se
queixam da ausecircncia da instituiccedilatildeo no ano de 2015
No ano passado acho que soacute teve uma formaccedilatildeo que ela (UNILA) proporcionou Mas nem foi a Unila quem acabou dando essa formaccedilatildeo foram as nossas supervisoras aqui Eu arrumei o material com as professoras que jaacute nem estatildeo mais aqui () eu nunca mais tive essas formaccedilotildees no comeccedilo noacutes tivemos vaacuterias (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
35
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 14 de
2014 os detalhes de como seratildeo feito os repasses de verba para as escolas de educaccedilatildeo baacutesica a fim de promover atividades em periacuteodo integral e aos finais de semana De acordo com a Resoluccedilatildeo os montantes repassados seguiratildeo os moldes do Programa Dinheiro Direto na Escola As escolas envolvidas satildeo aquelas que desenvolveratildeo atividades em periacuteodo integral podendo ser urbanas rurais ou no caso das escolas do PEIF a promoccedilatildeo do ensino biliacutenguumle (BRASIL 2016) Disponiacutevel em lthttpwwwbrasilgovbreducacao201406fundo-destina-verba-para-garantir-atividades-da-educacao-integralgt Acesso em 14102015
121
A professora Clara quando questionada se jaacute passou por alguma formaccedilatildeo
responde que em 2015 teve uma que partiu da iniciativa dos professores da escola
Foi para os professores novos que trabalham aqui para conhecerem o projeto pois muitos professores sabem que existe o projeto sabe mais ou menos como ele funciona sabe assim que tem professoras de laacute que vem pra caacute e professoras daqui que vai pra laacute e soacute Mas o funcionamento mesmo tinha bastante professor que natildeo conhecia Daiacute agrave escola tomou iniciativa de fazer um dia todo de formaccedilatildeo Foram levantadas as dificuldades que cada um sentia ou no que poderia mudar mas ateacute agora ningueacutem deu um parecer daquilo ficou no papel (Entrevista realizada com a professora Clara em julho de 2015)
O que chama atenccedilatildeo na fala da professora Clara eacute a iniciativa local A
comunidade escolar organizou um curso de formaccedilatildeo para os professores Nesse
sentido abre possibilidades para que ainda que as poliacuteticas tenham sido em sua
elaboraccedilatildeo sem discussatildeo com as escolas no momento em que se inicia na
praacutetica pode ser ressignificada Aleacutem disso faz-se necessaacuterio maior estreitamento
com a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do PEIF pois conforme a fala das
professoras entrevistas eacute importante a formaccedilatildeo dos professores envolvidos no
projeto
Tacircnia quando questionada se ela conhecia o processo de elaboraccedilatildeo em que
surgiu o PEIF embora goste do projeto deixa claro que a iniciativa na sua
concepccedilatildeo foi arbitraacuteria
Noacutes bdquoengolimos goela a baixo‟ Soacute que natildeo tem apoio nenhum () assim eacute uma coisa muito bonita eacute um projeto maravilhoso Na verdade para ser um projeto mesmo tinha que ter a integraccedilatildeo tanto de noacutes professores funcionaacuterios e tudo mas principalmente das crianccedilas Conhecer a realidade um do outro soacute que isso noacutes nunca conseguimos (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Uma das criacuteticas evidenciadas no decorrer desta dissertaccedilatildeo eacute que o
processo histoacuterico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas educacionais tem origem
distante dos interesses dos grupos interessados por elas Mesmo quando eacute fruto das
demandas sociais elas passam por um confronto de interesses cujo resultado
culmina em leis projetos programas e curriacuteculos que nascem ambiacuteguos
(FRIGOTTO 2002)
122
Santos (et al 2015) em artigo sobre a construccedilatildeo de conhecimento em
Linguiacutestica Aplicada com foco no letramento considerando os conflitos entre o
conhecimento local o campo acadecircmico e os programas governamentais
descrevem as experiecircncias vivenciadas em um processo de formaccedilatildeo de
professores em uma escola puacuteblica na Triacuteplice Fronteira (Brasil Paraguai e
Argentina) As autoras chamam atenccedilatildeo para a resistecircncia de alguns professores
que podem interpretar a interferecircncia externa natildeo como uma cooperaccedilatildeo mas como
ameaccedila pela ldquoimposiccedilatildeo de um conhecimento considerado superior e
consequumlentemente tambeacutem uma desqualificaccedilatildeo do trabalho ali construiacutedordquo
(SANTOS et al 2015p 51) No caso do PEIF a criacutetica da professora Tacircnia
encontra-se na ausecircncia da participaccedilatildeo dos professores diretamente envolvidos no
programa e da falta de integraccedilatildeo entre os alunos dos dois paiacuteses envolvidos
355 As fronteiras do projeto
Quando perguntado agraves professoras quais satildeo as possiacuteveis sugestotildees para
melhorias para o projeto elas sugerem que os alunos possam fazer parte do cruce
No entendimento delas seria importante a integraccedilatildeo entre esses alunos Poreacutem a
rigidez das aduanas com relaccedilatildeo agrave documentaccedilatildeo e agrave travessia de crianccedilas na
ausecircncia dos pais somadas a toda responsabilidade que isso acarretaria torna
difiacutecil imaginar essa possibilidade Com isso o intercacircmbio dos alunos se reduz ao
envio de viacutedeos cartas e fotografias
Tacircnia acrescenta ainda que os proacuteprios professores correm um certo risco ao
fazer a travessia Em caso de acidente natildeo haacute nada que possa comprovar que elas
estavam em horaacuterio de trabalho
A gente vai pra laacute com a cara e a coragem noacutes natildeo temos nada que nos assegure Que Deus o livre se acontece uma desgraccedila Natildeo sei como que vai ficar porque natildeo tem nada que nos assegure Noacutes natildeo temos um seguro de vida nada que nos ampare legalmente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntadas sobre as dificuldades referentes ao bilinguumlismo as
professoras expressam que os alunos argentinos compreendem bem o portuguecircs e
alguns falam portunhol Satildeo curiosos conhecem as novelas os jornais e muacutesicas
123
brasileiras Este fato eacute atribuiacutedo ao intenso contato com os meios de comunicaccedilatildeo
brasileiro principalmente a televisatildeo explica Tacircnia
No comeccedilo eu achei que ia ter dificuldade de entendimento eacute claro que a gente natildeo entende cem por cento mas eu natildeo vi dificuldade nenhuma porque laacute eles satildeo muito receptivos Laacute as crianccedilas participam muito mais do que aqui e assim quanto agrave liacutengua natildeo tem dificuldade nenhuma porque as crianccedilas falam o portunhol e muitos o portuguecircs perfeitamente e eles nos entendem perfeitamente Laacute eles seguem as nossas programaccedilotildees da TV falam que aprendem o portuguecircs na TV na tela Eles amam o portuguecircs eles amam a programaccedilatildeo nossa aqui a gente chega laacute pelo menos nas salas que eu entrava eles querem falar sobre a novela eles querem conversar sobre as nossas programaccedilotildees e quando eu os questiono sobre onde eles aprenderam tudo aquilo eles respondem na tela professora na tela (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Os alunos brasileiro tecircm muita dificuldade com o espanhol Tacircnia explica que
geralmente as professoras brasileiras tecircm que permanecer em sala de aula para
auxiliar as professoras argentinas Retomo os aspectos histoacutericos da cidade para
explicar que o espanhol foi uma liacutengua presente no ensino do municiacutepio mas que foi
retirada do curriacuteculo acrescentando a importacircncia de se promover novamente a
inserccedilatildeo do espanhol nos curriacuteculos baacutesicos para as escolas situadas em fronteira
ou que pelo menos as escolas que integram PEIF
Creio eu que pra nossa cidade aqui () noacutes vivemos em uma fronteira aonde convivemos com dois paiacuteses que fala espanhol entatildeo natildeo que o inglecircs natildeo seja importante mas pelo menos na rede puacuteblica ou ateacute mesmo na particular o espanhol deve fazer parte da grade ou pelo menos nas escolas que tem esse projeto (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
356 PEIF Uma alternativa na fronteira
Com base na literatura que destaca a importacircncia de se analisar as poliacuteticas
puacuteblicas foi possiacutevel verificar que o Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
possui algumas falhas advindas de seu processo de implementaccedilatildeo Dos atores
envolvidos nesse processo os principais satildeo oriundos dos Ministeacuterios da Educaccedilatildeo
a partir de acordos bilaterais Nesse sentido a verticalizaccedilatildeo da implementaccedilatildeo
originou alguns problemas como resistecircncia em aderir ao projeto divergecircncias de
turnos e conflitos de carga horaacuteria das escolas envolvidas Esses problemas talvez
124
pudessem ser amenizados caso os professores e demais membros da equipe
pedagoacutegica das escolas fizessem parte do processo de estruturaccedilatildeo do programa e
natildeo apenas da execuccedilatildeo
A inserccedilatildeo do Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles na cidade de Foz do
Iguaccedilu enquanto uma poliacutetica linguumliacutestica e ao mesmo tempo integracionista
demonstrou alguns ranccedilos Primeiro os documentos de 2008 sobre os primeiros
impactos do programa trata do tema resistecircncia do professor ao aderir ao programa
tambeacutem constado na fala da professora entrevistada que criticou o caraacuteter arbitraacuterio
das poliacuteticas educacionais e de como elas chegam agraves escolas
Eacute importante assinalar que do processo de implementaccedilatildeo o PEIF comeccedilou
sem um marco oficial para a sua institucionalizaccedilatildeo Segundo o ldquoPrograma de
Promoccedilatildeo do Desenvolvimento da Faixa de Fronteirardquo (2010) de 2004 ateacute 2010
ainda natildeo havia as bases legais para implementaccedilatildeo do Programa Isso deu
margem para que em vaacuterias anaacutelises o Programa fosse descrito como projeto pois
natildeo havia um estatuto ou algo que delimitasse o que caracterizava essa poliacutetica
Arbitraacuteria tambeacutem eacute a ausecircncia de discussotildees mais profundas sobre a
implementaccedilatildeo de uma poliacutetica linguiacutestica em regiatildeo de fronteira Nas entrevistas
constatou-se que os alunos argentinos possuem mais proximidade com a liacutengua
portuguesa e em contrapartida os alunos brasileiros demonstraram pouca
intimidade com a liacutengua portuguesa Sturza (2006) explica que enquanto no campo
internacional o espanhol deteacutem certo status se comparado ao portuguecircs na
fronteira esse papel eacute invertido pois argentinos da regiatildeo consideram o portuguecircs
como liacutengua de mais valor
Como pano de fundo desta discussatildeo encontra-se o Estado-naccedilatildeo O Brasil eacute
uma potecircncia regional36 o que pode contribuir tanto para o imaginaacuterio dos brasileiros
quanto de argentinos da regiatildeo ao considerarem os aspectos de nossa cultura isso
inclui nossa liacutengua oficial como superior ao espanhol Outro aspecto relevante eacute a
expressiva presenccedila dos meios de comunicaccedilatildeo por meio dos sinais de raacutedio e TV
que chegam aos lares argentinos o que faz com que eles tenham um contato mais
36
Ver Moniz Bandeira (2008) Texto para o seminaacuterio sobre ldquoA poliacutetica exterior do Brasil em sua
proacutepria visatildeo e na dos parceirosrdquo No artigo o autor cita os aspectos teoacutericos e histoacutericos que permitem caracterizar o Brasil enquanto uma potecircncia regional desde o seacuteculo XIX O que inclui sua dimensatildeo territorial seu poderio econocircmico e militar Disponiacutevel emlt httpwwwespacoacademicocombr09191bandeirapdf gt Acesso em 17112015
125
intenso com a liacutengua por meio dos programas de TV como as novelas citadas pela
professora entrevistada
O programa possui outras lacunas Eacute preciso estabelecer um consenso sobre
o orccedilamento para o programa a fim de fomentar a formaccedilotildees dos professores
manter uma estrutura que possibilite o transporte dos professores com seus
materiais didaacuteticos Contudo em termos de poliacutetica educacional para fronteira eacute a
primeira destinada para regiotildees de fronteira o que significa um certo avanccedilo para a
regiatildeo Eacute importante destacar que o PEIF eacute uma poliacutetica multilateral envolve outros
paiacuteses do Mercosul o que pode ser um exemplo de cooperaccedilatildeo para a promoccedilatildeo de
outras poliacuteticas educacionais
Eacute pioneirismo do Programa por meio da poliacutetica educacional para fronteira
internacional possuir como eixo a funccedilatildeo integradora onde o Mercosul tornou-se a
instituiccedilatildeo que fomentou a ideia a fim de promover programas que ultrapassam as
relaccedilotildees meramente econocircmicas entre os paiacuteses-membros A avaliaccedilatildeo inicial do
Programa mostrou que alguns pontos devem ser repensados Dos relatoacuterios
analisados constam poucos registros por parte dos professores sobre o processo de
aprendizado da liacutengua por parte dos alunos brasileiros Seria fundamental que o
mecanismo de avaliaccedilatildeo do Programa fosse aprimorado com instrumentos capazes
de captar como se daacute o programa em sala de aula mas conforme expresso aqui no
Brasil satildeo poucos os estudos e metodologias de avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
126
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A relaccedilatildeo Estado-naccedilatildeo fronteira e poliacuteticas educacionais foram agraves palavras-
chave que nortearam esta dissertaccedilatildeo A hipoacutetese inicial eacute de que as poliacuteticas
educacionais principalmente as direcionadas para todo o ensino em niacutevel nacional
natildeo contempla as especificidades presentes na fronteira de Foz do Iguaccedilu Desse
modo para o desenvolvimento da hipoacutetese de trabalho buscou-se compreender um
pouco da histoacuteria da educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu e suas particularidades por ser
uma cidade de fronteira
No primeiro capiacutetulo buscamos apresentar os principais conceitos que
norteiam a palavra fronteira Segundo a etimologia a palavra eacute de origem latina Foi
utilizada pela primeira vez no seacuteculo XVIII para estabelecer limites entre exeacutercitos
em conflito deslizando para as definiccedilotildees de fronteira do ponto de vista geograacutefico
geopoliacutetico e socioloacutegico (BECKER 2007 ALBUQUERQUE 2010 SILVA 2010)
Um dos principais objetivos deste capiacutetulo foi de apresentar a fronteira enquanto
uma regiatildeo em que eacute possiacutevel observar os principais instrumentos do Estado para o
construto da naccedilatildeo tais como a imprensa a escola e o exeacutercito
Dentro deste estudo a instituiccedilatildeo escolar foi o centro da pesquisa Com isso
foram apresentadas resultados de pesquisas anteriores (PEREIRA 2009 SOUZA
RODRIGUES 2009 TERENCIANI 2011) que destacam a relaccedilatildeo da escola na
fronteira sob diferentes perspectivas principalmente o da inserccedilatildeo do aluno oriundo
de outro paiacutes que faz fronteira com o Brasil e os principais desafios encontrados por
ele e para a escola Os dados apresentados neste capiacutetulo apontam que quando se
trata de investimentos em poliacuteticas puacuteblicas para regiatildeo de fronteira internacional o
Brasil tem priorizado as poliacuteticas de seguranccedila conforme os trabalhos de Franccedila e
Dorfman (2014) Trata-se de informaccedilotildees que vatildeo em direccedilatildeo aos aspectos
histoacutericos da funccedilatildeo do Estado e das concepccedilotildees de soberania e territoacuterio que
foram apresentadas no iniacutecio deste capiacutetulo
O segundo capiacutetulo apresentou a gecircnese das primeiras escolas na cidade de
Foz do Iguaccedilu sempre vinculadas aos outros aspectos como os fatores econocircmicos
e sociais Demonstrou-se que a formaccedilatildeo das escolas de Foz do Iguaccedilu antes
mesmo da fundaccedilatildeo da municipalidade contou com a presenccedila de estrangeiros que
na ausecircncia de um ensino formal criavam as suas proacuteprias escolas (WACHOWICZ
127
1984 SBARDELOTTO 2009) Essas escolas foram fechadas no periacuteodo
nacionalista momento em o governo brasileiro buscava a conformaccedilatildeo de uma
identidade e integraccedilatildeo nacional para tal conforme Lemiechek (2014) a criaccedilatildeo do
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu em 1943 possibilitou maior controle das escolas
principalmente das escolas estrangeiras
Identificou-se ainda que em meados da deacutecada de 1970 nos relatoacuterios
sobre a situaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu no campo educacional havia uma tendecircncia em
depositar no aluno a culpa do fracasso escolar Nesse caso os alunos oriundos do
Paraguai e da Argentina eram considerados os mais fracos e ldquoatrapalhavamrdquo o
desenvolvimento do restante da turma ou seja a diferenccedila interpretada como um
problema para escola a liacutengua do outro como um entrave
O capiacutetulo trecircs sobre as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo apresenta um
breve histoacuterico das poliacuteticas educacionais brasileiras evidenciando que elas satildeo
fruto do contexto ao qual se inserem o periacuteodo ditatorial evidenciou a ausecircncia da
populaccedilatildeo no processo criaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que por sua vez eram
controladas pelo Estado A partir do periacuteodo de abertura democraacutetica ateacute os dias
atuais as poliacuteticas educacionais passaram por inuacutemeras mudanccedilas Muitas
nasceram a partir das discussotildees oriundas de movimentos sociais das discussotildees
acadecircmicas etc Conforme Das e Poe (2004) o ldquoEstado eacute constantemente
refundado em suas formas de ordenar e fazer leis sugerindo que as margens satildeo
ldquodecorrecircncia e implicaccedilatildeo necessaacuteria do Estado assim como a exceccedilatildeo eacute um
componente necessaacuterio da regrardquo (DAS e POE 2004 p4)
Nesta premissa ao se analisar as principais poliacuteticas educacionais brasileiras
identificou-se que a questatildeo da diversidade cultural presente nos documentos tende
a generalizaccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo dada agrave superficialidade dos documentos Ainda
que represente um grande avanccedilo ao tornar obrigatoacuterio o ensino da cultura afro-
brasileira histoacuteria da Aacutefrica e indiacutegena nas escolas puacuteblicas e privadas brasileiras
quando chegamos agrave fronteira identificamos diversidades para aleacutem dessas duas
poliacuteticas
Tais princiacutepios de universalizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais satildeo o espelho
de um Estado que se formou tentando ter como princiacutepio legal o tratamento igual da
populaccedilatildeo algo que soacute acentua as desigualdades existentes na medida em que o
diferente eacute tratado como um problema a ser solucionado Com esta noccedilatildeo o Estado
128
deixa de ser reconhecido como um importante ator na reproduccedilatildeo das
desigualdades para ser considerado a uacutenica soluccedilatildeo para os problemas sociais
Algumas pesquisas realizadas em escolas presentes em regiotildees de fronteira
constataram a erronia praacutetica de culpabilizar os alunos e professores pelo sucesso
ou fracasso escolar satildeo os professores que natildeo tem formaccedilatildeo satildeo os brasiguaios
argentinos e paraguaios com sua bdquohibridizaccedilatildeo linguiacutestica‟ satildeo os aacuterabes (colocados
em uma uacutenica caixa como se todos viessem do mesmo paiacutes) satildeo os alunos
indiacutegenas que chegam nas escola falando bdquoapenas‟ o guarani As pessoas tornam-se
problema
No caso de Foz do Iguaccedilu o perfil dos alunos que frequumlenta as instituiccedilotildees
escolares demonstra que os conceitos de cidadania natildeo satildeo riacutegidos se (des)fazem
na fronteira Os alunos que chegam aos espaccedilos escolares fronteiriccedilos natildeo
necessariamente assimilaratildeo a liacutengua portuguesa como uacutenica e oficial Ao mesmo
tempo estes alunos trazem consigo conhecimentos adquiridos de seu paiacutes de
origem mas o processo de equivalecircncia de estudos acaba por negar esses
conhecimentos que para serem validados devem ser bdquotraduzidos‟ para o portuguecircs
Para aleacutem do problema linguiacutestico temos a questatildeo da integraccedilatildeo desse
aluno no ambiente escolar que eacute ao mesmo tempo permeada por tensotildees mas
tambeacutem pela aproximaccedilatildeo com o outro Essas relaccedilotildees merecem atenccedilatildeo da escola
a fim de evitar manifestaccedilotildees xenofoacutebicas preconceituosas estigmatizadas e de
inferiorizaratildeo
A primeira hipoacutetese do trabalho me levou a pensar apenas na relaccedilatildeo Estado
Nacional e poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira Poreacutem os vazios
encontrados ao se analisar essas poliacuteticas e o modo como o Estado se faz presente
e ao mesmo distante da fronteira levou-me a refletir sobre a emergecircncia de outras
pedagogias
Para outros sujeitos outras pedagogias (ARROYO 2015) Paulo Freire em
sua obra a Pedagogia do Oprimido fala aos educadores que eacute preciso ter ldquoum
profundo respeito pela identidade cultural dos alunos e das alunas () implica
respeito pela linguagem do outro pela cor do outro o gecircnero do outro outrordquo
(FREIRE 2001 p60)
Conhecer de perto uma poliacutetica educacional para a fronteira do ponto de vista
institucional e das poliacuteticas de governo possibilitou-me a constatar contradiccedilotildees e
complexidades de uma poliacutetica que envolve natildeo apenas o campo das relaccedilotildees
129
internacionais mas o diaacutelogo na construccedilatildeo de um curriacuteculo as implicaccedilotildees legais
para o tracircnsito de pessoas na fronteira os questionamentos sobre as reais intenccedilotildees
do programa PEIF e de como esse programa foi concebido Pode-se considerar que
o PEIF foi a uacutenica poliacutetica puacuteblica analisada a partir dos dois eixos propostos no
iniacutecio do capiacutetulo terceiro Mainardes (2006) Assim traccedilamos os aspectos que
envolveu o papel do Estado na elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica e buscamos por meio
da anaacutelise dos documentos e entrevistas demonstrar os principais aspectos
impactos que a poliacutetica exerceu na escola envolvida considerando principalmente
as experiecircncia dos atores envolvidos neste caso das professoras entrevistadas
Dos caminhos possiacuteveis para uma poliacutetica educacional na fronteira a
perspectiva intercultural ldquoreconhece e assume a multiplicidade de praacuteticas culturais
que se encontram e se confrontam na interaccedilatildeo entre diferentes sujeitosrdquo (FLEURI
2003 p12)
Por fim ao considerar a fronteira uma regiatildeo que engloba as cidades de Foz
do Iguaccedilu Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este a proposiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas em
conjunto com os paiacuteses envolvidos satildeo importantes para atender as demandas
locais
130
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Iguaccedilu 2016
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Orientadora Profordf Drordf Regina Coeli Machado e Silva
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociedade Cultura e Fronteiras - Universidade Estadual do Oeste do
Paranaacute
1 Triacuteplice Fronteira (Argentina Brasil e Paraguai) ndash Educaccedilatildeo 2 Escolas
ndash Foz do Iguaccedilu ndash Histoacuteria 3 Multiculturalismo ndash Foz do Iguaccedilu 4 Educaccedilatildeo
e Estado ITiacutetulo
CDU 37(8182892)
370145
ALINE CRISTINA PAIVA
POLIacuteTICAS EDUCACIONAIS PARA DIVERSIDADE E ESCOLAS NAS FRONTEIRAS O CASO DE FOZ DO IGUACcedilU COM A ARGENTINA E O
PARAGUAI
Esta dissertaccedilatildeo foi julgada adequada para a obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre em
Sociedade Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu em Sociedade Cultura e Fronteiras ndash Niacutevel de
Mestrado aacuterea de Concentraccedilatildeo em Linguagem Cultura e Identidade da
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute ndash UNIOESTE
COMISSAtildeO EXAMINADORA
______________________________________________________
Profa Dra Neiva Maria Jung
Universidade Estadual de Maringaacute (UEM)
Membro Efetivo convidado
_______________________________________________________
ProfDr Fernando Joseacute Martins
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Membro Efetivo da Instituiccedilatildeo
______________________________________________________
ProfaDra Regina Coeli Machado e Silva
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Orientadora
Foz do Iguaccedilu 15 de marccedilo de 2016
Dedico este trabalho
Aos meus pais Joatildeo e Maria
Aos meus irmatildeos William e Joatildeo Victor
Ao meu namorado Eduardo
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agrave Professora Dra Regina Coeli Machado pela compreensatildeo pelas
saacutebias orientaccedilotildees que natildeo se limitaram agraves paacuteginas desta dissertaccedilatildeo
Ao professor Dr Fernando Joseacute Martins e agrave professora Dra Neiva Maria Jung pela
participaccedilatildeo na banca de defesa
Aos meus pais Maria Aparecida e Joatildeo Bosco e irmatildeos Joatildeo Victor e William que me
deram o suporte necessaacuterio para essa jornada foi pensando neles que nos
momentos mais difiacuteceis tive forccedila para prosseguir
A todos os meus amigos que me apoiaram com as leituras de meus rascunhos
correccedilotildees e pelo incentivo que de modo direto ou indireto contribuiacuteram para a
conclusatildeo deste trabalho
Ao Eduardo Eliana e Baacuterbara que me deram o suporte emocional apoio e carinho
em toda essa trajetoacuteria
A primeira condiccedilatildeo para modificar a realidade consiste
em conhececirc-la
Eduardo Galeano (1985)
PAIVA Aline Cristina Poliacuteticas Educacionais para a diversidade e escolas nas fronteiras O caso de Foz do Iguaccedilu na fronteira com a Argentina e o Paraguai 2016 149 paacuteginas Dissertaccedilatildeo (Mestrado Interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras)- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
RESUMO
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as relaccedilotildees entre poliacuteticas educacionais e a diversidade cultural presente na fronteira de Foz do Iguaccedilu localizada no estado do Paranaacute A cidade brasileira juntamente com Ciudad del Este no Paraguai e Puerto Iguazuacute na Argentina formam a triacuteplice fronteira que dentre outras caracteriacutesticas eacute conhecida pelo turismo e pelas intensas relaccedilotildees comerciais O processo de formaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu foi marcado pela influecircncia dos paiacuteses da fronteira e pela presenccedila de outras nacionalidades e etnias Trata-se portanto de uma cidade natildeo apenas diversa pela presenccedila dos paraguaios e argentinos mas que tambeacutem eacute compartilhada por libaneses chineses coreanos chilenos bolivianos italianos dentre outros A escola e as poliacuteticas educacionais para esse contexto eacute o centro desta pesquisa na medida em que a instituiccedilatildeo escolar eacute um importante espaccedilo de socializaccedilatildeo A histoacuteria da educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu e a histoacuteria das poliacuteticas educacionais no Brasil revelam como a escola eacute uma instituiccedilatildeo importante na formaccedilatildeo da identidade nacional e como estas afetam a relaccedilatildeo com o bdquooutro‟ Nesse sentido foram analisados documentos de poliacuteticas educacionais para a diversidade implementadas apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 sendo elas a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 os Paracircmetros Curriculares Nacionais para a pluralidade cultural de 1997 o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute de 2015 e o curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do oeste do Paranaacute feita pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP) em 2007 Por uacuteltimo buscou-se analisar o Programa Escola Intercultural Biliacutengue iniciativa do Mercosul que tem como objetivo integrar as regiotildees fronteiriccedilas por meio da educaccedilatildeo Com base nas analises das poliacuteticas educacionais para a diversidade principalmente a partir de 1988 verificou-se uma tendecircncia universalista dessas poliacuteticas para a diversidade que difere da diversidade particular vivida em Foz do Iguaccedilu PALAVRAS-CHAVE poliacuteticas educacionais escola estado fronteira
PAIVA Aline Cristina Educational policies for diversity and schools in the boundaries the case of Foz do Iguaccedilu on the border with Argentina and Paraguay 2016 149 pages Dissertation (Masters in Interdisciplinary Society Culture and Borders) - State University of Western Paranaacute-UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
ABSTRACT
The objective of this study is from the relationship school and state investigate educational policies and consider whether they make it possible to work with diversity on the border of Foz do Iguaccedilu in the state of Paranaacute The Brazilian city along with Ciudad del Este in Paraguay and Puerto Iguazu in Argentina form the triple border which among other characteristics is known for tourism and the intense trade relations The process of formation of Foz do Iguaccedilu was marked by the influence of the border countries and the presence of other nationalities and ethnicities It is therefore a city not only different by the presence of Paraguayan and Argentinean neighbors but that is also shared by Lebanese Chinese Korean Chilean Bolivian Italian among others The school and educational policies in this context become the center of this research since the school is a major means of training and socialization of individuals and may contribute to the integration process the intercultural bias or other hand being a border to disregard the existence of ethnic and cultural diversity that makes up the school environment The reasons for the discussions in this work pass necessarily by the nation-state relationship with schoolThe history of education in Foz do Iguaccedilu and the history of educational policies in Brazil reveal how the school is an important institution in the national identity formation and how they impact relations in border schools To analyze the educational policies for diversity policies were analyzed educational documents from the Constitution of 1988 it derived the Law of Guidelines and Bases of National Education in 1996 and the National Curriculum Guidelines for cultural plurality in 1997 These two policies along with the State Plan for 2015 Paranaacute Education and basic curriculum for public school in western Paranaacute made by the Association of western Paranaacute Cities (AMOP) in 2007 to discuss public policies in the border region implies think of the region as a whole An example of an educational policy for border is the Intercultural Bilingual School Program the Mercosur initiative which passed through discussions with other countries in the border region In the city of Foz do the program takes place at the Municipal School Adele Zanotto Scalco and aims to contribute to the integral formation of children adolescents and young people through the articulation of actions aimed at regional integration through intercultural education by offering the bilingual educationIn order to get to know an educational policy there were two interviews with Brazilian teachers one former member of the program and the other which entered the year 2015 with the interviews it was possible to collect the first impressions of the program in Foz do Iguaccedilu its challenges and its importance as an educational policy in the field of linguistics integrationist content to influence future public policy KEYWORDS educational policies school state border
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai26
Figura 02- Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi
em Satildeo Paulo capital27
Figura 03-Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo28
Figura 04- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai52 Figura 05-- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre60
Figura 06- Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGB- Associaccedilatildeo dos Geoacutegrafos Brasileiros
ANPUH- Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria
AMOP ndash Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute
CEEPR- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
CF- Constituiccedilatildeo Federal
COEF- Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental
CONAE- Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CMC- Conselho do Mercado Comum
CRUTACS- Centros Rurais Universitaacuterios de Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria
DCE ndash Diretrizes Curriculares da Educaccedilatildeo Baacutesica do Estado do Paranaacute
DICEI- Diretoria de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral
EBN- Empresa Brasileira de Notiacutecias
GEREI- Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPOL- Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em Poliacutetica Linguiacutestica
ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PNC ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais
IMS- Instituto Mercosul Social
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional
MEC- Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
MEC Y T- Ministeacuterio de la Educaciacuteon Ciencia y Tecnologia
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NRE- Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
OMS- Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PPA- Plano Pluri Anual
PEIF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
PEIBF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues de Fronteira
PCN- Paracircmetros Curriculares Nacionais
PDI- Plano de Desenvolvimento Integrado
PEEPR- Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
PF- Poliacutecia Federal
PME- Plano Municipal de Educaccedilatildeo
PNE- Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PNLD- Plano Nacional do Livro Didaacutetico
PP- Poliacutetica Puacuteblica
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
RME- Reuniatildeo de Ministros da Educaccedilatildeo
SEB- Secretaria da Educaccedilatildeo Baacutesica
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SEEDPR- Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo do Paranaacute
SENAC- Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial
SEM- Setor Educacional do Mercosul
SISFRON- Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
SIS-MERCOSUL- Sistema Integrado de Sauacutede do Mercosul
SUED- Superintendecircncia da Educaccedilatildeo
SUS- Sistema Uacutenico de Sauacutede
TEC- Tarifa Externa Comum
UFF- Universidade da Fronteira Sul
UNESCO- Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura
UNILA- Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana
UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 15
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico 20 II Estrutura da dissertaccedilatildeo 21
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA 25 11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees 25 12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo 29 13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos 32 14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas 36 15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do Estado 41
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS 50
21 Contexto histoacuterico 51 21Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo 53 22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo61 23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus impactos na educaccedilatildeo 64 24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas escolas 69
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUA 71
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens 71 32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil 74 33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 83 34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais 84
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo 86 342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais 91 343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural 94 344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute 98 345 O Curriacuteculo da AMOP 100 346 Algumas consideraccedilotildees 103
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica educacional para a fronteira 104
351 Do processo de elaboraccedilatildeo 107 352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica 108 353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF 110 354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu 116 355 As fronteiras do projeto 122 356 PEIF Uma alternativa na fronteira 123
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 126
5 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 130
15
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo apresenta um estudo sobre as poliacuteticas educacionais e
diversidade em regiatildeo de fronteira internacional Os estudos fronteiriccedilos perpassam
por diversas aacutereas do conhecimento como a Geografia Sociologia Antropologia
Ciecircncia Poliacutetica que tem apresentado inuacutemeras pesquisas a partir das mais
variadas formas de conceituar e abordar a temaacutetica (FRANCcedilA DORFMAN 2013)
No que se refere aos estudos sobre a regiatildeo de fronteira na aacuterea da educaccedilatildeo a
produccedilatildeo ainda eacute tiacutemida no Brasil (FEDATTO 1995 CITRINOVITZ 1996
ROSSATO 2003)
Para Pereira (2009) isso se reflete no processo de desenvolvimento das
poliacuteticas puacuteblicas que ateacute recentemente estavam sendo tratadas de forma
homogecircnea e unilateral ou seja sem levar em consideraccedilatildeo as particularidades de
cada regiatildeo fronteiriccedila No que tange agrave poliacutetica educacional brasileira esta deve ser
pensada em contexto amplo onde fatores como a Constituiccedilatildeo Federal a poliacutetica
nacional de direitos humanos e os acordos e tratados internacionais devem ser
considerados assim como os fatores sociais e culturais da sociedade brasileira
(SILVA MOURA MELLO 2013) Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos
sobre as poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira no Brasil satildeo recentes mas
encontra-se em processo de construccedilatildeo e crescimento
Por outro lado grupos como a Rede RETIS do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro atuam desde 1994 com pesquisa de limites
e fronteiras internacionais Com uma ampla rede de associados o grupo conta com
um acervo digital1 com diversas notiacutecias artigos teses e dissertaccedilotildees sobre
fronteiras internacionais incluindo trabalhos sobre educaccedilatildeo e fronteira
internacional Existe tambeacutem o acervo digital2 do Instituto de Investigaccedilatildeo e
Desenvolvimento em Poliacutetica Linguumliacutestica fundado em 1999 com sede em
Florianoacutepolis Santa Catarina Brasil que desenvolve projetos de apoio teacutecnico agraves
comunidades agraves comunidades de falantes de liacutenguas e variedads linguiacutesticas
1Site oficial do Retis lt httpwwwretisigeoufrjbr gt Acesso em 23062015
2Site Oficial do Ipol lthttpe-ipolorgpublicacoesgt Acesso em 23062015
16
minoritaacuterias do Brasil e do Mercosul objetivando a manutenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da
diversidade linguumliacutestica braseleira O instituto aleacutem de publicaccedilotildees proacuteprias divulga
inuacutemeros trabalhos que tratam do tema das poliacuteticas lingustiacutecas sendo um important
mecanismo de busca para pesquisa relacionadas agrave educaccedilatildeo e fronteira
internacional divulgando trabalhos como o de Sagaz (2013) e Pereira (2014) que
apresentam em suas dissertaccedilotildees o tema das escolas interculturais biliacutenguumles de
fronteira
As universidades localizadas nas regiotildees de fronteira internacional tem se
constituiacutedo enquanto importantes centros de investigaccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e
fronteira a citar a Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE) que
possui o programa de poacutes-graduaccedilatildeo strictu sensu em Sociedade Cultura e
Fronteira que conforme as especificaccedilotildees em sua paacutegina oficial3 tem entre outros
objetivos ldquoqualificar profissionais que desenvolvam durante o processo de formaccedilatildeo
capacidades para coordenar estudos e pesquisas transfronteiriccedilos na perspectiva
de ultrapassar as fronteiras geopoliacuteticardquo Nos uacuteltimos anos tambeacutem foram criadas
outras universidades em regiotildees de fronteiriccedilas como a Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFF) criada em 2009 localizada na Mesorregiatildeo Grande Fronteira
Mercosul e a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) criada
em 2010 na cidade de Foz do Iguaccedilu no Paranaacute Dentre outros objetivos estas
instituiccedilotildees buscam o desenvolvimento de pesquisa em regiotildees fronteiriccedilas
contribuindo assim para o crescimento de estudos no campo das poliacuteticas
educacionais em regiatildeo de fronteira internacional
O interesse em tratar do tema da fronteira e poliacuteticas educacionais comeccedilou
em 2011 momento em que saiacute de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais
para chegar agrave cidade de fronteira Foz do Iguaccedilu no Oeste paranaense com o
objetivo de cursar uma segunda graduaccedilatildeo pois sou licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Viccedilosa em Minas gerais e agora bacharel em Ciecircncia
Poliacutetica e Sociologia pela Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana As
duas graduaccedilotildees foram fundamentais para despertar o interesse pela pesquisa e
pelo mestrado interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras o que resultou
nesta dissertaccedilatildeo
3Paacutegina virtual do Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute lt
httpwwwunioestebrpossociedadeeculturagt Acesso em 13082014
17
Quando fiz a graduaccedilatildeo em Pedagogia meu interesse em poliacuteticas
educacionais para a diversidade nasceu em disciplinas de Sociologia da Educaccedilatildeo e
principalmente na disciplina que discutia as relaccedilotildees eacutetnicos e raciais nas escolas e
a formaccedilatildeo do professor A partir das reflexotildees sobre a funccedilatildeo da escola e do
professor em lidar com a diversidade eacutetica e racial em sala de aula meu problema
de pesquisa para a elaboraccedilatildeo do trabalho de conclusatildeo de curso foi de trabalhar a
formaccedilatildeo dos professores para desenvolver o trabalho com a Lei 1063903 que
tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria e da cultura afro-brasileira e africana em todas
as escolas puacuteblicas e particulares Ao teacutermino do curso senti a necessidade de
realizar outra graduaccedilatildeo a fim de me aprofundar melhor no campo da sociologia e
da educaccedilatildeo Conheci o curso da Unila e ingressei no curso de Ciecircncia Poliacutetica e
Sociologia no ano de 2011 O interesse por estudar na referida instituiccedilatildeo era
despertado pela curiosidade em viver em uma cidade de fronteira e pela proposta de
integraccedilatildeo latino-americana que a universidade propotildee
Finalizei a graduaccedilatildeo em Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia e meu objeto de
pesquisa foi as poliacuteticas educacionais no contexto do neoliberalismo a partir dos
anos de 1990 em comparaccedilatildeo com as poliacuteticas educacionais propostas pelos
movimentos sociais Seguindo a proposta de integraccedilatildeo da Unila optei por um
estudo comparado com as propostas oriundas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Movimentos Indiacutegenas na Boliacutevia
Entretanto minhas indagaccedilotildees sobre a vivecircncia de escolas na fronteira natildeo
puderam ser respondidas Durante estes anos em Foz do Iguaccedilu meu olhar sobre
as relaccedilotildees em meio agrave diversidade de etnias e nacionalidades mudou
significativamente e segue em transformaccedilatildeo
Meus primeiros contatos com a populaccedilatildeo e com os meios de comunicaccedilatildeo
local e as imagens que eles tinham sobre o lugar em que moravam logo contrastou
com meu imaginaacuterio sobre o que eacute uma fronteira A violecircncia diaacuteria presente nos
jornais televisivos e impressos fadava a fronteira como o inevitaacutevel caminho para
entrada do traacutefico de drogas e armas A ponte da Amizade que liga a cidade de Foz
do Iguaccedilu agrave Ciudad del Este como o limbo entre o legal e o ilegal A passagem dos
trabalhadores caracterizados como informais era uma constante nos jornais A frase
ldquotinha que ser paraguaiordquo chegou aos meus ouvidos algumas vezes como tambeacutem
as noccedilotildees de que a Ciudad del Este era suja e desorganizada e o paiacutes de um modo
geral atrasado e pobre Tambeacutem eram perceptiacutevel as imagens referentes aos
18
aacuterabes caracterizados como ricos e isolados do restante da populaccedilatildeo aleacutem da
falta de distinccedilatildeo da comunidade aacuterabe pelo paiacutes de origem ou pela divisatildeo religiosa
que haacute entre xiitas e sunitas dentro do islamismo Exemplos como esses me
provocaram Ingenuamente pensava apenas no lado positivo dessa integraccedilatildeo entre
diferentes nacionalidades e etnias mas a vivecircncia na cidade permitiu-me ampliar
essas referecircncias do que era fronteira para outras bdquofronteiras‟ e mais ainda
deslocou minha atenccedilatildeo para as escolas brasileiras que recebem diferentes perfis
de imigrantes o que torna a regiatildeo fronteiriccedila tatildeo peculiar
Meus primeiros questionamentos eram de como a escola recebia esses
alunos estrangeiros como era organizada a documentaccedilatildeo escolar como era
realizado o diagnoacutestico de alunos que haviam comeccedilado seus estudos em seu paiacutes
de origem e como eram as relaccedilotildees professor - aluno aluno-aluno e escola-aluno
Essas primeiras inquietaccedilotildees me levaram a outras como a questatildeo do curriacuteculo
escolar em cidades de fronteira uma vez que haacute uma tendecircncia nos curriacuteculos
oficiais agrave homogeneizaccedilatildeo como ao monolinguismo Outro ponto eacute sobre como a
escola lida natildeo apenas com a questatildeo do idioma mas tambeacutem como ela se
posiciona diante dos conflitos como estigmas negativos relacionados agrave origem dos
alunos que podem se revelar muitas vezes como praacuteticas xenofoacutebicas Na tentativa
de inferiorizar o outro eacute comum escutar brasileiros que tratam os paraguaios como
ldquoxiruacute4rdquo e preguiccediloso natildeo aprende porque ldquoa escola laacute eacute fracardquo Esses comentaacuterios
foram constantes em sala de aula durante o periacuteodo em que lecionei sociologia para
jovens e adultos em um cursinho popular entre os anos de 2011 e 2013 em Foz do
Iguaccedilu Nas ocasiotildees em que se abordava o tema da fronteira a imagem que se
tinha do paraguaio era carregada de valores negativos
Tantas inquietaccedilotildees impossiacuteveis de serem abarcadas em uma mesma
pesquisa pois estudar uma realidade fronteiriccedila exige bdquoolhares demorados‟ para o
objeto em estudo tiveram que ser delimitadas na seguinte proposta pensar as
poliacuteticas educacionais para a diversidade nas escolas de fronteira internacional
nesse caso nas escolas de Foz do Iguaccedilu cidade que faz divisa com a cidade
Argentina de Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este no Paraguai
4O termo xiru eacute de origem guarani Che ldquoeu meurdquo e iru ldquocompanheiro amigordquo que traduzindo para o
portuguecircs significa ldquomeu amigordquo ldquomeu companheirordquo mas para os brasileiros tomou a conotaccedilatildeo de falsificado (TRISTONE 2011)
19
Ao delinear parte do percurso insiro parte de meus valores e visatildeo de mundo
que concordando com Ludke e Andreacute (1986) iratildeo influenciar a maneira como a
pesquisa eacute proposta ldquoem outras palavras os pressupostos que orientam seu
pensamento vatildeo tambeacutem nortear sua abordagem de pesquisardquo (LUDKE ANDREacute
1986 p03)
A justificativa da delimitaccedilatildeo empiacuterica passa pela relaccedilatildeo fronteira entre o
Estado nacional e a escola O espaccedilo escolar eacute visto como um espaccedilo de tensotildees e
contradiccedilotildees em que se manifestam as mais distintas formas de relaccedilotildees sociais
onde o preconceito o racismo a xenofobia e a exclusatildeo ocorrem ao mesmo tempo
em que se ldquocombate essas formas de violecircnciardquo A escola nesta dissertaccedilatildeo natildeo eacute
uma entidade a parte uma maacutequina do Estado Eacute tambeacutem instrumento do Estado
ao mesmo tempo que perpassa pela vida de diferentes sujeitos como os
professores alunos diretores pesquisadores que podem criar condiccedilotildees de
resistecircncia a fim de construiacuterem outros curriacuteculos a margem do Estado e adaptaacute-los
agrave realidade local e natildeo universal
Nesse sentido estudar as poliacuteticas puacuteblicas educacionais a partir da
diversidade nas escolas de fronteira parte da hipoacutetese de que o Estado ao mesmo
tempo em que se faz presente na fronteira a deixa agraves margens quando natildeo
consegue a partir das poliacuteticas educacionais nacionais direcionadas ou natildeo para a
diversidade lidar com as diferenccedilas proacuteprias de uma realidade fronteiriccedila
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as poliacuteticas educacionais e as
relaccedilotildees com a diversidade na fronteira A diversidade qual nos referimos reside na
presenccedila de muacuteltiplas nacionalidades e etnias presentes nas escolas e o que essa
presenccedila e suas manifestaccedilotildees a partir das relaccedilotildees entre os diferentes sujeitos
acarretam para a escola Embora os questionamentos desta pesquisa envolva as
escolas o objeto principal da pesquisa satildeo os documentos e as poliacuteticas
educacionais para a diversidade para as escolas situadas em regiatildeo de fronteira
internacional
A fim de desenvolver a hipoacutetese de trabalho o primeiro capiacutetulo aborda o
tema da fronteira Eacute preciso compreender a polissemia e as diferentes abordagens
no acircmbito da pesquisa Albuquerque (2009) apresenta os novos enfoques
socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos que tem dado acesso a pesquisas no
campo das praacuteticas culturais e sociais para aleacutem da visatildeo tradicional de fronteira
poliacutetico-juriacutedica Na concepccedilatildeo de Joseacute de Souza Martins (1997) a fronteira se faz
20
de muitas e diferentes coisas fronteiras espaciais fronteira do pensamento fronteira
da civilizaccedilatildeo etc Conforme essa citaccedilatildeo a concepccedilatildeo de fronteira ultrapassa a
visatildeo tradicional pois para o referido autor fronteira pressupotildee diferentes
significados sejam eles poliacuteticos econocircmicos sociais ou culturais
A partir do enfoque da fronteira enquanto limite juriacutedico e de espaccedilo de
relaccedilotildees sociais busca-se relacionaacute-los partindo do pressuposto de que o
nascimento da fronteira enquanto limite juriacutedico estabelecido para demarcar os
territoacuterios entre os Estado nacionais desencadeou em outros processos no campo
social que devem ser analisados a fim de desmistificar a cristalizaccedilatildeo das fronteiras
como um espaccedilo naturalizado
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico
Metodologicamente fizemos levantamentos de dados em fontes histoacutericas e
documentais para ldquoinvestigar os acontecimentos processos e instituiccedilotildees do
passadordquo (LAKATOS MARKONI 2003 p106) Compreende-se que para entender
as atuais formas de organizaccedilatildeo social na fronteira eacute fundamental refazer a histoacuteria
dessas instituiccedilotildees e costumes desde sua origem Desse modo foi possiacutevel no
momento da contextualizaccedilatildeo do objeto de estudo perceber quais foram os fatos
que influenciaram sua atual estrutura Assim o primeiro e segundo capiacutetulo centrou-
se principalmente na pesquisa bibliograacutefica que consistiu no levantamento de
dados por meio de livro artigos e perioacutedicos impressos e online
O terceiro capiacutetulo apresenta a anaacutelise das poliacuteticas educacionais Na
primeira parte da investigaccedilatildeo utilizou-se da pesquisa documental que difere da
pesquisa bibliograacutefica pela natureza das fontes de dados que satildeo ricas e estaacuteveis
(GIL 2010) Satildeo considerados documentos ldquoquaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informaccedilatildeo sobre o comportamento humanordquo
(LUDKE ANDREacute 1986 p38)
Os documentos analisados foram a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional (LDB96) os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCN‟S) de 1997 o
curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute (2007)
produzido por iniciativa da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP)
e o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEEPR)
21
Utilizamos como referencial analiacutetico a abordagem de poliacuteticas puacuteblicas de
Leite e Flexor (2006) e Secchi (2013) para anaacutelise do Programa Escola Intercultural
Biliacutenguumle de Fronteira
As entrevistas semiestruturadas tambeacutem fizeram parte do arcabouccedilo
metodoloacutegico da pesquisa Conforme Ludke e Andreacute (1986) as entrevistas natildeo
estruturadas onde natildeo haacute a determinaccedilatildeo e uma ordem riacutegida de questotildees
permitem com que o entrevistado fale do tema proposto com base nas informaccedilotildees
que ele possui Os benefiacutecios da entrevista sobre outras teacutecnicas ldquoeacute que ela permite
a captaccedilatildeo imediata e corrente da informaccedilatildeo desejada praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados toacutepicosrdquo (LUDKE ANDREacute 1986 p33-
34)
As entrevistas foram realizadas com duas professoras da escola brasileira
que recebem o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumle de Fronteira Uma das
entrevistadas participa do desenvolvimento do programa desde seu iniacutecio e a outra
professora passou a acompanhar o projeto em 2015 Essa escolha permitiu
conhecer as diferentes fases da inserccedilatildeo do programa na escola O principal
objetivo da entrevista foi o de analisar os impactos do PEIF na praacutetica a partir das
experiecircncias relatadas O PEIF foi a uacutenica poliacutetica analisada a partir de entrevistas
aos atores diretamente envolvidos pois ateacute o momento da redaccedilatildeo desta
dissertaccedilatildeo constatou-se que este programa eacute a uacutenica poliacutetica educacional oficial do
Estado direcionada especificamente para escolas em regiatildeo de fronteira
internacional
II Estrutura da dissertaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo estaacute estruturada em trecircs capiacutetulos juntamente com a
introduccedilatildeo e consideraccedilotildees finais No primeiro capiacutetulo- Eacute preciso falar de escola na
fronteira- buscou-se a revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica fronteira Em seguida a
Fronteira o Territoacuterio e Estado-naccedilatildeo satildeo abordados partindo do princiacutepio de que
no processo de consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo o territoacuterio representou o espaccedilo
onde o Estado exerce a sua soberania (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 2004)
A fronteira se insere na condiccedilatildeo de limite poliacutetico fundamental para delimitar o
territoacuterio que por sua vez seraacute o espaccedilo onde o imaginaacuterio da naccedilatildeo eacute construiacutedo
22
(ANDERSON 1993) A seccedilatildeo seguinte apresenta os aspectos da cidade fronteiriccedila
de Foz do Iguaccedilu que permite dizer que ela juntamente com Ciudad del Este e
Puerto Iguazuacute conformam uma regiatildeo fortemente interligada em que fatores como
os econocircmicos e sociais afetam as trecircs cidades
A premissa da triacuteplice fronteira enquanto uma regiatildeo conectada eacute observada nos
exemplos apresentados na seccedilatildeo 14 A porosidade do Estado na fronteira Um deles
demonstra a necessidade de se criar accedilotildees conjuntas para resolver questotildees como
a regulamentaccedilatildeo do trabalhador que atravessa de um paiacutes para o outro na busca
por melhores condiccedilotildees de salaacuterio e que ao natildeo possuir os documentos que o
regularize natildeo possui direitos de trabalho garantidos Os dois uacuteltimos toacutepicos deste
mesmo capiacutetulo abordam identidade e as escolas na fronteira respectivamente As
diferenccedilas que tem como um dos marcadores a identidade satildeo evidenciadas nas
escolas que se apresenta neste contexto enquanto reguladora a partir de padrotildees
universalistas construiacutedos sem um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007)
O capiacutetulo II- A Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu construtos e
contradiccedilotildees para a consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo concentrou-se no processo de
formaccedilatildeo das escolas no contexto em que a cidade de Foz do Iguaccedilu foi formada
como tambeacutem sua relaccedilatildeo com a fronteira A Colocircnia Militar criada para proteccedilatildeo e
colonizaccedilatildeo do territoacuterio marca o iniacutecio das demandas pela criaccedilatildeo de escolas que
na ausecircncia do poder puacuteblico eram improvisadas pelos setores da sociedade
(EMER 1991) A influecircncia dos paiacuteses vizinhos no iniacutecio do seacuteculo XX eacute evidenciada
em relatoacuterios que explicam que a ausecircncia de escolas eacute um fator preocupante pois
as crianccedilas brasileiras estavam indo estudar na Argentina Essa influecircncia estaacute nos
relatoacuterios do Plano de desenvolvimento integrado (PDI) da deacutecada de 1970 que ao
analisar a escola e os motivos do fracasso escolar culpabiliza os alunos
estrangeiros que natildeo falam o portuguecircs A deacutecada de 1930 e o projeto de
nacionalizaccedilatildeo de Getuacutelio Vargas satildeo abordados para analisar a importacircncia que a
escola tinha para a construccedilatildeo do projeto de naccedilatildeo
O uacuteltimo capiacutetulo Poliacuteticas Puacuteblicas para a educaccedilatildeo na fronteira entre
Argentina Brasil e Paraguai teve como objetivo analisar as poliacuteticas puacuteblicas
educacionais para a diversidade Apoacutes traccedilar a trajetoacuteria das poliacuteticas educacionais
no Brasil verificou-se seu viacutenculo direto com as condiccedilotildees histoacutericas de cada eacutepoca
No Brasil colocircnia as necessidades estavam voltadas para a catequizaccedilatildeo do
indiacutegena e na instruccedilatildeo dos filhos dos proprietaacuterios de terra e da elite colonial como
23
um todo (MARCILIO 2005) A chegada da coroa portuguesa em 1808 marca o
periacuteodo das reformas pombalinas Marques de Pombal criou uma seacuterie de cursos
profissionalizantes escolas militares tanto de niacutevel meacutedio como superior
(GHIRALDELLI JR 2001)
As primeiras deacutecadas de 1930 marcam o iniacutecio do predomiacutenio das reformas
educacionais de teor nacionalista Ateacute 1930 a estrutura econocircmica brasileira estava
voltada para o modelo agraacuterio-exportador principalmente no campo da cafeicultura
Com a crise do modelo oligaacuterquico e a entrada de Getuacutelio Vargas no poder um novo
modelo de produccedilatildeo se configura mas a dependecircncia do capital estrangeiro
permanece Eacute o modelo de substituiccedilatildeo de importaccedilotildees iniciado em 1930
caracterizado pela intervenccedilatildeo estatal na economia e no incentivo agrave criaccedilatildeo de
induacutestrias (IANNI 1994)
No campo educacional eacute criado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e com
ele importantes poliacuteticas educacionais como a reforma Francisco Campos em 1931
que regulamentou as escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
algumas concepccedilotildees pedagoacutegicas inovadoras (SAVIANI 2008)
O fim do Estado Novo com a nova constituinte proporcionou algumas
mudanccedilas na educaccedilatildeo Em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal foram
regulamentados foi criado o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC
As principais reformas educacionais aconteceram no governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1960) A construccedilatildeo de Brasiacutelia a abertura ao capital estrangeiro
e o investimento em tecnologia marcaram um periacuteodo em que a naccedilatildeo eacute mobilizada
para superar seu atraso No campo da educaccedilatildeo o programa de metas do governo
priorizou a formaccedilatildeo teacutecnica dos trabalhadores
Na deacutecada de 1950 inicia-se o debate sobre a Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
e sua funccedilatildeo ateacute entatildeo destinada agrave mera transmissatildeo de conteuacutedos Eacute o comeccedilo do
debate em torno da educaccedilatildeo popular que incluiacuteam vaacuterios adeptos educadores
liacutederes comunitaacuterios intelectuais e estudantes de todo o paiacutes A liberdade de
expressatildeo nos primeiros anos da deacutecada de 1960 permitiu que houvesse a criaccedilatildeo
de diversos espaccedilos para promoccedilatildeo das massas e da educaccedilatildeo popular Inspirado
nesse movimento de base o Plano de Nacional Alfabetizaccedilatildeo de 1964 no governo
de Joatildeo Goulart criou o meacutetodo que alfabetizava em 40 horas guiado pelo meacutetodo
de Paulo Freire Contudo com o golpe militar em 1964 o plano mal chegou a ser
implantado (PAIVA 1984)
24
A partir do governo dos militares em termos educacionais presencia-se a
repressatildeo exclusatildeo das camadas populares do ensino profissionalizante e o
desmantelamento da organizaccedilatildeo docente (GHIRALDELLI JR 2001)
A Constituinte de 1988 marca a retomada da participaccedilatildeo de diferentes
grupos organizados da sociedade como os movimentos sociais nas proposiccedilotildees de
poliacuteticas puacuteblicas A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 96 eacute nesse
sentido considerada um grande avanccedilo ao incluir em 2003 e 2008 a Lei 1063903
que torna o ensino de histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira como obrigatoacuterio
no curriacuteculo das escola puacuteblicas e brasileiras Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
com o tema transversal pluralidade cultural tambeacutem satildeo outros dispositivos que
buscam abordar a diversidade eacutetnico-racial nas escolas brasileiras (BRASIL 2003)
Apesar dos avanccedilos das poliacuteticas educacionais para diversidade algumas
anaacutelises apontam para a sua tendecircncia homogeneizadora (ABG 1996) As poliacuteticas
em niacutevel estadual natildeo satildeo muito diferentes dos pressupostos nacionais na medida
em que estatildeo subordinados agrave LDB96 e isso inclui o curriacuteculo baacutesico para a escola
puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute feito pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oe
ste do Paranaacute (AMOP)
Dentre as poliacuteticas educacionais estudadas o Programa Escolas
Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira eacute um programa que nasceu com o objetivo de
promover o processo intercultural por meio do ensino biliacutengue nas escolas
pertencentes a regiotildees de fronteira internacional Os primeiros paiacuteses que aderiram
ao programa foram a Argentina e o Brasil mediante acordos assinados dentro do
bloco econocircmico Mercosul por meio do Setor Educacional do Mercosul (SEM)
responsaacutevel por desenvolver as propostas para implementaccedilatildeo de poliacuteticas
educacionais dentre essas a poliacutetica linguiacutestica
25
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA
11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees
Etimologicamente a palavra fronteira deriva do latim Fron e quer dizer ldquode
frenterdquo Ela foi utilizada pela primeira vez no seacuteculo XIII para estabelecer o limite
temporaacuterio e flutuante que separava dois exeacutercitos de poder no momento de conflito
(FEgraveBVRE 1962 apud SILVA 2008 p8) Foi a partir da formaccedilatildeo e expansatildeo do
Estado-naccedilatildeo que a fronteira passou a ser sinocircnimo de limite de soberania O termo
linha de fronteira por sua vez representa os limites internacionais Tal expressatildeo
acompanhou estreitamente os avanccedilos do pensamento moderno sobre territoacuterio
Hoje assim como inuacutemeras palavras que mudam ou assumem outros
sentidos de acordo com o tempo e espaccedilo a palavra fronteira assume outros
sentidos e significados No dicionaacuterio de liacutengua portuguesa Aureacutelio5 a definiccedilatildeo de
fronteira eacute apresentada enquanto limite ou divisa de um dado territoacuterio No entanto
esta palavra natildeo se resume agrave noccedilatildeo de separaccedilatildeo De acordo com Becker (2007) a
fronteira eacute concebida como parte das relaccedilotildees humanas em suas mais distintas
formas sejam elas econocircmicas poliacuteticas sociais religiosas culturais ou simboacutelicas
Os novos enfoques socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos tecircm ampliado as
possibilidades de estudos diferenciados acerca do tema fronteira Um exemplo disto
satildeo as anaacutelises sobre praacuteticas culturais e accedilotildees sociais Para Albuquerque (2010) a
fronteira apresenta-se como um cenaacuterio de relaccedilotildees sociais
As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relaccedilotildees sociais entrelaccediladas com os atuais processos de globalizaccedilatildeo e de redefiniccedilatildeo do papel dos limites entre os Estados nacionais A fronteira eacute geralmente percebida por esses estudiosos como um lugar de passagem de contato e traduccedilatildeo cultural (ALBUQUERQUE 2010 p48)
Nesse sentido a palavra fronteira natildeo eacute neutra ao contraacuterio eacute carregada de
inuacutemeros sentidos como exemplifica Faacutebio Reacutegio Bento ldquopara o contrabandista
fronteira significa afliccedilatildeo para o exilado poliacutetico passar a fronteira significa
libertaccedilatildeordquo (BENTO 2012 p2)
5Ver Dicionaacuterio Aureacutelio Online Disponiacutevel em lthttpwwwdicionariodoaureliocomfronteiragt Acesso
em 01102014
26
Na perspectiva durkhiemiana Fronteira eacute definida enquanto um fato social
Em As Regras do Meacutetodo Socioloacutegico (1865) Eacutemile Durkheim busca trata-la como
coisa ou seja algo possiacutevel de ser estudado Sendo coisa social a fronteira eacute
exterior ao indiviacuteduo assim torna-se passiacutevel de ser compreendida e explicada
racionalmente Regina Coeli Machado e Silva (2015) citando Strathern (2014)
aponta entretanto que a ldquofronteira eacute um dos conceitos menos sutis da anaacutelise
socioloacutegica como reificaccedilatildeo de uma abstraccedilatildeo socialrdquo Eacute a partir dessa mesma
abstraccedilatildeo que obtemos efeitos sociais tanto de exclusatildeo e quanto de participaccedilatildeo
social demonstrado as ldquoambiguidades do Estado-Naccedilatildeo brasileiro e das suas
fronteiras geopoliacuteticasrdquo (STRATHERN 2014 apud SILVA 2015 p1)
De maneira geral os estudos referentes agrave fronteira apresentam-se tanto no
sentido Stricto - a noccedilatildeo tradicional onde fronteira eacute a divisa entre estados no
acircmbito nacional ou internacional6 - como tambeacutem no sentido Lato - neste caso as
fronteiras do pensamento sendo elas nocircmades e sociais A respeito deste uacuteltimo
pode-se mencionar o exemplo de uma cidade marcada pela desigualdade social
Nela a fronteira manifesta-se por meio da disposiccedilatildeo das residecircncias estatildeo
dispostas a cidade de Satildeo Paulo demonstra estas fronteiras de um lado
comunidades carentes de outro casas luxuosas7
Imagem 1 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte wwwoiguassucom
6Vide imagem 1
7Vide imagem 2
27
Imagem 2 - Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi em Satildeo Paulo capital
Fonte e foto Tuca Vieira- httpwwwtucavieiracombrA-foto-da-favela-de-Paraisopolis
Desse modo nesta dissertaccedilatildeo ao tratarmos a fronteira em seu sentido
geograacutefico estaremos buscando a localizaccedilatildeo no tempo e espaccedilo de onde
estamos falando Quando ampliarmos a noccedilatildeo deste termo para os sentidos poliacutetico
e social estaremos buscando responder a questotildees que dizem respeito agraves
consequecircncias de um processo histoacuterico em que os Estados nacionais mesmo
tendo realizado as demarcaccedilotildees de seus limites natildeo conseguiram impedir que o
mesmo ocorresse entre as populaccedilotildees que transitam em seu interior Eacute o que afirma
Albuquerque (2010) para o qual
A reflexatildeo sobre identidades nacionais e os conflitos sociais nas aacutereas de delimitaccedilotildees dos Estados-Nacionais produzem novas abordagens sobre as fronteiras e desnaturalizam as bdquofronteiras naturais‟ das naccedilotildees (ALBUQUERQUE 2010 p 45)
Em artigo publicado na obra ldquoDilemas e Diaacutelogos Platinos Fronteirasrdquo
Machado (2010) aponta que os estudos entre as fronteiras dos Estados-Nacionais
satildeo uacutenicos No caso do Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 confirmou a delimitaccedilatildeo de
150 km a partir do limite internacional como faixa de fronteira Desse modo natildeo
apenas a cidade que faz divisa com outro paiacutes eacute considerada fronteiriccedila mas
tambeacutem as outras cidades que ficam dentro desta faixa de 150 km
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE 2014)
o Brasil possui uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros e 16886 quilocircmetros de
fronteira terrestre com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul sendo eles Argentina
Boliacutevia Colocircmbia Guiana Peru Suriname Venezuela Paraguai Uruguai e com o
Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana conforme observa-se na Figura 3
28
Imagem 3 - Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo
Fonte Jornal Tribuna wwwjornaltribunacombr
Como os dados assinalam a dimensatildeo da fronteira do Brasil com os paiacuteses
da Ameacuterica Latina eacute expressiva e natildeo apenas no sentido de extensatildeo territorial
visto que o contato direto e diaacuterio entre as populaccedilotildees inseridas neste contexto torna
a fronteira expressiva tambeacutem no que se refere agrave dimensatildeo das relaccedilotildees sociais
Desse modo ao estudar as poliacuteticas puacuteblicas no contexto de fronteira
internacional natildeo eacute apenas a conjuntura nacional que estaacute sendo considerada mas
tambeacutem o plano externo -em sentido transnacional - considerando-se os fluxos da
populaccedilatildeo brasileira paraguaia e argentina que circulam de um paiacutes para o outro
Fernand Brauduel (1989) ao abordar as fronteiras afirma que elas
incorporam aleacutem da dimensatildeo espacial tambeacutem a ldquodimensatildeo temporalrdquo (BRAUDEL
1989 apud Heinsfeld 2014 281) Como exemplo o autor cita as divisotildees territoriais
da Ameacuterica colonial feitas por Portugal e Espanha delimitaccedilotildees essas que foram
incorporadas antes mesmo da independecircncia das colocircnias Braudel chama atenccedilatildeo
para este fato afirmando que a histoacuteria tem a tendecircncia de cristalizar as fronteiras
como se fossem ldquoacidentes naturaisrdquo (BRAUDEL 1989 p 147) Albuquerque (2010)
tambeacutem compartilha desse raciociacutenio Segundo este autor haacute uma tendecircncia
disseminada no senso comum em se conceber a fronteira enquanto algo dado
pronto e natural como se natildeo houvesse nenhum conflito de fronteira Para aleacutem
disto a fronteira tambeacutem eacute percebida preconceituosamente pela imprensa e o
imaginaacuterio popular como uma terra de ningueacutem perigosa e violenta ou seja espaccedilo
da ilegalidade e da transgressatildeo
Para Albuquerque estas representaccedilotildees satildeo construiacutedas principalmente a
partir de notiacutecias negativas associadas a conflitos violentos Como exemplo temos a
29
imigraccedilatildeo clandestina dos mexicanos para os Estados Unidos ou a disputa territorial
na faixa de Gaza entre Israel e a Palestina Cabe ressaltar que nesta perspectiva
os Estados nacionais desempenham um papel fundamental na construccedilatildeo destas
concepccedilotildees e noccedilotildees acerca da fronteira satildeo eles que legitimam tais imaginaacuterios
por meio de estrateacutegias de proteccedilatildeo do territoacuterio No caso da fronteira com os
Estados Unidos e Meacutexico a poliacutetica de seguranccedila eacute extremamente violenta natildeo
apenas no sentido fiacutesico por meio da construccedilatildeo de muros com arames farpados e
redes de alta tensatildeo mas por meio de um monitoramento que existe com a
utilizaccedilatildeo de tecnologias de ponta A natildeo obediecircncia aos limites pode levar aqueles
(natildeo apenas mexicanos) que queiram atravessar a fronteira ilegalmente agrave morte
Segundo Kearney (apud MONTIEL 2007) esta representaccedilatildeo dos problemas
fronteiriccedilos tem estado muito presente na imprensa norte-americana e tem resultado
na justificativa e defensiva do que ele denomina de ldquonacionalismo dos brancosrdquo
(KEARNEY 1991 apud MONTIEL 2007 p10) Isto explicaria o atual endurecimento
da poliacutetica do governo estadunidense que resulta natildeo apenas na militarizaccedilatildeo da
mesma mas no polecircmico projeto de construccedilatildeo de um muro ao longo da faixa de
fronteira remetendo ao modelo da ldquocortina de ferrordquo dos paiacuteses europeus no periacuteodo
da Guerra Fria que dividia de um lado os paiacuteses do leste europeu sob a influecircncia
da Uniatildeo Sovieacutetica e de outro os paiacuteses pertencentes agraves zonas de influecircncia dos
Estados Unidos
12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo
Segundo o Dicionaacuterio de Poliacutetica o Estado Moderno tal qual o conhecemos
tem suas origens nas transformaccedilotildees ocorridas ao final da Idade Meacutedia que
resultaram em tratados como a Paz de Vestfaacutelia que simbolizou ldquoo momento em
que se reconhece formalmente de modo geral a soberania absoluta do Estado no
plano internacionalrdquo (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 1998 p1090) Mas eacute a
definiccedilatildeo de Max Weber sobre o Estado Moderno uma das mais conhecidas Para
ele o Estado faz o uso legiacutetimo da violecircncia numa relaccedilatildeo entre homens que
dominam seus iguais em um determinado territoacuterio
Estado eacute uma relaccedilatildeo de homens dominando homens relaccedilatildeo mantida por meio da violecircncia legiacutetima (isto eacute considerada como
30
legiacutetima) Ele eacute uma comunidade humana que pretende com ecircxito o monopoacutelio do uso legiacutetimo da forccedila fiacutesica dentro de um determinado territoacuterio (WEBER 1998 p98-99)
Destaca-se aqui a questatildeo do territoacuterio uma vez que sua relaccedilatildeo com a
fronteira eacute inerente Logo falar de fronteira fiacutesica em sua definiccedilatildeo claacutessica
pressupotildee que haja um territoacuterio que fora delimitado a partir de tratados acordos ou
mesmo a venda do territoacuterio em disputa O geoacutegrafo Rogeacuterio Haesbaert afirma que o
territoacuterio estaacute mergulhado em
() relaccedilotildees de dominaccedilatildeo eou de apropriaccedilatildeo sociedade-espaccedilo desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominaccedilatildeo poliacutetico-econocircmica mais bdquoconcreta‟ e bdquofuncional‟ agrave apropriaccedilatildeo mais subjetiva eou bdquocultural-simboacutelica (HAESBAERT 2004 p95-96)
O autor chega a esta conclusatildeo apoacutes realizar uma analise histoacuterico-social do termo
quando a palavra territoacuterio surgiu com duas conotaccedilotildees material e simboacutelica ldquopois
etimologicamente aparece tatildeo proacuteximo de terra-territorium quanto de terreo-territor
(terror aterrorizar)rdquo (HAESBAERT 2004 p 2) O autor afirma que as duas
conotaccedilotildees tem a ver com poder natildeo somente no significado tradicional de bdquopoder
poliacutetico‟ ldquoEle diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto de dominaccedilatildeo
quanto ao poder no sentido mais simboacutelico de apropriaccedilatildeordquo (HAESBAERT 2004 p
2)
Portanto todo territoacuterio eacute ao mesmo tempo e obrigatoriamente em diferentes combinaccedilotildees funcional e simboacutelico pois exercemos domiacutenio sobre o espaccedilo tanto para realizar ldquofunccedilotildeesrdquo quanto para produzir bdquosignificados‟ (HAESBART 2004 p67)
Hoje o modelo de Estado territorial eacute definido como aquele que organiza este
territoacuterio que por sua vez eacute delimitado por uma fronteira cuja populaccedilatildeo estaacute unida
pelo sentimento de naccedilatildeo Por naccedilatildeo Benedict Anderson (1993) entende que ldquoseja
uma comunidade imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo
tempo soberanardquo (ANDERSON 1993 p24)
Utilizando a definiccedilatildeo de Anderson para naccedilatildeo tendo em vista que haacute outras
definiccedilotildees para o termo o autor explica que a naccedilatildeo eacute imaginada pois nem todos
aqueles que fazem parte dela se reconhecem ainda que tenham consciecircncia que
haja uma comunhatildeo entre eles Desse modo o sentido de pertenccedila agrave naccedilatildeo existe
somente quando os sujeitos partilham de certo imaginaacuterio social mesmo que natildeo se
conheccedilam mutuamente Entretanto esta imaginaccedilatildeo eacute limitada uma vez que seu
31
campo de abrangecircncia eacute limitado Eacute soberano assim o anseio de qualquer naccedilatildeo
ser livre da subordinaccedilatildeo de outros poderes8ou de outras naccedilotildees
Por fim a naccedilatildeo eacute imaginada como uma comunidade tendo em vista que
independentemente das desigualdades que existam entre as pessoas - sociais
poliacuteticas ou econocircmicas - o senso de companheirismo extrapola as diferenccedilas
sociais que haacute entre elas Para Anderson eacute este sentimento de unicidade que fez
com que tantas pessoas morressem em nome da defesa da naccedilatildeo nos uacuteltimos
seacuteculos
A fim de explicar como se deu este processo de construccedilatildeo da naccedilatildeo nos
paiacuteses europeus Benedict Anderson menciona os jornais impressos que quando
popularizados tornaram-se um dos meios mais eficazes de inculcar valores na
sociedade servindo entatildeo de instrumento para a construccedilatildeo de uma naccedilatildeo Se
partirmos da afirmaccedilatildeo de Durkheim segundo a qual a educaccedilatildeo tem como funccedilatildeo
coletiva adaptar a crianccedila ao meio social faz-se necessaacuterio para isto que se
estabeleccedila entre a sociedade e a escola uma ldquocomunhatildeo de ideias e sentimentos
suficientes entre os cidadatildeos comunhatildeo sem a qual qualquer sociedade eacute
impossiacutevelrdquo (DURKHIEM 2011 p63) podemos perceber como a escola e o modo
com que o Estado designa o que deve ou natildeo conter como base comum a todo
curriacuteculo nacional torna a educaccedilatildeo escolar um mecanismo de constructo da naccedilatildeo
seguindo portanto a mesma premissa de Anderson
Na cidade fronteiriccedila durante o periacuteodo de instalaccedilatildeo e funcionamento da
Colocircnia Militar da Foz de Iguaccedilu entre 1889 e 1912 jaacute havia uma preocupaccedilatildeo com
o fato de as crianccedilas brasileiras estudarem na Argentina Afinal estavam
assimilando a cultura e os valores nacionais do paiacutes vizinho o que ameaccedilava o
territoacuterio Mais tarde na Era Vargas o projeto nacionalista de unificar o paiacutes passou
pela educaccedilatildeo Neste periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais que tinham entre outros
objetivos
() homogeneizar a populaccedilatildeo dando a cada nova geraccedilatildeo o instrumento do idioma os rudimentos da geografia e da histoacuteria paacutetria os elementos da arte popular e do folclore as bases da formaccedilatildeo ciacutevica e moral a feiccedilatildeo dos sentimentos e ideias coletivos em que afinal o senso de unidade e de comunhatildeo nacional repousam
8Eacute tambeacutem imaginada como soberana porque nasceu numa eacutepoca em que o Iluminismo e a
Revoluccedilatildeo destruiacuteram a legitimidade do domiacutenio dinaacutestico e ordenado por Deus (ANDERSON 1993)
32
(PALMEIRA 1943 apud SCHWARTZMAN BOMENY COSTA 2000 p 93)
Diante das estrateacutegias que o Estado Moderno desenvolveu para construir a
ideia de naccedilatildeo a proacutepria fronteira poliacutetica requer quase sempre a justificaccedilatildeo
ideoloacutegica da comunidade nacional Fora preciso estabelecer na fronteira natildeo
apenas a delimitaccedilatildeo em termos juriacutedicos e fiacutesicos mas tambeacutem no social a partir
da separaccedilatildeo entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo
A preocupaccedilatildeo com a construccedilatildeo de um senso de unidade e de comunhatildeo
nacional pela educaccedilatildeo escolar portanto acompanhou a histoacuteria de Foz do Iguaccedilu
Pois eacute importante descrever na proacutexima seccedilatildeo como ela aparece retomando como
ideacuteia a fronteira na histoacuteria da cidade
13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos
A cidade de Foz do Iguaccedilu eacute reconhecida por ser uma importante cidade
turiacutestica Nela encontram-se uma das ldquosete maravilhas da naturezardquo as Cataratas do
Iguaccedilu e a maior usina geradora de energia do mundo9 a hidreleacutetrica Itaipu
Binacional Por fazer fronteira com o Paraguai a cidade brasileira torna-se ainda
mais atrativa devido ao comeacutercio com Ciudad del Este Os meios de comunicaccedilatildeo
que costumam divulgar os atrativos turiacutesticos de Foz do Iguaccedilu exaltam o fato da
cidade possuir diferentes etnias e nacionalidades convivendo em um mesmo
territoacuterio Na ocasiatildeo do centenaacuterio da cidade foi composta a muacutesica bdquoIsso eacute Foz do
Iguaccedilu‟ que evidecircncia esse bdquoolhar‟ multicultural
Cidade de todas as raccedilas Que aceita o negro que aceita o branco
Iacutendio cafuzo amarelo e mamelucoCidade cosmopolitaTem brasileiro tem
argentinoAacuterabe chinecircs paraguaio e palestino Isso eacute Foz do IguaccediluDa
triacuteplice fronteira do sul Onde o ceacuteu eacute mais que azulTerra das cataratas do
Iguaccedilu (COPETTI 2014)
Nos versos verifica-se que uma das principais caracteriacutesticas atribuiacutedas agrave
cidade eacute ser multicultural com diferentes nacionalidades e etnias convivendo
pacificamente neste territoacuterio rico por suas belezas naturais No entanto existe
tambeacutem uma narrativa que caracteriza a cidade como perigosa marginal rota para
9 Dados obtidos no site oficial da Usina Hidreleacutetrica de Itaipu Binacional Disponiacutevel em
lthttpswwwitaipugovbrgt Acesso em 12122015
33
o grande traacutefico de armas e drogas espaccedilo de corrupccedilatildeo e lavagem de dinheiro
representada principalmente pela imprensa argentina de Puerto Iguazuacute e de Foz do
Iguaccedilu (ALBUQUERQUE 2010) conforme os enunciados abaixo sugerem
-PF10 estoura quadrilha que envolvia empresas-fantasmas de Foz do Iguaccedilu e traficantes do Paraguai Operaccedilatildeo Sustenido desmantelou organizaccedilatildeo criminosa suspeita de movimentar R$ 300 milhotildees (PORTAL R7 22052015)
-Contrabando ldquoempregardquo 15 mil em Foz do Iguaccedilu (GAZETA DO POVO 03032015) -Policia Federal apreende cigarros contrabandeados e um veiacuteculo (JT TRIBUNA 29012016)
Na perspectiva de Lorenzo Macagno (2011) esta visatildeo tatildeo dicotocircmica e
oposta ldquose produz e se reproduz justamente num espaccedilo peculiar e contraditoacuterio
Ali nos confins da naccedilatildeo nos espaccedilos liminares e de tracircnsito eacute onde esta conciliaccedilatildeo parece impor a necessidade de uma perpeacutetua reatualizaccedilatildeo de si mesma Sob este aparente paradoxo reside uma tensatildeo iminente entre o bdquonacional‟ e o transnacional (MACAGNO 2011 p25)
Para conhecer a dinacircmica de Foz do Iguaccedilu enquanto cidade de fronteira eacute
preciso primeiramente localizaacute-la no contexto da Triacuteplice Fronteira que recebeu
essa denominaccedilatildeo a partir de 1992 momento em que se levantavam suspeitas da
presenccedila de terroristas islacircmicos na regiatildeo A partir de 1996 o termo foi oficialmente
adotado pelo governo dos trecircs paiacuteses Utilizo-me da tese de Fernando Lima (2011)
o qual defende e argumenta que esta Triacuteplice Fronteira pode ser considerada uma
regiatildeo por possuir caracteriacutesticas proacuteprias diferente assim de outras regiotildees do
estado do Paranaacute e do sul do Brasil (LIMA 2011)
Ao tratar da origem do termo Triacuteplice Fronteira Rabossi (2004) aponta que
antes dos anos de 1990 para se referir agrave regiatildeo em seu conjunto se falava zona
regiatildeo ou trecircs fronteiras Em alguns jornais do final dos anos de 1980 o termo
bdquotriacuteplice fronteira‟ aparece para nomear a regiatildeo entretanto esse uso era geneacuterico
nunca substantivo proacuteprio Para exemplificar a constataccedilatildeo da dificuldade que era
pensar os paiacuteses fronteiriccedilos enquanto uma unidade Rabossi (2004) cita o trecho
texto do jornalista Bojunga de 1978 que diz
10
PF - abreviaccedilatildeo para Poliacutecia Federal
34
Em IguaccediluIguazuPuerto Presidente Strossneressa atividade [o contrabando] atinge caracteriacutesticas delirantes Nesse ponto em que as fronteiras da Argentina do Brasil e do Paraguai se encontram nada se perde tudo se trafica (BOJUNGA 1978 p 202 apud RABOSSI 2004 p 24)
A apariccedilatildeo do substantivo proacuteprio bdquoTriacuteplice Fronteira‟ surge a partir das
suspeitas de que havia terroristas islacircmicos na regiatildeo apoacutes os atentados na
embaixada de Israel na capital argentina Buenos Aires em 1992 Esta suspeita
aumentou apoacutes o atentado agrave Asociaciacuteon de Mutuales Israelitas Argentinas [AMIA]
em 1994 (RABOSSI 2004) Deste modo o termo Triacuteplice Fronteira surge
relacionado agraves questotildees de seguranccedila que envolve os trecircs paiacuteses ldquoEssa
denominaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de uma aacuterea singular e participa de sua
criaccedilatildeo a partir de uma praacutetica de nominaccedilatildeo que possibilita a emergecircncia
conceitual de um lugar onde estatildeo relacionadas agraves trecircs cidadesrdquo (RABOSSI 2004
p24) Rabossi (2004) considera a Triacuteplice Fronteira uma regiatildeo singular como Lima
(2011) afirma que Foz do Iguaccedilu possui caracteriacutesticas distintas das demais cidades
brasileiras cuja distinccedilatildeo se daacute por essa localizaccedilatildeo
Lima fala da integraccedilatildeo comercial seja por meio do turismo como a visitaccedilatildeo
agraves cataratas no Brasil e na Argentina seja por meio das compras em Ciudad del
Este que tornam a situaccedilatildeo econocircmica das cidades dependentes uma das outras O
autor chama atenccedilatildeo para a relaccedilatildeo entre as cidades de Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este Ele chega agrave conclusatildeo de que a relaccedilatildeo de trabalho entre brasileiros e
paraguaios natildeo se reduz agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos aos sacoleiros que pagam aos
paraguaios para atravessarem a ponte com a mercadoria que excede a cota
permitida ldquoTrata-se de uma verdadeira extensatildeo do mercado de trabalho de Foz do
Iguaccedilurdquo (LIMA 2011 p142)
Lima aponta que embora a Itaipu seja de suma importacircncia econocircmica para
o Brasil e o Paraguai a hidreleacutetrica eacute uma ldquoinduacutestria deslocalizadardquo (LIMA 2011 p
143) Isto significa que o que ela movimenta em termos econocircmicos fica longe da
cidade Os benefiacutecios para a cidade se encontram nos pagamentos de royalties e
nos salaacuterios dos trabalhadores que por sua vez eacute um grupo relativamente pequeno
o que ldquoimpede que se forme uma massa salarial grande o suficiente para gerar uma
dinacircmica endoacutegena de crescimentordquo (LIMA 2011 p142) Ateacute mesmo o expressivo
nuacutemero de funcionaacuterios puacuteblicos existente em Foz do Iguaccedilu em decorrecircncia da
35
Aduana e da Poliacutecia Federal natildeo eacute capaz de juntamente com a Itaipu estimular o
mercado de serviccedilos local Uma das maiores movimentaccedilotildees econocircmicas da cidade
encontra-se no turismo motivado pelas Cataratas do Iguaccedilu No entanto esta aacuterea
apresenta inuacutemeras fragilidades sobretudo no que diz respeito agraves flutuaccedilotildees do
cacircmbio brasileiro e argentino aleacutem da questatildeo sazonal e a proacutepria dinacircmica do
mercado que gera a competiccedilatildeo com outros destinos turiacutesticos Com estas
caracteriacutesticas Fernando Lima afirma que tanto no acircmbito econocircmico como no
social Foz do Iguaccedilu articula-se aos fatos econocircmicos da fronteira conformando
uma economia regional Neste sentido o autor sugere a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas que possam oferecer maior liberdade ao comeacutercio da regiatildeo em relaccedilatildeo agraves
poliacuteticas nacionais
Devido agrave falta desse tipo de poliacutetica de fronteira que Machado (2010) afirma
que tem sido difiacutecil para os Estados-Nacionais lidarem com a real ldquofluidez dos
agrupamentos humanosrdquo e mais ainda com o ajustamento de redes poliacuteticas
identitaacuterias econocircmicas e sociais superpostas aos limites dos estados territoriais
(MACHADO 2010 p71) Torna-se necessaacuterio avanccedilar na concepccedilatildeo de Estado
para aleacutem da esfera juriacutedica e poliacutetica para compreender que a fronteira eacute um
espaccedilo permeado por vidas e com relaccedilotildees que ultrapassam os seus limites
territoriais A Triacuteplice Fronteira ldquoeacute o espaccedilo de trocas culturais onde o local e o
internacional se articulam estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas especiacuteficasrdquo
(MULLER 2005 p03)
Cury e Fraga (2013) consideram que a especificidade da Triacuteplice Fronteira
manifesta-se a partir das experiecircncias que se realizam nos espaccedilos e unem povos
e culturas distintas sociedades que apresentam princiacutepios sociais de forma
integrada na sua diversidade ldquosem que se dispense o fato de que os brasileiros satildeo
brasileiros paraguaios satildeo paraguaios e argentinos satildeo argentinosrdquo (CURY e
FRAGA 2013 p 52)
Estes fluxos intensos fazem com que haja encontros e desencontros De um
lado as trocas interculturais a sociabilidade e a relaccedilatildeo amistosa de outro e ao
mesmo tempo as tensotildees de ordem cultural
A vida na fronteira passa constantemente pela afirmaccedilatildeo do eu e consequumlentemente pelo reconhecimento do outro Os de laacute e os de
36
caacute constroem a relaccedilatildeo estruturam o espaccedilo como sendo de ambos (MULLER 200311)
Neste sentido ocorre uma reatualizaccedilatildeo da naccedilatildeo na fronteira pois eacute um
espaccedilo que ao mesmo tempo une e separa nas palavras de Clemente de Souza
(2009 p106) ldquoSatildeo espaccedilos nos quais o local e o internacional se articula
estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas proacuteprias construiacutedas e reforccediladas pelos povos
fronteiriccedilosrdquo Para Souza (2009) as identidades e as culturas nacionais de cada um
dos paiacuteses fronteiriccedilos satildeo construiacutedas e reelaboradas por meio da interaccedilatildeo entre a
populaccedilatildeo desta regiatildeo assim acabam por constituir ldquooutra cultura e identidade
diferenciada capaz de recriar um novo lugar com aspectos regionaisrdquo (SOUZA
2009 p106)
14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas
Natildeo eacute apenas a educaccedilatildeo um tema delicado ao se abordar poliacuteticas puacuteblicas
para a fronteira Os exemplos das pesquisas tratadas nessa seccedilatildeo demonstram que
a particularidade da fronteira faz com que as poliacuteticas nacionais para o trabalho e a
sauacutede natildeo alcancem todos na fronteira
Na regiatildeo da Triacuteplice Fronteira a relaccedilatildeo que se estabelece principalmente entre
o Brasil e o Paraguai chama a atenccedilatildeo por seus laccedilos comerciais que fazem com
que o fluxo de pessoas seja intenso nos dois lados da fronteira Eacute comum a
premissa um morador passar o dia de trabalho em paiacutes vizinho onde sua renda eacute
obtida e viver parte do tempo em seu paiacutes de origem Eacute o caso dos trabalhadores
que satildeo contratados para atravessar mercadorias de Ciudad del Este para Foz do
Iguaccedilu de brasileiros que possuem alguma atividade comercial na Argentina ou
Paraguai ou das trabalhadoras domeacutesticas conhecidas como diaristas De modo
direto ou indireto satildeo trabalhadores (as) que contribuem com a economia da regiatildeo
fronteiriccedila mas que do ponto de vista dos direitos trabalhistas eacute um grupo que
acaba ficando agrave margem desses direitos por diferentes justificativas No caso das
11 Documento eletrocircnico sem paginaccedilatildeo MULLER K M O estudo Miacutedia e fronteira jornais locais em Uruguaiana-Libres e Livramento-Rivera Tese de doutorado defendida na Universidade do Vale dos
Sinos Satildeo Leopoldo fev 2003
17112015
37
diaristas paraguaias dada sua situaccedilatildeo de imigrantes encontram dificuldades para
a comprovaccedilatildeo de documentos necessaacuterios para exercer tal atividade no paiacutes Com
isso acabam na informalidade abrindo brechas para a desvalorizaccedilatildeo de seus
salaacuterios podendo ateacute mesmo virem a trabalhar sob condiccedilotildees insalubres e
exaustivas O delegado da Poliacutecia Federal Rodrigo Perin em uma reportagem
concedida ao site G1 fez a seguinte observaccedilatildeo sobre essa situaccedilatildeo
Na realidade se a pessoa estiver regularizada em territoacuterio nacional e estiver apta para trabalhar como ela vai ter todos os direitos trabalhistas ela natildeo vai poder receber um salaacuterio menor do que o piso fixado para aquela categoria bdquoA partir do momento que ela se encontra em situaccedilatildeo irregular ela vai receber um salaacuterio muito iacutenfimo agraves vezes varia de R$ 150 a R$ 200‟ afirmou o delegado A pessoa que contratar uma empregada domeacutestica ilegal pode ser multado em R$ 2500 Aleacutem disso o patratildeo pode responder criminalmente por manter o trabalhador em condiccedilatildeo similar a de escravo A empregada pode ser deportada para o paiacutes de origem (PORTAL DE NOTIacuteCIAS G1 2011)
Como exemplo de uma possiacutevel soluccedilatildeo ao problema da informalidade o
Ministeacuterio Puacuteblico de Foz do Iguaccedilu apoacutes receber denuacutencias acerca das
trabalhadoras domeacutesticas em regime irregular de trabalho passou a notificar os
siacutendicos de condomiacutenios da cidade a prestar contas sobre o nuacutemero de funcionaacuterios
(as) e empregados(as) contratados pelos moradores Entretanto os proacuteprios
trabalhadores temendo a demissatildeo optaram por seguirem na informalidade Tal
medida explica Hofling (2001) ldquofoi puramente repressiva e unilateral por parte do
governo brasileiro sem planejamento ou conexatildeo com outras poliacuteticas integradas
com os paiacuteses vizinhosrdquo (HOFLING 2001 p 177)
No que confere agrave questatildeo entre o legal e o ilegal este uacuteltimo eacute tatildeo
frequumlentemente associado agrave fronteira que quase vira seu sinocircnimo Esta noccedilatildeo fora
criticada por Rabossi (2011) o qual considera que o modelo de ordem e de lei
vigente natildeo se aplica para pensar ldquoo funcionamento efetivo da lei nem as atividades
que se desenvolvem naquele espaccedilordquo (RABOSSI 2011 p64) Segundo Silva (2015)
a vida dessas pessoas que vivem na ilegalidade equivaleria ao que ela denomina
de ldquoprotocidadania em direccedilatildeo inversa ou a uma forma de vida ambiacutegua e
paradoxal diante do Estado-Naccedilatildeordquo Para a autora haacute uma cidadania que eacute rompida
em sua continuidade entre o nascimento e a nacionalidade onde o sujeito encontra-
se dentro e fora da lei imersos em uma bdquozona de inderteminaccedilatildeo‟ (SILVA 2015
p3)
38
Quanto agrave questatildeo da violecircncia do traacutefico de drogas da exploraccedilatildeo sexual do
trabalho infantil que satildeo intensas na regiatildeo Rosana Pinheiro Machado (2011) em
seu artigo ldquoCaminhos do descaminho Etnografia da fiscalizaccedilatildeo na Ponte da
Amizade e seus efeitos no cotidiano da Triacuteplice Fronteira aponta que apenas ldquouma
fiscalizaccedilatildeo unilateral sem amparo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo parece extinguir tais
problemas mas apenas deslocaacute-losrdquo (MACHADO 2011 p145)
Quando se trata de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para a regiatildeo de fronteira
internacional o tema da seguranccedila e defesa nacional aparecem como destaque no
processo de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Albuquerque explica que a
ldquofronteira geralmente eacute uma zona onde as forccedilas repressoras e fiscalizadoras do
Estado tecircm dificuldade em exercer o monopoacutelio das armas e das leisrdquo
(ALBUQUERQUE 2005 p67) Essa suposta ausecircncia de controle acaba
legitimando a imagem de que a fronteira eacute uma terra de ningueacutem
O mesmo autor explica que a triacuteplice fronteira a partir de meados da deacutecada
de 1990 passou a ser representada principalmente pela imprensa brasileira e
argentina juntamente com os organismos oficiais de inteligecircncia dos Estados
Unidos como um local de traacutefico de armas e drogas de lavagem de dinheiro dentre
outros sendo portanto caracterizada como ldquosantuaacuterio da corrupccedilatildeo impunidade e
delinquumlecircnciardquo (ALBUQUERQUE 2010 p39)
Seja pelas imagens incansaacuteveis divulgadas pelos meios de comunicaccedilatildeo de
que a fronteira requer maior atenccedilatildeo no quesito seguranccedila ou pelas pressotildees
internacionais ou mesmo pelo interesse do Estado em querer legitimar o uso da
forccedila na regiatildeo demonstrando sua soberania perante os paiacuteses vizinhos a
seguranccedila na fronteira eacute o tema mais visiacutevel no sentido de poliacutetica puacuteblica
Certamente a securitizaccedilatildeo processo pelo qual a seguranccedila puacuteblica torna-se o argumento central nas relaccedilotildees entre sociedade e Estado (Gruszczac 2010) marca a gestatildeo estatal das fronteiras no globo com ecircnfases e significados ligados agrave seguranccedila puacuteblica nacional e internacional (Machado Novaes Monteiro 2009 Dorfman Franccedila 2013) O governo brasileiro mobiliza suas instituiccedilotildees como decorrecircncia dos processos securitizatoacuterios poacutes 11-S mas tambeacutem o faz dentro de um projeto maior e mais antigo de construccedilatildeo do Brasil potecircncia (FRANCcedilA DORFMAN 2014 p11)
Um exemplo desses projetos eacute o receacutem criado Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) um conjunto de sistemas integrados do
39
exeacutercito brasileiro para o monitoramento e controle das fronteiras terrestres
Segundo o site oficial do SISFRON trata-se de um dos maiores projetos de
seguranccedila e defesa em execuccedilatildeo do mundo De acordo com o Ministeacuterio da Defesa
seu propoacutesito eacute ldquofortalecer a presenccedila e a capacidade de accedilatildeo do Estado na faixa de
fronteira terrestre contribuindo para a maior efetividade no combate aos delitos
transfronteiriccedilos e praticados na faixa de fronteirardquo (BRASIL 2014 p1) Dorfman e
Franccedila (2014) citam outros programas como o Plano Estrateacutegico de Fronteiras em
2011 promovido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
Estes e outros programas nacionais de proteccedilatildeo ao territoacuterio representam a
materializaccedilatildeo da claacutessica definiccedilatildeo de Estado o exerciacutecio do uso legiacutetimo da forccedila
tendo como pano de fundo dessa legitimidade o consenso da populaccedilatildeo que em
tese aceita em troca da proteccedilatildeo do Estado (WEBER 1998)
Aleacutem da seguranccedila a sauacutede eacute um setor delicado em regiatildeo de fronteira que
ao contraacuterio das poliacuteticas para seguranccedila da fronteira natildeo recebe recursos
diferenciados das demais regiotildees do paiacutes
Relatoacuterios do ldquoEstudo da Rede de Serviccedilos de Sauacutede na Regiatildeo de
Fronteirardquo referentes a 2001 e 2002 produzidos para a Organizaccedilatildeo Mundial da
Sauacutede (OMS) ao estudar a situaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica nas cidades de Puerto
Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad Del Este verificaram a existecircncia de uma
dificuldade no processo de contabilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo que necessita de
atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) haja vista que parte dessa
populaccedilatildeo eacute flutuante Deste modo os repasses de verba para o SUS acabam natildeo
abarcando a realidade total da populaccedilatildeo atendida
Neste estudo as informaccedilotildees indicaram ainda que a maior transferecircncia de
atenccedilatildeo existe entre Ciudad Del Este e Foz do Iguaccedilu Este fenocircmeno pode ser
explicado basicamente pela acessibilidade geograacutefica somadas agraves condiccedilotildees
sociais e comerciais manifestado no tracircnsito entre Ciudad del Este e Foz do Iguaccedilu
Nesse sentido Luis Astorga (2004) responsaacutevel pelo estudo da sauacutede nas trecircs
cidades completa
A atenccedilatildeo que os cidadatildeos do Paraguai solicitam em Foz equivale a algo entre 5 e 55 dos serviccedilos produzidos em Cidade do Leste sendo o Atenccedilatildeo Primaacuteria e de Especialidade os mais procurados pela populaccedilatildeo paraguaia Os serviccedilos mais demandados pela populaccedilatildeo paraguaia satildeo aqueles onde haacute maior diferenccedila entre Cidade do Leste e Foz que satildeo precisamente os serviccedilos
40
ambulatoriais de especialidade Segundo os estudos de Foz aparentemente o maior fluxo de paraguaios concentra-se nos centros de sauacutede proacuteximos ao rio e agrave ponte dado que a populaccedilatildeo pode se deslocar a peacute desde Ciudad del Este (ASTORGA etal 2004 p88)
Cabe aqui a ressalva de que em regiotildees de fronteira internacional assim
como em outras regiotildees do paiacutes o problema da sauacutede eacute resultado de uma
conjuntura de fatores sendo que os mais citados para justificar a ineficiecircncia do
sistema eacute a falta de recursos humanos especializados as distacircncias entre os
municiacutepios e os grandes centros de referecircncia e a insuficiecircncia de equipamentos
para realizaccedilatildeo de tratamentos e procedimentos de meacutedia e alta complexidade
(GADELHA 2007 p216)
Na tentativa de amenizar essa situaccedilatildeo nas cidades de fronteira tendo o
MERCOSUL como propositor dessa poliacutetica criou-se o Sistema Integrado de Sauacutede
do Mercosul (SIS-MERCOSUL) Instituiacutedo em julho de 2005 e lanccedilado em
novembro do mesmo ano na cidade de Uruguaiana ndash RS ndash por meio do ministeacuterio
da sauacutede e dos Estados-membros do Mercosul seu objetivo eacute criar uma agenda
com propostas de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre os paiacuteses do referido bloco e garantir
o atendimento para a populaccedilatildeo da regiatildeo por meio de estrateacutegias que melhorassem
a sauacutede local dos paiacuteses envolvidos
Costa e Gadelha (2007) explicam que ldquoa ideacuteia eacute iniciar uma poliacutetica de
incentivo agrave gestatildeo a partir do repasse de recursos financeiros para os municiacutepios de
fronteirardquo (COSTA e GADELHA 2007 p218) Estas municipalidades por outra via
devem participar ativamente da elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico da realidade da sauacutede
local e realizar o cadastro da populaccedilatildeo no cartatildeo do SUS A complexidade do
diagnoacutestico reside no fato de que momento em que o Estado natildeo considera como
usuaacuterios do sistema uacutenico cidadatildeos advindos dos paiacuteses vizinhos Neste caso eacute
fundamental que haja investimento integrado com os demais paiacuteses
Alguns avanccedilos tecircm sido alcanccedilados no tocante agrave elaboraccedilatildeo de diagnoacutesticos de sauacutede para municiacutepios da linha de fronteira mas ainda natildeo se consegue verificar o relacionamento deste diagnoacutestico da infra-estrutura instalada e real utilizaccedilatildeo do sistema por parte da populaccedilatildeo flutuante que o utiliza Para reverter essa situaccedilatildeo muito haacute que se avanccedilar na coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de fronteiras no Brasil assim como em sua articulaccedilatildeo com as dos paiacuteses vizinhos (COSTA CADELHA 2007 p217)
41
Como podemos observar nos dados apresentados autores que tratam das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas para regiotildees fronteiriccedilas insistem em uma melhor
articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses com poliacuteticas para a fronteira de modo
que estas possam ser executadas com sucesso
15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do
Estado
Albuquerque (2010) apresenta alguns trabalhos histoacutericos e antropoloacutegicos
acerca do Estado e dos agentes locais fronteiriccedilos ldquonas redefiniccedilotildees das identidades
nacionais regionais e locaisrdquo (ALBUQUERQUE 2010 p 46) Dentre estes estudos
o autor descreve aqueles referentes agrave fronteira dos Estados Unidos com o Meacutexico
em que a loacutegica de um hibridismo cultural de uma integraccedilatildeo cultural na fronteira
entre os dois paiacuteses eacute questionada Disto decorre o fortalecimento das identidades
nacionais Inspirados pelos estudos referentes agraves fronteiras entre os paiacuteses
Europeus e Meacutexico e Estados Unidos Albuquerque aponta que os antropoacutelogos do
cone sul em destaque os argentinos tecircm realizado inuacutemeras etnografias nas
fronteiras entres os paiacuteses da Ameacuterica do Sul
O que haacute de comum eacute a tentativa de pensar a tensatildeo entre naccedilatildeo e processos de integraccedilatildeo supranacionais e as maneiras como as identidades nacionais se fortalecem nestes espaccedilos de fronteiras apesar do visiacutevel hibridismo de liacutenguas e outras expressotildees culturais (GRIMSON 2003 KARASIK 2000 VIDAL 2000 apud ALBUQUERQUE 2010 p 27)
A complexidade das relaccedilotildees sociais existentes na fronteira nos permite dizer
que seria leviano rotular as pessoas que nelas transitam Conforme Laclau
(1996)ldquonatildeo se pode afirmar uma identidade diferencial sem distingui-la de um
contexto e no processo de fazer a distinccedilatildeo afirma-se o contexto simultaneamenterdquo
(LACLAU 1996 apud HALL 2003 p 85) No contexto da fronteira nos deparamos
com um sujeito que possui sua identidade nacional negociada o tempo todo atraveacutes
do encontro com os ldquooutrosrdquo
Em Foz do Iguaccedilu como mencionado eacute comum a presenccedila de outras etnias
e nacionalidades que buscam preservar seus costume e tradiccedilotildees mas ao entrar em
contato com outros costumes e valores acabam por adquirir parte de seus haacutebitos
Machado (2006) aponta que uma vez que a identidade sendo cultural e portanto
42
social e historicamente construiacuteda ela pode ser reconstruiacuteda ou reinventada
conforme as circunstancias temporais e espaciais (MACHADO 2006 p 93)
Figueiredo (2005) afirma que a questatildeo da identidade vai para aleacutem da construccedilatildeo
para a negociaccedilatildeo
Se anteriormente as identidades apareciam como construccedilotildees ainda que percebidas como processos simboacutelicos hoje em dia aleacutem dessa noccedilatildeo pode-se pensar e discutir a identidade como negociaccedilatildeo tanto como nas fronteiras culturais como nas linguumliacutesticas e territoriais (FIGUEIREDO 2005 p546)
Deste modo estes encontros relaccedilotildees e negociaccedilotildees entre diferentes
costumes haacutebitos liacutenguas se fazem presentes em Foz do Iguaccedilu e tambeacutem se
manifestam em diferentes espaccedilos como o escolar A escola eacute considerada um
espaccedilo plural principalmente com a globalizaccedilatildeo que provocou dentre outras
mudanccedilas ldquoum redimensionamento de grupos e movimentos migratoacuteriosrdquo (VIERA
2010 p10) Grandes metroacutepoles como Satildeo Paulo possui um grande nuacutemero de
estrangeiros Em reportagem feita para o Jornal bdquoO Estado de Satildeo Paulo‟ a
jornalista Isabela Palhares foi agrave uma escola na capital paulista Os dados fornecidos
pela direccedilatildeo da escola indica que ela possui mais de 55 de alunos estrangeiros
Trata-se da Escola Estadual Marechal Deodoro no Bom Retiro regiatildeo central de
Satildeo Paulo Dos 772 estudantes matriculados 55 satildeo de outro paiacutes ou satildeo filhos
de pais que vieram recentemente para o Brasil ldquoA maioria desses alunos
estrangeiros eacute de bolivianos peruanos e paraguaios mas ainda haacute coreanos
argentinos chilenos e um camaronecircsrdquo (PALHARES 2015)
Embora natildeo seja uma grande cidade em termos populacionais12 como as
capitais ou metroacutepoles brasileiras Foz do Iguaccedilu possui uma diversidade notaacutevel
quanto agrave presenccedila de imigrantes de diferentes nacionalidades e etnias que
possibilita transformaccedilatildeo e reconfiguraccedilatildeo da cultura e do cenaacuterio local Essa
presenccedila de imigrantes como explica Maria Eta Viera (2010) nem sempre eacute
percebida pelo brasileiro como algo valorativo A autora descreve a reaccedilatildeo de
algumas pessoas em transportes puacuteblicos e nas ruas que ao perceberem a
12
Conforme o censo realizado pelo IBGE em 2010 Foz do Iguaccedilu possui cerca de 260 mil
habitantesDisponiacutevel
emlthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=410830ampsearch=||infogrE1ficos-
dados-gerais-do-municEDpiogt Acesso em 14062015
43
presenccedila do estrangeiro com traccedilos fiacutesicos diferentes e falando outro idioma
reagem com repulsa e redobram os cuidados com seus pertences (bolsa celular
carteira etc) (VIERA 2010)
Tradicionalmente tido como um paiacutes hospitaleiro receptivo ao extremo e que valoriza - agraves vezes ateacute de forma exagerada- o que eacute estrangeiro causam estranheza algumas atitudes que tecircm sido observadas com relaccedilatildeo a imigrantes de determinados paiacuteses (VIERA 2010 p61)
O imigrante que deixa seu paiacutes leva consigo a sua histoacuteria cultura valores e
ao chegar a outro paiacutes deve readequar a sua vida a este novo cenaacuterio Esse
encontro pode dar-se de modos diferentes ldquoprovocando desde uma coexistecircncia e
convivecircncia paciacuteficas entre os valores e costumes das comunidades envolvidas ateacute
repulsa e marginalizaccedilatildeo do estrangeiro (VIERA 2010 p63)
Conforme apresenta Homik Babha (1998) natildeo devemos concentrar nossas
atenccedilotildees seja em um lado ou em outro - neste caso o brasileiro em relaccedilatildeo aos
outros Ele critica esta noccedilatildeo binaacuteria entre totalidades Ao observar praacuteticas comuns
tiacutepicas de uma cultura assimiladas por outras eacute possiacutevel sugerir alguns exemplos
passiacuteveis de ocorrer em Foz do Iguaccedilu a saber o mesmo sujeito brasileiro que
chama o paraguaio de xiruacute a fim de ofendecirc-lo eacute o que adquiriu o haacutebito comum aos
paraguaios de tomar o tererecirc13 Isto vale tambeacutem para os apelidos pejorativos e
estigmas que tentam associar ao aacuterabe que reside em Foz do Iguaccedilu como
terrorista14 atraveacutes da denominaccedilatildeo de ldquohomens-bombardquo Aquele que os ofende eacute o
mesmo que fuma o narguile15 consome o shawarma e a esfiha Deste modo Babha
entende que a diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao outro ocorre ao mesmo tempo em que
haacute incorporaccedilatildeo do outro dentro de si mesmo
1313Terereacute ou tererecirc eacute uma bebida tiacutepica feita com a infusatildeo de ervas em aacutegua fria Sua origem eacute atribuiacuteda aos Paraguai tendo suas raiacutezes na cultura dos indiacutegenas guaranis 14A partir do dia 11 de setembro de 2001 uma seacuterie de alegaccedilotildees sobre viacutenculos terroristas na Triacuteplice Fronteira entre Brasil Paraguai e Argentina cruzou as Ameacutericas Essa teoria circulada nos meios de comunicaccedilatildeo combinou com duas correntes imperialistas da poliacutetica externa dos Estados Unidos por um lado a imagem do aacuterabe ou do mulccedilumano como terrorista e por outro a representaccedilatildeo da Ameacuterica do Sul como uma ldquoterra sem leirdquo (MONTENEGRO GIMEacuteNEZ BEacuteLIVEAU 2006 apud KARAN 2011 p203) 15Espeacutecie de cachimbo muito usado por hindus persas e turcos constituiacutedo de um fornilho um tubo longo e um pequeno recipiente contendo aacutegua perfumada pelo qual passa a fumaccedila antes de chegar agrave boca (Dicionaacuterio online Disponiacutevel em lthttpwwwdiciocombrnarguilegtAcesso em 23112015
44
Nas escolas puacuteblicas de Foz do Iguaccedilu este ldquooutrordquo satildeo representados em
sua maioria por paraguaios e argentinos ou seja as diferenccedilas tecircm como marcador
principal a identidade nacional Trata-se de um problema histoacuterico jaacute que a escola
foi um dos instrumentos que permitiu ao Estado tentar iniciar o processo de
homogeneizaccedilatildeo cultural Logo conforme Pereira (2009) a escola deste o iniacutecio foi
considerada um espaccedilo negaccedilatildeo da diversidade O nacional torna-se assim fator
de diferenciaccedilatildeo de tensotildees de abertura para preconceitos e estigmas
Na dissertaccedilatildeo sobre a presenccedila de brasiguaios nas escolas brasileiras
Cirlani Terenciani (2011) menciona o trabalho de Joseacute Carlos de Souza (2001)
sobre as representaccedilotildees que os brasileiros fazem em relaccedilatildeo aos paraguaios
() que se tomar dinheiro emprestado natildeo gosta de pagar e natildeo quer que lembre da diacutevida Eacute vingativo para as pessoas que lhe traem a confianccedila () costuma-se dizer que trecircs coisas o paraguaio natildeo daacute a mulher o cavalo e a arma (SOUZA 2001 p 55 apud TERENCIANI 2011 p56)
Tratam-se de afirmaccedilotildees preconceituosas que contribuem para que a imagem do
paraguaio seja associada agrave ldquofalsidade ilegalidade desconfianccedilardquo (TERENCIANI
2011p 57)
Durkheim em Educaccedilatildeo e Sociologia (2011) descreve a escola enquanto
uma instituiccedilatildeo que natildeo estaacute alheia aos fatos sociais presentes na sociedade Logo
a representaccedilatildeo do ldquooutrordquo tanto em seus aspectos positivos quanto negativos eacute
reproduzido no acircmbito escolar sendo portanto um espaccedilo de negociaccedilotildees das
identidades-diferenccedilas
A educaccedilatildeo eacute inseparaacutevel da sociedade em seus momentos histoacutericos Para
Durkhiem (2011) cada sociedade em determinado momento de seu
desenvolvimento teve um sistema de educaccedilatildeo que se impocircs aos indiviacuteduos com
uma forccedila geralmente irresistiacutevel Isto significa que a educaccedilatildeo tem uma relaccedilatildeo
muito estreita com as necessidades e os conflitos que a sociedade vivencia em
determinado momento histoacuterico A funccedilatildeo social da escola estaria na socializaccedilatildeo da
crianccedila Joseacute Carlos Martins (2010) partindo da teoria sociointeracionista de
Vygotsky cuja visatildeo de desenvolvimento humano se baseia na premissa de que o
pensamento eacute constituiacutedo em um espaccedilo histoacuterico e cultural afirma que ldquoa crianccedila
reconstroacutei internamente uma atividade externa como resultado de processos
interativos que se datildeo ao longo do tempordquo (MARTINS 2010 p114) Com isso o
45
professor e os demais constituintes da comunidade escolar acabam fazendo parte
do processo formativo da crianccedila Logo as ideias valores e conhecimentos desta
instituiccedilatildeo e de outros organismos da sociedade vatildeo influir diretamente na formaccedilatildeo
desta crianccedila
No que confere agraves escolas situadas em regiatildeo de fronteira o grande desafio eacute
lidar com situaccedilotildees que envolvem tanto os aspectos formais quanto os transversais
que se passam em sala de aula como exemplo a funccedilatildeo mediadora do professor e
demais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do aluno ao lidar com diferenccedilas eacutetnicas e
linguumliacutesticas o que eacute comum nas escolas de fronteira internacional Em artigo
publicado sobre a diversidade cultural em sala de aula intitulado de ldquoFronteira
Diversidade Cultural e Cotidiana Escolar na cidade de Ponta Poratilderdquo Nunes e
Terenciani (2010) analisaram as manifestaccedilotildees da diversidade cultural social e
poliacutetica vivida diariamente nas aulas de geografia As autoras constataram que os
alunos oriundos do Paraguai tinham muita dificuldade com a liacutengua portuguesa
() estes alunos principalmente os das seacuteries iniciais muitas vezes chegam agrave escola sem saber falar a Liacutengua Portuguesa e em alguns casos natildeo sabem falar sequer a Liacutengua Espanhola comunicando-se apenas atraveacutes da Liacutengua Guarani o que dificulta o processo de aprendizagem bem como a relaccedilatildeo dos professores com seus alunos (NUNES TERENCIANI 2010 p04)
Nunes e Terenciani (2010) consideram que a escola e o formalismo no qual
ela se fundamenta reforccedila as fronteiras simboacutelicas o que impede a integraccedilatildeo entre
os paiacuteses fronteiriccedilos
Por sua vez na pesquisa com alunos bolivianos que estudam em redes
puacuteblicas e privadas na cidade de fronteira Corumbaacute ndash MS as autoras Ruth Souza e
Aline Rodrigues (2009) em entrevista a coordenadores professores e diretores das
escolas por elas analisadas chegaram agrave conclusatildeo de que os alunos bolivianos
apresentam dificuldades para ler e escrever o que dificulta ateacute mesmo o processo
de integraccedilatildeo dos alunos com os demais (no caso os brasileiros) aleacutem de se
sentirem tiacutemidos pela estranheza daquele universo escolar Ao analisarem o Projeto
Poliacutetico Pedagoacutegico das escolas visitadas as responsaacuteveis pela pesquisa deram o
seguinte parecer
Observa-se entatildeo que a escola brasileira natildeo eacute preparada para atender o aluno estrangeiro nem mesmo em aacutereas de fronteira onde
46
essa realidade eacute cada vez mais frequumlente Os PPP‟s satildeo engessados nas diretrizes gerais da educaccedilatildeo e desconsideram as especificidades locais natildeo oferecendo subsiacutedios adequados para as escolas atenderem os alunos estrangeiros e buscarem a inserccedilatildeo do mesmo no ambiente escolar e garantir o seu aprendizado (SOUZA RODRIGUES 2009 p10)
Outro estudo referente agrave presenccedila de migrantes fronteiriccedilos realizado na
fronteira do Brasil com o Uruguai na cidade de Sant‟Ana do Livramento ndash RS por
Geovana Bardesio e Paulo Cassanego (2013) apontou que as diferenccedilas
relacionadas ao idioma principalmente a expressatildeo escrita da liacutengua portuguesa
foram assinaladas pelos gestores entrevistados como um dos maiores desafios a
serem superados para o melhor desenvolvimento do aluno migrante Os mesmos
quando questionados sobre as atividades desempenhadas com vistas agrave promoccedilatildeo
da socializaccedilatildeo entre os alunos das escolas natildeo relataram nenhuma atividade
direcionada especificamente para o acolhimento de alunos migrantes ldquotambeacutem natildeo
foram verificados incentivos a promoccedilatildeo de discussotildees entre os professores sobre o
tema migraccedilatildeo e sobre a situaccedilatildeo de acolher estudantes nesta condiccedilatildeo na escolardquo
(CASSANEGO E BARDESIO 2013 p7)
Jacira Pereira (2003) apresenta o resultado de sua pesquisa referente agraves
identidades eacutetnico-culturais e sua relaccedilatildeo com o curriacuteculo de escolas situadas em
regiatildeo de fronteira A pesquisa foi realizada na fronteira entre Brasil e Paraguai nas
cidades de Ponta Poratilde e Pedro Juan Caballero Buscou entrevistar duas geraccedilotildees
de migrantes presentes nas cidades oriundos de diferentes etnias e nacionalidades
Dentre as questotildees presentes na entrevista encontra-se uma referente a
atitudes preconceituosas nas escolas devido agrave origem eacutetnica do aluno Pereira
destacou a seguinte resposta de uma estudante paraguaia quando perguntada se
sofria algum tipo de preconceito
Preconceito assim natildeo mas tem aquelas brincadeirinhas de mau gosto Cala boca sua paraguaia [] Isto acontecia desde pequena agora parou um pouco Mas acontecia sempre e eu ficava brava brava Eu tinha vergonha (Luciana Assunccedilatildeo ndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p7)
Em relaccedilatildeo a possiacuteveis apelidos dados pelos colegas de turma a autora
destaca as seguintes falas
Natildeo ligo de ser descendente de libanecircs eu gosto [] Eu natildeo tenho mas os amigos do meu irmatildeo me chamam de turquinho Mas eu natildeo tenho um apelido que todo mundo me chama (Rames Husseinndash 2ordm geraccedilatildeo)
47
Tenho vaacuterios entre eles o de japonecircs porque me confundem com japonecircs [] Natildeo gosto disso (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Pode-se inferir com base nos relatos que nas relaccedilotildees no interior da escola
natildeo se discrimina o sujeito apenas por sua nacionalidade como tambeacutem pela
aparecircncia Ainda com relaccedilatildeo aos preconceitos e agrave discriminaccedilatildeo que sofrem os
migrantes a pesquisadora constatou que a minoria migrante paraguaia eacute a que mais
demonstra ser alvo de tratamento diferenciado expresso nas zombarias e nas
chacotas o que eacute possiacutevel captar nas relaccedilotildees tensas e conflitantes entre as
diferentes etnias na fronteira Eis alguns dos relatos dessas manifestaccedilotildees
Tem alguns soacute mas natildeo falam de verdade eacute soacute de brincadeira os paraguaios natildeo levam muito a seacuterio Tem amigo do meu irmatildeo que chama de chipeiro porque eacute do Paraguai soacute que esse apelido pegou e todo mundo soacute chama assim os paraguaios (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) Jaacute vi colocar apelido Um rapaz que tem na minha sala o chamam de chipa de paraguaio Mas eacute coisa de amigo ele leva na brincadeira Natildeo leva a mal (Rames Husseinndash 2ordf geraccedilatildeo) Assim natildeo eacute que tira sarro Chama assim de chipa (Latiffe Nasserndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Com estes dados a pesquisadora aponta que eacute comum em escolas da
fronteira a reproduccedilatildeo do imaginaacuterio negativo que se tem do ldquooutrordquo e conclui ldquoque a
comunicaccedilatildeo entre os colegas eacute carregada de hostilidade o que marca a diferenccedila
eacutetnica como uma caracteriacutestica negativardquo (PEREIRA 2003 p7)
A professora Maria Elena Pires dos Santos (2010) em pesquisa realizada
sobre o cenaacuterio sociolinguiacutestico na fronteira e sua relaccedilatildeo com as poliacuteticas
educacionais e pedagoacutegicas ao realizar um estudo com alunos brasiguaios em uma
escola de Foz do Iguaccedilu percebe que haacute diferentes olhares para a escrita hiacutebrida do
aluno brasiguaio Para a autora ldquoa leitura e a escrita processos mais valorizados na
escola eacute justamente o que evidencia a visibilizaccedilatildeo do aluno brasiguaio
constituindo fonte de estigmatizaccedilatildeo e preconceitordquo (PIRES-SANTOS 2010 p 46)
Ela ainda aponta que os professores ficavam insatisfeitos quando tinham que
receber alunos ldquobrasiguaiosrdquo sendo uma das possiacuteveis explicaccedilotildees o fato deste
aluno possuir uma linguagem hiacutebrida e pelo fato do ldquoportunholrdquo ser um grande fator
de preconceito na fronteira
48
Em pesquisa realizada sobre a presenccedila de alunos brasiguaios em escolas
de fronteira BrasilParaguai na cidade de Ponta Poratilde Ione Dalinghaus (2009)
observou que mesmo em uma escola onde 90 dos alunos satildeo paraguaios ou
ldquobrasiguaiosrdquo eacute proibido o uso de outra liacutengua que natildeo o portuguecircs evidenciando
assim o mito16 do monolinguismo Tambeacutem Cerliani Terenciani (2011) em sua
dissertaccedilatildeo tratou de estudar a presenccedila de alunos oriundos do Paraguai nas
escolas de Ponta Poratilde Ao entrevistar uma professora cujos pais satildeo paraguaios
mas ela fora registrada no Brasil relata sua experiecircncia na escola
Eu sofri hien ixi Me chamavam de paraguaia Falavam que eu era uma iacutendia que natildeo sabia falar o portuguecircs e essas coisas tipo de deboche assim sabe que eacute ()(Entrevista concedida agrave CERLIANI 2011 p102)
Outra percepccedilatildeo da dificuldade de adaptaccedilatildeo do(a) aluno(a) paraguaio(a) em
escolas brasileiras agora na cidade de Santa Terezinha de Itaipu17 encontra-se na
pesquisa de Marli Schlosser e Margarete Frasson (2012) sobre a imigraccedilatildeo de
alunos da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo Baacutesica do Paraguai para escolas brasileiras da rede
municipal de ensino entre os anos de 2007 e 2011 Segundo as autoras a fronteira
pode se apresentar como um espaccedilo de vivecircncia e possibilidades que seria por
exemplo o aluno migrante aprender um novo idioma No entanto quando os novos
conhecimentos que este aluno tem que adquirir na escola natildeo eacute em sua liacutengua
materna o processo de travessia na fronteira torna-se doloroso para o mesmo
ldquoobrigando-o a fazer uso de atitudes de silenciamento ou seja ele passa a se
apresentar reservado e em bdquoinvisibilidade‟ retraiacutedo para natildeo ser visto pelo olhar
hegemocircnico da escolardquo (GENTILI 2004 apud SCHLOSSER E FRASSON 2012
p4)
As pesquisas realizadas em diferentes escolas de fronteira apontam para a
necessidade de discussotildees que passem pelo campo das poliacuteticas linguumliacutesticas e
educacionais para a diversidade Ataiacutede e Moraes (2003) discorrem sobre a
tendecircncia de homogeneizaccedilatildeo curricular que aliena a escola de seu contexto O
Brasil como um todo ldquoproduz um projeto pedagoacutegico exoacutegeno e xenoacutefobordquo (ATAIacuteDE
16
Aleacutem do portuguecircs satildeo faladas hoje mais de 222 liacutenguas no Brasil Dessas liacutenguas explica Maher
mais de 180 satildeo indiacutegenas cerca de 40 satildeo liacutenguas de imigraccedilatildeo e duas satildeo liacutenguas de sinais LIBRAS-a Liacutengua Brasileira de Sinais-e a Liacutengua de Sinais Kaapor Brasileira Aleacutem das liacutenguas africanas Assim o Brasil pode ser considerado como um paiacutes multiliacutenguumle (MAHER 2013 p117) 17
Cidade localizada na zona de fronteira entre Brasil e Paraguai
49
e MORAES 2003 p83) Jurjo Santomeacute (1995) fala sobre o silenciamento que existe
nos curriacuteculos nacionais referentes agraves minorias no ambiente escolar sendo que no
caso da presenccedila de estrangeiros nas escolas fronteiriccedilas ela natildeo eacute nem negada e
tampouco silenciada tecircm se a impressatildeo de sua inexistecircncia Albuquerque e Souza
(2014) utilizam a expressatildeo ldquotrincheiras culturaisrdquo para se referirem agraves escolas em
aacutereas de fronteiras que tem por funccedilatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo e combater o
idioma estrangeiro (ALBUQUERQUE 2014 p02)
Embora a expressatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo seja reducionista ao limitar a
funccedilatildeo da escola agrave nacionalizaccedilatildeo um fato ocorrido em 1999 na fronteira entre
Brasil e Uruguai na cidade de Rivera natildeo tira em alguma medida este caraacuteter
ldquonacionalizadorrdquo o qual o Estado busca desempenhar atraveacutes da escola Trata-se de
uma reportagem publicada nos dois principais jornais da capital uruguaia
Montevideacuteu em que o ministro da educaccedilatildeo do paiacutes demonstrou sua indignaccedilatildeo
pelo fato do idioma portuguecircs ter invadido as escolas do Uruguai localizadas em
regiotildees de fronteira senti verguenza del estado de nuestras escuelas () Hasta
queacute punto el idioma portuguecircs habiacutea penetrado em nuestro paiacutes (Jornal El Paiacutes
1999 p6 apud SAacuteNCHEZ 2002p 115) A posiccedilatildeo do Conselho Diretivo Central de
Ensino natildeo foi muito diferente do ministro
por la expasiacuteon del idioma portugueacutes y el portunhol em aacutereas fronterizas y las acertadas medidas que adoptaraacute-fortalecimiento de la ensentildeanza del espanotildel formaacuteciacuteon de docentes de esa a signatura y maacutes centros educativosrdquo (Jornal El Observador 1999 p10 apud SAacuteNCHEZ 2002 p116)
A escola apresenta-se neste contexto enquanto reguladora seja de valores
culturas memoacuterias identidades a partir de padrotildees universalistas construiacutedos sem
um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007 p119) Uma possiacutevel tentativa de
transformar estas questotildees em estudo nas regiotildees fronteiriccedilas eacute o Programa das
Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) que conforme o documento oficial do
programa busca discutir a ldquoidentidade regional biliacutengue e intercultural no marco de
uma cultura de paz e cooperaccedilatildeo interfronteiriccedilardquo (ARGENTINABRASIL 2007 p 2)
Esta proposta seraacute analisada no proacuteximo capiacutetulo
Este capiacutetulo teve como objetivo traccedilar algumas perspectivas possiacuteveis de
abordar o tema de fronteira a comeccedilar com a etimologia da palavra utilizada pela
primeira vez no seacuteculo XIII como separaccedilatildeo entre Estados Hoje a fronteira eacute
estudada a partir de diferentes dimensotildees social simboacutelica cultural etc Desse
50
modo rompemos com a ideia de fronteira apenas como o limite entre estados e com
a tendecircncia de se cristalizaccedilatildeo da mesma pois eacute fruto de uma construccedilatildeo histoacuterica
Outro aspecto levantado foi o papel da educaccedilatildeo escolar na construccedilatildeo do
imaginaacuterio e do sentimento de pertenccedila agrave naccedilatildeo (ANDERSON 1993) O Estado
utilizou as escolas para propagaccedilatildeo dos ideais nacionais na cidade de Foz do
Iguaccedilu com o objetivo de demarcar e proteger o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos dos
imigrantes e seus descendentes
Na relaccedilatildeo entre fronteira e poliacuteticas puacuteblicas a bibliografia levantada sobre
estudos sobre fronteira e relaccedilotildees trabalhistas fronteira e o Sistema Uacutenico de Sauacutede
e das escolas em regiatildeo de fronteira demonstraram que os paiacuteses convivem como
naccedilotildees diferentes entre si embora os problemas que o afetem extrapolam a questatildeo
nacional de cada paiacutes A fronteira eacute um lugar o Estado se faz presente eacute notaacutevel
pelo processo de securitizaccedilatildeo da fronteira brasileira mas eacute tambeacutem o lugar onde o
Estado-naccedilatildeo se enfraquece dada a fluidez dos agrupamentos humanos
(MACHADO 2010)
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS
E CONTRADICcedilOtildeES PARA A CONSOLIDACcedilAtildeO DO ESTADO-NACcedilAtildeO
51
Este capiacutetulo tem como objetivo principal apresentar o processo pelo qual a
educaccedilatildeo na cidade de Foz do Iguaccedilu se desenvolveu com a finalidade de
demonstrar que neste trajeto a escola foi um dos principais instrumentos do
Estado junto com a militarizaccedilatildeo da fronteira para bdquonacionalizar‟ e proteger o
territoacuterio brasileiro Para isto primeiramente apresentamos o contexto ao qual a
cidade de Foz do Iguaccedilu foi fundada destacando que o territoacuterio desde a fundaccedilatildeo
da Colocircnia Militar em 1889 contava com a presenccedila de estrangeiros
Ao mesmo tempo abordamos a trajetoacuteria da formaccedilatildeo das escolas em Foz do
Iguaccedilu a partir da histoacuteria da educaccedilatildeo do Paranaacute O capiacutetulo destaca os principais
fatos histoacutericos que ocorreu no Estado paranaense e na regiatildeo Oeste do Paranaacute que
marcaram a criaccedilatildeo das escolas Destaca-se aqui os anos de 1930-1945 periacuteodo
em que ocorreu a Marcha para o Oeste e a fundaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do
Iguaccedilu que estimulou o desenvolvimento do Oeste do Paranaacute e com isto a criaccedilatildeo
de escolas ao mesmo tempo em que a poliacutetica nacionalista do governo varguista
aplicou uma poliacutetica de vigilacircncia sobre as escolas dos imigrantes ou mesmo o seu
fechamento Delineamos ainda os principais aspectos educacionais a partir dos
anos de 1990 ateacute os dias atuais para destacar os resquiacutecios e as transformaccedilotildees da
educaccedilatildeo na cidade de fronteira ao longo deste periacuteodo
21 Contexto histoacuterico
A regiatildeo da chamada triacuteplice fronteira eacute composta pela Argentina Brasil e
Paraguai com suas respectivas cidades Puerto Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este como pode ser observado no mapa abaixo
52
Imagem VI- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte httpgeouel2009blogspotcombr201207triplice-fronteira-apontamentoshtml
A presenccedila de imigrantes europeus na regiatildeo onde hoje eacute a cidade de Foz do
Iguaccedilu data do ano de 1542 com os relatos da chegada de Aacutelvaro Nunes Cabeza
de Vaca agraves cataratas Este relato faz parte da histoacuteria de construccedilatildeo da cidade
brasileira e se funde agrave histoacuteria das cataratas do Iguaccedilu - uma das sete maravilhas da
natureza Foz do Iguaccedilu tem como marco fundador a criaccedilatildeo da colocircnia militar em
1889 e a data de 1930 como iniacutecio de seu processo modernizador (SOUZA 2009)
Portanto eacute a partir da fundaccedilatildeo da colocircnia militar que buscamos conhecer o
processo de formaccedilatildeo das primeiras escolas da regiatildeo oeste paranaense e
portanto de Foz do Iguaccedilu
Compreender o processo de desenvolvimento da cidade de Foz do Iguaccedilu
bem como o de suas instituiccedilotildees de ensino implica na contextualizaccedilatildeo dos
acontecimentos e transformaccedilotildees no Brasil e tambeacutem das mudanccedilas ocorridas
nesta regiatildeo fronteiriccedila
A educaccedilatildeo brasileira do seacuteculo XIX foi reflexo das transformaccedilotildees no acircmbito
da produccedilatildeo da vida social ocorridas no Brasil poacutes-independecircncia No Paranaacute as
atividades econocircmicas tinham como base as fazendas de gado A criaccedilatildeo de gado e
o comeacutercio foram fundamentais para a o povoamento do territoacuterio nesse periacuteodo
Segundo Maria Ceciacutelia Oliveira (1986) com o crescimento das lavouras de
cafeacute em Satildeo Paulo o comeacutercio interno de escravos cresceu significativamente Do
mesmo modo no Paranaacute que por volta de 1865 viu o nuacutemero de escravos
diminuiacuterem significativamente na Proviacutencia A falta de matildeo-de-obra refletiu na
agricultura paranaense direcionada para o abastecimento de gecircneros alimentiacutecios
53
Para solucionar a falta de matildeo-de-obra o governo provincial ldquoque jaacute vinha
promovendo a imigraccedilatildeo de grupos de estrangeiros intensificou a poliacutetica
imigratoacuteria objetivando a atender o problema da matildeo-de-obra na produccedilatildeo agriacutecolardquo
(OLIVEIRA 1986 p34) A mesma autora aponta que a Proviacutencia do Paranaacute criou
escolas em diversas colocircnias estrangeiras situadas proacuteximas dos nuacutecleos urbanos
sobretudo de Curitiba Ao mesmo tempo os imigrantes criaram suas proacuteprias
escolas para manutenccedilatildeo da cultura de seus respectivos paiacuteses de origem
As escolas e o conjunto de sua estrutura eram precaacuterios ldquofaltava preacutedio
escolares ausecircncia e deficiecircncia de professores baixa frequumlecircncia escolar aleacutem dos
parcos recursos disponiacuteveisrdquo (OLIVEIRA 1986 p35) No Brasil como um todo
seguia sem diretrizes que pudessem organizar melhor o ensino no paiacutes
A ausecircncia de um plano definido de educaccedilatildeo que atendesse agraves necessidades brasileiras pode ser verificada pelas inuacutemeras reformas e projetos apresentados na Corte que marcam o Segundo Impeacuterio e influiacuteram na organizaccedilatildeo do ensino Entre eles podem ser
destacados (OLIVEIRA 1986 p35)
No Paranaacute apoacutes sua emancipaccedilatildeo em 1853 a instruccedilatildeo puacuteblica encontrava-
se em condiccedilotildees de precariedade e natildeo atingia toda a populaccedilatildeo Trindade (2001)
aponta que em meio a uma populaccedilatildeo de 620000 habitantes haviam apenas 615
alunos nos cursos de primeiras letras ldquoo ensino secundaacuterio era praticamente
inexistente e o pouco que havia em Curitiba buscava atender agrave demanda local e do
interior da Proviacutenciardquo (TRINDADE 2001 p 61)
21 Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo
A colocircnia militar que marcou o iniacutecio da atuaccedilatildeo do Estado na regiatildeo de Foz do
Iguaccedilu foi criada a partir da lei imperial nordm 601 de 18 de setembro de 1850
regulamentada pelo decreto nordm 1318 de 30 de janeiro de 1854 que determinava o
registro das terras no territoacuterio brasileiro Desse modo o entatildeo presidente da
Proviacutencia do Paranaacute recebeu em 1854 o pedido para implementaccedilatildeo da colocircnia
militar e junto ao pedido seguiam as atividades a ser desenvolvidas pela colocircnia
1ordm Conceder o governo terras e fazer o sacrifiacutecio pecuniaacuterio annual
de 30 contos por certo numero de annos para pagar os juros de capital que se tomasse emprestado e se houvesse de applicar as
54
despezas de viagem e sustento de 500-600 familias 2ordm Estar a
direcccedilatildeo agrave cargo de pessoas responsaacuteveis pelo capital sob a
vigilacircncia o governo 3ordm Serem os lotes de terras divididos e vendidos
conforme hum preccedilo determinado destinando-se o producto a
construccedilatildeo de igrejas escolas etc etc 4ordm Incumbir a direcccedilatildeo a
procura de colonos e fornecimento de casas sementes animaes
viveres roupa bom mercado ao seus productos ampc 5ordm Cultivarem
as colocircnias de serra-acima cereais crearem animaes fazerem manteiga e queijo ao passo que as de serra-abaixo devem entregar-
se aacute cultura de generos coloneaes 6ordm Fazer o governo com as
despezas com padres e mestres de escola (RIIT 2011 p51 apud VASCONCELOS 1854 p 56)
Desse modo a ocupaccedilatildeo da regiatildeo por parte do Brasil foi consolidada no ano
de 1889 com a colocircnia militar O objetivo consistia em proteger o territoacuterio brasileiro
principalmente apoacutes a Guerra da Triacuteplice Alianccedila18 (1864-1870) Segundo Valdir
Gregory (2012) as intencionalidades em estabelecer um posto militar avanccedilado eacute
apenas uma justificativa que tinha ldquocomo pano de fundo a necessidade da
construccedilatildeo da nacionalidade () os sucessos na guerra motivaram a presenccedila fiacutesica
e ideoloacutegica na triacuteplice fronteirardquo (GREGORY 2012 p 50) Escreve Silveira Neto
(1939) em seus relatos de viagem que havia naquele periacuteodo de implementaccedilatildeo da
colocircnia militar 324 habitantes ldquosendo 188 paraguaios 33 argentinos 93 brasileiros
5 franceses 2 espanhoacuteis 1 inglecircs 2 orientais Destes 220 homens e 104 mulheresrdquo
(NETO 1939 p 52)
Estabelecida a colocircnia os militares se preocuparam com a necessidade da
instruccedilatildeo escolar Assim em 1895 foi criada uma escola informal que no iniacutecio
contou com vinte alunos matriculados
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p 37)
18 Na eacutepoca do Brasil imperial toda essa fronteira foi assegurada com a vitoacuteria da Guerra da Triacuteplice
Alianccedila (1865-1870) que derivou no aniquilamento de capacidade econocircmica e beacutelica paraguaia A vitoacuteria brasileira argentina e uruguaia impocircs ao Paraguai a assinatura do Tratado de Limites de 1872 que anexava ao territoacuterio brasileiro terras paraguaias agrave leste do Rio Paranaacute (ROSEIRA 2006 p 38)
55
Segundo o mesmo autor entre os anos de 1889 ateacute 1912 ano de extinccedilatildeo da
Colocircnia Militar as crianccedilas de famiacutelias brasileiras com boas condiccedilotildees financeiras
que natildeo eram filhas de funcionaacuterios do governo buscavam escolarizaccedilatildeo nos paiacuteses
vizinhos Para o autor a instruccedilatildeo particular domiciliar ficava restrita a filhos de
funcionaacuterios que ocupavam cargos importantes Durante o periacuteodo de vigecircncia da
Colocircnia Militar prevaleceu a modalidade de instruccedilatildeo sem instituiccedilatildeo Natildeo existiu
escola ou casa escolar em Foz do Iguaccedilu (EMER 1991 p 28)
Destacam-se os argentinos que nesse periacuteodo dominavam a regiatildeo pois as
companhias ervateiras e madeireiras eram daquele paiacutes ldquoSe a produccedilatildeo local era
estrangeira a moeda a liacutengua e os bens de primeira necessidade tambeacutem o eramrdquo
(ROSEIRA 2006 p41) No que se refere ao idioma o guarani e o espanhol eram
predominantes nesta regiatildeo Em relaccedilatildeo agrave moeda o dinheiro que circulava era o
peso argentino e as propriedades eram em sua maioria pertencentes agraves Obrages
(WACHOWICZ 1985 p 140 apud ROSEIRA 2006 p 51)
Segundo o historiador Ruy Wachowicz (2010) este processo de aproximaccedilatildeo
com a Argentina fez com que a regiatildeo oeste ficasse mais exposta agrave penetraccedilatildeo
argentina do que com o restante do Brasil (WACHOWICZ 2010 p 275) A
proximidade entre os dois paiacuteses fez com que o oeste paranaense fosse
culturalmente influenciado e economicamente dependente da Argentina Wachowicz
aponta que por volta de 1881 os argentinos comeccedilaram a exploraccedilatildeo da erva-mate
em Misiones e mais tarde no Brasil na regiatildeo oeste do Paranaacute
Otiacutellia Schimmelpfeng (1991) em seu livro ldquoRetrospectos iguaccedilusensesrdquo fala
acerca desta singularidade ldquoA moeda argentina circulava com domiacutenio absoluto na
praccedila Pouco ou nada se fala em ldquomil reacuteisrdquo naquele tempordquo (SCHIMMELPFENG
1991 p 28) O ldquopesordquo se introduzia ateacute nas reparticcedilotildees puacuteblicas Em entrevista ao
historiador Ruy Cristovatildeo Wachowicz Otiacutellia eacute mais detalhista sobre a influecircncia
argentina
Eu sentia aqui como se natildeo tivesse no Brasil Me sentia aqui isolada parecia que eu estava em outro paiacutes ateacute Porque todos os haacutebitos a liacutengua falada aqui era mais que predominava era o espanhol o castelhano como se dizia Parece que as pessoas quando vinham pra caacute no Brasil se achavam na obrigaccedilatildeo de aprender o castelhano pra ser entendido Parecia E todo mundo se interessava em falar o castelhano porque a convivecircncia aqui era muito maior com os argentinos Paraguai natildeo tanto porque noacutes natildeo tiacutenhamos Paraguai nessa regiatildeo aqui natildeo era muito habitada Mas tinha o Porto Aguirre que hoje eacute Porto Iguaccedilu que jaacute era um porto de grande movimento de turismo jaacute jaacute tava sendo legalizado entatildeo jaacute tinha mais
56
desenvolvimento e mais recurso tambeacutem pra atender Foz do Iguaccedilu entatildeo noacutes tiacutenhamos mais contacto com os argentinos [] Entatildeo a gente tinha aqui um contacto mesmo constante com os argentinos E se falava soacute quase o castelhano a moeda era soacute o peso argentino (SCHIMMELPFENG 1980 apud SBARDELOTTO 2009 p 91)
O contato de Foz de Iguaccedilu era muito mais intenso com os paiacuteses fronteiriccedilos
do que com o restante do paiacutes Sbardelotto (2008) explica que havia tambeacutem um
grande nuacutemero de paraguaios que adentravam no Oeste do Paranaacute para trabalhar
nas empresas de erva-mate e posteriormente de madeira Contudo a presenccedila
argentina se destaca uma vez que eram o grupo que ldquodetinham os meios de
produzir e comercializar a principal atividade produtiva da regiatildeo e que atraveacutes
deste controle econocircmico determinavam os costumes a cultura e tambeacutem a
educaccedilatildeo neste territoacuteriordquo (SBARDELOTTO 2008 p5)
Dessas companhias madeireiras que se estabeleceram na regiatildeo muitas
faziam parte do modelo de exploraccedilatildeo denominado de Obrage ldquoO obragero era o
proprietaacuterio desse tipo de latifuacutendio () o obragero argentino explorava a erva-mate
e a madeira em torosrdquo (WACHOWICZ 2010 p 276) Em poucas deacutecadas a regiatildeo
que compreende a costa paranaense foi ocupada por inuacutemeras obrages e
consequentemente povoada em sua maioria por paraguaios argentinos e guaranis
modernos19 que trabalhavam como mensus20 Em 1930 a populaccedilatildeo estimada nas
obrages passava dos 10000 habitantes em sua maioria estrangeira
Naquele contexto a intensidade das relaccedilotildees fez com que a Argentina se
tornasse o principal prestador de serviccedilos agrave cidade de Foz do Iguaccedilu Segundo
Sbardelotto (2009) muitas crianccedilas eram escolarizadas no sistema argentino
absorvendo a liacutengua a histoacuteria e os costumes do paiacutes vizinho (SBARDELOTTO
2009 p 92)
Durante o periacuteodo em que seguia o desenvolvimento da Colocircnia Militar os
ldquopioneirosrdquo responsaacuteveis por sua construccedilatildeo diante da ausecircncia de um sistema de
ensino institucionalizado passaram a organizar e estruturar uma educaccedilatildeo natildeo-
formal
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e
19
Termo empregado aos indiacutegenas guaranis miscigenados do Paraguai (PRIORI A et al 2012p79) 20 A expressatildeo vem do espanhol da palavra bdquomensual‟ ou seja mensalista (GREGORY 2002 p 89 apud PRIORI A et al 2012p79)
57
funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p37)
No ano de 1910 a Colocircnia Militar passou a ser distrito de Guarapuava e
denominada de Vila do Iguassuacute Em 1912 o Ministeacuterio da Guerra emancipou a
colocircnia que passou a ser administrada pelos civis sob o governo do Estado do
Paranaacute Em 1914 com a lei nordm 1383 foi criada a municipalidade de Vila do Iguassuacute e
em 1918 o nome Foz do Iguaccedilu foi adotado como oficial Conforme Lima (2001) no
periacuteodo compreendido entre 1914 a 1930 aleacutem do estabelecimento das primeiras
famiacutelias brasileiras argentinas e paraguaias houve a colonizaccedilatildeo por parte dos
imigrantes descendentes de alematildees poloneses e italianos (LIMA 2001 p 31)
De acordo com Emer (1991) a partir de 1914 o governo do Estado do
Paranaacute instituiu um novo modelo de escola o Grupo Escolar Estes grupos
escolares dirigiam-se ao ensino de quatro seacuteries com conteuacutedos progressivos Estas
escolas estavam localizadas nos principais centros urbanos e nas regiotildees mais
afastadas do centro seguiam sem escolas ou com muita precariedade de escolas
Os grupos de migrantes na ausecircncia de escolas construiacuteam as suas proacuteprias
A falta de escolas no Paranaacute fazia sentir-se especialmente fora dos nuacutecleos coloniais dos imigrantes que ao contraacuterio dos demais nuacutecleos populacionais natildeo esperavam pela iniciativa do governo mas construiacuteam suas proacuteprias escolas e providenciavam o professor Quando muito solicitavam algum tipo de subvenccedilatildeo do governo estadual A escola dos imigrantes natildeo se desenvolveu mais porque o Estado desde 1901 apenas subvencionava os professores que ensinassem em liacutengua portuguesa Esse natildeo era o interesse dos imigrantes Pretendiam repassar agraves novas geraccedilotildees sua noccedilatildeo de nacionalidade de origem que incluiacutea a liacutengua a religiatildeo e os costumes Se o ensino fosse apenas na liacutengua portuguesa os colonos retiravam seus filhos e organizavam uma nova escola particular Em diversas localidades a escola puacuteblica foi desativada e removido o professor por absoluta falta de alunos (EMER 1991 p 207)
Emer destaca as modalidades de ensino que foram criadas neste periacuteodo
tanto no acircmbito formal quanto na esfera institucionalizada satildeo elas (1) Instruccedilatildeo
sem instituiccedilatildeo - ldquoSimplesmente algumas crianccedilas reuniam-se ao redor da mesa de
refeiccedilotildees de uma residecircncia para aprender ler escrever e calcular - curriacuteculo e
58
objetivos educacionais estabelecidos pelos paisrdquo (referecircncia) - que consistia em que
a educaccedilatildeo era dada pelo grupo social sem nenhuma institucionalizaccedilatildeo (2) casa
escolar - construiacuteda e mantida pelos pioneiros - ldquo() do professor era exigida uma
melhor qualificaccedilatildeo isto eacute deveria ensinar mais que na escolarizaccedilatildeo Domiciliar a
Casa Escolar deveria funcionar tecnicamente bemrdquo (EMER 2012 p 36) (3) casa
escolar puacuteblica criada e regulamentada pelo Municiacutepio- ldquoComo uma escola oficial
os alunos das Casas Escolares Puacuteblicas eram submetidos aos exames puacuteblicos
elaborados pelos oacutergatildeos educacionais puacuteblicos para comprovaccedilatildeo da escolaridaderdquo
Neste modelo ficava a cargo do governo contratar e remunerar o professor
cabendo a este alugar uma sala ou casa e formar o grupo de aluno de primeiras
letras Por uacuteltimo o Grupo Escolar Puacuteblico (4) ndash que se diferencia das demais
modalidades por ter sido construiacuteda em nuacutecleos de povoamento mais desenvolvidos
e pela forma de funcionamento Nas modalidades anteriores o objetivo era aprender
a ler escrever e calcular Posteriormente com a oficializaccedilatildeo da casa escolar a
comprovaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo passou a ser feita por meio de avaliaccedilotildees No grupo
escolar a preocupaccedilatildeo era de bdquoaprovar‟ o aluno para a seacuterie seguinte ldquonum processo
gradual de comprovaccedilatildeo de conhecimentos dos conteuacutedos definidos pelo ldquosistemardquo
educacional como requisito de cada seacuterie (EMER 2012 p 36)
A partir da fundaccedilatildeo da municipalidade em 1914 a populaccedilatildeo passou a
reivindicar um modelo de educaccedilatildeo subsidiado pelo poder puacuteblico Naquele
momento Foz do Iguaccedilu desenvolvia planos para combater o contrabando da
fronteira o que demandou a contrataccedilatildeo de agentes fiscais Esse processo fez com
que o grupo de escolarizados que chegavam agrave cidade passassem a requerer
escolas para seus filhos aleacutem do fato do crescimento da populaccedilatildeo e por
consequecircncia o aumento de crianccedilas (EMER 2012 p 37)
Conforme Emer (1991) entre os anos de 1915 e 1916 ldquoa Prefeitura Municipal
teria construiacutedo e mantido uma casa escolar puacuteblica embora precaacuteria e insuficienterdquo
(EMER 1991 apud Sbardelotto 2009 p 96) Wachowicz afirma que a necessidade
da criaccedilatildeo de escolas por parte da populaccedilatildeo soacute surgiu quando a populaccedilatildeo
urbana cresceu significativamente organizando assim a vida social (WACHOWICZ
1984 p 19) Apesar da iniciativa de dar acesso ao ensino puacuteblico de forma gratuita
a todos Sbardelotto aponta que apenas a populaccedilatildeo masculina foi contemplada
aleacutem do caraacuteter eminentemente elitista uma vez que os filhos de trabalhadores por
terem que optar pela subsistecircncia da famiacutelia abandonavam as escolas
59
Outros fatores contribuiacuteram para o desenvolvimento da educaccedilatildeo em Foz do
Iguaccedilu dentre eles a presenccedila da Igreja Catoacutelica Anterior a fundaccedilatildeo do
municiacutepio em decorrecircncia da localizaccedilatildeo e da dificuldade de deslocamento a
populaccedilatildeo da cidade soacute recebia assistecircncia religiosa uma vez por ano Isso
perdurou ateacute 1918 quando a Igreja optou em criar uma Paroacutequia na cidade desde
que contasse com a ajuda do governo Nesse sentido o acordo entre Igreja e
governo do Estado foi firmado com a condiccedilatildeo de que a Igreja construiacutesse e
dirigisse um grupo escolar
Em 1923 foi instalada a paroacutequia e nomeado o primeiro vigaacuterio um sacerdote alematildeo da Congregaccedilatildeo do Verbo Divino Padre Guilherme Maria Tilecks Para cumprimento do acordo com o Estado mesmo antes da construccedilatildeo do Grupo Escolar o Padre Guilherme passou a lecionar na Casa Escolar Para o desempenho de suas atividades recebeu a ajuda de outros dois padres e de um irmatildeo de sua congregaccedilatildeo (Padre Joatildeo Progzeba Padre Paulo Schneider e Irmatildeo Bianchi) (EMER 2012 p 38)
Por meio do Decreto nordm 1326 do dia 27 de agosto de 1928 surge o Grupo
Escolar Caetano Munhoz da Rocha que posteriormente passou a ser chamado de
Grupo Bartolomeu Mitre primeiro grupo escolar da mesorregiatildeo Oeste do Paranaacute
Em 1930 o grupo escolar passou a ser administrado pelo governo do Paranaacute sob a
direccedilatildeo de professores nomeados pelo Estado Segundo o Plano Municipal de
Educaccedilatildeo (PME) de 2015 ldquoa funccedilatildeo da escola no municiacutepio na eacutepoca era a de
cooperar com a nacionalizaccedilatildeo de um espaccedilo que era submetido por argentinos e
paraguaiosrdquo (PME 2015 p 4) Desse modo a criaccedilatildeo da escola passa a ser
reconhecido pelo Estado como instrumento necessaacuterio para a nacionalizaccedilatildeo da
triacuteplice fronteira O plano municipal utiliza a palavra bdquosubmetido‟ indicando que
naquele periacuteodo havia certa preocupaccedilatildeo com a presenccedila e influecircncia dos paiacuteses
fronteiriccedilos como uma ameaccedila ao territoacuterio e a necessidade de construccedilatildeo da
naccedilatildeo
60
Imagem V- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre Fonte Site da Secretaria Estadual do Paranaacute
httpwwwfozbartolomeumitreseedprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=9
O fato de o Brasil homenagear um general argentino ao nomear uma escola
em seu nome levou Emer a questionar os motivos que levariam o Estado brasileiro a
tomar essa atitude ou se ela foi apenas uma homenagem despretensiosa ao general
argentino Os interesses do Brasil naquele periacuteodo era dar seguimento agrave poliacutetica
integracionista do territoacuterio com uma campanha nacionalista e o Grupo Escolar Mitre
eacute o marco da institucionalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo no oeste paranaense Por isso as
motivaccedilotildees natildeo ficaram tatildeo claras (SBARDELOTTO 2007)
A partir da deacutecada de 1930 a cidade de Foz do Iguaccedilu passou a receber
imigrantes descendentes de italianos e alematildees aleacutem de inuacutemeros agricultores do
Rio Grande do Sul Neste mesmo periacuteodo o governo do Estado do Paranaacute fez
algumas reformas educacionais de teor nacionalista conivente com as mudanccedilas do
governo como aponta o Plano Municipal de Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu (2015)
Algumas mudanccedilas comeccedilam acontecer na educaccedilatildeo do paiacutes Uma delas eacute a manifestaccedilatildeo do Estado entre os anos de 1917 e 1919 o governo federal delibera verba para as escolas que ensinavam em liacutengua portuguesa e as escolas de imigrantes que ensinavam em outra liacutengua eram vigiadas e fechadas (PME 2015 p 5)
Durante o Estado Novo essas escolas passaram a ser alvo do governo
principalmente apoacutes a Marcha para o Oeste ldquoque defendia a ocupaccedilatildeo efetiva e a
nacionalizaccedilatildeo das fronteiras nacionais brasileiras de Norte a Sul do paiacutesrdquo (PRIORI
et al 2012 p 65) O projeto explica Priori (etal 2012) buscava despertar o
sentimento de nacionalidade e brasilidade na populaccedilatildeo que vivia na fronteira
No caso da fronteira de Foz do Iguaccedilu despertar na populaccedilatildeo esse
sentimento de nacionalidade era combater agrave ameaccedila que paraguaios argentinos e
61
os descendentes de alematildees italianos poloneses dentre outros imigrantes que se
fixaram na regiatildeo representavam ao projeto de integraccedilatildeo nacional do governo
22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo
A ldquoMarcha para o Oesterdquo foi um importante processo que contribuiu para o
projeto de nacionalizaccedilatildeo da fronteira Segundo Lenharo (1986 apud Lopes 2004)
o discurso de Vargas justificava a ldquoMarcha para o Oesterdquo pautando-se na conquista
da brasilidade que se daria por meio da interiorizaccedilatildeo do paiacutes ldquoPara ele a
construccedilatildeo da ldquoMarcha para Oesterdquo lembra a imagem da naccedilatildeo em movimento agrave
procura de si mesma de sua integraccedilatildeo e acabamentordquo (LENHARO 1986 p56
apud LOPES 2004 p 4)
Como uma das consequumlecircncias da ldquoMarcha para o Oesterdquo foram criados os
territoacuterios federais ldquonas regiotildees do Amapaacute Guaporeacute (atual Rondocircnia) Rio Branco
(atual Roraima) Iguaccedilu e Ponta Poratilde no Estado de Mato Grosso do Sulrdquo (PRIORI et
al 2012p66) Por meio do Decreto-Lei nordm 58124 no ano de 1943 o Territoacuterio
Federal do Iguaccedilu foi criado abrangendo o Oeste e Sudoeste do Paranaacute e Oeste de
Santa Catarina
Segundo Seacutergio Lopes (2004) dentro do espiacuterito de nacionalizaccedilatildeo o
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu deveria atender urgentemente o estabelecimento de
condiccedilotildees miacutenimas para organizaccedilatildeo econocircmica social e de seguranccedila das regiotildees
fronteiriccedilas e dos sertotildees Desse modo a criaccedilatildeo do territoacuterio pode ser entendida
como um ato de ocupaccedilatildeo definitiva da faixa de fronteira ldquopara assim romper o
isolamento e afastar definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional
que rondava a regiatildeordquo (LOPES 2004 p16)
O primeiro governador a administraacute-lo o Major Joatildeo Garcez do Nascimento
em relatoacuterio enviado ao Ministro da Justiccedila e Negoacutecios Anteriores fez inuacutemeras
consideraccedilotildees sobre a situaccedilatildeo do transporte comeacutercio sauacutede seguranccedila e
educaccedilatildeo na regiatildeo que abrangia o Territoacuterio Federal do Iguaccedilu No aspecto
educacional ele aponta
Haacute no Territoacuterio regular nuacutemero de escolas primaacuterias Satildeo elas
em nuacutemero de setenta Aleacutem disso contam‐se quatro grupos escolares sediados em Pato Branco Clevelacircndia Foz do Iguassuacute e Guaiacutera Quanto ao nuacutemero de escolas pode-se afirmar que atende
62
ainda as necessidades locais quanto as suas instalaccedilotildees poreacutem haacute muito o que providenciar A maioria delas funciona em preacutedios improacuteprios outras em simples salas cedidas a tiacutetulo precaacuterio e por empreacutestimo Em sua maioria natildeo atende aos rudimentares princiacutepios de higiene e didaacutetica O professorado salvo honrosas exceccedilotildees constitui-se de pessoas bem intencionadas e dedicadas mas de niacutevel cultural bastante abaixo do que seria estimaacutevel (RELATOacuteRIO DE 1944 apud LEMIECHEK 2014 p 06)
A criaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do Iguaccedilu fez com que o processo de
urbanizaccedilatildeo crescesse e com ele a demanda por qualidade nos serviccedilos puacuteblicos
como a escola Enquanto as escolas natildeo eram ampliadas a classe mais favorecida
economicamente assegurava o acesso agrave educaccedilatildeo para seus filhos por meio da
contrataccedilatildeo de professores que se ldquodeslocavam ateacute as moradias em casas
escolares ou nuacutecleos urbanos mais distantes como Guarapuava Curitiba Posadas
Corrientes etcrdquo (PME 2015 p9) Para as classes menos favorecidas como aqueles
que viviam em Foz do Iguaccedilu e trabalhavam nas obrages e no cultivo da terra havia
acesso ao ensino aleacutem delas viverem em situaccedilotildees insalubres sem acesso a
higiene alimentaccedilatildeo e sauacutede
A partir desse periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais Era necessaacuterio que essa
populaccedilatildeo na regiatildeo se identificasse com o Brasil enquanto uma paacutetria para
constituiccedilatildeo de um Estado-Naccedilatildeo forte Segundo Helena Bomeny (1999) natildeo havia
no projeto do governo intenccedilotildees para inclusatildeo e aceitaccedilatildeo de convivecircncia com os
