UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
DOUTORADO EM DIREITO
DOUGLAS WHITE
VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE:
ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO
CONSELHEIRO DIANTE DOS INTERESSES DA
COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA
Salvador – Bahia
2019
DOUGLAS WHITE
VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE
JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO
DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA
MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da FACULDADE DE
DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA como requisito para obtenção
do grau de doutor em Direito, sob orientação do Professor Doutor Dirley da Cunha Junior
do Departamento de Estudos Jurídicos Fundamentais da Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia
Salvador – Bahia
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Biblioteca Teixeira de Freitas, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia
W583 White, Douglas.
Voto representativo e o dever de lealdade: análise jurídica das
posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da
companhia e do acionista majoritário no conselho de administração
na sociedade de economia mista / por Douglas White. – 2019.
450 f.
Orientador: Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Direito, Salvador, 2019.
1. Sociedades de economia mista. 2. Acionistas – Votação. 3. Governança corporativa. 4. Intervenção estatal. 5. Empresas -
Diretoria. 6. Direito Econômico. I. Cunha Júnior, Dirley. II.
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Direito. III. Título.
CDD – 346.066
TERMO DE APROVAÇÃO
DOUGLAS WHITE
VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE JURÍDICA
DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS
INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
Tese submetida à aprovação como requisito para a obtenção do grau de doutor em Direito,
Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca:
Orientador: Professor Doutor Dirley da Cunha Junior
Professor da Faculdade de Direito da UFBA
Membro: Professor Doutor Mário Jorge Philecreon de Castro Lima
Professor da Faculdade de Direito da UFBA
Membro: Professor Doutor João Glicério de Oliveira Filho
Professor da Faculdade de Direito da UFBA
Membro: Professor Dr. Gabriel Seijo Leal de Figueiredo
Professor da Faculdade Baiana de Direito
Membro: Professor Doutor Thiago Carvalho Borges
Professor da Faculdade Baiana de Direito
Salvador – Bahia
2019
RESUMO
A presente pesquisa envolve voto representativo e o dever de lealdade: análise jurídica
das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista
majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista. Observa-se o
ambiente do direito societário com as experiências e expectativas que podem advir dos
acionistas, nas articulações e as relações criadas com o mercado, afetando a sociedade
empresaria. Confere-se o manto legal da sociedade de economia mista, entendida como
sociedade empresária no arcabouço jurídico da sociedade anônima. Desenvolve uma
análise das decisões do membro do conselho de administração, com os respectivos
reflexos na companhia, sequelas para os acionistas privados e coletividade. Análise
jurídica sobre as posições e conflito exaradas pelo conselho de administração; os conflitos
de interesses da companhia, as relações acionista majoritário ou na posição de acionista
controlador na sociedade de economia mista, e as repercussões socioeconômicas, legais
e administrativas. O exame dos aspectos da intervenção do Estado na ordem econômica.
Experiências e expectativas dos acionistas nas articulações, relações entre mercado e
sociedade empresaria. O dano ao inábil cidadão das decisões imperfeitas do conselheiro.
Combate as insidiosas práticas pela direção empresarial sob poder estatal. O mercado e
a preservação do necessário Estado Democrático de Direito. A sociedade de economia
mista e os atos de gestão sem a observação e o atendimento por ser sociedade empresária
com a boa-fé, a lealdade na postura do conselheiro, conferindo confiança. A governança
empresarial sob os ditames da governança corporativa, com as devidas obrigações de
transparência, obrigação de informar, ação gerencial, equidade, prestação de Contas. A
responsabilidade corporativa e dos agentes de governança. A preservação da ordem social
e legal. Ementas a observar pela sociedade empresária estatal. Palavras chaves: voto representativo, dever de lealdade, análise jurídica, posições,
conflitantes, conselheiro, interesses, companhia, acionista majoritário, conselho de
administração na sociedade de economia mista, voto, sociedade estatal, sociedade
empresária estatal, Estado, mercado, intervenção, boa-fé, lealdade, confiança, governança
corporativa, dano econômico, dano social, dever legal.
ABSTRACT
The present research involves representative voting and the duty of loyalty: legal analysis
of the conflicting positions of the counselor in the interests of the company and the
majority shareholder in the board of directors in the mixed-capital society. It is observed
the environment of corporate law with the experiences and expectations that can come
from the shareholders, in the articulations and the relations created with the market,
affecting the company society. The legal mantle of the mixed-capital company,
understood as a business corporation within the legal framework of the corporation is
conferred. It develops an analysis of the decisions of the member of the board of directors,
with the respective reflections in the company, sequels for the private shareholders and
collectivity. Legal analysis of the positions and conflicts expressed by the board of
directors; the conflicts of interest of the company, the majority shareholder relations or in
the position of controlling shareholder in the joint stock company, and the socioeconomic,
legal and administrative repercussions. The examination of aspects of state intervention
in the economic order. Experiences and expectations of shareholders in the articulations,
relations between market and business society. The damage to the awkward citizen of the
imperfect decisions of the counselor. Combat insidious practices by state-run business
management. The market and the preservation of the necessary Democratic State of Law.
The mixed-economy company and the management acts without the observation and the
attendance by being a business company with good faith, loyalty in the posture of the
counselor, conferring confidence. Corporate governance under the dictates of corporate
governance, with due obligations of transparency, reporting obligation, management
action, equity, accountability. The corporate responsibility and the agents of governance.
The preservation of social and legal order. Comments to be observed by the state business
community.
Keywords: representative vote, duty of loyalty, legal analysis, confidential positions,
counselor, interests, company, majority shareholder, board of directors, company of the
mixed economy, state company, state business society, state, vote, market, intervention,
good faith, loyalty, trust, corporate governance, economic damage, social damage, legal
duty.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE
DIREITO DA UFBA
DOUTORADO EM DIREITO
DOUGLAS WHITE
VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE
LEALDADE: ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES
CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS
INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA
MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE
ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA
Dissertação apresentada perante à Banca Examinadora à Banca
Examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal
da Bahia, como exigência para obtenção do título de Doutor em
Direito, sob a orientação do Professor Doutor Dirley da Cunha
Junior, do Departamento de Estudos Jurídicos Fundamentais da
Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia
Salvador – Bahia
2019
AGRADECIMENTOS
Minha reverência ao Professor Dirley da Cunha Junior, meu Orientador, que
me conferiu o apoio necessário no curso deste trabalho, inclusive nos
periodos da minha enfermidade, com lhaneza de trato e saber jurídico, minha
gratidão.
Agradeço aos meus colegas Professores da Faculdade de Direito da UFBA
por todos os préstimos para conclusão desta dissertação.
Muito obrigado aos funcionários da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia, em especial os lotados na Biblioteca da Augusta Casa, que
me proporcionaram o melhor atendimento.
O meu carinho a Lucia Maria Furquim de Almeida White, minha mulher e
colega, que ao lado dos meus filhos Karina, Simone e Henrique, ofereceram-
me ininterrupto apoio espiritual para a construção deste escrito.
A todos que trabalharam com habilidade e inteligência para a formação
intelectual e moral da nação brasileira.
‘Assim, pois, eu afirmo que o Amor e dos deuses o
mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a
aquisição da virtude e da felicidade entre os homens,
tanto em sua vida como após sua morte’ – Platão (‘O
banquete’ – escrito por volta de 380 a. C.).
‘A fe e o fundamento do que se espera e a
convicção das realidades que não se veem’ - (Hebreus
11:1).
Salvador – Bahia
2019
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ p. 1
1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
– MERCADO .................................................................................................................. p. 8
1.1 Mercado...................................................................................................................... p.17
1.1.1 Dinheiro – Moeda................................................................................... p.20
1.1.2 Bens ....................................................................................................... p.24
1.1.3 ‘Ação’ como Patrimônio ......................................................................... p.32
1.1.4 O povo (o cidadão) e o Estado ................................................................ p.34
1.1.5 Direito Econômico como suporte ......................................................... p.55
1.1.6 Alusão à riqueza .................................................................................... p.64
1.2 O Estado e o exercício da atividade
empresarial ..................................................................................................... p.68
1.2.1 O mercado e os bens na ordem econômica ............................................ p. 82
2. A LIVRE INICIATIVA E A LIVRE
CONCORRÊNCIA ...................................................................................... p.96
2.1 Livre iniciativa ......................................................................................... p.99
2.2 Livre concorrência .................................................................................. p.102
3. PESSOA JURÍDICA – SOCIEDADE ANÔNIMA – ÓRGÃO ............. p.114
3.1 Sociedade anônima ................................................................................ p.121
3.1.1 Doutrina ‘ultra vires’ ............................................................................. p.134
3.2 Órgão ....................................................................................................... p.135
4. ESTRUTURAS EMPRESARIAIS ESTATAIS ......................................p.144
4.1 Sociedade de economia mista .................................................................. p.180
4.2 Características da sociedade de economia mista ....................................... p.186
4.3 Constituição da sociedade de economia mista .......................................... p.211
5. VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE
JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO
DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA
MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ................................................. p. 226
5.1 Voto .......................................................................................................... p.233
5.2 Quorum ..................................................................................................... p.244
5.3 Relações entre acionistas .......................................................................... p.248
5.4 A maioria – o acionista controlador – voto ................................................ p.259
5.5 O exercício abusivo do acionista controlador (atos “ultra vires”) .............. p.268
5.6 O acionista minoritário (acionista dissidente) ......................................... p.272
5.7 A oclusão da representação da minoria por manobra da maioria ............ p.276
5.8 O direito de retirada ................................................................................ p.279
5.9 Assembleia ............................................................................................... p.283
5.10 O Conselho de Administração e o conselheiro ...................................... p.288
5.11 Elos de gestão e responsabilidade do dirigente ................................. p.310
5.12 O acionista controlador e o membro do conselho de administração ..... p.313
5.13 Sociedade - O acionista – O cidadão – O detentor invisível do Poder -
Dominação Empresarial ‘ab extra’ - O povo soberano ................................ p.317
5.14. O laço da Boa-Fé com a Lealdade ....................................................... p.341
5.15 Lealdade ................................................................................................. p.359
5.16 Aspectos da Governança Empresarial .................................................. p.367
5.17 O voto na canalização da Boa-Fé e Lealdade ....................................... p.397
CONCLUSÃO .............................................................................................. p.419
REFERENCIAS ........................................................................................... p.433
INTRODUÇÃO
A dúvida leva a pesquisa, esta leva a busca do conhecimento para distinguir o verdadeiro
do falso. Neste esforço surge a discussão, que oferece a compreensão.
Essa toada influenciou o autor a desenvolver este trabalho sobre o voto representativo e
o dever de lealdade, com uma análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante
dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração da
sociedade de economia mista, envolvendo o direito econômico e o direito empresarial moderno,
matéria que vêm provocando discussões no seio da sociedade brasileira com intensidade,
atravessando os muros políticos, agitando a área acadêmica, com murmúrios na ciência jurídica.
A presente proposição analisa os elos da confiança, os laços da boa-fé e lealdade, a textura
fiduciária alinhada ao interesse do acionista, o exercício do direito do voto, a vontade do simples
acionista partilhando os destinos da companhia com o acionista majoritário ou controlador da
sociedade empresária estatal, o poder e a intervenção do Estado na seara do direito societário.
Investiga-se a tecelagem das posições de gestão dos membros do Conselho de
Administração na sociedade de economia mista, a repercussão destas medidas no mercado e
além das fronteiras da companhia, examinando a afinação das funções do Conselheiro do órgão
sob a orientação do acionista majoritário/controlador, e ao mesmo tempo apurando a
efetivamente do cumprimento das decisões de acordo com a lei.
No desenvolvimento desse estudo aprecia-se o empoderamento do Estado interferindo na
atividade mercantil, afetando o campo do direito empresarial, os conflitos jurídicos nas áreas
dos interesses do público e do privado. Observa-se as revelações e advertências decantadas na
experiência histórica, dos procedimentos adotados da intervenção estatal na atividade mercantil
privada, com as naturais consequências no mercado, com receio das reverberações na área
privada, face as significativas manifestações acontecidas em épocas conturbadas, sensível a
essas interferências do Estado.
O tema suscita polêmica, especialmente quando os cenários econômicos nacional e ou
internacional estão buliçosos, propícios a expressar vaticínios que alavancam influências nos
pregões dos mercados, principalmente no mercado de capitais – valores mobiliários. As
interferências estatais, medidas governamentais na área econômica e financeira da nação, em
2
geral propiciam resultados que se imbricam com o direito empresarial, levando os juristas e
legisladores procurar eliminar as discrepâncias, com a elaboração de uma nova legislação.
Observa-se que na elaboração dessa engenharia política e jurídica, os atores dessa
produção legislativa e até jurisprudencial aproveitam do arcabouço do direito comparado, cujos
experimentos possibilitam suportes para a vivência nestas bordas, a fim de atender novo
gerenciamento mercantil.
No caso deste trabalho, questiona-se a atividade econômica das sociedades de economia
mista com o interesse público e a relação com o lucro, elemento alvo de toda sociedade
empresária, bem como a inquirição sobre a função social da empresa, diante da prática de
absorção do rendimento empresarial ou a abdicação da lucratividade, sob justificativa de
conduzir esse elemento para potencializar o atendimento da coletividade em seguimentos de
maior necessidade, com abrandamento dos preços sobre bens e insumos básicos, em favor do
consumidor de menor poder aquisitivo. Por ser matéria complexa, buliçosa, enseja uma
pluralidade de entendimentos científicos, que motivam outras demandas e muitas pesquisas
mais pertinentes.
Extrai-se, quando o Estado se intromete no mercado como protagonista centralizador do
poder, a lembrança da exclamação do “L’État c’est moi”. Episódio com manifestações ao culto
da razão do Estado, e outras passagens que geraram incertezas, abalando a paz social, atiçando
a ciência jurídica e o bom direito. Dessa passagem faz recordar o lema: “The King can do no
wrong” que provocou a ideia da irresponsabilidade jurídica do Estado, ventilando indagações
atinentes as circunstancias do poder público de se submeter ou não ao mesmo direito aplicável
aos particulares, suscitando controvérsias, em especial as regras das politicas públicas, aos
ditames da governança empresarial, em sintonia ou não com os deveres dos gestores para bem
atender os interesses individuais e coletivos da nação.
Toma-se como suporte a declaração constitucional de que “todo o poder emana do povo
e em seu nome é exercitado”, mesmo que a referida declaração possa ser considerada uma mera
abstração, ou um simples enunciado de princípio, que se revolve, por que proporciona esteio e
valor programático, por não ser uma alegoria, e não deve ser encarada como uma bazófia
anunciada, ou uma frase simplista para a prática politica. Tampouco não é um anúncio.
Entende-se como uma ênfase inafastável da forca da outorga do povo, uma advertência ao
governante, pois, não é uma frase para ser pronunciada meramente para surtir efeitos perante o
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eleitor ou apenas para este escutar momentaneamente. Deve ser ouvida como a vontade do
povo, para haver uma reflexão perante todos os cidadãos, por mais homem comum que seja.
Nessa caminhada observa-se a figura do Estado interventor, atraindo para si a prática
acontecida na época da supremacia do rei sobre os barões, ditando normas, obrigando todos
estar de acordo com sua vontade, trazendo à tona a questão: [...] “preferível ser amado ou
temido”, procedimento que assola a sociedade que se encontra em constante e complexa
mutação, propiciando novas estruturas econômicas e empresariais comprimindo o mercado.
Essas interferências nas atividades empresariais exigem atenção e adequação as novas
práticas de gestão, a exemplo da governança corporativa, que advém das formulações nas
legislações, doutrina nacional e estrangeira, aportando na responsabilidade do administrador
das empresas novos moldes.
À essas mesmas exigências submete-se o membro do Conselho de Administração
obrigando-se aos deveres fiduciários dos gestores executivos, amoldando-se aos feitios e
métodos de prestação de contas, transparência, legalidade, equidade, responsabilidade
corporativa arcando com as sequelas das decisões da companhia na forma da Lei nº.
13.303/2016, conhecida como “lei das estatais”, impactos nos empregados, investidores,
governo e comunidades, e não apenas aos acionistas da companhia.
Enfoca-se o desenvolvimento da sociedade de economia mista, examina-se os esteios da
confiança, um ingrediente que deve estar sedimentado na organização empresarial privada ou
pública, na governança ética, como elemento condutor no desenvolvimento e valorização social
e empresarial e comunitário de qualquer sociedade organizada. As falhas do dever empresarial
na sociedade de economia mista, a quebra do decoro, avivam-se os filamentos e as atribuições
conferidas ao Estado-empresário na atuação dos ideais, deveres, encargos e responsabilidade
do gestor para com o acionista-controlador como responsável político, social e econômico na
função da empresa estatal contemporânea.
Nessa engrenagem da sociedade de economia mista tem-se a predominância do comando
estatal sobre os membros do Conselho de Administração. Inspeciona-se a postura submissa do
Conselheiro do órgão ao governante do Estado, quando servil, com conduta inadequada, sem
recato, ou duvidoso dever de lealdade no seio societário. Observa-se o peso da posição desses
acionistas na conjugação dos interesses na organização, e os procedimentos de averiguação para
evitar situações confusas e conflito de interesses entre acionistas e o Estado-empreendedor, ou
destes com terceiros e vice-versa.
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Questiona-se o Estado na condição de protetor do cidadão e da sociedade em um todo,
especialmente quando o Estado atua como Estado-empresário, interferindo no mercado, como
concorrente e provocando fissuras na livre iniciativa. Essa caminhada estatal enseja cisão, com
a pendular possibilidade de atender ou favorecer a sociedade empresária estatal, ou algum
interesse exógeno. A presença do Estado-empresário no mercado, exercitando semelhante
poder que pratica na administração pública, exubera controle e decisão na companhia com a
capacidade de dar maior peso de interferência, impondo os interesses do Estado nas relações de
negócios que não sincronizam com a realidade da atividade mercantil. Simultaneamente, no
lugar de uma sintonia comercial, confere-se orientação política imprópria de governo, alvejando
o mercado e o funcionamento da companhia, repercutindo na própria sociedade empresária,
junto dos acionistas e perante a coletividade.
Medidas prejudiciais a companhia, acionistas e outros, devem ser previamente
interceptadas pelo Conselho de Administração da sociedade de economia mista, antevendo os
resultados nefastos. Observa-se as transformações operadas pelo Estado como Estado-
empresarial, aceitas quando necessárias, outras com a devida ponderação, do quando deve ou
pode interferir na concorrência e na livre iniciativa, o cometimento na concorrência, e nos
particulares, podendo acarretar transgressões, equívocos, prejudicando o cidadão o qual deve
ser sempre amparado, sopesado, que ele é o centro principal, e deve ser preservado.
Desse cenário não se pode olvidar a presença do direito econômico constitucional
esgarçando situações e decisões do Estado-empresário, inclusive quando aglutina, ou percebe
sinalização, que muitas vezes leva a provocação para exames administrativos, ou além, perante
os tribunais para decidir as querelas que afetam o âmbito do direito empresarial, inclusive,
questões que podem estar encravadas nos inevitáveis pigmentos do direito constitucional, do
direito administrativo, do direito consumerista, e em outras áreas do direito, que perpassam na
estrutura do direito econômico. Com essa prospecção chega-se à advertência aos gestores da
administração pública quando intervêm na liberdade, na vontade pessoal, e que na atividade
privada, a observar, o entendimento que é licito fazer tudo aquilo que a lei não proíba,
conquanto que na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.
Nessa arquitetura do direito econômico empresarial apresenta-se e examina-se a figura
do voto como direito, com o condão do quórum, como inseparáveis elementos de significativa
importância no ordenamento jurídico do direito societário. O voto possibilita o acionista
expressar a sua vontade para atender e conduzir os destinos da empresa, participando e agindo
no interesse da companhia nas assembleias, reuniões e outros encontros de grupos. O acionista
5
tem como valioso instrumento o seu voto que utiliza para defesa do seu direito, também
servindo para detectar alguma prática abusiva do gestor, ou ao verificar o alijamento de algum
acionista, algum exercício que esteja a configurar e dar esteio ao direito de retirada.
Nessa linha estão a confiança, a boa-fé, forjando elos para fomentar a lealdade, figuras
que se completam para atender a boa condução dos atos humanos. Estuda-se o atrelamento da
governança corporativa como elemento de controle na economia de mercado. Visita-se o
liberalismo, contempla-se seus acenos para uma reflexão sobre a denominada ‘mão invisível’,
reguladora do mercado e do Estado providência, com o desejo de atender os anseios e direitos
fundamentais do cidadão.
A presente pesquisa adentrou acervos públicos e privados, não desprezando a legislação
vigente e revogada (nacional e estrangeira), acessando diversos bancos de dados eletrônicos, o
acesso a bibliotecas, que proporcionaram a leitura dos títulos, exemplares dos autores referidos,
desde os antigos aos contemporâneos, assim, com a autoridade desses escritores, como diziam
os modernos, embora ao seu lado fossem “anões”, apoiando-se naqueles, tornavam-se “anões
em ombros de gigantes”, desse modo tem-se agradecer a todos os autores das obras pesquisadas,
a disponibilidade dos seus trabalhos, que incentivam o noviço ávido a abeberar o saber.
Este estudo não visou alcançar exatamente um resultado teórico, limita-se a partilhar um
arremate singelo sobre as relações empresariais, a postura do gestor singular ou na composição
em diretorias, bem como o membro no conselho de administração da sociedade anônima de
economia mista com os reflexos no mercado, e na sociedade em geral.
A composição do trabalho está dividida em capítulos, com um ligeiro enfoque histórico
sobre o mercado, no qual recai constantes pensamentos, desde acaloradas discussões, inclusive
históricas, questionando-se o seu papel, com as inseparáveis indagações, se o mercado existe?
se o mercado é livre, se o mercado é justo? E algumas respostas sobre inquietações e sequelas
que estão na história, nas crises econômicas, a vida dos povos através dos séculos. Todas essas
situações, crises, permeadas pela ganância, outras enfermidades e circunstâncias, sob atitudes
temerária e amoral que não serviram para advertir a trupe que agitam esses cenários sob
percalços econômicos e financeiros, assolando continuadamente os habitantes deste planeta.
O capítulo 2 trata dos aspectos da intervenção do Estado na ordem econômica – o
mercado, o dinheiro, a moeda -, com uma visão dos povos e a utilização da moeda, dos bens,
na formação do patrimônio, a busca da riqueza, elementos que agitam as economias pessoais e
das nações.
6
Em seguida, o capítulo 3 aborda aspectos da livre iniciativa e livre concorrência, a postura
da sociedade de economia mista sob as rédeas do Estado interferindo na atividade empresarial
privada, no mercado e consumo dos bens, sob justificativa de atender o interesse da coletividade
organizada. Tem-se a atividade empresarial, salientando a importância da livre iniciativa e da
livre concorrência, pilares dos meios de produção na construção de um sistema econômico sob
molde capitalista, onde o Estado aparece, ora como incentivador, ora como regulador. Do
mesmo modo confere-se as transformações acontecidas nos campos da tecnologia, das ciências
em geral, os novos panoramas econômicos, as consequentes avaliações, encetando decisões
empresariais. As inovações, e as perspectivas técnicas, econômicas e jurídicas.
O capítulo 4 atém-se a uma compreensão da pessoa jurídica e do órgão na sociedade
anônima, manto legal da sociedade anônima de economia mista que adotou o arcabouço para
estruturar a plataforma legal da sociedade empresária estatal, comentando a figura do órgão sua
competência e advertência com relação aos atos ‘ultra vires’.
No capítulo 5 expõe-se sobre as estruturas empresariais estatais, abordando as
características e posições doutrinarias consolidadas no ambiente jurídico nacional e além
fronteiras, os elementos e atribuições, executando competências sob um conjunto
institucionalizado de deveres e poderes funcionais, ressaltando os aspectos subjetivo e
dinamizador, envolvendo a vontade e a capacidade das pessoas. Comenta-se o aproveitamento
do referido molde de sociedade empresária adotada para construir a empresa pública, alicerçada
nas características e constituição da sociedade anônima. Analisa-se a empresa estatal para
atingir e manter padrões de eficiência semelhantes ao da iniciativa privada, a missão pública e
política, o contorno jurídico adequado para viabilizar a convivência, atuação ordenada no
mercado.
No capítulo 6 aprofunda-se o estudo sobre o voto representativo, o dever de lealdade, com
uma análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da
companhia e do acionista majoritário no conselho de administração na sociedade de economia
mista, abordando o cenário jurídico nacional, com a sua legislação. Salienta-se a figura do voto
como ato de vontade para exprimir uma opção sobre, envolvendo, o interesse coletivo, com o
quorum, legitimando o objeto da votação com a qualificação do número de pessoas reunidas
para discutir assunto do interesse de todos.
O estudo avança para entender o acionista, quando maioria e ou minoritário, vivenciando
a assembleia, seus direitos e relação ética com a companhia e demais sócios. Abre espaço para
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estabelecer os elos da boa-fé, confiança e o dever de lealdade. Neste diapasão analisa-se as
posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista
majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista.
Apura-se o acionista investidor, pessoa natural ou jurídica, convertendo recursos, bens ou
direitos em valores mobiliários. Examina-se a participação dos acionistas no patrimônio social
da sociedade anônima estatal, estimulado pelos negócios agitados no mercado de valores
mobiliários.
Na sequência estende o exame da relação do acionista com o membro do conselho de
administração, contemplando as divergências das posições acionárias, destacando as figuras da
‘ação’ e do acionista na composição da sociedade anônima de economia mista. Examina-se a
‘ação’ como título de crédito, o montante e espécie da posição acionaria, a sustentação
financeira e legal do acionista majoritário ou minoritário como acionista controlador.
Confere-se as hipóteses de exercício abusivo dos acionistas quando majoritário e ou
controlador, e ao mesmo tempo estabelece a linha de defesa do acionista minoritário e a oclusão
do acionista em destempero legal, inclusive aventando-se a hipótese do direito de retirada.
Aborda-se a assembleia como órgão de participação direta pelo qual os sócios tratam das
grandes decisões da organização, considerado como o órgão social supremo da sociedade
anônima, o cerne do poder social, como órgão legislativo e de supervisão com poderes para
nomear e revogar nomeações para os outros órgãos da companhia.
Nesse mesmo capítulo destaca-se a atividade do conselheiro no conselho de administração,
os elos de gestão que envolvem o administrador e o membro do referido conselho, a sociedade
e acionista. O cidadão como detentor invisível do poder dominação empresarial ‘ab extra’ - o
povo soberano. Enfeixa abordagem sobre a sociedade de economia mista sob controle do
acionista majoritário, os gestores, diretores, os integrantes do conselho de administração, a
coletividade, o povo e o seu interesse, a soberania da nação. Consequentemente traz a discussão
os laços da boa-fé com a lealdade, aspectos da governança empresarial, o voto como elemento
canalizador da boa-fé e lealdade, com a conclusão do trabalho elegendo ementas sobre o tema.
A conclusão do tema convive com ementas, destacando a necessidade da governança
corporativa e a submissão a legislação das sociedades estatais, cujo texto deve preservar a ética
e os elos da boa-fé e lealdade.
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1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA - MERCADO
Quando o homem iniciou a vida neste planeta em seu primeiro habitat buscou e se
preocupou com a limitação dos recursos então existentes, atento a sobrevivência, naquele
instante, provavelmente, conviveu com o desabrochar da Terra e viu surgir a primeira flor.
Estimam os antropólogos, algo em torno de 114 milhões de anos atrás, houve uma
transformação evolucionária, aconteceu um formidável abrir das flores, provocando uma
explosão de cores e perfumes por todo planeta1. Esses delicados seres com suas fragrâncias,
continuam estão a desempenhar um significativo e um efetivo papel de relacionamento com o
homem, expressando e proporcionando não só beleza e aroma, mas tantas outras qualidades
que impulsionam o ser humano a convencionar a flor como símbolo da fertilidade, da
reprodução. As flores provocam sentimentos puros, como o de admiração, de prazer, de êxtase
através dos sentidos, que os botânicos intitulam de angiosperma; sem esquecer o humano
(homem ou mulher) que se comove quando recebe mimos em flores, os presenteados sentem-
se amados (principalmente os considerados românticos).
Da mesma maneira, como as flores nos primeiros tempos, também o homem se
comportou nas sociedades primitivas com exuberância, quando vivia em pequenos grupos
esparsos, isolados, via de regra, em algum sítio natural, onde tudo era produzido dentro de uma
pequena organização social voltada para o próprio consumo, em uma economia de subsistência.
Acentuam os cientistas que naquela época o homem exercitou a troca de bens,
procedimento primitivo, período inaugural da atividade mercantil, alcunhado de ‘comércio
silencioso’, pois, sem ruídos os indivíduos transferiam a posse de bens, numa nítida relação
socioeconômica, sujeito e coisa, formando um sentimento de retribuição de bens.
La primeira forma de comercio fue probablemente el llamado
“comercio silencioso”. En él, los participantes no tenían contacto directo; Los membros de uma família o tribu se allegaron a um espacio aberto, desplegaban
los bienes que desaban cambiar y se escondían.
A continuación, se aproximan los interessados en el trato, extendían
todo lo que estuviesen dispuesto a oferecer a cambio y tambien se retiraban.
Aquellos que habían hecho el primer movimento volvían y examinaban la
oferta de sua vecinos. Si estaban satisfechos, tomaban los biens oferecidos y
se iban, dejando los suyos allí. Si consideraban que el precio era insuficiente,
1 TOLLE, Eckhart. Um novo mundo: o despertar de uma nova consciência. Tradução de Henrique Monteiro. Rio
de Janeiro, Sextante, 2007, p. 9 (Eckhart Tolle, pseudônimo de Ulrich Leonard Tolle - escritor e conferencista
alemão, residente em Vancouver no Canadá).
9
retiraban de sus propios biens y se encondían outra vez para que la outra parte
del trato examinasse la nueva oferta 2.
Com o transcorrer do tempo esses pequenos grupos aumentaram, ampliando a
comunicação entre si, com significativo crescimento nas trocas de bens. A expansão
populacional aguçou a criação e a transformação por novos bens e objetivos, propiciando
atender as próprias necessidades, e a obsequiosidade. Assim nasceu o escambo que evolui
permanentemente, estimulando o homem, sob propícias condições transcendentais, como a
observação, como no empirismo conduzindo ao conhecimento e a interpretação do
desconhecido.
As circunstâncias que estruturaram a base da história natural da espécie, conduz a
experiência existencial para exibir o produto do trabalho humano, utilizando essa capacidade
de labor e conhecimento como força e instrumento de poder. E quando vencedor, passou a
dominação. Os homens se levantaram e se tornaram seres falantes, modificaram as relações de
troca de então, transformando o escambo, numa ferramenta amigável, burilando os mecanismos
de uso, inovando procedimentos para harmonizar a convivência humana e obter ganhos.
Presume-se que no começo dessas relações humanas, praticando troca de bens, era um
consenso, sem coerção, exprimiam sem ambiguidade, um convívio solidário, procurando reunir
uma só conversação3 que serviu para fomentar o desenvolvimento, evoluindo as ações de
comunicação continuada, resultando em um aprendizado que ficou assentado, proporcionando
ao homem criar regras, normas, como a busca da purificação e segurança de um sistema
jurídico, em continuo aperfeiçoamento e expansão, no sentido de que está aberta a possibilidade
de melhoramentos mediante reformas institucionais segundo a ordem jurídica em vigor4.
A relação da troca de bens analisada por Raffestin5 que:
[...] E de admirar que a noção de troca, que reteve a atenção das ciências do
homem de uma maneira bastante geral, não tenha sido solicitada para construir
uma teoria da relação. Porém, é possível o esboço de semelhante teoria: “Os
‘trocadores’ trazem uma realidade orgânica: seus corpos, suas mãos, além de
seus instrumentos e produtos. Entram em contato. Esse contato, que traz uma
informação, a cada uma das partes, os modifica. Ha junção de uma energia
orgânica e de uma energia informacional. Esse ato inicial é sempre atual, pois
é repetido ad infinitum e reproduzido em todas as manifestações da vida
cotidiana. Mas a relação não esta somente presente na troca material; é co-
2 SIMÓN, Julio A. Tarjetas de Credito. Abeledo-Perrot. Buenos Aires, 1990, p. 14. 3 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, pp. 6-7. 4 NOBRE, Marcos. Como nasce o novo. Experiência e diagnóstico de tempo na Fenemenologia do espírito de
Hegel. Todavia, 2018, S. Paulo, p. 59. 5 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecilia França. Ática, São Paulo, 1993.
10
extensiva e cofundadora de toda relação social. Se é verdade que o ato da troca
material se distingue da não-troca — doação e roubo, por exemplo — e da
troca puramente mental, não deixa de ser verdade que a troca material esta
inserida nesta categoria mais geral que é a relação. A troca material não passa
de um caso particular, importante sem dúvida, mas não é exclusiva da relação.
Se a relação não foi teorizada em profundidade é porque aparece como um
conceito muito global, muito geral. De fato, não o seria se quiséssemos
identifica-la com precisão.
A complexidade das relações é talvez o que torna tão difícil a abordagem
relacional. Se, por razões de comodismo, descreve-se primeiro as relações
bilaterais, não se pode esquecer que se trata de uma abstração, no sentido de
que, na maior parte do tempo, as relações são multilaterais.
Para simplificar, tomemos de início a relação bilateral do contrato de trabalho,
que apesar de comum não é nada simples. De fato, o contrato só é bilateral na
aparência, porque, se ha um vendedor de trabalho, o ofertante, e um
comprador de trabalho, o demandante, sua relação produz, em todo caso, a
organização estatal, presente pelas regras, as leis, numa palavra, os códigos
que regulamentam a venda e a compra do trabalho. Pode produzir também as
organizações sindicais, presentes pelas convenções coletivas e igualmente por
um conjunto de regras.
A organização estatal e a organização sindical são partes privilegiadas na
relação, pois delimitam o campo sociopolítico da relação. Dependendo do
país, é evidente que a organização sindical pode estar ausente. Pode-se
também imaginar que a organização estatal seja anulada, como no caso de um
contrato de trabalho ilegal6.
Verifica-se se é verdade, se o ato da troca material se distingue da ‘não-troca’ (como
rotula Raffestin) — doação e roubo, por exemplo — e da troca puramente mental, não deixa de
ser verdade que a troca material esta inserida nesta categoria mais geral da relação. Confere-se
que os movimentos de troca e produção das leis em favor do grupo, muitas vezes não significa
que aquela pessoa ou grupo sejam pessoalmente responsáveis pela promulgação de tais leis,
uma vez que a figura proeminente do soberano esteve e está presente na obra que legisla, que
direta ou indiretamente, a utiliza para legalizar seus atos sob amparo de um sistema legal.
Observa-se também que essa manifestação leva a uma possível conclusão de que a fonte
das leis tem origem naquele conjunto de esforços interessado para implantar normas, que
estarão sujeitas a uma constante evolução social como acontece no âmbito da filogenética, cuja
etapa implica numa postura objetivista e sociocentrica, no sentido de que os padrões cognitivos
e normativos estabelecidos no contexto social passam a ser inquestionáveis e atuam como
critérios definitivos do conhecimento e julgamento moral7.
6 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Titulo original: ‘Pour une géographie du pouvoir’. Paris
1980. Tradução: Maria Cecilia França. Editora Ática, 1993, p. p. 31/32. 7 NEVES, Marcelo. Entre Themis e Leviantã: uma relação difícil. WMF Martins Fontes. São Paulo, 2013, p.p.
25-27.
11
No âmbito dos negócios entre organizações, quer sejam sindicatos, cooperativas,
associações e similares, porque tem conotações de maior força social e política, dependendo da
estrutura legal, amplia o leque de negociação, propiciando melhores condições quando
assentados em regras próprias reconhecidas pelo sistema jurídico vigente.
Entende-se que o aparecimento do comércio é um reflexo dessa revolução, e foi um meio
eficaz para satisfazer as necessidades dos agrupamentos sociais em evolução, provocando uma
sequencia de movimentos na troca de bens, que passaram a ser denominados ‘mercadorias’,
criando uma nova estrutura de negociação que cada vez mais evolui e se organiza.
Face a explicação advinda da dinâmica social, pode ser entendido como fácil, simples
conceber, e até dispensar discussões sobre o inicio da atividade comercial, mas, observando a
historia econômica, quando os homens com suas limitações e aptidões
lutaram para superar as adversidades que se apresentavam, confere-se que foi algo
extremamente fatigante, e ao mesmo tempo profuso.
No curso da história observa-se o talento do homem na produção de bens dos mais
diversos, desde bens materiais e imateriais, que são avaliados de acordo com a medida do
interesse e necessidade de cada adquirente. O comércio nasceu da necessidade do homem em
dar continuidade a sua jornada de sobrevivência, e se transformou em um categórico
recolhimento de bens para que fossem suficientes para o seu provimento e do seu grupo mais
próximo, como uma necessidade indiscutível de adotar o abastecimento como procedimento de
segurança. Com o êxito do resultado, sentiu-se estimulado para manter essas posses para
alcançar novas riquezas, permanecendo na finalidade encetada. O comércio passa a ser
entendido como uma atividade pragmática, que não requer base, cujo fato assinala que nenhum
outro animal, além do sapiens, passou à prática do comércio.
Todas as redes de comércio dos sapiens, sobre as quais se tem informações detalhadas ao
longo da história da civilização, apoiou-se na relação de confiança, elemento fundamental,
estabelecido entre as partes, para o bom exercício dos negócios. O comércio foi calcado e se
desenvolveu em decorrência da relação do homem ou grupo de homens com base na confiança,
criando a “auto vinculação”. Carneiro da Frada8 examina como um conceito-essência
(Inbegriff) de toda ação comunicativa pela qual um ator desperta em outros sujeitos expectativas
de modo estável. Essa relação estimula outras relações para atender comportamento futuro, que,
8 FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil.
Almedina, Coimbra, 2016, pp. 767/780.
12
sumariamente, se pode entender como um padrão de conduta continuado, que consolida e
assegura expectativas, fazendo prosperar promessas, comprometendo-se com o dever de prestar
com fidelidade a reciprocidade, e que se pode aperfeiçoar através de instrumento escrito a
sinalagma.
A confiança se apresenta como um elo de segurança que um homem tem para com outro
homem, ou perante grupo de pessoas, para sedimentar os entendimentos e negócios. A história
mostra que as relações mercantis não subsistem sem esse elemento firme, que é a confiança.
Pode-se inferir que a confiança legal é um dever legal, e que nem todo poder de um
representante vem de par com tal dever, de modo que o poder e o dever não são idênticos9.
A confiança proporciona extirpar o temor, ou minimiza dúvidas nas construções e
propostas comerciais, especialmente na fase incipiente das relações quando há receio entre as
partes, que conduz criar dificuldade, estreitando acreditar em estranhos. Por isso, razoável a
investigação e a troca de informações mercantis que antecedem a concretização do negócio.
Contemporaneamente os negociantes buscam referencias pelos sistemas de informática,
redes eletrônicas destinadas a esses fins, canais cibernéticos e nos cadastros tradicionais
processados nas relações mercantis, cada vez mais sofisticados e eficientes10, não obstante
reconhecer a possibilidade da ilícita invasão nos bancos de dados pessoais sem a devida
autorização. Essa coexistência não somente se aproxima do conceito função medianeira para
atender as necessidades imediatas do consumo público, como, também, está intrinsecamente
somada no ato mercantil executado com a intenção de cumprir a finalidade do produtor e
atender o consumidor com práticas habituais, e proporcionar lucro11.
Dessa sincronização surge a figura do crédito com nítido liame, condição, que se assenta
na confiança, e com uma certa estreiteza otimizar as relações econômicas, mercantis,
favorecendo a circulação de bens, evoluindo para a formação dos contratos. Ao mesmo tempo
tem-se a confiança como ferramenta bem utilizada para atender o desenvolvimento dos
negócios, conferindo uma convivência de paz social, além da satisfação material e psicológica
para os indivíduos.
9 RAZ, Joseph. O Conceito de sistema jurídico – uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Tradução de
Maria Cecília Almeida, revisão de tradução de Marcelo Brandão Cipolla, WMF Martins Fontes. São Paulo,
2012, p. 27; p. 115. 10 HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. L&PM Editores, 2012, p. 44. 11 DE PLÁCIDO E SILVA. Noções Práticas de Direito Comercial. Editora Guaíra: 5a. ed. – após 1944 a 4a. ed.,
p.p. 13-14.
13
O crédito e a confiança entremeiam-se para ajustar os negócios, e obtenção dos benefícios
da contraprestação. O crédito é uma dessas criações que atestam o bom resultado da
inventividade humana, tal como o escambo que é considerado marco da engenhosidade que
conduziu o homem ao comércio e a ideia da moeda.
Como o crédito, a moeda foi assimilada pela sociedade dando a espécie poder de
apropriação. Enquanto a moeda proporciona a aquisição de um bem incontinenti. O crédito visa
a compra do bem com uma promessa de pagamento futuro. Troca-se uma prestação executada
por uma prestação futura, e ao mesmo tempo constitui uma faculdade de exigir a execução
futura dessa prestação. O crédito nada mais é do que uma faculdade jurídica ou, pelo lado
oposto, uma obrigação jurídica: o crédito de um lado, é o débito é o outro lado12.
As raízes do conceito de soberania na Baixa Idade Média foi utilizado pelos legistas do
século XVI, sobre a situação de poder, relembrando passagem de “O Príncipe”, quando o autor
da referida obra trata da crueldade e da piedade, provocando “... preferível ser amado ou
temido...”, frase que estimula dissecação, gerando declarações para entender o autor nada mais
fez do que mostrar, ironicamente, o que os príncipes fazem de fato, não o que afirmam ou
deveriam fazer para a segurança do Estado e o bem de seus súditos13.
Os peritos sobre as situações e práticas do governante procuram explicar a expressão de
que: “Os fins justificam os meios”, comumente associada a Nicolau Maquiavel, o que pode ser
compreendido como o interesse para alcançar certos objetivos; até mesmo qualquer ato
criminoso seria justificável.
O aprendizado ao longo desse tempo, a história traz testemunho do crescimento
fenomenal da busca do poder pelo homem, como aconteceu nos últimos 500 anos com relação
a população mundial sob domínio, convivendo-se com conflitos pelo mundo sem uma
verdadeira paz. No ano 1500 havia cerca 500 milhões de homo sapiens em todo o mundo. Hoje
há mais de 7 bilhões14 de pessoas sob os ditames de governos e governantes dos mais diversos,
exercitando o poder.
A concepção de uma soberania estatal, no plano interno, representa, reconhecidamente a
desorganização entre o soberano e o aparelho de poder institucionalizado, confusão
12 MAMEDE, Gladston. Títulos de Crédito – Direito Empresarial Brasileiro, 10a. ed., 2018, edição eletrônica,
Editora Atlas (GEN). 13 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Roberto Grassi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969,
capítulo XVII, p.p. 102-3. 14 Historical Estimates of World Population, U.S. Census Bureau, http://www.census.gov.ipc/www/worldhis.html.