grupos culturais estrangeiros nas regiotildees de colonizaccedilatildeo
Em relatoacuterio sobre a nacionalizaccedilatildeo do ensino datado de 1940 o Instituto
Nacional de Estudos e Pedagoacutegicos (INEP) sob a direccedilatildeo do educador Lourenccedilo
Filho ao analisar a trajetoacuteria dos imigrantes e sua fixaccedilatildeo no Brasil constatou com
base nos relatoacuterios e depoimentos de historiadores pensadores poliacuteticos e
escritores que desde o seacuteculo XIX a presenccedila de estrangeiros no paiacutes era fator de
preocupaccedilatildeo (BOMENY 1999) Segundo a mesma autora a precariedade da
educaccedilatildeo nos estados da regiatildeo sul do paiacutes em destaque o Rio Grande do Sul
levava os colonos a optarem pelos coleacutegios privados alematildees Segundo o relatoacuterio
do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede essa opccedilatildeo pelas escolas estrangeiras era
compreensiacutevel sendo culpa do Estado por permitir a criaccedilatildeo destas instituiccedilotildees sem
a vinculaccedilatildeo com os centros nacionais de cultura
63
A escola natildeo eacute um oacutergatildeo abstrato mas um centro de coordenaccedilatildeo da proacutepria accedilatildeo educativa da comunidade Tendo-se cometido o erro de permitir o nucleamento de estrangeiros sem maior vinculaccedilatildeo ou disciplina aos centros nacionais de cultura as instituiccedilotildees educativas que aiacute deveriam surgir seriam as que ensinassem em liacutengua estrangeira (BOMENY 1999 p154 apud INEP 1999 p8)
A preocupaccedilatildeo com a nacionalizaccedilatildeo do ensino eacute anterior ao Estado Novo
Em Foz do Iguaccedilu a educaccedilatildeo escolar das crianccedilas estava presente desde o
periacuteodo de instalaccedilatildeo da Colocircnia Militar em 1889 Na ausecircncia de escolas muitas
crianccedilas frequumlentavam o sistema educacional da Argentina cuja influecircncia
preocupava o governo da eacutepoca Em 1906 Siacutelvio Romero alertava sobre as
ameaccedilas em haver diferentes nacionalidades no Brasil Como soluccedilatildeo ele propocircs
que se ldquoaproveitasse de modo extensivo o proletariado nacional como elemento
colonizador perto do estrangeiro para educar-se com ele no trabalho e em troca
contribuir para o seu abrasileiramentordquo (BOMENY 1999 p154)
Na conferecircncia interestadual de Ensino Primaacuterio de 1921 encontra-se a fala
de Milton C A Cruz que justifica a deficiecircncia do ensino devido aos inuacutemeros
nuacutecleos estrangeiros isolados ldquoO espiacuterito dessas crianccedilas brasileiras formado em
liacutengua nos costumes nas tradiccedilotildees dos paiacutes soacute poderia tender para a paacutetria de
origem constituindo um empecilho agrave coesatildeo nacionalrdquo (BOMENY 1999 p154 apud
INEP 1999 p8)
Por determinaccedilatildeo do Estado Novo a prefeitura de Foz do Iguaccedilu passou a
promover uma administraccedilatildeo que visasse agrave ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro
valorizaccedilatildeo da liacutengua oficial e das moedas nacionais (SPERANCcedilA 1992 apud
LOPES 2004 p 49) Teve ainda que despachar suas documentaccedilotildees criar
anuacutencios comerciais listas de preccedilos ou avisos somente em liacutengua portuguesa
aleacutem da obrigatoriedade do uso da moeda brasileira Essas medidas foram tomadas
pois havia na regiatildeo grande influecircncia dos argentinos no lado brasileiro
Segundo Lopes (2004) a principal preocupaccedilatildeo do Estado Novo em relaccedilatildeo a
essa fronteira era a influecircncia Argentina Como outra medida de contenccedilatildeo dessa
influecircncia estrangeira o governo federal por meio do Decreto nordm 19842 de 1930
tornou obrigatoacuterio a contrataccedilatildeo de no miacutenimo dois terccedilos de trabalhadores nas
empresas estrangeiras presentes dentro do territoacuterio nacional
Diante das estrateacutegias que o Estado Novo desenvolveu para construir a ideacuteia
de naccedilatildeo a fronteira poliacutetica requeria a justificaccedilatildeo ideoloacutegica da comunidade
64
nacional Nessa premissa a escola enquanto instrumento de nacionalizar as
fronteiras foi fundamental
23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus
impactos na educaccedilatildeo
Com a queda de Getuacutelio Vargas em 1945 quando o paiacutes entrou por um
pequeno periacuteodo na fase de redemocratizaccedilatildeo os Territoacuterios do Iguaccedilu e Ponta
Poratilde foram extintos No campo da educaccedilatildeo a pedagoga Lucimara Lemiechek
aponta que vaacuterias foram agraves mudanccedilas em detrimento da promulgaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas e a ampliaccedilatildeo dos Cursos Normais (LEMIECHEK 2014 p 9) Nessa
mesma deacutecada em Foz do Iguaccedilu teve iniacutecio a primeira escola21 particular Jorge
Schimmelpfeng nas dependecircncias do primeiro Centro Espiacuterita fundado no
municiacutepio
Imagem VI - Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)
Fonte Centro Espiacuterita Lidelfonso Correia
A deacutecada de 1950 e 1960 seguiu com um programa de escola de cunho
nacionalista e dualista em um periacuteodo marcado pelo programa desenvolvimentista
Cada vez mais os trabalhadores requeriam educaccedilatildeo diferenciada de um lado a
necessidade de matildeo de obra especializada e de outro a busca pelo status que a
educaccedilatildeo proporcionaria No ano de 1959 a Lei Municipal nordm 234 de 29 de outubro
de 1959 adota o programa de aboliccedilatildeo do analfabetismo
21
Vide imagem IV
65
Art 1ordm A Prefeitura de Foz do Iguaccedilu empreenderaacute uma campanha sistemaacutetica para aboliccedilatildeo do analfabetismo desde as crianccedilas de sete anos feitos aos adultos de qualquer idade (LEI 2341959) Art 2ordm Toda a crianccedila que completar sete anos de 1ordm de janeiro a 31 de dezembro deveraacute obrigatoriamente no comeccedilo do ano letivo imediato ser matriculada em escola puacuteblica ou particular cumprindo-lhes frequumlenta-la com assiduidade durante cinco anos na cidade e trecircs anos letivos nas zonas rurais (PME 2015 p 11)
Eacute nesse momento que chegam a Foz do Iguaccedilu as primeiras populaccedilotildees de
origem aacuterabe que saiacuteram de seus paiacuteses em decorrecircncia dos intensos conflitos
regionais e atraiacutedos pela oportunidade de explorar um mercado com grande
potencial de crescimento (RABOSSI 2007 p 292) Segundo Rabossi a primeira
cidade da Triacuteplice Fronteira em que eles se estabeleceram foi Foz do Iguaccedilu
principalmente na regiatildeo proacutexima da Ponte da Amizade inaugurada em 1965
passando a ligar a cidade brasileira a Ciudad del Este no Paraguai dando iniacutecio ao
comeacutercio na regiatildeo Em 1975 no contexto da Guerra do Liacutebano o comeacutercio dos
aacuterabes na fronteira estava consolidado fazendo com que atraiacutedos pelo comeacutercio e
fugindo da guerra outros grupos oriundos do Oriente Meacutedio imigrassem para a
regiatildeo da fronteiriccedila Segundo Silva (2008 p367) os uacuteltimos 30 anos recebeu um
grande nuacutemero de imigrantes de origem ldquoaacuterabe libaneses palestinos siacuterios
jordanianos bem como chineses coreanos e em nuacutemero bem menor hindus e
portugueses
A mesma autora aponta que duas escolas pertencem agrave comunidade aacuterabe
uma de ensino fundamental que ensina a liacutengua aacuterabe e a religiatildeo sunita vinculada
ao Centro Beneficente Islacircmico de Foz do Iguaccedilu uma organizaccedilatildeo cultural e
cientiacutefica A segunda escola Escola Aacuterabe Brasileira oferta ensino para o ensino
fundamental e meacutedio de acordo com as exigecircncias do Estado A especificidade
desta escola em relaccedilatildeo agraves demais do municiacutepio eacute a oferta do ensino da liacutengua
aacuterabe (SILVA 2008)
Na deacutecada de 1970 tambeacutem chegam a Foz do Iguaccedilu os primeiros imigrantes
chineses atraiacutedos pelo comeacutercio na regiatildeo Segundo Miao Shen Chen a regiatildeo da
triacuteplice fronteira abriga uma comunidade chinesa com aproximadamente quatro mil
indiviacuteduos Em Foz do Iguaccedilu haacute pelo menos mil chineses e descendentes Os
imigrantes tecircm agecircncias de turismo imobiliaacuterias construtoras especializadas em
atender os clientes orientais (CHEN 2010)
66
Apesar da implementaccedilatildeo da Lei Municipal nordm 234 de 1959 que estabelecia a
obrigatoriedade da educaccedilatildeo para aboliccedilatildeo do analfabetismo a escola seguia sendo
para poucos ao menos no que diz respeito agrave permanecircncia dos estudantes Os
alunos mais pobres abandonavam a escola muito cedo pois tinham que optar entre
estudar ou trabalhar para ajudar na subsistecircncia da famiacutelia (PME 2015 p 11)
Para Emer (1991) os colonos que aqui se encontravam diante da
precariedade das escolas mobilizaram-se para criar escolas para seus filhos
contribuindo para construccedilatildeo de inuacutemeros coleacutegios confessionais entre os anos de
1955 e 1965 (EMER 1991 p 125) Quanto agrave contrataccedilatildeo dos professores estes
deveriam ter o perfil que atendesse o grupo social
Destaca-se a criaccedilatildeo da primeira Escola Normal Colegial da regiatildeo Oeste do
Paranaacute a Escola Normal Iguaccedilu criada em 1957 em Foz do Iguaccedilu em um
contexto em que a populaccedilatildeo da cidade crescia e a demanda pelo ensino em
diversos niacuteveis aumentava havendo a necessidade de habilitar os professores para
o trabalho docente Ateacute o ano de 1957 Foz do Iguaccedilu contava com um Grupo
Escolar o Bartolomeu Mitre que atendia aproximadamente 400 crianccedilas uma Casa
Escolar com aproximadamente 80 alunos e cinco escolas rurais isoladas que
tinham capacidade para atender 250 alunos Foz do Iguaccedilu tinha capacidade para
atender aproximadamente 730 alunos no ensino primaacuterio o que era pouco diante da
crescente demanda sobretudo dos nuacutecleos urbanos e das aacutereas rurais aleacutem das
aacutereas distritais22
Ainda que tenha havido a criaccedilatildeo dos coleacutegios normais o relatoacuterio do plano
de desenvolvimento de Foz do Iguaccedilu de 1972 apontava que o corpo docente do
municiacutepio era constituiacutedo em sua maioria por professores sem habilitaccedilatildeo tanto
nas redes municipais e estaduais quanto nas privadas A justificativa para esta
qualificaccedilatildeo segundo o relatoacuterio estava no baixo niacutevel salarial que impedia os
qualificados de se dedicarem ao magisteacuterio Na zona rural a porcentagem era ainda
maior Cerca de 80 do pessoal natildeo qualificado atende ao ensino primaacuterio que
funcionava em 41 escolas isoladas e duas casas escolares Segundo o PDI
22 Dentre os distritos que ficavam sob a jurisdiccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu encontram-se Santa Terezinha
de Itaipu Itacoreacute Alvorada Medianeira dentre outros (SBARDELLOTO 2009 p 146)
67
O Estado que paga os melhores salaacuterios (Cr$ 41600) natildeo faz nomeaccedilotildees e a Prefeitura possuindo apenas 3 elementos em seu quadro efetivo percebendo Cr$ 28000 contrata os professores normalistas por apenas Cr$ 28000 e a professora leiga por 60 do salaacuterio miacutenimo (PDI 1972 p 114)
Quanto agrave estrutura do periacuteodo o relatoacuterio aponta que ateacute 1971 havia cinco
grupos escolares estaduais um privado uma casa escolar municipal e duas escolas
isoladas que segundo o relatoacuterio natildeo eram suficientes para atender a demanda
Quanto agrave estrutura o relatoacuterio aponta
Somente na Zona Urbana vamos encontrar preacutedios escolares de alvenaria com luz aacutegua encanada e instalaccedilotildees sanitaacuterias regulares Natildeo quer isto dizer que sejam instalaccedilotildees satisfatoacuterias pois deixam muito a desejar havendo falta de aacutegua e os miacutenimos requisitos agrave boa higiene dos escolares () Na zona rural os preacutedios satildeo todos de madeira sem as menores condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave higiene escolar notando-se ausecircncia de atendimento sanitaacuterio e de sauacutede (PDI 1972 p 118)
No mesmo relatoacuterio o problema da evasatildeo eacute justificado com o argumento da
localizaccedilatildeo da cidade que por estar em uma regiatildeo de fronteira eacute caracterizada por
possuir uma populaccedilatildeo flutuante As escolas rurais por exemplo em periacuteodos de
colheita eram fechadas pois natildeo havia frequecircncia alguma uma vez que os alunos
estavam trabalhando nas lavouras Outro exemplo eacute a justificativa do baixo
rendimento escolar atribuiacutedo ao alto iacutendice de crianccedilas argentinas e paraguaias que
estudavam no lado brasileiro com a alegaccedilatildeo do problema do idioma que gerava
atraso em toda turma ldquoNo 1ordm ano o periacuteodo de preacute-alfabetizaccedilatildeo que normalmente
eacute feito em trecircs meses (no maacuteximo) chega a durar quase um anordquo (PDI 1972 p
125)
Este argumento que culpabiliza o aluno estrangeiro pelo atraso da turma natildeo
mudou muito Em pesquisa com professores da rede puacuteblica de Foz do Iguaccedilu
sobre a presenccedila de alunos brasiguaios nas escolas brasileiras citado no capiacutetulo
anterior Pires-Santos (2010) fala que alguns professores vecirc a presenccedila deste perfil
de aluno como um entrave um bdquocastigo‟ pois no seu entendimento seraacute difiacutecil
ensinaacute-los Outro destaque reside no fato de que estes relatoacuterios feitos em 1972
foram produzidos em nome do Estado que vivia sob o regime dos militares cuja
preocupaccedilatildeo com o estrangeiro no paiacutes se restringia nas questotildees de seguranccedila
nacional
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No decorrer da deacutecada de 1970 a pauta da educaccedilatildeo segue em discussatildeo na
regiatildeo sobretudo com a reforma do ensino promulgada pela Lei 569271 Foz do
Iguaccedilu vivia nessa deacutecada os impactos da construccedilatildeo da Usina Hidreleacutetrica de
Itaipu A cidade recebeu aproximadamente 40000 operaacuterios com suas respectivas
famiacutelias oriundas de vaacuterios estados do paiacutes para a construccedilatildeo da hidreleacutetrica O
aumento populacional gerado pela chegada dos trabalhadores na cidade fez com
que todas as obras de infraestrutura fossem feitas apressadamente dentre essas
os hospitais as moradias e escolas subsidiados pela Itaipu Um exemplo foi o
convecircnio entre a Prefeitura por meio da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo e
Cultura com a Itaipu que resultou na construccedilatildeo da escola Prof Parigot de Souza
no ano de 1975
() Fica o Chefe do Executivo Municipal autorizado a firmar convecircnio com a Empresa ITAIPU ndashBINACIONAL objetivando a aplicaccedilatildeo de recursos para pagamento de professores e demais servidores para o setor administrativo bem como da manutenccedilatildeo da nova unidade escolar preacute-fabricada construiacuteda na sede municipal onde seraacute instalada uma extensatildeo do Ginaacutesio Estadual bdquoDom Manoel Konnerrdquode Foz do Iguaccedilu‟
(Foz do Iguaccedilu Lei Municipal nordm 8821975 Art1ordm)
Com a construccedilatildeo da hidreleacutetrica o nuacutemero de escolas em Foz do Iguaccedilu
aumentou significativamente Na deacutecada de 1960 havia cerca de oito escolas
municipais na cidade na deacutecada de 1980 mais nove escolas e hoje segundo dados
da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (2011) a cidade conta com 83 escolas
municipais e 82 estaduais 43 privadas e 04 filantroacutepicas
O periacuteodo que se estende da Colocircnia Militar de 1889 ateacute o fim da Era Vargas
(1930-1954) demonstrou que as raiacutezes pela qual as escolas foram criadas passou
pela construccedilatildeo de valores que satildeo constitutivos de uma ideal de naccedilatildeo Wachowicz
(1984) cita o ofiacutecio do general comandante da 5ordf Regiatildeo Militar em 1925 que
expressava a urgecircncia de se construir escolas nas zonas de fronteira haja vista que
a uacutenica soluccedilatildeo era enviar as crianccedilas para frequentar escola na Argentina O
incocircmodo do general se baseia na busca pelo estabelecimento de uma identidade
nacional ao Brasil pois a presenccedila de alunos brasileiros em escolas argentinas
representava um perigo A escola eacute um dos espaccedilos em que se bdquoimagina‟ se
constroacutei um identidade nacional ldquoNascida na ficccedilatildeo agrave identidade precisava de muita
coerccedilatildeo e convencimento para se consolidar e se concretizar numa realidaderdquo
(BAUMAN 2005 p 27)
69
Em siacutentese a escola natildeo eacute neutra mas perpassam tambeacutem outros interesses
que natildeo satildeo apenas os de ideais nacionalistas Ela eacute um espaccedilo marcado por
contradiccedilotildees Eacute o que o educador brasileiro Paulo Freire (1987) sugere ao natildeo
negar a influecircncia que determinado modo de se propor um modelo educativo pode
causar na sociedade Justamente por saber do potencial transformador da educaccedilatildeo
eacute que ele propunha um modelo para de educaccedilatildeo a partir da base da realidade na
qual o sujeito estaacute inserido
Em Foz do Iguaccedilu haacute a constataccedilatildeo de que o Estado esteve preocupado em
criar escolas a fim de bdquonacionalizar‟ a fronteira Braduel (2009) ao refletir acerca da
relaccedilatildeo entre Estado e territoacuterio e a ocupaccedilatildeo do espaccedilo afirma que ldquoEstados agem
como indiviacuteduos obstinando-se em delimitar seu domiciacutelio da mesma forma que
todo animal livre defende aquilo que ele considera ser o seu territoacuteriordquo (BRAUDEL
2009 p 262 apud Heinsfiel 2014 p 17)
Nessa perspectiva o Estado tem como foco a necessidade de delimitar seus
domiacutenios Domiacutenios estes que satildeo reforccedilados por instituiccedilotildees capazes de legitimar
essa loacutegica tais como as escolas Segundo Bourdieu (2008) um dos principais
poderes do Estado eacute impor categorias de pensamento categorias que noacutes
assumimos como naturais aparentemente espontacircneas mas que na verdade satildeo
impostas pelo Estado (BOURDIEU 2008 p 91)
24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas
escolas
Com o processo de redemocratizaccedilatildeo e da nova Constituiccedilatildeo Federal
promulgada em 1988 houve um grande avanccedilo em termos de direitos civis No
caso da presenccedila de estrangeiros no paiacutes a Carta Magna assegura a todas as
pessoas brasileiras ou estrangeiras estando em situaccedilatildeo migratoacuteria regular ou
irregular o direito agrave educaccedilatildeo escolar Os princiacutepios escolares passaram a ter
como base a igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia nas escolas
da liberdade e do pluralismo de ideacuteias e concepccedilotildees pedagoacutegicas
Art 206 O ensino seraacute ministrado com base nos seguintes princiacutepios I - igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola II - liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber III - pluralismo de ideacuteias e de concepccedilotildees pedagoacutegicas e coexistecircncia de instituiccedilotildees puacuteblicas e
70
privadas de ensino IV - gratuidade do ensino puacuteblico em estabelecimentos oficiais (CF 1998)
Waldman (2012) destaca que a nova constituiccedilatildeo tem pela primeira vez o
princiacutepio da dignidade da pessoa humana como fundamental e afirmou como
objetivos fundamentais a ldquopromoccedilatildeo do bem para todos sem preconceitos de
origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeordquo
(WALDMAN 2012 p63)
No campo das relaccedilotildees internacionais o Brasil se comprometeu pela
prevalecircncia dos direitos humanos pela cooperaccedilatildeo entre os povos e pela atenccedilatildeo
agrave integraccedilatildeo poliacutetica social e cultural da Ameacuterica Latina23 Estes pontos
apresentados satildeo importantes a serem considerados pois satildeo com base na CF
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 seraacute elaborada e a
partir dela outros documentos importantes que toca agrave questatildeo da diversidade
eacutetnicas cultural e racial na educaccedilatildeo Alguns destes documentos satildeo o Curriacuteculo
da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute o Plano Estadual de Educaccedilatildeo
do Paranaacute e os Paracircmetros Curriculares Nacionais que seratildeo analisados no
proacuteximo capiacutetulo
23
Art 4ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaccedilotildees internacionais pelos seguintes
princiacutepios I - independecircncia nacional II - prevalecircncia dos direitos humanos III - autodeterminaccedilatildeo dos povos IV - natildeo-intervenccedilatildeo V - igualdade entre os Estados VI - defesa da paz VII - soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitosVIII - repuacutedio ao terrorismo e ao racismoIX - cooperaccedilatildeo entre os povos para o progresso da humanidadeX - concessatildeo de asilo poliacuteticoParaacutegrafo uacutenico A Repuacuteblica Federativa do Brasil buscaraacute a integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica social e cultural dos povos da Ameacuterica Latina visando agrave formaccedilatildeo de uma comunidade latino-americana de naccedilotildees
71
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA
ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUAI
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens
O campo de estudos de poliacuteticas puacuteblicas avanccedilou nos uacuteltimos sessenta
anos tendo conformado uma literatura instrumental analiacutetica que contribuiu para a
compreensatildeo dos processos de natureza poliacutetico- administrativo (SECCHI 2013)
No Brasil segundo Faria (2003) a aacuterea de anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas ainda eacute
escassa Isso se comprova pela falta de anaacutelises mais sistemaacuteticas no que tange
aos processos de implementaccedilatildeo aleacutem da carecircncia em estudos que tratam de
metodologias e instrumentos de avaliaccedilatildeo destas poliacuteticas pelos trecircs niacuteveis de
governo legislativo executivo e judiciaacuterio
A fim de apresentar a analise de algumas poliacuteticas puacuteblicas (PP) que tratam
da questatildeo da educaccedilatildeo e diversidade cultural faz-se necessaacuterio apresentar o que
se compreende enquanto uma PP Teoacutericos apontam que seu significado natildeo
apresenta uma definiccedilatildeo uacutenica (SECCHI 2010 BONETI 2011) Assim utilizaremos
como definiccedilatildeo de PP as concepccedilotildees de Tamayo Saacuteez (1997) que a entende como
ldquoum conjunto de objetivos decisotildees e accedilotildees que levam a cabo um governo para
solucionar os problemasrdquo (TAMAYO SAEacuteZ 1997 p 2) Complementando esta
definiccedilatildeo citamos Lindomar Boneti (2006) e seu entendimento do que sejam
poliacuteticas puacuteblicas
Accedilatildeo que nasce do contexto social mas que passa pela esfera estatal como uma decisatildeo de intervenccedilatildeo puacuteblica numa realidade social determinada quer seja ela econocircmica ou social Ainda esclarece que as poliacuteticas puacuteblicas representam [] o resultado da dinacircmica do jogo de forccedilas que se estabelece no acircmbito das relaccedilotildees de poder relaccedilotildees estas constituiacutedas pelos grupos econocircmicos e poliacuteticos classes sociais e demais organizaccedilotildees da sociedade civil (BONETI 2006 p 76)
Eacute importante assinalar que as PPs mudam com o tempo e em consonacircncia
com o modelo de Estado vigente como as transformaccedilotildees que ocorrem em uma PP
dentro de um Estado autoritaacuterio para um Estado democraacutetico A criaccedilatildeo de uma PP
natildeo depende somente das decisotildees emanadas do poder puacuteblico Esse jogo de
72
forccedilas ao qual Boneti se refere satildeo concernentes agraves correlaccedilotildees realizadas com
agentes privados e da sociedade civil No entanto no sentido de responsabilizaccedilatildeo
por sua implementaccedilatildeo e permanecircncia compreende-se aqui que uma PP eacute
responsabilidade do Estado24
Dentre os aspectos a serem considerados no momento de escolher uma PP
os fatores culturais satildeo de fundamental importacircncia para a sua implementaccedilatildeo O
sucesso ou o fracasso de uma PP pode estar diretamente ligado ao contexto no qual
se insere
No que confere agrave anaacutelise de uma PP a mais aceita eacute aquela que busca
compreender como os formuladores de poliacutetica (policymakers) lidam com os
problemas com que se defrontam Nas palavras de Wildavsky
() o papel de Anaacutelise de Poliacutetica eacute encontrar problemas onde soluccedilotildees podem ser tentadas ou seja bdquoo analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possiacutevel alguma melhoria‟ Portanto a Anaacutelise de Poliacutetica estaacute preocupada tanto com o planejamento como com a poliacutetica (politics) (WILDAVSKY 1979 apud RUA 2009 p 23)
Segundo Tamayo Saacuteez (1997) a anaacutelise de PP possui um caraacuteter
multidisciplinar Trata-se de um conjunto de teacutecnicas conceitos e estrateacutegias
oriundas de diferentes disciplinas - ciecircncia poliacutetica antropologia sociologia
psicologia e da teoria da organizaccedilatildeo - cujo objetivo eacute interpretar as causas e
consequumlecircncias das accedilotildees do governo Conforme este argumento eacute importante
ressaltar que os atores que analisam determinada PP o fazem a partir de seus
valores sua capacidade teacutecnica seus interesses e o grau de informaccedilatildeo Tais
fatores satildeo fundamentais para compreensatildeo destas anaacutelises
Por poliacuteticas puacuteblicas educacionais compreende-se tudo aquilo que um
governo faz ou deixa de fazer em mateacuteria de educaccedilatildeo No que tange agrave poliacutetica
educacional brasileira esta deve ser pensada em contexto amplo onde fatores
como a constituiccedilatildeo federal a poliacutetica nacional de direitos humanos e os acordos e
tratados internacionais devem ser considerados assim como os fatores sociais e
culturais da sociedade (SILVA MOURA MELLO 2013)
24
Mas vale dizer que natildeo necessariamente uma poliacutetica puacuteblica eacute apenas estatal
73
Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos sobre as poliacuteticas
educacionais no Brasil satildeo recentes mas encontram-se em processo de construccedilatildeo
e crescimento As pesquisas e publicaccedilotildees sobre as poliacuteticas educacionais possuem
dois eixos de estudos o primeiro refere-se aos de caraacuteter teoacuterico com questotildees
mais amplas acerca do processo de formulaccedilatildeo de poliacuteticas abarcando mudanccedilas
no papel do Estado das redes de influecircncia no desenvolvimento de formulaccedilatildeo de
poliacuteticas o segundo trata da anaacutelise e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas e programas
(MAINARDES 2006) Quanto ao primeiro eixo ao destacar a funccedilatildeo do Estado na
definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Mainardes (2006) explica que
natildeo se trata de defender que o Estado ou os governos decidam por implementar as
poliacuteticas puacuteblicas mas isso reflete as pressotildees de diferentes grupos de interesse
Citando Evans Rueschmeyer e Skocpol (1985) Souza (2006) se aproxima da
perspectiva teoacuterica que defende uma autonomia relativa do Estado ldquoque faz com
que o mesmo tenha um espaccedilo proacuteprio de atuaccedilatildeo embora permeaacutevel a influecircncias
externas e internasrdquo (SOUZA 2006 p27 apud Evans Rueschmeyer e Skocpol
1985)
Os dois eixos foram abordados nesta dissertaccedilatildeo pois considera-se
importante conhecer os principais aspectos histoacutericos das poliacuteticas educativas no
Brasil e sua relaccedilatildeo com o Estado para posteriormente tratar da anaacutelise das
poliacuteticas escolhidas O modelo denominado de ciclo de poliacuteticas puacuteblicas seraacute o
recurso utilizado para analise das poliacuteticas educacional
O ciclo de poliacutetica tem adquirido importacircncia progressiva nos estudos sobre a
elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica principalmente por consistir em uma serie de etapas
que envolve o processo poliacutetico-administrativo os atores suas relaccedilotildees recursos de
poder as relaccedilotildees poliacuteticas sociais e as praacuteticas Saravia e Ferrarezi (2006p32)
descrevem sete etapas deste ciclo primeiro uma agenda poliacutetica que eacute a
necessidade social de elaborar determinada poliacutetica puacuteblica em segundo a
elaboraccedilatildeo propriamente dita da poliacutetica puacuteblica para identificar e delimitar um
problema seja ele atual ou que pode vir a ser necessaacuterio Com isto determinam-se
as alternativas para a soluccedilatildeo a partir das possiacuteveis soluccedilotildees para o problema
formula-se a alternativa mais cabiacutevel pra sua implementaccedilatildeo que deve ser
constituiacuteda por meio do ldquoplanejamento e organizaccedilatildeo do aparelho administrativo e
dos recursos humanos financeiros materiais e tecnoloacutegicos necessaacuterios para
executar uma poliacuteticardquo (SARAVIA p34) A proacutexima etapa eacute a execuccedilatildeo destinada a
74
atingir os objetivos traccedilados pela poliacutetica ldquoEssa etapa inclui o estudo dos
obstaacuteculos que normalmente se opotildeem agrave transformaccedilatildeo de enunciados em
resultados e especialmente a anaacutelise da burocraciardquo (SARAVIA 2006 p 34) A
sexta etapa reside no acompanhamento que eacute o processo de supervisatildeo da
execuccedilatildeo de uma atividade a fim de fornecer a ldquoinformaccedilatildeo necessaacuteria para
introduzir eventuais correccedilotildees a fim de assegurar a consecuccedilatildeo dos objetivos
estabelecidosrdquo (SARAVIA 2006 p34) Por uacuteltimo temos a avaliaccedilatildeo que consiste
em analisar os impactos das poliacuteticas implementadas para a sociedade
Saravia (2006) explica que esta sequecircncia eacute mais uma esquematizaccedilatildeo
teoacuterica do que ocorre na praacutetica Nem sempre essas etapas satildeo consideradas Eacute o
caso de muitos paiacuteses da Ameacuterica Latina onde os programas de ajuste estrutural
natildeo consideraram as primeiras etapas iniciais de sua elaboraccedilatildeo os resultados
sociais possiacuteveis Como consequumlecircncia os indicadores da educaccedilatildeo da sauacutede da
previdecircncia social da habitaccedilatildeo do emprego e de outros setores sociais mostram a
existecircncia de uma situaccedilatildeo difiacutecil que se agrava com o tempo (SARAVIA 2006
p35-36)
32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil
No Brasil por muito tempo as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo ficaram
aqueacutem do esperado Valle (2009) aponta que no decorrer do periacuteodo colonial ou do
Impeacuterio natildeo haacute registros de uma real preocupaccedilatildeo com as poliacuteticas puacuteblicas de
Educaccedilatildeo (VALLE 2009) Arauacutejo (2011) explica que eacute recente a ideia de um ldquoEstado
em accedilatildeordquo no sentido de promover poliacuteticas para educaccedilatildeo (ARAUacuteJO 2011 p236)
Em um contexto onde sociedade e economia fundamentaram suas bases em um
modelo econocircmico agroexportador e na matildeo-de-obra escrava a preocupaccedilatildeo com a
educaccedilatildeo surgiu muito tarde
Maria Luisa Ribeiro (1992) escreve que no periacuteodo colonial a poliacutetica
educacional esteve vinculada agrave poliacutetica colonizadora dos portugueses (RIBEIRO
1992 p 20) A historiadora Maria Luiza Marciacutelio (2005) acrescenta estes dados ao
traccedilar as principais caracteriacutesticas do sistema educacional brasileiro no periacuteodo que
se estende de 1554 a 1759 ao explicar que o uacutenico ensino formal presente ateacute
meados do seacuteculo XVIII era oferecido pela Companhia de Jesus que era
75
basicamente elitista atendendo em grande parcela ldquojovens brancos proprietaacuterios
de terras famiacutelias da elite colonial aleacutem de introduzir nas primeiras letras do
catecismo elementar as crianccedilas iacutendias das aldeias jesuiacutetasrdquo (MARCIacuteLIO 2005
p42)
Saviani (2008) aponta que o primeiro documento de poliacutetica educacional foi
editado em 1548 e encontrado nos ldquoRegimentosrdquo de DJoatildeo III com a finalidade de
orientar as accedilotildees do governador geral do Brasil Tomeacute de Souza que veio com a
companhia de mais quatro padres e dois irmatildeos jesuiacutetas liderados por Manuel da
Noacutebrega
Nesse mesmo ano os jesuiacutetas receacutem-chegados deram iniacutecio agrave obra educativa centrada na catequese guiados pela orientaccedilatildeo contida nos referidos bdquoRegimentos‟ cumprindo pois um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal Nessa condiccedilatildeo cabia agrave coroa manter o ensino mas o rei enviava verbas para a manutenccedilatildeo e a vestimenta dos jesuiacutetas natildeo para construccedilotildees (SAVIANI 2008 p8)
No que se refere agrave inclusatildeo da populaccedilatildeo na instituiccedilatildeo jesuiacutetica Marciacutelio
(2005) aponta que no periacuteodo da expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759 a soma de todos
os alunos natildeo atingia 01 da populaccedilatildeo brasileira Em um cenaacuterio que contava
com 50 da populaccedilatildeo constituiacuteda por mulheres e 40 de escravizados aleacutem de
negros livres pardos filhos ilegiacutetimos e crianccedilas abandonadas todos estes ficavam
agrave margem do sistema de ensino Ao todo os jesuiacutetas ficaram agrave frente da educaccedilatildeo
brasileira por mais de dois seacuteculos ateacute a expulsatildeo (MARCIacuteLIO 2005 p3)
A segunda fase de poliacuteticas educacionais no Brasil foi marcada pelas
reformas pombalinas para instruccedilatildeo puacuteblica Com a instalaccedilatildeo da coroa portuguesa
no Brasil Colonial em 1808 a educaccedilatildeo ganhou novos significados Uma ldquoseacuterie de
cursos tanto profissionalizantes em niacutevel meacutedio como em niacutevel superior bem como
militares foram criados para fazer do local algo realmente parecido com uma Corterdquo
(GHIRALDELLI JR 2001 p 16) Deste modo o periacuteodo compreendido como
pedagogia pombalina (1759-1827) corresponde agraves primeiras tentativas de se instituir
uma escola puacuteblica estatal
As reformas pombalinas contrapotildeem-se ao predomiacutenio das ideacuteias religiosas e com base nas ideacuteias laicas inspiradas no Iluminismo institui o privileacutegio do Estado em mateacuteria de instruccedilatildeo surgindo assim a nossa versatildeo da bdquoeducaccedilatildeo puacuteblica estatal‟ (LUZURIAGA 1959 p23-39 apud SAVIANE 2008 p9)
76
Quando Dom Pedro I assume o poder no periacuteodo Regencial a maioria da
populaccedilatildeo seguia analfabeta A independecircncia poliacutetica natildeo alterou o quadro da
situaccedilatildeo de ensino ao menos de imediato Para Joatildeo Cruz Costa citado por
Romanelli (1985) o processo de independecircncia significava ldquosimples transferecircncia de
poderes dentro de uma mesma classe [a independecircncia] entregaria a direccedilatildeo da
nova accedilatildeo aos proprietaacuterios de terras de engenhos e aos letradosrdquo (COSTA 1980
apud ROMANELLI 1985 p 39)
Eacute neste contexto que comeccedila uma nova fase no campo da educaccedilatildeo tendo
como marco inicial a lei das Escolas das Primeiras letras de 1827 com o objetivo de
ensinar toda a populaccedilatildeo brasileira conforme o artigo de nuacutemero 6 presente na Lei
de 15 de outubro de 1827
() Art 6ordm - Os professores ensinaratildeo a ler escrever as quatro operaccedilotildees de aritmeacutetica praacutetica de quebrados decimais e proporccedilotildees as noccedilotildees mais gerais de geometria praacutetica a gramaacutetica de liacutengua nacional e os princiacutepios de moral cristatilde e da doutrina da religiatildeo catoacutelica e apostoacutelica romana proporcionados agrave compreensatildeo dos meninos preferindo para as leituras a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio e a Histoacuteria do Brasil (BRASIL 1827)
No final do seacuteculo XIX marcado pelas influecircncias do positivismo25 comeccedilou no paiacutes
um movimento pela desoficializaccedilatildeo do ensino no Estado defendendo a liberdade
das profissotildees Com isso foram surgindo escolas privadas de benemerecircncia que se
propunham a ofertar ensino gratuito Essa tendecircncia de desoficializaccedilatildeo culminou
com a Reforma Leocircncio de Carvalho em 1879 (SAVIANI 2008) Saviani chama
atenccedilatildeo para este fato ao criticar o fato de que desde iniacutecio das primeiras poliacuteticas
educacionais brasileiras houve certa ldquopromiscuidaderdquo na relaccedilatildeo entre o puacuteblico e o
privado A comeccedilar com a educaccedilatildeo jesuiacutetica que em alguma medida era puacuteblica
mas a entidade que o ofertava natildeo
Conforme Santos (2011) somente a partir do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
XX periacuteodo de transiccedilatildeo para um modelo de desenvolvimento moderno
25
Por Positivismo compreende-se agora de modo mais amplo a filosofia desenvolvida por Augusto Comte que se caracteriza conjuntamente pela expressa confianccedila nos benefiacutecios da industrializaccedilatildeo no otimismo em relaccedilatildeo ao progresso capitalista no culto agrave ciecircncia e a valorizaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico voltados a uma reforma intelectual da sociedade (COTRIM 1993 p 189)
77
intervencionista foi que a educaccedilatildeo passou a ser reclamada como um condicionante
necessaacuterio para o desenvolvimento do paiacutes Conforme Romanelli (1985) o seacuteculo
XIX fora marcado pelo surgimento de uma nova camada intermediaacuteria tambeacutem
chamada de pequena burguesia Esta classe explica a autora foi fundamental para
a evoluccedilatildeo poliacutetica no Brasil monaacuterquico e para mudanccedilas pelas quais passou o
regime no final do seacuteculo (ROMANELLI 1985 p37)
No periacuteodo republicano outra modalidade de poliacuteticas educacionais se
desenvolveu por volta de 1890 com a implantaccedilatildeo progressiva das escolas
graduadas apoiadas nas escolas normais que comeccedilaram a ser consolidadas sob o
fluxo do iluminismo republicano
Esse periacuteodo abrange de 1890 quando se daacute no estado de Satildeo Paulo a organizaccedilatildeo da escola normal graduada ateacute 1931 quando eacute promulgada a reforma Francisco Campos dando iniacutecio ao processo de regulamentaccedilatildeo ao sistema de ensino em acircmbito nacional (SAVIANI 2004a p20-21)
Somente a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX eacute que podemos
encontrar registros das primeiras lutas por uma educaccedilatildeo e escola de qualidade
puacuteblica e gratuita Valle (2009) aponta que a poliacutetica educacional brasileira foi
marcada pela criaccedilatildeo da Universidade do Rio de Janeiro em 1920 hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro ndash UFRJ ndash pelas organizaccedilotildees colegiadas
como a Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo fundada em 1924 liderada pelos
reformadores do movimento Escola Nova cujo marco encontra-se no lanccedilamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo na deacutecada de 1930 (VALLE 2009 p22)
Acerca deste Manifesto escreve Santos (2011)
Lanccedilado em 1932 o Manifesto foi sobretudo um documento de poliacutetica educativa no qual para aleacutem da defesa da Escola Nova estava a causaluta maior dapela escola puacuteblica laica sendo esta responsabilidade do Estado Ressalto que as diretrizes desse manifesto influenciaram a Constituiccedilatildeo de 1934 (FREITAS 2005 SAVIANI 2005 apud SANTOS 2011 p2)
Em 1930 ano em que tecircm iniacutecio a Era Vargas eacute criado o Ministeacuterio dos
Negoacutecios da Educaccedilatildeo e Sauacutede Este periacuteodo eacute considerado por Saviani (2008) o
iniacutecio da sexta modalidade de poliacuteticas educacionais marcado pela reforma
Francisco Campos em 1931 e caracterizada pela regulamentaccedilatildeo em acircmbito
nacional das escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
78
crescentemente as concepccedilotildees pedagoacutegicas renovadoras ateacute a criaccedilatildeo da LDB em
1961
As propostas de poliacuteticas educacionais dos reformadores dentre eles Aniacutesio
Teixeira e Lourenccedilo Filho natildeo foram bem recebidas pelo movimento de 1930
Apesar das controveacutersias houve marcos importantes como aponta Santos (2011)
com os seguintes decretos
1) Decreto 19850 de 11 de abril de 1931 que criou o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo 2) Decreto 19851 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitaacuterio 3) Decreto 19852 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo da Universidade do Rio de janeiro 4) Decreto 19890 de 18 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio 5) Decreto 19941 de 30 de abril de 1931 que instituiu o ensino religioso como mateacuteria facultativa nas escolas puacuteblicas do paiacutes 6) Decreto 20158 de 30 de junho de 1931 que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissatildeo de contador 7) Decreto 21241 de 14 de abril de 1932 que consolidou as disposiccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio (SANTOS 2011 p 2)
De acordo com Ribeiro (1992) de 1931 a 1937 foram realizados inuacutemeros
congressos e conferecircncias nos quais se discutiam os caminhos possiacuteveis para a
elaboraccedilatildeo de um plano nacional para educaccedilatildeo Nestes debates haviam duas
vertentes
Uma jaacute era tradicional representada pelos educadores catoacutelicos que defendiam a educaccedilatildeo subordinada agrave doutrina religiosa (catoacutelica) a educaccedilatildeo em separado e portanto diferenciadas pelos sexos masculino e feminino o ensino particular a responsabilidade da famiacutelia quanto agrave educaccedilatildeo etc Outra era representada pelos educadores influenciados pelas bdquoideacuteias novas‟ e que defendiam a laicidade a co- educaccedilatildeo a gratuidade a responsabilidade puacuteblica em educaccedilatildeo etc (RIBEIRO 1992 p99)
Em um contexto onde o mundo presenciava as experiecircncias de paiacuteses com
ideologias fascistas e comunistas os grupos de educadores que debatiam a
educaccedilatildeo agrave eacutepoca diziam ser contraacuterios agrave monopolizaccedilatildeo do ensino por parte do
Estado Com isto o movimento escola novista e sua ideia da educaccedilatildeo ser de
responsabilidade puacuteblica passam a ser assimiladas agraves ideias comunistas
79
Em 1934 eacute outorgada uma nova Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica que segundo
Ribeiro (1992) apesar de seu caraacuteter contraditoacuterio ao atender as reivindicaccedilotildees
sobretudo dos reformadores catoacutelicos conseguiu destacar a educaccedilatildeo dedicando-
lhe um capiacutetulo especiacutefico para o assunto Entatildeoldquoa reivindicaccedilatildeo catoacutelica quanto ao
ensino religioso eacute atendida assim como outras ligadas aos representantes das
ldquoideacuteias novasrdquo (CapI art 5ordmXIV 1934 apud RIBEIRO 1992 p104)
A partir de 1937 quando o golpe militar instaura o Estado Novo algumas
premissas satildeo mantidas como a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primaacuterio
Institui-se como obrigatoacuterio o ensino de trabalhos manuais nas escolas primaacuterias
normais e secundaacuterias Tambeacutem fica estabelecido o programa escolar em termos de
ensino preacute-vocacional orientado agraves classes menos favorecidas No artigo 129 o
regime de cooperaccedilatildeo entre a induacutestria e o Estado eacute fixado (RIBEIRO 1992 p114-
115)
O periacuteodo do Estado Novo que durou sessenta anos foi um periacuteodo
marcante para a educaccedilatildeo pois traduziu o que aquele regime poliacutetico pretendeu
executar no Brasil Nas palavras de Helena Bomeny (1999)
Formar um bdquohomem novo‟ para um Estado Novo conformar mentalidades e criar o sentimento de brasilidade fortalecer a identidade do trabalhador ou por outra forjar uma identidade positiva no trabalhador brasileiro tudo isso fazia parte de um grande empreendimento cultural e poliacutetico para o sucesso do qual contava-se estrategicamente com a educaccedilatildeo por sua capacidade universalmente reconhecida de socializar os indiviacuteduos nos valores que as sociedades atraveacutes de seus segmentos organizados querem ver internalizados (BOMENY1999p139)
Bomeny apresenta quatro decretos que remetem ao fechamento das escolas
estrangeiras
O Decreto lei ndeg 383 de 18 de abril de 1938 que proibia aos
estrangeiros o exerciacutecio de atividades poliacuteticas no Brasil o Decreto ndeg 406 de 4 de maio 1938 que regulamentava o ingresso e a permanecircncia de estrangeiros ditando providecircncias para sua assimilaccedilatildeo e criando o Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo como oacutergatildeo executor de suas disposiccedilotildees o Decreto ndeg 868 de 18 de novembro de 1938 que instituiu a Comissatildeo Nacional de Ensino Primaacuterio que possuiacutea entre suas atribuiccedilotildees a nacionalizaccedilatildeo do ensino nos nuacutecleos estrangeiros e o Decreto ndeg 948 de 13 de dezembro do mesmo ano que considerando a complexidade das medidas para promover a assimilaccedilatildeo dos colonos e completa nacionalizaccedilatildeo dos filhos de imigrantes estabelecia que as medidas fossem tomadas pelo Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo (BOMENY 1999 p 158)
80
Em documento dirigido a Getuacutelio Vargas em 1939 o entatildeo Ministro de
Guerra Eurico Gaspar Dutra apontou a educaccedilatildeo como um dos setores
intimamente ligados agrave seguranccedila nacional ldquoO problema da educaccedilatildeo apreciado em
toda a sua amplitude natildeo pode deixar de constituir uma das mais graves
preocupaccedilotildees das autoridades militaresrdquo (Arquivo Osvaldo Aranha AO 390418
FGVCPDOC apud BOMENY 1999 p139)
Com o fim do Estado Novo a nova constituiccedilatildeo caracterizada por seu caraacuteter
liberal e democraacutetico possibilitou algumas mudanccedilas na educaccedilatildeo O novo Ministro
da Educaccedilatildeo regulamentou em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal aleacutem do
Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC Neste contexto o Brasil
passou a viver o que se denominou como periacuteodo nacional-desenvolvimentista No
plano internacional o mundo vivia o poacutes-guerra momento marcado pela
reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos o que levou a uma grande fase de crescimento
econocircmico em niacutevel mundial conhecida como a ldquoa era de ourordquo acarretando no que
ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social
O Estado de bem-estar social era um projeto cogente para recuperar o vigor e a capacidade de expansatildeo dos paiacuteses capitalistas apoacutes a tensatildeo social econocircmica e poliacutetica do periacuteodo entre guerras Tanto que o estabelecimento do Estado de bem-estar social entre as deacutecadas de 1940 e 1960 ficou conhecido como bdquoera dourada do capitalismo‟ por ser um momento de desenvolvimento econocircmico com garantias sociais e oferecimento praticamente de emprego pleno para a maioria da populaccedilatildeo nos paiacuteses mais desenvolvidos (VICENTE 2009 p124)
Apoacutes a reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos na guerra ocorreu o processo de
internacionalizaccedilatildeo do capital O avanccedilo do capitalismo para paiacuteses como o Brasil
implicou em uma nova forma de desenvolvimento As ideacuteias por uma poliacutetica
nacional-desenvolvimentista foram propagadas principalmente pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 durante o governo interino
de Cafeacute Filho No governo de Juscelino Kubitschek o ISEB passa a ser o braccedilo do
governo no sentido de propagar a mentalidade nacional para o desenvolvimento
A deacutecada de 1960 eacute caracterizada por uma sociedade brasileira marcada pelo
processo crescente de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo e pelas mudanccedilas nas
relaccedilotildees de trabalho no campo Na mesma intensidade aumentavam as
81
desigualdades sociais o que mobilizou setores da sociedade em lutas por reformas
de base com vistas agrave reduccedilatildeo dessas desigualdades sociais (NASCIMENTO 2006)
No que se refere ao perfil que tomam as poliacuteticas educacionais nesse periacuteodo
Saviani (2005) aponta que
[] se o periacuteodo situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equiliacutebrio entre as influecircncias das concepccedilotildees humanista tradicional (representada pelos catoacutelicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educaccedilatildeo nova) a partir de 1945 jaacute se delineia como nitidamente predominante a concepccedilatildeo humanista moderna (SAVIANI 2005 p14)
Para o autor o foco no desenvolvimento econocircmico do paiacutes que por sua vez geraria
o desenvolvimento em outras instacircncias da sociedade acabou por gerar uma
inversatildeo do ensino puacuteblico A escola passou a ser instrumento para servir agrave loacutegica
do mercado por meio da pedagogia tecnicista26
No periacuteodo que se estende de 1964-1984 periacuteodo da ditadura militar todo o
aparelho estatal fora reformulado em nome da seguranccedila interna
Definindo a seguranccedila interna como accedilatildeo-resposta a um processo subversivo devendo ser conduzida em termos de aplicaccedilatildeo global do Poder Nacional dentro de uma Estrateacutegia Nacional especiacutefica A Escola Superior de Guerra considerava que essa accedilatildeo-resposta se delineava atraveacutes de trecircs atitudes estrateacutegicas preventiva repressiva e operativa (MIRANDA 1970 p18 apud SAVIANI 2004 p119)
Desse modo as accedilotildees preventivas procuravam evitar aquilo que era
entendido como subversivo As accedilotildees repressivas procuravam impedir a praacutetica
subversiva e as accedilotildees operativas destinavam-se a eliminar esses focos mediante a
accedilatildeo armada Em outras palavrasldquoo Poder Nacional tal como concebido pela
ideologia da interdependecircncia eacute acionado para destruir a autonomia nacional nos
termos da ideologia nacional-desenvolvimentistardquo (SAVIANI 2004 p120)
26
A partir do pressuposto da neutralidade cientiacutefica e inspirada nos princiacutepios de racionalidade eficiecircncia e produtividade a pedagogia tecnicista advogou a reordenaccedilatildeo do processo educativo de maneira a tornaacute-lo objetivo e operacional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretendeu-se a objetivaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico Buscou-se entatildeo com base em justificativas teoacutericas derivadas da corrente filosoacutefico-psicoloacutegica do behaviorismo planejar a educaccedilatildeo de modo a dotaacute-la de uma organizaccedilatildeo racional capaz de minimizar as interferecircncias subjetivas que pudessem pocircr em risco sua eficiecircncia (SAVIANI 2009 p11-12)
82
Eacute neste contexto que eacute possiacutevel compreender todas as poliacuteticas educacionais
durante o regime militar Destaca-se o Mobral27 seguido das reformas de ensino de
primeiro segundo e terceiros graus a criaccedilatildeo dos Centros Rurais Universitaacuterios de
Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria (CRUTACS) os Centros Sociais Urbanos o
Projeto Rondon a Empresa Brasileira de Notiacutecias (EBN) etc (SAVIANI 2004)
O periacuteodo ditatorial ao longo de duas deacutecadas que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na presidecircncia da repuacuteblica se pautou em termos educacionais pela repressatildeo privatizaccedilatildeo de ensino exclusatildeo de boa parcela das classes populares do ensino profissionalizante tecnicismo pedagoacutegico e desmobilizaccedilatildeo do magisteacuterio atraveacutes de abundante e confusa legislaccedilatildeo educacional Soacute uma visatildeo otimistaingecircnua poderia encontrar indiacutecios de saldo positivo na heranccedila deixada pela ditadura militar (GHIRALDELLI 1990 p163)
Em 1979 o Brasil dava iniacutecio ao lento e gradual processo de abertura
democraacutetica que teve iniacutecio no governo de General Geisel (1974-1979) A transiccedilatildeo
democraacutetica se fez seguindo a estrateacutegia de conciliaccedilatildeo pelo alto a fim de dar
prosseguimento agrave ordem socioeconocircmica vigente Naquele momento o mundo vivia
as consequumlecircncias da chamada crise do petroacuteleo que teve seu iniacutecio na deacutecada de
1970 As implicaccedilotildees da crise levaram os paiacuteses a tomarem medidas de
desregulamentaccedilatildeo da economia privatizaccedilotildees e destituiccedilatildeo do Estado de bem-
estar social Nesse contexto nasce o chamado neoliberalismo Neo quer dizer novo
e liberalismo refere-se ao pensamento claacutessico que serviu de base ao capitalismo
Segundo Anderson (1995) ldquoo neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra
Mundial como uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estarrdquo (ANDERSON 1995 p 9)
Na Ameacuterica Latina o efeito da crise fez com que os paiacuteses adotassem os
ajustes neoliberais orientados pelo Banco Mundial Fundo Monetaacuterio Internacional e
o governo dos Estados Unidos apoacutes o ldquoConsenso de Washingtonrdquo28 Os impactos
27
O Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo foi criado pela Lei Nordm 5379 de 15121967 e tinha como
prioridade promover a alfabetizaccedilatildeo e educaccedilatildeo continuada para jovens e adultos analfabetos Esteve embasada nas proposiccedilotildees de educaccedilatildeo funcional presente nos documentos da UNESCO em 1958 durante o Congresso Mundial de Ministros O MOBRAL teve iniacutecio em 1970 e foi caracterizado do ponto de vista teacutecnico como proacuteximo aos meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo de Paulo Freire que partia das palavras-chaves mas suas orientaccedilotildees pedagoacutegicas eram controladas e supervisionadas pelo governo 28
Em novembro de 1989 reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionaacuterios do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos O objetivo do encontro convocado pelo Institute for
83
de tais ajustes perpassam pelo campo das reformas educacionais que devem estar
condicionadas agrave loacutegica do mercado bem como da sauacutede da alimentaccedilatildeo do
trabalho e do salaacuterio (SOARES 2000)
Nesse novo contexto as poliacuteticas educacionais satildeo marcadas por um
neoconservadorismo recheado de contradiccedilotildees e ambiguumlidades presentes nas
principais poliacuteticas educacionais que por sua vez foram resultado do debate entre
diversos setores da sociedade que queriam ver seus interesses contemplados nas
poliacuteticas educacionais somadas agraves deliberaccedilotildees dos organismos multilaterais para
a educaccedilatildeo
33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988
Segundo Gabriele Sapio (2010) a Constituiccedilatildeo Federal (CF) eacute ldquouma das
cartas constitucionais mais adiantadas e progressistas do mundo em mateacuteria de
proteccedilatildeo dos direitos sociais fundamentais coletivos e individuaisrdquo (SAPIO 2010
sn) No Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute considerada um avanccedilo no sentido de
assegurar direitos sociais dentre eles o acesso agrave educaccedilatildeo
No que concerne agrave educaccedilatildeo a Constituiccedilatildeo tem uma seccedilatildeo especiacutefica
destinada agrave mesma Seccedilatildeo I do capiacutetulo III Da Educaccedilatildeo da Cultura e do Desporto
A constituiccedilatildeo de 1988 marca o retorno do Brasil para a democracia No contexto de
sua elaboraccedilatildeo houve inuacutemeros debates por parte dos setores da sociedade de
movimentos sociais a grupos dominantes que queriam ver seus interesses
contemplados na Carta Magna afirma Ghiraldelli Jr (2001 p 169) O mesmo autor
ao analisar a Carta de 1988 onde se discute a educaccedilatildeo informa que este aspecto
natildeo eacute soacute tratado em um artigo especiacutefico mas perpassa por outros toacutepicos
Na Carta de 1988 a educaccedilatildeo natildeo veio contemplada apenas no seu local proacuteprio no toacutepico especiacutefico destinada a ela mas veio tambeacutem espalhada em outros toacutepicos Assim no tiacutetulo sobre direitos e
International Economics sob o tiacutetulo Latin American Adjustment How Much Has Happened era proceder a uma avaliaccedilatildeo das reformas econocircmicas empreendidas nos paiacuteses da regiatildeo Para relatara experiecircncia de seus paiacuteses tambeacutem estiveram presentes diversos economistas latino-americanos Agraves conclusotildees dessa reuniatildeo eacute que se daria subsequentemente a denominaccedilatildeo informal de Consenso de Washingtonrdquo (BATISTA 1994 p 5)
84
garantias fundamentais a educaccedilatildeo apareceu como um direito social junto da sauacutede do trabalho do lazer da seguranccedila da previdecircncia social da proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia da assistecircncia aos desamparados (artigo 6deg) Tambeacutem no capiacutetulo sobre a famiacutelia a crianccedila o adolescente e o idoso a educaccedilatildeo foi incluiacuteda A Constituiccedilatildeo determinou ser dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente o direito agrave educaccedilatildeo como uma prioridade em relaccedilatildeo ao outros direitos (GHIRALDELLI JR 2001 p169)
Diante das mudanccedilas que a CF trouxe agrave Educaccedilatildeo houve tambeacutem a
necessidade de se elaborar uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional Em dezembro de 1988 o deputado Octaacutevio Eliacutesio apresentou um projeto
que fixava as diretrizes e bases nacionais da educaccedilatildeo diante da nova realidade
brasileira Apoacutes oitos ano de tramitaccedilatildeo debates e discussotildees a nova LDB foi
aprovada em 1996 Atualmente eacute a diretriz que rege o curriacuteculo nacional Assim eacute a
partir dela que iremos iniciar a anaacutelise propostas das poliacuteticas educacionais para a
diversidade
34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais
Seraacute que a escola pode ser a mesma quando os educandos satildeo outros Seraacute que o curriacuteculo pode ser o mesmo quando os alunos satildeo outros Seraacute que a pedagogia deva ser a mesmaA docecircncia deva ser a mesma (Miguel Arroyo 2014-Em entrevista concedida ao Portal Dia a Dia Educaccedilatildeo)
As perguntas acima foram feitas pelo poacutes-doutor em educaccedilatildeo Miguel
Arroyo em entrevista concedida a TV Paulo Freire no ano de 2013 Quando
questionado sobre como a escola deve trabalhar o tema da diversidade ele aponta
que natildeo eacute o aluno quem deve se adaptar agrave escola mas a escola quem deve se
adaptar ao aluno Nesse sentido adaptando o questionamento de Arroyo sobre as
poliacuteticas educacionais para a realidade fronteiriccedila a pergunta ficaria a seguinte seraacute
que a escola situada em regiatildeo de fronteira internacional pode ser a mesma quando
os educandos satildeo outros
E este bdquooutro‟ na fronteira eacute o argentino o aacuterabe o paraguaio o brasiguaio o
indiacutegena que estatildeo imersos em meio a tantas outras diversidades que natildeo foram
tratadas aqui mas que complexificam ainda mais a realidade das escolas de
85
fronteira Nela tambeacutem nos deparamos com as questotildees de gecircnero de raccedila de
classes etc Pensando nestes aspectos o que as principais poliacuteticas educacionais
nacionais podem ou natildeo oferecer quando o assunto eacute a diversidade nas escolas de
fronteira internacional
Por diversidade Elvira de Souza Lima (2011) entende que a mesma eacute a
norma da espeacutecie humana pois ldquoos seres humanos satildeo diversos em suas
experiecircncias culturais satildeo uacutenicos em suas personalidades e satildeo diversos em suas
formas de perceber o mundordquo Segundo Gurgel (LIMA 2011 p1) a ideia de
diversidade relaciona-se diretamente com os conceitos de pluralidade multiplicidade
que indicam diferentes valores costumes vivecircncias de diferentes grupos da
sociedade
Nas concepccedilotildees de Gurgel do ponto de vista da Antropologia compreender
os elementos constitutivos da diversidade nos leva a entender diferentes ldquohaacutebitos
costumes comportamentos crenccedilas e valores e a aceitaccedilatildeo da diferenccedila no outro
chamada de alteridaderdquo (GURGEL 2011 p 4)
Nilma Lino Gomes (2008) ao discorrer sobre o que eacute diversidade busca seu
significado no dicionaacuterio apontando que as palavras que traduzem seu sentido satildeo
diferenccedila e dessemelhanccedila Em uma primeira interpretaccedilatildeo Nilma explica que a
diversidade pode se referir a fatos observaacuteveis a olho nu Contudo se ampliarmos a
noccedilatildeo sobre o que sejam diferenccedilas e incluir essas discussotildees no acircmbito cultural eacute
possiacutevel compreendecirc-la de duas formas
1)As diferenccedilas podem ser empiricamente observaacuteveis 2) as diferenccedilas tambeacutem satildeo construiacutedas ao longo do processo histoacuterico nas relaccedilotildees sociais e nas relaccedilotildees de poder Muitas vezes os grupos humanos tornam o outro diferente para fazecirc-lo inimigo para dominaacute-lo Por isso falar sobre a diversidade cultural natildeo diz respeito apenas ao reconhecimento do outro Significa pensar a relaccedilatildeo entre o eu e o outro (GOMES 2008 p2)
Na aacuterea de estudos das poliacuteticas educacionais o tema diversidade eacute recente
Somente a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 e da implementaccedilatildeo da LDB96 eacute que as
poliacuteticas educacionais para diversidade ganharam espaccedilo no campo das poliacuteticas
puacuteblicas
86
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo
A atual LDB96 eacute fruto do novo quadro poliacutetico que se instaurou no Brasil com
o processo de abertura democraacutetica Como jaacute mencionado foram oito anos de
tramitaccedilatildeo ateacute que em 1996 ela fosse fixada com a aprovaccedilatildeo da redaccedilatildeo proposta
pelo entatildeo Deputado Federal e antropoacutelogo Darcy Ribeiro
Ao analisar a LDB96 eacute possiacutevel encontrar alguns artigos que reconhecem a
diversidade existente no paiacutes No Capiacutetulo II referente agrave Educaccedilatildeo Baacutesica o artigo
26 prescreve o seguinte
Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da economia e da clientela (BRASIL 1996)
Com base neste artigo compreende-se que dadas as diferenccedilas culturais presentes
em cada regiatildeo cabe agrave instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave
realidade local Logo a lei daacute margem para que um trabalho diferenciado possa ser
realizado em aacutereas de fronteira internacional O inciso de nuacutemero cinco do mesmo
artigo torna obrigatoacuterio o ensino de uma liacutengua estrangeira moderna cuja escolha
fica a criteacuterio da comunidade escolar a partir da quinta seacuterie (hoje sexto ano)
Em 2005 foi criada a Lei de no 11161 que tornou obrigatoacuterio o ensino da
Liacutengua Espanhola para o Ensino Meacutedio
Art 1o O ensino da liacutengua espanhola de oferta obrigatoacuteria pela escola e de matriacutecula facultativa para o aluno seraacute implantado gradativamente nos curriacuteculos plenos do ensino meacutedio sect 1o O processo de implantaccedilatildeo deveraacute estar concluiacutedo no prazo de cinco anos a partir da implantaccedilatildeo desta Lei sect 2o Eacute facultada a inclusatildeo da liacutengua espanhola nos curriacuteculos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a seacuteries Art 2o A oferta da liacutengua espanhola pelas redes puacuteblicas de ensino deveraacute ser feita no horaacuterio regular de aula dos alunos (BRASIL 2005)
Esta uacuteltima lei expressa o contexto da eacutepoca Primeiro pelo crescimento do poder
econocircmico da Espanha e o crescente aumento do espanhol nos EUA (CELADA
1991 apud AMARAL E MAZZARO 2006) Em segundo o entatildeo presidente Luis
Inaacutecio Lula da Silva tinha como plano de governo a aproximaccedilatildeo com os demais
87
paiacuteses da Ameacuterica Latina haja vista que historicamente a relaccedilatildeo do Brasil com os
paiacuteses da regiatildeo tanto no acircmbito econocircmico como social era pequena Com essa
proposta de integraccedilatildeo em um de seus discursos ele diz
A grande prioridade da poliacutetica externa durante o meu governo seraacute a construccedilatildeo de uma Ameacuterica do Sul politicamente estaacutevel proacutespera e unida com base em ideais democraacuteticos e de justiccedila social Para isso eacute essencial uma accedilatildeo decidida de revitalizaccedilatildeo do MERCOSUL enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visotildees muitas vezes estreitas e egoiacutestas do significado da integraccedilatildeo O MERCOSUL assim como a integraccedilatildeo da Ameacuterica do Sul em seu conjunto eacute sobretudo um projeto poliacutetico Mas esse projeto repousa em alicerces econocircmico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforccedilados Cuidaremos tambeacutem das dimensotildees social cultural e cientiacutefico-tecnoloacutegica do processo de integraccedilatildeo (LULA DA SILVA 2003)
A partir de entatildeo outras iniciativas aleacutem do ensino do espanhol foram
implementadas como a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino superior em aacutereas
fronteiriccedilas entre elas a Universidade Federal da Fronteira Sul (Santa Catarina)
criada em outubro de 2009 a Universidade Federal do Pampa (Rio Grande do Sul)
fundada em janeiro de 2008 a Universidade Federal de Grande Dourados (Mato
Grosso do Sul) fundada em agosto de 2005 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo
Latino-Americana (Paranaacute) criada em janeiro de 2010 e a Universidade da
Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira tambeacutem criada em 2010 Esta
uacuteltima que conforme o nome sugere orienta-se para o desenvolvimento cientiacutefico
educacional e cultural da Ameacuterica Latina No acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica temos o
Programa Escola Intercultural Biliacutenguumle de iniciativa do Mercosul que objetiva a
integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo biliacutengue em escolas puacuteblicas do ensino
fundamental presentes em cidades da faixa de fronteira
Nesse sentido ainda que as estrateacutegias dessas instituiccedilotildees estejam
relacionadas ao projeto de integraccedilatildeo na regiatildeo de faixa de fronteira a presenccedila de
instituiccedilotildees de ensino superior contribui para o desenvolvimento de pesquisas
criaccedilatildeo de projetos e programas tanto no acircmbito nacional com as cidades e as
instituiccedilotildees locais como no acircmbito internacional em parceira com instituiccedilotildees dos
paiacuteses com as quais essas instituiccedilotildees fazem fronteira Isso por consequecircncia
pode contribuir para debates e mudanccedilas na educaccedilatildeo nas escolas de fronteira
No que confere agrave obrigatoriedade do ensino de espanhol algumas pesquisas
sobre sua implementaccedilatildeo identificaram algumas fragilidades Nos resultados
88
parciais da pesquisa de doutorado sobre o ensino do espanhol no Brasil realizada
por Maria Fernanda Lisboa (2011) a autora identificou que o discurso de integraccedilatildeo
linguiacutestico-cultural que justifica a lei ldquoeacute apenas uma fachada para desviar a atenccedilatildeo
dos reais interesses por traacutes dessa poliacutetica natildeo soacute linguumliacutesticardquo (LISBOA 2011 p
213) A autora faz referecircncia aos interesses da Espanha que estaacute agrave frente dessa
poliacutetica ldquoinvestindo em assessorias linguumliacutesticas na criaccedilatildeo de vaacuterias sedes do
Instituto Cervantes e ainda disseminando cursos de capacitaccedilatildeo para professoresrdquo
(LISBOA 2011 p 213) Estes cursos satildeo vistos pelas associaccedilotildees de professores
pelos formadores de professores e por Universidades de modo negativo Na
avaliaccedilatildeo daqueles que satildeo contraacuterios a essas formaccedilotildees encontra-se a duacutevida na
real qualidade da mesma visto que eacute um curso inteiramente agrave distacircncia sem
maiores reflexotildees relacionados agrave metodologia
Aleacutem disso haacute outras questotildees como a demanda de professores oferta de
materiais didaacuteticos interesse por parte dos alunos que satildeo desafios a serem
superados nesse processo de implementaccedilatildeo Entretanto mesmo diante das
contradiccedilotildees e lacunas que a sua obrigatoriedade significou a lei que completou dez
anos de sua criaccedilatildeo e cinco do prazo final para sua execuccedilatildeo nas escolas em 2015
abre possibilidades para maiores discussotildees e provocaccedilotildees se pensarmos a partir
da integraccedilatildeo dos paiacuteses fronteiriccedilos ou mesmo em niacutevel de poliacuteticas linguumliacutesticas
para essa regiatildeo Afinal conforme Marcuschi (2005) ldquonatildeo se pode reduzir a
linguagem ao seu papel de ferramenta social tampouco reduzi-la ao caraacuteter formal
pois liacutengua natildeo eacute forma nem funccedilatildeo e sim atividade significante e constitutivardquo
(MARCUSCHI 2005 p 3)
Em 2003 foi criada a lei 1063903 que tornou obrigatoacuteria a inclusatildeo do ensino
da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-Brasileira nos curriacuteculos dos estabelecimentos
de ensino puacuteblicos e particulares da educaccedilatildeo baacutesica E em 2008 foi criada a lei
1164508 que acrescenta o estudo da histoacuteria e cultura indiacutegena nas escolas
puacuteblicas e privadas da educaccedilatildeo baacutesica
1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere este artigo incluiraacute diversos aspectos da histoacuteria e da cultura que caracterizam a formaccedilatildeo da populaccedilatildeo brasileira a partir desses dois grupos eacutetnicos tais como o estudo da histoacuteria da Aacutefrica e dos africanos a luta dos negros e dos povos indiacutegenas no Brasil a cultura negra e indiacutegena brasileira e o negro e o iacutendio na formaccedilatildeo da sociedade
89
nacional resgatando as suas contribuiccedilotildees nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinentes agrave histoacuteria do Brasil sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira e dos povos indiacutegenas brasileiros seratildeo ministrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de educaccedilatildeo artiacutestica e de literatura e histoacuteria brasileira (BRASIL 2008)
No acircmbito estadual o Paranaacute emitiu a seguinte nota sobre a obrigatoriedade
da lei 1063903
No curriacuteculo oficial da Rede de Educaccedilatildeo do Paranaacute a obrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e seus desencadeamentos tem efetivado accedilotildees para a formaccedilatildeo das equipes multidisciplinares nos Nuacutecleos Regionais de Educaccedilatildeo e nas escolas A medida eacute um dos objetivos para valorizar a histoacuteria da populaccedilatildeo negra no Estado do Paranaacute e orientar a comunidade escolar para o enfrentamento do preconceito da discriminaccedilatildeo do racismo (SEED 2013)
Assim a fim de atender tanto a lei 1063903 quanto a 1164508 a Secretaria
Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute instituiu as Equipes Multidisciplinares validadas
pelo artigo 26 da LDB Lei nordm 939496 pela Deliberaccedilatildeo nordm 0406 CEEPR pela
Instruccedilatildeo nordm 01706 SUEDSEED pela Resoluccedilatildeo nordm 339910 SEEDSEED e a
Instruccedilatildeo nordm 0101 SUESSEED As equipes multidisciplinares satildeo compostas por
professores de diferentes aacutereas pedagogos diretores e agentes educacionais e
representantes da comunidade externa (pais movimentos sociais professores do
ensino superior representantes das Comunidades Remanescentes de Quilombos
lideranccedilas indiacutegenas dentre outros)
A equipe se encontra em espaccedilos para debater estrateacutegias e desenvolver
accedilotildees pedagoacutegicas que fortaleccedilam a implementaccedilatildeo das leis 1063903 e 1164508
no curriacuteculo escolar das instituiccedilotildees de ensino da rede puacuteblica estadual e escolas
conveniadas do Paranaacute Com isso nota-se a preocupaccedilatildeo em cumprir a legislaccedilatildeo
sendo uma das accedilotildees a criaccedilatildeo da Equipe Multidisciplinar que deixa claro que o
trabalho da equipe eacute destinado ao ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e
indiacutegena nas escolas estaduais paranaenses conforme as atribuiccedilotildees presentes na
Instruccedilatildeo Nordm 0102010 ndash SUEDSEE da qual destacam
Compete agrave Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo ndash SEED 1Garantir que todos os NREs e estabelecimentos de ensino na Rede Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute organizem suas Equipes Multidisciplinares para tratar da Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-
90
Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afrobrasileira Africana e Indiacutegena Compete agrave Equipe Multidisciplinar do Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
1Orientar e acompanhar o funcionamento e organizaccedilatildeo das Equipe Multidisciplinares dos estabelecimentos da Rede Estadual de Ensino para a efetivaccedilatildeo de accedilotildeesexperiecircncias em ERER subsidiando os profissionais da educaccedilatildeo em consonacircncia com as poliacuteticas puacuteblicas estabelecidas pela Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo 2Promover accedilotildees voltadas agrave formaccedilatildeo continuada e de pesquisa dos teacutecnicos do NRE sobre o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro brasileira Africana e Indiacutegena (SEED 2010)
Ao longo do documento natildeo haacute referecircncias que indiquem que o professor
deva trabalhar com outros temas referentes agrave diversidade Contudo a criaccedilatildeo da
equipe multidisciplinar eacute um exemplo de uma poliacutetica educativa criada para o
cumprimento da legislaccedilatildeo Com isso vem o seguinte questionamento no caso dos
desafios enfrentados pelas escolas e professores situados em regiatildeo de fronteira a
obrigatoriedade para demandas especiacuteficas dessas escolas teria um caminho
possiacutevel (deliberaccedilotildees especiacuteficas para as documentaccedilotildees dos alunos
estrangeiros a obrigatoriedade do ensino da histoacuteria da cultura dos paiacuteses com os
quais a cidade fronteiriccedila faz parte formaccedilatildeo de professores especiacuteficas em cidade
ou regiotildees como Foz do Iguaccedilu que apresenta uma quantidade expressiva de
estrangeiras nesse caso os aacuterabes a proposta de poliacuteticas linguumliacutesticas especiacuteficas
que facilitem o processo de inserccedilatildeo desses alunos em sala de aula etc)
Essas questotildees surgiram agrave medida que se tornou possiacutevel perceber que
quando um tema eacute reconhecido pelo Estado tem-se a impressatildeo de que ele passa a
existir oficialmente nas escolas e nas outras instituiccedilotildees Por exemplo a lei
1063903 discute a temaacutetica da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e possui dentre
outros objetivos o combate ao racismo Essa discussatildeo poreacutem sempre esteve
presente nas escolas pois a luta contra o racismo e discriminaccedilatildeo racial comeccedilou
ainda no periacuteodo escravocrata pelos primeiros movimentos de resistecircncia a citar os
quilombos
Desse modo natildeo eacute novidade o enfrentamento com o racismo nem eacute
novidade que os negros ficaram excluiacutedos da histoacuteria nacional e desde entatildeo
buscam a afirmaccedilatildeo de sua identidade Denota-se que satildeo questotildees que natildeo
passam despercebidas pela escola mas para que chegasse ateacute ela necessitou de
dispositivos legais para que fossem discutidas em sala de aula com o respaldo do
91
Estado Esses respaldos seriam accedilotildees criadas para dar condiccedilotildees de
implementaccedilatildeo agrave lei como a criaccedilatildeo em 2004 da Secretaria de Educaccedilatildeo
Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECAD) com a finalidade de articular o
tema da diversidade nas poliacuteticas educacionais Tambeacutem foram criados alguns
programas e projetos Programa Diversidade na Universidade (2002 a 2007) os
Foacuteruns Estaduais e Foacuteruns Permanentes de Educaccedilatildeo e Diversidade Eacutetnico-Racial
a distribuiccedilatildeo do Kit didaacutetico-pedagoacutegico a Oficina Cartograacutefica sobre Geografia
Afro-brasileira e Africana (2005) o Projeto Educadores pela Diversidade
(20042005) o Curso Educaccedilatildeo e Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais (2005) a Pesquisa
Nacional Diversidade nas Escolas (2006 a 2009) dentre outros (GOMES 2010)
Tudo isto foi possiacutevel explica Gomes (2010) devido ao longo processo de
lutas sociais e natildeo a ldquouma daacutediva do Estado pois enquanto uma poliacutetica de accedilatildeo
afirmativa ela ainda eacute vista com muitas reservas pelo ideaacuterio republicano brasileiro
que resiste em equacionar a diversidaderdquo (GOMES 2010 p 9) Diante das
prerrogativas contidas na LDB96 referentes agrave questatildeo da diversidades cultural
observou que elas por si soacute natildeo atingem a fronteira com suas diversidades que
estatildeo nas escolas que devem seguir as suas normas que por sua vez seguem uma
linha de poliacuteticas universalistas
342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
Os Paracircmetros Curriculares Nacionais foram publicados apoacutes a
implementaccedilatildeo da Lei de Diretrizes e bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 pela
Secretaria de Educaccedilatildeo do Ensino Fundamental do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do
Desporto O contexto de sua construccedilatildeo ocorreu apoacutes a Conferecircncia Mundial de
Educaccedilatildeo para Todos em Jomtien na Tailacircndia (1990) que teve como resultado
um documento que destaca a necessidade de uma educaccedilatildeo para todos sem
distinccedilatildeo Do compromisso assumido internacionalmente para com a Educaccedilatildeo
somados aos princiacutepios previstos na LDB de 1996 nascem os PCN‟S
Os PCN‟s satildeo um instrumento normativo que nasceu para cumprir o artigo
210 disposto no capiacutetulo III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que institui a fixaccedilatildeo de
ldquoconteuacutedos miacutenimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formaccedilatildeo
baacutesica comum e respeito aos valores culturais e artiacutesticos nacionais e regionaisrdquo
Nasceu tambeacutem no contexto das implementaccedilotildees das poliacuteticas neoliberais o que
92
gerou muitas criacuteticas acerca de seus reais propoacutesitos Contaram com os subsiacutedios
de acordos e documentos elaborados por organismos internacionais tais como a
declaraccedilatildeo Mundial sobre a Educaccedilatildeo para Todos Declaraccedilatildeo de Nova Delhi
Relatoacuterio para a Unesco da Comissatildeo Internacional sobre a Educaccedilatildeo para o seacuteculo
XXI dentre outros acordos e documentos de organismos internacionais
(RODRIGUES 2001)
O processo de elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais conforme o
documento comeccedilou a partir do estudo das
Propostas curriculares de Estados e Municiacutepios brasileiros do diagnoacutestico realizado pela Fundaccedilatildeo Carlos Chagas sobre curriacuteculos oficiais e do contato com informaccedilotildees referentes agraves experiecircncias de outros paiacuteses (BRASIL 1998 p15)
Com base nas orientaccedilotildees presentes no Plano Decenal de Educaccedilatildeo (1993-
2003) de pesquisas internas e externas de dados acerca do desempenho dos
estudantes do ensino fundamental aleacutem das experiecircncias de sala de aula
socializadas em seminaacuterios congressos encontros e publicaccedilotildees foi elaborada a
proposta inicial que passou por um processo de anaacutelise entre os anos de 1995 e
1996 Desta anaacutelise saiacuteram aproximadamente setecentos pareceres sobre a
proposta inicial que serviram de referecircncia para sua redaccedilatildeo final
Os PNC‟s de 1ordf a 4ordf seacuterie foram transformados em 10 livros lanccedilados no dia
15 de outubro de 1997 dia do professor na capital Brasiacutelia Estes dez volumes
apresentam os seguintes conteuacutedos introduccedilatildeo liacutengua portuguesa matemaacutetica
ciecircncias naturais histoacuteria e geografia arte educaccedilatildeo fiacutesica apresentaccedilatildeo dos
temas transversais meio ambiente e sauacutede pluralidade cultural e orientaccedilatildeo sexual
Desse modo estatildeo organizados em um documento introdutoacuterio seis documentos
que tratam das aacutereas de conhecimentos gerais e trecircs volumes referentes aos Temas
Transversais (MOTTA 2005)
Segundo o documento elaborado em 1997 com o objetivo de introduzir os
PCN‟s ao professor sua funccedilatildeo eacute de
() orientar e garantir a coerecircncia dos investimentos no sistema educacional socializando discussotildees pesquisas e recomendaccedilotildees subsidiando a participaccedilatildeo de teacutecnicos e professores brasileiros principalmente daqueles que se encontram mais isolados com
93
menor contato com a produccedilatildeo pedagoacutegica atual (BRASIL 1997 p13)
Trata-se portanto natildeo de um curriacuteculo mas de um suporte para que a escola
possa elaborar seu programa curricular dentro de sua realidade especiacutefica Os
PCN‟s estatildeo organizados em dois grupos 1) composto por aacutereas tradicionais
(Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias Naturais Educaccedilatildeo Fiacutesica
Liacutengua Estrangeira e Arte) 2) composto pelos temas transversais que vai tratar das
seguintes questotildees Eacutetica do Meio Ambiente da Pluralidade Cultural da Sauacutede da
Orientaccedilatildeo Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL 1998 p17) A justificativa
para a escolha de tais temaacuteticas pauta-se no fato de serem assuntos urgentes e que
fazem parte das preocupaccedilotildees e do cotidiano da sociedade brasileira
A finalidade uacuteltima dos Temas Transversais se expressa neste criteacuterio que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questotildees que interferem na vida coletiva superar a indiferenccedila e intervir de forma responsaacutevel Assim os temas eleitos em seu conjunto devem possibilitar uma visatildeo ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserccedilatildeo no mundo aleacutem de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participaccedilatildeo social dos alunos (BRASIL 1998 p26)
Por temas transversais compreende-se um conjunto de conteuacutedos que natildeo
ldquoquerendo desbancar os previamente fixados pelas disciplinas acadecircmicas
claacutessicas se apresentam como temas transversais no curriacuteculo e portanto comuns
a todas as aacutereas e disciplinasrdquo (RAMOS 1998 p 2) Neste sentido como explica o
volume 10 dos Paracircmetros Curriculares Nacionais que trata dos temas transversais
os conteuacutedos convencionais devem receber as questotildees dos Temas Transversais
de modo que seus conteuacutedos os explicitem e os objetivos sejam considerados
(BRASIL 1998) Em seguida o documento apresenta o seguinte exemplo para
ilustrar essa transversalidade
() aacuterea de Ciecircncias Naturais inclui a comparaccedilatildeo entre os principais oacutergatildeos e funccedilotildees do aparelho reprodutor masculino e feminino relacionando seu amadurecimento agraves mudanccedilas no corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a puberdade e respeitando as diferenccedilas individuais Dessa forma o estudo do corpo humano natildeo se restringe agrave dimensatildeo bioloacutegica mas coloca esse conhecimento a serviccedilo da compreensatildeo da diferenccedila de gecircnero (conteuacutedo de Orientaccedilatildeo Sexual ) e do respeito agrave diferenccedila (conteuacutedo de Eacutetica) Assim natildeo se trata de que os professores das
94
diferentes aacutereas devam ldquopararrdquo sua programaccedilatildeo para trabalhar os temas mas sim de que explicitem as relaccedilotildees entre ambos e as incluam como conteuacutedos de sua aacuterea articulando a finalidade do estudo escolar com as questotildees sociais possibilitando aos alunos o uso dos conhecimentos escolares em sua vida extra-escolar Natildeo se trata portanto de trabalhaacute-los paralelamente mas de trazer para os conteuacutedos e para a metodologia da aacuterea a perspectiva dos temas
(BRASIL 1998 p27)
Fernanda Motta (2005) explica que as discussotildees sobre os temas
transversais no campo da educaccedilatildeo surgem em um momento onde diversos grupos
sociais politicamente organizados em diferentes paiacuteses comeccedilaram a questionar
qual seria o papel da escola em meio a uma sociedade plural e globalizada e quais
assuntos que deveriam ser tratados na educaccedilatildeo escolar (MOTTA 2005 p20)
Neste sentido continua
Esses grupos comeccedilaram a pressionar os Estados para que incluiacutessem na estrutura curricular escolar temas mais vinculados ao cotidiano da maioria da populaccedilatildeo possibilitando que as disciplinas passassem a se relacionar com a realidade contemporacircnea Parte-se do princiacutepio de que a escola natildeo pode ser vista como uma instituiccedilatildeo isolada Sua accedilatildeo deve ser norteada tomando como paracircmetro a cultura na qual estaacute inserida (MOTTA 2005 p28)
Assim podemos compreender a educaccedilatildeo como um tipo de poliacutetica social
pensada natildeo somente a partir do Estado mas por atores da sociedade civil
As poliacuteticas sociais ndash e a educaccedilatildeo ndash se situam no interior de um tipo particular de Estado Satildeo formas de interferecircncia do Estado visando agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de determinada formaccedilatildeo social Portanto assumem bdquofeiccedilotildees‟ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepccedilotildees de Estado (HOFLING 2001 p31)
343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural
No PCN de nuacutemero dez que trata especificamente dos temas transversais
no capiacutetulo referente agrave pluralidade cultural a justificativa pela pertinecircncia do tema eacute
dada pela diversidade cultural presente no paiacutes
Convivem hoje no territoacuterio nacional cerca de 210 etnias indiacutegenas cada uma co identidade proacutepria e representando riquiacutessima diversidade sociocultural junto a uma imensa populaccedilatildeo formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo numeroso de
95
imigrantes e descendentes de povos de vaacuterios continentes com diferentes tradiccedilotildees culturais e religiosas (BRASIL 1997 p125)
O documento chama atenccedilatildeo para o fato de que essa pluralidade cultural que natildeo
foge agrave realidade das escolas eacute ignorada ou mesmo silenciada sendo inuacutemeras as
justificativas para tal silenciamento Um exemplo citado pelos PCN‟s foi o periacuteodo de
nacionalismo dos governos autoritaacuterios que ldquoem diferentes momentos da histoacuteria
valeu-se da accedilatildeo homogeneizadora veiculada na escolardquo (BRASIL 1997 p125) A
deacutecada de 1930 foi um periacuteodo em que a poliacutetica oficial estava preocupada com a
quantidade de imigrantes e buscava formas de fazer com que essa populaccedilatildeo
assimilasse a cultura brasileira Enquanto isso a populaccedilatildeo negra era
marginalizada explica o PCN acerca da pluralidade cultural
O trabalho com o tema transversal propotildee o desenvolvimento das seguintes
capacidades
conhecer a diversidade do patrimocircnio etnocultural brasileiro cultivando atitude de respeito para com pessoas e grupos que a compotildeem reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indiviacuteduos e elemento de fortalecimento da democracia
compreender a memoacuteria como construccedilatildeo conjunta elaborada como tarefa de cada um e de todos que contribui para a percepccedilatildeo do campo de possibilidades individuais coletivas comunitaacuterias e nacionais
valorizar as diversas culturas presentes na constituiccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo reconhecendo sua contribuiccedilatildeo no processo de constituiccedilatildeo da identidade brasileira
reconhecer as qualidades da proacutepria cultura valorando-as criticamente enriquecendo a vivecircncia de cidadania
desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminaccedilatildeo
repudiar toda discriminaccedilatildeo baseada em diferenccedilas de raccedilaetnia classe social crenccedila religiosa sexo e outras caracteriacutesticas individuais ou sociais
exigir respeito para si e para o outro denunciando qualquer atitude de discriminaccedilatildeo que sofra ou qualquer violaccedilatildeo dos direitos de crianccedila e cidadatildeo
valorizar o conviacutevio paciacutefico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural
compreender a desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passiacutevel de mudanccedilas
analisar com discernimento as atitudes e situaccedilotildees fomentadoras de todo tipo de discriminaccedilatildeo e injusticcedila social (BRASIL1998p147)
96
Diante dessas capacidades apresentadas pelo PCN eacute possiacutevel perceber que
o documento natildeo aborda especificamente a questatildeo da diversidade em regiatildeo de
fronteira internacional pois trata-se de orientaccedilotildees a serem desenvolvidas em todas
as escolas do paiacutes e natildeo em determinada regiatildeo especiacutefica cabendo entatildeo agrave
instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias conforme o contexto no qual
estaacute inserida
Eacute importante lembrar que o estreito viacutenculo entre os conteuacutedos selecionados e a realidade local a partir mesmo das caracteriacutesticas culturais locais faz com que este trabalho possa incluir e valorizar questotildees da comunidade imediata agrave escola Contudo a proposta levanta tambeacutem a necessidade de referenciais culturais voltados para a pluralidade caracteriacutestica do Brasil como forma de compreender a complexidade do paiacutes bem como de ampliar horizontes para o trabalho da escola como um todo Lembra-se ainda que os conteuacutedos aqui definidos destinam-se ao trabalho com o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental (BRASIL 1998 p148)
Em uma primeira leitura os temas transversais para a pluralidade cultural
conseguem abordar as principais pautas que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a
LDB96 estabelecem ao propor um ensino que valorize e incorpore o debate da
diversidade cultural na escolas mas que se apresentaram de modo muito superficial
e ao mesmo tempo amplo
Dentre algumas consideraccedilotildees acerca dos PCN‟S encontra-se a do professor
Antocircnio Cunha que na ocasiatildeo do lanccedilamento dos documentos questionou-os em
relaccedilatildeo ao o seu processo de elaboraccedilatildeo uma vez que o governo preferiu criar
propostas novas para os PCN‟s desconsiderando totalmente as anteriores
Em vez de se partir das propostas curriculares existentes para se chegar aos PCN‟s o que se fez foi apresentar aos estupefactos assistentes os paracircmetros jaacute elaborados Esse procedimento insoacutelito serviu para desestimular docentes e pesquisadores a darem seu parecer sobre os documentos quando solicitados pela Secretaria do Ensino Fundamental Parece que mais uma vez a administraccedilatildeo puacuteblica tem da pesquisa uma visatildeo apenas justificatoacuteria das opccedilotildees tomadas pelos dirigentes quando natildeo de algo apresentado tatildeo-somente para efeito propagandiacutestico (CUNHA 1996 p61)
Deste modo algumas das criacuteticas direcionadas aos PCN‟s encontram-se em
sua concepccedilatildeo O Parecer da Agecircncia Nacional dos Geoacutegrafos Brasileiros (AGB)
em consonacircncia com a posiccedilatildeo da Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria (ANPUH)
97
realizado a pedido Secretaria do Ensino Fundamental do MEC na ocasiatildeo de seu
processo de elaboraccedilatildeo deu a seguinte resposta
Os bdquoParacircmetros‟ apresentam-se hoje como um retrocesso Apresentam-se organizados de forma semelhante aos antigos Guias Curriculares divididos em objetivos conteuacutedos avaliaccedilatildeo orientaccedilotildees didaacuteticas (em lugar das estrateacutegias) Apoacutes uma tentativa de explicitaccedilatildeo de conteuacutedos elenca-se para cada ciclo uma lista que pretende sintetizaacute-los Mesmo que no documento introdutoacuterio e nos documentos de aacuterea apareccedila registrada a natildeo intencionalidade da parte do MEC no sentido da obrigatoriedade de conteuacutedos determinados a real intenccedilatildeo jaacute patente a partir da escolha do termo bdquoparacircmetros‟ e a forma da organizaccedilatildeo dos mesmos eacute de molde a constituir em modelos uacutenicos a serem popularizadas e vulgarizadas em novos manuais didaacuteticos ()- O documento intitulado bdquoTemas Transversais‟ homogeneizar para a totalidade do paiacutes a definiccedilatildeo de bdquoconviacutevio social e eacutetica‟ meio ambiente e sauacutederdquo(AGB 1996p 62)
No parecer dos geoacutegrafos a construccedilatildeo de modelos uacutenicos e vulgarizados
bem como a tentativa de universalizar temas como a de conviacutevio social e eacutetico para
todo o paiacutes satildeo objetos de criacuteticas na medida em que a reflexatildeo sobre pluralidade
que haacute no paiacutes deve-se primeiramente ao seguinte questionamento destes temas
transversais - e em destaque o que trata da pluralidade cultural - quando adentra
em realidades como a de Foz do Iguaccedilu satildeo passiacuteveis de considerar as condiccedilotildees
locais Na mesma perspectiva Calllai (1997) fez o seguinte questionamento e
reflexatildeo
Os temas transversais propostos de certa forma homogeinizam tanto os problemas como o curriacuteculo a niacutevel nacional Eacute possiacutevel articular-se questotildees como pluralidade cultural exclusatildeo social e proposiccedilatildeo uacutenica de curriacuteculo As desigualdades sociais satildeo tambeacutem regionalizadas e como tal diferenciadas na sua expressatildeo localizada E eacute no local que o sujeito encara os problemas do seu cotidiano embora eles sejam o mais das vezes globais Poreacutem o global estaacute concretizado no lugar em que se vive e como tal eacute a partir daiacute que se precisa consideraacute-lo (CALLAI 1997 p 10)
Por outro lado aqueles (SILVEIRA MARQUES 2004) que vecircem os Temas
Transversais como uma novidade facilitadora para que haja debates em sala sobre
cultura diversidade e voltada para a interculturalidade possuem a consciecircncia de
que haacute alguma dificuldades seja pela falta de bibliografia pelas poucas experiecircncias
desenvolvidas e ateacute mesmo pela falta de formaccedilatildeo adequada de professores
Para que o trabalho com os temas transversais seja de fato efetivo torna-se
necessaacuterio a construccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica que envolva toda a
98
comunidade escolar Eacute necessaacuterio considerar que os temas ultrapassem os muros
da escola incluindo o contexto social envolvente Com relaccedilatildeo aos PCN‟s ainda que
haja criacuteticas referentes agrave sua elaboraccedilatildeo ainda que eles tendam agrave homogeneizaccedilatildeo
e por isso apresentem certa incoerecircncia teoacuterica a problemaacutetica maior eacute se esse
documento por meio dos temas transversais conseguiu inserir o debate sobre a
diversidade na comunidade escolar e como esse debate foi inserido
De modo geral os PCN‟s representam um avanccedilo no modo como trata do
tema pluralidade cultural No entanto as anaacutelises demonstraram que as tendecircncias
agrave homogeneizaccedilatildeo do curriacuteculo nacional ficam impliacutecitas no documento logo ele
recai em contradiccedilotildees pois reconhece a diversidade que existe no paiacutes mas insiste
em direcionar o trabalho da pluralidade a grupos especiacuteficos Neste caso negros e
indiacutegenas natildeo alcanccedilando realidades como a fronteiriccedila Assim acaba por deixar
de lado outros grupos
344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEE-PR) de 2015 eacute fruto de um
processo que tem iniacutecio na Constituiccedilatildeo de 1988 que por meio do Art 22 inciso
XXIV estabelecia a elaboraccedilatildeo de uma Nova Lei de Diretrizes e Bases para
Educaccedilatildeo Sendo entatildeo criada em 1996 a LDB96 que delegou para estados
municiacutepios Uniatildeo e Distrito Federal ldquoaos entes federados fica a responsabilidade de
garantir os meios necessaacuterios para o acesso e permanecircncia de todos agrave educaccedilatildeo
puacuteblica e gratuitardquo (BRASIL 2014a)
Deste modo conforme o PEE-PR do Paranaacute a educaccedilatildeo foi estruturada em
planos decenais com o objetivo de
Articular o sistema nacional de educaccedilatildeo em regime de colaboraccedilatildeo e definir diretrizes objetivos metas e estrateacutegias de implementaccedilatildeo para assegurar a manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino em seus diversos niacuteveis etapas e modalidades por meio de accedilotildees integradas dos poderes puacuteblicos das diferentes esferas federativas (BRASIL 2014a p 15 apud PEE-PR 2015 p23)
As primeiras discussotildees do PNE comeccedilaram nas Conferecircncias Brasileiras de
Educaccedilatildeo (CBEs) nas deacutecadas de 1980 e 1990 Posteriormente estas conferecircncias
99
foram dando lugar para os Seminaacuterios Brasileiros de Educaccedilatildeo e as Conferecircncias
Nacionais de Educaccedilatildeo datadas da deacutecada de 1920 (PEE-PR 2015 p24) As
CBEs entre os anos de 1996 e 2004 foram substituiacutedas pelos Congressos
Nacionais de Educaccedilatildeo (Coned)(PARANAacute 2015)
O Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) foi aprovado pela primeira vez em 2001
pelo Congresso Nacional Brasileiro Em 2009 foi estabelecida a Conferecircncia
Nacional de Educaccedilatildeo (Conae) sendo um de seus objetivos o de mobilizar os
diversos setores da educaccedilatildeo brasileira a elaborarem um PNE correspondente ao
periacuteodo de 2011-2020 Assim apoacutes quatro anos de debates e de reelaboraccedilatildeo do
PNE a Lei Federal nordm 13005 de junho de 2014 instituiu o novo Plano composto
por 14 artigos e um anexo contendo 20 metas e estrateacutegias nacionais a serem
atingidas no periacuteodo de dez anos (PEE-PR 2015)
O documento base do PEE-PR na introduccedilatildeo apresenta as caracteriacutesticas
gerais da populaccedilatildeo paranaense Nela eacute destacada a presenccedila de diversas etnias e
nacionalidades que fazem parte da histoacuteria do estado e dada essa presenccedila a
educaccedilatildeo eacute uma instacircncia automaticamente atingida por essa diversidade
A populaccedilatildeo eacute formada por descendentes de povos europeus africanos ameriacutendios e indiacutegenas das etnias Guarani Kaingang e Xetaacute e por imigrantes procedentes principalmente dos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Satildeo Paulo e Minas Gerais () Dessa forma esses grupos participaram na construccedilatildeo da cultura paranaense e muitos costumes oriundos dessas diferentes etnias ainda satildeo preservados em determinadas comunidades e se refletem na educaccedilatildeo paranaense (PEE-PR2015p 26)
Refletindo sobre estas caracteriacutesticas e atendendo agraves leis nordm 1063908 e
1164508 sobre a obrigatoriedade do ensino de histoacuteria e cultura afro-brasileira
africana e indiacutegena no curriacuteculo oficial dos estabelecimentos de ensino puacuteblico o
plano base possui as seguintes estrateacutegias
13 Orientar as instituiccedilotildees educacionais que atendem crianccedilas de zero a cinco anos a agregarem ou ampliarem em suas praacuteticas pedagoacutegicas cotidianas accedilotildees que visem ao enfrentamento da violecircncia sexual e a outros tipos de violecircncia agrave inclusatildeo e ao respeito agraves diversidades de toda ordem gecircnero eacutetnico-racial religiatildeo entre outros agrave promoccedilatildeo da sauacutede e dos cuidados agrave convivecircncia escolar saudaacutevel e ao estreitamento da relaccedilatildeo famiacutelia-crianccedila-instituiccedilatildeo ()18 Estabelecer programas em parceria com os municiacutepios para a oferta da educaccedilatildeo inclusiva nas comunidades indiacutegenas
100
quilombolas do campo e ciganas de acordo com suas especificidades (PEE-PR 2015 p64)
Conforme a finalidade no Plano este estabelece metas e estrateacutegias a serem
implementadas e consonacircncia com o Art8ordm contido no plano de educaccedilatildeo que
estabeleceu as seguintes estrateacutegias
I - asseguram a articulaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais particularmente as culturais II - consideram as necessidades especiacuteficas das populaccedilotildees do campo e das comunidades indiacutegenas quilombolas e demais grupos sociais singulares asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural (PEE-PR 2015 p2)
Chama atenccedilatildeo a especificidade do artigo oitavo que visa agrave articulaccedilatildeo das
poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais destacando principalmente a
questatildeo cultural Ao pensar nas particularidades educacionais encontradas em
regiotildees de fronteira internacional em Foz do Iguaccedilu onde a presenccedila de alunos
oriundos de outros paiacuteses eacute comum nas escolas seria pertinente que o tema
diversidade fosse ampliado Por exemplo no caso da presenccedila de alunos aacuterabes
(principalmente libaneses siacuterios e palestinos) nas escolas as diferenccedilas
manifestadas natildeo satildeo apenas linguiacutesticas Neste caso abarca tambeacutem a religiatildeo
(predominante o islatilde) os haacutebitos costumes vestuaacuterio alimentaccedilatildeo etc Neste
sentido propor poliacuteticas puacuteblicas que possibilitem a inclusatildeo desses alunos e natildeo a
exclusatildeo ou a desconsideraccedilatildeo das origens deste aluno eacute sem duacutevidas um grande
desafio
345 O Curriacuteculo da AMOP
Reduzindo o campo de anaacutelise da poliacutetica educativa para a regiatildeo oeste do
Paranaacute onde estaacute localizada a cidade de Foz do Iguaccedilu encontramos o curriacuteculo
baacutesico da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do oeste do Paranaacute (AMOP) que na
introduccedilatildeo do documento baacutesico afirma que houve uma confusatildeo por parte das
escolas municipais que ao implementarem os PCN‟s nas escolas natildeo o utilizaram
como um paracircmetro Muitas o adotaram como curriacuteculo ou tornaram sua proposta
pedagoacutegica como ecleacutetica Assim os educadores da regiatildeo Oeste do Paranaacute
101
sentiram a necessidade de se rediscutir o curriacuteculo Para tal adotaram a seguinte
metodologia
Inicialmente a metodologia adotada nos colocou limites que avaliada apontou para uma nova organizaccedilatildeo Reorganizado um cronograma de trabalho coletivamente com as redes municipais de Ensino chegamos a este documento que eacute resultado de dois anos de intensos estudos de reflexotildees de embates teoacutericos de sistematizaccedilotildees de leituras de discussotildees e de anaacutelises do coletivo dos educadores os quais respeitando o movimento proacuteprio de cada rede e por sua vez de cada escola partiram de contribuiccedilotildees teoacutericas de alguns autores das experiecircncias e compreensotildees do que jaacute se fez ou se faz em nossas escolas (AMOP 2007 p07)
Os trabalhos para elaboraccedilatildeo de diretrizes curriculares para o oeste
paranaense comeccedilaram em 2005 juntamente com secretaacuterios municipais de
educaccedilatildeo do Oeste do Paranaacute Na primeira etapa foram organizados grupos de
trabalho para elaboraccedilatildeo de propostas para as disciplinas de Liacutengua
PortuguesaAlfabetizaccedilatildeo Matemaacutetica Histoacuteria Geografia e Ciecircncias Assim as
atividades comeccedilaram a partir de seminaacuterio com representantes das equipes de
ensino das secretarias municipais de educaccedilatildeo
No qual se discutiu sobre a concepccedilatildeo de homem de sociedade de conhecimento e sobre a funccedilatildeo da escola Participaram do evento aproximadamente 380 representantes (AMOP 2007 p25)
Os trabalhos seguiram no decorrer do ano de 2005 mediante reuniotildees dos
grupos junto aos profissionais da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo (SEED) que
atuaram na elaboraccedilatildeo das diretrizes para as escolas estaduais do Paranaacute O
Departamento Pedagoacutegico da AMOP integrou-se ao grupo como tambeacutem os
educadores da educaccedilatildeo baacutesica e instituiccedilotildees de ensino superior Posteriormente
abriram-se as discussotildees para toda regiatildeo a fim de compreender as primeiras
impressotildees da versatildeo preliminar do documento
A partir desse processo houve a reelaboraccedilatildeo desse documento que reelaborado a partir das contribuiccedilotildees dos educadores dos municiacutepios envolvidos tornou-se o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo do curriacuteculo A construccedilatildeo do curriacuteculo foi feita por meio de um processo que desencadeou discussotildees preacutevias com os representantes dos municiacutepios sistematizaccedilatildeo dessas discussotildees por um grupo menor discussatildeo e anaacutelise dessa sistematizaccedilatildeo pelo conjunto de educadores de cada municiacutepio que tinha suas
102
contribuiccedilotildees registradas pelos seus representantes (AMOP 2007 p26)
A partir de entatildeo elaborado o curriacuteculo no que confere agraves questotildees da
diversidade a partir da realidade em Foz do Iguaccedilu foram identificados nas
diretrizes propostas para o ensino de Geografia e Histoacuteria componentes que
trabalham com a questatildeo da diversidade nas escolas Os conteuacutedos referentes ao
ensino da Geografia estatildeo nas seguintes proposiccedilotildees para o 5ordm ano
Caracteriacutesticas sociais ndash diversidades eacutetnicas e culturais do Paranaacute
Movimentos da populaccedilatildeo paranaense crescimento da populaccedilatildeo
Divisatildeo poliacutetica (formaccedilatildeo do conceito de distritomuniciacutepioestadopaiacutes)
A industrializaccedilatildeo e o crescimento urbano do Paranaacute ndash malha urbana
Tracircnsito - circulaccedilatildeo no estado ndash ligaccedilatildeo rodoviaacuteria ferroviaacuteria aeacuterea - vias pedagiadas ndash Fiscalizaccedilatildeo Poliacutecia Rodoviaacuteria e pesagem
Organizaccedilatildeo dos espaccedilos urbanos ndash problemas urbanos - centro e periferia Impostos e taxas pagamentos que financiam a infra-estrutura dos bens puacuteblicos (AMOPE 2007 p252-253)
Sobre os conteuacutedos propostos no AMOP (2007) o ensino de geografia propotildee que
as diversidades eacutetnicas e culturais presentes no Paranaacute sejam parte do conteuacutedo a
ser desenvolvido em sala de aula Tambeacutem a histoacuteria dos processos migratoacuterios
para o estado e a presenccedila dos diferentes grupos eacutetnicos que formam parte da
histoacuteria de formaccedilatildeo do Paranaacute (AMOP 2007)
Neste sentido a proposta da AMOP se aproxima da LDB96 e dos proacuteprios
PCN‟s que tratam da diversidade cultural com a diferenccedila de que ele eacute destinado
para a rede municipal de educaccedilatildeo do Oeste paranaense Nesta perspectiva haacute um
vieacutes positivo na medida em que delimita o oeste paranaense adotando o enfoque da
diversidade eacutetnico-racial o que permite maior aproximaccedilatildeo com a realidade do
aluno
103
346 Algumas consideraccedilotildees
Diante do exposto considerando os documentos analisados percebe-se que
haacute uma induccedilatildeo clara para que o trabalho pedagoacutegico com a temaacutetica da
diversidade esteja fundada na noccedilatildeo29 presente na Constituiccedilatildeo de 1988 de que o
Brasil sendo formado por trecircs raccedilas - o iacutendio o branco e o negro- deve considerar
essas e reconhececirc-las nos espaccedilos educacionais A LDB96 reafirma esses
propoacutesitos no artigo 26 Os PCN‟spor sua vez se adequa a LDB06 principalmente
com a criaccedilatildeo dos Temas Transversais
No plano estadual as poliacuteticas educacionais para diversidade natildeo ficam
distantes das propostas em niacutevel nacional pois devem obrigatoriamente seguir os
componentes das diretrizes nacionais Desse modo natildeo foi evidenciado nessas
poliacuteticas mecanismos que subsidiassem as escolas presentes em fronteira neste
caso Foz do Iguaccedilu com estrateacutegias para criar programas e projetos para a
diversidade Do mesmo modo podemos falar dos planos nacionais e estaduais de
educaccedilatildeo Por mais que enfatizem o trabalho pedagoacutegico conforme a realidade
local eles natildeo deixam de pensar no nacional Outro problema eacute a imposiccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas e os PCN‟s satildeo um exemplo de uma proposta vertical assim
como inuacutemeros projetos que chegam agrave escola sem uma preacutevia discussatildeo com as
bases que seriam as comunidades escolares
Desse modo o que pode ser feito nas escolas eacute uma adaptaccedilatildeo agrave realidade
local Todas essas poliacuteticas educativas chegam agrave regiatildeo da fronteira mas natildeo
atingem suas especificidades Por especificidades recordamos tratar-se da
presenccedila dos alunos estrangeiros nas escolas de Foz do Iguaccedilu a saber
paraguaios argentinos e brasiguaios que satildeo grupos que fizeram e fazem parte da
histoacuteria da cidade desde o seu iniacutecio mas ao mesmo tempo natildeo satildeo preocupaccedilatildeo
do Estado brasileiro devendo ser uma preocupaccedilatildeo de seus Estados Nacionais
Nesta loacutegica as escolas da regiatildeo natildeo foram criadas a partir da realidade
fronteiriccedila O multilinguismo eacute desconsiderado O Estado por meio da legislaccedilatildeo
impotildee o portuguecircs enquanto liacutengua oficial Falar de diversidade eacute possiacutevel desde
29
Pires-Santos e Cavalcanti (2008) definem o monolinguismo como um a adoccedilatildeo de uma
liacutengua homogecircnea pura uma liacutengua para um povo Trata-se na concepccedilatildeo das autoras de um mito ligado a interesses e investida de ideologia e que estaacute relacionado agrave nacionalidade
104
que seja referente aos grupos presentes no territoacuterio brasileiro que foram
historicamente colocados agrave margem da sociedade Logo 1) Seraacute que as nossas
escolas disponibilizam de tempo espaccedilo e interesse para desenvolver trabalhos de
combate ao preconceito contra o paraguaio chamado em momentos de ofensas de
xiru 2) E quanto agrave presenccedila aacuterabe na regiatildeo ela eacute discutida Como eacute a acolhida
destes na escola 3) O professor se sente preparado para lidar com estas questotildees
em sala de aula
Tais perguntas apresentadas acima foram motivadas a partir do pressuposto
de que temos um curriacuteculo nacional com raiacutezes eurocecircntricas conforme Tomaz
Tadeu da Silva (2007 p7) o curriacuteculo natildeo eacute neutro este ldquotransmite visotildees sociais
particulares e interessadas o curriacuteculo produz identidades individuais e sociais
particularesrdquo Por muito tempo a histoacuteria dos negros e indiacutegenas eram abordadas de
modo superficial por outro lado a histoacuteria antiga e recente da Europa sempre se fez
presente em nossos livros didaacuteticos Desconhecemos a Ameacuterica Latina seus povos
e histoacuteria logo desconhecemos os que fazem fronteira com o Brasil Squinelo
(2011) no artigo ldquoRevisotildees Historiograacuteficas A Guerra do Paraguai nos livros
didaacuteticos brasileiros-PNLD 2011rdquo ao analisar a histoacuteria da Guerra da Triacuteplice Alianccedila
presente nos livros didaacuteticos do Brasil aponta que pouco se discute considera a
versatildeo falha tendenciosa e conclui seu artigo com os seguintes questionamentos
Resta-me ainda algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao porquecirc entatildeo estudamos a Guerra do Paraguai na medida em que a) natildeo procuramos entender o sentido para os paiacuteses nela envolvidos b) natildeo buscamos a compreensatildeo de nosso desenvolvimento histoacuterico-soacutecio-cultural e econocircmico c) natildeo realizamos as conexotildees necessaacuterias ao entendimento das questotildees relacionadas ao Mercosul e finalmente d) natildeo propiciamos ao educando a compreensatildeo dos eventos histoacutericos de nosso passado latino-americano o que nos levaria a nos conhecer e a conhecer o outro e tambeacutem responderia muitas questotildees postas em nosso presente (SQUINELO 2011p 36)
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica
educacional para a fronteira
Dentro das poliacuteticas educacionais encontram-se outras variaacuteveis de poliacuteticas
dentre elas a poliacutetica linguiacutestica definida por Oliveira (2004 p38) como ldquoum o
conjunto de decisotildees que um grupo de poder sobretudo um Estado (mas tambeacutem
105
uma Igreja ou outros tipos de instituiccedilotildees de poder menos totalizantes) toma sobre o
lugar e a forma das liacutenguas na sociedade e a implementaccedilatildeo destas decisotildeesrdquo
Para Maher (2013 p 119) as poliacuteticas linguiacutesticas se referem aos objetivos e
agraves intervenccedilotildees que de uma forma ou outra visam ldquoafetarrdquo tanto o modo como as
liacutenguas se constituem quanto os modos como elas satildeo utilizadas eou transmitidas
A autora chama atenccedilatildeo para o equiacutevoco comumente difundido de que as poliacuteticas
lingusticas seriam apenas criadas por meio do governo ldquoPoliacuteticas linguumliacutesticas podem
ser arquitetadas e colocadas em accedilatildeo localmente uma escola ou uma famiacutelia pode
colocar em praacutetica ou estabelecer certa situaccedilatildeo sociolinguumliacutesticardquo (MAHER 2013
p120)
Essa perspectiva vai ao encontro da abordagem30 multicecircntrica ou policecircntrica
de poliacuteticas puacuteblicas que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como
protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas tais como as organizaccedilotildees
natildeo governamentais organizaccedilotildees privadas e organismos (DROS 1971
KOOIMAN 1993 RHODES 1997 HAJER 2003 apud SECCHI 2013) Nessa
premissa o PEIBF se enquadra na visatildeo multicecircntrica dos estudos de poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que foi fruto de acordos bilaterais iniciados pela Argentina e o
Brasil no acircmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira (PEIBF) surgiu
dentro do oacutergatildeo pertencente ao Mercosul denominado Setor Educacional do
Mercosul (SEM) Segundo o documento ldquoEscolas de Fronteirardquo (BRASIL 2008) dos
antecedentes desse projeto encontra-se a oficializaccedilatildeo da criaccedilatildeo do MERCOSUL
em 1991 instituiccedilatildeo intergovernamental que nasceu com a assinatura do Tratado de
Assunccedilatildeo acordados inicialmente entre Argentina Brasil Paraguai e Uruguai
O bloco econocircmico Mercosul apresenta-se em um contexto de globalizaccedilatildeo
da economia O projeto teve como base as negociaccedilotildees entre Brasil e Argentina
30
Dentro das analises de poliacuteticas puacuteblicas Secchi (2013) discorre sobre o noacute conceitual que haacute na
literatura especializada nos estudos de poliacuteticas puacuteblicas Alguns pesquisadores defendem a abordagem estatista que considera as PP analiticamente monopoacutelio de atores estatais Outros a abordagem multicecircntrica que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas
106
para a integraccedilatildeo de suas economias e os resultados positivos dessa integraccedilatildeo
levaram o Paraguai e o Uruguai a fazerem parte do projeto integracionista
O objetivo inicial do Mercosul fora a integraccedilatildeo dos quatros Estados
membros em termos de circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos e de fatores produtivos da
formulaccedilatildeo de poliacutetica comercial comum da afirmaccedilatildeo de uma Tarifa Externa
Comum (TEC) e da busca por poliacuteticas legislativas comum aos paiacuteses membros Em
2012 a Venezuela tornou-se oficialmente mais um paiacutes membro do bloco e a Boliacutevia
caminha para o processo de ordenamento juriacutedico para oficializar sua participaccedilatildeo
Aleacutem disso o mercado comum conta com a participaccedilatildeo de paiacuteses associados
Chile Peru Colocircmbia Equador Guiana e Suriname
No final do seacuteculo passado o Mercosul passava por outro lado por crises do
ponto de vista comercial as dimensotildees poliacutetica sociocultural e educacional foram
ganhando relevacircncia (ALMEIDA 2015) Este periacuteodo de crise refere-se aos
impactos das poliacuteticas neoliberais implantadas na regiatildeo no decorrer das deacutecadas
de 1980 e 1990 O nuacutemero de pessoas em situaccedilatildeo de pobreza passou de 136
milhotildees em 1980 para 222 milhotildees em 2004 (ESTAY 2007) Neste contexto de crise
econocircmica e aumento das desigualdades sociais que foi assinada a ldquoCarta de
Buenos Aires sobre o Compromisso Social no Mercosul Boliacutevia e Chile31rdquo no dia 30
de junho de 2000 A carta reconhece a importacircncia da dimensatildeo sociocultural do
Mercosul
Com a entrada de governos progressistas como a eleiccedilatildeo de Luiacutes Inaacutecio Lula
da Silva em 2003 e de Neacutestor Kircher na Argentina a funccedilatildeo do Mercosul enquanto
bloco meramente de integraccedilatildeo econocircmica foi revista e acrescida pelas dimensotildees
sociais para a integraccedilatildeo regional Desse modo a aacuterea social do Mercosul que
havia sido abordada na ldquoCarta de Buenos Airesrdquo e pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de
Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul foi expandida e
institucionalizada com a criaccedilatildeo do Instituto Mercosul Social (IMS) em 2007
(ALMEIDA 2015)
31
Em junho de 2000 os presidentes aprovaram a Carta de Buenos Aires com o Compromisso
Social no Mercosul Boliacutevia e Chile O documento estimula as autoridades competentes a ldquofortalecer o trabalho conjunto entre os seis paiacuteses assim como o intercacircmbio de experiecircncias e informaccedilotildees a fim de contribuir para a superaccedilatildeo dos problemas sociais mais agudos que os afetam e para definir os temas ou aacutereas onde seja viaacutevel uma accedilatildeo coordenada ou complementar para solucionaacute-los (BRASIL 2007 p25) Dentre as accedilotildees promovidas a partir da Carta encontra-se a criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul instituiacuteda pela Decisatildeo n 612000 do CMC (ALMEIDA 2015p24)
107
A estrutura organizacional do Mercosul eacute composta pelo Conselho Mercado
Comum (CMC) Grupo Mercado Comum Comissatildeo Parlamentar Foro Consultivo
Econocircmico-Social Comissatildeo de Comeacutercio do Mercosul e Secretaria Administrativa
do Mercosul O CMC eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros da
Educaccedilatildeo (RME) principal responsaacutevel pela estrutura do Setor educacional do
Mercosul (SEM) (MERCOSUL EDUCACIONAL 2013) Dentre os objetivos
estrateacutegicos para a educaccedilatildeo do SEM estaacute agrave integraccedilatildeo e formaccedilatildeo de uma
identidade regional Tem como objetivo ser um espaccedilo regional no qual a educaccedilatildeo
seja de qualidade fundada no ldquoconhecimento intercultural o respeito agrave diversidade e
agrave cooperaccedilatildeo solidaacuteriardquo de modo a contribuir para a democratizaccedilatildeo dos sistemas
educacionais da regiatildeo (MERCOSUL 2011 p15) Da missatildeo definida pelo SEM
encontra-se a de
Formar um espaccedilo educacional comum por meio da coordenaccedilatildeo de poliacuteticas que articulem a educaccedilatildeo com o processo de integraccedilatildeo do MERCOSUL estimulando a mobilidade o intercacircmbio e a formaccedilatildeo de uma identidade e cidadania regional com o objetivo de alcanccedilar uma educaccedilatildeo de qualidade para todos com atenccedilatildeo especial aos setores mais vulneraacuteveis em um processo de desenvolvimento com justiccedila social e respeito agrave diversidade cultural dos povos da regiatildeo (MERCOSUL EDUCACIONAL 2011 p10)
No acircmbito do SEM encontra-se o Comitecirc Coordenador Regional cuja funccedilatildeo eacute
propor poliacuteticas de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeo da aacuterea educacional Uma vez
estabelecidas como liacutenguas oficiais do MERCOSUL o espanhol guarani e
portuguecircs coube ao setor educativo do bloco enfatizar em seu plano de accedilatildeo a
necessidade de difundir o ensino de portuguecircs e do espanhol por meio dos
sistemas educativos formais e informais
Como parte desse processo o Setor Educacional do Mercosul ndash SEM aponta nos seus planos de accedilatildeo a necessidade de difundir o aprendizado do portuguecircs e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e natildeo formais considerando como aacutereas prioritaacuterias o fortalecimento da identidade regional levando dessa forma ao conhecimento muacutetuo a uma cultura de integraccedilatildeo e agrave promoccedilatildeo de poliacuteticas regionais de formaccedilatildeo de recursos humanos visando agrave melhoria da qualidade da educaccedilatildeo (BRASIL 2008 p 6)
351 Do processo de elaboraccedilatildeo
Conforme Secchi (2013) a tomada de decisatildeo no momento de se propor uma
poliacutetica puacuteblica eacute uma etapa em que os interesses dos atores satildeo equacionados
108
onde as razotildees de um problema puacuteblico satildeo explicitadas Nessa fase a equipe
bilateral de teacutecnicos e linguistas argentinos e brasileiros foram requeridos para
formular o projeto a fim de atender agraves expectativas dos dois paiacuteses Assim o projeto
proposto pela equipe teve como intuito promover as liacutenguas espanhola e portuguesa
atraveacutes do ensino biliacutengue e atraveacutes de intercacircmbios culturais entre Argentina e
Brasil
352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica
Para O‟Tolle Jr (2003 apud Secchi 2003p55 ) ldquoa fase de implementaccedilatildeo eacute
aquela em que regras rotinas e processos sociais satildeo convertidos de intenccedilotildees em
accedilotildeesrdquo Dos elementos baacutesicos para anaacutelise desse processo encontram-se
() pessoas e organizaccedilotildees com interesses competecircncias e comportamentos variados () tambeacutem fazem parte de processo as relaccedilotildees existentes entre as pessoas as instituiccedilotildees vigentes (regras formais e informais) os recursos financeiros materiais informativos e poliacuteticos (capacidade de influecircncia) (SECCHI 2013 p57)
Nesta perspectiva o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
foi implementado inicialmente em 2005 nas cidades brasileiras de Dioniacutesio
Cerqueira no estado de Santa Catarina e Uruguaiana no Rio Grande do Sul Do
lado argentino as cidades que aderiram ao programa foram Bernado de Irogoyen
em Misiones e Paso de los Libres em Corrientes O programa foi implantado pelo
Governo Federal brasileiro por meio da Coordenaccedilatildeo de Formaccedilatildeo Continuada do
Departamento de Poliacuteticas de Educaccedilatildeo Infantil e do Ensino Fundamental da
Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica32 em conjunto com o Ministeacuterio de la Educaciacuteon
Ciencia y Tecnologia (MEC y T) da Argentina A partir de 2006 o programa
estendeu-se para outras regiotildees de fronteira sendo elas Puerto Iguazuacute em
Misiones e Santo Tomeacute e La Cru e Corrrientes na Argentina e Foz do Iguaccedilu no
Paranaacute e Satildeo Borja e Itaqui no Rio Grande do Sul
Desde o primeiro momento algumas questotildees sobre sua origem foram
criticadas Sagaz (2013) aponta que o MEC natildeo apresentou o PEIBF oficialmente
como um Programa Temaacutetico ou um Projeto proposto e aprovado em Plano Pluri
32
O PEIF eacute de responsabilidade da Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental (COEF) na Diretoria
de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral - (DICEI) da Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica (SEB) no MEC
109
Anual (PPA) Para o autor natildeo era intenccedilatildeo do poder legislativo discutir os
orccedilamentos ldquotampouco eacute uma accedilatildeo de governo no que diz respeito agraves suas
diretrizes poliacuteticas uma vez que o oacutergatildeo competente natildeo solicitou a formalizaccedilatildeo
dos recursos junto ao PPArdquo (SAGAZ 2013 p 43) Isto manteve o PEIBF ateacute 2010
distante da prioridade e discussatildeo por parte do governo se comparado a outros
Programas e Projetos
O processo de implementaccedilatildeo comeccedilou no ano de 2004 com a primeira
reuniatildeo de planejamento No mesmo ano na cidade de Dioniacutesio Cerqueira ocorreu
uma reuniatildeo para instituir o programa na escola eleita Dentre as instituiccedilotildees
presentes encontravam-se o Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em
Poliacutetica Linguiacutestica (IPOL) a 30ordf Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
(GEREI) e o MECyT
A escola brasileira escolhida para a implementaccedilatildeo do projeto foi a Dr
Theodureto Carlos de Faria Souto A escola possui uma localizaccedilatildeo estrateacutegica pois
estaacute a aproximadamente dois quilocircmetros do posto da Receita Federal na fronteira
BrasilArgentina ldquoPode-se ir caminhando da escola ateacute o outro paiacutes sem nenhum
impedimento em relaccedilatildeo agraves vias de acesso e em relaccedilatildeo ao posto alfandegaacuteriordquo
(SAGAZ 2013 p77) Nela ocorreu a primeira reuniatildeo com os pais dos estudantes
em fevereiro de 2005 De acordo com a equipe teacutecnica a implementaccedilatildeo do PEIBF
deveria ser gradual a comeccedilar com a inclusatildeo das seacuteries iniciais do ensino
fundamental no projeto para posteriormente incluir as demais seacuteries A ampliaccedilatildeo
do projeto para todas as seacuteries da educaccedilatildeo baacutesica de uma soacute vez poderia causar
transtornos dada a necessidade de adequaccedilatildeo dos sistemas locais de educaccedilatildeo agrave
sua estrutura (BRASIL 2008)
As seacuteries escolhidas para o projeto foram o primeiro e segundo ano do ensino
fundamental A estrutura operacional e a tentativa de avanccedilar nas seacuteries iniciais do
ensino fundamental para os anos finais segundo a relatoria tornaram-se inviaacuteveis
pela falta de entendimento pedagoacutegico entre Argentina e Brasil (BRASIL 2008) Em
2006 os ministeacuterios dos paiacuteses envolvidos no PEIBF comeccedilaram a formular um
documento com diretrizes para todas as escolas em zonas de fronteiras envolvidas
no projeto intitulado ldquoModelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira a
partir do desenvolvimento de um programa para a educaccedilatildeo intercultural com
ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanholrdquo Em 2012 o documento baacutesico foi
reelaborado contando com a contribuiccedilatildeo do Uruguai e Paraguai O nome do
110
documento passou a ser Modelo de ensentildeanza comuacuten em escuelas de zona de
frontera a partir del desarrollo de un programa para la educacioacuten intercultural com
eacutenfasis em la ensentildeanza de latildes lenguas predominantes en la regioacuten (MERCOSUL
EDUCACIONAL 2014)
Segundo o documento inicial do programa a projeccedilatildeo pretendida era de que
a cada ano fosse ampliado o nuacutemero de turmas envolvidas e que se avanccedilasse para
as proacuteximas seacuteries de modo que os alunos que fazera parte do programa pudesse
adquirir a familiarizaccedilatildeo com a cultura do paiacutes vizinho
O Programa tem por metodologia o intercacircmbio docente e as escolas satildeo as
responsaacuteveis por organizar os quadros dos professores que iratildeo fazer parte das
chamadas escolasespelhos (unidades baacutesicas de trabalho atuando como uma
unidade operacional)
Esta forma permite aos docentes dos paiacuteses envolvidos vivenciarem eles mesmos na sua atuaccedilatildeo e nas suas rotinas semanais praacuteticas de bilinguumlismo e de interculturalidade semelhantes agraves que querem construir com os alunos na medida em que se expotildeem agrave vivecircncia com seus colegas do outro paiacutes e com as crianccedilas das vaacuterias seacuteries com as quais atuam (BRASIL 2008 p21)
353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF
De acordo com Leite e Flexor (2006) a avaliaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica
consiste em verificar os efeitos atribuiacutedos agrave accedilatildeo do governo tendo portanto um
caraacuteter normativo Os autores afirmam que os avaliadores agem em funccedilatildeo de
quadros de referecircncia com valores e normas incluindo a percepccedilatildeo que devem ser
considerados nesse processo
A dificuldade dessa fase reside tambeacutem no fato de que os resultados efetivos satildeo relativamente independentes das expectativas iniciais Aleacutem disso as aspiraccedilotildees podem mudar no decorrer do percurso outros problemas podem surgir os objetivos satildeo geralmente ambiacuteguos e causas externas podem explicar os resultados Em outras palavras natildeo existe causalidade uniacutevoca (LEITE FLEXOR 2006 p 11)
Para Secchi (2013) existem alguns modelos diferenciados de avaliaccedilatildeo Haacute
aquelas que ocorrem anterior agrave implementaccedilatildeo (ex ante) e a avaliaccedilatildeo posterior agrave
implementaccedilatildeo (ex post) Existe tambeacutem a avaliaccedilatildeo que ocorre durante o processo
de implementaccedilatildeo cujo objetivo eacute a busca de ajustes imediatos O referido autor
111
elenca os principais criteacuterios utilizados para avaliaccedilotildees sendo eles economicidade
produtividade eficiecircncia econocircmica eficiecircncia administrativa eficaacutecia e equidade
O documento preliminar -Programa Escolas Biliacutenguumles de Fronteira - Modelo
de ensino comum em escolas de zona de fronteira a partir do desenvolvimento de
um programa para a educaccedilatildeo intercultural com ecircnfase no ensino do portuguecircs e
do espanholrdquo ( MEC y T MEC2008) busca analisar os primeiras experiecircncias do
projeto Nesse sentido trata-se de uma avaliaccedilatildeo que ocorreu durante o processo
de implementaccedilatildeo Dentre as consideraccedilotildees feitas nessa primeira etapa encontram-
se
- Do repertoacuterio linguumliacutestico das crianccedilas Apoacutes alguns meses do estabelecimento do
programa as professoras envolvidas evidenciaram que as crianccedilas argentinas
tinham maior familiaridade com a liacutengua portuguesa enquanto as crianccedilas
brasileiras tiveram dificuldades para assimilar o espanhol
As crianccedilas argentinas jaacute satildeo em algum niacutevel biliacutengues entendem razoavelmente bem a liacutengua portuguesa e muitas a falam com facilidade Isso se deve ao fato de que muitos satildeo descendentes de brasileiros Aleacutem disso tecircm uma maior exposiccedilatildeo agrave liacutengua atraveacutes da miacutedia maior frequecircncia de estadia no Brasil e eventualmente em consequecircncia destes fatores nota-se uma maior disponibilidade da populaccedilatildeo argentina de fronteira para o aprendizado do portuguecircs (MECy T MEC 2008 p 13)
Neste periacuteodo identificou-se uma necessidade de promover uma ldquosensibilizaccedilatildeo
linguumliacutesticardquo de modo que as crianccedilas brasileiras pudessem querer aprender a liacutengua
espanhola Para tal sensibilizaccedilatildeo a praacutetica intercultural eacute fundamental assinala o
documento
Da necessidade de Intercacircmbio entre alunos Verificou-se que aleacutem do
intercacircmbio entre professores houve a demanda por intercacircmbio entre os alunos
No entanto esse processo eacute mais complexo de ser executado haja vista que haacute
empecilhos como a documentaccedilatildeo das crianccedilas para entrada em outro paiacutes As
crianccedilas brasileiras e argentinas soacute podem realizar a travessia com uma
documentaccedilatildeo assinada pelos pais autorizando sua travessia
Da carga horaacuteria das escolas Como satildeo secretarias educacionais e paiacuteses
distintos um modelo uacutenico para sua execuccedilatildeo eacute praticamente improvaacutevel Essa
112
pauta foi discutida na equipe quando foram elaborados trecircs modelos de
organizaccedilatildeo das escolas envolvidas
Escola em Tempo Integral (Jornada Completa) Nesse modelo os alunos
possuem pelo menos dois dias de aula de liacutengua estrangeira e uma carga
horaacuteria total de 6 horas semanais Como a escola eacute de tempo integral os
alunos podem ter outras atividades destinados agrave educaccedilatildeo biliacutengue
Escola em Contra-Turno eacute semelhante agrave escola de Tempo Integral mas
neste caso apenas em um dos turnos haacute o ensino biliacutengue
Escola em Turno Uacutenico em dois dias da semana os trabalhos do programa
escolas biliacutengues satildeo realizados dentro do proacuteprio turno num total de cinco
horas semanais
Entre os modelos apresentados acima o primeiro eacute o da escola Dioniacutesio
Cerqueira e Bernado Yrigoyen o segundo aplica-se a Foz do Iguaccedilu e Puerto
Iguazuacute o terceiro modelo encontra-se presente em Uruguaina Verificou-se que o
trabalho desenvolvido nas escolas de turno uacutenico possui em sua base curricular o
segundo idioma enquanto o trabalho em contra-turno jaacute assimila as atividades do
programa como atividade extra-curricular o que natildeo eacute o objetivo do PEIBF O
melhor turno para se desenvolver o programa eacute o Turno Uacutenico pois natildeo interfere na
rotina da escola nem na estrutura fiacutesica ou mesmo na contrataccedilatildeo de mais
funcionaacuterios ou aumento da carga horaacuteria dos professores envolvidos (BRASIL
2008)
A escola em contra-turno amplia o periacuteodo de permanecircncia do aluno na
instituiccedilatildeo uma estrateacutegia vaacutelida e uacutetil para o processo de aprendizagem do aluno
Conforme o documento de implantaccedilatildeo as experiecircncias aqui expostas somadas
aos debates nas reuniotildees das equipes de trabalho bilaterais e no decorrer dos
encontros de formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo requerem a formulaccedilatildeo de um novo modelo
para o Programa para que se possa refletir e dar respostas as peculiaridades das
escolas interculturais biliacutenguumles (BRASIL 2008)
A partir de 2012 o PEIBF por meio da Portaria nordm 798 de 19 de junho de
2012 do Diaacuterio Oficial da Uniatildeo passou a se chamar Programa Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF)
113
Art 1ordm Fica instituiacutedo o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) com o objetivo de contribuir para a formaccedilatildeo integral de crianccedilas adolescentes e jovens por meio da articulaccedilatildeo de accedilotildees que visem agrave integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo intercultural das escolas puacuteblicas de fronteira alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes meacutetodos processos e conteuacutedos educativos sect 1ordm As Escolas Interculturais de Fronteira satildeo as escolas puacuteblicas Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruiacutedas pelo Modelo de ensino comum de zona de fronteira a partido desenvolvimento de um Programa para a educaccedilatildeo interculturalcom ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanhol da Declaraccedilatildeo Conjunta de Brasiacutelia firmada em 23 de novembro de 2003 pela Argentina e pelo Brasil e do Plano de Accedilatildeo do Setor Educativo do MERCOSUL (BRASIL 2012)
Pela mesma portaria criou-se o documento ldquoMarco Referencial de Desenvolvimento
Curricularrdquo o qual tem como objetivo central apresentar orientaccedilotildees comuns a serem
desenvolvidos pelas escolas envolvidas Entre os eixos organizadores encontram-
se
Eixo 1 - Funcionamento do Programa na escola
a) o envolvimento de toda a escola b) a definiccedilatildeo de metodologias dos projetos de aprendizagem c) a construccedilatildeo do projeto poliacutetico pedagoacutegico da escola intercultural (planejamento conjunto das accedilotildees) e regimento escolar d) considerar as especificidades curriculares e socioculturais das comunidades do campo indiacutegena e quilombola e) dinamizaccedilatildeo do relacionamento com escola do paiacutes vizinho definindo um plano de accedilatildeo conjunto para a realizaccedilatildeo do intercacircmbio docente aleacutem de outras accedilotildees que promovam a interculturalidade estendendo-se a todos os anos de escolarizaccedilatildeo da escola f) utilizaccedilatildeo das tecnologias da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo disponiacuteveis e necessaacuterias Eixo 3 - Formaccedilatildeo continuada dos profissionais da educaccedilatildeo baacutesica sob a coordenaccedilatildeo das Universidades
a) compor o grupo local formado por Coordenador-geral do PEIF Coordenador-adjunto de Educaccedilatildeo Integral Supervisor de Articulaccedilatildeo e Acompanhamento Pedagoacutegico (secretaria de educaccedilatildeo) Pesquisadores Professores Formadores (universidade) Professor Formador (coordenador pedagoacutegico ou diretor da escola) Tutor agrave distacircncia (universidade) Tutor presencial eou PIBID (universidade para acompanhamento pedagoacutegico na escola) b) promover a articulaccedilatildeo no espaccedilo da Universidade entre educaccedilatildeo integral e interculturalidade c) articular-se com o comitecirc gestor de recursos financeiros de sua
114
instituiccedilatildeo d) ofertar accedilotildeescursos de aperfeiccediloamento e) contribuir para o repositoacuterio dos materiais de formaccedilatildeo f) agilizar os procedimentos de afastamento do paiacutes (tracircmite interno das IES) g) definir arranjos que permitam realizar formaccedilotildees dentro das regiotildees de fronteira nos municiacutepios h) elaborar produtos finais resultantes de cada moacutedulo de formaccedilatildeo conjunta com outros paiacuteses i) articular as accedilotildees do PEIF com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia (PIBIDCAPESMEC) e com o Programa Novos Talentos (CAPESMEC) j) induzir a inclusatildeo da temaacutetica interculturalidade na perspectiva da educaccedilatildeo integral na formaccedilatildeo inicial dos cursos de licenciatura e poacutes-graduaccedilatildeo e na pesquisa acadecircmica k) promover o uso das tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo realizar o diagnoacutestico sociolinguiacutestico das comunidades participantes do PEIF
Dentre os princiacutepios expostos acima destaca-se a participaccedilatildeo das
universidades o que abre espaccedilo para o desenvolvimento de pesquisas da criaccedilatildeo
de novas metodologias e de avaliaccedilotildees do projeto e da formaccedilatildeo docente numa
perspectiva intercultural O entendimento de interculturalidade do Programa eacute
() nesse caso ativa a escola seraacute intercultural na medida em que haja a participaccedilatildeo efetiva de profissionais e de alunos das diversas culturas envolvidas na comunidade educacional (e que natildeo satildeo soacute bdquoduas‟ a cultura argentina e a cultura brasileira o que corresponderia a pensaacute-las como unidades homogecircneas) em todas as instacircncias de convivecircncia que satildeo proacuteprias da instituiccedilatildeo escolar (BRASIL ARGENTINA 2008 p 26)
O Boletim produzido pela publicaccedilatildeo Salto para o Futuro que complementa
as ediccedilotildees televisivas da TV Escola do Ministeacuterio da educaccedilatildeo em sua primeira
ediccedilatildeo de 2014 apresentou o tema das Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
A professora Eliana Rosa Sturza coordenadora do Programa das Escolas
Interculturais de Fronteira na Universidade Federal de Santa Maria e do Laboratoacuterio
Entre liacutenguas da Universidade Federal de Sergipe relata as experiecircncias e
aprendizados do programa em diferentes cidades localizadas na fronteira
A proposta metodoloacutegica foi analisada por Sturza (2010 2014) enfocando a
experiecircncia das crianccedilas brasileiras em Uruguaiana no Rio Grande do Sul cuja
aprendizagem eacute dentro e fora de sala de aula Em uma das escolas as crianccedilas
confundiram as professoras argentinas com enfermeiras do posto meacutedico pois
115
estas usam avental branco costume que natildeo eacute habitual no Brasil As professoras
argentinas por sua vez estranharam as manifestaccedilotildees inicialmente constantes dos
alunos brasileiros que queriam abraccedilaacute-las tocaacute-las beijaacute-las ldquoEste eacute um traccedilo
cultural do comportamento brasileiro muito identificado pelo bdquoestrangeiro‟ Neste
caso nem tatildeo estrangeiro mas um vizinho do outro lado do riordquo (STURZA 2014
p26)
A experiecircncia dos professores brasileiros no projeto possibilitou que eles
tivessem contato direto com o sistema educacional do vizinho e esse contato gerou
novos espaccedilos de discussatildeo sobre o trabalho docente mediante as comparaccedilotildees
sobre os conteuacutedos relaccedilatildeo aluno-professor da infraestrutura das escolas e ateacute a
autonomia da gestatildeo escolar
Nesta experiecircncia os professores foram conhecendo o funcionamento e a estrutura do sistema educacional do paiacutes vizinho e percebendo como sistema brasileiro eacute autocircnomo em relaccedilatildeo ao sistema uruguaio ou argentino mais centralizado O aprendizado eacute de toda ordem ocorrendo entre os professores da escola e os das escolas parceiras ou seja argentinos e brasileiros debatem a educaccedilatildeo trocam ideias e fazem planejamento de projetos em conjunto (STURZA 2014 p25)
A metodologia tem como norte o ensino por Projetos de Aprendizagem (EPA)
modo de organizaccedilatildeo que permite o desenvolvimento de projetos localmente
envolvendo a participaccedilatildeo de toda a comunidade escolar ou outros grupos a
depender da necessidade do projeto
Ensino via Projetos de Aprendizagem (EPA) faz com que as crianccedilas participem de projetos biliacutengues que prevecircem tarefas a serem realizadas em portuguecircs e em espanhol Satildeo coordenadas respectivamente pela docente brasileira ou argentina de acordo com o niacutevel de conhecimento do idioma que possuam e de acordo com o planejamento conjunto realizado periodicamente por professoras argentinas e brasileiras com suas respectivas assessorias pedagoacutegicas (BRASIL 2008 p 28)
Nesta perspectiva os temas das aulas e os projetos de aprendizagem a
serem desenvolvidos parte dos interesses dos alunos Cabe agraves professoras
argentinas e brasileiras o desenvolvimento do programa em conjunto Sturza (2014)
ilustra alguns temas que surgiram da curiosidade dos alunos e que por sua vez
podem ser trabalhadas em conjunto Um exemplo nasce da pergunta porque os
dentes caem Curiosidade comum entre crianccedilas de 7 anos por estarem vivenciado
a troca dos dentes A fim de explicar esse processo as atividades partiram da leitura
116
da histoacuteria ldquoFada dos Dentesrdquo ou do ldquoRaacuteton Peacuterezrdquo a primeira contada no Brasil e a
segunda no Uruguai As tarefas realizadas satildeo como um ldquopasso a passordquo a partir de
um mapa conceitual33
Do ponto de vista normativo todos os trabalhos desenvolvidos devem estar
em acordo com as diretrizes curriculares de cada paiacutes juntamente com a proposta
curricular do projeto Sobre as formas de avaliaccedilatildeo dos alunos o documento da
versatildeo preliminar do programa visa agrave metodologia de bdquoportifoacutelio‟ ldquodefinido como o
acompanhamento realizado a partir de evidecircncias de variadas naturezas do trabalho
realizado pelos alunos individual e coletivamenterdquo (BRASIL 2008 p29) O portifoacutelio
eacute uma forma de organizar o conjunto de memoacuterias de obras realizadas pelo aluno
podendo ser realizadas individualmente ou em grupo O objetivo eacute mostrar a
trajetoacuteria de cada estudante no decorrer de um projeto permitindo que o professor
possa avaliar esse aluno atraveacutes das informaccedilotildees contidas no portfoacutelio
354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu
O PEIF teve iniacutecio na cidade de Foz do Iguaccedilu em abril de 2006 a partir do
encontro com todos os envolvidos na cidade de Puerto Iguazuacute A primeira instituiccedilatildeo
responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do projeto foi a Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo
Em 2014 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) passou a
coordenar o programa
As escolas escolhidas para realizaccedilatildeo do projeto foram a Escola municipal
Adele Zanotto Scalco em Foz do Iguaccedilu e a Escuela 164 em Puerto Iguazuacute As
escolas foram escolhidas pela localizaccedilatildeo estrateacutegica ambas ficam proacuteximas da
regiatildeo da Ponte Tancredo Neves ligaccedilatildeo entre os dois paiacuteses (CARVALHO 2012)
33
Mapas conceituais satildeo ferramentas graacuteficas para a organizaccedilatildeo e representaccedilatildeo do conhecimento Eles incluem conceitos geralmente dentro de ciacuterculos ou quadros de alguma espeacutecie e relaccedilotildees entre conceitos que satildeo indicadas por linhas que os interligam As palavras sobre essas linhas que satildeo palavras ou frases de ligaccedilatildeo especificam os relacionamentos entre dois conceitos Noacutes definimos conceito como uma regularidade percebida em eventos ou objetos designada por um roacutetulo Na maioria dos conceitos o roacutetulo eacute uma palavra embora algumas vezes usemos siacutembolos como + ou e em outras usemos mais de uma palavra Proposiccedilotildees satildeo enunciaccedilotildees sobre algum objeto ou evento no universo seja ele natural ou artificial Elas contecircm dois ou mais conceitos conectados por palavras de ligaccedilatildeo ou frases para compor uma afirmaccedilatildeo com sentido Por vezes satildeo chamadas de unidades semacircnticas ou unidades de sentido (CANAtildeS NOVAK 2010 p10)
117
Cabe destacar que a escola de Foz do Iguaccedilu eacute a uacutenica que participa do projeto no
Paranaacute conforme informaccedilotildees do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (2015)
Sobre a estrutura do programa o relatoacuterio produzido pela Secretaria
Municipal da Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu na ocasiatildeo da primeira reuniatildeo entre a
equipe dos dois paiacuteses em abril de 2006 destaca os principais acordos para a
implementaccedilatildeo do programa nas escolas
Inicialmente o projeto atenderia duas turmas do ensino fundamental de cada
instituiccedilatildeo no turno da tarde todas as quartas-feiras
As aulas biliacutenguumles seriam ministradas no periacuteodo contra turno
A metodologia escolhida foi a de projetos pedagoacutegicos interculturais
A cada quinze dias os planejamentos das aulas seriam feitos com os
professores envolvidos no projeto com alternacircncia dos turnos de encontro e
das escolas
No mesmo relatoacuterio constam as comparaccedilotildees quanto agrave estrutura fiacutesica das
escolas A escola brasileira possui melhor estrutura fiacutesica pois possui videoteca
centro de esportes biblioteca sala de computaccedilatildeo e ar condicionado dentro das
salas de aula A escola argentina natildeo dispotildee desta estrutura Apesar destas
diferenccedilas as crianccedilas da escola brasileira e argentina natildeo possuem maiores
diferenccedilas quanto ao conhecimento pedagoacutegico
No iniacutecio do programa seu objetivo estava voltado para trabalhar com os
aspectos histoacutericos e culturais do paiacutes vizinhos tais como as muacutesicas roupas e as
comidas tiacutepicas de cada naccedilatildeo Depois por meio da assessoria do Instituto de
Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento de Poliacuteticas Linguiacutesticas (IPOL) no Brasil e
do Ministerio de Cultura Educacioacuten Ciencia y Tecnologiacutea de la Provincia de
Misiones (MCECyT) na Argentina passaram a adotar a pedagogia de projetos
(ALBUQUERQUE SOUSA 2014) O tema eacute escolhido pelos alunos e planejado
pelas professoras dos dois paiacuteses
Com a finalidade de conhecer o histoacuterico do PEIF a partir da experiecircncia
daqueles que estatildeo envolvidos diretamente no programa foram realizadas
entrevistas com duas professoras brasileiras ligadas ao programa e que ministram
aulas na argentina As entrevistadas tiveram seus nomes preservados A fim de
118
identificaacute-las adotamos os seguintes nomes fictiacutecios Tacircnia que participou do
projeto por cinco anos e Clara que entrou no programa em 2015
A professora Tacircnia que permaneceu no projeto por cinco anos na ocasiatildeo de
sua entrada relata que o programa na Argentina passava por um processo de
transiccedilatildeo Em 2009 eles inauguraram a Escuela Intercultural Biliacutengue 2 para atender
o PEIF Hoje o cruce (termo utilizado pelas professoras que realizam a travessia
para lecionar no paiacutes vizinho) eacute realizado duas vezes na semana sendo que o
nuacutemero de turmas para as duas escolas envolvidas satildeo as mesmas
Ateacute 2013 o nuacutemero de turmas atendidas por escola eram oito distribuiacutedas
entre quatro professoras com carga- horaacuteria correspondente a 2 horas As seacuteries
atendidas eram do 1ordm ao 4ordm ano No Brasil as professoras argentinas fazem o cruce
duas vezes na semana enquanto as brasileiras todas as quartas-feiras pela manhatilde
A partir de 2014 o nuacutemero de professoras brasileiras a participarem do projeto foi
reduzido pela metade
Assim como Sturza (2014) apontou esse processo de travessia possui um
significado aleacutem de ir ateacute uma escola estrangeira e colocar em praacutetica o programa
Trata-se de um processo de aprendizagem que vai desde as reflexotildees referentes
aos diferentes aspectos educacionais presentes nos dois paiacuteses ateacute os significados
que o programa exerce nos aspectos pessoais
Se eu tiver oportunidade eu volto porque eu gosto do projeto E o projeto eacute uma das minhas paixotildees eu gostei Eacute uma coisa super interessante eacute diferente acho que eacute um crescimento na profissatildeo da gente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
As comparaccedilotildees em relaccedilatildeo agraves diferentes infraestruturas das escolas dos
dois paiacuteses satildeo inevitaacuteveis Tacircnia aponta que apesar da estrutura fiacutesica da escola
argentina ser muito boa os recursos didaacuteticos satildeo precaacuterios percebendo entatildeo os
contrastes que haacute nas poliacuteticas educacionais
A estrutura da escola laacute eacute muito boa eacute maravilhosa mas assim eacute tudo muito burocraacutetico no sentido de organizaccedilatildeo da escola Laacute eacute totalmente diferente aqui a gente tem fartura de material opccedilatildeo de coisa de tudo laacute bdquofarta‟ As salas satildeo uma penumbra com pouca iluminaccedilatildeo e tudo porque o governo natildeo daacute apoio nenhum como aqui tambeacutem (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
119
Outro ponto de comparaccedilatildeo satildeo os salaacuterios A professora Tacircnia aponta que o salaacuterio
da professoras argentinas eacute o dobro enquanto no Brasil o incentivo aos professores
eacute uma especulaccedilatildeo
Uma remuneraccedilatildeo diferente () ah isso aiacute jaacute foi questionado vaacuterias vezes que noacutes teriacuteamos um diferencial no salaacuterio a escola como um todo teria Se tivesse algum incentivo eu duvido que haveria resistecircncia em estar participando (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando a professora diz que ldquoeu duvido que haveria resistecircncia em estar
participandordquo ela se refere agrave resistecircncia de alguns professores em aderir ao PEIF
Quando questionada sobre o processo de escolha dos professores para o projeto
ela descreve que o correto eacute a rotatividade A cada um ou dois anos uma professora
ou professor deve assumir o projeto mas na praacutetica a direccedilatildeo eacute quem escolhe
A intenccedilatildeo do projeto eacute que se faccedila rodiacutezio soacute que aqui eacute por indicaccedilatildeo mesmo ldquoEsse ano vai ser vocecirc e ponto finalrdquo Porque por um bom tempo ficaram praticamente as mesmas pessoas igual eu permaneci por muito tempo (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
No iniacutecio do PEIF natildeo havia na carga horaacuteria oficial da escola a
disponibilidade para o preparo das aulas do programa O grupo que fazia parte do
projeto deveria encontrar uma brecha para organizar suas aulas
() depois do almoccedilo eu ia conciliando assim ia preparando a aula para as minhas turmas daqui para laacute e depois no ano passado34 quando entraram as outras professoras que melhorou comeccedilou a melhorar A prefeitura reduziu para dois professores e liberou a manhatilde para o projeto daiacute a escola se organizava como fosse possiacutevel Soacute que aumentou o nuacutemero de dias laacute (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntada sobre a receptividade do projeto por parte dos
professores Tacircnia responde que havia outros motivos para resistecircncia
Tanto laacute quanto caacute haacute resistecircncia de professores tanto para trabalhar no projeto tanto para receber o projeto na escola Algumas coisas
34
Referente ao ano de 2014 tendo em vista que as entrevistas foram realizadas julho de 2015
120
avanccedilaram algumas estacionaram e muitas tecircm que melhorar ainda Porque ateacute agora o uacutenico objetivo () eacute um projeto lindo maravilhoso muito bom soacute que natildeo eacute feito na iacutentegra Poliacuteticos criam essas coisas e jogam e natildeo datildeo apoio Criam esses projetos porque foi na eacutepoca do Mercosul que foi criado soacute que natildeo datildeo apoio E aiacute a cada mudanccedila de governo eacute aquela burocracia porque um Ministro entra o outro sai o que entra natildeo sabe de nada do que estaacute acontecendo o que saiu deixa tudo engavetado natildeo passa pro outro () eacute aquela coisa (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Evidencia-se aiacute a criacutetica da professora Tacircnia agrave falta de acompanhamento por
parte do Estado em dar continuidade aos projetos O mesmo ocorre quanto aos
repasses de verba Do ponto de vista legal somente apoacutes a criaccedilatildeo da Portaria nordm
798 de 19 de junho de 2012 quando instituiu o Programa Escolas Interculturais de
Fronteira se pode falar em repasses de verba Em 2014 o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou como seriam feitos os repasses a escolas
de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil para promover atividades em periacuteodo integral Dentro
desse grupo35 encontram-se os valores destinados agraves escolas que fazem parte do
Programa Escolas Interculturais de Fronteira no entanto a distribuiccedilatildeo de recursos
segue confusa
Segundo as professoras Tacircnia e Clara houve tambeacutem alguns retrocessos no
decorrer do projeto As duas destacam o processo de formaccedilatildeo dos professores
para atuarem no PEIF Em Foz do Iguaccedilu a universidade que coordena a formaccedilatildeo
para os professores eacute a UNILA entretanto as professoras entrevistadas se
queixam da ausecircncia da instituiccedilatildeo no ano de 2015
No ano passado acho que soacute teve uma formaccedilatildeo que ela (UNILA) proporcionou Mas nem foi a Unila quem acabou dando essa formaccedilatildeo foram as nossas supervisoras aqui Eu arrumei o material com as professoras que jaacute nem estatildeo mais aqui () eu nunca mais tive essas formaccedilotildees no comeccedilo noacutes tivemos vaacuterias (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
35
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 14 de
2014 os detalhes de como seratildeo feito os repasses de verba para as escolas de educaccedilatildeo baacutesica a fim de promover atividades em periacuteodo integral e aos finais de semana De acordo com a Resoluccedilatildeo os montantes repassados seguiratildeo os moldes do Programa Dinheiro Direto na Escola As escolas envolvidas satildeo aquelas que desenvolveratildeo atividades em periacuteodo integral podendo ser urbanas rurais ou no caso das escolas do PEIF a promoccedilatildeo do ensino biliacutenguumle (BRASIL 2016) Disponiacutevel em lthttpwwwbrasilgovbreducacao201406fundo-destina-verba-para-garantir-atividades-da-educacao-integralgt Acesso em 14102015
121
A professora Clara quando questionada se jaacute passou por alguma formaccedilatildeo
responde que em 2015 teve uma que partiu da iniciativa dos professores da escola
Foi para os professores novos que trabalham aqui para conhecerem o projeto pois muitos professores sabem que existe o projeto sabe mais ou menos como ele funciona sabe assim que tem professoras de laacute que vem pra caacute e professoras daqui que vai pra laacute e soacute Mas o funcionamento mesmo tinha bastante professor que natildeo conhecia Daiacute agrave escola tomou iniciativa de fazer um dia todo de formaccedilatildeo Foram levantadas as dificuldades que cada um sentia ou no que poderia mudar mas ateacute agora ningueacutem deu um parecer daquilo ficou no papel (Entrevista realizada com a professora Clara em julho de 2015)
O que chama atenccedilatildeo na fala da professora Clara eacute a iniciativa local A
comunidade escolar organizou um curso de formaccedilatildeo para os professores Nesse
sentido abre possibilidades para que ainda que as poliacuteticas tenham sido em sua
elaboraccedilatildeo sem discussatildeo com as escolas no momento em que se inicia na
praacutetica pode ser ressignificada Aleacutem disso faz-se necessaacuterio maior estreitamento
com a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do PEIF pois conforme a fala das
professoras entrevistas eacute importante a formaccedilatildeo dos professores envolvidos no
projeto
Tacircnia quando questionada se ela conhecia o processo de elaboraccedilatildeo em que
surgiu o PEIF embora goste do projeto deixa claro que a iniciativa na sua
concepccedilatildeo foi arbitraacuteria
Noacutes bdquoengolimos goela a baixo‟ Soacute que natildeo tem apoio nenhum () assim eacute uma coisa muito bonita eacute um projeto maravilhoso Na verdade para ser um projeto mesmo tinha que ter a integraccedilatildeo tanto de noacutes professores funcionaacuterios e tudo mas principalmente das crianccedilas Conhecer a realidade um do outro soacute que isso noacutes nunca conseguimos (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Uma das criacuteticas evidenciadas no decorrer desta dissertaccedilatildeo eacute que o
processo histoacuterico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas educacionais tem origem
distante dos interesses dos grupos interessados por elas Mesmo quando eacute fruto das
demandas sociais elas passam por um confronto de interesses cujo resultado
culmina em leis projetos programas e curriacuteculos que nascem ambiacuteguos
(FRIGOTTO 2002)
122
Santos (et al 2015) em artigo sobre a construccedilatildeo de conhecimento em
Linguiacutestica Aplicada com foco no letramento considerando os conflitos entre o
conhecimento local o campo acadecircmico e os programas governamentais
descrevem as experiecircncias vivenciadas em um processo de formaccedilatildeo de
professores em uma escola puacuteblica na Triacuteplice Fronteira (Brasil Paraguai e
Argentina) As autoras chamam atenccedilatildeo para a resistecircncia de alguns professores
que podem interpretar a interferecircncia externa natildeo como uma cooperaccedilatildeo mas como
ameaccedila pela ldquoimposiccedilatildeo de um conhecimento considerado superior e
consequumlentemente tambeacutem uma desqualificaccedilatildeo do trabalho ali construiacutedordquo
(SANTOS et al 2015p 51) No caso do PEIF a criacutetica da professora Tacircnia
encontra-se na ausecircncia da participaccedilatildeo dos professores diretamente envolvidos no
programa e da falta de integraccedilatildeo entre os alunos dos dois paiacuteses envolvidos
355 As fronteiras do projeto
Quando perguntado agraves professoras quais satildeo as possiacuteveis sugestotildees para
melhorias para o projeto elas sugerem que os alunos possam fazer parte do cruce
No entendimento delas seria importante a integraccedilatildeo entre esses alunos Poreacutem a
rigidez das aduanas com relaccedilatildeo agrave documentaccedilatildeo e agrave travessia de crianccedilas na
ausecircncia dos pais somadas a toda responsabilidade que isso acarretaria torna
difiacutecil imaginar essa possibilidade Com isso o intercacircmbio dos alunos se reduz ao
envio de viacutedeos cartas e fotografias
Tacircnia acrescenta ainda que os proacuteprios professores correm um certo risco ao
fazer a travessia Em caso de acidente natildeo haacute nada que possa comprovar que elas
estavam em horaacuterio de trabalho
A gente vai pra laacute com a cara e a coragem noacutes natildeo temos nada que nos assegure Que Deus o livre se acontece uma desgraccedila Natildeo sei como que vai ficar porque natildeo tem nada que nos assegure Noacutes natildeo temos um seguro de vida nada que nos ampare legalmente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntadas sobre as dificuldades referentes ao bilinguumlismo as