Acesso: 26/12/2016.
14
voluntariamente criada, por certo, como meio-termo artificial entre o ideal democrático e as
exigências autocráticas dos grupos dominantes. O aparelho estatal não existe em si e por si, mas
encontra sentido e coerência como expressão de um poder que transcende, e que dele se utiliza,
como enfatizam Comparato e Salomão Filho. Poder supremo que Aristóteles recorreu para
fundar a sua conhecida classificação dos regimes políticos, e não à mera aparência de governo15.
O entendimento de soberania se enraíza com a segurança territorial integrando ao Estado, e, por
conseguinte, esse território torna-se um espaço propício para o surgimento do mercado.
Explicitar o conhecimento e a prática que os homens têm das coisas é, involuntariamente,
desnudar o poder que os mesmos se atribuem ou procuram atribuir sobre os seres e as coisas.
O poder não é nem uma categoria espacial nem uma categoria temporal, mas esta presente em
toda “produção” que se apoia no espaço e no tempo. O poder não é fácil de ser representado,
mas é, contudo, decifrável. Falta aos homens somente saber fazer, ou então poder sempre
reconhecer16. Um dos cenários propícios para tanto, e que se apresenta amiúde, é o mercado,
que acolhe e articula exercícios mercantis com significativos atores e titeriteiros.
Não obstante o combate a ganância e as indevidas práticas mercantis, estas continuam
sendo exercitadas da dicção de velho bordão de repensar o comportamento daqueles que
convivem diuturnamente deturpando os negócios, extrapolando limites éticos e legais.
Atualmente os negócios não mais se limitam a um mero procedimento de permuta, da troca de
um bem, contemporaneamente a via cibernética estimula negociações em curta e longa
distancias, aproximando relações econômicas, financeiras das mais diversos, interferindo nas
decisões politicas e sociais, generalizando a impressão de que os negócios desvincularam-se da
moral, que de alguma forma precisa ser restabelecido esse vínculo17.
Do quanto já protagonizado interessante alguns aspectos das análises que Aron18
procedeu ao apreciar as falas de Comte, da relação das ideias por ele esposadas envolvendo o
pensamento teológico da época, ao abordar o pensamento científico que comandaria a
inteligência dos homens modernos, após o desaparecimento da estrutura feudal e da
organização monárquica, entendendo que:
Diariamente, em todas as fases de nossa existência, somos confrontados
com a noção de limite: traçamos limites ou esbarramos em limites. Entrar em
15 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 29. 16 RAFFESTIN. Obra citada, p. 6, Notas Prévias. 17 SANDEL, Michael J., O que o dinheiro não compra. Civilização Brasileira. 2017, p.-44. 18 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução Sérgio Bath. Martins Fontes. 2000, pp. 72-
74.
15
relação com os seres e as coisas é traçar limites ou se chocar com limites. Toda
relação depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se
origina, se realiza e se esgota19.
A produção cientifica e industrial que dominariam a sociedade daquele período, apontou
fato novo, chamando a atenção dos observadores no princípio do século XIX para a indústria,
que no entendimento de Comte, a partir daí, algo original aconteceu, consoante os traços que
enumerou, caracterizando como:
1º A indústria se baseia na organização cientifica do trabalho. Em vez de se
organizar segundo o costume, a produção é ordenada com vistas ao
rendimento máximo.
2º Graças à aplicação da ciência à organização do trabalho, a humanidade
desenvolve prodigiosamente seus recursos.
3º A produção industrial leva à concentração dos trabalhadores nas fábricas e
nas periferias das cidades; surge um novo fenômeno social: as massas
operárias.
4º ... Essas concentrações de trabalhadores nos locais de trabalho determinam
uma oposição, latente ou aberta, entre empregados e empregadores, entre
proletários de um lado e empresários ou capitalistas do outro.
5º Enquanto a riqueza, graças ao caráter científico do trabalho, não pára de
aumentar, multiplicam-se crises de superprodução, que têm por consequência
criar a pobreza, mercadorias deixam de ser vendidas, para escândalo do
espírito.
6º O sistema econômico, associado à organização industrial e cientifica do
trabalho, se caracteriza pela liberdade de trocas e pela busca do lucro e a
concorrência, e que quanto menos o Estado intervier na economia, mais
rapidamente aumentará a produção e a riqueza.
O quadro acima atribui à cada uma dessas características certa importância. Entende
como decisivas, porque a indústria se define pela organização cientifica do trabalho, que produz
o crescimento constante das riquezas e a concentração dos operários nas fábricas, observando-
se uma contrapartida da concentração de capitais ou dos meios de produção nas mãos de um
pequeno número de pessoas. O livre comércio, acentuado pelos teóricos liberais, consideram
como causa decisiva do progresso econômico20, e que o desenvolvimento da produção se ajusta,
por definição, leva ao interesse de todos.
Neste mesmo patamar, está a consideração, que a lei da sociedade industrial é o
desenvolvimento da riqueza, que postula ou implica numa conciliação final dos interesses,
enfatizando que a civilização material só pode desenvolver se cada geração produzir mais do
que é necessário para sua sobrevivência, transferindo à geração seguinte um estoque de riqueza
maior do que o recebido da geração precedente, numa consequente capitalização dos meios de
19 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecilia França. Editora Ática. 1993, p.
164. 20 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução Sérgio Bath. Martins Fontes. 2000, p. 73.
16
produção, porque seria uma caraterística do desenvolvimento da civilização material que leva
à concentração.
O aludido pensamento conduz ao entendimento que a organização cientifica da sociedade
industrial levaria a atribuir a cada individuo um lugar proporcional à sua capacidade, realizando
assim a justiça social, proporcionando otimismo nesse ponto de vista, sob uma analise
socioeconômica do capitalismo21; e o pensamento de Marx22 conduziria a uma interpretação de
caráter contraditório ou antagônico da sociedade capitalista, num esforço destinado a
demonstrar que esse caráter contraditório é inseparável da estrutura fundamental do regime
capitalista e é, também, o motor do movimento histórico.
Para Aron, analisando os célebres textos de Marx no ‘Manifesto Comunista’ – aponta no
Prefácio da Contribuição à crítica da economia política, e ‘O Capital’, explicando o
antagonismo do regime capitalista, qualificando-o de não-cientifico as colocações contidas nos
referidos repertórios, por entender haver uma inclinação à propaganda, cujo tema central é a
luta de classe, expressando que a história de toda sociedade até nossos dias convive com esse
conflito.
O homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de oficio e
companheiro, opressores e oprimidos se encontram sempre em constante oposição, travam uma
luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que não termina sem por uma transformação
revolucionária de toda a sociedade, ou então pela ruína das diversas classes em luta.
No prefacio da terceira edição da ‘Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada’,
escrito por Adolf Berle e Gardiner C. Means23, que:
O deslocamento de cerca de dois terços da riqueza industrial do país da
propriedade individual para a propriedade de grandes empresas financiadas
pelo público transforma radicalmente a vida dos proprietários, a vida dos trabalhadores e as formas de propriedade. O divórcio entre a propriedade e o
controle, resultante desse processo, envolve quase necessariamente uma nova
forma de organização econômica da sociedade.
Para os referidos autores, nas primeiras décadas do século XX aflora uma compreensão
relativa dos atributos da propriedade, entendendo que o arriscar da riqueza coletiva em
empreendimentos que visam o lucro, assume a responsabilidade final pelo empreendimento.
21 ARON, ibidem. 22 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Fonte digital RocketEdition 1999, www.jahr.org, p.
7. 23 BERLE, Adolf Augustus; MEANS, Gardiner C.. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada.
1967; 3a. ed. – Nova Cultural, 1988, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, p. 3.
17
Essa postura de aparente divorcio, leva as respostas dessas mudanças que propiciaram a
separação, não somente com relação a lei, mas, também entende ser necessário procura-las nos
fundamentos econômicos e sociais da lei, ultrapassando períodos que não os detém, pois,
continuam numa pauta ideológica ininterrupta, e até mesmo atual, envolvendo discussões
significativas sobre as relações econômicas e sociais.
Aproveitando esses traços que se coadunam com a densidade da história das ideias
econômicas e afins com o direito comercial, reconhece-se haver uma linha divisória, quando
uma norma legal pode de algum modo criar embaraços a uma via que conduz a um economia
que proporcione ao individuo exercitar com maior plenitude a atividade escolhida. De qualquer
modo as fronteiras não podam simplesmente impor e desrespeitar os limites do exercício
mercantil ferindo liberdade ou simplesmente interferindo na conjugação das relações
interindividuais.
O bom convívio conduze a um mercado harmonioso, mas é natural observar alguma
necessidade e até mesmo algum fenômeno que enseja a intervenção do Estado na economia,
quando a diversidade de sistemas se manifesta na procura de um ajuste econômico planificado
de direção central, ou por um sistema de economia de mercado mais ou menos puro.
1.1 Mercado
A partir de critérios marxistas do modo de produção, visto a apropriação coletiva ou a
apropriação privada dos meios de produção24 acontece a intervenção do Estado na economia.
Constata-se que criar condições indispensáveis para haver liberdade econômica é um dos
objetivos para que possa ser exercitada plenamente a atividade mercantil, respeitando os limites
do exercício da liberdade dos outros, que se fundamenta em um conjunto de relações
interindividuais, sendo uma delas a expressão que se denomina de mercado. Este por sua vez
estabelece uma relação econômica entre sujeitos livres, dispondo das suas capacidades para
tratar dos seus interesses sem restrição.
A atividade mercantil é resultado da autonomia privada não condicionada por objetivos e
fins exteriores. Moncada afirma que a noção do bem público não é independente do bem
privado, é simplesmente um conjunto dos bens privados. É o conceito de um sujeito
24 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. 6ª edição. Coimbra Editora. 2012, p.p. 14/19.
18
transcendental e autônomo relativamente aos fins exteriores capazes de uma atividade
econômica independente, que está na origem da desconfiança liberal face aos valores e fins que
ao individuo possam ser impostos pelo Estado.
Vale compreender a visão de Sandel 25 sobre a liberdade de mercado e o bem-estar social:
A questão do livre mercado fundamenta-se basicamente em duas
afirmações – uma sobre a liberdade e a outra sobre bem-estar social. A
primeira refere-se à visão libertária dos mercados. Segundo essa ideologia, ao
permitir que as pessoas realizem trocas voluntárias, estamos respeitando sua
liberdade; as leis que interferem no livre mercado violam a liberdade
individual. A segunda é o argumento utilitarista para os mercados. Esse
argumento refere-se ao bem-estar geral que os livres mercados promovem,
pois, quando duas pessoas fazem livremente um acordo, ambas ganham. Se o
acordo as favorece sem que ninguém seja prejudicado, ele aumenta a
felicidade geral.
A liberdade e bem-estar social para muitos céticos do mercado, questionam esses
argumentos por haver compreensão que as escolhas de mercado nem sempre são tão livres
quanto podem parecer, e que certos bens e práticas sociais são corrompidos ou degradados.
Tanto assim que, quando se menciona transação, dinheiro, emerge a lembrança de um
argumento utilitarista.
Bom lembrar o episódio acontecido no início da Guerra Civil Americana, a convocação
de soldados para luta, tanto pela União quanto pela Confederação, admitia que a pessoa
convocada para integrar as fileiras militares, caso não quisesse ir a linha de frente, poderia
contratar outra pessoa para assumir seu lugar. Esse episódio deu origem à expressão ‘guerra
dos ricos, luta dos pobres’.
Apreciando o fato, observa-se que diferença entre convocação e o exercício voluntário
não significa que uma seja compulsória e o outro livre, mas que cada um envolve formas
diferentes de coerção. Tanto que as figuras da força da lei e das pressões econômicas estariam
a validar a consideração de Jean-Jacques Rousseau26, ao argumentar que transformar dever
cívico em uma mercadoria negociável não aumenta a liberdade; ao contrário, a reduz:
A partir do momento em que um serviço público deixa de ser a principal
atribuição dos cidadãos, que preferem servir com o próprio dinheiro em vez
de se engajar para servir, o Estado está prestes a ruir. Quando é necessário
marchar para a guerra, eles pagam aos soldados e ficam em casa (...) Em um
país verdadeiramente livre, os cidadãos fazem tudo com os próprios braços e
nada por meio do dinheiro. Longe de pagar para se isentar dos seus deveres,
25 SANDEL, Michael J. . Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2014. p. 99. 26 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato Social – 1762, Livro III, capitulo 15, tradução: Heloisa Matias e Maria
Alice Máximo.
19
eles até pagariam para ter o privilégio de realiza-los. Estou longe de concordar
com a noção geral: considero o trabalho forçado menos contrário à liberdade
do que os impostos.
[...]
O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal
modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que
eles. Como é feita essa mudança? Ignoro-o. Que é que a torna legitima? Creio
poder resolver esta questão27.
E o próprio Rousseau procura responder ao dizer que:
Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; tão logo ele
possa sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor; porque, recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com o qual lhe arrebataram, ou este serve
de base para retomá-la ou não se prestava em absoluto para subtraí-la. Mas a
ordem social é um direito sagrado que serve de alicerce a todos os outros. Esse
direito, todavia, não vem da Natureza; está, pois, fundamentado sobre
convenções.
Há uma advertência de que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu
semelhante, e que a força não produz nenhum direito, restando as convenções como base de
toda autoridade legitima entre os homens28. Nesta rota Sandel traz à meditação situações
contemporâneas, como os casos de barriga de aluguel em que participam da discussão pais,
filho biológico e outros, ou não. Julgamentos houveram, ora a rejeitar a ideia de comércio de
bebês, ora a considerar admissível como comércio29.
Polanyi30 mostra o ponto de partida para pensar no mercado, para a obtenção de bens
distantes, como o que houve no passado com: “A aplicação dos princípios observados na caça
para obter bens encontrados fora dos limites do distrito, levou a certas formas de troca que nos
apareceram, mais tarde, como comércio”, gerando a atividade mercantil a longa distância para
aquisição das mercadorias, bem como o exercício relativo a divisão do trabalho realizada em
determinada localização.
Para Braudel31:
27 ROUSSEAU. Do Contrato Social.. Tradução Rolando Roque da Silva. Edição eletrônica: Ed. Ridendo
Castigat Moraes (www.jahr.org), Livro I – acesso em 25-08-2016. http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf 28 ROUSSEAU. Do Contrato Social. (Da escravidão, IV do Livro I).Tradução: Rolando Roque da Silva. Edição
eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Moraes. 29 SANDEL, Michael J. Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2014. pp. 116/128. 30 POLANY, Karl. A grande transformação. As origens da nossa época. Rio de Janeiro. Editor Campus. 1980
[1944]. p. 73. 31 BRAUNEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Sécs. XV-XVIII. Vol. 2, “Os jogos das
trocas”. São Paulo. Martins Fontes. 1966 [1979]. P. 12/193.
Idem. Vol. 3. “O tempo do mundo”. 1996 [1986].
20
[...] o mercado, mesmo elementar, é o lugar predileto da oferta e da
procura, do recurso a outrem, sem o que não haveria economia no sentido
comum da palavra, mas apenas uma vida ‘encerrada’ na autossuficiência ou
na não-economia.
Observando que a fase de pura subsistência é ultrapassada, os excedentes de cada grupo
passam a ser objeto de troca, considerado como um momento da troca simples. O escambo
primitivo de comércio não teve força para mudar a valoração do bem que cada grupo conferia
no tempo e espaço. Foi o comércio especulativo que proporcionou mudanças nas relações
sociais, introduzindo uma nova relação com e entre os bens, mercadoria e com as moedas,
forçando a sociedade local ir além-fronteiras à busca de adaptação dos interesses e negócios,
criando novos processos produtivos e novas condições de cooperação32.
Algumas sociedades tentaram resolver o problema estabelecendo um sistema central de
escambo que coletava produtos de cultivadores e manufaturadores especializados e os distribuía
àqueles que precisavam, no entanto, a maioria das sociedades encontrou uma forma mais fácil
de conectar um grande número de especialistas introduzindo o dinheiro, que permite criar
equivalências imaginárias, é considerada a fonte de uma aritmética criativa de espaços abstratos
que realizam a equivalência dos não equivalentes.
1.1.1 Dinheiro – Moeda
Preconiza-se que o reconhecimento das necessidades humanas só acontece quando o
outro ou, antes, só reconhece a existência de suas necessidades na medida em que aceita o jogo
das equivalências forçadas que se exprime no valor de troca. O valor de troca, resumindo, nesse
caso, a situações diferenciais de poder: “O valor de troca estabelece sua preponderância no
decorrer de uma luta acirrada contra o valor de uso, após tê-lo constituído como tal, e sem nunca
dele se separar”. Diz Raffestin que Lefebvre atinge o cerne do problema ao escrever:
Marx não viu o conflito entre esses dois momentos; inerente, contudo,
ao conflito uso-troca. No entanto, esse conflito ocupa todo o horizonte da
História. Na falta de um corpo de hipóteses que coaja a realidade, não existe
valor de troca que não seja coerção. Isso é tão verdadeiro que, para se impor,
o valor de troca teve de passar pela intermediação dessa mercadoria que não
é uma mercadoria: o dinheiro. E possível desalentar-se com todas essas
mitologias que fazem do dinheiro, por intermédio de infinitas metáforas, a
causa de todos os males. Mas o dinheiro, invenção preciosa, não merece nem tantas indignidades nem tantos louvores. Ele não é nada mais que uma
32 SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. 1978. São Paulo. Hucitec.
21
matematização da mercadoria: “A natureza se torna o objeto de domínio, no
sentido moderno, desde o momento em que se presta à matematização. O
domínio da sociedade, por seu lado, exige as matemáticas mesmo quando ela
pretende ultrapassa-las numa linguagem especulativa ainda mais rigorosa. O
grande estilo do domínio se quer sempre 'matemático'33.
Dinheiro não se resume a moedas e cédulas. Dinheiro é qualquer coisa que as pessoas
estejam dispostas a usar para representar sistematicamente o valor de outras coisas com o
propósito de trocar bens e serviços. O dinheiro permite que as pessoas comprem de maneira
fácil e armazenem riqueza de forma conveniente. Existiram muitos tipos de dinheiro. O mais
conhecido é a moeda, e com ela está a confiança, que é a matéria-prima, elemento que todos
procuram ter entre si, a fim de dar sustentação aos tipos de dinheiro cunhado34.
O que criou essa confiança foi uma complexa rede de relações políticas,
sociais e econômicas de longo prazo. Por que eu acredito na concha de cauri,
na moeda de ouro ou na nota de dólar? Porque meus vizinhos acreditam nessas
coisas. E meus vizinhos acreditam nelas porque eu acredito. E todos
acreditamos porque nosso rei acredita e as exige na forma de dízimo. Pegue
uma nota de um dólar e observe-a com atenção. Você verá que é simplesmente
um pedaço de papel colorido com a assinatura do secretário do Tesouro dos
Estados Unidos de um lado e o slogan “In God We Trust” do outro. Nós
aceitamos o dólar como pagamento porque confiamos em Deus e no secretário
do Tesouro dos Estados Unidos. O papel crucial da confiança explica por que
nossos sistemas financeiros são intimamente relacionados aos sistemas
politico, social e ideológico, por que crises financeiras com frequência são
desencadeadas por processos políticos e por que o mercado de ações pode
subir ou cair dependendo de como os executivos se sentem naquela manhã em
particular35.
O dinheiro é baseado em dois princípios: a) convertibilidade universal: com o dinheiro
como alquimista, é possível transformar terras em lealdade, justiça em saúde e violência em
conhecimento; b) confiança universal: com o dinheiro como intermediário, fazem duas pessoas
cooperar em determinado projeto. Esses princípios permitiram que milhões de estranhos
cooperassem no comércio e na indústria de maneira eficaz. Tanto assim que atualmente tem-se
a moeda digital revolucionando as concepções primitivas.
Bitcoin: é uma moeda digital do tipo criptomoeda descentralizada e, também
um sistema econômico alternativo (peer-to-peer electronic cash system),
apresentada em 2008 na lista de discussão The Cryptography Mailing por
um programador, ou um grupo, de pseudônimo Satoshi Nakamoto.
É considerada a primeira moeda digital mundial descentralizada, e
responsável pelo ressurgimento do sistema bancário livre.
33 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecilia França. Ática. 1993, p. 36. 34 HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. L&PM Editores, 2016, p.p. 181-195. 35 Idem p. 188.
22
O bitcoin permite transações financeiras sem intermediários, mas verificadas
por todos os usuários da rede (nós da rede) Bitcoin, que são gravadas em
um banco de dados distribuídos, chamado de blockchain.
A rede descentralizada ou sistema econômico alternativo Bitcoin possui
a topologia ponto-a-ponto (peer-to-peer ou P2P) isto é, uma estrutura sem
intermediário e sem uma entidade administradora central. Que torna inviável
qualquer autoridade financeira ou governamental manipular a emissão e o
valor de bitcoins ou induzir a inflação com a produção de mais dinheiro. No
entanto, grandes movimentos especulativos de oferta e demanda influenciam
na oscilação de seu valor no mercado de câmbio, sendo definido livremente
durante as 24 horas do dia. Isto é, o valor da criptomoeda não deriva de
moedas nacionais (fiat) ou outros bens, isto é, não é lastreado por nem um
ativo; bitcoin é a mercadoria, é o ativo em si sem precedentes.
No âmbito financeiro e contabilístico internacional, semelhante ao ouro o
bitcoin pode ser enquadrado em alguns termos: ativo especulativo (bem
material), dinheiro commodity (mercadoria), unidade de conta (bem de troca)
- por ser empregado como meio de troca e por possuir uma escassez relativa
além de cotação própria - que agregada a abreviatura XBT tenta enquadrar-se
na ISSO 4217, código que representa moedas correntes36.