professoras expressam que os alunos argentinos compreendem bem o portuguecircs e
alguns falam portunhol Satildeo curiosos conhecem as novelas os jornais e muacutesicas
123
brasileiras Este fato eacute atribuiacutedo ao intenso contato com os meios de comunicaccedilatildeo
brasileiro principalmente a televisatildeo explica Tacircnia
No comeccedilo eu achei que ia ter dificuldade de entendimento eacute claro que a gente natildeo entende cem por cento mas eu natildeo vi dificuldade nenhuma porque laacute eles satildeo muito receptivos Laacute as crianccedilas participam muito mais do que aqui e assim quanto agrave liacutengua natildeo tem dificuldade nenhuma porque as crianccedilas falam o portunhol e muitos o portuguecircs perfeitamente e eles nos entendem perfeitamente Laacute eles seguem as nossas programaccedilotildees da TV falam que aprendem o portuguecircs na TV na tela Eles amam o portuguecircs eles amam a programaccedilatildeo nossa aqui a gente chega laacute pelo menos nas salas que eu entrava eles querem falar sobre a novela eles querem conversar sobre as nossas programaccedilotildees e quando eu os questiono sobre onde eles aprenderam tudo aquilo eles respondem na tela professora na tela (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Os alunos brasileiro tecircm muita dificuldade com o espanhol Tacircnia explica que
geralmente as professoras brasileiras tecircm que permanecer em sala de aula para
auxiliar as professoras argentinas Retomo os aspectos histoacutericos da cidade para
explicar que o espanhol foi uma liacutengua presente no ensino do municiacutepio mas que foi
retirada do curriacuteculo acrescentando a importacircncia de se promover novamente a
inserccedilatildeo do espanhol nos curriacuteculos baacutesicos para as escolas situadas em fronteira
ou que pelo menos as escolas que integram PEIF
Creio eu que pra nossa cidade aqui () noacutes vivemos em uma fronteira aonde convivemos com dois paiacuteses que fala espanhol entatildeo natildeo que o inglecircs natildeo seja importante mas pelo menos na rede puacuteblica ou ateacute mesmo na particular o espanhol deve fazer parte da grade ou pelo menos nas escolas que tem esse projeto (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
356 PEIF Uma alternativa na fronteira
Com base na literatura que destaca a importacircncia de se analisar as poliacuteticas
puacuteblicas foi possiacutevel verificar que o Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
possui algumas falhas advindas de seu processo de implementaccedilatildeo Dos atores
envolvidos nesse processo os principais satildeo oriundos dos Ministeacuterios da Educaccedilatildeo
a partir de acordos bilaterais Nesse sentido a verticalizaccedilatildeo da implementaccedilatildeo
originou alguns problemas como resistecircncia em aderir ao projeto divergecircncias de
turnos e conflitos de carga horaacuteria das escolas envolvidas Esses problemas talvez
124
pudessem ser amenizados caso os professores e demais membros da equipe
pedagoacutegica das escolas fizessem parte do processo de estruturaccedilatildeo do programa e
natildeo apenas da execuccedilatildeo
A inserccedilatildeo do Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles na cidade de Foz do
Iguaccedilu enquanto uma poliacutetica linguumliacutestica e ao mesmo tempo integracionista
demonstrou alguns ranccedilos Primeiro os documentos de 2008 sobre os primeiros
impactos do programa trata do tema resistecircncia do professor ao aderir ao programa
tambeacutem constado na fala da professora entrevistada que criticou o caraacuteter arbitraacuterio
das poliacuteticas educacionais e de como elas chegam agraves escolas
Eacute importante assinalar que do processo de implementaccedilatildeo o PEIF comeccedilou
sem um marco oficial para a sua institucionalizaccedilatildeo Segundo o ldquoPrograma de
Promoccedilatildeo do Desenvolvimento da Faixa de Fronteirardquo (2010) de 2004 ateacute 2010
ainda natildeo havia as bases legais para implementaccedilatildeo do Programa Isso deu
margem para que em vaacuterias anaacutelises o Programa fosse descrito como projeto pois
natildeo havia um estatuto ou algo que delimitasse o que caracterizava essa poliacutetica
Arbitraacuteria tambeacutem eacute a ausecircncia de discussotildees mais profundas sobre a
implementaccedilatildeo de uma poliacutetica linguiacutestica em regiatildeo de fronteira Nas entrevistas
constatou-se que os alunos argentinos possuem mais proximidade com a liacutengua
portuguesa e em contrapartida os alunos brasileiros demonstraram pouca
intimidade com a liacutengua portuguesa Sturza (2006) explica que enquanto no campo
internacional o espanhol deteacutem certo status se comparado ao portuguecircs na
fronteira esse papel eacute invertido pois argentinos da regiatildeo consideram o portuguecircs
como liacutengua de mais valor
Como pano de fundo desta discussatildeo encontra-se o Estado-naccedilatildeo O Brasil eacute
uma potecircncia regional36 o que pode contribuir tanto para o imaginaacuterio dos brasileiros
quanto de argentinos da regiatildeo ao considerarem os aspectos de nossa cultura isso
inclui nossa liacutengua oficial como superior ao espanhol Outro aspecto relevante eacute a
expressiva presenccedila dos meios de comunicaccedilatildeo por meio dos sinais de raacutedio e TV
que chegam aos lares argentinos o que faz com que eles tenham um contato mais
36
Ver Moniz Bandeira (2008) Texto para o seminaacuterio sobre ldquoA poliacutetica exterior do Brasil em sua
proacutepria visatildeo e na dos parceirosrdquo No artigo o autor cita os aspectos teoacutericos e histoacutericos que permitem caracterizar o Brasil enquanto uma potecircncia regional desde o seacuteculo XIX O que inclui sua dimensatildeo territorial seu poderio econocircmico e militar Disponiacutevel emlt httpwwwespacoacademicocombr09191bandeirapdf gt Acesso em 17112015
125
intenso com a liacutengua por meio dos programas de TV como as novelas citadas pela
professora entrevistada
O programa possui outras lacunas Eacute preciso estabelecer um consenso sobre
o orccedilamento para o programa a fim de fomentar a formaccedilotildees dos professores
manter uma estrutura que possibilite o transporte dos professores com seus
materiais didaacuteticos Contudo em termos de poliacutetica educacional para fronteira eacute a
primeira destinada para regiotildees de fronteira o que significa um certo avanccedilo para a
regiatildeo Eacute importante destacar que o PEIF eacute uma poliacutetica multilateral envolve outros
paiacuteses do Mercosul o que pode ser um exemplo de cooperaccedilatildeo para a promoccedilatildeo de
outras poliacuteticas educacionais
Eacute pioneirismo do Programa por meio da poliacutetica educacional para fronteira
internacional possuir como eixo a funccedilatildeo integradora onde o Mercosul tornou-se a
instituiccedilatildeo que fomentou a ideia a fim de promover programas que ultrapassam as
relaccedilotildees meramente econocircmicas entre os paiacuteses-membros A avaliaccedilatildeo inicial do
Programa mostrou que alguns pontos devem ser repensados Dos relatoacuterios
analisados constam poucos registros por parte dos professores sobre o processo de
aprendizado da liacutengua por parte dos alunos brasileiros Seria fundamental que o
mecanismo de avaliaccedilatildeo do Programa fosse aprimorado com instrumentos capazes
de captar como se daacute o programa em sala de aula mas conforme expresso aqui no
Brasil satildeo poucos os estudos e metodologias de avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
126
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A relaccedilatildeo Estado-naccedilatildeo fronteira e poliacuteticas educacionais foram agraves palavras-
chave que nortearam esta dissertaccedilatildeo A hipoacutetese inicial eacute de que as poliacuteticas
educacionais principalmente as direcionadas para todo o ensino em niacutevel nacional
natildeo contempla as especificidades presentes na fronteira de Foz do Iguaccedilu Desse
modo para o desenvolvimento da hipoacutetese de trabalho buscou-se compreender um
pouco da histoacuteria da educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu e suas particularidades por ser
uma cidade de fronteira
No primeiro capiacutetulo buscamos apresentar os principais conceitos que
norteiam a palavra fronteira Segundo a etimologia a palavra eacute de origem latina Foi
utilizada pela primeira vez no seacuteculo XVIII para estabelecer limites entre exeacutercitos
em conflito deslizando para as definiccedilotildees de fronteira do ponto de vista geograacutefico
geopoliacutetico e socioloacutegico (BECKER 2007 ALBUQUERQUE 2010 SILVA 2010)
Um dos principais objetivos deste capiacutetulo foi de apresentar a fronteira enquanto
uma regiatildeo em que eacute possiacutevel observar os principais instrumentos do Estado para o
construto da naccedilatildeo tais como a imprensa a escola e o exeacutercito
Dentro deste estudo a instituiccedilatildeo escolar foi o centro da pesquisa Com isso
foram apresentadas resultados de pesquisas anteriores (PEREIRA 2009 SOUZA
RODRIGUES 2009 TERENCIANI 2011) que destacam a relaccedilatildeo da escola na
fronteira sob diferentes perspectivas principalmente o da inserccedilatildeo do aluno oriundo
de outro paiacutes que faz fronteira com o Brasil e os principais desafios encontrados por
ele e para a escola Os dados apresentados neste capiacutetulo apontam que quando se
trata de investimentos em poliacuteticas puacuteblicas para regiatildeo de fronteira internacional o
Brasil tem priorizado as poliacuteticas de seguranccedila conforme os trabalhos de Franccedila e
Dorfman (2014) Trata-se de informaccedilotildees que vatildeo em direccedilatildeo aos aspectos
histoacutericos da funccedilatildeo do Estado e das concepccedilotildees de soberania e territoacuterio que
foram apresentadas no iniacutecio deste capiacutetulo
O segundo capiacutetulo apresentou a gecircnese das primeiras escolas na cidade de
Foz do Iguaccedilu sempre vinculadas aos outros aspectos como os fatores econocircmicos
e sociais Demonstrou-se que a formaccedilatildeo das escolas de Foz do Iguaccedilu antes
mesmo da fundaccedilatildeo da municipalidade contou com a presenccedila de estrangeiros que
na ausecircncia de um ensino formal criavam as suas proacuteprias escolas (WACHOWICZ
127
1984 SBARDELOTTO 2009) Essas escolas foram fechadas no periacuteodo
nacionalista momento em o governo brasileiro buscava a conformaccedilatildeo de uma
identidade e integraccedilatildeo nacional para tal conforme Lemiechek (2014) a criaccedilatildeo do
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu em 1943 possibilitou maior controle das escolas
principalmente das escolas estrangeiras
Identificou-se ainda que em meados da deacutecada de 1970 nos relatoacuterios
sobre a situaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu no campo educacional havia uma tendecircncia em
depositar no aluno a culpa do fracasso escolar Nesse caso os alunos oriundos do
Paraguai e da Argentina eram considerados os mais fracos e ldquoatrapalhavamrdquo o
desenvolvimento do restante da turma ou seja a diferenccedila interpretada como um
problema para escola a liacutengua do outro como um entrave
O capiacutetulo trecircs sobre as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo apresenta um
breve histoacuterico das poliacuteticas educacionais brasileiras evidenciando que elas satildeo
fruto do contexto ao qual se inserem o periacuteodo ditatorial evidenciou a ausecircncia da
populaccedilatildeo no processo criaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que por sua vez eram
controladas pelo Estado A partir do periacuteodo de abertura democraacutetica ateacute os dias
atuais as poliacuteticas educacionais passaram por inuacutemeras mudanccedilas Muitas
nasceram a partir das discussotildees oriundas de movimentos sociais das discussotildees
acadecircmicas etc Conforme Das e Poe (2004) o ldquoEstado eacute constantemente
refundado em suas formas de ordenar e fazer leis sugerindo que as margens satildeo
ldquodecorrecircncia e implicaccedilatildeo necessaacuteria do Estado assim como a exceccedilatildeo eacute um
componente necessaacuterio da regrardquo (DAS e POE 2004 p4)
Nesta premissa ao se analisar as principais poliacuteticas educacionais brasileiras
identificou-se que a questatildeo da diversidade cultural presente nos documentos tende
a generalizaccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo dada agrave superficialidade dos documentos Ainda
que represente um grande avanccedilo ao tornar obrigatoacuterio o ensino da cultura afro-
brasileira histoacuteria da Aacutefrica e indiacutegena nas escolas puacuteblicas e privadas brasileiras
quando chegamos agrave fronteira identificamos diversidades para aleacutem dessas duas
poliacuteticas
Tais princiacutepios de universalizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais satildeo o espelho
de um Estado que se formou tentando ter como princiacutepio legal o tratamento igual da
populaccedilatildeo algo que soacute acentua as desigualdades existentes na medida em que o
diferente eacute tratado como um problema a ser solucionado Com esta noccedilatildeo o Estado
128
deixa de ser reconhecido como um importante ator na reproduccedilatildeo das
desigualdades para ser considerado a uacutenica soluccedilatildeo para os problemas sociais
Algumas pesquisas realizadas em escolas presentes em regiotildees de fronteira
constataram a erronia praacutetica de culpabilizar os alunos e professores pelo sucesso
ou fracasso escolar satildeo os professores que natildeo tem formaccedilatildeo satildeo os brasiguaios
argentinos e paraguaios com sua bdquohibridizaccedilatildeo linguiacutestica‟ satildeo os aacuterabes (colocados
em uma uacutenica caixa como se todos viessem do mesmo paiacutes) satildeo os alunos
indiacutegenas que chegam nas escola falando bdquoapenas‟ o guarani As pessoas tornam-se
problema
No caso de Foz do Iguaccedilu o perfil dos alunos que frequumlenta as instituiccedilotildees
escolares demonstra que os conceitos de cidadania natildeo satildeo riacutegidos se (des)fazem
na fronteira Os alunos que chegam aos espaccedilos escolares fronteiriccedilos natildeo
necessariamente assimilaratildeo a liacutengua portuguesa como uacutenica e oficial Ao mesmo
tempo estes alunos trazem consigo conhecimentos adquiridos de seu paiacutes de
origem mas o processo de equivalecircncia de estudos acaba por negar esses
conhecimentos que para serem validados devem ser bdquotraduzidos‟ para o portuguecircs
Para aleacutem do problema linguiacutestico temos a questatildeo da integraccedilatildeo desse
aluno no ambiente escolar que eacute ao mesmo tempo permeada por tensotildees mas
tambeacutem pela aproximaccedilatildeo com o outro Essas relaccedilotildees merecem atenccedilatildeo da escola
a fim de evitar manifestaccedilotildees xenofoacutebicas preconceituosas estigmatizadas e de
inferiorizaratildeo
A primeira hipoacutetese do trabalho me levou a pensar apenas na relaccedilatildeo Estado
Nacional e poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira Poreacutem os vazios
encontrados ao se analisar essas poliacuteticas e o modo como o Estado se faz presente
e ao mesmo distante da fronteira levou-me a refletir sobre a emergecircncia de outras
pedagogias
Para outros sujeitos outras pedagogias (ARROYO 2015) Paulo Freire em
sua obra a Pedagogia do Oprimido fala aos educadores que eacute preciso ter ldquoum
profundo respeito pela identidade cultural dos alunos e das alunas () implica
respeito pela linguagem do outro pela cor do outro o gecircnero do outro outrordquo
(FREIRE 2001 p60)
Conhecer de perto uma poliacutetica educacional para a fronteira do ponto de vista
institucional e das poliacuteticas de governo possibilitou-me a constatar contradiccedilotildees e
complexidades de uma poliacutetica que envolve natildeo apenas o campo das relaccedilotildees
129
internacionais mas o diaacutelogo na construccedilatildeo de um curriacuteculo as implicaccedilotildees legais
para o tracircnsito de pessoas na fronteira os questionamentos sobre as reais intenccedilotildees
do programa PEIF e de como esse programa foi concebido Pode-se considerar que
o PEIF foi a uacutenica poliacutetica puacuteblica analisada a partir dos dois eixos propostos no
iniacutecio do capiacutetulo terceiro Mainardes (2006) Assim traccedilamos os aspectos que
envolveu o papel do Estado na elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica e buscamos por meio
da anaacutelise dos documentos e entrevistas demonstrar os principais aspectos
impactos que a poliacutetica exerceu na escola envolvida considerando principalmente
as experiecircncia dos atores envolvidos neste caso das professoras entrevistadas
Dos caminhos possiacuteveis para uma poliacutetica educacional na fronteira a
perspectiva intercultural ldquoreconhece e assume a multiplicidade de praacuteticas culturais
que se encontram e se confrontam na interaccedilatildeo entre diferentes sujeitosrdquo (FLEURI
2003 p12)
Por fim ao considerar a fronteira uma regiatildeo que engloba as cidades de Foz
do Iguaccedilu Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este a proposiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas em
conjunto com os paiacuteses envolvidos satildeo importantes para atender as demandas
locais
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ALINE CRISTINA PAIVA
POLIacuteTICAS EDUCACIONAIS PARA DIVERSIDADE E ESCOLAS NAS FRONTEIRAS O CASO DE FOZ DO IGUACcedilU COM A ARGENTINA E O
PARAGUAI
Esta dissertaccedilatildeo foi julgada adequada para a obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre em
Sociedade Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu em Sociedade Cultura e Fronteiras ndash Niacutevel de
Mestrado aacuterea de Concentraccedilatildeo em Linguagem Cultura e Identidade da
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute ndash UNIOESTE
COMISSAtildeO EXAMINADORA
______________________________________________________
Profa Dra Neiva Maria Jung
Universidade Estadual de Maringaacute (UEM)
Membro Efetivo convidado
_______________________________________________________
ProfDr Fernando Joseacute Martins
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Membro Efetivo da Instituiccedilatildeo
______________________________________________________
ProfaDra Regina Coeli Machado e Silva
Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE)
Orientadora
Foz do Iguaccedilu 15 de marccedilo de 2016
Dedico este trabalho
Aos meus pais Joatildeo e Maria
Aos meus irmatildeos William e Joatildeo Victor
Ao meu namorado Eduardo
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agrave Professora Dra Regina Coeli Machado pela compreensatildeo pelas
saacutebias orientaccedilotildees que natildeo se limitaram agraves paacuteginas desta dissertaccedilatildeo
Ao professor Dr Fernando Joseacute Martins e agrave professora Dra Neiva Maria Jung pela
participaccedilatildeo na banca de defesa
Aos meus pais Maria Aparecida e Joatildeo Bosco e irmatildeos Joatildeo Victor e William que me
deram o suporte necessaacuterio para essa jornada foi pensando neles que nos
momentos mais difiacuteceis tive forccedila para prosseguir
A todos os meus amigos que me apoiaram com as leituras de meus rascunhos
correccedilotildees e pelo incentivo que de modo direto ou indireto contribuiacuteram para a
conclusatildeo deste trabalho
Ao Eduardo Eliana e Baacuterbara que me deram o suporte emocional apoio e carinho
em toda essa trajetoacuteria
A primeira condiccedilatildeo para modificar a realidade consiste
em conhececirc-la
Eduardo Galeano (1985)
PAIVA Aline Cristina Poliacuteticas Educacionais para a diversidade e escolas nas fronteiras O caso de Foz do Iguaccedilu na fronteira com a Argentina e o Paraguai 2016 149 paacuteginas Dissertaccedilatildeo (Mestrado Interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras)- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
RESUMO
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as relaccedilotildees entre poliacuteticas educacionais e a diversidade cultural presente na fronteira de Foz do Iguaccedilu localizada no estado do Paranaacute A cidade brasileira juntamente com Ciudad del Este no Paraguai e Puerto Iguazuacute na Argentina formam a triacuteplice fronteira que dentre outras caracteriacutesticas eacute conhecida pelo turismo e pelas intensas relaccedilotildees comerciais O processo de formaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu foi marcado pela influecircncia dos paiacuteses da fronteira e pela presenccedila de outras nacionalidades e etnias Trata-se portanto de uma cidade natildeo apenas diversa pela presenccedila dos paraguaios e argentinos mas que tambeacutem eacute compartilhada por libaneses chineses coreanos chilenos bolivianos italianos dentre outros A escola e as poliacuteticas educacionais para esse contexto eacute o centro desta pesquisa na medida em que a instituiccedilatildeo escolar eacute um importante espaccedilo de socializaccedilatildeo A histoacuteria da educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu e a histoacuteria das poliacuteticas educacionais no Brasil revelam como a escola eacute uma instituiccedilatildeo importante na formaccedilatildeo da identidade nacional e como estas afetam a relaccedilatildeo com o bdquooutro‟ Nesse sentido foram analisados documentos de poliacuteticas educacionais para a diversidade implementadas apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 sendo elas a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 os Paracircmetros Curriculares Nacionais para a pluralidade cultural de 1997 o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute de 2015 e o curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do oeste do Paranaacute feita pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP) em 2007 Por uacuteltimo buscou-se analisar o Programa Escola Intercultural Biliacutengue iniciativa do Mercosul que tem como objetivo integrar as regiotildees fronteiriccedilas por meio da educaccedilatildeo Com base nas analises das poliacuteticas educacionais para a diversidade principalmente a partir de 1988 verificou-se uma tendecircncia universalista dessas poliacuteticas para a diversidade que difere da diversidade particular vivida em Foz do Iguaccedilu PALAVRAS-CHAVE poliacuteticas educacionais escola estado fronteira
PAIVA Aline Cristina Educational policies for diversity and schools in the boundaries the case of Foz do Iguaccedilu on the border with Argentina and Paraguay 2016 149 pages Dissertation (Masters in Interdisciplinary Society Culture and Borders) - State University of Western Paranaacute-UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
ABSTRACT
The objective of this study is from the relationship school and state investigate educational policies and consider whether they make it possible to work with diversity on the border of Foz do Iguaccedilu in the state of Paranaacute The Brazilian city along with Ciudad del Este in Paraguay and Puerto Iguazu in Argentina form the triple border which among other characteristics is known for tourism and the intense trade relations The process of formation of Foz do Iguaccedilu was marked by the influence of the border countries and the presence of other nationalities and ethnicities It is therefore a city not only different by the presence of Paraguayan and Argentinean neighbors but that is also shared by Lebanese Chinese Korean Chilean Bolivian Italian among others The school and educational policies in this context become the center of this research since the school is a major means of training and socialization of individuals and may contribute to the integration process the intercultural bias or other hand being a border to disregard the existence of ethnic and cultural diversity that makes up the school environment The reasons for the discussions in this work pass necessarily by the nation-state relationship with schoolThe history of education in Foz do Iguaccedilu and the history of educational policies in Brazil reveal how the school is an important institution in the national identity formation and how they impact relations in border schools To analyze the educational policies for diversity policies were analyzed educational documents from the Constitution of 1988 it derived the Law of Guidelines and Bases of National Education in 1996 and the National Curriculum Guidelines for cultural plurality in 1997 These two policies along with the State Plan for 2015 Paranaacute Education and basic curriculum for public school in western Paranaacute made by the Association of western Paranaacute Cities (AMOP) in 2007 to discuss public policies in the border region implies think of the region as a whole An example of an educational policy for border is the Intercultural Bilingual School Program the Mercosur initiative which passed through discussions with other countries in the border region In the city of Foz do the program takes place at the Municipal School Adele Zanotto Scalco and aims to contribute to the integral formation of children adolescents and young people through the articulation of actions aimed at regional integration through intercultural education by offering the bilingual educationIn order to get to know an educational policy there were two interviews with Brazilian teachers one former member of the program and the other which entered the year 2015 with the interviews it was possible to collect the first impressions of the program in Foz do Iguaccedilu its challenges and its importance as an educational policy in the field of linguistics integrationist content to influence future public policy KEYWORDS educational policies school state border
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai26
Figura 02- Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi
em Satildeo Paulo capital27
Figura 03-Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo28
Figura 04- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai52 Figura 05-- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre60
Figura 06- Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGB- Associaccedilatildeo dos Geoacutegrafos Brasileiros
ANPUH- Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria
AMOP ndash Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute
CEEPR- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
CF- Constituiccedilatildeo Federal
COEF- Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental
CONAE- Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CMC- Conselho do Mercado Comum
CRUTACS- Centros Rurais Universitaacuterios de Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria
DCE ndash Diretrizes Curriculares da Educaccedilatildeo Baacutesica do Estado do Paranaacute
DICEI- Diretoria de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral
EBN- Empresa Brasileira de Notiacutecias
GEREI- Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPOL- Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em Poliacutetica Linguiacutestica
ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PNC ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais
IMS- Instituto Mercosul Social
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional
MEC- Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
MEC Y T- Ministeacuterio de la Educaciacuteon Ciencia y Tecnologia
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NRE- Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
OMS- Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PPA- Plano Pluri Anual
PEIF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
PEIBF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues de Fronteira
PCN- Paracircmetros Curriculares Nacionais
PDI- Plano de Desenvolvimento Integrado
PEEPR- Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
PF- Poliacutecia Federal
PME- Plano Municipal de Educaccedilatildeo
PNE- Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PNLD- Plano Nacional do Livro Didaacutetico
PP- Poliacutetica Puacuteblica
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
RME- Reuniatildeo de Ministros da Educaccedilatildeo
SEB- Secretaria da Educaccedilatildeo Baacutesica
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SEEDPR- Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo do Paranaacute
SENAC- Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial
SEM- Setor Educacional do Mercosul
SISFRON- Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
SIS-MERCOSUL- Sistema Integrado de Sauacutede do Mercosul
SUED- Superintendecircncia da Educaccedilatildeo
SUS- Sistema Uacutenico de Sauacutede
TEC- Tarifa Externa Comum
UFF- Universidade da Fronteira Sul
UNESCO- Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura
UNILA- Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana
UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 15
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico 20 II Estrutura da dissertaccedilatildeo 21
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA 25 11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees 25 12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo 29 13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos 32 14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas 36 15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do Estado 41
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS 50
21 Contexto histoacuterico 51 21Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo 53 22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo61 23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus impactos na educaccedilatildeo 64 24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas escolas 69
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUA 71
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens 71 32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil 74 33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 83 34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais 84
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo 86 342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais 91 343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural 94 344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute 98 345 O Curriacuteculo da AMOP 100 346 Algumas consideraccedilotildees 103
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica educacional para a fronteira 104
351 Do processo de elaboraccedilatildeo 107 352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica 108 353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF 110 354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu 116 355 As fronteiras do projeto 122 356 PEIF Uma alternativa na fronteira 123
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 126
5 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 130
15
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo apresenta um estudo sobre as poliacuteticas educacionais e
diversidade em regiatildeo de fronteira internacional Os estudos fronteiriccedilos perpassam
por diversas aacutereas do conhecimento como a Geografia Sociologia Antropologia
Ciecircncia Poliacutetica que tem apresentado inuacutemeras pesquisas a partir das mais
variadas formas de conceituar e abordar a temaacutetica (FRANCcedilA DORFMAN 2013)
No que se refere aos estudos sobre a regiatildeo de fronteira na aacuterea da educaccedilatildeo a
produccedilatildeo ainda eacute tiacutemida no Brasil (FEDATTO 1995 CITRINOVITZ 1996
ROSSATO 2003)
Para Pereira (2009) isso se reflete no processo de desenvolvimento das
poliacuteticas puacuteblicas que ateacute recentemente estavam sendo tratadas de forma
homogecircnea e unilateral ou seja sem levar em consideraccedilatildeo as particularidades de
cada regiatildeo fronteiriccedila No que tange agrave poliacutetica educacional brasileira esta deve ser
pensada em contexto amplo onde fatores como a Constituiccedilatildeo Federal a poliacutetica
nacional de direitos humanos e os acordos e tratados internacionais devem ser
considerados assim como os fatores sociais e culturais da sociedade brasileira
(SILVA MOURA MELLO 2013) Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos
sobre as poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira no Brasil satildeo recentes mas
encontra-se em processo de construccedilatildeo e crescimento
Por outro lado grupos como a Rede RETIS do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro atuam desde 1994 com pesquisa de limites
e fronteiras internacionais Com uma ampla rede de associados o grupo conta com
um acervo digital1 com diversas notiacutecias artigos teses e dissertaccedilotildees sobre
fronteiras internacionais incluindo trabalhos sobre educaccedilatildeo e fronteira
internacional Existe tambeacutem o acervo digital2 do Instituto de Investigaccedilatildeo e
Desenvolvimento em Poliacutetica Linguumliacutestica fundado em 1999 com sede em
Florianoacutepolis Santa Catarina Brasil que desenvolve projetos de apoio teacutecnico agraves
comunidades agraves comunidades de falantes de liacutenguas e variedads linguiacutesticas
1Site oficial do Retis lt httpwwwretisigeoufrjbr gt Acesso em 23062015
2Site Oficial do Ipol lthttpe-ipolorgpublicacoesgt Acesso em 23062015
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minoritaacuterias do Brasil e do Mercosul objetivando a manutenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da
diversidade linguumliacutestica braseleira O instituto aleacutem de publicaccedilotildees proacuteprias divulga
inuacutemeros trabalhos que tratam do tema das poliacuteticas lingustiacutecas sendo um important
mecanismo de busca para pesquisa relacionadas agrave educaccedilatildeo e fronteira
internacional divulgando trabalhos como o de Sagaz (2013) e Pereira (2014) que
apresentam em suas dissertaccedilotildees o tema das escolas interculturais biliacutenguumles de
fronteira
As universidades localizadas nas regiotildees de fronteira internacional tem se
constituiacutedo enquanto importantes centros de investigaccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e
fronteira a citar a Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE) que
possui o programa de poacutes-graduaccedilatildeo strictu sensu em Sociedade Cultura e
Fronteira que conforme as especificaccedilotildees em sua paacutegina oficial3 tem entre outros
objetivos ldquoqualificar profissionais que desenvolvam durante o processo de formaccedilatildeo
capacidades para coordenar estudos e pesquisas transfronteiriccedilos na perspectiva
de ultrapassar as fronteiras geopoliacuteticardquo Nos uacuteltimos anos tambeacutem foram criadas
outras universidades em regiotildees de fronteiriccedilas como a Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFF) criada em 2009 localizada na Mesorregiatildeo Grande Fronteira
Mercosul e a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) criada
em 2010 na cidade de Foz do Iguaccedilu no Paranaacute Dentre outros objetivos estas
instituiccedilotildees buscam o desenvolvimento de pesquisa em regiotildees fronteiriccedilas
contribuindo assim para o crescimento de estudos no campo das poliacuteticas
educacionais em regiatildeo de fronteira internacional
O interesse em tratar do tema da fronteira e poliacuteticas educacionais comeccedilou
em 2011 momento em que saiacute de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais
para chegar agrave cidade de fronteira Foz do Iguaccedilu no Oeste paranaense com o
objetivo de cursar uma segunda graduaccedilatildeo pois sou licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Viccedilosa em Minas gerais e agora bacharel em Ciecircncia
Poliacutetica e Sociologia pela Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana As
duas graduaccedilotildees foram fundamentais para despertar o interesse pela pesquisa e
pelo mestrado interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras o que resultou
nesta dissertaccedilatildeo
3Paacutegina virtual do Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute lt
httpwwwunioestebrpossociedadeeculturagt Acesso em 13082014
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Quando fiz a graduaccedilatildeo em Pedagogia meu interesse em poliacuteticas
educacionais para a diversidade nasceu em disciplinas de Sociologia da Educaccedilatildeo e
principalmente na disciplina que discutia as relaccedilotildees eacutetnicos e raciais nas escolas e
a formaccedilatildeo do professor A partir das reflexotildees sobre a funccedilatildeo da escola e do
professor em lidar com a diversidade eacutetica e racial em sala de aula meu problema
de pesquisa para a elaboraccedilatildeo do trabalho de conclusatildeo de curso foi de trabalhar a
formaccedilatildeo dos professores para desenvolver o trabalho com a Lei 1063903 que
tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria e da cultura afro-brasileira e africana em todas
as escolas puacuteblicas e particulares Ao teacutermino do curso senti a necessidade de
realizar outra graduaccedilatildeo a fim de me aprofundar melhor no campo da sociologia e
da educaccedilatildeo Conheci o curso da Unila e ingressei no curso de Ciecircncia Poliacutetica e
Sociologia no ano de 2011 O interesse por estudar na referida instituiccedilatildeo era
despertado pela curiosidade em viver em uma cidade de fronteira e pela proposta de
integraccedilatildeo latino-americana que a universidade propotildee
Finalizei a graduaccedilatildeo em Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia e meu objeto de
pesquisa foi as poliacuteticas educacionais no contexto do neoliberalismo a partir dos
anos de 1990 em comparaccedilatildeo com as poliacuteticas educacionais propostas pelos
movimentos sociais Seguindo a proposta de integraccedilatildeo da Unila optei por um
estudo comparado com as propostas oriundas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Movimentos Indiacutegenas na Boliacutevia
Entretanto minhas indagaccedilotildees sobre a vivecircncia de escolas na fronteira natildeo
puderam ser respondidas Durante estes anos em Foz do Iguaccedilu meu olhar sobre
as relaccedilotildees em meio agrave diversidade de etnias e nacionalidades mudou
significativamente e segue em transformaccedilatildeo
Meus primeiros contatos com a populaccedilatildeo e com os meios de comunicaccedilatildeo
local e as imagens que eles tinham sobre o lugar em que moravam logo contrastou
com meu imaginaacuterio sobre o que eacute uma fronteira A violecircncia diaacuteria presente nos
jornais televisivos e impressos fadava a fronteira como o inevitaacutevel caminho para
entrada do traacutefico de drogas e armas A ponte da Amizade que liga a cidade de Foz
do Iguaccedilu agrave Ciudad del Este como o limbo entre o legal e o ilegal A passagem dos
trabalhadores caracterizados como informais era uma constante nos jornais A frase
ldquotinha que ser paraguaiordquo chegou aos meus ouvidos algumas vezes como tambeacutem
as noccedilotildees de que a Ciudad del Este era suja e desorganizada e o paiacutes de um modo
geral atrasado e pobre Tambeacutem eram perceptiacutevel as imagens referentes aos
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aacuterabes caracterizados como ricos e isolados do restante da populaccedilatildeo aleacutem da
falta de distinccedilatildeo da comunidade aacuterabe pelo paiacutes de origem ou pela divisatildeo religiosa
que haacute entre xiitas e sunitas dentro do islamismo Exemplos como esses me
provocaram Ingenuamente pensava apenas no lado positivo dessa integraccedilatildeo entre
diferentes nacionalidades e etnias mas a vivecircncia na cidade permitiu-me ampliar
essas referecircncias do que era fronteira para outras bdquofronteiras‟ e mais ainda
deslocou minha atenccedilatildeo para as escolas brasileiras que recebem diferentes perfis
de imigrantes o que torna a regiatildeo fronteiriccedila tatildeo peculiar
Meus primeiros questionamentos eram de como a escola recebia esses
alunos estrangeiros como era organizada a documentaccedilatildeo escolar como era
realizado o diagnoacutestico de alunos que haviam comeccedilado seus estudos em seu paiacutes
de origem e como eram as relaccedilotildees professor - aluno aluno-aluno e escola-aluno
Essas primeiras inquietaccedilotildees me levaram a outras como a questatildeo do curriacuteculo
escolar em cidades de fronteira uma vez que haacute uma tendecircncia nos curriacuteculos
oficiais agrave homogeneizaccedilatildeo como ao monolinguismo Outro ponto eacute sobre como a
escola lida natildeo apenas com a questatildeo do idioma mas tambeacutem como ela se
posiciona diante dos conflitos como estigmas negativos relacionados agrave origem dos
alunos que podem se revelar muitas vezes como praacuteticas xenofoacutebicas Na tentativa
de inferiorizar o outro eacute comum escutar brasileiros que tratam os paraguaios como
ldquoxiruacute4rdquo e preguiccediloso natildeo aprende porque ldquoa escola laacute eacute fracardquo Esses comentaacuterios
foram constantes em sala de aula durante o periacuteodo em que lecionei sociologia para
jovens e adultos em um cursinho popular entre os anos de 2011 e 2013 em Foz do
Iguaccedilu Nas ocasiotildees em que se abordava o tema da fronteira a imagem que se
tinha do paraguaio era carregada de valores negativos
Tantas inquietaccedilotildees impossiacuteveis de serem abarcadas em uma mesma
pesquisa pois estudar uma realidade fronteiriccedila exige bdquoolhares demorados‟ para o
objeto em estudo tiveram que ser delimitadas na seguinte proposta pensar as
poliacuteticas educacionais para a diversidade nas escolas de fronteira internacional
nesse caso nas escolas de Foz do Iguaccedilu cidade que faz divisa com a cidade
Argentina de Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este no Paraguai
4O termo xiru eacute de origem guarani Che ldquoeu meurdquo e iru ldquocompanheiro amigordquo que traduzindo para o
portuguecircs significa ldquomeu amigordquo ldquomeu companheirordquo mas para os brasileiros tomou a conotaccedilatildeo de falsificado (TRISTONE 2011)
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Ao delinear parte do percurso insiro parte de meus valores e visatildeo de mundo
que concordando com Ludke e Andreacute (1986) iratildeo influenciar a maneira como a
pesquisa eacute proposta ldquoem outras palavras os pressupostos que orientam seu
pensamento vatildeo tambeacutem nortear sua abordagem de pesquisardquo (LUDKE ANDREacute
1986 p03)
A justificativa da delimitaccedilatildeo empiacuterica passa pela relaccedilatildeo fronteira entre o
Estado nacional e a escola O espaccedilo escolar eacute visto como um espaccedilo de tensotildees e
contradiccedilotildees em que se manifestam as mais distintas formas de relaccedilotildees sociais
onde o preconceito o racismo a xenofobia e a exclusatildeo ocorrem ao mesmo tempo
em que se ldquocombate essas formas de violecircnciardquo A escola nesta dissertaccedilatildeo natildeo eacute
uma entidade a parte uma maacutequina do Estado Eacute tambeacutem instrumento do Estado
ao mesmo tempo que perpassa pela vida de diferentes sujeitos como os
professores alunos diretores pesquisadores que podem criar condiccedilotildees de
resistecircncia a fim de construiacuterem outros curriacuteculos a margem do Estado e adaptaacute-los
agrave realidade local e natildeo universal
Nesse sentido estudar as poliacuteticas puacuteblicas educacionais a partir da
diversidade nas escolas de fronteira parte da hipoacutetese de que o Estado ao mesmo
tempo em que se faz presente na fronteira a deixa agraves margens quando natildeo
consegue a partir das poliacuteticas educacionais nacionais direcionadas ou natildeo para a
diversidade lidar com as diferenccedilas proacuteprias de uma realidade fronteiriccedila
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as poliacuteticas educacionais e as
relaccedilotildees com a diversidade na fronteira A diversidade qual nos referimos reside na
presenccedila de muacuteltiplas nacionalidades e etnias presentes nas escolas e o que essa
presenccedila e suas manifestaccedilotildees a partir das relaccedilotildees entre os diferentes sujeitos
acarretam para a escola Embora os questionamentos desta pesquisa envolva as
escolas o objeto principal da pesquisa satildeo os documentos e as poliacuteticas
educacionais para a diversidade para as escolas situadas em regiatildeo de fronteira
internacional
A fim de desenvolver a hipoacutetese de trabalho o primeiro capiacutetulo aborda o
tema da fronteira Eacute preciso compreender a polissemia e as diferentes abordagens
no acircmbito da pesquisa Albuquerque (2009) apresenta os novos enfoques
socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos que tem dado acesso a pesquisas no
campo das praacuteticas culturais e sociais para aleacutem da visatildeo tradicional de fronteira
poliacutetico-juriacutedica Na concepccedilatildeo de Joseacute de Souza Martins (1997) a fronteira se faz
20
de muitas e diferentes coisas fronteiras espaciais fronteira do pensamento fronteira
da civilizaccedilatildeo etc Conforme essa citaccedilatildeo a concepccedilatildeo de fronteira ultrapassa a
visatildeo tradicional pois para o referido autor fronteira pressupotildee diferentes
significados sejam eles poliacuteticos econocircmicos sociais ou culturais
A partir do enfoque da fronteira enquanto limite juriacutedico e de espaccedilo de
relaccedilotildees sociais busca-se relacionaacute-los partindo do pressuposto de que o
nascimento da fronteira enquanto limite juriacutedico estabelecido para demarcar os
territoacuterios entre os Estado nacionais desencadeou em outros processos no campo
social que devem ser analisados a fim de desmistificar a cristalizaccedilatildeo das fronteiras
como um espaccedilo naturalizado
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico
Metodologicamente fizemos levantamentos de dados em fontes histoacutericas e
documentais para ldquoinvestigar os acontecimentos processos e instituiccedilotildees do
passadordquo (LAKATOS MARKONI 2003 p106) Compreende-se que para entender
as atuais formas de organizaccedilatildeo social na fronteira eacute fundamental refazer a histoacuteria
dessas instituiccedilotildees e costumes desde sua origem Desse modo foi possiacutevel no
momento da contextualizaccedilatildeo do objeto de estudo perceber quais foram os fatos
que influenciaram sua atual estrutura Assim o primeiro e segundo capiacutetulo centrou-
se principalmente na pesquisa bibliograacutefica que consistiu no levantamento de
dados por meio de livro artigos e perioacutedicos impressos e online
O terceiro capiacutetulo apresenta a anaacutelise das poliacuteticas educacionais Na
primeira parte da investigaccedilatildeo utilizou-se da pesquisa documental que difere da
pesquisa bibliograacutefica pela natureza das fontes de dados que satildeo ricas e estaacuteveis
(GIL 2010) Satildeo considerados documentos ldquoquaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informaccedilatildeo sobre o comportamento humanordquo
(LUDKE ANDREacute 1986 p38)
Os documentos analisados foram a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional (LDB96) os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCN‟S) de 1997 o
curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute (2007)
produzido por iniciativa da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP)
e o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEEPR)
21
Utilizamos como referencial analiacutetico a abordagem de poliacuteticas puacuteblicas de
Leite e Flexor (2006) e Secchi (2013) para anaacutelise do Programa Escola Intercultural
Biliacutenguumle de Fronteira
As entrevistas semiestruturadas tambeacutem fizeram parte do arcabouccedilo
metodoloacutegico da pesquisa Conforme Ludke e Andreacute (1986) as entrevistas natildeo
estruturadas onde natildeo haacute a determinaccedilatildeo e uma ordem riacutegida de questotildees
permitem com que o entrevistado fale do tema proposto com base nas informaccedilotildees
que ele possui Os benefiacutecios da entrevista sobre outras teacutecnicas ldquoeacute que ela permite
a captaccedilatildeo imediata e corrente da informaccedilatildeo desejada praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados toacutepicosrdquo (LUDKE ANDREacute 1986 p33-
34)
As entrevistas foram realizadas com duas professoras da escola brasileira
que recebem o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumle de Fronteira Uma das
entrevistadas participa do desenvolvimento do programa desde seu iniacutecio e a outra
professora passou a acompanhar o projeto em 2015 Essa escolha permitiu
conhecer as diferentes fases da inserccedilatildeo do programa na escola O principal
objetivo da entrevista foi o de analisar os impactos do PEIF na praacutetica a partir das
experiecircncias relatadas O PEIF foi a uacutenica poliacutetica analisada a partir de entrevistas
aos atores diretamente envolvidos pois ateacute o momento da redaccedilatildeo desta
dissertaccedilatildeo constatou-se que este programa eacute a uacutenica poliacutetica educacional oficial do
Estado direcionada especificamente para escolas em regiatildeo de fronteira
internacional
II Estrutura da dissertaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo estaacute estruturada em trecircs capiacutetulos juntamente com a
introduccedilatildeo e consideraccedilotildees finais No primeiro capiacutetulo- Eacute preciso falar de escola na
fronteira- buscou-se a revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica fronteira Em seguida a
Fronteira o Territoacuterio e Estado-naccedilatildeo satildeo abordados partindo do princiacutepio de que
no processo de consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo o territoacuterio representou o espaccedilo
onde o Estado exerce a sua soberania (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 2004)
A fronteira se insere na condiccedilatildeo de limite poliacutetico fundamental para delimitar o
territoacuterio que por sua vez seraacute o espaccedilo onde o imaginaacuterio da naccedilatildeo eacute construiacutedo
22
(ANDERSON 1993) A seccedilatildeo seguinte apresenta os aspectos da cidade fronteiriccedila
de Foz do Iguaccedilu que permite dizer que ela juntamente com Ciudad del Este e
Puerto Iguazuacute conformam uma regiatildeo fortemente interligada em que fatores como
os econocircmicos e sociais afetam as trecircs cidades
A premissa da triacuteplice fronteira enquanto uma regiatildeo conectada eacute observada nos
exemplos apresentados na seccedilatildeo 14 A porosidade do Estado na fronteira Um deles
demonstra a necessidade de se criar accedilotildees conjuntas para resolver questotildees como
a regulamentaccedilatildeo do trabalhador que atravessa de um paiacutes para o outro na busca
por melhores condiccedilotildees de salaacuterio e que ao natildeo possuir os documentos que o
regularize natildeo possui direitos de trabalho garantidos Os dois uacuteltimos toacutepicos deste
mesmo capiacutetulo abordam identidade e as escolas na fronteira respectivamente As
diferenccedilas que tem como um dos marcadores a identidade satildeo evidenciadas nas
escolas que se apresenta neste contexto enquanto reguladora a partir de padrotildees
universalistas construiacutedos sem um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007)
O capiacutetulo II- A Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu construtos e
contradiccedilotildees para a consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo concentrou-se no processo de
formaccedilatildeo das escolas no contexto em que a cidade de Foz do Iguaccedilu foi formada
como tambeacutem sua relaccedilatildeo com a fronteira A Colocircnia Militar criada para proteccedilatildeo e
colonizaccedilatildeo do territoacuterio marca o iniacutecio das demandas pela criaccedilatildeo de escolas que
na ausecircncia do poder puacuteblico eram improvisadas pelos setores da sociedade
(EMER 1991) A influecircncia dos paiacuteses vizinhos no iniacutecio do seacuteculo XX eacute evidenciada
em relatoacuterios que explicam que a ausecircncia de escolas eacute um fator preocupante pois
as crianccedilas brasileiras estavam indo estudar na Argentina Essa influecircncia estaacute nos
relatoacuterios do Plano de desenvolvimento integrado (PDI) da deacutecada de 1970 que ao
analisar a escola e os motivos do fracasso escolar culpabiliza os alunos
estrangeiros que natildeo falam o portuguecircs A deacutecada de 1930 e o projeto de
nacionalizaccedilatildeo de Getuacutelio Vargas satildeo abordados para analisar a importacircncia que a
escola tinha para a construccedilatildeo do projeto de naccedilatildeo
O uacuteltimo capiacutetulo Poliacuteticas Puacuteblicas para a educaccedilatildeo na fronteira entre
Argentina Brasil e Paraguai teve como objetivo analisar as poliacuteticas puacuteblicas
educacionais para a diversidade Apoacutes traccedilar a trajetoacuteria das poliacuteticas educacionais
no Brasil verificou-se seu viacutenculo direto com as condiccedilotildees histoacutericas de cada eacutepoca
No Brasil colocircnia as necessidades estavam voltadas para a catequizaccedilatildeo do
indiacutegena e na instruccedilatildeo dos filhos dos proprietaacuterios de terra e da elite colonial como
23
um todo (MARCILIO 2005) A chegada da coroa portuguesa em 1808 marca o
periacuteodo das reformas pombalinas Marques de Pombal criou uma seacuterie de cursos
profissionalizantes escolas militares tanto de niacutevel meacutedio como superior
(GHIRALDELLI JR 2001)
As primeiras deacutecadas de 1930 marcam o iniacutecio do predomiacutenio das reformas
educacionais de teor nacionalista Ateacute 1930 a estrutura econocircmica brasileira estava
voltada para o modelo agraacuterio-exportador principalmente no campo da cafeicultura
Com a crise do modelo oligaacuterquico e a entrada de Getuacutelio Vargas no poder um novo
modelo de produccedilatildeo se configura mas a dependecircncia do capital estrangeiro
permanece Eacute o modelo de substituiccedilatildeo de importaccedilotildees iniciado em 1930
caracterizado pela intervenccedilatildeo estatal na economia e no incentivo agrave criaccedilatildeo de
induacutestrias (IANNI 1994)
No campo educacional eacute criado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e com
ele importantes poliacuteticas educacionais como a reforma Francisco Campos em 1931
que regulamentou as escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
algumas concepccedilotildees pedagoacutegicas inovadoras (SAVIANI 2008)
O fim do Estado Novo com a nova constituinte proporcionou algumas
mudanccedilas na educaccedilatildeo Em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal foram
regulamentados foi criado o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC
As principais reformas educacionais aconteceram no governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1960) A construccedilatildeo de Brasiacutelia a abertura ao capital estrangeiro
e o investimento em tecnologia marcaram um periacuteodo em que a naccedilatildeo eacute mobilizada
para superar seu atraso No campo da educaccedilatildeo o programa de metas do governo
priorizou a formaccedilatildeo teacutecnica dos trabalhadores
Na deacutecada de 1950 inicia-se o debate sobre a Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
e sua funccedilatildeo ateacute entatildeo destinada agrave mera transmissatildeo de conteuacutedos Eacute o comeccedilo do
debate em torno da educaccedilatildeo popular que incluiacuteam vaacuterios adeptos educadores
liacutederes comunitaacuterios intelectuais e estudantes de todo o paiacutes A liberdade de
expressatildeo nos primeiros anos da deacutecada de 1960 permitiu que houvesse a criaccedilatildeo
de diversos espaccedilos para promoccedilatildeo das massas e da educaccedilatildeo popular Inspirado
nesse movimento de base o Plano de Nacional Alfabetizaccedilatildeo de 1964 no governo
de Joatildeo Goulart criou o meacutetodo que alfabetizava em 40 horas guiado pelo meacutetodo
de Paulo Freire Contudo com o golpe militar em 1964 o plano mal chegou a ser
implantado (PAIVA 1984)
24
A partir do governo dos militares em termos educacionais presencia-se a
repressatildeo exclusatildeo das camadas populares do ensino profissionalizante e o
desmantelamento da organizaccedilatildeo docente (GHIRALDELLI JR 2001)
A Constituinte de 1988 marca a retomada da participaccedilatildeo de diferentes
grupos organizados da sociedade como os movimentos sociais nas proposiccedilotildees de
poliacuteticas puacuteblicas A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 96 eacute nesse
sentido considerada um grande avanccedilo ao incluir em 2003 e 2008 a Lei 1063903
que torna o ensino de histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira como obrigatoacuterio
no curriacuteculo das escola puacuteblicas e brasileiras Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
com o tema transversal pluralidade cultural tambeacutem satildeo outros dispositivos que
buscam abordar a diversidade eacutetnico-racial nas escolas brasileiras (BRASIL 2003)
Apesar dos avanccedilos das poliacuteticas educacionais para diversidade algumas
anaacutelises apontam para a sua tendecircncia homogeneizadora (ABG 1996) As poliacuteticas
em niacutevel estadual natildeo satildeo muito diferentes dos pressupostos nacionais na medida
em que estatildeo subordinados agrave LDB96 e isso inclui o curriacuteculo baacutesico para a escola
puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute feito pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oe
ste do Paranaacute (AMOP)
Dentre as poliacuteticas educacionais estudadas o Programa Escolas
Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira eacute um programa que nasceu com o objetivo de
promover o processo intercultural por meio do ensino biliacutengue nas escolas
pertencentes a regiotildees de fronteira internacional Os primeiros paiacuteses que aderiram
ao programa foram a Argentina e o Brasil mediante acordos assinados dentro do
bloco econocircmico Mercosul por meio do Setor Educacional do Mercosul (SEM)
responsaacutevel por desenvolver as propostas para implementaccedilatildeo de poliacuteticas
educacionais dentre essas a poliacutetica linguiacutestica
25
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA
11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees
Etimologicamente a palavra fronteira deriva do latim Fron e quer dizer ldquode
frenterdquo Ela foi utilizada pela primeira vez no seacuteculo XIII para estabelecer o limite
temporaacuterio e flutuante que separava dois exeacutercitos de poder no momento de conflito
(FEgraveBVRE 1962 apud SILVA 2008 p8) Foi a partir da formaccedilatildeo e expansatildeo do
Estado-naccedilatildeo que a fronteira passou a ser sinocircnimo de limite de soberania O termo
linha de fronteira por sua vez representa os limites internacionais Tal expressatildeo
acompanhou estreitamente os avanccedilos do pensamento moderno sobre territoacuterio
Hoje assim como inuacutemeras palavras que mudam ou assumem outros
sentidos de acordo com o tempo e espaccedilo a palavra fronteira assume outros
sentidos e significados No dicionaacuterio de liacutengua portuguesa Aureacutelio5 a definiccedilatildeo de
fronteira eacute apresentada enquanto limite ou divisa de um dado territoacuterio No entanto
esta palavra natildeo se resume agrave noccedilatildeo de separaccedilatildeo De acordo com Becker (2007) a
fronteira eacute concebida como parte das relaccedilotildees humanas em suas mais distintas
formas sejam elas econocircmicas poliacuteticas sociais religiosas culturais ou simboacutelicas
Os novos enfoques socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos tecircm ampliado as
possibilidades de estudos diferenciados acerca do tema fronteira Um exemplo disto
satildeo as anaacutelises sobre praacuteticas culturais e accedilotildees sociais Para Albuquerque (2010) a
fronteira apresenta-se como um cenaacuterio de relaccedilotildees sociais
As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relaccedilotildees sociais entrelaccediladas com os atuais processos de globalizaccedilatildeo e de redefiniccedilatildeo do papel dos limites entre os Estados nacionais A fronteira eacute geralmente percebida por esses estudiosos como um lugar de passagem de contato e traduccedilatildeo cultural (ALBUQUERQUE 2010 p48)
Nesse sentido a palavra fronteira natildeo eacute neutra ao contraacuterio eacute carregada de
inuacutemeros sentidos como exemplifica Faacutebio Reacutegio Bento ldquopara o contrabandista
fronteira significa afliccedilatildeo para o exilado poliacutetico passar a fronteira significa
libertaccedilatildeordquo (BENTO 2012 p2)
5Ver Dicionaacuterio Aureacutelio Online Disponiacutevel em lthttpwwwdicionariodoaureliocomfronteiragt Acesso
em 01102014
26
Na perspectiva durkhiemiana Fronteira eacute definida enquanto um fato social
Em As Regras do Meacutetodo Socioloacutegico (1865) Eacutemile Durkheim busca trata-la como
coisa ou seja algo possiacutevel de ser estudado Sendo coisa social a fronteira eacute
exterior ao indiviacuteduo assim torna-se passiacutevel de ser compreendida e explicada
racionalmente Regina Coeli Machado e Silva (2015) citando Strathern (2014)
aponta entretanto que a ldquofronteira eacute um dos conceitos menos sutis da anaacutelise
socioloacutegica como reificaccedilatildeo de uma abstraccedilatildeo socialrdquo Eacute a partir dessa mesma
abstraccedilatildeo que obtemos efeitos sociais tanto de exclusatildeo e quanto de participaccedilatildeo
social demonstrado as ldquoambiguidades do Estado-Naccedilatildeo brasileiro e das suas
fronteiras geopoliacuteticasrdquo (STRATHERN 2014 apud SILVA 2015 p1)
De maneira geral os estudos referentes agrave fronteira apresentam-se tanto no
sentido Stricto - a noccedilatildeo tradicional onde fronteira eacute a divisa entre estados no
acircmbito nacional ou internacional6 - como tambeacutem no sentido Lato - neste caso as
fronteiras do pensamento sendo elas nocircmades e sociais A respeito deste uacuteltimo
pode-se mencionar o exemplo de uma cidade marcada pela desigualdade social
Nela a fronteira manifesta-se por meio da disposiccedilatildeo das residecircncias estatildeo
dispostas a cidade de Satildeo Paulo demonstra estas fronteiras de um lado
comunidades carentes de outro casas luxuosas7
Imagem 1 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte wwwoiguassucom
6Vide imagem 1
7Vide imagem 2
27
Imagem 2 - Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi em Satildeo Paulo capital
Fonte e foto Tuca Vieira- httpwwwtucavieiracombrA-foto-da-favela-de-Paraisopolis
Desse modo nesta dissertaccedilatildeo ao tratarmos a fronteira em seu sentido
geograacutefico estaremos buscando a localizaccedilatildeo no tempo e espaccedilo de onde
estamos falando Quando ampliarmos a noccedilatildeo deste termo para os sentidos poliacutetico
e social estaremos buscando responder a questotildees que dizem respeito agraves
consequecircncias de um processo histoacuterico em que os Estados nacionais mesmo
tendo realizado as demarcaccedilotildees de seus limites natildeo conseguiram impedir que o
mesmo ocorresse entre as populaccedilotildees que transitam em seu interior Eacute o que afirma
Albuquerque (2010) para o qual
A reflexatildeo sobre identidades nacionais e os conflitos sociais nas aacutereas de delimitaccedilotildees dos Estados-Nacionais produzem novas abordagens sobre as fronteiras e desnaturalizam as bdquofronteiras naturais‟ das naccedilotildees (ALBUQUERQUE 2010 p 45)
Em artigo publicado na obra ldquoDilemas e Diaacutelogos Platinos Fronteirasrdquo
Machado (2010) aponta que os estudos entre as fronteiras dos Estados-Nacionais
satildeo uacutenicos No caso do Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 confirmou a delimitaccedilatildeo de
150 km a partir do limite internacional como faixa de fronteira Desse modo natildeo
apenas a cidade que faz divisa com outro paiacutes eacute considerada fronteiriccedila mas
tambeacutem as outras cidades que ficam dentro desta faixa de 150 km
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE 2014)
o Brasil possui uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros e 16886 quilocircmetros de
fronteira terrestre com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul sendo eles Argentina
Boliacutevia Colocircmbia Guiana Peru Suriname Venezuela Paraguai Uruguai e com o
Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana conforme observa-se na Figura 3
28
Imagem 3 - Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo
Fonte Jornal Tribuna wwwjornaltribunacombr
Como os dados assinalam a dimensatildeo da fronteira do Brasil com os paiacuteses
da Ameacuterica Latina eacute expressiva e natildeo apenas no sentido de extensatildeo territorial
visto que o contato direto e diaacuterio entre as populaccedilotildees inseridas neste contexto torna
a fronteira expressiva tambeacutem no que se refere agrave dimensatildeo das relaccedilotildees sociais
Desse modo ao estudar as poliacuteticas puacuteblicas no contexto de fronteira
internacional natildeo eacute apenas a conjuntura nacional que estaacute sendo considerada mas
tambeacutem o plano externo -em sentido transnacional - considerando-se os fluxos da
populaccedilatildeo brasileira paraguaia e argentina que circulam de um paiacutes para o outro
Fernand Brauduel (1989) ao abordar as fronteiras afirma que elas
incorporam aleacutem da dimensatildeo espacial tambeacutem a ldquodimensatildeo temporalrdquo (BRAUDEL
1989 apud Heinsfeld 2014 281) Como exemplo o autor cita as divisotildees territoriais
da Ameacuterica colonial feitas por Portugal e Espanha delimitaccedilotildees essas que foram
incorporadas antes mesmo da independecircncia das colocircnias Braudel chama atenccedilatildeo
para este fato afirmando que a histoacuteria tem a tendecircncia de cristalizar as fronteiras
como se fossem ldquoacidentes naturaisrdquo (BRAUDEL 1989 p 147) Albuquerque (2010)
tambeacutem compartilha desse raciociacutenio Segundo este autor haacute uma tendecircncia
disseminada no senso comum em se conceber a fronteira enquanto algo dado
pronto e natural como se natildeo houvesse nenhum conflito de fronteira Para aleacutem
disto a fronteira tambeacutem eacute percebida preconceituosamente pela imprensa e o
imaginaacuterio popular como uma terra de ningueacutem perigosa e violenta ou seja espaccedilo
da ilegalidade e da transgressatildeo
Para Albuquerque estas representaccedilotildees satildeo construiacutedas principalmente a
partir de notiacutecias negativas associadas a conflitos violentos Como exemplo temos a
29
imigraccedilatildeo clandestina dos mexicanos para os Estados Unidos ou a disputa territorial
na faixa de Gaza entre Israel e a Palestina Cabe ressaltar que nesta perspectiva
os Estados nacionais desempenham um papel fundamental na construccedilatildeo destas
concepccedilotildees e noccedilotildees acerca da fronteira satildeo eles que legitimam tais imaginaacuterios
por meio de estrateacutegias de proteccedilatildeo do territoacuterio No caso da fronteira com os
Estados Unidos e Meacutexico a poliacutetica de seguranccedila eacute extremamente violenta natildeo
apenas no sentido fiacutesico por meio da construccedilatildeo de muros com arames farpados e
redes de alta tensatildeo mas por meio de um monitoramento que existe com a
utilizaccedilatildeo de tecnologias de ponta A natildeo obediecircncia aos limites pode levar aqueles
(natildeo apenas mexicanos) que queiram atravessar a fronteira ilegalmente agrave morte
Segundo Kearney (apud MONTIEL 2007) esta representaccedilatildeo dos problemas
fronteiriccedilos tem estado muito presente na imprensa norte-americana e tem resultado
na justificativa e defensiva do que ele denomina de ldquonacionalismo dos brancosrdquo
(KEARNEY 1991 apud MONTIEL 2007 p10) Isto explicaria o atual endurecimento
da poliacutetica do governo estadunidense que resulta natildeo apenas na militarizaccedilatildeo da
mesma mas no polecircmico projeto de construccedilatildeo de um muro ao longo da faixa de
fronteira remetendo ao modelo da ldquocortina de ferrordquo dos paiacuteses europeus no periacuteodo
da Guerra Fria que dividia de um lado os paiacuteses do leste europeu sob a influecircncia
da Uniatildeo Sovieacutetica e de outro os paiacuteses pertencentes agraves zonas de influecircncia dos
Estados Unidos
12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo
Segundo o Dicionaacuterio de Poliacutetica o Estado Moderno tal qual o conhecemos
tem suas origens nas transformaccedilotildees ocorridas ao final da Idade Meacutedia que
resultaram em tratados como a Paz de Vestfaacutelia que simbolizou ldquoo momento em
que se reconhece formalmente de modo geral a soberania absoluta do Estado no
plano internacionalrdquo (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 1998 p1090) Mas eacute a
definiccedilatildeo de Max Weber sobre o Estado Moderno uma das mais conhecidas Para
ele o Estado faz o uso legiacutetimo da violecircncia numa relaccedilatildeo entre homens que
dominam seus iguais em um determinado territoacuterio
Estado eacute uma relaccedilatildeo de homens dominando homens relaccedilatildeo mantida por meio da violecircncia legiacutetima (isto eacute considerada como
30
legiacutetima) Ele eacute uma comunidade humana que pretende com ecircxito o monopoacutelio do uso legiacutetimo da forccedila fiacutesica dentro de um determinado territoacuterio (WEBER 1998 p98-99)
Destaca-se aqui a questatildeo do territoacuterio uma vez que sua relaccedilatildeo com a
fronteira eacute inerente Logo falar de fronteira fiacutesica em sua definiccedilatildeo claacutessica
pressupotildee que haja um territoacuterio que fora delimitado a partir de tratados acordos ou
mesmo a venda do territoacuterio em disputa O geoacutegrafo Rogeacuterio Haesbaert afirma que o
territoacuterio estaacute mergulhado em
() relaccedilotildees de dominaccedilatildeo eou de apropriaccedilatildeo sociedade-espaccedilo desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominaccedilatildeo poliacutetico-econocircmica mais bdquoconcreta‟ e bdquofuncional‟ agrave apropriaccedilatildeo mais subjetiva eou bdquocultural-simboacutelica (HAESBAERT 2004 p95-96)
O autor chega a esta conclusatildeo apoacutes realizar uma analise histoacuterico-social do termo
quando a palavra territoacuterio surgiu com duas conotaccedilotildees material e simboacutelica ldquopois
etimologicamente aparece tatildeo proacuteximo de terra-territorium quanto de terreo-territor
(terror aterrorizar)rdquo (HAESBAERT 2004 p 2) O autor afirma que as duas
conotaccedilotildees tem a ver com poder natildeo somente no significado tradicional de bdquopoder
poliacutetico‟ ldquoEle diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto de dominaccedilatildeo
quanto ao poder no sentido mais simboacutelico de apropriaccedilatildeordquo (HAESBAERT 2004 p
2)
Portanto todo territoacuterio eacute ao mesmo tempo e obrigatoriamente em diferentes combinaccedilotildees funcional e simboacutelico pois exercemos domiacutenio sobre o espaccedilo tanto para realizar ldquofunccedilotildeesrdquo quanto para produzir bdquosignificados‟ (HAESBART 2004 p67)
Hoje o modelo de Estado territorial eacute definido como aquele que organiza este
territoacuterio que por sua vez eacute delimitado por uma fronteira cuja populaccedilatildeo estaacute unida
pelo sentimento de naccedilatildeo Por naccedilatildeo Benedict Anderson (1993) entende que ldquoseja
uma comunidade imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo
tempo soberanardquo (ANDERSON 1993 p24)
Utilizando a definiccedilatildeo de Anderson para naccedilatildeo tendo em vista que haacute outras
definiccedilotildees para o termo o autor explica que a naccedilatildeo eacute imaginada pois nem todos
aqueles que fazem parte dela se reconhecem ainda que tenham consciecircncia que
haja uma comunhatildeo entre eles Desse modo o sentido de pertenccedila agrave naccedilatildeo existe
somente quando os sujeitos partilham de certo imaginaacuterio social mesmo que natildeo se
conheccedilam mutuamente Entretanto esta imaginaccedilatildeo eacute limitada uma vez que seu
31
campo de abrangecircncia eacute limitado Eacute soberano assim o anseio de qualquer naccedilatildeo
ser livre da subordinaccedilatildeo de outros poderes8ou de outras naccedilotildees
Por fim a naccedilatildeo eacute imaginada como uma comunidade tendo em vista que
independentemente das desigualdades que existam entre as pessoas - sociais
poliacuteticas ou econocircmicas - o senso de companheirismo extrapola as diferenccedilas
sociais que haacute entre elas Para Anderson eacute este sentimento de unicidade que fez
com que tantas pessoas morressem em nome da defesa da naccedilatildeo nos uacuteltimos
seacuteculos
A fim de explicar como se deu este processo de construccedilatildeo da naccedilatildeo nos
paiacuteses europeus Benedict Anderson menciona os jornais impressos que quando
popularizados tornaram-se um dos meios mais eficazes de inculcar valores na
sociedade servindo entatildeo de instrumento para a construccedilatildeo de uma naccedilatildeo Se
partirmos da afirmaccedilatildeo de Durkheim segundo a qual a educaccedilatildeo tem como funccedilatildeo
coletiva adaptar a crianccedila ao meio social faz-se necessaacuterio para isto que se
estabeleccedila entre a sociedade e a escola uma ldquocomunhatildeo de ideias e sentimentos
suficientes entre os cidadatildeos comunhatildeo sem a qual qualquer sociedade eacute
impossiacutevelrdquo (DURKHIEM 2011 p63) podemos perceber como a escola e o modo
com que o Estado designa o que deve ou natildeo conter como base comum a todo
curriacuteculo nacional torna a educaccedilatildeo escolar um mecanismo de constructo da naccedilatildeo
seguindo portanto a mesma premissa de Anderson
Na cidade fronteiriccedila durante o periacuteodo de instalaccedilatildeo e funcionamento da
Colocircnia Militar da Foz de Iguaccedilu entre 1889 e 1912 jaacute havia uma preocupaccedilatildeo com
o fato de as crianccedilas brasileiras estudarem na Argentina Afinal estavam
assimilando a cultura e os valores nacionais do paiacutes vizinho o que ameaccedilava o
territoacuterio Mais tarde na Era Vargas o projeto nacionalista de unificar o paiacutes passou
pela educaccedilatildeo Neste periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais que tinham entre outros
objetivos
() homogeneizar a populaccedilatildeo dando a cada nova geraccedilatildeo o instrumento do idioma os rudimentos da geografia e da histoacuteria paacutetria os elementos da arte popular e do folclore as bases da formaccedilatildeo ciacutevica e moral a feiccedilatildeo dos sentimentos e ideias coletivos em que afinal o senso de unidade e de comunhatildeo nacional repousam
8Eacute tambeacutem imaginada como soberana porque nasceu numa eacutepoca em que o Iluminismo e a
Revoluccedilatildeo destruiacuteram a legitimidade do domiacutenio dinaacutestico e ordenado por Deus (ANDERSON 1993)
32
(PALMEIRA 1943 apud SCHWARTZMAN BOMENY COSTA 2000 p 93)
Diante das estrateacutegias que o Estado Moderno desenvolveu para construir a
ideia de naccedilatildeo a proacutepria fronteira poliacutetica requer quase sempre a justificaccedilatildeo
ideoloacutegica da comunidade nacional Fora preciso estabelecer na fronteira natildeo
apenas a delimitaccedilatildeo em termos juriacutedicos e fiacutesicos mas tambeacutem no social a partir
da separaccedilatildeo entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo
A preocupaccedilatildeo com a construccedilatildeo de um senso de unidade e de comunhatildeo
nacional pela educaccedilatildeo escolar portanto acompanhou a histoacuteria de Foz do Iguaccedilu
Pois eacute importante descrever na proacutexima seccedilatildeo como ela aparece retomando como
ideacuteia a fronteira na histoacuteria da cidade
13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos
A cidade de Foz do Iguaccedilu eacute reconhecida por ser uma importante cidade
turiacutestica Nela encontram-se uma das ldquosete maravilhas da naturezardquo as Cataratas do
Iguaccedilu e a maior usina geradora de energia do mundo9 a hidreleacutetrica Itaipu
Binacional Por fazer fronteira com o Paraguai a cidade brasileira torna-se ainda
mais atrativa devido ao comeacutercio com Ciudad del Este Os meios de comunicaccedilatildeo
que costumam divulgar os atrativos turiacutesticos de Foz do Iguaccedilu exaltam o fato da
cidade possuir diferentes etnias e nacionalidades convivendo em um mesmo
territoacuterio Na ocasiatildeo do centenaacuterio da cidade foi composta a muacutesica bdquoIsso eacute Foz do
Iguaccedilu‟ que evidecircncia esse bdquoolhar‟ multicultural
Cidade de todas as raccedilas Que aceita o negro que aceita o branco
Iacutendio cafuzo amarelo e mamelucoCidade cosmopolitaTem brasileiro tem
argentinoAacuterabe chinecircs paraguaio e palestino Isso eacute Foz do IguaccediluDa
triacuteplice fronteira do sul Onde o ceacuteu eacute mais que azulTerra das cataratas do
Iguaccedilu (COPETTI 2014)
Nos versos verifica-se que uma das principais caracteriacutesticas atribuiacutedas agrave
cidade eacute ser multicultural com diferentes nacionalidades e etnias convivendo
pacificamente neste territoacuterio rico por suas belezas naturais No entanto existe
tambeacutem uma narrativa que caracteriza a cidade como perigosa marginal rota para
9 Dados obtidos no site oficial da Usina Hidreleacutetrica de Itaipu Binacional Disponiacutevel em
lthttpswwwitaipugovbrgt Acesso em 12122015
33
o grande traacutefico de armas e drogas espaccedilo de corrupccedilatildeo e lavagem de dinheiro
representada principalmente pela imprensa argentina de Puerto Iguazuacute e de Foz do
Iguaccedilu (ALBUQUERQUE 2010) conforme os enunciados abaixo sugerem
-PF10 estoura quadrilha que envolvia empresas-fantasmas de Foz do Iguaccedilu e traficantes do Paraguai Operaccedilatildeo Sustenido desmantelou organizaccedilatildeo criminosa suspeita de movimentar R$ 300 milhotildees (PORTAL R7 22052015)
-Contrabando ldquoempregardquo 15 mil em Foz do Iguaccedilu (GAZETA DO POVO 03032015) -Policia Federal apreende cigarros contrabandeados e um veiacuteculo (JT TRIBUNA 29012016)
Na perspectiva de Lorenzo Macagno (2011) esta visatildeo tatildeo dicotocircmica e
oposta ldquose produz e se reproduz justamente num espaccedilo peculiar e contraditoacuterio
Ali nos confins da naccedilatildeo nos espaccedilos liminares e de tracircnsito eacute onde esta conciliaccedilatildeo parece impor a necessidade de uma perpeacutetua reatualizaccedilatildeo de si mesma Sob este aparente paradoxo reside uma tensatildeo iminente entre o bdquonacional‟ e o transnacional (MACAGNO 2011 p25)
Para conhecer a dinacircmica de Foz do Iguaccedilu enquanto cidade de fronteira eacute
preciso primeiramente localizaacute-la no contexto da Triacuteplice Fronteira que recebeu
essa denominaccedilatildeo a partir de 1992 momento em que se levantavam suspeitas da
presenccedila de terroristas islacircmicos na regiatildeo A partir de 1996 o termo foi oficialmente
adotado pelo governo dos trecircs paiacuteses Utilizo-me da tese de Fernando Lima (2011)
o qual defende e argumenta que esta Triacuteplice Fronteira pode ser considerada uma
regiatildeo por possuir caracteriacutesticas proacuteprias diferente assim de outras regiotildees do
estado do Paranaacute e do sul do Brasil (LIMA 2011)
Ao tratar da origem do termo Triacuteplice Fronteira Rabossi (2004) aponta que
antes dos anos de 1990 para se referir agrave regiatildeo em seu conjunto se falava zona
regiatildeo ou trecircs fronteiras Em alguns jornais do final dos anos de 1980 o termo
bdquotriacuteplice fronteira‟ aparece para nomear a regiatildeo entretanto esse uso era geneacuterico
nunca substantivo proacuteprio Para exemplificar a constataccedilatildeo da dificuldade que era
pensar os paiacuteses fronteiriccedilos enquanto uma unidade Rabossi (2004) cita o trecho
texto do jornalista Bojunga de 1978 que diz
10
PF - abreviaccedilatildeo para Poliacutecia Federal
34
Em IguaccediluIguazuPuerto Presidente Strossneressa atividade [o contrabando] atinge caracteriacutesticas delirantes Nesse ponto em que as fronteiras da Argentina do Brasil e do Paraguai se encontram nada se perde tudo se trafica (BOJUNGA 1978 p 202 apud RABOSSI 2004 p 24)
A apariccedilatildeo do substantivo proacuteprio bdquoTriacuteplice Fronteira‟ surge a partir das
suspeitas de que havia terroristas islacircmicos na regiatildeo apoacutes os atentados na
embaixada de Israel na capital argentina Buenos Aires em 1992 Esta suspeita
aumentou apoacutes o atentado agrave Asociaciacuteon de Mutuales Israelitas Argentinas [AMIA]
em 1994 (RABOSSI 2004) Deste modo o termo Triacuteplice Fronteira surge
relacionado agraves questotildees de seguranccedila que envolve os trecircs paiacuteses ldquoEssa
denominaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de uma aacuterea singular e participa de sua
criaccedilatildeo a partir de uma praacutetica de nominaccedilatildeo que possibilita a emergecircncia
conceitual de um lugar onde estatildeo relacionadas agraves trecircs cidadesrdquo (RABOSSI 2004
p24) Rabossi (2004) considera a Triacuteplice Fronteira uma regiatildeo singular como Lima
(2011) afirma que Foz do Iguaccedilu possui caracteriacutesticas distintas das demais cidades
brasileiras cuja distinccedilatildeo se daacute por essa localizaccedilatildeo
Lima fala da integraccedilatildeo comercial seja por meio do turismo como a visitaccedilatildeo
agraves cataratas no Brasil e na Argentina seja por meio das compras em Ciudad del
Este que tornam a situaccedilatildeo econocircmica das cidades dependentes uma das outras O
autor chama atenccedilatildeo para a relaccedilatildeo entre as cidades de Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este Ele chega agrave conclusatildeo de que a relaccedilatildeo de trabalho entre brasileiros e
paraguaios natildeo se reduz agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos aos sacoleiros que pagam aos
paraguaios para atravessarem a ponte com a mercadoria que excede a cota
permitida ldquoTrata-se de uma verdadeira extensatildeo do mercado de trabalho de Foz do
Iguaccedilurdquo (LIMA 2011 p142)
Lima aponta que embora a Itaipu seja de suma importacircncia econocircmica para
o Brasil e o Paraguai a hidreleacutetrica eacute uma ldquoinduacutestria deslocalizadardquo (LIMA 2011 p
143) Isto significa que o que ela movimenta em termos econocircmicos fica longe da
cidade Os benefiacutecios para a cidade se encontram nos pagamentos de royalties e
nos salaacuterios dos trabalhadores que por sua vez eacute um grupo relativamente pequeno
o que ldquoimpede que se forme uma massa salarial grande o suficiente para gerar uma
dinacircmica endoacutegena de crescimentordquo (LIMA 2011 p142) Ateacute mesmo o expressivo
nuacutemero de funcionaacuterios puacuteblicos existente em Foz do Iguaccedilu em decorrecircncia da
35
Aduana e da Poliacutecia Federal natildeo eacute capaz de juntamente com a Itaipu estimular o
mercado de serviccedilos local Uma das maiores movimentaccedilotildees econocircmicas da cidade
encontra-se no turismo motivado pelas Cataratas do Iguaccedilu No entanto esta aacuterea
apresenta inuacutemeras fragilidades sobretudo no que diz respeito agraves flutuaccedilotildees do
cacircmbio brasileiro e argentino aleacutem da questatildeo sazonal e a proacutepria dinacircmica do
mercado que gera a competiccedilatildeo com outros destinos turiacutesticos Com estas
caracteriacutesticas Fernando Lima afirma que tanto no acircmbito econocircmico como no
social Foz do Iguaccedilu articula-se aos fatos econocircmicos da fronteira conformando
uma economia regional Neste sentido o autor sugere a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas que possam oferecer maior liberdade ao comeacutercio da regiatildeo em relaccedilatildeo agraves
poliacuteticas nacionais
Devido agrave falta desse tipo de poliacutetica de fronteira que Machado (2010) afirma
que tem sido difiacutecil para os Estados-Nacionais lidarem com a real ldquofluidez dos
agrupamentos humanosrdquo e mais ainda com o ajustamento de redes poliacuteticas
identitaacuterias econocircmicas e sociais superpostas aos limites dos estados territoriais
(MACHADO 2010 p71) Torna-se necessaacuterio avanccedilar na concepccedilatildeo de Estado
para aleacutem da esfera juriacutedica e poliacutetica para compreender que a fronteira eacute um
espaccedilo permeado por vidas e com relaccedilotildees que ultrapassam os seus limites
territoriais A Triacuteplice Fronteira ldquoeacute o espaccedilo de trocas culturais onde o local e o
internacional se articulam estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas especiacuteficasrdquo
(MULLER 2005 p03)
Cury e Fraga (2013) consideram que a especificidade da Triacuteplice Fronteira
manifesta-se a partir das experiecircncias que se realizam nos espaccedilos e unem povos
e culturas distintas sociedades que apresentam princiacutepios sociais de forma
integrada na sua diversidade ldquosem que se dispense o fato de que os brasileiros satildeo
brasileiros paraguaios satildeo paraguaios e argentinos satildeo argentinosrdquo (CURY e
FRAGA 2013 p 52)
Estes fluxos intensos fazem com que haja encontros e desencontros De um
lado as trocas interculturais a sociabilidade e a relaccedilatildeo amistosa de outro e ao
mesmo tempo as tensotildees de ordem cultural
A vida na fronteira passa constantemente pela afirmaccedilatildeo do eu e consequumlentemente pelo reconhecimento do outro Os de laacute e os de
36
caacute constroem a relaccedilatildeo estruturam o espaccedilo como sendo de ambos (MULLER 200311)
Neste sentido ocorre uma reatualizaccedilatildeo da naccedilatildeo na fronteira pois eacute um
espaccedilo que ao mesmo tempo une e separa nas palavras de Clemente de Souza
(2009 p106) ldquoSatildeo espaccedilos nos quais o local e o internacional se articula
estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas proacuteprias construiacutedas e reforccediladas pelos povos
fronteiriccedilosrdquo Para Souza (2009) as identidades e as culturas nacionais de cada um
dos paiacuteses fronteiriccedilos satildeo construiacutedas e reelaboradas por meio da interaccedilatildeo entre a
populaccedilatildeo desta regiatildeo assim acabam por constituir ldquooutra cultura e identidade
diferenciada capaz de recriar um novo lugar com aspectos regionaisrdquo (SOUZA
2009 p106)
14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas
Natildeo eacute apenas a educaccedilatildeo um tema delicado ao se abordar poliacuteticas puacuteblicas
para a fronteira Os exemplos das pesquisas tratadas nessa seccedilatildeo demonstram que
a particularidade da fronteira faz com que as poliacuteticas nacionais para o trabalho e a
sauacutede natildeo alcancem todos na fronteira
Na regiatildeo da Triacuteplice Fronteira a relaccedilatildeo que se estabelece principalmente entre
o Brasil e o Paraguai chama a atenccedilatildeo por seus laccedilos comerciais que fazem com
que o fluxo de pessoas seja intenso nos dois lados da fronteira Eacute comum a
premissa um morador passar o dia de trabalho em paiacutes vizinho onde sua renda eacute
obtida e viver parte do tempo em seu paiacutes de origem Eacute o caso dos trabalhadores
que satildeo contratados para atravessar mercadorias de Ciudad del Este para Foz do
Iguaccedilu de brasileiros que possuem alguma atividade comercial na Argentina ou
Paraguai ou das trabalhadoras domeacutesticas conhecidas como diaristas De modo
direto ou indireto satildeo trabalhadores (as) que contribuem com a economia da regiatildeo
fronteiriccedila mas que do ponto de vista dos direitos trabalhistas eacute um grupo que
acaba ficando agrave margem desses direitos por diferentes justificativas No caso das
11 Documento eletrocircnico sem paginaccedilatildeo MULLER K M O estudo Miacutedia e fronteira jornais locais em Uruguaiana-Libres e Livramento-Rivera Tese de doutorado defendida na Universidade do Vale dos
Sinos Satildeo Leopoldo fev 2003
17112015
37
diaristas paraguaias dada sua situaccedilatildeo de imigrantes encontram dificuldades para
a comprovaccedilatildeo de documentos necessaacuterios para exercer tal atividade no paiacutes Com
isso acabam na informalidade abrindo brechas para a desvalorizaccedilatildeo de seus
salaacuterios podendo ateacute mesmo virem a trabalhar sob condiccedilotildees insalubres e
exaustivas O delegado da Poliacutecia Federal Rodrigo Perin em uma reportagem
concedida ao site G1 fez a seguinte observaccedilatildeo sobre essa situaccedilatildeo
Na realidade se a pessoa estiver regularizada em territoacuterio nacional e estiver apta para trabalhar como ela vai ter todos os direitos trabalhistas ela natildeo vai poder receber um salaacuterio menor do que o piso fixado para aquela categoria bdquoA partir do momento que ela se encontra em situaccedilatildeo irregular ela vai receber um salaacuterio muito iacutenfimo agraves vezes varia de R$ 150 a R$ 200‟ afirmou o delegado A pessoa que contratar uma empregada domeacutestica ilegal pode ser multado em R$ 2500 Aleacutem disso o patratildeo pode responder criminalmente por manter o trabalhador em condiccedilatildeo similar a de escravo A empregada pode ser deportada para o paiacutes de origem (PORTAL DE NOTIacuteCIAS G1 2011)
Como exemplo de uma possiacutevel soluccedilatildeo ao problema da informalidade o
Ministeacuterio Puacuteblico de Foz do Iguaccedilu apoacutes receber denuacutencias acerca das
trabalhadoras domeacutesticas em regime irregular de trabalho passou a notificar os
siacutendicos de condomiacutenios da cidade a prestar contas sobre o nuacutemero de funcionaacuterios
(as) e empregados(as) contratados pelos moradores Entretanto os proacuteprios
trabalhadores temendo a demissatildeo optaram por seguirem na informalidade Tal
medida explica Hofling (2001) ldquofoi puramente repressiva e unilateral por parte do
governo brasileiro sem planejamento ou conexatildeo com outras poliacuteticas integradas
com os paiacuteses vizinhosrdquo (HOFLING 2001 p 177)
No que confere agrave questatildeo entre o legal e o ilegal este uacuteltimo eacute tatildeo
frequumlentemente associado agrave fronteira que quase vira seu sinocircnimo Esta noccedilatildeo fora
criticada por Rabossi (2011) o qual considera que o modelo de ordem e de lei
vigente natildeo se aplica para pensar ldquoo funcionamento efetivo da lei nem as atividades
que se desenvolvem naquele espaccedilordquo (RABOSSI 2011 p64) Segundo Silva (2015)
a vida dessas pessoas que vivem na ilegalidade equivaleria ao que ela denomina
de ldquoprotocidadania em direccedilatildeo inversa ou a uma forma de vida ambiacutegua e
paradoxal diante do Estado-Naccedilatildeordquo Para a autora haacute uma cidadania que eacute rompida
em sua continuidade entre o nascimento e a nacionalidade onde o sujeito encontra-
se dentro e fora da lei imersos em uma bdquozona de inderteminaccedilatildeo‟ (SILVA 2015
p3)
38
Quanto agrave questatildeo da violecircncia do traacutefico de drogas da exploraccedilatildeo sexual do
trabalho infantil que satildeo intensas na regiatildeo Rosana Pinheiro Machado (2011) em
seu artigo ldquoCaminhos do descaminho Etnografia da fiscalizaccedilatildeo na Ponte da
Amizade e seus efeitos no cotidiano da Triacuteplice Fronteira aponta que apenas ldquouma
fiscalizaccedilatildeo unilateral sem amparo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo parece extinguir tais
problemas mas apenas deslocaacute-losrdquo (MACHADO 2011 p145)
Quando se trata de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para a regiatildeo de fronteira
internacional o tema da seguranccedila e defesa nacional aparecem como destaque no
processo de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Albuquerque explica que a
ldquofronteira geralmente eacute uma zona onde as forccedilas repressoras e fiscalizadoras do
Estado tecircm dificuldade em exercer o monopoacutelio das armas e das leisrdquo
(ALBUQUERQUE 2005 p67) Essa suposta ausecircncia de controle acaba
legitimando a imagem de que a fronteira eacute uma terra de ningueacutem
O mesmo autor explica que a triacuteplice fronteira a partir de meados da deacutecada
de 1990 passou a ser representada principalmente pela imprensa brasileira e
argentina juntamente com os organismos oficiais de inteligecircncia dos Estados
Unidos como um local de traacutefico de armas e drogas de lavagem de dinheiro dentre
outros sendo portanto caracterizada como ldquosantuaacuterio da corrupccedilatildeo impunidade e
delinquumlecircnciardquo (ALBUQUERQUE 2010 p39)
Seja pelas imagens incansaacuteveis divulgadas pelos meios de comunicaccedilatildeo de
que a fronteira requer maior atenccedilatildeo no quesito seguranccedila ou pelas pressotildees
internacionais ou mesmo pelo interesse do Estado em querer legitimar o uso da
forccedila na regiatildeo demonstrando sua soberania perante os paiacuteses vizinhos a
seguranccedila na fronteira eacute o tema mais visiacutevel no sentido de poliacutetica puacuteblica
Certamente a securitizaccedilatildeo processo pelo qual a seguranccedila puacuteblica torna-se o argumento central nas relaccedilotildees entre sociedade e Estado (Gruszczac 2010) marca a gestatildeo estatal das fronteiras no globo com ecircnfases e significados ligados agrave seguranccedila puacuteblica nacional e internacional (Machado Novaes Monteiro 2009 Dorfman Franccedila 2013) O governo brasileiro mobiliza suas instituiccedilotildees como decorrecircncia dos processos securitizatoacuterios poacutes 11-S mas tambeacutem o faz dentro de um projeto maior e mais antigo de construccedilatildeo do Brasil potecircncia (FRANCcedilA DORFMAN 2014 p11)
Um exemplo desses projetos eacute o receacutem criado Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) um conjunto de sistemas integrados do
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exeacutercito brasileiro para o monitoramento e controle das fronteiras terrestres
Segundo o site oficial do SISFRON trata-se de um dos maiores projetos de
seguranccedila e defesa em execuccedilatildeo do mundo De acordo com o Ministeacuterio da Defesa
seu propoacutesito eacute ldquofortalecer a presenccedila e a capacidade de accedilatildeo do Estado na faixa de
fronteira terrestre contribuindo para a maior efetividade no combate aos delitos
transfronteiriccedilos e praticados na faixa de fronteirardquo (BRASIL 2014 p1) Dorfman e
Franccedila (2014) citam outros programas como o Plano Estrateacutegico de Fronteiras em
2011 promovido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
Estes e outros programas nacionais de proteccedilatildeo ao territoacuterio representam a
materializaccedilatildeo da claacutessica definiccedilatildeo de Estado o exerciacutecio do uso legiacutetimo da forccedila
tendo como pano de fundo dessa legitimidade o consenso da populaccedilatildeo que em
tese aceita em troca da proteccedilatildeo do Estado (WEBER 1998)
Aleacutem da seguranccedila a sauacutede eacute um setor delicado em regiatildeo de fronteira que
ao contraacuterio das poliacuteticas para seguranccedila da fronteira natildeo recebe recursos
diferenciados das demais regiotildees do paiacutes
Relatoacuterios do ldquoEstudo da Rede de Serviccedilos de Sauacutede na Regiatildeo de
Fronteirardquo referentes a 2001 e 2002 produzidos para a Organizaccedilatildeo Mundial da
Sauacutede (OMS) ao estudar a situaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica nas cidades de Puerto
Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad Del Este verificaram a existecircncia de uma
dificuldade no processo de contabilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo que necessita de
atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) haja vista que parte dessa
populaccedilatildeo eacute flutuante Deste modo os repasses de verba para o SUS acabam natildeo
abarcando a realidade total da populaccedilatildeo atendida
Neste estudo as informaccedilotildees indicaram ainda que a maior transferecircncia de
atenccedilatildeo existe entre Ciudad Del Este e Foz do Iguaccedilu Este fenocircmeno pode ser
explicado basicamente pela acessibilidade geograacutefica somadas agraves condiccedilotildees
sociais e comerciais manifestado no tracircnsito entre Ciudad del Este e Foz do Iguaccedilu
Nesse sentido Luis Astorga (2004) responsaacutevel pelo estudo da sauacutede nas trecircs
cidades completa
A atenccedilatildeo que os cidadatildeos do Paraguai solicitam em Foz equivale a algo entre 5 e 55 dos serviccedilos produzidos em Cidade do Leste sendo o Atenccedilatildeo Primaacuteria e de Especialidade os mais procurados pela populaccedilatildeo paraguaia Os serviccedilos mais demandados pela populaccedilatildeo paraguaia satildeo aqueles onde haacute maior diferenccedila entre Cidade do Leste e Foz que satildeo precisamente os serviccedilos
40
ambulatoriais de especialidade Segundo os estudos de Foz aparentemente o maior fluxo de paraguaios concentra-se nos centros de sauacutede proacuteximos ao rio e agrave ponte dado que a populaccedilatildeo pode se deslocar a peacute desde Ciudad del Este (ASTORGA etal 2004 p88)
Cabe aqui a ressalva de que em regiotildees de fronteira internacional assim
como em outras regiotildees do paiacutes o problema da sauacutede eacute resultado de uma
conjuntura de fatores sendo que os mais citados para justificar a ineficiecircncia do
sistema eacute a falta de recursos humanos especializados as distacircncias entre os
municiacutepios e os grandes centros de referecircncia e a insuficiecircncia de equipamentos
para realizaccedilatildeo de tratamentos e procedimentos de meacutedia e alta complexidade
(GADELHA 2007 p216)
Na tentativa de amenizar essa situaccedilatildeo nas cidades de fronteira tendo o
MERCOSUL como propositor dessa poliacutetica criou-se o Sistema Integrado de Sauacutede
do Mercosul (SIS-MERCOSUL) Instituiacutedo em julho de 2005 e lanccedilado em
novembro do mesmo ano na cidade de Uruguaiana ndash RS ndash por meio do ministeacuterio
da sauacutede e dos Estados-membros do Mercosul seu objetivo eacute criar uma agenda
com propostas de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre os paiacuteses do referido bloco e garantir
o atendimento para a populaccedilatildeo da regiatildeo por meio de estrateacutegias que melhorassem
a sauacutede local dos paiacuteses envolvidos
Costa e Gadelha (2007) explicam que ldquoa ideacuteia eacute iniciar uma poliacutetica de
incentivo agrave gestatildeo a partir do repasse de recursos financeiros para os municiacutepios de
fronteirardquo (COSTA e GADELHA 2007 p218) Estas municipalidades por outra via
devem participar ativamente da elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico da realidade da sauacutede
local e realizar o cadastro da populaccedilatildeo no cartatildeo do SUS A complexidade do
diagnoacutestico reside no fato de que momento em que o Estado natildeo considera como
usuaacuterios do sistema uacutenico cidadatildeos advindos dos paiacuteses vizinhos Neste caso eacute
fundamental que haja investimento integrado com os demais paiacuteses
Alguns avanccedilos tecircm sido alcanccedilados no tocante agrave elaboraccedilatildeo de diagnoacutesticos de sauacutede para municiacutepios da linha de fronteira mas ainda natildeo se consegue verificar o relacionamento deste diagnoacutestico da infra-estrutura instalada e real utilizaccedilatildeo do sistema por parte da populaccedilatildeo flutuante que o utiliza Para reverter essa situaccedilatildeo muito haacute que se avanccedilar na coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de fronteiras no Brasil assim como em sua articulaccedilatildeo com as dos paiacuteses vizinhos (COSTA CADELHA 2007 p217)
41
Como podemos observar nos dados apresentados autores que tratam das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas para regiotildees fronteiriccedilas insistem em uma melhor
articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses com poliacuteticas para a fronteira de modo
que estas possam ser executadas com sucesso
15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do
Estado
Albuquerque (2010) apresenta alguns trabalhos histoacutericos e antropoloacutegicos
acerca do Estado e dos agentes locais fronteiriccedilos ldquonas redefiniccedilotildees das identidades
nacionais regionais e locaisrdquo (ALBUQUERQUE 2010 p 46) Dentre estes estudos
o autor descreve aqueles referentes agrave fronteira dos Estados Unidos com o Meacutexico
em que a loacutegica de um hibridismo cultural de uma integraccedilatildeo cultural na fronteira
entre os dois paiacuteses eacute questionada Disto decorre o fortalecimento das identidades
nacionais Inspirados pelos estudos referentes agraves fronteiras entre os paiacuteses
Europeus e Meacutexico e Estados Unidos Albuquerque aponta que os antropoacutelogos do
cone sul em destaque os argentinos tecircm realizado inuacutemeras etnografias nas
fronteiras entres os paiacuteses da Ameacuterica do Sul
O que haacute de comum eacute a tentativa de pensar a tensatildeo entre naccedilatildeo e processos de integraccedilatildeo supranacionais e as maneiras como as identidades nacionais se fortalecem nestes espaccedilos de fronteiras apesar do visiacutevel hibridismo de liacutenguas e outras expressotildees culturais (GRIMSON 2003 KARASIK 2000 VIDAL 2000 apud ALBUQUERQUE 2010 p 27)
A complexidade das relaccedilotildees sociais existentes na fronteira nos permite dizer
que seria leviano rotular as pessoas que nelas transitam Conforme Laclau
(1996)ldquonatildeo se pode afirmar uma identidade diferencial sem distingui-la de um
contexto e no processo de fazer a distinccedilatildeo afirma-se o contexto simultaneamenterdquo
(LACLAU 1996 apud HALL 2003 p 85) No contexto da fronteira nos deparamos
com um sujeito que possui sua identidade nacional negociada o tempo todo atraveacutes
do encontro com os ldquooutrosrdquo
Em Foz do Iguaccedilu como mencionado eacute comum a presenccedila de outras etnias
e nacionalidades que buscam preservar seus costume e tradiccedilotildees mas ao entrar em
contato com outros costumes e valores acabam por adquirir parte de seus haacutebitos
Machado (2006) aponta que uma vez que a identidade sendo cultural e portanto
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social e historicamente construiacuteda ela pode ser reconstruiacuteda ou reinventada
conforme as circunstancias temporais e espaciais (MACHADO 2006 p 93)
Figueiredo (2005) afirma que a questatildeo da identidade vai para aleacutem da construccedilatildeo
para a negociaccedilatildeo
Se anteriormente as identidades apareciam como construccedilotildees ainda que percebidas como processos simboacutelicos hoje em dia aleacutem dessa noccedilatildeo pode-se pensar e discutir a identidade como negociaccedilatildeo tanto como nas fronteiras culturais como nas linguumliacutesticas e territoriais (FIGUEIREDO 2005 p546)
Deste modo estes encontros relaccedilotildees e negociaccedilotildees entre diferentes
costumes haacutebitos liacutenguas se fazem presentes em Foz do Iguaccedilu e tambeacutem se
manifestam em diferentes espaccedilos como o escolar A escola eacute considerada um
espaccedilo plural principalmente com a globalizaccedilatildeo que provocou dentre outras
mudanccedilas ldquoum redimensionamento de grupos e movimentos migratoacuteriosrdquo (VIERA
2010 p10) Grandes metroacutepoles como Satildeo Paulo possui um grande nuacutemero de
estrangeiros Em reportagem feita para o Jornal bdquoO Estado de Satildeo Paulo‟ a
jornalista Isabela Palhares foi agrave uma escola na capital paulista Os dados fornecidos
pela direccedilatildeo da escola indica que ela possui mais de 55 de alunos estrangeiros
Trata-se da Escola Estadual Marechal Deodoro no Bom Retiro regiatildeo central de
Satildeo Paulo Dos 772 estudantes matriculados 55 satildeo de outro paiacutes ou satildeo filhos
de pais que vieram recentemente para o Brasil ldquoA maioria desses alunos
estrangeiros eacute de bolivianos peruanos e paraguaios mas ainda haacute coreanos
argentinos chilenos e um camaronecircsrdquo (PALHARES 2015)
Embora natildeo seja uma grande cidade em termos populacionais12 como as
capitais ou metroacutepoles brasileiras Foz do Iguaccedilu possui uma diversidade notaacutevel
quanto agrave presenccedila de imigrantes de diferentes nacionalidades e etnias que
possibilita transformaccedilatildeo e reconfiguraccedilatildeo da cultura e do cenaacuterio local Essa
presenccedila de imigrantes como explica Maria Eta Viera (2010) nem sempre eacute
percebida pelo brasileiro como algo valorativo A autora descreve a reaccedilatildeo de
algumas pessoas em transportes puacuteblicos e nas ruas que ao perceberem a
12
Conforme o censo realizado pelo IBGE em 2010 Foz do Iguaccedilu possui cerca de 260 mil
habitantesDisponiacutevel
emlthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=410830ampsearch=||infogrE1ficos-
dados-gerais-do-municEDpiogt Acesso em 14062015
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presenccedila do estrangeiro com traccedilos fiacutesicos diferentes e falando outro idioma
reagem com repulsa e redobram os cuidados com seus pertences (bolsa celular
carteira etc) (VIERA 2010)
Tradicionalmente tido como um paiacutes hospitaleiro receptivo ao extremo e que valoriza - agraves vezes ateacute de forma exagerada- o que eacute estrangeiro causam estranheza algumas atitudes que tecircm sido observadas com relaccedilatildeo a imigrantes de determinados paiacuteses (VIERA 2010 p61)
O imigrante que deixa seu paiacutes leva consigo a sua histoacuteria cultura valores e
ao chegar a outro paiacutes deve readequar a sua vida a este novo cenaacuterio Esse
encontro pode dar-se de modos diferentes ldquoprovocando desde uma coexistecircncia e
convivecircncia paciacuteficas entre os valores e costumes das comunidades envolvidas ateacute
repulsa e marginalizaccedilatildeo do estrangeiro (VIERA 2010 p63)
Conforme apresenta Homik Babha (1998) natildeo devemos concentrar nossas
atenccedilotildees seja em um lado ou em outro - neste caso o brasileiro em relaccedilatildeo aos
outros Ele critica esta noccedilatildeo binaacuteria entre totalidades Ao observar praacuteticas comuns
tiacutepicas de uma cultura assimiladas por outras eacute possiacutevel sugerir alguns exemplos
passiacuteveis de ocorrer em Foz do Iguaccedilu a saber o mesmo sujeito brasileiro que
chama o paraguaio de xiruacute a fim de ofendecirc-lo eacute o que adquiriu o haacutebito comum aos
paraguaios de tomar o tererecirc13 Isto vale tambeacutem para os apelidos pejorativos e
estigmas que tentam associar ao aacuterabe que reside em Foz do Iguaccedilu como
terrorista14 atraveacutes da denominaccedilatildeo de ldquohomens-bombardquo Aquele que os ofende eacute o
mesmo que fuma o narguile15 consome o shawarma e a esfiha Deste modo Babha
entende que a diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao outro ocorre ao mesmo tempo em que
haacute incorporaccedilatildeo do outro dentro de si mesmo
1313Terereacute ou tererecirc eacute uma bebida tiacutepica feita com a infusatildeo de ervas em aacutegua fria Sua origem eacute atribuiacuteda aos Paraguai tendo suas raiacutezes na cultura dos indiacutegenas guaranis 14A partir do dia 11 de setembro de 2001 uma seacuterie de alegaccedilotildees sobre viacutenculos terroristas na Triacuteplice Fronteira entre Brasil Paraguai e Argentina cruzou as Ameacutericas Essa teoria circulada nos meios de comunicaccedilatildeo combinou com duas correntes imperialistas da poliacutetica externa dos Estados Unidos por um lado a imagem do aacuterabe ou do mulccedilumano como terrorista e por outro a representaccedilatildeo da Ameacuterica do Sul como uma ldquoterra sem leirdquo (MONTENEGRO GIMEacuteNEZ BEacuteLIVEAU 2006 apud KARAN 2011 p203) 15Espeacutecie de cachimbo muito usado por hindus persas e turcos constituiacutedo de um fornilho um tubo longo e um pequeno recipiente contendo aacutegua perfumada pelo qual passa a fumaccedila antes de chegar agrave boca (Dicionaacuterio online Disponiacutevel em lthttpwwwdiciocombrnarguilegtAcesso em 23112015
44
Nas escolas puacuteblicas de Foz do Iguaccedilu este ldquooutrordquo satildeo representados em
sua maioria por paraguaios e argentinos ou seja as diferenccedilas tecircm como marcador
principal a identidade nacional Trata-se de um problema histoacuterico jaacute que a escola
foi um dos instrumentos que permitiu ao Estado tentar iniciar o processo de
homogeneizaccedilatildeo cultural Logo conforme Pereira (2009) a escola deste o iniacutecio foi
considerada um espaccedilo negaccedilatildeo da diversidade O nacional torna-se assim fator
de diferenciaccedilatildeo de tensotildees de abertura para preconceitos e estigmas
Na dissertaccedilatildeo sobre a presenccedila de brasiguaios nas escolas brasileiras
Cirlani Terenciani (2011) menciona o trabalho de Joseacute Carlos de Souza (2001)
sobre as representaccedilotildees que os brasileiros fazem em relaccedilatildeo aos paraguaios
() que se tomar dinheiro emprestado natildeo gosta de pagar e natildeo quer que lembre da diacutevida Eacute vingativo para as pessoas que lhe traem a confianccedila () costuma-se dizer que trecircs coisas o paraguaio natildeo daacute a mulher o cavalo e a arma (SOUZA 2001 p 55 apud TERENCIANI 2011 p56)
Tratam-se de afirmaccedilotildees preconceituosas que contribuem para que a imagem do
paraguaio seja associada agrave ldquofalsidade ilegalidade desconfianccedilardquo (TERENCIANI
2011p 57)
Durkheim em Educaccedilatildeo e Sociologia (2011) descreve a escola enquanto
uma instituiccedilatildeo que natildeo estaacute alheia aos fatos sociais presentes na sociedade Logo
a representaccedilatildeo do ldquooutrordquo tanto em seus aspectos positivos quanto negativos eacute
reproduzido no acircmbito escolar sendo portanto um espaccedilo de negociaccedilotildees das
identidades-diferenccedilas
A educaccedilatildeo eacute inseparaacutevel da sociedade em seus momentos histoacutericos Para
Durkhiem (2011) cada sociedade em determinado momento de seu
desenvolvimento teve um sistema de educaccedilatildeo que se impocircs aos indiviacuteduos com
uma forccedila geralmente irresistiacutevel Isto significa que a educaccedilatildeo tem uma relaccedilatildeo
muito estreita com as necessidades e os conflitos que a sociedade vivencia em
determinado momento histoacuterico A funccedilatildeo social da escola estaria na socializaccedilatildeo da
crianccedila Joseacute Carlos Martins (2010) partindo da teoria sociointeracionista de
Vygotsky cuja visatildeo de desenvolvimento humano se baseia na premissa de que o
pensamento eacute constituiacutedo em um espaccedilo histoacuterico e cultural afirma que ldquoa crianccedila
reconstroacutei internamente uma atividade externa como resultado de processos
interativos que se datildeo ao longo do tempordquo (MARTINS 2010 p114) Com isso o
45
professor e os demais constituintes da comunidade escolar acabam fazendo parte
do processo formativo da crianccedila Logo as ideias valores e conhecimentos desta
instituiccedilatildeo e de outros organismos da sociedade vatildeo influir diretamente na formaccedilatildeo
desta crianccedila
No que confere agraves escolas situadas em regiatildeo de fronteira o grande desafio eacute
lidar com situaccedilotildees que envolvem tanto os aspectos formais quanto os transversais
que se passam em sala de aula como exemplo a funccedilatildeo mediadora do professor e
demais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do aluno ao lidar com diferenccedilas eacutetnicas e
linguumliacutesticas o que eacute comum nas escolas de fronteira internacional Em artigo
publicado sobre a diversidade cultural em sala de aula intitulado de ldquoFronteira
Diversidade Cultural e Cotidiana Escolar na cidade de Ponta Poratilderdquo Nunes e
Terenciani (2010) analisaram as manifestaccedilotildees da diversidade cultural social e
poliacutetica vivida diariamente nas aulas de geografia As autoras constataram que os
alunos oriundos do Paraguai tinham muita dificuldade com a liacutengua portuguesa
() estes alunos principalmente os das seacuteries iniciais muitas vezes chegam agrave escola sem saber falar a Liacutengua Portuguesa e em alguns casos natildeo sabem falar sequer a Liacutengua Espanhola comunicando-se apenas atraveacutes da Liacutengua Guarani o que dificulta o processo de aprendizagem bem como a relaccedilatildeo dos professores com seus alunos (NUNES TERENCIANI 2010 p04)
Nunes e Terenciani (2010) consideram que a escola e o formalismo no qual
ela se fundamenta reforccedila as fronteiras simboacutelicas o que impede a integraccedilatildeo entre
os paiacuteses fronteiriccedilos
Por sua vez na pesquisa com alunos bolivianos que estudam em redes
puacuteblicas e privadas na cidade de fronteira Corumbaacute ndash MS as autoras Ruth Souza e
Aline Rodrigues (2009) em entrevista a coordenadores professores e diretores das
escolas por elas analisadas chegaram agrave conclusatildeo de que os alunos bolivianos
apresentam dificuldades para ler e escrever o que dificulta ateacute mesmo o processo
de integraccedilatildeo dos alunos com os demais (no caso os brasileiros) aleacutem de se
sentirem tiacutemidos pela estranheza daquele universo escolar Ao analisarem o Projeto
Poliacutetico Pedagoacutegico das escolas visitadas as responsaacuteveis pela pesquisa deram o
seguinte parecer
Observa-se entatildeo que a escola brasileira natildeo eacute preparada para atender o aluno estrangeiro nem mesmo em aacutereas de fronteira onde
46
essa realidade eacute cada vez mais frequumlente Os PPP‟s satildeo engessados nas diretrizes gerais da educaccedilatildeo e desconsideram as especificidades locais natildeo oferecendo subsiacutedios adequados para as escolas atenderem os alunos estrangeiros e buscarem a inserccedilatildeo do mesmo no ambiente escolar e garantir o seu aprendizado (SOUZA RODRIGUES 2009 p10)
Outro estudo referente agrave presenccedila de migrantes fronteiriccedilos realizado na
fronteira do Brasil com o Uruguai na cidade de Sant‟Ana do Livramento ndash RS por
Geovana Bardesio e Paulo Cassanego (2013) apontou que as diferenccedilas
relacionadas ao idioma principalmente a expressatildeo escrita da liacutengua portuguesa
foram assinaladas pelos gestores entrevistados como um dos maiores desafios a
serem superados para o melhor desenvolvimento do aluno migrante Os mesmos
quando questionados sobre as atividades desempenhadas com vistas agrave promoccedilatildeo
da socializaccedilatildeo entre os alunos das escolas natildeo relataram nenhuma atividade
direcionada especificamente para o acolhimento de alunos migrantes ldquotambeacutem natildeo
foram verificados incentivos a promoccedilatildeo de discussotildees entre os professores sobre o
tema migraccedilatildeo e sobre a situaccedilatildeo de acolher estudantes nesta condiccedilatildeo na escolardquo
(CASSANEGO E BARDESIO 2013 p7)
Jacira Pereira (2003) apresenta o resultado de sua pesquisa referente agraves
identidades eacutetnico-culturais e sua relaccedilatildeo com o curriacuteculo de escolas situadas em
regiatildeo de fronteira A pesquisa foi realizada na fronteira entre Brasil e Paraguai nas
cidades de Ponta Poratilde e Pedro Juan Caballero Buscou entrevistar duas geraccedilotildees
de migrantes presentes nas cidades oriundos de diferentes etnias e nacionalidades
Dentre as questotildees presentes na entrevista encontra-se uma referente a
atitudes preconceituosas nas escolas devido agrave origem eacutetnica do aluno Pereira
destacou a seguinte resposta de uma estudante paraguaia quando perguntada se
sofria algum tipo de preconceito
Preconceito assim natildeo mas tem aquelas brincadeirinhas de mau gosto Cala boca sua paraguaia [] Isto acontecia desde pequena agora parou um pouco Mas acontecia sempre e eu ficava brava brava Eu tinha vergonha (Luciana Assunccedilatildeo ndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p7)
Em relaccedilatildeo a possiacuteveis apelidos dados pelos colegas de turma a autora
destaca as seguintes falas
Natildeo ligo de ser descendente de libanecircs eu gosto [] Eu natildeo tenho mas os amigos do meu irmatildeo me chamam de turquinho Mas eu natildeo tenho um apelido que todo mundo me chama (Rames Husseinndash 2ordm geraccedilatildeo)
47
Tenho vaacuterios entre eles o de japonecircs porque me confundem com japonecircs [] Natildeo gosto disso (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Pode-se inferir com base nos relatos que nas relaccedilotildees no interior da escola
natildeo se discrimina o sujeito apenas por sua nacionalidade como tambeacutem pela
aparecircncia Ainda com relaccedilatildeo aos preconceitos e agrave discriminaccedilatildeo que sofrem os
migrantes a pesquisadora constatou que a minoria migrante paraguaia eacute a que mais
demonstra ser alvo de tratamento diferenciado expresso nas zombarias e nas
chacotas o que eacute possiacutevel captar nas relaccedilotildees tensas e conflitantes entre as
diferentes etnias na fronteira Eis alguns dos relatos dessas manifestaccedilotildees
Tem alguns soacute mas natildeo falam de verdade eacute soacute de brincadeira os paraguaios natildeo levam muito a seacuterio Tem amigo do meu irmatildeo que chama de chipeiro porque eacute do Paraguai soacute que esse apelido pegou e todo mundo soacute chama assim os paraguaios (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) Jaacute vi colocar apelido Um rapaz que tem na minha sala o chamam de chipa de paraguaio Mas eacute coisa de amigo ele leva na brincadeira Natildeo leva a mal (Rames Husseinndash 2ordf geraccedilatildeo) Assim natildeo eacute que tira sarro Chama assim de chipa (Latiffe Nasserndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Com estes dados a pesquisadora aponta que eacute comum em escolas da
fronteira a reproduccedilatildeo do imaginaacuterio negativo que se tem do ldquooutrordquo e conclui ldquoque a
comunicaccedilatildeo entre os colegas eacute carregada de hostilidade o que marca a diferenccedila
eacutetnica como uma caracteriacutestica negativardquo (PEREIRA 2003 p7)
A professora Maria Elena Pires dos Santos (2010) em pesquisa realizada
sobre o cenaacuterio sociolinguiacutestico na fronteira e sua relaccedilatildeo com as poliacuteticas
educacionais e pedagoacutegicas ao realizar um estudo com alunos brasiguaios em uma
escola de Foz do Iguaccedilu percebe que haacute diferentes olhares para a escrita hiacutebrida do
aluno brasiguaio Para a autora ldquoa leitura e a escrita processos mais valorizados na
escola eacute justamente o que evidencia a visibilizaccedilatildeo do aluno brasiguaio
constituindo fonte de estigmatizaccedilatildeo e preconceitordquo (PIRES-SANTOS 2010 p 46)
Ela ainda aponta que os professores ficavam insatisfeitos quando tinham que
receber alunos ldquobrasiguaiosrdquo sendo uma das possiacuteveis explicaccedilotildees o fato deste
aluno possuir uma linguagem hiacutebrida e pelo fato do ldquoportunholrdquo ser um grande fator
de preconceito na fronteira
48
Em pesquisa realizada sobre a presenccedila de alunos brasiguaios em escolas
de fronteira BrasilParaguai na cidade de Ponta Poratilde Ione Dalinghaus (2009)
observou que mesmo em uma escola onde 90 dos alunos satildeo paraguaios ou
ldquobrasiguaiosrdquo eacute proibido o uso de outra liacutengua que natildeo o portuguecircs evidenciando
assim o mito16 do monolinguismo Tambeacutem Cerliani Terenciani (2011) em sua
dissertaccedilatildeo tratou de estudar a presenccedila de alunos oriundos do Paraguai nas
escolas de Ponta Poratilde Ao entrevistar uma professora cujos pais satildeo paraguaios
mas ela fora registrada no Brasil relata sua experiecircncia na escola
Eu sofri hien ixi Me chamavam de paraguaia Falavam que eu era uma iacutendia que natildeo sabia falar o portuguecircs e essas coisas tipo de deboche assim sabe que eacute ()(Entrevista concedida agrave CERLIANI 2011 p102)
Outra percepccedilatildeo da dificuldade de adaptaccedilatildeo do(a) aluno(a) paraguaio(a) em
escolas brasileiras agora na cidade de Santa Terezinha de Itaipu17 encontra-se na
pesquisa de Marli Schlosser e Margarete Frasson (2012) sobre a imigraccedilatildeo de
alunos da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo Baacutesica do Paraguai para escolas brasileiras da rede
municipal de ensino entre os anos de 2007 e 2011 Segundo as autoras a fronteira
pode se apresentar como um espaccedilo de vivecircncia e possibilidades que seria por
exemplo o aluno migrante aprender um novo idioma No entanto quando os novos
conhecimentos que este aluno tem que adquirir na escola natildeo eacute em sua liacutengua
materna o processo de travessia na fronteira torna-se doloroso para o mesmo
ldquoobrigando-o a fazer uso de atitudes de silenciamento ou seja ele passa a se
apresentar reservado e em bdquoinvisibilidade‟ retraiacutedo para natildeo ser visto pelo olhar
hegemocircnico da escolardquo (GENTILI 2004 apud SCHLOSSER E FRASSON 2012
p4)
As pesquisas realizadas em diferentes escolas de fronteira apontam para a
necessidade de discussotildees que passem pelo campo das poliacuteticas linguumliacutesticas e
educacionais para a diversidade Ataiacutede e Moraes (2003) discorrem sobre a
tendecircncia de homogeneizaccedilatildeo curricular que aliena a escola de seu contexto O
Brasil como um todo ldquoproduz um projeto pedagoacutegico exoacutegeno e xenoacutefobordquo (ATAIacuteDE
16
Aleacutem do portuguecircs satildeo faladas hoje mais de 222 liacutenguas no Brasil Dessas liacutenguas explica Maher
mais de 180 satildeo indiacutegenas cerca de 40 satildeo liacutenguas de imigraccedilatildeo e duas satildeo liacutenguas de sinais LIBRAS-a Liacutengua Brasileira de Sinais-e a Liacutengua de Sinais Kaapor Brasileira Aleacutem das liacutenguas africanas Assim o Brasil pode ser considerado como um paiacutes multiliacutenguumle (MAHER 2013 p117) 17
Cidade localizada na zona de fronteira entre Brasil e Paraguai
49
e MORAES 2003 p83) Jurjo Santomeacute (1995) fala sobre o silenciamento que existe
nos curriacuteculos nacionais referentes agraves minorias no ambiente escolar sendo que no
caso da presenccedila de estrangeiros nas escolas fronteiriccedilas ela natildeo eacute nem negada e
tampouco silenciada tecircm se a impressatildeo de sua inexistecircncia Albuquerque e Souza
(2014) utilizam a expressatildeo ldquotrincheiras culturaisrdquo para se referirem agraves escolas em
aacutereas de fronteiras que tem por funccedilatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo e combater o
idioma estrangeiro (ALBUQUERQUE 2014 p02)
Embora a expressatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo seja reducionista ao limitar a
funccedilatildeo da escola agrave nacionalizaccedilatildeo um fato ocorrido em 1999 na fronteira entre
Brasil e Uruguai na cidade de Rivera natildeo tira em alguma medida este caraacuteter
ldquonacionalizadorrdquo o qual o Estado busca desempenhar atraveacutes da escola Trata-se de
uma reportagem publicada nos dois principais jornais da capital uruguaia
Montevideacuteu em que o ministro da educaccedilatildeo do paiacutes demonstrou sua indignaccedilatildeo
pelo fato do idioma portuguecircs ter invadido as escolas do Uruguai localizadas em
regiotildees de fronteira senti verguenza del estado de nuestras escuelas () Hasta
queacute punto el idioma portuguecircs habiacutea penetrado em nuestro paiacutes (Jornal El Paiacutes
1999 p6 apud SAacuteNCHEZ 2002p 115) A posiccedilatildeo do Conselho Diretivo Central de
Ensino natildeo foi muito diferente do ministro
por la expasiacuteon del idioma portugueacutes y el portunhol em aacutereas fronterizas y las acertadas medidas que adoptaraacute-fortalecimiento de la ensentildeanza del espanotildel formaacuteciacuteon de docentes de esa a signatura y maacutes centros educativosrdquo (Jornal El Observador 1999 p10 apud SAacuteNCHEZ 2002 p116)
A escola apresenta-se neste contexto enquanto reguladora seja de valores
culturas memoacuterias identidades a partir de padrotildees universalistas construiacutedos sem
um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007 p119) Uma possiacutevel tentativa de
transformar estas questotildees em estudo nas regiotildees fronteiriccedilas eacute o Programa das
Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) que conforme o documento oficial do
programa busca discutir a ldquoidentidade regional biliacutengue e intercultural no marco de
uma cultura de paz e cooperaccedilatildeo interfronteiriccedilardquo (ARGENTINABRASIL 2007 p 2)
Esta proposta seraacute analisada no proacuteximo capiacutetulo
Este capiacutetulo teve como objetivo traccedilar algumas perspectivas possiacuteveis de
abordar o tema de fronteira a comeccedilar com a etimologia da palavra utilizada pela
primeira vez no seacuteculo XIII como separaccedilatildeo entre Estados Hoje a fronteira eacute
estudada a partir de diferentes dimensotildees social simboacutelica cultural etc Desse
50
modo rompemos com a ideia de fronteira apenas como o limite entre estados e com
a tendecircncia de se cristalizaccedilatildeo da mesma pois eacute fruto de uma construccedilatildeo histoacuterica
Outro aspecto levantado foi o papel da educaccedilatildeo escolar na construccedilatildeo do
imaginaacuterio e do sentimento de pertenccedila agrave naccedilatildeo (ANDERSON 1993) O Estado
utilizou as escolas para propagaccedilatildeo dos ideais nacionais na cidade de Foz do
Iguaccedilu com o objetivo de demarcar e proteger o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos dos
imigrantes e seus descendentes
Na relaccedilatildeo entre fronteira e poliacuteticas puacuteblicas a bibliografia levantada sobre
estudos sobre fronteira e relaccedilotildees trabalhistas fronteira e o Sistema Uacutenico de Sauacutede
e das escolas em regiatildeo de fronteira demonstraram que os paiacuteses convivem como
naccedilotildees diferentes entre si embora os problemas que o afetem extrapolam a questatildeo
nacional de cada paiacutes A fronteira eacute um lugar o Estado se faz presente eacute notaacutevel
pelo processo de securitizaccedilatildeo da fronteira brasileira mas eacute tambeacutem o lugar onde o
Estado-naccedilatildeo se enfraquece dada a fluidez dos agrupamentos humanos
(MACHADO 2010)
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS
E CONTRADICcedilOtildeES PARA A CONSOLIDACcedilAtildeO DO ESTADO-NACcedilAtildeO
51
Este capiacutetulo tem como objetivo principal apresentar o processo pelo qual a
educaccedilatildeo na cidade de Foz do Iguaccedilu se desenvolveu com a finalidade de
demonstrar que neste trajeto a escola foi um dos principais instrumentos do
Estado junto com a militarizaccedilatildeo da fronteira para bdquonacionalizar‟ e proteger o
territoacuterio brasileiro Para isto primeiramente apresentamos o contexto ao qual a
cidade de Foz do Iguaccedilu foi fundada destacando que o territoacuterio desde a fundaccedilatildeo
da Colocircnia Militar em 1889 contava com a presenccedila de estrangeiros
Ao mesmo tempo abordamos a trajetoacuteria da formaccedilatildeo das escolas em Foz do
Iguaccedilu a partir da histoacuteria da educaccedilatildeo do Paranaacute O capiacutetulo destaca os principais
fatos histoacutericos que ocorreu no Estado paranaense e na regiatildeo Oeste do Paranaacute que
marcaram a criaccedilatildeo das escolas Destaca-se aqui os anos de 1930-1945 periacuteodo
em que ocorreu a Marcha para o Oeste e a fundaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do
Iguaccedilu que estimulou o desenvolvimento do Oeste do Paranaacute e com isto a criaccedilatildeo
de escolas ao mesmo tempo em que a poliacutetica nacionalista do governo varguista
aplicou uma poliacutetica de vigilacircncia sobre as escolas dos imigrantes ou mesmo o seu
fechamento Delineamos ainda os principais aspectos educacionais a partir dos
anos de 1990 ateacute os dias atuais para destacar os resquiacutecios e as transformaccedilotildees da
educaccedilatildeo na cidade de fronteira ao longo deste periacuteodo
21 Contexto histoacuterico
A regiatildeo da chamada triacuteplice fronteira eacute composta pela Argentina Brasil e
Paraguai com suas respectivas cidades Puerto Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este como pode ser observado no mapa abaixo
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Imagem VI- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte httpgeouel2009blogspotcombr201207triplice-fronteira-apontamentoshtml
A presenccedila de imigrantes europeus na regiatildeo onde hoje eacute a cidade de Foz do
Iguaccedilu data do ano de 1542 com os relatos da chegada de Aacutelvaro Nunes Cabeza
de Vaca agraves cataratas Este relato faz parte da histoacuteria de construccedilatildeo da cidade
brasileira e se funde agrave histoacuteria das cataratas do Iguaccedilu - uma das sete maravilhas da
natureza Foz do Iguaccedilu tem como marco fundador a criaccedilatildeo da colocircnia militar em
1889 e a data de 1930 como iniacutecio de seu processo modernizador (SOUZA 2009)
Portanto eacute a partir da fundaccedilatildeo da colocircnia militar que buscamos conhecer o
processo de formaccedilatildeo das primeiras escolas da regiatildeo oeste paranaense e
portanto de Foz do Iguaccedilu
Compreender o processo de desenvolvimento da cidade de Foz do Iguaccedilu
bem como o de suas instituiccedilotildees de ensino implica na contextualizaccedilatildeo dos
acontecimentos e transformaccedilotildees no Brasil e tambeacutem das mudanccedilas ocorridas
nesta regiatildeo fronteiriccedila
A educaccedilatildeo brasileira do seacuteculo XIX foi reflexo das transformaccedilotildees no acircmbito
da produccedilatildeo da vida social ocorridas no Brasil poacutes-independecircncia No Paranaacute as
atividades econocircmicas tinham como base as fazendas de gado A criaccedilatildeo de gado e
o comeacutercio foram fundamentais para a o povoamento do territoacuterio nesse periacuteodo
Segundo Maria Ceciacutelia Oliveira (1986) com o crescimento das lavouras de
cafeacute em Satildeo Paulo o comeacutercio interno de escravos cresceu significativamente Do
mesmo modo no Paranaacute que por volta de 1865 viu o nuacutemero de escravos
diminuiacuterem significativamente na Proviacutencia A falta de matildeo-de-obra refletiu na
agricultura paranaense direcionada para o abastecimento de gecircneros alimentiacutecios
53
Para solucionar a falta de matildeo-de-obra o governo provincial ldquoque jaacute vinha
promovendo a imigraccedilatildeo de grupos de estrangeiros intensificou a poliacutetica
imigratoacuteria objetivando a atender o problema da matildeo-de-obra na produccedilatildeo agriacutecolardquo
(OLIVEIRA 1986 p34) A mesma autora aponta que a Proviacutencia do Paranaacute criou
escolas em diversas colocircnias estrangeiras situadas proacuteximas dos nuacutecleos urbanos
sobretudo de Curitiba Ao mesmo tempo os imigrantes criaram suas proacuteprias
escolas para manutenccedilatildeo da cultura de seus respectivos paiacuteses de origem
As escolas e o conjunto de sua estrutura eram precaacuterios ldquofaltava preacutedio
escolares ausecircncia e deficiecircncia de professores baixa frequumlecircncia escolar aleacutem dos
parcos recursos disponiacuteveisrdquo (OLIVEIRA 1986 p35) No Brasil como um todo
seguia sem diretrizes que pudessem organizar melhor o ensino no paiacutes
A ausecircncia de um plano definido de educaccedilatildeo que atendesse agraves necessidades brasileiras pode ser verificada pelas inuacutemeras reformas e projetos apresentados na Corte que marcam o Segundo Impeacuterio e influiacuteram na organizaccedilatildeo do ensino Entre eles podem ser
destacados (OLIVEIRA 1986 p35)
No Paranaacute apoacutes sua emancipaccedilatildeo em 1853 a instruccedilatildeo puacuteblica encontrava-
se em condiccedilotildees de precariedade e natildeo atingia toda a populaccedilatildeo Trindade (2001)
aponta que em meio a uma populaccedilatildeo de 620000 habitantes haviam apenas 615
alunos nos cursos de primeiras letras ldquoo ensino secundaacuterio era praticamente
inexistente e o pouco que havia em Curitiba buscava atender agrave demanda local e do
interior da Proviacutenciardquo (TRINDADE 2001 p 61)
21 Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo
A colocircnia militar que marcou o iniacutecio da atuaccedilatildeo do Estado na regiatildeo de Foz do
Iguaccedilu foi criada a partir da lei imperial nordm 601 de 18 de setembro de 1850
regulamentada pelo decreto nordm 1318 de 30 de janeiro de 1854 que determinava o
registro das terras no territoacuterio brasileiro Desse modo o entatildeo presidente da
Proviacutencia do Paranaacute recebeu em 1854 o pedido para implementaccedilatildeo da colocircnia
militar e junto ao pedido seguiam as atividades a ser desenvolvidas pela colocircnia
1ordm Conceder o governo terras e fazer o sacrifiacutecio pecuniaacuterio annual
de 30 contos por certo numero de annos para pagar os juros de capital que se tomasse emprestado e se houvesse de applicar as
54
despezas de viagem e sustento de 500-600 familias 2ordm Estar a
direcccedilatildeo agrave cargo de pessoas responsaacuteveis pelo capital sob a
vigilacircncia o governo 3ordm Serem os lotes de terras divididos e vendidos
conforme hum preccedilo determinado destinando-se o producto a
construccedilatildeo de igrejas escolas etc etc 4ordm Incumbir a direcccedilatildeo a
procura de colonos e fornecimento de casas sementes animaes
viveres roupa bom mercado ao seus productos ampc 5ordm Cultivarem
as colocircnias de serra-acima cereais crearem animaes fazerem manteiga e queijo ao passo que as de serra-abaixo devem entregar-
se aacute cultura de generos coloneaes 6ordm Fazer o governo com as
despezas com padres e mestres de escola (RIIT 2011 p51 apud VASCONCELOS 1854 p 56)
Desse modo a ocupaccedilatildeo da regiatildeo por parte do Brasil foi consolidada no ano
de 1889 com a colocircnia militar O objetivo consistia em proteger o territoacuterio brasileiro
principalmente apoacutes a Guerra da Triacuteplice Alianccedila18 (1864-1870) Segundo Valdir
Gregory (2012) as intencionalidades em estabelecer um posto militar avanccedilado eacute
apenas uma justificativa que tinha ldquocomo pano de fundo a necessidade da
construccedilatildeo da nacionalidade () os sucessos na guerra motivaram a presenccedila fiacutesica
e ideoloacutegica na triacuteplice fronteirardquo (GREGORY 2012 p 50) Escreve Silveira Neto
(1939) em seus relatos de viagem que havia naquele periacuteodo de implementaccedilatildeo da
colocircnia militar 324 habitantes ldquosendo 188 paraguaios 33 argentinos 93 brasileiros
5 franceses 2 espanhoacuteis 1 inglecircs 2 orientais Destes 220 homens e 104 mulheresrdquo
(NETO 1939 p 52)
Estabelecida a colocircnia os militares se preocuparam com a necessidade da
instruccedilatildeo escolar Assim em 1895 foi criada uma escola informal que no iniacutecio
contou com vinte alunos matriculados
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p 37)
18 Na eacutepoca do Brasil imperial toda essa fronteira foi assegurada com a vitoacuteria da Guerra da Triacuteplice
Alianccedila (1865-1870) que derivou no aniquilamento de capacidade econocircmica e beacutelica paraguaia A vitoacuteria brasileira argentina e uruguaia impocircs ao Paraguai a assinatura do Tratado de Limites de 1872 que anexava ao territoacuterio brasileiro terras paraguaias agrave leste do Rio Paranaacute (ROSEIRA 2006 p 38)
55
Segundo o mesmo autor entre os anos de 1889 ateacute 1912 ano de extinccedilatildeo da
Colocircnia Militar as crianccedilas de famiacutelias brasileiras com boas condiccedilotildees financeiras
que natildeo eram filhas de funcionaacuterios do governo buscavam escolarizaccedilatildeo nos paiacuteses
vizinhos Para o autor a instruccedilatildeo particular domiciliar ficava restrita a filhos de
funcionaacuterios que ocupavam cargos importantes Durante o periacuteodo de vigecircncia da
Colocircnia Militar prevaleceu a modalidade de instruccedilatildeo sem instituiccedilatildeo Natildeo existiu
escola ou casa escolar em Foz do Iguaccedilu (EMER 1991 p 28)
Destacam-se os argentinos que nesse periacuteodo dominavam a regiatildeo pois as
companhias ervateiras e madeireiras eram daquele paiacutes ldquoSe a produccedilatildeo local era
estrangeira a moeda a liacutengua e os bens de primeira necessidade tambeacutem o eramrdquo
(ROSEIRA 2006 p41) No que se refere ao idioma o guarani e o espanhol eram
predominantes nesta regiatildeo Em relaccedilatildeo agrave moeda o dinheiro que circulava era o
peso argentino e as propriedades eram em sua maioria pertencentes agraves Obrages
(WACHOWICZ 1985 p 140 apud ROSEIRA 2006 p 51)
Segundo o historiador Ruy Wachowicz (2010) este processo de aproximaccedilatildeo
com a Argentina fez com que a regiatildeo oeste ficasse mais exposta agrave penetraccedilatildeo
argentina do que com o restante do Brasil (WACHOWICZ 2010 p 275) A
proximidade entre os dois paiacuteses fez com que o oeste paranaense fosse
culturalmente influenciado e economicamente dependente da Argentina Wachowicz
aponta que por volta de 1881 os argentinos comeccedilaram a exploraccedilatildeo da erva-mate
em Misiones e mais tarde no Brasil na regiatildeo oeste do Paranaacute
Otiacutellia Schimmelpfeng (1991) em seu livro ldquoRetrospectos iguaccedilusensesrdquo fala
acerca desta singularidade ldquoA moeda argentina circulava com domiacutenio absoluto na
praccedila Pouco ou nada se fala em ldquomil reacuteisrdquo naquele tempordquo (SCHIMMELPFENG
1991 p 28) O ldquopesordquo se introduzia ateacute nas reparticcedilotildees puacuteblicas Em entrevista ao
historiador Ruy Cristovatildeo Wachowicz Otiacutellia eacute mais detalhista sobre a influecircncia
argentina
Eu sentia aqui como se natildeo tivesse no Brasil Me sentia aqui isolada parecia que eu estava em outro paiacutes ateacute Porque todos os haacutebitos a liacutengua falada aqui era mais que predominava era o espanhol o castelhano como se dizia Parece que as pessoas quando vinham pra caacute no Brasil se achavam na obrigaccedilatildeo de aprender o castelhano pra ser entendido Parecia E todo mundo se interessava em falar o castelhano porque a convivecircncia aqui era muito maior com os argentinos Paraguai natildeo tanto porque noacutes natildeo tiacutenhamos Paraguai nessa regiatildeo aqui natildeo era muito habitada Mas tinha o Porto Aguirre que hoje eacute Porto Iguaccedilu que jaacute era um porto de grande movimento de turismo jaacute jaacute tava sendo legalizado entatildeo jaacute tinha mais
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desenvolvimento e mais recurso tambeacutem pra atender Foz do Iguaccedilu entatildeo noacutes tiacutenhamos mais contacto com os argentinos [] Entatildeo a gente tinha aqui um contacto mesmo constante com os argentinos E se falava soacute quase o castelhano a moeda era soacute o peso argentino (SCHIMMELPFENG 1980 apud SBARDELOTTO 2009 p 91)
O contato de Foz de Iguaccedilu era muito mais intenso com os paiacuteses fronteiriccedilos
do que com o restante do paiacutes Sbardelotto (2008) explica que havia tambeacutem um
grande nuacutemero de paraguaios que adentravam no Oeste do Paranaacute para trabalhar
nas empresas de erva-mate e posteriormente de madeira Contudo a presenccedila
argentina se destaca uma vez que eram o grupo que ldquodetinham os meios de
produzir e comercializar a principal atividade produtiva da regiatildeo e que atraveacutes
deste controle econocircmico determinavam os costumes a cultura e tambeacutem a
educaccedilatildeo neste territoacuteriordquo (SBARDELOTTO 2008 p5)
Dessas companhias madeireiras que se estabeleceram na regiatildeo muitas
faziam parte do modelo de exploraccedilatildeo denominado de Obrage ldquoO obragero era o
proprietaacuterio desse tipo de latifuacutendio () o obragero argentino explorava a erva-mate
e a madeira em torosrdquo (WACHOWICZ 2010 p 276) Em poucas deacutecadas a regiatildeo
que compreende a costa paranaense foi ocupada por inuacutemeras obrages e
consequentemente povoada em sua maioria por paraguaios argentinos e guaranis
modernos19 que trabalhavam como mensus20 Em 1930 a populaccedilatildeo estimada nas
obrages passava dos 10000 habitantes em sua maioria estrangeira
Naquele contexto a intensidade das relaccedilotildees fez com que a Argentina se
tornasse o principal prestador de serviccedilos agrave cidade de Foz do Iguaccedilu Segundo
Sbardelotto (2009) muitas crianccedilas eram escolarizadas no sistema argentino
absorvendo a liacutengua a histoacuteria e os costumes do paiacutes vizinho (SBARDELOTTO
2009 p 92)
Durante o periacuteodo em que seguia o desenvolvimento da Colocircnia Militar os
ldquopioneirosrdquo responsaacuteveis por sua construccedilatildeo diante da ausecircncia de um sistema de
ensino institucionalizado passaram a organizar e estruturar uma educaccedilatildeo natildeo-
formal
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e
19
Termo empregado aos indiacutegenas guaranis miscigenados do Paraguai (PRIORI A et al 2012p79) 20 A expressatildeo vem do espanhol da palavra bdquomensual‟ ou seja mensalista (GREGORY 2002 p 89 apud PRIORI A et al 2012p79)
57
funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p37)
No ano de 1910 a Colocircnia Militar passou a ser distrito de Guarapuava e
denominada de Vila do Iguassuacute Em 1912 o Ministeacuterio da Guerra emancipou a
colocircnia que passou a ser administrada pelos civis sob o governo do Estado do
Paranaacute Em 1914 com a lei nordm 1383 foi criada a municipalidade de Vila do Iguassuacute e
em 1918 o nome Foz do Iguaccedilu foi adotado como oficial Conforme Lima (2001) no
periacuteodo compreendido entre 1914 a 1930 aleacutem do estabelecimento das primeiras
famiacutelias brasileiras argentinas e paraguaias houve a colonizaccedilatildeo por parte dos
imigrantes descendentes de alematildees poloneses e italianos (LIMA 2001 p 31)
De acordo com Emer (1991) a partir de 1914 o governo do Estado do
Paranaacute instituiu um novo modelo de escola o Grupo Escolar Estes grupos
escolares dirigiam-se ao ensino de quatro seacuteries com conteuacutedos progressivos Estas
escolas estavam localizadas nos principais centros urbanos e nas regiotildees mais
afastadas do centro seguiam sem escolas ou com muita precariedade de escolas
Os grupos de migrantes na ausecircncia de escolas construiacuteam as suas proacuteprias
A falta de escolas no Paranaacute fazia sentir-se especialmente fora dos nuacutecleos coloniais dos imigrantes que ao contraacuterio dos demais nuacutecleos populacionais natildeo esperavam pela iniciativa do governo mas construiacuteam suas proacuteprias escolas e providenciavam o professor Quando muito solicitavam algum tipo de subvenccedilatildeo do governo estadual A escola dos imigrantes natildeo se desenvolveu mais porque o Estado desde 1901 apenas subvencionava os professores que ensinassem em liacutengua portuguesa Esse natildeo era o interesse dos imigrantes Pretendiam repassar agraves novas geraccedilotildees sua noccedilatildeo de nacionalidade de origem que incluiacutea a liacutengua a religiatildeo e os costumes Se o ensino fosse apenas na liacutengua portuguesa os colonos retiravam seus filhos e organizavam uma nova escola particular Em diversas localidades a escola puacuteblica foi desativada e removido o professor por absoluta falta de alunos (EMER 1991 p 207)
Emer destaca as modalidades de ensino que foram criadas neste periacuteodo
tanto no acircmbito formal quanto na esfera institucionalizada satildeo elas (1) Instruccedilatildeo
sem instituiccedilatildeo - ldquoSimplesmente algumas crianccedilas reuniam-se ao redor da mesa de
refeiccedilotildees de uma residecircncia para aprender ler escrever e calcular - curriacuteculo e
58
objetivos educacionais estabelecidos pelos paisrdquo (referecircncia) - que consistia em que
a educaccedilatildeo era dada pelo grupo social sem nenhuma institucionalizaccedilatildeo (2) casa
escolar - construiacuteda e mantida pelos pioneiros - ldquo() do professor era exigida uma
melhor qualificaccedilatildeo isto eacute deveria ensinar mais que na escolarizaccedilatildeo Domiciliar a
Casa Escolar deveria funcionar tecnicamente bemrdquo (EMER 2012 p 36) (3) casa
escolar puacuteblica criada e regulamentada pelo Municiacutepio- ldquoComo uma escola oficial
os alunos das Casas Escolares Puacuteblicas eram submetidos aos exames puacuteblicos
elaborados pelos oacutergatildeos educacionais puacuteblicos para comprovaccedilatildeo da escolaridaderdquo
Neste modelo ficava a cargo do governo contratar e remunerar o professor
cabendo a este alugar uma sala ou casa e formar o grupo de aluno de primeiras
letras Por uacuteltimo o Grupo Escolar Puacuteblico (4) ndash que se diferencia das demais
modalidades por ter sido construiacuteda em nuacutecleos de povoamento mais desenvolvidos
e pela forma de funcionamento Nas modalidades anteriores o objetivo era aprender
a ler escrever e calcular Posteriormente com a oficializaccedilatildeo da casa escolar a
comprovaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo passou a ser feita por meio de avaliaccedilotildees No grupo
escolar a preocupaccedilatildeo era de bdquoaprovar‟ o aluno para a seacuterie seguinte ldquonum processo
gradual de comprovaccedilatildeo de conhecimentos dos conteuacutedos definidos pelo ldquosistemardquo
educacional como requisito de cada seacuterie (EMER 2012 p 36)
A partir da fundaccedilatildeo da municipalidade em 1914 a populaccedilatildeo passou a
reivindicar um modelo de educaccedilatildeo subsidiado pelo poder puacuteblico Naquele
momento Foz do Iguaccedilu desenvolvia planos para combater o contrabando da
fronteira o que demandou a contrataccedilatildeo de agentes fiscais Esse processo fez com
que o grupo de escolarizados que chegavam agrave cidade passassem a requerer
escolas para seus filhos aleacutem do fato do crescimento da populaccedilatildeo e por
consequecircncia o aumento de crianccedilas (EMER 2012 p 37)
Conforme Emer (1991) entre os anos de 1915 e 1916 ldquoa Prefeitura Municipal
teria construiacutedo e mantido uma casa escolar puacuteblica embora precaacuteria e insuficienterdquo
(EMER 1991 apud Sbardelotto 2009 p 96) Wachowicz afirma que a necessidade
da criaccedilatildeo de escolas por parte da populaccedilatildeo soacute surgiu quando a populaccedilatildeo
urbana cresceu significativamente organizando assim a vida social (WACHOWICZ
1984 p 19) Apesar da iniciativa de dar acesso ao ensino puacuteblico de forma gratuita
a todos Sbardelotto aponta que apenas a populaccedilatildeo masculina foi contemplada
aleacutem do caraacuteter eminentemente elitista uma vez que os filhos de trabalhadores por
terem que optar pela subsistecircncia da famiacutelia abandonavam as escolas
59
Outros fatores contribuiacuteram para o desenvolvimento da educaccedilatildeo em Foz do
Iguaccedilu dentre eles a presenccedila da Igreja Catoacutelica Anterior a fundaccedilatildeo do
municiacutepio em decorrecircncia da localizaccedilatildeo e da dificuldade de deslocamento a
populaccedilatildeo da cidade soacute recebia assistecircncia religiosa uma vez por ano Isso
perdurou ateacute 1918 quando a Igreja optou em criar uma Paroacutequia na cidade desde
que contasse com a ajuda do governo Nesse sentido o acordo entre Igreja e
governo do Estado foi firmado com a condiccedilatildeo de que a Igreja construiacutesse e
dirigisse um grupo escolar
Em 1923 foi instalada a paroacutequia e nomeado o primeiro vigaacuterio um sacerdote alematildeo da Congregaccedilatildeo do Verbo Divino Padre Guilherme Maria Tilecks Para cumprimento do acordo com o Estado mesmo antes da construccedilatildeo do Grupo Escolar o Padre Guilherme passou a lecionar na Casa Escolar Para o desempenho de suas atividades recebeu a ajuda de outros dois padres e de um irmatildeo de sua congregaccedilatildeo (Padre Joatildeo Progzeba Padre Paulo Schneider e Irmatildeo Bianchi) (EMER 2012 p 38)
Por meio do Decreto nordm 1326 do dia 27 de agosto de 1928 surge o Grupo
Escolar Caetano Munhoz da Rocha que posteriormente passou a ser chamado de
Grupo Bartolomeu Mitre primeiro grupo escolar da mesorregiatildeo Oeste do Paranaacute
Em 1930 o grupo escolar passou a ser administrado pelo governo do Paranaacute sob a
direccedilatildeo de professores nomeados pelo Estado Segundo o Plano Municipal de
Educaccedilatildeo (PME) de 2015 ldquoa funccedilatildeo da escola no municiacutepio na eacutepoca era a de
cooperar com a nacionalizaccedilatildeo de um espaccedilo que era submetido por argentinos e
paraguaiosrdquo (PME 2015 p 4) Desse modo a criaccedilatildeo da escola passa a ser
reconhecido pelo Estado como instrumento necessaacuterio para a nacionalizaccedilatildeo da
triacuteplice fronteira O plano municipal utiliza a palavra bdquosubmetido‟ indicando que
naquele periacuteodo havia certa preocupaccedilatildeo com a presenccedila e influecircncia dos paiacuteses
fronteiriccedilos como uma ameaccedila ao territoacuterio e a necessidade de construccedilatildeo da
naccedilatildeo
60
Imagem V- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre Fonte Site da Secretaria Estadual do Paranaacute
httpwwwfozbartolomeumitreseedprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=9
O fato de o Brasil homenagear um general argentino ao nomear uma escola
em seu nome levou Emer a questionar os motivos que levariam o Estado brasileiro a
tomar essa atitude ou se ela foi apenas uma homenagem despretensiosa ao general
argentino Os interesses do Brasil naquele periacuteodo era dar seguimento agrave poliacutetica
integracionista do territoacuterio com uma campanha nacionalista e o Grupo Escolar Mitre
eacute o marco da institucionalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo no oeste paranaense Por isso as
motivaccedilotildees natildeo ficaram tatildeo claras (SBARDELOTTO 2007)
A partir da deacutecada de 1930 a cidade de Foz do Iguaccedilu passou a receber
imigrantes descendentes de italianos e alematildees aleacutem de inuacutemeros agricultores do
Rio Grande do Sul Neste mesmo periacuteodo o governo do Estado do Paranaacute fez
algumas reformas educacionais de teor nacionalista conivente com as mudanccedilas do
governo como aponta o Plano Municipal de Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu (2015)
Algumas mudanccedilas comeccedilam acontecer na educaccedilatildeo do paiacutes Uma delas eacute a manifestaccedilatildeo do Estado entre os anos de 1917 e 1919 o governo federal delibera verba para as escolas que ensinavam em liacutengua portuguesa e as escolas de imigrantes que ensinavam em outra liacutengua eram vigiadas e fechadas (PME 2015 p 5)
Durante o Estado Novo essas escolas passaram a ser alvo do governo
principalmente apoacutes a Marcha para o Oeste ldquoque defendia a ocupaccedilatildeo efetiva e a
nacionalizaccedilatildeo das fronteiras nacionais brasileiras de Norte a Sul do paiacutesrdquo (PRIORI
et al 2012 p 65) O projeto explica Priori (etal 2012) buscava despertar o
sentimento de nacionalidade e brasilidade na populaccedilatildeo que vivia na fronteira
No caso da fronteira de Foz do Iguaccedilu despertar na populaccedilatildeo esse
sentimento de nacionalidade era combater agrave ameaccedila que paraguaios argentinos e
61
os descendentes de alematildees italianos poloneses dentre outros imigrantes que se
fixaram na regiatildeo representavam ao projeto de integraccedilatildeo nacional do governo
22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo
A ldquoMarcha para o Oesterdquo foi um importante processo que contribuiu para o
projeto de nacionalizaccedilatildeo da fronteira Segundo Lenharo (1986 apud Lopes 2004)
o discurso de Vargas justificava a ldquoMarcha para o Oesterdquo pautando-se na conquista
da brasilidade que se daria por meio da interiorizaccedilatildeo do paiacutes ldquoPara ele a
construccedilatildeo da ldquoMarcha para Oesterdquo lembra a imagem da naccedilatildeo em movimento agrave
procura de si mesma de sua integraccedilatildeo e acabamentordquo (LENHARO 1986 p56
apud LOPES 2004 p 4)
Como uma das consequumlecircncias da ldquoMarcha para o Oesterdquo foram criados os
territoacuterios federais ldquonas regiotildees do Amapaacute Guaporeacute (atual Rondocircnia) Rio Branco
(atual Roraima) Iguaccedilu e Ponta Poratilde no Estado de Mato Grosso do Sulrdquo (PRIORI et
al 2012p66) Por meio do Decreto-Lei nordm 58124 no ano de 1943 o Territoacuterio
Federal do Iguaccedilu foi criado abrangendo o Oeste e Sudoeste do Paranaacute e Oeste de
Santa Catarina
Segundo Seacutergio Lopes (2004) dentro do espiacuterito de nacionalizaccedilatildeo o
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu deveria atender urgentemente o estabelecimento de
condiccedilotildees miacutenimas para organizaccedilatildeo econocircmica social e de seguranccedila das regiotildees
fronteiriccedilas e dos sertotildees Desse modo a criaccedilatildeo do territoacuterio pode ser entendida
como um ato de ocupaccedilatildeo definitiva da faixa de fronteira ldquopara assim romper o
isolamento e afastar definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional
que rondava a regiatildeordquo (LOPES 2004 p16)
O primeiro governador a administraacute-lo o Major Joatildeo Garcez do Nascimento
em relatoacuterio enviado ao Ministro da Justiccedila e Negoacutecios Anteriores fez inuacutemeras
consideraccedilotildees sobre a situaccedilatildeo do transporte comeacutercio sauacutede seguranccedila e
educaccedilatildeo na regiatildeo que abrangia o Territoacuterio Federal do Iguaccedilu No aspecto
educacional ele aponta
Haacute no Territoacuterio regular nuacutemero de escolas primaacuterias Satildeo elas
em nuacutemero de setenta Aleacutem disso contam‐se quatro grupos escolares sediados em Pato Branco Clevelacircndia Foz do Iguassuacute e Guaiacutera Quanto ao nuacutemero de escolas pode-se afirmar que atende
62
ainda as necessidades locais quanto as suas instalaccedilotildees poreacutem haacute muito o que providenciar A maioria delas funciona em preacutedios improacuteprios outras em simples salas cedidas a tiacutetulo precaacuterio e por empreacutestimo Em sua maioria natildeo atende aos rudimentares princiacutepios de higiene e didaacutetica O professorado salvo honrosas exceccedilotildees constitui-se de pessoas bem intencionadas e dedicadas mas de niacutevel cultural bastante abaixo do que seria estimaacutevel (RELATOacuteRIO DE 1944 apud LEMIECHEK 2014 p 06)
A criaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do Iguaccedilu fez com que o processo de
urbanizaccedilatildeo crescesse e com ele a demanda por qualidade nos serviccedilos puacuteblicos
como a escola Enquanto as escolas natildeo eram ampliadas a classe mais favorecida
economicamente assegurava o acesso agrave educaccedilatildeo para seus filhos por meio da
contrataccedilatildeo de professores que se ldquodeslocavam ateacute as moradias em casas
escolares ou nuacutecleos urbanos mais distantes como Guarapuava Curitiba Posadas
Corrientes etcrdquo (PME 2015 p9) Para as classes menos favorecidas como aqueles
que viviam em Foz do Iguaccedilu e trabalhavam nas obrages e no cultivo da terra havia
acesso ao ensino aleacutem delas viverem em situaccedilotildees insalubres sem acesso a
higiene alimentaccedilatildeo e sauacutede
A partir desse periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais Era necessaacuterio que essa
populaccedilatildeo na regiatildeo se identificasse com o Brasil enquanto uma paacutetria para
constituiccedilatildeo de um Estado-Naccedilatildeo forte Segundo Helena Bomeny (1999) natildeo havia
no projeto do governo intenccedilotildees para inclusatildeo e aceitaccedilatildeo de convivecircncia com os
grupos culturais estrangeiros nas regiotildees de colonizaccedilatildeo
Em relatoacuterio sobre a nacionalizaccedilatildeo do ensino datado de 1940 o Instituto
Nacional de Estudos e Pedagoacutegicos (INEP) sob a direccedilatildeo do educador Lourenccedilo
Filho ao analisar a trajetoacuteria dos imigrantes e sua fixaccedilatildeo no Brasil constatou com
base nos relatoacuterios e depoimentos de historiadores pensadores poliacuteticos e
escritores que desde o seacuteculo XIX a presenccedila de estrangeiros no paiacutes era fator de
preocupaccedilatildeo (BOMENY 1999) Segundo a mesma autora a precariedade da
educaccedilatildeo nos estados da regiatildeo sul do paiacutes em destaque o Rio Grande do Sul
levava os colonos a optarem pelos coleacutegios privados alematildees Segundo o relatoacuterio
do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede essa opccedilatildeo pelas escolas estrangeiras era
compreensiacutevel sendo culpa do Estado por permitir a criaccedilatildeo destas instituiccedilotildees sem
a vinculaccedilatildeo com os centros nacionais de cultura
63
A escola natildeo eacute um oacutergatildeo abstrato mas um centro de coordenaccedilatildeo da proacutepria accedilatildeo educativa da comunidade Tendo-se cometido o erro de permitir o nucleamento de estrangeiros sem maior vinculaccedilatildeo ou disciplina aos centros nacionais de cultura as instituiccedilotildees educativas que aiacute deveriam surgir seriam as que ensinassem em liacutengua estrangeira (BOMENY 1999 p154 apud INEP 1999 p8)
A preocupaccedilatildeo com a nacionalizaccedilatildeo do ensino eacute anterior ao Estado Novo
Em Foz do Iguaccedilu a educaccedilatildeo escolar das crianccedilas estava presente desde o
periacuteodo de instalaccedilatildeo da Colocircnia Militar em 1889 Na ausecircncia de escolas muitas
crianccedilas frequumlentavam o sistema educacional da Argentina cuja influecircncia
preocupava o governo da eacutepoca Em 1906 Siacutelvio Romero alertava sobre as
ameaccedilas em haver diferentes nacionalidades no Brasil Como soluccedilatildeo ele propocircs
que se ldquoaproveitasse de modo extensivo o proletariado nacional como elemento
colonizador perto do estrangeiro para educar-se com ele no trabalho e em troca
contribuir para o seu abrasileiramentordquo (BOMENY 1999 p154)
Na conferecircncia interestadual de Ensino Primaacuterio de 1921 encontra-se a fala
de Milton C A Cruz que justifica a deficiecircncia do ensino devido aos inuacutemeros
nuacutecleos estrangeiros isolados ldquoO espiacuterito dessas crianccedilas brasileiras formado em
liacutengua nos costumes nas tradiccedilotildees dos paiacutes soacute poderia tender para a paacutetria de
origem constituindo um empecilho agrave coesatildeo nacionalrdquo (BOMENY 1999 p154 apud
INEP 1999 p8)
Por determinaccedilatildeo do Estado Novo a prefeitura de Foz do Iguaccedilu passou a
promover uma administraccedilatildeo que visasse agrave ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro
valorizaccedilatildeo da liacutengua oficial e das moedas nacionais (SPERANCcedilA 1992 apud
LOPES 2004 p 49) Teve ainda que despachar suas documentaccedilotildees criar
anuacutencios comerciais listas de preccedilos ou avisos somente em liacutengua portuguesa
aleacutem da obrigatoriedade do uso da moeda brasileira Essas medidas foram tomadas
pois havia na regiatildeo grande influecircncia dos argentinos no lado brasileiro
Segundo Lopes (2004) a principal preocupaccedilatildeo do Estado Novo em relaccedilatildeo a
essa fronteira era a influecircncia Argentina Como outra medida de contenccedilatildeo dessa
influecircncia estrangeira o governo federal por meio do Decreto nordm 19842 de 1930
tornou obrigatoacuterio a contrataccedilatildeo de no miacutenimo dois terccedilos de trabalhadores nas
empresas estrangeiras presentes dentro do territoacuterio nacional
Diante das estrateacutegias que o Estado Novo desenvolveu para construir a ideacuteia
de naccedilatildeo a fronteira poliacutetica requeria a justificaccedilatildeo ideoloacutegica da comunidade
64
nacional Nessa premissa a escola enquanto instrumento de nacionalizar as
fronteiras foi fundamental
23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus
impactos na educaccedilatildeo
Com a queda de Getuacutelio Vargas em 1945 quando o paiacutes entrou por um
pequeno periacuteodo na fase de redemocratizaccedilatildeo os Territoacuterios do Iguaccedilu e Ponta
Poratilde foram extintos No campo da educaccedilatildeo a pedagoga Lucimara Lemiechek
aponta que vaacuterias foram agraves mudanccedilas em detrimento da promulgaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas e a ampliaccedilatildeo dos Cursos Normais (LEMIECHEK 2014 p 9) Nessa
mesma deacutecada em Foz do Iguaccedilu teve iniacutecio a primeira escola21 particular Jorge
Schimmelpfeng nas dependecircncias do primeiro Centro Espiacuterita fundado no
municiacutepio
Imagem VI - Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)
Fonte Centro Espiacuterita Lidelfonso Correia
A deacutecada de 1950 e 1960 seguiu com um programa de escola de cunho
nacionalista e dualista em um periacuteodo marcado pelo programa desenvolvimentista
Cada vez mais os trabalhadores requeriam educaccedilatildeo diferenciada de um lado a
necessidade de matildeo de obra especializada e de outro a busca pelo status que a
educaccedilatildeo proporcionaria No ano de 1959 a Lei Municipal nordm 234 de 29 de outubro
de 1959 adota o programa de aboliccedilatildeo do analfabetismo
21
Vide imagem IV
65
Art 1ordm A Prefeitura de Foz do Iguaccedilu empreenderaacute uma campanha sistemaacutetica para aboliccedilatildeo do analfabetismo desde as crianccedilas de sete anos feitos aos adultos de qualquer idade (LEI 2341959) Art 2ordm Toda a crianccedila que completar sete anos de 1ordm de janeiro a 31 de dezembro deveraacute obrigatoriamente no comeccedilo do ano letivo imediato ser matriculada em escola puacuteblica ou particular cumprindo-lhes frequumlenta-la com assiduidade durante cinco anos na cidade e trecircs anos letivos nas zonas rurais (PME 2015 p 11)