A história não mostra um desenvolvimento simples e linear do desenvolvimento dos
mercados, sobretudo porque, segundo Braudel37:
[...] uma vez que a troca é tão velha como a história dos homens, um
estudo histórico do mercado deveria estender-se à totalidade dos tempos
vividos e situáveis.
Na época da cidade antiga já era reconhecida a ideia de mercado, como um ponto de
junção das rotas de comércio.
Não há necessidade de duvidar que o mercado apareceu inicialmente
para regular a troca local, muito antes que qualquer ‘economia de mercado’,
baseada em transações tendo em vista um lucro monetário e a acumulação de
capital privado, viesse a existir, segundo Munford38.
Para o referido autor a configuração urbana já existia antes de Cristo, (por volta do ano
2000 a. C), com duas formas clássicas do mercado, em uma praça aberta ou um bazar coberto,
ou em uma rua de barracas ou de lojas. Essa reunião de negociantes propiciava a união de força
similar. Tanto assim que Rousseau ao conceber o “Do pacto Social”, imagina não ser
impossível aos homens engendrar novas forças para unir e dirigir as já existentes, cuja
agregação é por em movimento de agir de comum acordo.
Somadas essas forças com a liberdade de cada homem, conduz, faz encontrar uma forma
associativa, cujas cláusulas ao invés da pessoa particular, de cada contratante, esse ato de
36 https://pt.wikipedia.org/wiki/Bitcoin - acesso 31/05/2018. 37 BRAUDEL. Civilização material, economia e capitalismo, 1979 - p. 193. 38 MUNFORD, Lewis. A cidade na História: suas origens, desenvolvimento e perspectivas. São Paulo. Ed. Martins
Fontes. 1961. P. 85.
23
associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a
assembleia de vozes, formando unidade, um seu eu comum, sua vida e sua vontade, aduzindo
que:
A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava
outrora o nome de cidade, e toma hoje o de república ou corpo político, o qual
é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é
ativo; autoridade, quando comparado a seus semelhantes. No que concerne
aos associados, adquirem coletivamente o nome de povo, e se chamam
particularmente cidadãos, na qualidade de participantes na autoridade
soberana e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos
frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber
distingui-los, quando empregados em toda a sua precisão39.
Vale lembrar num contexto de interesses e vontades dos cidadãos, em que o povo faz
parte sobre a natureza dos mercados, nas palavras de Adam Smith40 com uma propensão a troca.
O interesse do homem no exercício da permuta de uma coisa por outra, como ingrediente básico
da natureza humana, pratica atos de troca desde época muito distante, mostrando o mistério da
economia num lampejo. “O consumo é o objetivo e o desígnio único de qualquer produção”,
levando a entender que a economia é o meio de vida, e a sociedade tem necessidades das mais
variadas formas, que podem ser materiais, financeiras, bélicas, artísticas, relativas ao vestuário,
à alimentação, morais ou até mesmo espirituais, porque são necessidades individuais ou
coletivas.
Os recursos frequentemente estão escassos frente à multiplicidade das necessidades
humanas, não obstante a constatação do desperdício em muitas localidades, não somente
observado em nações desenvolvidos, mas também em cidades ou regiões menos pobres, em
países emergentes, ou como são classificados, de nações subdesenvolvidos nas cidades de
maior porte, com considerável perda diária de produtos agropecuário nos principais centros
urbanos de distribuição de alimentos.
Oportuno relembrar, que prover as pessoas no conjunto social, cujo sentido converge para
levar à ideia de onde se abriga a família, que precisa passar por uma organização ou estar
arrumada para tanto, reforçando a consideração mais abrangente, como adverte Avelãs Nunes41,
com campo de atuação na sociedade, envolvendo os fenômenos relativos a produção,
39 ROUSSEAU, Jean-Jacques.Do Contrato Social. (VI - Do pacto social). 40 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Vol. I. Nova Cultural. 1988. Coleção os Economistas. pp. 17-54. 41 NUNES, António José Avelãs. Uma Introdução Economia Politica. São Paulo. Quartier Latin. 2007, p. 11.
24
distribuição e consumo de bens e serviços, bem como as necessidades materiais que a
coletividade procura para atender a sua satisfação.
1.1.2 Bens
Na organização de bens e propriedade depara-se com várias espécies de forças
desprendidas pelas pessoas procurando preservar direitos e conservar coisas (bens). Ao mesmo
tempo tem-se uma busca pelo equilíbrio e paz social, apesar de reconhecer ser um constante
desafio a concretização desse objetivo, pois, desde os primeiros tempos quando o homem
passou a ter a posse de objetos para o seu uso ou lazer, atraiu para si uma série de atributos e
poderes concernentes ao ser humano. Novas espécies de bens surgiram na caminhada da
evolução humana, com graus de sofisticação, ininterruptamente, chegam a proporções
espetaculares, que pode estar além da imaginação da maioria de estadistas e homens de
negócios42.
Para Moncada:
As relações entre economia e direito não são uniformes e têm variado
ao longo do tempo.
Para o pensamento liberal, que lançou as bases da ciência econômica, a
atividade econômica é um dado natural, prolongamento das liberdades
individuais e geradora de riqueza. Rege-se por uma lógica própria, totalmente
racional e desenvolve-se num meio institucional próprio, o mercado. À regra
jurídica competiria assim favorecer o produtivo giro dos capitais fornecendo
à atividade econômica um suporte normativo sistemático e transparente, de
fácil entendimento, capaz de proporcionar a previsibilidade e a segurança de
que a atividade em causa tanto necessita para gerar os resultados dela
específicos, a criação de riqueza e a satisfação das necessidades individuais.
A primazia era assim da economia sobre o direito. A codificação do
direito civil, a recepção da lex mercatória, ou seja, das leis do comércio,
geradas no ambiente dele próprio e a eliminação de figuras que embaraçavam
a fluidez da vontade privada, herdadas de épocas passadas, são consequências
daquele primado da economia43.
A concepção tecida por Moncada aborda a tutela diferenciada da propriedade privada,
como direito subjetivo que se apresenta, como situação jurídica complexa, ativa e passiva, de
conteúdo variável em função do objeto que incide, e do titular respectivo, apreciando a figura
do ‘bem’, para compreender como algo capaz de suprir uma necessidade humana, podendo
42 BERLE, Adolf Augustus; MEANS, Gardiner C., A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada.
1967, Nova Cultural, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, 3a. ed. - 1988, p.p. 4-33. 43 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. Coimbra Editora. 6a. ed. 2012, p. 7.
25
abranger bens materiais, que são os bens dotados de características físicas, como peso,
dimensão, forma e consistência.
Desde o trigo para fazer o pão, os alimentos transformados, a moeda e a casa, as ações de
uma sociedade anônima, envolvendo-se na criação do capitalismo coletivo, que fez da
propriedade de ações uma forma pela qual os indivíduos constituam riqueza representada pela
produção, transformada (considerado) em bem, fica dedicada ao consumo.
Nesse cenário estão presentes bens imateriais, dotados de caráter abstrato, que podem ser
exemplificados nos serviços hospitalares, marcas, patentes, insígnias. Para os objetos que estão
na órbita da propriedade privada a lei criou ou proporciona algum tipo jurídico diverso de
proteção com um conteúdo peculiar, consoante a sua diversa aptidão para a satisfação das suas
necessidades, distante da concepção clássica contida na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789, quando tratado unitário e universal, sendo um direito de gozo e disposição
sobre o tipo de bens móveis ou imóveis, materiais e imateriais, vem à tona, para exame,
características econômicas e sociais do ‘bem’.
Para Menger44:
Todas as coisas são regidas pela lei da causa e do efeito. Esse grande
princípio não sofre exceção; seria inútil procurar algum exemplo contrário, no
âmbito empírico. O progresso do desenvolvimento humano não tende a anular
ou enfraquece esse princípio, mas antes a confirmar sempre mais sua validade,
ampliando cada vez mais o âmbito de sua aplicação, portanto o
reconhecimento incondicional e crescente desse princípio esta ligado ao
próprio progresso humano.
Também a nossa própria personalidade - e cada estado da mesma -
enquadra-se nesse encadeamento da causalidade universal: a nossa passagem
de um estado para outro é incogitável fora dessa lei. Se, portanto, quisermos
passar do estado de necessidade para o estado de satisfação dessa necessidade,
deve haver causas suficientes que levem a essa mudança de estado: em outros
termos: ou esse estado de necessidade é eliminado pelas forças existentes em
nosso próprio organismo, ou então agem sobre nós coisas externas que por
sua natureza são aptas a colocar-nos naquele estado que se denominam
satisfação de nossas necessidades.
As coisas capazes de serem colocadas em nexo causal com a satisfação
de nossas necessidades humanas denominam-se unidades, denominam-se
bens na medida em que reconhecemos esse nexo causal e temos a
possibilidade e capacidade de utilizar as referidas coisas para satisfazer
efetivamente as nossas necessidades.
44 MENGER, Carl. Princípios de Economia Política. Victor Civita. 1983
26
Aristóteles ao tratar de “bens”, como os meios de que o homem necessita para viver e
para seu bem-estar45. O estudo do conceito de ‘bem’, desenvolvido por Feijó46, traz a
compreensão de Menger, como o que gera benefícios para todos, e os custos não podem ser
distribuídos. Aparecem “bens” qualificados pela utilidade e pela emergente escassez que são
denominados “bens econômicos”, que ao longo da existência humana atendia as necessidades
infinitas e múltiplas dos indivíduos, porque os recursos tendem a ter limitação para satisfazer a
sociedade, sendo esta uma preocupação constante do homem.
Importante relembrar o período do mercantilismo, cuja particularidade principal foi a
atividade estatal com a empresa mercantil colonial, num foco de interesse da burguesia
conjugando a necessidade de agregar capitais, apelando à poupança popular, e para tanto ergue
a forma de sociedade anônima, com caraterísticas específicas, envolvendo a função pública, a
gestão privada e o interesse coletivo47. Foi a primeira função pública diretamente decorrente da
presença estatal. A segunda, a gestão privada, que decorre da dominação da alta burguesia e da
aristocracia a ela ligada sobre a administração das referidas companhias. O interesse coletivo
decorre da presença do público investidor, na época formado por pequenos poupadores, atraídos
pela chancela estatal dada à grande empresa48.
Nessa trilha não se pode esquecer a figura do território como elemento que lastreia a
composição do Estado, estruturando a base física para o mercado se relacionar, ter ponto de
reunião e partida, para obtenção de ‘bens’. O mercado toma forma em locais para a troca de
bens e em busca da autossuficiência, elegendo lugares, prediletos, para a prática da oferta e da
procura, criando relações sociais e adaptações nos processos de cooperações e produção,
constituindo uma regulação própria, que segundo Polanyi49, sustenta-se no princípio da
complementariedade.
O mercado externo é uma transação; a questão é a ausência de alguns
tipos de mercado naquela região. O comércio local é limitado às mercadorias
45 Aristóteles. Politica - l. 31. Ambrósio: “Nada tem utilidade a não ser o que serve para a vida eterna”. Thomassin
fiel as suas concepções econômicas medievais, 1697, escreve em seu ´Taité de Négoce er d’Usure (p. 22): “A
utilidade mede-se pelas considerações da vida eterna”. Dentre os modernos, Forbonnais define bens, como: “As
propriedades que não dão produção anual, tais como os móveis preciosos ou as frutas destinadas ao consumo” -
(Principes Économiques, Ed. Daire, 1767. Cap. 1. P. 174 et segs.). Dupont em outro sentido (Physiocratie, p.
CXVIII). O uso palavra “bem” na acepção peculiar à ciência atual ja se encontra em Le Trosne (De l’Intérêt Social,
1777, Cap. 1, § 1).NECKER. Législation et Commerce des Grains. 1775. Parte I, capo IV. Say (Cours d'Economie
Politíque. 1828. I, p. 132). 46 FEIJÓ, Ricardo. Economia e Filosofia na Escola Austriaca: Menger, Mises e Hayek. São Paulo, Nobel, 2000. 47 COMPARATO, Fábio Konder e SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6a.
edição, Rio de Janeiro, Forense, 2014, p. 30. 48 IDEM - Op. cit. p.p. 30-31. 49 POLANYI, Karl. As grandes transformações – As origens da nossa época. Campus.
27
da região, às quais não compensa transportar porque demasiado pesadas,
volumosas ou perecíveis. Assim, tanto o comércio exterior quanto o local são
relativos à distância geográficas, sendo um confinando às mercadorias que
não podem superá-la e o outro às que podem fazê-lo. Um comércio desse tipo
é descrito corretamente como complementar.
Numa linguagem contemporânea pode-se adequar as questões de métodos, de estratégia
e outros procedimentos que envolvem necessariamente a disponibilidade das mercadorias, o
transporte com qualidade e segurança para os bens transportados, que passam por constantes e
necessárias adequações face a introdução de novos equipamentos e tecnologias, que
proporcionam, por exemplo a superação no transporte e armazenamento dos bens, que na
linguagem atual interliga-se com a denominada ‘logística’.
Para que uma ‘coisa’ se transforme em um ‘bem’, ou, em outros termos, para que uma
‘coisa adquira a qualidade de ‘bem’, nas palavras de Menger50, requer a convergência de
pressupostos, elegendo, pelo menos quatro que se destacam antecipadamente:
1º. A existência de uma necessidade humana.
2º. Que a coisa possua qualidades tais que a tornem apta a ser colocada em
nexo causal com a satisfação da referida necessidade.
3º. O reconhecimento, por parte do homem, desse nexo causal entre a referida
coisa e a satisfação da respectiva necessidade.
4º. O homem poder dispor dessa coisa, de modo a poder utiliza-lá
efetivamente para satisfazer à referida necessidade. Somente se essas quatro
condições se verificarem simultaneamente, uma coisa pode transformar-se em
bem; onde faltar qualquer uma dessas condições, uma coisa não pode ser
caracterizada como bem; e mesmo que a coisa possuísse essa qualidade de
bem, perdê-lá no próprio momento em que deixasse de existir qualquer uma
das quatro condições acima.
Enfatiza Menger51 que a mudança da qualidade e ou perda do bem acontece:
[...] primeiramente, quando, em virtude de uma mudança ocorrente na
área das necessidades humanas, já não existe nenhuma necessidade à qual a
respectiva coisa tenha aptidão para satisfazer.
Em segundo lugar, uma coisa perde sua qualidade de bem sempre que, em virtude de uma mudança ocorrida em suas características, perde sua
aptidão de colocar-se em nexo causal com a satisfação de necessidades
humanas.
Em terceiro lugar, uma coisa perde sua qualidade de bem quando a
pessoa passa a desconhecer o nexo causal existente entre a coisa e a satisfação
das necessidades humanas.
Em quarto lugar, uma coisa perde sua qualidade de bem quando as
pessoas perdem o poder de dispor da mesma, de maneira a não mais poder
utiliza-lá para atender imediatamente as suas necessidades, e os meios para
passar novamente a dispor dessa coisa.
50 MENGER, Carl. Princípios de Economia Política. Victor Civita. 1983. 51 MENGER, op. cit..
28
Extrai-se do entendimento acima, situações quando, embora não apresentem nenhum
nexo causal com a satisfação de alguma necessidade humana, são tratadas como bens pelos
homens. Segundo o referido autor, isso acontece quando se atribui as coisas qualidades e, em
consequência, constata-se que na verdade não as possuem, ou quando se supõe, erroneamente,
existirem necessidades humanas que na realidade são inexistentes.
A economia de hoje é predominante, se não esmagadoramente industrial, o que tem
acarretado mudanças sobre o sistema de propriedade na maior parte do mundo, interferindo na
produção e distribuição da riqueza. Por exemplo, os portadores de ações das sociedades
anônimas, em especial as de grande porte, agitam, a considerar substancial a quantidade de bens
que podem se constituir em títulos, em valores mobiliários, negociados, em especial pelas
instituições financeiras, agindo como intermediárias, ora apenas como corretoras, bancos,
companhias de seguro e congêneres, compondo uma estrutura econômico-financeira nacional
ou internacional, cuja rede conjuga capitais de diversas companhias e interesses, mesclando os
alvos.
Processa-se análises das demonstrações contábeis, também conhecida como análise das
demonstrações financeiras, entendida como um conjunto de técnicas que mostram a situação
econômico-financeira das empresas em determinado momento, procurando-se identificar,
decantar por meio contas e índices para comprovar a liquidez, o endividamento, a rentabilidade,
enfim aprovar ou não a saúde financeira da empresa, comparando seus desempenhos, medindo
a capacidade de pagamento a curto/longo prazo, com o intuito de informar não somente aos
investidores, acionistas, ao público em geral, se a empresa utiliza mais de capital de terceiros
ou de recursos dos proprietários, e medindo a estabilidade, a rentabilidade em função dos
investimentos e patrimônio líquido, tece recomendações ao mercado, e este confere a sua
performance, e vitalidade empresarial.
O avanço tecnológico vem forçando as companhias a realização das suas atividades em
um ambiente altamente competitivo. E a informação dos resultados de produção e rentabilidade,
importantes dados para a decisão dos interessados em investimentos no mercado de capitais, e
empreendimentos, principalmente dentro da concepção da estrutura da sociedade anônima,
onde se apresenta a sociedade anônima de economia mista, ambas expressam o capital social
na divisão em “ações”.
29
O conceito de ação: “[...] é o valor mobiliário representativo de uma parcela do capital
social da sociedade anônima emissora que atribui ao seu titular a condições de sócio desta”52.
Compreende-se as ações como um título de crédito, ao mesmo tempo em que é um título
corporativo, permitindo o sócio participar da vida da sociedade, além de representar ou
corporificar uma fração do capital social53, proporcionando direito de propriedade e de uso.
Os conceitos dados pelos juristas, para não confundir com a explanação dada por
Menger54, advertindo, como fazem os pesquisadores, que o idioma alemão não dispõe de
nenhum termo para designar as “ações úteis” (nuetzliche Handlungen = ações úteis) de modo
geral, mas somente para “prestação de serviços” (Arbeitsleistungen = serviços de ação).
As lições de Mengel a respeito de “bem”, enfatizam que: “Não ha nada mais indicado
para ilustrar o grande nexo causal existente entre os bens do que essa lei do condicionamento
recíproco existente entre os diversos bens”55.
E historicamente Menger complementa:
Inversamente, não é raro as coisas perderem sua qualidade de bem pelo fato
de já não se dispor dos serviços necessários que constituem os bens
complementares em relação aos mencionados. Em países de população
escassa, como naqueles em que prevalece a monocultura - do trigo por
exemplo -, costuma ocorrer, sobretudo após colheitas particularmente
abundantes, grande falta de mão-de-obra, pelo fato de os trabalhadores
agrícolas formarem um contingente reduzido e terem pouca motivação para o
trabalho em tempos de fartura, uma vez que os trabalhos da safra se
concentram em um período muito breve, devido à monocultura. Em tais
circunstâncias (nas férteis planícies da Hungria, por exemplo), quando é muito
grande a necessidade de mão-de-obra dentro de um período breve, e a mão-
de-obra não é suficiente para atender à demanda, costuma ocorrer a perda de
grandes quantidades de trigo nos campos; o motivo esta no fato de faltarem os
bens complementares do trigo (isto é, a mão-de-obra necessária para colhê-
ló), e com isso o próprio trigo disponível nos campos perde sua qualidade de
“bem”56.
52 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 53 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 54 MENGER, op. cit. 55 Apropriado mostrar uma passagem da história da guerra de secessão americana no ano de 1862, quando
bloqueou a principal fonte de importação de algodão para os países europeus. Milhares de outras coisas em relação
as quais o algodão era um bem complementar também perderam sua qualidade de bem, em especial referencia aos
serviços dos operários engajados nas fábricas de processamento de algodão da Inglaterra e dos demais países do
continente europeu. Operários, que em função desse fato foram demitidos e muitos recorreram à caridade publica.
Os serviços que podiam prestar esses valiosos trabalhadores permaneceram os mesmos; no entanto perderam, em
grande parte, sua qualidade de bem real, uma vez que o bem complementar - no caso, o algodão - já não existia
nesses países, e consequentemente essa prestação de serviços específicos em geral não permitia atendimento
efetivo a nenhuma necessidade humana. Todavia, esses serviços transformaram-se novamente em bens, a partir
do momento em que o bem complementar dos mesmos - o algodão - reapareceu nesses países, por meio da
importação de outros países estrangeiros, bem como em decorrência do termino da guerra civil norte-americana. 56 MENGER, op. cit. p. 251.
30
O referido episódio não só é interessante como uma passagem histórica, também serve
para aquilatar valores, quando estão em conflito e alvejam a sobrevivência do ser humano, que
desfruta, a depender das circunstâncias, de um determinado “bem”, com maior ou menor
intensidade, utilização e poder de barganha. Por outro lado, advertia, mesmo sem fazer alusão
específica sobre os danos à saúde, mas atualmente confirmado, com relação ao tabaco,
extremamente prejudicial à saúde do homem, mas no passado não era assim considerado e
tratado (os bens que poderiam ou não ser entendidos como prejudiciais a saúde do homem)57.
O exposto conduz uma mensagem desenvolvida no início do século XX, vaticinando no
século XXI, como aconteceu com o tabaco, hoje condenado, ou a qualidade da casca da quina
na cura de doenças. Agora emerge a discussão sobre a cannabis, sob condenação por ser
considerada uma “droga”, contudo, no âmbito da pesquisa cientifica testa-se para atender, ou
ser utilizada por doentes portadores de moléstia degenerativa, admitindo-se o seu emprego para
a cura da esclerose múltipla e outras enfermidades que são objeto de investigação, para
propiciar o uso controlado, como a casca de quina proporcionaram e ainda possibilita, com suas
propriedades, a cura de moléstias58.