Eacute nesse momento que chegam a Foz do Iguaccedilu as primeiras populaccedilotildees de
origem aacuterabe que saiacuteram de seus paiacuteses em decorrecircncia dos intensos conflitos
regionais e atraiacutedos pela oportunidade de explorar um mercado com grande
potencial de crescimento (RABOSSI 2007 p 292) Segundo Rabossi a primeira
cidade da Triacuteplice Fronteira em que eles se estabeleceram foi Foz do Iguaccedilu
principalmente na regiatildeo proacutexima da Ponte da Amizade inaugurada em 1965
passando a ligar a cidade brasileira a Ciudad del Este no Paraguai dando iniacutecio ao
comeacutercio na regiatildeo Em 1975 no contexto da Guerra do Liacutebano o comeacutercio dos
aacuterabes na fronteira estava consolidado fazendo com que atraiacutedos pelo comeacutercio e
fugindo da guerra outros grupos oriundos do Oriente Meacutedio imigrassem para a
regiatildeo da fronteiriccedila Segundo Silva (2008 p367) os uacuteltimos 30 anos recebeu um
grande nuacutemero de imigrantes de origem ldquoaacuterabe libaneses palestinos siacuterios
jordanianos bem como chineses coreanos e em nuacutemero bem menor hindus e
portugueses
A mesma autora aponta que duas escolas pertencem agrave comunidade aacuterabe
uma de ensino fundamental que ensina a liacutengua aacuterabe e a religiatildeo sunita vinculada
ao Centro Beneficente Islacircmico de Foz do Iguaccedilu uma organizaccedilatildeo cultural e
cientiacutefica A segunda escola Escola Aacuterabe Brasileira oferta ensino para o ensino
fundamental e meacutedio de acordo com as exigecircncias do Estado A especificidade
desta escola em relaccedilatildeo agraves demais do municiacutepio eacute a oferta do ensino da liacutengua
aacuterabe (SILVA 2008)
Na deacutecada de 1970 tambeacutem chegam a Foz do Iguaccedilu os primeiros imigrantes
chineses atraiacutedos pelo comeacutercio na regiatildeo Segundo Miao Shen Chen a regiatildeo da
triacuteplice fronteira abriga uma comunidade chinesa com aproximadamente quatro mil
indiviacuteduos Em Foz do Iguaccedilu haacute pelo menos mil chineses e descendentes Os
imigrantes tecircm agecircncias de turismo imobiliaacuterias construtoras especializadas em
atender os clientes orientais (CHEN 2010)
66
Apesar da implementaccedilatildeo da Lei Municipal nordm 234 de 1959 que estabelecia a
obrigatoriedade da educaccedilatildeo para aboliccedilatildeo do analfabetismo a escola seguia sendo
para poucos ao menos no que diz respeito agrave permanecircncia dos estudantes Os
alunos mais pobres abandonavam a escola muito cedo pois tinham que optar entre
estudar ou trabalhar para ajudar na subsistecircncia da famiacutelia (PME 2015 p 11)
Para Emer (1991) os colonos que aqui se encontravam diante da
precariedade das escolas mobilizaram-se para criar escolas para seus filhos
contribuindo para construccedilatildeo de inuacutemeros coleacutegios confessionais entre os anos de
1955 e 1965 (EMER 1991 p 125) Quanto agrave contrataccedilatildeo dos professores estes
deveriam ter o perfil que atendesse o grupo social
Destaca-se a criaccedilatildeo da primeira Escola Normal Colegial da regiatildeo Oeste do
Paranaacute a Escola Normal Iguaccedilu criada em 1957 em Foz do Iguaccedilu em um
contexto em que a populaccedilatildeo da cidade crescia e a demanda pelo ensino em
diversos niacuteveis aumentava havendo a necessidade de habilitar os professores para
o trabalho docente Ateacute o ano de 1957 Foz do Iguaccedilu contava com um Grupo
Escolar o Bartolomeu Mitre que atendia aproximadamente 400 crianccedilas uma Casa
Escolar com aproximadamente 80 alunos e cinco escolas rurais isoladas que
tinham capacidade para atender 250 alunos Foz do Iguaccedilu tinha capacidade para
atender aproximadamente 730 alunos no ensino primaacuterio o que era pouco diante da
crescente demanda sobretudo dos nuacutecleos urbanos e das aacutereas rurais aleacutem das
aacutereas distritais22
Ainda que tenha havido a criaccedilatildeo dos coleacutegios normais o relatoacuterio do plano
de desenvolvimento de Foz do Iguaccedilu de 1972 apontava que o corpo docente do
municiacutepio era constituiacutedo em sua maioria por professores sem habilitaccedilatildeo tanto
nas redes municipais e estaduais quanto nas privadas A justificativa para esta
qualificaccedilatildeo segundo o relatoacuterio estava no baixo niacutevel salarial que impedia os
qualificados de se dedicarem ao magisteacuterio Na zona rural a porcentagem era ainda
maior Cerca de 80 do pessoal natildeo qualificado atende ao ensino primaacuterio que
funcionava em 41 escolas isoladas e duas casas escolares Segundo o PDI
22 Dentre os distritos que ficavam sob a jurisdiccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu encontram-se Santa Terezinha
de Itaipu Itacoreacute Alvorada Medianeira dentre outros (SBARDELLOTO 2009 p 146)
67
O Estado que paga os melhores salaacuterios (Cr$ 41600) natildeo faz nomeaccedilotildees e a Prefeitura possuindo apenas 3 elementos em seu quadro efetivo percebendo Cr$ 28000 contrata os professores normalistas por apenas Cr$ 28000 e a professora leiga por 60 do salaacuterio miacutenimo (PDI 1972 p 114)
Quanto agrave estrutura do periacuteodo o relatoacuterio aponta que ateacute 1971 havia cinco
grupos escolares estaduais um privado uma casa escolar municipal e duas escolas
isoladas que segundo o relatoacuterio natildeo eram suficientes para atender a demanda
Quanto agrave estrutura o relatoacuterio aponta
Somente na Zona Urbana vamos encontrar preacutedios escolares de alvenaria com luz aacutegua encanada e instalaccedilotildees sanitaacuterias regulares Natildeo quer isto dizer que sejam instalaccedilotildees satisfatoacuterias pois deixam muito a desejar havendo falta de aacutegua e os miacutenimos requisitos agrave boa higiene dos escolares () Na zona rural os preacutedios satildeo todos de madeira sem as menores condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave higiene escolar notando-se ausecircncia de atendimento sanitaacuterio e de sauacutede (PDI 1972 p 118)
No mesmo relatoacuterio o problema da evasatildeo eacute justificado com o argumento da
localizaccedilatildeo da cidade que por estar em uma regiatildeo de fronteira eacute caracterizada por
possuir uma populaccedilatildeo flutuante As escolas rurais por exemplo em periacuteodos de
colheita eram fechadas pois natildeo havia frequecircncia alguma uma vez que os alunos
estavam trabalhando nas lavouras Outro exemplo eacute a justificativa do baixo
rendimento escolar atribuiacutedo ao alto iacutendice de crianccedilas argentinas e paraguaias que
estudavam no lado brasileiro com a alegaccedilatildeo do problema do idioma que gerava
atraso em toda turma ldquoNo 1ordm ano o periacuteodo de preacute-alfabetizaccedilatildeo que normalmente
eacute feito em trecircs meses (no maacuteximo) chega a durar quase um anordquo (PDI 1972 p
125)
Este argumento que culpabiliza o aluno estrangeiro pelo atraso da turma natildeo
mudou muito Em pesquisa com professores da rede puacuteblica de Foz do Iguaccedilu
sobre a presenccedila de alunos brasiguaios nas escolas brasileiras citado no capiacutetulo
anterior Pires-Santos (2010) fala que alguns professores vecirc a presenccedila deste perfil
de aluno como um entrave um bdquocastigo‟ pois no seu entendimento seraacute difiacutecil
ensinaacute-los Outro destaque reside no fato de que estes relatoacuterios feitos em 1972
foram produzidos em nome do Estado que vivia sob o regime dos militares cuja
preocupaccedilatildeo com o estrangeiro no paiacutes se restringia nas questotildees de seguranccedila
nacional
68
No decorrer da deacutecada de 1970 a pauta da educaccedilatildeo segue em discussatildeo na
regiatildeo sobretudo com a reforma do ensino promulgada pela Lei 569271 Foz do
Iguaccedilu vivia nessa deacutecada os impactos da construccedilatildeo da Usina Hidreleacutetrica de
Itaipu A cidade recebeu aproximadamente 40000 operaacuterios com suas respectivas
famiacutelias oriundas de vaacuterios estados do paiacutes para a construccedilatildeo da hidreleacutetrica O
aumento populacional gerado pela chegada dos trabalhadores na cidade fez com
que todas as obras de infraestrutura fossem feitas apressadamente dentre essas
os hospitais as moradias e escolas subsidiados pela Itaipu Um exemplo foi o
convecircnio entre a Prefeitura por meio da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo e
Cultura com a Itaipu que resultou na construccedilatildeo da escola Prof Parigot de Souza
no ano de 1975
() Fica o Chefe do Executivo Municipal autorizado a firmar convecircnio com a Empresa ITAIPU ndashBINACIONAL objetivando a aplicaccedilatildeo de recursos para pagamento de professores e demais servidores para o setor administrativo bem como da manutenccedilatildeo da nova unidade escolar preacute-fabricada construiacuteda na sede municipal onde seraacute instalada uma extensatildeo do Ginaacutesio Estadual bdquoDom Manoel Konnerrdquode Foz do Iguaccedilu‟
(Foz do Iguaccedilu Lei Municipal nordm 8821975 Art1ordm)
Com a construccedilatildeo da hidreleacutetrica o nuacutemero de escolas em Foz do Iguaccedilu
aumentou significativamente Na deacutecada de 1960 havia cerca de oito escolas
municipais na cidade na deacutecada de 1980 mais nove escolas e hoje segundo dados
da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (2011) a cidade conta com 83 escolas
municipais e 82 estaduais 43 privadas e 04 filantroacutepicas
O periacuteodo que se estende da Colocircnia Militar de 1889 ateacute o fim da Era Vargas
(1930-1954) demonstrou que as raiacutezes pela qual as escolas foram criadas passou
pela construccedilatildeo de valores que satildeo constitutivos de uma ideal de naccedilatildeo Wachowicz
(1984) cita o ofiacutecio do general comandante da 5ordf Regiatildeo Militar em 1925 que
expressava a urgecircncia de se construir escolas nas zonas de fronteira haja vista que
a uacutenica soluccedilatildeo era enviar as crianccedilas para frequentar escola na Argentina O
incocircmodo do general se baseia na busca pelo estabelecimento de uma identidade
nacional ao Brasil pois a presenccedila de alunos brasileiros em escolas argentinas
representava um perigo A escola eacute um dos espaccedilos em que se bdquoimagina‟ se
constroacutei um identidade nacional ldquoNascida na ficccedilatildeo agrave identidade precisava de muita
coerccedilatildeo e convencimento para se consolidar e se concretizar numa realidaderdquo
(BAUMAN 2005 p 27)
69
Em siacutentese a escola natildeo eacute neutra mas perpassam tambeacutem outros interesses
que natildeo satildeo apenas os de ideais nacionalistas Ela eacute um espaccedilo marcado por
contradiccedilotildees Eacute o que o educador brasileiro Paulo Freire (1987) sugere ao natildeo
negar a influecircncia que determinado modo de se propor um modelo educativo pode
causar na sociedade Justamente por saber do potencial transformador da educaccedilatildeo
eacute que ele propunha um modelo para de educaccedilatildeo a partir da base da realidade na
qual o sujeito estaacute inserido
Em Foz do Iguaccedilu haacute a constataccedilatildeo de que o Estado esteve preocupado em
criar escolas a fim de bdquonacionalizar‟ a fronteira Braduel (2009) ao refletir acerca da
relaccedilatildeo entre Estado e territoacuterio e a ocupaccedilatildeo do espaccedilo afirma que ldquoEstados agem
como indiviacuteduos obstinando-se em delimitar seu domiciacutelio da mesma forma que
todo animal livre defende aquilo que ele considera ser o seu territoacuteriordquo (BRAUDEL
2009 p 262 apud Heinsfiel 2014 p 17)
Nessa perspectiva o Estado tem como foco a necessidade de delimitar seus
domiacutenios Domiacutenios estes que satildeo reforccedilados por instituiccedilotildees capazes de legitimar
essa loacutegica tais como as escolas Segundo Bourdieu (2008) um dos principais
poderes do Estado eacute impor categorias de pensamento categorias que noacutes
assumimos como naturais aparentemente espontacircneas mas que na verdade satildeo
impostas pelo Estado (BOURDIEU 2008 p 91)
24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas
escolas
Com o processo de redemocratizaccedilatildeo e da nova Constituiccedilatildeo Federal
promulgada em 1988 houve um grande avanccedilo em termos de direitos civis No
caso da presenccedila de estrangeiros no paiacutes a Carta Magna assegura a todas as
pessoas brasileiras ou estrangeiras estando em situaccedilatildeo migratoacuteria regular ou
irregular o direito agrave educaccedilatildeo escolar Os princiacutepios escolares passaram a ter
como base a igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia nas escolas
da liberdade e do pluralismo de ideacuteias e concepccedilotildees pedagoacutegicas
Art 206 O ensino seraacute ministrado com base nos seguintes princiacutepios I - igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola II - liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber III - pluralismo de ideacuteias e de concepccedilotildees pedagoacutegicas e coexistecircncia de instituiccedilotildees puacuteblicas e
70
privadas de ensino IV - gratuidade do ensino puacuteblico em estabelecimentos oficiais (CF 1998)
Waldman (2012) destaca que a nova constituiccedilatildeo tem pela primeira vez o
princiacutepio da dignidade da pessoa humana como fundamental e afirmou como
objetivos fundamentais a ldquopromoccedilatildeo do bem para todos sem preconceitos de
origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeordquo
(WALDMAN 2012 p63)
No campo das relaccedilotildees internacionais o Brasil se comprometeu pela
prevalecircncia dos direitos humanos pela cooperaccedilatildeo entre os povos e pela atenccedilatildeo
agrave integraccedilatildeo poliacutetica social e cultural da Ameacuterica Latina23 Estes pontos
apresentados satildeo importantes a serem considerados pois satildeo com base na CF
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 seraacute elaborada e a
partir dela outros documentos importantes que toca agrave questatildeo da diversidade
eacutetnicas cultural e racial na educaccedilatildeo Alguns destes documentos satildeo o Curriacuteculo
da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute o Plano Estadual de Educaccedilatildeo
do Paranaacute e os Paracircmetros Curriculares Nacionais que seratildeo analisados no
proacuteximo capiacutetulo
23
Art 4ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaccedilotildees internacionais pelos seguintes
princiacutepios I - independecircncia nacional II - prevalecircncia dos direitos humanos III - autodeterminaccedilatildeo dos povos IV - natildeo-intervenccedilatildeo V - igualdade entre os Estados VI - defesa da paz VII - soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitosVIII - repuacutedio ao terrorismo e ao racismoIX - cooperaccedilatildeo entre os povos para o progresso da humanidadeX - concessatildeo de asilo poliacuteticoParaacutegrafo uacutenico A Repuacuteblica Federativa do Brasil buscaraacute a integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica social e cultural dos povos da Ameacuterica Latina visando agrave formaccedilatildeo de uma comunidade latino-americana de naccedilotildees
71
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA
ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUAI
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens
O campo de estudos de poliacuteticas puacuteblicas avanccedilou nos uacuteltimos sessenta
anos tendo conformado uma literatura instrumental analiacutetica que contribuiu para a
compreensatildeo dos processos de natureza poliacutetico- administrativo (SECCHI 2013)
No Brasil segundo Faria (2003) a aacuterea de anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas ainda eacute
escassa Isso se comprova pela falta de anaacutelises mais sistemaacuteticas no que tange
aos processos de implementaccedilatildeo aleacutem da carecircncia em estudos que tratam de
metodologias e instrumentos de avaliaccedilatildeo destas poliacuteticas pelos trecircs niacuteveis de
governo legislativo executivo e judiciaacuterio
A fim de apresentar a analise de algumas poliacuteticas puacuteblicas (PP) que tratam
da questatildeo da educaccedilatildeo e diversidade cultural faz-se necessaacuterio apresentar o que
se compreende enquanto uma PP Teoacutericos apontam que seu significado natildeo
apresenta uma definiccedilatildeo uacutenica (SECCHI 2010 BONETI 2011) Assim utilizaremos
como definiccedilatildeo de PP as concepccedilotildees de Tamayo Saacuteez (1997) que a entende como
ldquoum conjunto de objetivos decisotildees e accedilotildees que levam a cabo um governo para
solucionar os problemasrdquo (TAMAYO SAEacuteZ 1997 p 2) Complementando esta
definiccedilatildeo citamos Lindomar Boneti (2006) e seu entendimento do que sejam
poliacuteticas puacuteblicas
Accedilatildeo que nasce do contexto social mas que passa pela esfera estatal como uma decisatildeo de intervenccedilatildeo puacuteblica numa realidade social determinada quer seja ela econocircmica ou social Ainda esclarece que as poliacuteticas puacuteblicas representam [] o resultado da dinacircmica do jogo de forccedilas que se estabelece no acircmbito das relaccedilotildees de poder relaccedilotildees estas constituiacutedas pelos grupos econocircmicos e poliacuteticos classes sociais e demais organizaccedilotildees da sociedade civil (BONETI 2006 p 76)
Eacute importante assinalar que as PPs mudam com o tempo e em consonacircncia
com o modelo de Estado vigente como as transformaccedilotildees que ocorrem em uma PP
dentro de um Estado autoritaacuterio para um Estado democraacutetico A criaccedilatildeo de uma PP
natildeo depende somente das decisotildees emanadas do poder puacuteblico Esse jogo de
72
forccedilas ao qual Boneti se refere satildeo concernentes agraves correlaccedilotildees realizadas com
agentes privados e da sociedade civil No entanto no sentido de responsabilizaccedilatildeo
por sua implementaccedilatildeo e permanecircncia compreende-se aqui que uma PP eacute
responsabilidade do Estado24
Dentre os aspectos a serem considerados no momento de escolher uma PP
os fatores culturais satildeo de fundamental importacircncia para a sua implementaccedilatildeo O
sucesso ou o fracasso de uma PP pode estar diretamente ligado ao contexto no qual
se insere
No que confere agrave anaacutelise de uma PP a mais aceita eacute aquela que busca
compreender como os formuladores de poliacutetica (policymakers) lidam com os
problemas com que se defrontam Nas palavras de Wildavsky
() o papel de Anaacutelise de Poliacutetica eacute encontrar problemas onde soluccedilotildees podem ser tentadas ou seja bdquoo analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possiacutevel alguma melhoria‟ Portanto a Anaacutelise de Poliacutetica estaacute preocupada tanto com o planejamento como com a poliacutetica (politics) (WILDAVSKY 1979 apud RUA 2009 p 23)
Segundo Tamayo Saacuteez (1997) a anaacutelise de PP possui um caraacuteter
multidisciplinar Trata-se de um conjunto de teacutecnicas conceitos e estrateacutegias
oriundas de diferentes disciplinas - ciecircncia poliacutetica antropologia sociologia
psicologia e da teoria da organizaccedilatildeo - cujo objetivo eacute interpretar as causas e
consequumlecircncias das accedilotildees do governo Conforme este argumento eacute importante
ressaltar que os atores que analisam determinada PP o fazem a partir de seus
valores sua capacidade teacutecnica seus interesses e o grau de informaccedilatildeo Tais
fatores satildeo fundamentais para compreensatildeo destas anaacutelises
Por poliacuteticas puacuteblicas educacionais compreende-se tudo aquilo que um
governo faz ou deixa de fazer em mateacuteria de educaccedilatildeo No que tange agrave poliacutetica
educacional brasileira esta deve ser pensada em contexto amplo onde fatores
como a constituiccedilatildeo federal a poliacutetica nacional de direitos humanos e os acordos e
tratados internacionais devem ser considerados assim como os fatores sociais e
culturais da sociedade (SILVA MOURA MELLO 2013)
24
Mas vale dizer que natildeo necessariamente uma poliacutetica puacuteblica eacute apenas estatal
73
Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos sobre as poliacuteticas
educacionais no Brasil satildeo recentes mas encontram-se em processo de construccedilatildeo
e crescimento As pesquisas e publicaccedilotildees sobre as poliacuteticas educacionais possuem
dois eixos de estudos o primeiro refere-se aos de caraacuteter teoacuterico com questotildees
mais amplas acerca do processo de formulaccedilatildeo de poliacuteticas abarcando mudanccedilas
no papel do Estado das redes de influecircncia no desenvolvimento de formulaccedilatildeo de
poliacuteticas o segundo trata da anaacutelise e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas e programas
(MAINARDES 2006) Quanto ao primeiro eixo ao destacar a funccedilatildeo do Estado na
definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Mainardes (2006) explica que
natildeo se trata de defender que o Estado ou os governos decidam por implementar as
poliacuteticas puacuteblicas mas isso reflete as pressotildees de diferentes grupos de interesse
Citando Evans Rueschmeyer e Skocpol (1985) Souza (2006) se aproxima da
perspectiva teoacuterica que defende uma autonomia relativa do Estado ldquoque faz com
que o mesmo tenha um espaccedilo proacuteprio de atuaccedilatildeo embora permeaacutevel a influecircncias
externas e internasrdquo (SOUZA 2006 p27 apud Evans Rueschmeyer e Skocpol
1985)
Os dois eixos foram abordados nesta dissertaccedilatildeo pois considera-se
importante conhecer os principais aspectos histoacutericos das poliacuteticas educativas no
Brasil e sua relaccedilatildeo com o Estado para posteriormente tratar da anaacutelise das
poliacuteticas escolhidas O modelo denominado de ciclo de poliacuteticas puacuteblicas seraacute o
recurso utilizado para analise das poliacuteticas educacional
O ciclo de poliacutetica tem adquirido importacircncia progressiva nos estudos sobre a
elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica principalmente por consistir em uma serie de etapas
que envolve o processo poliacutetico-administrativo os atores suas relaccedilotildees recursos de
poder as relaccedilotildees poliacuteticas sociais e as praacuteticas Saravia e Ferrarezi (2006p32)
descrevem sete etapas deste ciclo primeiro uma agenda poliacutetica que eacute a
necessidade social de elaborar determinada poliacutetica puacuteblica em segundo a
elaboraccedilatildeo propriamente dita da poliacutetica puacuteblica para identificar e delimitar um
problema seja ele atual ou que pode vir a ser necessaacuterio Com isto determinam-se
as alternativas para a soluccedilatildeo a partir das possiacuteveis soluccedilotildees para o problema
formula-se a alternativa mais cabiacutevel pra sua implementaccedilatildeo que deve ser
constituiacuteda por meio do ldquoplanejamento e organizaccedilatildeo do aparelho administrativo e
dos recursos humanos financeiros materiais e tecnoloacutegicos necessaacuterios para
executar uma poliacuteticardquo (SARAVIA p34) A proacutexima etapa eacute a execuccedilatildeo destinada a
74
atingir os objetivos traccedilados pela poliacutetica ldquoEssa etapa inclui o estudo dos
obstaacuteculos que normalmente se opotildeem agrave transformaccedilatildeo de enunciados em
resultados e especialmente a anaacutelise da burocraciardquo (SARAVIA 2006 p 34) A
sexta etapa reside no acompanhamento que eacute o processo de supervisatildeo da
execuccedilatildeo de uma atividade a fim de fornecer a ldquoinformaccedilatildeo necessaacuteria para
introduzir eventuais correccedilotildees a fim de assegurar a consecuccedilatildeo dos objetivos
estabelecidosrdquo (SARAVIA 2006 p34) Por uacuteltimo temos a avaliaccedilatildeo que consiste
em analisar os impactos das poliacuteticas implementadas para a sociedade
Saravia (2006) explica que esta sequecircncia eacute mais uma esquematizaccedilatildeo
teoacuterica do que ocorre na praacutetica Nem sempre essas etapas satildeo consideradas Eacute o
caso de muitos paiacuteses da Ameacuterica Latina onde os programas de ajuste estrutural
natildeo consideraram as primeiras etapas iniciais de sua elaboraccedilatildeo os resultados
sociais possiacuteveis Como consequumlecircncia os indicadores da educaccedilatildeo da sauacutede da
previdecircncia social da habitaccedilatildeo do emprego e de outros setores sociais mostram a
existecircncia de uma situaccedilatildeo difiacutecil que se agrava com o tempo (SARAVIA 2006
p35-36)
32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil
No Brasil por muito tempo as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo ficaram
aqueacutem do esperado Valle (2009) aponta que no decorrer do periacuteodo colonial ou do
Impeacuterio natildeo haacute registros de uma real preocupaccedilatildeo com as poliacuteticas puacuteblicas de
Educaccedilatildeo (VALLE 2009) Arauacutejo (2011) explica que eacute recente a ideia de um ldquoEstado
em accedilatildeordquo no sentido de promover poliacuteticas para educaccedilatildeo (ARAUacuteJO 2011 p236)
Em um contexto onde sociedade e economia fundamentaram suas bases em um
modelo econocircmico agroexportador e na matildeo-de-obra escrava a preocupaccedilatildeo com a
educaccedilatildeo surgiu muito tarde
Maria Luisa Ribeiro (1992) escreve que no periacuteodo colonial a poliacutetica
educacional esteve vinculada agrave poliacutetica colonizadora dos portugueses (RIBEIRO
1992 p 20) A historiadora Maria Luiza Marciacutelio (2005) acrescenta estes dados ao
traccedilar as principais caracteriacutesticas do sistema educacional brasileiro no periacuteodo que
se estende de 1554 a 1759 ao explicar que o uacutenico ensino formal presente ateacute
meados do seacuteculo XVIII era oferecido pela Companhia de Jesus que era
75
basicamente elitista atendendo em grande parcela ldquojovens brancos proprietaacuterios
de terras famiacutelias da elite colonial aleacutem de introduzir nas primeiras letras do
catecismo elementar as crianccedilas iacutendias das aldeias jesuiacutetasrdquo (MARCIacuteLIO 2005
p42)
Saviani (2008) aponta que o primeiro documento de poliacutetica educacional foi
editado em 1548 e encontrado nos ldquoRegimentosrdquo de DJoatildeo III com a finalidade de
orientar as accedilotildees do governador geral do Brasil Tomeacute de Souza que veio com a
companhia de mais quatro padres e dois irmatildeos jesuiacutetas liderados por Manuel da
Noacutebrega
Nesse mesmo ano os jesuiacutetas receacutem-chegados deram iniacutecio agrave obra educativa centrada na catequese guiados pela orientaccedilatildeo contida nos referidos bdquoRegimentos‟ cumprindo pois um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal Nessa condiccedilatildeo cabia agrave coroa manter o ensino mas o rei enviava verbas para a manutenccedilatildeo e a vestimenta dos jesuiacutetas natildeo para construccedilotildees (SAVIANI 2008 p8)
No que se refere agrave inclusatildeo da populaccedilatildeo na instituiccedilatildeo jesuiacutetica Marciacutelio
(2005) aponta que no periacuteodo da expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759 a soma de todos
os alunos natildeo atingia 01 da populaccedilatildeo brasileira Em um cenaacuterio que contava
com 50 da populaccedilatildeo constituiacuteda por mulheres e 40 de escravizados aleacutem de
negros livres pardos filhos ilegiacutetimos e crianccedilas abandonadas todos estes ficavam
agrave margem do sistema de ensino Ao todo os jesuiacutetas ficaram agrave frente da educaccedilatildeo
brasileira por mais de dois seacuteculos ateacute a expulsatildeo (MARCIacuteLIO 2005 p3)
A segunda fase de poliacuteticas educacionais no Brasil foi marcada pelas
reformas pombalinas para instruccedilatildeo puacuteblica Com a instalaccedilatildeo da coroa portuguesa
no Brasil Colonial em 1808 a educaccedilatildeo ganhou novos significados Uma ldquoseacuterie de
cursos tanto profissionalizantes em niacutevel meacutedio como em niacutevel superior bem como
militares foram criados para fazer do local algo realmente parecido com uma Corterdquo
(GHIRALDELLI JR 2001 p 16) Deste modo o periacuteodo compreendido como
pedagogia pombalina (1759-1827) corresponde agraves primeiras tentativas de se instituir
uma escola puacuteblica estatal
As reformas pombalinas contrapotildeem-se ao predomiacutenio das ideacuteias religiosas e com base nas ideacuteias laicas inspiradas no Iluminismo institui o privileacutegio do Estado em mateacuteria de instruccedilatildeo surgindo assim a nossa versatildeo da bdquoeducaccedilatildeo puacuteblica estatal‟ (LUZURIAGA 1959 p23-39 apud SAVIANE 2008 p9)
76
Quando Dom Pedro I assume o poder no periacuteodo Regencial a maioria da
populaccedilatildeo seguia analfabeta A independecircncia poliacutetica natildeo alterou o quadro da
situaccedilatildeo de ensino ao menos de imediato Para Joatildeo Cruz Costa citado por
Romanelli (1985) o processo de independecircncia significava ldquosimples transferecircncia de
poderes dentro de uma mesma classe [a independecircncia] entregaria a direccedilatildeo da
nova accedilatildeo aos proprietaacuterios de terras de engenhos e aos letradosrdquo (COSTA 1980
apud ROMANELLI 1985 p 39)
Eacute neste contexto que comeccedila uma nova fase no campo da educaccedilatildeo tendo
como marco inicial a lei das Escolas das Primeiras letras de 1827 com o objetivo de
ensinar toda a populaccedilatildeo brasileira conforme o artigo de nuacutemero 6 presente na Lei
de 15 de outubro de 1827
() Art 6ordm - Os professores ensinaratildeo a ler escrever as quatro operaccedilotildees de aritmeacutetica praacutetica de quebrados decimais e proporccedilotildees as noccedilotildees mais gerais de geometria praacutetica a gramaacutetica de liacutengua nacional e os princiacutepios de moral cristatilde e da doutrina da religiatildeo catoacutelica e apostoacutelica romana proporcionados agrave compreensatildeo dos meninos preferindo para as leituras a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio e a Histoacuteria do Brasil (BRASIL 1827)
No final do seacuteculo XIX marcado pelas influecircncias do positivismo25 comeccedilou no paiacutes
um movimento pela desoficializaccedilatildeo do ensino no Estado defendendo a liberdade
das profissotildees Com isso foram surgindo escolas privadas de benemerecircncia que se
propunham a ofertar ensino gratuito Essa tendecircncia de desoficializaccedilatildeo culminou
com a Reforma Leocircncio de Carvalho em 1879 (SAVIANI 2008) Saviani chama
atenccedilatildeo para este fato ao criticar o fato de que desde iniacutecio das primeiras poliacuteticas
educacionais brasileiras houve certa ldquopromiscuidaderdquo na relaccedilatildeo entre o puacuteblico e o
privado A comeccedilar com a educaccedilatildeo jesuiacutetica que em alguma medida era puacuteblica
mas a entidade que o ofertava natildeo
Conforme Santos (2011) somente a partir do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
XX periacuteodo de transiccedilatildeo para um modelo de desenvolvimento moderno
25
Por Positivismo compreende-se agora de modo mais amplo a filosofia desenvolvida por Augusto Comte que se caracteriza conjuntamente pela expressa confianccedila nos benefiacutecios da industrializaccedilatildeo no otimismo em relaccedilatildeo ao progresso capitalista no culto agrave ciecircncia e a valorizaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico voltados a uma reforma intelectual da sociedade (COTRIM 1993 p 189)
77
intervencionista foi que a educaccedilatildeo passou a ser reclamada como um condicionante
necessaacuterio para o desenvolvimento do paiacutes Conforme Romanelli (1985) o seacuteculo
XIX fora marcado pelo surgimento de uma nova camada intermediaacuteria tambeacutem
chamada de pequena burguesia Esta classe explica a autora foi fundamental para
a evoluccedilatildeo poliacutetica no Brasil monaacuterquico e para mudanccedilas pelas quais passou o
regime no final do seacuteculo (ROMANELLI 1985 p37)
No periacuteodo republicano outra modalidade de poliacuteticas educacionais se
desenvolveu por volta de 1890 com a implantaccedilatildeo progressiva das escolas
graduadas apoiadas nas escolas normais que comeccedilaram a ser consolidadas sob o
fluxo do iluminismo republicano
Esse periacuteodo abrange de 1890 quando se daacute no estado de Satildeo Paulo a organizaccedilatildeo da escola normal graduada ateacute 1931 quando eacute promulgada a reforma Francisco Campos dando iniacutecio ao processo de regulamentaccedilatildeo ao sistema de ensino em acircmbito nacional (SAVIANI 2004a p20-21)
Somente a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX eacute que podemos
encontrar registros das primeiras lutas por uma educaccedilatildeo e escola de qualidade
puacuteblica e gratuita Valle (2009) aponta que a poliacutetica educacional brasileira foi
marcada pela criaccedilatildeo da Universidade do Rio de Janeiro em 1920 hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro ndash UFRJ ndash pelas organizaccedilotildees colegiadas
como a Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo fundada em 1924 liderada pelos
reformadores do movimento Escola Nova cujo marco encontra-se no lanccedilamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo na deacutecada de 1930 (VALLE 2009 p22)
Acerca deste Manifesto escreve Santos (2011)
Lanccedilado em 1932 o Manifesto foi sobretudo um documento de poliacutetica educativa no qual para aleacutem da defesa da Escola Nova estava a causaluta maior dapela escola puacuteblica laica sendo esta responsabilidade do Estado Ressalto que as diretrizes desse manifesto influenciaram a Constituiccedilatildeo de 1934 (FREITAS 2005 SAVIANI 2005 apud SANTOS 2011 p2)
Em 1930 ano em que tecircm iniacutecio a Era Vargas eacute criado o Ministeacuterio dos
Negoacutecios da Educaccedilatildeo e Sauacutede Este periacuteodo eacute considerado por Saviani (2008) o
iniacutecio da sexta modalidade de poliacuteticas educacionais marcado pela reforma
Francisco Campos em 1931 e caracterizada pela regulamentaccedilatildeo em acircmbito
nacional das escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
78
crescentemente as concepccedilotildees pedagoacutegicas renovadoras ateacute a criaccedilatildeo da LDB em
1961
As propostas de poliacuteticas educacionais dos reformadores dentre eles Aniacutesio
Teixeira e Lourenccedilo Filho natildeo foram bem recebidas pelo movimento de 1930
Apesar das controveacutersias houve marcos importantes como aponta Santos (2011)
com os seguintes decretos
1) Decreto 19850 de 11 de abril de 1931 que criou o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo 2) Decreto 19851 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitaacuterio 3) Decreto 19852 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo da Universidade do Rio de janeiro 4) Decreto 19890 de 18 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio 5) Decreto 19941 de 30 de abril de 1931 que instituiu o ensino religioso como mateacuteria facultativa nas escolas puacuteblicas do paiacutes 6) Decreto 20158 de 30 de junho de 1931 que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissatildeo de contador 7) Decreto 21241 de 14 de abril de 1932 que consolidou as disposiccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio (SANTOS 2011 p 2)
De acordo com Ribeiro (1992) de 1931 a 1937 foram realizados inuacutemeros
congressos e conferecircncias nos quais se discutiam os caminhos possiacuteveis para a
elaboraccedilatildeo de um plano nacional para educaccedilatildeo Nestes debates haviam duas
vertentes
Uma jaacute era tradicional representada pelos educadores catoacutelicos que defendiam a educaccedilatildeo subordinada agrave doutrina religiosa (catoacutelica) a educaccedilatildeo em separado e portanto diferenciadas pelos sexos masculino e feminino o ensino particular a responsabilidade da famiacutelia quanto agrave educaccedilatildeo etc Outra era representada pelos educadores influenciados pelas bdquoideacuteias novas‟ e que defendiam a laicidade a co- educaccedilatildeo a gratuidade a responsabilidade puacuteblica em educaccedilatildeo etc (RIBEIRO 1992 p99)
Em um contexto onde o mundo presenciava as experiecircncias de paiacuteses com
ideologias fascistas e comunistas os grupos de educadores que debatiam a
educaccedilatildeo agrave eacutepoca diziam ser contraacuterios agrave monopolizaccedilatildeo do ensino por parte do
Estado Com isto o movimento escola novista e sua ideia da educaccedilatildeo ser de
responsabilidade puacuteblica passam a ser assimiladas agraves ideias comunistas
79
Em 1934 eacute outorgada uma nova Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica que segundo
Ribeiro (1992) apesar de seu caraacuteter contraditoacuterio ao atender as reivindicaccedilotildees
sobretudo dos reformadores catoacutelicos conseguiu destacar a educaccedilatildeo dedicando-
lhe um capiacutetulo especiacutefico para o assunto Entatildeoldquoa reivindicaccedilatildeo catoacutelica quanto ao
ensino religioso eacute atendida assim como outras ligadas aos representantes das
ldquoideacuteias novasrdquo (CapI art 5ordmXIV 1934 apud RIBEIRO 1992 p104)
A partir de 1937 quando o golpe militar instaura o Estado Novo algumas
premissas satildeo mantidas como a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primaacuterio
Institui-se como obrigatoacuterio o ensino de trabalhos manuais nas escolas primaacuterias
normais e secundaacuterias Tambeacutem fica estabelecido o programa escolar em termos de
ensino preacute-vocacional orientado agraves classes menos favorecidas No artigo 129 o
regime de cooperaccedilatildeo entre a induacutestria e o Estado eacute fixado (RIBEIRO 1992 p114-
115)
O periacuteodo do Estado Novo que durou sessenta anos foi um periacuteodo
marcante para a educaccedilatildeo pois traduziu o que aquele regime poliacutetico pretendeu
executar no Brasil Nas palavras de Helena Bomeny (1999)
Formar um bdquohomem novo‟ para um Estado Novo conformar mentalidades e criar o sentimento de brasilidade fortalecer a identidade do trabalhador ou por outra forjar uma identidade positiva no trabalhador brasileiro tudo isso fazia parte de um grande empreendimento cultural e poliacutetico para o sucesso do qual contava-se estrategicamente com a educaccedilatildeo por sua capacidade universalmente reconhecida de socializar os indiviacuteduos nos valores que as sociedades atraveacutes de seus segmentos organizados querem ver internalizados (BOMENY1999p139)
Bomeny apresenta quatro decretos que remetem ao fechamento das escolas
estrangeiras
O Decreto lei ndeg 383 de 18 de abril de 1938 que proibia aos
estrangeiros o exerciacutecio de atividades poliacuteticas no Brasil o Decreto ndeg 406 de 4 de maio 1938 que regulamentava o ingresso e a permanecircncia de estrangeiros ditando providecircncias para sua assimilaccedilatildeo e criando o Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo como oacutergatildeo executor de suas disposiccedilotildees o Decreto ndeg 868 de 18 de novembro de 1938 que instituiu a Comissatildeo Nacional de Ensino Primaacuterio que possuiacutea entre suas atribuiccedilotildees a nacionalizaccedilatildeo do ensino nos nuacutecleos estrangeiros e o Decreto ndeg 948 de 13 de dezembro do mesmo ano que considerando a complexidade das medidas para promover a assimilaccedilatildeo dos colonos e completa nacionalizaccedilatildeo dos filhos de imigrantes estabelecia que as medidas fossem tomadas pelo Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo (BOMENY 1999 p 158)
80
Em documento dirigido a Getuacutelio Vargas em 1939 o entatildeo Ministro de
Guerra Eurico Gaspar Dutra apontou a educaccedilatildeo como um dos setores
intimamente ligados agrave seguranccedila nacional ldquoO problema da educaccedilatildeo apreciado em
toda a sua amplitude natildeo pode deixar de constituir uma das mais graves
preocupaccedilotildees das autoridades militaresrdquo (Arquivo Osvaldo Aranha AO 390418
FGVCPDOC apud BOMENY 1999 p139)
Com o fim do Estado Novo a nova constituiccedilatildeo caracterizada por seu caraacuteter
liberal e democraacutetico possibilitou algumas mudanccedilas na educaccedilatildeo O novo Ministro
da Educaccedilatildeo regulamentou em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal aleacutem do
Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC Neste contexto o Brasil
passou a viver o que se denominou como periacuteodo nacional-desenvolvimentista No
plano internacional o mundo vivia o poacutes-guerra momento marcado pela
reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos o que levou a uma grande fase de crescimento
econocircmico em niacutevel mundial conhecida como a ldquoa era de ourordquo acarretando no que
ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social
O Estado de bem-estar social era um projeto cogente para recuperar o vigor e a capacidade de expansatildeo dos paiacuteses capitalistas apoacutes a tensatildeo social econocircmica e poliacutetica do periacuteodo entre guerras Tanto que o estabelecimento do Estado de bem-estar social entre as deacutecadas de 1940 e 1960 ficou conhecido como bdquoera dourada do capitalismo‟ por ser um momento de desenvolvimento econocircmico com garantias sociais e oferecimento praticamente de emprego pleno para a maioria da populaccedilatildeo nos paiacuteses mais desenvolvidos (VICENTE 2009 p124)
Apoacutes a reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos na guerra ocorreu o processo de
internacionalizaccedilatildeo do capital O avanccedilo do capitalismo para paiacuteses como o Brasil
implicou em uma nova forma de desenvolvimento As ideacuteias por uma poliacutetica
nacional-desenvolvimentista foram propagadas principalmente pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 durante o governo interino
de Cafeacute Filho No governo de Juscelino Kubitschek o ISEB passa a ser o braccedilo do
governo no sentido de propagar a mentalidade nacional para o desenvolvimento
A deacutecada de 1960 eacute caracterizada por uma sociedade brasileira marcada pelo
processo crescente de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo e pelas mudanccedilas nas
relaccedilotildees de trabalho no campo Na mesma intensidade aumentavam as
81
desigualdades sociais o que mobilizou setores da sociedade em lutas por reformas
de base com vistas agrave reduccedilatildeo dessas desigualdades sociais (NASCIMENTO 2006)
No que se refere ao perfil que tomam as poliacuteticas educacionais nesse periacuteodo
Saviani (2005) aponta que
[] se o periacuteodo situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equiliacutebrio entre as influecircncias das concepccedilotildees humanista tradicional (representada pelos catoacutelicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educaccedilatildeo nova) a partir de 1945 jaacute se delineia como nitidamente predominante a concepccedilatildeo humanista moderna (SAVIANI 2005 p14)
Para o autor o foco no desenvolvimento econocircmico do paiacutes que por sua vez geraria
o desenvolvimento em outras instacircncias da sociedade acabou por gerar uma
inversatildeo do ensino puacuteblico A escola passou a ser instrumento para servir agrave loacutegica
do mercado por meio da pedagogia tecnicista26
No periacuteodo que se estende de 1964-1984 periacuteodo da ditadura militar todo o
aparelho estatal fora reformulado em nome da seguranccedila interna
Definindo a seguranccedila interna como accedilatildeo-resposta a um processo subversivo devendo ser conduzida em termos de aplicaccedilatildeo global do Poder Nacional dentro de uma Estrateacutegia Nacional especiacutefica A Escola Superior de Guerra considerava que essa accedilatildeo-resposta se delineava atraveacutes de trecircs atitudes estrateacutegicas preventiva repressiva e operativa (MIRANDA 1970 p18 apud SAVIANI 2004 p119)
Desse modo as accedilotildees preventivas procuravam evitar aquilo que era
entendido como subversivo As accedilotildees repressivas procuravam impedir a praacutetica
subversiva e as accedilotildees operativas destinavam-se a eliminar esses focos mediante a
accedilatildeo armada Em outras palavrasldquoo Poder Nacional tal como concebido pela
ideologia da interdependecircncia eacute acionado para destruir a autonomia nacional nos
termos da ideologia nacional-desenvolvimentistardquo (SAVIANI 2004 p120)
26
A partir do pressuposto da neutralidade cientiacutefica e inspirada nos princiacutepios de racionalidade eficiecircncia e produtividade a pedagogia tecnicista advogou a reordenaccedilatildeo do processo educativo de maneira a tornaacute-lo objetivo e operacional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretendeu-se a objetivaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico Buscou-se entatildeo com base em justificativas teoacutericas derivadas da corrente filosoacutefico-psicoloacutegica do behaviorismo planejar a educaccedilatildeo de modo a dotaacute-la de uma organizaccedilatildeo racional capaz de minimizar as interferecircncias subjetivas que pudessem pocircr em risco sua eficiecircncia (SAVIANI 2009 p11-12)
82
Eacute neste contexto que eacute possiacutevel compreender todas as poliacuteticas educacionais
durante o regime militar Destaca-se o Mobral27 seguido das reformas de ensino de
primeiro segundo e terceiros graus a criaccedilatildeo dos Centros Rurais Universitaacuterios de
Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria (CRUTACS) os Centros Sociais Urbanos o
Projeto Rondon a Empresa Brasileira de Notiacutecias (EBN) etc (SAVIANI 2004)
O periacuteodo ditatorial ao longo de duas deacutecadas que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na presidecircncia da repuacuteblica se pautou em termos educacionais pela repressatildeo privatizaccedilatildeo de ensino exclusatildeo de boa parcela das classes populares do ensino profissionalizante tecnicismo pedagoacutegico e desmobilizaccedilatildeo do magisteacuterio atraveacutes de abundante e confusa legislaccedilatildeo educacional Soacute uma visatildeo otimistaingecircnua poderia encontrar indiacutecios de saldo positivo na heranccedila deixada pela ditadura militar (GHIRALDELLI 1990 p163)
Em 1979 o Brasil dava iniacutecio ao lento e gradual processo de abertura
democraacutetica que teve iniacutecio no governo de General Geisel (1974-1979) A transiccedilatildeo
democraacutetica se fez seguindo a estrateacutegia de conciliaccedilatildeo pelo alto a fim de dar
prosseguimento agrave ordem socioeconocircmica vigente Naquele momento o mundo vivia
as consequumlecircncias da chamada crise do petroacuteleo que teve seu iniacutecio na deacutecada de
1970 As implicaccedilotildees da crise levaram os paiacuteses a tomarem medidas de
desregulamentaccedilatildeo da economia privatizaccedilotildees e destituiccedilatildeo do Estado de bem-
estar social Nesse contexto nasce o chamado neoliberalismo Neo quer dizer novo
e liberalismo refere-se ao pensamento claacutessico que serviu de base ao capitalismo
Segundo Anderson (1995) ldquoo neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra
Mundial como uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estarrdquo (ANDERSON 1995 p 9)
Na Ameacuterica Latina o efeito da crise fez com que os paiacuteses adotassem os
ajustes neoliberais orientados pelo Banco Mundial Fundo Monetaacuterio Internacional e
o governo dos Estados Unidos apoacutes o ldquoConsenso de Washingtonrdquo28 Os impactos
27
O Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo foi criado pela Lei Nordm 5379 de 15121967 e tinha como
prioridade promover a alfabetizaccedilatildeo e educaccedilatildeo continuada para jovens e adultos analfabetos Esteve embasada nas proposiccedilotildees de educaccedilatildeo funcional presente nos documentos da UNESCO em 1958 durante o Congresso Mundial de Ministros O MOBRAL teve iniacutecio em 1970 e foi caracterizado do ponto de vista teacutecnico como proacuteximo aos meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo de Paulo Freire que partia das palavras-chaves mas suas orientaccedilotildees pedagoacutegicas eram controladas e supervisionadas pelo governo 28
Em novembro de 1989 reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionaacuterios do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos O objetivo do encontro convocado pelo Institute for
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de tais ajustes perpassam pelo campo das reformas educacionais que devem estar
condicionadas agrave loacutegica do mercado bem como da sauacutede da alimentaccedilatildeo do
trabalho e do salaacuterio (SOARES 2000)
Nesse novo contexto as poliacuteticas educacionais satildeo marcadas por um
neoconservadorismo recheado de contradiccedilotildees e ambiguumlidades presentes nas
principais poliacuteticas educacionais que por sua vez foram resultado do debate entre
diversos setores da sociedade que queriam ver seus interesses contemplados nas
poliacuteticas educacionais somadas agraves deliberaccedilotildees dos organismos multilaterais para
a educaccedilatildeo
33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988
Segundo Gabriele Sapio (2010) a Constituiccedilatildeo Federal (CF) eacute ldquouma das
cartas constitucionais mais adiantadas e progressistas do mundo em mateacuteria de
proteccedilatildeo dos direitos sociais fundamentais coletivos e individuaisrdquo (SAPIO 2010
sn) No Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute considerada um avanccedilo no sentido de
assegurar direitos sociais dentre eles o acesso agrave educaccedilatildeo
No que concerne agrave educaccedilatildeo a Constituiccedilatildeo tem uma seccedilatildeo especiacutefica
destinada agrave mesma Seccedilatildeo I do capiacutetulo III Da Educaccedilatildeo da Cultura e do Desporto
A constituiccedilatildeo de 1988 marca o retorno do Brasil para a democracia No contexto de
sua elaboraccedilatildeo houve inuacutemeros debates por parte dos setores da sociedade de
movimentos sociais a grupos dominantes que queriam ver seus interesses
contemplados na Carta Magna afirma Ghiraldelli Jr (2001 p 169) O mesmo autor
ao analisar a Carta de 1988 onde se discute a educaccedilatildeo informa que este aspecto
natildeo eacute soacute tratado em um artigo especiacutefico mas perpassa por outros toacutepicos
Na Carta de 1988 a educaccedilatildeo natildeo veio contemplada apenas no seu local proacuteprio no toacutepico especiacutefico destinada a ela mas veio tambeacutem espalhada em outros toacutepicos Assim no tiacutetulo sobre direitos e
International Economics sob o tiacutetulo Latin American Adjustment How Much Has Happened era proceder a uma avaliaccedilatildeo das reformas econocircmicas empreendidas nos paiacuteses da regiatildeo Para relatara experiecircncia de seus paiacuteses tambeacutem estiveram presentes diversos economistas latino-americanos Agraves conclusotildees dessa reuniatildeo eacute que se daria subsequentemente a denominaccedilatildeo informal de Consenso de Washingtonrdquo (BATISTA 1994 p 5)
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garantias fundamentais a educaccedilatildeo apareceu como um direito social junto da sauacutede do trabalho do lazer da seguranccedila da previdecircncia social da proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia da assistecircncia aos desamparados (artigo 6deg) Tambeacutem no capiacutetulo sobre a famiacutelia a crianccedila o adolescente e o idoso a educaccedilatildeo foi incluiacuteda A Constituiccedilatildeo determinou ser dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente o direito agrave educaccedilatildeo como uma prioridade em relaccedilatildeo ao outros direitos (GHIRALDELLI JR 2001 p169)
Diante das mudanccedilas que a CF trouxe agrave Educaccedilatildeo houve tambeacutem a
necessidade de se elaborar uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional Em dezembro de 1988 o deputado Octaacutevio Eliacutesio apresentou um projeto
que fixava as diretrizes e bases nacionais da educaccedilatildeo diante da nova realidade
brasileira Apoacutes oitos ano de tramitaccedilatildeo debates e discussotildees a nova LDB foi
aprovada em 1996 Atualmente eacute a diretriz que rege o curriacuteculo nacional Assim eacute a
partir dela que iremos iniciar a anaacutelise propostas das poliacuteticas educacionais para a
diversidade
34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais
Seraacute que a escola pode ser a mesma quando os educandos satildeo outros Seraacute que o curriacuteculo pode ser o mesmo quando os alunos satildeo outros Seraacute que a pedagogia deva ser a mesmaA docecircncia deva ser a mesma (Miguel Arroyo 2014-Em entrevista concedida ao Portal Dia a Dia Educaccedilatildeo)
As perguntas acima foram feitas pelo poacutes-doutor em educaccedilatildeo Miguel
Arroyo em entrevista concedida a TV Paulo Freire no ano de 2013 Quando
questionado sobre como a escola deve trabalhar o tema da diversidade ele aponta
que natildeo eacute o aluno quem deve se adaptar agrave escola mas a escola quem deve se
adaptar ao aluno Nesse sentido adaptando o questionamento de Arroyo sobre as
poliacuteticas educacionais para a realidade fronteiriccedila a pergunta ficaria a seguinte seraacute
que a escola situada em regiatildeo de fronteira internacional pode ser a mesma quando
os educandos satildeo outros
E este bdquooutro‟ na fronteira eacute o argentino o aacuterabe o paraguaio o brasiguaio o
indiacutegena que estatildeo imersos em meio a tantas outras diversidades que natildeo foram
tratadas aqui mas que complexificam ainda mais a realidade das escolas de
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fronteira Nela tambeacutem nos deparamos com as questotildees de gecircnero de raccedila de
classes etc Pensando nestes aspectos o que as principais poliacuteticas educacionais
nacionais podem ou natildeo oferecer quando o assunto eacute a diversidade nas escolas de
fronteira internacional
Por diversidade Elvira de Souza Lima (2011) entende que a mesma eacute a
norma da espeacutecie humana pois ldquoos seres humanos satildeo diversos em suas
experiecircncias culturais satildeo uacutenicos em suas personalidades e satildeo diversos em suas
formas de perceber o mundordquo Segundo Gurgel (LIMA 2011 p1) a ideia de
diversidade relaciona-se diretamente com os conceitos de pluralidade multiplicidade
que indicam diferentes valores costumes vivecircncias de diferentes grupos da
sociedade
Nas concepccedilotildees de Gurgel do ponto de vista da Antropologia compreender
os elementos constitutivos da diversidade nos leva a entender diferentes ldquohaacutebitos
costumes comportamentos crenccedilas e valores e a aceitaccedilatildeo da diferenccedila no outro
chamada de alteridaderdquo (GURGEL 2011 p 4)
Nilma Lino Gomes (2008) ao discorrer sobre o que eacute diversidade busca seu
significado no dicionaacuterio apontando que as palavras que traduzem seu sentido satildeo
diferenccedila e dessemelhanccedila Em uma primeira interpretaccedilatildeo Nilma explica que a
diversidade pode se referir a fatos observaacuteveis a olho nu Contudo se ampliarmos a
noccedilatildeo sobre o que sejam diferenccedilas e incluir essas discussotildees no acircmbito cultural eacute
possiacutevel compreendecirc-la de duas formas
1)As diferenccedilas podem ser empiricamente observaacuteveis 2) as diferenccedilas tambeacutem satildeo construiacutedas ao longo do processo histoacuterico nas relaccedilotildees sociais e nas relaccedilotildees de poder Muitas vezes os grupos humanos tornam o outro diferente para fazecirc-lo inimigo para dominaacute-lo Por isso falar sobre a diversidade cultural natildeo diz respeito apenas ao reconhecimento do outro Significa pensar a relaccedilatildeo entre o eu e o outro (GOMES 2008 p2)
Na aacuterea de estudos das poliacuteticas educacionais o tema diversidade eacute recente
Somente a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 e da implementaccedilatildeo da LDB96 eacute que as
poliacuteticas educacionais para diversidade ganharam espaccedilo no campo das poliacuteticas
puacuteblicas
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341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo
A atual LDB96 eacute fruto do novo quadro poliacutetico que se instaurou no Brasil com
o processo de abertura democraacutetica Como jaacute mencionado foram oito anos de
tramitaccedilatildeo ateacute que em 1996 ela fosse fixada com a aprovaccedilatildeo da redaccedilatildeo proposta
pelo entatildeo Deputado Federal e antropoacutelogo Darcy Ribeiro
Ao analisar a LDB96 eacute possiacutevel encontrar alguns artigos que reconhecem a
diversidade existente no paiacutes No Capiacutetulo II referente agrave Educaccedilatildeo Baacutesica o artigo
26 prescreve o seguinte
Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da economia e da clientela (BRASIL 1996)
Com base neste artigo compreende-se que dadas as diferenccedilas culturais presentes
em cada regiatildeo cabe agrave instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave
realidade local Logo a lei daacute margem para que um trabalho diferenciado possa ser
realizado em aacutereas de fronteira internacional O inciso de nuacutemero cinco do mesmo
artigo torna obrigatoacuterio o ensino de uma liacutengua estrangeira moderna cuja escolha
fica a criteacuterio da comunidade escolar a partir da quinta seacuterie (hoje sexto ano)
Em 2005 foi criada a Lei de no 11161 que tornou obrigatoacuterio o ensino da
Liacutengua Espanhola para o Ensino Meacutedio
Art 1o O ensino da liacutengua espanhola de oferta obrigatoacuteria pela escola e de matriacutecula facultativa para o aluno seraacute implantado gradativamente nos curriacuteculos plenos do ensino meacutedio sect 1o O processo de implantaccedilatildeo deveraacute estar concluiacutedo no prazo de cinco anos a partir da implantaccedilatildeo desta Lei sect 2o Eacute facultada a inclusatildeo da liacutengua espanhola nos curriacuteculos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a seacuteries Art 2o A oferta da liacutengua espanhola pelas redes puacuteblicas de ensino deveraacute ser feita no horaacuterio regular de aula dos alunos (BRASIL 2005)
Esta uacuteltima lei expressa o contexto da eacutepoca Primeiro pelo crescimento do poder
econocircmico da Espanha e o crescente aumento do espanhol nos EUA (CELADA
1991 apud AMARAL E MAZZARO 2006) Em segundo o entatildeo presidente Luis
Inaacutecio Lula da Silva tinha como plano de governo a aproximaccedilatildeo com os demais
87
paiacuteses da Ameacuterica Latina haja vista que historicamente a relaccedilatildeo do Brasil com os
paiacuteses da regiatildeo tanto no acircmbito econocircmico como social era pequena Com essa
proposta de integraccedilatildeo em um de seus discursos ele diz
A grande prioridade da poliacutetica externa durante o meu governo seraacute a construccedilatildeo de uma Ameacuterica do Sul politicamente estaacutevel proacutespera e unida com base em ideais democraacuteticos e de justiccedila social Para isso eacute essencial uma accedilatildeo decidida de revitalizaccedilatildeo do MERCOSUL enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visotildees muitas vezes estreitas e egoiacutestas do significado da integraccedilatildeo O MERCOSUL assim como a integraccedilatildeo da Ameacuterica do Sul em seu conjunto eacute sobretudo um projeto poliacutetico Mas esse projeto repousa em alicerces econocircmico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforccedilados Cuidaremos tambeacutem das dimensotildees social cultural e cientiacutefico-tecnoloacutegica do processo de integraccedilatildeo (LULA DA SILVA 2003)
A partir de entatildeo outras iniciativas aleacutem do ensino do espanhol foram
implementadas como a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino superior em aacutereas
fronteiriccedilas entre elas a Universidade Federal da Fronteira Sul (Santa Catarina)
criada em outubro de 2009 a Universidade Federal do Pampa (Rio Grande do Sul)
fundada em janeiro de 2008 a Universidade Federal de Grande Dourados (Mato
Grosso do Sul) fundada em agosto de 2005 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo
Latino-Americana (Paranaacute) criada em janeiro de 2010 e a Universidade da
Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira tambeacutem criada em 2010 Esta
uacuteltima que conforme o nome sugere orienta-se para o desenvolvimento cientiacutefico
educacional e cultural da Ameacuterica Latina No acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica temos o
Programa Escola Intercultural Biliacutenguumle de iniciativa do Mercosul que objetiva a
integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo biliacutengue em escolas puacuteblicas do ensino
fundamental presentes em cidades da faixa de fronteira
Nesse sentido ainda que as estrateacutegias dessas instituiccedilotildees estejam
relacionadas ao projeto de integraccedilatildeo na regiatildeo de faixa de fronteira a presenccedila de
instituiccedilotildees de ensino superior contribui para o desenvolvimento de pesquisas
criaccedilatildeo de projetos e programas tanto no acircmbito nacional com as cidades e as
instituiccedilotildees locais como no acircmbito internacional em parceira com instituiccedilotildees dos
paiacuteses com as quais essas instituiccedilotildees fazem fronteira Isso por consequecircncia
pode contribuir para debates e mudanccedilas na educaccedilatildeo nas escolas de fronteira
No que confere agrave obrigatoriedade do ensino de espanhol algumas pesquisas
sobre sua implementaccedilatildeo identificaram algumas fragilidades Nos resultados
88
parciais da pesquisa de doutorado sobre o ensino do espanhol no Brasil realizada
por Maria Fernanda Lisboa (2011) a autora identificou que o discurso de integraccedilatildeo
linguiacutestico-cultural que justifica a lei ldquoeacute apenas uma fachada para desviar a atenccedilatildeo
dos reais interesses por traacutes dessa poliacutetica natildeo soacute linguumliacutesticardquo (LISBOA 2011 p
213) A autora faz referecircncia aos interesses da Espanha que estaacute agrave frente dessa
poliacutetica ldquoinvestindo em assessorias linguumliacutesticas na criaccedilatildeo de vaacuterias sedes do
Instituto Cervantes e ainda disseminando cursos de capacitaccedilatildeo para professoresrdquo
(LISBOA 2011 p 213) Estes cursos satildeo vistos pelas associaccedilotildees de professores
pelos formadores de professores e por Universidades de modo negativo Na
avaliaccedilatildeo daqueles que satildeo contraacuterios a essas formaccedilotildees encontra-se a duacutevida na
real qualidade da mesma visto que eacute um curso inteiramente agrave distacircncia sem
maiores reflexotildees relacionados agrave metodologia
Aleacutem disso haacute outras questotildees como a demanda de professores oferta de
materiais didaacuteticos interesse por parte dos alunos que satildeo desafios a serem
superados nesse processo de implementaccedilatildeo Entretanto mesmo diante das
contradiccedilotildees e lacunas que a sua obrigatoriedade significou a lei que completou dez
anos de sua criaccedilatildeo e cinco do prazo final para sua execuccedilatildeo nas escolas em 2015
abre possibilidades para maiores discussotildees e provocaccedilotildees se pensarmos a partir
da integraccedilatildeo dos paiacuteses fronteiriccedilos ou mesmo em niacutevel de poliacuteticas linguumliacutesticas
para essa regiatildeo Afinal conforme Marcuschi (2005) ldquonatildeo se pode reduzir a
linguagem ao seu papel de ferramenta social tampouco reduzi-la ao caraacuteter formal
pois liacutengua natildeo eacute forma nem funccedilatildeo e sim atividade significante e constitutivardquo
(MARCUSCHI 2005 p 3)
Em 2003 foi criada a lei 1063903 que tornou obrigatoacuteria a inclusatildeo do ensino
da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-Brasileira nos curriacuteculos dos estabelecimentos
de ensino puacuteblicos e particulares da educaccedilatildeo baacutesica E em 2008 foi criada a lei
1164508 que acrescenta o estudo da histoacuteria e cultura indiacutegena nas escolas
puacuteblicas e privadas da educaccedilatildeo baacutesica
1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere este artigo incluiraacute diversos aspectos da histoacuteria e da cultura que caracterizam a formaccedilatildeo da populaccedilatildeo brasileira a partir desses dois grupos eacutetnicos tais como o estudo da histoacuteria da Aacutefrica e dos africanos a luta dos negros e dos povos indiacutegenas no Brasil a cultura negra e indiacutegena brasileira e o negro e o iacutendio na formaccedilatildeo da sociedade
89
nacional resgatando as suas contribuiccedilotildees nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinentes agrave histoacuteria do Brasil sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira e dos povos indiacutegenas brasileiros seratildeo ministrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de educaccedilatildeo artiacutestica e de literatura e histoacuteria brasileira (BRASIL 2008)
No acircmbito estadual o Paranaacute emitiu a seguinte nota sobre a obrigatoriedade
da lei 1063903
No curriacuteculo oficial da Rede de Educaccedilatildeo do Paranaacute a obrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e seus desencadeamentos tem efetivado accedilotildees para a formaccedilatildeo das equipes multidisciplinares nos Nuacutecleos Regionais de Educaccedilatildeo e nas escolas A medida eacute um dos objetivos para valorizar a histoacuteria da populaccedilatildeo negra no Estado do Paranaacute e orientar a comunidade escolar para o enfrentamento do preconceito da discriminaccedilatildeo do racismo (SEED 2013)
Assim a fim de atender tanto a lei 1063903 quanto a 1164508 a Secretaria
Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute instituiu as Equipes Multidisciplinares validadas
pelo artigo 26 da LDB Lei nordm 939496 pela Deliberaccedilatildeo nordm 0406 CEEPR pela
Instruccedilatildeo nordm 01706 SUEDSEED pela Resoluccedilatildeo nordm 339910 SEEDSEED e a
Instruccedilatildeo nordm 0101 SUESSEED As equipes multidisciplinares satildeo compostas por
professores de diferentes aacutereas pedagogos diretores e agentes educacionais e
representantes da comunidade externa (pais movimentos sociais professores do
ensino superior representantes das Comunidades Remanescentes de Quilombos
lideranccedilas indiacutegenas dentre outros)
A equipe se encontra em espaccedilos para debater estrateacutegias e desenvolver
accedilotildees pedagoacutegicas que fortaleccedilam a implementaccedilatildeo das leis 1063903 e 1164508
no curriacuteculo escolar das instituiccedilotildees de ensino da rede puacuteblica estadual e escolas
conveniadas do Paranaacute Com isso nota-se a preocupaccedilatildeo em cumprir a legislaccedilatildeo
sendo uma das accedilotildees a criaccedilatildeo da Equipe Multidisciplinar que deixa claro que o
trabalho da equipe eacute destinado ao ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e
indiacutegena nas escolas estaduais paranaenses conforme as atribuiccedilotildees presentes na
Instruccedilatildeo Nordm 0102010 ndash SUEDSEE da qual destacam
Compete agrave Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo ndash SEED 1Garantir que todos os NREs e estabelecimentos de ensino na Rede Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute organizem suas Equipes Multidisciplinares para tratar da Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-
90
Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afrobrasileira Africana e Indiacutegena Compete agrave Equipe Multidisciplinar do Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
1Orientar e acompanhar o funcionamento e organizaccedilatildeo das Equipe Multidisciplinares dos estabelecimentos da Rede Estadual de Ensino para a efetivaccedilatildeo de accedilotildeesexperiecircncias em ERER subsidiando os profissionais da educaccedilatildeo em consonacircncia com as poliacuteticas puacuteblicas estabelecidas pela Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo 2Promover accedilotildees voltadas agrave formaccedilatildeo continuada e de pesquisa dos teacutecnicos do NRE sobre o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro brasileira Africana e Indiacutegena (SEED 2010)
Ao longo do documento natildeo haacute referecircncias que indiquem que o professor
deva trabalhar com outros temas referentes agrave diversidade Contudo a criaccedilatildeo da
equipe multidisciplinar eacute um exemplo de uma poliacutetica educativa criada para o
cumprimento da legislaccedilatildeo Com isso vem o seguinte questionamento no caso dos
desafios enfrentados pelas escolas e professores situados em regiatildeo de fronteira a
obrigatoriedade para demandas especiacuteficas dessas escolas teria um caminho
possiacutevel (deliberaccedilotildees especiacuteficas para as documentaccedilotildees dos alunos
estrangeiros a obrigatoriedade do ensino da histoacuteria da cultura dos paiacuteses com os
quais a cidade fronteiriccedila faz parte formaccedilatildeo de professores especiacuteficas em cidade
ou regiotildees como Foz do Iguaccedilu que apresenta uma quantidade expressiva de
estrangeiras nesse caso os aacuterabes a proposta de poliacuteticas linguumliacutesticas especiacuteficas
que facilitem o processo de inserccedilatildeo desses alunos em sala de aula etc)
Essas questotildees surgiram agrave medida que se tornou possiacutevel perceber que
quando um tema eacute reconhecido pelo Estado tem-se a impressatildeo de que ele passa a
existir oficialmente nas escolas e nas outras instituiccedilotildees Por exemplo a lei
1063903 discute a temaacutetica da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e possui dentre
outros objetivos o combate ao racismo Essa discussatildeo poreacutem sempre esteve
presente nas escolas pois a luta contra o racismo e discriminaccedilatildeo racial comeccedilou
ainda no periacuteodo escravocrata pelos primeiros movimentos de resistecircncia a citar os
quilombos
Desse modo natildeo eacute novidade o enfrentamento com o racismo nem eacute
novidade que os negros ficaram excluiacutedos da histoacuteria nacional e desde entatildeo
buscam a afirmaccedilatildeo de sua identidade Denota-se que satildeo questotildees que natildeo
passam despercebidas pela escola mas para que chegasse ateacute ela necessitou de
dispositivos legais para que fossem discutidas em sala de aula com o respaldo do
91
Estado Esses respaldos seriam accedilotildees criadas para dar condiccedilotildees de
implementaccedilatildeo agrave lei como a criaccedilatildeo em 2004 da Secretaria de Educaccedilatildeo
Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECAD) com a finalidade de articular o
tema da diversidade nas poliacuteticas educacionais Tambeacutem foram criados alguns
programas e projetos Programa Diversidade na Universidade (2002 a 2007) os
Foacuteruns Estaduais e Foacuteruns Permanentes de Educaccedilatildeo e Diversidade Eacutetnico-Racial
a distribuiccedilatildeo do Kit didaacutetico-pedagoacutegico a Oficina Cartograacutefica sobre Geografia
Afro-brasileira e Africana (2005) o Projeto Educadores pela Diversidade
(20042005) o Curso Educaccedilatildeo e Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais (2005) a Pesquisa
Nacional Diversidade nas Escolas (2006 a 2009) dentre outros (GOMES 2010)
Tudo isto foi possiacutevel explica Gomes (2010) devido ao longo processo de
lutas sociais e natildeo a ldquouma daacutediva do Estado pois enquanto uma poliacutetica de accedilatildeo
afirmativa ela ainda eacute vista com muitas reservas pelo ideaacuterio republicano brasileiro
que resiste em equacionar a diversidaderdquo (GOMES 2010 p 9) Diante das
prerrogativas contidas na LDB96 referentes agrave questatildeo da diversidades cultural
observou que elas por si soacute natildeo atingem a fronteira com suas diversidades que
estatildeo nas escolas que devem seguir as suas normas que por sua vez seguem uma
linha de poliacuteticas universalistas
342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
Os Paracircmetros Curriculares Nacionais foram publicados apoacutes a
implementaccedilatildeo da Lei de Diretrizes e bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 pela
Secretaria de Educaccedilatildeo do Ensino Fundamental do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do
Desporto O contexto de sua construccedilatildeo ocorreu apoacutes a Conferecircncia Mundial de
Educaccedilatildeo para Todos em Jomtien na Tailacircndia (1990) que teve como resultado
um documento que destaca a necessidade de uma educaccedilatildeo para todos sem
distinccedilatildeo Do compromisso assumido internacionalmente para com a Educaccedilatildeo
somados aos princiacutepios previstos na LDB de 1996 nascem os PCN‟S
Os PCN‟s satildeo um instrumento normativo que nasceu para cumprir o artigo
210 disposto no capiacutetulo III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que institui a fixaccedilatildeo de
ldquoconteuacutedos miacutenimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formaccedilatildeo
baacutesica comum e respeito aos valores culturais e artiacutesticos nacionais e regionaisrdquo
Nasceu tambeacutem no contexto das implementaccedilotildees das poliacuteticas neoliberais o que
92
gerou muitas criacuteticas acerca de seus reais propoacutesitos Contaram com os subsiacutedios
de acordos e documentos elaborados por organismos internacionais tais como a
declaraccedilatildeo Mundial sobre a Educaccedilatildeo para Todos Declaraccedilatildeo de Nova Delhi
Relatoacuterio para a Unesco da Comissatildeo Internacional sobre a Educaccedilatildeo para o seacuteculo
XXI dentre outros acordos e documentos de organismos internacionais
(RODRIGUES 2001)
O processo de elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais conforme o
documento comeccedilou a partir do estudo das
Propostas curriculares de Estados e Municiacutepios brasileiros do diagnoacutestico realizado pela Fundaccedilatildeo Carlos Chagas sobre curriacuteculos oficiais e do contato com informaccedilotildees referentes agraves experiecircncias de outros paiacuteses (BRASIL 1998 p15)
Com base nas orientaccedilotildees presentes no Plano Decenal de Educaccedilatildeo (1993-
2003) de pesquisas internas e externas de dados acerca do desempenho dos
estudantes do ensino fundamental aleacutem das experiecircncias de sala de aula
socializadas em seminaacuterios congressos encontros e publicaccedilotildees foi elaborada a
proposta inicial que passou por um processo de anaacutelise entre os anos de 1995 e
1996 Desta anaacutelise saiacuteram aproximadamente setecentos pareceres sobre a
proposta inicial que serviram de referecircncia para sua redaccedilatildeo final
Os PNC‟s de 1ordf a 4ordf seacuterie foram transformados em 10 livros lanccedilados no dia
15 de outubro de 1997 dia do professor na capital Brasiacutelia Estes dez volumes
apresentam os seguintes conteuacutedos introduccedilatildeo liacutengua portuguesa matemaacutetica
ciecircncias naturais histoacuteria e geografia arte educaccedilatildeo fiacutesica apresentaccedilatildeo dos
temas transversais meio ambiente e sauacutede pluralidade cultural e orientaccedilatildeo sexual
Desse modo estatildeo organizados em um documento introdutoacuterio seis documentos
que tratam das aacutereas de conhecimentos gerais e trecircs volumes referentes aos Temas
Transversais (MOTTA 2005)
Segundo o documento elaborado em 1997 com o objetivo de introduzir os
PCN‟s ao professor sua funccedilatildeo eacute de
() orientar e garantir a coerecircncia dos investimentos no sistema educacional socializando discussotildees pesquisas e recomendaccedilotildees subsidiando a participaccedilatildeo de teacutecnicos e professores brasileiros principalmente daqueles que se encontram mais isolados com
93
menor contato com a produccedilatildeo pedagoacutegica atual (BRASIL 1997 p13)
Trata-se portanto natildeo de um curriacuteculo mas de um suporte para que a escola
possa elaborar seu programa curricular dentro de sua realidade especiacutefica Os
PCN‟s estatildeo organizados em dois grupos 1) composto por aacutereas tradicionais
(Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias Naturais Educaccedilatildeo Fiacutesica
Liacutengua Estrangeira e Arte) 2) composto pelos temas transversais que vai tratar das
seguintes questotildees Eacutetica do Meio Ambiente da Pluralidade Cultural da Sauacutede da
Orientaccedilatildeo Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL 1998 p17) A justificativa
para a escolha de tais temaacuteticas pauta-se no fato de serem assuntos urgentes e que
fazem parte das preocupaccedilotildees e do cotidiano da sociedade brasileira
A finalidade uacuteltima dos Temas Transversais se expressa neste criteacuterio que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questotildees que interferem na vida coletiva superar a indiferenccedila e intervir de forma responsaacutevel Assim os temas eleitos em seu conjunto devem possibilitar uma visatildeo ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserccedilatildeo no mundo aleacutem de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participaccedilatildeo social dos alunos (BRASIL 1998 p26)
Por temas transversais compreende-se um conjunto de conteuacutedos que natildeo
ldquoquerendo desbancar os previamente fixados pelas disciplinas acadecircmicas
claacutessicas se apresentam como temas transversais no curriacuteculo e portanto comuns
a todas as aacutereas e disciplinasrdquo (RAMOS 1998 p 2) Neste sentido como explica o
volume 10 dos Paracircmetros Curriculares Nacionais que trata dos temas transversais
os conteuacutedos convencionais devem receber as questotildees dos Temas Transversais
de modo que seus conteuacutedos os explicitem e os objetivos sejam considerados
(BRASIL 1998) Em seguida o documento apresenta o seguinte exemplo para
ilustrar essa transversalidade
() aacuterea de Ciecircncias Naturais inclui a comparaccedilatildeo entre os principais oacutergatildeos e funccedilotildees do aparelho reprodutor masculino e feminino relacionando seu amadurecimento agraves mudanccedilas no corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a puberdade e respeitando as diferenccedilas individuais Dessa forma o estudo do corpo humano natildeo se restringe agrave dimensatildeo bioloacutegica mas coloca esse conhecimento a serviccedilo da compreensatildeo da diferenccedila de gecircnero (conteuacutedo de Orientaccedilatildeo Sexual ) e do respeito agrave diferenccedila (conteuacutedo de Eacutetica) Assim natildeo se trata de que os professores das
94
diferentes aacutereas devam ldquopararrdquo sua programaccedilatildeo para trabalhar os temas mas sim de que explicitem as relaccedilotildees entre ambos e as incluam como conteuacutedos de sua aacuterea articulando a finalidade do estudo escolar com as questotildees sociais possibilitando aos alunos o uso dos conhecimentos escolares em sua vida extra-escolar Natildeo se trata portanto de trabalhaacute-los paralelamente mas de trazer para os conteuacutedos e para a metodologia da aacuterea a perspectiva dos temas
(BRASIL 1998 p27)
Fernanda Motta (2005) explica que as discussotildees sobre os temas
transversais no campo da educaccedilatildeo surgem em um momento onde diversos grupos
sociais politicamente organizados em diferentes paiacuteses comeccedilaram a questionar
qual seria o papel da escola em meio a uma sociedade plural e globalizada e quais
assuntos que deveriam ser tratados na educaccedilatildeo escolar (MOTTA 2005 p20)
Neste sentido continua
Esses grupos comeccedilaram a pressionar os Estados para que incluiacutessem na estrutura curricular escolar temas mais vinculados ao cotidiano da maioria da populaccedilatildeo possibilitando que as disciplinas passassem a se relacionar com a realidade contemporacircnea Parte-se do princiacutepio de que a escola natildeo pode ser vista como uma instituiccedilatildeo isolada Sua accedilatildeo deve ser norteada tomando como paracircmetro a cultura na qual estaacute inserida (MOTTA 2005 p28)
Assim podemos compreender a educaccedilatildeo como um tipo de poliacutetica social
pensada natildeo somente a partir do Estado mas por atores da sociedade civil
As poliacuteticas sociais ndash e a educaccedilatildeo ndash se situam no interior de um tipo particular de Estado Satildeo formas de interferecircncia do Estado visando agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de determinada formaccedilatildeo social Portanto assumem bdquofeiccedilotildees‟ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepccedilotildees de Estado (HOFLING 2001 p31)
343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural
No PCN de nuacutemero dez que trata especificamente dos temas transversais
no capiacutetulo referente agrave pluralidade cultural a justificativa pela pertinecircncia do tema eacute
dada pela diversidade cultural presente no paiacutes
Convivem hoje no territoacuterio nacional cerca de 210 etnias indiacutegenas cada uma co identidade proacutepria e representando riquiacutessima diversidade sociocultural junto a uma imensa populaccedilatildeo formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo numeroso de
95
imigrantes e descendentes de povos de vaacuterios continentes com diferentes tradiccedilotildees culturais e religiosas (BRASIL 1997 p125)
O documento chama atenccedilatildeo para o fato de que essa pluralidade cultural que natildeo
foge agrave realidade das escolas eacute ignorada ou mesmo silenciada sendo inuacutemeras as
justificativas para tal silenciamento Um exemplo citado pelos PCN‟s foi o periacuteodo de
nacionalismo dos governos autoritaacuterios que ldquoem diferentes momentos da histoacuteria
valeu-se da accedilatildeo homogeneizadora veiculada na escolardquo (BRASIL 1997 p125) A
deacutecada de 1930 foi um periacuteodo em que a poliacutetica oficial estava preocupada com a
quantidade de imigrantes e buscava formas de fazer com que essa populaccedilatildeo
assimilasse a cultura brasileira Enquanto isso a populaccedilatildeo negra era
marginalizada explica o PCN acerca da pluralidade cultural
O trabalho com o tema transversal propotildee o desenvolvimento das seguintes
capacidades
conhecer a diversidade do patrimocircnio etnocultural brasileiro cultivando atitude de respeito para com pessoas e grupos que a compotildeem reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indiviacuteduos e elemento de fortalecimento da democracia
compreender a memoacuteria como construccedilatildeo conjunta elaborada como tarefa de cada um e de todos que contribui para a percepccedilatildeo do campo de possibilidades individuais coletivas comunitaacuterias e nacionais
valorizar as diversas culturas presentes na constituiccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo reconhecendo sua contribuiccedilatildeo no processo de constituiccedilatildeo da identidade brasileira
reconhecer as qualidades da proacutepria cultura valorando-as criticamente enriquecendo a vivecircncia de cidadania
desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminaccedilatildeo
repudiar toda discriminaccedilatildeo baseada em diferenccedilas de raccedilaetnia classe social crenccedila religiosa sexo e outras caracteriacutesticas individuais ou sociais
exigir respeito para si e para o outro denunciando qualquer atitude de discriminaccedilatildeo que sofra ou qualquer violaccedilatildeo dos direitos de crianccedila e cidadatildeo
valorizar o conviacutevio paciacutefico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural
compreender a desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passiacutevel de mudanccedilas
analisar com discernimento as atitudes e situaccedilotildees fomentadoras de todo tipo de discriminaccedilatildeo e injusticcedila social (BRASIL1998p147)
96
Diante dessas capacidades apresentadas pelo PCN eacute possiacutevel perceber que
o documento natildeo aborda especificamente a questatildeo da diversidade em regiatildeo de
fronteira internacional pois trata-se de orientaccedilotildees a serem desenvolvidas em todas
as escolas do paiacutes e natildeo em determinada regiatildeo especiacutefica cabendo entatildeo agrave
instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias conforme o contexto no qual
estaacute inserida
Eacute importante lembrar que o estreito viacutenculo entre os conteuacutedos selecionados e a realidade local a partir mesmo das caracteriacutesticas culturais locais faz com que este trabalho possa incluir e valorizar questotildees da comunidade imediata agrave escola Contudo a proposta levanta tambeacutem a necessidade de referenciais culturais voltados para a pluralidade caracteriacutestica do Brasil como forma de compreender a complexidade do paiacutes bem como de ampliar horizontes para o trabalho da escola como um todo Lembra-se ainda que os conteuacutedos aqui definidos destinam-se ao trabalho com o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental (BRASIL 1998 p148)
Em uma primeira leitura os temas transversais para a pluralidade cultural
conseguem abordar as principais pautas que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a
LDB96 estabelecem ao propor um ensino que valorize e incorpore o debate da
diversidade cultural na escolas mas que se apresentaram de modo muito superficial
e ao mesmo tempo amplo
Dentre algumas consideraccedilotildees acerca dos PCN‟S encontra-se a do professor
Antocircnio Cunha que na ocasiatildeo do lanccedilamento dos documentos questionou-os em
relaccedilatildeo ao o seu processo de elaboraccedilatildeo uma vez que o governo preferiu criar
propostas novas para os PCN‟s desconsiderando totalmente as anteriores
Em vez de se partir das propostas curriculares existentes para se chegar aos PCN‟s o que se fez foi apresentar aos estupefactos assistentes os paracircmetros jaacute elaborados Esse procedimento insoacutelito serviu para desestimular docentes e pesquisadores a darem seu parecer sobre os documentos quando solicitados pela Secretaria do Ensino Fundamental Parece que mais uma vez a administraccedilatildeo puacuteblica tem da pesquisa uma visatildeo apenas justificatoacuteria das opccedilotildees tomadas pelos dirigentes quando natildeo de algo apresentado tatildeo-somente para efeito propagandiacutestico (CUNHA 1996 p61)
Deste modo algumas das criacuteticas direcionadas aos PCN‟s encontram-se em
sua concepccedilatildeo O Parecer da Agecircncia Nacional dos Geoacutegrafos Brasileiros (AGB)
em consonacircncia com a posiccedilatildeo da Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria (ANPUH)
97
realizado a pedido Secretaria do Ensino Fundamental do MEC na ocasiatildeo de seu
processo de elaboraccedilatildeo deu a seguinte resposta
Os bdquoParacircmetros‟ apresentam-se hoje como um retrocesso Apresentam-se organizados de forma semelhante aos antigos Guias Curriculares divididos em objetivos conteuacutedos avaliaccedilatildeo orientaccedilotildees didaacuteticas (em lugar das estrateacutegias) Apoacutes uma tentativa de explicitaccedilatildeo de conteuacutedos elenca-se para cada ciclo uma lista que pretende sintetizaacute-los Mesmo que no documento introdutoacuterio e nos documentos de aacuterea apareccedila registrada a natildeo intencionalidade da parte do MEC no sentido da obrigatoriedade de conteuacutedos determinados a real intenccedilatildeo jaacute patente a partir da escolha do termo bdquoparacircmetros‟ e a forma da organizaccedilatildeo dos mesmos eacute de molde a constituir em modelos uacutenicos a serem popularizadas e vulgarizadas em novos manuais didaacuteticos ()- O documento intitulado bdquoTemas Transversais‟ homogeneizar para a totalidade do paiacutes a definiccedilatildeo de bdquoconviacutevio social e eacutetica‟ meio ambiente e sauacutederdquo(AGB 1996p 62)
No parecer dos geoacutegrafos a construccedilatildeo de modelos uacutenicos e vulgarizados
bem como a tentativa de universalizar temas como a de conviacutevio social e eacutetico para
todo o paiacutes satildeo objetos de criacuteticas na medida em que a reflexatildeo sobre pluralidade
que haacute no paiacutes deve-se primeiramente ao seguinte questionamento destes temas
transversais - e em destaque o que trata da pluralidade cultural - quando adentra
em realidades como a de Foz do Iguaccedilu satildeo passiacuteveis de considerar as condiccedilotildees
locais Na mesma perspectiva Calllai (1997) fez o seguinte questionamento e
reflexatildeo
Os temas transversais propostos de certa forma homogeinizam tanto os problemas como o curriacuteculo a niacutevel nacional Eacute possiacutevel articular-se questotildees como pluralidade cultural exclusatildeo social e proposiccedilatildeo uacutenica de curriacuteculo As desigualdades sociais satildeo tambeacutem regionalizadas e como tal diferenciadas na sua expressatildeo localizada E eacute no local que o sujeito encara os problemas do seu cotidiano embora eles sejam o mais das vezes globais Poreacutem o global estaacute concretizado no lugar em que se vive e como tal eacute a partir daiacute que se precisa consideraacute-lo (CALLAI 1997 p 10)
Por outro lado aqueles (SILVEIRA MARQUES 2004) que vecircem os Temas
Transversais como uma novidade facilitadora para que haja debates em sala sobre
cultura diversidade e voltada para a interculturalidade possuem a consciecircncia de
que haacute alguma dificuldades seja pela falta de bibliografia pelas poucas experiecircncias
desenvolvidas e ateacute mesmo pela falta de formaccedilatildeo adequada de professores
Para que o trabalho com os temas transversais seja de fato efetivo torna-se
necessaacuterio a construccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica que envolva toda a
98
comunidade escolar Eacute necessaacuterio considerar que os temas ultrapassem os muros
da escola incluindo o contexto social envolvente Com relaccedilatildeo aos PCN‟s ainda que
haja criacuteticas referentes agrave sua elaboraccedilatildeo ainda que eles tendam agrave homogeneizaccedilatildeo
e por isso apresentem certa incoerecircncia teoacuterica a problemaacutetica maior eacute se esse
documento por meio dos temas transversais conseguiu inserir o debate sobre a
diversidade na comunidade escolar e como esse debate foi inserido
De modo geral os PCN‟s representam um avanccedilo no modo como trata do
tema pluralidade cultural No entanto as anaacutelises demonstraram que as tendecircncias
agrave homogeneizaccedilatildeo do curriacuteculo nacional ficam impliacutecitas no documento logo ele
recai em contradiccedilotildees pois reconhece a diversidade que existe no paiacutes mas insiste
em direcionar o trabalho da pluralidade a grupos especiacuteficos Neste caso negros e
indiacutegenas natildeo alcanccedilando realidades como a fronteiriccedila Assim acaba por deixar
de lado outros grupos
344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEE-PR) de 2015 eacute fruto de um
processo que tem iniacutecio na Constituiccedilatildeo de 1988 que por meio do Art 22 inciso
XXIV estabelecia a elaboraccedilatildeo de uma Nova Lei de Diretrizes e Bases para
Educaccedilatildeo Sendo entatildeo criada em 1996 a LDB96 que delegou para estados
municiacutepios Uniatildeo e Distrito Federal ldquoaos entes federados fica a responsabilidade de
garantir os meios necessaacuterios para o acesso e permanecircncia de todos agrave educaccedilatildeo
puacuteblica e gratuitardquo (BRASIL 2014a)
Deste modo conforme o PEE-PR do Paranaacute a educaccedilatildeo foi estruturada em
planos decenais com o objetivo de
Articular o sistema nacional de educaccedilatildeo em regime de colaboraccedilatildeo e definir diretrizes objetivos metas e estrateacutegias de implementaccedilatildeo para assegurar a manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino em seus diversos niacuteveis etapas e modalidades por meio de accedilotildees integradas dos poderes puacuteblicos das diferentes esferas federativas (BRASIL 2014a p 15 apud PEE-PR 2015 p23)
As primeiras discussotildees do PNE comeccedilaram nas Conferecircncias Brasileiras de
Educaccedilatildeo (CBEs) nas deacutecadas de 1980 e 1990 Posteriormente estas conferecircncias
99
foram dando lugar para os Seminaacuterios Brasileiros de Educaccedilatildeo e as Conferecircncias
Nacionais de Educaccedilatildeo datadas da deacutecada de 1920 (PEE-PR 2015 p24) As
CBEs entre os anos de 1996 e 2004 foram substituiacutedas pelos Congressos
Nacionais de Educaccedilatildeo (Coned)(PARANAacute 2015)
O Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) foi aprovado pela primeira vez em 2001
pelo Congresso Nacional Brasileiro Em 2009 foi estabelecida a Conferecircncia
Nacional de Educaccedilatildeo (Conae) sendo um de seus objetivos o de mobilizar os
diversos setores da educaccedilatildeo brasileira a elaborarem um PNE correspondente ao
periacuteodo de 2011-2020 Assim apoacutes quatro anos de debates e de reelaboraccedilatildeo do
PNE a Lei Federal nordm 13005 de junho de 2014 instituiu o novo Plano composto
por 14 artigos e um anexo contendo 20 metas e estrateacutegias nacionais a serem
atingidas no periacuteodo de dez anos (PEE-PR 2015)
O documento base do PEE-PR na introduccedilatildeo apresenta as caracteriacutesticas
gerais da populaccedilatildeo paranaense Nela eacute destacada a presenccedila de diversas etnias e
nacionalidades que fazem parte da histoacuteria do estado e dada essa presenccedila a
educaccedilatildeo eacute uma instacircncia automaticamente atingida por essa diversidade
A populaccedilatildeo eacute formada por descendentes de povos europeus africanos ameriacutendios e indiacutegenas das etnias Guarani Kaingang e Xetaacute e por imigrantes procedentes principalmente dos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Satildeo Paulo e Minas Gerais () Dessa forma esses grupos participaram na construccedilatildeo da cultura paranaense e muitos costumes oriundos dessas diferentes etnias ainda satildeo preservados em determinadas comunidades e se refletem na educaccedilatildeo paranaense (PEE-PR2015p 26)
Refletindo sobre estas caracteriacutesticas e atendendo agraves leis nordm 1063908 e
1164508 sobre a obrigatoriedade do ensino de histoacuteria e cultura afro-brasileira
africana e indiacutegena no curriacuteculo oficial dos estabelecimentos de ensino puacuteblico o
plano base possui as seguintes estrateacutegias
13 Orientar as instituiccedilotildees educacionais que atendem crianccedilas de zero a cinco anos a agregarem ou ampliarem em suas praacuteticas pedagoacutegicas cotidianas accedilotildees que visem ao enfrentamento da violecircncia sexual e a outros tipos de violecircncia agrave inclusatildeo e ao respeito agraves diversidades de toda ordem gecircnero eacutetnico-racial religiatildeo entre outros agrave promoccedilatildeo da sauacutede e dos cuidados agrave convivecircncia escolar saudaacutevel e ao estreitamento da relaccedilatildeo famiacutelia-crianccedila-instituiccedilatildeo ()18 Estabelecer programas em parceria com os municiacutepios para a oferta da educaccedilatildeo inclusiva nas comunidades indiacutegenas
100
quilombolas do campo e ciganas de acordo com suas especificidades (PEE-PR 2015 p64)
Conforme a finalidade no Plano este estabelece metas e estrateacutegias a serem
implementadas e consonacircncia com o Art8ordm contido no plano de educaccedilatildeo que
estabeleceu as seguintes estrateacutegias
I - asseguram a articulaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais particularmente as culturais II - consideram as necessidades especiacuteficas das populaccedilotildees do campo e das comunidades indiacutegenas quilombolas e demais grupos sociais singulares asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural (PEE-PR 2015 p2)
Chama atenccedilatildeo a especificidade do artigo oitavo que visa agrave articulaccedilatildeo das
poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais destacando principalmente a
questatildeo cultural Ao pensar nas particularidades educacionais encontradas em
regiotildees de fronteira internacional em Foz do Iguaccedilu onde a presenccedila de alunos
oriundos de outros paiacuteses eacute comum nas escolas seria pertinente que o tema
diversidade fosse ampliado Por exemplo no caso da presenccedila de alunos aacuterabes
(principalmente libaneses siacuterios e palestinos) nas escolas as diferenccedilas
manifestadas natildeo satildeo apenas linguiacutesticas Neste caso abarca tambeacutem a religiatildeo
(predominante o islatilde) os haacutebitos costumes vestuaacuterio alimentaccedilatildeo etc Neste
sentido propor poliacuteticas puacuteblicas que possibilitem a inclusatildeo desses alunos e natildeo a
exclusatildeo ou a desconsideraccedilatildeo das origens deste aluno eacute sem duacutevidas um grande
desafio
345 O Curriacuteculo da AMOP
Reduzindo o campo de anaacutelise da poliacutetica educativa para a regiatildeo oeste do
Paranaacute onde estaacute localizada a cidade de Foz do Iguaccedilu encontramos o curriacuteculo
baacutesico da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do oeste do Paranaacute (AMOP) que na
introduccedilatildeo do documento baacutesico afirma que houve uma confusatildeo por parte das
escolas municipais que ao implementarem os PCN‟s nas escolas natildeo o utilizaram
como um paracircmetro Muitas o adotaram como curriacuteculo ou tornaram sua proposta
pedagoacutegica como ecleacutetica Assim os educadores da regiatildeo Oeste do Paranaacute
101
sentiram a necessidade de se rediscutir o curriacuteculo Para tal adotaram a seguinte
metodologia
Inicialmente a metodologia adotada nos colocou limites que avaliada apontou para uma nova organizaccedilatildeo Reorganizado um cronograma de trabalho coletivamente com as redes municipais de Ensino chegamos a este documento que eacute resultado de dois anos de intensos estudos de reflexotildees de embates teoacutericos de sistematizaccedilotildees de leituras de discussotildees e de anaacutelises do coletivo dos educadores os quais respeitando o movimento proacuteprio de cada rede e por sua vez de cada escola partiram de contribuiccedilotildees teoacutericas de alguns autores das experiecircncias e compreensotildees do que jaacute se fez ou se faz em nossas escolas (AMOP 2007 p07)
Os trabalhos para elaboraccedilatildeo de diretrizes curriculares para o oeste
paranaense comeccedilaram em 2005 juntamente com secretaacuterios municipais de
educaccedilatildeo do Oeste do Paranaacute Na primeira etapa foram organizados grupos de
trabalho para elaboraccedilatildeo de propostas para as disciplinas de Liacutengua
PortuguesaAlfabetizaccedilatildeo Matemaacutetica Histoacuteria Geografia e Ciecircncias Assim as
atividades comeccedilaram a partir de seminaacuterio com representantes das equipes de
ensino das secretarias municipais de educaccedilatildeo
No qual se discutiu sobre a concepccedilatildeo de homem de sociedade de conhecimento e sobre a funccedilatildeo da escola Participaram do evento aproximadamente 380 representantes (AMOP 2007 p25)
Os trabalhos seguiram no decorrer do ano de 2005 mediante reuniotildees dos
grupos junto aos profissionais da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo (SEED) que
atuaram na elaboraccedilatildeo das diretrizes para as escolas estaduais do Paranaacute O
Departamento Pedagoacutegico da AMOP integrou-se ao grupo como tambeacutem os
educadores da educaccedilatildeo baacutesica e instituiccedilotildees de ensino superior Posteriormente
abriram-se as discussotildees para toda regiatildeo a fim de compreender as primeiras
impressotildees da versatildeo preliminar do documento
A partir desse processo houve a reelaboraccedilatildeo desse documento que reelaborado a partir das contribuiccedilotildees dos educadores dos municiacutepios envolvidos tornou-se o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo do curriacuteculo A construccedilatildeo do curriacuteculo foi feita por meio de um processo que desencadeou discussotildees preacutevias com os representantes dos municiacutepios sistematizaccedilatildeo dessas discussotildees por um grupo menor discussatildeo e anaacutelise dessa sistematizaccedilatildeo pelo conjunto de educadores de cada municiacutepio que tinha suas
102
contribuiccedilotildees registradas pelos seus representantes (AMOP 2007 p26)
A partir de entatildeo elaborado o curriacuteculo no que confere agraves questotildees da
diversidade a partir da realidade em Foz do Iguaccedilu foram identificados nas
diretrizes propostas para o ensino de Geografia e Histoacuteria componentes que
trabalham com a questatildeo da diversidade nas escolas Os conteuacutedos referentes ao
ensino da Geografia estatildeo nas seguintes proposiccedilotildees para o 5ordm ano
Caracteriacutesticas sociais ndash diversidades eacutetnicas e culturais do Paranaacute
Movimentos da populaccedilatildeo paranaense crescimento da populaccedilatildeo
Divisatildeo poliacutetica (formaccedilatildeo do conceito de distritomuniciacutepioestadopaiacutes)
A industrializaccedilatildeo e o crescimento urbano do Paranaacute ndash malha urbana
Tracircnsito - circulaccedilatildeo no estado ndash ligaccedilatildeo rodoviaacuteria ferroviaacuteria aeacuterea - vias pedagiadas ndash Fiscalizaccedilatildeo Poliacutecia Rodoviaacuteria e pesagem
Organizaccedilatildeo dos espaccedilos urbanos ndash problemas urbanos - centro e periferia Impostos e taxas pagamentos que financiam a infra-estrutura dos bens puacuteblicos (AMOPE 2007 p252-253)
Sobre os conteuacutedos propostos no AMOP (2007) o ensino de geografia propotildee que
as diversidades eacutetnicas e culturais presentes no Paranaacute sejam parte do conteuacutedo a
ser desenvolvido em sala de aula Tambeacutem a histoacuteria dos processos migratoacuterios
para o estado e a presenccedila dos diferentes grupos eacutetnicos que formam parte da
histoacuteria de formaccedilatildeo do Paranaacute (AMOP 2007)
Neste sentido a proposta da AMOP se aproxima da LDB96 e dos proacuteprios
PCN‟s que tratam da diversidade cultural com a diferenccedila de que ele eacute destinado
para a rede municipal de educaccedilatildeo do Oeste paranaense Nesta perspectiva haacute um
vieacutes positivo na medida em que delimita o oeste paranaense adotando o enfoque da
diversidade eacutetnico-racial o que permite maior aproximaccedilatildeo com a realidade do
aluno
103
346 Algumas consideraccedilotildees
Diante do exposto considerando os documentos analisados percebe-se que
haacute uma induccedilatildeo clara para que o trabalho pedagoacutegico com a temaacutetica da
diversidade esteja fundada na noccedilatildeo29 presente na Constituiccedilatildeo de 1988 de que o
Brasil sendo formado por trecircs raccedilas - o iacutendio o branco e o negro- deve considerar
essas e reconhececirc-las nos espaccedilos educacionais A LDB96 reafirma esses
propoacutesitos no artigo 26 Os PCN‟spor sua vez se adequa a LDB06 principalmente
com a criaccedilatildeo dos Temas Transversais
No plano estadual as poliacuteticas educacionais para diversidade natildeo ficam
distantes das propostas em niacutevel nacional pois devem obrigatoriamente seguir os
componentes das diretrizes nacionais Desse modo natildeo foi evidenciado nessas
poliacuteticas mecanismos que subsidiassem as escolas presentes em fronteira neste
caso Foz do Iguaccedilu com estrateacutegias para criar programas e projetos para a
diversidade Do mesmo modo podemos falar dos planos nacionais e estaduais de
educaccedilatildeo Por mais que enfatizem o trabalho pedagoacutegico conforme a realidade
local eles natildeo deixam de pensar no nacional Outro problema eacute a imposiccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas e os PCN‟s satildeo um exemplo de uma proposta vertical assim
como inuacutemeros projetos que chegam agrave escola sem uma preacutevia discussatildeo com as
bases que seriam as comunidades escolares
Desse modo o que pode ser feito nas escolas eacute uma adaptaccedilatildeo agrave realidade
local Todas essas poliacuteticas educativas chegam agrave regiatildeo da fronteira mas natildeo
atingem suas especificidades Por especificidades recordamos tratar-se da
presenccedila dos alunos estrangeiros nas escolas de Foz do Iguaccedilu a saber
paraguaios argentinos e brasiguaios que satildeo grupos que fizeram e fazem parte da
histoacuteria da cidade desde o seu iniacutecio mas ao mesmo tempo natildeo satildeo preocupaccedilatildeo
do Estado brasileiro devendo ser uma preocupaccedilatildeo de seus Estados Nacionais
Nesta loacutegica as escolas da regiatildeo natildeo foram criadas a partir da realidade
fronteiriccedila O multilinguismo eacute desconsiderado O Estado por meio da legislaccedilatildeo
impotildee o portuguecircs enquanto liacutengua oficial Falar de diversidade eacute possiacutevel desde
29
Pires-Santos e Cavalcanti (2008) definem o monolinguismo como um a adoccedilatildeo de uma
liacutengua homogecircnea pura uma liacutengua para um povo Trata-se na concepccedilatildeo das autoras de um mito ligado a interesses e investida de ideologia e que estaacute relacionado agrave nacionalidade
104
que seja referente aos grupos presentes no territoacuterio brasileiro que foram
historicamente colocados agrave margem da sociedade Logo 1) Seraacute que as nossas
escolas disponibilizam de tempo espaccedilo e interesse para desenvolver trabalhos de
combate ao preconceito contra o paraguaio chamado em momentos de ofensas de
xiru 2) E quanto agrave presenccedila aacuterabe na regiatildeo ela eacute discutida Como eacute a acolhida
destes na escola 3) O professor se sente preparado para lidar com estas questotildees
em sala de aula
Tais perguntas apresentadas acima foram motivadas a partir do pressuposto
de que temos um curriacuteculo nacional com raiacutezes eurocecircntricas conforme Tomaz
Tadeu da Silva (2007 p7) o curriacuteculo natildeo eacute neutro este ldquotransmite visotildees sociais
particulares e interessadas o curriacuteculo produz identidades individuais e sociais
particularesrdquo Por muito tempo a histoacuteria dos negros e indiacutegenas eram abordadas de
modo superficial por outro lado a histoacuteria antiga e recente da Europa sempre se fez
presente em nossos livros didaacuteticos Desconhecemos a Ameacuterica Latina seus povos
e histoacuteria logo desconhecemos os que fazem fronteira com o Brasil Squinelo
(2011) no artigo ldquoRevisotildees Historiograacuteficas A Guerra do Paraguai nos livros
didaacuteticos brasileiros-PNLD 2011rdquo ao analisar a histoacuteria da Guerra da Triacuteplice Alianccedila
presente nos livros didaacuteticos do Brasil aponta que pouco se discute considera a
versatildeo falha tendenciosa e conclui seu artigo com os seguintes questionamentos
Resta-me ainda algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao porquecirc entatildeo estudamos a Guerra do Paraguai na medida em que a) natildeo procuramos entender o sentido para os paiacuteses nela envolvidos b) natildeo buscamos a compreensatildeo de nosso desenvolvimento histoacuterico-soacutecio-cultural e econocircmico c) natildeo realizamos as conexotildees necessaacuterias ao entendimento das questotildees relacionadas ao Mercosul e finalmente d) natildeo propiciamos ao educando a compreensatildeo dos eventos histoacutericos de nosso passado latino-americano o que nos levaria a nos conhecer e a conhecer o outro e tambeacutem responderia muitas questotildees postas em nosso presente (SQUINELO 2011p 36)
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica
educacional para a fronteira
Dentro das poliacuteticas educacionais encontram-se outras variaacuteveis de poliacuteticas
dentre elas a poliacutetica linguiacutestica definida por Oliveira (2004 p38) como ldquoum o
conjunto de decisotildees que um grupo de poder sobretudo um Estado (mas tambeacutem
105
uma Igreja ou outros tipos de instituiccedilotildees de poder menos totalizantes) toma sobre o
lugar e a forma das liacutenguas na sociedade e a implementaccedilatildeo destas decisotildeesrdquo
Para Maher (2013 p 119) as poliacuteticas linguiacutesticas se referem aos objetivos e
agraves intervenccedilotildees que de uma forma ou outra visam ldquoafetarrdquo tanto o modo como as
liacutenguas se constituem quanto os modos como elas satildeo utilizadas eou transmitidas
A autora chama atenccedilatildeo para o equiacutevoco comumente difundido de que as poliacuteticas
lingusticas seriam apenas criadas por meio do governo ldquoPoliacuteticas linguumliacutesticas podem
ser arquitetadas e colocadas em accedilatildeo localmente uma escola ou uma famiacutelia pode
colocar em praacutetica ou estabelecer certa situaccedilatildeo sociolinguumliacutesticardquo (MAHER 2013
p120)
Essa perspectiva vai ao encontro da abordagem30 multicecircntrica ou policecircntrica
de poliacuteticas puacuteblicas que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como
protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas tais como as organizaccedilotildees
natildeo governamentais organizaccedilotildees privadas e organismos (DROS 1971
KOOIMAN 1993 RHODES 1997 HAJER 2003 apud SECCHI 2013) Nessa
premissa o PEIBF se enquadra na visatildeo multicecircntrica dos estudos de poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que foi fruto de acordos bilaterais iniciados pela Argentina e o
Brasil no acircmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira (PEIBF) surgiu
dentro do oacutergatildeo pertencente ao Mercosul denominado Setor Educacional do
Mercosul (SEM) Segundo o documento ldquoEscolas de Fronteirardquo (BRASIL 2008) dos
antecedentes desse projeto encontra-se a oficializaccedilatildeo da criaccedilatildeo do MERCOSUL
em 1991 instituiccedilatildeo intergovernamental que nasceu com a assinatura do Tratado de
Assunccedilatildeo acordados inicialmente entre Argentina Brasil Paraguai e Uruguai
O bloco econocircmico Mercosul apresenta-se em um contexto de globalizaccedilatildeo
da economia O projeto teve como base as negociaccedilotildees entre Brasil e Argentina
30
Dentro das analises de poliacuteticas puacuteblicas Secchi (2013) discorre sobre o noacute conceitual que haacute na
literatura especializada nos estudos de poliacuteticas puacuteblicas Alguns pesquisadores defendem a abordagem estatista que considera as PP analiticamente monopoacutelio de atores estatais Outros a abordagem multicecircntrica que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas
106
para a integraccedilatildeo de suas economias e os resultados positivos dessa integraccedilatildeo
levaram o Paraguai e o Uruguai a fazerem parte do projeto integracionista
O objetivo inicial do Mercosul fora a integraccedilatildeo dos quatros Estados
membros em termos de circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos e de fatores produtivos da
formulaccedilatildeo de poliacutetica comercial comum da afirmaccedilatildeo de uma Tarifa Externa
Comum (TEC) e da busca por poliacuteticas legislativas comum aos paiacuteses membros Em
2012 a Venezuela tornou-se oficialmente mais um paiacutes membro do bloco e a Boliacutevia
caminha para o processo de ordenamento juriacutedico para oficializar sua participaccedilatildeo
Aleacutem disso o mercado comum conta com a participaccedilatildeo de paiacuteses associados
Chile Peru Colocircmbia Equador Guiana e Suriname
No final do seacuteculo passado o Mercosul passava por outro lado por crises do
ponto de vista comercial as dimensotildees poliacutetica sociocultural e educacional foram
ganhando relevacircncia (ALMEIDA 2015) Este periacuteodo de crise refere-se aos
impactos das poliacuteticas neoliberais implantadas na regiatildeo no decorrer das deacutecadas
de 1980 e 1990 O nuacutemero de pessoas em situaccedilatildeo de pobreza passou de 136
milhotildees em 1980 para 222 milhotildees em 2004 (ESTAY 2007) Neste contexto de crise
econocircmica e aumento das desigualdades sociais que foi assinada a ldquoCarta de
Buenos Aires sobre o Compromisso Social no Mercosul Boliacutevia e Chile31rdquo no dia 30
de junho de 2000 A carta reconhece a importacircncia da dimensatildeo sociocultural do
Mercosul
Com a entrada de governos progressistas como a eleiccedilatildeo de Luiacutes Inaacutecio Lula
da Silva em 2003 e de Neacutestor Kircher na Argentina a funccedilatildeo do Mercosul enquanto
bloco meramente de integraccedilatildeo econocircmica foi revista e acrescida pelas dimensotildees
sociais para a integraccedilatildeo regional Desse modo a aacuterea social do Mercosul que
havia sido abordada na ldquoCarta de Buenos Airesrdquo e pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de
Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul foi expandida e
institucionalizada com a criaccedilatildeo do Instituto Mercosul Social (IMS) em 2007
(ALMEIDA 2015)
31
Em junho de 2000 os presidentes aprovaram a Carta de Buenos Aires com o Compromisso
Social no Mercosul Boliacutevia e Chile O documento estimula as autoridades competentes a ldquofortalecer o trabalho conjunto entre os seis paiacuteses assim como o intercacircmbio de experiecircncias e informaccedilotildees a fim de contribuir para a superaccedilatildeo dos problemas sociais mais agudos que os afetam e para definir os temas ou aacutereas onde seja viaacutevel uma accedilatildeo coordenada ou complementar para solucionaacute-los (BRASIL 2007 p25) Dentre as accedilotildees promovidas a partir da Carta encontra-se a criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul instituiacuteda pela Decisatildeo n 612000 do CMC (ALMEIDA 2015p24)
107
A estrutura organizacional do Mercosul eacute composta pelo Conselho Mercado
Comum (CMC) Grupo Mercado Comum Comissatildeo Parlamentar Foro Consultivo
Econocircmico-Social Comissatildeo de Comeacutercio do Mercosul e Secretaria Administrativa
do Mercosul O CMC eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros da
Educaccedilatildeo (RME) principal responsaacutevel pela estrutura do Setor educacional do
Mercosul (SEM) (MERCOSUL EDUCACIONAL 2013) Dentre os objetivos
estrateacutegicos para a educaccedilatildeo do SEM estaacute agrave integraccedilatildeo e formaccedilatildeo de uma
identidade regional Tem como objetivo ser um espaccedilo regional no qual a educaccedilatildeo
seja de qualidade fundada no ldquoconhecimento intercultural o respeito agrave diversidade e
agrave cooperaccedilatildeo solidaacuteriardquo de modo a contribuir para a democratizaccedilatildeo dos sistemas
educacionais da regiatildeo (MERCOSUL 2011 p15) Da missatildeo definida pelo SEM
encontra-se a de
Formar um espaccedilo educacional comum por meio da coordenaccedilatildeo de poliacuteticas que articulem a educaccedilatildeo com o processo de integraccedilatildeo do MERCOSUL estimulando a mobilidade o intercacircmbio e a formaccedilatildeo de uma identidade e cidadania regional com o objetivo de alcanccedilar uma educaccedilatildeo de qualidade para todos com atenccedilatildeo especial aos setores mais vulneraacuteveis em um processo de desenvolvimento com justiccedila social e respeito agrave diversidade cultural dos povos da regiatildeo (MERCOSUL EDUCACIONAL 2011 p10)
No acircmbito do SEM encontra-se o Comitecirc Coordenador Regional cuja funccedilatildeo eacute
propor poliacuteticas de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeo da aacuterea educacional Uma vez
estabelecidas como liacutenguas oficiais do MERCOSUL o espanhol guarani e
portuguecircs coube ao setor educativo do bloco enfatizar em seu plano de accedilatildeo a
necessidade de difundir o ensino de portuguecircs e do espanhol por meio dos
sistemas educativos formais e informais
Como parte desse processo o Setor Educacional do Mercosul ndash SEM aponta nos seus planos de accedilatildeo a necessidade de difundir o aprendizado do portuguecircs e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e natildeo formais considerando como aacutereas prioritaacuterias o fortalecimento da identidade regional levando dessa forma ao conhecimento muacutetuo a uma cultura de integraccedilatildeo e agrave promoccedilatildeo de poliacuteticas regionais de formaccedilatildeo de recursos humanos visando agrave melhoria da qualidade da educaccedilatildeo (BRASIL 2008 p 6)
351 Do processo de elaboraccedilatildeo
Conforme Secchi (2013) a tomada de decisatildeo no momento de se propor uma
poliacutetica puacuteblica eacute uma etapa em que os interesses dos atores satildeo equacionados
108
onde as razotildees de um problema puacuteblico satildeo explicitadas Nessa fase a equipe
bilateral de teacutecnicos e linguistas argentinos e brasileiros foram requeridos para
formular o projeto a fim de atender agraves expectativas dos dois paiacuteses Assim o projeto
proposto pela equipe teve como intuito promover as liacutenguas espanhola e portuguesa
atraveacutes do ensino biliacutengue e atraveacutes de intercacircmbios culturais entre Argentina e
Brasil
352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica
Para O‟Tolle Jr (2003 apud Secchi 2003p55 ) ldquoa fase de implementaccedilatildeo eacute
aquela em que regras rotinas e processos sociais satildeo convertidos de intenccedilotildees em
accedilotildeesrdquo Dos elementos baacutesicos para anaacutelise desse processo encontram-se
() pessoas e organizaccedilotildees com interesses competecircncias e comportamentos variados () tambeacutem fazem parte de processo as relaccedilotildees existentes entre as pessoas as instituiccedilotildees vigentes (regras formais e informais) os recursos financeiros materiais informativos e poliacuteticos (capacidade de influecircncia) (SECCHI 2013 p57)
Nesta perspectiva o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
foi implementado inicialmente em 2005 nas cidades brasileiras de Dioniacutesio
Cerqueira no estado de Santa Catarina e Uruguaiana no Rio Grande do Sul Do
lado argentino as cidades que aderiram ao programa foram Bernado de Irogoyen
em Misiones e Paso de los Libres em Corrientes O programa foi implantado pelo
Governo Federal brasileiro por meio da Coordenaccedilatildeo de Formaccedilatildeo Continuada do
Departamento de Poliacuteticas de Educaccedilatildeo Infantil e do Ensino Fundamental da
Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica32 em conjunto com o Ministeacuterio de la Educaciacuteon
Ciencia y Tecnologia (MEC y T) da Argentina A partir de 2006 o programa
estendeu-se para outras regiotildees de fronteira sendo elas Puerto Iguazuacute em
Misiones e Santo Tomeacute e La Cru e Corrrientes na Argentina e Foz do Iguaccedilu no
Paranaacute e Satildeo Borja e Itaqui no Rio Grande do Sul
Desde o primeiro momento algumas questotildees sobre sua origem foram
criticadas Sagaz (2013) aponta que o MEC natildeo apresentou o PEIBF oficialmente
como um Programa Temaacutetico ou um Projeto proposto e aprovado em Plano Pluri
32
O PEIF eacute de responsabilidade da Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental (COEF) na Diretoria
de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral - (DICEI) da Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica (SEB) no MEC
109
Anual (PPA) Para o autor natildeo era intenccedilatildeo do poder legislativo discutir os
orccedilamentos ldquotampouco eacute uma accedilatildeo de governo no que diz respeito agraves suas
diretrizes poliacuteticas uma vez que o oacutergatildeo competente natildeo solicitou a formalizaccedilatildeo
dos recursos junto ao PPArdquo (SAGAZ 2013 p 43) Isto manteve o PEIBF ateacute 2010
distante da prioridade e discussatildeo por parte do governo se comparado a outros
Programas e Projetos
O processo de implementaccedilatildeo comeccedilou no ano de 2004 com a primeira
reuniatildeo de planejamento No mesmo ano na cidade de Dioniacutesio Cerqueira ocorreu
uma reuniatildeo para instituir o programa na escola eleita Dentre as instituiccedilotildees
presentes encontravam-se o Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em
Poliacutetica Linguiacutestica (IPOL) a 30ordf Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
(GEREI) e o MECyT
A escola brasileira escolhida para a implementaccedilatildeo do projeto foi a Dr
Theodureto Carlos de Faria Souto A escola possui uma localizaccedilatildeo estrateacutegica pois
estaacute a aproximadamente dois quilocircmetros do posto da Receita Federal na fronteira
BrasilArgentina ldquoPode-se ir caminhando da escola ateacute o outro paiacutes sem nenhum
impedimento em relaccedilatildeo agraves vias de acesso e em relaccedilatildeo ao posto alfandegaacuteriordquo
(SAGAZ 2013 p77) Nela ocorreu a primeira reuniatildeo com os pais dos estudantes
em fevereiro de 2005 De acordo com a equipe teacutecnica a implementaccedilatildeo do PEIBF
deveria ser gradual a comeccedilar com a inclusatildeo das seacuteries iniciais do ensino
fundamental no projeto para posteriormente incluir as demais seacuteries A ampliaccedilatildeo
do projeto para todas as seacuteries da educaccedilatildeo baacutesica de uma soacute vez poderia causar
transtornos dada a necessidade de adequaccedilatildeo dos sistemas locais de educaccedilatildeo agrave
sua estrutura (BRASIL 2008)
As seacuteries escolhidas para o projeto foram o primeiro e segundo ano do ensino
fundamental A estrutura operacional e a tentativa de avanccedilar nas seacuteries iniciais do
ensino fundamental para os anos finais segundo a relatoria tornaram-se inviaacuteveis
pela falta de entendimento pedagoacutegico entre Argentina e Brasil (BRASIL 2008) Em
2006 os ministeacuterios dos paiacuteses envolvidos no PEIBF comeccedilaram a formular um
documento com diretrizes para todas as escolas em zonas de fronteiras envolvidas
no projeto intitulado ldquoModelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira a
partir do desenvolvimento de um programa para a educaccedilatildeo intercultural com
ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanholrdquo Em 2012 o documento baacutesico foi
reelaborado contando com a contribuiccedilatildeo do Uruguai e Paraguai O nome do
110
documento passou a ser Modelo de ensentildeanza comuacuten em escuelas de zona de
frontera a partir del desarrollo de un programa para la educacioacuten intercultural com
eacutenfasis em la ensentildeanza de latildes lenguas predominantes en la regioacuten (MERCOSUL
EDUCACIONAL 2014)
Segundo o documento inicial do programa a projeccedilatildeo pretendida era de que
a cada ano fosse ampliado o nuacutemero de turmas envolvidas e que se avanccedilasse para
as proacuteximas seacuteries de modo que os alunos que fazera parte do programa pudesse
adquirir a familiarizaccedilatildeo com a cultura do paiacutes vizinho
O Programa tem por metodologia o intercacircmbio docente e as escolas satildeo as
responsaacuteveis por organizar os quadros dos professores que iratildeo fazer parte das
chamadas escolasespelhos (unidades baacutesicas de trabalho atuando como uma
unidade operacional)
Esta forma permite aos docentes dos paiacuteses envolvidos vivenciarem eles mesmos na sua atuaccedilatildeo e nas suas rotinas semanais praacuteticas de bilinguumlismo e de interculturalidade semelhantes agraves que querem construir com os alunos na medida em que se expotildeem agrave vivecircncia com seus colegas do outro paiacutes e com as crianccedilas das vaacuterias seacuteries com as quais atuam (BRASIL 2008 p21)
353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF
De acordo com Leite e Flexor (2006) a avaliaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica
consiste em verificar os efeitos atribuiacutedos agrave accedilatildeo do governo tendo portanto um
caraacuteter normativo Os autores afirmam que os avaliadores agem em funccedilatildeo de
quadros de referecircncia com valores e normas incluindo a percepccedilatildeo que devem ser
considerados nesse processo
A dificuldade dessa fase reside tambeacutem no fato de que os resultados efetivos satildeo relativamente independentes das expectativas iniciais Aleacutem disso as aspiraccedilotildees podem mudar no decorrer do percurso outros problemas podem surgir os objetivos satildeo geralmente ambiacuteguos e causas externas podem explicar os resultados Em outras palavras natildeo existe causalidade uniacutevoca (LEITE FLEXOR 2006 p 11)
Para Secchi (2013) existem alguns modelos diferenciados de avaliaccedilatildeo Haacute
aquelas que ocorrem anterior agrave implementaccedilatildeo (ex ante) e a avaliaccedilatildeo posterior agrave
implementaccedilatildeo (ex post) Existe tambeacutem a avaliaccedilatildeo que ocorre durante o processo
de implementaccedilatildeo cujo objetivo eacute a busca de ajustes imediatos O referido autor
111
elenca os principais criteacuterios utilizados para avaliaccedilotildees sendo eles economicidade
produtividade eficiecircncia econocircmica eficiecircncia administrativa eficaacutecia e equidade
O documento preliminar -Programa Escolas Biliacutenguumles de Fronteira - Modelo
de ensino comum em escolas de zona de fronteira a partir do desenvolvimento de
um programa para a educaccedilatildeo intercultural com ecircnfase no ensino do portuguecircs e
do espanholrdquo ( MEC y T MEC2008) busca analisar os primeiras experiecircncias do
projeto Nesse sentido trata-se de uma avaliaccedilatildeo que ocorreu durante o processo
de implementaccedilatildeo Dentre as consideraccedilotildees feitas nessa primeira etapa encontram-
se
- Do repertoacuterio linguumliacutestico das crianccedilas Apoacutes alguns meses do estabelecimento do
programa as professoras envolvidas evidenciaram que as crianccedilas argentinas
tinham maior familiaridade com a liacutengua portuguesa enquanto as crianccedilas
brasileiras tiveram dificuldades para assimilar o espanhol
As crianccedilas argentinas jaacute satildeo em algum niacutevel biliacutengues entendem razoavelmente bem a liacutengua portuguesa e muitas a falam com facilidade Isso se deve ao fato de que muitos satildeo descendentes de brasileiros Aleacutem disso tecircm uma maior exposiccedilatildeo agrave liacutengua atraveacutes da miacutedia maior frequecircncia de estadia no Brasil e eventualmente em consequecircncia destes fatores nota-se uma maior disponibilidade da populaccedilatildeo argentina de fronteira para o aprendizado do portuguecircs (MECy T MEC 2008 p 13)
Neste periacuteodo identificou-se uma necessidade de promover uma ldquosensibilizaccedilatildeo
linguumliacutesticardquo de modo que as crianccedilas brasileiras pudessem querer aprender a liacutengua
espanhola Para tal sensibilizaccedilatildeo a praacutetica intercultural eacute fundamental assinala o
documento
Da necessidade de Intercacircmbio entre alunos Verificou-se que aleacutem do
intercacircmbio entre professores houve a demanda por intercacircmbio entre os alunos
No entanto esse processo eacute mais complexo de ser executado haja vista que haacute
empecilhos como a documentaccedilatildeo das crianccedilas para entrada em outro paiacutes As
crianccedilas brasileiras e argentinas soacute podem realizar a travessia com uma
documentaccedilatildeo assinada pelos pais autorizando sua travessia
Da carga horaacuteria das escolas Como satildeo secretarias educacionais e paiacuteses
distintos um modelo uacutenico para sua execuccedilatildeo eacute praticamente improvaacutevel Essa
112
pauta foi discutida na equipe quando foram elaborados trecircs modelos de
organizaccedilatildeo das escolas envolvidas
Escola em Tempo Integral (Jornada Completa) Nesse modelo os alunos
possuem pelo menos dois dias de aula de liacutengua estrangeira e uma carga
horaacuteria total de 6 horas semanais Como a escola eacute de tempo integral os
alunos podem ter outras atividades destinados agrave educaccedilatildeo biliacutengue
Escola em Contra-Turno eacute semelhante agrave escola de Tempo Integral mas
neste caso apenas em um dos turnos haacute o ensino biliacutengue
Escola em Turno Uacutenico em dois dias da semana os trabalhos do programa
escolas biliacutengues satildeo realizados dentro do proacuteprio turno num total de cinco
horas semanais
Entre os modelos apresentados acima o primeiro eacute o da escola Dioniacutesio
Cerqueira e Bernado Yrigoyen o segundo aplica-se a Foz do Iguaccedilu e Puerto
Iguazuacute o terceiro modelo encontra-se presente em Uruguaina Verificou-se que o
trabalho desenvolvido nas escolas de turno uacutenico possui em sua base curricular o
segundo idioma enquanto o trabalho em contra-turno jaacute assimila as atividades do
programa como atividade extra-curricular o que natildeo eacute o objetivo do PEIBF O
melhor turno para se desenvolver o programa eacute o Turno Uacutenico pois natildeo interfere na
rotina da escola nem na estrutura fiacutesica ou mesmo na contrataccedilatildeo de mais
funcionaacuterios ou aumento da carga horaacuteria dos professores envolvidos (BRASIL
2008)
A escola em contra-turno amplia o periacuteodo de permanecircncia do aluno na
instituiccedilatildeo uma estrateacutegia vaacutelida e uacutetil para o processo de aprendizagem do aluno
Conforme o documento de implantaccedilatildeo as experiecircncias aqui expostas somadas
aos debates nas reuniotildees das equipes de trabalho bilaterais e no decorrer dos
encontros de formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo requerem a formulaccedilatildeo de um novo modelo
para o Programa para que se possa refletir e dar respostas as peculiaridades das
escolas interculturais biliacutenguumles (BRASIL 2008)
A partir de 2012 o PEIBF por meio da Portaria nordm 798 de 19 de junho de
2012 do Diaacuterio Oficial da Uniatildeo passou a se chamar Programa Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF)
113
Art 1ordm Fica instituiacutedo o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) com o objetivo de contribuir para a formaccedilatildeo integral de crianccedilas adolescentes e jovens por meio da articulaccedilatildeo de accedilotildees que visem agrave integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo intercultural das escolas puacuteblicas de fronteira alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes meacutetodos processos e conteuacutedos educativos sect 1ordm As Escolas Interculturais de Fronteira satildeo as escolas puacuteblicas Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruiacutedas pelo Modelo de ensino comum de zona de fronteira a partido desenvolvimento de um Programa para a educaccedilatildeo interculturalcom ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanhol da Declaraccedilatildeo Conjunta de Brasiacutelia firmada em 23 de novembro de 2003 pela Argentina e pelo Brasil e do Plano de Accedilatildeo do Setor Educativo do MERCOSUL (BRASIL 2012)
Pela mesma portaria criou-se o documento ldquoMarco Referencial de Desenvolvimento
Curricularrdquo o qual tem como objetivo central apresentar orientaccedilotildees comuns a serem
desenvolvidos pelas escolas envolvidas Entre os eixos organizadores encontram-
se
Eixo 1 - Funcionamento do Programa na escola
a) o envolvimento de toda a escola b) a definiccedilatildeo de metodologias dos projetos de aprendizagem c) a construccedilatildeo do projeto poliacutetico pedagoacutegico da escola intercultural (planejamento conjunto das accedilotildees) e regimento escolar d) considerar as especificidades curriculares e socioculturais das comunidades do campo indiacutegena e quilombola e) dinamizaccedilatildeo do relacionamento com escola do paiacutes vizinho definindo um plano de accedilatildeo conjunto para a realizaccedilatildeo do intercacircmbio docente aleacutem de outras accedilotildees que promovam a interculturalidade estendendo-se a todos os anos de escolarizaccedilatildeo da escola f) utilizaccedilatildeo das tecnologias da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo disponiacuteveis e necessaacuterias Eixo 3 - Formaccedilatildeo continuada dos profissionais da educaccedilatildeo baacutesica sob a coordenaccedilatildeo das Universidades
a) compor o grupo local formado por Coordenador-geral do PEIF Coordenador-adjunto de Educaccedilatildeo Integral Supervisor de Articulaccedilatildeo e Acompanhamento Pedagoacutegico (secretaria de educaccedilatildeo) Pesquisadores Professores Formadores (universidade) Professor Formador (coordenador pedagoacutegico ou diretor da escola) Tutor agrave distacircncia (universidade) Tutor presencial eou PIBID (universidade para acompanhamento pedagoacutegico na escola) b) promover a articulaccedilatildeo no espaccedilo da Universidade entre educaccedilatildeo integral e interculturalidade c) articular-se com o comitecirc gestor de recursos financeiros de sua
114
instituiccedilatildeo d) ofertar accedilotildeescursos de aperfeiccediloamento e) contribuir para o repositoacuterio dos materiais de formaccedilatildeo f) agilizar os procedimentos de afastamento do paiacutes (tracircmite interno das IES) g) definir arranjos que permitam realizar formaccedilotildees dentro das regiotildees de fronteira nos municiacutepios h) elaborar produtos finais resultantes de cada moacutedulo de formaccedilatildeo conjunta com outros paiacuteses i) articular as accedilotildees do PEIF com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia (PIBIDCAPESMEC) e com o Programa Novos Talentos (CAPESMEC) j) induzir a inclusatildeo da temaacutetica interculturalidade na perspectiva da educaccedilatildeo integral na formaccedilatildeo inicial dos cursos de licenciatura e poacutes-graduaccedilatildeo e na pesquisa acadecircmica k) promover o uso das tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo realizar o diagnoacutestico sociolinguiacutestico das comunidades participantes do PEIF
Dentre os princiacutepios expostos acima destaca-se a participaccedilatildeo das
universidades o que abre espaccedilo para o desenvolvimento de pesquisas da criaccedilatildeo
de novas metodologias e de avaliaccedilotildees do projeto e da formaccedilatildeo docente numa
perspectiva intercultural O entendimento de interculturalidade do Programa eacute
() nesse caso ativa a escola seraacute intercultural na medida em que haja a participaccedilatildeo efetiva de profissionais e de alunos das diversas culturas envolvidas na comunidade educacional (e que natildeo satildeo soacute bdquoduas‟ a cultura argentina e a cultura brasileira o que corresponderia a pensaacute-las como unidades homogecircneas) em todas as instacircncias de convivecircncia que satildeo proacuteprias da instituiccedilatildeo escolar (BRASIL ARGENTINA 2008 p 26)
O Boletim produzido pela publicaccedilatildeo Salto para o Futuro que complementa
as ediccedilotildees televisivas da TV Escola do Ministeacuterio da educaccedilatildeo em sua primeira
ediccedilatildeo de 2014 apresentou o tema das Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
A professora Eliana Rosa Sturza coordenadora do Programa das Escolas
Interculturais de Fronteira na Universidade Federal de Santa Maria e do Laboratoacuterio
Entre liacutenguas da Universidade Federal de Sergipe relata as experiecircncias e
aprendizados do programa em diferentes cidades localizadas na fronteira
A proposta metodoloacutegica foi analisada por Sturza (2010 2014) enfocando a
experiecircncia das crianccedilas brasileiras em Uruguaiana no Rio Grande do Sul cuja
aprendizagem eacute dentro e fora de sala de aula Em uma das escolas as crianccedilas
confundiram as professoras argentinas com enfermeiras do posto meacutedico pois
115
estas usam avental branco costume que natildeo eacute habitual no Brasil As professoras
argentinas por sua vez estranharam as manifestaccedilotildees inicialmente constantes dos
alunos brasileiros que queriam abraccedilaacute-las tocaacute-las beijaacute-las ldquoEste eacute um traccedilo
cultural do comportamento brasileiro muito identificado pelo bdquoestrangeiro‟ Neste
caso nem tatildeo estrangeiro mas um vizinho do outro lado do riordquo (STURZA 2014
p26)
A experiecircncia dos professores brasileiros no projeto possibilitou que eles
tivessem contato direto com o sistema educacional do vizinho e esse contato gerou
novos espaccedilos de discussatildeo sobre o trabalho docente mediante as comparaccedilotildees
sobre os conteuacutedos relaccedilatildeo aluno-professor da infraestrutura das escolas e ateacute a
autonomia da gestatildeo escolar
Nesta experiecircncia os professores foram conhecendo o funcionamento e a estrutura do sistema educacional do paiacutes vizinho e percebendo como sistema brasileiro eacute autocircnomo em relaccedilatildeo ao sistema uruguaio ou argentino mais centralizado O aprendizado eacute de toda ordem ocorrendo entre os professores da escola e os das escolas parceiras ou seja argentinos e brasileiros debatem a educaccedilatildeo trocam ideias e fazem planejamento de projetos em conjunto (STURZA 2014 p25)
A metodologia tem como norte o ensino por Projetos de Aprendizagem (EPA)
modo de organizaccedilatildeo que permite o desenvolvimento de projetos localmente
envolvendo a participaccedilatildeo de toda a comunidade escolar ou outros grupos a
depender da necessidade do projeto
Ensino via Projetos de Aprendizagem (EPA) faz com que as crianccedilas participem de projetos biliacutengues que prevecircem tarefas a serem realizadas em portuguecircs e em espanhol Satildeo coordenadas respectivamente pela docente brasileira ou argentina de acordo com o niacutevel de conhecimento do idioma que possuam e de acordo com o planejamento conjunto realizado periodicamente por professoras argentinas e brasileiras com suas respectivas assessorias pedagoacutegicas (BRASIL 2008 p 28)
Nesta perspectiva os temas das aulas e os projetos de aprendizagem a
serem desenvolvidos parte dos interesses dos alunos Cabe agraves professoras
argentinas e brasileiras o desenvolvimento do programa em conjunto Sturza (2014)
ilustra alguns temas que surgiram da curiosidade dos alunos e que por sua vez
podem ser trabalhadas em conjunto Um exemplo nasce da pergunta porque os
dentes caem Curiosidade comum entre crianccedilas de 7 anos por estarem vivenciado
a troca dos dentes A fim de explicar esse processo as atividades partiram da leitura
116
da histoacuteria ldquoFada dos Dentesrdquo ou do ldquoRaacuteton Peacuterezrdquo a primeira contada no Brasil e a
segunda no Uruguai As tarefas realizadas satildeo como um ldquopasso a passordquo a partir de
um mapa conceitual33
Do ponto de vista normativo todos os trabalhos desenvolvidos devem estar
em acordo com as diretrizes curriculares de cada paiacutes juntamente com a proposta
curricular do projeto Sobre as formas de avaliaccedilatildeo dos alunos o documento da
versatildeo preliminar do programa visa agrave metodologia de bdquoportifoacutelio‟ ldquodefinido como o
acompanhamento realizado a partir de evidecircncias de variadas naturezas do trabalho
realizado pelos alunos individual e coletivamenterdquo (BRASIL 2008 p29) O portifoacutelio
eacute uma forma de organizar o conjunto de memoacuterias de obras realizadas pelo aluno
podendo ser realizadas individualmente ou em grupo O objetivo eacute mostrar a
trajetoacuteria de cada estudante no decorrer de um projeto permitindo que o professor
possa avaliar esse aluno atraveacutes das informaccedilotildees contidas no portfoacutelio
354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu
O PEIF teve iniacutecio na cidade de Foz do Iguaccedilu em abril de 2006 a partir do
encontro com todos os envolvidos na cidade de Puerto Iguazuacute A primeira instituiccedilatildeo
responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do projeto foi a Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo
Em 2014 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) passou a
coordenar o programa
As escolas escolhidas para realizaccedilatildeo do projeto foram a Escola municipal
Adele Zanotto Scalco em Foz do Iguaccedilu e a Escuela 164 em Puerto Iguazuacute As
escolas foram escolhidas pela localizaccedilatildeo estrateacutegica ambas ficam proacuteximas da
regiatildeo da Ponte Tancredo Neves ligaccedilatildeo entre os dois paiacuteses (CARVALHO 2012)
33
Mapas conceituais satildeo ferramentas graacuteficas para a organizaccedilatildeo e representaccedilatildeo do conhecimento Eles incluem conceitos geralmente dentro de ciacuterculos ou quadros de alguma espeacutecie e relaccedilotildees entre conceitos que satildeo indicadas por linhas que os interligam As palavras sobre essas linhas que satildeo palavras ou frases de ligaccedilatildeo especificam os relacionamentos entre dois conceitos Noacutes definimos conceito como uma regularidade percebida em eventos ou objetos designada por um roacutetulo Na maioria dos conceitos o roacutetulo eacute uma palavra embora algumas vezes usemos siacutembolos como + ou e em outras usemos mais de uma palavra Proposiccedilotildees satildeo enunciaccedilotildees sobre algum objeto ou evento no universo seja ele natural ou artificial Elas contecircm dois ou mais conceitos conectados por palavras de ligaccedilatildeo ou frases para compor uma afirmaccedilatildeo com sentido Por vezes satildeo chamadas de unidades semacircnticas ou unidades de sentido (CANAtildeS NOVAK 2010 p10)
117
Cabe destacar que a escola de Foz do Iguaccedilu eacute a uacutenica que participa do projeto no
Paranaacute conforme informaccedilotildees do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (2015)
Sobre a estrutura do programa o relatoacuterio produzido pela Secretaria
Municipal da Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu na ocasiatildeo da primeira reuniatildeo entre a
equipe dos dois paiacuteses em abril de 2006 destaca os principais acordos para a
implementaccedilatildeo do programa nas escolas
Inicialmente o projeto atenderia duas turmas do ensino fundamental de cada
instituiccedilatildeo no turno da tarde todas as quartas-feiras
As aulas biliacutenguumles seriam ministradas no periacuteodo contra turno
A metodologia escolhida foi a de projetos pedagoacutegicos interculturais
A cada quinze dias os planejamentos das aulas seriam feitos com os
professores envolvidos no projeto com alternacircncia dos turnos de encontro e
das escolas
No mesmo relatoacuterio constam as comparaccedilotildees quanto agrave estrutura fiacutesica das
escolas A escola brasileira possui melhor estrutura fiacutesica pois possui videoteca
centro de esportes biblioteca sala de computaccedilatildeo e ar condicionado dentro das
salas de aula A escola argentina natildeo dispotildee desta estrutura Apesar destas
diferenccedilas as crianccedilas da escola brasileira e argentina natildeo possuem maiores
diferenccedilas quanto ao conhecimento pedagoacutegico
No iniacutecio do programa seu objetivo estava voltado para trabalhar com os
aspectos histoacutericos e culturais do paiacutes vizinhos tais como as muacutesicas roupas e as
comidas tiacutepicas de cada naccedilatildeo Depois por meio da assessoria do Instituto de
Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento de Poliacuteticas Linguiacutesticas (IPOL) no Brasil e
do Ministerio de Cultura Educacioacuten Ciencia y Tecnologiacutea de la Provincia de
Misiones (MCECyT) na Argentina passaram a adotar a pedagogia de projetos
(ALBUQUERQUE SOUSA 2014) O tema eacute escolhido pelos alunos e planejado
pelas professoras dos dois paiacuteses
Com a finalidade de conhecer o histoacuterico do PEIF a partir da experiecircncia
daqueles que estatildeo envolvidos diretamente no programa foram realizadas
entrevistas com duas professoras brasileiras ligadas ao programa e que ministram
aulas na argentina As entrevistadas tiveram seus nomes preservados A fim de
118
identificaacute-las adotamos os seguintes nomes fictiacutecios Tacircnia que participou do
projeto por cinco anos e Clara que entrou no programa em 2015
A professora Tacircnia que permaneceu no projeto por cinco anos na ocasiatildeo de
sua entrada relata que o programa na Argentina passava por um processo de
transiccedilatildeo Em 2009 eles inauguraram a Escuela Intercultural Biliacutengue 2 para atender
o PEIF Hoje o cruce (termo utilizado pelas professoras que realizam a travessia
para lecionar no paiacutes vizinho) eacute realizado duas vezes na semana sendo que o
nuacutemero de turmas para as duas escolas envolvidas satildeo as mesmas
Ateacute 2013 o nuacutemero de turmas atendidas por escola eram oito distribuiacutedas
entre quatro professoras com carga- horaacuteria correspondente a 2 horas As seacuteries
atendidas eram do 1ordm ao 4ordm ano No Brasil as professoras argentinas fazem o cruce
duas vezes na semana enquanto as brasileiras todas as quartas-feiras pela manhatilde
A partir de 2014 o nuacutemero de professoras brasileiras a participarem do projeto foi
reduzido pela metade
Assim como Sturza (2014) apontou esse processo de travessia possui um
significado aleacutem de ir ateacute uma escola estrangeira e colocar em praacutetica o programa
Trata-se de um processo de aprendizagem que vai desde as reflexotildees referentes
aos diferentes aspectos educacionais presentes nos dois paiacuteses ateacute os significados
que o programa exerce nos aspectos pessoais
Se eu tiver oportunidade eu volto porque eu gosto do projeto E o projeto eacute uma das minhas paixotildees eu gostei Eacute uma coisa super interessante eacute diferente acho que eacute um crescimento na profissatildeo da gente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
As comparaccedilotildees em relaccedilatildeo agraves diferentes infraestruturas das escolas dos
dois paiacuteses satildeo inevitaacuteveis Tacircnia aponta que apesar da estrutura fiacutesica da escola
argentina ser muito boa os recursos didaacuteticos satildeo precaacuterios percebendo entatildeo os
contrastes que haacute nas poliacuteticas educacionais
A estrutura da escola laacute eacute muito boa eacute maravilhosa mas assim eacute tudo muito burocraacutetico no sentido de organizaccedilatildeo da escola Laacute eacute totalmente diferente aqui a gente tem fartura de material opccedilatildeo de coisa de tudo laacute bdquofarta‟ As salas satildeo uma penumbra com pouca iluminaccedilatildeo e tudo porque o governo natildeo daacute apoio nenhum como aqui tambeacutem (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
119
Outro ponto de comparaccedilatildeo satildeo os salaacuterios A professora Tacircnia aponta que o salaacuterio
da professoras argentinas eacute o dobro enquanto no Brasil o incentivo aos professores
eacute uma especulaccedilatildeo
Uma remuneraccedilatildeo diferente () ah isso aiacute jaacute foi questionado vaacuterias vezes que noacutes teriacuteamos um diferencial no salaacuterio a escola como um todo teria Se tivesse algum incentivo eu duvido que haveria resistecircncia em estar participando (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando a professora diz que ldquoeu duvido que haveria resistecircncia em estar
participandordquo ela se refere agrave resistecircncia de alguns professores em aderir ao PEIF
Quando questionada sobre o processo de escolha dos professores para o projeto
ela descreve que o correto eacute a rotatividade A cada um ou dois anos uma professora
ou professor deve assumir o projeto mas na praacutetica a direccedilatildeo eacute quem escolhe
A intenccedilatildeo do projeto eacute que se faccedila rodiacutezio soacute que aqui eacute por indicaccedilatildeo mesmo ldquoEsse ano vai ser vocecirc e ponto finalrdquo Porque por um bom tempo ficaram praticamente as mesmas pessoas igual eu permaneci por muito tempo (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
No iniacutecio do PEIF natildeo havia na carga horaacuteria oficial da escola a
disponibilidade para o preparo das aulas do programa O grupo que fazia parte do
projeto deveria encontrar uma brecha para organizar suas aulas
() depois do almoccedilo eu ia conciliando assim ia preparando a aula para as minhas turmas daqui para laacute e depois no ano passado34 quando entraram as outras professoras que melhorou comeccedilou a melhorar A prefeitura reduziu para dois professores e liberou a manhatilde para o projeto daiacute a escola se organizava como fosse possiacutevel Soacute que aumentou o nuacutemero de dias laacute (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntada sobre a receptividade do projeto por parte dos
professores Tacircnia responde que havia outros motivos para resistecircncia
Tanto laacute quanto caacute haacute resistecircncia de professores tanto para trabalhar no projeto tanto para receber o projeto na escola Algumas coisas
34
Referente ao ano de 2014 tendo em vista que as entrevistas foram realizadas julho de 2015
120
avanccedilaram algumas estacionaram e muitas tecircm que melhorar ainda Porque ateacute agora o uacutenico objetivo () eacute um projeto lindo maravilhoso muito bom soacute que natildeo eacute feito na iacutentegra Poliacuteticos criam essas coisas e jogam e natildeo datildeo apoio Criam esses projetos porque foi na eacutepoca do Mercosul que foi criado soacute que natildeo datildeo apoio E aiacute a cada mudanccedila de governo eacute aquela burocracia porque um Ministro entra o outro sai o que entra natildeo sabe de nada do que estaacute acontecendo o que saiu deixa tudo engavetado natildeo passa pro outro () eacute aquela coisa (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Evidencia-se aiacute a criacutetica da professora Tacircnia agrave falta de acompanhamento por
parte do Estado em dar continuidade aos projetos O mesmo ocorre quanto aos
repasses de verba Do ponto de vista legal somente apoacutes a criaccedilatildeo da Portaria nordm
798 de 19 de junho de 2012 quando instituiu o Programa Escolas Interculturais de
Fronteira se pode falar em repasses de verba Em 2014 o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou como seriam feitos os repasses a escolas
de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil para promover atividades em periacuteodo integral Dentro
desse grupo35 encontram-se os valores destinados agraves escolas que fazem parte do
Programa Escolas Interculturais de Fronteira no entanto a distribuiccedilatildeo de recursos
segue confusa
Segundo as professoras Tacircnia e Clara houve tambeacutem alguns retrocessos no
decorrer do projeto As duas destacam o processo de formaccedilatildeo dos professores
para atuarem no PEIF Em Foz do Iguaccedilu a universidade que coordena a formaccedilatildeo
para os professores eacute a UNILA entretanto as professoras entrevistadas se
queixam da ausecircncia da instituiccedilatildeo no ano de 2015
No ano passado acho que soacute teve uma formaccedilatildeo que ela (UNILA) proporcionou Mas nem foi a Unila quem acabou dando essa formaccedilatildeo foram as nossas supervisoras aqui Eu arrumei o material com as professoras que jaacute nem estatildeo mais aqui () eu nunca mais tive essas formaccedilotildees no comeccedilo noacutes tivemos vaacuterias (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
35
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 14 de
2014 os detalhes de como seratildeo feito os repasses de verba para as escolas de educaccedilatildeo baacutesica a fim de promover atividades em periacuteodo integral e aos finais de semana De acordo com a Resoluccedilatildeo os montantes repassados seguiratildeo os moldes do Programa Dinheiro Direto na Escola As escolas envolvidas satildeo aquelas que desenvolveratildeo atividades em periacuteodo integral podendo ser urbanas rurais ou no caso das escolas do PEIF a promoccedilatildeo do ensino biliacutenguumle (BRASIL 2016) Disponiacutevel em lthttpwwwbrasilgovbreducacao201406fundo-destina-verba-para-garantir-atividades-da-educacao-integralgt Acesso em 14102015
121
A professora Clara quando questionada se jaacute passou por alguma formaccedilatildeo
responde que em 2015 teve uma que partiu da iniciativa dos professores da escola
Foi para os professores novos que trabalham aqui para conhecerem o projeto pois muitos professores sabem que existe o projeto sabe mais ou menos como ele funciona sabe assim que tem professoras de laacute que vem pra caacute e professoras daqui que vai pra laacute e soacute Mas o funcionamento mesmo tinha bastante professor que natildeo conhecia Daiacute agrave escola tomou iniciativa de fazer um dia todo de formaccedilatildeo Foram levantadas as dificuldades que cada um sentia ou no que poderia mudar mas ateacute agora ningueacutem deu um parecer daquilo ficou no papel (Entrevista realizada com a professora Clara em julho de 2015)
O que chama atenccedilatildeo na fala da professora Clara eacute a iniciativa local A
comunidade escolar organizou um curso de formaccedilatildeo para os professores Nesse
sentido abre possibilidades para que ainda que as poliacuteticas tenham sido em sua
elaboraccedilatildeo sem discussatildeo com as escolas no momento em que se inicia na
praacutetica pode ser ressignificada Aleacutem disso faz-se necessaacuterio maior estreitamento
com a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do PEIF pois conforme a fala das
professoras entrevistas eacute importante a formaccedilatildeo dos professores envolvidos no
projeto
Tacircnia quando questionada se ela conhecia o processo de elaboraccedilatildeo em que
surgiu o PEIF embora goste do projeto deixa claro que a iniciativa na sua
concepccedilatildeo foi arbitraacuteria
Noacutes bdquoengolimos goela a baixo‟ Soacute que natildeo tem apoio nenhum () assim eacute uma coisa muito bonita eacute um projeto maravilhoso Na verdade para ser um projeto mesmo tinha que ter a integraccedilatildeo tanto de noacutes professores funcionaacuterios e tudo mas principalmente das crianccedilas Conhecer a realidade um do outro soacute que isso noacutes nunca conseguimos (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Uma das criacuteticas evidenciadas no decorrer desta dissertaccedilatildeo eacute que o
processo histoacuterico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas educacionais tem origem
distante dos interesses dos grupos interessados por elas Mesmo quando eacute fruto das
demandas sociais elas passam por um confronto de interesses cujo resultado
culmina em leis projetos programas e curriacuteculos que nascem ambiacuteguos
(FRIGOTTO 2002)
122
Santos (et al 2015) em artigo sobre a construccedilatildeo de conhecimento em
Linguiacutestica Aplicada com foco no letramento considerando os conflitos entre o
conhecimento local o campo acadecircmico e os programas governamentais
descrevem as experiecircncias vivenciadas em um processo de formaccedilatildeo de
professores em uma escola puacuteblica na Triacuteplice Fronteira (Brasil Paraguai e
Argentina) As autoras chamam atenccedilatildeo para a resistecircncia de alguns professores
que podem interpretar a interferecircncia externa natildeo como uma cooperaccedilatildeo mas como
ameaccedila pela ldquoimposiccedilatildeo de um conhecimento considerado superior e
consequumlentemente tambeacutem uma desqualificaccedilatildeo do trabalho ali construiacutedordquo
(SANTOS et al 2015p 51) No caso do PEIF a criacutetica da professora Tacircnia
encontra-se na ausecircncia da participaccedilatildeo dos professores diretamente envolvidos no
programa e da falta de integraccedilatildeo entre os alunos dos dois paiacuteses envolvidos
355 As fronteiras do projeto
Quando perguntado agraves professoras quais satildeo as possiacuteveis sugestotildees para
melhorias para o projeto elas sugerem que os alunos possam fazer parte do cruce
No entendimento delas seria importante a integraccedilatildeo entre esses alunos Poreacutem a
rigidez das aduanas com relaccedilatildeo agrave documentaccedilatildeo e agrave travessia de crianccedilas na
ausecircncia dos pais somadas a toda responsabilidade que isso acarretaria torna
difiacutecil imaginar essa possibilidade Com isso o intercacircmbio dos alunos se reduz ao
envio de viacutedeos cartas e fotografias
Tacircnia acrescenta ainda que os proacuteprios professores correm um certo risco ao
fazer a travessia Em caso de acidente natildeo haacute nada que possa comprovar que elas
estavam em horaacuterio de trabalho
A gente vai pra laacute com a cara e a coragem noacutes natildeo temos nada que nos assegure Que Deus o livre se acontece uma desgraccedila Natildeo sei como que vai ficar porque natildeo tem nada que nos assegure Noacutes natildeo temos um seguro de vida nada que nos ampare legalmente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntadas sobre as dificuldades referentes ao bilinguumlismo as
professoras expressam que os alunos argentinos compreendem bem o portuguecircs e
alguns falam portunhol Satildeo curiosos conhecem as novelas os jornais e muacutesicas
123
brasileiras Este fato eacute atribuiacutedo ao intenso contato com os meios de comunicaccedilatildeo
brasileiro principalmente a televisatildeo explica Tacircnia
No comeccedilo eu achei que ia ter dificuldade de entendimento eacute claro que a gente natildeo entende cem por cento mas eu natildeo vi dificuldade nenhuma porque laacute eles satildeo muito receptivos Laacute as crianccedilas participam muito mais do que aqui e assim quanto agrave liacutengua natildeo tem dificuldade nenhuma porque as crianccedilas falam o portunhol e muitos o portuguecircs perfeitamente e eles nos entendem perfeitamente Laacute eles seguem as nossas programaccedilotildees da TV falam que aprendem o portuguecircs na TV na tela Eles amam o portuguecircs eles amam a programaccedilatildeo nossa aqui a gente chega laacute pelo menos nas salas que eu entrava eles querem falar sobre a novela eles querem conversar sobre as nossas programaccedilotildees e quando eu os questiono sobre onde eles aprenderam tudo aquilo eles respondem na tela professora na tela (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Os alunos brasileiro tecircm muita dificuldade com o espanhol Tacircnia explica que
geralmente as professoras brasileiras tecircm que permanecer em sala de aula para
auxiliar as professoras argentinas Retomo os aspectos histoacutericos da cidade para
explicar que o espanhol foi uma liacutengua presente no ensino do municiacutepio mas que foi
retirada do curriacuteculo acrescentando a importacircncia de se promover novamente a
inserccedilatildeo do espanhol nos curriacuteculos baacutesicos para as escolas situadas em fronteira
ou que pelo menos as escolas que integram PEIF
Creio eu que pra nossa cidade aqui () noacutes vivemos em uma fronteira aonde convivemos com dois paiacuteses que fala espanhol entatildeo natildeo que o inglecircs natildeo seja importante mas pelo menos na rede puacuteblica ou ateacute mesmo na particular o espanhol deve fazer parte da grade ou pelo menos nas escolas que tem esse projeto (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
356 PEIF Uma alternativa na fronteira
Com base na literatura que destaca a importacircncia de se analisar as poliacuteticas
puacuteblicas foi possiacutevel verificar que o Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
possui algumas falhas advindas de seu processo de implementaccedilatildeo Dos atores
envolvidos nesse processo os principais satildeo oriundos dos Ministeacuterios da Educaccedilatildeo
a partir de acordos bilaterais Nesse sentido a verticalizaccedilatildeo da implementaccedilatildeo
originou alguns problemas como resistecircncia em aderir ao projeto divergecircncias de
turnos e conflitos de carga horaacuteria das escolas envolvidas Esses problemas talvez
124
pudessem ser amenizados caso os professores e demais membros da equipe
pedagoacutegica das escolas fizessem parte do processo de estruturaccedilatildeo do programa e
natildeo apenas da execuccedilatildeo
A inserccedilatildeo do Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles na cidade de Foz do
Iguaccedilu enquanto uma poliacutetica linguumliacutestica e ao mesmo tempo integracionista
demonstrou alguns ranccedilos Primeiro os documentos de 2008 sobre os primeiros
impactos do programa trata do tema resistecircncia do professor ao aderir ao programa
tambeacutem constado na fala da professora entrevistada que criticou o caraacuteter arbitraacuterio
das poliacuteticas educacionais e de como elas chegam agraves escolas
Eacute importante assinalar que do processo de implementaccedilatildeo o PEIF comeccedilou
sem um marco oficial para a sua institucionalizaccedilatildeo Segundo o ldquoPrograma de
Promoccedilatildeo do Desenvolvimento da Faixa de Fronteirardquo (2010) de 2004 ateacute 2010
ainda natildeo havia as bases legais para implementaccedilatildeo do Programa Isso deu
margem para que em vaacuterias anaacutelises o Programa fosse descrito como projeto pois
natildeo havia um estatuto ou algo que delimitasse o que caracterizava essa poliacutetica
Arbitraacuteria tambeacutem eacute a ausecircncia de discussotildees mais profundas sobre a
implementaccedilatildeo de uma poliacutetica linguiacutestica em regiatildeo de fronteira Nas entrevistas
constatou-se que os alunos argentinos possuem mais proximidade com a liacutengua
portuguesa e em contrapartida os alunos brasileiros demonstraram pouca
intimidade com a liacutengua portuguesa Sturza (2006) explica que enquanto no campo
internacional o espanhol deteacutem certo status se comparado ao portuguecircs na
fronteira esse papel eacute invertido pois argentinos da regiatildeo consideram o portuguecircs
como liacutengua de mais valor
Como pano de fundo desta discussatildeo encontra-se o Estado-naccedilatildeo O Brasil eacute
uma potecircncia regional36 o que pode contribuir tanto para o imaginaacuterio dos brasileiros
quanto de argentinos da regiatildeo ao considerarem os aspectos de nossa cultura isso
inclui nossa liacutengua oficial como superior ao espanhol Outro aspecto relevante eacute a
expressiva presenccedila dos meios de comunicaccedilatildeo por meio dos sinais de raacutedio e TV
que chegam aos lares argentinos o que faz com que eles tenham um contato mais
36
Ver Moniz Bandeira (2008) Texto para o seminaacuterio sobre ldquoA poliacutetica exterior do Brasil em sua
proacutepria visatildeo e na dos parceirosrdquo No artigo o autor cita os aspectos teoacutericos e histoacutericos que permitem caracterizar o Brasil enquanto uma potecircncia regional desde o seacuteculo XIX O que inclui sua dimensatildeo territorial seu poderio econocircmico e militar Disponiacutevel emlt httpwwwespacoacademicocombr09191bandeirapdf gt Acesso em 17112015
125
intenso com a liacutengua por meio dos programas de TV como as novelas citadas pela
professora entrevistada
O programa possui outras lacunas Eacute preciso estabelecer um consenso sobre
o orccedilamento para o programa a fim de fomentar a formaccedilotildees dos professores
manter uma estrutura que possibilite o transporte dos professores com seus
materiais didaacuteticos Contudo em termos de poliacutetica educacional para fronteira eacute a
primeira destinada para regiotildees de fronteira o que significa um certo avanccedilo para a
regiatildeo Eacute importante destacar que o PEIF eacute uma poliacutetica multilateral envolve outros
paiacuteses do Mercosul o que pode ser um exemplo de cooperaccedilatildeo para a promoccedilatildeo de
outras poliacuteticas educacionais
Eacute pioneirismo do Programa por meio da poliacutetica educacional para fronteira
internacional possuir como eixo a funccedilatildeo integradora onde o Mercosul tornou-se a
instituiccedilatildeo que fomentou a ideia a fim de promover programas que ultrapassam as
relaccedilotildees meramente econocircmicas entre os paiacuteses-membros A avaliaccedilatildeo inicial do
Programa mostrou que alguns pontos devem ser repensados Dos relatoacuterios
analisados constam poucos registros por parte dos professores sobre o processo de
aprendizado da liacutengua por parte dos alunos brasileiros Seria fundamental que o
mecanismo de avaliaccedilatildeo do Programa fosse aprimorado com instrumentos capazes
de captar como se daacute o programa em sala de aula mas conforme expresso aqui no
Brasil satildeo poucos os estudos e metodologias de avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
126
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A relaccedilatildeo Estado-naccedilatildeo fronteira e poliacuteticas educacionais foram agraves palavras-
chave que nortearam esta dissertaccedilatildeo A hipoacutetese inicial eacute de que as poliacuteticas
educacionais principalmente as direcionadas para todo o ensino em niacutevel nacional
natildeo contempla as especificidades presentes na fronteira de Foz do Iguaccedilu Desse
modo para o desenvolvimento da hipoacutetese de trabalho buscou-se compreender um
pouco da histoacuteria da educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu e suas particularidades por ser
uma cidade de fronteira
No primeiro capiacutetulo buscamos apresentar os principais conceitos que
norteiam a palavra fronteira Segundo a etimologia a palavra eacute de origem latina Foi
utilizada pela primeira vez no seacuteculo XVIII para estabelecer limites entre exeacutercitos
em conflito deslizando para as definiccedilotildees de fronteira do ponto de vista geograacutefico
geopoliacutetico e socioloacutegico (BECKER 2007 ALBUQUERQUE 2010 SILVA 2010)
Um dos principais objetivos deste capiacutetulo foi de apresentar a fronteira enquanto
uma regiatildeo em que eacute possiacutevel observar os principais instrumentos do Estado para o
construto da naccedilatildeo tais como a imprensa a escola e o exeacutercito
Dentro deste estudo a instituiccedilatildeo escolar foi o centro da pesquisa Com isso
foram apresentadas resultados de pesquisas anteriores (PEREIRA 2009 SOUZA
RODRIGUES 2009 TERENCIANI 2011) que destacam a relaccedilatildeo da escola na
fronteira sob diferentes perspectivas principalmente o da inserccedilatildeo do aluno oriundo
de outro paiacutes que faz fronteira com o Brasil e os principais desafios encontrados por
ele e para a escola Os dados apresentados neste capiacutetulo apontam que quando se
trata de investimentos em poliacuteticas puacuteblicas para regiatildeo de fronteira internacional o
Brasil tem priorizado as poliacuteticas de seguranccedila conforme os trabalhos de Franccedila e
Dorfman (2014) Trata-se de informaccedilotildees que vatildeo em direccedilatildeo aos aspectos
histoacutericos da funccedilatildeo do Estado e das concepccedilotildees de soberania e territoacuterio que
foram apresentadas no iniacutecio deste capiacutetulo
O segundo capiacutetulo apresentou a gecircnese das primeiras escolas na cidade de
Foz do Iguaccedilu sempre vinculadas aos outros aspectos como os fatores econocircmicos
e sociais Demonstrou-se que a formaccedilatildeo das escolas de Foz do Iguaccedilu antes
mesmo da fundaccedilatildeo da municipalidade contou com a presenccedila de estrangeiros que
na ausecircncia de um ensino formal criavam as suas proacuteprias escolas (WACHOWICZ
127
1984 SBARDELOTTO 2009) Essas escolas foram fechadas no periacuteodo
nacionalista momento em o governo brasileiro buscava a conformaccedilatildeo de uma
identidade e integraccedilatildeo nacional para tal conforme Lemiechek (2014) a criaccedilatildeo do
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu em 1943 possibilitou maior controle das escolas
principalmente das escolas estrangeiras
Identificou-se ainda que em meados da deacutecada de 1970 nos relatoacuterios
sobre a situaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu no campo educacional havia uma tendecircncia em
depositar no aluno a culpa do fracasso escolar Nesse caso os alunos oriundos do
Paraguai e da Argentina eram considerados os mais fracos e ldquoatrapalhavamrdquo o
desenvolvimento do restante da turma ou seja a diferenccedila interpretada como um
problema para escola a liacutengua do outro como um entrave
O capiacutetulo trecircs sobre as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo apresenta um
breve histoacuterico das poliacuteticas educacionais brasileiras evidenciando que elas satildeo
fruto do contexto ao qual se inserem o periacuteodo ditatorial evidenciou a ausecircncia da
populaccedilatildeo no processo criaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que por sua vez eram
controladas pelo Estado A partir do periacuteodo de abertura democraacutetica ateacute os dias
atuais as poliacuteticas educacionais passaram por inuacutemeras mudanccedilas Muitas
nasceram a partir das discussotildees oriundas de movimentos sociais das discussotildees
acadecircmicas etc Conforme Das e Poe (2004) o ldquoEstado eacute constantemente
refundado em suas formas de ordenar e fazer leis sugerindo que as margens satildeo
ldquodecorrecircncia e implicaccedilatildeo necessaacuteria do Estado assim como a exceccedilatildeo eacute um
componente necessaacuterio da regrardquo (DAS e POE 2004 p4)
Nesta premissa ao se analisar as principais poliacuteticas educacionais brasileiras
identificou-se que a questatildeo da diversidade cultural presente nos documentos tende
a generalizaccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo dada agrave superficialidade dos documentos Ainda
que represente um grande avanccedilo ao tornar obrigatoacuterio o ensino da cultura afro-
brasileira histoacuteria da Aacutefrica e indiacutegena nas escolas puacuteblicas e privadas brasileiras
quando chegamos agrave fronteira identificamos diversidades para aleacutem dessas duas
poliacuteticas
Tais princiacutepios de universalizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais satildeo o espelho
de um Estado que se formou tentando ter como princiacutepio legal o tratamento igual da
populaccedilatildeo algo que soacute acentua as desigualdades existentes na medida em que o
diferente eacute tratado como um problema a ser solucionado Com esta noccedilatildeo o Estado
128
deixa de ser reconhecido como um importante ator na reproduccedilatildeo das
desigualdades para ser considerado a uacutenica soluccedilatildeo para os problemas sociais
Algumas pesquisas realizadas em escolas presentes em regiotildees de fronteira
constataram a erronia praacutetica de culpabilizar os alunos e professores pelo sucesso
ou fracasso escolar satildeo os professores que natildeo tem formaccedilatildeo satildeo os brasiguaios
argentinos e paraguaios com sua bdquohibridizaccedilatildeo linguiacutestica‟ satildeo os aacuterabes (colocados
em uma uacutenica caixa como se todos viessem do mesmo paiacutes) satildeo os alunos
indiacutegenas que chegam nas escola falando bdquoapenas‟ o guarani As pessoas tornam-se
problema
No caso de Foz do Iguaccedilu o perfil dos alunos que frequumlenta as instituiccedilotildees
escolares demonstra que os conceitos de cidadania natildeo satildeo riacutegidos se (des)fazem
na fronteira Os alunos que chegam aos espaccedilos escolares fronteiriccedilos natildeo
necessariamente assimilaratildeo a liacutengua portuguesa como uacutenica e oficial Ao mesmo
tempo estes alunos trazem consigo conhecimentos adquiridos de seu paiacutes de
origem mas o processo de equivalecircncia de estudos acaba por negar esses
conhecimentos que para serem validados devem ser bdquotraduzidos‟ para o portuguecircs
Para aleacutem do problema linguiacutestico temos a questatildeo da integraccedilatildeo desse
aluno no ambiente escolar que eacute ao mesmo tempo permeada por tensotildees mas
tambeacutem pela aproximaccedilatildeo com o outro Essas relaccedilotildees merecem atenccedilatildeo da escola
a fim de evitar manifestaccedilotildees xenofoacutebicas preconceituosas estigmatizadas e de
inferiorizaratildeo
A primeira hipoacutetese do trabalho me levou a pensar apenas na relaccedilatildeo Estado
Nacional e poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira Poreacutem os vazios
encontrados ao se analisar essas poliacuteticas e o modo como o Estado se faz presente
e ao mesmo distante da fronteira levou-me a refletir sobre a emergecircncia de outras
pedagogias
Para outros sujeitos outras pedagogias (ARROYO 2015) Paulo Freire em
sua obra a Pedagogia do Oprimido fala aos educadores que eacute preciso ter ldquoum
profundo respeito pela identidade cultural dos alunos e das alunas () implica
respeito pela linguagem do outro pela cor do outro o gecircnero do outro outrordquo
(FREIRE 2001 p60)
Conhecer de perto uma poliacutetica educacional para a fronteira do ponto de vista
institucional e das poliacuteticas de governo possibilitou-me a constatar contradiccedilotildees e
complexidades de uma poliacutetica que envolve natildeo apenas o campo das relaccedilotildees
129
internacionais mas o diaacutelogo na construccedilatildeo de um curriacuteculo as implicaccedilotildees legais
para o tracircnsito de pessoas na fronteira os questionamentos sobre as reais intenccedilotildees
do programa PEIF e de como esse programa foi concebido Pode-se considerar que
o PEIF foi a uacutenica poliacutetica puacuteblica analisada a partir dos dois eixos propostos no
iniacutecio do capiacutetulo terceiro Mainardes (2006) Assim traccedilamos os aspectos que
envolveu o papel do Estado na elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica e buscamos por meio
da anaacutelise dos documentos e entrevistas demonstrar os principais aspectos
impactos que a poliacutetica exerceu na escola envolvida considerando principalmente
as experiecircncia dos atores envolvidos neste caso das professoras entrevistadas
Dos caminhos possiacuteveis para uma poliacutetica educacional na fronteira a
perspectiva intercultural ldquoreconhece e assume a multiplicidade de praacuteticas culturais
que se encontram e se confrontam na interaccedilatildeo entre diferentes sujeitosrdquo (FLEURI
2003 p12)
Por fim ao considerar a fronteira uma regiatildeo que engloba as cidades de Foz
do Iguaccedilu Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este a proposiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas em
conjunto com os paiacuteses envolvidos satildeo importantes para atender as demandas
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_________O desenvolvimento dos cursos de formaccedilatildeo de professores primaacuterios na fronteira oeste paranaense a criaccedilatildeo da primeira Escola Normal Secundaacuteria puacuteblica de Foz do Iguaccedilu e do Oeste do ParanaacuteDissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Universidade Estadual de Ponta Grossa Ponta Grossa 2009
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Dedico este trabalho
Aos meus pais Joatildeo e Maria
Aos meus irmatildeos William e Joatildeo Victor
Ao meu namorado Eduardo
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agrave Professora Dra Regina Coeli Machado pela compreensatildeo pelas
saacutebias orientaccedilotildees que natildeo se limitaram agraves paacuteginas desta dissertaccedilatildeo
Ao professor Dr Fernando Joseacute Martins e agrave professora Dra Neiva Maria Jung pela
participaccedilatildeo na banca de defesa
Aos meus pais Maria Aparecida e Joatildeo Bosco e irmatildeos Joatildeo Victor e William que me
deram o suporte necessaacuterio para essa jornada foi pensando neles que nos
momentos mais difiacuteceis tive forccedila para prosseguir
A todos os meus amigos que me apoiaram com as leituras de meus rascunhos
correccedilotildees e pelo incentivo que de modo direto ou indireto contribuiacuteram para a
conclusatildeo deste trabalho
Ao Eduardo Eliana e Baacuterbara que me deram o suporte emocional apoio e carinho
em toda essa trajetoacuteria
A primeira condiccedilatildeo para modificar a realidade consiste
em conhececirc-la
Eduardo Galeano (1985)
PAIVA Aline Cristina Poliacuteticas Educacionais para a diversidade e escolas nas fronteiras O caso de Foz do Iguaccedilu na fronteira com a Argentina e o Paraguai 2016 149 paacuteginas Dissertaccedilatildeo (Mestrado Interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras)- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
RESUMO
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as relaccedilotildees entre poliacuteticas educacionais e a diversidade cultural presente na fronteira de Foz do Iguaccedilu localizada no estado do Paranaacute A cidade brasileira juntamente com Ciudad del Este no Paraguai e Puerto Iguazuacute na Argentina formam a triacuteplice fronteira que dentre outras caracteriacutesticas eacute conhecida pelo turismo e pelas intensas relaccedilotildees comerciais O processo de formaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu foi marcado pela influecircncia dos paiacuteses da fronteira e pela presenccedila de outras nacionalidades e etnias Trata-se portanto de uma cidade natildeo apenas diversa pela presenccedila dos paraguaios e argentinos mas que tambeacutem eacute compartilhada por libaneses chineses coreanos chilenos bolivianos italianos dentre outros A escola e as poliacuteticas educacionais para esse contexto eacute o centro desta pesquisa na medida em que a instituiccedilatildeo escolar eacute um importante espaccedilo de socializaccedilatildeo A histoacuteria da educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu e a histoacuteria das poliacuteticas educacionais no Brasil revelam como a escola eacute uma instituiccedilatildeo importante na formaccedilatildeo da identidade nacional e como estas afetam a relaccedilatildeo com o bdquooutro‟ Nesse sentido foram analisados documentos de poliacuteticas educacionais para a diversidade implementadas apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 sendo elas a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 os Paracircmetros Curriculares Nacionais para a pluralidade cultural de 1997 o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute de 2015 e o curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do oeste do Paranaacute feita pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP) em 2007 Por uacuteltimo buscou-se analisar o Programa Escola Intercultural Biliacutengue iniciativa do Mercosul que tem como objetivo integrar as regiotildees fronteiriccedilas por meio da educaccedilatildeo Com base nas analises das poliacuteticas educacionais para a diversidade principalmente a partir de 1988 verificou-se uma tendecircncia universalista dessas poliacuteticas para a diversidade que difere da diversidade particular vivida em Foz do Iguaccedilu PALAVRAS-CHAVE poliacuteticas educacionais escola estado fronteira
PAIVA Aline Cristina Educational policies for diversity and schools in the boundaries the case of Foz do Iguaccedilu on the border with Argentina and Paraguay 2016 149 pages Dissertation (Masters in Interdisciplinary Society Culture and Borders) - State University of Western Paranaacute-UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
ABSTRACT
The objective of this study is from the relationship school and state investigate educational policies and consider whether they make it possible to work with diversity on the border of Foz do Iguaccedilu in the state of Paranaacute The Brazilian city along with Ciudad del Este in Paraguay and Puerto Iguazu in Argentina form the triple border which among other characteristics is known for tourism and the intense trade relations The process of formation of Foz do Iguaccedilu was marked by the influence of the border countries and the presence of other nationalities and ethnicities It is therefore a city not only different by the presence of Paraguayan and Argentinean neighbors but that is also shared by Lebanese Chinese Korean Chilean Bolivian Italian among others The school and educational policies in this context become the center of this research since the school is a major means of training and socialization of individuals and may contribute to the integration process the intercultural bias or other hand being a border to disregard the existence of ethnic and cultural diversity that makes up the school environment The reasons for the discussions in this work pass necessarily by the nation-state relationship with schoolThe history of education in Foz do Iguaccedilu and the history of educational policies in Brazil reveal how the school is an important institution in the national identity formation and how they impact relations in border schools To analyze the educational policies for diversity policies were analyzed educational documents from the Constitution of 1988 it derived the Law of Guidelines and Bases of National Education in 1996 and the National Curriculum Guidelines for cultural plurality in 1997 These two policies along with the State Plan for 2015 Paranaacute Education and basic curriculum for public school in western Paranaacute made by the Association of western Paranaacute Cities (AMOP) in 2007 to discuss public policies in the border region implies think of the region as a whole An example of an educational policy for border is the Intercultural Bilingual School Program the Mercosur initiative which passed through discussions with other countries in the border region In the city of Foz do the program takes place at the Municipal School Adele Zanotto Scalco and aims to contribute to the integral formation of children adolescents and young people through the articulation of actions aimed at regional integration through intercultural education by offering the bilingual educationIn order to get to know an educational policy there were two interviews with Brazilian teachers one former member of the program and the other which entered the year 2015 with the interviews it was possible to collect the first impressions of the program in Foz do Iguaccedilu its challenges and its importance as an educational policy in the field of linguistics integrationist content to influence future public policy KEYWORDS educational policies school state border
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai26
Figura 02- Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi
em Satildeo Paulo capital27
Figura 03-Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo28
Figura 04- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai52 Figura 05-- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre60
Figura 06- Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGB- Associaccedilatildeo dos Geoacutegrafos Brasileiros
ANPUH- Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria
AMOP ndash Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute
CEEPR- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
CF- Constituiccedilatildeo Federal
COEF- Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental
CONAE- Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CMC- Conselho do Mercado Comum
CRUTACS- Centros Rurais Universitaacuterios de Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria
DCE ndash Diretrizes Curriculares da Educaccedilatildeo Baacutesica do Estado do Paranaacute
DICEI- Diretoria de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral
EBN- Empresa Brasileira de Notiacutecias
GEREI- Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPOL- Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em Poliacutetica Linguiacutestica
ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PNC ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais
IMS- Instituto Mercosul Social
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional
MEC- Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
MEC Y T- Ministeacuterio de la Educaciacuteon Ciencia y Tecnologia
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NRE- Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
OMS- Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PPA- Plano Pluri Anual
PEIF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
PEIBF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues de Fronteira
PCN- Paracircmetros Curriculares Nacionais
PDI- Plano de Desenvolvimento Integrado
PEEPR- Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
PF- Poliacutecia Federal
PME- Plano Municipal de Educaccedilatildeo
PNE- Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PNLD- Plano Nacional do Livro Didaacutetico
PP- Poliacutetica Puacuteblica
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
RME- Reuniatildeo de Ministros da Educaccedilatildeo
SEB- Secretaria da Educaccedilatildeo Baacutesica
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SEEDPR- Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo do Paranaacute
SENAC- Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial
SEM- Setor Educacional do Mercosul
SISFRON- Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
SIS-MERCOSUL- Sistema Integrado de Sauacutede do Mercosul
SUED- Superintendecircncia da Educaccedilatildeo
SUS- Sistema Uacutenico de Sauacutede
TEC- Tarifa Externa Comum
UFF- Universidade da Fronteira Sul
UNESCO- Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura
UNILA- Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana
UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 15
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico 20 II Estrutura da dissertaccedilatildeo 21
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA 25 11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees 25 12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo 29 13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos 32 14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas 36 15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do Estado 41
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS 50
21 Contexto histoacuterico 51 21Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo 53 22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo61 23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus impactos na educaccedilatildeo 64 24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas escolas 69
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUA 71
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens 71 32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil 74 33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 83 34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais 84
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo 86 342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais 91 343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural 94 344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute 98 345 O Curriacuteculo da AMOP 100 346 Algumas consideraccedilotildees 103
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica educacional para a fronteira 104
351 Do processo de elaboraccedilatildeo 107 352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica 108 353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF 110 354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu 116 355 As fronteiras do projeto 122 356 PEIF Uma alternativa na fronteira 123
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 126
5 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 130
15
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo apresenta um estudo sobre as poliacuteticas educacionais e
diversidade em regiatildeo de fronteira internacional Os estudos fronteiriccedilos perpassam
por diversas aacutereas do conhecimento como a Geografia Sociologia Antropologia
Ciecircncia Poliacutetica que tem apresentado inuacutemeras pesquisas a partir das mais
variadas formas de conceituar e abordar a temaacutetica (FRANCcedilA DORFMAN 2013)
No que se refere aos estudos sobre a regiatildeo de fronteira na aacuterea da educaccedilatildeo a
produccedilatildeo ainda eacute tiacutemida no Brasil (FEDATTO 1995 CITRINOVITZ 1996
ROSSATO 2003)
Para Pereira (2009) isso se reflete no processo de desenvolvimento das
poliacuteticas puacuteblicas que ateacute recentemente estavam sendo tratadas de forma
homogecircnea e unilateral ou seja sem levar em consideraccedilatildeo as particularidades de
cada regiatildeo fronteiriccedila No que tange agrave poliacutetica educacional brasileira esta deve ser
pensada em contexto amplo onde fatores como a Constituiccedilatildeo Federal a poliacutetica
nacional de direitos humanos e os acordos e tratados internacionais devem ser
considerados assim como os fatores sociais e culturais da sociedade brasileira
(SILVA MOURA MELLO 2013) Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos
sobre as poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira no Brasil satildeo recentes mas
encontra-se em processo de construccedilatildeo e crescimento
Por outro lado grupos como a Rede RETIS do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro atuam desde 1994 com pesquisa de limites
e fronteiras internacionais Com uma ampla rede de associados o grupo conta com
um acervo digital1 com diversas notiacutecias artigos teses e dissertaccedilotildees sobre
fronteiras internacionais incluindo trabalhos sobre educaccedilatildeo e fronteira
internacional Existe tambeacutem o acervo digital2 do Instituto de Investigaccedilatildeo e
Desenvolvimento em Poliacutetica Linguumliacutestica fundado em 1999 com sede em
Florianoacutepolis Santa Catarina Brasil que desenvolve projetos de apoio teacutecnico agraves
comunidades agraves comunidades de falantes de liacutenguas e variedads linguiacutesticas
1Site oficial do Retis lt httpwwwretisigeoufrjbr gt Acesso em 23062015
2Site Oficial do Ipol lthttpe-ipolorgpublicacoesgt Acesso em 23062015
16
minoritaacuterias do Brasil e do Mercosul objetivando a manutenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da
diversidade linguumliacutestica braseleira O instituto aleacutem de publicaccedilotildees proacuteprias divulga
inuacutemeros trabalhos que tratam do tema das poliacuteticas lingustiacutecas sendo um important
mecanismo de busca para pesquisa relacionadas agrave educaccedilatildeo e fronteira
internacional divulgando trabalhos como o de Sagaz (2013) e Pereira (2014) que
apresentam em suas dissertaccedilotildees o tema das escolas interculturais biliacutenguumles de
fronteira
As universidades localizadas nas regiotildees de fronteira internacional tem se
constituiacutedo enquanto importantes centros de investigaccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e
fronteira a citar a Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE) que
possui o programa de poacutes-graduaccedilatildeo strictu sensu em Sociedade Cultura e
Fronteira que conforme as especificaccedilotildees em sua paacutegina oficial3 tem entre outros
objetivos ldquoqualificar profissionais que desenvolvam durante o processo de formaccedilatildeo
capacidades para coordenar estudos e pesquisas transfronteiriccedilos na perspectiva
de ultrapassar as fronteiras geopoliacuteticardquo Nos uacuteltimos anos tambeacutem foram criadas
outras universidades em regiotildees de fronteiriccedilas como a Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFF) criada em 2009 localizada na Mesorregiatildeo Grande Fronteira
Mercosul e a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) criada
em 2010 na cidade de Foz do Iguaccedilu no Paranaacute Dentre outros objetivos estas
instituiccedilotildees buscam o desenvolvimento de pesquisa em regiotildees fronteiriccedilas
contribuindo assim para o crescimento de estudos no campo das poliacuteticas
educacionais em regiatildeo de fronteira internacional
O interesse em tratar do tema da fronteira e poliacuteticas educacionais comeccedilou
em 2011 momento em que saiacute de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais
para chegar agrave cidade de fronteira Foz do Iguaccedilu no Oeste paranaense com o
objetivo de cursar uma segunda graduaccedilatildeo pois sou licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Viccedilosa em Minas gerais e agora bacharel em Ciecircncia
Poliacutetica e Sociologia pela Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana As
duas graduaccedilotildees foram fundamentais para despertar o interesse pela pesquisa e
pelo mestrado interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras o que resultou
nesta dissertaccedilatildeo
3Paacutegina virtual do Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute lt
httpwwwunioestebrpossociedadeeculturagt Acesso em 13082014
17
Quando fiz a graduaccedilatildeo em Pedagogia meu interesse em poliacuteticas
educacionais para a diversidade nasceu em disciplinas de Sociologia da Educaccedilatildeo e
principalmente na disciplina que discutia as relaccedilotildees eacutetnicos e raciais nas escolas e
a formaccedilatildeo do professor A partir das reflexotildees sobre a funccedilatildeo da escola e do
professor em lidar com a diversidade eacutetica e racial em sala de aula meu problema
de pesquisa para a elaboraccedilatildeo do trabalho de conclusatildeo de curso foi de trabalhar a
formaccedilatildeo dos professores para desenvolver o trabalho com a Lei 1063903 que
tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria e da cultura afro-brasileira e africana em todas
as escolas puacuteblicas e particulares Ao teacutermino do curso senti a necessidade de
realizar outra graduaccedilatildeo a fim de me aprofundar melhor no campo da sociologia e
da educaccedilatildeo Conheci o curso da Unila e ingressei no curso de Ciecircncia Poliacutetica e
Sociologia no ano de 2011 O interesse por estudar na referida instituiccedilatildeo era
despertado pela curiosidade em viver em uma cidade de fronteira e pela proposta de
integraccedilatildeo latino-americana que a universidade propotildee
Finalizei a graduaccedilatildeo em Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia e meu objeto de
pesquisa foi as poliacuteticas educacionais no contexto do neoliberalismo a partir dos
anos de 1990 em comparaccedilatildeo com as poliacuteticas educacionais propostas pelos
movimentos sociais Seguindo a proposta de integraccedilatildeo da Unila optei por um
estudo comparado com as propostas oriundas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Movimentos Indiacutegenas na Boliacutevia
Entretanto minhas indagaccedilotildees sobre a vivecircncia de escolas na fronteira natildeo
puderam ser respondidas Durante estes anos em Foz do Iguaccedilu meu olhar sobre
as relaccedilotildees em meio agrave diversidade de etnias e nacionalidades mudou
significativamente e segue em transformaccedilatildeo
Meus primeiros contatos com a populaccedilatildeo e com os meios de comunicaccedilatildeo
local e as imagens que eles tinham sobre o lugar em que moravam logo contrastou
com meu imaginaacuterio sobre o que eacute uma fronteira A violecircncia diaacuteria presente nos
jornais televisivos e impressos fadava a fronteira como o inevitaacutevel caminho para
entrada do traacutefico de drogas e armas A ponte da Amizade que liga a cidade de Foz
do Iguaccedilu agrave Ciudad del Este como o limbo entre o legal e o ilegal A passagem dos
trabalhadores caracterizados como informais era uma constante nos jornais A frase
ldquotinha que ser paraguaiordquo chegou aos meus ouvidos algumas vezes como tambeacutem
as noccedilotildees de que a Ciudad del Este era suja e desorganizada e o paiacutes de um modo
geral atrasado e pobre Tambeacutem eram perceptiacutevel as imagens referentes aos
18
aacuterabes caracterizados como ricos e isolados do restante da populaccedilatildeo aleacutem da
falta de distinccedilatildeo da comunidade aacuterabe pelo paiacutes de origem ou pela divisatildeo religiosa
que haacute entre xiitas e sunitas dentro do islamismo Exemplos como esses me
provocaram Ingenuamente pensava apenas no lado positivo dessa integraccedilatildeo entre
diferentes nacionalidades e etnias mas a vivecircncia na cidade permitiu-me ampliar
essas referecircncias do que era fronteira para outras bdquofronteiras‟ e mais ainda
deslocou minha atenccedilatildeo para as escolas brasileiras que recebem diferentes perfis
de imigrantes o que torna a regiatildeo fronteiriccedila tatildeo peculiar
Meus primeiros questionamentos eram de como a escola recebia esses
alunos estrangeiros como era organizada a documentaccedilatildeo escolar como era
realizado o diagnoacutestico de alunos que haviam comeccedilado seus estudos em seu paiacutes
de origem e como eram as relaccedilotildees professor - aluno aluno-aluno e escola-aluno
Essas primeiras inquietaccedilotildees me levaram a outras como a questatildeo do curriacuteculo
escolar em cidades de fronteira uma vez que haacute uma tendecircncia nos curriacuteculos
oficiais agrave homogeneizaccedilatildeo como ao monolinguismo Outro ponto eacute sobre como a
escola lida natildeo apenas com a questatildeo do idioma mas tambeacutem como ela se
posiciona diante dos conflitos como estigmas negativos relacionados agrave origem dos
alunos que podem se revelar muitas vezes como praacuteticas xenofoacutebicas Na tentativa
de inferiorizar o outro eacute comum escutar brasileiros que tratam os paraguaios como
ldquoxiruacute4rdquo e preguiccediloso natildeo aprende porque ldquoa escola laacute eacute fracardquo Esses comentaacuterios
foram constantes em sala de aula durante o periacuteodo em que lecionei sociologia para
jovens e adultos em um cursinho popular entre os anos de 2011 e 2013 em Foz do
Iguaccedilu Nas ocasiotildees em que se abordava o tema da fronteira a imagem que se
tinha do paraguaio era carregada de valores negativos
Tantas inquietaccedilotildees impossiacuteveis de serem abarcadas em uma mesma
pesquisa pois estudar uma realidade fronteiriccedila exige bdquoolhares demorados‟ para o
objeto em estudo tiveram que ser delimitadas na seguinte proposta pensar as
poliacuteticas educacionais para a diversidade nas escolas de fronteira internacional
nesse caso nas escolas de Foz do Iguaccedilu cidade que faz divisa com a cidade
Argentina de Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este no Paraguai
4O termo xiru eacute de origem guarani Che ldquoeu meurdquo e iru ldquocompanheiro amigordquo que traduzindo para o
portuguecircs significa ldquomeu amigordquo ldquomeu companheirordquo mas para os brasileiros tomou a conotaccedilatildeo de falsificado (TRISTONE 2011)
19
Ao delinear parte do percurso insiro parte de meus valores e visatildeo de mundo
que concordando com Ludke e Andreacute (1986) iratildeo influenciar a maneira como a
pesquisa eacute proposta ldquoem outras palavras os pressupostos que orientam seu
pensamento vatildeo tambeacutem nortear sua abordagem de pesquisardquo (LUDKE ANDREacute
1986 p03)
A justificativa da delimitaccedilatildeo empiacuterica passa pela relaccedilatildeo fronteira entre o
Estado nacional e a escola O espaccedilo escolar eacute visto como um espaccedilo de tensotildees e
contradiccedilotildees em que se manifestam as mais distintas formas de relaccedilotildees sociais
onde o preconceito o racismo a xenofobia e a exclusatildeo ocorrem ao mesmo tempo
em que se ldquocombate essas formas de violecircnciardquo A escola nesta dissertaccedilatildeo natildeo eacute
uma entidade a parte uma maacutequina do Estado Eacute tambeacutem instrumento do Estado
ao mesmo tempo que perpassa pela vida de diferentes sujeitos como os
professores alunos diretores pesquisadores que podem criar condiccedilotildees de
resistecircncia a fim de construiacuterem outros curriacuteculos a margem do Estado e adaptaacute-los
agrave realidade local e natildeo universal
Nesse sentido estudar as poliacuteticas puacuteblicas educacionais a partir da
diversidade nas escolas de fronteira parte da hipoacutetese de que o Estado ao mesmo
tempo em que se faz presente na fronteira a deixa agraves margens quando natildeo
consegue a partir das poliacuteticas educacionais nacionais direcionadas ou natildeo para a
diversidade lidar com as diferenccedilas proacuteprias de uma realidade fronteiriccedila
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as poliacuteticas educacionais e as
relaccedilotildees com a diversidade na fronteira A diversidade qual nos referimos reside na
presenccedila de muacuteltiplas nacionalidades e etnias presentes nas escolas e o que essa
presenccedila e suas manifestaccedilotildees a partir das relaccedilotildees entre os diferentes sujeitos
acarretam para a escola Embora os questionamentos desta pesquisa envolva as
escolas o objeto principal da pesquisa satildeo os documentos e as poliacuteticas
educacionais para a diversidade para as escolas situadas em regiatildeo de fronteira
internacional
A fim de desenvolver a hipoacutetese de trabalho o primeiro capiacutetulo aborda o
tema da fronteira Eacute preciso compreender a polissemia e as diferentes abordagens
no acircmbito da pesquisa Albuquerque (2009) apresenta os novos enfoques
socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos que tem dado acesso a pesquisas no
campo das praacuteticas culturais e sociais para aleacutem da visatildeo tradicional de fronteira
poliacutetico-juriacutedica Na concepccedilatildeo de Joseacute de Souza Martins (1997) a fronteira se faz
20
de muitas e diferentes coisas fronteiras espaciais fronteira do pensamento fronteira
da civilizaccedilatildeo etc Conforme essa citaccedilatildeo a concepccedilatildeo de fronteira ultrapassa a
visatildeo tradicional pois para o referido autor fronteira pressupotildee diferentes
significados sejam eles poliacuteticos econocircmicos sociais ou culturais
A partir do enfoque da fronteira enquanto limite juriacutedico e de espaccedilo de
relaccedilotildees sociais busca-se relacionaacute-los partindo do pressuposto de que o
nascimento da fronteira enquanto limite juriacutedico estabelecido para demarcar os
territoacuterios entre os Estado nacionais desencadeou em outros processos no campo
social que devem ser analisados a fim de desmistificar a cristalizaccedilatildeo das fronteiras
como um espaccedilo naturalizado
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico
Metodologicamente fizemos levantamentos de dados em fontes histoacutericas e
documentais para ldquoinvestigar os acontecimentos processos e instituiccedilotildees do
passadordquo (LAKATOS MARKONI 2003 p106) Compreende-se que para entender
as atuais formas de organizaccedilatildeo social na fronteira eacute fundamental refazer a histoacuteria
dessas instituiccedilotildees e costumes desde sua origem Desse modo foi possiacutevel no
momento da contextualizaccedilatildeo do objeto de estudo perceber quais foram os fatos
que influenciaram sua atual estrutura Assim o primeiro e segundo capiacutetulo centrou-
se principalmente na pesquisa bibliograacutefica que consistiu no levantamento de
dados por meio de livro artigos e perioacutedicos impressos e online
O terceiro capiacutetulo apresenta a anaacutelise das poliacuteticas educacionais Na
primeira parte da investigaccedilatildeo utilizou-se da pesquisa documental que difere da
pesquisa bibliograacutefica pela natureza das fontes de dados que satildeo ricas e estaacuteveis
(GIL 2010) Satildeo considerados documentos ldquoquaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informaccedilatildeo sobre o comportamento humanordquo
(LUDKE ANDREacute 1986 p38)
Os documentos analisados foram a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional (LDB96) os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCN‟S) de 1997 o
curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute (2007)
produzido por iniciativa da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP)
e o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEEPR)
21
Utilizamos como referencial analiacutetico a abordagem de poliacuteticas puacuteblicas de
Leite e Flexor (2006) e Secchi (2013) para anaacutelise do Programa Escola Intercultural
Biliacutenguumle de Fronteira
As entrevistas semiestruturadas tambeacutem fizeram parte do arcabouccedilo
metodoloacutegico da pesquisa Conforme Ludke e Andreacute (1986) as entrevistas natildeo
estruturadas onde natildeo haacute a determinaccedilatildeo e uma ordem riacutegida de questotildees
permitem com que o entrevistado fale do tema proposto com base nas informaccedilotildees
que ele possui Os benefiacutecios da entrevista sobre outras teacutecnicas ldquoeacute que ela permite
a captaccedilatildeo imediata e corrente da informaccedilatildeo desejada praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados toacutepicosrdquo (LUDKE ANDREacute 1986 p33-
34)
As entrevistas foram realizadas com duas professoras da escola brasileira
que recebem o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumle de Fronteira Uma das
entrevistadas participa do desenvolvimento do programa desde seu iniacutecio e a outra
professora passou a acompanhar o projeto em 2015 Essa escolha permitiu
conhecer as diferentes fases da inserccedilatildeo do programa na escola O principal
objetivo da entrevista foi o de analisar os impactos do PEIF na praacutetica a partir das
experiecircncias relatadas O PEIF foi a uacutenica poliacutetica analisada a partir de entrevistas
aos atores diretamente envolvidos pois ateacute o momento da redaccedilatildeo desta
dissertaccedilatildeo constatou-se que este programa eacute a uacutenica poliacutetica educacional oficial do
Estado direcionada especificamente para escolas em regiatildeo de fronteira
internacional
II Estrutura da dissertaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo estaacute estruturada em trecircs capiacutetulos juntamente com a
introduccedilatildeo e consideraccedilotildees finais No primeiro capiacutetulo- Eacute preciso falar de escola na
fronteira- buscou-se a revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica fronteira Em seguida a
Fronteira o Territoacuterio e Estado-naccedilatildeo satildeo abordados partindo do princiacutepio de que
no processo de consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo o territoacuterio representou o espaccedilo
onde o Estado exerce a sua soberania (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 2004)
A fronteira se insere na condiccedilatildeo de limite poliacutetico fundamental para delimitar o
territoacuterio que por sua vez seraacute o espaccedilo onde o imaginaacuterio da naccedilatildeo eacute construiacutedo
22
(ANDERSON 1993) A seccedilatildeo seguinte apresenta os aspectos da cidade fronteiriccedila
de Foz do Iguaccedilu que permite dizer que ela juntamente com Ciudad del Este e
Puerto Iguazuacute conformam uma regiatildeo fortemente interligada em que fatores como
os econocircmicos e sociais afetam as trecircs cidades
A premissa da triacuteplice fronteira enquanto uma regiatildeo conectada eacute observada nos
exemplos apresentados na seccedilatildeo 14 A porosidade do Estado na fronteira Um deles
demonstra a necessidade de se criar accedilotildees conjuntas para resolver questotildees como
a regulamentaccedilatildeo do trabalhador que atravessa de um paiacutes para o outro na busca
por melhores condiccedilotildees de salaacuterio e que ao natildeo possuir os documentos que o
regularize natildeo possui direitos de trabalho garantidos Os dois uacuteltimos toacutepicos deste
mesmo capiacutetulo abordam identidade e as escolas na fronteira respectivamente As
diferenccedilas que tem como um dos marcadores a identidade satildeo evidenciadas nas
escolas que se apresenta neste contexto enquanto reguladora a partir de padrotildees
universalistas construiacutedos sem um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007)
O capiacutetulo II- A Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu construtos e
contradiccedilotildees para a consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo concentrou-se no processo de
formaccedilatildeo das escolas no contexto em que a cidade de Foz do Iguaccedilu foi formada
como tambeacutem sua relaccedilatildeo com a fronteira A Colocircnia Militar criada para proteccedilatildeo e
colonizaccedilatildeo do territoacuterio marca o iniacutecio das demandas pela criaccedilatildeo de escolas que
na ausecircncia do poder puacuteblico eram improvisadas pelos setores da sociedade
(EMER 1991) A influecircncia dos paiacuteses vizinhos no iniacutecio do seacuteculo XX eacute evidenciada
em relatoacuterios que explicam que a ausecircncia de escolas eacute um fator preocupante pois
as crianccedilas brasileiras estavam indo estudar na Argentina Essa influecircncia estaacute nos
relatoacuterios do Plano de desenvolvimento integrado (PDI) da deacutecada de 1970 que ao
analisar a escola e os motivos do fracasso escolar culpabiliza os alunos
estrangeiros que natildeo falam o portuguecircs A deacutecada de 1930 e o projeto de
nacionalizaccedilatildeo de Getuacutelio Vargas satildeo abordados para analisar a importacircncia que a
escola tinha para a construccedilatildeo do projeto de naccedilatildeo
O uacuteltimo capiacutetulo Poliacuteticas Puacuteblicas para a educaccedilatildeo na fronteira entre
Argentina Brasil e Paraguai teve como objetivo analisar as poliacuteticas puacuteblicas
educacionais para a diversidade Apoacutes traccedilar a trajetoacuteria das poliacuteticas educacionais
no Brasil verificou-se seu viacutenculo direto com as condiccedilotildees histoacutericas de cada eacutepoca
No Brasil colocircnia as necessidades estavam voltadas para a catequizaccedilatildeo do
indiacutegena e na instruccedilatildeo dos filhos dos proprietaacuterios de terra e da elite colonial como
23
um todo (MARCILIO 2005) A chegada da coroa portuguesa em 1808 marca o
periacuteodo das reformas pombalinas Marques de Pombal criou uma seacuterie de cursos
profissionalizantes escolas militares tanto de niacutevel meacutedio como superior
(GHIRALDELLI JR 2001)
As primeiras deacutecadas de 1930 marcam o iniacutecio do predomiacutenio das reformas
educacionais de teor nacionalista Ateacute 1930 a estrutura econocircmica brasileira estava
voltada para o modelo agraacuterio-exportador principalmente no campo da cafeicultura
Com a crise do modelo oligaacuterquico e a entrada de Getuacutelio Vargas no poder um novo
modelo de produccedilatildeo se configura mas a dependecircncia do capital estrangeiro
permanece Eacute o modelo de substituiccedilatildeo de importaccedilotildees iniciado em 1930
caracterizado pela intervenccedilatildeo estatal na economia e no incentivo agrave criaccedilatildeo de
induacutestrias (IANNI 1994)
No campo educacional eacute criado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e com
ele importantes poliacuteticas educacionais como a reforma Francisco Campos em 1931
que regulamentou as escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
algumas concepccedilotildees pedagoacutegicas inovadoras (SAVIANI 2008)
O fim do Estado Novo com a nova constituinte proporcionou algumas
mudanccedilas na educaccedilatildeo Em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal foram
regulamentados foi criado o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC
As principais reformas educacionais aconteceram no governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1960) A construccedilatildeo de Brasiacutelia a abertura ao capital estrangeiro
e o investimento em tecnologia marcaram um periacuteodo em que a naccedilatildeo eacute mobilizada
para superar seu atraso No campo da educaccedilatildeo o programa de metas do governo
priorizou a formaccedilatildeo teacutecnica dos trabalhadores
Na deacutecada de 1950 inicia-se o debate sobre a Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
e sua funccedilatildeo ateacute entatildeo destinada agrave mera transmissatildeo de conteuacutedos Eacute o comeccedilo do
debate em torno da educaccedilatildeo popular que incluiacuteam vaacuterios adeptos educadores
liacutederes comunitaacuterios intelectuais e estudantes de todo o paiacutes A liberdade de
expressatildeo nos primeiros anos da deacutecada de 1960 permitiu que houvesse a criaccedilatildeo
de diversos espaccedilos para promoccedilatildeo das massas e da educaccedilatildeo popular Inspirado
nesse movimento de base o Plano de Nacional Alfabetizaccedilatildeo de 1964 no governo
de Joatildeo Goulart criou o meacutetodo que alfabetizava em 40 horas guiado pelo meacutetodo
de Paulo Freire Contudo com o golpe militar em 1964 o plano mal chegou a ser
implantado (PAIVA 1984)
24
A partir do governo dos militares em termos educacionais presencia-se a
repressatildeo exclusatildeo das camadas populares do ensino profissionalizante e o
desmantelamento da organizaccedilatildeo docente (GHIRALDELLI JR 2001)
A Constituinte de 1988 marca a retomada da participaccedilatildeo de diferentes
grupos organizados da sociedade como os movimentos sociais nas proposiccedilotildees de
poliacuteticas puacuteblicas A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 96 eacute nesse
sentido considerada um grande avanccedilo ao incluir em 2003 e 2008 a Lei 1063903
que torna o ensino de histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira como obrigatoacuterio
no curriacuteculo das escola puacuteblicas e brasileiras Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
com o tema transversal pluralidade cultural tambeacutem satildeo outros dispositivos que
buscam abordar a diversidade eacutetnico-racial nas escolas brasileiras (BRASIL 2003)
Apesar dos avanccedilos das poliacuteticas educacionais para diversidade algumas
anaacutelises apontam para a sua tendecircncia homogeneizadora (ABG 1996) As poliacuteticas
em niacutevel estadual natildeo satildeo muito diferentes dos pressupostos nacionais na medida
em que estatildeo subordinados agrave LDB96 e isso inclui o curriacuteculo baacutesico para a escola
puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute feito pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oe
ste do Paranaacute (AMOP)
Dentre as poliacuteticas educacionais estudadas o Programa Escolas
Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira eacute um programa que nasceu com o objetivo de
promover o processo intercultural por meio do ensino biliacutengue nas escolas
pertencentes a regiotildees de fronteira internacional Os primeiros paiacuteses que aderiram
ao programa foram a Argentina e o Brasil mediante acordos assinados dentro do
bloco econocircmico Mercosul por meio do Setor Educacional do Mercosul (SEM)
responsaacutevel por desenvolver as propostas para implementaccedilatildeo de poliacuteticas
educacionais dentre essas a poliacutetica linguiacutestica
25
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA
11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees
Etimologicamente a palavra fronteira deriva do latim Fron e quer dizer ldquode
frenterdquo Ela foi utilizada pela primeira vez no seacuteculo XIII para estabelecer o limite
temporaacuterio e flutuante que separava dois exeacutercitos de poder no momento de conflito
(FEgraveBVRE 1962 apud SILVA 2008 p8) Foi a partir da formaccedilatildeo e expansatildeo do
Estado-naccedilatildeo que a fronteira passou a ser sinocircnimo de limite de soberania O termo
linha de fronteira por sua vez representa os limites internacionais Tal expressatildeo
acompanhou estreitamente os avanccedilos do pensamento moderno sobre territoacuterio
Hoje assim como inuacutemeras palavras que mudam ou assumem outros
sentidos de acordo com o tempo e espaccedilo a palavra fronteira assume outros
sentidos e significados No dicionaacuterio de liacutengua portuguesa Aureacutelio5 a definiccedilatildeo de
fronteira eacute apresentada enquanto limite ou divisa de um dado territoacuterio No entanto
esta palavra natildeo se resume agrave noccedilatildeo de separaccedilatildeo De acordo com Becker (2007) a
fronteira eacute concebida como parte das relaccedilotildees humanas em suas mais distintas
formas sejam elas econocircmicas poliacuteticas sociais religiosas culturais ou simboacutelicas
Os novos enfoques socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos tecircm ampliado as
possibilidades de estudos diferenciados acerca do tema fronteira Um exemplo disto
satildeo as anaacutelises sobre praacuteticas culturais e accedilotildees sociais Para Albuquerque (2010) a
fronteira apresenta-se como um cenaacuterio de relaccedilotildees sociais
As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relaccedilotildees sociais entrelaccediladas com os atuais processos de globalizaccedilatildeo e de redefiniccedilatildeo do papel dos limites entre os Estados nacionais A fronteira eacute geralmente percebida por esses estudiosos como um lugar de passagem de contato e traduccedilatildeo cultural (ALBUQUERQUE 2010 p48)
Nesse sentido a palavra fronteira natildeo eacute neutra ao contraacuterio eacute carregada de
inuacutemeros sentidos como exemplifica Faacutebio Reacutegio Bento ldquopara o contrabandista
fronteira significa afliccedilatildeo para o exilado poliacutetico passar a fronteira significa
libertaccedilatildeordquo (BENTO 2012 p2)
5Ver Dicionaacuterio Aureacutelio Online Disponiacutevel em lthttpwwwdicionariodoaureliocomfronteiragt Acesso
em 01102014
26
Na perspectiva durkhiemiana Fronteira eacute definida enquanto um fato social
Em As Regras do Meacutetodo Socioloacutegico (1865) Eacutemile Durkheim busca trata-la como
coisa ou seja algo possiacutevel de ser estudado Sendo coisa social a fronteira eacute
exterior ao indiviacuteduo assim torna-se passiacutevel de ser compreendida e explicada
racionalmente Regina Coeli Machado e Silva (2015) citando Strathern (2014)
aponta entretanto que a ldquofronteira eacute um dos conceitos menos sutis da anaacutelise
socioloacutegica como reificaccedilatildeo de uma abstraccedilatildeo socialrdquo Eacute a partir dessa mesma
abstraccedilatildeo que obtemos efeitos sociais tanto de exclusatildeo e quanto de participaccedilatildeo
social demonstrado as ldquoambiguidades do Estado-Naccedilatildeo brasileiro e das suas
fronteiras geopoliacuteticasrdquo (STRATHERN 2014 apud SILVA 2015 p1)
De maneira geral os estudos referentes agrave fronteira apresentam-se tanto no
sentido Stricto - a noccedilatildeo tradicional onde fronteira eacute a divisa entre estados no
acircmbito nacional ou internacional6 - como tambeacutem no sentido Lato - neste caso as
fronteiras do pensamento sendo elas nocircmades e sociais A respeito deste uacuteltimo
pode-se mencionar o exemplo de uma cidade marcada pela desigualdade social
Nela a fronteira manifesta-se por meio da disposiccedilatildeo das residecircncias estatildeo
dispostas a cidade de Satildeo Paulo demonstra estas fronteiras de um lado
comunidades carentes de outro casas luxuosas7
Imagem 1 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte wwwoiguassucom
6Vide imagem 1
7Vide imagem 2
27
Imagem 2 - Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi em Satildeo Paulo capital
Fonte e foto Tuca Vieira- httpwwwtucavieiracombrA-foto-da-favela-de-Paraisopolis
Desse modo nesta dissertaccedilatildeo ao tratarmos a fronteira em seu sentido
geograacutefico estaremos buscando a localizaccedilatildeo no tempo e espaccedilo de onde
estamos falando Quando ampliarmos a noccedilatildeo deste termo para os sentidos poliacutetico
e social estaremos buscando responder a questotildees que dizem respeito agraves
consequecircncias de um processo histoacuterico em que os Estados nacionais mesmo
tendo realizado as demarcaccedilotildees de seus limites natildeo conseguiram impedir que o
mesmo ocorresse entre as populaccedilotildees que transitam em seu interior Eacute o que afirma
Albuquerque (2010) para o qual
A reflexatildeo sobre identidades nacionais e os conflitos sociais nas aacutereas de delimitaccedilotildees dos Estados-Nacionais produzem novas abordagens sobre as fronteiras e desnaturalizam as bdquofronteiras naturais‟ das naccedilotildees (ALBUQUERQUE 2010 p 45)
Em artigo publicado na obra ldquoDilemas e Diaacutelogos Platinos Fronteirasrdquo
Machado (2010) aponta que os estudos entre as fronteiras dos Estados-Nacionais
satildeo uacutenicos No caso do Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 confirmou a delimitaccedilatildeo de
150 km a partir do limite internacional como faixa de fronteira Desse modo natildeo
apenas a cidade que faz divisa com outro paiacutes eacute considerada fronteiriccedila mas
tambeacutem as outras cidades que ficam dentro desta faixa de 150 km
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE 2014)
o Brasil possui uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros e 16886 quilocircmetros de
fronteira terrestre com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul sendo eles Argentina
Boliacutevia Colocircmbia Guiana Peru Suriname Venezuela Paraguai Uruguai e com o
Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana conforme observa-se na Figura 3
28
Imagem 3 - Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo
Fonte Jornal Tribuna wwwjornaltribunacombr
Como os dados assinalam a dimensatildeo da fronteira do Brasil com os paiacuteses
da Ameacuterica Latina eacute expressiva e natildeo apenas no sentido de extensatildeo territorial
visto que o contato direto e diaacuterio entre as populaccedilotildees inseridas neste contexto torna
a fronteira expressiva tambeacutem no que se refere agrave dimensatildeo das relaccedilotildees sociais
Desse modo ao estudar as poliacuteticas puacuteblicas no contexto de fronteira
internacional natildeo eacute apenas a conjuntura nacional que estaacute sendo considerada mas
tambeacutem o plano externo -em sentido transnacional - considerando-se os fluxos da
populaccedilatildeo brasileira paraguaia e argentina que circulam de um paiacutes para o outro
Fernand Brauduel (1989) ao abordar as fronteiras afirma que elas
incorporam aleacutem da dimensatildeo espacial tambeacutem a ldquodimensatildeo temporalrdquo (BRAUDEL
1989 apud Heinsfeld 2014 281) Como exemplo o autor cita as divisotildees territoriais
da Ameacuterica colonial feitas por Portugal e Espanha delimitaccedilotildees essas que foram
incorporadas antes mesmo da independecircncia das colocircnias Braudel chama atenccedilatildeo
para este fato afirmando que a histoacuteria tem a tendecircncia de cristalizar as fronteiras
como se fossem ldquoacidentes naturaisrdquo (BRAUDEL 1989 p 147) Albuquerque (2010)
tambeacutem compartilha desse raciociacutenio Segundo este autor haacute uma tendecircncia
disseminada no senso comum em se conceber a fronteira enquanto algo dado
pronto e natural como se natildeo houvesse nenhum conflito de fronteira Para aleacutem
disto a fronteira tambeacutem eacute percebida preconceituosamente pela imprensa e o
imaginaacuterio popular como uma terra de ningueacutem perigosa e violenta ou seja espaccedilo
da ilegalidade e da transgressatildeo
Para Albuquerque estas representaccedilotildees satildeo construiacutedas principalmente a
partir de notiacutecias negativas associadas a conflitos violentos Como exemplo temos a
29
imigraccedilatildeo clandestina dos mexicanos para os Estados Unidos ou a disputa territorial
na faixa de Gaza entre Israel e a Palestina Cabe ressaltar que nesta perspectiva
os Estados nacionais desempenham um papel fundamental na construccedilatildeo destas
concepccedilotildees e noccedilotildees acerca da fronteira satildeo eles que legitimam tais imaginaacuterios
por meio de estrateacutegias de proteccedilatildeo do territoacuterio No caso da fronteira com os
Estados Unidos e Meacutexico a poliacutetica de seguranccedila eacute extremamente violenta natildeo
apenas no sentido fiacutesico por meio da construccedilatildeo de muros com arames farpados e
redes de alta tensatildeo mas por meio de um monitoramento que existe com a
utilizaccedilatildeo de tecnologias de ponta A natildeo obediecircncia aos limites pode levar aqueles
(natildeo apenas mexicanos) que queiram atravessar a fronteira ilegalmente agrave morte
Segundo Kearney (apud MONTIEL 2007) esta representaccedilatildeo dos problemas
fronteiriccedilos tem estado muito presente na imprensa norte-americana e tem resultado
na justificativa e defensiva do que ele denomina de ldquonacionalismo dos brancosrdquo
(KEARNEY 1991 apud MONTIEL 2007 p10) Isto explicaria o atual endurecimento
da poliacutetica do governo estadunidense que resulta natildeo apenas na militarizaccedilatildeo da
mesma mas no polecircmico projeto de construccedilatildeo de um muro ao longo da faixa de
fronteira remetendo ao modelo da ldquocortina de ferrordquo dos paiacuteses europeus no periacuteodo
da Guerra Fria que dividia de um lado os paiacuteses do leste europeu sob a influecircncia
da Uniatildeo Sovieacutetica e de outro os paiacuteses pertencentes agraves zonas de influecircncia dos
Estados Unidos
12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo
Segundo o Dicionaacuterio de Poliacutetica o Estado Moderno tal qual o conhecemos
tem suas origens nas transformaccedilotildees ocorridas ao final da Idade Meacutedia que
resultaram em tratados como a Paz de Vestfaacutelia que simbolizou ldquoo momento em
que se reconhece formalmente de modo geral a soberania absoluta do Estado no
plano internacionalrdquo (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 1998 p1090) Mas eacute a
definiccedilatildeo de Max Weber sobre o Estado Moderno uma das mais conhecidas Para
ele o Estado faz o uso legiacutetimo da violecircncia numa relaccedilatildeo entre homens que
dominam seus iguais em um determinado territoacuterio
Estado eacute uma relaccedilatildeo de homens dominando homens relaccedilatildeo mantida por meio da violecircncia legiacutetima (isto eacute considerada como
30
legiacutetima) Ele eacute uma comunidade humana que pretende com ecircxito o monopoacutelio do uso legiacutetimo da forccedila fiacutesica dentro de um determinado territoacuterio (WEBER 1998 p98-99)
Destaca-se aqui a questatildeo do territoacuterio uma vez que sua relaccedilatildeo com a
fronteira eacute inerente Logo falar de fronteira fiacutesica em sua definiccedilatildeo claacutessica
pressupotildee que haja um territoacuterio que fora delimitado a partir de tratados acordos ou
mesmo a venda do territoacuterio em disputa O geoacutegrafo Rogeacuterio Haesbaert afirma que o
territoacuterio estaacute mergulhado em
() relaccedilotildees de dominaccedilatildeo eou de apropriaccedilatildeo sociedade-espaccedilo desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominaccedilatildeo poliacutetico-econocircmica mais bdquoconcreta‟ e bdquofuncional‟ agrave apropriaccedilatildeo mais subjetiva eou bdquocultural-simboacutelica (HAESBAERT 2004 p95-96)
O autor chega a esta conclusatildeo apoacutes realizar uma analise histoacuterico-social do termo
quando a palavra territoacuterio surgiu com duas conotaccedilotildees material e simboacutelica ldquopois
etimologicamente aparece tatildeo proacuteximo de terra-territorium quanto de terreo-territor
(terror aterrorizar)rdquo (HAESBAERT 2004 p 2) O autor afirma que as duas
conotaccedilotildees tem a ver com poder natildeo somente no significado tradicional de bdquopoder
poliacutetico‟ ldquoEle diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto de dominaccedilatildeo
quanto ao poder no sentido mais simboacutelico de apropriaccedilatildeordquo (HAESBAERT 2004 p
2)
Portanto todo territoacuterio eacute ao mesmo tempo e obrigatoriamente em diferentes combinaccedilotildees funcional e simboacutelico pois exercemos domiacutenio sobre o espaccedilo tanto para realizar ldquofunccedilotildeesrdquo quanto para produzir bdquosignificados‟ (HAESBART 2004 p67)
Hoje o modelo de Estado territorial eacute definido como aquele que organiza este
territoacuterio que por sua vez eacute delimitado por uma fronteira cuja populaccedilatildeo estaacute unida
pelo sentimento de naccedilatildeo Por naccedilatildeo Benedict Anderson (1993) entende que ldquoseja
uma comunidade imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo
tempo soberanardquo (ANDERSON 1993 p24)
Utilizando a definiccedilatildeo de Anderson para naccedilatildeo tendo em vista que haacute outras
definiccedilotildees para o termo o autor explica que a naccedilatildeo eacute imaginada pois nem todos
aqueles que fazem parte dela se reconhecem ainda que tenham consciecircncia que
haja uma comunhatildeo entre eles Desse modo o sentido de pertenccedila agrave naccedilatildeo existe
somente quando os sujeitos partilham de certo imaginaacuterio social mesmo que natildeo se
conheccedilam mutuamente Entretanto esta imaginaccedilatildeo eacute limitada uma vez que seu
31
campo de abrangecircncia eacute limitado Eacute soberano assim o anseio de qualquer naccedilatildeo
ser livre da subordinaccedilatildeo de outros poderes8ou de outras naccedilotildees
Por fim a naccedilatildeo eacute imaginada como uma comunidade tendo em vista que
independentemente das desigualdades que existam entre as pessoas - sociais
poliacuteticas ou econocircmicas - o senso de companheirismo extrapola as diferenccedilas
sociais que haacute entre elas Para Anderson eacute este sentimento de unicidade que fez
com que tantas pessoas morressem em nome da defesa da naccedilatildeo nos uacuteltimos
seacuteculos
A fim de explicar como se deu este processo de construccedilatildeo da naccedilatildeo nos
paiacuteses europeus Benedict Anderson menciona os jornais impressos que quando
popularizados tornaram-se um dos meios mais eficazes de inculcar valores na
sociedade servindo entatildeo de instrumento para a construccedilatildeo de uma naccedilatildeo Se
partirmos da afirmaccedilatildeo de Durkheim segundo a qual a educaccedilatildeo tem como funccedilatildeo
coletiva adaptar a crianccedila ao meio social faz-se necessaacuterio para isto que se
estabeleccedila entre a sociedade e a escola uma ldquocomunhatildeo de ideias e sentimentos
suficientes entre os cidadatildeos comunhatildeo sem a qual qualquer sociedade eacute
impossiacutevelrdquo (DURKHIEM 2011 p63) podemos perceber como a escola e o modo
com que o Estado designa o que deve ou natildeo conter como base comum a todo
curriacuteculo nacional torna a educaccedilatildeo escolar um mecanismo de constructo da naccedilatildeo
seguindo portanto a mesma premissa de Anderson
Na cidade fronteiriccedila durante o periacuteodo de instalaccedilatildeo e funcionamento da
Colocircnia Militar da Foz de Iguaccedilu entre 1889 e 1912 jaacute havia uma preocupaccedilatildeo com
o fato de as crianccedilas brasileiras estudarem na Argentina Afinal estavam
assimilando a cultura e os valores nacionais do paiacutes vizinho o que ameaccedilava o
territoacuterio Mais tarde na Era Vargas o projeto nacionalista de unificar o paiacutes passou
pela educaccedilatildeo Neste periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais que tinham entre outros
objetivos
() homogeneizar a populaccedilatildeo dando a cada nova geraccedilatildeo o instrumento do idioma os rudimentos da geografia e da histoacuteria paacutetria os elementos da arte popular e do folclore as bases da formaccedilatildeo ciacutevica e moral a feiccedilatildeo dos sentimentos e ideias coletivos em que afinal o senso de unidade e de comunhatildeo nacional repousam
8Eacute tambeacutem imaginada como soberana porque nasceu numa eacutepoca em que o Iluminismo e a
Revoluccedilatildeo destruiacuteram a legitimidade do domiacutenio dinaacutestico e ordenado por Deus (ANDERSON 1993)
32
(PALMEIRA 1943 apud SCHWARTZMAN BOMENY COSTA 2000 p 93)
Diante das estrateacutegias que o Estado Moderno desenvolveu para construir a
ideia de naccedilatildeo a proacutepria fronteira poliacutetica requer quase sempre a justificaccedilatildeo
ideoloacutegica da comunidade nacional Fora preciso estabelecer na fronteira natildeo
apenas a delimitaccedilatildeo em termos juriacutedicos e fiacutesicos mas tambeacutem no social a partir
da separaccedilatildeo entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo
A preocupaccedilatildeo com a construccedilatildeo de um senso de unidade e de comunhatildeo
nacional pela educaccedilatildeo escolar portanto acompanhou a histoacuteria de Foz do Iguaccedilu
Pois eacute importante descrever na proacutexima seccedilatildeo como ela aparece retomando como
ideacuteia a fronteira na histoacuteria da cidade
13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos
A cidade de Foz do Iguaccedilu eacute reconhecida por ser uma importante cidade
turiacutestica Nela encontram-se uma das ldquosete maravilhas da naturezardquo as Cataratas do
Iguaccedilu e a maior usina geradora de energia do mundo9 a hidreleacutetrica Itaipu
Binacional Por fazer fronteira com o Paraguai a cidade brasileira torna-se ainda
mais atrativa devido ao comeacutercio com Ciudad del Este Os meios de comunicaccedilatildeo
que costumam divulgar os atrativos turiacutesticos de Foz do Iguaccedilu exaltam o fato da
cidade possuir diferentes etnias e nacionalidades convivendo em um mesmo
territoacuterio Na ocasiatildeo do centenaacuterio da cidade foi composta a muacutesica bdquoIsso eacute Foz do
Iguaccedilu‟ que evidecircncia esse bdquoolhar‟ multicultural
Cidade de todas as raccedilas Que aceita o negro que aceita o branco
Iacutendio cafuzo amarelo e mamelucoCidade cosmopolitaTem brasileiro tem
argentinoAacuterabe chinecircs paraguaio e palestino Isso eacute Foz do IguaccediluDa
triacuteplice fronteira do sul Onde o ceacuteu eacute mais que azulTerra das cataratas do
Iguaccedilu (COPETTI 2014)
Nos versos verifica-se que uma das principais caracteriacutesticas atribuiacutedas agrave
cidade eacute ser multicultural com diferentes nacionalidades e etnias convivendo
pacificamente neste territoacuterio rico por suas belezas naturais No entanto existe
tambeacutem uma narrativa que caracteriza a cidade como perigosa marginal rota para
9 Dados obtidos no site oficial da Usina Hidreleacutetrica de Itaipu Binacional Disponiacutevel em
lthttpswwwitaipugovbrgt Acesso em 12122015
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o grande traacutefico de armas e drogas espaccedilo de corrupccedilatildeo e lavagem de dinheiro
representada principalmente pela imprensa argentina de Puerto Iguazuacute e de Foz do
Iguaccedilu (ALBUQUERQUE 2010) conforme os enunciados abaixo sugerem
-PF10 estoura quadrilha que envolvia empresas-fantasmas de Foz do Iguaccedilu e traficantes do Paraguai Operaccedilatildeo Sustenido desmantelou organizaccedilatildeo criminosa suspeita de movimentar R$ 300 milhotildees (PORTAL R7 22052015)
-Contrabando ldquoempregardquo 15 mil em Foz do Iguaccedilu (GAZETA DO POVO 03032015) -Policia Federal apreende cigarros contrabandeados e um veiacuteculo (JT TRIBUNA 29012016)
Na perspectiva de Lorenzo Macagno (2011) esta visatildeo tatildeo dicotocircmica e
oposta ldquose produz e se reproduz justamente num espaccedilo peculiar e contraditoacuterio
Ali nos confins da naccedilatildeo nos espaccedilos liminares e de tracircnsito eacute onde esta conciliaccedilatildeo parece impor a necessidade de uma perpeacutetua reatualizaccedilatildeo de si mesma Sob este aparente paradoxo reside uma tensatildeo iminente entre o bdquonacional‟ e o transnacional (MACAGNO 2011 p25)
Para conhecer a dinacircmica de Foz do Iguaccedilu enquanto cidade de fronteira eacute
preciso primeiramente localizaacute-la no contexto da Triacuteplice Fronteira que recebeu
essa denominaccedilatildeo a partir de 1992 momento em que se levantavam suspeitas da
presenccedila de terroristas islacircmicos na regiatildeo A partir de 1996 o termo foi oficialmente
adotado pelo governo dos trecircs paiacuteses Utilizo-me da tese de Fernando Lima (2011)
o qual defende e argumenta que esta Triacuteplice Fronteira pode ser considerada uma
regiatildeo por possuir caracteriacutesticas proacuteprias diferente assim de outras regiotildees do
estado do Paranaacute e do sul do Brasil (LIMA 2011)
Ao tratar da origem do termo Triacuteplice Fronteira Rabossi (2004) aponta que
antes dos anos de 1990 para se referir agrave regiatildeo em seu conjunto se falava zona
regiatildeo ou trecircs fronteiras Em alguns jornais do final dos anos de 1980 o termo
bdquotriacuteplice fronteira‟ aparece para nomear a regiatildeo entretanto esse uso era geneacuterico
nunca substantivo proacuteprio Para exemplificar a constataccedilatildeo da dificuldade que era
pensar os paiacuteses fronteiriccedilos enquanto uma unidade Rabossi (2004) cita o trecho
texto do jornalista Bojunga de 1978 que diz
10
PF - abreviaccedilatildeo para Poliacutecia Federal
34
Em IguaccediluIguazuPuerto Presidente Strossneressa atividade [o contrabando] atinge caracteriacutesticas delirantes Nesse ponto em que as fronteiras da Argentina do Brasil e do Paraguai se encontram nada se perde tudo se trafica (BOJUNGA 1978 p 202 apud RABOSSI 2004 p 24)
A apariccedilatildeo do substantivo proacuteprio bdquoTriacuteplice Fronteira‟ surge a partir das
suspeitas de que havia terroristas islacircmicos na regiatildeo apoacutes os atentados na
embaixada de Israel na capital argentina Buenos Aires em 1992 Esta suspeita
aumentou apoacutes o atentado agrave Asociaciacuteon de Mutuales Israelitas Argentinas [AMIA]
em 1994 (RABOSSI 2004) Deste modo o termo Triacuteplice Fronteira surge
relacionado agraves questotildees de seguranccedila que envolve os trecircs paiacuteses ldquoEssa
denominaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de uma aacuterea singular e participa de sua
criaccedilatildeo a partir de uma praacutetica de nominaccedilatildeo que possibilita a emergecircncia
conceitual de um lugar onde estatildeo relacionadas agraves trecircs cidadesrdquo (RABOSSI 2004
p24) Rabossi (2004) considera a Triacuteplice Fronteira uma regiatildeo singular como Lima
(2011) afirma que Foz do Iguaccedilu possui caracteriacutesticas distintas das demais cidades
brasileiras cuja distinccedilatildeo se daacute por essa localizaccedilatildeo
Lima fala da integraccedilatildeo comercial seja por meio do turismo como a visitaccedilatildeo
agraves cataratas no Brasil e na Argentina seja por meio das compras em Ciudad del
Este que tornam a situaccedilatildeo econocircmica das cidades dependentes uma das outras O
autor chama atenccedilatildeo para a relaccedilatildeo entre as cidades de Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este Ele chega agrave conclusatildeo de que a relaccedilatildeo de trabalho entre brasileiros e
paraguaios natildeo se reduz agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos aos sacoleiros que pagam aos
paraguaios para atravessarem a ponte com a mercadoria que excede a cota
permitida ldquoTrata-se de uma verdadeira extensatildeo do mercado de trabalho de Foz do
Iguaccedilurdquo (LIMA 2011 p142)
Lima aponta que embora a Itaipu seja de suma importacircncia econocircmica para
o Brasil e o Paraguai a hidreleacutetrica eacute uma ldquoinduacutestria deslocalizadardquo (LIMA 2011 p
143) Isto significa que o que ela movimenta em termos econocircmicos fica longe da
cidade Os benefiacutecios para a cidade se encontram nos pagamentos de royalties e
nos salaacuterios dos trabalhadores que por sua vez eacute um grupo relativamente pequeno
o que ldquoimpede que se forme uma massa salarial grande o suficiente para gerar uma
dinacircmica endoacutegena de crescimentordquo (LIMA 2011 p142) Ateacute mesmo o expressivo
nuacutemero de funcionaacuterios puacuteblicos existente em Foz do Iguaccedilu em decorrecircncia da
35
Aduana e da Poliacutecia Federal natildeo eacute capaz de juntamente com a Itaipu estimular o
mercado de serviccedilos local Uma das maiores movimentaccedilotildees econocircmicas da cidade
encontra-se no turismo motivado pelas Cataratas do Iguaccedilu No entanto esta aacuterea
apresenta inuacutemeras fragilidades sobretudo no que diz respeito agraves flutuaccedilotildees do
cacircmbio brasileiro e argentino aleacutem da questatildeo sazonal e a proacutepria dinacircmica do
mercado que gera a competiccedilatildeo com outros destinos turiacutesticos Com estas
caracteriacutesticas Fernando Lima afirma que tanto no acircmbito econocircmico como no
social Foz do Iguaccedilu articula-se aos fatos econocircmicos da fronteira conformando
uma economia regional Neste sentido o autor sugere a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas que possam oferecer maior liberdade ao comeacutercio da regiatildeo em relaccedilatildeo agraves
poliacuteticas nacionais
Devido agrave falta desse tipo de poliacutetica de fronteira que Machado (2010) afirma
que tem sido difiacutecil para os Estados-Nacionais lidarem com a real ldquofluidez dos
agrupamentos humanosrdquo e mais ainda com o ajustamento de redes poliacuteticas
identitaacuterias econocircmicas e sociais superpostas aos limites dos estados territoriais
(MACHADO 2010 p71) Torna-se necessaacuterio avanccedilar na concepccedilatildeo de Estado
para aleacutem da esfera juriacutedica e poliacutetica para compreender que a fronteira eacute um
espaccedilo permeado por vidas e com relaccedilotildees que ultrapassam os seus limites
territoriais A Triacuteplice Fronteira ldquoeacute o espaccedilo de trocas culturais onde o local e o
internacional se articulam estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas especiacuteficasrdquo
(MULLER 2005 p03)
Cury e Fraga (2013) consideram que a especificidade da Triacuteplice Fronteira
manifesta-se a partir das experiecircncias que se realizam nos espaccedilos e unem povos
e culturas distintas sociedades que apresentam princiacutepios sociais de forma
integrada na sua diversidade ldquosem que se dispense o fato de que os brasileiros satildeo
brasileiros paraguaios satildeo paraguaios e argentinos satildeo argentinosrdquo (CURY e
FRAGA 2013 p 52)
Estes fluxos intensos fazem com que haja encontros e desencontros De um
lado as trocas interculturais a sociabilidade e a relaccedilatildeo amistosa de outro e ao
mesmo tempo as tensotildees de ordem cultural
A vida na fronteira passa constantemente pela afirmaccedilatildeo do eu e consequumlentemente pelo reconhecimento do outro Os de laacute e os de
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caacute constroem a relaccedilatildeo estruturam o espaccedilo como sendo de ambos (MULLER 200311)
Neste sentido ocorre uma reatualizaccedilatildeo da naccedilatildeo na fronteira pois eacute um
espaccedilo que ao mesmo tempo une e separa nas palavras de Clemente de Souza
(2009 p106) ldquoSatildeo espaccedilos nos quais o local e o internacional se articula
estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas proacuteprias construiacutedas e reforccediladas pelos povos
fronteiriccedilosrdquo Para Souza (2009) as identidades e as culturas nacionais de cada um
dos paiacuteses fronteiriccedilos satildeo construiacutedas e reelaboradas por meio da interaccedilatildeo entre a
populaccedilatildeo desta regiatildeo assim acabam por constituir ldquooutra cultura e identidade
diferenciada capaz de recriar um novo lugar com aspectos regionaisrdquo (SOUZA
2009 p106)
14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas
Natildeo eacute apenas a educaccedilatildeo um tema delicado ao se abordar poliacuteticas puacuteblicas
para a fronteira Os exemplos das pesquisas tratadas nessa seccedilatildeo demonstram que
a particularidade da fronteira faz com que as poliacuteticas nacionais para o trabalho e a
sauacutede natildeo alcancem todos na fronteira
Na regiatildeo da Triacuteplice Fronteira a relaccedilatildeo que se estabelece principalmente entre
o Brasil e o Paraguai chama a atenccedilatildeo por seus laccedilos comerciais que fazem com
que o fluxo de pessoas seja intenso nos dois lados da fronteira Eacute comum a
premissa um morador passar o dia de trabalho em paiacutes vizinho onde sua renda eacute
obtida e viver parte do tempo em seu paiacutes de origem Eacute o caso dos trabalhadores
que satildeo contratados para atravessar mercadorias de Ciudad del Este para Foz do
Iguaccedilu de brasileiros que possuem alguma atividade comercial na Argentina ou
Paraguai ou das trabalhadoras domeacutesticas conhecidas como diaristas De modo
direto ou indireto satildeo trabalhadores (as) que contribuem com a economia da regiatildeo
fronteiriccedila mas que do ponto de vista dos direitos trabalhistas eacute um grupo que
acaba ficando agrave margem desses direitos por diferentes justificativas No caso das
11 Documento eletrocircnico sem paginaccedilatildeo MULLER K M O estudo Miacutedia e fronteira jornais locais em Uruguaiana-Libres e Livramento-Rivera Tese de doutorado defendida na Universidade do Vale dos
Sinos Satildeo Leopoldo fev 2003
17112015
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diaristas paraguaias dada sua situaccedilatildeo de imigrantes encontram dificuldades para
a comprovaccedilatildeo de documentos necessaacuterios para exercer tal atividade no paiacutes Com
isso acabam na informalidade abrindo brechas para a desvalorizaccedilatildeo de seus
salaacuterios podendo ateacute mesmo virem a trabalhar sob condiccedilotildees insalubres e
exaustivas O delegado da Poliacutecia Federal Rodrigo Perin em uma reportagem
concedida ao site G1 fez a seguinte observaccedilatildeo sobre essa situaccedilatildeo
Na realidade se a pessoa estiver regularizada em territoacuterio nacional e estiver apta para trabalhar como ela vai ter todos os direitos trabalhistas ela natildeo vai poder receber um salaacuterio menor do que o piso fixado para aquela categoria bdquoA partir do momento que ela se encontra em situaccedilatildeo irregular ela vai receber um salaacuterio muito iacutenfimo agraves vezes varia de R$ 150 a R$ 200‟ afirmou o delegado A pessoa que contratar uma empregada domeacutestica ilegal pode ser multado em R$ 2500 Aleacutem disso o patratildeo pode responder criminalmente por manter o trabalhador em condiccedilatildeo similar a de escravo A empregada pode ser deportada para o paiacutes de origem (PORTAL DE NOTIacuteCIAS G1 2011)
Como exemplo de uma possiacutevel soluccedilatildeo ao problema da informalidade o
Ministeacuterio Puacuteblico de Foz do Iguaccedilu apoacutes receber denuacutencias acerca das
trabalhadoras domeacutesticas em regime irregular de trabalho passou a notificar os
siacutendicos de condomiacutenios da cidade a prestar contas sobre o nuacutemero de funcionaacuterios
(as) e empregados(as) contratados pelos moradores Entretanto os proacuteprios
trabalhadores temendo a demissatildeo optaram por seguirem na informalidade Tal
medida explica Hofling (2001) ldquofoi puramente repressiva e unilateral por parte do
governo brasileiro sem planejamento ou conexatildeo com outras poliacuteticas integradas
com os paiacuteses vizinhosrdquo (HOFLING 2001 p 177)
No que confere agrave questatildeo entre o legal e o ilegal este uacuteltimo eacute tatildeo
frequumlentemente associado agrave fronteira que quase vira seu sinocircnimo Esta noccedilatildeo fora
criticada por Rabossi (2011) o qual considera que o modelo de ordem e de lei
vigente natildeo se aplica para pensar ldquoo funcionamento efetivo da lei nem as atividades
que se desenvolvem naquele espaccedilordquo (RABOSSI 2011 p64) Segundo Silva (2015)
a vida dessas pessoas que vivem na ilegalidade equivaleria ao que ela denomina
de ldquoprotocidadania em direccedilatildeo inversa ou a uma forma de vida ambiacutegua e
paradoxal diante do Estado-Naccedilatildeordquo Para a autora haacute uma cidadania que eacute rompida
em sua continuidade entre o nascimento e a nacionalidade onde o sujeito encontra-
se dentro e fora da lei imersos em uma bdquozona de inderteminaccedilatildeo‟ (SILVA 2015
p3)
38
Quanto agrave questatildeo da violecircncia do traacutefico de drogas da exploraccedilatildeo sexual do
trabalho infantil que satildeo intensas na regiatildeo Rosana Pinheiro Machado (2011) em
seu artigo ldquoCaminhos do descaminho Etnografia da fiscalizaccedilatildeo na Ponte da
Amizade e seus efeitos no cotidiano da Triacuteplice Fronteira aponta que apenas ldquouma
fiscalizaccedilatildeo unilateral sem amparo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo parece extinguir tais
problemas mas apenas deslocaacute-losrdquo (MACHADO 2011 p145)
Quando se trata de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para a regiatildeo de fronteira
internacional o tema da seguranccedila e defesa nacional aparecem como destaque no
processo de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Albuquerque explica que a
ldquofronteira geralmente eacute uma zona onde as forccedilas repressoras e fiscalizadoras do
Estado tecircm dificuldade em exercer o monopoacutelio das armas e das leisrdquo
(ALBUQUERQUE 2005 p67) Essa suposta ausecircncia de controle acaba
legitimando a imagem de que a fronteira eacute uma terra de ningueacutem
O mesmo autor explica que a triacuteplice fronteira a partir de meados da deacutecada
de 1990 passou a ser representada principalmente pela imprensa brasileira e
argentina juntamente com os organismos oficiais de inteligecircncia dos Estados
Unidos como um local de traacutefico de armas e drogas de lavagem de dinheiro dentre
outros sendo portanto caracterizada como ldquosantuaacuterio da corrupccedilatildeo impunidade e
delinquumlecircnciardquo (ALBUQUERQUE 2010 p39)
Seja pelas imagens incansaacuteveis divulgadas pelos meios de comunicaccedilatildeo de
que a fronteira requer maior atenccedilatildeo no quesito seguranccedila ou pelas pressotildees
internacionais ou mesmo pelo interesse do Estado em querer legitimar o uso da
forccedila na regiatildeo demonstrando sua soberania perante os paiacuteses vizinhos a
seguranccedila na fronteira eacute o tema mais visiacutevel no sentido de poliacutetica puacuteblica
Certamente a securitizaccedilatildeo processo pelo qual a seguranccedila puacuteblica torna-se o argumento central nas relaccedilotildees entre sociedade e Estado (Gruszczac 2010) marca a gestatildeo estatal das fronteiras no globo com ecircnfases e significados ligados agrave seguranccedila puacuteblica nacional e internacional (Machado Novaes Monteiro 2009 Dorfman Franccedila 2013) O governo brasileiro mobiliza suas instituiccedilotildees como decorrecircncia dos processos securitizatoacuterios poacutes 11-S mas tambeacutem o faz dentro de um projeto maior e mais antigo de construccedilatildeo do Brasil potecircncia (FRANCcedilA DORFMAN 2014 p11)
Um exemplo desses projetos eacute o receacutem criado Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) um conjunto de sistemas integrados do
39
exeacutercito brasileiro para o monitoramento e controle das fronteiras terrestres
Segundo o site oficial do SISFRON trata-se de um dos maiores projetos de
seguranccedila e defesa em execuccedilatildeo do mundo De acordo com o Ministeacuterio da Defesa
seu propoacutesito eacute ldquofortalecer a presenccedila e a capacidade de accedilatildeo do Estado na faixa de
fronteira terrestre contribuindo para a maior efetividade no combate aos delitos
transfronteiriccedilos e praticados na faixa de fronteirardquo (BRASIL 2014 p1) Dorfman e
Franccedila (2014) citam outros programas como o Plano Estrateacutegico de Fronteiras em
2011 promovido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
Estes e outros programas nacionais de proteccedilatildeo ao territoacuterio representam a
materializaccedilatildeo da claacutessica definiccedilatildeo de Estado o exerciacutecio do uso legiacutetimo da forccedila
tendo como pano de fundo dessa legitimidade o consenso da populaccedilatildeo que em
tese aceita em troca da proteccedilatildeo do Estado (WEBER 1998)
Aleacutem da seguranccedila a sauacutede eacute um setor delicado em regiatildeo de fronteira que
ao contraacuterio das poliacuteticas para seguranccedila da fronteira natildeo recebe recursos
diferenciados das demais regiotildees do paiacutes
Relatoacuterios do ldquoEstudo da Rede de Serviccedilos de Sauacutede na Regiatildeo de
Fronteirardquo referentes a 2001 e 2002 produzidos para a Organizaccedilatildeo Mundial da
Sauacutede (OMS) ao estudar a situaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica nas cidades de Puerto
Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad Del Este verificaram a existecircncia de uma
dificuldade no processo de contabilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo que necessita de
atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) haja vista que parte dessa
populaccedilatildeo eacute flutuante Deste modo os repasses de verba para o SUS acabam natildeo
abarcando a realidade total da populaccedilatildeo atendida
Neste estudo as informaccedilotildees indicaram ainda que a maior transferecircncia de
atenccedilatildeo existe entre Ciudad Del Este e Foz do Iguaccedilu Este fenocircmeno pode ser
explicado basicamente pela acessibilidade geograacutefica somadas agraves condiccedilotildees
sociais e comerciais manifestado no tracircnsito entre Ciudad del Este e Foz do Iguaccedilu
Nesse sentido Luis Astorga (2004) responsaacutevel pelo estudo da sauacutede nas trecircs
cidades completa
A atenccedilatildeo que os cidadatildeos do Paraguai solicitam em Foz equivale a algo entre 5 e 55 dos serviccedilos produzidos em Cidade do Leste sendo o Atenccedilatildeo Primaacuteria e de Especialidade os mais procurados pela populaccedilatildeo paraguaia Os serviccedilos mais demandados pela populaccedilatildeo paraguaia satildeo aqueles onde haacute maior diferenccedila entre Cidade do Leste e Foz que satildeo precisamente os serviccedilos
40
ambulatoriais de especialidade Segundo os estudos de Foz aparentemente o maior fluxo de paraguaios concentra-se nos centros de sauacutede proacuteximos ao rio e agrave ponte dado que a populaccedilatildeo pode se deslocar a peacute desde Ciudad del Este (ASTORGA etal 2004 p88)
Cabe aqui a ressalva de que em regiotildees de fronteira internacional assim
como em outras regiotildees do paiacutes o problema da sauacutede eacute resultado de uma
conjuntura de fatores sendo que os mais citados para justificar a ineficiecircncia do
sistema eacute a falta de recursos humanos especializados as distacircncias entre os
municiacutepios e os grandes centros de referecircncia e a insuficiecircncia de equipamentos
para realizaccedilatildeo de tratamentos e procedimentos de meacutedia e alta complexidade
(GADELHA 2007 p216)
Na tentativa de amenizar essa situaccedilatildeo nas cidades de fronteira tendo o
MERCOSUL como propositor dessa poliacutetica criou-se o Sistema Integrado de Sauacutede
do Mercosul (SIS-MERCOSUL) Instituiacutedo em julho de 2005 e lanccedilado em
novembro do mesmo ano na cidade de Uruguaiana ndash RS ndash por meio do ministeacuterio
da sauacutede e dos Estados-membros do Mercosul seu objetivo eacute criar uma agenda
com propostas de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre os paiacuteses do referido bloco e garantir
o atendimento para a populaccedilatildeo da regiatildeo por meio de estrateacutegias que melhorassem
a sauacutede local dos paiacuteses envolvidos
Costa e Gadelha (2007) explicam que ldquoa ideacuteia eacute iniciar uma poliacutetica de
incentivo agrave gestatildeo a partir do repasse de recursos financeiros para os municiacutepios de
fronteirardquo (COSTA e GADELHA 2007 p218) Estas municipalidades por outra via
devem participar ativamente da elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico da realidade da sauacutede
local e realizar o cadastro da populaccedilatildeo no cartatildeo do SUS A complexidade do
diagnoacutestico reside no fato de que momento em que o Estado natildeo considera como
usuaacuterios do sistema uacutenico cidadatildeos advindos dos paiacuteses vizinhos Neste caso eacute
fundamental que haja investimento integrado com os demais paiacuteses
Alguns avanccedilos tecircm sido alcanccedilados no tocante agrave elaboraccedilatildeo de diagnoacutesticos de sauacutede para municiacutepios da linha de fronteira mas ainda natildeo se consegue verificar o relacionamento deste diagnoacutestico da infra-estrutura instalada e real utilizaccedilatildeo do sistema por parte da populaccedilatildeo flutuante que o utiliza Para reverter essa situaccedilatildeo muito haacute que se avanccedilar na coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de fronteiras no Brasil assim como em sua articulaccedilatildeo com as dos paiacuteses vizinhos (COSTA CADELHA 2007 p217)
41
Como podemos observar nos dados apresentados autores que tratam das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas para regiotildees fronteiriccedilas insistem em uma melhor
articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses com poliacuteticas para a fronteira de modo
que estas possam ser executadas com sucesso
15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do
Estado
Albuquerque (2010) apresenta alguns trabalhos histoacutericos e antropoloacutegicos
acerca do Estado e dos agentes locais fronteiriccedilos ldquonas redefiniccedilotildees das identidades
nacionais regionais e locaisrdquo (ALBUQUERQUE 2010 p 46) Dentre estes estudos
o autor descreve aqueles referentes agrave fronteira dos Estados Unidos com o Meacutexico
em que a loacutegica de um hibridismo cultural de uma integraccedilatildeo cultural na fronteira
entre os dois paiacuteses eacute questionada Disto decorre o fortalecimento das identidades
nacionais Inspirados pelos estudos referentes agraves fronteiras entre os paiacuteses
Europeus e Meacutexico e Estados Unidos Albuquerque aponta que os antropoacutelogos do
cone sul em destaque os argentinos tecircm realizado inuacutemeras etnografias nas
fronteiras entres os paiacuteses da Ameacuterica do Sul
O que haacute de comum eacute a tentativa de pensar a tensatildeo entre naccedilatildeo e processos de integraccedilatildeo supranacionais e as maneiras como as identidades nacionais se fortalecem nestes espaccedilos de fronteiras apesar do visiacutevel hibridismo de liacutenguas e outras expressotildees culturais (GRIMSON 2003 KARASIK 2000 VIDAL 2000 apud ALBUQUERQUE 2010 p 27)
A complexidade das relaccedilotildees sociais existentes na fronteira nos permite dizer
que seria leviano rotular as pessoas que nelas transitam Conforme Laclau
(1996)ldquonatildeo se pode afirmar uma identidade diferencial sem distingui-la de um
contexto e no processo de fazer a distinccedilatildeo afirma-se o contexto simultaneamenterdquo
(LACLAU 1996 apud HALL 2003 p 85) No contexto da fronteira nos deparamos
com um sujeito que possui sua identidade nacional negociada o tempo todo atraveacutes
do encontro com os ldquooutrosrdquo
Em Foz do Iguaccedilu como mencionado eacute comum a presenccedila de outras etnias
e nacionalidades que buscam preservar seus costume e tradiccedilotildees mas ao entrar em
contato com outros costumes e valores acabam por adquirir parte de seus haacutebitos
Machado (2006) aponta que uma vez que a identidade sendo cultural e portanto
42
social e historicamente construiacuteda ela pode ser reconstruiacuteda ou reinventada
conforme as circunstancias temporais e espaciais (MACHADO 2006 p 93)
Figueiredo (2005) afirma que a questatildeo da identidade vai para aleacutem da construccedilatildeo
para a negociaccedilatildeo
Se anteriormente as identidades apareciam como construccedilotildees ainda que percebidas como processos simboacutelicos hoje em dia aleacutem dessa noccedilatildeo pode-se pensar e discutir a identidade como negociaccedilatildeo tanto como nas fronteiras culturais como nas linguumliacutesticas e territoriais (FIGUEIREDO 2005 p546)
Deste modo estes encontros relaccedilotildees e negociaccedilotildees entre diferentes
costumes haacutebitos liacutenguas se fazem presentes em Foz do Iguaccedilu e tambeacutem se
manifestam em diferentes espaccedilos como o escolar A escola eacute considerada um
espaccedilo plural principalmente com a globalizaccedilatildeo que provocou dentre outras
mudanccedilas ldquoum redimensionamento de grupos e movimentos migratoacuteriosrdquo (VIERA
2010 p10) Grandes metroacutepoles como Satildeo Paulo possui um grande nuacutemero de
estrangeiros Em reportagem feita para o Jornal bdquoO Estado de Satildeo Paulo‟ a
jornalista Isabela Palhares foi agrave uma escola na capital paulista Os dados fornecidos
pela direccedilatildeo da escola indica que ela possui mais de 55 de alunos estrangeiros
Trata-se da Escola Estadual Marechal Deodoro no Bom Retiro regiatildeo central de
Satildeo Paulo Dos 772 estudantes matriculados 55 satildeo de outro paiacutes ou satildeo filhos
de pais que vieram recentemente para o Brasil ldquoA maioria desses alunos
estrangeiros eacute de bolivianos peruanos e paraguaios mas ainda haacute coreanos
argentinos chilenos e um camaronecircsrdquo (PALHARES 2015)
Embora natildeo seja uma grande cidade em termos populacionais12 como as
capitais ou metroacutepoles brasileiras Foz do Iguaccedilu possui uma diversidade notaacutevel
quanto agrave presenccedila de imigrantes de diferentes nacionalidades e etnias que
possibilita transformaccedilatildeo e reconfiguraccedilatildeo da cultura e do cenaacuterio local Essa
presenccedila de imigrantes como explica Maria Eta Viera (2010) nem sempre eacute
percebida pelo brasileiro como algo valorativo A autora descreve a reaccedilatildeo de
algumas pessoas em transportes puacuteblicos e nas ruas que ao perceberem a
12
Conforme o censo realizado pelo IBGE em 2010 Foz do Iguaccedilu possui cerca de 260 mil
habitantesDisponiacutevel
emlthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=410830ampsearch=||infogrE1ficos-
dados-gerais-do-municEDpiogt Acesso em 14062015
43
presenccedila do estrangeiro com traccedilos fiacutesicos diferentes e falando outro idioma
reagem com repulsa e redobram os cuidados com seus pertences (bolsa celular
carteira etc) (VIERA 2010)
Tradicionalmente tido como um paiacutes hospitaleiro receptivo ao extremo e que valoriza - agraves vezes ateacute de forma exagerada- o que eacute estrangeiro causam estranheza algumas atitudes que tecircm sido observadas com relaccedilatildeo a imigrantes de determinados paiacuteses (VIERA 2010 p61)
O imigrante que deixa seu paiacutes leva consigo a sua histoacuteria cultura valores e
ao chegar a outro paiacutes deve readequar a sua vida a este novo cenaacuterio Esse
encontro pode dar-se de modos diferentes ldquoprovocando desde uma coexistecircncia e
convivecircncia paciacuteficas entre os valores e costumes das comunidades envolvidas ateacute
repulsa e marginalizaccedilatildeo do estrangeiro (VIERA 2010 p63)
Conforme apresenta Homik Babha (1998) natildeo devemos concentrar nossas
atenccedilotildees seja em um lado ou em outro - neste caso o brasileiro em relaccedilatildeo aos
outros Ele critica esta noccedilatildeo binaacuteria entre totalidades Ao observar praacuteticas comuns
tiacutepicas de uma cultura assimiladas por outras eacute possiacutevel sugerir alguns exemplos
passiacuteveis de ocorrer em Foz do Iguaccedilu a saber o mesmo sujeito brasileiro que
chama o paraguaio de xiruacute a fim de ofendecirc-lo eacute o que adquiriu o haacutebito comum aos
paraguaios de tomar o tererecirc13 Isto vale tambeacutem para os apelidos pejorativos e
estigmas que tentam associar ao aacuterabe que reside em Foz do Iguaccedilu como
terrorista14 atraveacutes da denominaccedilatildeo de ldquohomens-bombardquo Aquele que os ofende eacute o
mesmo que fuma o narguile15 consome o shawarma e a esfiha Deste modo Babha
entende que a diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao outro ocorre ao mesmo tempo em que
haacute incorporaccedilatildeo do outro dentro de si mesmo
1313Terereacute ou tererecirc eacute uma bebida tiacutepica feita com a infusatildeo de ervas em aacutegua fria Sua origem eacute atribuiacuteda aos Paraguai tendo suas raiacutezes na cultura dos indiacutegenas guaranis 14A partir do dia 11 de setembro de 2001 uma seacuterie de alegaccedilotildees sobre viacutenculos terroristas na Triacuteplice Fronteira entre Brasil Paraguai e Argentina cruzou as Ameacutericas Essa teoria circulada nos meios de comunicaccedilatildeo combinou com duas correntes imperialistas da poliacutetica externa dos Estados Unidos por um lado a imagem do aacuterabe ou do mulccedilumano como terrorista e por outro a representaccedilatildeo da Ameacuterica do Sul como uma ldquoterra sem leirdquo (MONTENEGRO GIMEacuteNEZ BEacuteLIVEAU 2006 apud KARAN 2011 p203) 15Espeacutecie de cachimbo muito usado por hindus persas e turcos constituiacutedo de um fornilho um tubo longo e um pequeno recipiente contendo aacutegua perfumada pelo qual passa a fumaccedila antes de chegar agrave boca (Dicionaacuterio online Disponiacutevel em lthttpwwwdiciocombrnarguilegtAcesso em 23112015
44
Nas escolas puacuteblicas de Foz do Iguaccedilu este ldquooutrordquo satildeo representados em
sua maioria por paraguaios e argentinos ou seja as diferenccedilas tecircm como marcador
principal a identidade nacional Trata-se de um problema histoacuterico jaacute que a escola
foi um dos instrumentos que permitiu ao Estado tentar iniciar o processo de
homogeneizaccedilatildeo cultural Logo conforme Pereira (2009) a escola deste o iniacutecio foi
considerada um espaccedilo negaccedilatildeo da diversidade O nacional torna-se assim fator
de diferenciaccedilatildeo de tensotildees de abertura para preconceitos e estigmas
Na dissertaccedilatildeo sobre a presenccedila de brasiguaios nas escolas brasileiras
Cirlani Terenciani (2011) menciona o trabalho de Joseacute Carlos de Souza (2001)
sobre as representaccedilotildees que os brasileiros fazem em relaccedilatildeo aos paraguaios
() que se tomar dinheiro emprestado natildeo gosta de pagar e natildeo quer que lembre da diacutevida Eacute vingativo para as pessoas que lhe traem a confianccedila () costuma-se dizer que trecircs coisas o paraguaio natildeo daacute a mulher o cavalo e a arma (SOUZA 2001 p 55 apud TERENCIANI 2011 p56)
Tratam-se de afirmaccedilotildees preconceituosas que contribuem para que a imagem do
paraguaio seja associada agrave ldquofalsidade ilegalidade desconfianccedilardquo (TERENCIANI
2011p 57)
Durkheim em Educaccedilatildeo e Sociologia (2011) descreve a escola enquanto
uma instituiccedilatildeo que natildeo estaacute alheia aos fatos sociais presentes na sociedade Logo
a representaccedilatildeo do ldquooutrordquo tanto em seus aspectos positivos quanto negativos eacute
reproduzido no acircmbito escolar sendo portanto um espaccedilo de negociaccedilotildees das
identidades-diferenccedilas
A educaccedilatildeo eacute inseparaacutevel da sociedade em seus momentos histoacutericos Para
Durkhiem (2011) cada sociedade em determinado momento de seu
desenvolvimento teve um sistema de educaccedilatildeo que se impocircs aos indiviacuteduos com
uma forccedila geralmente irresistiacutevel Isto significa que a educaccedilatildeo tem uma relaccedilatildeo
muito estreita com as necessidades e os conflitos que a sociedade vivencia em
determinado momento histoacuterico A funccedilatildeo social da escola estaria na socializaccedilatildeo da
crianccedila Joseacute Carlos Martins (2010) partindo da teoria sociointeracionista de
Vygotsky cuja visatildeo de desenvolvimento humano se baseia na premissa de que o
pensamento eacute constituiacutedo em um espaccedilo histoacuterico e cultural afirma que ldquoa crianccedila
reconstroacutei internamente uma atividade externa como resultado de processos
interativos que se datildeo ao longo do tempordquo (MARTINS 2010 p114) Com isso o
45
professor e os demais constituintes da comunidade escolar acabam fazendo parte
do processo formativo da crianccedila Logo as ideias valores e conhecimentos desta
instituiccedilatildeo e de outros organismos da sociedade vatildeo influir diretamente na formaccedilatildeo
desta crianccedila
No que confere agraves escolas situadas em regiatildeo de fronteira o grande desafio eacute
lidar com situaccedilotildees que envolvem tanto os aspectos formais quanto os transversais
que se passam em sala de aula como exemplo a funccedilatildeo mediadora do professor e
demais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do aluno ao lidar com diferenccedilas eacutetnicas e
linguumliacutesticas o que eacute comum nas escolas de fronteira internacional Em artigo
publicado sobre a diversidade cultural em sala de aula intitulado de ldquoFronteira
Diversidade Cultural e Cotidiana Escolar na cidade de Ponta Poratilderdquo Nunes e
Terenciani (2010) analisaram as manifestaccedilotildees da diversidade cultural social e
poliacutetica vivida diariamente nas aulas de geografia As autoras constataram que os
alunos oriundos do Paraguai tinham muita dificuldade com a liacutengua portuguesa
() estes alunos principalmente os das seacuteries iniciais muitas vezes chegam agrave escola sem saber falar a Liacutengua Portuguesa e em alguns casos natildeo sabem falar sequer a Liacutengua Espanhola comunicando-se apenas atraveacutes da Liacutengua Guarani o que dificulta o processo de aprendizagem bem como a relaccedilatildeo dos professores com seus alunos (NUNES TERENCIANI 2010 p04)
Nunes e Terenciani (2010) consideram que a escola e o formalismo no qual
ela se fundamenta reforccedila as fronteiras simboacutelicas o que impede a integraccedilatildeo entre
os paiacuteses fronteiriccedilos
Por sua vez na pesquisa com alunos bolivianos que estudam em redes
puacuteblicas e privadas na cidade de fronteira Corumbaacute ndash MS as autoras Ruth Souza e
Aline Rodrigues (2009) em entrevista a coordenadores professores e diretores das
escolas por elas analisadas chegaram agrave conclusatildeo de que os alunos bolivianos
apresentam dificuldades para ler e escrever o que dificulta ateacute mesmo o processo
de integraccedilatildeo dos alunos com os demais (no caso os brasileiros) aleacutem de se
sentirem tiacutemidos pela estranheza daquele universo escolar Ao analisarem o Projeto
Poliacutetico Pedagoacutegico das escolas visitadas as responsaacuteveis pela pesquisa deram o
seguinte parecer
Observa-se entatildeo que a escola brasileira natildeo eacute preparada para atender o aluno estrangeiro nem mesmo em aacutereas de fronteira onde
46
essa realidade eacute cada vez mais frequumlente Os PPP‟s satildeo engessados nas diretrizes gerais da educaccedilatildeo e desconsideram as especificidades locais natildeo oferecendo subsiacutedios adequados para as escolas atenderem os alunos estrangeiros e buscarem a inserccedilatildeo do mesmo no ambiente escolar e garantir o seu aprendizado (SOUZA RODRIGUES 2009 p10)
Outro estudo referente agrave presenccedila de migrantes fronteiriccedilos realizado na
fronteira do Brasil com o Uruguai na cidade de Sant‟Ana do Livramento ndash RS por
Geovana Bardesio e Paulo Cassanego (2013) apontou que as diferenccedilas
relacionadas ao idioma principalmente a expressatildeo escrita da liacutengua portuguesa
foram assinaladas pelos gestores entrevistados como um dos maiores desafios a
serem superados para o melhor desenvolvimento do aluno migrante Os mesmos
quando questionados sobre as atividades desempenhadas com vistas agrave promoccedilatildeo
da socializaccedilatildeo entre os alunos das escolas natildeo relataram nenhuma atividade
direcionada especificamente para o acolhimento de alunos migrantes ldquotambeacutem natildeo
foram verificados incentivos a promoccedilatildeo de discussotildees entre os professores sobre o
tema migraccedilatildeo e sobre a situaccedilatildeo de acolher estudantes nesta condiccedilatildeo na escolardquo
(CASSANEGO E BARDESIO 2013 p7)
Jacira Pereira (2003) apresenta o resultado de sua pesquisa referente agraves
identidades eacutetnico-culturais e sua relaccedilatildeo com o curriacuteculo de escolas situadas em
regiatildeo de fronteira A pesquisa foi realizada na fronteira entre Brasil e Paraguai nas
cidades de Ponta Poratilde e Pedro Juan Caballero Buscou entrevistar duas geraccedilotildees
de migrantes presentes nas cidades oriundos de diferentes etnias e nacionalidades
Dentre as questotildees presentes na entrevista encontra-se uma referente a
atitudes preconceituosas nas escolas devido agrave origem eacutetnica do aluno Pereira
destacou a seguinte resposta de uma estudante paraguaia quando perguntada se
sofria algum tipo de preconceito
Preconceito assim natildeo mas tem aquelas brincadeirinhas de mau gosto Cala boca sua paraguaia [] Isto acontecia desde pequena agora parou um pouco Mas acontecia sempre e eu ficava brava brava Eu tinha vergonha (Luciana Assunccedilatildeo ndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p7)
Em relaccedilatildeo a possiacuteveis apelidos dados pelos colegas de turma a autora
destaca as seguintes falas
Natildeo ligo de ser descendente de libanecircs eu gosto [] Eu natildeo tenho mas os amigos do meu irmatildeo me chamam de turquinho Mas eu natildeo tenho um apelido que todo mundo me chama (Rames Husseinndash 2ordm geraccedilatildeo)
47
Tenho vaacuterios entre eles o de japonecircs porque me confundem com japonecircs [] Natildeo gosto disso (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Pode-se inferir com base nos relatos que nas relaccedilotildees no interior da escola
natildeo se discrimina o sujeito apenas por sua nacionalidade como tambeacutem pela
aparecircncia Ainda com relaccedilatildeo aos preconceitos e agrave discriminaccedilatildeo que sofrem os
migrantes a pesquisadora constatou que a minoria migrante paraguaia eacute a que mais
demonstra ser alvo de tratamento diferenciado expresso nas zombarias e nas
chacotas o que eacute possiacutevel captar nas relaccedilotildees tensas e conflitantes entre as
diferentes etnias na fronteira Eis alguns dos relatos dessas manifestaccedilotildees
Tem alguns soacute mas natildeo falam de verdade eacute soacute de brincadeira os paraguaios natildeo levam muito a seacuterio Tem amigo do meu irmatildeo que chama de chipeiro porque eacute do Paraguai soacute que esse apelido pegou e todo mundo soacute chama assim os paraguaios (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) Jaacute vi colocar apelido Um rapaz que tem na minha sala o chamam de chipa de paraguaio Mas eacute coisa de amigo ele leva na brincadeira Natildeo leva a mal (Rames Husseinndash 2ordf geraccedilatildeo) Assim natildeo eacute que tira sarro Chama assim de chipa (Latiffe Nasserndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Com estes dados a pesquisadora aponta que eacute comum em escolas da
fronteira a reproduccedilatildeo do imaginaacuterio negativo que se tem do ldquooutrordquo e conclui ldquoque a
comunicaccedilatildeo entre os colegas eacute carregada de hostilidade o que marca a diferenccedila
eacutetnica como uma caracteriacutestica negativardquo (PEREIRA 2003 p7)
A professora Maria Elena Pires dos Santos (2010) em pesquisa realizada
sobre o cenaacuterio sociolinguiacutestico na fronteira e sua relaccedilatildeo com as poliacuteticas
educacionais e pedagoacutegicas ao realizar um estudo com alunos brasiguaios em uma
escola de Foz do Iguaccedilu percebe que haacute diferentes olhares para a escrita hiacutebrida do
aluno brasiguaio Para a autora ldquoa leitura e a escrita processos mais valorizados na
escola eacute justamente o que evidencia a visibilizaccedilatildeo do aluno brasiguaio
constituindo fonte de estigmatizaccedilatildeo e preconceitordquo (PIRES-SANTOS 2010 p 46)
Ela ainda aponta que os professores ficavam insatisfeitos quando tinham que
receber alunos ldquobrasiguaiosrdquo sendo uma das possiacuteveis explicaccedilotildees o fato deste
aluno possuir uma linguagem hiacutebrida e pelo fato do ldquoportunholrdquo ser um grande fator
de preconceito na fronteira
48
Em pesquisa realizada sobre a presenccedila de alunos brasiguaios em escolas
de fronteira BrasilParaguai na cidade de Ponta Poratilde Ione Dalinghaus (2009)
observou que mesmo em uma escola onde 90 dos alunos satildeo paraguaios ou
ldquobrasiguaiosrdquo eacute proibido o uso de outra liacutengua que natildeo o portuguecircs evidenciando
assim o mito16 do monolinguismo Tambeacutem Cerliani Terenciani (2011) em sua
dissertaccedilatildeo tratou de estudar a presenccedila de alunos oriundos do Paraguai nas
escolas de Ponta Poratilde Ao entrevistar uma professora cujos pais satildeo paraguaios
mas ela fora registrada no Brasil relata sua experiecircncia na escola
Eu sofri hien ixi Me chamavam de paraguaia Falavam que eu era uma iacutendia que natildeo sabia falar o portuguecircs e essas coisas tipo de deboche assim sabe que eacute ()(Entrevista concedida agrave CERLIANI 2011 p102)
Outra percepccedilatildeo da dificuldade de adaptaccedilatildeo do(a) aluno(a) paraguaio(a) em
escolas brasileiras agora na cidade de Santa Terezinha de Itaipu17 encontra-se na
pesquisa de Marli Schlosser e Margarete Frasson (2012) sobre a imigraccedilatildeo de
alunos da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo Baacutesica do Paraguai para escolas brasileiras da rede
municipal de ensino entre os anos de 2007 e 2011 Segundo as autoras a fronteira
pode se apresentar como um espaccedilo de vivecircncia e possibilidades que seria por
exemplo o aluno migrante aprender um novo idioma No entanto quando os novos
conhecimentos que este aluno tem que adquirir na escola natildeo eacute em sua liacutengua
materna o processo de travessia na fronteira torna-se doloroso para o mesmo
ldquoobrigando-o a fazer uso de atitudes de silenciamento ou seja ele passa a se
apresentar reservado e em bdquoinvisibilidade‟ retraiacutedo para natildeo ser visto pelo olhar
hegemocircnico da escolardquo (GENTILI 2004 apud SCHLOSSER E FRASSON 2012
p4)
As pesquisas realizadas em diferentes escolas de fronteira apontam para a
necessidade de discussotildees que passem pelo campo das poliacuteticas linguumliacutesticas e
educacionais para a diversidade Ataiacutede e Moraes (2003) discorrem sobre a
tendecircncia de homogeneizaccedilatildeo curricular que aliena a escola de seu contexto O
Brasil como um todo ldquoproduz um projeto pedagoacutegico exoacutegeno e xenoacutefobordquo (ATAIacuteDE
16
Aleacutem do portuguecircs satildeo faladas hoje mais de 222 liacutenguas no Brasil Dessas liacutenguas explica Maher
mais de 180 satildeo indiacutegenas cerca de 40 satildeo liacutenguas de imigraccedilatildeo e duas satildeo liacutenguas de sinais LIBRAS-a Liacutengua Brasileira de Sinais-e a Liacutengua de Sinais Kaapor Brasileira Aleacutem das liacutenguas africanas Assim o Brasil pode ser considerado como um paiacutes multiliacutenguumle (MAHER 2013 p117) 17
Cidade localizada na zona de fronteira entre Brasil e Paraguai
49
e MORAES 2003 p83) Jurjo Santomeacute (1995) fala sobre o silenciamento que existe
nos curriacuteculos nacionais referentes agraves minorias no ambiente escolar sendo que no
caso da presenccedila de estrangeiros nas escolas fronteiriccedilas ela natildeo eacute nem negada e
tampouco silenciada tecircm se a impressatildeo de sua inexistecircncia Albuquerque e Souza
(2014) utilizam a expressatildeo ldquotrincheiras culturaisrdquo para se referirem agraves escolas em
aacutereas de fronteiras que tem por funccedilatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo e combater o
idioma estrangeiro (ALBUQUERQUE 2014 p02)
Embora a expressatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo seja reducionista ao limitar a
funccedilatildeo da escola agrave nacionalizaccedilatildeo um fato ocorrido em 1999 na fronteira entre
Brasil e Uruguai na cidade de Rivera natildeo tira em alguma medida este caraacuteter
ldquonacionalizadorrdquo o qual o Estado busca desempenhar atraveacutes da escola Trata-se de
uma reportagem publicada nos dois principais jornais da capital uruguaia
Montevideacuteu em que o ministro da educaccedilatildeo do paiacutes demonstrou sua indignaccedilatildeo
pelo fato do idioma portuguecircs ter invadido as escolas do Uruguai localizadas em
regiotildees de fronteira senti verguenza del estado de nuestras escuelas () Hasta
queacute punto el idioma portuguecircs habiacutea penetrado em nuestro paiacutes (Jornal El Paiacutes
1999 p6 apud SAacuteNCHEZ 2002p 115) A posiccedilatildeo do Conselho Diretivo Central de
Ensino natildeo foi muito diferente do ministro
por la expasiacuteon del idioma portugueacutes y el portunhol em aacutereas fronterizas y las acertadas medidas que adoptaraacute-fortalecimiento de la ensentildeanza del espanotildel formaacuteciacuteon de docentes de esa a signatura y maacutes centros educativosrdquo (Jornal El Observador 1999 p10 apud SAacuteNCHEZ 2002 p116)
A escola apresenta-se neste contexto enquanto reguladora seja de valores
culturas memoacuterias identidades a partir de padrotildees universalistas construiacutedos sem
um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007 p119) Uma possiacutevel tentativa de
transformar estas questotildees em estudo nas regiotildees fronteiriccedilas eacute o Programa das
Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) que conforme o documento oficial do
programa busca discutir a ldquoidentidade regional biliacutengue e intercultural no marco de
uma cultura de paz e cooperaccedilatildeo interfronteiriccedilardquo (ARGENTINABRASIL 2007 p 2)
Esta proposta seraacute analisada no proacuteximo capiacutetulo
Este capiacutetulo teve como objetivo traccedilar algumas perspectivas possiacuteveis de
abordar o tema de fronteira a comeccedilar com a etimologia da palavra utilizada pela
primeira vez no seacuteculo XIII como separaccedilatildeo entre Estados Hoje a fronteira eacute
estudada a partir de diferentes dimensotildees social simboacutelica cultural etc Desse
50
modo rompemos com a ideia de fronteira apenas como o limite entre estados e com
a tendecircncia de se cristalizaccedilatildeo da mesma pois eacute fruto de uma construccedilatildeo histoacuterica
Outro aspecto levantado foi o papel da educaccedilatildeo escolar na construccedilatildeo do
imaginaacuterio e do sentimento de pertenccedila agrave naccedilatildeo (ANDERSON 1993) O Estado
utilizou as escolas para propagaccedilatildeo dos ideais nacionais na cidade de Foz do
Iguaccedilu com o objetivo de demarcar e proteger o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos dos
imigrantes e seus descendentes
Na relaccedilatildeo entre fronteira e poliacuteticas puacuteblicas a bibliografia levantada sobre
estudos sobre fronteira e relaccedilotildees trabalhistas fronteira e o Sistema Uacutenico de Sauacutede
e das escolas em regiatildeo de fronteira demonstraram que os paiacuteses convivem como
naccedilotildees diferentes entre si embora os problemas que o afetem extrapolam a questatildeo
nacional de cada paiacutes A fronteira eacute um lugar o Estado se faz presente eacute notaacutevel
pelo processo de securitizaccedilatildeo da fronteira brasileira mas eacute tambeacutem o lugar onde o
Estado-naccedilatildeo se enfraquece dada a fluidez dos agrupamentos humanos
(MACHADO 2010)
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS
E CONTRADICcedilOtildeES PARA A CONSOLIDACcedilAtildeO DO ESTADO-NACcedilAtildeO
51
Este capiacutetulo tem como objetivo principal apresentar o processo pelo qual a
educaccedilatildeo na cidade de Foz do Iguaccedilu se desenvolveu com a finalidade de
demonstrar que neste trajeto a escola foi um dos principais instrumentos do
Estado junto com a militarizaccedilatildeo da fronteira para bdquonacionalizar‟ e proteger o
territoacuterio brasileiro Para isto primeiramente apresentamos o contexto ao qual a
cidade de Foz do Iguaccedilu foi fundada destacando que o territoacuterio desde a fundaccedilatildeo
da Colocircnia Militar em 1889 contava com a presenccedila de estrangeiros
Ao mesmo tempo abordamos a trajetoacuteria da formaccedilatildeo das escolas em Foz do
Iguaccedilu a partir da histoacuteria da educaccedilatildeo do Paranaacute O capiacutetulo destaca os principais
fatos histoacutericos que ocorreu no Estado paranaense e na regiatildeo Oeste do Paranaacute que
marcaram a criaccedilatildeo das escolas Destaca-se aqui os anos de 1930-1945 periacuteodo
em que ocorreu a Marcha para o Oeste e a fundaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do
Iguaccedilu que estimulou o desenvolvimento do Oeste do Paranaacute e com isto a criaccedilatildeo
de escolas ao mesmo tempo em que a poliacutetica nacionalista do governo varguista
aplicou uma poliacutetica de vigilacircncia sobre as escolas dos imigrantes ou mesmo o seu
fechamento Delineamos ainda os principais aspectos educacionais a partir dos
anos de 1990 ateacute os dias atuais para destacar os resquiacutecios e as transformaccedilotildees da
educaccedilatildeo na cidade de fronteira ao longo deste periacuteodo
21 Contexto histoacuterico
A regiatildeo da chamada triacuteplice fronteira eacute composta pela Argentina Brasil e
Paraguai com suas respectivas cidades Puerto Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este como pode ser observado no mapa abaixo
52
Imagem VI- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte httpgeouel2009blogspotcombr201207triplice-fronteira-apontamentoshtml
A presenccedila de imigrantes europeus na regiatildeo onde hoje eacute a cidade de Foz do
Iguaccedilu data do ano de 1542 com os relatos da chegada de Aacutelvaro Nunes Cabeza
de Vaca agraves cataratas Este relato faz parte da histoacuteria de construccedilatildeo da cidade
brasileira e se funde agrave histoacuteria das cataratas do Iguaccedilu - uma das sete maravilhas da
natureza Foz do Iguaccedilu tem como marco fundador a criaccedilatildeo da colocircnia militar em
1889 e a data de 1930 como iniacutecio de seu processo modernizador (SOUZA 2009)
Portanto eacute a partir da fundaccedilatildeo da colocircnia militar que buscamos conhecer o
processo de formaccedilatildeo das primeiras escolas da regiatildeo oeste paranaense e
portanto de Foz do Iguaccedilu
Compreender o processo de desenvolvimento da cidade de Foz do Iguaccedilu
bem como o de suas instituiccedilotildees de ensino implica na contextualizaccedilatildeo dos
acontecimentos e transformaccedilotildees no Brasil e tambeacutem das mudanccedilas ocorridas
nesta regiatildeo fronteiriccedila
A educaccedilatildeo brasileira do seacuteculo XIX foi reflexo das transformaccedilotildees no acircmbito
da produccedilatildeo da vida social ocorridas no Brasil poacutes-independecircncia No Paranaacute as
atividades econocircmicas tinham como base as fazendas de gado A criaccedilatildeo de gado e
o comeacutercio foram fundamentais para a o povoamento do territoacuterio nesse periacuteodo
Segundo Maria Ceciacutelia Oliveira (1986) com o crescimento das lavouras de
cafeacute em Satildeo Paulo o comeacutercio interno de escravos cresceu significativamente Do
mesmo modo no Paranaacute que por volta de 1865 viu o nuacutemero de escravos
diminuiacuterem significativamente na Proviacutencia A falta de matildeo-de-obra refletiu na
agricultura paranaense direcionada para o abastecimento de gecircneros alimentiacutecios
53
Para solucionar a falta de matildeo-de-obra o governo provincial ldquoque jaacute vinha
promovendo a imigraccedilatildeo de grupos de estrangeiros intensificou a poliacutetica
imigratoacuteria objetivando a atender o problema da matildeo-de-obra na produccedilatildeo agriacutecolardquo
(OLIVEIRA 1986 p34) A mesma autora aponta que a Proviacutencia do Paranaacute criou
escolas em diversas colocircnias estrangeiras situadas proacuteximas dos nuacutecleos urbanos
sobretudo de Curitiba Ao mesmo tempo os imigrantes criaram suas proacuteprias
escolas para manutenccedilatildeo da cultura de seus respectivos paiacuteses de origem
As escolas e o conjunto de sua estrutura eram precaacuterios ldquofaltava preacutedio
escolares ausecircncia e deficiecircncia de professores baixa frequumlecircncia escolar aleacutem dos
parcos recursos disponiacuteveisrdquo (OLIVEIRA 1986 p35) No Brasil como um todo
seguia sem diretrizes que pudessem organizar melhor o ensino no paiacutes
A ausecircncia de um plano definido de educaccedilatildeo que atendesse agraves necessidades brasileiras pode ser verificada pelas inuacutemeras reformas e projetos apresentados na Corte que marcam o Segundo Impeacuterio e influiacuteram na organizaccedilatildeo do ensino Entre eles podem ser
destacados (OLIVEIRA 1986 p35)
No Paranaacute apoacutes sua emancipaccedilatildeo em 1853 a instruccedilatildeo puacuteblica encontrava-
se em condiccedilotildees de precariedade e natildeo atingia toda a populaccedilatildeo Trindade (2001)
aponta que em meio a uma populaccedilatildeo de 620000 habitantes haviam apenas 615
alunos nos cursos de primeiras letras ldquoo ensino secundaacuterio era praticamente
inexistente e o pouco que havia em Curitiba buscava atender agrave demanda local e do
interior da Proviacutenciardquo (TRINDADE 2001 p 61)
21 Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo
A colocircnia militar que marcou o iniacutecio da atuaccedilatildeo do Estado na regiatildeo de Foz do
Iguaccedilu foi criada a partir da lei imperial nordm 601 de 18 de setembro de 1850
regulamentada pelo decreto nordm 1318 de 30 de janeiro de 1854 que determinava o
registro das terras no territoacuterio brasileiro Desse modo o entatildeo presidente da
Proviacutencia do Paranaacute recebeu em 1854 o pedido para implementaccedilatildeo da colocircnia
militar e junto ao pedido seguiam as atividades a ser desenvolvidas pela colocircnia
1ordm Conceder o governo terras e fazer o sacrifiacutecio pecuniaacuterio annual
de 30 contos por certo numero de annos para pagar os juros de capital que se tomasse emprestado e se houvesse de applicar as
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despezas de viagem e sustento de 500-600 familias 2ordm Estar a
direcccedilatildeo agrave cargo de pessoas responsaacuteveis pelo capital sob a
vigilacircncia o governo 3ordm Serem os lotes de terras divididos e vendidos
conforme hum preccedilo determinado destinando-se o producto a
construccedilatildeo de igrejas escolas etc etc 4ordm Incumbir a direcccedilatildeo a
procura de colonos e fornecimento de casas sementes animaes
viveres roupa bom mercado ao seus productos ampc 5ordm Cultivarem
as colocircnias de serra-acima cereais crearem animaes fazerem manteiga e queijo ao passo que as de serra-abaixo devem entregar-
se aacute cultura de generos coloneaes 6ordm Fazer o governo com as
despezas com padres e mestres de escola (RIIT 2011 p51 apud VASCONCELOS 1854 p 56)
Desse modo a ocupaccedilatildeo da regiatildeo por parte do Brasil foi consolidada no ano
de 1889 com a colocircnia militar O objetivo consistia em proteger o territoacuterio brasileiro
principalmente apoacutes a Guerra da Triacuteplice Alianccedila18 (1864-1870) Segundo Valdir
Gregory (2012) as intencionalidades em estabelecer um posto militar avanccedilado eacute
apenas uma justificativa que tinha ldquocomo pano de fundo a necessidade da
construccedilatildeo da nacionalidade () os sucessos na guerra motivaram a presenccedila fiacutesica
e ideoloacutegica na triacuteplice fronteirardquo (GREGORY 2012 p 50) Escreve Silveira Neto
(1939) em seus relatos de viagem que havia naquele periacuteodo de implementaccedilatildeo da
colocircnia militar 324 habitantes ldquosendo 188 paraguaios 33 argentinos 93 brasileiros
5 franceses 2 espanhoacuteis 1 inglecircs 2 orientais Destes 220 homens e 104 mulheresrdquo
(NETO 1939 p 52)
Estabelecida a colocircnia os militares se preocuparam com a necessidade da
instruccedilatildeo escolar Assim em 1895 foi criada uma escola informal que no iniacutecio
contou com vinte alunos matriculados
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p 37)
18 Na eacutepoca do Brasil imperial toda essa fronteira foi assegurada com a vitoacuteria da Guerra da Triacuteplice
Alianccedila (1865-1870) que derivou no aniquilamento de capacidade econocircmica e beacutelica paraguaia A vitoacuteria brasileira argentina e uruguaia impocircs ao Paraguai a assinatura do Tratado de Limites de 1872 que anexava ao territoacuterio brasileiro terras paraguaias agrave leste do Rio Paranaacute (ROSEIRA 2006 p 38)
55
Segundo o mesmo autor entre os anos de 1889 ateacute 1912 ano de extinccedilatildeo da
Colocircnia Militar as crianccedilas de famiacutelias brasileiras com boas condiccedilotildees financeiras
que natildeo eram filhas de funcionaacuterios do governo buscavam escolarizaccedilatildeo nos paiacuteses
vizinhos Para o autor a instruccedilatildeo particular domiciliar ficava restrita a filhos de
funcionaacuterios que ocupavam cargos importantes Durante o periacuteodo de vigecircncia da
Colocircnia Militar prevaleceu a modalidade de instruccedilatildeo sem instituiccedilatildeo Natildeo existiu
escola ou casa escolar em Foz do Iguaccedilu (EMER 1991 p 28)
Destacam-se os argentinos que nesse periacuteodo dominavam a regiatildeo pois as
companhias ervateiras e madeireiras eram daquele paiacutes ldquoSe a produccedilatildeo local era
estrangeira a moeda a liacutengua e os bens de primeira necessidade tambeacutem o eramrdquo
(ROSEIRA 2006 p41) No que se refere ao idioma o guarani e o espanhol eram
predominantes nesta regiatildeo Em relaccedilatildeo agrave moeda o dinheiro que circulava era o
peso argentino e as propriedades eram em sua maioria pertencentes agraves Obrages
(WACHOWICZ 1985 p 140 apud ROSEIRA 2006 p 51)
Segundo o historiador Ruy Wachowicz (2010) este processo de aproximaccedilatildeo
com a Argentina fez com que a regiatildeo oeste ficasse mais exposta agrave penetraccedilatildeo
argentina do que com o restante do Brasil (WACHOWICZ 2010 p 275) A
proximidade entre os dois paiacuteses fez com que o oeste paranaense fosse
culturalmente influenciado e economicamente dependente da Argentina Wachowicz
aponta que por volta de 1881 os argentinos comeccedilaram a exploraccedilatildeo da erva-mate
em Misiones e mais tarde no Brasil na regiatildeo oeste do Paranaacute
Otiacutellia Schimmelpfeng (1991) em seu livro ldquoRetrospectos iguaccedilusensesrdquo fala
acerca desta singularidade ldquoA moeda argentina circulava com domiacutenio absoluto na
praccedila Pouco ou nada se fala em ldquomil reacuteisrdquo naquele tempordquo (SCHIMMELPFENG
1991 p 28) O ldquopesordquo se introduzia ateacute nas reparticcedilotildees puacuteblicas Em entrevista ao
historiador Ruy Cristovatildeo Wachowicz Otiacutellia eacute mais detalhista sobre a influecircncia
argentina
Eu sentia aqui como se natildeo tivesse no Brasil Me sentia aqui isolada parecia que eu estava em outro paiacutes ateacute Porque todos os haacutebitos a liacutengua falada aqui era mais que predominava era o espanhol o castelhano como se dizia Parece que as pessoas quando vinham pra caacute no Brasil se achavam na obrigaccedilatildeo de aprender o castelhano pra ser entendido Parecia E todo mundo se interessava em falar o castelhano porque a convivecircncia aqui era muito maior com os argentinos Paraguai natildeo tanto porque noacutes natildeo tiacutenhamos Paraguai nessa regiatildeo aqui natildeo era muito habitada Mas tinha o Porto Aguirre que hoje eacute Porto Iguaccedilu que jaacute era um porto de grande movimento de turismo jaacute jaacute tava sendo legalizado entatildeo jaacute tinha mais
56
desenvolvimento e mais recurso tambeacutem pra atender Foz do Iguaccedilu entatildeo noacutes tiacutenhamos mais contacto com os argentinos [] Entatildeo a gente tinha aqui um contacto mesmo constante com os argentinos E se falava soacute quase o castelhano a moeda era soacute o peso argentino (SCHIMMELPFENG 1980 apud SBARDELOTTO 2009 p 91)
O contato de Foz de Iguaccedilu era muito mais intenso com os paiacuteses fronteiriccedilos
do que com o restante do paiacutes Sbardelotto (2008) explica que havia tambeacutem um
grande nuacutemero de paraguaios que adentravam no Oeste do Paranaacute para trabalhar
nas empresas de erva-mate e posteriormente de madeira Contudo a presenccedila
argentina se destaca uma vez que eram o grupo que ldquodetinham os meios de
produzir e comercializar a principal atividade produtiva da regiatildeo e que atraveacutes
deste controle econocircmico determinavam os costumes a cultura e tambeacutem a
educaccedilatildeo neste territoacuteriordquo (SBARDELOTTO 2008 p5)
Dessas companhias madeireiras que se estabeleceram na regiatildeo muitas
faziam parte do modelo de exploraccedilatildeo denominado de Obrage ldquoO obragero era o
proprietaacuterio desse tipo de latifuacutendio () o obragero argentino explorava a erva-mate
e a madeira em torosrdquo (WACHOWICZ 2010 p 276) Em poucas deacutecadas a regiatildeo
que compreende a costa paranaense foi ocupada por inuacutemeras obrages e
consequentemente povoada em sua maioria por paraguaios argentinos e guaranis
modernos19 que trabalhavam como mensus20 Em 1930 a populaccedilatildeo estimada nas
obrages passava dos 10000 habitantes em sua maioria estrangeira
Naquele contexto a intensidade das relaccedilotildees fez com que a Argentina se
tornasse o principal prestador de serviccedilos agrave cidade de Foz do Iguaccedilu Segundo
Sbardelotto (2009) muitas crianccedilas eram escolarizadas no sistema argentino
absorvendo a liacutengua a histoacuteria e os costumes do paiacutes vizinho (SBARDELOTTO
2009 p 92)
Durante o periacuteodo em que seguia o desenvolvimento da Colocircnia Militar os
ldquopioneirosrdquo responsaacuteveis por sua construccedilatildeo diante da ausecircncia de um sistema de
ensino institucionalizado passaram a organizar e estruturar uma educaccedilatildeo natildeo-
formal
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e
19
Termo empregado aos indiacutegenas guaranis miscigenados do Paraguai (PRIORI A et al 2012p79) 20 A expressatildeo vem do espanhol da palavra bdquomensual‟ ou seja mensalista (GREGORY 2002 p 89 apud PRIORI A et al 2012p79)
57
funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p37)
No ano de 1910 a Colocircnia Militar passou a ser distrito de Guarapuava e
denominada de Vila do Iguassuacute Em 1912 o Ministeacuterio da Guerra emancipou a
colocircnia que passou a ser administrada pelos civis sob o governo do Estado do
Paranaacute Em 1914 com a lei nordm 1383 foi criada a municipalidade de Vila do Iguassuacute e
em 1918 o nome Foz do Iguaccedilu foi adotado como oficial Conforme Lima (2001) no
periacuteodo compreendido entre 1914 a 1930 aleacutem do estabelecimento das primeiras
famiacutelias brasileiras argentinas e paraguaias houve a colonizaccedilatildeo por parte dos
imigrantes descendentes de alematildees poloneses e italianos (LIMA 2001 p 31)
De acordo com Emer (1991) a partir de 1914 o governo do Estado do
Paranaacute instituiu um novo modelo de escola o Grupo Escolar Estes grupos
escolares dirigiam-se ao ensino de quatro seacuteries com conteuacutedos progressivos Estas
escolas estavam localizadas nos principais centros urbanos e nas regiotildees mais
afastadas do centro seguiam sem escolas ou com muita precariedade de escolas
Os grupos de migrantes na ausecircncia de escolas construiacuteam as suas proacuteprias
A falta de escolas no Paranaacute fazia sentir-se especialmente fora dos nuacutecleos coloniais dos imigrantes que ao contraacuterio dos demais nuacutecleos populacionais natildeo esperavam pela iniciativa do governo mas construiacuteam suas proacuteprias escolas e providenciavam o professor Quando muito solicitavam algum tipo de subvenccedilatildeo do governo estadual A escola dos imigrantes natildeo se desenvolveu mais porque o Estado desde 1901 apenas subvencionava os professores que ensinassem em liacutengua portuguesa Esse natildeo era o interesse dos imigrantes Pretendiam repassar agraves novas geraccedilotildees sua noccedilatildeo de nacionalidade de origem que incluiacutea a liacutengua a religiatildeo e os costumes Se o ensino fosse apenas na liacutengua portuguesa os colonos retiravam seus filhos e organizavam uma nova escola particular Em diversas localidades a escola puacuteblica foi desativada e removido o professor por absoluta falta de alunos (EMER 1991 p 207)
Emer destaca as modalidades de ensino que foram criadas neste periacuteodo
tanto no acircmbito formal quanto na esfera institucionalizada satildeo elas (1) Instruccedilatildeo
sem instituiccedilatildeo - ldquoSimplesmente algumas crianccedilas reuniam-se ao redor da mesa de
refeiccedilotildees de uma residecircncia para aprender ler escrever e calcular - curriacuteculo e
58
objetivos educacionais estabelecidos pelos paisrdquo (referecircncia) - que consistia em que
a educaccedilatildeo era dada pelo grupo social sem nenhuma institucionalizaccedilatildeo (2) casa
escolar - construiacuteda e mantida pelos pioneiros - ldquo() do professor era exigida uma
melhor qualificaccedilatildeo isto eacute deveria ensinar mais que na escolarizaccedilatildeo Domiciliar a
Casa Escolar deveria funcionar tecnicamente bemrdquo (EMER 2012 p 36) (3) casa
escolar puacuteblica criada e regulamentada pelo Municiacutepio- ldquoComo uma escola oficial
os alunos das Casas Escolares Puacuteblicas eram submetidos aos exames puacuteblicos
elaborados pelos oacutergatildeos educacionais puacuteblicos para comprovaccedilatildeo da escolaridaderdquo
Neste modelo ficava a cargo do governo contratar e remunerar o professor
cabendo a este alugar uma sala ou casa e formar o grupo de aluno de primeiras
letras Por uacuteltimo o Grupo Escolar Puacuteblico (4) ndash que se diferencia das demais
modalidades por ter sido construiacuteda em nuacutecleos de povoamento mais desenvolvidos
e pela forma de funcionamento Nas modalidades anteriores o objetivo era aprender
a ler escrever e calcular Posteriormente com a oficializaccedilatildeo da casa escolar a
comprovaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo passou a ser feita por meio de avaliaccedilotildees No grupo
escolar a preocupaccedilatildeo era de bdquoaprovar‟ o aluno para a seacuterie seguinte ldquonum processo
gradual de comprovaccedilatildeo de conhecimentos dos conteuacutedos definidos pelo ldquosistemardquo
educacional como requisito de cada seacuterie (EMER 2012 p 36)
A partir da fundaccedilatildeo da municipalidade em 1914 a populaccedilatildeo passou a
reivindicar um modelo de educaccedilatildeo subsidiado pelo poder puacuteblico Naquele
momento Foz do Iguaccedilu desenvolvia planos para combater o contrabando da
fronteira o que demandou a contrataccedilatildeo de agentes fiscais Esse processo fez com
que o grupo de escolarizados que chegavam agrave cidade passassem a requerer
escolas para seus filhos aleacutem do fato do crescimento da populaccedilatildeo e por
consequecircncia o aumento de crianccedilas (EMER 2012 p 37)
Conforme Emer (1991) entre os anos de 1915 e 1916 ldquoa Prefeitura Municipal
teria construiacutedo e mantido uma casa escolar puacuteblica embora precaacuteria e insuficienterdquo
(EMER 1991 apud Sbardelotto 2009 p 96) Wachowicz afirma que a necessidade
da criaccedilatildeo de escolas por parte da populaccedilatildeo soacute surgiu quando a populaccedilatildeo
urbana cresceu significativamente organizando assim a vida social (WACHOWICZ
1984 p 19) Apesar da iniciativa de dar acesso ao ensino puacuteblico de forma gratuita
a todos Sbardelotto aponta que apenas a populaccedilatildeo masculina foi contemplada
aleacutem do caraacuteter eminentemente elitista uma vez que os filhos de trabalhadores por
terem que optar pela subsistecircncia da famiacutelia abandonavam as escolas
59
Outros fatores contribuiacuteram para o desenvolvimento da educaccedilatildeo em Foz do
Iguaccedilu dentre eles a presenccedila da Igreja Catoacutelica Anterior a fundaccedilatildeo do
municiacutepio em decorrecircncia da localizaccedilatildeo e da dificuldade de deslocamento a
populaccedilatildeo da cidade soacute recebia assistecircncia religiosa uma vez por ano Isso
perdurou ateacute 1918 quando a Igreja optou em criar uma Paroacutequia na cidade desde
que contasse com a ajuda do governo Nesse sentido o acordo entre Igreja e
governo do Estado foi firmado com a condiccedilatildeo de que a Igreja construiacutesse e
dirigisse um grupo escolar
Em 1923 foi instalada a paroacutequia e nomeado o primeiro vigaacuterio um sacerdote alematildeo da Congregaccedilatildeo do Verbo Divino Padre Guilherme Maria Tilecks Para cumprimento do acordo com o Estado mesmo antes da construccedilatildeo do Grupo Escolar o Padre Guilherme passou a lecionar na Casa Escolar Para o desempenho de suas atividades recebeu a ajuda de outros dois padres e de um irmatildeo de sua congregaccedilatildeo (Padre Joatildeo Progzeba Padre Paulo Schneider e Irmatildeo Bianchi) (EMER 2012 p 38)
Por meio do Decreto nordm 1326 do dia 27 de agosto de 1928 surge o Grupo
Escolar Caetano Munhoz da Rocha que posteriormente passou a ser chamado de
Grupo Bartolomeu Mitre primeiro grupo escolar da mesorregiatildeo Oeste do Paranaacute
Em 1930 o grupo escolar passou a ser administrado pelo governo do Paranaacute sob a
direccedilatildeo de professores nomeados pelo Estado Segundo o Plano Municipal de
Educaccedilatildeo (PME) de 2015 ldquoa funccedilatildeo da escola no municiacutepio na eacutepoca era a de
cooperar com a nacionalizaccedilatildeo de um espaccedilo que era submetido por argentinos e
paraguaiosrdquo (PME 2015 p 4) Desse modo a criaccedilatildeo da escola passa a ser
reconhecido pelo Estado como instrumento necessaacuterio para a nacionalizaccedilatildeo da
triacuteplice fronteira O plano municipal utiliza a palavra bdquosubmetido‟ indicando que
naquele periacuteodo havia certa preocupaccedilatildeo com a presenccedila e influecircncia dos paiacuteses
fronteiriccedilos como uma ameaccedila ao territoacuterio e a necessidade de construccedilatildeo da
naccedilatildeo
60
Imagem V- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre Fonte Site da Secretaria Estadual do Paranaacute
httpwwwfozbartolomeumitreseedprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=9
O fato de o Brasil homenagear um general argentino ao nomear uma escola
em seu nome levou Emer a questionar os motivos que levariam o Estado brasileiro a
tomar essa atitude ou se ela foi apenas uma homenagem despretensiosa ao general
argentino Os interesses do Brasil naquele periacuteodo era dar seguimento agrave poliacutetica
integracionista do territoacuterio com uma campanha nacionalista e o Grupo Escolar Mitre
eacute o marco da institucionalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo no oeste paranaense Por isso as
motivaccedilotildees natildeo ficaram tatildeo claras (SBARDELOTTO 2007)
A partir da deacutecada de 1930 a cidade de Foz do Iguaccedilu passou a receber
imigrantes descendentes de italianos e alematildees aleacutem de inuacutemeros agricultores do
Rio Grande do Sul Neste mesmo periacuteodo o governo do Estado do Paranaacute fez
algumas reformas educacionais de teor nacionalista conivente com as mudanccedilas do
governo como aponta o Plano Municipal de Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu (2015)
Algumas mudanccedilas comeccedilam acontecer na educaccedilatildeo do paiacutes Uma delas eacute a manifestaccedilatildeo do Estado entre os anos de 1917 e 1919 o governo federal delibera verba para as escolas que ensinavam em liacutengua portuguesa e as escolas de imigrantes que ensinavam em outra liacutengua eram vigiadas e fechadas (PME 2015 p 5)
Durante o Estado Novo essas escolas passaram a ser alvo do governo
principalmente apoacutes a Marcha para o Oeste ldquoque defendia a ocupaccedilatildeo efetiva e a
nacionalizaccedilatildeo das fronteiras nacionais brasileiras de Norte a Sul do paiacutesrdquo (PRIORI
et al 2012 p 65) O projeto explica Priori (etal 2012) buscava despertar o
sentimento de nacionalidade e brasilidade na populaccedilatildeo que vivia na fronteira
No caso da fronteira de Foz do Iguaccedilu despertar na populaccedilatildeo esse
sentimento de nacionalidade era combater agrave ameaccedila que paraguaios argentinos e
61
os descendentes de alematildees italianos poloneses dentre outros imigrantes que se
fixaram na regiatildeo representavam ao projeto de integraccedilatildeo nacional do governo
22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo
A ldquoMarcha para o Oesterdquo foi um importante processo que contribuiu para o
projeto de nacionalizaccedilatildeo da fronteira Segundo Lenharo (1986 apud Lopes 2004)
o discurso de Vargas justificava a ldquoMarcha para o Oesterdquo pautando-se na conquista
da brasilidade que se daria por meio da interiorizaccedilatildeo do paiacutes ldquoPara ele a
construccedilatildeo da ldquoMarcha para Oesterdquo lembra a imagem da naccedilatildeo em movimento agrave
procura de si mesma de sua integraccedilatildeo e acabamentordquo (LENHARO 1986 p56
apud LOPES 2004 p 4)
Como uma das consequumlecircncias da ldquoMarcha para o Oesterdquo foram criados os
territoacuterios federais ldquonas regiotildees do Amapaacute Guaporeacute (atual Rondocircnia) Rio Branco
(atual Roraima) Iguaccedilu e Ponta Poratilde no Estado de Mato Grosso do Sulrdquo (PRIORI et
al 2012p66) Por meio do Decreto-Lei nordm 58124 no ano de 1943 o Territoacuterio
Federal do Iguaccedilu foi criado abrangendo o Oeste e Sudoeste do Paranaacute e Oeste de
Santa Catarina
Segundo Seacutergio Lopes (2004) dentro do espiacuterito de nacionalizaccedilatildeo o
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu deveria atender urgentemente o estabelecimento de
condiccedilotildees miacutenimas para organizaccedilatildeo econocircmica social e de seguranccedila das regiotildees
fronteiriccedilas e dos sertotildees Desse modo a criaccedilatildeo do territoacuterio pode ser entendida
como um ato de ocupaccedilatildeo definitiva da faixa de fronteira ldquopara assim romper o
isolamento e afastar definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional
que rondava a regiatildeordquo (LOPES 2004 p16)
O primeiro governador a administraacute-lo o Major Joatildeo Garcez do Nascimento
em relatoacuterio enviado ao Ministro da Justiccedila e Negoacutecios Anteriores fez inuacutemeras
consideraccedilotildees sobre a situaccedilatildeo do transporte comeacutercio sauacutede seguranccedila e
educaccedilatildeo na regiatildeo que abrangia o Territoacuterio Federal do Iguaccedilu No aspecto
educacional ele aponta
Haacute no Territoacuterio regular nuacutemero de escolas primaacuterias Satildeo elas
em nuacutemero de setenta Aleacutem disso contam‐se quatro grupos escolares sediados em Pato Branco Clevelacircndia Foz do Iguassuacute e Guaiacutera Quanto ao nuacutemero de escolas pode-se afirmar que atende
62
ainda as necessidades locais quanto as suas instalaccedilotildees poreacutem haacute muito o que providenciar A maioria delas funciona em preacutedios improacuteprios outras em simples salas cedidas a tiacutetulo precaacuterio e por empreacutestimo Em sua maioria natildeo atende aos rudimentares princiacutepios de higiene e didaacutetica O professorado salvo honrosas exceccedilotildees constitui-se de pessoas bem intencionadas e dedicadas mas de niacutevel cultural bastante abaixo do que seria estimaacutevel (RELATOacuteRIO DE 1944 apud LEMIECHEK 2014 p 06)
A criaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do Iguaccedilu fez com que o processo de
urbanizaccedilatildeo crescesse e com ele a demanda por qualidade nos serviccedilos puacuteblicos
como a escola Enquanto as escolas natildeo eram ampliadas a classe mais favorecida
economicamente assegurava o acesso agrave educaccedilatildeo para seus filhos por meio da
contrataccedilatildeo de professores que se ldquodeslocavam ateacute as moradias em casas
escolares ou nuacutecleos urbanos mais distantes como Guarapuava Curitiba Posadas
Corrientes etcrdquo (PME 2015 p9) Para as classes menos favorecidas como aqueles
que viviam em Foz do Iguaccedilu e trabalhavam nas obrages e no cultivo da terra havia
acesso ao ensino aleacutem delas viverem em situaccedilotildees insalubres sem acesso a
higiene alimentaccedilatildeo e sauacutede
A partir desse periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais Era necessaacuterio que essa
populaccedilatildeo na regiatildeo se identificasse com o Brasil enquanto uma paacutetria para
constituiccedilatildeo de um Estado-Naccedilatildeo forte Segundo Helena Bomeny (1999) natildeo havia
no projeto do governo intenccedilotildees para inclusatildeo e aceitaccedilatildeo de convivecircncia com os
grupos culturais estrangeiros nas regiotildees de colonizaccedilatildeo
Em relatoacuterio sobre a nacionalizaccedilatildeo do ensino datado de 1940 o Instituto
Nacional de Estudos e Pedagoacutegicos (INEP) sob a direccedilatildeo do educador Lourenccedilo
Filho ao analisar a trajetoacuteria dos imigrantes e sua fixaccedilatildeo no Brasil constatou com
base nos relatoacuterios e depoimentos de historiadores pensadores poliacuteticos e
escritores que desde o seacuteculo XIX a presenccedila de estrangeiros no paiacutes era fator de
preocupaccedilatildeo (BOMENY 1999) Segundo a mesma autora a precariedade da
educaccedilatildeo nos estados da regiatildeo sul do paiacutes em destaque o Rio Grande do Sul
levava os colonos a optarem pelos coleacutegios privados alematildees Segundo o relatoacuterio
do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede essa opccedilatildeo pelas escolas estrangeiras era
compreensiacutevel sendo culpa do Estado por permitir a criaccedilatildeo destas instituiccedilotildees sem
a vinculaccedilatildeo com os centros nacionais de cultura
63
A escola natildeo eacute um oacutergatildeo abstrato mas um centro de coordenaccedilatildeo da proacutepria accedilatildeo educativa da comunidade Tendo-se cometido o erro de permitir o nucleamento de estrangeiros sem maior vinculaccedilatildeo ou disciplina aos centros nacionais de cultura as instituiccedilotildees educativas que aiacute deveriam surgir seriam as que ensinassem em liacutengua estrangeira (BOMENY 1999 p154 apud INEP 1999 p8)
A preocupaccedilatildeo com a nacionalizaccedilatildeo do ensino eacute anterior ao Estado Novo
Em Foz do Iguaccedilu a educaccedilatildeo escolar das crianccedilas estava presente desde o
periacuteodo de instalaccedilatildeo da Colocircnia Militar em 1889 Na ausecircncia de escolas muitas
crianccedilas frequumlentavam o sistema educacional da Argentina cuja influecircncia
preocupava o governo da eacutepoca Em 1906 Siacutelvio Romero alertava sobre as
ameaccedilas em haver diferentes nacionalidades no Brasil Como soluccedilatildeo ele propocircs
que se ldquoaproveitasse de modo extensivo o proletariado nacional como elemento
colonizador perto do estrangeiro para educar-se com ele no trabalho e em troca
contribuir para o seu abrasileiramentordquo (BOMENY 1999 p154)
Na conferecircncia interestadual de Ensino Primaacuterio de 1921 encontra-se a fala
de Milton C A Cruz que justifica a deficiecircncia do ensino devido aos inuacutemeros
nuacutecleos estrangeiros isolados ldquoO espiacuterito dessas crianccedilas brasileiras formado em
liacutengua nos costumes nas tradiccedilotildees dos paiacutes soacute poderia tender para a paacutetria de
origem constituindo um empecilho agrave coesatildeo nacionalrdquo (BOMENY 1999 p154 apud
INEP 1999 p8)
Por determinaccedilatildeo do Estado Novo a prefeitura de Foz do Iguaccedilu passou a
promover uma administraccedilatildeo que visasse agrave ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro
valorizaccedilatildeo da liacutengua oficial e das moedas nacionais (SPERANCcedilA 1992 apud
LOPES 2004 p 49) Teve ainda que despachar suas documentaccedilotildees criar
anuacutencios comerciais listas de preccedilos ou avisos somente em liacutengua portuguesa
aleacutem da obrigatoriedade do uso da moeda brasileira Essas medidas foram tomadas
pois havia na regiatildeo grande influecircncia dos argentinos no lado brasileiro
Segundo Lopes (2004) a principal preocupaccedilatildeo do Estado Novo em relaccedilatildeo a
essa fronteira era a influecircncia Argentina Como outra medida de contenccedilatildeo dessa
influecircncia estrangeira o governo federal por meio do Decreto nordm 19842 de 1930
tornou obrigatoacuterio a contrataccedilatildeo de no miacutenimo dois terccedilos de trabalhadores nas
empresas estrangeiras presentes dentro do territoacuterio nacional
Diante das estrateacutegias que o Estado Novo desenvolveu para construir a ideacuteia
de naccedilatildeo a fronteira poliacutetica requeria a justificaccedilatildeo ideoloacutegica da comunidade
64
nacional Nessa premissa a escola enquanto instrumento de nacionalizar as
fronteiras foi fundamental
23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus
impactos na educaccedilatildeo
Com a queda de Getuacutelio Vargas em 1945 quando o paiacutes entrou por um
pequeno periacuteodo na fase de redemocratizaccedilatildeo os Territoacuterios do Iguaccedilu e Ponta
Poratilde foram extintos No campo da educaccedilatildeo a pedagoga Lucimara Lemiechek
aponta que vaacuterias foram agraves mudanccedilas em detrimento da promulgaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas e a ampliaccedilatildeo dos Cursos Normais (LEMIECHEK 2014 p 9) Nessa
mesma deacutecada em Foz do Iguaccedilu teve iniacutecio a primeira escola21 particular Jorge
Schimmelpfeng nas dependecircncias do primeiro Centro Espiacuterita fundado no
municiacutepio
Imagem VI - Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)
Fonte Centro Espiacuterita Lidelfonso Correia
A deacutecada de 1950 e 1960 seguiu com um programa de escola de cunho
nacionalista e dualista em um periacuteodo marcado pelo programa desenvolvimentista
Cada vez mais os trabalhadores requeriam educaccedilatildeo diferenciada de um lado a
necessidade de matildeo de obra especializada e de outro a busca pelo status que a
educaccedilatildeo proporcionaria No ano de 1959 a Lei Municipal nordm 234 de 29 de outubro
de 1959 adota o programa de aboliccedilatildeo do analfabetismo
21
Vide imagem IV
65
Art 1ordm A Prefeitura de Foz do Iguaccedilu empreenderaacute uma campanha sistemaacutetica para aboliccedilatildeo do analfabetismo desde as crianccedilas de sete anos feitos aos adultos de qualquer idade (LEI 2341959) Art 2ordm Toda a crianccedila que completar sete anos de 1ordm de janeiro a 31 de dezembro deveraacute obrigatoriamente no comeccedilo do ano letivo imediato ser matriculada em escola puacuteblica ou particular cumprindo-lhes frequumlenta-la com assiduidade durante cinco anos na cidade e trecircs anos letivos nas zonas rurais (PME 2015 p 11)
Eacute nesse momento que chegam a Foz do Iguaccedilu as primeiras populaccedilotildees de
origem aacuterabe que saiacuteram de seus paiacuteses em decorrecircncia dos intensos conflitos
regionais e atraiacutedos pela oportunidade de explorar um mercado com grande
potencial de crescimento (RABOSSI 2007 p 292) Segundo Rabossi a primeira
cidade da Triacuteplice Fronteira em que eles se estabeleceram foi Foz do Iguaccedilu
principalmente na regiatildeo proacutexima da Ponte da Amizade inaugurada em 1965
passando a ligar a cidade brasileira a Ciudad del Este no Paraguai dando iniacutecio ao
comeacutercio na regiatildeo Em 1975 no contexto da Guerra do Liacutebano o comeacutercio dos
aacuterabes na fronteira estava consolidado fazendo com que atraiacutedos pelo comeacutercio e
fugindo da guerra outros grupos oriundos do Oriente Meacutedio imigrassem para a
regiatildeo da fronteiriccedila Segundo Silva (2008 p367) os uacuteltimos 30 anos recebeu um
grande nuacutemero de imigrantes de origem ldquoaacuterabe libaneses palestinos siacuterios
jordanianos bem como chineses coreanos e em nuacutemero bem menor hindus e
portugueses
A mesma autora aponta que duas escolas pertencem agrave comunidade aacuterabe
uma de ensino fundamental que ensina a liacutengua aacuterabe e a religiatildeo sunita vinculada
ao Centro Beneficente Islacircmico de Foz do Iguaccedilu uma organizaccedilatildeo cultural e
cientiacutefica A segunda escola Escola Aacuterabe Brasileira oferta ensino para o ensino
fundamental e meacutedio de acordo com as exigecircncias do Estado A especificidade
desta escola em relaccedilatildeo agraves demais do municiacutepio eacute a oferta do ensino da liacutengua
aacuterabe (SILVA 2008)
Na deacutecada de 1970 tambeacutem chegam a Foz do Iguaccedilu os primeiros imigrantes
chineses atraiacutedos pelo comeacutercio na regiatildeo Segundo Miao Shen Chen a regiatildeo da
triacuteplice fronteira abriga uma comunidade chinesa com aproximadamente quatro mil
indiviacuteduos Em Foz do Iguaccedilu haacute pelo menos mil chineses e descendentes Os
imigrantes tecircm agecircncias de turismo imobiliaacuterias construtoras especializadas em
atender os clientes orientais (CHEN 2010)
66
Apesar da implementaccedilatildeo da Lei Municipal nordm 234 de 1959 que estabelecia a
obrigatoriedade da educaccedilatildeo para aboliccedilatildeo do analfabetismo a escola seguia sendo
para poucos ao menos no que diz respeito agrave permanecircncia dos estudantes Os
alunos mais pobres abandonavam a escola muito cedo pois tinham que optar entre
estudar ou trabalhar para ajudar na subsistecircncia da famiacutelia (PME 2015 p 11)
Para Emer (1991) os colonos que aqui se encontravam diante da
precariedade das escolas mobilizaram-se para criar escolas para seus filhos
contribuindo para construccedilatildeo de inuacutemeros coleacutegios confessionais entre os anos de
1955 e 1965 (EMER 1991 p 125) Quanto agrave contrataccedilatildeo dos professores estes
deveriam ter o perfil que atendesse o grupo social
Destaca-se a criaccedilatildeo da primeira Escola Normal Colegial da regiatildeo Oeste do
Paranaacute a Escola Normal Iguaccedilu criada em 1957 em Foz do Iguaccedilu em um
contexto em que a populaccedilatildeo da cidade crescia e a demanda pelo ensino em
diversos niacuteveis aumentava havendo a necessidade de habilitar os professores para
o trabalho docente Ateacute o ano de 1957 Foz do Iguaccedilu contava com um Grupo
Escolar o Bartolomeu Mitre que atendia aproximadamente 400 crianccedilas uma Casa
Escolar com aproximadamente 80 alunos e cinco escolas rurais isoladas que
tinham capacidade para atender 250 alunos Foz do Iguaccedilu tinha capacidade para
atender aproximadamente 730 alunos no ensino primaacuterio o que era pouco diante da
crescente demanda sobretudo dos nuacutecleos urbanos e das aacutereas rurais aleacutem das
aacutereas distritais22
Ainda que tenha havido a criaccedilatildeo dos coleacutegios normais o relatoacuterio do plano
de desenvolvimento de Foz do Iguaccedilu de 1972 apontava que o corpo docente do
municiacutepio era constituiacutedo em sua maioria por professores sem habilitaccedilatildeo tanto
nas redes municipais e estaduais quanto nas privadas A justificativa para esta
qualificaccedilatildeo segundo o relatoacuterio estava no baixo niacutevel salarial que impedia os
qualificados de se dedicarem ao magisteacuterio Na zona rural a porcentagem era ainda
maior Cerca de 80 do pessoal natildeo qualificado atende ao ensino primaacuterio que
funcionava em 41 escolas isoladas e duas casas escolares Segundo o PDI
22 Dentre os distritos que ficavam sob a jurisdiccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu encontram-se Santa Terezinha
de Itaipu Itacoreacute Alvorada Medianeira dentre outros (SBARDELLOTO 2009 p 146)
67
O Estado que paga os melhores salaacuterios (Cr$ 41600) natildeo faz nomeaccedilotildees e a Prefeitura possuindo apenas 3 elementos em seu quadro efetivo percebendo Cr$ 28000 contrata os professores normalistas por apenas Cr$ 28000 e a professora leiga por 60 do salaacuterio miacutenimo (PDI 1972 p 114)
Quanto agrave estrutura do periacuteodo o relatoacuterio aponta que ateacute 1971 havia cinco
grupos escolares estaduais um privado uma casa escolar municipal e duas escolas
isoladas que segundo o relatoacuterio natildeo eram suficientes para atender a demanda
Quanto agrave estrutura o relatoacuterio aponta
Somente na Zona Urbana vamos encontrar preacutedios escolares de alvenaria com luz aacutegua encanada e instalaccedilotildees sanitaacuterias regulares Natildeo quer isto dizer que sejam instalaccedilotildees satisfatoacuterias pois deixam muito a desejar havendo falta de aacutegua e os miacutenimos requisitos agrave boa higiene dos escolares () Na zona rural os preacutedios satildeo todos de madeira sem as menores condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave higiene escolar notando-se ausecircncia de atendimento sanitaacuterio e de sauacutede (PDI 1972 p 118)
No mesmo relatoacuterio o problema da evasatildeo eacute justificado com o argumento da
localizaccedilatildeo da cidade que por estar em uma regiatildeo de fronteira eacute caracterizada por
possuir uma populaccedilatildeo flutuante As escolas rurais por exemplo em periacuteodos de
colheita eram fechadas pois natildeo havia frequecircncia alguma uma vez que os alunos
estavam trabalhando nas lavouras Outro exemplo eacute a justificativa do baixo
rendimento escolar atribuiacutedo ao alto iacutendice de crianccedilas argentinas e paraguaias que