57 IDEM, op. cit. p. seguintes. Suponhamos o seguinte caso: em razão de mudança registrada no gosto das pessoas,
desaparece totalmente a necessidade de se consumir o fumo, desaparecendo, com ela, todas as outras necessidades
para cujo atendimento ainda serve hoje o tabaco já devidamente processado. É certo, primeiramente, que em tal
caso deixaria de ser um bem todo fumo ja em condições de ser consumido pelas pessoas, ou seja, o fumo que se
encontrasse nas mãos de qualquer um. Que aconteceria, porem, com os correspondentes bens de ordem superior?
Que sucederia com as folhas de tabaco em estado bruto, com os diversos dispositivos e equipamentos necessários
para o preparo dos diversos tipos de fumo, com os serviços qualifica dos da mão-de-obra engajada nesse mister,
em suma, com todos os bens de segunda ordem empregados para a produção do fumo destinado ao consumo
humano? Que sucederia com as sementes e com as plantações de tabaco, com os serviços necessários para a
produção do tabaco em estado bruto, com os dispositivos e equipamentos necessários para isso, e com os demais
bens que, em relação à necessidade humana de consumir o fumo, podemos qualificar como bens de terceira ordem?
E que aconteceria com os correspondentes bens de quarta ordem, de quinta ordem etc.?
Como vimos, para que uma coisa tenha qualidade de bem, é indispensável que possa ser colocada em nexo causal
com a satisfação de determinadas necessidades humanas. Contudo, vimos também que o nexo causal imediato
entre o bem e a satisfação das respectivas necessidades humanas não constitui absolutamente condição sine qua
non para que seja um bem, e que grande parte das coisas deriva sua qualidade de bem simplesmente do fato de
terem nexo causal indireto e mediato com a satisfação de necessidades humanas.
Se é certo que a existência de necessidades humanas por atender constitui o pressuposto indispensável para que
uma coisa seja um bem, então esta demonstrado o seguinte principio: independente do nexo causal imediato com
a satisfação de necessidades humanas ou do fato de se caracterizarem como bens simplesmente em virtude de um
nexo causal mediato e indireto com o atendimento de tais necessidades, essas coisas perdem sua qualidade de bem
no próprio momento em que desaparecem as necessidades especificas para cujo atendimento serviam até agora.
Pois é claro que, juntamente com as respectivas necessidades, desaparece toda a base daquele nexo causal que,
como vimos, faz com que a coisa seja um bem. 58 HONÓRIO, Katia Maria; ARROIO, Agnaldo e SILVA, Albérico Borges Ferreira da. Aspectos Terapêuticos de
Compostos da Planta Cannabis sativa. Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 369,
13560-570 São Carlos - SP - Departamento de Química e Física Molecular, Instituto de Química de São Carlos,
Universidade de São Paulo, CP 780, 13560-590. São Carlos – SP. Recebido em 26/10/04; aceito em 6/6/05;
publicado na web em 8/12/05.
31
Assim, as cascas de quina, pelo fato de desaparecerem todas as doenças
por ela curáveis, deixariam de ser um bem, já que cessaria na única
necessidade com cujo atendimento a casca de quina mantem nexo causal.
Entretanto, o fato de a casca de quina já não ter aplicação teria também como
consequência que grande parte dos correspondentes bens de ordem superior
perderia igualmente sua qualidade de bem. Os habitantes dos países que
produzem a quinina, que atualmente encontram seu ganha-pão na procura e
na poda das árvores das quais se extrai essa substancia, constatariam de
imediato que perderiam sua qualidade de bem não somente seus estoques de
casca de quina, mas também, em consequência disso, os dispositivos e
equipamentos que só encontram utilização na produção de quinina, e, da
mesma forma, a prestação de serviços com a qual até agora ganhavam a vida,
pois tudo isso já não teria nenhum nexo causal com a satisfação de
necessidades humanas (como a cura de determinadas doenças). Se, por força
de uma mudança no gosto das pessoas, desaparecesse totalmente a
necessidade de consumir fumo, não somente perderiam sua qualidade de bem
todos os estoques de fumo já prontos para o consumo, como também as folhas
de tabaco em estado natural, as maquinas, dispositivos e equipamentos que só
encontram emprego no processamento desse produto, os serviços específicos
utilizados nesse tipo de indústria, os estoques disponíveis de sementes de
tabaco etc. Deixariam de ser bens inclusive os atualmente tão bem
remunerados serviços dos agentes de tabaco que, em Cuba, Manila, Porto
Rico, Havana etc., demonstram habilidade especial na compra desse produto,
bem como os serviços específicos de tantas pessoas empregadas, nesses países
longínquos e na Europa, na fabricação de charutos.
[...]
Esse fenômeno, aparentemente tão complexo, encontraria sua
explicação simples no seguinte: todos os citados bens derivam sua qualidade
de bem de seu nexo causal com o atendimento da necessidade humana
concreta de consumir fumo; ora, com o desaparecimento dessa necessidade,
desaparece também um dos fundamentos que lhes assegura a qualidade de
bem59.
Portanto certos bens podem ser processados, observando uma ordem para que são
talhados ou para uma progressiva transformação, utilizados para a satisfação das necessidades
humanas, que não é arbitrário, mas obedece às leis da causalidade, como ocorre com outros
processos de transformação, por isso tem-se no conceito de causalidade um elemento
inseparável o tempo. Todo processo de mudança ou transformação significativa, é um ‘vir a
ser’, um surgir, um tornar-se, e isso só é possível dentro do tempo.
Verifica Menger que nos lugares em que não estão presentes bens individuais isolados,
mas um conjunto de bens de diversos tipos que atendem aos objetivos das pessoas, conjunto de
bens dos quais os indivíduos dispõem ora de forma direta, ora de maneira indireta, sendo que
apenas tomados em conjunto, esses bens são capazes de atender ao conjunto de suas
necessidades e, consequentemente, de assegurar a conservação de suas vidas e bem-estar. O
59 MENGER, op. cit. continuação páginas anteriores.
32
conjunto dos bens de que dispõe o individuo para o atendimento de suas necessidades, soma de
bens e direitos, deduzidas as obrigações, passou a ser denominado patrimônio, em um simples
ou complexo valor econômico.
1.1.3 ‘Ação' como patrimônio
Patrimônio contemporaneamente passa a ser compreendido como uma imagem virtual de
necessidades, um conjunto harmônico, cujos componentes essenciais não podem ser
diminuídos nem ampliados, sob pena de afetar a consecução do objetivo global.
O homem civilizado, evoluído, distingue-se dos demais indivíduos, sobretudo pelo
empenho em assegurar-se dos meios para o atendimento das suas necessidades, não mais
somente das denominadas necessidades básicas, por curto período, mas por épocas seguidas,
quiçá por toda a vida. Via de regra, vão mais além, preocupando-se em garantir o atendimento
daquele que iniciou a constituição do patrimônio, mas transmitiu, legando às futuras gerações
para atender, de alguma maneira, variadas necessidades.
Para onde se desejar olhar, observa-se que os povos civilizados possuem um complexo
sistema de previsão para o atendimento das necessidades humanas, com a preocupação na
satisfação das obrigações consideradas essenciais. Em muitas oportunidades, transformando-se
em previdência, quando o sentido de previdência é para atender as necessidades do homem,
passando a entender que a demanda de uma pessoa, e dos grupos, na quantidade de bens
necessários para satisfazer a todos num certo período de tempo. Esse olhar tem sempre em mira
o futuro, dai estender esse atendimento a longo prazo, e também por esses motivos passou a
entender e denominar de previdência.
A preocupação dos homens para atender a satisfação de suas necessidades, presentes e
futuras, transforma-se num constante esforço, concomitante para obter segurança. Busca-se
estabilidade social, econômica e financeira, como uma garantia de que haverá o suficiente para
os tempos vindouros. Institui-se a previdência, para ser o atendimento da sobrevida num
horizonte de imprevisibilidade, ou em momento de possível adversidade futura. Entende-se e
se pode denominar essa demanda, de uma pessoa ou de grupo, por aquela quantidade de bens
indispensáveis para satisfazer as necessidades humanas por um certo período de tempo, de
‘previdência’, reconhecendo um duplo pressuposto, ter em mente que:
33
a) devemos ter clareza sobre a nossa demanda, ou seja, sobre as quantidades
de bens de que precisamos para atender as necessidades nos espaços de tempo
em que se estende nossa previdência;
b) devemos ter clareza sobre as quantidades de bens de que dispomos
atualmente para alcançar o objetivo acima60.
Toda a atividade humana observa uma orientação para a satisfação de suas necessidades.
Esse esforço particular poderá resultar em êxito ou não, com diferentes graus em cada caso.
Qualquer que seja o reparte dos bens que se colocam nas referidas relações, a demanda da parte
dos membros da sociedade não será coberta, ou o será parcialmente, de modo que esses
indivíduos terão um interesse com referência à quantidade fracional de bens disponível.
Diametralmente oposto ao interesse daqueles indivíduos que já se apropriaram dessa parcela de
bens e com isso surge a necessidade de uma previdência que a sociedade assegure proteção
legal aos indivíduos que conseguiram apossar-se legitimamente da referida parcela de bens,
contra os ataques dos demais indivíduos.
Na busca de bens, depara-se com a oferta, que muita vez é menor do que a respectiva
demanda, havendo seria interferência na consecução da formação da propriedade, próxima ao
conceito considerado marxista de bem econômico, como tudo aquilo que é fruto do trabalho
humano e possui um valor de uso e de reprodução. O exame à luz da perspectiva da economia
política, tem-se o excedente social como dado essencial. Raciocinando no campo da economia,
eliminar a instituição da propriedade só seria possível se ao mesmo tempo houvesse capacidade
de aumentar a quantidade de todos os bens econômicos ao ponto de se poder atender por
completo à demanda de todos os membros da sociedade, ou então, se todos fossem capazes de
diminuir as necessidades humanas até o ponto em que as quantidades disponíveis desses bens
fossem suficientes para atender plenamente a todos, gerando uma nova ordem econômica.
Obviamente que aqui não é o espaço para discutir quão complexo assunto, que já
proporciona uma profusão de discussões e teses, que não se propõe aguçar neste trabalho.
Contudo, não obstante as discussões sobre as várias teorias a respeito, continua viva a figura da
propriedade, do patrimônio, permitindo uma abordagem para dar um toque sobre o mesmo,
porque não foi abolida da vida dos indivíduos, e contemporaneamente é manejado quando
ventila-se o exame dos ‘bens’, também introduzidos na direção para atender a hipótese de
utilização de bens de capital.
60 MENGER, Carl. Princípios de Economia Política, pp. 257 seguintes.
34
Os valores mobiliários advindo das sociedades anônimas, e de igual maneira acontece
com relação as sociedades de economia mista porque negociam suas ações no mercado de
capitais, convivendo com os mecanismos das bolsas de valores, de balcões, corretoras,
instituições financeiras, embarcados em um sistema de distribuição de valores mobiliários que
proporciona comercialização dos títulos emitidos pelas empresas nesses ambientes, que podem
ser considerados ou denominados simplesmente ‘mercado’, ambientes onde são viabilizados os
respectivos negócios.
Hodiernamente esse mercado de capitais se comunica com a denominada rede de
previdência privada, que visa a garantia, inclusive e em especial constituir uma “poupança” a
ser administrada para assegurar a proteção das pessoas quando aposentadas, ou incapacitadas
de produzir sob o molde econômico tradicional.
Essa reunião de capitais visa compor um lastro financeiro patrimonial para proporcionar
uma melhor sobrevivência dos seus associados. Esse lastro também é entendido como riqueza,
que, por sua vez sinaliza uma sustentação advinda do desenvolvimento das atividades
econômicas, concebendo-o como um “bem econômico”, porque passa se um objeto útil, sob
determinado preço, encontrado nas ‘prateleiras’ do mercado de capitais, regido por leis
próprias.
1.1.4 O povo (o cidadão) e o Estado
Apesar da constante discussão a respeito de conceitos atinente a povo, população,
habitante, cidadania, face a intensidade dos movimentos migratórios em diversas áreas do
planeta, esses conceitos vêm adotando novas configurações. A migração gerada pela
mobilidade interna e externa, afeta o caráter da nacionalidade, e o vínculo formal com a
legislação de cada país, mas é de aproveitar a conjugação do entendimento sobre população que
se vincula aos aspectos demográficos e recenseamento.
Definida como um todo, a população é uma coleção de seres humanos. Ela é
um conjunto finito e, portanto, num dado momento, “recenseável”. Esse ponto
é bastante significativo porque, se a população pode ser contada, implica que
dela podemos ter uma imagem relativamente precisa. Ainda que essa imagem,
um número, não possa ser (como não é) estável, pois se modifica o tempo
todo. Contudo, é por esse número que a organização que realizou o
recenseamento dispõe de uma representação da população. Sem dúvida é uma
representação abstrata e resumida, mas já satisfatória para permitir uma
intervenção que busca a eficácia. O recenseamento permite conhecer a
35
extensão de um recurso (que implica também um custo), no caso a população.
Nessa relação que é o recenseamento, por meio da imagem do número o
Estado ou qualquer tipo de organização procura aumentar sua informação
sobre um grupo e, por consequência, seu domínio sobre ele.[...] No período
contemporâneo, o registro se aperfeiçoou e todos os Estados modernos
possuem fichas individuais que constituem enormes fichários, normalmente
colocados no computador, para maior comodidade. Esse instrumento de
controle é ambíguo pois, se é útil em diversas situações, a tentação de usa-lo
para intervenções negativas é enorme. Em geral, a organização que o detém
não consegue resistir ao desejo de explora-lo para afirmar ou reforçar sua
posição. Mas o Estado não é o único em causa; as empresas, as igrejas e os
partidos dispõem de vastos repertórios nominativos para usar em suas
propagandas. Tudo é inventariado, repertoriado. O fichário demográfico é um
instrumento temível nas mãos das organizações. [...] Mas a essa empresa do
poder corresponde a resistência ao poder, e talvez aí resida o caráter
ambivalente da população. A população é concebida como um recurso, um
trunfo, portanto, mas também como um elemento atuante. A população é
mesmo o fundamento e a fonte de todos os atores sociais, de todas as
organizações. Sem dúvida é um recurso, mas também um entrave no jogo
relacional. Entre os povos antigos, e particularmente em Israel, o
recenseamento é um ato sagrado [...]61.
Nos movimentos econômicos da sociedade estão presentes o cidadão e o Estado agitando
relações econômicas, e ao mesmo tempo, apresenta-se o governante representando a
coletividade para atender seus interesses, administrando as necessidades das pessoas como
magistrado supremo, apaziguando rivalidades para estabelecer um equilíbrio social, cuja
harmonia leva a estabilidade e a paz social, atendendo as relações politicas e a conveniência do
cidadão em geral.
No bojo da sociedade contemporânea os interesses políticos e sociais estão cada vez mais
sendo divididos em múltiplas áreas de trabalho. Da mesma forma acontece com relação ao
capital, levando-o para atender a população e a compreensão dessa divisão econômica, que de
forma conduz a força de trabalho a se adequar a essa correspondente divisão política.
A história universal descrita cientificamente, como um ponto de vista narrativo ou
didático, só se efetiva na medida em que for porta voz da civilização, e essa, por sua vez só é
possível e pensável, como expressão de sociedade mundial unificada, sujeito de uma história
universal no sentido estrito. Uma razoável unidade politica entre as nações e a vigência de
modelos de organização social que gozem de certa homologia estrutural, respeitadas que sejam
as condições e tradições que caracterizam as particularidades históricas dos diversos grupos
humanos62, na busca de acomodar não se pode abandonar o combate as injustiças, eliminando
61 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução Maria Cecilia França. Ática. 1993, p.p. 67/70. 62 VAZ. op. cit. p.p. 124-125.
36
os fossos de hostilidades que impedem a fruição do bem geral da nação, como pondera
Moncada:
Uma concepção do Estado distingue-se das outras consoante o fim
prosseguido. Qual será o fim do Estado para a concepção liberal? É a liberdade
individual. Segundo esta concepção, o Estado é tanto mais perfeito quanto
mais permite e garante a todos o desenvolvimento da liberdade individual.
Dizer que o Estado tem como fim o desenvolvimento da liberdade individual
significa também dizer que não tem um fim próprio, coincidindo o seu fim
com os fins múltiplos dos indivíduos. A tarefa do Estado não consiste,
portanto, em prescrever fins para cada cidadão, mas em atuar de modo a que
cada um possa alcançar livremente os seus próprios fins individuais; o Estado
deve garantir para cada individuo uma esfera de liberdade de maneira que,
dentro dela, cada um possa, segundo as suas capacidades e talento, prosseguir
os fins que lhe aprouverem. O Estado liberal não se preocupa nem com a
salvação da alma nem com a virtude nem com o bem-estar econômico, mas
só com a garantia das condições externas para que cada cidadão possa
prosseguir os seus fins individuais. Como diria Kant, o Estado nunca utiliza o
individuo como um meio para um fim estatal, mas cria apenas as condições
para que ele possa dar-se a si mesmo o seu próprio fim, usando corretamente
a sua liberdade.
Nesta conformidade, o Estado só pode exercer as atividades econômicas que
produzem utilidades coletivas, pelas quais não se pode cobrar um preço ou
aquelas pelas quais os privados se desinteressaram. Tudo o resto são
atividades naturais da Sociedade civil63.
Essa afirmação de Moncada depura a liberdade e limites do Estado. É natural que as
atividades econômicas produzem utilidades a fim de atender as pessoas, a coletividade, e ao
mesmo tempo preservar os interesses sociais, e o Estado venha atender atividades necessárias
ao conjunto social que não sejam ofertadas pelo empreendedor privado. O conjunto de medidas
que em geral dão lastro a constituição de politicas econômicas, lembra as medidas adotadas
pelo Estado visando certos objetivos indispensáveis a qualquer país, para atender o progresso,
o desenvolvimento, o crescimento, a estabilidade econômica, a melhor distribuição de renda, a
busca do pleno emprego, a justiça social, a previdência social e outros, tendo sempre como
centro o homem, o cidadão.
Nessa mesma reunião apresenta-se como relevante o controle e ou o combate da inflação,
bem como evitar outras mazelas que corroem a economia do país, quando não tratados
adequadamente através de políticas econômicas, que geram enfermidades sociais. Por isso
diretrizes devem ser traçadas pelo Estado em favor do povo, da coletividade (do cidadão) – para
estabelecer um equilíbrio socioeconômico, em um bom convívio entre os setores público e
privado.
63 MONCADA, op. cit. p. 23.
37
Os economistas dividem a ciência econômica em duas partes: a economia positiva, que é
aquele referente a formulação das teorias, ao processo de investigação cientifica, a aplicação
dentro da sociedade, envolvendo a teoria econômica, a denominada economia aplicada; e a
economia normativa, que diz respeito à regulação da atividade econômica e à fixação de suas
diretrizes básicas, como a doutrina e a politica.
A Política Econômica, em sentido amplo, pode ser considerada como um conjunto de
ações adequadas dirigidas racionalmente para a obtenção de determinados resultados de
natureza econômica em comunidade. Quando o Estado é o emissor dessas diretrizes, os
especialistas registram o nascimento de uma política econômica estatal, denominada de política
macroeconômica, significando que o Estado pratica variáveis econômicas com objetivos
globais a serem atingidos, desdobradas em políticas de natureza variada, envolvendo políticas
anti-inflacionária, financeira, de comércio exterior. Tem-se, também, as que envolvem
mercados de capitais, de seguros e previdência privada, e as abrangendo setores da agricultura,
abastecimento, energético e cada vez mais, desdobrando-se e surgindo outros setores.
A partir das necessidades do Estado e da sociedade idealiza-se políticas econômicas,
traçando diretrizes fundamentais da economia com vistas à realização de certos objetivos, como
a estabilidade econômica, ou até mesmo para suprir certas insuficiências do mercado, variando
de acordo com o sistema no qual se insere as necessidades reivindicadas, existentes, à época.
Nesse sentido, a Política Econômica é um reflexo do contexto social que lhe deu origem que se
procura atender satisfatoriamente.
Afirma-se que o Estado até o momento denominado neo-concorrencial ou
intervencionista, é uma marca do sistema capitalista na passagem do século XIX para o século
XX, com a função de produção do direito e segurança.
O momento neo-concorrencial ou intervencionista o Estado passou a funcionar como
instrumento de implementação de políticas públicas, que não deve ser tomada em termos
absolutos, pois nem sempre a instituição de políticas públicas vai ao encontro das aspirações
coletivas. Observa-se que o Estado moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico,
sofrendo alterações no tempo, no seu modo de atuar, incialmente voltado à constituição e à
preservação do modo de produção social capitalista, posteriormente à substituição e
compensação do mercado, que no modo de ver de Moncada64:
64 MONCADA, op. cit. pp. 28-29.
38
O liberalismo pretendeu retirar ao espaço da convivialidade social toda
a nota de coactividade baseada na autoridade real e senhorial, transformando-
a hoc sensu de sociedade política em sociedade civil. A economia aparece
assim como um terreno politicamente neutro, baseado em relações não
políticas, mas sim de mercado cujo pressuposto não é o poder unilateral e
personalizado, mas a troca impessoal e abstrata de mercadorias através do
contrato. A troca é o critério de constituição de um novo tipo de sociedade; a
Sociedade Civil. Trata-se de substituir a divisão (política) da sociedade em
diferentes classes de cidadãos exercendo certas delas a autoridade soberana
sobre as outras pela homogeneidade das “leis sagradas dos contratos” alheias
às diferenças entre as liberdades individuais.