estudavam no lado brasileiro com a alegaccedilatildeo do problema do idioma que gerava
atraso em toda turma ldquoNo 1ordm ano o periacuteodo de preacute-alfabetizaccedilatildeo que normalmente
eacute feito em trecircs meses (no maacuteximo) chega a durar quase um anordquo (PDI 1972 p
125)
Este argumento que culpabiliza o aluno estrangeiro pelo atraso da turma natildeo
mudou muito Em pesquisa com professores da rede puacuteblica de Foz do Iguaccedilu
sobre a presenccedila de alunos brasiguaios nas escolas brasileiras citado no capiacutetulo
anterior Pires-Santos (2010) fala que alguns professores vecirc a presenccedila deste perfil
de aluno como um entrave um bdquocastigo‟ pois no seu entendimento seraacute difiacutecil
ensinaacute-los Outro destaque reside no fato de que estes relatoacuterios feitos em 1972
foram produzidos em nome do Estado que vivia sob o regime dos militares cuja
preocupaccedilatildeo com o estrangeiro no paiacutes se restringia nas questotildees de seguranccedila
nacional
68
No decorrer da deacutecada de 1970 a pauta da educaccedilatildeo segue em discussatildeo na
regiatildeo sobretudo com a reforma do ensino promulgada pela Lei 569271 Foz do
Iguaccedilu vivia nessa deacutecada os impactos da construccedilatildeo da Usina Hidreleacutetrica de
Itaipu A cidade recebeu aproximadamente 40000 operaacuterios com suas respectivas
famiacutelias oriundas de vaacuterios estados do paiacutes para a construccedilatildeo da hidreleacutetrica O
aumento populacional gerado pela chegada dos trabalhadores na cidade fez com
que todas as obras de infraestrutura fossem feitas apressadamente dentre essas
os hospitais as moradias e escolas subsidiados pela Itaipu Um exemplo foi o
convecircnio entre a Prefeitura por meio da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo e
Cultura com a Itaipu que resultou na construccedilatildeo da escola Prof Parigot de Souza
no ano de 1975
() Fica o Chefe do Executivo Municipal autorizado a firmar convecircnio com a Empresa ITAIPU ndashBINACIONAL objetivando a aplicaccedilatildeo de recursos para pagamento de professores e demais servidores para o setor administrativo bem como da manutenccedilatildeo da nova unidade escolar preacute-fabricada construiacuteda na sede municipal onde seraacute instalada uma extensatildeo do Ginaacutesio Estadual bdquoDom Manoel Konnerrdquode Foz do Iguaccedilu‟
(Foz do Iguaccedilu Lei Municipal nordm 8821975 Art1ordm)
Com a construccedilatildeo da hidreleacutetrica o nuacutemero de escolas em Foz do Iguaccedilu
aumentou significativamente Na deacutecada de 1960 havia cerca de oito escolas
municipais na cidade na deacutecada de 1980 mais nove escolas e hoje segundo dados
da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (2011) a cidade conta com 83 escolas
municipais e 82 estaduais 43 privadas e 04 filantroacutepicas
O periacuteodo que se estende da Colocircnia Militar de 1889 ateacute o fim da Era Vargas
(1930-1954) demonstrou que as raiacutezes pela qual as escolas foram criadas passou
pela construccedilatildeo de valores que satildeo constitutivos de uma ideal de naccedilatildeo Wachowicz
(1984) cita o ofiacutecio do general comandante da 5ordf Regiatildeo Militar em 1925 que
expressava a urgecircncia de se construir escolas nas zonas de fronteira haja vista que
a uacutenica soluccedilatildeo era enviar as crianccedilas para frequentar escola na Argentina O
incocircmodo do general se baseia na busca pelo estabelecimento de uma identidade
nacional ao Brasil pois a presenccedila de alunos brasileiros em escolas argentinas
representava um perigo A escola eacute um dos espaccedilos em que se bdquoimagina‟ se
constroacutei um identidade nacional ldquoNascida na ficccedilatildeo agrave identidade precisava de muita
coerccedilatildeo e convencimento para se consolidar e se concretizar numa realidaderdquo
(BAUMAN 2005 p 27)
69
Em siacutentese a escola natildeo eacute neutra mas perpassam tambeacutem outros interesses
que natildeo satildeo apenas os de ideais nacionalistas Ela eacute um espaccedilo marcado por
contradiccedilotildees Eacute o que o educador brasileiro Paulo Freire (1987) sugere ao natildeo
negar a influecircncia que determinado modo de se propor um modelo educativo pode
causar na sociedade Justamente por saber do potencial transformador da educaccedilatildeo
eacute que ele propunha um modelo para de educaccedilatildeo a partir da base da realidade na
qual o sujeito estaacute inserido
Em Foz do Iguaccedilu haacute a constataccedilatildeo de que o Estado esteve preocupado em
criar escolas a fim de bdquonacionalizar‟ a fronteira Braduel (2009) ao refletir acerca da
relaccedilatildeo entre Estado e territoacuterio e a ocupaccedilatildeo do espaccedilo afirma que ldquoEstados agem
como indiviacuteduos obstinando-se em delimitar seu domiciacutelio da mesma forma que
todo animal livre defende aquilo que ele considera ser o seu territoacuteriordquo (BRAUDEL
2009 p 262 apud Heinsfiel 2014 p 17)
Nessa perspectiva o Estado tem como foco a necessidade de delimitar seus
domiacutenios Domiacutenios estes que satildeo reforccedilados por instituiccedilotildees capazes de legitimar
essa loacutegica tais como as escolas Segundo Bourdieu (2008) um dos principais
poderes do Estado eacute impor categorias de pensamento categorias que noacutes
assumimos como naturais aparentemente espontacircneas mas que na verdade satildeo
impostas pelo Estado (BOURDIEU 2008 p 91)
24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas
escolas
Com o processo de redemocratizaccedilatildeo e da nova Constituiccedilatildeo Federal
promulgada em 1988 houve um grande avanccedilo em termos de direitos civis No
caso da presenccedila de estrangeiros no paiacutes a Carta Magna assegura a todas as
pessoas brasileiras ou estrangeiras estando em situaccedilatildeo migratoacuteria regular ou
irregular o direito agrave educaccedilatildeo escolar Os princiacutepios escolares passaram a ter
como base a igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia nas escolas
da liberdade e do pluralismo de ideacuteias e concepccedilotildees pedagoacutegicas
Art 206 O ensino seraacute ministrado com base nos seguintes princiacutepios I - igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola II - liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber III - pluralismo de ideacuteias e de concepccedilotildees pedagoacutegicas e coexistecircncia de instituiccedilotildees puacuteblicas e
70
privadas de ensino IV - gratuidade do ensino puacuteblico em estabelecimentos oficiais (CF 1998)
Waldman (2012) destaca que a nova constituiccedilatildeo tem pela primeira vez o
princiacutepio da dignidade da pessoa humana como fundamental e afirmou como
objetivos fundamentais a ldquopromoccedilatildeo do bem para todos sem preconceitos de
origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeordquo
(WALDMAN 2012 p63)
No campo das relaccedilotildees internacionais o Brasil se comprometeu pela
prevalecircncia dos direitos humanos pela cooperaccedilatildeo entre os povos e pela atenccedilatildeo
agrave integraccedilatildeo poliacutetica social e cultural da Ameacuterica Latina23 Estes pontos
apresentados satildeo importantes a serem considerados pois satildeo com base na CF
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 seraacute elaborada e a
partir dela outros documentos importantes que toca agrave questatildeo da diversidade
eacutetnicas cultural e racial na educaccedilatildeo Alguns destes documentos satildeo o Curriacuteculo
da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute o Plano Estadual de Educaccedilatildeo
do Paranaacute e os Paracircmetros Curriculares Nacionais que seratildeo analisados no
proacuteximo capiacutetulo
23
Art 4ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaccedilotildees internacionais pelos seguintes
princiacutepios I - independecircncia nacional II - prevalecircncia dos direitos humanos III - autodeterminaccedilatildeo dos povos IV - natildeo-intervenccedilatildeo V - igualdade entre os Estados VI - defesa da paz VII - soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitosVIII - repuacutedio ao terrorismo e ao racismoIX - cooperaccedilatildeo entre os povos para o progresso da humanidadeX - concessatildeo de asilo poliacuteticoParaacutegrafo uacutenico A Repuacuteblica Federativa do Brasil buscaraacute a integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica social e cultural dos povos da Ameacuterica Latina visando agrave formaccedilatildeo de uma comunidade latino-americana de naccedilotildees
71
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA
ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUAI
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens
O campo de estudos de poliacuteticas puacuteblicas avanccedilou nos uacuteltimos sessenta
anos tendo conformado uma literatura instrumental analiacutetica que contribuiu para a
compreensatildeo dos processos de natureza poliacutetico- administrativo (SECCHI 2013)
No Brasil segundo Faria (2003) a aacuterea de anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas ainda eacute
escassa Isso se comprova pela falta de anaacutelises mais sistemaacuteticas no que tange
aos processos de implementaccedilatildeo aleacutem da carecircncia em estudos que tratam de
metodologias e instrumentos de avaliaccedilatildeo destas poliacuteticas pelos trecircs niacuteveis de
governo legislativo executivo e judiciaacuterio
A fim de apresentar a analise de algumas poliacuteticas puacuteblicas (PP) que tratam
da questatildeo da educaccedilatildeo e diversidade cultural faz-se necessaacuterio apresentar o que
se compreende enquanto uma PP Teoacutericos apontam que seu significado natildeo
apresenta uma definiccedilatildeo uacutenica (SECCHI 2010 BONETI 2011) Assim utilizaremos
como definiccedilatildeo de PP as concepccedilotildees de Tamayo Saacuteez (1997) que a entende como
ldquoum conjunto de objetivos decisotildees e accedilotildees que levam a cabo um governo para
solucionar os problemasrdquo (TAMAYO SAEacuteZ 1997 p 2) Complementando esta
definiccedilatildeo citamos Lindomar Boneti (2006) e seu entendimento do que sejam
poliacuteticas puacuteblicas
Accedilatildeo que nasce do contexto social mas que passa pela esfera estatal como uma decisatildeo de intervenccedilatildeo puacuteblica numa realidade social determinada quer seja ela econocircmica ou social Ainda esclarece que as poliacuteticas puacuteblicas representam [] o resultado da dinacircmica do jogo de forccedilas que se estabelece no acircmbito das relaccedilotildees de poder relaccedilotildees estas constituiacutedas pelos grupos econocircmicos e poliacuteticos classes sociais e demais organizaccedilotildees da sociedade civil (BONETI 2006 p 76)
Eacute importante assinalar que as PPs mudam com o tempo e em consonacircncia
com o modelo de Estado vigente como as transformaccedilotildees que ocorrem em uma PP
dentro de um Estado autoritaacuterio para um Estado democraacutetico A criaccedilatildeo de uma PP
natildeo depende somente das decisotildees emanadas do poder puacuteblico Esse jogo de
72
forccedilas ao qual Boneti se refere satildeo concernentes agraves correlaccedilotildees realizadas com
agentes privados e da sociedade civil No entanto no sentido de responsabilizaccedilatildeo
por sua implementaccedilatildeo e permanecircncia compreende-se aqui que uma PP eacute
responsabilidade do Estado24
Dentre os aspectos a serem considerados no momento de escolher uma PP
os fatores culturais satildeo de fundamental importacircncia para a sua implementaccedilatildeo O
sucesso ou o fracasso de uma PP pode estar diretamente ligado ao contexto no qual
se insere
No que confere agrave anaacutelise de uma PP a mais aceita eacute aquela que busca
compreender como os formuladores de poliacutetica (policymakers) lidam com os
problemas com que se defrontam Nas palavras de Wildavsky
() o papel de Anaacutelise de Poliacutetica eacute encontrar problemas onde soluccedilotildees podem ser tentadas ou seja bdquoo analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possiacutevel alguma melhoria‟ Portanto a Anaacutelise de Poliacutetica estaacute preocupada tanto com o planejamento como com a poliacutetica (politics) (WILDAVSKY 1979 apud RUA 2009 p 23)
Segundo Tamayo Saacuteez (1997) a anaacutelise de PP possui um caraacuteter
multidisciplinar Trata-se de um conjunto de teacutecnicas conceitos e estrateacutegias
oriundas de diferentes disciplinas - ciecircncia poliacutetica antropologia sociologia
psicologia e da teoria da organizaccedilatildeo - cujo objetivo eacute interpretar as causas e
consequumlecircncias das accedilotildees do governo Conforme este argumento eacute importante
ressaltar que os atores que analisam determinada PP o fazem a partir de seus
valores sua capacidade teacutecnica seus interesses e o grau de informaccedilatildeo Tais
fatores satildeo fundamentais para compreensatildeo destas anaacutelises
Por poliacuteticas puacuteblicas educacionais compreende-se tudo aquilo que um
governo faz ou deixa de fazer em mateacuteria de educaccedilatildeo No que tange agrave poliacutetica
educacional brasileira esta deve ser pensada em contexto amplo onde fatores
como a constituiccedilatildeo federal a poliacutetica nacional de direitos humanos e os acordos e
tratados internacionais devem ser considerados assim como os fatores sociais e
culturais da sociedade (SILVA MOURA MELLO 2013)
24
Mas vale dizer que natildeo necessariamente uma poliacutetica puacuteblica eacute apenas estatal
73
Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos sobre as poliacuteticas
educacionais no Brasil satildeo recentes mas encontram-se em processo de construccedilatildeo
e crescimento As pesquisas e publicaccedilotildees sobre as poliacuteticas educacionais possuem
dois eixos de estudos o primeiro refere-se aos de caraacuteter teoacuterico com questotildees
mais amplas acerca do processo de formulaccedilatildeo de poliacuteticas abarcando mudanccedilas
no papel do Estado das redes de influecircncia no desenvolvimento de formulaccedilatildeo de
poliacuteticas o segundo trata da anaacutelise e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas e programas
(MAINARDES 2006) Quanto ao primeiro eixo ao destacar a funccedilatildeo do Estado na
definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Mainardes (2006) explica que
natildeo se trata de defender que o Estado ou os governos decidam por implementar as
poliacuteticas puacuteblicas mas isso reflete as pressotildees de diferentes grupos de interesse
Citando Evans Rueschmeyer e Skocpol (1985) Souza (2006) se aproxima da
perspectiva teoacuterica que defende uma autonomia relativa do Estado ldquoque faz com
que o mesmo tenha um espaccedilo proacuteprio de atuaccedilatildeo embora permeaacutevel a influecircncias
externas e internasrdquo (SOUZA 2006 p27 apud Evans Rueschmeyer e Skocpol
1985)
Os dois eixos foram abordados nesta dissertaccedilatildeo pois considera-se
importante conhecer os principais aspectos histoacutericos das poliacuteticas educativas no
Brasil e sua relaccedilatildeo com o Estado para posteriormente tratar da anaacutelise das
poliacuteticas escolhidas O modelo denominado de ciclo de poliacuteticas puacuteblicas seraacute o
recurso utilizado para analise das poliacuteticas educacional
O ciclo de poliacutetica tem adquirido importacircncia progressiva nos estudos sobre a
elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica principalmente por consistir em uma serie de etapas
que envolve o processo poliacutetico-administrativo os atores suas relaccedilotildees recursos de
poder as relaccedilotildees poliacuteticas sociais e as praacuteticas Saravia e Ferrarezi (2006p32)
descrevem sete etapas deste ciclo primeiro uma agenda poliacutetica que eacute a
necessidade social de elaborar determinada poliacutetica puacuteblica em segundo a
elaboraccedilatildeo propriamente dita da poliacutetica puacuteblica para identificar e delimitar um
problema seja ele atual ou que pode vir a ser necessaacuterio Com isto determinam-se
as alternativas para a soluccedilatildeo a partir das possiacuteveis soluccedilotildees para o problema
formula-se a alternativa mais cabiacutevel pra sua implementaccedilatildeo que deve ser
constituiacuteda por meio do ldquoplanejamento e organizaccedilatildeo do aparelho administrativo e
dos recursos humanos financeiros materiais e tecnoloacutegicos necessaacuterios para
executar uma poliacuteticardquo (SARAVIA p34) A proacutexima etapa eacute a execuccedilatildeo destinada a
74
atingir os objetivos traccedilados pela poliacutetica ldquoEssa etapa inclui o estudo dos
obstaacuteculos que normalmente se opotildeem agrave transformaccedilatildeo de enunciados em
resultados e especialmente a anaacutelise da burocraciardquo (SARAVIA 2006 p 34) A
sexta etapa reside no acompanhamento que eacute o processo de supervisatildeo da
execuccedilatildeo de uma atividade a fim de fornecer a ldquoinformaccedilatildeo necessaacuteria para
introduzir eventuais correccedilotildees a fim de assegurar a consecuccedilatildeo dos objetivos
estabelecidosrdquo (SARAVIA 2006 p34) Por uacuteltimo temos a avaliaccedilatildeo que consiste
em analisar os impactos das poliacuteticas implementadas para a sociedade
Saravia (2006) explica que esta sequecircncia eacute mais uma esquematizaccedilatildeo
teoacuterica do que ocorre na praacutetica Nem sempre essas etapas satildeo consideradas Eacute o
caso de muitos paiacuteses da Ameacuterica Latina onde os programas de ajuste estrutural
natildeo consideraram as primeiras etapas iniciais de sua elaboraccedilatildeo os resultados
sociais possiacuteveis Como consequumlecircncia os indicadores da educaccedilatildeo da sauacutede da
previdecircncia social da habitaccedilatildeo do emprego e de outros setores sociais mostram a
existecircncia de uma situaccedilatildeo difiacutecil que se agrava com o tempo (SARAVIA 2006
p35-36)
32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil
No Brasil por muito tempo as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo ficaram
aqueacutem do esperado Valle (2009) aponta que no decorrer do periacuteodo colonial ou do
Impeacuterio natildeo haacute registros de uma real preocupaccedilatildeo com as poliacuteticas puacuteblicas de
Educaccedilatildeo (VALLE 2009) Arauacutejo (2011) explica que eacute recente a ideia de um ldquoEstado
em accedilatildeordquo no sentido de promover poliacuteticas para educaccedilatildeo (ARAUacuteJO 2011 p236)
Em um contexto onde sociedade e economia fundamentaram suas bases em um
modelo econocircmico agroexportador e na matildeo-de-obra escrava a preocupaccedilatildeo com a
educaccedilatildeo surgiu muito tarde
Maria Luisa Ribeiro (1992) escreve que no periacuteodo colonial a poliacutetica
educacional esteve vinculada agrave poliacutetica colonizadora dos portugueses (RIBEIRO
1992 p 20) A historiadora Maria Luiza Marciacutelio (2005) acrescenta estes dados ao
traccedilar as principais caracteriacutesticas do sistema educacional brasileiro no periacuteodo que
se estende de 1554 a 1759 ao explicar que o uacutenico ensino formal presente ateacute
meados do seacuteculo XVIII era oferecido pela Companhia de Jesus que era
75
basicamente elitista atendendo em grande parcela ldquojovens brancos proprietaacuterios
de terras famiacutelias da elite colonial aleacutem de introduzir nas primeiras letras do
catecismo elementar as crianccedilas iacutendias das aldeias jesuiacutetasrdquo (MARCIacuteLIO 2005
p42)
Saviani (2008) aponta que o primeiro documento de poliacutetica educacional foi
editado em 1548 e encontrado nos ldquoRegimentosrdquo de DJoatildeo III com a finalidade de
orientar as accedilotildees do governador geral do Brasil Tomeacute de Souza que veio com a
companhia de mais quatro padres e dois irmatildeos jesuiacutetas liderados por Manuel da
Noacutebrega
Nesse mesmo ano os jesuiacutetas receacutem-chegados deram iniacutecio agrave obra educativa centrada na catequese guiados pela orientaccedilatildeo contida nos referidos bdquoRegimentos‟ cumprindo pois um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal Nessa condiccedilatildeo cabia agrave coroa manter o ensino mas o rei enviava verbas para a manutenccedilatildeo e a vestimenta dos jesuiacutetas natildeo para construccedilotildees (SAVIANI 2008 p8)
No que se refere agrave inclusatildeo da populaccedilatildeo na instituiccedilatildeo jesuiacutetica Marciacutelio
(2005) aponta que no periacuteodo da expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759 a soma de todos
os alunos natildeo atingia 01 da populaccedilatildeo brasileira Em um cenaacuterio que contava
com 50 da populaccedilatildeo constituiacuteda por mulheres e 40 de escravizados aleacutem de
negros livres pardos filhos ilegiacutetimos e crianccedilas abandonadas todos estes ficavam
agrave margem do sistema de ensino Ao todo os jesuiacutetas ficaram agrave frente da educaccedilatildeo
brasileira por mais de dois seacuteculos ateacute a expulsatildeo (MARCIacuteLIO 2005 p3)
A segunda fase de poliacuteticas educacionais no Brasil foi marcada pelas
reformas pombalinas para instruccedilatildeo puacuteblica Com a instalaccedilatildeo da coroa portuguesa
no Brasil Colonial em 1808 a educaccedilatildeo ganhou novos significados Uma ldquoseacuterie de
cursos tanto profissionalizantes em niacutevel meacutedio como em niacutevel superior bem como
militares foram criados para fazer do local algo realmente parecido com uma Corterdquo
(GHIRALDELLI JR 2001 p 16) Deste modo o periacuteodo compreendido como
pedagogia pombalina (1759-1827) corresponde agraves primeiras tentativas de se instituir
uma escola puacuteblica estatal
As reformas pombalinas contrapotildeem-se ao predomiacutenio das ideacuteias religiosas e com base nas ideacuteias laicas inspiradas no Iluminismo institui o privileacutegio do Estado em mateacuteria de instruccedilatildeo surgindo assim a nossa versatildeo da bdquoeducaccedilatildeo puacuteblica estatal‟ (LUZURIAGA 1959 p23-39 apud SAVIANE 2008 p9)
76
Quando Dom Pedro I assume o poder no periacuteodo Regencial a maioria da
populaccedilatildeo seguia analfabeta A independecircncia poliacutetica natildeo alterou o quadro da
situaccedilatildeo de ensino ao menos de imediato Para Joatildeo Cruz Costa citado por
Romanelli (1985) o processo de independecircncia significava ldquosimples transferecircncia de
poderes dentro de uma mesma classe [a independecircncia] entregaria a direccedilatildeo da
nova accedilatildeo aos proprietaacuterios de terras de engenhos e aos letradosrdquo (COSTA 1980
apud ROMANELLI 1985 p 39)
Eacute neste contexto que comeccedila uma nova fase no campo da educaccedilatildeo tendo
como marco inicial a lei das Escolas das Primeiras letras de 1827 com o objetivo de
ensinar toda a populaccedilatildeo brasileira conforme o artigo de nuacutemero 6 presente na Lei
de 15 de outubro de 1827
() Art 6ordm - Os professores ensinaratildeo a ler escrever as quatro operaccedilotildees de aritmeacutetica praacutetica de quebrados decimais e proporccedilotildees as noccedilotildees mais gerais de geometria praacutetica a gramaacutetica de liacutengua nacional e os princiacutepios de moral cristatilde e da doutrina da religiatildeo catoacutelica e apostoacutelica romana proporcionados agrave compreensatildeo dos meninos preferindo para as leituras a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio e a Histoacuteria do Brasil (BRASIL 1827)
No final do seacuteculo XIX marcado pelas influecircncias do positivismo25 comeccedilou no paiacutes
um movimento pela desoficializaccedilatildeo do ensino no Estado defendendo a liberdade
das profissotildees Com isso foram surgindo escolas privadas de benemerecircncia que se
propunham a ofertar ensino gratuito Essa tendecircncia de desoficializaccedilatildeo culminou
com a Reforma Leocircncio de Carvalho em 1879 (SAVIANI 2008) Saviani chama
atenccedilatildeo para este fato ao criticar o fato de que desde iniacutecio das primeiras poliacuteticas
educacionais brasileiras houve certa ldquopromiscuidaderdquo na relaccedilatildeo entre o puacuteblico e o
privado A comeccedilar com a educaccedilatildeo jesuiacutetica que em alguma medida era puacuteblica
mas a entidade que o ofertava natildeo
Conforme Santos (2011) somente a partir do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
XX periacuteodo de transiccedilatildeo para um modelo de desenvolvimento moderno
25
Por Positivismo compreende-se agora de modo mais amplo a filosofia desenvolvida por Augusto Comte que se caracteriza conjuntamente pela expressa confianccedila nos benefiacutecios da industrializaccedilatildeo no otimismo em relaccedilatildeo ao progresso capitalista no culto agrave ciecircncia e a valorizaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico voltados a uma reforma intelectual da sociedade (COTRIM 1993 p 189)
77
intervencionista foi que a educaccedilatildeo passou a ser reclamada como um condicionante
necessaacuterio para o desenvolvimento do paiacutes Conforme Romanelli (1985) o seacuteculo
XIX fora marcado pelo surgimento de uma nova camada intermediaacuteria tambeacutem
chamada de pequena burguesia Esta classe explica a autora foi fundamental para
a evoluccedilatildeo poliacutetica no Brasil monaacuterquico e para mudanccedilas pelas quais passou o
regime no final do seacuteculo (ROMANELLI 1985 p37)
No periacuteodo republicano outra modalidade de poliacuteticas educacionais se
desenvolveu por volta de 1890 com a implantaccedilatildeo progressiva das escolas
graduadas apoiadas nas escolas normais que comeccedilaram a ser consolidadas sob o
fluxo do iluminismo republicano
Esse periacuteodo abrange de 1890 quando se daacute no estado de Satildeo Paulo a organizaccedilatildeo da escola normal graduada ateacute 1931 quando eacute promulgada a reforma Francisco Campos dando iniacutecio ao processo de regulamentaccedilatildeo ao sistema de ensino em acircmbito nacional (SAVIANI 2004a p20-21)
Somente a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX eacute que podemos
encontrar registros das primeiras lutas por uma educaccedilatildeo e escola de qualidade
puacuteblica e gratuita Valle (2009) aponta que a poliacutetica educacional brasileira foi
marcada pela criaccedilatildeo da Universidade do Rio de Janeiro em 1920 hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro ndash UFRJ ndash pelas organizaccedilotildees colegiadas
como a Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo fundada em 1924 liderada pelos
reformadores do movimento Escola Nova cujo marco encontra-se no lanccedilamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo na deacutecada de 1930 (VALLE 2009 p22)
Acerca deste Manifesto escreve Santos (2011)
Lanccedilado em 1932 o Manifesto foi sobretudo um documento de poliacutetica educativa no qual para aleacutem da defesa da Escola Nova estava a causaluta maior dapela escola puacuteblica laica sendo esta responsabilidade do Estado Ressalto que as diretrizes desse manifesto influenciaram a Constituiccedilatildeo de 1934 (FREITAS 2005 SAVIANI 2005 apud SANTOS 2011 p2)
Em 1930 ano em que tecircm iniacutecio a Era Vargas eacute criado o Ministeacuterio dos
Negoacutecios da Educaccedilatildeo e Sauacutede Este periacuteodo eacute considerado por Saviani (2008) o
iniacutecio da sexta modalidade de poliacuteticas educacionais marcado pela reforma
Francisco Campos em 1931 e caracterizada pela regulamentaccedilatildeo em acircmbito
nacional das escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
78
crescentemente as concepccedilotildees pedagoacutegicas renovadoras ateacute a criaccedilatildeo da LDB em
1961
As propostas de poliacuteticas educacionais dos reformadores dentre eles Aniacutesio
Teixeira e Lourenccedilo Filho natildeo foram bem recebidas pelo movimento de 1930
Apesar das controveacutersias houve marcos importantes como aponta Santos (2011)
com os seguintes decretos
1) Decreto 19850 de 11 de abril de 1931 que criou o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo 2) Decreto 19851 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitaacuterio 3) Decreto 19852 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo da Universidade do Rio de janeiro 4) Decreto 19890 de 18 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio 5) Decreto 19941 de 30 de abril de 1931 que instituiu o ensino religioso como mateacuteria facultativa nas escolas puacuteblicas do paiacutes 6) Decreto 20158 de 30 de junho de 1931 que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissatildeo de contador 7) Decreto 21241 de 14 de abril de 1932 que consolidou as disposiccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio (SANTOS 2011 p 2)
De acordo com Ribeiro (1992) de 1931 a 1937 foram realizados inuacutemeros
congressos e conferecircncias nos quais se discutiam os caminhos possiacuteveis para a
elaboraccedilatildeo de um plano nacional para educaccedilatildeo Nestes debates haviam duas
vertentes
Uma jaacute era tradicional representada pelos educadores catoacutelicos que defendiam a educaccedilatildeo subordinada agrave doutrina religiosa (catoacutelica) a educaccedilatildeo em separado e portanto diferenciadas pelos sexos masculino e feminino o ensino particular a responsabilidade da famiacutelia quanto agrave educaccedilatildeo etc Outra era representada pelos educadores influenciados pelas bdquoideacuteias novas‟ e que defendiam a laicidade a co- educaccedilatildeo a gratuidade a responsabilidade puacuteblica em educaccedilatildeo etc (RIBEIRO 1992 p99)
Em um contexto onde o mundo presenciava as experiecircncias de paiacuteses com
ideologias fascistas e comunistas os grupos de educadores que debatiam a
educaccedilatildeo agrave eacutepoca diziam ser contraacuterios agrave monopolizaccedilatildeo do ensino por parte do
Estado Com isto o movimento escola novista e sua ideia da educaccedilatildeo ser de
responsabilidade puacuteblica passam a ser assimiladas agraves ideias comunistas
79
Em 1934 eacute outorgada uma nova Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica que segundo
Ribeiro (1992) apesar de seu caraacuteter contraditoacuterio ao atender as reivindicaccedilotildees
sobretudo dos reformadores catoacutelicos conseguiu destacar a educaccedilatildeo dedicando-
lhe um capiacutetulo especiacutefico para o assunto Entatildeoldquoa reivindicaccedilatildeo catoacutelica quanto ao
ensino religioso eacute atendida assim como outras ligadas aos representantes das
ldquoideacuteias novasrdquo (CapI art 5ordmXIV 1934 apud RIBEIRO 1992 p104)
A partir de 1937 quando o golpe militar instaura o Estado Novo algumas
premissas satildeo mantidas como a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primaacuterio
Institui-se como obrigatoacuterio o ensino de trabalhos manuais nas escolas primaacuterias
normais e secundaacuterias Tambeacutem fica estabelecido o programa escolar em termos de
ensino preacute-vocacional orientado agraves classes menos favorecidas No artigo 129 o
regime de cooperaccedilatildeo entre a induacutestria e o Estado eacute fixado (RIBEIRO 1992 p114-
115)
O periacuteodo do Estado Novo que durou sessenta anos foi um periacuteodo
marcante para a educaccedilatildeo pois traduziu o que aquele regime poliacutetico pretendeu
executar no Brasil Nas palavras de Helena Bomeny (1999)
Formar um bdquohomem novo‟ para um Estado Novo conformar mentalidades e criar o sentimento de brasilidade fortalecer a identidade do trabalhador ou por outra forjar uma identidade positiva no trabalhador brasileiro tudo isso fazia parte de um grande empreendimento cultural e poliacutetico para o sucesso do qual contava-se estrategicamente com a educaccedilatildeo por sua capacidade universalmente reconhecida de socializar os indiviacuteduos nos valores que as sociedades atraveacutes de seus segmentos organizados querem ver internalizados (BOMENY1999p139)
Bomeny apresenta quatro decretos que remetem ao fechamento das escolas
estrangeiras
O Decreto lei ndeg 383 de 18 de abril de 1938 que proibia aos
estrangeiros o exerciacutecio de atividades poliacuteticas no Brasil o Decreto ndeg 406 de 4 de maio 1938 que regulamentava o ingresso e a permanecircncia de estrangeiros ditando providecircncias para sua assimilaccedilatildeo e criando o Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo como oacutergatildeo executor de suas disposiccedilotildees o Decreto ndeg 868 de 18 de novembro de 1938 que instituiu a Comissatildeo Nacional de Ensino Primaacuterio que possuiacutea entre suas atribuiccedilotildees a nacionalizaccedilatildeo do ensino nos nuacutecleos estrangeiros e o Decreto ndeg 948 de 13 de dezembro do mesmo ano que considerando a complexidade das medidas para promover a assimilaccedilatildeo dos colonos e completa nacionalizaccedilatildeo dos filhos de imigrantes estabelecia que as medidas fossem tomadas pelo Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo (BOMENY 1999 p 158)
80
Em documento dirigido a Getuacutelio Vargas em 1939 o entatildeo Ministro de
Guerra Eurico Gaspar Dutra apontou a educaccedilatildeo como um dos setores
intimamente ligados agrave seguranccedila nacional ldquoO problema da educaccedilatildeo apreciado em
toda a sua amplitude natildeo pode deixar de constituir uma das mais graves
preocupaccedilotildees das autoridades militaresrdquo (Arquivo Osvaldo Aranha AO 390418
FGVCPDOC apud BOMENY 1999 p139)
Com o fim do Estado Novo a nova constituiccedilatildeo caracterizada por seu caraacuteter
liberal e democraacutetico possibilitou algumas mudanccedilas na educaccedilatildeo O novo Ministro
da Educaccedilatildeo regulamentou em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal aleacutem do
Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC Neste contexto o Brasil
passou a viver o que se denominou como periacuteodo nacional-desenvolvimentista No
plano internacional o mundo vivia o poacutes-guerra momento marcado pela
reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos o que levou a uma grande fase de crescimento
econocircmico em niacutevel mundial conhecida como a ldquoa era de ourordquo acarretando no que
ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social
O Estado de bem-estar social era um projeto cogente para recuperar o vigor e a capacidade de expansatildeo dos paiacuteses capitalistas apoacutes a tensatildeo social econocircmica e poliacutetica do periacuteodo entre guerras Tanto que o estabelecimento do Estado de bem-estar social entre as deacutecadas de 1940 e 1960 ficou conhecido como bdquoera dourada do capitalismo‟ por ser um momento de desenvolvimento econocircmico com garantias sociais e oferecimento praticamente de emprego pleno para a maioria da populaccedilatildeo nos paiacuteses mais desenvolvidos (VICENTE 2009 p124)
Apoacutes a reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos na guerra ocorreu o processo de
internacionalizaccedilatildeo do capital O avanccedilo do capitalismo para paiacuteses como o Brasil
implicou em uma nova forma de desenvolvimento As ideacuteias por uma poliacutetica
nacional-desenvolvimentista foram propagadas principalmente pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 durante o governo interino
de Cafeacute Filho No governo de Juscelino Kubitschek o ISEB passa a ser o braccedilo do
governo no sentido de propagar a mentalidade nacional para o desenvolvimento
A deacutecada de 1960 eacute caracterizada por uma sociedade brasileira marcada pelo
processo crescente de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo e pelas mudanccedilas nas
relaccedilotildees de trabalho no campo Na mesma intensidade aumentavam as
81
desigualdades sociais o que mobilizou setores da sociedade em lutas por reformas
de base com vistas agrave reduccedilatildeo dessas desigualdades sociais (NASCIMENTO 2006)
No que se refere ao perfil que tomam as poliacuteticas educacionais nesse periacuteodo
Saviani (2005) aponta que
[] se o periacuteodo situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equiliacutebrio entre as influecircncias das concepccedilotildees humanista tradicional (representada pelos catoacutelicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educaccedilatildeo nova) a partir de 1945 jaacute se delineia como nitidamente predominante a concepccedilatildeo humanista moderna (SAVIANI 2005 p14)
Para o autor o foco no desenvolvimento econocircmico do paiacutes que por sua vez geraria
o desenvolvimento em outras instacircncias da sociedade acabou por gerar uma
inversatildeo do ensino puacuteblico A escola passou a ser instrumento para servir agrave loacutegica
do mercado por meio da pedagogia tecnicista26
No periacuteodo que se estende de 1964-1984 periacuteodo da ditadura militar todo o
aparelho estatal fora reformulado em nome da seguranccedila interna
Definindo a seguranccedila interna como accedilatildeo-resposta a um processo subversivo devendo ser conduzida em termos de aplicaccedilatildeo global do Poder Nacional dentro de uma Estrateacutegia Nacional especiacutefica A Escola Superior de Guerra considerava que essa accedilatildeo-resposta se delineava atraveacutes de trecircs atitudes estrateacutegicas preventiva repressiva e operativa (MIRANDA 1970 p18 apud SAVIANI 2004 p119)
Desse modo as accedilotildees preventivas procuravam evitar aquilo que era
entendido como subversivo As accedilotildees repressivas procuravam impedir a praacutetica
subversiva e as accedilotildees operativas destinavam-se a eliminar esses focos mediante a
accedilatildeo armada Em outras palavrasldquoo Poder Nacional tal como concebido pela
ideologia da interdependecircncia eacute acionado para destruir a autonomia nacional nos
termos da ideologia nacional-desenvolvimentistardquo (SAVIANI 2004 p120)
26
A partir do pressuposto da neutralidade cientiacutefica e inspirada nos princiacutepios de racionalidade eficiecircncia e produtividade a pedagogia tecnicista advogou a reordenaccedilatildeo do processo educativo de maneira a tornaacute-lo objetivo e operacional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretendeu-se a objetivaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico Buscou-se entatildeo com base em justificativas teoacutericas derivadas da corrente filosoacutefico-psicoloacutegica do behaviorismo planejar a educaccedilatildeo de modo a dotaacute-la de uma organizaccedilatildeo racional capaz de minimizar as interferecircncias subjetivas que pudessem pocircr em risco sua eficiecircncia (SAVIANI 2009 p11-12)
82
Eacute neste contexto que eacute possiacutevel compreender todas as poliacuteticas educacionais
durante o regime militar Destaca-se o Mobral27 seguido das reformas de ensino de
primeiro segundo e terceiros graus a criaccedilatildeo dos Centros Rurais Universitaacuterios de
Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria (CRUTACS) os Centros Sociais Urbanos o
Projeto Rondon a Empresa Brasileira de Notiacutecias (EBN) etc (SAVIANI 2004)
O periacuteodo ditatorial ao longo de duas deacutecadas que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na presidecircncia da repuacuteblica se pautou em termos educacionais pela repressatildeo privatizaccedilatildeo de ensino exclusatildeo de boa parcela das classes populares do ensino profissionalizante tecnicismo pedagoacutegico e desmobilizaccedilatildeo do magisteacuterio atraveacutes de abundante e confusa legislaccedilatildeo educacional Soacute uma visatildeo otimistaingecircnua poderia encontrar indiacutecios de saldo positivo na heranccedila deixada pela ditadura militar (GHIRALDELLI 1990 p163)
Em 1979 o Brasil dava iniacutecio ao lento e gradual processo de abertura
democraacutetica que teve iniacutecio no governo de General Geisel (1974-1979) A transiccedilatildeo
democraacutetica se fez seguindo a estrateacutegia de conciliaccedilatildeo pelo alto a fim de dar
prosseguimento agrave ordem socioeconocircmica vigente Naquele momento o mundo vivia
as consequumlecircncias da chamada crise do petroacuteleo que teve seu iniacutecio na deacutecada de
1970 As implicaccedilotildees da crise levaram os paiacuteses a tomarem medidas de
desregulamentaccedilatildeo da economia privatizaccedilotildees e destituiccedilatildeo do Estado de bem-
estar social Nesse contexto nasce o chamado neoliberalismo Neo quer dizer novo
e liberalismo refere-se ao pensamento claacutessico que serviu de base ao capitalismo
Segundo Anderson (1995) ldquoo neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra
Mundial como uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estarrdquo (ANDERSON 1995 p 9)
Na Ameacuterica Latina o efeito da crise fez com que os paiacuteses adotassem os
ajustes neoliberais orientados pelo Banco Mundial Fundo Monetaacuterio Internacional e
o governo dos Estados Unidos apoacutes o ldquoConsenso de Washingtonrdquo28 Os impactos
27
O Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo foi criado pela Lei Nordm 5379 de 15121967 e tinha como
prioridade promover a alfabetizaccedilatildeo e educaccedilatildeo continuada para jovens e adultos analfabetos Esteve embasada nas proposiccedilotildees de educaccedilatildeo funcional presente nos documentos da UNESCO em 1958 durante o Congresso Mundial de Ministros O MOBRAL teve iniacutecio em 1970 e foi caracterizado do ponto de vista teacutecnico como proacuteximo aos meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo de Paulo Freire que partia das palavras-chaves mas suas orientaccedilotildees pedagoacutegicas eram controladas e supervisionadas pelo governo 28
Em novembro de 1989 reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionaacuterios do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos O objetivo do encontro convocado pelo Institute for
83
de tais ajustes perpassam pelo campo das reformas educacionais que devem estar
condicionadas agrave loacutegica do mercado bem como da sauacutede da alimentaccedilatildeo do
trabalho e do salaacuterio (SOARES 2000)
Nesse novo contexto as poliacuteticas educacionais satildeo marcadas por um
neoconservadorismo recheado de contradiccedilotildees e ambiguumlidades presentes nas
principais poliacuteticas educacionais que por sua vez foram resultado do debate entre
diversos setores da sociedade que queriam ver seus interesses contemplados nas
poliacuteticas educacionais somadas agraves deliberaccedilotildees dos organismos multilaterais para
a educaccedilatildeo
33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988
Segundo Gabriele Sapio (2010) a Constituiccedilatildeo Federal (CF) eacute ldquouma das
cartas constitucionais mais adiantadas e progressistas do mundo em mateacuteria de
proteccedilatildeo dos direitos sociais fundamentais coletivos e individuaisrdquo (SAPIO 2010
sn) No Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute considerada um avanccedilo no sentido de
assegurar direitos sociais dentre eles o acesso agrave educaccedilatildeo
No que concerne agrave educaccedilatildeo a Constituiccedilatildeo tem uma seccedilatildeo especiacutefica
destinada agrave mesma Seccedilatildeo I do capiacutetulo III Da Educaccedilatildeo da Cultura e do Desporto
A constituiccedilatildeo de 1988 marca o retorno do Brasil para a democracia No contexto de
sua elaboraccedilatildeo houve inuacutemeros debates por parte dos setores da sociedade de
movimentos sociais a grupos dominantes que queriam ver seus interesses
contemplados na Carta Magna afirma Ghiraldelli Jr (2001 p 169) O mesmo autor
ao analisar a Carta de 1988 onde se discute a educaccedilatildeo informa que este aspecto
natildeo eacute soacute tratado em um artigo especiacutefico mas perpassa por outros toacutepicos
Na Carta de 1988 a educaccedilatildeo natildeo veio contemplada apenas no seu local proacuteprio no toacutepico especiacutefico destinada a ela mas veio tambeacutem espalhada em outros toacutepicos Assim no tiacutetulo sobre direitos e
International Economics sob o tiacutetulo Latin American Adjustment How Much Has Happened era proceder a uma avaliaccedilatildeo das reformas econocircmicas empreendidas nos paiacuteses da regiatildeo Para relatara experiecircncia de seus paiacuteses tambeacutem estiveram presentes diversos economistas latino-americanos Agraves conclusotildees dessa reuniatildeo eacute que se daria subsequentemente a denominaccedilatildeo informal de Consenso de Washingtonrdquo (BATISTA 1994 p 5)
84
garantias fundamentais a educaccedilatildeo apareceu como um direito social junto da sauacutede do trabalho do lazer da seguranccedila da previdecircncia social da proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia da assistecircncia aos desamparados (artigo 6deg) Tambeacutem no capiacutetulo sobre a famiacutelia a crianccedila o adolescente e o idoso a educaccedilatildeo foi incluiacuteda A Constituiccedilatildeo determinou ser dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente o direito agrave educaccedilatildeo como uma prioridade em relaccedilatildeo ao outros direitos (GHIRALDELLI JR 2001 p169)
Diante das mudanccedilas que a CF trouxe agrave Educaccedilatildeo houve tambeacutem a
necessidade de se elaborar uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional Em dezembro de 1988 o deputado Octaacutevio Eliacutesio apresentou um projeto
que fixava as diretrizes e bases nacionais da educaccedilatildeo diante da nova realidade
brasileira Apoacutes oitos ano de tramitaccedilatildeo debates e discussotildees a nova LDB foi
aprovada em 1996 Atualmente eacute a diretriz que rege o curriacuteculo nacional Assim eacute a
partir dela que iremos iniciar a anaacutelise propostas das poliacuteticas educacionais para a
diversidade
34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais
Seraacute que a escola pode ser a mesma quando os educandos satildeo outros Seraacute que o curriacuteculo pode ser o mesmo quando os alunos satildeo outros Seraacute que a pedagogia deva ser a mesmaA docecircncia deva ser a mesma (Miguel Arroyo 2014-Em entrevista concedida ao Portal Dia a Dia Educaccedilatildeo)
As perguntas acima foram feitas pelo poacutes-doutor em educaccedilatildeo Miguel
Arroyo em entrevista concedida a TV Paulo Freire no ano de 2013 Quando
questionado sobre como a escola deve trabalhar o tema da diversidade ele aponta
que natildeo eacute o aluno quem deve se adaptar agrave escola mas a escola quem deve se
adaptar ao aluno Nesse sentido adaptando o questionamento de Arroyo sobre as
poliacuteticas educacionais para a realidade fronteiriccedila a pergunta ficaria a seguinte seraacute
que a escola situada em regiatildeo de fronteira internacional pode ser a mesma quando
os educandos satildeo outros
E este bdquooutro‟ na fronteira eacute o argentino o aacuterabe o paraguaio o brasiguaio o
indiacutegena que estatildeo imersos em meio a tantas outras diversidades que natildeo foram
tratadas aqui mas que complexificam ainda mais a realidade das escolas de
85
fronteira Nela tambeacutem nos deparamos com as questotildees de gecircnero de raccedila de
classes etc Pensando nestes aspectos o que as principais poliacuteticas educacionais
nacionais podem ou natildeo oferecer quando o assunto eacute a diversidade nas escolas de
fronteira internacional
Por diversidade Elvira de Souza Lima (2011) entende que a mesma eacute a
norma da espeacutecie humana pois ldquoos seres humanos satildeo diversos em suas
experiecircncias culturais satildeo uacutenicos em suas personalidades e satildeo diversos em suas
formas de perceber o mundordquo Segundo Gurgel (LIMA 2011 p1) a ideia de
diversidade relaciona-se diretamente com os conceitos de pluralidade multiplicidade
que indicam diferentes valores costumes vivecircncias de diferentes grupos da
sociedade
Nas concepccedilotildees de Gurgel do ponto de vista da Antropologia compreender
os elementos constitutivos da diversidade nos leva a entender diferentes ldquohaacutebitos
costumes comportamentos crenccedilas e valores e a aceitaccedilatildeo da diferenccedila no outro
chamada de alteridaderdquo (GURGEL 2011 p 4)
Nilma Lino Gomes (2008) ao discorrer sobre o que eacute diversidade busca seu
significado no dicionaacuterio apontando que as palavras que traduzem seu sentido satildeo
diferenccedila e dessemelhanccedila Em uma primeira interpretaccedilatildeo Nilma explica que a
diversidade pode se referir a fatos observaacuteveis a olho nu Contudo se ampliarmos a
noccedilatildeo sobre o que sejam diferenccedilas e incluir essas discussotildees no acircmbito cultural eacute
possiacutevel compreendecirc-la de duas formas
1)As diferenccedilas podem ser empiricamente observaacuteveis 2) as diferenccedilas tambeacutem satildeo construiacutedas ao longo do processo histoacuterico nas relaccedilotildees sociais e nas relaccedilotildees de poder Muitas vezes os grupos humanos tornam o outro diferente para fazecirc-lo inimigo para dominaacute-lo Por isso falar sobre a diversidade cultural natildeo diz respeito apenas ao reconhecimento do outro Significa pensar a relaccedilatildeo entre o eu e o outro (GOMES 2008 p2)
Na aacuterea de estudos das poliacuteticas educacionais o tema diversidade eacute recente
Somente a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 e da implementaccedilatildeo da LDB96 eacute que as
poliacuteticas educacionais para diversidade ganharam espaccedilo no campo das poliacuteticas
puacuteblicas
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341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo
A atual LDB96 eacute fruto do novo quadro poliacutetico que se instaurou no Brasil com
o processo de abertura democraacutetica Como jaacute mencionado foram oito anos de
tramitaccedilatildeo ateacute que em 1996 ela fosse fixada com a aprovaccedilatildeo da redaccedilatildeo proposta
pelo entatildeo Deputado Federal e antropoacutelogo Darcy Ribeiro
Ao analisar a LDB96 eacute possiacutevel encontrar alguns artigos que reconhecem a
diversidade existente no paiacutes No Capiacutetulo II referente agrave Educaccedilatildeo Baacutesica o artigo
26 prescreve o seguinte
Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da economia e da clientela (BRASIL 1996)
Com base neste artigo compreende-se que dadas as diferenccedilas culturais presentes
em cada regiatildeo cabe agrave instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave
realidade local Logo a lei daacute margem para que um trabalho diferenciado possa ser
realizado em aacutereas de fronteira internacional O inciso de nuacutemero cinco do mesmo
artigo torna obrigatoacuterio o ensino de uma liacutengua estrangeira moderna cuja escolha
fica a criteacuterio da comunidade escolar a partir da quinta seacuterie (hoje sexto ano)
Em 2005 foi criada a Lei de no 11161 que tornou obrigatoacuterio o ensino da
Liacutengua Espanhola para o Ensino Meacutedio
Art 1o O ensino da liacutengua espanhola de oferta obrigatoacuteria pela escola e de matriacutecula facultativa para o aluno seraacute implantado gradativamente nos curriacuteculos plenos do ensino meacutedio sect 1o O processo de implantaccedilatildeo deveraacute estar concluiacutedo no prazo de cinco anos a partir da implantaccedilatildeo desta Lei sect 2o Eacute facultada a inclusatildeo da liacutengua espanhola nos curriacuteculos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a seacuteries Art 2o A oferta da liacutengua espanhola pelas redes puacuteblicas de ensino deveraacute ser feita no horaacuterio regular de aula dos alunos (BRASIL 2005)
Esta uacuteltima lei expressa o contexto da eacutepoca Primeiro pelo crescimento do poder
econocircmico da Espanha e o crescente aumento do espanhol nos EUA (CELADA
1991 apud AMARAL E MAZZARO 2006) Em segundo o entatildeo presidente Luis
Inaacutecio Lula da Silva tinha como plano de governo a aproximaccedilatildeo com os demais
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paiacuteses da Ameacuterica Latina haja vista que historicamente a relaccedilatildeo do Brasil com os
paiacuteses da regiatildeo tanto no acircmbito econocircmico como social era pequena Com essa
proposta de integraccedilatildeo em um de seus discursos ele diz
A grande prioridade da poliacutetica externa durante o meu governo seraacute a construccedilatildeo de uma Ameacuterica do Sul politicamente estaacutevel proacutespera e unida com base em ideais democraacuteticos e de justiccedila social Para isso eacute essencial uma accedilatildeo decidida de revitalizaccedilatildeo do MERCOSUL enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visotildees muitas vezes estreitas e egoiacutestas do significado da integraccedilatildeo O MERCOSUL assim como a integraccedilatildeo da Ameacuterica do Sul em seu conjunto eacute sobretudo um projeto poliacutetico Mas esse projeto repousa em alicerces econocircmico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforccedilados Cuidaremos tambeacutem das dimensotildees social cultural e cientiacutefico-tecnoloacutegica do processo de integraccedilatildeo (LULA DA SILVA 2003)
A partir de entatildeo outras iniciativas aleacutem do ensino do espanhol foram
implementadas como a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino superior em aacutereas
fronteiriccedilas entre elas a Universidade Federal da Fronteira Sul (Santa Catarina)
criada em outubro de 2009 a Universidade Federal do Pampa (Rio Grande do Sul)
fundada em janeiro de 2008 a Universidade Federal de Grande Dourados (Mato
Grosso do Sul) fundada em agosto de 2005 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo
Latino-Americana (Paranaacute) criada em janeiro de 2010 e a Universidade da
Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira tambeacutem criada em 2010 Esta
uacuteltima que conforme o nome sugere orienta-se para o desenvolvimento cientiacutefico
educacional e cultural da Ameacuterica Latina No acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica temos o
Programa Escola Intercultural Biliacutenguumle de iniciativa do Mercosul que objetiva a
integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo biliacutengue em escolas puacuteblicas do ensino
fundamental presentes em cidades da faixa de fronteira
Nesse sentido ainda que as estrateacutegias dessas instituiccedilotildees estejam
relacionadas ao projeto de integraccedilatildeo na regiatildeo de faixa de fronteira a presenccedila de
instituiccedilotildees de ensino superior contribui para o desenvolvimento de pesquisas
criaccedilatildeo de projetos e programas tanto no acircmbito nacional com as cidades e as
instituiccedilotildees locais como no acircmbito internacional em parceira com instituiccedilotildees dos
paiacuteses com as quais essas instituiccedilotildees fazem fronteira Isso por consequecircncia
pode contribuir para debates e mudanccedilas na educaccedilatildeo nas escolas de fronteira
No que confere agrave obrigatoriedade do ensino de espanhol algumas pesquisas
sobre sua implementaccedilatildeo identificaram algumas fragilidades Nos resultados
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parciais da pesquisa de doutorado sobre o ensino do espanhol no Brasil realizada
por Maria Fernanda Lisboa (2011) a autora identificou que o discurso de integraccedilatildeo
linguiacutestico-cultural que justifica a lei ldquoeacute apenas uma fachada para desviar a atenccedilatildeo
dos reais interesses por traacutes dessa poliacutetica natildeo soacute linguumliacutesticardquo (LISBOA 2011 p
213) A autora faz referecircncia aos interesses da Espanha que estaacute agrave frente dessa
poliacutetica ldquoinvestindo em assessorias linguumliacutesticas na criaccedilatildeo de vaacuterias sedes do
Instituto Cervantes e ainda disseminando cursos de capacitaccedilatildeo para professoresrdquo
(LISBOA 2011 p 213) Estes cursos satildeo vistos pelas associaccedilotildees de professores
pelos formadores de professores e por Universidades de modo negativo Na
avaliaccedilatildeo daqueles que satildeo contraacuterios a essas formaccedilotildees encontra-se a duacutevida na
real qualidade da mesma visto que eacute um curso inteiramente agrave distacircncia sem
maiores reflexotildees relacionados agrave metodologia
Aleacutem disso haacute outras questotildees como a demanda de professores oferta de
materiais didaacuteticos interesse por parte dos alunos que satildeo desafios a serem
superados nesse processo de implementaccedilatildeo Entretanto mesmo diante das
contradiccedilotildees e lacunas que a sua obrigatoriedade significou a lei que completou dez
anos de sua criaccedilatildeo e cinco do prazo final para sua execuccedilatildeo nas escolas em 2015
abre possibilidades para maiores discussotildees e provocaccedilotildees se pensarmos a partir
da integraccedilatildeo dos paiacuteses fronteiriccedilos ou mesmo em niacutevel de poliacuteticas linguumliacutesticas
para essa regiatildeo Afinal conforme Marcuschi (2005) ldquonatildeo se pode reduzir a
linguagem ao seu papel de ferramenta social tampouco reduzi-la ao caraacuteter formal
pois liacutengua natildeo eacute forma nem funccedilatildeo e sim atividade significante e constitutivardquo
(MARCUSCHI 2005 p 3)
Em 2003 foi criada a lei 1063903 que tornou obrigatoacuteria a inclusatildeo do ensino
da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-Brasileira nos curriacuteculos dos estabelecimentos
de ensino puacuteblicos e particulares da educaccedilatildeo baacutesica E em 2008 foi criada a lei
1164508 que acrescenta o estudo da histoacuteria e cultura indiacutegena nas escolas
puacuteblicas e privadas da educaccedilatildeo baacutesica
1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere este artigo incluiraacute diversos aspectos da histoacuteria e da cultura que caracterizam a formaccedilatildeo da populaccedilatildeo brasileira a partir desses dois grupos eacutetnicos tais como o estudo da histoacuteria da Aacutefrica e dos africanos a luta dos negros e dos povos indiacutegenas no Brasil a cultura negra e indiacutegena brasileira e o negro e o iacutendio na formaccedilatildeo da sociedade
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nacional resgatando as suas contribuiccedilotildees nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinentes agrave histoacuteria do Brasil sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira e dos povos indiacutegenas brasileiros seratildeo ministrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de educaccedilatildeo artiacutestica e de literatura e histoacuteria brasileira (BRASIL 2008)
No acircmbito estadual o Paranaacute emitiu a seguinte nota sobre a obrigatoriedade
da lei 1063903
No curriacuteculo oficial da Rede de Educaccedilatildeo do Paranaacute a obrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e seus desencadeamentos tem efetivado accedilotildees para a formaccedilatildeo das equipes multidisciplinares nos Nuacutecleos Regionais de Educaccedilatildeo e nas escolas A medida eacute um dos objetivos para valorizar a histoacuteria da populaccedilatildeo negra no Estado do Paranaacute e orientar a comunidade escolar para o enfrentamento do preconceito da discriminaccedilatildeo do racismo (SEED 2013)
Assim a fim de atender tanto a lei 1063903 quanto a 1164508 a Secretaria
Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute instituiu as Equipes Multidisciplinares validadas
pelo artigo 26 da LDB Lei nordm 939496 pela Deliberaccedilatildeo nordm 0406 CEEPR pela
Instruccedilatildeo nordm 01706 SUEDSEED pela Resoluccedilatildeo nordm 339910 SEEDSEED e a
Instruccedilatildeo nordm 0101 SUESSEED As equipes multidisciplinares satildeo compostas por
professores de diferentes aacutereas pedagogos diretores e agentes educacionais e
representantes da comunidade externa (pais movimentos sociais professores do
ensino superior representantes das Comunidades Remanescentes de Quilombos
lideranccedilas indiacutegenas dentre outros)
A equipe se encontra em espaccedilos para debater estrateacutegias e desenvolver
accedilotildees pedagoacutegicas que fortaleccedilam a implementaccedilatildeo das leis 1063903 e 1164508
no curriacuteculo escolar das instituiccedilotildees de ensino da rede puacuteblica estadual e escolas
conveniadas do Paranaacute Com isso nota-se a preocupaccedilatildeo em cumprir a legislaccedilatildeo
sendo uma das accedilotildees a criaccedilatildeo da Equipe Multidisciplinar que deixa claro que o
trabalho da equipe eacute destinado ao ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e
indiacutegena nas escolas estaduais paranaenses conforme as atribuiccedilotildees presentes na
Instruccedilatildeo Nordm 0102010 ndash SUEDSEE da qual destacam
Compete agrave Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo ndash SEED 1Garantir que todos os NREs e estabelecimentos de ensino na Rede Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute organizem suas Equipes Multidisciplinares para tratar da Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-
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Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afrobrasileira Africana e Indiacutegena Compete agrave Equipe Multidisciplinar do Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
1Orientar e acompanhar o funcionamento e organizaccedilatildeo das Equipe Multidisciplinares dos estabelecimentos da Rede Estadual de Ensino para a efetivaccedilatildeo de accedilotildeesexperiecircncias em ERER subsidiando os profissionais da educaccedilatildeo em consonacircncia com as poliacuteticas puacuteblicas estabelecidas pela Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo 2Promover accedilotildees voltadas agrave formaccedilatildeo continuada e de pesquisa dos teacutecnicos do NRE sobre o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro brasileira Africana e Indiacutegena (SEED 2010)
Ao longo do documento natildeo haacute referecircncias que indiquem que o professor
deva trabalhar com outros temas referentes agrave diversidade Contudo a criaccedilatildeo da
equipe multidisciplinar eacute um exemplo de uma poliacutetica educativa criada para o
cumprimento da legislaccedilatildeo Com isso vem o seguinte questionamento no caso dos
desafios enfrentados pelas escolas e professores situados em regiatildeo de fronteira a
obrigatoriedade para demandas especiacuteficas dessas escolas teria um caminho
possiacutevel (deliberaccedilotildees especiacuteficas para as documentaccedilotildees dos alunos
estrangeiros a obrigatoriedade do ensino da histoacuteria da cultura dos paiacuteses com os
quais a cidade fronteiriccedila faz parte formaccedilatildeo de professores especiacuteficas em cidade
ou regiotildees como Foz do Iguaccedilu que apresenta uma quantidade expressiva de
estrangeiras nesse caso os aacuterabes a proposta de poliacuteticas linguumliacutesticas especiacuteficas
que facilitem o processo de inserccedilatildeo desses alunos em sala de aula etc)
Essas questotildees surgiram agrave medida que se tornou possiacutevel perceber que
quando um tema eacute reconhecido pelo Estado tem-se a impressatildeo de que ele passa a
existir oficialmente nas escolas e nas outras instituiccedilotildees Por exemplo a lei
1063903 discute a temaacutetica da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e possui dentre
outros objetivos o combate ao racismo Essa discussatildeo poreacutem sempre esteve
presente nas escolas pois a luta contra o racismo e discriminaccedilatildeo racial comeccedilou
ainda no periacuteodo escravocrata pelos primeiros movimentos de resistecircncia a citar os
quilombos
Desse modo natildeo eacute novidade o enfrentamento com o racismo nem eacute
novidade que os negros ficaram excluiacutedos da histoacuteria nacional e desde entatildeo
buscam a afirmaccedilatildeo de sua identidade Denota-se que satildeo questotildees que natildeo
passam despercebidas pela escola mas para que chegasse ateacute ela necessitou de
dispositivos legais para que fossem discutidas em sala de aula com o respaldo do
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Estado Esses respaldos seriam accedilotildees criadas para dar condiccedilotildees de
implementaccedilatildeo agrave lei como a criaccedilatildeo em 2004 da Secretaria de Educaccedilatildeo
Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECAD) com a finalidade de articular o
tema da diversidade nas poliacuteticas educacionais Tambeacutem foram criados alguns
programas e projetos Programa Diversidade na Universidade (2002 a 2007) os
Foacuteruns Estaduais e Foacuteruns Permanentes de Educaccedilatildeo e Diversidade Eacutetnico-Racial
a distribuiccedilatildeo do Kit didaacutetico-pedagoacutegico a Oficina Cartograacutefica sobre Geografia
Afro-brasileira e Africana (2005) o Projeto Educadores pela Diversidade
(20042005) o Curso Educaccedilatildeo e Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais (2005) a Pesquisa
Nacional Diversidade nas Escolas (2006 a 2009) dentre outros (GOMES 2010)
Tudo isto foi possiacutevel explica Gomes (2010) devido ao longo processo de
lutas sociais e natildeo a ldquouma daacutediva do Estado pois enquanto uma poliacutetica de accedilatildeo
afirmativa ela ainda eacute vista com muitas reservas pelo ideaacuterio republicano brasileiro
que resiste em equacionar a diversidaderdquo (GOMES 2010 p 9) Diante das
prerrogativas contidas na LDB96 referentes agrave questatildeo da diversidades cultural
observou que elas por si soacute natildeo atingem a fronteira com suas diversidades que
estatildeo nas escolas que devem seguir as suas normas que por sua vez seguem uma
linha de poliacuteticas universalistas
342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
Os Paracircmetros Curriculares Nacionais foram publicados apoacutes a
implementaccedilatildeo da Lei de Diretrizes e bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 pela
Secretaria de Educaccedilatildeo do Ensino Fundamental do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do
Desporto O contexto de sua construccedilatildeo ocorreu apoacutes a Conferecircncia Mundial de
Educaccedilatildeo para Todos em Jomtien na Tailacircndia (1990) que teve como resultado
um documento que destaca a necessidade de uma educaccedilatildeo para todos sem
distinccedilatildeo Do compromisso assumido internacionalmente para com a Educaccedilatildeo
somados aos princiacutepios previstos na LDB de 1996 nascem os PCN‟S
Os PCN‟s satildeo um instrumento normativo que nasceu para cumprir o artigo
210 disposto no capiacutetulo III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que institui a fixaccedilatildeo de
ldquoconteuacutedos miacutenimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formaccedilatildeo
baacutesica comum e respeito aos valores culturais e artiacutesticos nacionais e regionaisrdquo
Nasceu tambeacutem no contexto das implementaccedilotildees das poliacuteticas neoliberais o que
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gerou muitas criacuteticas acerca de seus reais propoacutesitos Contaram com os subsiacutedios
de acordos e documentos elaborados por organismos internacionais tais como a
declaraccedilatildeo Mundial sobre a Educaccedilatildeo para Todos Declaraccedilatildeo de Nova Delhi
Relatoacuterio para a Unesco da Comissatildeo Internacional sobre a Educaccedilatildeo para o seacuteculo
XXI dentre outros acordos e documentos de organismos internacionais
(RODRIGUES 2001)
O processo de elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais conforme o
documento comeccedilou a partir do estudo das
Propostas curriculares de Estados e Municiacutepios brasileiros do diagnoacutestico realizado pela Fundaccedilatildeo Carlos Chagas sobre curriacuteculos oficiais e do contato com informaccedilotildees referentes agraves experiecircncias de outros paiacuteses (BRASIL 1998 p15)
Com base nas orientaccedilotildees presentes no Plano Decenal de Educaccedilatildeo (1993-
2003) de pesquisas internas e externas de dados acerca do desempenho dos
estudantes do ensino fundamental aleacutem das experiecircncias de sala de aula
socializadas em seminaacuterios congressos encontros e publicaccedilotildees foi elaborada a
proposta inicial que passou por um processo de anaacutelise entre os anos de 1995 e
1996 Desta anaacutelise saiacuteram aproximadamente setecentos pareceres sobre a
proposta inicial que serviram de referecircncia para sua redaccedilatildeo final
Os PNC‟s de 1ordf a 4ordf seacuterie foram transformados em 10 livros lanccedilados no dia
15 de outubro de 1997 dia do professor na capital Brasiacutelia Estes dez volumes
apresentam os seguintes conteuacutedos introduccedilatildeo liacutengua portuguesa matemaacutetica
ciecircncias naturais histoacuteria e geografia arte educaccedilatildeo fiacutesica apresentaccedilatildeo dos
temas transversais meio ambiente e sauacutede pluralidade cultural e orientaccedilatildeo sexual
Desse modo estatildeo organizados em um documento introdutoacuterio seis documentos
que tratam das aacutereas de conhecimentos gerais e trecircs volumes referentes aos Temas
Transversais (MOTTA 2005)
Segundo o documento elaborado em 1997 com o objetivo de introduzir os
PCN‟s ao professor sua funccedilatildeo eacute de
() orientar e garantir a coerecircncia dos investimentos no sistema educacional socializando discussotildees pesquisas e recomendaccedilotildees subsidiando a participaccedilatildeo de teacutecnicos e professores brasileiros principalmente daqueles que se encontram mais isolados com
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menor contato com a produccedilatildeo pedagoacutegica atual (BRASIL 1997 p13)
Trata-se portanto natildeo de um curriacuteculo mas de um suporte para que a escola
possa elaborar seu programa curricular dentro de sua realidade especiacutefica Os
PCN‟s estatildeo organizados em dois grupos 1) composto por aacutereas tradicionais
(Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias Naturais Educaccedilatildeo Fiacutesica
Liacutengua Estrangeira e Arte) 2) composto pelos temas transversais que vai tratar das
seguintes questotildees Eacutetica do Meio Ambiente da Pluralidade Cultural da Sauacutede da
Orientaccedilatildeo Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL 1998 p17) A justificativa
para a escolha de tais temaacuteticas pauta-se no fato de serem assuntos urgentes e que
fazem parte das preocupaccedilotildees e do cotidiano da sociedade brasileira
A finalidade uacuteltima dos Temas Transversais se expressa neste criteacuterio que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questotildees que interferem na vida coletiva superar a indiferenccedila e intervir de forma responsaacutevel Assim os temas eleitos em seu conjunto devem possibilitar uma visatildeo ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserccedilatildeo no mundo aleacutem de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participaccedilatildeo social dos alunos (BRASIL 1998 p26)
Por temas transversais compreende-se um conjunto de conteuacutedos que natildeo
ldquoquerendo desbancar os previamente fixados pelas disciplinas acadecircmicas
claacutessicas se apresentam como temas transversais no curriacuteculo e portanto comuns
a todas as aacutereas e disciplinasrdquo (RAMOS 1998 p 2) Neste sentido como explica o
volume 10 dos Paracircmetros Curriculares Nacionais que trata dos temas transversais
os conteuacutedos convencionais devem receber as questotildees dos Temas Transversais
de modo que seus conteuacutedos os explicitem e os objetivos sejam considerados
(BRASIL 1998) Em seguida o documento apresenta o seguinte exemplo para
ilustrar essa transversalidade
() aacuterea de Ciecircncias Naturais inclui a comparaccedilatildeo entre os principais oacutergatildeos e funccedilotildees do aparelho reprodutor masculino e feminino relacionando seu amadurecimento agraves mudanccedilas no corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a puberdade e respeitando as diferenccedilas individuais Dessa forma o estudo do corpo humano natildeo se restringe agrave dimensatildeo bioloacutegica mas coloca esse conhecimento a serviccedilo da compreensatildeo da diferenccedila de gecircnero (conteuacutedo de Orientaccedilatildeo Sexual ) e do respeito agrave diferenccedila (conteuacutedo de Eacutetica) Assim natildeo se trata de que os professores das
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diferentes aacutereas devam ldquopararrdquo sua programaccedilatildeo para trabalhar os temas mas sim de que explicitem as relaccedilotildees entre ambos e as incluam como conteuacutedos de sua aacuterea articulando a finalidade do estudo escolar com as questotildees sociais possibilitando aos alunos o uso dos conhecimentos escolares em sua vida extra-escolar Natildeo se trata portanto de trabalhaacute-los paralelamente mas de trazer para os conteuacutedos e para a metodologia da aacuterea a perspectiva dos temas
(BRASIL 1998 p27)
Fernanda Motta (2005) explica que as discussotildees sobre os temas
transversais no campo da educaccedilatildeo surgem em um momento onde diversos grupos
sociais politicamente organizados em diferentes paiacuteses comeccedilaram a questionar
qual seria o papel da escola em meio a uma sociedade plural e globalizada e quais
assuntos que deveriam ser tratados na educaccedilatildeo escolar (MOTTA 2005 p20)
Neste sentido continua
Esses grupos comeccedilaram a pressionar os Estados para que incluiacutessem na estrutura curricular escolar temas mais vinculados ao cotidiano da maioria da populaccedilatildeo possibilitando que as disciplinas passassem a se relacionar com a realidade contemporacircnea Parte-se do princiacutepio de que a escola natildeo pode ser vista como uma instituiccedilatildeo isolada Sua accedilatildeo deve ser norteada tomando como paracircmetro a cultura na qual estaacute inserida (MOTTA 2005 p28)
Assim podemos compreender a educaccedilatildeo como um tipo de poliacutetica social
pensada natildeo somente a partir do Estado mas por atores da sociedade civil
As poliacuteticas sociais ndash e a educaccedilatildeo ndash se situam no interior de um tipo particular de Estado Satildeo formas de interferecircncia do Estado visando agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de determinada formaccedilatildeo social Portanto assumem bdquofeiccedilotildees‟ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepccedilotildees de Estado (HOFLING 2001 p31)
343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural
No PCN de nuacutemero dez que trata especificamente dos temas transversais
no capiacutetulo referente agrave pluralidade cultural a justificativa pela pertinecircncia do tema eacute
dada pela diversidade cultural presente no paiacutes
Convivem hoje no territoacuterio nacional cerca de 210 etnias indiacutegenas cada uma co identidade proacutepria e representando riquiacutessima diversidade sociocultural junto a uma imensa populaccedilatildeo formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo numeroso de
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imigrantes e descendentes de povos de vaacuterios continentes com diferentes tradiccedilotildees culturais e religiosas (BRASIL 1997 p125)
O documento chama atenccedilatildeo para o fato de que essa pluralidade cultural que natildeo
foge agrave realidade das escolas eacute ignorada ou mesmo silenciada sendo inuacutemeras as
justificativas para tal silenciamento Um exemplo citado pelos PCN‟s foi o periacuteodo de
nacionalismo dos governos autoritaacuterios que ldquoem diferentes momentos da histoacuteria
valeu-se da accedilatildeo homogeneizadora veiculada na escolardquo (BRASIL 1997 p125) A
deacutecada de 1930 foi um periacuteodo em que a poliacutetica oficial estava preocupada com a
quantidade de imigrantes e buscava formas de fazer com que essa populaccedilatildeo
assimilasse a cultura brasileira Enquanto isso a populaccedilatildeo negra era
marginalizada explica o PCN acerca da pluralidade cultural
O trabalho com o tema transversal propotildee o desenvolvimento das seguintes
capacidades
conhecer a diversidade do patrimocircnio etnocultural brasileiro cultivando atitude de respeito para com pessoas e grupos que a compotildeem reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indiviacuteduos e elemento de fortalecimento da democracia
compreender a memoacuteria como construccedilatildeo conjunta elaborada como tarefa de cada um e de todos que contribui para a percepccedilatildeo do campo de possibilidades individuais coletivas comunitaacuterias e nacionais
valorizar as diversas culturas presentes na constituiccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo reconhecendo sua contribuiccedilatildeo no processo de constituiccedilatildeo da identidade brasileira
reconhecer as qualidades da proacutepria cultura valorando-as criticamente enriquecendo a vivecircncia de cidadania
desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminaccedilatildeo
repudiar toda discriminaccedilatildeo baseada em diferenccedilas de raccedilaetnia classe social crenccedila religiosa sexo e outras caracteriacutesticas individuais ou sociais
exigir respeito para si e para o outro denunciando qualquer atitude de discriminaccedilatildeo que sofra ou qualquer violaccedilatildeo dos direitos de crianccedila e cidadatildeo
valorizar o conviacutevio paciacutefico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural
compreender a desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passiacutevel de mudanccedilas
analisar com discernimento as atitudes e situaccedilotildees fomentadoras de todo tipo de discriminaccedilatildeo e injusticcedila social (BRASIL1998p147)
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Diante dessas capacidades apresentadas pelo PCN eacute possiacutevel perceber que
o documento natildeo aborda especificamente a questatildeo da diversidade em regiatildeo de
fronteira internacional pois trata-se de orientaccedilotildees a serem desenvolvidas em todas
as escolas do paiacutes e natildeo em determinada regiatildeo especiacutefica cabendo entatildeo agrave
instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias conforme o contexto no qual
estaacute inserida
Eacute importante lembrar que o estreito viacutenculo entre os conteuacutedos selecionados e a realidade local a partir mesmo das caracteriacutesticas culturais locais faz com que este trabalho possa incluir e valorizar questotildees da comunidade imediata agrave escola Contudo a proposta levanta tambeacutem a necessidade de referenciais culturais voltados para a pluralidade caracteriacutestica do Brasil como forma de compreender a complexidade do paiacutes bem como de ampliar horizontes para o trabalho da escola como um todo Lembra-se ainda que os conteuacutedos aqui definidos destinam-se ao trabalho com o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental (BRASIL 1998 p148)
Em uma primeira leitura os temas transversais para a pluralidade cultural
conseguem abordar as principais pautas que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a
LDB96 estabelecem ao propor um ensino que valorize e incorpore o debate da
diversidade cultural na escolas mas que se apresentaram de modo muito superficial
e ao mesmo tempo amplo
Dentre algumas consideraccedilotildees acerca dos PCN‟S encontra-se a do professor
Antocircnio Cunha que na ocasiatildeo do lanccedilamento dos documentos questionou-os em
relaccedilatildeo ao o seu processo de elaboraccedilatildeo uma vez que o governo preferiu criar
propostas novas para os PCN‟s desconsiderando totalmente as anteriores
Em vez de se partir das propostas curriculares existentes para se chegar aos PCN‟s o que se fez foi apresentar aos estupefactos assistentes os paracircmetros jaacute elaborados Esse procedimento insoacutelito serviu para desestimular docentes e pesquisadores a darem seu parecer sobre os documentos quando solicitados pela Secretaria do Ensino Fundamental Parece que mais uma vez a administraccedilatildeo puacuteblica tem da pesquisa uma visatildeo apenas justificatoacuteria das opccedilotildees tomadas pelos dirigentes quando natildeo de algo apresentado tatildeo-somente para efeito propagandiacutestico (CUNHA 1996 p61)
Deste modo algumas das criacuteticas direcionadas aos PCN‟s encontram-se em
sua concepccedilatildeo O Parecer da Agecircncia Nacional dos Geoacutegrafos Brasileiros (AGB)
em consonacircncia com a posiccedilatildeo da Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria (ANPUH)
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realizado a pedido Secretaria do Ensino Fundamental do MEC na ocasiatildeo de seu
processo de elaboraccedilatildeo deu a seguinte resposta
Os bdquoParacircmetros‟ apresentam-se hoje como um retrocesso Apresentam-se organizados de forma semelhante aos antigos Guias Curriculares divididos em objetivos conteuacutedos avaliaccedilatildeo orientaccedilotildees didaacuteticas (em lugar das estrateacutegias) Apoacutes uma tentativa de explicitaccedilatildeo de conteuacutedos elenca-se para cada ciclo uma lista que pretende sintetizaacute-los Mesmo que no documento introdutoacuterio e nos documentos de aacuterea apareccedila registrada a natildeo intencionalidade da parte do MEC no sentido da obrigatoriedade de conteuacutedos determinados a real intenccedilatildeo jaacute patente a partir da escolha do termo bdquoparacircmetros‟ e a forma da organizaccedilatildeo dos mesmos eacute de molde a constituir em modelos uacutenicos a serem popularizadas e vulgarizadas em novos manuais didaacuteticos ()- O documento intitulado bdquoTemas Transversais‟ homogeneizar para a totalidade do paiacutes a definiccedilatildeo de bdquoconviacutevio social e eacutetica‟ meio ambiente e sauacutederdquo(AGB 1996p 62)
No parecer dos geoacutegrafos a construccedilatildeo de modelos uacutenicos e vulgarizados
bem como a tentativa de universalizar temas como a de conviacutevio social e eacutetico para
todo o paiacutes satildeo objetos de criacuteticas na medida em que a reflexatildeo sobre pluralidade
que haacute no paiacutes deve-se primeiramente ao seguinte questionamento destes temas
transversais - e em destaque o que trata da pluralidade cultural - quando adentra
em realidades como a de Foz do Iguaccedilu satildeo passiacuteveis de considerar as condiccedilotildees
locais Na mesma perspectiva Calllai (1997) fez o seguinte questionamento e
reflexatildeo
Os temas transversais propostos de certa forma homogeinizam tanto os problemas como o curriacuteculo a niacutevel nacional Eacute possiacutevel articular-se questotildees como pluralidade cultural exclusatildeo social e proposiccedilatildeo uacutenica de curriacuteculo As desigualdades sociais satildeo tambeacutem regionalizadas e como tal diferenciadas na sua expressatildeo localizada E eacute no local que o sujeito encara os problemas do seu cotidiano embora eles sejam o mais das vezes globais Poreacutem o global estaacute concretizado no lugar em que se vive e como tal eacute a partir daiacute que se precisa consideraacute-lo (CALLAI 1997 p 10)
Por outro lado aqueles (SILVEIRA MARQUES 2004) que vecircem os Temas
Transversais como uma novidade facilitadora para que haja debates em sala sobre
cultura diversidade e voltada para a interculturalidade possuem a consciecircncia de
que haacute alguma dificuldades seja pela falta de bibliografia pelas poucas experiecircncias
desenvolvidas e ateacute mesmo pela falta de formaccedilatildeo adequada de professores
Para que o trabalho com os temas transversais seja de fato efetivo torna-se
necessaacuterio a construccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica que envolva toda a
98
comunidade escolar Eacute necessaacuterio considerar que os temas ultrapassem os muros
da escola incluindo o contexto social envolvente Com relaccedilatildeo aos PCN‟s ainda que
haja criacuteticas referentes agrave sua elaboraccedilatildeo ainda que eles tendam agrave homogeneizaccedilatildeo
e por isso apresentem certa incoerecircncia teoacuterica a problemaacutetica maior eacute se esse
documento por meio dos temas transversais conseguiu inserir o debate sobre a
diversidade na comunidade escolar e como esse debate foi inserido
De modo geral os PCN‟s representam um avanccedilo no modo como trata do
tema pluralidade cultural No entanto as anaacutelises demonstraram que as tendecircncias
agrave homogeneizaccedilatildeo do curriacuteculo nacional ficam impliacutecitas no documento logo ele
recai em contradiccedilotildees pois reconhece a diversidade que existe no paiacutes mas insiste
em direcionar o trabalho da pluralidade a grupos especiacuteficos Neste caso negros e
indiacutegenas natildeo alcanccedilando realidades como a fronteiriccedila Assim acaba por deixar
de lado outros grupos
344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEE-PR) de 2015 eacute fruto de um
processo que tem iniacutecio na Constituiccedilatildeo de 1988 que por meio do Art 22 inciso
XXIV estabelecia a elaboraccedilatildeo de uma Nova Lei de Diretrizes e Bases para
Educaccedilatildeo Sendo entatildeo criada em 1996 a LDB96 que delegou para estados
municiacutepios Uniatildeo e Distrito Federal ldquoaos entes federados fica a responsabilidade de
garantir os meios necessaacuterios para o acesso e permanecircncia de todos agrave educaccedilatildeo
puacuteblica e gratuitardquo (BRASIL 2014a)
Deste modo conforme o PEE-PR do Paranaacute a educaccedilatildeo foi estruturada em
planos decenais com o objetivo de
Articular o sistema nacional de educaccedilatildeo em regime de colaboraccedilatildeo e definir diretrizes objetivos metas e estrateacutegias de implementaccedilatildeo para assegurar a manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino em seus diversos niacuteveis etapas e modalidades por meio de accedilotildees integradas dos poderes puacuteblicos das diferentes esferas federativas (BRASIL 2014a p 15 apud PEE-PR 2015 p23)
As primeiras discussotildees do PNE comeccedilaram nas Conferecircncias Brasileiras de
Educaccedilatildeo (CBEs) nas deacutecadas de 1980 e 1990 Posteriormente estas conferecircncias
99
foram dando lugar para os Seminaacuterios Brasileiros de Educaccedilatildeo e as Conferecircncias
Nacionais de Educaccedilatildeo datadas da deacutecada de 1920 (PEE-PR 2015 p24) As
CBEs entre os anos de 1996 e 2004 foram substituiacutedas pelos Congressos
Nacionais de Educaccedilatildeo (Coned)(PARANAacute 2015)
O Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) foi aprovado pela primeira vez em 2001
pelo Congresso Nacional Brasileiro Em 2009 foi estabelecida a Conferecircncia
Nacional de Educaccedilatildeo (Conae) sendo um de seus objetivos o de mobilizar os
diversos setores da educaccedilatildeo brasileira a elaborarem um PNE correspondente ao
periacuteodo de 2011-2020 Assim apoacutes quatro anos de debates e de reelaboraccedilatildeo do
PNE a Lei Federal nordm 13005 de junho de 2014 instituiu o novo Plano composto
por 14 artigos e um anexo contendo 20 metas e estrateacutegias nacionais a serem
atingidas no periacuteodo de dez anos (PEE-PR 2015)
O documento base do PEE-PR na introduccedilatildeo apresenta as caracteriacutesticas
gerais da populaccedilatildeo paranaense Nela eacute destacada a presenccedila de diversas etnias e
nacionalidades que fazem parte da histoacuteria do estado e dada essa presenccedila a
educaccedilatildeo eacute uma instacircncia automaticamente atingida por essa diversidade
A populaccedilatildeo eacute formada por descendentes de povos europeus africanos ameriacutendios e indiacutegenas das etnias Guarani Kaingang e Xetaacute e por imigrantes procedentes principalmente dos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Satildeo Paulo e Minas Gerais () Dessa forma esses grupos participaram na construccedilatildeo da cultura paranaense e muitos costumes oriundos dessas diferentes etnias ainda satildeo preservados em determinadas comunidades e se refletem na educaccedilatildeo paranaense (PEE-PR2015p 26)
Refletindo sobre estas caracteriacutesticas e atendendo agraves leis nordm 1063908 e
1164508 sobre a obrigatoriedade do ensino de histoacuteria e cultura afro-brasileira
africana e indiacutegena no curriacuteculo oficial dos estabelecimentos de ensino puacuteblico o
plano base possui as seguintes estrateacutegias
13 Orientar as instituiccedilotildees educacionais que atendem crianccedilas de zero a cinco anos a agregarem ou ampliarem em suas praacuteticas pedagoacutegicas cotidianas accedilotildees que visem ao enfrentamento da violecircncia sexual e a outros tipos de violecircncia agrave inclusatildeo e ao respeito agraves diversidades de toda ordem gecircnero eacutetnico-racial religiatildeo entre outros agrave promoccedilatildeo da sauacutede e dos cuidados agrave convivecircncia escolar saudaacutevel e ao estreitamento da relaccedilatildeo famiacutelia-crianccedila-instituiccedilatildeo ()18 Estabelecer programas em parceria com os municiacutepios para a oferta da educaccedilatildeo inclusiva nas comunidades indiacutegenas
100
quilombolas do campo e ciganas de acordo com suas especificidades (PEE-PR 2015 p64)
Conforme a finalidade no Plano este estabelece metas e estrateacutegias a serem
implementadas e consonacircncia com o Art8ordm contido no plano de educaccedilatildeo que
estabeleceu as seguintes estrateacutegias
I - asseguram a articulaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais particularmente as culturais II - consideram as necessidades especiacuteficas das populaccedilotildees do campo e das comunidades indiacutegenas quilombolas e demais grupos sociais singulares asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural (PEE-PR 2015 p2)
Chama atenccedilatildeo a especificidade do artigo oitavo que visa agrave articulaccedilatildeo das
poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais destacando principalmente a
questatildeo cultural Ao pensar nas particularidades educacionais encontradas em
regiotildees de fronteira internacional em Foz do Iguaccedilu onde a presenccedila de alunos
oriundos de outros paiacuteses eacute comum nas escolas seria pertinente que o tema
diversidade fosse ampliado Por exemplo no caso da presenccedila de alunos aacuterabes
(principalmente libaneses siacuterios e palestinos) nas escolas as diferenccedilas
manifestadas natildeo satildeo apenas linguiacutesticas Neste caso abarca tambeacutem a religiatildeo
(predominante o islatilde) os haacutebitos costumes vestuaacuterio alimentaccedilatildeo etc Neste
sentido propor poliacuteticas puacuteblicas que possibilitem a inclusatildeo desses alunos e natildeo a
exclusatildeo ou a desconsideraccedilatildeo das origens deste aluno eacute sem duacutevidas um grande
desafio
345 O Curriacuteculo da AMOP
Reduzindo o campo de anaacutelise da poliacutetica educativa para a regiatildeo oeste do
Paranaacute onde estaacute localizada a cidade de Foz do Iguaccedilu encontramos o curriacuteculo
baacutesico da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do oeste do Paranaacute (AMOP) que na
introduccedilatildeo do documento baacutesico afirma que houve uma confusatildeo por parte das
escolas municipais que ao implementarem os PCN‟s nas escolas natildeo o utilizaram
como um paracircmetro Muitas o adotaram como curriacuteculo ou tornaram sua proposta
pedagoacutegica como ecleacutetica Assim os educadores da regiatildeo Oeste do Paranaacute
101
sentiram a necessidade de se rediscutir o curriacuteculo Para tal adotaram a seguinte
metodologia
Inicialmente a metodologia adotada nos colocou limites que avaliada apontou para uma nova organizaccedilatildeo Reorganizado um cronograma de trabalho coletivamente com as redes municipais de Ensino chegamos a este documento que eacute resultado de dois anos de intensos estudos de reflexotildees de embates teoacutericos de sistematizaccedilotildees de leituras de discussotildees e de anaacutelises do coletivo dos educadores os quais respeitando o movimento proacuteprio de cada rede e por sua vez de cada escola partiram de contribuiccedilotildees teoacutericas de alguns autores das experiecircncias e compreensotildees do que jaacute se fez ou se faz em nossas escolas (AMOP 2007 p07)
Os trabalhos para elaboraccedilatildeo de diretrizes curriculares para o oeste
paranaense comeccedilaram em 2005 juntamente com secretaacuterios municipais de
educaccedilatildeo do Oeste do Paranaacute Na primeira etapa foram organizados grupos de
trabalho para elaboraccedilatildeo de propostas para as disciplinas de Liacutengua
PortuguesaAlfabetizaccedilatildeo Matemaacutetica Histoacuteria Geografia e Ciecircncias Assim as
atividades comeccedilaram a partir de seminaacuterio com representantes das equipes de
ensino das secretarias municipais de educaccedilatildeo
No qual se discutiu sobre a concepccedilatildeo de homem de sociedade de conhecimento e sobre a funccedilatildeo da escola Participaram do evento aproximadamente 380 representantes (AMOP 2007 p25)
Os trabalhos seguiram no decorrer do ano de 2005 mediante reuniotildees dos
grupos junto aos profissionais da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo (SEED) que
atuaram na elaboraccedilatildeo das diretrizes para as escolas estaduais do Paranaacute O
Departamento Pedagoacutegico da AMOP integrou-se ao grupo como tambeacutem os
educadores da educaccedilatildeo baacutesica e instituiccedilotildees de ensino superior Posteriormente
abriram-se as discussotildees para toda regiatildeo a fim de compreender as primeiras
impressotildees da versatildeo preliminar do documento
A partir desse processo houve a reelaboraccedilatildeo desse documento que reelaborado a partir das contribuiccedilotildees dos educadores dos municiacutepios envolvidos tornou-se o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo do curriacuteculo A construccedilatildeo do curriacuteculo foi feita por meio de um processo que desencadeou discussotildees preacutevias com os representantes dos municiacutepios sistematizaccedilatildeo dessas discussotildees por um grupo menor discussatildeo e anaacutelise dessa sistematizaccedilatildeo pelo conjunto de educadores de cada municiacutepio que tinha suas
102
contribuiccedilotildees registradas pelos seus representantes (AMOP 2007 p26)
A partir de entatildeo elaborado o curriacuteculo no que confere agraves questotildees da
diversidade a partir da realidade em Foz do Iguaccedilu foram identificados nas
diretrizes propostas para o ensino de Geografia e Histoacuteria componentes que
trabalham com a questatildeo da diversidade nas escolas Os conteuacutedos referentes ao
ensino da Geografia estatildeo nas seguintes proposiccedilotildees para o 5ordm ano
Caracteriacutesticas sociais ndash diversidades eacutetnicas e culturais do Paranaacute
Movimentos da populaccedilatildeo paranaense crescimento da populaccedilatildeo
Divisatildeo poliacutetica (formaccedilatildeo do conceito de distritomuniciacutepioestadopaiacutes)
A industrializaccedilatildeo e o crescimento urbano do Paranaacute ndash malha urbana
Tracircnsito - circulaccedilatildeo no estado ndash ligaccedilatildeo rodoviaacuteria ferroviaacuteria aeacuterea - vias pedagiadas ndash Fiscalizaccedilatildeo Poliacutecia Rodoviaacuteria e pesagem
Organizaccedilatildeo dos espaccedilos urbanos ndash problemas urbanos - centro e periferia Impostos e taxas pagamentos que financiam a infra-estrutura dos bens puacuteblicos (AMOPE 2007 p252-253)
Sobre os conteuacutedos propostos no AMOP (2007) o ensino de geografia propotildee que
as diversidades eacutetnicas e culturais presentes no Paranaacute sejam parte do conteuacutedo a
ser desenvolvido em sala de aula Tambeacutem a histoacuteria dos processos migratoacuterios
para o estado e a presenccedila dos diferentes grupos eacutetnicos que formam parte da
histoacuteria de formaccedilatildeo do Paranaacute (AMOP 2007)
Neste sentido a proposta da AMOP se aproxima da LDB96 e dos proacuteprios
PCN‟s que tratam da diversidade cultural com a diferenccedila de que ele eacute destinado
para a rede municipal de educaccedilatildeo do Oeste paranaense Nesta perspectiva haacute um
vieacutes positivo na medida em que delimita o oeste paranaense adotando o enfoque da
diversidade eacutetnico-racial o que permite maior aproximaccedilatildeo com a realidade do
aluno
103
346 Algumas consideraccedilotildees
Diante do exposto considerando os documentos analisados percebe-se que
haacute uma induccedilatildeo clara para que o trabalho pedagoacutegico com a temaacutetica da
diversidade esteja fundada na noccedilatildeo29 presente na Constituiccedilatildeo de 1988 de que o
Brasil sendo formado por trecircs raccedilas - o iacutendio o branco e o negro- deve considerar
essas e reconhececirc-las nos espaccedilos educacionais A LDB96 reafirma esses
propoacutesitos no artigo 26 Os PCN‟spor sua vez se adequa a LDB06 principalmente
com a criaccedilatildeo dos Temas Transversais
No plano estadual as poliacuteticas educacionais para diversidade natildeo ficam
distantes das propostas em niacutevel nacional pois devem obrigatoriamente seguir os
componentes das diretrizes nacionais Desse modo natildeo foi evidenciado nessas
poliacuteticas mecanismos que subsidiassem as escolas presentes em fronteira neste
caso Foz do Iguaccedilu com estrateacutegias para criar programas e projetos para a
diversidade Do mesmo modo podemos falar dos planos nacionais e estaduais de
educaccedilatildeo Por mais que enfatizem o trabalho pedagoacutegico conforme a realidade
local eles natildeo deixam de pensar no nacional Outro problema eacute a imposiccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas e os PCN‟s satildeo um exemplo de uma proposta vertical assim
como inuacutemeros projetos que chegam agrave escola sem uma preacutevia discussatildeo com as
bases que seriam as comunidades escolares
Desse modo o que pode ser feito nas escolas eacute uma adaptaccedilatildeo agrave realidade
local Todas essas poliacuteticas educativas chegam agrave regiatildeo da fronteira mas natildeo
atingem suas especificidades Por especificidades recordamos tratar-se da
presenccedila dos alunos estrangeiros nas escolas de Foz do Iguaccedilu a saber
paraguaios argentinos e brasiguaios que satildeo grupos que fizeram e fazem parte da
histoacuteria da cidade desde o seu iniacutecio mas ao mesmo tempo natildeo satildeo preocupaccedilatildeo
do Estado brasileiro devendo ser uma preocupaccedilatildeo de seus Estados Nacionais
Nesta loacutegica as escolas da regiatildeo natildeo foram criadas a partir da realidade
fronteiriccedila O multilinguismo eacute desconsiderado O Estado por meio da legislaccedilatildeo
impotildee o portuguecircs enquanto liacutengua oficial Falar de diversidade eacute possiacutevel desde
29
Pires-Santos e Cavalcanti (2008) definem o monolinguismo como um a adoccedilatildeo de uma
liacutengua homogecircnea pura uma liacutengua para um povo Trata-se na concepccedilatildeo das autoras de um mito ligado a interesses e investida de ideologia e que estaacute relacionado agrave nacionalidade
104
que seja referente aos grupos presentes no territoacuterio brasileiro que foram
historicamente colocados agrave margem da sociedade Logo 1) Seraacute que as nossas
escolas disponibilizam de tempo espaccedilo e interesse para desenvolver trabalhos de
combate ao preconceito contra o paraguaio chamado em momentos de ofensas de
xiru 2) E quanto agrave presenccedila aacuterabe na regiatildeo ela eacute discutida Como eacute a acolhida
destes na escola 3) O professor se sente preparado para lidar com estas questotildees
em sala de aula
Tais perguntas apresentadas acima foram motivadas a partir do pressuposto
de que temos um curriacuteculo nacional com raiacutezes eurocecircntricas conforme Tomaz
Tadeu da Silva (2007 p7) o curriacuteculo natildeo eacute neutro este ldquotransmite visotildees sociais
particulares e interessadas o curriacuteculo produz identidades individuais e sociais
particularesrdquo Por muito tempo a histoacuteria dos negros e indiacutegenas eram abordadas de
modo superficial por outro lado a histoacuteria antiga e recente da Europa sempre se fez
presente em nossos livros didaacuteticos Desconhecemos a Ameacuterica Latina seus povos
e histoacuteria logo desconhecemos os que fazem fronteira com o Brasil Squinelo
(2011) no artigo ldquoRevisotildees Historiograacuteficas A Guerra do Paraguai nos livros
didaacuteticos brasileiros-PNLD 2011rdquo ao analisar a histoacuteria da Guerra da Triacuteplice Alianccedila
presente nos livros didaacuteticos do Brasil aponta que pouco se discute considera a
versatildeo falha tendenciosa e conclui seu artigo com os seguintes questionamentos
Resta-me ainda algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao porquecirc entatildeo estudamos a Guerra do Paraguai na medida em que a) natildeo procuramos entender o sentido para os paiacuteses nela envolvidos b) natildeo buscamos a compreensatildeo de nosso desenvolvimento histoacuterico-soacutecio-cultural e econocircmico c) natildeo realizamos as conexotildees necessaacuterias ao entendimento das questotildees relacionadas ao Mercosul e finalmente d) natildeo propiciamos ao educando a compreensatildeo dos eventos histoacutericos de nosso passado latino-americano o que nos levaria a nos conhecer e a conhecer o outro e tambeacutem responderia muitas questotildees postas em nosso presente (SQUINELO 2011p 36)
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica
educacional para a fronteira
Dentro das poliacuteticas educacionais encontram-se outras variaacuteveis de poliacuteticas
dentre elas a poliacutetica linguiacutestica definida por Oliveira (2004 p38) como ldquoum o
conjunto de decisotildees que um grupo de poder sobretudo um Estado (mas tambeacutem
105
uma Igreja ou outros tipos de instituiccedilotildees de poder menos totalizantes) toma sobre o
lugar e a forma das liacutenguas na sociedade e a implementaccedilatildeo destas decisotildeesrdquo
Para Maher (2013 p 119) as poliacuteticas linguiacutesticas se referem aos objetivos e
agraves intervenccedilotildees que de uma forma ou outra visam ldquoafetarrdquo tanto o modo como as
liacutenguas se constituem quanto os modos como elas satildeo utilizadas eou transmitidas
A autora chama atenccedilatildeo para o equiacutevoco comumente difundido de que as poliacuteticas
lingusticas seriam apenas criadas por meio do governo ldquoPoliacuteticas linguumliacutesticas podem
ser arquitetadas e colocadas em accedilatildeo localmente uma escola ou uma famiacutelia pode
colocar em praacutetica ou estabelecer certa situaccedilatildeo sociolinguumliacutesticardquo (MAHER 2013
p120)
Essa perspectiva vai ao encontro da abordagem30 multicecircntrica ou policecircntrica
de poliacuteticas puacuteblicas que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como
protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas tais como as organizaccedilotildees
natildeo governamentais organizaccedilotildees privadas e organismos (DROS 1971
KOOIMAN 1993 RHODES 1997 HAJER 2003 apud SECCHI 2013) Nessa
premissa o PEIBF se enquadra na visatildeo multicecircntrica dos estudos de poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que foi fruto de acordos bilaterais iniciados pela Argentina e o
Brasil no acircmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira (PEIBF) surgiu
dentro do oacutergatildeo pertencente ao Mercosul denominado Setor Educacional do
Mercosul (SEM) Segundo o documento ldquoEscolas de Fronteirardquo (BRASIL 2008) dos
antecedentes desse projeto encontra-se a oficializaccedilatildeo da criaccedilatildeo do MERCOSUL
em 1991 instituiccedilatildeo intergovernamental que nasceu com a assinatura do Tratado de
Assunccedilatildeo acordados inicialmente entre Argentina Brasil Paraguai e Uruguai
O bloco econocircmico Mercosul apresenta-se em um contexto de globalizaccedilatildeo
da economia O projeto teve como base as negociaccedilotildees entre Brasil e Argentina
30
Dentro das analises de poliacuteticas puacuteblicas Secchi (2013) discorre sobre o noacute conceitual que haacute na
literatura especializada nos estudos de poliacuteticas puacuteblicas Alguns pesquisadores defendem a abordagem estatista que considera as PP analiticamente monopoacutelio de atores estatais Outros a abordagem multicecircntrica que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas
106
para a integraccedilatildeo de suas economias e os resultados positivos dessa integraccedilatildeo
levaram o Paraguai e o Uruguai a fazerem parte do projeto integracionista
O objetivo inicial do Mercosul fora a integraccedilatildeo dos quatros Estados
membros em termos de circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos e de fatores produtivos da
formulaccedilatildeo de poliacutetica comercial comum da afirmaccedilatildeo de uma Tarifa Externa
Comum (TEC) e da busca por poliacuteticas legislativas comum aos paiacuteses membros Em
2012 a Venezuela tornou-se oficialmente mais um paiacutes membro do bloco e a Boliacutevia
caminha para o processo de ordenamento juriacutedico para oficializar sua participaccedilatildeo
Aleacutem disso o mercado comum conta com a participaccedilatildeo de paiacuteses associados
Chile Peru Colocircmbia Equador Guiana e Suriname
No final do seacuteculo passado o Mercosul passava por outro lado por crises do
ponto de vista comercial as dimensotildees poliacutetica sociocultural e educacional foram
ganhando relevacircncia (ALMEIDA 2015) Este periacuteodo de crise refere-se aos
impactos das poliacuteticas neoliberais implantadas na regiatildeo no decorrer das deacutecadas
de 1980 e 1990 O nuacutemero de pessoas em situaccedilatildeo de pobreza passou de 136
milhotildees em 1980 para 222 milhotildees em 2004 (ESTAY 2007) Neste contexto de crise
econocircmica e aumento das desigualdades sociais que foi assinada a ldquoCarta de
Buenos Aires sobre o Compromisso Social no Mercosul Boliacutevia e Chile31rdquo no dia 30
de junho de 2000 A carta reconhece a importacircncia da dimensatildeo sociocultural do
Mercosul
Com a entrada de governos progressistas como a eleiccedilatildeo de Luiacutes Inaacutecio Lula
da Silva em 2003 e de Neacutestor Kircher na Argentina a funccedilatildeo do Mercosul enquanto
bloco meramente de integraccedilatildeo econocircmica foi revista e acrescida pelas dimensotildees
sociais para a integraccedilatildeo regional Desse modo a aacuterea social do Mercosul que
havia sido abordada na ldquoCarta de Buenos Airesrdquo e pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de
Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul foi expandida e
institucionalizada com a criaccedilatildeo do Instituto Mercosul Social (IMS) em 2007
(ALMEIDA 2015)
31
Em junho de 2000 os presidentes aprovaram a Carta de Buenos Aires com o Compromisso
Social no Mercosul Boliacutevia e Chile O documento estimula as autoridades competentes a ldquofortalecer o trabalho conjunto entre os seis paiacuteses assim como o intercacircmbio de experiecircncias e informaccedilotildees a fim de contribuir para a superaccedilatildeo dos problemas sociais mais agudos que os afetam e para definir os temas ou aacutereas onde seja viaacutevel uma accedilatildeo coordenada ou complementar para solucionaacute-los (BRASIL 2007 p25) Dentre as accedilotildees promovidas a partir da Carta encontra-se a criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul instituiacuteda pela Decisatildeo n 612000 do CMC (ALMEIDA 2015p24)
107
A estrutura organizacional do Mercosul eacute composta pelo Conselho Mercado
Comum (CMC) Grupo Mercado Comum Comissatildeo Parlamentar Foro Consultivo
Econocircmico-Social Comissatildeo de Comeacutercio do Mercosul e Secretaria Administrativa
do Mercosul O CMC eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros da
Educaccedilatildeo (RME) principal responsaacutevel pela estrutura do Setor educacional do
Mercosul (SEM) (MERCOSUL EDUCACIONAL 2013) Dentre os objetivos
estrateacutegicos para a educaccedilatildeo do SEM estaacute agrave integraccedilatildeo e formaccedilatildeo de uma
identidade regional Tem como objetivo ser um espaccedilo regional no qual a educaccedilatildeo
seja de qualidade fundada no ldquoconhecimento intercultural o respeito agrave diversidade e
agrave cooperaccedilatildeo solidaacuteriardquo de modo a contribuir para a democratizaccedilatildeo dos sistemas
educacionais da regiatildeo (MERCOSUL 2011 p15) Da missatildeo definida pelo SEM
encontra-se a de
Formar um espaccedilo educacional comum por meio da coordenaccedilatildeo de poliacuteticas que articulem a educaccedilatildeo com o processo de integraccedilatildeo do MERCOSUL estimulando a mobilidade o intercacircmbio e a formaccedilatildeo de uma identidade e cidadania regional com o objetivo de alcanccedilar uma educaccedilatildeo de qualidade para todos com atenccedilatildeo especial aos setores mais vulneraacuteveis em um processo de desenvolvimento com justiccedila social e respeito agrave diversidade cultural dos povos da regiatildeo (MERCOSUL EDUCACIONAL 2011 p10)
No acircmbito do SEM encontra-se o Comitecirc Coordenador Regional cuja funccedilatildeo eacute
propor poliacuteticas de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeo da aacuterea educacional Uma vez
estabelecidas como liacutenguas oficiais do MERCOSUL o espanhol guarani e
portuguecircs coube ao setor educativo do bloco enfatizar em seu plano de accedilatildeo a
necessidade de difundir o ensino de portuguecircs e do espanhol por meio dos
sistemas educativos formais e informais
Como parte desse processo o Setor Educacional do Mercosul ndash SEM aponta nos seus planos de accedilatildeo a necessidade de difundir o aprendizado do portuguecircs e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e natildeo formais considerando como aacutereas prioritaacuterias o fortalecimento da identidade regional levando dessa forma ao conhecimento muacutetuo a uma cultura de integraccedilatildeo e agrave promoccedilatildeo de poliacuteticas regionais de formaccedilatildeo de recursos humanos visando agrave melhoria da qualidade da educaccedilatildeo (BRASIL 2008 p 6)
351 Do processo de elaboraccedilatildeo
Conforme Secchi (2013) a tomada de decisatildeo no momento de se propor uma
poliacutetica puacuteblica eacute uma etapa em que os interesses dos atores satildeo equacionados
108
onde as razotildees de um problema puacuteblico satildeo explicitadas Nessa fase a equipe
bilateral de teacutecnicos e linguistas argentinos e brasileiros foram requeridos para
formular o projeto a fim de atender agraves expectativas dos dois paiacuteses Assim o projeto
proposto pela equipe teve como intuito promover as liacutenguas espanhola e portuguesa
atraveacutes do ensino biliacutengue e atraveacutes de intercacircmbios culturais entre Argentina e
Brasil
352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica
Para O‟Tolle Jr (2003 apud Secchi 2003p55 ) ldquoa fase de implementaccedilatildeo eacute
aquela em que regras rotinas e processos sociais satildeo convertidos de intenccedilotildees em
accedilotildeesrdquo Dos elementos baacutesicos para anaacutelise desse processo encontram-se
() pessoas e organizaccedilotildees com interesses competecircncias e comportamentos variados () tambeacutem fazem parte de processo as relaccedilotildees existentes entre as pessoas as instituiccedilotildees vigentes (regras formais e informais) os recursos financeiros materiais informativos e poliacuteticos (capacidade de influecircncia) (SECCHI 2013 p57)
Nesta perspectiva o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
foi implementado inicialmente em 2005 nas cidades brasileiras de Dioniacutesio
Cerqueira no estado de Santa Catarina e Uruguaiana no Rio Grande do Sul Do
lado argentino as cidades que aderiram ao programa foram Bernado de Irogoyen
em Misiones e Paso de los Libres em Corrientes O programa foi implantado pelo
Governo Federal brasileiro por meio da Coordenaccedilatildeo de Formaccedilatildeo Continuada do
Departamento de Poliacuteticas de Educaccedilatildeo Infantil e do Ensino Fundamental da
Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica32 em conjunto com o Ministeacuterio de la Educaciacuteon
Ciencia y Tecnologia (MEC y T) da Argentina A partir de 2006 o programa
estendeu-se para outras regiotildees de fronteira sendo elas Puerto Iguazuacute em
Misiones e Santo Tomeacute e La Cru e Corrrientes na Argentina e Foz do Iguaccedilu no
Paranaacute e Satildeo Borja e Itaqui no Rio Grande do Sul
Desde o primeiro momento algumas questotildees sobre sua origem foram
criticadas Sagaz (2013) aponta que o MEC natildeo apresentou o PEIBF oficialmente
como um Programa Temaacutetico ou um Projeto proposto e aprovado em Plano Pluri
32
O PEIF eacute de responsabilidade da Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental (COEF) na Diretoria
de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral - (DICEI) da Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica (SEB) no MEC
109
Anual (PPA) Para o autor natildeo era intenccedilatildeo do poder legislativo discutir os
orccedilamentos ldquotampouco eacute uma accedilatildeo de governo no que diz respeito agraves suas
diretrizes poliacuteticas uma vez que o oacutergatildeo competente natildeo solicitou a formalizaccedilatildeo
dos recursos junto ao PPArdquo (SAGAZ 2013 p 43) Isto manteve o PEIBF ateacute 2010
distante da prioridade e discussatildeo por parte do governo se comparado a outros
Programas e Projetos
O processo de implementaccedilatildeo comeccedilou no ano de 2004 com a primeira
reuniatildeo de planejamento No mesmo ano na cidade de Dioniacutesio Cerqueira ocorreu
uma reuniatildeo para instituir o programa na escola eleita Dentre as instituiccedilotildees
presentes encontravam-se o Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em
Poliacutetica Linguiacutestica (IPOL) a 30ordf Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
(GEREI) e o MECyT
A escola brasileira escolhida para a implementaccedilatildeo do projeto foi a Dr
Theodureto Carlos de Faria Souto A escola possui uma localizaccedilatildeo estrateacutegica pois
estaacute a aproximadamente dois quilocircmetros do posto da Receita Federal na fronteira
BrasilArgentina ldquoPode-se ir caminhando da escola ateacute o outro paiacutes sem nenhum
impedimento em relaccedilatildeo agraves vias de acesso e em relaccedilatildeo ao posto alfandegaacuteriordquo
(SAGAZ 2013 p77) Nela ocorreu a primeira reuniatildeo com os pais dos estudantes
em fevereiro de 2005 De acordo com a equipe teacutecnica a implementaccedilatildeo do PEIBF
deveria ser gradual a comeccedilar com a inclusatildeo das seacuteries iniciais do ensino
fundamental no projeto para posteriormente incluir as demais seacuteries A ampliaccedilatildeo
do projeto para todas as seacuteries da educaccedilatildeo baacutesica de uma soacute vez poderia causar
transtornos dada a necessidade de adequaccedilatildeo dos sistemas locais de educaccedilatildeo agrave
sua estrutura (BRASIL 2008)
As seacuteries escolhidas para o projeto foram o primeiro e segundo ano do ensino
fundamental A estrutura operacional e a tentativa de avanccedilar nas seacuteries iniciais do
ensino fundamental para os anos finais segundo a relatoria tornaram-se inviaacuteveis
pela falta de entendimento pedagoacutegico entre Argentina e Brasil (BRASIL 2008) Em
2006 os ministeacuterios dos paiacuteses envolvidos no PEIBF comeccedilaram a formular um
documento com diretrizes para todas as escolas em zonas de fronteiras envolvidas
no projeto intitulado ldquoModelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira a
partir do desenvolvimento de um programa para a educaccedilatildeo intercultural com
ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanholrdquo Em 2012 o documento baacutesico foi
reelaborado contando com a contribuiccedilatildeo do Uruguai e Paraguai O nome do
110
documento passou a ser Modelo de ensentildeanza comuacuten em escuelas de zona de
frontera a partir del desarrollo de un programa para la educacioacuten intercultural com
eacutenfasis em la ensentildeanza de latildes lenguas predominantes en la regioacuten (MERCOSUL
EDUCACIONAL 2014)
Segundo o documento inicial do programa a projeccedilatildeo pretendida era de que
a cada ano fosse ampliado o nuacutemero de turmas envolvidas e que se avanccedilasse para
as proacuteximas seacuteries de modo que os alunos que fazera parte do programa pudesse
adquirir a familiarizaccedilatildeo com a cultura do paiacutes vizinho
O Programa tem por metodologia o intercacircmbio docente e as escolas satildeo as
responsaacuteveis por organizar os quadros dos professores que iratildeo fazer parte das
chamadas escolasespelhos (unidades baacutesicas de trabalho atuando como uma
unidade operacional)
Esta forma permite aos docentes dos paiacuteses envolvidos vivenciarem eles mesmos na sua atuaccedilatildeo e nas suas rotinas semanais praacuteticas de bilinguumlismo e de interculturalidade semelhantes agraves que querem construir com os alunos na medida em que se expotildeem agrave vivecircncia com seus colegas do outro paiacutes e com as crianccedilas das vaacuterias seacuteries com as quais atuam (BRASIL 2008 p21)
353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF
De acordo com Leite e Flexor (2006) a avaliaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica
consiste em verificar os efeitos atribuiacutedos agrave accedilatildeo do governo tendo portanto um
caraacuteter normativo Os autores afirmam que os avaliadores agem em funccedilatildeo de
quadros de referecircncia com valores e normas incluindo a percepccedilatildeo que devem ser
considerados nesse processo
A dificuldade dessa fase reside tambeacutem no fato de que os resultados efetivos satildeo relativamente independentes das expectativas iniciais Aleacutem disso as aspiraccedilotildees podem mudar no decorrer do percurso outros problemas podem surgir os objetivos satildeo geralmente ambiacuteguos e causas externas podem explicar os resultados Em outras palavras natildeo existe causalidade uniacutevoca (LEITE FLEXOR 2006 p 11)
Para Secchi (2013) existem alguns modelos diferenciados de avaliaccedilatildeo Haacute
aquelas que ocorrem anterior agrave implementaccedilatildeo (ex ante) e a avaliaccedilatildeo posterior agrave
implementaccedilatildeo (ex post) Existe tambeacutem a avaliaccedilatildeo que ocorre durante o processo
de implementaccedilatildeo cujo objetivo eacute a busca de ajustes imediatos O referido autor
111
elenca os principais criteacuterios utilizados para avaliaccedilotildees sendo eles economicidade
produtividade eficiecircncia econocircmica eficiecircncia administrativa eficaacutecia e equidade
O documento preliminar -Programa Escolas Biliacutenguumles de Fronteira - Modelo
de ensino comum em escolas de zona de fronteira a partir do desenvolvimento de
um programa para a educaccedilatildeo intercultural com ecircnfase no ensino do portuguecircs e
do espanholrdquo ( MEC y T MEC2008) busca analisar os primeiras experiecircncias do
projeto Nesse sentido trata-se de uma avaliaccedilatildeo que ocorreu durante o processo
de implementaccedilatildeo Dentre as consideraccedilotildees feitas nessa primeira etapa encontram-
se
- Do repertoacuterio linguumliacutestico das crianccedilas Apoacutes alguns meses do estabelecimento do
programa as professoras envolvidas evidenciaram que as crianccedilas argentinas
tinham maior familiaridade com a liacutengua portuguesa enquanto as crianccedilas
brasileiras tiveram dificuldades para assimilar o espanhol
As crianccedilas argentinas jaacute satildeo em algum niacutevel biliacutengues entendem razoavelmente bem a liacutengua portuguesa e muitas a falam com facilidade Isso se deve ao fato de que muitos satildeo descendentes de brasileiros Aleacutem disso tecircm uma maior exposiccedilatildeo agrave liacutengua atraveacutes da miacutedia maior frequecircncia de estadia no Brasil e eventualmente em consequecircncia destes fatores nota-se uma maior disponibilidade da populaccedilatildeo argentina de fronteira para o aprendizado do portuguecircs (MECy T MEC 2008 p 13)
Neste periacuteodo identificou-se uma necessidade de promover uma ldquosensibilizaccedilatildeo
linguumliacutesticardquo de modo que as crianccedilas brasileiras pudessem querer aprender a liacutengua
espanhola Para tal sensibilizaccedilatildeo a praacutetica intercultural eacute fundamental assinala o
documento
Da necessidade de Intercacircmbio entre alunos Verificou-se que aleacutem do
intercacircmbio entre professores houve a demanda por intercacircmbio entre os alunos
No entanto esse processo eacute mais complexo de ser executado haja vista que haacute
empecilhos como a documentaccedilatildeo das crianccedilas para entrada em outro paiacutes As
crianccedilas brasileiras e argentinas soacute podem realizar a travessia com uma
documentaccedilatildeo assinada pelos pais autorizando sua travessia
Da carga horaacuteria das escolas Como satildeo secretarias educacionais e paiacuteses
distintos um modelo uacutenico para sua execuccedilatildeo eacute praticamente improvaacutevel Essa
112
pauta foi discutida na equipe quando foram elaborados trecircs modelos de
organizaccedilatildeo das escolas envolvidas
Escola em Tempo Integral (Jornada Completa) Nesse modelo os alunos
possuem pelo menos dois dias de aula de liacutengua estrangeira e uma carga
horaacuteria total de 6 horas semanais Como a escola eacute de tempo integral os
alunos podem ter outras atividades destinados agrave educaccedilatildeo biliacutengue
Escola em Contra-Turno eacute semelhante agrave escola de Tempo Integral mas
neste caso apenas em um dos turnos haacute o ensino biliacutengue
Escola em Turno Uacutenico em dois dias da semana os trabalhos do programa
escolas biliacutengues satildeo realizados dentro do proacuteprio turno num total de cinco
horas semanais
Entre os modelos apresentados acima o primeiro eacute o da escola Dioniacutesio
Cerqueira e Bernado Yrigoyen o segundo aplica-se a Foz do Iguaccedilu e Puerto
Iguazuacute o terceiro modelo encontra-se presente em Uruguaina Verificou-se que o
trabalho desenvolvido nas escolas de turno uacutenico possui em sua base curricular o
segundo idioma enquanto o trabalho em contra-turno jaacute assimila as atividades do
programa como atividade extra-curricular o que natildeo eacute o objetivo do PEIBF O
melhor turno para se desenvolver o programa eacute o Turno Uacutenico pois natildeo interfere na
rotina da escola nem na estrutura fiacutesica ou mesmo na contrataccedilatildeo de mais
funcionaacuterios ou aumento da carga horaacuteria dos professores envolvidos (BRASIL
2008)
A escola em contra-turno amplia o periacuteodo de permanecircncia do aluno na
instituiccedilatildeo uma estrateacutegia vaacutelida e uacutetil para o processo de aprendizagem do aluno
Conforme o documento de implantaccedilatildeo as experiecircncias aqui expostas somadas
aos debates nas reuniotildees das equipes de trabalho bilaterais e no decorrer dos
encontros de formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo requerem a formulaccedilatildeo de um novo modelo
para o Programa para que se possa refletir e dar respostas as peculiaridades das
escolas interculturais biliacutenguumles (BRASIL 2008)
A partir de 2012 o PEIBF por meio da Portaria nordm 798 de 19 de junho de
2012 do Diaacuterio Oficial da Uniatildeo passou a se chamar Programa Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF)
113
Art 1ordm Fica instituiacutedo o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) com o objetivo de contribuir para a formaccedilatildeo integral de crianccedilas adolescentes e jovens por meio da articulaccedilatildeo de accedilotildees que visem agrave integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo intercultural das escolas puacuteblicas de fronteira alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes meacutetodos processos e conteuacutedos educativos sect 1ordm As Escolas Interculturais de Fronteira satildeo as escolas puacuteblicas Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruiacutedas pelo Modelo de ensino comum de zona de fronteira a partido desenvolvimento de um Programa para a educaccedilatildeo interculturalcom ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanhol da Declaraccedilatildeo Conjunta de Brasiacutelia firmada em 23 de novembro de 2003 pela Argentina e pelo Brasil e do Plano de Accedilatildeo do Setor Educativo do MERCOSUL (BRASIL 2012)
Pela mesma portaria criou-se o documento ldquoMarco Referencial de Desenvolvimento
Curricularrdquo o qual tem como objetivo central apresentar orientaccedilotildees comuns a serem
desenvolvidos pelas escolas envolvidas Entre os eixos organizadores encontram-
se
Eixo 1 - Funcionamento do Programa na escola
a) o envolvimento de toda a escola b) a definiccedilatildeo de metodologias dos projetos de aprendizagem c) a construccedilatildeo do projeto poliacutetico pedagoacutegico da escola intercultural (planejamento conjunto das accedilotildees) e regimento escolar d) considerar as especificidades curriculares e socioculturais das comunidades do campo indiacutegena e quilombola e) dinamizaccedilatildeo do relacionamento com escola do paiacutes vizinho definindo um plano de accedilatildeo conjunto para a realizaccedilatildeo do intercacircmbio docente aleacutem de outras accedilotildees que promovam a interculturalidade estendendo-se a todos os anos de escolarizaccedilatildeo da escola f) utilizaccedilatildeo das tecnologias da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo disponiacuteveis e necessaacuterias Eixo 3 - Formaccedilatildeo continuada dos profissionais da educaccedilatildeo baacutesica sob a coordenaccedilatildeo das Universidades
a) compor o grupo local formado por Coordenador-geral do PEIF Coordenador-adjunto de Educaccedilatildeo Integral Supervisor de Articulaccedilatildeo e Acompanhamento Pedagoacutegico (secretaria de educaccedilatildeo) Pesquisadores Professores Formadores (universidade) Professor Formador (coordenador pedagoacutegico ou diretor da escola) Tutor agrave distacircncia (universidade) Tutor presencial eou PIBID (universidade para acompanhamento pedagoacutegico na escola) b) promover a articulaccedilatildeo no espaccedilo da Universidade entre educaccedilatildeo integral e interculturalidade c) articular-se com o comitecirc gestor de recursos financeiros de sua
114
instituiccedilatildeo d) ofertar accedilotildeescursos de aperfeiccediloamento e) contribuir para o repositoacuterio dos materiais de formaccedilatildeo f) agilizar os procedimentos de afastamento do paiacutes (tracircmite interno das IES) g) definir arranjos que permitam realizar formaccedilotildees dentro das regiotildees de fronteira nos municiacutepios h) elaborar produtos finais resultantes de cada moacutedulo de formaccedilatildeo conjunta com outros paiacuteses i) articular as accedilotildees do PEIF com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia (PIBIDCAPESMEC) e com o Programa Novos Talentos (CAPESMEC) j) induzir a inclusatildeo da temaacutetica interculturalidade na perspectiva da educaccedilatildeo integral na formaccedilatildeo inicial dos cursos de licenciatura e poacutes-graduaccedilatildeo e na pesquisa acadecircmica k) promover o uso das tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo realizar o diagnoacutestico sociolinguiacutestico das comunidades participantes do PEIF
Dentre os princiacutepios expostos acima destaca-se a participaccedilatildeo das
universidades o que abre espaccedilo para o desenvolvimento de pesquisas da criaccedilatildeo
de novas metodologias e de avaliaccedilotildees do projeto e da formaccedilatildeo docente numa
perspectiva intercultural O entendimento de interculturalidade do Programa eacute
() nesse caso ativa a escola seraacute intercultural na medida em que haja a participaccedilatildeo efetiva de profissionais e de alunos das diversas culturas envolvidas na comunidade educacional (e que natildeo satildeo soacute bdquoduas‟ a cultura argentina e a cultura brasileira o que corresponderia a pensaacute-las como unidades homogecircneas) em todas as instacircncias de convivecircncia que satildeo proacuteprias da instituiccedilatildeo escolar (BRASIL ARGENTINA 2008 p 26)
O Boletim produzido pela publicaccedilatildeo Salto para o Futuro que complementa
as ediccedilotildees televisivas da TV Escola do Ministeacuterio da educaccedilatildeo em sua primeira
ediccedilatildeo de 2014 apresentou o tema das Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
A professora Eliana Rosa Sturza coordenadora do Programa das Escolas
Interculturais de Fronteira na Universidade Federal de Santa Maria e do Laboratoacuterio
Entre liacutenguas da Universidade Federal de Sergipe relata as experiecircncias e
aprendizados do programa em diferentes cidades localizadas na fronteira
A proposta metodoloacutegica foi analisada por Sturza (2010 2014) enfocando a
experiecircncia das crianccedilas brasileiras em Uruguaiana no Rio Grande do Sul cuja
aprendizagem eacute dentro e fora de sala de aula Em uma das escolas as crianccedilas
confundiram as professoras argentinas com enfermeiras do posto meacutedico pois
115
estas usam avental branco costume que natildeo eacute habitual no Brasil As professoras
argentinas por sua vez estranharam as manifestaccedilotildees inicialmente constantes dos
alunos brasileiros que queriam abraccedilaacute-las tocaacute-las beijaacute-las ldquoEste eacute um traccedilo
cultural do comportamento brasileiro muito identificado pelo bdquoestrangeiro‟ Neste
caso nem tatildeo estrangeiro mas um vizinho do outro lado do riordquo (STURZA 2014
p26)
A experiecircncia dos professores brasileiros no projeto possibilitou que eles
tivessem contato direto com o sistema educacional do vizinho e esse contato gerou
novos espaccedilos de discussatildeo sobre o trabalho docente mediante as comparaccedilotildees
sobre os conteuacutedos relaccedilatildeo aluno-professor da infraestrutura das escolas e ateacute a
autonomia da gestatildeo escolar
Nesta experiecircncia os professores foram conhecendo o funcionamento e a estrutura do sistema educacional do paiacutes vizinho e percebendo como sistema brasileiro eacute autocircnomo em relaccedilatildeo ao sistema uruguaio ou argentino mais centralizado O aprendizado eacute de toda ordem ocorrendo entre os professores da escola e os das escolas parceiras ou seja argentinos e brasileiros debatem a educaccedilatildeo trocam ideias e fazem planejamento de projetos em conjunto (STURZA 2014 p25)
A metodologia tem como norte o ensino por Projetos de Aprendizagem (EPA)
modo de organizaccedilatildeo que permite o desenvolvimento de projetos localmente
envolvendo a participaccedilatildeo de toda a comunidade escolar ou outros grupos a
depender da necessidade do projeto
Ensino via Projetos de Aprendizagem (EPA) faz com que as crianccedilas participem de projetos biliacutengues que prevecircem tarefas a serem realizadas em portuguecircs e em espanhol Satildeo coordenadas respectivamente pela docente brasileira ou argentina de acordo com o niacutevel de conhecimento do idioma que possuam e de acordo com o planejamento conjunto realizado periodicamente por professoras argentinas e brasileiras com suas respectivas assessorias pedagoacutegicas (BRASIL 2008 p 28)
Nesta perspectiva os temas das aulas e os projetos de aprendizagem a
serem desenvolvidos parte dos interesses dos alunos Cabe agraves professoras
argentinas e brasileiras o desenvolvimento do programa em conjunto Sturza (2014)
ilustra alguns temas que surgiram da curiosidade dos alunos e que por sua vez
podem ser trabalhadas em conjunto Um exemplo nasce da pergunta porque os
dentes caem Curiosidade comum entre crianccedilas de 7 anos por estarem vivenciado
a troca dos dentes A fim de explicar esse processo as atividades partiram da leitura
116
da histoacuteria ldquoFada dos Dentesrdquo ou do ldquoRaacuteton Peacuterezrdquo a primeira contada no Brasil e a
segunda no Uruguai As tarefas realizadas satildeo como um ldquopasso a passordquo a partir de
um mapa conceitual33
Do ponto de vista normativo todos os trabalhos desenvolvidos devem estar
em acordo com as diretrizes curriculares de cada paiacutes juntamente com a proposta
curricular do projeto Sobre as formas de avaliaccedilatildeo dos alunos o documento da
versatildeo preliminar do programa visa agrave metodologia de bdquoportifoacutelio‟ ldquodefinido como o
acompanhamento realizado a partir de evidecircncias de variadas naturezas do trabalho
realizado pelos alunos individual e coletivamenterdquo (BRASIL 2008 p29) O portifoacutelio
eacute uma forma de organizar o conjunto de memoacuterias de obras realizadas pelo aluno
podendo ser realizadas individualmente ou em grupo O objetivo eacute mostrar a
trajetoacuteria de cada estudante no decorrer de um projeto permitindo que o professor
possa avaliar esse aluno atraveacutes das informaccedilotildees contidas no portfoacutelio
354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu
O PEIF teve iniacutecio na cidade de Foz do Iguaccedilu em abril de 2006 a partir do
encontro com todos os envolvidos na cidade de Puerto Iguazuacute A primeira instituiccedilatildeo
responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do projeto foi a Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo
Em 2014 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) passou a
coordenar o programa
As escolas escolhidas para realizaccedilatildeo do projeto foram a Escola municipal
Adele Zanotto Scalco em Foz do Iguaccedilu e a Escuela 164 em Puerto Iguazuacute As
escolas foram escolhidas pela localizaccedilatildeo estrateacutegica ambas ficam proacuteximas da
regiatildeo da Ponte Tancredo Neves ligaccedilatildeo entre os dois paiacuteses (CARVALHO 2012)
33
Mapas conceituais satildeo ferramentas graacuteficas para a organizaccedilatildeo e representaccedilatildeo do conhecimento Eles incluem conceitos geralmente dentro de ciacuterculos ou quadros de alguma espeacutecie e relaccedilotildees entre conceitos que satildeo indicadas por linhas que os interligam As palavras sobre essas linhas que satildeo palavras ou frases de ligaccedilatildeo especificam os relacionamentos entre dois conceitos Noacutes definimos conceito como uma regularidade percebida em eventos ou objetos designada por um roacutetulo Na maioria dos conceitos o roacutetulo eacute uma palavra embora algumas vezes usemos siacutembolos como + ou e em outras usemos mais de uma palavra Proposiccedilotildees satildeo enunciaccedilotildees sobre algum objeto ou evento no universo seja ele natural ou artificial Elas contecircm dois ou mais conceitos conectados por palavras de ligaccedilatildeo ou frases para compor uma afirmaccedilatildeo com sentido Por vezes satildeo chamadas de unidades semacircnticas ou unidades de sentido (CANAtildeS NOVAK 2010 p10)
117
Cabe destacar que a escola de Foz do Iguaccedilu eacute a uacutenica que participa do projeto no
Paranaacute conforme informaccedilotildees do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (2015)
Sobre a estrutura do programa o relatoacuterio produzido pela Secretaria
Municipal da Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu na ocasiatildeo da primeira reuniatildeo entre a
equipe dos dois paiacuteses em abril de 2006 destaca os principais acordos para a
implementaccedilatildeo do programa nas escolas
Inicialmente o projeto atenderia duas turmas do ensino fundamental de cada
instituiccedilatildeo no turno da tarde todas as quartas-feiras
As aulas biliacutenguumles seriam ministradas no periacuteodo contra turno
A metodologia escolhida foi a de projetos pedagoacutegicos interculturais
A cada quinze dias os planejamentos das aulas seriam feitos com os
professores envolvidos no projeto com alternacircncia dos turnos de encontro e
das escolas
No mesmo relatoacuterio constam as comparaccedilotildees quanto agrave estrutura fiacutesica das
escolas A escola brasileira possui melhor estrutura fiacutesica pois possui videoteca
centro de esportes biblioteca sala de computaccedilatildeo e ar condicionado dentro das
salas de aula A escola argentina natildeo dispotildee desta estrutura Apesar destas
diferenccedilas as crianccedilas da escola brasileira e argentina natildeo possuem maiores
diferenccedilas quanto ao conhecimento pedagoacutegico
No iniacutecio do programa seu objetivo estava voltado para trabalhar com os
aspectos histoacutericos e culturais do paiacutes vizinhos tais como as muacutesicas roupas e as
comidas tiacutepicas de cada naccedilatildeo Depois por meio da assessoria do Instituto de
Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento de Poliacuteticas Linguiacutesticas (IPOL) no Brasil e
do Ministerio de Cultura Educacioacuten Ciencia y Tecnologiacutea de la Provincia de
Misiones (MCECyT) na Argentina passaram a adotar a pedagogia de projetos
(ALBUQUERQUE SOUSA 2014) O tema eacute escolhido pelos alunos e planejado
pelas professoras dos dois paiacuteses
Com a finalidade de conhecer o histoacuterico do PEIF a partir da experiecircncia
daqueles que estatildeo envolvidos diretamente no programa foram realizadas
entrevistas com duas professoras brasileiras ligadas ao programa e que ministram
aulas na argentina As entrevistadas tiveram seus nomes preservados A fim de
118
identificaacute-las adotamos os seguintes nomes fictiacutecios Tacircnia que participou do
projeto por cinco anos e Clara que entrou no programa em 2015
A professora Tacircnia que permaneceu no projeto por cinco anos na ocasiatildeo de
sua entrada relata que o programa na Argentina passava por um processo de
transiccedilatildeo Em 2009 eles inauguraram a Escuela Intercultural Biliacutengue 2 para atender
o PEIF Hoje o cruce (termo utilizado pelas professoras que realizam a travessia
para lecionar no paiacutes vizinho) eacute realizado duas vezes na semana sendo que o
nuacutemero de turmas para as duas escolas envolvidas satildeo as mesmas
Ateacute 2013 o nuacutemero de turmas atendidas por escola eram oito distribuiacutedas
entre quatro professoras com carga- horaacuteria correspondente a 2 horas As seacuteries
atendidas eram do 1ordm ao 4ordm ano No Brasil as professoras argentinas fazem o cruce
duas vezes na semana enquanto as brasileiras todas as quartas-feiras pela manhatilde
A partir de 2014 o nuacutemero de professoras brasileiras a participarem do projeto foi
reduzido pela metade
Assim como Sturza (2014) apontou esse processo de travessia possui um
significado aleacutem de ir ateacute uma escola estrangeira e colocar em praacutetica o programa
Trata-se de um processo de aprendizagem que vai desde as reflexotildees referentes
aos diferentes aspectos educacionais presentes nos dois paiacuteses ateacute os significados
que o programa exerce nos aspectos pessoais
Se eu tiver oportunidade eu volto porque eu gosto do projeto E o projeto eacute uma das minhas paixotildees eu gostei Eacute uma coisa super interessante eacute diferente acho que eacute um crescimento na profissatildeo da gente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
As comparaccedilotildees em relaccedilatildeo agraves diferentes infraestruturas das escolas dos
dois paiacuteses satildeo inevitaacuteveis Tacircnia aponta que apesar da estrutura fiacutesica da escola
argentina ser muito boa os recursos didaacuteticos satildeo precaacuterios percebendo entatildeo os
contrastes que haacute nas poliacuteticas educacionais
A estrutura da escola laacute eacute muito boa eacute maravilhosa mas assim eacute tudo muito burocraacutetico no sentido de organizaccedilatildeo da escola Laacute eacute totalmente diferente aqui a gente tem fartura de material opccedilatildeo de coisa de tudo laacute bdquofarta‟ As salas satildeo uma penumbra com pouca iluminaccedilatildeo e tudo porque o governo natildeo daacute apoio nenhum como aqui tambeacutem (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
119
Outro ponto de comparaccedilatildeo satildeo os salaacuterios A professora Tacircnia aponta que o salaacuterio
da professoras argentinas eacute o dobro enquanto no Brasil o incentivo aos professores
eacute uma especulaccedilatildeo
Uma remuneraccedilatildeo diferente () ah isso aiacute jaacute foi questionado vaacuterias vezes que noacutes teriacuteamos um diferencial no salaacuterio a escola como um todo teria Se tivesse algum incentivo eu duvido que haveria resistecircncia em estar participando (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando a professora diz que ldquoeu duvido que haveria resistecircncia em estar
participandordquo ela se refere agrave resistecircncia de alguns professores em aderir ao PEIF
Quando questionada sobre o processo de escolha dos professores para o projeto
ela descreve que o correto eacute a rotatividade A cada um ou dois anos uma professora
ou professor deve assumir o projeto mas na praacutetica a direccedilatildeo eacute quem escolhe
A intenccedilatildeo do projeto eacute que se faccedila rodiacutezio soacute que aqui eacute por indicaccedilatildeo mesmo ldquoEsse ano vai ser vocecirc e ponto finalrdquo Porque por um bom tempo ficaram praticamente as mesmas pessoas igual eu permaneci por muito tempo (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
No iniacutecio do PEIF natildeo havia na carga horaacuteria oficial da escola a
disponibilidade para o preparo das aulas do programa O grupo que fazia parte do
projeto deveria encontrar uma brecha para organizar suas aulas
() depois do almoccedilo eu ia conciliando assim ia preparando a aula para as minhas turmas daqui para laacute e depois no ano passado34 quando entraram as outras professoras que melhorou comeccedilou a melhorar A prefeitura reduziu para dois professores e liberou a manhatilde para o projeto daiacute a escola se organizava como fosse possiacutevel Soacute que aumentou o nuacutemero de dias laacute (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntada sobre a receptividade do projeto por parte dos
professores Tacircnia responde que havia outros motivos para resistecircncia
Tanto laacute quanto caacute haacute resistecircncia de professores tanto para trabalhar no projeto tanto para receber o projeto na escola Algumas coisas
34
Referente ao ano de 2014 tendo em vista que as entrevistas foram realizadas julho de 2015
120
avanccedilaram algumas estacionaram e muitas tecircm que melhorar ainda Porque ateacute agora o uacutenico objetivo () eacute um projeto lindo maravilhoso muito bom soacute que natildeo eacute feito na iacutentegra Poliacuteticos criam essas coisas e jogam e natildeo datildeo apoio Criam esses projetos porque foi na eacutepoca do Mercosul que foi criado soacute que natildeo datildeo apoio E aiacute a cada mudanccedila de governo eacute aquela burocracia porque um Ministro entra o outro sai o que entra natildeo sabe de nada do que estaacute acontecendo o que saiu deixa tudo engavetado natildeo passa pro outro () eacute aquela coisa (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Evidencia-se aiacute a criacutetica da professora Tacircnia agrave falta de acompanhamento por
parte do Estado em dar continuidade aos projetos O mesmo ocorre quanto aos
repasses de verba Do ponto de vista legal somente apoacutes a criaccedilatildeo da Portaria nordm
798 de 19 de junho de 2012 quando instituiu o Programa Escolas Interculturais de
Fronteira se pode falar em repasses de verba Em 2014 o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou como seriam feitos os repasses a escolas
de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil para promover atividades em periacuteodo integral Dentro
desse grupo35 encontram-se os valores destinados agraves escolas que fazem parte do
Programa Escolas Interculturais de Fronteira no entanto a distribuiccedilatildeo de recursos
segue confusa
Segundo as professoras Tacircnia e Clara houve tambeacutem alguns retrocessos no
decorrer do projeto As duas destacam o processo de formaccedilatildeo dos professores
para atuarem no PEIF Em Foz do Iguaccedilu a universidade que coordena a formaccedilatildeo
para os professores eacute a UNILA entretanto as professoras entrevistadas se
queixam da ausecircncia da instituiccedilatildeo no ano de 2015
No ano passado acho que soacute teve uma formaccedilatildeo que ela (UNILA) proporcionou Mas nem foi a Unila quem acabou dando essa formaccedilatildeo foram as nossas supervisoras aqui Eu arrumei o material com as professoras que jaacute nem estatildeo mais aqui () eu nunca mais tive essas formaccedilotildees no comeccedilo noacutes tivemos vaacuterias (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
35
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 14 de
2014 os detalhes de como seratildeo feito os repasses de verba para as escolas de educaccedilatildeo baacutesica a fim de promover atividades em periacuteodo integral e aos finais de semana De acordo com a Resoluccedilatildeo os montantes repassados seguiratildeo os moldes do Programa Dinheiro Direto na Escola As escolas envolvidas satildeo aquelas que desenvolveratildeo atividades em periacuteodo integral podendo ser urbanas rurais ou no caso das escolas do PEIF a promoccedilatildeo do ensino biliacutenguumle (BRASIL 2016) Disponiacutevel em lthttpwwwbrasilgovbreducacao201406fundo-destina-verba-para-garantir-atividades-da-educacao-integralgt Acesso em 14102015
121
A professora Clara quando questionada se jaacute passou por alguma formaccedilatildeo
responde que em 2015 teve uma que partiu da iniciativa dos professores da escola
Foi para os professores novos que trabalham aqui para conhecerem o projeto pois muitos professores sabem que existe o projeto sabe mais ou menos como ele funciona sabe assim que tem professoras de laacute que vem pra caacute e professoras daqui que vai pra laacute e soacute Mas o funcionamento mesmo tinha bastante professor que natildeo conhecia Daiacute agrave escola tomou iniciativa de fazer um dia todo de formaccedilatildeo Foram levantadas as dificuldades que cada um sentia ou no que poderia mudar mas ateacute agora ningueacutem deu um parecer daquilo ficou no papel (Entrevista realizada com a professora Clara em julho de 2015)
O que chama atenccedilatildeo na fala da professora Clara eacute a iniciativa local A
comunidade escolar organizou um curso de formaccedilatildeo para os professores Nesse
sentido abre possibilidades para que ainda que as poliacuteticas tenham sido em sua
elaboraccedilatildeo sem discussatildeo com as escolas no momento em que se inicia na
praacutetica pode ser ressignificada Aleacutem disso faz-se necessaacuterio maior estreitamento
com a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do PEIF pois conforme a fala das
professoras entrevistas eacute importante a formaccedilatildeo dos professores envolvidos no
projeto
Tacircnia quando questionada se ela conhecia o processo de elaboraccedilatildeo em que
surgiu o PEIF embora goste do projeto deixa claro que a iniciativa na sua
concepccedilatildeo foi arbitraacuteria
Noacutes bdquoengolimos goela a baixo‟ Soacute que natildeo tem apoio nenhum () assim eacute uma coisa muito bonita eacute um projeto maravilhoso Na verdade para ser um projeto mesmo tinha que ter a integraccedilatildeo tanto de noacutes professores funcionaacuterios e tudo mas principalmente das crianccedilas Conhecer a realidade um do outro soacute que isso noacutes nunca conseguimos (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Uma das criacuteticas evidenciadas no decorrer desta dissertaccedilatildeo eacute que o
processo histoacuterico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas educacionais tem origem
distante dos interesses dos grupos interessados por elas Mesmo quando eacute fruto das
demandas sociais elas passam por um confronto de interesses cujo resultado
culmina em leis projetos programas e curriacuteculos que nascem ambiacuteguos
(FRIGOTTO 2002)
122
Santos (et al 2015) em artigo sobre a construccedilatildeo de conhecimento em
Linguiacutestica Aplicada com foco no letramento considerando os conflitos entre o
conhecimento local o campo acadecircmico e os programas governamentais
descrevem as experiecircncias vivenciadas em um processo de formaccedilatildeo de
professores em uma escola puacuteblica na Triacuteplice Fronteira (Brasil Paraguai e
Argentina) As autoras chamam atenccedilatildeo para a resistecircncia de alguns professores
que podem interpretar a interferecircncia externa natildeo como uma cooperaccedilatildeo mas como
ameaccedila pela ldquoimposiccedilatildeo de um conhecimento considerado superior e
consequumlentemente tambeacutem uma desqualificaccedilatildeo do trabalho ali construiacutedordquo
(SANTOS et al 2015p 51) No caso do PEIF a criacutetica da professora Tacircnia
encontra-se na ausecircncia da participaccedilatildeo dos professores diretamente envolvidos no
programa e da falta de integraccedilatildeo entre os alunos dos dois paiacuteses envolvidos
355 As fronteiras do projeto
Quando perguntado agraves professoras quais satildeo as possiacuteveis sugestotildees para
melhorias para o projeto elas sugerem que os alunos possam fazer parte do cruce
No entendimento delas seria importante a integraccedilatildeo entre esses alunos Poreacutem a
rigidez das aduanas com relaccedilatildeo agrave documentaccedilatildeo e agrave travessia de crianccedilas na
ausecircncia dos pais somadas a toda responsabilidade que isso acarretaria torna
difiacutecil imaginar essa possibilidade Com isso o intercacircmbio dos alunos se reduz ao
envio de viacutedeos cartas e fotografias
Tacircnia acrescenta ainda que os proacuteprios professores correm um certo risco ao
fazer a travessia Em caso de acidente natildeo haacute nada que possa comprovar que elas
estavam em horaacuterio de trabalho
A gente vai pra laacute com a cara e a coragem noacutes natildeo temos nada que nos assegure Que Deus o livre se acontece uma desgraccedila Natildeo sei como que vai ficar porque natildeo tem nada que nos assegure Noacutes natildeo temos um seguro de vida nada que nos ampare legalmente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntadas sobre as dificuldades referentes ao bilinguumlismo as
professoras expressam que os alunos argentinos compreendem bem o portuguecircs e
alguns falam portunhol Satildeo curiosos conhecem as novelas os jornais e muacutesicas
123
brasileiras Este fato eacute atribuiacutedo ao intenso contato com os meios de comunicaccedilatildeo
brasileiro principalmente a televisatildeo explica Tacircnia
No comeccedilo eu achei que ia ter dificuldade de entendimento eacute claro que a gente natildeo entende cem por cento mas eu natildeo vi dificuldade nenhuma porque laacute eles satildeo muito receptivos Laacute as crianccedilas participam muito mais do que aqui e assim quanto agrave liacutengua natildeo tem dificuldade nenhuma porque as crianccedilas falam o portunhol e muitos o portuguecircs perfeitamente e eles nos entendem perfeitamente Laacute eles seguem as nossas programaccedilotildees da TV falam que aprendem o portuguecircs na TV na tela Eles amam o portuguecircs eles amam a programaccedilatildeo nossa aqui a gente chega laacute pelo menos nas salas que eu entrava eles querem falar sobre a novela eles querem conversar sobre as nossas programaccedilotildees e quando eu os questiono sobre onde eles aprenderam tudo aquilo eles respondem na tela professora na tela (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Os alunos brasileiro tecircm muita dificuldade com o espanhol Tacircnia explica que
geralmente as professoras brasileiras tecircm que permanecer em sala de aula para
auxiliar as professoras argentinas Retomo os aspectos histoacutericos da cidade para
explicar que o espanhol foi uma liacutengua presente no ensino do municiacutepio mas que foi
retirada do curriacuteculo acrescentando a importacircncia de se promover novamente a
inserccedilatildeo do espanhol nos curriacuteculos baacutesicos para as escolas situadas em fronteira
ou que pelo menos as escolas que integram PEIF
Creio eu que pra nossa cidade aqui () noacutes vivemos em uma fronteira aonde convivemos com dois paiacuteses que fala espanhol entatildeo natildeo que o inglecircs natildeo seja importante mas pelo menos na rede puacuteblica ou ateacute mesmo na particular o espanhol deve fazer parte da grade ou pelo menos nas escolas que tem esse projeto (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
356 PEIF Uma alternativa na fronteira
Com base na literatura que destaca a importacircncia de se analisar as poliacuteticas
puacuteblicas foi possiacutevel verificar que o Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
possui algumas falhas advindas de seu processo de implementaccedilatildeo Dos atores
envolvidos nesse processo os principais satildeo oriundos dos Ministeacuterios da Educaccedilatildeo
a partir de acordos bilaterais Nesse sentido a verticalizaccedilatildeo da implementaccedilatildeo
originou alguns problemas como resistecircncia em aderir ao projeto divergecircncias de
turnos e conflitos de carga horaacuteria das escolas envolvidas Esses problemas talvez
124
pudessem ser amenizados caso os professores e demais membros da equipe
pedagoacutegica das escolas fizessem parte do processo de estruturaccedilatildeo do programa e
natildeo apenas da execuccedilatildeo
A inserccedilatildeo do Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles na cidade de Foz do
Iguaccedilu enquanto uma poliacutetica linguumliacutestica e ao mesmo tempo integracionista
demonstrou alguns ranccedilos Primeiro os documentos de 2008 sobre os primeiros
impactos do programa trata do tema resistecircncia do professor ao aderir ao programa
tambeacutem constado na fala da professora entrevistada que criticou o caraacuteter arbitraacuterio
das poliacuteticas educacionais e de como elas chegam agraves escolas
Eacute importante assinalar que do processo de implementaccedilatildeo o PEIF comeccedilou
sem um marco oficial para a sua institucionalizaccedilatildeo Segundo o ldquoPrograma de
Promoccedilatildeo do Desenvolvimento da Faixa de Fronteirardquo (2010) de 2004 ateacute 2010
ainda natildeo havia as bases legais para implementaccedilatildeo do Programa Isso deu
margem para que em vaacuterias anaacutelises o Programa fosse descrito como projeto pois
natildeo havia um estatuto ou algo que delimitasse o que caracterizava essa poliacutetica
Arbitraacuteria tambeacutem eacute a ausecircncia de discussotildees mais profundas sobre a
implementaccedilatildeo de uma poliacutetica linguiacutestica em regiatildeo de fronteira Nas entrevistas
constatou-se que os alunos argentinos possuem mais proximidade com a liacutengua
portuguesa e em contrapartida os alunos brasileiros demonstraram pouca
intimidade com a liacutengua portuguesa Sturza (2006) explica que enquanto no campo
internacional o espanhol deteacutem certo status se comparado ao portuguecircs na
fronteira esse papel eacute invertido pois argentinos da regiatildeo consideram o portuguecircs
como liacutengua de mais valor
Como pano de fundo desta discussatildeo encontra-se o Estado-naccedilatildeo O Brasil eacute
uma potecircncia regional36 o que pode contribuir tanto para o imaginaacuterio dos brasileiros
quanto de argentinos da regiatildeo ao considerarem os aspectos de nossa cultura isso
inclui nossa liacutengua oficial como superior ao espanhol Outro aspecto relevante eacute a
expressiva presenccedila dos meios de comunicaccedilatildeo por meio dos sinais de raacutedio e TV
que chegam aos lares argentinos o que faz com que eles tenham um contato mais
36
Ver Moniz Bandeira (2008) Texto para o seminaacuterio sobre ldquoA poliacutetica exterior do Brasil em sua
proacutepria visatildeo e na dos parceirosrdquo No artigo o autor cita os aspectos teoacutericos e histoacutericos que permitem caracterizar o Brasil enquanto uma potecircncia regional desde o seacuteculo XIX O que inclui sua dimensatildeo territorial seu poderio econocircmico e militar Disponiacutevel emlt httpwwwespacoacademicocombr09191bandeirapdf gt Acesso em 17112015
125
intenso com a liacutengua por meio dos programas de TV como as novelas citadas pela
professora entrevistada
O programa possui outras lacunas Eacute preciso estabelecer um consenso sobre
o orccedilamento para o programa a fim de fomentar a formaccedilotildees dos professores
manter uma estrutura que possibilite o transporte dos professores com seus
materiais didaacuteticos Contudo em termos de poliacutetica educacional para fronteira eacute a
primeira destinada para regiotildees de fronteira o que significa um certo avanccedilo para a
regiatildeo Eacute importante destacar que o PEIF eacute uma poliacutetica multilateral envolve outros
paiacuteses do Mercosul o que pode ser um exemplo de cooperaccedilatildeo para a promoccedilatildeo de
outras poliacuteticas educacionais
Eacute pioneirismo do Programa por meio da poliacutetica educacional para fronteira
internacional possuir como eixo a funccedilatildeo integradora onde o Mercosul tornou-se a
instituiccedilatildeo que fomentou a ideia a fim de promover programas que ultrapassam as
relaccedilotildees meramente econocircmicas entre os paiacuteses-membros A avaliaccedilatildeo inicial do
Programa mostrou que alguns pontos devem ser repensados Dos relatoacuterios
analisados constam poucos registros por parte dos professores sobre o processo de
aprendizado da liacutengua por parte dos alunos brasileiros Seria fundamental que o
mecanismo de avaliaccedilatildeo do Programa fosse aprimorado com instrumentos capazes
de captar como se daacute o programa em sala de aula mas conforme expresso aqui no
Brasil satildeo poucos os estudos e metodologias de avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
126
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A relaccedilatildeo Estado-naccedilatildeo fronteira e poliacuteticas educacionais foram agraves palavras-
chave que nortearam esta dissertaccedilatildeo A hipoacutetese inicial eacute de que as poliacuteticas
educacionais principalmente as direcionadas para todo o ensino em niacutevel nacional
natildeo contempla as especificidades presentes na fronteira de Foz do Iguaccedilu Desse
modo para o desenvolvimento da hipoacutetese de trabalho buscou-se compreender um
pouco da histoacuteria da educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu e suas particularidades por ser
uma cidade de fronteira
No primeiro capiacutetulo buscamos apresentar os principais conceitos que
norteiam a palavra fronteira Segundo a etimologia a palavra eacute de origem latina Foi
utilizada pela primeira vez no seacuteculo XVIII para estabelecer limites entre exeacutercitos
em conflito deslizando para as definiccedilotildees de fronteira do ponto de vista geograacutefico
geopoliacutetico e socioloacutegico (BECKER 2007 ALBUQUERQUE 2010 SILVA 2010)
Um dos principais objetivos deste capiacutetulo foi de apresentar a fronteira enquanto
uma regiatildeo em que eacute possiacutevel observar os principais instrumentos do Estado para o
construto da naccedilatildeo tais como a imprensa a escola e o exeacutercito
Dentro deste estudo a instituiccedilatildeo escolar foi o centro da pesquisa Com isso
foram apresentadas resultados de pesquisas anteriores (PEREIRA 2009 SOUZA
RODRIGUES 2009 TERENCIANI 2011) que destacam a relaccedilatildeo da escola na
fronteira sob diferentes perspectivas principalmente o da inserccedilatildeo do aluno oriundo
de outro paiacutes que faz fronteira com o Brasil e os principais desafios encontrados por
ele e para a escola Os dados apresentados neste capiacutetulo apontam que quando se
trata de investimentos em poliacuteticas puacuteblicas para regiatildeo de fronteira internacional o
Brasil tem priorizado as poliacuteticas de seguranccedila conforme os trabalhos de Franccedila e
Dorfman (2014) Trata-se de informaccedilotildees que vatildeo em direccedilatildeo aos aspectos
histoacutericos da funccedilatildeo do Estado e das concepccedilotildees de soberania e territoacuterio que
foram apresentadas no iniacutecio deste capiacutetulo
O segundo capiacutetulo apresentou a gecircnese das primeiras escolas na cidade de
Foz do Iguaccedilu sempre vinculadas aos outros aspectos como os fatores econocircmicos
e sociais Demonstrou-se que a formaccedilatildeo das escolas de Foz do Iguaccedilu antes
mesmo da fundaccedilatildeo da municipalidade contou com a presenccedila de estrangeiros que
na ausecircncia de um ensino formal criavam as suas proacuteprias escolas (WACHOWICZ
127
1984 SBARDELOTTO 2009) Essas escolas foram fechadas no periacuteodo
nacionalista momento em o governo brasileiro buscava a conformaccedilatildeo de uma
identidade e integraccedilatildeo nacional para tal conforme Lemiechek (2014) a criaccedilatildeo do
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu em 1943 possibilitou maior controle das escolas
principalmente das escolas estrangeiras
Identificou-se ainda que em meados da deacutecada de 1970 nos relatoacuterios
sobre a situaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu no campo educacional havia uma tendecircncia em
depositar no aluno a culpa do fracasso escolar Nesse caso os alunos oriundos do
Paraguai e da Argentina eram considerados os mais fracos e ldquoatrapalhavamrdquo o
desenvolvimento do restante da turma ou seja a diferenccedila interpretada como um
problema para escola a liacutengua do outro como um entrave
O capiacutetulo trecircs sobre as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo apresenta um
breve histoacuterico das poliacuteticas educacionais brasileiras evidenciando que elas satildeo
fruto do contexto ao qual se inserem o periacuteodo ditatorial evidenciou a ausecircncia da
populaccedilatildeo no processo criaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que por sua vez eram
controladas pelo Estado A partir do periacuteodo de abertura democraacutetica ateacute os dias
atuais as poliacuteticas educacionais passaram por inuacutemeras mudanccedilas Muitas
nasceram a partir das discussotildees oriundas de movimentos sociais das discussotildees