Nestas condições, a (generalidade e abstração da) lei assume a verse de
mediador das relações econômicas, agora civis e não politicas, isto é,
mediatizadas pela norma e não pela autoridade. Para tal e a querer manter a
sua neutralidade política a lei despe-se do seu caráter de diktat a fim de dar
testemunho de um consenso racional que possa estimular e legitimar a troca,
que o mesmo dizer o livre encontro das vontades de sujeitos jurídicos
independentes. A normatividade das relações econômicas transforma-se do
mesmo passo de concreta numa normatividade abstrata, pois que o teor da
atividade econômica não é determinado pelo carisma da autoridade régia e
senhorial mas sim pelo livre exercício da vontade privada, que é uma noção
abstrata, encabeçada por cidadãos fungíveis entre si, iguais de condição,
porque identificados pelo seu desempenho e não pela sua qualidade individual
e legitimados para o exercício de atividades econômicas pela sua
racionalidade e zelo e não pelo seu estatuto social e político. Só mais
tardiamente a crítica marxista viria demonstrar que são as condições materiais
concretas da relação de cada individuo com os meios de produção que
determinam fundamentalmente o conteúdo das relações jurídicas abstratas,
pondo em destaque que afinal a igualdade (formal) burguesa mais não era do
que mobilidade dentro de condições socioeconômicas predeterminadas.
A atividade econômica deixa igualmente de ser o ambiente natural dos
interesses parcelares de certos indivíduos e de certas classes, legitimados pela
sua qualidade pessoal ou de grupo e nessa medida se generalizou ao conjunto
do tecido social indiferentemente considerado.
Essa compreensão encaminha para um conjunto de interesses no âmbito de um grupo
social mais largo, com novos interesses, compatibilizando para o surgimento de uma sociedade
emancipada, integrada por indivíduos independentes, exercitando manejos, intercâmbio entre
si, livre de encargos corporativistas e estatais, exprimindo-se indiferente através do mercado e
com único critério de justiça, que passa ser a sociedade civil na linguagem de Moncada,
praticando uma eficiência individual, emergindo uma visão de independência como
característica essencial do cidadão, como uma plenitude dos direitos políticos do cidadão.
Ao mesmo tempo o mercado é visto como resultado do jogo espontâneo da atividade
privada, não ainda como o resultado da intervenção ponderada dos poderes públicos, como
sucederia mais tarde, no prognóstico de Moncada, que a generalidade e abstração da norma
afiguram-se, conclusivamente, como os garantes da cidadania da sociedade civil liberal no
mundo do direito.
39
A ascensão da sociedade civil ao universo jurídico exigiu a atribuição às normas jurídicas
de um conteúdo geral e abstrato, exprimindo ao mesmo tempo racionalidade do conteúdo da
norma e não a mera vontade do seu autor, fazendo consistir uma liberdade civil na obediência
às leis. Habermas65 dita que diante das crises, transtornos que se produzem na integração do
sistema, colocando em risco a sua continua existência, isto é, a integração social, o Estado passa
a perseguir o fim declarado de conduzi-lo para evita-las. Assim, o Estado tem de cumprir
funções que não pode se explicar mediante a invocação das premissas da existência continua
do modo de produção, nem se deduzir do movimento imanente do capital. Daí a identificação
de categorias de atividade estatal, a fim de constituir e preservar o modo de produção, certas
premissas de existência contínua hão de ser realizadas.
O Estado deve garantir o sistema de direito civil, com as instituições básicas da
propriedade e da liberdade de contratar. Deve proteger o sistema de mercado contra efeitos
secundários autodestrutíveis – jornada especial de trabalho, legislação antitruste, estabilização
do sistema monetário, assegurando as premissas da produção dentro da economia global – tais
como educação, transportes e comunicações. Deve promover a capacidade da economia
nacional para competir internacionalmente – política comercial e aduaneira – a conservação da
integridade nacional, no exterior com meios militares e, no interior, mediante a eliminação
paramilitar dos inimigos do sistema. Para complementar o mercado, o sistema jurídico deve ser
adequado a novas formas de organização empresarial e da manipulação do sistema fiscal, sem,
porém, perturbar a dinâmica do processo de acumulação66.
A afetação do principio de organização da sociedade, segundo Grau67, como o surgimento
de um setor público estranho ao sistema, compensa disfunções do processo de acumulação que
se manifestam no seio de certas parcelas do capital, da classe operaria ou de outros grupos
organizados, produtoras de reações que se procuram impor pelas vias políticas. Afirma ele que
a ideia de intervenção tem como pressuposto a concepção da existência de uma cisão entre
Estado e sociedade civil. E, assim, então, ao “intervir”, o estado entraria em campo que não é
seu, campo estranho a ele, o da sociedade civil – isto é, o mercado.
Assevera Grau 68 que: “Tendo em vista a substituição do mercado, em reação frente a
debilidade das forças motrizes econômicas, reativa a fluência do processo de acumulação, que
65 HABERMAS, J. A crise de legitimação no capitalismo tardio. Ed. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro. 1980. 66 HABERMAS, J. Legitimationsprobleme im Spatkapitalismus – (A crise de legitimação no capitalismo tardio)
– trad. Vamireh Chacon, Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1980. 67 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 - Malheiros Editores, 13a. ed., 2008. 68 Op. cit.
40
já não resta, então, abandonado a sua própria dinâmica, criando novas situações econômicas
[...]”. A liberdade econômica abriu campo às manifestações do poder econômico, levando a
reflexão a respeito do princípio de que “todos são iguais perante a lei”, o que levaria a certa
inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as relações sociais são reais69.
Mostram os historiadores que há divisão de trabalho desde que a humanidade existe. A divisão
é tão inata quanto o trabalho. Se Smith não foi o primeiro a compreender as implicações da
divisão de trabalho, pelo menos, foi, possivelmente um dos primeiros a compreender as
múltiplas implicações da divisão de trabalho70. Assim se deu conta de que todos os comércios,
desde que realizados com liberdade, são por definição mutuamente benéficos. E que o preço
real de cada coisa, ou seja, o que ela custa à pessoa que deseja adquiri-la é o trabalho, e o
incômodo que custa a sua aquisição. O valor de cada coisa, para a pessoa que a adquiriu e deseja
vendê-la ou trocá-la por qualquer outra coisa, é o câmbio daquelas sociedades em que ainda
não se realizou qualquer acumulação de capital e onde a única categoria de rendimento seria a
remuneração do trabalho.
O fato é que, caso a economia de mercado ficar solta, sem controle, sob sua própria
vontade, ela desenvolverá procedimentos que acarretará significativos males para o conjunto
social. Portanto, a compreensão, que, aqueles singelos procedimentos de troca, que foram
exercitados nos primórdios da humanidade, despidos de ganância, não são os mesmos que a
economia de mercado desenvolve agora. Para Polanyi: “Por mais paradoxal que pareça não
eram apenas os seres humanos e os recursos naturais que tinham que ser protegidos contra os
efeitos devastadores de um mercado auto regulável, mas também a própria organização da
produção capitalista”71.
69 SMITH, Adam: ... do “governo”, o verdadeiro fim é defender os ricos contra os pobres, como se vê na “A
Riqueza das Nações – Investigação sobre sua natureza e suas Causas”. 70 SMITH, Adam. Riqueza das Nações. 71 POLANYI, Karl. A grande transformação – As origens da nossa época, Elsevir – Campus. [...] “A civilização
do século XIX se firmava em quatro instituições. A primeira era o sistema de equilíbrio de poder que, durante um
século, impediu a ocorrência de qualquer guerra prolongada e devastadora entre as Grandes Potencias. A segunda
era o padrão internacional do ouro que simbolizava uma organização única na economia mundial. A terceira era o
mercado auto-regulavel, que produziu um bem-estar material sem precedentes. A quarta era o estado liberal.
Classificadas de um certo modo, duas dessas instituições eram econômicas, duas, politicas. Classificadas de outra
maneira, duas delas eram nacionais, duas internacionais. Entre si elas determinavam os contornos característicos
da história de nossa civilização. Dentre essas instituições o padrão-ouro provou ser crucial: sua queda revelou-se
a causa mais aproximada da catástrofe. Por ocasião da sua derrocada, a maior parte das outras instituições tinham
sido sacrificadas, num vão esforço para salva-lá. Todavia, a fonte e matriz do sistema foi o mercado auto-regulavel.
Foi essa inovação que deu origem a uma civilização especifica. O padrão-ouro foi apenas uma tentativa de ampliar
o sistema domestico de mercado no campo internacional; o sistema de equilíbrio de poder foi uma superestrutura
erigida sobre o padrão-ouro e parcialmente nele fundamentada; o estado liberal foi, ele mesmo, uma criação do
mercado auto-regulavel. A chave para o sistema institucional do século XIX esta nas leis que governam a economia
de mercado. [...]
41
Não restam dúvidas que o mercado apareceu inicialmente para regular a troca local, muito
antes que qualquer economia semelhante, tendo por base objetiva o lucro, como resultado dos
negócios travados. Observa-se que os atores no palco econômico tem em mente cálculos, que
entendem ou desenvolvem para ajustar o que denominam “racionalidade” para as economias
de mercado, como uma exigência para a maximização do lucro, valendo a advertência de
Grau72, com relação a dicção de que a exigência de um sistema de normas jurídicas uniformes
e de um sistema de decisões políticas integrado em relação a determinado território, é essencial
para o funcionamento e o desenvolvimento dos mercados.
Nesse mesmo rumo, ou, de modo mais geral, que a coletividade participa na distribuição
dos bens e das oportunidades nascidas pelos mercados, o que leva ao interesse ou a necessidade
de atende-la através de um modelo do Estado Social. Analisando o assunto relativo ao modelo
jurídico do Estado Social, diz Moncada73 que:
Cedo, porém, se alteraram as notas características do Estado liberal.
O Estado alargou-se a todas as esferas da atividade, com destaque para a
economia e a sua atividade assumiu finalidades próprias, distintas das dos
indivíduos. A atividade econômica deixou de ser mais um sector
indiferenciado da atividade privada geral para passar a ser objeto específico
da atividade conformadora dos poderes públicos, e do mesmo passo a ciência
econômica deixa de ter por objeto o simples estudo do compromisso
(econômico) do individuo e passa a abranger também o do Estado.
O Estado atual surge-nos como um agente de realizações que se
reportam principalmente ao domínio da economia, na qualidade de
responsável principal pela condição e operatividade das forças econômicas,
enquanto verdadeira alavanca da sociedade atual. Assume com frequência
formas de atividade organizada em ordem à produção e distribuição de bens e
serviços, submetida por vezes à concorrência das empresas privadas.
As causas desta transição são de vária ordem e reportam-se, sobretudo,
a aspectos sociais e políticos. O seu estudo não revela pois da nossa disciplina,
só nos interessando os aspectos jurídicos do fenómeno.
Atento ao Estado Social Moncada no que concerne a certo objeto, alerta que não se busca
eleger um corresponde igual a um determinado modelo jurídico e ou a uma ideologia, apenas
utilizar traços essenciais que estão a mostrar em determinados esteios da vida, diminuição
progressiva da distinção entre o direito público e o direito privado, a funcionalização crescente
da autonomia privada à vontade dos poderes públicos bem como o papel positivo da norma
jurídica na conformação da vida econômica e social74, pois, a intervenção do Estado transborda
os serviços públicos tradicionais produtores de utilidades coletivas destinadas a satisfazer
72 GRAU, Roberto Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13a. ed. – 2008, p. 29. 73 MONCADA, op. cit. p. 31. 74 MONCADA, op. cit. p. 31.
42
necessidades essenciais, e abrange setores não apenas sociais, também econômicos, secundada,
por vezes, por uma atitude contrária ao capitalismo privado e apostada numa alteração das
relações de produção.
Acostando-se as considerações de Weber75, que as exigências de calculabilidade e
confiança no funcionamento da ordem jurídica e na administração constituem uma exigência
vital do capitalismo racional; que o capitalismo industrial depende da possibilidade de previsões
seguras, que deve poder contar com estabilidade, segurança e objetividade no funcionamento
da ordem jurídica e no caráter racional e, em principio, previsibilidade das leis e da
administração, o que converge para a busca de uma segurança jurídica, destacando que:
A organização industrial racional, voltada para um mercado regular e
não para as oportunidades especulativas de lucro, tanto políticas como
irracionais, não é, contudo, a única peculiaridade do capitalismo ocidental. A
moderna organização racional das empresas capitalísticas não teria sido
possível sem dois outros fatores importantes em seu desenvolvimento: a
separação dos negócios da moradia e, estritamente ligada a isso, uma
contabilidade racional.
Observa Ferdinand Lassalle76 que ao final do absolutismo a pequena burguesia passa a
almejar em benefício do seu comércio e de suas incipientes indústrias, a ordem e a tranquilidade
pública, e ao mesmo tempo, a organização de uma justiça correta dentro do país, auxiliando o
príncipe, para consegui-lo, com homens e com dinheiro. E, discursando para intelectuais e
operários em 1863, na antiga Prússia, indaga aos ouvintes, “O que é uma Constituição?”: Qual é a verdadeira essência de uma Constituição? Em todos os lugares e a
qualquer hora, à tarde, pela manhã e à noite, estamos ouvindo falar da
Constituição e de problemas constitucionais. Na imprensa, nos clubes, nos
cafés e nos restaurantes, é este o assunto obrigatório de todas as conversas.
E, apesar disso, ou por isso mesmo, formulamos em termos precisos esta
pergunta:
Qual será a verdadeira essência, o verdadeiro conceito de uma Constituição?
Estou certo de que, entre essas milhares de pessoas que dela falam, existem
muito poucos que possam dar-nos uma resposta satisfatória.
Muitos, certamente, para responder-nos, procurariam o volume que fala da
legislação prussiana de 1850 até encontrarem os dispositivos da Constituição
do reino da Prússia.
Lassalle afirmou: “O conceito da Constituição – como demonstrarei logo - é a fonte
primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucionais”. O referido discurso faz remeter
75 WEBER, Max, A Gênese do Capitalismo Moderno, Ática, 2006. 76 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Freitas Bastos Editora.
43
a possíveis indagações assemelhadas, numa busca de diálogo com o povo, desejosos de uma
sintonia de linguagem, visando conhecimento e compreensão.
A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, vinculado a noção e
importância da Constituição, na medida em que é através dela que buscou realizar o ideal de
liberdade humana com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o
poder político, opondo-se a governos arbitrários, independente de época e de lugar77. O Direito
Constitucional está intimamente ligado ao triunfo político das revoluções liberais do século
XVIII, tanto americana quanto francesa, animou a oportunidade do surgimento das
Constituições americana de 1787 e a francesa de 1791 despontando os primeiros paradigmas
de documentos escritos e solenes78.
O surgimento do Estado moderno caminhou lado a lado com a monopolização pelo rei e
com o poder militar e do poder de tributar, daí pertinente a observação de Jorge Miranda79
que
não causa surpresa o fato de a Constituição surgir com natureza, significação, características e
funções diversas consoante as diferentes correntes doutrinais que atravessam os séculos.
[...] Chama-se também Direito político, por essas serem normas que se
reportam direta e imediatamente ao Estado, que constituem o estatuto jurídico
do Estado ou do político, que exprimem um particular enlace da instância
política e da instância jurídica das relações entre os homens.
Qualquer Estado, em qualquer época e lugar, postula sempre normas
com tal função. O que não podem deixar de variar são a intensidade, a
extensão e o alcance dessas normas e as funções conexas ou complementares
que se lhes prendam. E variam não apenas em virtude das condições gerais de
conservação ou de modificação do ordenamento, mas sobretudo em virtude
dos fins e dos modos de exercício do poder e das posições recíprocas de
governantes e governados (em que consistem os regimes, as formas de
governo, os sistemas políticos).
Falando em Direito constitucional, pensa-se mais na regulamentação
jurídica, no estatuto, na forma de Direito que é a Constituição. Falando em
Direito político pensa-se mais no objeto da regulamentação.
Como Constituição nesta acepção se afigura inerente ao conceito ou
indissociável da existência do Estado, dir-se-ia de todo em todo indiferente
empregar o primeiro ou segundo qualificativo. Mas não é tanto assim, porque
cabe proceder a uma delimitação – resultante da experiência histórica e
exigida pelas necessidades de estudo.
Na verdade, ninguém ignora o marco representado na história do Estado
e do Direito público pelas revoluções dos séculos XVIII e XIX e suas
sequelas, as quais puseram termo ao Estado absoluto e abriram caminho a um
novo modelo ou tipo de organização política, o Estado constitucional,
representativo ou de Direito. E, doravante, do que se trata é, justamente, do
Direito constitucional do Estado constitucional, do Direito que aparece ligado
77 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 10ª. ed., JusPodivm. 2016, p. 29. 78 Idem, p. 43. 79 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra - Coimbra, 1991. v. 2, p. 53.
44
a uma Constituição (escrita, salvo na Grã-Bretanha), do Direito que se numa
Constituição com um conteúdo determinado e com uma força jurídica diversa
da dos outros corpos de normas do ordenamento80.
Na História do Direito81 situa o cruzamento de duas disciplinas – a História e a Ciência
Jurídica e, conforme as correntes ou os autores, o pendor é, umas vezes, para reduzir a História
do Direito a uma pura História, no mesmo nível da História política ou de qualquer outro
domínio da Ciência Histórica, e, outras vezes, para reduzir a História do Direito à Ciência
Jurídica, empregando o mais possível o método dogmático. A originalidade e o interesse da
História do Direito e da história de qualquer instituição de Direito público em particular estarão,
contudo, na capacidade dos seus estudos de fazerem um trabalho em que se conjuguem todas
as virtualidades de ambos os métodos, o histórico e o jurídico. E Miranda82 acrescenta que:
O Estado é uma sociedade política com indefinida continuidade no
tempo e institucionalização do poder significa dissociação entre a chefia, a
autoridade política, o poder, e a pessoa que em cada momento tem o seu
exercício; fundamentação do poder, não nas qualidades pessoais do
governante, mas no Direito que o investe como tal; permanência do poder
(como oficio, e não como domínio) para além da mudança de titulares; a sua
subordinação à satisfação de fins não egoísticos, à realização do bem comum.
A institucionalização é ainda a criação de instrumentos jurídicos de
mediação e de formação da vontade coletiva – os órgãos e figuras afins.
A coercibilidade não é uma característica geral do Direito, nem sequer,
porventura, do Direito estatal; mas é, em certa medida uma característica da
organização política estatal. Ao Estado cabe a administração da justiça entre
as pessoas e os grupos e, por isso, tem de lhe caber também o monopólio da
força física.
O Estado promove a integração, a direção e a defesa da sociedade, e por
arrastamento, a própria sobrevivência como um fim em si; essa preservação –
a segurança interna e externa, em particular – toma-se um fim específico;
surge o fenômeno burocrático; mesmo sem ser absoluto ou totalitário, o
Estado possui a sua mística de poder e justifica as suas ações em nome de
objetivos próprios; as instituições especializadas, adquirem autonomia.
Finalmente, o Estado requer continuidade não só no tempo, mas
também no espaço, no duplo sentido de ligação do poder e da comunidade a
um território e de necessária fixação nesse território. Está aí a sedentariedade.
In – em suma, o Estado é a resultante da existência de uma sociedade complexa e, por sua vez, um dos fatores de criação de uma sociedade cada vez
mais complexa.
Essa sociedade apresentada como complexa, convive com uma ordem pública constituída
por normas jurídicas que institui o núcleo mais expressivo Nicos Poulantzas [Jessop]83 chama
80 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. Editora Coimbra, 1997, p. 14. 81 Idem. Op. cit. p. 25. 82 Idem, op. cit. pp. 52-53. 83 JESSOP, Bob. O Estado, o Poder, o Socialismo de Poulantzas como um Classico Moderno. Revista de
Sociologia e Politica. V. 17, N. 33 : 131-144 JUN. 2009.
45
de “le beson de calcul de prévision”: quando os agentes econômicos, no interior de um mercado
extremamente complexo, no qual o ganho voltado à acumulação de capital joga um papel
preponderante, necessitam de uma justiça e de uma administração cujo funcionamento possa
ser, em principio, calculado racionalmente. Havendo uma necessidade de calibrar cálculos de
previsão, elaborar previas do que se tem e poderá ter em expectativa, ou simplesmente trabalhar
para obter determinado bem, sem certeza do quanto desse esforço.
A sociedade fomenta uma totalidade estrutural que constitui a ordem pública, segundo e
valendo-se da concepção de Poulantzas, como caracteres particulares, a constância e a
estabilidade, são fundamentais, e sem as quais não seria possível calcular, sendo uma
possibilidade e uma exigência do mercado. Nesse quadro, a ordem pública, como elemento de
racionalidade, apoiada na lei, garante os direitos constitucionais, como atende os particulares e
o próprio Estado na execução dos contratos, pois saber com certo grau de certeza que eles serão
respeitados, indispensável ao sucesso empresarial.
Fazendo considerações a respeito da obra de Poulantzas, Jessop mostra o Estado, o poder,
o socialismo84, entendendo como provocativa afirmação que mereceu, e ainda hoje fica sob
discussão. E o entendimento de Hermann Heller85 que com o desenvolvimento da divisão do
trabalho e das trocas impõe a segurança das trocas, identificando com aquilo que se costuma
chamar de certeza do direito, desagua na busca da segurança jurídica. Portanto a segurança das
trocas ou certeza do direito tornaram-se possíveis em decorrência de uma notável
calculabilidade e previsibilidade das relações sociais, que se tornam realizáveis somente se as
relações, e sobretudo as econômicas, forem veladas de modo crescente por um único
ordenamento, ou seja, emanado de um único ponto equidistante.
Matéria de alta complexidade e discussão, deflagra outras ideias e colocações que não se
pretende aqui fazer maiores prospecções, apenas traz pelo quanto abordado, sem pretender
endossar ou obliterar as aluídas construções e teorizações, mas ilustrar com alguns do quanto
pensado desse processo de racionalização social.
Desse modo, adverte-se que o moderno Estado de direito, nascido substancialmente de
uma legislação sempre mais ampla, com a necessária consequente consciência de imposição de
regras de comportamento social, que excluem a autotutela em um âmbito sempre mais vasto de
84 POULANTZAS, Nicos. Estado, o poder, o socialismo. São Paulo. Graal/Paz e Terra, 2000. 85 HELLER, Herman. Teoria Del Estado. Fondo de Cultura Economica. Mexico, 1942 – 7a. reimpressão, 1974.
46
pessoas e coisas, em opção por uma normatividade e execução centralizadas, levando em
consideração a observação de Elias86.
Segundo Franz Neumann (Liberal Legal Theory) um estudioso do capitalismo do Estado,
analisado por Rodriguez87, este vê que o cumprimento dos contratos não podia ser assegurado
sob a equidade, que, ao tratar da teoria jurídica liberal era sempre denunciada como
incompatível com a calculabilidade, o primeiro requisito do direito liberal, caminhando para o
direito moderno. Era necessário transformar-se a equidade em um sistema rígido de normas, a
fim assegurar a calculabilidade exigida pelas transações econômicas.
O mercado reclamava a produção de normas jurídicas pelo Estado que garantissem a
calculabilidade e confiança nas relações econômicas, essa necessidade justificou, ainda
segundo Neumann, havia limitação de poder da monarquia patrimonial e do feudalismo. Essa
limitação culminou na instituição do poder legislativo dos parlamentares. Da mesma forma,
nesse raciocínio, depara-se com a tarefa primordial do Estado numa criação de uma ordem
jurídica que torne possível o cumprimento das obrigações contratuais, a fim de atender o que
se estima como calculável dentro de uma expectativa para que as obrigações sejam cumpridas.
O quanto estudado por Rodriguez o entendimento de Neunmann, observa-se o ponto de
vista da equidade, retomado na medida em que cresce a concentração do poder econômico, e o
Estado passa a desenvolver atividades “intervencionistas”. Anota Avelãs Nunes que a
intervenção do Estado na vida econômica é um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto
para as empresas, identificando-se em termos econômicos, com um princípio de segurança, e
que:
[...] a intervenção do Estado não poderá entender-se, com efeito, como uma
limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas
(particularmente das grandes empresas), mas antes como uma diminuição de
riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da
acumulação capitalista88.
86 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador – Formação do Estado e Civilização. Tradução de Ruy Jungmann.
Jorge Zahar Editor. 2 v. 1993, p. 62. [...] A cristalização de normas legais gerais por escrito, que seria ou é parte
integral das relações de propriedade na sociedade industrial, pressupõe um grau muito alto de integração social e
formação de instituições centrais capazes de dar à mesma lei validade universal em toda a área que controlam, e
suficientemente fortes para exigir o cumprimento de acordos escritos. O poder que confere força aos títulos legais
e direitos de propriedade não é mais diretamente visível nos tempos modernos. Em proporção ao indivíduo, ele é
tão grande, sua existência e a ameaça que dele emana são tão axiomáticas que raramente é submetido a teste. É
esse o motivo por que há uma tendência tão forte a considerar a lei como algo que dispensa explicação, como se
tivesse sido baixada pelos céus, um ‘Direito’ absoluto que existiria mesmo sem o apoio dessa estrutura de poder
ou se a estrutura de poder fosse diferente. 87 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Franz Neumann, O Direito e a Teoria Crítica. www.scielo.br, 15.09.2016. 88 AVELÃS NUNES. Op. cit.
47
Essa concepção leva a um mercado como uma instituição jurídica constituída pelo direito
positivo, o direito posto pelo Estado moderno, levando ao entendimento de que o mercado
evolui das simples relações de troca, passando a expressar um projeto politico, como principio
de organização social, constituindo um eixo que atende a sociedade em um todo, avançando
para uma noção de mercado como atividade, como conjunto de operações econômicas e modelo
de trocas. Esse conjunto de atividades, envolve contratos, convenções e transações relativas a
bens ou operações realizadas no lugar, espaço que denominam mercado, num exercício, que se
pretende, ou se supõe haver a livre competição. Anuncia-se um modelo de mercado decorrente
da instituição jurídica, constituída pelo direito posto pelo Estado, destinado a uma garantia da
liberdade econômica.
A livre concorrência dita por Neumann89, precisa da generalidade da lei e do direito por
ser ela a mais lata forma de racionalidade. Necessita também de absoluta subordinação do juiz
ao direito, e daí a separação de poderes. Desse modo examina-se o método de produção social
capitalista, que elege como ratio fundamentalis do ordenamento político o lucro, numa
estruturação do direito positivo a seu serviço, para permitir a fluência da circulação mercantil,
para atender prioritariamente o consumidor final, a população em geral.
Na realidade, quando o mercado está solto, forte, concentra apenas o seu interesse. Nessas
circunstâncias necessário se desenvolver procedimentos de freios, para afastar ou reduzir essa
excessiva liberdade, através da implantação de travas, a fim de evitar estrangulamento no
atendimento de produtos para a sociedade. Nesse desenrolar, a comunidade resiste e reclama
da atuação estatal exatamente para garantir o abastecimento sob a influência do Estado, porém,
ou mesmo tempo, atuar minimamente, evitando o excessivo poder estatal.
No direito moderno o fundamento é objetivo, é a lei. O mercado evolui, passando a ter
lugar próprio, ajustando-se num contexto de organização social, que passa a ser
institucionalizado conformando-se com o direito posto pelo Estado, num intuito para exercitar
uma função segura, amparado de certeza jurídica, permitindo previsibilidade de
comportamentos e cálculo econômico.
O mercado significava a constituição de um espaço unificado organizado, que os liberais
o tomavam como um espaço unificado e homogêneo. Num exercício de força, quando a
89 RODRIGUES. Op. cit. – [...] Neumann (...) A tarefa primordial do Estado é criar um Estado legal que garanta a
execução dos contratos, pois uma parte indispensável para o sucesso empresarial é saber com certo grau
de certeza que os contratos serão respeitados, (...).
48
robustez política assume um projeto de autonomia e auto regulação da vida econômica, tem-se
um mercado que passa a se sujeitar ao controle do Estado, que por sua vez permite ser
racionalizado, pelo menos parcialmente. Comenta Novais90 que essa racionalização é:
[...] requerida essencialmente pelas necessidades de cálculo e segurança
inerentes à produção capitalista, projeta-se na exigência de racionalização das
funções do Estado e, em primeiro lugar, no controlo da Administração; um
estado racionalizado será um Estado cuja atuação é previsível, em que a
Administração está limitada por regras gerais e abstratas, em que as esferas de
autonomia dos cidadãos e a vida econômica não estão à mercê de ingerências
arbitrarias do Monarca, mas antes protegidas e salvaguardadas pelas decisões
racionais da sociedade esclarecida, representada no órgão da vontade geral.
No bojo dessas movimentações de entendimento dos negócios, tem-se ao mesmo tempo
o elemento da generalidade e da abstração da lei que garantem ao individuo combater a
arbitrariedade estatal, como indispensável ao cálculo e segurança inerentes à produção
capitalista, na busca de previsibilidade no comportamento dos agentes econômicos.
Isto conduz que cada agente econômico necessita de garantias contra o Estado, e contra
os outros agentes econômicos que atuam no mercado. Vale dizer, cálculo e segurança são
inerentes à produção capitalista que exigem garantias contra o Estado, inclusive quando agindo
num contexto de liberalismo político e em favor do mercado, quando também está inserido no
âmbito de liberalismo econômico.
A tônica é de que a lei deve assegurar garantia contra o Estado, especialmente quando se
defronta com posturas de liberalismo político, e, concomitantemente, é posta a serviço da
preservação do mercado, quando envolvido no âmbito de liberalismo econômico. Assim podem
anotar que emergem no campo da economia faces de liberdade pública e liberdade privada.
Dessas posturas colhe-se uma proteção que alcança as autonomias individuais dos agentes
econômicos, que podem ser traduzidos em termos diretos e incisivos como as autonomias
individuais dos produtores, outrora identificados como burgueses. Daí a necessidade de passar
aos juristas para dar fundamental importância no âmbito mercantil, o conceito de sujeito de
direitos, que supõe capacidade de contratar com indivíduos livres e iguais, aproveitando esse
ambiente evolutivo de comportamento, da existência da racionalidade jurídica do direito
moderno, afinando-se com a primazia das autonomias individuais, que envolve declarações de
direitos motivadas pelo movimento do constitucionalismo liberal, adotam-se técnicas,
90 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: Teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais.
Coimbra: Wolters Kluwer/Coimbra, 2010.
49
especialmente as que propõem a separação dos poderes, num contexto de legalidade,
envolvidos no principio político do liberalismo econômico, como mostra Cunha Júnior, e que:
Há direitos fundamentais que, não raro, dependem tão somente da
atuação normativa do Estado para ganharem sentido e apresentarem conteúdo
jurídico suficiente que possibilite o seu exercício pelo individuo. Nessas
situações, a função de prestação dos direitos fundamentais tem a missão de
prover o individuo de condições para exigir do Estado a imediata emanação
de normas concretizadoras e integrativas dos direitos carentes de regulação, e
nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação jurídica. Colhe-se, aqui,
o direito fundamental à prestação jurídica.
Por outro lado, há direitos fundamentais que têm por objeto uma
utilidade concreta ou um benefício material, consistente em um bem ou
serviço, a ser prestado pelo Estado. Já aqui, a função de prestação dos direitos
fundamentais tem a missão de prover o individuo de condições para exigir do
Estado a imediata realização de políticas públicas socialmente ativas, criando,
por conseguinte, as condições materiais e institucionais para o exercício
desses direitos, e nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação
material.
[...] de referência à função prestacional dos direitos fundamentais
sociais, o individuo goza do poder de exigir não só diretamente a prestação
amparada na Constituição, na medida dos limites fixados pela reserva do
possível (entendida esta como a existência de recursos econômicos
disponíveis), como também uma atuação legislativa concretizadora das
normas constitucional-sociais, na hipótese de omissão inconstitucional dos
órgãos de direção politica, dentro da perspectiva mais ampla do direito
fundamental à efetivação da Constituição, que legitima, segundo pensamos,
uma atuação mais ativa do Judiciário, ante os perniciosos efeitos da censurada
omissão inconstitucional91.
Desse entendimento constata-se uma função que consiste no dever do Estado de proteger
os titulares de direitos fundamentais perante terceiros, significando que o reconhecimento
constitucional de um direito implica também para o Estado, para além do dever de abstenção,
numa espécie de função de defesa.
O dever de prestação consistente na obrigação de adotar medidas positivas e eficientes,
vocacionadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais perante atividades de terceiros
que venham a afetá-los. O Estado tem o dever de proteger o direito à vida, à inviolabilidade do
domicílio ou sigilo de dados e o direito de reunião, apenas para citar alguns exemplos, de
eventuais agressões de outros indivíduos.
Paralelamente, o que se vê, quanto ao desempenho da função de integração e
modernização capitalista, originaria de acumulação, o Estado implementa a legitimação e a
repressão. No exercício da função de legitimação o Estado pretende atribuir ao sistema
91 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, p.p. 493-494.
50
capitalista e à sua ordem política o reconhecimento de que sejam corretos e justos. Neste sentido
que a legitimidade constitui uma pretensão de validez discutível, de cujo reconhecimento, ao
menos fático, depende também a estabilidade de uma ordem de dominação; enfatizando o fato
de que os problemas de legitimidade afetam as ordens políticas, as quais podem ter e perder
legitimidade.
Esse cenário do direito positivo propicia, proporcionando o instrumento da mediação, que
pode desempenhar um papel relevante no eixo constitucional. A Constituição formal, enquanto
sistema semântico ideologizado, constitui o modo de institucionalização que dá forma e
proporciona instrumentalidade através de ferramentas jurídicas para uma adequada, pertinente
interpretação do mundo numa ordem econômica, que é completada pela materialidade legal.
Extrai-se de Lassale92, que a Constituição é a expressão escrita dos fatores reais do poder
que regem uma nação; incorporados a um papel, já não são simples fatores reais do poder, mas
fatores jurídicos, são instituição jurídica. Daí a concepção da oposição entre constituição real e
a efetiva Constituição escrita. E ao abordar a Constituição Escrita e a Constituição Real,
asseverou que:
Quando num país irrompe e triunfa a revolução, o direito privado continua
valendo, mas as leis do direito público desmoronam e se toma preciso fazer
outras novas.
A Revolução de 1848 demonstrou a necessidade de se criar uma nova
constituição escrita e o próprio rei se encarregou de convocar em Berlim a
Assembleia Nacional para estudar as bases de uma nova Constituição.
Quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa e duradoura?
A resposta é clara e parte logicamente de quanto temos exposto: Quando essa
constituição escrita corresponder à constituição real e tiver suas raízes
nos fatores do poder que regem o país.
Onde a constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente
um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a
constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a
constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país93.
A expressão “folha de papel”, é uma alusão à celebre frase de Frederico Guilherme IV,
que: “Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem
para o futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel
escrita como se fosse uma segunda Providência”. Lassalle explica, que:
Em seu interesse, o príncipe irá diminuindo as prerrogativas e poderes
da nobreza; assaltará e arrasará os castelos dos nobres que resistam a obedecê-
lo ou que violem as leis do país, e quando, finalmente, com o tempo, a
indústria tiver desenvolvido bastante a riqueza pecuniária e a população tiver
92 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Freitas Bastos Editora. 93 Idem, op. Cit.
51
crescido de forma que permita ao príncipe possuir um exército permanente,
este príncipe enviará seus batalhões contra a nobreza, como fez Frederico
Guilherme I, em 1740, sob o lema:
“Je stabilirai la souveraineté comme un rocher de broncel.” (Vou
estabilizar a soberania como uma rocha de bronze – tradução nossa).
Ele obrigará a nobreza ao pagamento de impostos e acabará com a sua
prerrogativa de receber qualquer tributo94.
E Cunha Júnior95 ensina:
Constituição escrita ou instrumental, é aquela cujas normas – todas
escritas – são codificadas e sistematizadas, em texto único e solene, elaborado
racionalmente por um órgão constituinte. Vale dizer, cuida-se da Constituição
em que as normas são documentadas em um único instrumento legislativo, com força constitucional.
A Constituição escrita é produto das revoluções liberais do século
XVIII, que reivindicaram a consolidação de seus objetivos de liberdade e
limitação do poder em texto escrito e solene, pois essa seria a única forma
capaz de assegurar certeza, clareza e precisão de seu conteúdo e garantir
segurança aos governados contra o abuso dos governantes.
Diante essas situações a Carta Magna é o alicerce para fazer compreender e obter as
necessárias ferramentas para as soluções sociais, como impor a estabilidade política de forma
tê-la como boa e duradoura enquanto corresponder à constituição real, e encontrar suas raízes
nos fatores reais do poder hegemônico no país, evitando a instalação de conflito.
Pigmenta Cunha Júnior com Habermas96, que o patriotismo constitucional foi
amplamente difundido no meio acadêmico e político, produzindo de forma reflexiva uma
identidade política coletiva conciliada, com uma perspectiva universalista comprometida com
os princípios do Estado Democrático de Direito, defendido como uma maneira de conformação
de uma identidade coletiva baseada em compromissos com princípios constitucionais
democráticos e liberais capazes de garantir a integração e assegurar a solidariedade, com o fim
de superar o conhecido problema do nacionalismo ético, que por muito tempo opôs culturas e
povos97.
Acrescente-se, que a norma está muitas vezes a depender de uma interpretação, que não
advém especificamente do legislador, mas sim do juiz que é provocado para desatar a aplicação
da lei. Apresenta-se a figura do cidadão na sociedade, em um contexto constitucional, bem
94 LASSALE. Op. Cit. 95 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 10a. ed. JusPodivm, 2016. P. 105. 96 Jurgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão nos anos 80. 97 Idem. Op. cit., pp. 37-38.
52
aproximada do julgador, exercitando seu papel, como uma expansão e exigência da sociedade
contemporânea, como realça Cunha Junior98, e:
Mais do que coparticipante do processo de criação do Direito, o juiz
passa a desempenhar, por meio da interpretação constitucional, uma atividade
de atualização da Constituição, operando uma verdadeira mutação constitucional ou mudança informal do texto constitucional.
Assim, atualmente, falar do Judiciário como órgão também criador do
Direito é, como nota Cappelletti, afirmar “uma óbvia banalidade, um truísmo
privado de significado: é natural que toda interpretação seja criativa e toda
interpretação judiciaria ‘law-making’. Nesse sentido, Ross chega a propor
uma teoria jurídica de caráter realista (uma síntese do realismo psicológico e
do realismo comportamentista), na medida em que entende o Direito como um
fenômeno social determinado pela interpretação e aplicação das normas pelo
juiz. Vale dizer, para ele, o verdadeiro criador do Direito não é o legislador e
sim o juiz ao interpretar e aplicar a norma no caso concreto. Nesse particular,
Ross identifica-se com o realismo comportamentista (sociológico), cuja
síntese teórica podemos encontrar em Holmes, em frase tão citada: “O que
entendo por direito, e sem nenhuma outra ambição são as profecias do que os
tribunais farão de fato”. E essa criatividade do juiz, isto é, sua capacidade de
criar o Direito, se acentua consideravelmente no domínio da interpretação
constitucional, sobretudo em razão da estrutura normativo-material da
Constituição, que é composta por princípios e regras que apresentam maior
abertura, maior abstração, maior indeterminação e, em consequência, menor
densidade normativa, circunstância que atribui ao intérprete um notável
espaço de conformação. O que devemos discutir presentemente, portanto, é o
grau dessa criação do Direito e os seus limites, até porque, por óbvio, a criação
judicial do Direito não é livre, assim como também não o é o modo legislativo
de produzi-lo, pois há limites materiais e formais encarecidos pela
Constituição.
Desse papel de adequação sociológica e politização, ocorre um avanço para uma função
política, podendo resultar conflitos, em decorrência de pressões, na hipótese e recomendação
de Campilongo99. Natural, maior será o grau e eficácia da legitimação e da auta repressão quanto
mais convincente forem as efetivas as garantias contidas, proporcionadas na Constituição
formal. Conforme o tema foi tratado pelo referido autor100.
98 CUNHA JUNIOR, Dirley. Op. cit., pp. 178-179. 99 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Politica, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. S. Paulo. Max Limonad.
2002. 100 Idem. Democracia e legitimidade: representação política e paradigma dogmático. In Revista de Informação
Legislativa. Brasília a. 22; n. 86 abr./jun., 1985; p.p. 31-32. http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/181606
Para a investigação jurídica é provável que MONTESQUIEU tenha sido o principal formulador da doutrina da
representação. O Espírito das Leis, além da clássica argumentação sobre a divisão dos Poderes, desenvolve, de
modo sintético mas preciso, os princípios basilares da representação. No Livro Segundo, Capitulo II, do Espírito
das Leis, MONTESQUIEU escreve: “O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua
autoridade ... Entretanto, saberá o povo dirigir um negócio, conhecer os lugares, as ocasiões, os momentos e
aproveitá-los? Não: não saberá ... o povo, que possui suficiente capacidade para julgar da gestão dos outros, não
esta apto para governar a si próprio”.
MONTESQUIEU era claro: o povo sabe escolher, mas não sabe governar. E, por não saber governar, deve escolher
quem o faça, política e jurídica: a eleição, o sufrágio e a representação. O povo fala através de seus representantes,
53
Segundo Campilongo na medida em que a crescente complexidade social desgosta as
técnicas tradicionais de obtenção do consenso, o tema da representação política volta a ordem
do dia dos problemas que o Direito deve enfrentar, arrolando temas ligados à mudança do papel
do Estado, captando efeitos de uma transfiguração do Estado “neutro” em Estado interventor
sobre a ciência do direito como um todo e sobre a produção normativa em particular. Dessa
articulação da vida social, o Estado interventor e a ordem jurídica, tem-se uma noção de
representação política fora de padrões tradicionais. O poder deve ser exercido sob fiscalização
dos vários titulares para que reciprocamente limitem e moderem atuais definições de Estado,
Direito e Democracia, por definição de Jorge Miranda101.
E Puceiro102 adverte:
Com o saber de autoridade, a ciência jurídica reproduz em sua estrutura
interna as exigências próprias de sua função na sociedade. Sua dimensão
essencialmente prática, dirigida ao controle social, à integração dos conflitos
ou à distribuição de autoridade, se reflete internamente no fortalecimento da
função autoritária de seu paradigma e matrizes disciplinares. Os resultados da
ciência jurídica são, além de produtos da comunidade cientifica, instâncias
portadoras de uma pretensão vinculatória em relação à comunidade política.
O direito regula fórmulas de distribuição de poder e autoridade, como Ripert103 destaca:
[...] todo e qualquer juízo demasiadamente livre sobre o fundamento das leis
se afigura perigoso aos que detêm o poder político. Considera-se indesejável
que os encarregados de interpretar, explicar o direito, saibam demasiado e
digam como e por quem é feita a lei. Aos soberanos agradam mais os legistas
que os juristas.