acadecircmicas etc Conforme Das e Poe (2004) o ldquoEstado eacute constantemente
refundado em suas formas de ordenar e fazer leis sugerindo que as margens satildeo
ldquodecorrecircncia e implicaccedilatildeo necessaacuteria do Estado assim como a exceccedilatildeo eacute um
componente necessaacuterio da regrardquo (DAS e POE 2004 p4)
Nesta premissa ao se analisar as principais poliacuteticas educacionais brasileiras
identificou-se que a questatildeo da diversidade cultural presente nos documentos tende
a generalizaccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo dada agrave superficialidade dos documentos Ainda
que represente um grande avanccedilo ao tornar obrigatoacuterio o ensino da cultura afro-
brasileira histoacuteria da Aacutefrica e indiacutegena nas escolas puacuteblicas e privadas brasileiras
quando chegamos agrave fronteira identificamos diversidades para aleacutem dessas duas
poliacuteticas
Tais princiacutepios de universalizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais satildeo o espelho
de um Estado que se formou tentando ter como princiacutepio legal o tratamento igual da
populaccedilatildeo algo que soacute acentua as desigualdades existentes na medida em que o
diferente eacute tratado como um problema a ser solucionado Com esta noccedilatildeo o Estado
128
deixa de ser reconhecido como um importante ator na reproduccedilatildeo das
desigualdades para ser considerado a uacutenica soluccedilatildeo para os problemas sociais
Algumas pesquisas realizadas em escolas presentes em regiotildees de fronteira
constataram a erronia praacutetica de culpabilizar os alunos e professores pelo sucesso
ou fracasso escolar satildeo os professores que natildeo tem formaccedilatildeo satildeo os brasiguaios
argentinos e paraguaios com sua bdquohibridizaccedilatildeo linguiacutestica‟ satildeo os aacuterabes (colocados
em uma uacutenica caixa como se todos viessem do mesmo paiacutes) satildeo os alunos
indiacutegenas que chegam nas escola falando bdquoapenas‟ o guarani As pessoas tornam-se
problema
No caso de Foz do Iguaccedilu o perfil dos alunos que frequumlenta as instituiccedilotildees
escolares demonstra que os conceitos de cidadania natildeo satildeo riacutegidos se (des)fazem
na fronteira Os alunos que chegam aos espaccedilos escolares fronteiriccedilos natildeo
necessariamente assimilaratildeo a liacutengua portuguesa como uacutenica e oficial Ao mesmo
tempo estes alunos trazem consigo conhecimentos adquiridos de seu paiacutes de
origem mas o processo de equivalecircncia de estudos acaba por negar esses
conhecimentos que para serem validados devem ser bdquotraduzidos‟ para o portuguecircs
Para aleacutem do problema linguiacutestico temos a questatildeo da integraccedilatildeo desse
aluno no ambiente escolar que eacute ao mesmo tempo permeada por tensotildees mas
tambeacutem pela aproximaccedilatildeo com o outro Essas relaccedilotildees merecem atenccedilatildeo da escola
a fim de evitar manifestaccedilotildees xenofoacutebicas preconceituosas estigmatizadas e de
inferiorizaratildeo
A primeira hipoacutetese do trabalho me levou a pensar apenas na relaccedilatildeo Estado
Nacional e poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira Poreacutem os vazios
encontrados ao se analisar essas poliacuteticas e o modo como o Estado se faz presente
e ao mesmo distante da fronteira levou-me a refletir sobre a emergecircncia de outras
pedagogias
Para outros sujeitos outras pedagogias (ARROYO 2015) Paulo Freire em
sua obra a Pedagogia do Oprimido fala aos educadores que eacute preciso ter ldquoum
profundo respeito pela identidade cultural dos alunos e das alunas () implica
respeito pela linguagem do outro pela cor do outro o gecircnero do outro outrordquo
(FREIRE 2001 p60)
Conhecer de perto uma poliacutetica educacional para a fronteira do ponto de vista
institucional e das poliacuteticas de governo possibilitou-me a constatar contradiccedilotildees e
complexidades de uma poliacutetica que envolve natildeo apenas o campo das relaccedilotildees
129
internacionais mas o diaacutelogo na construccedilatildeo de um curriacuteculo as implicaccedilotildees legais
para o tracircnsito de pessoas na fronteira os questionamentos sobre as reais intenccedilotildees
do programa PEIF e de como esse programa foi concebido Pode-se considerar que
o PEIF foi a uacutenica poliacutetica puacuteblica analisada a partir dos dois eixos propostos no
iniacutecio do capiacutetulo terceiro Mainardes (2006) Assim traccedilamos os aspectos que
envolveu o papel do Estado na elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica e buscamos por meio
da anaacutelise dos documentos e entrevistas demonstrar os principais aspectos
impactos que a poliacutetica exerceu na escola envolvida considerando principalmente
as experiecircncia dos atores envolvidos neste caso das professoras entrevistadas
Dos caminhos possiacuteveis para uma poliacutetica educacional na fronteira a
perspectiva intercultural ldquoreconhece e assume a multiplicidade de praacuteticas culturais
que se encontram e se confrontam na interaccedilatildeo entre diferentes sujeitosrdquo (FLEURI
2003 p12)
Por fim ao considerar a fronteira uma regiatildeo que engloba as cidades de Foz
do Iguaccedilu Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este a proposiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas em
conjunto com os paiacuteses envolvidos satildeo importantes para atender as demandas
locais
130
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Primeiramente agrave Professora Dra Regina Coeli Machado pela compreensatildeo pelas
saacutebias orientaccedilotildees que natildeo se limitaram agraves paacuteginas desta dissertaccedilatildeo
Ao professor Dr Fernando Joseacute Martins e agrave professora Dra Neiva Maria Jung pela
participaccedilatildeo na banca de defesa
Aos meus pais Maria Aparecida e Joatildeo Bosco e irmatildeos Joatildeo Victor e William que me
deram o suporte necessaacuterio para essa jornada foi pensando neles que nos
momentos mais difiacuteceis tive forccedila para prosseguir
A todos os meus amigos que me apoiaram com as leituras de meus rascunhos
correccedilotildees e pelo incentivo que de modo direto ou indireto contribuiacuteram para a
conclusatildeo deste trabalho
Ao Eduardo Eliana e Baacuterbara que me deram o suporte emocional apoio e carinho
em toda essa trajetoacuteria
A primeira condiccedilatildeo para modificar a realidade consiste
em conhececirc-la
Eduardo Galeano (1985)
PAIVA Aline Cristina Poliacuteticas Educacionais para a diversidade e escolas nas fronteiras O caso de Foz do Iguaccedilu na fronteira com a Argentina e o Paraguai 2016 149 paacuteginas Dissertaccedilatildeo (Mestrado Interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras)- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute- UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
RESUMO
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as relaccedilotildees entre poliacuteticas educacionais e a diversidade cultural presente na fronteira de Foz do Iguaccedilu localizada no estado do Paranaacute A cidade brasileira juntamente com Ciudad del Este no Paraguai e Puerto Iguazuacute na Argentina formam a triacuteplice fronteira que dentre outras caracteriacutesticas eacute conhecida pelo turismo e pelas intensas relaccedilotildees comerciais O processo de formaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu foi marcado pela influecircncia dos paiacuteses da fronteira e pela presenccedila de outras nacionalidades e etnias Trata-se portanto de uma cidade natildeo apenas diversa pela presenccedila dos paraguaios e argentinos mas que tambeacutem eacute compartilhada por libaneses chineses coreanos chilenos bolivianos italianos dentre outros A escola e as poliacuteticas educacionais para esse contexto eacute o centro desta pesquisa na medida em que a instituiccedilatildeo escolar eacute um importante espaccedilo de socializaccedilatildeo A histoacuteria da educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu e a histoacuteria das poliacuteticas educacionais no Brasil revelam como a escola eacute uma instituiccedilatildeo importante na formaccedilatildeo da identidade nacional e como estas afetam a relaccedilatildeo com o bdquooutro‟ Nesse sentido foram analisados documentos de poliacuteticas educacionais para a diversidade implementadas apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 sendo elas a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 os Paracircmetros Curriculares Nacionais para a pluralidade cultural de 1997 o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute de 2015 e o curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do oeste do Paranaacute feita pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP) em 2007 Por uacuteltimo buscou-se analisar o Programa Escola Intercultural Biliacutengue iniciativa do Mercosul que tem como objetivo integrar as regiotildees fronteiriccedilas por meio da educaccedilatildeo Com base nas analises das poliacuteticas educacionais para a diversidade principalmente a partir de 1988 verificou-se uma tendecircncia universalista dessas poliacuteticas para a diversidade que difere da diversidade particular vivida em Foz do Iguaccedilu PALAVRAS-CHAVE poliacuteticas educacionais escola estado fronteira
PAIVA Aline Cristina Educational policies for diversity and schools in the boundaries the case of Foz do Iguaccedilu on the border with Argentina and Paraguay 2016 149 pages Dissertation (Masters in Interdisciplinary Society Culture and Borders) - State University of Western Paranaacute-UNIOESTE Foz do Iguaccedilu
ABSTRACT
The objective of this study is from the relationship school and state investigate educational policies and consider whether they make it possible to work with diversity on the border of Foz do Iguaccedilu in the state of Paranaacute The Brazilian city along with Ciudad del Este in Paraguay and Puerto Iguazu in Argentina form the triple border which among other characteristics is known for tourism and the intense trade relations The process of formation of Foz do Iguaccedilu was marked by the influence of the border countries and the presence of other nationalities and ethnicities It is therefore a city not only different by the presence of Paraguayan and Argentinean neighbors but that is also shared by Lebanese Chinese Korean Chilean Bolivian Italian among others The school and educational policies in this context become the center of this research since the school is a major means of training and socialization of individuals and may contribute to the integration process the intercultural bias or other hand being a border to disregard the existence of ethnic and cultural diversity that makes up the school environment The reasons for the discussions in this work pass necessarily by the nation-state relationship with schoolThe history of education in Foz do Iguaccedilu and the history of educational policies in Brazil reveal how the school is an important institution in the national identity formation and how they impact relations in border schools To analyze the educational policies for diversity policies were analyzed educational documents from the Constitution of 1988 it derived the Law of Guidelines and Bases of National Education in 1996 and the National Curriculum Guidelines for cultural plurality in 1997 These two policies along with the State Plan for 2015 Paranaacute Education and basic curriculum for public school in western Paranaacute made by the Association of western Paranaacute Cities (AMOP) in 2007 to discuss public policies in the border region implies think of the region as a whole An example of an educational policy for border is the Intercultural Bilingual School Program the Mercosur initiative which passed through discussions with other countries in the border region In the city of Foz do the program takes place at the Municipal School Adele Zanotto Scalco and aims to contribute to the integral formation of children adolescents and young people through the articulation of actions aimed at regional integration through intercultural education by offering the bilingual educationIn order to get to know an educational policy there were two interviews with Brazilian teachers one former member of the program and the other which entered the year 2015 with the interviews it was possible to collect the first impressions of the program in Foz do Iguaccedilu its challenges and its importance as an educational policy in the field of linguistics integrationist content to influence future public policy KEYWORDS educational policies school state border
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Figura 01 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai26
Figura 02- Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi
em Satildeo Paulo capital27
Figura 03-Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo28
Figura 04- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai52 Figura 05-- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre60
Figura 06- Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)64
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGB- Associaccedilatildeo dos Geoacutegrafos Brasileiros
ANPUH- Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria
AMOP ndash Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute
CEEPR- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
CF- Constituiccedilatildeo Federal
COEF- Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental
CONAE- Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo
CMC- Conselho do Mercado Comum
CRUTACS- Centros Rurais Universitaacuterios de Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria
DCE ndash Diretrizes Curriculares da Educaccedilatildeo Baacutesica do Estado do Paranaacute
DICEI- Diretoria de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral
EBN- Empresa Brasileira de Notiacutecias
GEREI- Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPOL- Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em Poliacutetica Linguiacutestica
ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros
PNC ndash Paracircmetros Curriculares Nacionais
IMS- Instituto Mercosul Social
LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional
MEC- Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
MEC Y T- Ministeacuterio de la Educaciacuteon Ciencia y Tecnologia
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
MOBRAL- Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NRE- Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
OMS- Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
PPA- Plano Pluri Anual
PEIF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
PEIBF- Programa Escolas Interculturais Biliacutengues de Fronteira
PCN- Paracircmetros Curriculares Nacionais
PDI- Plano de Desenvolvimento Integrado
PEEPR- Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
PF- Poliacutecia Federal
PME- Plano Municipal de Educaccedilatildeo
PNE- Plano Nacional de Educaccedilatildeo
PNLD- Plano Nacional do Livro Didaacutetico
PP- Poliacutetica Puacuteblica
MERCOSUL- Mercado Comum do Sul
RME- Reuniatildeo de Ministros da Educaccedilatildeo
SEB- Secretaria da Educaccedilatildeo Baacutesica
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SEEDPR- Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo do Paranaacute
SENAC- Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial
SEM- Setor Educacional do Mercosul
SISFRON- Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
SIS-MERCOSUL- Sistema Integrado de Sauacutede do Mercosul
SUED- Superintendecircncia da Educaccedilatildeo
SUS- Sistema Uacutenico de Sauacutede
TEC- Tarifa Externa Comum
UFF- Universidade da Fronteira Sul
UNESCO- Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura
UNILA- Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana
UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO 15
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico 20 II Estrutura da dissertaccedilatildeo 21
CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA 25 11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees 25 12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo 29 13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos 32 14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas 36 15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do Estado 41
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS 50
21 Contexto histoacuterico 51 21Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo 53 22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo61 23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus impactos na educaccedilatildeo 64 24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas escolas 69
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUA 71
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens 71 32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil 74 33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 83 34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais 84
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo 86 342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais 91 343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural 94 344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute 98 345 O Curriacuteculo da AMOP 100 346 Algumas consideraccedilotildees 103
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica educacional para a fronteira 104
351 Do processo de elaboraccedilatildeo 107 352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica 108 353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF 110 354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu 116 355 As fronteiras do projeto 122 356 PEIF Uma alternativa na fronteira 123
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 126
5 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 130
15
INTRODUCcedilAtildeO
Esta dissertaccedilatildeo apresenta um estudo sobre as poliacuteticas educacionais e
diversidade em regiatildeo de fronteira internacional Os estudos fronteiriccedilos perpassam
por diversas aacutereas do conhecimento como a Geografia Sociologia Antropologia
Ciecircncia Poliacutetica que tem apresentado inuacutemeras pesquisas a partir das mais
variadas formas de conceituar e abordar a temaacutetica (FRANCcedilA DORFMAN 2013)
No que se refere aos estudos sobre a regiatildeo de fronteira na aacuterea da educaccedilatildeo a
produccedilatildeo ainda eacute tiacutemida no Brasil (FEDATTO 1995 CITRINOVITZ 1996
ROSSATO 2003)
Para Pereira (2009) isso se reflete no processo de desenvolvimento das
poliacuteticas puacuteblicas que ateacute recentemente estavam sendo tratadas de forma
homogecircnea e unilateral ou seja sem levar em consideraccedilatildeo as particularidades de
cada regiatildeo fronteiriccedila No que tange agrave poliacutetica educacional brasileira esta deve ser
pensada em contexto amplo onde fatores como a Constituiccedilatildeo Federal a poliacutetica
nacional de direitos humanos e os acordos e tratados internacionais devem ser
considerados assim como os fatores sociais e culturais da sociedade brasileira
(SILVA MOURA MELLO 2013) Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos
sobre as poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira no Brasil satildeo recentes mas
encontra-se em processo de construccedilatildeo e crescimento
Por outro lado grupos como a Rede RETIS do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro atuam desde 1994 com pesquisa de limites
e fronteiras internacionais Com uma ampla rede de associados o grupo conta com
um acervo digital1 com diversas notiacutecias artigos teses e dissertaccedilotildees sobre
fronteiras internacionais incluindo trabalhos sobre educaccedilatildeo e fronteira
internacional Existe tambeacutem o acervo digital2 do Instituto de Investigaccedilatildeo e
Desenvolvimento em Poliacutetica Linguumliacutestica fundado em 1999 com sede em
Florianoacutepolis Santa Catarina Brasil que desenvolve projetos de apoio teacutecnico agraves
comunidades agraves comunidades de falantes de liacutenguas e variedads linguiacutesticas
1Site oficial do Retis lt httpwwwretisigeoufrjbr gt Acesso em 23062015
2Site Oficial do Ipol lthttpe-ipolorgpublicacoesgt Acesso em 23062015
16
minoritaacuterias do Brasil e do Mercosul objetivando a manutenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da
diversidade linguumliacutestica braseleira O instituto aleacutem de publicaccedilotildees proacuteprias divulga
inuacutemeros trabalhos que tratam do tema das poliacuteticas lingustiacutecas sendo um important
mecanismo de busca para pesquisa relacionadas agrave educaccedilatildeo e fronteira
internacional divulgando trabalhos como o de Sagaz (2013) e Pereira (2014) que
apresentam em suas dissertaccedilotildees o tema das escolas interculturais biliacutenguumles de
fronteira
As universidades localizadas nas regiotildees de fronteira internacional tem se
constituiacutedo enquanto importantes centros de investigaccedilatildeo sobre educaccedilatildeo e
fronteira a citar a Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute (UNIOESTE) que
possui o programa de poacutes-graduaccedilatildeo strictu sensu em Sociedade Cultura e
Fronteira que conforme as especificaccedilotildees em sua paacutegina oficial3 tem entre outros
objetivos ldquoqualificar profissionais que desenvolvam durante o processo de formaccedilatildeo
capacidades para coordenar estudos e pesquisas transfronteiriccedilos na perspectiva
de ultrapassar as fronteiras geopoliacuteticardquo Nos uacuteltimos anos tambeacutem foram criadas
outras universidades em regiotildees de fronteiriccedilas como a Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFF) criada em 2009 localizada na Mesorregiatildeo Grande Fronteira
Mercosul e a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) criada
em 2010 na cidade de Foz do Iguaccedilu no Paranaacute Dentre outros objetivos estas
instituiccedilotildees buscam o desenvolvimento de pesquisa em regiotildees fronteiriccedilas
contribuindo assim para o crescimento de estudos no campo das poliacuteticas
educacionais em regiatildeo de fronteira internacional
O interesse em tratar do tema da fronteira e poliacuteticas educacionais comeccedilou
em 2011 momento em que saiacute de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais
para chegar agrave cidade de fronteira Foz do Iguaccedilu no Oeste paranaense com o
objetivo de cursar uma segunda graduaccedilatildeo pois sou licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Viccedilosa em Minas gerais e agora bacharel em Ciecircncia
Poliacutetica e Sociologia pela Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana As
duas graduaccedilotildees foram fundamentais para despertar o interesse pela pesquisa e
pelo mestrado interdisciplinar em Sociedade Cultura e Fronteiras o que resultou
nesta dissertaccedilatildeo
3Paacutegina virtual do Mestrado em Sociedade Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paranaacute lt
httpwwwunioestebrpossociedadeeculturagt Acesso em 13082014
17
Quando fiz a graduaccedilatildeo em Pedagogia meu interesse em poliacuteticas
educacionais para a diversidade nasceu em disciplinas de Sociologia da Educaccedilatildeo e
principalmente na disciplina que discutia as relaccedilotildees eacutetnicos e raciais nas escolas e
a formaccedilatildeo do professor A partir das reflexotildees sobre a funccedilatildeo da escola e do
professor em lidar com a diversidade eacutetica e racial em sala de aula meu problema
de pesquisa para a elaboraccedilatildeo do trabalho de conclusatildeo de curso foi de trabalhar a
formaccedilatildeo dos professores para desenvolver o trabalho com a Lei 1063903 que
tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria e da cultura afro-brasileira e africana em todas
as escolas puacuteblicas e particulares Ao teacutermino do curso senti a necessidade de
realizar outra graduaccedilatildeo a fim de me aprofundar melhor no campo da sociologia e
da educaccedilatildeo Conheci o curso da Unila e ingressei no curso de Ciecircncia Poliacutetica e
Sociologia no ano de 2011 O interesse por estudar na referida instituiccedilatildeo era
despertado pela curiosidade em viver em uma cidade de fronteira e pela proposta de
integraccedilatildeo latino-americana que a universidade propotildee
Finalizei a graduaccedilatildeo em Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia e meu objeto de
pesquisa foi as poliacuteticas educacionais no contexto do neoliberalismo a partir dos
anos de 1990 em comparaccedilatildeo com as poliacuteticas educacionais propostas pelos
movimentos sociais Seguindo a proposta de integraccedilatildeo da Unila optei por um
estudo comparado com as propostas oriundas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) no Brasil e dos Movimentos Indiacutegenas na Boliacutevia
Entretanto minhas indagaccedilotildees sobre a vivecircncia de escolas na fronteira natildeo
puderam ser respondidas Durante estes anos em Foz do Iguaccedilu meu olhar sobre
as relaccedilotildees em meio agrave diversidade de etnias e nacionalidades mudou
significativamente e segue em transformaccedilatildeo
Meus primeiros contatos com a populaccedilatildeo e com os meios de comunicaccedilatildeo
local e as imagens que eles tinham sobre o lugar em que moravam logo contrastou
com meu imaginaacuterio sobre o que eacute uma fronteira A violecircncia diaacuteria presente nos
jornais televisivos e impressos fadava a fronteira como o inevitaacutevel caminho para
entrada do traacutefico de drogas e armas A ponte da Amizade que liga a cidade de Foz
do Iguaccedilu agrave Ciudad del Este como o limbo entre o legal e o ilegal A passagem dos
trabalhadores caracterizados como informais era uma constante nos jornais A frase
ldquotinha que ser paraguaiordquo chegou aos meus ouvidos algumas vezes como tambeacutem
as noccedilotildees de que a Ciudad del Este era suja e desorganizada e o paiacutes de um modo
geral atrasado e pobre Tambeacutem eram perceptiacutevel as imagens referentes aos
18
aacuterabes caracterizados como ricos e isolados do restante da populaccedilatildeo aleacutem da
falta de distinccedilatildeo da comunidade aacuterabe pelo paiacutes de origem ou pela divisatildeo religiosa
que haacute entre xiitas e sunitas dentro do islamismo Exemplos como esses me
provocaram Ingenuamente pensava apenas no lado positivo dessa integraccedilatildeo entre
diferentes nacionalidades e etnias mas a vivecircncia na cidade permitiu-me ampliar
essas referecircncias do que era fronteira para outras bdquofronteiras‟ e mais ainda
deslocou minha atenccedilatildeo para as escolas brasileiras que recebem diferentes perfis
de imigrantes o que torna a regiatildeo fronteiriccedila tatildeo peculiar
Meus primeiros questionamentos eram de como a escola recebia esses
alunos estrangeiros como era organizada a documentaccedilatildeo escolar como era
realizado o diagnoacutestico de alunos que haviam comeccedilado seus estudos em seu paiacutes
de origem e como eram as relaccedilotildees professor - aluno aluno-aluno e escola-aluno
Essas primeiras inquietaccedilotildees me levaram a outras como a questatildeo do curriacuteculo
escolar em cidades de fronteira uma vez que haacute uma tendecircncia nos curriacuteculos
oficiais agrave homogeneizaccedilatildeo como ao monolinguismo Outro ponto eacute sobre como a
escola lida natildeo apenas com a questatildeo do idioma mas tambeacutem como ela se
posiciona diante dos conflitos como estigmas negativos relacionados agrave origem dos
alunos que podem se revelar muitas vezes como praacuteticas xenofoacutebicas Na tentativa
de inferiorizar o outro eacute comum escutar brasileiros que tratam os paraguaios como
ldquoxiruacute4rdquo e preguiccediloso natildeo aprende porque ldquoa escola laacute eacute fracardquo Esses comentaacuterios
foram constantes em sala de aula durante o periacuteodo em que lecionei sociologia para
jovens e adultos em um cursinho popular entre os anos de 2011 e 2013 em Foz do
Iguaccedilu Nas ocasiotildees em que se abordava o tema da fronteira a imagem que se
tinha do paraguaio era carregada de valores negativos
Tantas inquietaccedilotildees impossiacuteveis de serem abarcadas em uma mesma
pesquisa pois estudar uma realidade fronteiriccedila exige bdquoolhares demorados‟ para o
objeto em estudo tiveram que ser delimitadas na seguinte proposta pensar as
poliacuteticas educacionais para a diversidade nas escolas de fronteira internacional
nesse caso nas escolas de Foz do Iguaccedilu cidade que faz divisa com a cidade
Argentina de Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este no Paraguai
4O termo xiru eacute de origem guarani Che ldquoeu meurdquo e iru ldquocompanheiro amigordquo que traduzindo para o
portuguecircs significa ldquomeu amigordquo ldquomeu companheirordquo mas para os brasileiros tomou a conotaccedilatildeo de falsificado (TRISTONE 2011)
19
Ao delinear parte do percurso insiro parte de meus valores e visatildeo de mundo
que concordando com Ludke e Andreacute (1986) iratildeo influenciar a maneira como a
pesquisa eacute proposta ldquoem outras palavras os pressupostos que orientam seu
pensamento vatildeo tambeacutem nortear sua abordagem de pesquisardquo (LUDKE ANDREacute
1986 p03)
A justificativa da delimitaccedilatildeo empiacuterica passa pela relaccedilatildeo fronteira entre o
Estado nacional e a escola O espaccedilo escolar eacute visto como um espaccedilo de tensotildees e
contradiccedilotildees em que se manifestam as mais distintas formas de relaccedilotildees sociais
onde o preconceito o racismo a xenofobia e a exclusatildeo ocorrem ao mesmo tempo
em que se ldquocombate essas formas de violecircnciardquo A escola nesta dissertaccedilatildeo natildeo eacute
uma entidade a parte uma maacutequina do Estado Eacute tambeacutem instrumento do Estado
ao mesmo tempo que perpassa pela vida de diferentes sujeitos como os
professores alunos diretores pesquisadores que podem criar condiccedilotildees de
resistecircncia a fim de construiacuterem outros curriacuteculos a margem do Estado e adaptaacute-los
agrave realidade local e natildeo universal
Nesse sentido estudar as poliacuteticas puacuteblicas educacionais a partir da
diversidade nas escolas de fronteira parte da hipoacutetese de que o Estado ao mesmo
tempo em que se faz presente na fronteira a deixa agraves margens quando natildeo
consegue a partir das poliacuteticas educacionais nacionais direcionadas ou natildeo para a
diversidade lidar com as diferenccedilas proacuteprias de uma realidade fronteiriccedila
O objetivo desta dissertaccedilatildeo eacute investigar as poliacuteticas educacionais e as
relaccedilotildees com a diversidade na fronteira A diversidade qual nos referimos reside na
presenccedila de muacuteltiplas nacionalidades e etnias presentes nas escolas e o que essa
presenccedila e suas manifestaccedilotildees a partir das relaccedilotildees entre os diferentes sujeitos
acarretam para a escola Embora os questionamentos desta pesquisa envolva as
escolas o objeto principal da pesquisa satildeo os documentos e as poliacuteticas
educacionais para a diversidade para as escolas situadas em regiatildeo de fronteira
internacional
A fim de desenvolver a hipoacutetese de trabalho o primeiro capiacutetulo aborda o
tema da fronteira Eacute preciso compreender a polissemia e as diferentes abordagens
no acircmbito da pesquisa Albuquerque (2009) apresenta os novos enfoques
socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos que tem dado acesso a pesquisas no
campo das praacuteticas culturais e sociais para aleacutem da visatildeo tradicional de fronteira
poliacutetico-juriacutedica Na concepccedilatildeo de Joseacute de Souza Martins (1997) a fronteira se faz
20
de muitas e diferentes coisas fronteiras espaciais fronteira do pensamento fronteira
da civilizaccedilatildeo etc Conforme essa citaccedilatildeo a concepccedilatildeo de fronteira ultrapassa a
visatildeo tradicional pois para o referido autor fronteira pressupotildee diferentes
significados sejam eles poliacuteticos econocircmicos sociais ou culturais
A partir do enfoque da fronteira enquanto limite juriacutedico e de espaccedilo de
relaccedilotildees sociais busca-se relacionaacute-los partindo do pressuposto de que o
nascimento da fronteira enquanto limite juriacutedico estabelecido para demarcar os
territoacuterios entre os Estado nacionais desencadeou em outros processos no campo
social que devem ser analisados a fim de desmistificar a cristalizaccedilatildeo das fronteiras
como um espaccedilo naturalizado
I Caminhos da pesquisa o percurso metodoloacutegico
Metodologicamente fizemos levantamentos de dados em fontes histoacutericas e
documentais para ldquoinvestigar os acontecimentos processos e instituiccedilotildees do
passadordquo (LAKATOS MARKONI 2003 p106) Compreende-se que para entender
as atuais formas de organizaccedilatildeo social na fronteira eacute fundamental refazer a histoacuteria
dessas instituiccedilotildees e costumes desde sua origem Desse modo foi possiacutevel no
momento da contextualizaccedilatildeo do objeto de estudo perceber quais foram os fatos
que influenciaram sua atual estrutura Assim o primeiro e segundo capiacutetulo centrou-
se principalmente na pesquisa bibliograacutefica que consistiu no levantamento de
dados por meio de livro artigos e perioacutedicos impressos e online
O terceiro capiacutetulo apresenta a anaacutelise das poliacuteticas educacionais Na
primeira parte da investigaccedilatildeo utilizou-se da pesquisa documental que difere da
pesquisa bibliograacutefica pela natureza das fontes de dados que satildeo ricas e estaacuteveis
(GIL 2010) Satildeo considerados documentos ldquoquaisquer materiais escritos que
possam ser usados como fonte de informaccedilatildeo sobre o comportamento humanordquo
(LUDKE ANDREacute 1986 p38)
Os documentos analisados foram a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional (LDB96) os Paracircmetros Curriculares Nacionais (PCN‟S) de 1997 o
curriacuteculo baacutesico para a escola puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute (2007)
produzido por iniciativa da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute (AMOP)
e o Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEEPR)
21
Utilizamos como referencial analiacutetico a abordagem de poliacuteticas puacuteblicas de
Leite e Flexor (2006) e Secchi (2013) para anaacutelise do Programa Escola Intercultural
Biliacutenguumle de Fronteira
As entrevistas semiestruturadas tambeacutem fizeram parte do arcabouccedilo
metodoloacutegico da pesquisa Conforme Ludke e Andreacute (1986) as entrevistas natildeo
estruturadas onde natildeo haacute a determinaccedilatildeo e uma ordem riacutegida de questotildees
permitem com que o entrevistado fale do tema proposto com base nas informaccedilotildees
que ele possui Os benefiacutecios da entrevista sobre outras teacutecnicas ldquoeacute que ela permite
a captaccedilatildeo imediata e corrente da informaccedilatildeo desejada praticamente com qualquer
tipo de informante e sobre os mais variados toacutepicosrdquo (LUDKE ANDREacute 1986 p33-
34)
As entrevistas foram realizadas com duas professoras da escola brasileira
que recebem o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumle de Fronteira Uma das
entrevistadas participa do desenvolvimento do programa desde seu iniacutecio e a outra
professora passou a acompanhar o projeto em 2015 Essa escolha permitiu
conhecer as diferentes fases da inserccedilatildeo do programa na escola O principal
objetivo da entrevista foi o de analisar os impactos do PEIF na praacutetica a partir das
experiecircncias relatadas O PEIF foi a uacutenica poliacutetica analisada a partir de entrevistas
aos atores diretamente envolvidos pois ateacute o momento da redaccedilatildeo desta
dissertaccedilatildeo constatou-se que este programa eacute a uacutenica poliacutetica educacional oficial do
Estado direcionada especificamente para escolas em regiatildeo de fronteira
internacional
II Estrutura da dissertaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo estaacute estruturada em trecircs capiacutetulos juntamente com a
introduccedilatildeo e consideraccedilotildees finais No primeiro capiacutetulo- Eacute preciso falar de escola na
fronteira- buscou-se a revisatildeo de literatura sobre a temaacutetica fronteira Em seguida a
Fronteira o Territoacuterio e Estado-naccedilatildeo satildeo abordados partindo do princiacutepio de que
no processo de consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo o territoacuterio representou o espaccedilo
onde o Estado exerce a sua soberania (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 2004)
A fronteira se insere na condiccedilatildeo de limite poliacutetico fundamental para delimitar o
territoacuterio que por sua vez seraacute o espaccedilo onde o imaginaacuterio da naccedilatildeo eacute construiacutedo
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(ANDERSON 1993) A seccedilatildeo seguinte apresenta os aspectos da cidade fronteiriccedila
de Foz do Iguaccedilu que permite dizer que ela juntamente com Ciudad del Este e
Puerto Iguazuacute conformam uma regiatildeo fortemente interligada em que fatores como
os econocircmicos e sociais afetam as trecircs cidades
A premissa da triacuteplice fronteira enquanto uma regiatildeo conectada eacute observada nos
exemplos apresentados na seccedilatildeo 14 A porosidade do Estado na fronteira Um deles
demonstra a necessidade de se criar accedilotildees conjuntas para resolver questotildees como
a regulamentaccedilatildeo do trabalhador que atravessa de um paiacutes para o outro na busca
por melhores condiccedilotildees de salaacuterio e que ao natildeo possuir os documentos que o
regularize natildeo possui direitos de trabalho garantidos Os dois uacuteltimos toacutepicos deste
mesmo capiacutetulo abordam identidade e as escolas na fronteira respectivamente As
diferenccedilas que tem como um dos marcadores a identidade satildeo evidenciadas nas
escolas que se apresenta neste contexto enquanto reguladora a partir de padrotildees
universalistas construiacutedos sem um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007)
O capiacutetulo II- A Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Foz do Iguaccedilu construtos e
contradiccedilotildees para a consolidaccedilatildeo do Estado-naccedilatildeo concentrou-se no processo de
formaccedilatildeo das escolas no contexto em que a cidade de Foz do Iguaccedilu foi formada
como tambeacutem sua relaccedilatildeo com a fronteira A Colocircnia Militar criada para proteccedilatildeo e
colonizaccedilatildeo do territoacuterio marca o iniacutecio das demandas pela criaccedilatildeo de escolas que
na ausecircncia do poder puacuteblico eram improvisadas pelos setores da sociedade
(EMER 1991) A influecircncia dos paiacuteses vizinhos no iniacutecio do seacuteculo XX eacute evidenciada
em relatoacuterios que explicam que a ausecircncia de escolas eacute um fator preocupante pois
as crianccedilas brasileiras estavam indo estudar na Argentina Essa influecircncia estaacute nos
relatoacuterios do Plano de desenvolvimento integrado (PDI) da deacutecada de 1970 que ao
analisar a escola e os motivos do fracasso escolar culpabiliza os alunos
estrangeiros que natildeo falam o portuguecircs A deacutecada de 1930 e o projeto de
nacionalizaccedilatildeo de Getuacutelio Vargas satildeo abordados para analisar a importacircncia que a
escola tinha para a construccedilatildeo do projeto de naccedilatildeo
O uacuteltimo capiacutetulo Poliacuteticas Puacuteblicas para a educaccedilatildeo na fronteira entre
Argentina Brasil e Paraguai teve como objetivo analisar as poliacuteticas puacuteblicas
educacionais para a diversidade Apoacutes traccedilar a trajetoacuteria das poliacuteticas educacionais
no Brasil verificou-se seu viacutenculo direto com as condiccedilotildees histoacutericas de cada eacutepoca
No Brasil colocircnia as necessidades estavam voltadas para a catequizaccedilatildeo do
indiacutegena e na instruccedilatildeo dos filhos dos proprietaacuterios de terra e da elite colonial como
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um todo (MARCILIO 2005) A chegada da coroa portuguesa em 1808 marca o
periacuteodo das reformas pombalinas Marques de Pombal criou uma seacuterie de cursos
profissionalizantes escolas militares tanto de niacutevel meacutedio como superior
(GHIRALDELLI JR 2001)
As primeiras deacutecadas de 1930 marcam o iniacutecio do predomiacutenio das reformas
educacionais de teor nacionalista Ateacute 1930 a estrutura econocircmica brasileira estava
voltada para o modelo agraacuterio-exportador principalmente no campo da cafeicultura
Com a crise do modelo oligaacuterquico e a entrada de Getuacutelio Vargas no poder um novo
modelo de produccedilatildeo se configura mas a dependecircncia do capital estrangeiro
permanece Eacute o modelo de substituiccedilatildeo de importaccedilotildees iniciado em 1930
caracterizado pela intervenccedilatildeo estatal na economia e no incentivo agrave criaccedilatildeo de
induacutestrias (IANNI 1994)
No campo educacional eacute criado o Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e com
ele importantes poliacuteticas educacionais como a reforma Francisco Campos em 1931
que regulamentou as escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
algumas concepccedilotildees pedagoacutegicas inovadoras (SAVIANI 2008)
O fim do Estado Novo com a nova constituinte proporcionou algumas
mudanccedilas na educaccedilatildeo Em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal foram
regulamentados foi criado o Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC
As principais reformas educacionais aconteceram no governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1960) A construccedilatildeo de Brasiacutelia a abertura ao capital estrangeiro
e o investimento em tecnologia marcaram um periacuteodo em que a naccedilatildeo eacute mobilizada
para superar seu atraso No campo da educaccedilatildeo o programa de metas do governo
priorizou a formaccedilatildeo teacutecnica dos trabalhadores
Na deacutecada de 1950 inicia-se o debate sobre a Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
e sua funccedilatildeo ateacute entatildeo destinada agrave mera transmissatildeo de conteuacutedos Eacute o comeccedilo do
debate em torno da educaccedilatildeo popular que incluiacuteam vaacuterios adeptos educadores
liacutederes comunitaacuterios intelectuais e estudantes de todo o paiacutes A liberdade de
expressatildeo nos primeiros anos da deacutecada de 1960 permitiu que houvesse a criaccedilatildeo
de diversos espaccedilos para promoccedilatildeo das massas e da educaccedilatildeo popular Inspirado
nesse movimento de base o Plano de Nacional Alfabetizaccedilatildeo de 1964 no governo
de Joatildeo Goulart criou o meacutetodo que alfabetizava em 40 horas guiado pelo meacutetodo
de Paulo Freire Contudo com o golpe militar em 1964 o plano mal chegou a ser
implantado (PAIVA 1984)
24
A partir do governo dos militares em termos educacionais presencia-se a
repressatildeo exclusatildeo das camadas populares do ensino profissionalizante e o
desmantelamento da organizaccedilatildeo docente (GHIRALDELLI JR 2001)
A Constituinte de 1988 marca a retomada da participaccedilatildeo de diferentes
grupos organizados da sociedade como os movimentos sociais nas proposiccedilotildees de
poliacuteticas puacuteblicas A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 96 eacute nesse
sentido considerada um grande avanccedilo ao incluir em 2003 e 2008 a Lei 1063903
que torna o ensino de histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira como obrigatoacuterio
no curriacuteculo das escola puacuteblicas e brasileiras Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
com o tema transversal pluralidade cultural tambeacutem satildeo outros dispositivos que
buscam abordar a diversidade eacutetnico-racial nas escolas brasileiras (BRASIL 2003)
Apesar dos avanccedilos das poliacuteticas educacionais para diversidade algumas
anaacutelises apontam para a sua tendecircncia homogeneizadora (ABG 1996) As poliacuteticas
em niacutevel estadual natildeo satildeo muito diferentes dos pressupostos nacionais na medida
em que estatildeo subordinados agrave LDB96 e isso inclui o curriacuteculo baacutesico para a escola
puacuteblica municipal do Oeste do Paranaacute feito pela Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oe
ste do Paranaacute (AMOP)
Dentre as poliacuteticas educacionais estudadas o Programa Escolas
Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira eacute um programa que nasceu com o objetivo de
promover o processo intercultural por meio do ensino biliacutengue nas escolas
pertencentes a regiotildees de fronteira internacional Os primeiros paiacuteses que aderiram
ao programa foram a Argentina e o Brasil mediante acordos assinados dentro do
bloco econocircmico Mercosul por meio do Setor Educacional do Mercosul (SEM)
responsaacutevel por desenvolver as propostas para implementaccedilatildeo de poliacuteticas
educacionais dentre essas a poliacutetica linguiacutestica
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CAPIacuteTULO 1 Eacute PRECISO FALAR DA ESCOLA NA FRONTEIRA
11 Fronteira- Primeiras aproximaccedilotildees
Etimologicamente a palavra fronteira deriva do latim Fron e quer dizer ldquode
frenterdquo Ela foi utilizada pela primeira vez no seacuteculo XIII para estabelecer o limite
temporaacuterio e flutuante que separava dois exeacutercitos de poder no momento de conflito
(FEgraveBVRE 1962 apud SILVA 2008 p8) Foi a partir da formaccedilatildeo e expansatildeo do
Estado-naccedilatildeo que a fronteira passou a ser sinocircnimo de limite de soberania O termo
linha de fronteira por sua vez representa os limites internacionais Tal expressatildeo
acompanhou estreitamente os avanccedilos do pensamento moderno sobre territoacuterio
Hoje assim como inuacutemeras palavras que mudam ou assumem outros
sentidos de acordo com o tempo e espaccedilo a palavra fronteira assume outros
sentidos e significados No dicionaacuterio de liacutengua portuguesa Aureacutelio5 a definiccedilatildeo de
fronteira eacute apresentada enquanto limite ou divisa de um dado territoacuterio No entanto
esta palavra natildeo se resume agrave noccedilatildeo de separaccedilatildeo De acordo com Becker (2007) a
fronteira eacute concebida como parte das relaccedilotildees humanas em suas mais distintas
formas sejam elas econocircmicas poliacuteticas sociais religiosas culturais ou simboacutelicas
Os novos enfoques socioloacutegicos historiograacuteficos e antropoloacutegicos tecircm ampliado as
possibilidades de estudos diferenciados acerca do tema fronteira Um exemplo disto
satildeo as anaacutelises sobre praacuteticas culturais e accedilotildees sociais Para Albuquerque (2010) a
fronteira apresenta-se como um cenaacuterio de relaccedilotildees sociais
As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relaccedilotildees sociais entrelaccediladas com os atuais processos de globalizaccedilatildeo e de redefiniccedilatildeo do papel dos limites entre os Estados nacionais A fronteira eacute geralmente percebida por esses estudiosos como um lugar de passagem de contato e traduccedilatildeo cultural (ALBUQUERQUE 2010 p48)
Nesse sentido a palavra fronteira natildeo eacute neutra ao contraacuterio eacute carregada de
inuacutemeros sentidos como exemplifica Faacutebio Reacutegio Bento ldquopara o contrabandista
fronteira significa afliccedilatildeo para o exilado poliacutetico passar a fronteira significa
libertaccedilatildeordquo (BENTO 2012 p2)
5Ver Dicionaacuterio Aureacutelio Online Disponiacutevel em lthttpwwwdicionariodoaureliocomfronteiragt Acesso
em 01102014
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Na perspectiva durkhiemiana Fronteira eacute definida enquanto um fato social
Em As Regras do Meacutetodo Socioloacutegico (1865) Eacutemile Durkheim busca trata-la como
coisa ou seja algo possiacutevel de ser estudado Sendo coisa social a fronteira eacute
exterior ao indiviacuteduo assim torna-se passiacutevel de ser compreendida e explicada
racionalmente Regina Coeli Machado e Silva (2015) citando Strathern (2014)
aponta entretanto que a ldquofronteira eacute um dos conceitos menos sutis da anaacutelise
socioloacutegica como reificaccedilatildeo de uma abstraccedilatildeo socialrdquo Eacute a partir dessa mesma
abstraccedilatildeo que obtemos efeitos sociais tanto de exclusatildeo e quanto de participaccedilatildeo
social demonstrado as ldquoambiguidades do Estado-Naccedilatildeo brasileiro e das suas
fronteiras geopoliacuteticasrdquo (STRATHERN 2014 apud SILVA 2015 p1)
De maneira geral os estudos referentes agrave fronteira apresentam-se tanto no
sentido Stricto - a noccedilatildeo tradicional onde fronteira eacute a divisa entre estados no
acircmbito nacional ou internacional6 - como tambeacutem no sentido Lato - neste caso as
fronteiras do pensamento sendo elas nocircmades e sociais A respeito deste uacuteltimo
pode-se mencionar o exemplo de uma cidade marcada pela desigualdade social
Nela a fronteira manifesta-se por meio da disposiccedilatildeo das residecircncias estatildeo
dispostas a cidade de Satildeo Paulo demonstra estas fronteiras de um lado
comunidades carentes de outro casas luxuosas7
Imagem 1 - A Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte wwwoiguassucom
6Vide imagem 1
7Vide imagem 2
27
Imagem 2 - Favela Paraisoacutepolis em contraste com o bairro de classe alta Morumbi em Satildeo Paulo capital
Fonte e foto Tuca Vieira- httpwwwtucavieiracombrA-foto-da-favela-de-Paraisopolis
Desse modo nesta dissertaccedilatildeo ao tratarmos a fronteira em seu sentido
geograacutefico estaremos buscando a localizaccedilatildeo no tempo e espaccedilo de onde
estamos falando Quando ampliarmos a noccedilatildeo deste termo para os sentidos poliacutetico
e social estaremos buscando responder a questotildees que dizem respeito agraves
consequecircncias de um processo histoacuterico em que os Estados nacionais mesmo
tendo realizado as demarcaccedilotildees de seus limites natildeo conseguiram impedir que o
mesmo ocorresse entre as populaccedilotildees que transitam em seu interior Eacute o que afirma
Albuquerque (2010) para o qual
A reflexatildeo sobre identidades nacionais e os conflitos sociais nas aacutereas de delimitaccedilotildees dos Estados-Nacionais produzem novas abordagens sobre as fronteiras e desnaturalizam as bdquofronteiras naturais‟ das naccedilotildees (ALBUQUERQUE 2010 p 45)
Em artigo publicado na obra ldquoDilemas e Diaacutelogos Platinos Fronteirasrdquo
Machado (2010) aponta que os estudos entre as fronteiras dos Estados-Nacionais
satildeo uacutenicos No caso do Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 confirmou a delimitaccedilatildeo de
150 km a partir do limite internacional como faixa de fronteira Desse modo natildeo
apenas a cidade que faz divisa com outro paiacutes eacute considerada fronteiriccedila mas
tambeacutem as outras cidades que ficam dentro desta faixa de 150 km
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE 2014)
o Brasil possui uma fronteira mariacutetima de 7367 quilocircmetros e 16886 quilocircmetros de
fronteira terrestre com nove paiacuteses da Ameacuterica do Sul sendo eles Argentina
Boliacutevia Colocircmbia Guiana Peru Suriname Venezuela Paraguai Uruguai e com o
Departamento Ultramarino Francecircs da Guiana conforme observa-se na Figura 3
28
Imagem 3 - Faixa de Fronteira do Brasil com os paiacuteses da regiatildeo
Fonte Jornal Tribuna wwwjornaltribunacombr
Como os dados assinalam a dimensatildeo da fronteira do Brasil com os paiacuteses
da Ameacuterica Latina eacute expressiva e natildeo apenas no sentido de extensatildeo territorial
visto que o contato direto e diaacuterio entre as populaccedilotildees inseridas neste contexto torna
a fronteira expressiva tambeacutem no que se refere agrave dimensatildeo das relaccedilotildees sociais
Desse modo ao estudar as poliacuteticas puacuteblicas no contexto de fronteira
internacional natildeo eacute apenas a conjuntura nacional que estaacute sendo considerada mas
tambeacutem o plano externo -em sentido transnacional - considerando-se os fluxos da
populaccedilatildeo brasileira paraguaia e argentina que circulam de um paiacutes para o outro
Fernand Brauduel (1989) ao abordar as fronteiras afirma que elas
incorporam aleacutem da dimensatildeo espacial tambeacutem a ldquodimensatildeo temporalrdquo (BRAUDEL
1989 apud Heinsfeld 2014 281) Como exemplo o autor cita as divisotildees territoriais
da Ameacuterica colonial feitas por Portugal e Espanha delimitaccedilotildees essas que foram
incorporadas antes mesmo da independecircncia das colocircnias Braudel chama atenccedilatildeo
para este fato afirmando que a histoacuteria tem a tendecircncia de cristalizar as fronteiras
como se fossem ldquoacidentes naturaisrdquo (BRAUDEL 1989 p 147) Albuquerque (2010)
tambeacutem compartilha desse raciociacutenio Segundo este autor haacute uma tendecircncia
disseminada no senso comum em se conceber a fronteira enquanto algo dado
pronto e natural como se natildeo houvesse nenhum conflito de fronteira Para aleacutem
disto a fronteira tambeacutem eacute percebida preconceituosamente pela imprensa e o
imaginaacuterio popular como uma terra de ningueacutem perigosa e violenta ou seja espaccedilo
da ilegalidade e da transgressatildeo
Para Albuquerque estas representaccedilotildees satildeo construiacutedas principalmente a
partir de notiacutecias negativas associadas a conflitos violentos Como exemplo temos a
29
imigraccedilatildeo clandestina dos mexicanos para os Estados Unidos ou a disputa territorial
na faixa de Gaza entre Israel e a Palestina Cabe ressaltar que nesta perspectiva
os Estados nacionais desempenham um papel fundamental na construccedilatildeo destas
concepccedilotildees e noccedilotildees acerca da fronteira satildeo eles que legitimam tais imaginaacuterios
por meio de estrateacutegias de proteccedilatildeo do territoacuterio No caso da fronteira com os
Estados Unidos e Meacutexico a poliacutetica de seguranccedila eacute extremamente violenta natildeo
apenas no sentido fiacutesico por meio da construccedilatildeo de muros com arames farpados e
redes de alta tensatildeo mas por meio de um monitoramento que existe com a
utilizaccedilatildeo de tecnologias de ponta A natildeo obediecircncia aos limites pode levar aqueles
(natildeo apenas mexicanos) que queiram atravessar a fronteira ilegalmente agrave morte
Segundo Kearney (apud MONTIEL 2007) esta representaccedilatildeo dos problemas
fronteiriccedilos tem estado muito presente na imprensa norte-americana e tem resultado
na justificativa e defensiva do que ele denomina de ldquonacionalismo dos brancosrdquo
(KEARNEY 1991 apud MONTIEL 2007 p10) Isto explicaria o atual endurecimento
da poliacutetica do governo estadunidense que resulta natildeo apenas na militarizaccedilatildeo da
mesma mas no polecircmico projeto de construccedilatildeo de um muro ao longo da faixa de
fronteira remetendo ao modelo da ldquocortina de ferrordquo dos paiacuteses europeus no periacuteodo
da Guerra Fria que dividia de um lado os paiacuteses do leste europeu sob a influecircncia
da Uniatildeo Sovieacutetica e de outro os paiacuteses pertencentes agraves zonas de influecircncia dos
Estados Unidos
12 Fronteira e a educaccedilatildeo como construto da naccedilatildeo
Segundo o Dicionaacuterio de Poliacutetica o Estado Moderno tal qual o conhecemos
tem suas origens nas transformaccedilotildees ocorridas ao final da Idade Meacutedia que
resultaram em tratados como a Paz de Vestfaacutelia que simbolizou ldquoo momento em
que se reconhece formalmente de modo geral a soberania absoluta do Estado no
plano internacionalrdquo (BOBBIO MATTEUCIA PASQUINO 1998 p1090) Mas eacute a
definiccedilatildeo de Max Weber sobre o Estado Moderno uma das mais conhecidas Para
ele o Estado faz o uso legiacutetimo da violecircncia numa relaccedilatildeo entre homens que
dominam seus iguais em um determinado territoacuterio
Estado eacute uma relaccedilatildeo de homens dominando homens relaccedilatildeo mantida por meio da violecircncia legiacutetima (isto eacute considerada como
30
legiacutetima) Ele eacute uma comunidade humana que pretende com ecircxito o monopoacutelio do uso legiacutetimo da forccedila fiacutesica dentro de um determinado territoacuterio (WEBER 1998 p98-99)
Destaca-se aqui a questatildeo do territoacuterio uma vez que sua relaccedilatildeo com a
fronteira eacute inerente Logo falar de fronteira fiacutesica em sua definiccedilatildeo claacutessica
pressupotildee que haja um territoacuterio que fora delimitado a partir de tratados acordos ou
mesmo a venda do territoacuterio em disputa O geoacutegrafo Rogeacuterio Haesbaert afirma que o
territoacuterio estaacute mergulhado em
() relaccedilotildees de dominaccedilatildeo eou de apropriaccedilatildeo sociedade-espaccedilo desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominaccedilatildeo poliacutetico-econocircmica mais bdquoconcreta‟ e bdquofuncional‟ agrave apropriaccedilatildeo mais subjetiva eou bdquocultural-simboacutelica (HAESBAERT 2004 p95-96)
O autor chega a esta conclusatildeo apoacutes realizar uma analise histoacuterico-social do termo
quando a palavra territoacuterio surgiu com duas conotaccedilotildees material e simboacutelica ldquopois
etimologicamente aparece tatildeo proacuteximo de terra-territorium quanto de terreo-territor
(terror aterrorizar)rdquo (HAESBAERT 2004 p 2) O autor afirma que as duas
conotaccedilotildees tem a ver com poder natildeo somente no significado tradicional de bdquopoder
poliacutetico‟ ldquoEle diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto de dominaccedilatildeo
quanto ao poder no sentido mais simboacutelico de apropriaccedilatildeordquo (HAESBAERT 2004 p
2)
Portanto todo territoacuterio eacute ao mesmo tempo e obrigatoriamente em diferentes combinaccedilotildees funcional e simboacutelico pois exercemos domiacutenio sobre o espaccedilo tanto para realizar ldquofunccedilotildeesrdquo quanto para produzir bdquosignificados‟ (HAESBART 2004 p67)
Hoje o modelo de Estado territorial eacute definido como aquele que organiza este
territoacuterio que por sua vez eacute delimitado por uma fronteira cuja populaccedilatildeo estaacute unida
pelo sentimento de naccedilatildeo Por naccedilatildeo Benedict Anderson (1993) entende que ldquoseja
uma comunidade imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo
tempo soberanardquo (ANDERSON 1993 p24)
Utilizando a definiccedilatildeo de Anderson para naccedilatildeo tendo em vista que haacute outras
definiccedilotildees para o termo o autor explica que a naccedilatildeo eacute imaginada pois nem todos
aqueles que fazem parte dela se reconhecem ainda que tenham consciecircncia que
haja uma comunhatildeo entre eles Desse modo o sentido de pertenccedila agrave naccedilatildeo existe
somente quando os sujeitos partilham de certo imaginaacuterio social mesmo que natildeo se
conheccedilam mutuamente Entretanto esta imaginaccedilatildeo eacute limitada uma vez que seu
31
campo de abrangecircncia eacute limitado Eacute soberano assim o anseio de qualquer naccedilatildeo
ser livre da subordinaccedilatildeo de outros poderes8ou de outras naccedilotildees
Por fim a naccedilatildeo eacute imaginada como uma comunidade tendo em vista que
independentemente das desigualdades que existam entre as pessoas - sociais
poliacuteticas ou econocircmicas - o senso de companheirismo extrapola as diferenccedilas
sociais que haacute entre elas Para Anderson eacute este sentimento de unicidade que fez
com que tantas pessoas morressem em nome da defesa da naccedilatildeo nos uacuteltimos
seacuteculos
A fim de explicar como se deu este processo de construccedilatildeo da naccedilatildeo nos
paiacuteses europeus Benedict Anderson menciona os jornais impressos que quando
popularizados tornaram-se um dos meios mais eficazes de inculcar valores na
sociedade servindo entatildeo de instrumento para a construccedilatildeo de uma naccedilatildeo Se
partirmos da afirmaccedilatildeo de Durkheim segundo a qual a educaccedilatildeo tem como funccedilatildeo
coletiva adaptar a crianccedila ao meio social faz-se necessaacuterio para isto que se
estabeleccedila entre a sociedade e a escola uma ldquocomunhatildeo de ideias e sentimentos
suficientes entre os cidadatildeos comunhatildeo sem a qual qualquer sociedade eacute
impossiacutevelrdquo (DURKHIEM 2011 p63) podemos perceber como a escola e o modo
com que o Estado designa o que deve ou natildeo conter como base comum a todo
curriacuteculo nacional torna a educaccedilatildeo escolar um mecanismo de constructo da naccedilatildeo
seguindo portanto a mesma premissa de Anderson
Na cidade fronteiriccedila durante o periacuteodo de instalaccedilatildeo e funcionamento da
Colocircnia Militar da Foz de Iguaccedilu entre 1889 e 1912 jaacute havia uma preocupaccedilatildeo com
o fato de as crianccedilas brasileiras estudarem na Argentina Afinal estavam
assimilando a cultura e os valores nacionais do paiacutes vizinho o que ameaccedilava o
territoacuterio Mais tarde na Era Vargas o projeto nacionalista de unificar o paiacutes passou
pela educaccedilatildeo Neste periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais que tinham entre outros
objetivos
() homogeneizar a populaccedilatildeo dando a cada nova geraccedilatildeo o instrumento do idioma os rudimentos da geografia e da histoacuteria paacutetria os elementos da arte popular e do folclore as bases da formaccedilatildeo ciacutevica e moral a feiccedilatildeo dos sentimentos e ideias coletivos em que afinal o senso de unidade e de comunhatildeo nacional repousam
8Eacute tambeacutem imaginada como soberana porque nasceu numa eacutepoca em que o Iluminismo e a
Revoluccedilatildeo destruiacuteram a legitimidade do domiacutenio dinaacutestico e ordenado por Deus (ANDERSON 1993)
32
(PALMEIRA 1943 apud SCHWARTZMAN BOMENY COSTA 2000 p 93)
Diante das estrateacutegias que o Estado Moderno desenvolveu para construir a
ideia de naccedilatildeo a proacutepria fronteira poliacutetica requer quase sempre a justificaccedilatildeo
ideoloacutegica da comunidade nacional Fora preciso estabelecer na fronteira natildeo
apenas a delimitaccedilatildeo em termos juriacutedicos e fiacutesicos mas tambeacutem no social a partir
da separaccedilatildeo entre o ldquonoacutesrdquo e os ldquooutrosrdquo
A preocupaccedilatildeo com a construccedilatildeo de um senso de unidade e de comunhatildeo
nacional pela educaccedilatildeo escolar portanto acompanhou a histoacuteria de Foz do Iguaccedilu
Pois eacute importante descrever na proacutexima seccedilatildeo como ela aparece retomando como
ideacuteia a fronteira na histoacuteria da cidade
13 Reatualizaccedilatildeo de naccedilatildeo por deslizamentos em seus limites fronteiriccedilos
A cidade de Foz do Iguaccedilu eacute reconhecida por ser uma importante cidade
turiacutestica Nela encontram-se uma das ldquosete maravilhas da naturezardquo as Cataratas do
Iguaccedilu e a maior usina geradora de energia do mundo9 a hidreleacutetrica Itaipu
Binacional Por fazer fronteira com o Paraguai a cidade brasileira torna-se ainda
mais atrativa devido ao comeacutercio com Ciudad del Este Os meios de comunicaccedilatildeo
que costumam divulgar os atrativos turiacutesticos de Foz do Iguaccedilu exaltam o fato da
cidade possuir diferentes etnias e nacionalidades convivendo em um mesmo
territoacuterio Na ocasiatildeo do centenaacuterio da cidade foi composta a muacutesica bdquoIsso eacute Foz do
Iguaccedilu‟ que evidecircncia esse bdquoolhar‟ multicultural
Cidade de todas as raccedilas Que aceita o negro que aceita o branco
Iacutendio cafuzo amarelo e mamelucoCidade cosmopolitaTem brasileiro tem
argentinoAacuterabe chinecircs paraguaio e palestino Isso eacute Foz do IguaccediluDa
triacuteplice fronteira do sul Onde o ceacuteu eacute mais que azulTerra das cataratas do
Iguaccedilu (COPETTI 2014)
Nos versos verifica-se que uma das principais caracteriacutesticas atribuiacutedas agrave
cidade eacute ser multicultural com diferentes nacionalidades e etnias convivendo
pacificamente neste territoacuterio rico por suas belezas naturais No entanto existe
tambeacutem uma narrativa que caracteriza a cidade como perigosa marginal rota para
9 Dados obtidos no site oficial da Usina Hidreleacutetrica de Itaipu Binacional Disponiacutevel em
lthttpswwwitaipugovbrgt Acesso em 12122015
33
o grande traacutefico de armas e drogas espaccedilo de corrupccedilatildeo e lavagem de dinheiro
representada principalmente pela imprensa argentina de Puerto Iguazuacute e de Foz do
Iguaccedilu (ALBUQUERQUE 2010) conforme os enunciados abaixo sugerem
-PF10 estoura quadrilha que envolvia empresas-fantasmas de Foz do Iguaccedilu e traficantes do Paraguai Operaccedilatildeo Sustenido desmantelou organizaccedilatildeo criminosa suspeita de movimentar R$ 300 milhotildees (PORTAL R7 22052015)
-Contrabando ldquoempregardquo 15 mil em Foz do Iguaccedilu (GAZETA DO POVO 03032015) -Policia Federal apreende cigarros contrabandeados e um veiacuteculo (JT TRIBUNA 29012016)
Na perspectiva de Lorenzo Macagno (2011) esta visatildeo tatildeo dicotocircmica e
oposta ldquose produz e se reproduz justamente num espaccedilo peculiar e contraditoacuterio
Ali nos confins da naccedilatildeo nos espaccedilos liminares e de tracircnsito eacute onde esta conciliaccedilatildeo parece impor a necessidade de uma perpeacutetua reatualizaccedilatildeo de si mesma Sob este aparente paradoxo reside uma tensatildeo iminente entre o bdquonacional‟ e o transnacional (MACAGNO 2011 p25)
Para conhecer a dinacircmica de Foz do Iguaccedilu enquanto cidade de fronteira eacute
preciso primeiramente localizaacute-la no contexto da Triacuteplice Fronteira que recebeu
essa denominaccedilatildeo a partir de 1992 momento em que se levantavam suspeitas da
presenccedila de terroristas islacircmicos na regiatildeo A partir de 1996 o termo foi oficialmente
adotado pelo governo dos trecircs paiacuteses Utilizo-me da tese de Fernando Lima (2011)
o qual defende e argumenta que esta Triacuteplice Fronteira pode ser considerada uma
regiatildeo por possuir caracteriacutesticas proacuteprias diferente assim de outras regiotildees do
estado do Paranaacute e do sul do Brasil (LIMA 2011)
Ao tratar da origem do termo Triacuteplice Fronteira Rabossi (2004) aponta que
antes dos anos de 1990 para se referir agrave regiatildeo em seu conjunto se falava zona
regiatildeo ou trecircs fronteiras Em alguns jornais do final dos anos de 1980 o termo
bdquotriacuteplice fronteira‟ aparece para nomear a regiatildeo entretanto esse uso era geneacuterico
nunca substantivo proacuteprio Para exemplificar a constataccedilatildeo da dificuldade que era
pensar os paiacuteses fronteiriccedilos enquanto uma unidade Rabossi (2004) cita o trecho
texto do jornalista Bojunga de 1978 que diz
10
PF - abreviaccedilatildeo para Poliacutecia Federal
34
Em IguaccediluIguazuPuerto Presidente Strossneressa atividade [o contrabando] atinge caracteriacutesticas delirantes Nesse ponto em que as fronteiras da Argentina do Brasil e do Paraguai se encontram nada se perde tudo se trafica (BOJUNGA 1978 p 202 apud RABOSSI 2004 p 24)
A apariccedilatildeo do substantivo proacuteprio bdquoTriacuteplice Fronteira‟ surge a partir das
suspeitas de que havia terroristas islacircmicos na regiatildeo apoacutes os atentados na
embaixada de Israel na capital argentina Buenos Aires em 1992 Esta suspeita
aumentou apoacutes o atentado agrave Asociaciacuteon de Mutuales Israelitas Argentinas [AMIA]
em 1994 (RABOSSI 2004) Deste modo o termo Triacuteplice Fronteira surge
relacionado agraves questotildees de seguranccedila que envolve os trecircs paiacuteses ldquoEssa
denominaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de uma aacuterea singular e participa de sua
criaccedilatildeo a partir de uma praacutetica de nominaccedilatildeo que possibilita a emergecircncia
conceitual de um lugar onde estatildeo relacionadas agraves trecircs cidadesrdquo (RABOSSI 2004
p24) Rabossi (2004) considera a Triacuteplice Fronteira uma regiatildeo singular como Lima
(2011) afirma que Foz do Iguaccedilu possui caracteriacutesticas distintas das demais cidades
brasileiras cuja distinccedilatildeo se daacute por essa localizaccedilatildeo
Lima fala da integraccedilatildeo comercial seja por meio do turismo como a visitaccedilatildeo
agraves cataratas no Brasil e na Argentina seja por meio das compras em Ciudad del
Este que tornam a situaccedilatildeo econocircmica das cidades dependentes uma das outras O
autor chama atenccedilatildeo para a relaccedilatildeo entre as cidades de Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este Ele chega agrave conclusatildeo de que a relaccedilatildeo de trabalho entre brasileiros e
paraguaios natildeo se reduz agrave prestaccedilatildeo de serviccedilos aos sacoleiros que pagam aos
paraguaios para atravessarem a ponte com a mercadoria que excede a cota
permitida ldquoTrata-se de uma verdadeira extensatildeo do mercado de trabalho de Foz do
Iguaccedilurdquo (LIMA 2011 p142)
Lima aponta que embora a Itaipu seja de suma importacircncia econocircmica para
o Brasil e o Paraguai a hidreleacutetrica eacute uma ldquoinduacutestria deslocalizadardquo (LIMA 2011 p
143) Isto significa que o que ela movimenta em termos econocircmicos fica longe da
cidade Os benefiacutecios para a cidade se encontram nos pagamentos de royalties e
nos salaacuterios dos trabalhadores que por sua vez eacute um grupo relativamente pequeno
o que ldquoimpede que se forme uma massa salarial grande o suficiente para gerar uma
dinacircmica endoacutegena de crescimentordquo (LIMA 2011 p142) Ateacute mesmo o expressivo
nuacutemero de funcionaacuterios puacuteblicos existente em Foz do Iguaccedilu em decorrecircncia da
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Aduana e da Poliacutecia Federal natildeo eacute capaz de juntamente com a Itaipu estimular o
mercado de serviccedilos local Uma das maiores movimentaccedilotildees econocircmicas da cidade
encontra-se no turismo motivado pelas Cataratas do Iguaccedilu No entanto esta aacuterea
apresenta inuacutemeras fragilidades sobretudo no que diz respeito agraves flutuaccedilotildees do
cacircmbio brasileiro e argentino aleacutem da questatildeo sazonal e a proacutepria dinacircmica do
mercado que gera a competiccedilatildeo com outros destinos turiacutesticos Com estas
caracteriacutesticas Fernando Lima afirma que tanto no acircmbito econocircmico como no
social Foz do Iguaccedilu articula-se aos fatos econocircmicos da fronteira conformando
uma economia regional Neste sentido o autor sugere a formulaccedilatildeo de poliacuteticas
puacuteblicas que possam oferecer maior liberdade ao comeacutercio da regiatildeo em relaccedilatildeo agraves
poliacuteticas nacionais
Devido agrave falta desse tipo de poliacutetica de fronteira que Machado (2010) afirma
que tem sido difiacutecil para os Estados-Nacionais lidarem com a real ldquofluidez dos
agrupamentos humanosrdquo e mais ainda com o ajustamento de redes poliacuteticas
identitaacuterias econocircmicas e sociais superpostas aos limites dos estados territoriais
(MACHADO 2010 p71) Torna-se necessaacuterio avanccedilar na concepccedilatildeo de Estado
para aleacutem da esfera juriacutedica e poliacutetica para compreender que a fronteira eacute um
espaccedilo permeado por vidas e com relaccedilotildees que ultrapassam os seus limites
territoriais A Triacuteplice Fronteira ldquoeacute o espaccedilo de trocas culturais onde o local e o
internacional se articulam estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas especiacuteficasrdquo
(MULLER 2005 p03)
Cury e Fraga (2013) consideram que a especificidade da Triacuteplice Fronteira
manifesta-se a partir das experiecircncias que se realizam nos espaccedilos e unem povos
e culturas distintas sociedades que apresentam princiacutepios sociais de forma
integrada na sua diversidade ldquosem que se dispense o fato de que os brasileiros satildeo
brasileiros paraguaios satildeo paraguaios e argentinos satildeo argentinosrdquo (CURY e
FRAGA 2013 p 52)
Estes fluxos intensos fazem com que haja encontros e desencontros De um
lado as trocas interculturais a sociabilidade e a relaccedilatildeo amistosa de outro e ao
mesmo tempo as tensotildees de ordem cultural
A vida na fronteira passa constantemente pela afirmaccedilatildeo do eu e consequumlentemente pelo reconhecimento do outro Os de laacute e os de
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caacute constroem a relaccedilatildeo estruturam o espaccedilo como sendo de ambos (MULLER 200311)
Neste sentido ocorre uma reatualizaccedilatildeo da naccedilatildeo na fronteira pois eacute um
espaccedilo que ao mesmo tempo une e separa nas palavras de Clemente de Souza
(2009 p106) ldquoSatildeo espaccedilos nos quais o local e o internacional se articula
estabelecendo viacutenculos e dinacircmicas proacuteprias construiacutedas e reforccediladas pelos povos
fronteiriccedilosrdquo Para Souza (2009) as identidades e as culturas nacionais de cada um
dos paiacuteses fronteiriccedilos satildeo construiacutedas e reelaboradas por meio da interaccedilatildeo entre a
populaccedilatildeo desta regiatildeo assim acabam por constituir ldquooutra cultura e identidade
diferenciada capaz de recriar um novo lugar com aspectos regionaisrdquo (SOUZA
2009 p106)
14 A porosidade do Estado sob a forma de poliacuteticas puacuteblicas
Natildeo eacute apenas a educaccedilatildeo um tema delicado ao se abordar poliacuteticas puacuteblicas
para a fronteira Os exemplos das pesquisas tratadas nessa seccedilatildeo demonstram que
a particularidade da fronteira faz com que as poliacuteticas nacionais para o trabalho e a
sauacutede natildeo alcancem todos na fronteira
Na regiatildeo da Triacuteplice Fronteira a relaccedilatildeo que se estabelece principalmente entre
o Brasil e o Paraguai chama a atenccedilatildeo por seus laccedilos comerciais que fazem com
que o fluxo de pessoas seja intenso nos dois lados da fronteira Eacute comum a
premissa um morador passar o dia de trabalho em paiacutes vizinho onde sua renda eacute
obtida e viver parte do tempo em seu paiacutes de origem Eacute o caso dos trabalhadores
que satildeo contratados para atravessar mercadorias de Ciudad del Este para Foz do
Iguaccedilu de brasileiros que possuem alguma atividade comercial na Argentina ou
Paraguai ou das trabalhadoras domeacutesticas conhecidas como diaristas De modo
direto ou indireto satildeo trabalhadores (as) que contribuem com a economia da regiatildeo
fronteiriccedila mas que do ponto de vista dos direitos trabalhistas eacute um grupo que
acaba ficando agrave margem desses direitos por diferentes justificativas No caso das
11 Documento eletrocircnico sem paginaccedilatildeo MULLER K M O estudo Miacutedia e fronteira jornais locais em Uruguaiana-Libres e Livramento-Rivera Tese de doutorado defendida na Universidade do Vale dos
Sinos Satildeo Leopoldo fev 2003
17112015
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diaristas paraguaias dada sua situaccedilatildeo de imigrantes encontram dificuldades para
a comprovaccedilatildeo de documentos necessaacuterios para exercer tal atividade no paiacutes Com
isso acabam na informalidade abrindo brechas para a desvalorizaccedilatildeo de seus
salaacuterios podendo ateacute mesmo virem a trabalhar sob condiccedilotildees insalubres e
exaustivas O delegado da Poliacutecia Federal Rodrigo Perin em uma reportagem
concedida ao site G1 fez a seguinte observaccedilatildeo sobre essa situaccedilatildeo
Na realidade se a pessoa estiver regularizada em territoacuterio nacional e estiver apta para trabalhar como ela vai ter todos os direitos trabalhistas ela natildeo vai poder receber um salaacuterio menor do que o piso fixado para aquela categoria bdquoA partir do momento que ela se encontra em situaccedilatildeo irregular ela vai receber um salaacuterio muito iacutenfimo agraves vezes varia de R$ 150 a R$ 200‟ afirmou o delegado A pessoa que contratar uma empregada domeacutestica ilegal pode ser multado em R$ 2500 Aleacutem disso o patratildeo pode responder criminalmente por manter o trabalhador em condiccedilatildeo similar a de escravo A empregada pode ser deportada para o paiacutes de origem (PORTAL DE NOTIacuteCIAS G1 2011)
Como exemplo de uma possiacutevel soluccedilatildeo ao problema da informalidade o
Ministeacuterio Puacuteblico de Foz do Iguaccedilu apoacutes receber denuacutencias acerca das
trabalhadoras domeacutesticas em regime irregular de trabalho passou a notificar os
siacutendicos de condomiacutenios da cidade a prestar contas sobre o nuacutemero de funcionaacuterios
(as) e empregados(as) contratados pelos moradores Entretanto os proacuteprios
trabalhadores temendo a demissatildeo optaram por seguirem na informalidade Tal
medida explica Hofling (2001) ldquofoi puramente repressiva e unilateral por parte do
governo brasileiro sem planejamento ou conexatildeo com outras poliacuteticas integradas
com os paiacuteses vizinhosrdquo (HOFLING 2001 p 177)
No que confere agrave questatildeo entre o legal e o ilegal este uacuteltimo eacute tatildeo
frequumlentemente associado agrave fronteira que quase vira seu sinocircnimo Esta noccedilatildeo fora
criticada por Rabossi (2011) o qual considera que o modelo de ordem e de lei
vigente natildeo se aplica para pensar ldquoo funcionamento efetivo da lei nem as atividades
que se desenvolvem naquele espaccedilordquo (RABOSSI 2011 p64) Segundo Silva (2015)
a vida dessas pessoas que vivem na ilegalidade equivaleria ao que ela denomina
de ldquoprotocidadania em direccedilatildeo inversa ou a uma forma de vida ambiacutegua e
paradoxal diante do Estado-Naccedilatildeordquo Para a autora haacute uma cidadania que eacute rompida
em sua continuidade entre o nascimento e a nacionalidade onde o sujeito encontra-
se dentro e fora da lei imersos em uma bdquozona de inderteminaccedilatildeo‟ (SILVA 2015
p3)
38
Quanto agrave questatildeo da violecircncia do traacutefico de drogas da exploraccedilatildeo sexual do
trabalho infantil que satildeo intensas na regiatildeo Rosana Pinheiro Machado (2011) em
seu artigo ldquoCaminhos do descaminho Etnografia da fiscalizaccedilatildeo na Ponte da
Amizade e seus efeitos no cotidiano da Triacuteplice Fronteira aponta que apenas ldquouma
fiscalizaccedilatildeo unilateral sem amparo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo parece extinguir tais
problemas mas apenas deslocaacute-losrdquo (MACHADO 2011 p145)
Quando se trata de poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficas para a regiatildeo de fronteira
internacional o tema da seguranccedila e defesa nacional aparecem como destaque no
processo de elaboraccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Albuquerque explica que a
ldquofronteira geralmente eacute uma zona onde as forccedilas repressoras e fiscalizadoras do
Estado tecircm dificuldade em exercer o monopoacutelio das armas e das leisrdquo
(ALBUQUERQUE 2005 p67) Essa suposta ausecircncia de controle acaba
legitimando a imagem de que a fronteira eacute uma terra de ningueacutem
O mesmo autor explica que a triacuteplice fronteira a partir de meados da deacutecada
de 1990 passou a ser representada principalmente pela imprensa brasileira e
argentina juntamente com os organismos oficiais de inteligecircncia dos Estados
Unidos como um local de traacutefico de armas e drogas de lavagem de dinheiro dentre
outros sendo portanto caracterizada como ldquosantuaacuterio da corrupccedilatildeo impunidade e
delinquumlecircnciardquo (ALBUQUERQUE 2010 p39)
Seja pelas imagens incansaacuteveis divulgadas pelos meios de comunicaccedilatildeo de
que a fronteira requer maior atenccedilatildeo no quesito seguranccedila ou pelas pressotildees
internacionais ou mesmo pelo interesse do Estado em querer legitimar o uso da
forccedila na regiatildeo demonstrando sua soberania perante os paiacuteses vizinhos a
seguranccedila na fronteira eacute o tema mais visiacutevel no sentido de poliacutetica puacuteblica
Certamente a securitizaccedilatildeo processo pelo qual a seguranccedila puacuteblica torna-se o argumento central nas relaccedilotildees entre sociedade e Estado (Gruszczac 2010) marca a gestatildeo estatal das fronteiras no globo com ecircnfases e significados ligados agrave seguranccedila puacuteblica nacional e internacional (Machado Novaes Monteiro 2009 Dorfman Franccedila 2013) O governo brasileiro mobiliza suas instituiccedilotildees como decorrecircncia dos processos securitizatoacuterios poacutes 11-S mas tambeacutem o faz dentro de um projeto maior e mais antigo de construccedilatildeo do Brasil potecircncia (FRANCcedilA DORFMAN 2014 p11)
Um exemplo desses projetos eacute o receacutem criado Sistema Integrado de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON) um conjunto de sistemas integrados do
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exeacutercito brasileiro para o monitoramento e controle das fronteiras terrestres
Segundo o site oficial do SISFRON trata-se de um dos maiores projetos de
seguranccedila e defesa em execuccedilatildeo do mundo De acordo com o Ministeacuterio da Defesa
seu propoacutesito eacute ldquofortalecer a presenccedila e a capacidade de accedilatildeo do Estado na faixa de
fronteira terrestre contribuindo para a maior efetividade no combate aos delitos
transfronteiriccedilos e praticados na faixa de fronteirardquo (BRASIL 2014 p1) Dorfman e
Franccedila (2014) citam outros programas como o Plano Estrateacutegico de Fronteiras em
2011 promovido pelo Ministeacuterio da Justiccedila
Estes e outros programas nacionais de proteccedilatildeo ao territoacuterio representam a
materializaccedilatildeo da claacutessica definiccedilatildeo de Estado o exerciacutecio do uso legiacutetimo da forccedila
tendo como pano de fundo dessa legitimidade o consenso da populaccedilatildeo que em
tese aceita em troca da proteccedilatildeo do Estado (WEBER 1998)
Aleacutem da seguranccedila a sauacutede eacute um setor delicado em regiatildeo de fronteira que
ao contraacuterio das poliacuteticas para seguranccedila da fronteira natildeo recebe recursos
diferenciados das demais regiotildees do paiacutes
Relatoacuterios do ldquoEstudo da Rede de Serviccedilos de Sauacutede na Regiatildeo de
Fronteirardquo referentes a 2001 e 2002 produzidos para a Organizaccedilatildeo Mundial da
Sauacutede (OMS) ao estudar a situaccedilatildeo da sauacutede puacuteblica nas cidades de Puerto
Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad Del Este verificaram a existecircncia de uma
dificuldade no processo de contabilizaccedilatildeo da populaccedilatildeo que necessita de
atendimento pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) haja vista que parte dessa
populaccedilatildeo eacute flutuante Deste modo os repasses de verba para o SUS acabam natildeo
abarcando a realidade total da populaccedilatildeo atendida
Neste estudo as informaccedilotildees indicaram ainda que a maior transferecircncia de
atenccedilatildeo existe entre Ciudad Del Este e Foz do Iguaccedilu Este fenocircmeno pode ser
explicado basicamente pela acessibilidade geograacutefica somadas agraves condiccedilotildees
sociais e comerciais manifestado no tracircnsito entre Ciudad del Este e Foz do Iguaccedilu
Nesse sentido Luis Astorga (2004) responsaacutevel pelo estudo da sauacutede nas trecircs
cidades completa
A atenccedilatildeo que os cidadatildeos do Paraguai solicitam em Foz equivale a algo entre 5 e 55 dos serviccedilos produzidos em Cidade do Leste sendo o Atenccedilatildeo Primaacuteria e de Especialidade os mais procurados pela populaccedilatildeo paraguaia Os serviccedilos mais demandados pela populaccedilatildeo paraguaia satildeo aqueles onde haacute maior diferenccedila entre Cidade do Leste e Foz que satildeo precisamente os serviccedilos
40
ambulatoriais de especialidade Segundo os estudos de Foz aparentemente o maior fluxo de paraguaios concentra-se nos centros de sauacutede proacuteximos ao rio e agrave ponte dado que a populaccedilatildeo pode se deslocar a peacute desde Ciudad del Este (ASTORGA etal 2004 p88)
Cabe aqui a ressalva de que em regiotildees de fronteira internacional assim
como em outras regiotildees do paiacutes o problema da sauacutede eacute resultado de uma
conjuntura de fatores sendo que os mais citados para justificar a ineficiecircncia do
sistema eacute a falta de recursos humanos especializados as distacircncias entre os
municiacutepios e os grandes centros de referecircncia e a insuficiecircncia de equipamentos
para realizaccedilatildeo de tratamentos e procedimentos de meacutedia e alta complexidade
(GADELHA 2007 p216)
Na tentativa de amenizar essa situaccedilatildeo nas cidades de fronteira tendo o
MERCOSUL como propositor dessa poliacutetica criou-se o Sistema Integrado de Sauacutede
do Mercosul (SIS-MERCOSUL) Instituiacutedo em julho de 2005 e lanccedilado em
novembro do mesmo ano na cidade de Uruguaiana ndash RS ndash por meio do ministeacuterio
da sauacutede e dos Estados-membros do Mercosul seu objetivo eacute criar uma agenda
com propostas de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica entre os paiacuteses do referido bloco e garantir
o atendimento para a populaccedilatildeo da regiatildeo por meio de estrateacutegias que melhorassem
a sauacutede local dos paiacuteses envolvidos
Costa e Gadelha (2007) explicam que ldquoa ideacuteia eacute iniciar uma poliacutetica de
incentivo agrave gestatildeo a partir do repasse de recursos financeiros para os municiacutepios de
fronteirardquo (COSTA e GADELHA 2007 p218) Estas municipalidades por outra via
devem participar ativamente da elaboraccedilatildeo de um diagnoacutestico da realidade da sauacutede
local e realizar o cadastro da populaccedilatildeo no cartatildeo do SUS A complexidade do
diagnoacutestico reside no fato de que momento em que o Estado natildeo considera como
usuaacuterios do sistema uacutenico cidadatildeos advindos dos paiacuteses vizinhos Neste caso eacute
fundamental que haja investimento integrado com os demais paiacuteses
Alguns avanccedilos tecircm sido alcanccedilados no tocante agrave elaboraccedilatildeo de diagnoacutesticos de sauacutede para municiacutepios da linha de fronteira mas ainda natildeo se consegue verificar o relacionamento deste diagnoacutestico da infra-estrutura instalada e real utilizaccedilatildeo do sistema por parte da populaccedilatildeo flutuante que o utiliza Para reverter essa situaccedilatildeo muito haacute que se avanccedilar na coordenaccedilatildeo de poliacuteticas de fronteiras no Brasil assim como em sua articulaccedilatildeo com as dos paiacuteses vizinhos (COSTA CADELHA 2007 p217)
41
Como podemos observar nos dados apresentados autores que tratam das
poliacuteticas puacuteblicas direcionadas para regiotildees fronteiriccedilas insistem em uma melhor
articulaccedilatildeo e cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses com poliacuteticas para a fronteira de modo
que estas possam ser executadas com sucesso
15 O contexto escolar vivido entre fronteiras a escola como reguladora do
Estado
Albuquerque (2010) apresenta alguns trabalhos histoacutericos e antropoloacutegicos
acerca do Estado e dos agentes locais fronteiriccedilos ldquonas redefiniccedilotildees das identidades
nacionais regionais e locaisrdquo (ALBUQUERQUE 2010 p 46) Dentre estes estudos
o autor descreve aqueles referentes agrave fronteira dos Estados Unidos com o Meacutexico
em que a loacutegica de um hibridismo cultural de uma integraccedilatildeo cultural na fronteira
entre os dois paiacuteses eacute questionada Disto decorre o fortalecimento das identidades
nacionais Inspirados pelos estudos referentes agraves fronteiras entre os paiacuteses
Europeus e Meacutexico e Estados Unidos Albuquerque aponta que os antropoacutelogos do
cone sul em destaque os argentinos tecircm realizado inuacutemeras etnografias nas
fronteiras entres os paiacuteses da Ameacuterica do Sul
O que haacute de comum eacute a tentativa de pensar a tensatildeo entre naccedilatildeo e processos de integraccedilatildeo supranacionais e as maneiras como as identidades nacionais se fortalecem nestes espaccedilos de fronteiras apesar do visiacutevel hibridismo de liacutenguas e outras expressotildees culturais (GRIMSON 2003 KARASIK 2000 VIDAL 2000 apud ALBUQUERQUE 2010 p 27)
A complexidade das relaccedilotildees sociais existentes na fronteira nos permite dizer
que seria leviano rotular as pessoas que nelas transitam Conforme Laclau
(1996)ldquonatildeo se pode afirmar uma identidade diferencial sem distingui-la de um
contexto e no processo de fazer a distinccedilatildeo afirma-se o contexto simultaneamenterdquo
(LACLAU 1996 apud HALL 2003 p 85) No contexto da fronteira nos deparamos
com um sujeito que possui sua identidade nacional negociada o tempo todo atraveacutes
do encontro com os ldquooutrosrdquo
Em Foz do Iguaccedilu como mencionado eacute comum a presenccedila de outras etnias
e nacionalidades que buscam preservar seus costume e tradiccedilotildees mas ao entrar em
contato com outros costumes e valores acabam por adquirir parte de seus haacutebitos
Machado (2006) aponta que uma vez que a identidade sendo cultural e portanto
42
social e historicamente construiacuteda ela pode ser reconstruiacuteda ou reinventada
conforme as circunstancias temporais e espaciais (MACHADO 2006 p 93)
Figueiredo (2005) afirma que a questatildeo da identidade vai para aleacutem da construccedilatildeo
para a negociaccedilatildeo
Se anteriormente as identidades apareciam como construccedilotildees ainda que percebidas como processos simboacutelicos hoje em dia aleacutem dessa noccedilatildeo pode-se pensar e discutir a identidade como negociaccedilatildeo tanto como nas fronteiras culturais como nas linguumliacutesticas e territoriais (FIGUEIREDO 2005 p546)
Deste modo estes encontros relaccedilotildees e negociaccedilotildees entre diferentes
costumes haacutebitos liacutenguas se fazem presentes em Foz do Iguaccedilu e tambeacutem se
manifestam em diferentes espaccedilos como o escolar A escola eacute considerada um
espaccedilo plural principalmente com a globalizaccedilatildeo que provocou dentre outras
mudanccedilas ldquoum redimensionamento de grupos e movimentos migratoacuteriosrdquo (VIERA
2010 p10) Grandes metroacutepoles como Satildeo Paulo possui um grande nuacutemero de
estrangeiros Em reportagem feita para o Jornal bdquoO Estado de Satildeo Paulo‟ a
jornalista Isabela Palhares foi agrave uma escola na capital paulista Os dados fornecidos
pela direccedilatildeo da escola indica que ela possui mais de 55 de alunos estrangeiros
Trata-se da Escola Estadual Marechal Deodoro no Bom Retiro regiatildeo central de
Satildeo Paulo Dos 772 estudantes matriculados 55 satildeo de outro paiacutes ou satildeo filhos
de pais que vieram recentemente para o Brasil ldquoA maioria desses alunos
estrangeiros eacute de bolivianos peruanos e paraguaios mas ainda haacute coreanos
argentinos chilenos e um camaronecircsrdquo (PALHARES 2015)
Embora natildeo seja uma grande cidade em termos populacionais12 como as
capitais ou metroacutepoles brasileiras Foz do Iguaccedilu possui uma diversidade notaacutevel
quanto agrave presenccedila de imigrantes de diferentes nacionalidades e etnias que
possibilita transformaccedilatildeo e reconfiguraccedilatildeo da cultura e do cenaacuterio local Essa
presenccedila de imigrantes como explica Maria Eta Viera (2010) nem sempre eacute
percebida pelo brasileiro como algo valorativo A autora descreve a reaccedilatildeo de
algumas pessoas em transportes puacuteblicos e nas ruas que ao perceberem a
12
Conforme o censo realizado pelo IBGE em 2010 Foz do Iguaccedilu possui cerca de 260 mil
habitantesDisponiacutevel
emlthttpcidadesibgegovbrpainelpainelphplang=ampcodmun=410830ampsearch=||infogrE1ficos-
dados-gerais-do-municEDpiogt Acesso em 14062015
43
presenccedila do estrangeiro com traccedilos fiacutesicos diferentes e falando outro idioma
reagem com repulsa e redobram os cuidados com seus pertences (bolsa celular
carteira etc) (VIERA 2010)
Tradicionalmente tido como um paiacutes hospitaleiro receptivo ao extremo e que valoriza - agraves vezes ateacute de forma exagerada- o que eacute estrangeiro causam estranheza algumas atitudes que tecircm sido observadas com relaccedilatildeo a imigrantes de determinados paiacuteses (VIERA 2010 p61)
O imigrante que deixa seu paiacutes leva consigo a sua histoacuteria cultura valores e
ao chegar a outro paiacutes deve readequar a sua vida a este novo cenaacuterio Esse
encontro pode dar-se de modos diferentes ldquoprovocando desde uma coexistecircncia e
convivecircncia paciacuteficas entre os valores e costumes das comunidades envolvidas ateacute
repulsa e marginalizaccedilatildeo do estrangeiro (VIERA 2010 p63)
Conforme apresenta Homik Babha (1998) natildeo devemos concentrar nossas
atenccedilotildees seja em um lado ou em outro - neste caso o brasileiro em relaccedilatildeo aos
outros Ele critica esta noccedilatildeo binaacuteria entre totalidades Ao observar praacuteticas comuns
tiacutepicas de uma cultura assimiladas por outras eacute possiacutevel sugerir alguns exemplos
passiacuteveis de ocorrer em Foz do Iguaccedilu a saber o mesmo sujeito brasileiro que
chama o paraguaio de xiruacute a fim de ofendecirc-lo eacute o que adquiriu o haacutebito comum aos
paraguaios de tomar o tererecirc13 Isto vale tambeacutem para os apelidos pejorativos e
estigmas que tentam associar ao aacuterabe que reside em Foz do Iguaccedilu como
terrorista14 atraveacutes da denominaccedilatildeo de ldquohomens-bombardquo Aquele que os ofende eacute o
mesmo que fuma o narguile15 consome o shawarma e a esfiha Deste modo Babha
entende que a diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao outro ocorre ao mesmo tempo em que
haacute incorporaccedilatildeo do outro dentro de si mesmo
1313Terereacute ou tererecirc eacute uma bebida tiacutepica feita com a infusatildeo de ervas em aacutegua fria Sua origem eacute atribuiacuteda aos Paraguai tendo suas raiacutezes na cultura dos indiacutegenas guaranis 14A partir do dia 11 de setembro de 2001 uma seacuterie de alegaccedilotildees sobre viacutenculos terroristas na Triacuteplice Fronteira entre Brasil Paraguai e Argentina cruzou as Ameacutericas Essa teoria circulada nos meios de comunicaccedilatildeo combinou com duas correntes imperialistas da poliacutetica externa dos Estados Unidos por um lado a imagem do aacuterabe ou do mulccedilumano como terrorista e por outro a representaccedilatildeo da Ameacuterica do Sul como uma ldquoterra sem leirdquo (MONTENEGRO GIMEacuteNEZ BEacuteLIVEAU 2006 apud KARAN 2011 p203) 15Espeacutecie de cachimbo muito usado por hindus persas e turcos constituiacutedo de um fornilho um tubo longo e um pequeno recipiente contendo aacutegua perfumada pelo qual passa a fumaccedila antes de chegar agrave boca (Dicionaacuterio online Disponiacutevel em lthttpwwwdiciocombrnarguilegtAcesso em 23112015
44
Nas escolas puacuteblicas de Foz do Iguaccedilu este ldquooutrordquo satildeo representados em
sua maioria por paraguaios e argentinos ou seja as diferenccedilas tecircm como marcador
principal a identidade nacional Trata-se de um problema histoacuterico jaacute que a escola
foi um dos instrumentos que permitiu ao Estado tentar iniciar o processo de
homogeneizaccedilatildeo cultural Logo conforme Pereira (2009) a escola deste o iniacutecio foi
considerada um espaccedilo negaccedilatildeo da diversidade O nacional torna-se assim fator
de diferenciaccedilatildeo de tensotildees de abertura para preconceitos e estigmas
Na dissertaccedilatildeo sobre a presenccedila de brasiguaios nas escolas brasileiras
Cirlani Terenciani (2011) menciona o trabalho de Joseacute Carlos de Souza (2001)
sobre as representaccedilotildees que os brasileiros fazem em relaccedilatildeo aos paraguaios
() que se tomar dinheiro emprestado natildeo gosta de pagar e natildeo quer que lembre da diacutevida Eacute vingativo para as pessoas que lhe traem a confianccedila () costuma-se dizer que trecircs coisas o paraguaio natildeo daacute a mulher o cavalo e a arma (SOUZA 2001 p 55 apud TERENCIANI 2011 p56)
Tratam-se de afirmaccedilotildees preconceituosas que contribuem para que a imagem do
paraguaio seja associada agrave ldquofalsidade ilegalidade desconfianccedilardquo (TERENCIANI
2011p 57)
Durkheim em Educaccedilatildeo e Sociologia (2011) descreve a escola enquanto
uma instituiccedilatildeo que natildeo estaacute alheia aos fatos sociais presentes na sociedade Logo
a representaccedilatildeo do ldquooutrordquo tanto em seus aspectos positivos quanto negativos eacute
reproduzido no acircmbito escolar sendo portanto um espaccedilo de negociaccedilotildees das
identidades-diferenccedilas
A educaccedilatildeo eacute inseparaacutevel da sociedade em seus momentos histoacutericos Para
Durkhiem (2011) cada sociedade em determinado momento de seu
desenvolvimento teve um sistema de educaccedilatildeo que se impocircs aos indiviacuteduos com
uma forccedila geralmente irresistiacutevel Isto significa que a educaccedilatildeo tem uma relaccedilatildeo
muito estreita com as necessidades e os conflitos que a sociedade vivencia em
determinado momento histoacuterico A funccedilatildeo social da escola estaria na socializaccedilatildeo da
crianccedila Joseacute Carlos Martins (2010) partindo da teoria sociointeracionista de
Vygotsky cuja visatildeo de desenvolvimento humano se baseia na premissa de que o
pensamento eacute constituiacutedo em um espaccedilo histoacuterico e cultural afirma que ldquoa crianccedila
reconstroacutei internamente uma atividade externa como resultado de processos
interativos que se datildeo ao longo do tempordquo (MARTINS 2010 p114) Com isso o
45
professor e os demais constituintes da comunidade escolar acabam fazendo parte
do processo formativo da crianccedila Logo as ideias valores e conhecimentos desta
instituiccedilatildeo e de outros organismos da sociedade vatildeo influir diretamente na formaccedilatildeo
desta crianccedila
No que confere agraves escolas situadas em regiatildeo de fronteira o grande desafio eacute
lidar com situaccedilotildees que envolvem tanto os aspectos formais quanto os transversais
que se passam em sala de aula como exemplo a funccedilatildeo mediadora do professor e
demais responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do aluno ao lidar com diferenccedilas eacutetnicas e
linguumliacutesticas o que eacute comum nas escolas de fronteira internacional Em artigo
publicado sobre a diversidade cultural em sala de aula intitulado de ldquoFronteira
Diversidade Cultural e Cotidiana Escolar na cidade de Ponta Poratilderdquo Nunes e
Terenciani (2010) analisaram as manifestaccedilotildees da diversidade cultural social e
poliacutetica vivida diariamente nas aulas de geografia As autoras constataram que os
alunos oriundos do Paraguai tinham muita dificuldade com a liacutengua portuguesa
() estes alunos principalmente os das seacuteries iniciais muitas vezes chegam agrave escola sem saber falar a Liacutengua Portuguesa e em alguns casos natildeo sabem falar sequer a Liacutengua Espanhola comunicando-se apenas atraveacutes da Liacutengua Guarani o que dificulta o processo de aprendizagem bem como a relaccedilatildeo dos professores com seus alunos (NUNES TERENCIANI 2010 p04)
Nunes e Terenciani (2010) consideram que a escola e o formalismo no qual
ela se fundamenta reforccedila as fronteiras simboacutelicas o que impede a integraccedilatildeo entre
os paiacuteses fronteiriccedilos
Por sua vez na pesquisa com alunos bolivianos que estudam em redes
puacuteblicas e privadas na cidade de fronteira Corumbaacute ndash MS as autoras Ruth Souza e
Aline Rodrigues (2009) em entrevista a coordenadores professores e diretores das
escolas por elas analisadas chegaram agrave conclusatildeo de que os alunos bolivianos
apresentam dificuldades para ler e escrever o que dificulta ateacute mesmo o processo
de integraccedilatildeo dos alunos com os demais (no caso os brasileiros) aleacutem de se
sentirem tiacutemidos pela estranheza daquele universo escolar Ao analisarem o Projeto
Poliacutetico Pedagoacutegico das escolas visitadas as responsaacuteveis pela pesquisa deram o
seguinte parecer
Observa-se entatildeo que a escola brasileira natildeo eacute preparada para atender o aluno estrangeiro nem mesmo em aacutereas de fronteira onde
46
essa realidade eacute cada vez mais frequumlente Os PPP‟s satildeo engessados nas diretrizes gerais da educaccedilatildeo e desconsideram as especificidades locais natildeo oferecendo subsiacutedios adequados para as escolas atenderem os alunos estrangeiros e buscarem a inserccedilatildeo do mesmo no ambiente escolar e garantir o seu aprendizado (SOUZA RODRIGUES 2009 p10)
Outro estudo referente agrave presenccedila de migrantes fronteiriccedilos realizado na
fronteira do Brasil com o Uruguai na cidade de Sant‟Ana do Livramento ndash RS por
Geovana Bardesio e Paulo Cassanego (2013) apontou que as diferenccedilas
relacionadas ao idioma principalmente a expressatildeo escrita da liacutengua portuguesa
foram assinaladas pelos gestores entrevistados como um dos maiores desafios a
serem superados para o melhor desenvolvimento do aluno migrante Os mesmos
quando questionados sobre as atividades desempenhadas com vistas agrave promoccedilatildeo
da socializaccedilatildeo entre os alunos das escolas natildeo relataram nenhuma atividade
direcionada especificamente para o acolhimento de alunos migrantes ldquotambeacutem natildeo
foram verificados incentivos a promoccedilatildeo de discussotildees entre os professores sobre o
tema migraccedilatildeo e sobre a situaccedilatildeo de acolher estudantes nesta condiccedilatildeo na escolardquo
(CASSANEGO E BARDESIO 2013 p7)
Jacira Pereira (2003) apresenta o resultado de sua pesquisa referente agraves
identidades eacutetnico-culturais e sua relaccedilatildeo com o curriacuteculo de escolas situadas em
regiatildeo de fronteira A pesquisa foi realizada na fronteira entre Brasil e Paraguai nas
cidades de Ponta Poratilde e Pedro Juan Caballero Buscou entrevistar duas geraccedilotildees
de migrantes presentes nas cidades oriundos de diferentes etnias e nacionalidades
Dentre as questotildees presentes na entrevista encontra-se uma referente a
atitudes preconceituosas nas escolas devido agrave origem eacutetnica do aluno Pereira
destacou a seguinte resposta de uma estudante paraguaia quando perguntada se
sofria algum tipo de preconceito
Preconceito assim natildeo mas tem aquelas brincadeirinhas de mau gosto Cala boca sua paraguaia [] Isto acontecia desde pequena agora parou um pouco Mas acontecia sempre e eu ficava brava brava Eu tinha vergonha (Luciana Assunccedilatildeo ndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p7)
Em relaccedilatildeo a possiacuteveis apelidos dados pelos colegas de turma a autora
destaca as seguintes falas
Natildeo ligo de ser descendente de libanecircs eu gosto [] Eu natildeo tenho mas os amigos do meu irmatildeo me chamam de turquinho Mas eu natildeo tenho um apelido que todo mundo me chama (Rames Husseinndash 2ordm geraccedilatildeo)
47
Tenho vaacuterios entre eles o de japonecircs porque me confundem com japonecircs [] Natildeo gosto disso (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Pode-se inferir com base nos relatos que nas relaccedilotildees no interior da escola
natildeo se discrimina o sujeito apenas por sua nacionalidade como tambeacutem pela
aparecircncia Ainda com relaccedilatildeo aos preconceitos e agrave discriminaccedilatildeo que sofrem os
migrantes a pesquisadora constatou que a minoria migrante paraguaia eacute a que mais
demonstra ser alvo de tratamento diferenciado expresso nas zombarias e nas
chacotas o que eacute possiacutevel captar nas relaccedilotildees tensas e conflitantes entre as
diferentes etnias na fronteira Eis alguns dos relatos dessas manifestaccedilotildees
Tem alguns soacute mas natildeo falam de verdade eacute soacute de brincadeira os paraguaios natildeo levam muito a seacuterio Tem amigo do meu irmatildeo que chama de chipeiro porque eacute do Paraguai soacute que esse apelido pegou e todo mundo soacute chama assim os paraguaios (KyoLinndash 2ordf geraccedilatildeo) Jaacute vi colocar apelido Um rapaz que tem na minha sala o chamam de chipa de paraguaio Mas eacute coisa de amigo ele leva na brincadeira Natildeo leva a mal (Rames Husseinndash 2ordf geraccedilatildeo) Assim natildeo eacute que tira sarro Chama assim de chipa (Latiffe Nasserndash 2ordf geraccedilatildeo) (PEREIRA 2003 p8)
Com estes dados a pesquisadora aponta que eacute comum em escolas da
fronteira a reproduccedilatildeo do imaginaacuterio negativo que se tem do ldquooutrordquo e conclui ldquoque a
comunicaccedilatildeo entre os colegas eacute carregada de hostilidade o que marca a diferenccedila
eacutetnica como uma caracteriacutestica negativardquo (PEREIRA 2003 p7)
A professora Maria Elena Pires dos Santos (2010) em pesquisa realizada
sobre o cenaacuterio sociolinguiacutestico na fronteira e sua relaccedilatildeo com as poliacuteticas
educacionais e pedagoacutegicas ao realizar um estudo com alunos brasiguaios em uma
escola de Foz do Iguaccedilu percebe que haacute diferentes olhares para a escrita hiacutebrida do
aluno brasiguaio Para a autora ldquoa leitura e a escrita processos mais valorizados na
escola eacute justamente o que evidencia a visibilizaccedilatildeo do aluno brasiguaio
constituindo fonte de estigmatizaccedilatildeo e preconceitordquo (PIRES-SANTOS 2010 p 46)
Ela ainda aponta que os professores ficavam insatisfeitos quando tinham que
receber alunos ldquobrasiguaiosrdquo sendo uma das possiacuteveis explicaccedilotildees o fato deste
aluno possuir uma linguagem hiacutebrida e pelo fato do ldquoportunholrdquo ser um grande fator
de preconceito na fronteira
48
Em pesquisa realizada sobre a presenccedila de alunos brasiguaios em escolas
de fronteira BrasilParaguai na cidade de Ponta Poratilde Ione Dalinghaus (2009)
observou que mesmo em uma escola onde 90 dos alunos satildeo paraguaios ou
ldquobrasiguaiosrdquo eacute proibido o uso de outra liacutengua que natildeo o portuguecircs evidenciando
assim o mito16 do monolinguismo Tambeacutem Cerliani Terenciani (2011) em sua
dissertaccedilatildeo tratou de estudar a presenccedila de alunos oriundos do Paraguai nas
escolas de Ponta Poratilde Ao entrevistar uma professora cujos pais satildeo paraguaios
mas ela fora registrada no Brasil relata sua experiecircncia na escola
Eu sofri hien ixi Me chamavam de paraguaia Falavam que eu era uma iacutendia que natildeo sabia falar o portuguecircs e essas coisas tipo de deboche assim sabe que eacute ()(Entrevista concedida agrave CERLIANI 2011 p102)
Outra percepccedilatildeo da dificuldade de adaptaccedilatildeo do(a) aluno(a) paraguaio(a) em
escolas brasileiras agora na cidade de Santa Terezinha de Itaipu17 encontra-se na
pesquisa de Marli Schlosser e Margarete Frasson (2012) sobre a imigraccedilatildeo de
alunos da educaccedilatildeo Educaccedilatildeo Baacutesica do Paraguai para escolas brasileiras da rede
municipal de ensino entre os anos de 2007 e 2011 Segundo as autoras a fronteira
pode se apresentar como um espaccedilo de vivecircncia e possibilidades que seria por
exemplo o aluno migrante aprender um novo idioma No entanto quando os novos
conhecimentos que este aluno tem que adquirir na escola natildeo eacute em sua liacutengua
materna o processo de travessia na fronteira torna-se doloroso para o mesmo
ldquoobrigando-o a fazer uso de atitudes de silenciamento ou seja ele passa a se
apresentar reservado e em bdquoinvisibilidade‟ retraiacutedo para natildeo ser visto pelo olhar
hegemocircnico da escolardquo (GENTILI 2004 apud SCHLOSSER E FRASSON 2012
p4)
As pesquisas realizadas em diferentes escolas de fronteira apontam para a
necessidade de discussotildees que passem pelo campo das poliacuteticas linguumliacutesticas e
educacionais para a diversidade Ataiacutede e Moraes (2003) discorrem sobre a
tendecircncia de homogeneizaccedilatildeo curricular que aliena a escola de seu contexto O
Brasil como um todo ldquoproduz um projeto pedagoacutegico exoacutegeno e xenoacutefobordquo (ATAIacuteDE
16
Aleacutem do portuguecircs satildeo faladas hoje mais de 222 liacutenguas no Brasil Dessas liacutenguas explica Maher
mais de 180 satildeo indiacutegenas cerca de 40 satildeo liacutenguas de imigraccedilatildeo e duas satildeo liacutenguas de sinais LIBRAS-a Liacutengua Brasileira de Sinais-e a Liacutengua de Sinais Kaapor Brasileira Aleacutem das liacutenguas africanas Assim o Brasil pode ser considerado como um paiacutes multiliacutenguumle (MAHER 2013 p117) 17
Cidade localizada na zona de fronteira entre Brasil e Paraguai
49
e MORAES 2003 p83) Jurjo Santomeacute (1995) fala sobre o silenciamento que existe
nos curriacuteculos nacionais referentes agraves minorias no ambiente escolar sendo que no
caso da presenccedila de estrangeiros nas escolas fronteiriccedilas ela natildeo eacute nem negada e
tampouco silenciada tecircm se a impressatildeo de sua inexistecircncia Albuquerque e Souza
(2014) utilizam a expressatildeo ldquotrincheiras culturaisrdquo para se referirem agraves escolas em
aacutereas de fronteiras que tem por funccedilatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo e combater o
idioma estrangeiro (ALBUQUERQUE 2014 p02)
Embora a expressatildeo ldquonacionalizar as crianccedilasrdquo seja reducionista ao limitar a
funccedilatildeo da escola agrave nacionalizaccedilatildeo um fato ocorrido em 1999 na fronteira entre
Brasil e Uruguai na cidade de Rivera natildeo tira em alguma medida este caraacuteter
ldquonacionalizadorrdquo o qual o Estado busca desempenhar atraveacutes da escola Trata-se de
uma reportagem publicada nos dois principais jornais da capital uruguaia
Montevideacuteu em que o ministro da educaccedilatildeo do paiacutes demonstrou sua indignaccedilatildeo
pelo fato do idioma portuguecircs ter invadido as escolas do Uruguai localizadas em
regiotildees de fronteira senti verguenza del estado de nuestras escuelas () Hasta
queacute punto el idioma portuguecircs habiacutea penetrado em nuestro paiacutes (Jornal El Paiacutes
1999 p6 apud SAacuteNCHEZ 2002p 115) A posiccedilatildeo do Conselho Diretivo Central de
Ensino natildeo foi muito diferente do ministro
por la expasiacuteon del idioma portugueacutes y el portunhol em aacutereas fronterizas y las acertadas medidas que adoptaraacute-fortalecimiento de la ensentildeanza del espanotildel formaacuteciacuteon de docentes de esa a signatura y maacutes centros educativosrdquo (Jornal El Observador 1999 p10 apud SAacuteNCHEZ 2002 p116)
A escola apresenta-se neste contexto enquanto reguladora seja de valores
culturas memoacuterias identidades a partir de padrotildees universalistas construiacutedos sem
um diaacutelogo com a alteridade (ARROYO 2007 p119) Uma possiacutevel tentativa de
transformar estas questotildees em estudo nas regiotildees fronteiriccedilas eacute o Programa das
Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) que conforme o documento oficial do
programa busca discutir a ldquoidentidade regional biliacutengue e intercultural no marco de
uma cultura de paz e cooperaccedilatildeo interfronteiriccedilardquo (ARGENTINABRASIL 2007 p 2)
Esta proposta seraacute analisada no proacuteximo capiacutetulo
Este capiacutetulo teve como objetivo traccedilar algumas perspectivas possiacuteveis de
abordar o tema de fronteira a comeccedilar com a etimologia da palavra utilizada pela
primeira vez no seacuteculo XIII como separaccedilatildeo entre Estados Hoje a fronteira eacute
estudada a partir de diferentes dimensotildees social simboacutelica cultural etc Desse
50
modo rompemos com a ideia de fronteira apenas como o limite entre estados e com
a tendecircncia de se cristalizaccedilatildeo da mesma pois eacute fruto de uma construccedilatildeo histoacuterica
Outro aspecto levantado foi o papel da educaccedilatildeo escolar na construccedilatildeo do
imaginaacuterio e do sentimento de pertenccedila agrave naccedilatildeo (ANDERSON 1993) O Estado
utilizou as escolas para propagaccedilatildeo dos ideais nacionais na cidade de Foz do
Iguaccedilu com o objetivo de demarcar e proteger o territoacuterio dos paiacuteses vizinhos dos
imigrantes e seus descendentes
Na relaccedilatildeo entre fronteira e poliacuteticas puacuteblicas a bibliografia levantada sobre
estudos sobre fronteira e relaccedilotildees trabalhistas fronteira e o Sistema Uacutenico de Sauacutede
e das escolas em regiatildeo de fronteira demonstraram que os paiacuteses convivem como
naccedilotildees diferentes entre si embora os problemas que o afetem extrapolam a questatildeo
nacional de cada paiacutes A fronteira eacute um lugar o Estado se faz presente eacute notaacutevel
pelo processo de securitizaccedilatildeo da fronteira brasileira mas eacute tambeacutem o lugar onde o
Estado-naccedilatildeo se enfraquece dada a fluidez dos agrupamentos humanos
(MACHADO 2010)
CAPIacuteTULO II A HISTOacuteRIA DA EDUCACcedilAtildeO EM FOZ DO IGUACcedilU CONSTRUTOS
E CONTRADICcedilOtildeES PARA A CONSOLIDACcedilAtildeO DO ESTADO-NACcedilAtildeO
51
Este capiacutetulo tem como objetivo principal apresentar o processo pelo qual a
educaccedilatildeo na cidade de Foz do Iguaccedilu se desenvolveu com a finalidade de
demonstrar que neste trajeto a escola foi um dos principais instrumentos do
Estado junto com a militarizaccedilatildeo da fronteira para bdquonacionalizar‟ e proteger o
territoacuterio brasileiro Para isto primeiramente apresentamos o contexto ao qual a
cidade de Foz do Iguaccedilu foi fundada destacando que o territoacuterio desde a fundaccedilatildeo
da Colocircnia Militar em 1889 contava com a presenccedila de estrangeiros
Ao mesmo tempo abordamos a trajetoacuteria da formaccedilatildeo das escolas em Foz do
Iguaccedilu a partir da histoacuteria da educaccedilatildeo do Paranaacute O capiacutetulo destaca os principais
fatos histoacutericos que ocorreu no Estado paranaense e na regiatildeo Oeste do Paranaacute que
marcaram a criaccedilatildeo das escolas Destaca-se aqui os anos de 1930-1945 periacuteodo
em que ocorreu a Marcha para o Oeste e a fundaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do
Iguaccedilu que estimulou o desenvolvimento do Oeste do Paranaacute e com isto a criaccedilatildeo
de escolas ao mesmo tempo em que a poliacutetica nacionalista do governo varguista
aplicou uma poliacutetica de vigilacircncia sobre as escolas dos imigrantes ou mesmo o seu
fechamento Delineamos ainda os principais aspectos educacionais a partir dos
anos de 1990 ateacute os dias atuais para destacar os resquiacutecios e as transformaccedilotildees da
educaccedilatildeo na cidade de fronteira ao longo deste periacuteodo
21 Contexto histoacuterico
A regiatildeo da chamada triacuteplice fronteira eacute composta pela Argentina Brasil e
Paraguai com suas respectivas cidades Puerto Iguazuacute Foz do Iguaccedilu e Ciudad del
Este como pode ser observado no mapa abaixo
52
Imagem VI- Mapa da regiatildeo da Triacuteplice Fronteira- Argentina Brasil e Paraguai Fonte httpgeouel2009blogspotcombr201207triplice-fronteira-apontamentoshtml
A presenccedila de imigrantes europeus na regiatildeo onde hoje eacute a cidade de Foz do
Iguaccedilu data do ano de 1542 com os relatos da chegada de Aacutelvaro Nunes Cabeza
de Vaca agraves cataratas Este relato faz parte da histoacuteria de construccedilatildeo da cidade
brasileira e se funde agrave histoacuteria das cataratas do Iguaccedilu - uma das sete maravilhas da
natureza Foz do Iguaccedilu tem como marco fundador a criaccedilatildeo da colocircnia militar em
1889 e a data de 1930 como iniacutecio de seu processo modernizador (SOUZA 2009)
Portanto eacute a partir da fundaccedilatildeo da colocircnia militar que buscamos conhecer o
processo de formaccedilatildeo das primeiras escolas da regiatildeo oeste paranaense e
portanto de Foz do Iguaccedilu
Compreender o processo de desenvolvimento da cidade de Foz do Iguaccedilu
bem como o de suas instituiccedilotildees de ensino implica na contextualizaccedilatildeo dos
acontecimentos e transformaccedilotildees no Brasil e tambeacutem das mudanccedilas ocorridas
nesta regiatildeo fronteiriccedila
A educaccedilatildeo brasileira do seacuteculo XIX foi reflexo das transformaccedilotildees no acircmbito
da produccedilatildeo da vida social ocorridas no Brasil poacutes-independecircncia No Paranaacute as
atividades econocircmicas tinham como base as fazendas de gado A criaccedilatildeo de gado e
o comeacutercio foram fundamentais para a o povoamento do territoacuterio nesse periacuteodo
Segundo Maria Ceciacutelia Oliveira (1986) com o crescimento das lavouras de
cafeacute em Satildeo Paulo o comeacutercio interno de escravos cresceu significativamente Do
mesmo modo no Paranaacute que por volta de 1865 viu o nuacutemero de escravos
diminuiacuterem significativamente na Proviacutencia A falta de matildeo-de-obra refletiu na
agricultura paranaense direcionada para o abastecimento de gecircneros alimentiacutecios
53
Para solucionar a falta de matildeo-de-obra o governo provincial ldquoque jaacute vinha
promovendo a imigraccedilatildeo de grupos de estrangeiros intensificou a poliacutetica
imigratoacuteria objetivando a atender o problema da matildeo-de-obra na produccedilatildeo agriacutecolardquo
(OLIVEIRA 1986 p34) A mesma autora aponta que a Proviacutencia do Paranaacute criou
escolas em diversas colocircnias estrangeiras situadas proacuteximas dos nuacutecleos urbanos
sobretudo de Curitiba Ao mesmo tempo os imigrantes criaram suas proacuteprias
escolas para manutenccedilatildeo da cultura de seus respectivos paiacuteses de origem
As escolas e o conjunto de sua estrutura eram precaacuterios ldquofaltava preacutedio
escolares ausecircncia e deficiecircncia de professores baixa frequumlecircncia escolar aleacutem dos
parcos recursos disponiacuteveisrdquo (OLIVEIRA 1986 p35) No Brasil como um todo
seguia sem diretrizes que pudessem organizar melhor o ensino no paiacutes
A ausecircncia de um plano definido de educaccedilatildeo que atendesse agraves necessidades brasileiras pode ser verificada pelas inuacutemeras reformas e projetos apresentados na Corte que marcam o Segundo Impeacuterio e influiacuteram na organizaccedilatildeo do ensino Entre eles podem ser
destacados (OLIVEIRA 1986 p35)
No Paranaacute apoacutes sua emancipaccedilatildeo em 1853 a instruccedilatildeo puacuteblica encontrava-
se em condiccedilotildees de precariedade e natildeo atingia toda a populaccedilatildeo Trindade (2001)
aponta que em meio a uma populaccedilatildeo de 620000 habitantes haviam apenas 615
alunos nos cursos de primeiras letras ldquoo ensino secundaacuterio era praticamente
inexistente e o pouco que havia em Curitiba buscava atender agrave demanda local e do
interior da Proviacutenciardquo (TRINDADE 2001 p 61)
21 Colocircnia Militar de Foz do Iguaccedilu e as primeiras escolas da regiatildeo
A colocircnia militar que marcou o iniacutecio da atuaccedilatildeo do Estado na regiatildeo de Foz do
Iguaccedilu foi criada a partir da lei imperial nordm 601 de 18 de setembro de 1850
regulamentada pelo decreto nordm 1318 de 30 de janeiro de 1854 que determinava o
registro das terras no territoacuterio brasileiro Desse modo o entatildeo presidente da
Proviacutencia do Paranaacute recebeu em 1854 o pedido para implementaccedilatildeo da colocircnia
militar e junto ao pedido seguiam as atividades a ser desenvolvidas pela colocircnia
1ordm Conceder o governo terras e fazer o sacrifiacutecio pecuniaacuterio annual
de 30 contos por certo numero de annos para pagar os juros de capital que se tomasse emprestado e se houvesse de applicar as
54
despezas de viagem e sustento de 500-600 familias 2ordm Estar a
direcccedilatildeo agrave cargo de pessoas responsaacuteveis pelo capital sob a
vigilacircncia o governo 3ordm Serem os lotes de terras divididos e vendidos
conforme hum preccedilo determinado destinando-se o producto a
construccedilatildeo de igrejas escolas etc etc 4ordm Incumbir a direcccedilatildeo a
procura de colonos e fornecimento de casas sementes animaes
viveres roupa bom mercado ao seus productos ampc 5ordm Cultivarem
as colocircnias de serra-acima cereais crearem animaes fazerem manteiga e queijo ao passo que as de serra-abaixo devem entregar-
se aacute cultura de generos coloneaes 6ordm Fazer o governo com as
despezas com padres e mestres de escola (RIIT 2011 p51 apud VASCONCELOS 1854 p 56)
Desse modo a ocupaccedilatildeo da regiatildeo por parte do Brasil foi consolidada no ano
de 1889 com a colocircnia militar O objetivo consistia em proteger o territoacuterio brasileiro
principalmente apoacutes a Guerra da Triacuteplice Alianccedila18 (1864-1870) Segundo Valdir
Gregory (2012) as intencionalidades em estabelecer um posto militar avanccedilado eacute
apenas uma justificativa que tinha ldquocomo pano de fundo a necessidade da
construccedilatildeo da nacionalidade () os sucessos na guerra motivaram a presenccedila fiacutesica
e ideoloacutegica na triacuteplice fronteirardquo (GREGORY 2012 p 50) Escreve Silveira Neto
(1939) em seus relatos de viagem que havia naquele periacuteodo de implementaccedilatildeo da
colocircnia militar 324 habitantes ldquosendo 188 paraguaios 33 argentinos 93 brasileiros
5 franceses 2 espanhoacuteis 1 inglecircs 2 orientais Destes 220 homens e 104 mulheresrdquo
(NETO 1939 p 52)
Estabelecida a colocircnia os militares se preocuparam com a necessidade da
instruccedilatildeo escolar Assim em 1895 foi criada uma escola informal que no iniacutecio
contou com vinte alunos matriculados
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p 37)
18 Na eacutepoca do Brasil imperial toda essa fronteira foi assegurada com a vitoacuteria da Guerra da Triacuteplice
Alianccedila (1865-1870) que derivou no aniquilamento de capacidade econocircmica e beacutelica paraguaia A vitoacuteria brasileira argentina e uruguaia impocircs ao Paraguai a assinatura do Tratado de Limites de 1872 que anexava ao territoacuterio brasileiro terras paraguaias agrave leste do Rio Paranaacute (ROSEIRA 2006 p 38)
55
Segundo o mesmo autor entre os anos de 1889 ateacute 1912 ano de extinccedilatildeo da
Colocircnia Militar as crianccedilas de famiacutelias brasileiras com boas condiccedilotildees financeiras
que natildeo eram filhas de funcionaacuterios do governo buscavam escolarizaccedilatildeo nos paiacuteses
vizinhos Para o autor a instruccedilatildeo particular domiciliar ficava restrita a filhos de
funcionaacuterios que ocupavam cargos importantes Durante o periacuteodo de vigecircncia da
Colocircnia Militar prevaleceu a modalidade de instruccedilatildeo sem instituiccedilatildeo Natildeo existiu
escola ou casa escolar em Foz do Iguaccedilu (EMER 1991 p 28)
Destacam-se os argentinos que nesse periacuteodo dominavam a regiatildeo pois as
companhias ervateiras e madeireiras eram daquele paiacutes ldquoSe a produccedilatildeo local era
estrangeira a moeda a liacutengua e os bens de primeira necessidade tambeacutem o eramrdquo
(ROSEIRA 2006 p41) No que se refere ao idioma o guarani e o espanhol eram
predominantes nesta regiatildeo Em relaccedilatildeo agrave moeda o dinheiro que circulava era o
peso argentino e as propriedades eram em sua maioria pertencentes agraves Obrages
(WACHOWICZ 1985 p 140 apud ROSEIRA 2006 p 51)
Segundo o historiador Ruy Wachowicz (2010) este processo de aproximaccedilatildeo
com a Argentina fez com que a regiatildeo oeste ficasse mais exposta agrave penetraccedilatildeo
argentina do que com o restante do Brasil (WACHOWICZ 2010 p 275) A
proximidade entre os dois paiacuteses fez com que o oeste paranaense fosse
culturalmente influenciado e economicamente dependente da Argentina Wachowicz
aponta que por volta de 1881 os argentinos comeccedilaram a exploraccedilatildeo da erva-mate
em Misiones e mais tarde no Brasil na regiatildeo oeste do Paranaacute
Otiacutellia Schimmelpfeng (1991) em seu livro ldquoRetrospectos iguaccedilusensesrdquo fala
acerca desta singularidade ldquoA moeda argentina circulava com domiacutenio absoluto na
praccedila Pouco ou nada se fala em ldquomil reacuteisrdquo naquele tempordquo (SCHIMMELPFENG
1991 p 28) O ldquopesordquo se introduzia ateacute nas reparticcedilotildees puacuteblicas Em entrevista ao
historiador Ruy Cristovatildeo Wachowicz Otiacutellia eacute mais detalhista sobre a influecircncia
argentina
Eu sentia aqui como se natildeo tivesse no Brasil Me sentia aqui isolada parecia que eu estava em outro paiacutes ateacute Porque todos os haacutebitos a liacutengua falada aqui era mais que predominava era o espanhol o castelhano como se dizia Parece que as pessoas quando vinham pra caacute no Brasil se achavam na obrigaccedilatildeo de aprender o castelhano pra ser entendido Parecia E todo mundo se interessava em falar o castelhano porque a convivecircncia aqui era muito maior com os argentinos Paraguai natildeo tanto porque noacutes natildeo tiacutenhamos Paraguai nessa regiatildeo aqui natildeo era muito habitada Mas tinha o Porto Aguirre que hoje eacute Porto Iguaccedilu que jaacute era um porto de grande movimento de turismo jaacute jaacute tava sendo legalizado entatildeo jaacute tinha mais
56
desenvolvimento e mais recurso tambeacutem pra atender Foz do Iguaccedilu entatildeo noacutes tiacutenhamos mais contacto com os argentinos [] Entatildeo a gente tinha aqui um contacto mesmo constante com os argentinos E se falava soacute quase o castelhano a moeda era soacute o peso argentino (SCHIMMELPFENG 1980 apud SBARDELOTTO 2009 p 91)
O contato de Foz de Iguaccedilu era muito mais intenso com os paiacuteses fronteiriccedilos
do que com o restante do paiacutes Sbardelotto (2008) explica que havia tambeacutem um
grande nuacutemero de paraguaios que adentravam no Oeste do Paranaacute para trabalhar
nas empresas de erva-mate e posteriormente de madeira Contudo a presenccedila
argentina se destaca uma vez que eram o grupo que ldquodetinham os meios de
produzir e comercializar a principal atividade produtiva da regiatildeo e que atraveacutes
deste controle econocircmico determinavam os costumes a cultura e tambeacutem a
educaccedilatildeo neste territoacuteriordquo (SBARDELOTTO 2008 p5)
Dessas companhias madeireiras que se estabeleceram na regiatildeo muitas
faziam parte do modelo de exploraccedilatildeo denominado de Obrage ldquoO obragero era o
proprietaacuterio desse tipo de latifuacutendio () o obragero argentino explorava a erva-mate
e a madeira em torosrdquo (WACHOWICZ 2010 p 276) Em poucas deacutecadas a regiatildeo
que compreende a costa paranaense foi ocupada por inuacutemeras obrages e
consequentemente povoada em sua maioria por paraguaios argentinos e guaranis
modernos19 que trabalhavam como mensus20 Em 1930 a populaccedilatildeo estimada nas
obrages passava dos 10000 habitantes em sua maioria estrangeira
Naquele contexto a intensidade das relaccedilotildees fez com que a Argentina se
tornasse o principal prestador de serviccedilos agrave cidade de Foz do Iguaccedilu Segundo
Sbardelotto (2009) muitas crianccedilas eram escolarizadas no sistema argentino
absorvendo a liacutengua a histoacuteria e os costumes do paiacutes vizinho (SBARDELOTTO
2009 p 92)
Durante o periacuteodo em que seguia o desenvolvimento da Colocircnia Militar os
ldquopioneirosrdquo responsaacuteveis por sua construccedilatildeo diante da ausecircncia de um sistema de
ensino institucionalizado passaram a organizar e estruturar uma educaccedilatildeo natildeo-
formal
Em Foz do Iguaccedilu nuacutecleo pioneiro da ocupaccedilatildeo nacional regional desde os tempos da Colocircnia Militar existiu por parte dos militares e
19
Termo empregado aos indiacutegenas guaranis miscigenados do Paraguai (PRIORI A et al 2012p79) 20 A expressatildeo vem do espanhol da palavra bdquomensual‟ ou seja mensalista (GREGORY 2002 p 89 apud PRIORI A et al 2012p79)
57
funcionaacuterios do fisco a preocupaccedilatildeo com a escolarizaccedilatildeo de seus filhos Esse segmento social resolveu o problema da instruccedilatildeo a partir de seu proacuteprio grupo social Essa instruccedilatildeo era quantitativamente muito restrita soacute para filhos de funcionaacuterios dos postos mais importantes na modalidade de Escola Particular Domiciliar (EMER 2012 p37)
No ano de 1910 a Colocircnia Militar passou a ser distrito de Guarapuava e
denominada de Vila do Iguassuacute Em 1912 o Ministeacuterio da Guerra emancipou a
colocircnia que passou a ser administrada pelos civis sob o governo do Estado do
Paranaacute Em 1914 com a lei nordm 1383 foi criada a municipalidade de Vila do Iguassuacute e
em 1918 o nome Foz do Iguaccedilu foi adotado como oficial Conforme Lima (2001) no
periacuteodo compreendido entre 1914 a 1930 aleacutem do estabelecimento das primeiras
famiacutelias brasileiras argentinas e paraguaias houve a colonizaccedilatildeo por parte dos
imigrantes descendentes de alematildees poloneses e italianos (LIMA 2001 p 31)
De acordo com Emer (1991) a partir de 1914 o governo do Estado do
Paranaacute instituiu um novo modelo de escola o Grupo Escolar Estes grupos
escolares dirigiam-se ao ensino de quatro seacuteries com conteuacutedos progressivos Estas
escolas estavam localizadas nos principais centros urbanos e nas regiotildees mais
afastadas do centro seguiam sem escolas ou com muita precariedade de escolas
Os grupos de migrantes na ausecircncia de escolas construiacuteam as suas proacuteprias
A falta de escolas no Paranaacute fazia sentir-se especialmente fora dos nuacutecleos coloniais dos imigrantes que ao contraacuterio dos demais nuacutecleos populacionais natildeo esperavam pela iniciativa do governo mas construiacuteam suas proacuteprias escolas e providenciavam o professor Quando muito solicitavam algum tipo de subvenccedilatildeo do governo estadual A escola dos imigrantes natildeo se desenvolveu mais porque o Estado desde 1901 apenas subvencionava os professores que ensinassem em liacutengua portuguesa Esse natildeo era o interesse dos imigrantes Pretendiam repassar agraves novas geraccedilotildees sua noccedilatildeo de nacionalidade de origem que incluiacutea a liacutengua a religiatildeo e os costumes Se o ensino fosse apenas na liacutengua portuguesa os colonos retiravam seus filhos e organizavam uma nova escola particular Em diversas localidades a escola puacuteblica foi desativada e removido o professor por absoluta falta de alunos (EMER 1991 p 207)
Emer destaca as modalidades de ensino que foram criadas neste periacuteodo
tanto no acircmbito formal quanto na esfera institucionalizada satildeo elas (1) Instruccedilatildeo
sem instituiccedilatildeo - ldquoSimplesmente algumas crianccedilas reuniam-se ao redor da mesa de
refeiccedilotildees de uma residecircncia para aprender ler escrever e calcular - curriacuteculo e
58
objetivos educacionais estabelecidos pelos paisrdquo (referecircncia) - que consistia em que
a educaccedilatildeo era dada pelo grupo social sem nenhuma institucionalizaccedilatildeo (2) casa
escolar - construiacuteda e mantida pelos pioneiros - ldquo() do professor era exigida uma
melhor qualificaccedilatildeo isto eacute deveria ensinar mais que na escolarizaccedilatildeo Domiciliar a
Casa Escolar deveria funcionar tecnicamente bemrdquo (EMER 2012 p 36) (3) casa
escolar puacuteblica criada e regulamentada pelo Municiacutepio- ldquoComo uma escola oficial
os alunos das Casas Escolares Puacuteblicas eram submetidos aos exames puacuteblicos
elaborados pelos oacutergatildeos educacionais puacuteblicos para comprovaccedilatildeo da escolaridaderdquo
Neste modelo ficava a cargo do governo contratar e remunerar o professor
cabendo a este alugar uma sala ou casa e formar o grupo de aluno de primeiras
letras Por uacuteltimo o Grupo Escolar Puacuteblico (4) ndash que se diferencia das demais
modalidades por ter sido construiacuteda em nuacutecleos de povoamento mais desenvolvidos
e pela forma de funcionamento Nas modalidades anteriores o objetivo era aprender
a ler escrever e calcular Posteriormente com a oficializaccedilatildeo da casa escolar a
comprovaccedilatildeo da escolarizaccedilatildeo passou a ser feita por meio de avaliaccedilotildees No grupo
escolar a preocupaccedilatildeo era de bdquoaprovar‟ o aluno para a seacuterie seguinte ldquonum processo
gradual de comprovaccedilatildeo de conhecimentos dos conteuacutedos definidos pelo ldquosistemardquo
educacional como requisito de cada seacuterie (EMER 2012 p 36)
A partir da fundaccedilatildeo da municipalidade em 1914 a populaccedilatildeo passou a
reivindicar um modelo de educaccedilatildeo subsidiado pelo poder puacuteblico Naquele
momento Foz do Iguaccedilu desenvolvia planos para combater o contrabando da
fronteira o que demandou a contrataccedilatildeo de agentes fiscais Esse processo fez com
que o grupo de escolarizados que chegavam agrave cidade passassem a requerer
escolas para seus filhos aleacutem do fato do crescimento da populaccedilatildeo e por
consequecircncia o aumento de crianccedilas (EMER 2012 p 37)
Conforme Emer (1991) entre os anos de 1915 e 1916 ldquoa Prefeitura Municipal
teria construiacutedo e mantido uma casa escolar puacuteblica embora precaacuteria e insuficienterdquo
(EMER 1991 apud Sbardelotto 2009 p 96) Wachowicz afirma que a necessidade
da criaccedilatildeo de escolas por parte da populaccedilatildeo soacute surgiu quando a populaccedilatildeo
urbana cresceu significativamente organizando assim a vida social (WACHOWICZ
1984 p 19) Apesar da iniciativa de dar acesso ao ensino puacuteblico de forma gratuita
a todos Sbardelotto aponta que apenas a populaccedilatildeo masculina foi contemplada
aleacutem do caraacuteter eminentemente elitista uma vez que os filhos de trabalhadores por
terem que optar pela subsistecircncia da famiacutelia abandonavam as escolas
59
Outros fatores contribuiacuteram para o desenvolvimento da educaccedilatildeo em Foz do
Iguaccedilu dentre eles a presenccedila da Igreja Catoacutelica Anterior a fundaccedilatildeo do
municiacutepio em decorrecircncia da localizaccedilatildeo e da dificuldade de deslocamento a
populaccedilatildeo da cidade soacute recebia assistecircncia religiosa uma vez por ano Isso
perdurou ateacute 1918 quando a Igreja optou em criar uma Paroacutequia na cidade desde
que contasse com a ajuda do governo Nesse sentido o acordo entre Igreja e
governo do Estado foi firmado com a condiccedilatildeo de que a Igreja construiacutesse e
dirigisse um grupo escolar
Em 1923 foi instalada a paroacutequia e nomeado o primeiro vigaacuterio um sacerdote alematildeo da Congregaccedilatildeo do Verbo Divino Padre Guilherme Maria Tilecks Para cumprimento do acordo com o Estado mesmo antes da construccedilatildeo do Grupo Escolar o Padre Guilherme passou a lecionar na Casa Escolar Para o desempenho de suas atividades recebeu a ajuda de outros dois padres e de um irmatildeo de sua congregaccedilatildeo (Padre Joatildeo Progzeba Padre Paulo Schneider e Irmatildeo Bianchi) (EMER 2012 p 38)
Por meio do Decreto nordm 1326 do dia 27 de agosto de 1928 surge o Grupo
Escolar Caetano Munhoz da Rocha que posteriormente passou a ser chamado de
Grupo Bartolomeu Mitre primeiro grupo escolar da mesorregiatildeo Oeste do Paranaacute
Em 1930 o grupo escolar passou a ser administrado pelo governo do Paranaacute sob a
direccedilatildeo de professores nomeados pelo Estado Segundo o Plano Municipal de
Educaccedilatildeo (PME) de 2015 ldquoa funccedilatildeo da escola no municiacutepio na eacutepoca era a de
cooperar com a nacionalizaccedilatildeo de um espaccedilo que era submetido por argentinos e
paraguaiosrdquo (PME 2015 p 4) Desse modo a criaccedilatildeo da escola passa a ser
reconhecido pelo Estado como instrumento necessaacuterio para a nacionalizaccedilatildeo da
triacuteplice fronteira O plano municipal utiliza a palavra bdquosubmetido‟ indicando que
naquele periacuteodo havia certa preocupaccedilatildeo com a presenccedila e influecircncia dos paiacuteses
fronteiriccedilos como uma ameaccedila ao territoacuterio e a necessidade de construccedilatildeo da
naccedilatildeo
60
Imagem V- Grupo Escolar Bartolomeu Mitre Fonte Site da Secretaria Estadual do Paranaacute
httpwwwfozbartolomeumitreseedprgovbrmodulesconteudoconteudophpconteudo=9
O fato de o Brasil homenagear um general argentino ao nomear uma escola
em seu nome levou Emer a questionar os motivos que levariam o Estado brasileiro a
tomar essa atitude ou se ela foi apenas uma homenagem despretensiosa ao general
argentino Os interesses do Brasil naquele periacuteodo era dar seguimento agrave poliacutetica
integracionista do territoacuterio com uma campanha nacionalista e o Grupo Escolar Mitre
eacute o marco da institucionalizaccedilatildeo da educaccedilatildeo no oeste paranaense Por isso as
motivaccedilotildees natildeo ficaram tatildeo claras (SBARDELOTTO 2007)
A partir da deacutecada de 1930 a cidade de Foz do Iguaccedilu passou a receber
imigrantes descendentes de italianos e alematildees aleacutem de inuacutemeros agricultores do
Rio Grande do Sul Neste mesmo periacuteodo o governo do Estado do Paranaacute fez
algumas reformas educacionais de teor nacionalista conivente com as mudanccedilas do
governo como aponta o Plano Municipal de Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu (2015)
Algumas mudanccedilas comeccedilam acontecer na educaccedilatildeo do paiacutes Uma delas eacute a manifestaccedilatildeo do Estado entre os anos de 1917 e 1919 o governo federal delibera verba para as escolas que ensinavam em liacutengua portuguesa e as escolas de imigrantes que ensinavam em outra liacutengua eram vigiadas e fechadas (PME 2015 p 5)
Durante o Estado Novo essas escolas passaram a ser alvo do governo
principalmente apoacutes a Marcha para o Oeste ldquoque defendia a ocupaccedilatildeo efetiva e a
nacionalizaccedilatildeo das fronteiras nacionais brasileiras de Norte a Sul do paiacutesrdquo (PRIORI
et al 2012 p 65) O projeto explica Priori (etal 2012) buscava despertar o
sentimento de nacionalidade e brasilidade na populaccedilatildeo que vivia na fronteira
No caso da fronteira de Foz do Iguaccedilu despertar na populaccedilatildeo esse
sentimento de nacionalidade era combater agrave ameaccedila que paraguaios argentinos e
61
os descendentes de alematildees italianos poloneses dentre outros imigrantes que se
fixaram na regiatildeo representavam ao projeto de integraccedilatildeo nacional do governo
22 O projeto nacionalista do Estado Novo e a lsquonacionalizaccedilatildeo da fronteirarsquo
A ldquoMarcha para o Oesterdquo foi um importante processo que contribuiu para o
projeto de nacionalizaccedilatildeo da fronteira Segundo Lenharo (1986 apud Lopes 2004)
o discurso de Vargas justificava a ldquoMarcha para o Oesterdquo pautando-se na conquista
da brasilidade que se daria por meio da interiorizaccedilatildeo do paiacutes ldquoPara ele a
construccedilatildeo da ldquoMarcha para Oesterdquo lembra a imagem da naccedilatildeo em movimento agrave
procura de si mesma de sua integraccedilatildeo e acabamentordquo (LENHARO 1986 p56
apud LOPES 2004 p 4)
Como uma das consequumlecircncias da ldquoMarcha para o Oesterdquo foram criados os
territoacuterios federais ldquonas regiotildees do Amapaacute Guaporeacute (atual Rondocircnia) Rio Branco
(atual Roraima) Iguaccedilu e Ponta Poratilde no Estado de Mato Grosso do Sulrdquo (PRIORI et
al 2012p66) Por meio do Decreto-Lei nordm 58124 no ano de 1943 o Territoacuterio
Federal do Iguaccedilu foi criado abrangendo o Oeste e Sudoeste do Paranaacute e Oeste de
Santa Catarina
Segundo Seacutergio Lopes (2004) dentro do espiacuterito de nacionalizaccedilatildeo o
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu deveria atender urgentemente o estabelecimento de
condiccedilotildees miacutenimas para organizaccedilatildeo econocircmica social e de seguranccedila das regiotildees
fronteiriccedilas e dos sertotildees Desse modo a criaccedilatildeo do territoacuterio pode ser entendida
como um ato de ocupaccedilatildeo definitiva da faixa de fronteira ldquopara assim romper o
isolamento e afastar definitivamente o perigo estrangeiro para a soberania nacional
que rondava a regiatildeordquo (LOPES 2004 p16)
O primeiro governador a administraacute-lo o Major Joatildeo Garcez do Nascimento
em relatoacuterio enviado ao Ministro da Justiccedila e Negoacutecios Anteriores fez inuacutemeras
consideraccedilotildees sobre a situaccedilatildeo do transporte comeacutercio sauacutede seguranccedila e
educaccedilatildeo na regiatildeo que abrangia o Territoacuterio Federal do Iguaccedilu No aspecto
educacional ele aponta
Haacute no Territoacuterio regular nuacutemero de escolas primaacuterias Satildeo elas
em nuacutemero de setenta Aleacutem disso contam‐se quatro grupos escolares sediados em Pato Branco Clevelacircndia Foz do Iguassuacute e Guaiacutera Quanto ao nuacutemero de escolas pode-se afirmar que atende
62
ainda as necessidades locais quanto as suas instalaccedilotildees poreacutem haacute muito o que providenciar A maioria delas funciona em preacutedios improacuteprios outras em simples salas cedidas a tiacutetulo precaacuterio e por empreacutestimo Em sua maioria natildeo atende aos rudimentares princiacutepios de higiene e didaacutetica O professorado salvo honrosas exceccedilotildees constitui-se de pessoas bem intencionadas e dedicadas mas de niacutevel cultural bastante abaixo do que seria estimaacutevel (RELATOacuteRIO DE 1944 apud LEMIECHEK 2014 p 06)
A criaccedilatildeo do Territoacuterio Federal do Iguaccedilu fez com que o processo de
urbanizaccedilatildeo crescesse e com ele a demanda por qualidade nos serviccedilos puacuteblicos
como a escola Enquanto as escolas natildeo eram ampliadas a classe mais favorecida
economicamente assegurava o acesso agrave educaccedilatildeo para seus filhos por meio da
contrataccedilatildeo de professores que se ldquodeslocavam ateacute as moradias em casas
escolares ou nuacutecleos urbanos mais distantes como Guarapuava Curitiba Posadas
Corrientes etcrdquo (PME 2015 p9) Para as classes menos favorecidas como aqueles
que viviam em Foz do Iguaccedilu e trabalhavam nas obrages e no cultivo da terra havia
acesso ao ensino aleacutem delas viverem em situaccedilotildees insalubres sem acesso a
higiene alimentaccedilatildeo e sauacutede
A partir desse periacuteodo escolas como as construiacutedas por estrangeiros eram
fechadas caso natildeo se adaptassem agraves poliacuteticas nacionais Era necessaacuterio que essa
populaccedilatildeo na regiatildeo se identificasse com o Brasil enquanto uma paacutetria para
constituiccedilatildeo de um Estado-Naccedilatildeo forte Segundo Helena Bomeny (1999) natildeo havia
no projeto do governo intenccedilotildees para inclusatildeo e aceitaccedilatildeo de convivecircncia com os
grupos culturais estrangeiros nas regiotildees de colonizaccedilatildeo
Em relatoacuterio sobre a nacionalizaccedilatildeo do ensino datado de 1940 o Instituto
Nacional de Estudos e Pedagoacutegicos (INEP) sob a direccedilatildeo do educador Lourenccedilo
Filho ao analisar a trajetoacuteria dos imigrantes e sua fixaccedilatildeo no Brasil constatou com
base nos relatoacuterios e depoimentos de historiadores pensadores poliacuteticos e
escritores que desde o seacuteculo XIX a presenccedila de estrangeiros no paiacutes era fator de
preocupaccedilatildeo (BOMENY 1999) Segundo a mesma autora a precariedade da
educaccedilatildeo nos estados da regiatildeo sul do paiacutes em destaque o Rio Grande do Sul
levava os colonos a optarem pelos coleacutegios privados alematildees Segundo o relatoacuterio
do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Sauacutede essa opccedilatildeo pelas escolas estrangeiras era
compreensiacutevel sendo culpa do Estado por permitir a criaccedilatildeo destas instituiccedilotildees sem
a vinculaccedilatildeo com os centros nacionais de cultura
63
A escola natildeo eacute um oacutergatildeo abstrato mas um centro de coordenaccedilatildeo da proacutepria accedilatildeo educativa da comunidade Tendo-se cometido o erro de permitir o nucleamento de estrangeiros sem maior vinculaccedilatildeo ou disciplina aos centros nacionais de cultura as instituiccedilotildees educativas que aiacute deveriam surgir seriam as que ensinassem em liacutengua estrangeira (BOMENY 1999 p154 apud INEP 1999 p8)
A preocupaccedilatildeo com a nacionalizaccedilatildeo do ensino eacute anterior ao Estado Novo
Em Foz do Iguaccedilu a educaccedilatildeo escolar das crianccedilas estava presente desde o
periacuteodo de instalaccedilatildeo da Colocircnia Militar em 1889 Na ausecircncia de escolas muitas
crianccedilas frequumlentavam o sistema educacional da Argentina cuja influecircncia
preocupava o governo da eacutepoca Em 1906 Siacutelvio Romero alertava sobre as
ameaccedilas em haver diferentes nacionalidades no Brasil Como soluccedilatildeo ele propocircs
que se ldquoaproveitasse de modo extensivo o proletariado nacional como elemento
colonizador perto do estrangeiro para educar-se com ele no trabalho e em troca
contribuir para o seu abrasileiramentordquo (BOMENY 1999 p154)
Na conferecircncia interestadual de Ensino Primaacuterio de 1921 encontra-se a fala
de Milton C A Cruz que justifica a deficiecircncia do ensino devido aos inuacutemeros
nuacutecleos estrangeiros isolados ldquoO espiacuterito dessas crianccedilas brasileiras formado em
liacutengua nos costumes nas tradiccedilotildees dos paiacutes soacute poderia tender para a paacutetria de
origem constituindo um empecilho agrave coesatildeo nacionalrdquo (BOMENY 1999 p154 apud
INEP 1999 p8)
Por determinaccedilatildeo do Estado Novo a prefeitura de Foz do Iguaccedilu passou a
promover uma administraccedilatildeo que visasse agrave ocupaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro
valorizaccedilatildeo da liacutengua oficial e das moedas nacionais (SPERANCcedilA 1992 apud
LOPES 2004 p 49) Teve ainda que despachar suas documentaccedilotildees criar
anuacutencios comerciais listas de preccedilos ou avisos somente em liacutengua portuguesa
aleacutem da obrigatoriedade do uso da moeda brasileira Essas medidas foram tomadas
pois havia na regiatildeo grande influecircncia dos argentinos no lado brasileiro
Segundo Lopes (2004) a principal preocupaccedilatildeo do Estado Novo em relaccedilatildeo a
essa fronteira era a influecircncia Argentina Como outra medida de contenccedilatildeo dessa
influecircncia estrangeira o governo federal por meio do Decreto nordm 19842 de 1930
tornou obrigatoacuterio a contrataccedilatildeo de no miacutenimo dois terccedilos de trabalhadores nas
empresas estrangeiras presentes dentro do territoacuterio nacional
Diante das estrateacutegias que o Estado Novo desenvolveu para construir a ideacuteia
de naccedilatildeo a fronteira poliacutetica requeria a justificaccedilatildeo ideoloacutegica da comunidade
64
nacional Nessa premissa a escola enquanto instrumento de nacionalizar as
fronteiras foi fundamental
23 Da construccedilatildeo de Itaipu agrave lsquoondarsquo de migraccedilatildeo e imigraccedilatildeo seus
impactos na educaccedilatildeo
Com a queda de Getuacutelio Vargas em 1945 quando o paiacutes entrou por um
pequeno periacuteodo na fase de redemocratizaccedilatildeo os Territoacuterios do Iguaccedilu e Ponta
Poratilde foram extintos No campo da educaccedilatildeo a pedagoga Lucimara Lemiechek
aponta que vaacuterias foram agraves mudanccedilas em detrimento da promulgaccedilatildeo das Leis
Orgacircnicas e a ampliaccedilatildeo dos Cursos Normais (LEMIECHEK 2014 p 9) Nessa
mesma deacutecada em Foz do Iguaccedilu teve iniacutecio a primeira escola21 particular Jorge
Schimmelpfeng nas dependecircncias do primeiro Centro Espiacuterita fundado no
municiacutepio
Imagem VI - Escola Jorge Schimmelpfeng com crianccedilas carentes sob os cuidados do Capitatildeo Cyriacuteaco e de Joseacute Vicente Ferreira (os dois adultos agrave direta da foto rara)
Fonte Centro Espiacuterita Lidelfonso Correia
A deacutecada de 1950 e 1960 seguiu com um programa de escola de cunho
nacionalista e dualista em um periacuteodo marcado pelo programa desenvolvimentista
Cada vez mais os trabalhadores requeriam educaccedilatildeo diferenciada de um lado a
necessidade de matildeo de obra especializada e de outro a busca pelo status que a
educaccedilatildeo proporcionaria No ano de 1959 a Lei Municipal nordm 234 de 29 de outubro
de 1959 adota o programa de aboliccedilatildeo do analfabetismo
21
Vide imagem IV
65
Art 1ordm A Prefeitura de Foz do Iguaccedilu empreenderaacute uma campanha sistemaacutetica para aboliccedilatildeo do analfabetismo desde as crianccedilas de sete anos feitos aos adultos de qualquer idade (LEI 2341959) Art 2ordm Toda a crianccedila que completar sete anos de 1ordm de janeiro a 31 de dezembro deveraacute obrigatoriamente no comeccedilo do ano letivo imediato ser matriculada em escola puacuteblica ou particular cumprindo-lhes frequumlenta-la com assiduidade durante cinco anos na cidade e trecircs anos letivos nas zonas rurais (PME 2015 p 11)
Eacute nesse momento que chegam a Foz do Iguaccedilu as primeiras populaccedilotildees de
origem aacuterabe que saiacuteram de seus paiacuteses em decorrecircncia dos intensos conflitos
regionais e atraiacutedos pela oportunidade de explorar um mercado com grande
potencial de crescimento (RABOSSI 2007 p 292) Segundo Rabossi a primeira
cidade da Triacuteplice Fronteira em que eles se estabeleceram foi Foz do Iguaccedilu
principalmente na regiatildeo proacutexima da Ponte da Amizade inaugurada em 1965
passando a ligar a cidade brasileira a Ciudad del Este no Paraguai dando iniacutecio ao
comeacutercio na regiatildeo Em 1975 no contexto da Guerra do Liacutebano o comeacutercio dos
aacuterabes na fronteira estava consolidado fazendo com que atraiacutedos pelo comeacutercio e
fugindo da guerra outros grupos oriundos do Oriente Meacutedio imigrassem para a
regiatildeo da fronteiriccedila Segundo Silva (2008 p367) os uacuteltimos 30 anos recebeu um
grande nuacutemero de imigrantes de origem ldquoaacuterabe libaneses palestinos siacuterios
jordanianos bem como chineses coreanos e em nuacutemero bem menor hindus e
portugueses
A mesma autora aponta que duas escolas pertencem agrave comunidade aacuterabe
uma de ensino fundamental que ensina a liacutengua aacuterabe e a religiatildeo sunita vinculada
ao Centro Beneficente Islacircmico de Foz do Iguaccedilu uma organizaccedilatildeo cultural e
cientiacutefica A segunda escola Escola Aacuterabe Brasileira oferta ensino para o ensino
fundamental e meacutedio de acordo com as exigecircncias do Estado A especificidade
desta escola em relaccedilatildeo agraves demais do municiacutepio eacute a oferta do ensino da liacutengua
aacuterabe (SILVA 2008)
Na deacutecada de 1970 tambeacutem chegam a Foz do Iguaccedilu os primeiros imigrantes
chineses atraiacutedos pelo comeacutercio na regiatildeo Segundo Miao Shen Chen a regiatildeo da
triacuteplice fronteira abriga uma comunidade chinesa com aproximadamente quatro mil
indiviacuteduos Em Foz do Iguaccedilu haacute pelo menos mil chineses e descendentes Os
imigrantes tecircm agecircncias de turismo imobiliaacuterias construtoras especializadas em
atender os clientes orientais (CHEN 2010)
66
Apesar da implementaccedilatildeo da Lei Municipal nordm 234 de 1959 que estabelecia a
obrigatoriedade da educaccedilatildeo para aboliccedilatildeo do analfabetismo a escola seguia sendo
para poucos ao menos no que diz respeito agrave permanecircncia dos estudantes Os
alunos mais pobres abandonavam a escola muito cedo pois tinham que optar entre
estudar ou trabalhar para ajudar na subsistecircncia da famiacutelia (PME 2015 p 11)
Para Emer (1991) os colonos que aqui se encontravam diante da
precariedade das escolas mobilizaram-se para criar escolas para seus filhos
contribuindo para construccedilatildeo de inuacutemeros coleacutegios confessionais entre os anos de
1955 e 1965 (EMER 1991 p 125) Quanto agrave contrataccedilatildeo dos professores estes
deveriam ter o perfil que atendesse o grupo social
Destaca-se a criaccedilatildeo da primeira Escola Normal Colegial da regiatildeo Oeste do
Paranaacute a Escola Normal Iguaccedilu criada em 1957 em Foz do Iguaccedilu em um
contexto em que a populaccedilatildeo da cidade crescia e a demanda pelo ensino em
diversos niacuteveis aumentava havendo a necessidade de habilitar os professores para
o trabalho docente Ateacute o ano de 1957 Foz do Iguaccedilu contava com um Grupo
Escolar o Bartolomeu Mitre que atendia aproximadamente 400 crianccedilas uma Casa
Escolar com aproximadamente 80 alunos e cinco escolas rurais isoladas que
tinham capacidade para atender 250 alunos Foz do Iguaccedilu tinha capacidade para
atender aproximadamente 730 alunos no ensino primaacuterio o que era pouco diante da
crescente demanda sobretudo dos nuacutecleos urbanos e das aacutereas rurais aleacutem das
aacutereas distritais22
Ainda que tenha havido a criaccedilatildeo dos coleacutegios normais o relatoacuterio do plano
de desenvolvimento de Foz do Iguaccedilu de 1972 apontava que o corpo docente do
municiacutepio era constituiacutedo em sua maioria por professores sem habilitaccedilatildeo tanto
nas redes municipais e estaduais quanto nas privadas A justificativa para esta
qualificaccedilatildeo segundo o relatoacuterio estava no baixo niacutevel salarial que impedia os
qualificados de se dedicarem ao magisteacuterio Na zona rural a porcentagem era ainda
maior Cerca de 80 do pessoal natildeo qualificado atende ao ensino primaacuterio que
funcionava em 41 escolas isoladas e duas casas escolares Segundo o PDI
22 Dentre os distritos que ficavam sob a jurisdiccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu encontram-se Santa Terezinha
de Itaipu Itacoreacute Alvorada Medianeira dentre outros (SBARDELLOTO 2009 p 146)
67
O Estado que paga os melhores salaacuterios (Cr$ 41600) natildeo faz nomeaccedilotildees e a Prefeitura possuindo apenas 3 elementos em seu quadro efetivo percebendo Cr$ 28000 contrata os professores normalistas por apenas Cr$ 28000 e a professora leiga por 60 do salaacuterio miacutenimo (PDI 1972 p 114)
Quanto agrave estrutura do periacuteodo o relatoacuterio aponta que ateacute 1971 havia cinco
grupos escolares estaduais um privado uma casa escolar municipal e duas escolas
isoladas que segundo o relatoacuterio natildeo eram suficientes para atender a demanda
Quanto agrave estrutura o relatoacuterio aponta
Somente na Zona Urbana vamos encontrar preacutedios escolares de alvenaria com luz aacutegua encanada e instalaccedilotildees sanitaacuterias regulares Natildeo quer isto dizer que sejam instalaccedilotildees satisfatoacuterias pois deixam muito a desejar havendo falta de aacutegua e os miacutenimos requisitos agrave boa higiene dos escolares () Na zona rural os preacutedios satildeo todos de madeira sem as menores condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave higiene escolar notando-se ausecircncia de atendimento sanitaacuterio e de sauacutede (PDI 1972 p 118)
No mesmo relatoacuterio o problema da evasatildeo eacute justificado com o argumento da
localizaccedilatildeo da cidade que por estar em uma regiatildeo de fronteira eacute caracterizada por
possuir uma populaccedilatildeo flutuante As escolas rurais por exemplo em periacuteodos de
colheita eram fechadas pois natildeo havia frequecircncia alguma uma vez que os alunos
estavam trabalhando nas lavouras Outro exemplo eacute a justificativa do baixo
rendimento escolar atribuiacutedo ao alto iacutendice de crianccedilas argentinas e paraguaias que
estudavam no lado brasileiro com a alegaccedilatildeo do problema do idioma que gerava
atraso em toda turma ldquoNo 1ordm ano o periacuteodo de preacute-alfabetizaccedilatildeo que normalmente
eacute feito em trecircs meses (no maacuteximo) chega a durar quase um anordquo (PDI 1972 p
125)
Este argumento que culpabiliza o aluno estrangeiro pelo atraso da turma natildeo
mudou muito Em pesquisa com professores da rede puacuteblica de Foz do Iguaccedilu
sobre a presenccedila de alunos brasiguaios nas escolas brasileiras citado no capiacutetulo
anterior Pires-Santos (2010) fala que alguns professores vecirc a presenccedila deste perfil
de aluno como um entrave um bdquocastigo‟ pois no seu entendimento seraacute difiacutecil
ensinaacute-los Outro destaque reside no fato de que estes relatoacuterios feitos em 1972
foram produzidos em nome do Estado que vivia sob o regime dos militares cuja
preocupaccedilatildeo com o estrangeiro no paiacutes se restringia nas questotildees de seguranccedila
nacional
68
No decorrer da deacutecada de 1970 a pauta da educaccedilatildeo segue em discussatildeo na
regiatildeo sobretudo com a reforma do ensino promulgada pela Lei 569271 Foz do
Iguaccedilu vivia nessa deacutecada os impactos da construccedilatildeo da Usina Hidreleacutetrica de
Itaipu A cidade recebeu aproximadamente 40000 operaacuterios com suas respectivas
famiacutelias oriundas de vaacuterios estados do paiacutes para a construccedilatildeo da hidreleacutetrica O
aumento populacional gerado pela chegada dos trabalhadores na cidade fez com
que todas as obras de infraestrutura fossem feitas apressadamente dentre essas
os hospitais as moradias e escolas subsidiados pela Itaipu Um exemplo foi o
convecircnio entre a Prefeitura por meio da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo e
Cultura com a Itaipu que resultou na construccedilatildeo da escola Prof Parigot de Souza
no ano de 1975
() Fica o Chefe do Executivo Municipal autorizado a firmar convecircnio com a Empresa ITAIPU ndashBINACIONAL objetivando a aplicaccedilatildeo de recursos para pagamento de professores e demais servidores para o setor administrativo bem como da manutenccedilatildeo da nova unidade escolar preacute-fabricada construiacuteda na sede municipal onde seraacute instalada uma extensatildeo do Ginaacutesio Estadual bdquoDom Manoel Konnerrdquode Foz do Iguaccedilu‟
(Foz do Iguaccedilu Lei Municipal nordm 8821975 Art1ordm)
Com a construccedilatildeo da hidreleacutetrica o nuacutemero de escolas em Foz do Iguaccedilu
aumentou significativamente Na deacutecada de 1960 havia cerca de oito escolas
municipais na cidade na deacutecada de 1980 mais nove escolas e hoje segundo dados
da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (2011) a cidade conta com 83 escolas
municipais e 82 estaduais 43 privadas e 04 filantroacutepicas
O periacuteodo que se estende da Colocircnia Militar de 1889 ateacute o fim da Era Vargas
(1930-1954) demonstrou que as raiacutezes pela qual as escolas foram criadas passou
pela construccedilatildeo de valores que satildeo constitutivos de uma ideal de naccedilatildeo Wachowicz
(1984) cita o ofiacutecio do general comandante da 5ordf Regiatildeo Militar em 1925 que
expressava a urgecircncia de se construir escolas nas zonas de fronteira haja vista que
a uacutenica soluccedilatildeo era enviar as crianccedilas para frequentar escola na Argentina O
incocircmodo do general se baseia na busca pelo estabelecimento de uma identidade
nacional ao Brasil pois a presenccedila de alunos brasileiros em escolas argentinas
representava um perigo A escola eacute um dos espaccedilos em que se bdquoimagina‟ se
constroacutei um identidade nacional ldquoNascida na ficccedilatildeo agrave identidade precisava de muita
coerccedilatildeo e convencimento para se consolidar e se concretizar numa realidaderdquo
(BAUMAN 2005 p 27)
69
Em siacutentese a escola natildeo eacute neutra mas perpassam tambeacutem outros interesses
que natildeo satildeo apenas os de ideais nacionalistas Ela eacute um espaccedilo marcado por
contradiccedilotildees Eacute o que o educador brasileiro Paulo Freire (1987) sugere ao natildeo
negar a influecircncia que determinado modo de se propor um modelo educativo pode
causar na sociedade Justamente por saber do potencial transformador da educaccedilatildeo
eacute que ele propunha um modelo para de educaccedilatildeo a partir da base da realidade na
qual o sujeito estaacute inserido
Em Foz do Iguaccedilu haacute a constataccedilatildeo de que o Estado esteve preocupado em
criar escolas a fim de bdquonacionalizar‟ a fronteira Braduel (2009) ao refletir acerca da
relaccedilatildeo entre Estado e territoacuterio e a ocupaccedilatildeo do espaccedilo afirma que ldquoEstados agem
como indiviacuteduos obstinando-se em delimitar seu domiciacutelio da mesma forma que
todo animal livre defende aquilo que ele considera ser o seu territoacuteriordquo (BRAUDEL
2009 p 262 apud Heinsfiel 2014 p 17)
Nessa perspectiva o Estado tem como foco a necessidade de delimitar seus
domiacutenios Domiacutenios estes que satildeo reforccedilados por instituiccedilotildees capazes de legitimar
essa loacutegica tais como as escolas Segundo Bourdieu (2008) um dos principais
poderes do Estado eacute impor categorias de pensamento categorias que noacutes
assumimos como naturais aparentemente espontacircneas mas que na verdade satildeo
impostas pelo Estado (BOURDIEU 2008 p 91)
24 A Educaccedilatildeo a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O direito agrave diversidade nas
escolas
Com o processo de redemocratizaccedilatildeo e da nova Constituiccedilatildeo Federal
promulgada em 1988 houve um grande avanccedilo em termos de direitos civis No
caso da presenccedila de estrangeiros no paiacutes a Carta Magna assegura a todas as
pessoas brasileiras ou estrangeiras estando em situaccedilatildeo migratoacuteria regular ou
irregular o direito agrave educaccedilatildeo escolar Os princiacutepios escolares passaram a ter
como base a igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia nas escolas
da liberdade e do pluralismo de ideacuteias e concepccedilotildees pedagoacutegicas
Art 206 O ensino seraacute ministrado com base nos seguintes princiacutepios I - igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola II - liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber III - pluralismo de ideacuteias e de concepccedilotildees pedagoacutegicas e coexistecircncia de instituiccedilotildees puacuteblicas e
70
privadas de ensino IV - gratuidade do ensino puacuteblico em estabelecimentos oficiais (CF 1998)
Waldman (2012) destaca que a nova constituiccedilatildeo tem pela primeira vez o
princiacutepio da dignidade da pessoa humana como fundamental e afirmou como
objetivos fundamentais a ldquopromoccedilatildeo do bem para todos sem preconceitos de
origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeordquo
(WALDMAN 2012 p63)
No campo das relaccedilotildees internacionais o Brasil se comprometeu pela
prevalecircncia dos direitos humanos pela cooperaccedilatildeo entre os povos e pela atenccedilatildeo
agrave integraccedilatildeo poliacutetica social e cultural da Ameacuterica Latina23 Estes pontos
apresentados satildeo importantes a serem considerados pois satildeo com base na CF
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 seraacute elaborada e a
partir dela outros documentos importantes que toca agrave questatildeo da diversidade
eacutetnicas cultural e racial na educaccedilatildeo Alguns destes documentos satildeo o Curriacuteculo
da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do Oeste do Paranaacute o Plano Estadual de Educaccedilatildeo
do Paranaacute e os Paracircmetros Curriculares Nacionais que seratildeo analisados no
proacuteximo capiacutetulo
23
Art 4ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaccedilotildees internacionais pelos seguintes
princiacutepios I - independecircncia nacional II - prevalecircncia dos direitos humanos III - autodeterminaccedilatildeo dos povos IV - natildeo-intervenccedilatildeo V - igualdade entre os Estados VI - defesa da paz VII - soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitosVIII - repuacutedio ao terrorismo e ao racismoIX - cooperaccedilatildeo entre os povos para o progresso da humanidadeX - concessatildeo de asilo poliacuteticoParaacutegrafo uacutenico A Repuacuteblica Federativa do Brasil buscaraacute a integraccedilatildeo econocircmica poliacutetica social e cultural dos povos da Ameacuterica Latina visando agrave formaccedilatildeo de uma comunidade latino-americana de naccedilotildees
71
CAPIacuteTULO III POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS PARA A EDUCACcedilAtildeO NA FRONTEIRA
ENTRE ARGENTINA BRASIL E PARAGUAI
31 Poliacuteticas Puacuteblicas conceitos e abordagens
O campo de estudos de poliacuteticas puacuteblicas avanccedilou nos uacuteltimos sessenta
anos tendo conformado uma literatura instrumental analiacutetica que contribuiu para a
compreensatildeo dos processos de natureza poliacutetico- administrativo (SECCHI 2013)
No Brasil segundo Faria (2003) a aacuterea de anaacutelise de poliacuteticas puacuteblicas ainda eacute
escassa Isso se comprova pela falta de anaacutelises mais sistemaacuteticas no que tange
aos processos de implementaccedilatildeo aleacutem da carecircncia em estudos que tratam de
metodologias e instrumentos de avaliaccedilatildeo destas poliacuteticas pelos trecircs niacuteveis de
governo legislativo executivo e judiciaacuterio
A fim de apresentar a analise de algumas poliacuteticas puacuteblicas (PP) que tratam
da questatildeo da educaccedilatildeo e diversidade cultural faz-se necessaacuterio apresentar o que
se compreende enquanto uma PP Teoacutericos apontam que seu significado natildeo
apresenta uma definiccedilatildeo uacutenica (SECCHI 2010 BONETI 2011) Assim utilizaremos
como definiccedilatildeo de PP as concepccedilotildees de Tamayo Saacuteez (1997) que a entende como
ldquoum conjunto de objetivos decisotildees e accedilotildees que levam a cabo um governo para
solucionar os problemasrdquo (TAMAYO SAEacuteZ 1997 p 2) Complementando esta
definiccedilatildeo citamos Lindomar Boneti (2006) e seu entendimento do que sejam
poliacuteticas puacuteblicas
Accedilatildeo que nasce do contexto social mas que passa pela esfera estatal como uma decisatildeo de intervenccedilatildeo puacuteblica numa realidade social determinada quer seja ela econocircmica ou social Ainda esclarece que as poliacuteticas puacuteblicas representam [] o resultado da dinacircmica do jogo de forccedilas que se estabelece no acircmbito das relaccedilotildees de poder relaccedilotildees estas constituiacutedas pelos grupos econocircmicos e poliacuteticos classes sociais e demais organizaccedilotildees da sociedade civil (BONETI 2006 p 76)
Eacute importante assinalar que as PPs mudam com o tempo e em consonacircncia
com o modelo de Estado vigente como as transformaccedilotildees que ocorrem em uma PP
dentro de um Estado autoritaacuterio para um Estado democraacutetico A criaccedilatildeo de uma PP
natildeo depende somente das decisotildees emanadas do poder puacuteblico Esse jogo de
72
forccedilas ao qual Boneti se refere satildeo concernentes agraves correlaccedilotildees realizadas com
agentes privados e da sociedade civil No entanto no sentido de responsabilizaccedilatildeo
por sua implementaccedilatildeo e permanecircncia compreende-se aqui que uma PP eacute
responsabilidade do Estado24
Dentre os aspectos a serem considerados no momento de escolher uma PP
os fatores culturais satildeo de fundamental importacircncia para a sua implementaccedilatildeo O
sucesso ou o fracasso de uma PP pode estar diretamente ligado ao contexto no qual
se insere
No que confere agrave anaacutelise de uma PP a mais aceita eacute aquela que busca
compreender como os formuladores de poliacutetica (policymakers) lidam com os
problemas com que se defrontam Nas palavras de Wildavsky
() o papel de Anaacutelise de Poliacutetica eacute encontrar problemas onde soluccedilotildees podem ser tentadas ou seja bdquoo analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possiacutevel alguma melhoria‟ Portanto a Anaacutelise de Poliacutetica estaacute preocupada tanto com o planejamento como com a poliacutetica (politics) (WILDAVSKY 1979 apud RUA 2009 p 23)
Segundo Tamayo Saacuteez (1997) a anaacutelise de PP possui um caraacuteter
multidisciplinar Trata-se de um conjunto de teacutecnicas conceitos e estrateacutegias
oriundas de diferentes disciplinas - ciecircncia poliacutetica antropologia sociologia
psicologia e da teoria da organizaccedilatildeo - cujo objetivo eacute interpretar as causas e
consequumlecircncias das accedilotildees do governo Conforme este argumento eacute importante
ressaltar que os atores que analisam determinada PP o fazem a partir de seus
valores sua capacidade teacutecnica seus interesses e o grau de informaccedilatildeo Tais
fatores satildeo fundamentais para compreensatildeo destas anaacutelises
Por poliacuteticas puacuteblicas educacionais compreende-se tudo aquilo que um
governo faz ou deixa de fazer em mateacuteria de educaccedilatildeo No que tange agrave poliacutetica
educacional brasileira esta deve ser pensada em contexto amplo onde fatores
como a constituiccedilatildeo federal a poliacutetica nacional de direitos humanos e os acordos e
tratados internacionais devem ser considerados assim como os fatores sociais e
culturais da sociedade (SILVA MOURA MELLO 2013)
24
Mas vale dizer que natildeo necessariamente uma poliacutetica puacuteblica eacute apenas estatal
73
Segundo Azevedo e Aguiar (2001) os estudos sobre as poliacuteticas
educacionais no Brasil satildeo recentes mas encontram-se em processo de construccedilatildeo
e crescimento As pesquisas e publicaccedilotildees sobre as poliacuteticas educacionais possuem
dois eixos de estudos o primeiro refere-se aos de caraacuteter teoacuterico com questotildees
mais amplas acerca do processo de formulaccedilatildeo de poliacuteticas abarcando mudanccedilas
no papel do Estado das redes de influecircncia no desenvolvimento de formulaccedilatildeo de
poliacuteticas o segundo trata da anaacutelise e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas e programas
(MAINARDES 2006) Quanto ao primeiro eixo ao destacar a funccedilatildeo do Estado na
definiccedilatildeo e implementaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica Mainardes (2006) explica que
natildeo se trata de defender que o Estado ou os governos decidam por implementar as
poliacuteticas puacuteblicas mas isso reflete as pressotildees de diferentes grupos de interesse
Citando Evans Rueschmeyer e Skocpol (1985) Souza (2006) se aproxima da
perspectiva teoacuterica que defende uma autonomia relativa do Estado ldquoque faz com
que o mesmo tenha um espaccedilo proacuteprio de atuaccedilatildeo embora permeaacutevel a influecircncias
externas e internasrdquo (SOUZA 2006 p27 apud Evans Rueschmeyer e Skocpol
1985)
Os dois eixos foram abordados nesta dissertaccedilatildeo pois considera-se
importante conhecer os principais aspectos histoacutericos das poliacuteticas educativas no
Brasil e sua relaccedilatildeo com o Estado para posteriormente tratar da anaacutelise das
poliacuteticas escolhidas O modelo denominado de ciclo de poliacuteticas puacuteblicas seraacute o
recurso utilizado para analise das poliacuteticas educacional
O ciclo de poliacutetica tem adquirido importacircncia progressiva nos estudos sobre a
elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica principalmente por consistir em uma serie de etapas
que envolve o processo poliacutetico-administrativo os atores suas relaccedilotildees recursos de
poder as relaccedilotildees poliacuteticas sociais e as praacuteticas Saravia e Ferrarezi (2006p32)
descrevem sete etapas deste ciclo primeiro uma agenda poliacutetica que eacute a
necessidade social de elaborar determinada poliacutetica puacuteblica em segundo a
elaboraccedilatildeo propriamente dita da poliacutetica puacuteblica para identificar e delimitar um
problema seja ele atual ou que pode vir a ser necessaacuterio Com isto determinam-se
as alternativas para a soluccedilatildeo a partir das possiacuteveis soluccedilotildees para o problema
formula-se a alternativa mais cabiacutevel pra sua implementaccedilatildeo que deve ser
constituiacuteda por meio do ldquoplanejamento e organizaccedilatildeo do aparelho administrativo e
dos recursos humanos financeiros materiais e tecnoloacutegicos necessaacuterios para
executar uma poliacuteticardquo (SARAVIA p34) A proacutexima etapa eacute a execuccedilatildeo destinada a
74
atingir os objetivos traccedilados pela poliacutetica ldquoEssa etapa inclui o estudo dos
obstaacuteculos que normalmente se opotildeem agrave transformaccedilatildeo de enunciados em
resultados e especialmente a anaacutelise da burocraciardquo (SARAVIA 2006 p 34) A
sexta etapa reside no acompanhamento que eacute o processo de supervisatildeo da
execuccedilatildeo de uma atividade a fim de fornecer a ldquoinformaccedilatildeo necessaacuteria para
introduzir eventuais correccedilotildees a fim de assegurar a consecuccedilatildeo dos objetivos
estabelecidosrdquo (SARAVIA 2006 p34) Por uacuteltimo temos a avaliaccedilatildeo que consiste
em analisar os impactos das poliacuteticas implementadas para a sociedade
Saravia (2006) explica que esta sequecircncia eacute mais uma esquematizaccedilatildeo
teoacuterica do que ocorre na praacutetica Nem sempre essas etapas satildeo consideradas Eacute o
caso de muitos paiacuteses da Ameacuterica Latina onde os programas de ajuste estrutural
natildeo consideraram as primeiras etapas iniciais de sua elaboraccedilatildeo os resultados
sociais possiacuteveis Como consequumlecircncia os indicadores da educaccedilatildeo da sauacutede da
previdecircncia social da habitaccedilatildeo do emprego e de outros setores sociais mostram a
existecircncia de uma situaccedilatildeo difiacutecil que se agrava com o tempo (SARAVIA 2006
p35-36)
32 Caminhos das poliacuteticas educacionais no Brasil
No Brasil por muito tempo as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo ficaram
aqueacutem do esperado Valle (2009) aponta que no decorrer do periacuteodo colonial ou do
Impeacuterio natildeo haacute registros de uma real preocupaccedilatildeo com as poliacuteticas puacuteblicas de
Educaccedilatildeo (VALLE 2009) Arauacutejo (2011) explica que eacute recente a ideia de um ldquoEstado
em accedilatildeordquo no sentido de promover poliacuteticas para educaccedilatildeo (ARAUacuteJO 2011 p236)
Em um contexto onde sociedade e economia fundamentaram suas bases em um
modelo econocircmico agroexportador e na matildeo-de-obra escrava a preocupaccedilatildeo com a
educaccedilatildeo surgiu muito tarde
Maria Luisa Ribeiro (1992) escreve que no periacuteodo colonial a poliacutetica
educacional esteve vinculada agrave poliacutetica colonizadora dos portugueses (RIBEIRO
1992 p 20) A historiadora Maria Luiza Marciacutelio (2005) acrescenta estes dados ao
traccedilar as principais caracteriacutesticas do sistema educacional brasileiro no periacuteodo que
se estende de 1554 a 1759 ao explicar que o uacutenico ensino formal presente ateacute
meados do seacuteculo XVIII era oferecido pela Companhia de Jesus que era
75
basicamente elitista atendendo em grande parcela ldquojovens brancos proprietaacuterios
de terras famiacutelias da elite colonial aleacutem de introduzir nas primeiras letras do
catecismo elementar as crianccedilas iacutendias das aldeias jesuiacutetasrdquo (MARCIacuteLIO 2005
p42)
Saviani (2008) aponta que o primeiro documento de poliacutetica educacional foi
editado em 1548 e encontrado nos ldquoRegimentosrdquo de DJoatildeo III com a finalidade de
orientar as accedilotildees do governador geral do Brasil Tomeacute de Souza que veio com a
companhia de mais quatro padres e dois irmatildeos jesuiacutetas liderados por Manuel da
Noacutebrega
Nesse mesmo ano os jesuiacutetas receacutem-chegados deram iniacutecio agrave obra educativa centrada na catequese guiados pela orientaccedilatildeo contida nos referidos bdquoRegimentos‟ cumprindo pois um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal Nessa condiccedilatildeo cabia agrave coroa manter o ensino mas o rei enviava verbas para a manutenccedilatildeo e a vestimenta dos jesuiacutetas natildeo para construccedilotildees (SAVIANI 2008 p8)
No que se refere agrave inclusatildeo da populaccedilatildeo na instituiccedilatildeo jesuiacutetica Marciacutelio
(2005) aponta que no periacuteodo da expulsatildeo dos jesuiacutetas em 1759 a soma de todos
os alunos natildeo atingia 01 da populaccedilatildeo brasileira Em um cenaacuterio que contava
com 50 da populaccedilatildeo constituiacuteda por mulheres e 40 de escravizados aleacutem de
negros livres pardos filhos ilegiacutetimos e crianccedilas abandonadas todos estes ficavam
agrave margem do sistema de ensino Ao todo os jesuiacutetas ficaram agrave frente da educaccedilatildeo
brasileira por mais de dois seacuteculos ateacute a expulsatildeo (MARCIacuteLIO 2005 p3)
A segunda fase de poliacuteticas educacionais no Brasil foi marcada pelas
reformas pombalinas para instruccedilatildeo puacuteblica Com a instalaccedilatildeo da coroa portuguesa
no Brasil Colonial em 1808 a educaccedilatildeo ganhou novos significados Uma ldquoseacuterie de
cursos tanto profissionalizantes em niacutevel meacutedio como em niacutevel superior bem como
militares foram criados para fazer do local algo realmente parecido com uma Corterdquo
(GHIRALDELLI JR 2001 p 16) Deste modo o periacuteodo compreendido como
pedagogia pombalina (1759-1827) corresponde agraves primeiras tentativas de se instituir
uma escola puacuteblica estatal
As reformas pombalinas contrapotildeem-se ao predomiacutenio das ideacuteias religiosas e com base nas ideacuteias laicas inspiradas no Iluminismo institui o privileacutegio do Estado em mateacuteria de instruccedilatildeo surgindo assim a nossa versatildeo da bdquoeducaccedilatildeo puacuteblica estatal‟ (LUZURIAGA 1959 p23-39 apud SAVIANE 2008 p9)
76
Quando Dom Pedro I assume o poder no periacuteodo Regencial a maioria da
populaccedilatildeo seguia analfabeta A independecircncia poliacutetica natildeo alterou o quadro da
situaccedilatildeo de ensino ao menos de imediato Para Joatildeo Cruz Costa citado por
Romanelli (1985) o processo de independecircncia significava ldquosimples transferecircncia de
poderes dentro de uma mesma classe [a independecircncia] entregaria a direccedilatildeo da
nova accedilatildeo aos proprietaacuterios de terras de engenhos e aos letradosrdquo (COSTA 1980
apud ROMANELLI 1985 p 39)
Eacute neste contexto que comeccedila uma nova fase no campo da educaccedilatildeo tendo
como marco inicial a lei das Escolas das Primeiras letras de 1827 com o objetivo de
ensinar toda a populaccedilatildeo brasileira conforme o artigo de nuacutemero 6 presente na Lei
de 15 de outubro de 1827
() Art 6ordm - Os professores ensinaratildeo a ler escrever as quatro operaccedilotildees de aritmeacutetica praacutetica de quebrados decimais e proporccedilotildees as noccedilotildees mais gerais de geometria praacutetica a gramaacutetica de liacutengua nacional e os princiacutepios de moral cristatilde e da doutrina da religiatildeo catoacutelica e apostoacutelica romana proporcionados agrave compreensatildeo dos meninos preferindo para as leituras a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio e a Histoacuteria do Brasil (BRASIL 1827)
No final do seacuteculo XIX marcado pelas influecircncias do positivismo25 comeccedilou no paiacutes
um movimento pela desoficializaccedilatildeo do ensino no Estado defendendo a liberdade
das profissotildees Com isso foram surgindo escolas privadas de benemerecircncia que se
propunham a ofertar ensino gratuito Essa tendecircncia de desoficializaccedilatildeo culminou
com a Reforma Leocircncio de Carvalho em 1879 (SAVIANI 2008) Saviani chama
atenccedilatildeo para este fato ao criticar o fato de que desde iniacutecio das primeiras poliacuteticas
educacionais brasileiras houve certa ldquopromiscuidaderdquo na relaccedilatildeo entre o puacuteblico e o
privado A comeccedilar com a educaccedilatildeo jesuiacutetica que em alguma medida era puacuteblica
mas a entidade que o ofertava natildeo
Conforme Santos (2011) somente a partir do final do seacuteculo XIX e iniacutecio do
XX periacuteodo de transiccedilatildeo para um modelo de desenvolvimento moderno
25
Por Positivismo compreende-se agora de modo mais amplo a filosofia desenvolvida por Augusto Comte que se caracteriza conjuntamente pela expressa confianccedila nos benefiacutecios da industrializaccedilatildeo no otimismo em relaccedilatildeo ao progresso capitalista no culto agrave ciecircncia e a valorizaccedilatildeo do meacutetodo cientiacutefico voltados a uma reforma intelectual da sociedade (COTRIM 1993 p 189)
77
intervencionista foi que a educaccedilatildeo passou a ser reclamada como um condicionante
necessaacuterio para o desenvolvimento do paiacutes Conforme Romanelli (1985) o seacuteculo
XIX fora marcado pelo surgimento de uma nova camada intermediaacuteria tambeacutem
chamada de pequena burguesia Esta classe explica a autora foi fundamental para
a evoluccedilatildeo poliacutetica no Brasil monaacuterquico e para mudanccedilas pelas quais passou o
regime no final do seacuteculo (ROMANELLI 1985 p37)
No periacuteodo republicano outra modalidade de poliacuteticas educacionais se
desenvolveu por volta de 1890 com a implantaccedilatildeo progressiva das escolas
graduadas apoiadas nas escolas normais que comeccedilaram a ser consolidadas sob o
fluxo do iluminismo republicano
Esse periacuteodo abrange de 1890 quando se daacute no estado de Satildeo Paulo a organizaccedilatildeo da escola normal graduada ateacute 1931 quando eacute promulgada a reforma Francisco Campos dando iniacutecio ao processo de regulamentaccedilatildeo ao sistema de ensino em acircmbito nacional (SAVIANI 2004a p20-21)
Somente a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX eacute que podemos
encontrar registros das primeiras lutas por uma educaccedilatildeo e escola de qualidade
puacuteblica e gratuita Valle (2009) aponta que a poliacutetica educacional brasileira foi
marcada pela criaccedilatildeo da Universidade do Rio de Janeiro em 1920 hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro ndash UFRJ ndash pelas organizaccedilotildees colegiadas
como a Associaccedilatildeo Brasileira de Educaccedilatildeo fundada em 1924 liderada pelos
reformadores do movimento Escola Nova cujo marco encontra-se no lanccedilamento do
Manifesto dos Pioneiros da Educaccedilatildeo na deacutecada de 1930 (VALLE 2009 p22)
Acerca deste Manifesto escreve Santos (2011)
Lanccedilado em 1932 o Manifesto foi sobretudo um documento de poliacutetica educativa no qual para aleacutem da defesa da Escola Nova estava a causaluta maior dapela escola puacuteblica laica sendo esta responsabilidade do Estado Ressalto que as diretrizes desse manifesto influenciaram a Constituiccedilatildeo de 1934 (FREITAS 2005 SAVIANI 2005 apud SANTOS 2011 p2)
Em 1930 ano em que tecircm iniacutecio a Era Vargas eacute criado o Ministeacuterio dos
Negoacutecios da Educaccedilatildeo e Sauacutede Este periacuteodo eacute considerado por Saviani (2008) o
iniacutecio da sexta modalidade de poliacuteticas educacionais marcado pela reforma
Francisco Campos em 1931 e caracterizada pela regulamentaccedilatildeo em acircmbito
nacional das escolas superiores secundaacuterias e primaacuterias incorporando
78
crescentemente as concepccedilotildees pedagoacutegicas renovadoras ateacute a criaccedilatildeo da LDB em
1961
As propostas de poliacuteticas educacionais dos reformadores dentre eles Aniacutesio
Teixeira e Lourenccedilo Filho natildeo foram bem recebidas pelo movimento de 1930
Apesar das controveacutersias houve marcos importantes como aponta Santos (2011)
com os seguintes decretos
1) Decreto 19850 de 11 de abril de 1931 que criou o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo 2) Decreto 19851 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitaacuterio 3) Decreto 19852 de 11 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo da Universidade do Rio de janeiro 4) Decreto 19890 de 18 de abril de 1931 que dispocircs sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio 5) Decreto 19941 de 30 de abril de 1931 que instituiu o ensino religioso como mateacuteria facultativa nas escolas puacuteblicas do paiacutes 6) Decreto 20158 de 30 de junho de 1931 que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissatildeo de contador 7) Decreto 21241 de 14 de abril de 1932 que consolidou as disposiccedilotildees sobre a organizaccedilatildeo do ensino secundaacuterio (SANTOS 2011 p 2)
De acordo com Ribeiro (1992) de 1931 a 1937 foram realizados inuacutemeros
congressos e conferecircncias nos quais se discutiam os caminhos possiacuteveis para a
elaboraccedilatildeo de um plano nacional para educaccedilatildeo Nestes debates haviam duas
vertentes
Uma jaacute era tradicional representada pelos educadores catoacutelicos que defendiam a educaccedilatildeo subordinada agrave doutrina religiosa (catoacutelica) a educaccedilatildeo em separado e portanto diferenciadas pelos sexos masculino e feminino o ensino particular a responsabilidade da famiacutelia quanto agrave educaccedilatildeo etc Outra era representada pelos educadores influenciados pelas bdquoideacuteias novas‟ e que defendiam a laicidade a co- educaccedilatildeo a gratuidade a responsabilidade puacuteblica em educaccedilatildeo etc (RIBEIRO 1992 p99)
Em um contexto onde o mundo presenciava as experiecircncias de paiacuteses com
ideologias fascistas e comunistas os grupos de educadores que debatiam a
educaccedilatildeo agrave eacutepoca diziam ser contraacuterios agrave monopolizaccedilatildeo do ensino por parte do
Estado Com isto o movimento escola novista e sua ideia da educaccedilatildeo ser de
responsabilidade puacuteblica passam a ser assimiladas agraves ideias comunistas
79
Em 1934 eacute outorgada uma nova Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica que segundo
Ribeiro (1992) apesar de seu caraacuteter contraditoacuterio ao atender as reivindicaccedilotildees
sobretudo dos reformadores catoacutelicos conseguiu destacar a educaccedilatildeo dedicando-
lhe um capiacutetulo especiacutefico para o assunto Entatildeoldquoa reivindicaccedilatildeo catoacutelica quanto ao
ensino religioso eacute atendida assim como outras ligadas aos representantes das
ldquoideacuteias novasrdquo (CapI art 5ordmXIV 1934 apud RIBEIRO 1992 p104)
A partir de 1937 quando o golpe militar instaura o Estado Novo algumas
premissas satildeo mantidas como a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primaacuterio
Institui-se como obrigatoacuterio o ensino de trabalhos manuais nas escolas primaacuterias
normais e secundaacuterias Tambeacutem fica estabelecido o programa escolar em termos de
ensino preacute-vocacional orientado agraves classes menos favorecidas No artigo 129 o
regime de cooperaccedilatildeo entre a induacutestria e o Estado eacute fixado (RIBEIRO 1992 p114-
115)
O periacuteodo do Estado Novo que durou sessenta anos foi um periacuteodo
marcante para a educaccedilatildeo pois traduziu o que aquele regime poliacutetico pretendeu
executar no Brasil Nas palavras de Helena Bomeny (1999)
Formar um bdquohomem novo‟ para um Estado Novo conformar mentalidades e criar o sentimento de brasilidade fortalecer a identidade do trabalhador ou por outra forjar uma identidade positiva no trabalhador brasileiro tudo isso fazia parte de um grande empreendimento cultural e poliacutetico para o sucesso do qual contava-se estrategicamente com a educaccedilatildeo por sua capacidade universalmente reconhecida de socializar os indiviacuteduos nos valores que as sociedades atraveacutes de seus segmentos organizados querem ver internalizados (BOMENY1999p139)
Bomeny apresenta quatro decretos que remetem ao fechamento das escolas
estrangeiras
O Decreto lei ndeg 383 de 18 de abril de 1938 que proibia aos
estrangeiros o exerciacutecio de atividades poliacuteticas no Brasil o Decreto ndeg 406 de 4 de maio 1938 que regulamentava o ingresso e a permanecircncia de estrangeiros ditando providecircncias para sua assimilaccedilatildeo e criando o Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo como oacutergatildeo executor de suas disposiccedilotildees o Decreto ndeg 868 de 18 de novembro de 1938 que instituiu a Comissatildeo Nacional de Ensino Primaacuterio que possuiacutea entre suas atribuiccedilotildees a nacionalizaccedilatildeo do ensino nos nuacutecleos estrangeiros e o Decreto ndeg 948 de 13 de dezembro do mesmo ano que considerando a complexidade das medidas para promover a assimilaccedilatildeo dos colonos e completa nacionalizaccedilatildeo dos filhos de imigrantes estabelecia que as medidas fossem tomadas pelo Conselho de Imigraccedilatildeo e Colonizaccedilatildeo (BOMENY 1999 p 158)
80
Em documento dirigido a Getuacutelio Vargas em 1939 o entatildeo Ministro de
Guerra Eurico Gaspar Dutra apontou a educaccedilatildeo como um dos setores
intimamente ligados agrave seguranccedila nacional ldquoO problema da educaccedilatildeo apreciado em
toda a sua amplitude natildeo pode deixar de constituir uma das mais graves
preocupaccedilotildees das autoridades militaresrdquo (Arquivo Osvaldo Aranha AO 390418
FGVCPDOC apud BOMENY 1999 p139)
Com o fim do Estado Novo a nova constituiccedilatildeo caracterizada por seu caraacuteter
liberal e democraacutetico possibilitou algumas mudanccedilas na educaccedilatildeo O novo Ministro
da Educaccedilatildeo regulamentou em 1946 o Ensino Primaacuterio e o Ensino Normal aleacutem do
Serviccedilo Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC Neste contexto o Brasil
passou a viver o que se denominou como periacuteodo nacional-desenvolvimentista No
plano internacional o mundo vivia o poacutes-guerra momento marcado pela
reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos o que levou a uma grande fase de crescimento
econocircmico em niacutevel mundial conhecida como a ldquoa era de ourordquo acarretando no que
ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social
O Estado de bem-estar social era um projeto cogente para recuperar o vigor e a capacidade de expansatildeo dos paiacuteses capitalistas apoacutes a tensatildeo social econocircmica e poliacutetica do periacuteodo entre guerras Tanto que o estabelecimento do Estado de bem-estar social entre as deacutecadas de 1940 e 1960 ficou conhecido como bdquoera dourada do capitalismo‟ por ser um momento de desenvolvimento econocircmico com garantias sociais e oferecimento praticamente de emprego pleno para a maioria da populaccedilatildeo nos paiacuteses mais desenvolvidos (VICENTE 2009 p124)
Apoacutes a reconstruccedilatildeo dos paiacuteses envolvidos na guerra ocorreu o processo de
internacionalizaccedilatildeo do capital O avanccedilo do capitalismo para paiacuteses como o Brasil
implicou em uma nova forma de desenvolvimento As ideacuteias por uma poliacutetica
nacional-desenvolvimentista foram propagadas principalmente pelo Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 durante o governo interino
de Cafeacute Filho No governo de Juscelino Kubitschek o ISEB passa a ser o braccedilo do
governo no sentido de propagar a mentalidade nacional para o desenvolvimento
A deacutecada de 1960 eacute caracterizada por uma sociedade brasileira marcada pelo
processo crescente de urbanizaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo e pelas mudanccedilas nas
relaccedilotildees de trabalho no campo Na mesma intensidade aumentavam as
81
desigualdades sociais o que mobilizou setores da sociedade em lutas por reformas
de base com vistas agrave reduccedilatildeo dessas desigualdades sociais (NASCIMENTO 2006)
No que se refere ao perfil que tomam as poliacuteticas educacionais nesse periacuteodo
Saviani (2005) aponta que
[] se o periacuteodo situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado pelo equiliacutebrio entre as influecircncias das concepccedilotildees humanista tradicional (representada pelos catoacutelicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros da educaccedilatildeo nova) a partir de 1945 jaacute se delineia como nitidamente predominante a concepccedilatildeo humanista moderna (SAVIANI 2005 p14)
Para o autor o foco no desenvolvimento econocircmico do paiacutes que por sua vez geraria
o desenvolvimento em outras instacircncias da sociedade acabou por gerar uma
inversatildeo do ensino puacuteblico A escola passou a ser instrumento para servir agrave loacutegica
do mercado por meio da pedagogia tecnicista26
No periacuteodo que se estende de 1964-1984 periacuteodo da ditadura militar todo o
aparelho estatal fora reformulado em nome da seguranccedila interna
Definindo a seguranccedila interna como accedilatildeo-resposta a um processo subversivo devendo ser conduzida em termos de aplicaccedilatildeo global do Poder Nacional dentro de uma Estrateacutegia Nacional especiacutefica A Escola Superior de Guerra considerava que essa accedilatildeo-resposta se delineava atraveacutes de trecircs atitudes estrateacutegicas preventiva repressiva e operativa (MIRANDA 1970 p18 apud SAVIANI 2004 p119)
Desse modo as accedilotildees preventivas procuravam evitar aquilo que era
entendido como subversivo As accedilotildees repressivas procuravam impedir a praacutetica
subversiva e as accedilotildees operativas destinavam-se a eliminar esses focos mediante a
accedilatildeo armada Em outras palavrasldquoo Poder Nacional tal como concebido pela
ideologia da interdependecircncia eacute acionado para destruir a autonomia nacional nos
termos da ideologia nacional-desenvolvimentistardquo (SAVIANI 2004 p120)
26
A partir do pressuposto da neutralidade cientiacutefica e inspirada nos princiacutepios de racionalidade eficiecircncia e produtividade a pedagogia tecnicista advogou a reordenaccedilatildeo do processo educativo de maneira a tornaacute-lo objetivo e operacional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretendeu-se a objetivaccedilatildeo do trabalho pedagoacutegico Buscou-se entatildeo com base em justificativas teoacutericas derivadas da corrente filosoacutefico-psicoloacutegica do behaviorismo planejar a educaccedilatildeo de modo a dotaacute-la de uma organizaccedilatildeo racional capaz de minimizar as interferecircncias subjetivas que pudessem pocircr em risco sua eficiecircncia (SAVIANI 2009 p11-12)
82
Eacute neste contexto que eacute possiacutevel compreender todas as poliacuteticas educacionais
durante o regime militar Destaca-se o Mobral27 seguido das reformas de ensino de
primeiro segundo e terceiros graus a criaccedilatildeo dos Centros Rurais Universitaacuterios de
Treinamento e Accedilatildeo Comunitaacuteria (CRUTACS) os Centros Sociais Urbanos o
Projeto Rondon a Empresa Brasileira de Notiacutecias (EBN) etc (SAVIANI 2004)
O periacuteodo ditatorial ao longo de duas deacutecadas que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na presidecircncia da repuacuteblica se pautou em termos educacionais pela repressatildeo privatizaccedilatildeo de ensino exclusatildeo de boa parcela das classes populares do ensino profissionalizante tecnicismo pedagoacutegico e desmobilizaccedilatildeo do magisteacuterio atraveacutes de abundante e confusa legislaccedilatildeo educacional Soacute uma visatildeo otimistaingecircnua poderia encontrar indiacutecios de saldo positivo na heranccedila deixada pela ditadura militar (GHIRALDELLI 1990 p163)
Em 1979 o Brasil dava iniacutecio ao lento e gradual processo de abertura
democraacutetica que teve iniacutecio no governo de General Geisel (1974-1979) A transiccedilatildeo
democraacutetica se fez seguindo a estrateacutegia de conciliaccedilatildeo pelo alto a fim de dar
prosseguimento agrave ordem socioeconocircmica vigente Naquele momento o mundo vivia
as consequumlecircncias da chamada crise do petroacuteleo que teve seu iniacutecio na deacutecada de
1970 As implicaccedilotildees da crise levaram os paiacuteses a tomarem medidas de
desregulamentaccedilatildeo da economia privatizaccedilotildees e destituiccedilatildeo do Estado de bem-
estar social Nesse contexto nasce o chamado neoliberalismo Neo quer dizer novo
e liberalismo refere-se ao pensamento claacutessico que serviu de base ao capitalismo
Segundo Anderson (1995) ldquoo neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra
Mundial como uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estarrdquo (ANDERSON 1995 p 9)
Na Ameacuterica Latina o efeito da crise fez com que os paiacuteses adotassem os
ajustes neoliberais orientados pelo Banco Mundial Fundo Monetaacuterio Internacional e
o governo dos Estados Unidos apoacutes o ldquoConsenso de Washingtonrdquo28 Os impactos
27
O Movimento Brasileiro de Alfabetizaccedilatildeo foi criado pela Lei Nordm 5379 de 15121967 e tinha como
prioridade promover a alfabetizaccedilatildeo e educaccedilatildeo continuada para jovens e adultos analfabetos Esteve embasada nas proposiccedilotildees de educaccedilatildeo funcional presente nos documentos da UNESCO em 1958 durante o Congresso Mundial de Ministros O MOBRAL teve iniacutecio em 1970 e foi caracterizado do ponto de vista teacutecnico como proacuteximo aos meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo de Paulo Freire que partia das palavras-chaves mas suas orientaccedilotildees pedagoacutegicas eram controladas e supervisionadas pelo governo 28
Em novembro de 1989 reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionaacuterios do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos O objetivo do encontro convocado pelo Institute for
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de tais ajustes perpassam pelo campo das reformas educacionais que devem estar
condicionadas agrave loacutegica do mercado bem como da sauacutede da alimentaccedilatildeo do
trabalho e do salaacuterio (SOARES 2000)
Nesse novo contexto as poliacuteticas educacionais satildeo marcadas por um
neoconservadorismo recheado de contradiccedilotildees e ambiguumlidades presentes nas
principais poliacuteticas educacionais que por sua vez foram resultado do debate entre
diversos setores da sociedade que queriam ver seus interesses contemplados nas
poliacuteticas educacionais somadas agraves deliberaccedilotildees dos organismos multilaterais para
a educaccedilatildeo
33 Poliacuteticas educacionais a partir da Constituiccedilatildeo de 1988
Segundo Gabriele Sapio (2010) a Constituiccedilatildeo Federal (CF) eacute ldquouma das
cartas constitucionais mais adiantadas e progressistas do mundo em mateacuteria de
proteccedilatildeo dos direitos sociais fundamentais coletivos e individuaisrdquo (SAPIO 2010
sn) No Brasil a Constituiccedilatildeo de 1988 eacute considerada um avanccedilo no sentido de
assegurar direitos sociais dentre eles o acesso agrave educaccedilatildeo
No que concerne agrave educaccedilatildeo a Constituiccedilatildeo tem uma seccedilatildeo especiacutefica
destinada agrave mesma Seccedilatildeo I do capiacutetulo III Da Educaccedilatildeo da Cultura e do Desporto
A constituiccedilatildeo de 1988 marca o retorno do Brasil para a democracia No contexto de
sua elaboraccedilatildeo houve inuacutemeros debates por parte dos setores da sociedade de
movimentos sociais a grupos dominantes que queriam ver seus interesses
contemplados na Carta Magna afirma Ghiraldelli Jr (2001 p 169) O mesmo autor
ao analisar a Carta de 1988 onde se discute a educaccedilatildeo informa que este aspecto
natildeo eacute soacute tratado em um artigo especiacutefico mas perpassa por outros toacutepicos
Na Carta de 1988 a educaccedilatildeo natildeo veio contemplada apenas no seu local proacuteprio no toacutepico especiacutefico destinada a ela mas veio tambeacutem espalhada em outros toacutepicos Assim no tiacutetulo sobre direitos e
International Economics sob o tiacutetulo Latin American Adjustment How Much Has Happened era proceder a uma avaliaccedilatildeo das reformas econocircmicas empreendidas nos paiacuteses da regiatildeo Para relatara experiecircncia de seus paiacuteses tambeacutem estiveram presentes diversos economistas latino-americanos Agraves conclusotildees dessa reuniatildeo eacute que se daria subsequentemente a denominaccedilatildeo informal de Consenso de Washingtonrdquo (BATISTA 1994 p 5)
84
garantias fundamentais a educaccedilatildeo apareceu como um direito social junto da sauacutede do trabalho do lazer da seguranccedila da previdecircncia social da proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia da assistecircncia aos desamparados (artigo 6deg) Tambeacutem no capiacutetulo sobre a famiacutelia a crianccedila o adolescente e o idoso a educaccedilatildeo foi incluiacuteda A Constituiccedilatildeo determinou ser dever da famiacutelia da sociedade e do Estado assegurar agrave crianccedila e ao adolescente o direito agrave educaccedilatildeo como uma prioridade em relaccedilatildeo ao outros direitos (GHIRALDELLI JR 2001 p169)
Diante das mudanccedilas que a CF trouxe agrave Educaccedilatildeo houve tambeacutem a
necessidade de se elaborar uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo
Nacional Em dezembro de 1988 o deputado Octaacutevio Eliacutesio apresentou um projeto
que fixava as diretrizes e bases nacionais da educaccedilatildeo diante da nova realidade
brasileira Apoacutes oitos ano de tramitaccedilatildeo debates e discussotildees a nova LDB foi
aprovada em 1996 Atualmente eacute a diretriz que rege o curriacuteculo nacional Assim eacute a
partir dela que iremos iniciar a anaacutelise propostas das poliacuteticas educacionais para a
diversidade
34 Escola e diversidade O que temos em termos de poliacuteticas educacionais
Seraacute que a escola pode ser a mesma quando os educandos satildeo outros Seraacute que o curriacuteculo pode ser o mesmo quando os alunos satildeo outros Seraacute que a pedagogia deva ser a mesmaA docecircncia deva ser a mesma (Miguel Arroyo 2014-Em entrevista concedida ao Portal Dia a Dia Educaccedilatildeo)
As perguntas acima foram feitas pelo poacutes-doutor em educaccedilatildeo Miguel
Arroyo em entrevista concedida a TV Paulo Freire no ano de 2013 Quando
questionado sobre como a escola deve trabalhar o tema da diversidade ele aponta
que natildeo eacute o aluno quem deve se adaptar agrave escola mas a escola quem deve se
adaptar ao aluno Nesse sentido adaptando o questionamento de Arroyo sobre as
poliacuteticas educacionais para a realidade fronteiriccedila a pergunta ficaria a seguinte seraacute
que a escola situada em regiatildeo de fronteira internacional pode ser a mesma quando
os educandos satildeo outros
E este bdquooutro‟ na fronteira eacute o argentino o aacuterabe o paraguaio o brasiguaio o
indiacutegena que estatildeo imersos em meio a tantas outras diversidades que natildeo foram
tratadas aqui mas que complexificam ainda mais a realidade das escolas de
85
fronteira Nela tambeacutem nos deparamos com as questotildees de gecircnero de raccedila de
classes etc Pensando nestes aspectos o que as principais poliacuteticas educacionais
nacionais podem ou natildeo oferecer quando o assunto eacute a diversidade nas escolas de
fronteira internacional
Por diversidade Elvira de Souza Lima (2011) entende que a mesma eacute a
norma da espeacutecie humana pois ldquoos seres humanos satildeo diversos em suas
experiecircncias culturais satildeo uacutenicos em suas personalidades e satildeo diversos em suas
formas de perceber o mundordquo Segundo Gurgel (LIMA 2011 p1) a ideia de
diversidade relaciona-se diretamente com os conceitos de pluralidade multiplicidade
que indicam diferentes valores costumes vivecircncias de diferentes grupos da
sociedade
Nas concepccedilotildees de Gurgel do ponto de vista da Antropologia compreender
os elementos constitutivos da diversidade nos leva a entender diferentes ldquohaacutebitos
costumes comportamentos crenccedilas e valores e a aceitaccedilatildeo da diferenccedila no outro
chamada de alteridaderdquo (GURGEL 2011 p 4)
Nilma Lino Gomes (2008) ao discorrer sobre o que eacute diversidade busca seu
significado no dicionaacuterio apontando que as palavras que traduzem seu sentido satildeo
diferenccedila e dessemelhanccedila Em uma primeira interpretaccedilatildeo Nilma explica que a
diversidade pode se referir a fatos observaacuteveis a olho nu Contudo se ampliarmos a
noccedilatildeo sobre o que sejam diferenccedilas e incluir essas discussotildees no acircmbito cultural eacute
possiacutevel compreendecirc-la de duas formas
1)As diferenccedilas podem ser empiricamente observaacuteveis 2) as diferenccedilas tambeacutem satildeo construiacutedas ao longo do processo histoacuterico nas relaccedilotildees sociais e nas relaccedilotildees de poder Muitas vezes os grupos humanos tornam o outro diferente para fazecirc-lo inimigo para dominaacute-lo Por isso falar sobre a diversidade cultural natildeo diz respeito apenas ao reconhecimento do outro Significa pensar a relaccedilatildeo entre o eu e o outro (GOMES 2008 p2)
Na aacuterea de estudos das poliacuteticas educacionais o tema diversidade eacute recente
Somente a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 e da implementaccedilatildeo da LDB96 eacute que as
poliacuteticas educacionais para diversidade ganharam espaccedilo no campo das poliacuteticas
puacuteblicas
86
341 A LDB96 - A primeira lei originaacuteria da iniciativa civil e do legislativo
A atual LDB96 eacute fruto do novo quadro poliacutetico que se instaurou no Brasil com
o processo de abertura democraacutetica Como jaacute mencionado foram oito anos de
tramitaccedilatildeo ateacute que em 1996 ela fosse fixada com a aprovaccedilatildeo da redaccedilatildeo proposta
pelo entatildeo Deputado Federal e antropoacutelogo Darcy Ribeiro
Ao analisar a LDB96 eacute possiacutevel encontrar alguns artigos que reconhecem a
diversidade existente no paiacutes No Capiacutetulo II referente agrave Educaccedilatildeo Baacutesica o artigo
26 prescreve o seguinte
Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da economia e da clientela (BRASIL 1996)
Com base neste artigo compreende-se que dadas as diferenccedilas culturais presentes
em cada regiatildeo cabe agrave instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave
realidade local Logo a lei daacute margem para que um trabalho diferenciado possa ser
realizado em aacutereas de fronteira internacional O inciso de nuacutemero cinco do mesmo
artigo torna obrigatoacuterio o ensino de uma liacutengua estrangeira moderna cuja escolha
fica a criteacuterio da comunidade escolar a partir da quinta seacuterie (hoje sexto ano)
Em 2005 foi criada a Lei de no 11161 que tornou obrigatoacuterio o ensino da
Liacutengua Espanhola para o Ensino Meacutedio
Art 1o O ensino da liacutengua espanhola de oferta obrigatoacuteria pela escola e de matriacutecula facultativa para o aluno seraacute implantado gradativamente nos curriacuteculos plenos do ensino meacutedio sect 1o O processo de implantaccedilatildeo deveraacute estar concluiacutedo no prazo de cinco anos a partir da implantaccedilatildeo desta Lei sect 2o Eacute facultada a inclusatildeo da liacutengua espanhola nos curriacuteculos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a seacuteries Art 2o A oferta da liacutengua espanhola pelas redes puacuteblicas de ensino deveraacute ser feita no horaacuterio regular de aula dos alunos (BRASIL 2005)
Esta uacuteltima lei expressa o contexto da eacutepoca Primeiro pelo crescimento do poder
econocircmico da Espanha e o crescente aumento do espanhol nos EUA (CELADA
1991 apud AMARAL E MAZZARO 2006) Em segundo o entatildeo presidente Luis
Inaacutecio Lula da Silva tinha como plano de governo a aproximaccedilatildeo com os demais
87
paiacuteses da Ameacuterica Latina haja vista que historicamente a relaccedilatildeo do Brasil com os
paiacuteses da regiatildeo tanto no acircmbito econocircmico como social era pequena Com essa
proposta de integraccedilatildeo em um de seus discursos ele diz
A grande prioridade da poliacutetica externa durante o meu governo seraacute a construccedilatildeo de uma Ameacuterica do Sul politicamente estaacutevel proacutespera e unida com base em ideais democraacuteticos e de justiccedila social Para isso eacute essencial uma accedilatildeo decidida de revitalizaccedilatildeo do MERCOSUL enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visotildees muitas vezes estreitas e egoiacutestas do significado da integraccedilatildeo O MERCOSUL assim como a integraccedilatildeo da Ameacuterica do Sul em seu conjunto eacute sobretudo um projeto poliacutetico Mas esse projeto repousa em alicerces econocircmico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforccedilados Cuidaremos tambeacutem das dimensotildees social cultural e cientiacutefico-tecnoloacutegica do processo de integraccedilatildeo (LULA DA SILVA 2003)
A partir de entatildeo outras iniciativas aleacutem do ensino do espanhol foram
implementadas como a criaccedilatildeo das instituiccedilotildees de ensino superior em aacutereas
fronteiriccedilas entre elas a Universidade Federal da Fronteira Sul (Santa Catarina)
criada em outubro de 2009 a Universidade Federal do Pampa (Rio Grande do Sul)
fundada em janeiro de 2008 a Universidade Federal de Grande Dourados (Mato
Grosso do Sul) fundada em agosto de 2005 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo
Latino-Americana (Paranaacute) criada em janeiro de 2010 e a Universidade da
Integraccedilatildeo Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira tambeacutem criada em 2010 Esta
uacuteltima que conforme o nome sugere orienta-se para o desenvolvimento cientiacutefico
educacional e cultural da Ameacuterica Latina No acircmbito da educaccedilatildeo baacutesica temos o
Programa Escola Intercultural Biliacutenguumle de iniciativa do Mercosul que objetiva a
integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo biliacutengue em escolas puacuteblicas do ensino
fundamental presentes em cidades da faixa de fronteira
Nesse sentido ainda que as estrateacutegias dessas instituiccedilotildees estejam
relacionadas ao projeto de integraccedilatildeo na regiatildeo de faixa de fronteira a presenccedila de
instituiccedilotildees de ensino superior contribui para o desenvolvimento de pesquisas
criaccedilatildeo de projetos e programas tanto no acircmbito nacional com as cidades e as
instituiccedilotildees locais como no acircmbito internacional em parceira com instituiccedilotildees dos
paiacuteses com as quais essas instituiccedilotildees fazem fronteira Isso por consequecircncia
pode contribuir para debates e mudanccedilas na educaccedilatildeo nas escolas de fronteira
No que confere agrave obrigatoriedade do ensino de espanhol algumas pesquisas
sobre sua implementaccedilatildeo identificaram algumas fragilidades Nos resultados
88
parciais da pesquisa de doutorado sobre o ensino do espanhol no Brasil realizada
por Maria Fernanda Lisboa (2011) a autora identificou que o discurso de integraccedilatildeo
linguiacutestico-cultural que justifica a lei ldquoeacute apenas uma fachada para desviar a atenccedilatildeo
dos reais interesses por traacutes dessa poliacutetica natildeo soacute linguumliacutesticardquo (LISBOA 2011 p
213) A autora faz referecircncia aos interesses da Espanha que estaacute agrave frente dessa
poliacutetica ldquoinvestindo em assessorias linguumliacutesticas na criaccedilatildeo de vaacuterias sedes do
Instituto Cervantes e ainda disseminando cursos de capacitaccedilatildeo para professoresrdquo
(LISBOA 2011 p 213) Estes cursos satildeo vistos pelas associaccedilotildees de professores
pelos formadores de professores e por Universidades de modo negativo Na
avaliaccedilatildeo daqueles que satildeo contraacuterios a essas formaccedilotildees encontra-se a duacutevida na
real qualidade da mesma visto que eacute um curso inteiramente agrave distacircncia sem
maiores reflexotildees relacionados agrave metodologia
Aleacutem disso haacute outras questotildees como a demanda de professores oferta de
materiais didaacuteticos interesse por parte dos alunos que satildeo desafios a serem
superados nesse processo de implementaccedilatildeo Entretanto mesmo diante das
contradiccedilotildees e lacunas que a sua obrigatoriedade significou a lei que completou dez
anos de sua criaccedilatildeo e cinco do prazo final para sua execuccedilatildeo nas escolas em 2015
abre possibilidades para maiores discussotildees e provocaccedilotildees se pensarmos a partir
da integraccedilatildeo dos paiacuteses fronteiriccedilos ou mesmo em niacutevel de poliacuteticas linguumliacutesticas
para essa regiatildeo Afinal conforme Marcuschi (2005) ldquonatildeo se pode reduzir a
linguagem ao seu papel de ferramenta social tampouco reduzi-la ao caraacuteter formal
pois liacutengua natildeo eacute forma nem funccedilatildeo e sim atividade significante e constitutivardquo
(MARCUSCHI 2005 p 3)
Em 2003 foi criada a lei 1063903 que tornou obrigatoacuteria a inclusatildeo do ensino
da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-Brasileira nos curriacuteculos dos estabelecimentos
de ensino puacuteblicos e particulares da educaccedilatildeo baacutesica E em 2008 foi criada a lei
1164508 que acrescenta o estudo da histoacuteria e cultura indiacutegena nas escolas
puacuteblicas e privadas da educaccedilatildeo baacutesica
1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere este artigo incluiraacute diversos aspectos da histoacuteria e da cultura que caracterizam a formaccedilatildeo da populaccedilatildeo brasileira a partir desses dois grupos eacutetnicos tais como o estudo da histoacuteria da Aacutefrica e dos africanos a luta dos negros e dos povos indiacutegenas no Brasil a cultura negra e indiacutegena brasileira e o negro e o iacutendio na formaccedilatildeo da sociedade
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nacional resgatando as suas contribuiccedilotildees nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinentes agrave histoacuteria do Brasil sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira e dos povos indiacutegenas brasileiros seratildeo ministrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de educaccedilatildeo artiacutestica e de literatura e histoacuteria brasileira (BRASIL 2008)
No acircmbito estadual o Paranaacute emitiu a seguinte nota sobre a obrigatoriedade
da lei 1063903
No curriacuteculo oficial da Rede de Educaccedilatildeo do Paranaacute a obrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e seus desencadeamentos tem efetivado accedilotildees para a formaccedilatildeo das equipes multidisciplinares nos Nuacutecleos Regionais de Educaccedilatildeo e nas escolas A medida eacute um dos objetivos para valorizar a histoacuteria da populaccedilatildeo negra no Estado do Paranaacute e orientar a comunidade escolar para o enfrentamento do preconceito da discriminaccedilatildeo do racismo (SEED 2013)
Assim a fim de atender tanto a lei 1063903 quanto a 1164508 a Secretaria
Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute instituiu as Equipes Multidisciplinares validadas
pelo artigo 26 da LDB Lei nordm 939496 pela Deliberaccedilatildeo nordm 0406 CEEPR pela
Instruccedilatildeo nordm 01706 SUEDSEED pela Resoluccedilatildeo nordm 339910 SEEDSEED e a
Instruccedilatildeo nordm 0101 SUESSEED As equipes multidisciplinares satildeo compostas por
professores de diferentes aacutereas pedagogos diretores e agentes educacionais e
representantes da comunidade externa (pais movimentos sociais professores do
ensino superior representantes das Comunidades Remanescentes de Quilombos
lideranccedilas indiacutegenas dentre outros)
A equipe se encontra em espaccedilos para debater estrateacutegias e desenvolver
accedilotildees pedagoacutegicas que fortaleccedilam a implementaccedilatildeo das leis 1063903 e 1164508
no curriacuteculo escolar das instituiccedilotildees de ensino da rede puacuteblica estadual e escolas
conveniadas do Paranaacute Com isso nota-se a preocupaccedilatildeo em cumprir a legislaccedilatildeo
sendo uma das accedilotildees a criaccedilatildeo da Equipe Multidisciplinar que deixa claro que o
trabalho da equipe eacute destinado ao ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e
indiacutegena nas escolas estaduais paranaenses conforme as atribuiccedilotildees presentes na
Instruccedilatildeo Nordm 0102010 ndash SUEDSEE da qual destacam
Compete agrave Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo ndash SEED 1Garantir que todos os NREs e estabelecimentos de ensino na Rede Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute organizem suas Equipes Multidisciplinares para tratar da Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-
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Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afrobrasileira Africana e Indiacutegena Compete agrave Equipe Multidisciplinar do Nuacutecleo Regional de Educaccedilatildeo
1Orientar e acompanhar o funcionamento e organizaccedilatildeo das Equipe Multidisciplinares dos estabelecimentos da Rede Estadual de Ensino para a efetivaccedilatildeo de accedilotildeesexperiecircncias em ERER subsidiando os profissionais da educaccedilatildeo em consonacircncia com as poliacuteticas puacuteblicas estabelecidas pela Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo 2Promover accedilotildees voltadas agrave formaccedilatildeo continuada e de pesquisa dos teacutecnicos do NRE sobre o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro brasileira Africana e Indiacutegena (SEED 2010)
Ao longo do documento natildeo haacute referecircncias que indiquem que o professor
deva trabalhar com outros temas referentes agrave diversidade Contudo a criaccedilatildeo da
equipe multidisciplinar eacute um exemplo de uma poliacutetica educativa criada para o
cumprimento da legislaccedilatildeo Com isso vem o seguinte questionamento no caso dos
desafios enfrentados pelas escolas e professores situados em regiatildeo de fronteira a
obrigatoriedade para demandas especiacuteficas dessas escolas teria um caminho
possiacutevel (deliberaccedilotildees especiacuteficas para as documentaccedilotildees dos alunos
estrangeiros a obrigatoriedade do ensino da histoacuteria da cultura dos paiacuteses com os
quais a cidade fronteiriccedila faz parte formaccedilatildeo de professores especiacuteficas em cidade
ou regiotildees como Foz do Iguaccedilu que apresenta uma quantidade expressiva de
estrangeiras nesse caso os aacuterabes a proposta de poliacuteticas linguumliacutesticas especiacuteficas
que facilitem o processo de inserccedilatildeo desses alunos em sala de aula etc)
Essas questotildees surgiram agrave medida que se tornou possiacutevel perceber que
quando um tema eacute reconhecido pelo Estado tem-se a impressatildeo de que ele passa a
existir oficialmente nas escolas e nas outras instituiccedilotildees Por exemplo a lei
1063903 discute a temaacutetica da histoacuteria da Aacutefrica e da cultura negra e possui dentre
outros objetivos o combate ao racismo Essa discussatildeo poreacutem sempre esteve
presente nas escolas pois a luta contra o racismo e discriminaccedilatildeo racial comeccedilou
ainda no periacuteodo escravocrata pelos primeiros movimentos de resistecircncia a citar os
quilombos
Desse modo natildeo eacute novidade o enfrentamento com o racismo nem eacute
novidade que os negros ficaram excluiacutedos da histoacuteria nacional e desde entatildeo
buscam a afirmaccedilatildeo de sua identidade Denota-se que satildeo questotildees que natildeo
passam despercebidas pela escola mas para que chegasse ateacute ela necessitou de
dispositivos legais para que fossem discutidas em sala de aula com o respaldo do
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Estado Esses respaldos seriam accedilotildees criadas para dar condiccedilotildees de
implementaccedilatildeo agrave lei como a criaccedilatildeo em 2004 da Secretaria de Educaccedilatildeo
Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECAD) com a finalidade de articular o
tema da diversidade nas poliacuteticas educacionais Tambeacutem foram criados alguns
programas e projetos Programa Diversidade na Universidade (2002 a 2007) os
Foacuteruns Estaduais e Foacuteruns Permanentes de Educaccedilatildeo e Diversidade Eacutetnico-Racial
a distribuiccedilatildeo do Kit didaacutetico-pedagoacutegico a Oficina Cartograacutefica sobre Geografia
Afro-brasileira e Africana (2005) o Projeto Educadores pela Diversidade
(20042005) o Curso Educaccedilatildeo e Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais (2005) a Pesquisa
Nacional Diversidade nas Escolas (2006 a 2009) dentre outros (GOMES 2010)
Tudo isto foi possiacutevel explica Gomes (2010) devido ao longo processo de
lutas sociais e natildeo a ldquouma daacutediva do Estado pois enquanto uma poliacutetica de accedilatildeo
afirmativa ela ainda eacute vista com muitas reservas pelo ideaacuterio republicano brasileiro
que resiste em equacionar a diversidaderdquo (GOMES 2010 p 9) Diante das
prerrogativas contidas na LDB96 referentes agrave questatildeo da diversidades cultural
observou que elas por si soacute natildeo atingem a fronteira com suas diversidades que
estatildeo nas escolas que devem seguir as suas normas que por sua vez seguem uma
linha de poliacuteticas universalistas
342 Os Paracircmetros Curriculares Nacionais
Os Paracircmetros Curriculares Nacionais foram publicados apoacutes a
implementaccedilatildeo da Lei de Diretrizes e bases da Educaccedilatildeo Nacional de 1996 pela
Secretaria de Educaccedilatildeo do Ensino Fundamental do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do
Desporto O contexto de sua construccedilatildeo ocorreu apoacutes a Conferecircncia Mundial de
Educaccedilatildeo para Todos em Jomtien na Tailacircndia (1990) que teve como resultado
um documento que destaca a necessidade de uma educaccedilatildeo para todos sem
distinccedilatildeo Do compromisso assumido internacionalmente para com a Educaccedilatildeo
somados aos princiacutepios previstos na LDB de 1996 nascem os PCN‟S
Os PCN‟s satildeo um instrumento normativo que nasceu para cumprir o artigo
210 disposto no capiacutetulo III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que institui a fixaccedilatildeo de
ldquoconteuacutedos miacutenimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formaccedilatildeo
baacutesica comum e respeito aos valores culturais e artiacutesticos nacionais e regionaisrdquo
Nasceu tambeacutem no contexto das implementaccedilotildees das poliacuteticas neoliberais o que
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gerou muitas criacuteticas acerca de seus reais propoacutesitos Contaram com os subsiacutedios
de acordos e documentos elaborados por organismos internacionais tais como a
declaraccedilatildeo Mundial sobre a Educaccedilatildeo para Todos Declaraccedilatildeo de Nova Delhi
Relatoacuterio para a Unesco da Comissatildeo Internacional sobre a Educaccedilatildeo para o seacuteculo
XXI dentre outros acordos e documentos de organismos internacionais
(RODRIGUES 2001)
O processo de elaboraccedilatildeo dos Paracircmetros Curriculares Nacionais conforme o
documento comeccedilou a partir do estudo das
Propostas curriculares de Estados e Municiacutepios brasileiros do diagnoacutestico realizado pela Fundaccedilatildeo Carlos Chagas sobre curriacuteculos oficiais e do contato com informaccedilotildees referentes agraves experiecircncias de outros paiacuteses (BRASIL 1998 p15)
Com base nas orientaccedilotildees presentes no Plano Decenal de Educaccedilatildeo (1993-
2003) de pesquisas internas e externas de dados acerca do desempenho dos
estudantes do ensino fundamental aleacutem das experiecircncias de sala de aula
socializadas em seminaacuterios congressos encontros e publicaccedilotildees foi elaborada a
proposta inicial que passou por um processo de anaacutelise entre os anos de 1995 e
1996 Desta anaacutelise saiacuteram aproximadamente setecentos pareceres sobre a
proposta inicial que serviram de referecircncia para sua redaccedilatildeo final
Os PNC‟s de 1ordf a 4ordf seacuterie foram transformados em 10 livros lanccedilados no dia
15 de outubro de 1997 dia do professor na capital Brasiacutelia Estes dez volumes
apresentam os seguintes conteuacutedos introduccedilatildeo liacutengua portuguesa matemaacutetica
ciecircncias naturais histoacuteria e geografia arte educaccedilatildeo fiacutesica apresentaccedilatildeo dos
temas transversais meio ambiente e sauacutede pluralidade cultural e orientaccedilatildeo sexual
Desse modo estatildeo organizados em um documento introdutoacuterio seis documentos
que tratam das aacutereas de conhecimentos gerais e trecircs volumes referentes aos Temas
Transversais (MOTTA 2005)
Segundo o documento elaborado em 1997 com o objetivo de introduzir os
PCN‟s ao professor sua funccedilatildeo eacute de
() orientar e garantir a coerecircncia dos investimentos no sistema educacional socializando discussotildees pesquisas e recomendaccedilotildees subsidiando a participaccedilatildeo de teacutecnicos e professores brasileiros principalmente daqueles que se encontram mais isolados com
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menor contato com a produccedilatildeo pedagoacutegica atual (BRASIL 1997 p13)
Trata-se portanto natildeo de um curriacuteculo mas de um suporte para que a escola
possa elaborar seu programa curricular dentro de sua realidade especiacutefica Os
PCN‟s estatildeo organizados em dois grupos 1) composto por aacutereas tradicionais
(Portuguecircs Matemaacutetica Histoacuteria Geografia Ciecircncias Naturais Educaccedilatildeo Fiacutesica
Liacutengua Estrangeira e Arte) 2) composto pelos temas transversais que vai tratar das
seguintes questotildees Eacutetica do Meio Ambiente da Pluralidade Cultural da Sauacutede da
Orientaccedilatildeo Sexual e do Trabalho e Consumo (BRASIL 1998 p17) A justificativa
para a escolha de tais temaacuteticas pauta-se no fato de serem assuntos urgentes e que
fazem parte das preocupaccedilotildees e do cotidiano da sociedade brasileira
A finalidade uacuteltima dos Temas Transversais se expressa neste criteacuterio que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questotildees que interferem na vida coletiva superar a indiferenccedila e intervir de forma responsaacutevel Assim os temas eleitos em seu conjunto devem possibilitar uma visatildeo ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserccedilatildeo no mundo aleacutem de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participaccedilatildeo social dos alunos (BRASIL 1998 p26)
Por temas transversais compreende-se um conjunto de conteuacutedos que natildeo
ldquoquerendo desbancar os previamente fixados pelas disciplinas acadecircmicas
claacutessicas se apresentam como temas transversais no curriacuteculo e portanto comuns
a todas as aacutereas e disciplinasrdquo (RAMOS 1998 p 2) Neste sentido como explica o
volume 10 dos Paracircmetros Curriculares Nacionais que trata dos temas transversais
os conteuacutedos convencionais devem receber as questotildees dos Temas Transversais
de modo que seus conteuacutedos os explicitem e os objetivos sejam considerados
(BRASIL 1998) Em seguida o documento apresenta o seguinte exemplo para
ilustrar essa transversalidade
() aacuterea de Ciecircncias Naturais inclui a comparaccedilatildeo entre os principais oacutergatildeos e funccedilotildees do aparelho reprodutor masculino e feminino relacionando seu amadurecimento agraves mudanccedilas no corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a puberdade e respeitando as diferenccedilas individuais Dessa forma o estudo do corpo humano natildeo se restringe agrave dimensatildeo bioloacutegica mas coloca esse conhecimento a serviccedilo da compreensatildeo da diferenccedila de gecircnero (conteuacutedo de Orientaccedilatildeo Sexual ) e do respeito agrave diferenccedila (conteuacutedo de Eacutetica) Assim natildeo se trata de que os professores das
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diferentes aacutereas devam ldquopararrdquo sua programaccedilatildeo para trabalhar os temas mas sim de que explicitem as relaccedilotildees entre ambos e as incluam como conteuacutedos de sua aacuterea articulando a finalidade do estudo escolar com as questotildees sociais possibilitando aos alunos o uso dos conhecimentos escolares em sua vida extra-escolar Natildeo se trata portanto de trabalhaacute-los paralelamente mas de trazer para os conteuacutedos e para a metodologia da aacuterea a perspectiva dos temas
(BRASIL 1998 p27)
Fernanda Motta (2005) explica que as discussotildees sobre os temas
transversais no campo da educaccedilatildeo surgem em um momento onde diversos grupos
sociais politicamente organizados em diferentes paiacuteses comeccedilaram a questionar
qual seria o papel da escola em meio a uma sociedade plural e globalizada e quais
assuntos que deveriam ser tratados na educaccedilatildeo escolar (MOTTA 2005 p20)
Neste sentido continua
Esses grupos comeccedilaram a pressionar os Estados para que incluiacutessem na estrutura curricular escolar temas mais vinculados ao cotidiano da maioria da populaccedilatildeo possibilitando que as disciplinas passassem a se relacionar com a realidade contemporacircnea Parte-se do princiacutepio de que a escola natildeo pode ser vista como uma instituiccedilatildeo isolada Sua accedilatildeo deve ser norteada tomando como paracircmetro a cultura na qual estaacute inserida (MOTTA 2005 p28)
Assim podemos compreender a educaccedilatildeo como um tipo de poliacutetica social
pensada natildeo somente a partir do Estado mas por atores da sociedade civil
As poliacuteticas sociais ndash e a educaccedilatildeo ndash se situam no interior de um tipo particular de Estado Satildeo formas de interferecircncia do Estado visando agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de determinada formaccedilatildeo social Portanto assumem bdquofeiccedilotildees‟ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepccedilotildees de Estado (HOFLING 2001 p31)
343 O Tema Transversal Pluralidade Cultural
No PCN de nuacutemero dez que trata especificamente dos temas transversais
no capiacutetulo referente agrave pluralidade cultural a justificativa pela pertinecircncia do tema eacute
dada pela diversidade cultural presente no paiacutes
Convivem hoje no territoacuterio nacional cerca de 210 etnias indiacutegenas cada uma co identidade proacutepria e representando riquiacutessima diversidade sociocultural junto a uma imensa populaccedilatildeo formada pelos descendentes dos povos africanos e um grupo numeroso de
95
imigrantes e descendentes de povos de vaacuterios continentes com diferentes tradiccedilotildees culturais e religiosas (BRASIL 1997 p125)
O documento chama atenccedilatildeo para o fato de que essa pluralidade cultural que natildeo
foge agrave realidade das escolas eacute ignorada ou mesmo silenciada sendo inuacutemeras as
justificativas para tal silenciamento Um exemplo citado pelos PCN‟s foi o periacuteodo de
nacionalismo dos governos autoritaacuterios que ldquoem diferentes momentos da histoacuteria
valeu-se da accedilatildeo homogeneizadora veiculada na escolardquo (BRASIL 1997 p125) A
deacutecada de 1930 foi um periacuteodo em que a poliacutetica oficial estava preocupada com a
quantidade de imigrantes e buscava formas de fazer com que essa populaccedilatildeo
assimilasse a cultura brasileira Enquanto isso a populaccedilatildeo negra era
marginalizada explica o PCN acerca da pluralidade cultural
O trabalho com o tema transversal propotildee o desenvolvimento das seguintes
capacidades
conhecer a diversidade do patrimocircnio etnocultural brasileiro cultivando atitude de respeito para com pessoas e grupos que a compotildeem reconhecendo a diversidade cultural como um direito dos povos e dos indiviacuteduos e elemento de fortalecimento da democracia
compreender a memoacuteria como construccedilatildeo conjunta elaborada como tarefa de cada um e de todos que contribui para a percepccedilatildeo do campo de possibilidades individuais coletivas comunitaacuterias e nacionais
valorizar as diversas culturas presentes na constituiccedilatildeo do Brasil como naccedilatildeo reconhecendo sua contribuiccedilatildeo no processo de constituiccedilatildeo da identidade brasileira
reconhecer as qualidades da proacutepria cultura valorando-as criticamente enriquecendo a vivecircncia de cidadania
desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem discriminaccedilatildeo
repudiar toda discriminaccedilatildeo baseada em diferenccedilas de raccedilaetnia classe social crenccedila religiosa sexo e outras caracteriacutesticas individuais ou sociais
exigir respeito para si e para o outro denunciando qualquer atitude de discriminaccedilatildeo que sofra ou qualquer violaccedilatildeo dos direitos de crianccedila e cidadatildeo
valorizar o conviacutevio paciacutefico e criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural
compreender a desigualdade social como um problema de todos e como uma realidade passiacutevel de mudanccedilas
analisar com discernimento as atitudes e situaccedilotildees fomentadoras de todo tipo de discriminaccedilatildeo e injusticcedila social (BRASIL1998p147)
96
Diante dessas capacidades apresentadas pelo PCN eacute possiacutevel perceber que
o documento natildeo aborda especificamente a questatildeo da diversidade em regiatildeo de
fronteira internacional pois trata-se de orientaccedilotildees a serem desenvolvidas em todas
as escolas do paiacutes e natildeo em determinada regiatildeo especiacutefica cabendo entatildeo agrave
instituiccedilatildeo escolar realizar as adaptaccedilotildees necessaacuterias conforme o contexto no qual
estaacute inserida
Eacute importante lembrar que o estreito viacutenculo entre os conteuacutedos selecionados e a realidade local a partir mesmo das caracteriacutesticas culturais locais faz com que este trabalho possa incluir e valorizar questotildees da comunidade imediata agrave escola Contudo a proposta levanta tambeacutem a necessidade de referenciais culturais voltados para a pluralidade caracteriacutestica do Brasil como forma de compreender a complexidade do paiacutes bem como de ampliar horizontes para o trabalho da escola como um todo Lembra-se ainda que os conteuacutedos aqui definidos destinam-se ao trabalho com o terceiro e o quarto ciclos do ensino fundamental (BRASIL 1998 p148)
Em uma primeira leitura os temas transversais para a pluralidade cultural
conseguem abordar as principais pautas que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a
LDB96 estabelecem ao propor um ensino que valorize e incorpore o debate da
diversidade cultural na escolas mas que se apresentaram de modo muito superficial
e ao mesmo tempo amplo
Dentre algumas consideraccedilotildees acerca dos PCN‟S encontra-se a do professor
Antocircnio Cunha que na ocasiatildeo do lanccedilamento dos documentos questionou-os em
relaccedilatildeo ao o seu processo de elaboraccedilatildeo uma vez que o governo preferiu criar
propostas novas para os PCN‟s desconsiderando totalmente as anteriores
Em vez de se partir das propostas curriculares existentes para se chegar aos PCN‟s o que se fez foi apresentar aos estupefactos assistentes os paracircmetros jaacute elaborados Esse procedimento insoacutelito serviu para desestimular docentes e pesquisadores a darem seu parecer sobre os documentos quando solicitados pela Secretaria do Ensino Fundamental Parece que mais uma vez a administraccedilatildeo puacuteblica tem da pesquisa uma visatildeo apenas justificatoacuteria das opccedilotildees tomadas pelos dirigentes quando natildeo de algo apresentado tatildeo-somente para efeito propagandiacutestico (CUNHA 1996 p61)
Deste modo algumas das criacuteticas direcionadas aos PCN‟s encontram-se em
sua concepccedilatildeo O Parecer da Agecircncia Nacional dos Geoacutegrafos Brasileiros (AGB)
em consonacircncia com a posiccedilatildeo da Associaccedilatildeo Nacional de Histoacuteria (ANPUH)
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realizado a pedido Secretaria do Ensino Fundamental do MEC na ocasiatildeo de seu
processo de elaboraccedilatildeo deu a seguinte resposta
Os bdquoParacircmetros‟ apresentam-se hoje como um retrocesso Apresentam-se organizados de forma semelhante aos antigos Guias Curriculares divididos em objetivos conteuacutedos avaliaccedilatildeo orientaccedilotildees didaacuteticas (em lugar das estrateacutegias) Apoacutes uma tentativa de explicitaccedilatildeo de conteuacutedos elenca-se para cada ciclo uma lista que pretende sintetizaacute-los Mesmo que no documento introdutoacuterio e nos documentos de aacuterea apareccedila registrada a natildeo intencionalidade da parte do MEC no sentido da obrigatoriedade de conteuacutedos determinados a real intenccedilatildeo jaacute patente a partir da escolha do termo bdquoparacircmetros‟ e a forma da organizaccedilatildeo dos mesmos eacute de molde a constituir em modelos uacutenicos a serem popularizadas e vulgarizadas em novos manuais didaacuteticos ()- O documento intitulado bdquoTemas Transversais‟ homogeneizar para a totalidade do paiacutes a definiccedilatildeo de bdquoconviacutevio social e eacutetica‟ meio ambiente e sauacutederdquo(AGB 1996p 62)
No parecer dos geoacutegrafos a construccedilatildeo de modelos uacutenicos e vulgarizados
bem como a tentativa de universalizar temas como a de conviacutevio social e eacutetico para
todo o paiacutes satildeo objetos de criacuteticas na medida em que a reflexatildeo sobre pluralidade
que haacute no paiacutes deve-se primeiramente ao seguinte questionamento destes temas
transversais - e em destaque o que trata da pluralidade cultural - quando adentra
em realidades como a de Foz do Iguaccedilu satildeo passiacuteveis de considerar as condiccedilotildees
locais Na mesma perspectiva Calllai (1997) fez o seguinte questionamento e
reflexatildeo
Os temas transversais propostos de certa forma homogeinizam tanto os problemas como o curriacuteculo a niacutevel nacional Eacute possiacutevel articular-se questotildees como pluralidade cultural exclusatildeo social e proposiccedilatildeo uacutenica de curriacuteculo As desigualdades sociais satildeo tambeacutem regionalizadas e como tal diferenciadas na sua expressatildeo localizada E eacute no local que o sujeito encara os problemas do seu cotidiano embora eles sejam o mais das vezes globais Poreacutem o global estaacute concretizado no lugar em que se vive e como tal eacute a partir daiacute que se precisa consideraacute-lo (CALLAI 1997 p 10)
Por outro lado aqueles (SILVEIRA MARQUES 2004) que vecircem os Temas
Transversais como uma novidade facilitadora para que haja debates em sala sobre
cultura diversidade e voltada para a interculturalidade possuem a consciecircncia de
que haacute alguma dificuldades seja pela falta de bibliografia pelas poucas experiecircncias
desenvolvidas e ateacute mesmo pela falta de formaccedilatildeo adequada de professores
Para que o trabalho com os temas transversais seja de fato efetivo torna-se
necessaacuterio a construccedilatildeo de uma proposta pedagoacutegica que envolva toda a
98
comunidade escolar Eacute necessaacuterio considerar que os temas ultrapassem os muros
da escola incluindo o contexto social envolvente Com relaccedilatildeo aos PCN‟s ainda que
haja criacuteticas referentes agrave sua elaboraccedilatildeo ainda que eles tendam agrave homogeneizaccedilatildeo
e por isso apresentem certa incoerecircncia teoacuterica a problemaacutetica maior eacute se esse
documento por meio dos temas transversais conseguiu inserir o debate sobre a
diversidade na comunidade escolar e como esse debate foi inserido
De modo geral os PCN‟s representam um avanccedilo no modo como trata do
tema pluralidade cultural No entanto as anaacutelises demonstraram que as tendecircncias
agrave homogeneizaccedilatildeo do curriacuteculo nacional ficam impliacutecitas no documento logo ele
recai em contradiccedilotildees pois reconhece a diversidade que existe no paiacutes mas insiste
em direcionar o trabalho da pluralidade a grupos especiacuteficos Neste caso negros e
indiacutegenas natildeo alcanccedilando realidades como a fronteiriccedila Assim acaba por deixar
de lado outros grupos
344 O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo do Paranaacute (PEE-PR) de 2015 eacute fruto de um
processo que tem iniacutecio na Constituiccedilatildeo de 1988 que por meio do Art 22 inciso
XXIV estabelecia a elaboraccedilatildeo de uma Nova Lei de Diretrizes e Bases para
Educaccedilatildeo Sendo entatildeo criada em 1996 a LDB96 que delegou para estados
municiacutepios Uniatildeo e Distrito Federal ldquoaos entes federados fica a responsabilidade de
garantir os meios necessaacuterios para o acesso e permanecircncia de todos agrave educaccedilatildeo
puacuteblica e gratuitardquo (BRASIL 2014a)
Deste modo conforme o PEE-PR do Paranaacute a educaccedilatildeo foi estruturada em
planos decenais com o objetivo de
Articular o sistema nacional de educaccedilatildeo em regime de colaboraccedilatildeo e definir diretrizes objetivos metas e estrateacutegias de implementaccedilatildeo para assegurar a manutenccedilatildeo e desenvolvimento do ensino em seus diversos niacuteveis etapas e modalidades por meio de accedilotildees integradas dos poderes puacuteblicos das diferentes esferas federativas (BRASIL 2014a p 15 apud PEE-PR 2015 p23)
As primeiras discussotildees do PNE comeccedilaram nas Conferecircncias Brasileiras de
Educaccedilatildeo (CBEs) nas deacutecadas de 1980 e 1990 Posteriormente estas conferecircncias
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foram dando lugar para os Seminaacuterios Brasileiros de Educaccedilatildeo e as Conferecircncias
Nacionais de Educaccedilatildeo datadas da deacutecada de 1920 (PEE-PR 2015 p24) As
CBEs entre os anos de 1996 e 2004 foram substituiacutedas pelos Congressos
Nacionais de Educaccedilatildeo (Coned)(PARANAacute 2015)
O Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) foi aprovado pela primeira vez em 2001
pelo Congresso Nacional Brasileiro Em 2009 foi estabelecida a Conferecircncia
Nacional de Educaccedilatildeo (Conae) sendo um de seus objetivos o de mobilizar os
diversos setores da educaccedilatildeo brasileira a elaborarem um PNE correspondente ao
periacuteodo de 2011-2020 Assim apoacutes quatro anos de debates e de reelaboraccedilatildeo do
PNE a Lei Federal nordm 13005 de junho de 2014 instituiu o novo Plano composto
por 14 artigos e um anexo contendo 20 metas e estrateacutegias nacionais a serem
atingidas no periacuteodo de dez anos (PEE-PR 2015)
O documento base do PEE-PR na introduccedilatildeo apresenta as caracteriacutesticas
gerais da populaccedilatildeo paranaense Nela eacute destacada a presenccedila de diversas etnias e
nacionalidades que fazem parte da histoacuteria do estado e dada essa presenccedila a
educaccedilatildeo eacute uma instacircncia automaticamente atingida por essa diversidade
A populaccedilatildeo eacute formada por descendentes de povos europeus africanos ameriacutendios e indiacutegenas das etnias Guarani Kaingang e Xetaacute e por imigrantes procedentes principalmente dos estados do Rio Grande do Sul Santa Catarina Satildeo Paulo e Minas Gerais () Dessa forma esses grupos participaram na construccedilatildeo da cultura paranaense e muitos costumes oriundos dessas diferentes etnias ainda satildeo preservados em determinadas comunidades e se refletem na educaccedilatildeo paranaense (PEE-PR2015p 26)
Refletindo sobre estas caracteriacutesticas e atendendo agraves leis nordm 1063908 e
1164508 sobre a obrigatoriedade do ensino de histoacuteria e cultura afro-brasileira
africana e indiacutegena no curriacuteculo oficial dos estabelecimentos de ensino puacuteblico o
plano base possui as seguintes estrateacutegias
13 Orientar as instituiccedilotildees educacionais que atendem crianccedilas de zero a cinco anos a agregarem ou ampliarem em suas praacuteticas pedagoacutegicas cotidianas accedilotildees que visem ao enfrentamento da violecircncia sexual e a outros tipos de violecircncia agrave inclusatildeo e ao respeito agraves diversidades de toda ordem gecircnero eacutetnico-racial religiatildeo entre outros agrave promoccedilatildeo da sauacutede e dos cuidados agrave convivecircncia escolar saudaacutevel e ao estreitamento da relaccedilatildeo famiacutelia-crianccedila-instituiccedilatildeo ()18 Estabelecer programas em parceria com os municiacutepios para a oferta da educaccedilatildeo inclusiva nas comunidades indiacutegenas
100
quilombolas do campo e ciganas de acordo com suas especificidades (PEE-PR 2015 p64)
Conforme a finalidade no Plano este estabelece metas e estrateacutegias a serem
implementadas e consonacircncia com o Art8ordm contido no plano de educaccedilatildeo que
estabeleceu as seguintes estrateacutegias
I - asseguram a articulaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais particularmente as culturais II - consideram as necessidades especiacuteficas das populaccedilotildees do campo e das comunidades indiacutegenas quilombolas e demais grupos sociais singulares asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural (PEE-PR 2015 p2)
Chama atenccedilatildeo a especificidade do artigo oitavo que visa agrave articulaccedilatildeo das
poliacuteticas educacionais com as demais poliacuteticas sociais destacando principalmente a
questatildeo cultural Ao pensar nas particularidades educacionais encontradas em
regiotildees de fronteira internacional em Foz do Iguaccedilu onde a presenccedila de alunos
oriundos de outros paiacuteses eacute comum nas escolas seria pertinente que o tema
diversidade fosse ampliado Por exemplo no caso da presenccedila de alunos aacuterabes
(principalmente libaneses siacuterios e palestinos) nas escolas as diferenccedilas
manifestadas natildeo satildeo apenas linguiacutesticas Neste caso abarca tambeacutem a religiatildeo
(predominante o islatilde) os haacutebitos costumes vestuaacuterio alimentaccedilatildeo etc Neste
sentido propor poliacuteticas puacuteblicas que possibilitem a inclusatildeo desses alunos e natildeo a
exclusatildeo ou a desconsideraccedilatildeo das origens deste aluno eacute sem duacutevidas um grande
desafio
345 O Curriacuteculo da AMOP
Reduzindo o campo de anaacutelise da poliacutetica educativa para a regiatildeo oeste do
Paranaacute onde estaacute localizada a cidade de Foz do Iguaccedilu encontramos o curriacuteculo
baacutesico da Associaccedilatildeo dos Municiacutepios do oeste do Paranaacute (AMOP) que na
introduccedilatildeo do documento baacutesico afirma que houve uma confusatildeo por parte das
escolas municipais que ao implementarem os PCN‟s nas escolas natildeo o utilizaram
como um paracircmetro Muitas o adotaram como curriacuteculo ou tornaram sua proposta
pedagoacutegica como ecleacutetica Assim os educadores da regiatildeo Oeste do Paranaacute
101
sentiram a necessidade de se rediscutir o curriacuteculo Para tal adotaram a seguinte
metodologia
Inicialmente a metodologia adotada nos colocou limites que avaliada apontou para uma nova organizaccedilatildeo Reorganizado um cronograma de trabalho coletivamente com as redes municipais de Ensino chegamos a este documento que eacute resultado de dois anos de intensos estudos de reflexotildees de embates teoacutericos de sistematizaccedilotildees de leituras de discussotildees e de anaacutelises do coletivo dos educadores os quais respeitando o movimento proacuteprio de cada rede e por sua vez de cada escola partiram de contribuiccedilotildees teoacutericas de alguns autores das experiecircncias e compreensotildees do que jaacute se fez ou se faz em nossas escolas (AMOP 2007 p07)
Os trabalhos para elaboraccedilatildeo de diretrizes curriculares para o oeste
paranaense comeccedilaram em 2005 juntamente com secretaacuterios municipais de
educaccedilatildeo do Oeste do Paranaacute Na primeira etapa foram organizados grupos de
trabalho para elaboraccedilatildeo de propostas para as disciplinas de Liacutengua
PortuguesaAlfabetizaccedilatildeo Matemaacutetica Histoacuteria Geografia e Ciecircncias Assim as
atividades comeccedilaram a partir de seminaacuterio com representantes das equipes de
ensino das secretarias municipais de educaccedilatildeo
No qual se discutiu sobre a concepccedilatildeo de homem de sociedade de conhecimento e sobre a funccedilatildeo da escola Participaram do evento aproximadamente 380 representantes (AMOP 2007 p25)
Os trabalhos seguiram no decorrer do ano de 2005 mediante reuniotildees dos
grupos junto aos profissionais da Secretaria de Estado da Educaccedilatildeo (SEED) que
atuaram na elaboraccedilatildeo das diretrizes para as escolas estaduais do Paranaacute O
Departamento Pedagoacutegico da AMOP integrou-se ao grupo como tambeacutem os
educadores da educaccedilatildeo baacutesica e instituiccedilotildees de ensino superior Posteriormente
abriram-se as discussotildees para toda regiatildeo a fim de compreender as primeiras
impressotildees da versatildeo preliminar do documento
A partir desse processo houve a reelaboraccedilatildeo desse documento que reelaborado a partir das contribuiccedilotildees dos educadores dos municiacutepios envolvidos tornou-se o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo do curriacuteculo A construccedilatildeo do curriacuteculo foi feita por meio de um processo que desencadeou discussotildees preacutevias com os representantes dos municiacutepios sistematizaccedilatildeo dessas discussotildees por um grupo menor discussatildeo e anaacutelise dessa sistematizaccedilatildeo pelo conjunto de educadores de cada municiacutepio que tinha suas
102
contribuiccedilotildees registradas pelos seus representantes (AMOP 2007 p26)
A partir de entatildeo elaborado o curriacuteculo no que confere agraves questotildees da
diversidade a partir da realidade em Foz do Iguaccedilu foram identificados nas
diretrizes propostas para o ensino de Geografia e Histoacuteria componentes que
trabalham com a questatildeo da diversidade nas escolas Os conteuacutedos referentes ao
ensino da Geografia estatildeo nas seguintes proposiccedilotildees para o 5ordm ano
Caracteriacutesticas sociais ndash diversidades eacutetnicas e culturais do Paranaacute
Movimentos da populaccedilatildeo paranaense crescimento da populaccedilatildeo
Divisatildeo poliacutetica (formaccedilatildeo do conceito de distritomuniciacutepioestadopaiacutes)
A industrializaccedilatildeo e o crescimento urbano do Paranaacute ndash malha urbana
Tracircnsito - circulaccedilatildeo no estado ndash ligaccedilatildeo rodoviaacuteria ferroviaacuteria aeacuterea - vias pedagiadas ndash Fiscalizaccedilatildeo Poliacutecia Rodoviaacuteria e pesagem
Organizaccedilatildeo dos espaccedilos urbanos ndash problemas urbanos - centro e periferia Impostos e taxas pagamentos que financiam a infra-estrutura dos bens puacuteblicos (AMOPE 2007 p252-253)
Sobre os conteuacutedos propostos no AMOP (2007) o ensino de geografia propotildee que
as diversidades eacutetnicas e culturais presentes no Paranaacute sejam parte do conteuacutedo a
ser desenvolvido em sala de aula Tambeacutem a histoacuteria dos processos migratoacuterios
para o estado e a presenccedila dos diferentes grupos eacutetnicos que formam parte da
histoacuteria de formaccedilatildeo do Paranaacute (AMOP 2007)
Neste sentido a proposta da AMOP se aproxima da LDB96 e dos proacuteprios
PCN‟s que tratam da diversidade cultural com a diferenccedila de que ele eacute destinado
para a rede municipal de educaccedilatildeo do Oeste paranaense Nesta perspectiva haacute um
vieacutes positivo na medida em que delimita o oeste paranaense adotando o enfoque da
diversidade eacutetnico-racial o que permite maior aproximaccedilatildeo com a realidade do
aluno
103
346 Algumas consideraccedilotildees
Diante do exposto considerando os documentos analisados percebe-se que
haacute uma induccedilatildeo clara para que o trabalho pedagoacutegico com a temaacutetica da
diversidade esteja fundada na noccedilatildeo29 presente na Constituiccedilatildeo de 1988 de que o
Brasil sendo formado por trecircs raccedilas - o iacutendio o branco e o negro- deve considerar
essas e reconhececirc-las nos espaccedilos educacionais A LDB96 reafirma esses
propoacutesitos no artigo 26 Os PCN‟spor sua vez se adequa a LDB06 principalmente
com a criaccedilatildeo dos Temas Transversais
No plano estadual as poliacuteticas educacionais para diversidade natildeo ficam
distantes das propostas em niacutevel nacional pois devem obrigatoriamente seguir os
componentes das diretrizes nacionais Desse modo natildeo foi evidenciado nessas
poliacuteticas mecanismos que subsidiassem as escolas presentes em fronteira neste
caso Foz do Iguaccedilu com estrateacutegias para criar programas e projetos para a
diversidade Do mesmo modo podemos falar dos planos nacionais e estaduais de
educaccedilatildeo Por mais que enfatizem o trabalho pedagoacutegico conforme a realidade
local eles natildeo deixam de pensar no nacional Outro problema eacute a imposiccedilatildeo dessas
poliacuteticas puacuteblicas e os PCN‟s satildeo um exemplo de uma proposta vertical assim
como inuacutemeros projetos que chegam agrave escola sem uma preacutevia discussatildeo com as
bases que seriam as comunidades escolares
Desse modo o que pode ser feito nas escolas eacute uma adaptaccedilatildeo agrave realidade
local Todas essas poliacuteticas educativas chegam agrave regiatildeo da fronteira mas natildeo
atingem suas especificidades Por especificidades recordamos tratar-se da
presenccedila dos alunos estrangeiros nas escolas de Foz do Iguaccedilu a saber
paraguaios argentinos e brasiguaios que satildeo grupos que fizeram e fazem parte da
histoacuteria da cidade desde o seu iniacutecio mas ao mesmo tempo natildeo satildeo preocupaccedilatildeo
do Estado brasileiro devendo ser uma preocupaccedilatildeo de seus Estados Nacionais
Nesta loacutegica as escolas da regiatildeo natildeo foram criadas a partir da realidade
fronteiriccedila O multilinguismo eacute desconsiderado O Estado por meio da legislaccedilatildeo
impotildee o portuguecircs enquanto liacutengua oficial Falar de diversidade eacute possiacutevel desde
29
Pires-Santos e Cavalcanti (2008) definem o monolinguismo como um a adoccedilatildeo de uma
liacutengua homogecircnea pura uma liacutengua para um povo Trata-se na concepccedilatildeo das autoras de um mito ligado a interesses e investida de ideologia e que estaacute relacionado agrave nacionalidade
104
que seja referente aos grupos presentes no territoacuterio brasileiro que foram
historicamente colocados agrave margem da sociedade Logo 1) Seraacute que as nossas
escolas disponibilizam de tempo espaccedilo e interesse para desenvolver trabalhos de
combate ao preconceito contra o paraguaio chamado em momentos de ofensas de
xiru 2) E quanto agrave presenccedila aacuterabe na regiatildeo ela eacute discutida Como eacute a acolhida
destes na escola 3) O professor se sente preparado para lidar com estas questotildees
em sala de aula
Tais perguntas apresentadas acima foram motivadas a partir do pressuposto
de que temos um curriacuteculo nacional com raiacutezes eurocecircntricas conforme Tomaz
Tadeu da Silva (2007 p7) o curriacuteculo natildeo eacute neutro este ldquotransmite visotildees sociais
particulares e interessadas o curriacuteculo produz identidades individuais e sociais
particularesrdquo Por muito tempo a histoacuteria dos negros e indiacutegenas eram abordadas de
modo superficial por outro lado a histoacuteria antiga e recente da Europa sempre se fez
presente em nossos livros didaacuteticos Desconhecemos a Ameacuterica Latina seus povos
e histoacuteria logo desconhecemos os que fazem fronteira com o Brasil Squinelo
(2011) no artigo ldquoRevisotildees Historiograacuteficas A Guerra do Paraguai nos livros
didaacuteticos brasileiros-PNLD 2011rdquo ao analisar a histoacuteria da Guerra da Triacuteplice Alianccedila
presente nos livros didaacuteticos do Brasil aponta que pouco se discute considera a
versatildeo falha tendenciosa e conclui seu artigo com os seguintes questionamentos
Resta-me ainda algumas duacutevidas em relaccedilatildeo ao porquecirc entatildeo estudamos a Guerra do Paraguai na medida em que a) natildeo procuramos entender o sentido para os paiacuteses nela envolvidos b) natildeo buscamos a compreensatildeo de nosso desenvolvimento histoacuterico-soacutecio-cultural e econocircmico c) natildeo realizamos as conexotildees necessaacuterias ao entendimento das questotildees relacionadas ao Mercosul e finalmente d) natildeo propiciamos ao educando a compreensatildeo dos eventos histoacutericos de nosso passado latino-americano o que nos levaria a nos conhecer e a conhecer o outro e tambeacutem responderia muitas questotildees postas em nosso presente (SQUINELO 2011p 36)
35 O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles um exemplo de poliacutetica
educacional para a fronteira
Dentro das poliacuteticas educacionais encontram-se outras variaacuteveis de poliacuteticas
dentre elas a poliacutetica linguiacutestica definida por Oliveira (2004 p38) como ldquoum o
conjunto de decisotildees que um grupo de poder sobretudo um Estado (mas tambeacutem
105
uma Igreja ou outros tipos de instituiccedilotildees de poder menos totalizantes) toma sobre o
lugar e a forma das liacutenguas na sociedade e a implementaccedilatildeo destas decisotildeesrdquo
Para Maher (2013 p 119) as poliacuteticas linguiacutesticas se referem aos objetivos e
agraves intervenccedilotildees que de uma forma ou outra visam ldquoafetarrdquo tanto o modo como as
liacutenguas se constituem quanto os modos como elas satildeo utilizadas eou transmitidas
A autora chama atenccedilatildeo para o equiacutevoco comumente difundido de que as poliacuteticas
lingusticas seriam apenas criadas por meio do governo ldquoPoliacuteticas linguumliacutesticas podem
ser arquitetadas e colocadas em accedilatildeo localmente uma escola ou uma famiacutelia pode
colocar em praacutetica ou estabelecer certa situaccedilatildeo sociolinguumliacutesticardquo (MAHER 2013
p120)
Essa perspectiva vai ao encontro da abordagem30 multicecircntrica ou policecircntrica
de poliacuteticas puacuteblicas que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como
protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas tais como as organizaccedilotildees
natildeo governamentais organizaccedilotildees privadas e organismos (DROS 1971
KOOIMAN 1993 RHODES 1997 HAJER 2003 apud SECCHI 2013) Nessa
premissa o PEIBF se enquadra na visatildeo multicecircntrica dos estudos de poliacuteticas
puacuteblicas uma vez que foi fruto de acordos bilaterais iniciados pela Argentina e o
Brasil no acircmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
O Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira (PEIBF) surgiu
dentro do oacutergatildeo pertencente ao Mercosul denominado Setor Educacional do
Mercosul (SEM) Segundo o documento ldquoEscolas de Fronteirardquo (BRASIL 2008) dos
antecedentes desse projeto encontra-se a oficializaccedilatildeo da criaccedilatildeo do MERCOSUL
em 1991 instituiccedilatildeo intergovernamental que nasceu com a assinatura do Tratado de
Assunccedilatildeo acordados inicialmente entre Argentina Brasil Paraguai e Uruguai
O bloco econocircmico Mercosul apresenta-se em um contexto de globalizaccedilatildeo
da economia O projeto teve como base as negociaccedilotildees entre Brasil e Argentina
30
Dentro das analises de poliacuteticas puacuteblicas Secchi (2013) discorre sobre o noacute conceitual que haacute na
literatura especializada nos estudos de poliacuteticas puacuteblicas Alguns pesquisadores defendem a abordagem estatista que considera as PP analiticamente monopoacutelio de atores estatais Outros a abordagem multicecircntrica que aleacutem de considerar o Estado inclui outras instacircncias como protagonistas no estabelecimento de poliacuteticas puacuteblicas
106
para a integraccedilatildeo de suas economias e os resultados positivos dessa integraccedilatildeo
levaram o Paraguai e o Uruguai a fazerem parte do projeto integracionista
O objetivo inicial do Mercosul fora a integraccedilatildeo dos quatros Estados
membros em termos de circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos e de fatores produtivos da
formulaccedilatildeo de poliacutetica comercial comum da afirmaccedilatildeo de uma Tarifa Externa
Comum (TEC) e da busca por poliacuteticas legislativas comum aos paiacuteses membros Em
2012 a Venezuela tornou-se oficialmente mais um paiacutes membro do bloco e a Boliacutevia
caminha para o processo de ordenamento juriacutedico para oficializar sua participaccedilatildeo
Aleacutem disso o mercado comum conta com a participaccedilatildeo de paiacuteses associados
Chile Peru Colocircmbia Equador Guiana e Suriname
No final do seacuteculo passado o Mercosul passava por outro lado por crises do
ponto de vista comercial as dimensotildees poliacutetica sociocultural e educacional foram
ganhando relevacircncia (ALMEIDA 2015) Este periacuteodo de crise refere-se aos
impactos das poliacuteticas neoliberais implantadas na regiatildeo no decorrer das deacutecadas
de 1980 e 1990 O nuacutemero de pessoas em situaccedilatildeo de pobreza passou de 136
milhotildees em 1980 para 222 milhotildees em 2004 (ESTAY 2007) Neste contexto de crise
econocircmica e aumento das desigualdades sociais que foi assinada a ldquoCarta de
Buenos Aires sobre o Compromisso Social no Mercosul Boliacutevia e Chile31rdquo no dia 30
de junho de 2000 A carta reconhece a importacircncia da dimensatildeo sociocultural do
Mercosul
Com a entrada de governos progressistas como a eleiccedilatildeo de Luiacutes Inaacutecio Lula
da Silva em 2003 e de Neacutestor Kircher na Argentina a funccedilatildeo do Mercosul enquanto
bloco meramente de integraccedilatildeo econocircmica foi revista e acrescida pelas dimensotildees
sociais para a integraccedilatildeo regional Desse modo a aacuterea social do Mercosul que
havia sido abordada na ldquoCarta de Buenos Airesrdquo e pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de
Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul foi expandida e
institucionalizada com a criaccedilatildeo do Instituto Mercosul Social (IMS) em 2007
(ALMEIDA 2015)
31
Em junho de 2000 os presidentes aprovaram a Carta de Buenos Aires com o Compromisso
Social no Mercosul Boliacutevia e Chile O documento estimula as autoridades competentes a ldquofortalecer o trabalho conjunto entre os seis paiacuteses assim como o intercacircmbio de experiecircncias e informaccedilotildees a fim de contribuir para a superaccedilatildeo dos problemas sociais mais agudos que os afetam e para definir os temas ou aacutereas onde seja viaacutevel uma accedilatildeo coordenada ou complementar para solucionaacute-los (BRASIL 2007 p25) Dentre as accedilotildees promovidas a partir da Carta encontra-se a criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do Mercosul instituiacuteda pela Decisatildeo n 612000 do CMC (ALMEIDA 2015p24)
107
A estrutura organizacional do Mercosul eacute composta pelo Conselho Mercado
Comum (CMC) Grupo Mercado Comum Comissatildeo Parlamentar Foro Consultivo
Econocircmico-Social Comissatildeo de Comeacutercio do Mercosul e Secretaria Administrativa
do Mercosul O CMC eacute responsaacutevel pela criaccedilatildeo da Reuniatildeo de Ministros da
Educaccedilatildeo (RME) principal responsaacutevel pela estrutura do Setor educacional do
Mercosul (SEM) (MERCOSUL EDUCACIONAL 2013) Dentre os objetivos
estrateacutegicos para a educaccedilatildeo do SEM estaacute agrave integraccedilatildeo e formaccedilatildeo de uma
identidade regional Tem como objetivo ser um espaccedilo regional no qual a educaccedilatildeo
seja de qualidade fundada no ldquoconhecimento intercultural o respeito agrave diversidade e
agrave cooperaccedilatildeo solidaacuteriardquo de modo a contribuir para a democratizaccedilatildeo dos sistemas
educacionais da regiatildeo (MERCOSUL 2011 p15) Da missatildeo definida pelo SEM
encontra-se a de
Formar um espaccedilo educacional comum por meio da coordenaccedilatildeo de poliacuteticas que articulem a educaccedilatildeo com o processo de integraccedilatildeo do MERCOSUL estimulando a mobilidade o intercacircmbio e a formaccedilatildeo de uma identidade e cidadania regional com o objetivo de alcanccedilar uma educaccedilatildeo de qualidade para todos com atenccedilatildeo especial aos setores mais vulneraacuteveis em um processo de desenvolvimento com justiccedila social e respeito agrave diversidade cultural dos povos da regiatildeo (MERCOSUL EDUCACIONAL 2011 p10)
No acircmbito do SEM encontra-se o Comitecirc Coordenador Regional cuja funccedilatildeo eacute
propor poliacuteticas de integraccedilatildeo e cooperaccedilatildeo da aacuterea educacional Uma vez
estabelecidas como liacutenguas oficiais do MERCOSUL o espanhol guarani e
portuguecircs coube ao setor educativo do bloco enfatizar em seu plano de accedilatildeo a
necessidade de difundir o ensino de portuguecircs e do espanhol por meio dos
sistemas educativos formais e informais
Como parte desse processo o Setor Educacional do Mercosul ndash SEM aponta nos seus planos de accedilatildeo a necessidade de difundir o aprendizado do portuguecircs e do espanhol por meio dos sistemas educacionais formais e natildeo formais considerando como aacutereas prioritaacuterias o fortalecimento da identidade regional levando dessa forma ao conhecimento muacutetuo a uma cultura de integraccedilatildeo e agrave promoccedilatildeo de poliacuteticas regionais de formaccedilatildeo de recursos humanos visando agrave melhoria da qualidade da educaccedilatildeo (BRASIL 2008 p 6)
351 Do processo de elaboraccedilatildeo
Conforme Secchi (2013) a tomada de decisatildeo no momento de se propor uma
poliacutetica puacuteblica eacute uma etapa em que os interesses dos atores satildeo equacionados
108
onde as razotildees de um problema puacuteblico satildeo explicitadas Nessa fase a equipe
bilateral de teacutecnicos e linguistas argentinos e brasileiros foram requeridos para
formular o projeto a fim de atender agraves expectativas dos dois paiacuteses Assim o projeto
proposto pela equipe teve como intuito promover as liacutenguas espanhola e portuguesa
atraveacutes do ensino biliacutengue e atraveacutes de intercacircmbios culturais entre Argentina e
Brasil
352 Do processo para implementaccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica
Para O‟Tolle Jr (2003 apud Secchi 2003p55 ) ldquoa fase de implementaccedilatildeo eacute
aquela em que regras rotinas e processos sociais satildeo convertidos de intenccedilotildees em
accedilotildeesrdquo Dos elementos baacutesicos para anaacutelise desse processo encontram-se
() pessoas e organizaccedilotildees com interesses competecircncias e comportamentos variados () tambeacutem fazem parte de processo as relaccedilotildees existentes entre as pessoas as instituiccedilotildees vigentes (regras formais e informais) os recursos financeiros materiais informativos e poliacuteticos (capacidade de influecircncia) (SECCHI 2013 p57)
Nesta perspectiva o Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
foi implementado inicialmente em 2005 nas cidades brasileiras de Dioniacutesio
Cerqueira no estado de Santa Catarina e Uruguaiana no Rio Grande do Sul Do
lado argentino as cidades que aderiram ao programa foram Bernado de Irogoyen
em Misiones e Paso de los Libres em Corrientes O programa foi implantado pelo
Governo Federal brasileiro por meio da Coordenaccedilatildeo de Formaccedilatildeo Continuada do
Departamento de Poliacuteticas de Educaccedilatildeo Infantil e do Ensino Fundamental da
Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica32 em conjunto com o Ministeacuterio de la Educaciacuteon
Ciencia y Tecnologia (MEC y T) da Argentina A partir de 2006 o programa
estendeu-se para outras regiotildees de fronteira sendo elas Puerto Iguazuacute em
Misiones e Santo Tomeacute e La Cru e Corrrientes na Argentina e Foz do Iguaccedilu no
Paranaacute e Satildeo Borja e Itaqui no Rio Grande do Sul
Desde o primeiro momento algumas questotildees sobre sua origem foram
criticadas Sagaz (2013) aponta que o MEC natildeo apresentou o PEIBF oficialmente
como um Programa Temaacutetico ou um Projeto proposto e aprovado em Plano Pluri
32
O PEIF eacute de responsabilidade da Coordenaccedilatildeo Geral de Ensino Fundamental (COEF) na Diretoria
de Curriacuteculos e Educaccedilatildeo Integral - (DICEI) da Secretaria de Educaccedilatildeo Baacutesica (SEB) no MEC
109
Anual (PPA) Para o autor natildeo era intenccedilatildeo do poder legislativo discutir os
orccedilamentos ldquotampouco eacute uma accedilatildeo de governo no que diz respeito agraves suas
diretrizes poliacuteticas uma vez que o oacutergatildeo competente natildeo solicitou a formalizaccedilatildeo
dos recursos junto ao PPArdquo (SAGAZ 2013 p 43) Isto manteve o PEIBF ateacute 2010
distante da prioridade e discussatildeo por parte do governo se comparado a outros
Programas e Projetos
O processo de implementaccedilatildeo comeccedilou no ano de 2004 com a primeira
reuniatildeo de planejamento No mesmo ano na cidade de Dioniacutesio Cerqueira ocorreu
uma reuniatildeo para instituir o programa na escola eleita Dentre as instituiccedilotildees
presentes encontravam-se o Instituto de Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento em
Poliacutetica Linguiacutestica (IPOL) a 30ordf Gerecircncia Regional de Educaccedilatildeo e Inovaccedilatildeo
(GEREI) e o MECyT
A escola brasileira escolhida para a implementaccedilatildeo do projeto foi a Dr
Theodureto Carlos de Faria Souto A escola possui uma localizaccedilatildeo estrateacutegica pois
estaacute a aproximadamente dois quilocircmetros do posto da Receita Federal na fronteira
BrasilArgentina ldquoPode-se ir caminhando da escola ateacute o outro paiacutes sem nenhum
impedimento em relaccedilatildeo agraves vias de acesso e em relaccedilatildeo ao posto alfandegaacuteriordquo
(SAGAZ 2013 p77) Nela ocorreu a primeira reuniatildeo com os pais dos estudantes
em fevereiro de 2005 De acordo com a equipe teacutecnica a implementaccedilatildeo do PEIBF
deveria ser gradual a comeccedilar com a inclusatildeo das seacuteries iniciais do ensino
fundamental no projeto para posteriormente incluir as demais seacuteries A ampliaccedilatildeo
do projeto para todas as seacuteries da educaccedilatildeo baacutesica de uma soacute vez poderia causar
transtornos dada a necessidade de adequaccedilatildeo dos sistemas locais de educaccedilatildeo agrave
sua estrutura (BRASIL 2008)
As seacuteries escolhidas para o projeto foram o primeiro e segundo ano do ensino
fundamental A estrutura operacional e a tentativa de avanccedilar nas seacuteries iniciais do
ensino fundamental para os anos finais segundo a relatoria tornaram-se inviaacuteveis
pela falta de entendimento pedagoacutegico entre Argentina e Brasil (BRASIL 2008) Em
2006 os ministeacuterios dos paiacuteses envolvidos no PEIBF comeccedilaram a formular um
documento com diretrizes para todas as escolas em zonas de fronteiras envolvidas
no projeto intitulado ldquoModelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira a
partir do desenvolvimento de um programa para a educaccedilatildeo intercultural com
ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanholrdquo Em 2012 o documento baacutesico foi
reelaborado contando com a contribuiccedilatildeo do Uruguai e Paraguai O nome do
110
documento passou a ser Modelo de ensentildeanza comuacuten em escuelas de zona de
frontera a partir del desarrollo de un programa para la educacioacuten intercultural com
eacutenfasis em la ensentildeanza de latildes lenguas predominantes en la regioacuten (MERCOSUL
EDUCACIONAL 2014)
Segundo o documento inicial do programa a projeccedilatildeo pretendida era de que
a cada ano fosse ampliado o nuacutemero de turmas envolvidas e que se avanccedilasse para
as proacuteximas seacuteries de modo que os alunos que fazera parte do programa pudesse
adquirir a familiarizaccedilatildeo com a cultura do paiacutes vizinho
O Programa tem por metodologia o intercacircmbio docente e as escolas satildeo as
responsaacuteveis por organizar os quadros dos professores que iratildeo fazer parte das
chamadas escolasespelhos (unidades baacutesicas de trabalho atuando como uma
unidade operacional)
Esta forma permite aos docentes dos paiacuteses envolvidos vivenciarem eles mesmos na sua atuaccedilatildeo e nas suas rotinas semanais praacuteticas de bilinguumlismo e de interculturalidade semelhantes agraves que querem construir com os alunos na medida em que se expotildeem agrave vivecircncia com seus colegas do outro paiacutes e com as crianccedilas das vaacuterias seacuteries com as quais atuam (BRASIL 2008 p21)
353 Avaliaccedilatildeo da Poliacutetica Puacuteblica- Primeiros impactos do PEIBF
De acordo com Leite e Flexor (2006) a avaliaccedilatildeo de uma poliacutetica puacuteblica
consiste em verificar os efeitos atribuiacutedos agrave accedilatildeo do governo tendo portanto um
caraacuteter normativo Os autores afirmam que os avaliadores agem em funccedilatildeo de
quadros de referecircncia com valores e normas incluindo a percepccedilatildeo que devem ser
considerados nesse processo
A dificuldade dessa fase reside tambeacutem no fato de que os resultados efetivos satildeo relativamente independentes das expectativas iniciais Aleacutem disso as aspiraccedilotildees podem mudar no decorrer do percurso outros problemas podem surgir os objetivos satildeo geralmente ambiacuteguos e causas externas podem explicar os resultados Em outras palavras natildeo existe causalidade uniacutevoca (LEITE FLEXOR 2006 p 11)
Para Secchi (2013) existem alguns modelos diferenciados de avaliaccedilatildeo Haacute
aquelas que ocorrem anterior agrave implementaccedilatildeo (ex ante) e a avaliaccedilatildeo posterior agrave
implementaccedilatildeo (ex post) Existe tambeacutem a avaliaccedilatildeo que ocorre durante o processo
de implementaccedilatildeo cujo objetivo eacute a busca de ajustes imediatos O referido autor
111
elenca os principais criteacuterios utilizados para avaliaccedilotildees sendo eles economicidade
produtividade eficiecircncia econocircmica eficiecircncia administrativa eficaacutecia e equidade
O documento preliminar -Programa Escolas Biliacutenguumles de Fronteira - Modelo
de ensino comum em escolas de zona de fronteira a partir do desenvolvimento de
um programa para a educaccedilatildeo intercultural com ecircnfase no ensino do portuguecircs e
do espanholrdquo ( MEC y T MEC2008) busca analisar os primeiras experiecircncias do
projeto Nesse sentido trata-se de uma avaliaccedilatildeo que ocorreu durante o processo
de implementaccedilatildeo Dentre as consideraccedilotildees feitas nessa primeira etapa encontram-
se
- Do repertoacuterio linguumliacutestico das crianccedilas Apoacutes alguns meses do estabelecimento do
programa as professoras envolvidas evidenciaram que as crianccedilas argentinas
tinham maior familiaridade com a liacutengua portuguesa enquanto as crianccedilas
brasileiras tiveram dificuldades para assimilar o espanhol
As crianccedilas argentinas jaacute satildeo em algum niacutevel biliacutengues entendem razoavelmente bem a liacutengua portuguesa e muitas a falam com facilidade Isso se deve ao fato de que muitos satildeo descendentes de brasileiros Aleacutem disso tecircm uma maior exposiccedilatildeo agrave liacutengua atraveacutes da miacutedia maior frequecircncia de estadia no Brasil e eventualmente em consequecircncia destes fatores nota-se uma maior disponibilidade da populaccedilatildeo argentina de fronteira para o aprendizado do portuguecircs (MECy T MEC 2008 p 13)
Neste periacuteodo identificou-se uma necessidade de promover uma ldquosensibilizaccedilatildeo
linguumliacutesticardquo de modo que as crianccedilas brasileiras pudessem querer aprender a liacutengua
espanhola Para tal sensibilizaccedilatildeo a praacutetica intercultural eacute fundamental assinala o
documento
Da necessidade de Intercacircmbio entre alunos Verificou-se que aleacutem do
intercacircmbio entre professores houve a demanda por intercacircmbio entre os alunos
No entanto esse processo eacute mais complexo de ser executado haja vista que haacute
empecilhos como a documentaccedilatildeo das crianccedilas para entrada em outro paiacutes As
crianccedilas brasileiras e argentinas soacute podem realizar a travessia com uma
documentaccedilatildeo assinada pelos pais autorizando sua travessia
Da carga horaacuteria das escolas Como satildeo secretarias educacionais e paiacuteses
distintos um modelo uacutenico para sua execuccedilatildeo eacute praticamente improvaacutevel Essa
112
pauta foi discutida na equipe quando foram elaborados trecircs modelos de
organizaccedilatildeo das escolas envolvidas
Escola em Tempo Integral (Jornada Completa) Nesse modelo os alunos
possuem pelo menos dois dias de aula de liacutengua estrangeira e uma carga
horaacuteria total de 6 horas semanais Como a escola eacute de tempo integral os
alunos podem ter outras atividades destinados agrave educaccedilatildeo biliacutengue
Escola em Contra-Turno eacute semelhante agrave escola de Tempo Integral mas
neste caso apenas em um dos turnos haacute o ensino biliacutengue
Escola em Turno Uacutenico em dois dias da semana os trabalhos do programa
escolas biliacutengues satildeo realizados dentro do proacuteprio turno num total de cinco
horas semanais
Entre os modelos apresentados acima o primeiro eacute o da escola Dioniacutesio
Cerqueira e Bernado Yrigoyen o segundo aplica-se a Foz do Iguaccedilu e Puerto
Iguazuacute o terceiro modelo encontra-se presente em Uruguaina Verificou-se que o
trabalho desenvolvido nas escolas de turno uacutenico possui em sua base curricular o
segundo idioma enquanto o trabalho em contra-turno jaacute assimila as atividades do
programa como atividade extra-curricular o que natildeo eacute o objetivo do PEIBF O
melhor turno para se desenvolver o programa eacute o Turno Uacutenico pois natildeo interfere na
rotina da escola nem na estrutura fiacutesica ou mesmo na contrataccedilatildeo de mais
funcionaacuterios ou aumento da carga horaacuteria dos professores envolvidos (BRASIL
2008)
A escola em contra-turno amplia o periacuteodo de permanecircncia do aluno na
instituiccedilatildeo uma estrateacutegia vaacutelida e uacutetil para o processo de aprendizagem do aluno
Conforme o documento de implantaccedilatildeo as experiecircncias aqui expostas somadas
aos debates nas reuniotildees das equipes de trabalho bilaterais e no decorrer dos
encontros de formaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo requerem a formulaccedilatildeo de um novo modelo
para o Programa para que se possa refletir e dar respostas as peculiaridades das
escolas interculturais biliacutenguumles (BRASIL 2008)
A partir de 2012 o PEIBF por meio da Portaria nordm 798 de 19 de junho de
2012 do Diaacuterio Oficial da Uniatildeo passou a se chamar Programa Escolas
Interculturais de Fronteira (PEIF)
113
Art 1ordm Fica instituiacutedo o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEIF) com o objetivo de contribuir para a formaccedilatildeo integral de crianccedilas adolescentes e jovens por meio da articulaccedilatildeo de accedilotildees que visem agrave integraccedilatildeo regional por meio da educaccedilatildeo intercultural das escolas puacuteblicas de fronteira alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes meacutetodos processos e conteuacutedos educativos sect 1ordm As Escolas Interculturais de Fronteira satildeo as escolas puacuteblicas Estaduais e Municipais situadas na faixa de fronteira e instruiacutedas pelo Modelo de ensino comum de zona de fronteira a partido desenvolvimento de um Programa para a educaccedilatildeo interculturalcom ecircnfase no ensino do portuguecircs e do espanhol da Declaraccedilatildeo Conjunta de Brasiacutelia firmada em 23 de novembro de 2003 pela Argentina e pelo Brasil e do Plano de Accedilatildeo do Setor Educativo do MERCOSUL (BRASIL 2012)
Pela mesma portaria criou-se o documento ldquoMarco Referencial de Desenvolvimento
Curricularrdquo o qual tem como objetivo central apresentar orientaccedilotildees comuns a serem
desenvolvidos pelas escolas envolvidas Entre os eixos organizadores encontram-
se
Eixo 1 - Funcionamento do Programa na escola
a) o envolvimento de toda a escola b) a definiccedilatildeo de metodologias dos projetos de aprendizagem c) a construccedilatildeo do projeto poliacutetico pedagoacutegico da escola intercultural (planejamento conjunto das accedilotildees) e regimento escolar d) considerar as especificidades curriculares e socioculturais das comunidades do campo indiacutegena e quilombola e) dinamizaccedilatildeo do relacionamento com escola do paiacutes vizinho definindo um plano de accedilatildeo conjunto para a realizaccedilatildeo do intercacircmbio docente aleacutem de outras accedilotildees que promovam a interculturalidade estendendo-se a todos os anos de escolarizaccedilatildeo da escola f) utilizaccedilatildeo das tecnologias da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo disponiacuteveis e necessaacuterias Eixo 3 - Formaccedilatildeo continuada dos profissionais da educaccedilatildeo baacutesica sob a coordenaccedilatildeo das Universidades
a) compor o grupo local formado por Coordenador-geral do PEIF Coordenador-adjunto de Educaccedilatildeo Integral Supervisor de Articulaccedilatildeo e Acompanhamento Pedagoacutegico (secretaria de educaccedilatildeo) Pesquisadores Professores Formadores (universidade) Professor Formador (coordenador pedagoacutegico ou diretor da escola) Tutor agrave distacircncia (universidade) Tutor presencial eou PIBID (universidade para acompanhamento pedagoacutegico na escola) b) promover a articulaccedilatildeo no espaccedilo da Universidade entre educaccedilatildeo integral e interculturalidade c) articular-se com o comitecirc gestor de recursos financeiros de sua
114
instituiccedilatildeo d) ofertar accedilotildeescursos de aperfeiccediloamento e) contribuir para o repositoacuterio dos materiais de formaccedilatildeo f) agilizar os procedimentos de afastamento do paiacutes (tracircmite interno das IES) g) definir arranjos que permitam realizar formaccedilotildees dentro das regiotildees de fronteira nos municiacutepios h) elaborar produtos finais resultantes de cada moacutedulo de formaccedilatildeo conjunta com outros paiacuteses i) articular as accedilotildees do PEIF com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciaccedilatildeo agrave Docecircncia (PIBIDCAPESMEC) e com o Programa Novos Talentos (CAPESMEC) j) induzir a inclusatildeo da temaacutetica interculturalidade na perspectiva da educaccedilatildeo integral na formaccedilatildeo inicial dos cursos de licenciatura e poacutes-graduaccedilatildeo e na pesquisa acadecircmica k) promover o uso das tecnologias de informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo realizar o diagnoacutestico sociolinguiacutestico das comunidades participantes do PEIF
Dentre os princiacutepios expostos acima destaca-se a participaccedilatildeo das
universidades o que abre espaccedilo para o desenvolvimento de pesquisas da criaccedilatildeo
de novas metodologias e de avaliaccedilotildees do projeto e da formaccedilatildeo docente numa
perspectiva intercultural O entendimento de interculturalidade do Programa eacute
() nesse caso ativa a escola seraacute intercultural na medida em que haja a participaccedilatildeo efetiva de profissionais e de alunos das diversas culturas envolvidas na comunidade educacional (e que natildeo satildeo soacute bdquoduas‟ a cultura argentina e a cultura brasileira o que corresponderia a pensaacute-las como unidades homogecircneas) em todas as instacircncias de convivecircncia que satildeo proacuteprias da instituiccedilatildeo escolar (BRASIL ARGENTINA 2008 p 26)
O Boletim produzido pela publicaccedilatildeo Salto para o Futuro que complementa
as ediccedilotildees televisivas da TV Escola do Ministeacuterio da educaccedilatildeo em sua primeira
ediccedilatildeo de 2014 apresentou o tema das Escolas Interculturais Biliacutenguumles de Fronteira
A professora Eliana Rosa Sturza coordenadora do Programa das Escolas
Interculturais de Fronteira na Universidade Federal de Santa Maria e do Laboratoacuterio
Entre liacutenguas da Universidade Federal de Sergipe relata as experiecircncias e
aprendizados do programa em diferentes cidades localizadas na fronteira
A proposta metodoloacutegica foi analisada por Sturza (2010 2014) enfocando a
experiecircncia das crianccedilas brasileiras em Uruguaiana no Rio Grande do Sul cuja
aprendizagem eacute dentro e fora de sala de aula Em uma das escolas as crianccedilas
confundiram as professoras argentinas com enfermeiras do posto meacutedico pois
115
estas usam avental branco costume que natildeo eacute habitual no Brasil As professoras
argentinas por sua vez estranharam as manifestaccedilotildees inicialmente constantes dos
alunos brasileiros que queriam abraccedilaacute-las tocaacute-las beijaacute-las ldquoEste eacute um traccedilo
cultural do comportamento brasileiro muito identificado pelo bdquoestrangeiro‟ Neste
caso nem tatildeo estrangeiro mas um vizinho do outro lado do riordquo (STURZA 2014
p26)
A experiecircncia dos professores brasileiros no projeto possibilitou que eles
tivessem contato direto com o sistema educacional do vizinho e esse contato gerou
novos espaccedilos de discussatildeo sobre o trabalho docente mediante as comparaccedilotildees
sobre os conteuacutedos relaccedilatildeo aluno-professor da infraestrutura das escolas e ateacute a
autonomia da gestatildeo escolar
Nesta experiecircncia os professores foram conhecendo o funcionamento e a estrutura do sistema educacional do paiacutes vizinho e percebendo como sistema brasileiro eacute autocircnomo em relaccedilatildeo ao sistema uruguaio ou argentino mais centralizado O aprendizado eacute de toda ordem ocorrendo entre os professores da escola e os das escolas parceiras ou seja argentinos e brasileiros debatem a educaccedilatildeo trocam ideias e fazem planejamento de projetos em conjunto (STURZA 2014 p25)
A metodologia tem como norte o ensino por Projetos de Aprendizagem (EPA)
modo de organizaccedilatildeo que permite o desenvolvimento de projetos localmente
envolvendo a participaccedilatildeo de toda a comunidade escolar ou outros grupos a
depender da necessidade do projeto
Ensino via Projetos de Aprendizagem (EPA) faz com que as crianccedilas participem de projetos biliacutengues que prevecircem tarefas a serem realizadas em portuguecircs e em espanhol Satildeo coordenadas respectivamente pela docente brasileira ou argentina de acordo com o niacutevel de conhecimento do idioma que possuam e de acordo com o planejamento conjunto realizado periodicamente por professoras argentinas e brasileiras com suas respectivas assessorias pedagoacutegicas (BRASIL 2008 p 28)
Nesta perspectiva os temas das aulas e os projetos de aprendizagem a
serem desenvolvidos parte dos interesses dos alunos Cabe agraves professoras
argentinas e brasileiras o desenvolvimento do programa em conjunto Sturza (2014)
ilustra alguns temas que surgiram da curiosidade dos alunos e que por sua vez
podem ser trabalhadas em conjunto Um exemplo nasce da pergunta porque os
dentes caem Curiosidade comum entre crianccedilas de 7 anos por estarem vivenciado
a troca dos dentes A fim de explicar esse processo as atividades partiram da leitura
116
da histoacuteria ldquoFada dos Dentesrdquo ou do ldquoRaacuteton Peacuterezrdquo a primeira contada no Brasil e a
segunda no Uruguai As tarefas realizadas satildeo como um ldquopasso a passordquo a partir de
um mapa conceitual33
Do ponto de vista normativo todos os trabalhos desenvolvidos devem estar
em acordo com as diretrizes curriculares de cada paiacutes juntamente com a proposta
curricular do projeto Sobre as formas de avaliaccedilatildeo dos alunos o documento da
versatildeo preliminar do programa visa agrave metodologia de bdquoportifoacutelio‟ ldquodefinido como o
acompanhamento realizado a partir de evidecircncias de variadas naturezas do trabalho
realizado pelos alunos individual e coletivamenterdquo (BRASIL 2008 p29) O portifoacutelio
eacute uma forma de organizar o conjunto de memoacuterias de obras realizadas pelo aluno
podendo ser realizadas individualmente ou em grupo O objetivo eacute mostrar a
trajetoacuteria de cada estudante no decorrer de um projeto permitindo que o professor
possa avaliar esse aluno atraveacutes das informaccedilotildees contidas no portfoacutelio
354 O PEIF em Foz do Iguaccedilu
O PEIF teve iniacutecio na cidade de Foz do Iguaccedilu em abril de 2006 a partir do
encontro com todos os envolvidos na cidade de Puerto Iguazuacute A primeira instituiccedilatildeo
responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do projeto foi a Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo
Em 2014 a Universidade Federal da Integraccedilatildeo Latino-Americana (UNILA) passou a
coordenar o programa
As escolas escolhidas para realizaccedilatildeo do projeto foram a Escola municipal
Adele Zanotto Scalco em Foz do Iguaccedilu e a Escuela 164 em Puerto Iguazuacute As
escolas foram escolhidas pela localizaccedilatildeo estrateacutegica ambas ficam proacuteximas da
regiatildeo da Ponte Tancredo Neves ligaccedilatildeo entre os dois paiacuteses (CARVALHO 2012)
33
Mapas conceituais satildeo ferramentas graacuteficas para a organizaccedilatildeo e representaccedilatildeo do conhecimento Eles incluem conceitos geralmente dentro de ciacuterculos ou quadros de alguma espeacutecie e relaccedilotildees entre conceitos que satildeo indicadas por linhas que os interligam As palavras sobre essas linhas que satildeo palavras ou frases de ligaccedilatildeo especificam os relacionamentos entre dois conceitos Noacutes definimos conceito como uma regularidade percebida em eventos ou objetos designada por um roacutetulo Na maioria dos conceitos o roacutetulo eacute uma palavra embora algumas vezes usemos siacutembolos como + ou e em outras usemos mais de uma palavra Proposiccedilotildees satildeo enunciaccedilotildees sobre algum objeto ou evento no universo seja ele natural ou artificial Elas contecircm dois ou mais conceitos conectados por palavras de ligaccedilatildeo ou frases para compor uma afirmaccedilatildeo com sentido Por vezes satildeo chamadas de unidades semacircnticas ou unidades de sentido (CANAtildeS NOVAK 2010 p10)
117
Cabe destacar que a escola de Foz do Iguaccedilu eacute a uacutenica que participa do projeto no
Paranaacute conforme informaccedilotildees do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (2015)
Sobre a estrutura do programa o relatoacuterio produzido pela Secretaria
Municipal da Educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu na ocasiatildeo da primeira reuniatildeo entre a
equipe dos dois paiacuteses em abril de 2006 destaca os principais acordos para a
implementaccedilatildeo do programa nas escolas
Inicialmente o projeto atenderia duas turmas do ensino fundamental de cada
instituiccedilatildeo no turno da tarde todas as quartas-feiras
As aulas biliacutenguumles seriam ministradas no periacuteodo contra turno
A metodologia escolhida foi a de projetos pedagoacutegicos interculturais
A cada quinze dias os planejamentos das aulas seriam feitos com os
professores envolvidos no projeto com alternacircncia dos turnos de encontro e
das escolas
No mesmo relatoacuterio constam as comparaccedilotildees quanto agrave estrutura fiacutesica das
escolas A escola brasileira possui melhor estrutura fiacutesica pois possui videoteca
centro de esportes biblioteca sala de computaccedilatildeo e ar condicionado dentro das
salas de aula A escola argentina natildeo dispotildee desta estrutura Apesar destas
diferenccedilas as crianccedilas da escola brasileira e argentina natildeo possuem maiores
diferenccedilas quanto ao conhecimento pedagoacutegico
No iniacutecio do programa seu objetivo estava voltado para trabalhar com os
aspectos histoacutericos e culturais do paiacutes vizinhos tais como as muacutesicas roupas e as
comidas tiacutepicas de cada naccedilatildeo Depois por meio da assessoria do Instituto de
Investigaccedilatildeo e Desenvolvimento de Poliacuteticas Linguiacutesticas (IPOL) no Brasil e
do Ministerio de Cultura Educacioacuten Ciencia y Tecnologiacutea de la Provincia de
Misiones (MCECyT) na Argentina passaram a adotar a pedagogia de projetos
(ALBUQUERQUE SOUSA 2014) O tema eacute escolhido pelos alunos e planejado
pelas professoras dos dois paiacuteses
Com a finalidade de conhecer o histoacuterico do PEIF a partir da experiecircncia
daqueles que estatildeo envolvidos diretamente no programa foram realizadas
entrevistas com duas professoras brasileiras ligadas ao programa e que ministram
aulas na argentina As entrevistadas tiveram seus nomes preservados A fim de
118
identificaacute-las adotamos os seguintes nomes fictiacutecios Tacircnia que participou do
projeto por cinco anos e Clara que entrou no programa em 2015
A professora Tacircnia que permaneceu no projeto por cinco anos na ocasiatildeo de
sua entrada relata que o programa na Argentina passava por um processo de
transiccedilatildeo Em 2009 eles inauguraram a Escuela Intercultural Biliacutengue 2 para atender
o PEIF Hoje o cruce (termo utilizado pelas professoras que realizam a travessia
para lecionar no paiacutes vizinho) eacute realizado duas vezes na semana sendo que o
nuacutemero de turmas para as duas escolas envolvidas satildeo as mesmas
Ateacute 2013 o nuacutemero de turmas atendidas por escola eram oito distribuiacutedas
entre quatro professoras com carga- horaacuteria correspondente a 2 horas As seacuteries
atendidas eram do 1ordm ao 4ordm ano No Brasil as professoras argentinas fazem o cruce
duas vezes na semana enquanto as brasileiras todas as quartas-feiras pela manhatilde
A partir de 2014 o nuacutemero de professoras brasileiras a participarem do projeto foi
reduzido pela metade
Assim como Sturza (2014) apontou esse processo de travessia possui um
significado aleacutem de ir ateacute uma escola estrangeira e colocar em praacutetica o programa
Trata-se de um processo de aprendizagem que vai desde as reflexotildees referentes
aos diferentes aspectos educacionais presentes nos dois paiacuteses ateacute os significados
que o programa exerce nos aspectos pessoais
Se eu tiver oportunidade eu volto porque eu gosto do projeto E o projeto eacute uma das minhas paixotildees eu gostei Eacute uma coisa super interessante eacute diferente acho que eacute um crescimento na profissatildeo da gente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
As comparaccedilotildees em relaccedilatildeo agraves diferentes infraestruturas das escolas dos
dois paiacuteses satildeo inevitaacuteveis Tacircnia aponta que apesar da estrutura fiacutesica da escola
argentina ser muito boa os recursos didaacuteticos satildeo precaacuterios percebendo entatildeo os
contrastes que haacute nas poliacuteticas educacionais
A estrutura da escola laacute eacute muito boa eacute maravilhosa mas assim eacute tudo muito burocraacutetico no sentido de organizaccedilatildeo da escola Laacute eacute totalmente diferente aqui a gente tem fartura de material opccedilatildeo de coisa de tudo laacute bdquofarta‟ As salas satildeo uma penumbra com pouca iluminaccedilatildeo e tudo porque o governo natildeo daacute apoio nenhum como aqui tambeacutem (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
119
Outro ponto de comparaccedilatildeo satildeo os salaacuterios A professora Tacircnia aponta que o salaacuterio
da professoras argentinas eacute o dobro enquanto no Brasil o incentivo aos professores
eacute uma especulaccedilatildeo
Uma remuneraccedilatildeo diferente () ah isso aiacute jaacute foi questionado vaacuterias vezes que noacutes teriacuteamos um diferencial no salaacuterio a escola como um todo teria Se tivesse algum incentivo eu duvido que haveria resistecircncia em estar participando (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando a professora diz que ldquoeu duvido que haveria resistecircncia em estar
participandordquo ela se refere agrave resistecircncia de alguns professores em aderir ao PEIF
Quando questionada sobre o processo de escolha dos professores para o projeto
ela descreve que o correto eacute a rotatividade A cada um ou dois anos uma professora
ou professor deve assumir o projeto mas na praacutetica a direccedilatildeo eacute quem escolhe
A intenccedilatildeo do projeto eacute que se faccedila rodiacutezio soacute que aqui eacute por indicaccedilatildeo mesmo ldquoEsse ano vai ser vocecirc e ponto finalrdquo Porque por um bom tempo ficaram praticamente as mesmas pessoas igual eu permaneci por muito tempo (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
No iniacutecio do PEIF natildeo havia na carga horaacuteria oficial da escola a
disponibilidade para o preparo das aulas do programa O grupo que fazia parte do
projeto deveria encontrar uma brecha para organizar suas aulas
() depois do almoccedilo eu ia conciliando assim ia preparando a aula para as minhas turmas daqui para laacute e depois no ano passado34 quando entraram as outras professoras que melhorou comeccedilou a melhorar A prefeitura reduziu para dois professores e liberou a manhatilde para o projeto daiacute a escola se organizava como fosse possiacutevel Soacute que aumentou o nuacutemero de dias laacute (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntada sobre a receptividade do projeto por parte dos
professores Tacircnia responde que havia outros motivos para resistecircncia
Tanto laacute quanto caacute haacute resistecircncia de professores tanto para trabalhar no projeto tanto para receber o projeto na escola Algumas coisas
34
Referente ao ano de 2014 tendo em vista que as entrevistas foram realizadas julho de 2015
120
avanccedilaram algumas estacionaram e muitas tecircm que melhorar ainda Porque ateacute agora o uacutenico objetivo () eacute um projeto lindo maravilhoso muito bom soacute que natildeo eacute feito na iacutentegra Poliacuteticos criam essas coisas e jogam e natildeo datildeo apoio Criam esses projetos porque foi na eacutepoca do Mercosul que foi criado soacute que natildeo datildeo apoio E aiacute a cada mudanccedila de governo eacute aquela burocracia porque um Ministro entra o outro sai o que entra natildeo sabe de nada do que estaacute acontecendo o que saiu deixa tudo engavetado natildeo passa pro outro () eacute aquela coisa (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Evidencia-se aiacute a criacutetica da professora Tacircnia agrave falta de acompanhamento por
parte do Estado em dar continuidade aos projetos O mesmo ocorre quanto aos
repasses de verba Do ponto de vista legal somente apoacutes a criaccedilatildeo da Portaria nordm
798 de 19 de junho de 2012 quando instituiu o Programa Escolas Interculturais de
Fronteira se pode falar em repasses de verba Em 2014 o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou como seriam feitos os repasses a escolas
de educaccedilatildeo baacutesica do Brasil para promover atividades em periacuteodo integral Dentro
desse grupo35 encontram-se os valores destinados agraves escolas que fazem parte do
Programa Escolas Interculturais de Fronteira no entanto a distribuiccedilatildeo de recursos
segue confusa
Segundo as professoras Tacircnia e Clara houve tambeacutem alguns retrocessos no
decorrer do projeto As duas destacam o processo de formaccedilatildeo dos professores
para atuarem no PEIF Em Foz do Iguaccedilu a universidade que coordena a formaccedilatildeo
para os professores eacute a UNILA entretanto as professoras entrevistadas se
queixam da ausecircncia da instituiccedilatildeo no ano de 2015
No ano passado acho que soacute teve uma formaccedilatildeo que ela (UNILA) proporcionou Mas nem foi a Unila quem acabou dando essa formaccedilatildeo foram as nossas supervisoras aqui Eu arrumei o material com as professoras que jaacute nem estatildeo mais aqui () eu nunca mais tive essas formaccedilotildees no comeccedilo noacutes tivemos vaacuterias (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
35
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo publicou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 14 de
2014 os detalhes de como seratildeo feito os repasses de verba para as escolas de educaccedilatildeo baacutesica a fim de promover atividades em periacuteodo integral e aos finais de semana De acordo com a Resoluccedilatildeo os montantes repassados seguiratildeo os moldes do Programa Dinheiro Direto na Escola As escolas envolvidas satildeo aquelas que desenvolveratildeo atividades em periacuteodo integral podendo ser urbanas rurais ou no caso das escolas do PEIF a promoccedilatildeo do ensino biliacutenguumle (BRASIL 2016) Disponiacutevel em lthttpwwwbrasilgovbreducacao201406fundo-destina-verba-para-garantir-atividades-da-educacao-integralgt Acesso em 14102015
121
A professora Clara quando questionada se jaacute passou por alguma formaccedilatildeo
responde que em 2015 teve uma que partiu da iniciativa dos professores da escola
Foi para os professores novos que trabalham aqui para conhecerem o projeto pois muitos professores sabem que existe o projeto sabe mais ou menos como ele funciona sabe assim que tem professoras de laacute que vem pra caacute e professoras daqui que vai pra laacute e soacute Mas o funcionamento mesmo tinha bastante professor que natildeo conhecia Daiacute agrave escola tomou iniciativa de fazer um dia todo de formaccedilatildeo Foram levantadas as dificuldades que cada um sentia ou no que poderia mudar mas ateacute agora ningueacutem deu um parecer daquilo ficou no papel (Entrevista realizada com a professora Clara em julho de 2015)
O que chama atenccedilatildeo na fala da professora Clara eacute a iniciativa local A
comunidade escolar organizou um curso de formaccedilatildeo para os professores Nesse
sentido abre possibilidades para que ainda que as poliacuteticas tenham sido em sua
elaboraccedilatildeo sem discussatildeo com as escolas no momento em que se inicia na
praacutetica pode ser ressignificada Aleacutem disso faz-se necessaacuterio maior estreitamento
com a instituiccedilatildeo responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo do PEIF pois conforme a fala das
professoras entrevistas eacute importante a formaccedilatildeo dos professores envolvidos no
projeto
Tacircnia quando questionada se ela conhecia o processo de elaboraccedilatildeo em que
surgiu o PEIF embora goste do projeto deixa claro que a iniciativa na sua
concepccedilatildeo foi arbitraacuteria
Noacutes bdquoengolimos goela a baixo‟ Soacute que natildeo tem apoio nenhum () assim eacute uma coisa muito bonita eacute um projeto maravilhoso Na verdade para ser um projeto mesmo tinha que ter a integraccedilatildeo tanto de noacutes professores funcionaacuterios e tudo mas principalmente das crianccedilas Conhecer a realidade um do outro soacute que isso noacutes nunca conseguimos (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Uma das criacuteticas evidenciadas no decorrer desta dissertaccedilatildeo eacute que o
processo histoacuterico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas educacionais tem origem
distante dos interesses dos grupos interessados por elas Mesmo quando eacute fruto das
demandas sociais elas passam por um confronto de interesses cujo resultado
culmina em leis projetos programas e curriacuteculos que nascem ambiacuteguos
(FRIGOTTO 2002)
122
Santos (et al 2015) em artigo sobre a construccedilatildeo de conhecimento em
Linguiacutestica Aplicada com foco no letramento considerando os conflitos entre o
conhecimento local o campo acadecircmico e os programas governamentais
descrevem as experiecircncias vivenciadas em um processo de formaccedilatildeo de
professores em uma escola puacuteblica na Triacuteplice Fronteira (Brasil Paraguai e
Argentina) As autoras chamam atenccedilatildeo para a resistecircncia de alguns professores
que podem interpretar a interferecircncia externa natildeo como uma cooperaccedilatildeo mas como
ameaccedila pela ldquoimposiccedilatildeo de um conhecimento considerado superior e
consequumlentemente tambeacutem uma desqualificaccedilatildeo do trabalho ali construiacutedordquo
(SANTOS et al 2015p 51) No caso do PEIF a criacutetica da professora Tacircnia
encontra-se na ausecircncia da participaccedilatildeo dos professores diretamente envolvidos no
programa e da falta de integraccedilatildeo entre os alunos dos dois paiacuteses envolvidos
355 As fronteiras do projeto
Quando perguntado agraves professoras quais satildeo as possiacuteveis sugestotildees para
melhorias para o projeto elas sugerem que os alunos possam fazer parte do cruce
No entendimento delas seria importante a integraccedilatildeo entre esses alunos Poreacutem a
rigidez das aduanas com relaccedilatildeo agrave documentaccedilatildeo e agrave travessia de crianccedilas na
ausecircncia dos pais somadas a toda responsabilidade que isso acarretaria torna
difiacutecil imaginar essa possibilidade Com isso o intercacircmbio dos alunos se reduz ao
envio de viacutedeos cartas e fotografias
Tacircnia acrescenta ainda que os proacuteprios professores correm um certo risco ao
fazer a travessia Em caso de acidente natildeo haacute nada que possa comprovar que elas
estavam em horaacuterio de trabalho
A gente vai pra laacute com a cara e a coragem noacutes natildeo temos nada que nos assegure Que Deus o livre se acontece uma desgraccedila Natildeo sei como que vai ficar porque natildeo tem nada que nos assegure Noacutes natildeo temos um seguro de vida nada que nos ampare legalmente (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Quando perguntadas sobre as dificuldades referentes ao bilinguumlismo as
professoras expressam que os alunos argentinos compreendem bem o portuguecircs e
alguns falam portunhol Satildeo curiosos conhecem as novelas os jornais e muacutesicas
123
brasileiras Este fato eacute atribuiacutedo ao intenso contato com os meios de comunicaccedilatildeo
brasileiro principalmente a televisatildeo explica Tacircnia
No comeccedilo eu achei que ia ter dificuldade de entendimento eacute claro que a gente natildeo entende cem por cento mas eu natildeo vi dificuldade nenhuma porque laacute eles satildeo muito receptivos Laacute as crianccedilas participam muito mais do que aqui e assim quanto agrave liacutengua natildeo tem dificuldade nenhuma porque as crianccedilas falam o portunhol e muitos o portuguecircs perfeitamente e eles nos entendem perfeitamente Laacute eles seguem as nossas programaccedilotildees da TV falam que aprendem o portuguecircs na TV na tela Eles amam o portuguecircs eles amam a programaccedilatildeo nossa aqui a gente chega laacute pelo menos nas salas que eu entrava eles querem falar sobre a novela eles querem conversar sobre as nossas programaccedilotildees e quando eu os questiono sobre onde eles aprenderam tudo aquilo eles respondem na tela professora na tela (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
Os alunos brasileiro tecircm muita dificuldade com o espanhol Tacircnia explica que
geralmente as professoras brasileiras tecircm que permanecer em sala de aula para
auxiliar as professoras argentinas Retomo os aspectos histoacutericos da cidade para
explicar que o espanhol foi uma liacutengua presente no ensino do municiacutepio mas que foi
retirada do curriacuteculo acrescentando a importacircncia de se promover novamente a
inserccedilatildeo do espanhol nos curriacuteculos baacutesicos para as escolas situadas em fronteira
ou que pelo menos as escolas que integram PEIF
Creio eu que pra nossa cidade aqui () noacutes vivemos em uma fronteira aonde convivemos com dois paiacuteses que fala espanhol entatildeo natildeo que o inglecircs natildeo seja importante mas pelo menos na rede puacuteblica ou ateacute mesmo na particular o espanhol deve fazer parte da grade ou pelo menos nas escolas que tem esse projeto (Entrevista realizada com a professora Tacircnia em julho de 2015)
356 PEIF Uma alternativa na fronteira
Com base na literatura que destaca a importacircncia de se analisar as poliacuteticas
puacuteblicas foi possiacutevel verificar que o Programa Escolas Interculturais Biliacutengues
possui algumas falhas advindas de seu processo de implementaccedilatildeo Dos atores
envolvidos nesse processo os principais satildeo oriundos dos Ministeacuterios da Educaccedilatildeo
a partir de acordos bilaterais Nesse sentido a verticalizaccedilatildeo da implementaccedilatildeo
originou alguns problemas como resistecircncia em aderir ao projeto divergecircncias de
turnos e conflitos de carga horaacuteria das escolas envolvidas Esses problemas talvez
124
pudessem ser amenizados caso os professores e demais membros da equipe
pedagoacutegica das escolas fizessem parte do processo de estruturaccedilatildeo do programa e
natildeo apenas da execuccedilatildeo
A inserccedilatildeo do Programa Escolas Interculturais Biliacutenguumles na cidade de Foz do
Iguaccedilu enquanto uma poliacutetica linguumliacutestica e ao mesmo tempo integracionista
demonstrou alguns ranccedilos Primeiro os documentos de 2008 sobre os primeiros
impactos do programa trata do tema resistecircncia do professor ao aderir ao programa
tambeacutem constado na fala da professora entrevistada que criticou o caraacuteter arbitraacuterio
das poliacuteticas educacionais e de como elas chegam agraves escolas
Eacute importante assinalar que do processo de implementaccedilatildeo o PEIF comeccedilou
sem um marco oficial para a sua institucionalizaccedilatildeo Segundo o ldquoPrograma de
Promoccedilatildeo do Desenvolvimento da Faixa de Fronteirardquo (2010) de 2004 ateacute 2010
ainda natildeo havia as bases legais para implementaccedilatildeo do Programa Isso deu
margem para que em vaacuterias anaacutelises o Programa fosse descrito como projeto pois
natildeo havia um estatuto ou algo que delimitasse o que caracterizava essa poliacutetica
Arbitraacuteria tambeacutem eacute a ausecircncia de discussotildees mais profundas sobre a
implementaccedilatildeo de uma poliacutetica linguiacutestica em regiatildeo de fronteira Nas entrevistas
constatou-se que os alunos argentinos possuem mais proximidade com a liacutengua
portuguesa e em contrapartida os alunos brasileiros demonstraram pouca
intimidade com a liacutengua portuguesa Sturza (2006) explica que enquanto no campo
internacional o espanhol deteacutem certo status se comparado ao portuguecircs na
fronteira esse papel eacute invertido pois argentinos da regiatildeo consideram o portuguecircs
como liacutengua de mais valor
Como pano de fundo desta discussatildeo encontra-se o Estado-naccedilatildeo O Brasil eacute
uma potecircncia regional36 o que pode contribuir tanto para o imaginaacuterio dos brasileiros
quanto de argentinos da regiatildeo ao considerarem os aspectos de nossa cultura isso
inclui nossa liacutengua oficial como superior ao espanhol Outro aspecto relevante eacute a
expressiva presenccedila dos meios de comunicaccedilatildeo por meio dos sinais de raacutedio e TV
que chegam aos lares argentinos o que faz com que eles tenham um contato mais
36
Ver Moniz Bandeira (2008) Texto para o seminaacuterio sobre ldquoA poliacutetica exterior do Brasil em sua
proacutepria visatildeo e na dos parceirosrdquo No artigo o autor cita os aspectos teoacutericos e histoacutericos que permitem caracterizar o Brasil enquanto uma potecircncia regional desde o seacuteculo XIX O que inclui sua dimensatildeo territorial seu poderio econocircmico e militar Disponiacutevel emlt httpwwwespacoacademicocombr09191bandeirapdf gt Acesso em 17112015
125
intenso com a liacutengua por meio dos programas de TV como as novelas citadas pela
professora entrevistada
O programa possui outras lacunas Eacute preciso estabelecer um consenso sobre
o orccedilamento para o programa a fim de fomentar a formaccedilotildees dos professores
manter uma estrutura que possibilite o transporte dos professores com seus
materiais didaacuteticos Contudo em termos de poliacutetica educacional para fronteira eacute a
primeira destinada para regiotildees de fronteira o que significa um certo avanccedilo para a
regiatildeo Eacute importante destacar que o PEIF eacute uma poliacutetica multilateral envolve outros
paiacuteses do Mercosul o que pode ser um exemplo de cooperaccedilatildeo para a promoccedilatildeo de
outras poliacuteticas educacionais
Eacute pioneirismo do Programa por meio da poliacutetica educacional para fronteira
internacional possuir como eixo a funccedilatildeo integradora onde o Mercosul tornou-se a
instituiccedilatildeo que fomentou a ideia a fim de promover programas que ultrapassam as
relaccedilotildees meramente econocircmicas entre os paiacuteses-membros A avaliaccedilatildeo inicial do
Programa mostrou que alguns pontos devem ser repensados Dos relatoacuterios
analisados constam poucos registros por parte dos professores sobre o processo de
aprendizado da liacutengua por parte dos alunos brasileiros Seria fundamental que o
mecanismo de avaliaccedilatildeo do Programa fosse aprimorado com instrumentos capazes
de captar como se daacute o programa em sala de aula mas conforme expresso aqui no
Brasil satildeo poucos os estudos e metodologias de avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
126
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A relaccedilatildeo Estado-naccedilatildeo fronteira e poliacuteticas educacionais foram agraves palavras-
chave que nortearam esta dissertaccedilatildeo A hipoacutetese inicial eacute de que as poliacuteticas
educacionais principalmente as direcionadas para todo o ensino em niacutevel nacional
natildeo contempla as especificidades presentes na fronteira de Foz do Iguaccedilu Desse
modo para o desenvolvimento da hipoacutetese de trabalho buscou-se compreender um
pouco da histoacuteria da educaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu e suas particularidades por ser
uma cidade de fronteira
No primeiro capiacutetulo buscamos apresentar os principais conceitos que
norteiam a palavra fronteira Segundo a etimologia a palavra eacute de origem latina Foi
utilizada pela primeira vez no seacuteculo XVIII para estabelecer limites entre exeacutercitos
em conflito deslizando para as definiccedilotildees de fronteira do ponto de vista geograacutefico
geopoliacutetico e socioloacutegico (BECKER 2007 ALBUQUERQUE 2010 SILVA 2010)
Um dos principais objetivos deste capiacutetulo foi de apresentar a fronteira enquanto
uma regiatildeo em que eacute possiacutevel observar os principais instrumentos do Estado para o
construto da naccedilatildeo tais como a imprensa a escola e o exeacutercito
Dentro deste estudo a instituiccedilatildeo escolar foi o centro da pesquisa Com isso
foram apresentadas resultados de pesquisas anteriores (PEREIRA 2009 SOUZA
RODRIGUES 2009 TERENCIANI 2011) que destacam a relaccedilatildeo da escola na
fronteira sob diferentes perspectivas principalmente o da inserccedilatildeo do aluno oriundo
de outro paiacutes que faz fronteira com o Brasil e os principais desafios encontrados por
ele e para a escola Os dados apresentados neste capiacutetulo apontam que quando se
trata de investimentos em poliacuteticas puacuteblicas para regiatildeo de fronteira internacional o
Brasil tem priorizado as poliacuteticas de seguranccedila conforme os trabalhos de Franccedila e
Dorfman (2014) Trata-se de informaccedilotildees que vatildeo em direccedilatildeo aos aspectos
histoacutericos da funccedilatildeo do Estado e das concepccedilotildees de soberania e territoacuterio que
foram apresentadas no iniacutecio deste capiacutetulo
O segundo capiacutetulo apresentou a gecircnese das primeiras escolas na cidade de
Foz do Iguaccedilu sempre vinculadas aos outros aspectos como os fatores econocircmicos
e sociais Demonstrou-se que a formaccedilatildeo das escolas de Foz do Iguaccedilu antes
mesmo da fundaccedilatildeo da municipalidade contou com a presenccedila de estrangeiros que
na ausecircncia de um ensino formal criavam as suas proacuteprias escolas (WACHOWICZ
127
1984 SBARDELOTTO 2009) Essas escolas foram fechadas no periacuteodo
nacionalista momento em o governo brasileiro buscava a conformaccedilatildeo de uma
identidade e integraccedilatildeo nacional para tal conforme Lemiechek (2014) a criaccedilatildeo do
Territoacuterio Federal do Iguaccedilu em 1943 possibilitou maior controle das escolas
principalmente das escolas estrangeiras
Identificou-se ainda que em meados da deacutecada de 1970 nos relatoacuterios
sobre a situaccedilatildeo de Foz do Iguaccedilu no campo educacional havia uma tendecircncia em
depositar no aluno a culpa do fracasso escolar Nesse caso os alunos oriundos do
Paraguai e da Argentina eram considerados os mais fracos e ldquoatrapalhavamrdquo o
desenvolvimento do restante da turma ou seja a diferenccedila interpretada como um
problema para escola a liacutengua do outro como um entrave
O capiacutetulo trecircs sobre as poliacuteticas puacuteblicas para educaccedilatildeo apresenta um
breve histoacuterico das poliacuteticas educacionais brasileiras evidenciando que elas satildeo
fruto do contexto ao qual se inserem o periacuteodo ditatorial evidenciou a ausecircncia da
populaccedilatildeo no processo criaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais que por sua vez eram
controladas pelo Estado A partir do periacuteodo de abertura democraacutetica ateacute os dias
atuais as poliacuteticas educacionais passaram por inuacutemeras mudanccedilas Muitas
nasceram a partir das discussotildees oriundas de movimentos sociais das discussotildees
acadecircmicas etc Conforme Das e Poe (2004) o ldquoEstado eacute constantemente
refundado em suas formas de ordenar e fazer leis sugerindo que as margens satildeo
ldquodecorrecircncia e implicaccedilatildeo necessaacuteria do Estado assim como a exceccedilatildeo eacute um
componente necessaacuterio da regrardquo (DAS e POE 2004 p4)
Nesta premissa ao se analisar as principais poliacuteticas educacionais brasileiras
identificou-se que a questatildeo da diversidade cultural presente nos documentos tende
a generalizaccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo dada agrave superficialidade dos documentos Ainda
que represente um grande avanccedilo ao tornar obrigatoacuterio o ensino da cultura afro-
brasileira histoacuteria da Aacutefrica e indiacutegena nas escolas puacuteblicas e privadas brasileiras
quando chegamos agrave fronteira identificamos diversidades para aleacutem dessas duas
poliacuteticas
Tais princiacutepios de universalizaccedilatildeo das poliacuteticas educacionais satildeo o espelho
de um Estado que se formou tentando ter como princiacutepio legal o tratamento igual da
populaccedilatildeo algo que soacute acentua as desigualdades existentes na medida em que o
diferente eacute tratado como um problema a ser solucionado Com esta noccedilatildeo o Estado
128
deixa de ser reconhecido como um importante ator na reproduccedilatildeo das
desigualdades para ser considerado a uacutenica soluccedilatildeo para os problemas sociais
Algumas pesquisas realizadas em escolas presentes em regiotildees de fronteira
constataram a erronia praacutetica de culpabilizar os alunos e professores pelo sucesso
ou fracasso escolar satildeo os professores que natildeo tem formaccedilatildeo satildeo os brasiguaios
argentinos e paraguaios com sua bdquohibridizaccedilatildeo linguiacutestica‟ satildeo os aacuterabes (colocados
em uma uacutenica caixa como se todos viessem do mesmo paiacutes) satildeo os alunos
indiacutegenas que chegam nas escola falando bdquoapenas‟ o guarani As pessoas tornam-se
problema
No caso de Foz do Iguaccedilu o perfil dos alunos que frequumlenta as instituiccedilotildees
escolares demonstra que os conceitos de cidadania natildeo satildeo riacutegidos se (des)fazem
na fronteira Os alunos que chegam aos espaccedilos escolares fronteiriccedilos natildeo
necessariamente assimilaratildeo a liacutengua portuguesa como uacutenica e oficial Ao mesmo
tempo estes alunos trazem consigo conhecimentos adquiridos de seu paiacutes de
origem mas o processo de equivalecircncia de estudos acaba por negar esses
conhecimentos que para serem validados devem ser bdquotraduzidos‟ para o portuguecircs
Para aleacutem do problema linguiacutestico temos a questatildeo da integraccedilatildeo desse
aluno no ambiente escolar que eacute ao mesmo tempo permeada por tensotildees mas
tambeacutem pela aproximaccedilatildeo com o outro Essas relaccedilotildees merecem atenccedilatildeo da escola
a fim de evitar manifestaccedilotildees xenofoacutebicas preconceituosas estigmatizadas e de
inferiorizaratildeo
A primeira hipoacutetese do trabalho me levou a pensar apenas na relaccedilatildeo Estado
Nacional e poliacuteticas educacionais para regiatildeo de fronteira Poreacutem os vazios
encontrados ao se analisar essas poliacuteticas e o modo como o Estado se faz presente
e ao mesmo distante da fronteira levou-me a refletir sobre a emergecircncia de outras
pedagogias
Para outros sujeitos outras pedagogias (ARROYO 2015) Paulo Freire em
sua obra a Pedagogia do Oprimido fala aos educadores que eacute preciso ter ldquoum
profundo respeito pela identidade cultural dos alunos e das alunas () implica
respeito pela linguagem do outro pela cor do outro o gecircnero do outro outrordquo
(FREIRE 2001 p60)
Conhecer de perto uma poliacutetica educacional para a fronteira do ponto de vista
institucional e das poliacuteticas de governo possibilitou-me a constatar contradiccedilotildees e
complexidades de uma poliacutetica que envolve natildeo apenas o campo das relaccedilotildees
129
internacionais mas o diaacutelogo na construccedilatildeo de um curriacuteculo as implicaccedilotildees legais
para o tracircnsito de pessoas na fronteira os questionamentos sobre as reais intenccedilotildees
do programa PEIF e de como esse programa foi concebido Pode-se considerar que
o PEIF foi a uacutenica poliacutetica puacuteblica analisada a partir dos dois eixos propostos no
iniacutecio do capiacutetulo terceiro Mainardes (2006) Assim traccedilamos os aspectos que
envolveu o papel do Estado na elaboraccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica e buscamos por meio
da anaacutelise dos documentos e entrevistas demonstrar os principais aspectos
impactos que a poliacutetica exerceu na escola envolvida considerando principalmente
as experiecircncia dos atores envolvidos neste caso das professoras entrevistadas
Dos caminhos possiacuteveis para uma poliacutetica educacional na fronteira a
perspectiva intercultural ldquoreconhece e assume a multiplicidade de praacuteticas culturais
que se encontram e se confrontam na interaccedilatildeo entre diferentes sujeitosrdquo (FLEURI
2003 p12)
Por fim ao considerar a fronteira uma regiatildeo que engloba as cidades de Foz
do Iguaccedilu Puerto Iguazuacute e Ciudad del Este a proposiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas em
conjunto com os paiacuteses envolvidos satildeo importantes para atender as demandas
locais
130
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