Diz Campilongo que os conflitos sociais e a efetiva distribuição de poderes ficam diluídos
numa espécie de senso comum teórico do saber jurídico, que poucos ou nada diz sobre a função
social da dogmática. Não sendo demasiado observar que as relações entre direito e política estão
no centro de qualquer análise que se queira fazer da cultura jurídica. Consequentemente há de
o que leva MONTESQUIEU ao arremate: “é ainda uma lei fundamental da democracia que só o povo institua
leis”. Essa, segundo RAYMOND ARON, é a essência da política, ou seja, as decisões devem ser tomadas para a
coletividade, por meio de seus representantes, e não pela coletividade diretamente. A soberania popular de
ROUSSEAU também é, nesta mecânica, sutilmente substituída pela soberania nacional de SIEYÈS. A formula
aristocrática perpetua-se sem que a “teoria pura da democracia” de ROUSSEAU seja totalmente descartada. E
ARON conclui o raciocínio dizendo ser “absurdo comparar os regimes democraticos modernos com a ideia
irrealizavel de um regime de fato aos regimes possíveis”. 101 MIRANDA, Jorge. Povo, Democracia, Participação Politica, In Separata em Honra de Ruy de Albuquerque.
Lisboa: Coimbra. [...] nunca é demais insistir em que o estado de direito não equivale a estado sujeito ao direito,
porque não ha estado sem sujeição ao direito no duplo sentido de estado que age segundo processos jurídicos e
que realiza uma ideia de direito, seja ela qual for estado de direito só existe quando esses processos se encontram
diferenciados por diversos órgãos, de harmonia com um principio de divisão do poder, e quando o estado aceita a
sua subordinação à critérios materiais que o transcendem; só existe quando se da limitação material do poder
politico; e esta equivale a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana. 102 CAMPILONGO, op. cit. p.p. 33-34. 103 RIPERT, Georges. O Regime Democrático e o Direito Moderno. São Paulo. Saraiva. 1937. Pp. 12-13.
54
examinar que o povo exerce um poder soberano por intermédio dos seus representantes eleitos
por sufrágio universal, que ele conquistou completamente o poder político universal, e que hoje
é o número que faz a lei, numa constante transformação na ordem política, econômica e social.
Assim há de conferir a constante discussão da utilização do Estado como instrumento de
poder, por isso, com a formação do direito administrativo como ente autônomo, como se extrai
de Bandeira de Mello104, [...] nasce como direito de resistência, com o nascimento do Estado
de Direito, pois o Direito regula as relações entre os administrados, entre estes e o Estado, e
este entre seus órgãos.
Os poderes que o Estado exercita, não são mais do tempo em que a legitimação estava
estruturada nos poderes absolutos do Príncipe. O que passa a ser imputada à nação é a vontade
expressa na lei como vontade geral, banindo qualquer poder que não funde sua autoridade na
lei. A lei é a corporificação da igualdade, pois ninguém dela escapa inclusive e especialmente
o Estado. Operando a juridicização do Poder, por ter sido proscrita toda autoridade que
anteriormente era desfrutada por corpos intermediários, cuja legitimidade se fundava na
tradição e não na ordem jurídica posta. Assim, a autoridade que se afirma por cima das relações
privadas é a autoridade da Lei, continente da vontade geral105.
Direito e economia tem uma vocação interdisciplinar, que Moncada106 sustenta, que:
As relações entre economia e direito não são uniformes e têm variado
ao longo do tempo, basta uma peregrinação aos lugares do conhecimento
humano, perpassar pelo pensamento liberal, que serviu de base para a ciência
econômica, para perceber que a atividade econômica é um dado natural, um
prolongamento das liberdades individuais e geradora de riqueza.
Rege-se por uma lógica própria, totalmente racional e desenvolve-se
num meio institucional próprio, o mercado. À regra jurídica competiria assim
favorecer o produtivo giro dos capitais fornecendo à atividade econômica um
suporte normativo sistemático e transparente, de fácil entendimento, capaz de
proporcionar a previsibilidade e a segurança de que a atividade em causa tanto necessita para gerar os resultados dela específicos, a criação de riqueza e a
satisfação das necessidades individuais107.
Compreende-se que a partir do desenvolvimento econômico-social, surge um
ordenamento jurídico destinado a examinar a intervenção do Estado na economia, o que esse
104 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 21a ed. São Paulo: Malheiros,
2006. 105 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. O Exercício da função administrativa e o Direito Privado. Tese apresentada
ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito da Universidade de São Paulo – USP, para obtenção do
grau de Doutor em Direito. 2010, pp 23-24. 106 MONCADA. Op. cit. 107 Idem. Op. cit. p. 7.
55
desenvolvimento parte de uma noção do denominado “Estado do Bem-Estar Social”, lançada
após a Primeira Guerra Mundial, conferindo ao Estado ser um agente de satisfação das
necessidades humanas, agregando os homens, e coletivamente desenvolver um esforço para
atender às necessidades decorrentes da vida em sociedade, ou da sua convivência108.
Parece fora de duvida que entre os pontos mais críticos que constantemente são
identificados como básicos e repetitivos, estão presentes o econômico, o social, o politico, o
cultural, sobre os quais se debruçam os que se preocupam buscar soluções, que cada vez mais
estão entrelaçados com o ético, sendo o ethos designado como a alma de uma cultura viva.
Nesse convívio estão presentes as trocas materiais, dos bens não econômicos, dos que não
carecem de dinheiro ou equivalentes, sintonizando com os desejos do homem de amizade,
amor, respeito, felicidade que não se mede e tampouco compram.
1.1.5 Direito Econômico como suporte
O Direito Econômico é um ramo autônomo do Direito que se destina a normatizar as
medidas adotadas pela Política Econômica através de uma ordenação jurídica, apreciando e
proporcionando uma normatização de regras econômicas, bem como o exame da intervenção
do Estado na economia. Segundo Moncada, a ordem jurídica do Estado intervencionista atribui
à norma um papel completamente diferente do que tinha anteriormente, assumindo um
conteúdo econômico e social, perdendo a neutralidade axiológica que caracterizaria a fase
liberal109.
A permeabilidade dos valores da norma jurídica, constitucional ou legislativa, atribui-se
um novo significado ao veicular valores, pois a norma jurídica intervém constitutivamente no
terreno econômico e social, conformando-se de acordo com a carga axiológica que assumiu. A
norma se transformando num programa de realizações110. Entende-se que há neutralidade, há
necessidade de um novo conteúdo, constituindo um pressuposto da atividade econômica e
social, sob pena de ficar ultrapassada.
As regras da concorrência dos nossos dias não se limitam a defender o
mercado como ordem normal das trocas econômicas. Organizam o mercado e
108 BRITO, Edvaldo. Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico. 2a. ed. – Saraiva, 2016, p.
17. 109 MONCADA, op. cit. p. 33 110 Idem, op. p.33.
56
desenvolvem-no, no pressuposto de que seu funcionamento livre decorre da
ordem econômica mais justa e eficiente. A defesa da concorrência é levada a
cabo porque se acredita ser ela o melhor garante da prossecução, como que
implícita, de certos objetivos de política econômica.
O objetivo das leis de defesa da concorrência é o de assegurar uma estrutura
e comportamento concorrenciais dos vários mercados no pressuposto de que
o mercado livre que, selecionando os mais capazes, logra orientar a produção
para os sectores suscetíveis de garantir uma melhor satisfação das
necessidades dos consumidores e, ao mesmo tempo, a mais eficiente afetação
dos recursos econômicos disponíveis, que é como quem diz os mais baixos
custos e preços. A concorrência é assim encarada como o melhor processo de
fazer circular e orientar livremente a mais completa informação econômica,
quer ao nível do consumidor quer ao nível dos produtores, assim esclarecendo
as respectivas preferencias111.
Bastos apreciando a opinião de Moncada, diz que:
Aliás, o autor luso vai mais longe e expõe muito bem que não é só por razões
estritamente econômicas que se defende a concorrência. Na verdade, uma
sociedade pluralista repele a concentração do poder econômico, quer seja
levada a efeito pelo próprio Estado, quer por conglomerados privados.
Se desde o inicio do paragrafo 4º do artigo 173 da Constituição Federal já se
reconhece a existência do poder econômico, é imperioso consignar-se aqui
que o seu exercício concentrado conduz, inexoravelmente, a abusos que
transcendem os próprios lucros exorbitantes e o sacrifício econômico do
consumidor, enquanto tal, atingindo o próprio cidadão na sua qualidade de
sujeito do Estado. A livre concorrência há, pois, de ser defendida onde ela
esteja sendo distorcida, por práticas nocivas, assim como há de ser cultivada
e incentivada naqueles setores em que circunstâncias variadas põem levar à
configuração de uma situação monopolística ou muito próxima desta.
De fato, é de reconhecer-se que a concorrência perfeita é de difícil
atingimento. Cabral de Moncada fala em quatro pressupostos: a)
homogeneidade dos produtos; b) atomicidade dos mercados; c) mobilidade
dos fatores de produção; d) transferência de preços.
É certo que com relativa facilidade pode haver a distorção ou mesmo a
supressão de um ou alguns dos requisitos da concorrência perfeita. É fácil
detectar-se que os bens e serviços quase nunca são totalmente homogêneos. É
também evidente que os produtores nem sempre têm dimensão idêntica, do
que resulta uma maior ou menor possibilidade de influenciar o mercado.
Finalmente, é compreensível que se reconheça que a procura nem sempre é
determinada por uma vontade livre do consumidor, mas no mais das vezes
influída ou provocada por uma propaganda comercial cujos padrões éticos
nem sempre são os desejados.
Essas situações traduzem-se em dívida, em posições de poder, que tendem
normalmente a se converter em lucros anormais. Para todas essas hipóteses,
no entanto, basta o Estado efetivamente dispor-se a defender a livre
concorrência e não terá ele dificuldades em editar medidas que venham a
propiciar uma autêntica liberdade de escolha ao consumidor. Não importa,
pois, se esta é decorrente de uma liberdade espontânea, ínsita no desenrolar
das próprias atividades econômicas, ou se na verdade é uma criação
normativa.
Mais uma vez aqui invoca-se o testemunho de Cabral de Moncada, quando,
com muita propriedade, faz a assertiva de que não é impositiva aos Poderes
111 MONCADA, op. cit. 2ª. ed.,1988, p. 313.
57
Públicos essa procura de um artificial modelo de concorrência perfeita.
Abaixo, transcreve-se parte da obra do aludido jurista.
“Por sua vez o propósito dos Poderes Públicos não é a reposição artificial de
um modelo de concorrência perfeita, totalmente defasado perante as
características estruturais do mercado atual, devendo contentar-se com
dimensões mais modestas; o que se pretende, como já se disse, é que a
concorrência seja efetiva, ‘workable’ medindo-se pela presença (pág. 315) de
um número elevado de alternativas viáveis que garantam liberdade de escolha.
Os propósitos dos Poderes Públicos não poderão ir ao ponto de modificar as
características estruturais dos mercados atuais de bens e serviços, mas deverão
sem dúvida atuar sobre eles de modo a resguardar níveis aceitáveis de
concorrência, o que significa possibilidades reais de acesso ao mercado tanto
do lado da oferta como do lado da procura”112.
Nítidas as vantagens de um sistema concorrencial, ainda que não esteja no seu estado
de pureza, reconhecendo benefícios políticos, sociológicos, além dos econômicos propriamente
ditos na preservação de um mínimo concorrencial. O conceito de concorrência eficaz de J. M.
Clark, citado por Cabral de Moncada113:
(...) não exclui as desigualdades das firmas nem a influência assimétrica
dominante. Ela estabelece-se entre empresas de dimensões diferentes, com
custos e horizontes econômicos diversos que praticam politicas diferentes;
tende ao progresso por um aperfeiçoamento dos métodos de produção, por
uma diferição crescente da qualidade e dos tipos de produtos e pelo
desenvolvimento de novos produtos: permite, por fim, a difusão dos
benefícios devidos a este progresso em favor dos consumidores através da
diminuição dos preços.
Em nível do direito positivo vai-se encontrar esta mesma preocupação com a defesa da
livre concorrência, e alertando sobre a necessidade da preservação, diz Vital Moreira:
E se o princípio dos princípios da economia capitalista, é a concorrência, e se
esta tende permanentemente a destruir-se a si mesma, compreende-se que a
ordem jurídica venha impor aí aquilo que a economia só por si não consegue.
É esta fundamentalmente a teoria neoliberal tal como foi desenvolvida, na sua
forma mais pura, pela escola neoliberal de Friburgo. (Note-se, desde logo, que
o neoliberalismo, mais do que uma teoria de explicação da ordem econômica
real contemporânea, é uma teoria normativa, que pretende precisamente guiar, conformar essa ordem. Porém, na medida em que a teoria afirma um princípio
de intervenção do estado e da ordem jurídica na economia, pode-se ser aqui
tratada como uma alternativa teórica de explicação da ordem econômica
contemporânea).
Tal como o liberalismo clássico, a teoria neoliberal considera como princípio
supremo de direção da economia o princípio da concorrência, isto é, o
princípio do mercado. Contudo, enquanto para os clássicos a ordem
concorrência era uma ordem natural que dispensava, a ordem jurídica e exigia
a não intervenção do estado, a teoria neoliberal parte de uma posição menos
optimista: a de que a concorrência não é um princípio dado e inalterável, pois
a economia se não autorregula, tendendo, pelo contrário, a criar elementos
112 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico Brasileiro - Celso Bastos Editor, S. Paulo, 2000, p. 211 e
seguintes. 113 MONCADA, Op. cit.
58
contraditórios, que levam à sua própria destruição como economia de
concorrência. As instituições de que ela se serve contêm em si uma
virtualidade suicidante: ‘la liberté contractuelle se tue ele-même’.
Nesta diferença em relação aos clássicos, o neoliberalismo não faz mais do
que considerar a realidade econômica contemporânea. Dessa realidade, o
neoliberalismo vai tirar as seguintes consequências: se há que manter os
princípios da concorrência, é à ordem jurídica (ao estado) que cabe criar as
condições dela, manter em funcionamento o mecanismo do mercado, extirpar
os fatores que os perturbam. Deve o estado velar por que a economia siga os
seus trâmites corretos evitando as suas distorções e os fatores que as
provocam, isto é, criando ‘uma ordem jurídica que possibilite a concorrência
e a proteja de graves falseamentos’. E uma vez que o principal desses fatores
de destruição da concorrência é o desenvolvimento de situações monopolistas
ou a realização de acordos (trustes, cartel, sindicato, etc.) tendentes a eliminá-
la, uma das principais missões da ordem jurídica e do estado, ao serviço da
‘ordem jurídica e do estado, ao serviço da ‘ordem de concorrência’, é impedir
essas situações, dissolvendo os monopólios e tornando nulos aqueles acordos.
Só assim é possível manter a economia a funcionar segundo os seus princípios
originários; e por aí se explicariam todas as tentativas de legislação antitruste
e anti-cartel.
O estado continua (deve continuar) a ser apenas um guarda. Um guarda que,
ao contrário do estado liberal, tem muito que fazer; mas ter ou não muito que
fazer não depende dele, mas de quem tem que guardar. O estado não pode
substituir-se à economia. O estado deve, apenas, manter em funcionamento e
fazer executar a ordem econômica, não deve configurar heteronomamente a
economia, substituindo a sua dinâmica interna por uma imposta de fora.
No seu conjunto, a teoria neoliberal, como doutrina, choca-se com
dificuldades que não resultam apenas de aparente contradição lógica de
pretender restabelecer a liberdade por meio da coação, mas também de uma
contradição radicada na própria da realidade econômica. Efetivamente, no que
respeita à defesa da concorrência, a legislação relativa às posições
monopolistas ou acordos tendentes a cria-las vai dirigir-se às empresas que,
geralmente, pela sua dimensão e pelo seu poder econômico, não só estão
colocadas para realizar os objetivos que à ordem econômica são confiados
pela doutrina eficiência na produção. Contradição esta que demarca os estritos
limites da eficacia e do campo de acção dos ‘códigos da concorrência’.114
Qualquer procedimento objetivando eliminação total ou parcial da concorrência, de logo
é visto como caráter ilícito, apresenta-se como abuso do poder econômico. Muitas vezes a
eliminação da concorrência se dá por força de uma maior eficiência, de uma maior
agressividade mercadológica, que no fundo são elementos visíveis ou invisíveis, vociferante ou
silencioso, mas não deveriam ser considerados como valores do sistema capitalista.
A depender das estruturas e circunstâncias muitas vezes não são apenáveis pela lei. Não
cabem, portanto, medidas sancionadoras, embora possa a hipótese comportar medidas de apoio
e de estímulo por parte do Estado, para que se restaurem situações de concorrência, ainda que
relativa. Há uma interpretação desenvolvida pelos especialistas entendendo como razoável, que
114 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra – Centelha, 1978, pp. 109-111.
59
o aumento dos lucros, vistos na linguagem mercantil como aumento da lucratividade, em tese,
não é condenável, quando o aumento do lucro exprime o êxito do empresário e não quando
exercitado arbitrariamente, resulte de uma situação sobre a qual o detentor do meio de produção
possua uma situação de força, ou decorra de uma decisão empresarial, aproveitando-se de uma
situação objetiva de mercado distorcida, ou que não corresponda a uma queda nas vendas do
outro empreendedor.
Da mesma maneira na hipótese, quando o empreendedor enceta tecnologia e ou métodos
de produção e vendas reduzindo custos, concomitantemente aumenta a comercialização dos
bens ou serviços gerando maior rentabilidade.
Nas situações de monopólio, sendo o único fornecedor, as leis de mercado deixam de
operar, e o aumento de preços torna-se impositivo por falta de alternativas. É verdade que todo
monopólio apresenta limites. Além de certo ponto o aumento de preços não redunda em
acréscimo de lucratividade. Pode acontecer uma queda na venda do produto, e o consumidor
poderá preferir não o adquirir ou procurar algum sucedâneo. Mas dentro de certos limites a
situação monopolística de mercado leva sem dúvida a um aumento da lucratividade sem um
desejável aumento da produção, podendo ser identificada a figura da imposição de preços
excessivos, ou do seu aumento injustificado.
Expressa Ferreira Filho:
Numa visão objetiva, o lucro, quando resulta em última instância da lei da
oferta e da procura, é legitimo, ainda que elevado.
Mas quando provém da eliminação da concorrência, seja através do domínio
de mercado, seja através de outro recurso qualquer, torna-se arbitrário, porque
resulta de uma determinação subjetiva de que está numa posição privilegiada.
Na verdade, a busca de eliminação da concorrência, a luta pelo domínio do
mercado, visa normalmente a permitir o aumento arbitrário dos lucros.
Eliminada a concorrência, monopolizado um determinado mercado, uma
empresa, produtora de bem necessário ou útil para a coletividade, pode fixar
arbitrariamente o preço do mesmo e assim obter um lucro que somente tem
por limite a capacidade econômica do povo e o alcance da própria cupidez.
É, entretanto – sublinhe-se -, extremamente difícil determinar qual é o lucro
legitimo e qual é o excessivo. A distinção entre um e outro sempre importa o
risco de se cair no arbitrário.
A limitação dos aumentos de preços que há de refletir-se na limitação dos
lucros é, todavia, um anseio sincero não só da classe trabalhadora, como
também da classe média, e assim é perfeitamente explicável porque a
Constituição o consagra115.
115 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo. Saraiva.
Vol. 4, p. 13.
60
A Carta Magna estabelece em seu artigo 174, que, como agente normativo e regulador da
atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo
e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Este dispositivo constitucional fornece elementos definidores da atuação do Estado na ordem
econômica, em harmonia com princípios adotados na Constituição Federal.
A Constituição determina o papel do Estado na economia que será o agente normativo e
regulador, através do exercício de três funções, como: a) fiscalização que trata do exercício do
poder de polícia, da verificação do cumprimento das normas pelos agentes econômicos; b)
incentivo que foca o estimulo, o fomento a determinadas atividades, através da concessão de
benefícios fiscais, isenções tributárias e outros; c) planejamento construindo um conjunto de
normas e medidas governamentais que apontam para a organização e utilização dos fatores de
produção. Enfatiza Bastos116 que:
A atuação do estado na atividade econômica prevista no artigo 174 da Lei
Maior não tem um caráter coercitivo, uma vez que o próprio dispositivo deixa
claro que o planejamento será determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado. Daí se depreende que a favor da economia de mercado
figuram todas as normas e princípios elencados no Texto Maior, quais sejam,
a livre concorrência, a livre iniciativa [...] É imprescindível dizer também que
a atuação estatal prevista no dispositivo sob comento não se confunde com o
Estado protagonizado da atividade econômica disposto no caput do artigo 173,
onde o ente estatal assume para si a exploração direta da atividade econômica.
Aqui não se trata de intervenção estatal pura, mas sim de uma atuação do
Estado na seara econômica. A intervenção direta do Estado através da
exploração das atividades econômicas restringe-se às hipóteses previstas no
artigo 173, caput, e nos monopólios descritos no artigo 177.
Numa economia de mercado pura, é o próprio mercado que regula a atividade
econômica, sem que haja qualquer intervenção por parte do Estado. Nesse
sentido, de uma economia totalmente livre de uma sorte de intervenção,
nenhum Estado se submeteria a esse modelo. Não existe o Estado de mercado
puro, porque alguns pontos do sistema econômico são sempre retidos nas
mãos do Estado, entre os quais a própria utilização de seu orçamento, a
emissão de moeda, etc. Nos momentos de grande demanda, procura ele esfriar o passo da economia, e nos momentos de crise, atua incentivando, instigando
o mercado. É por isso que se tem, no nosso sistema, bem como na maior parte do mundo, o Estado como agente normativo e regulador da ordem econômica.
Todavia, cumpre advertir que, o caráter normativo não pode ser utilizado de
molde a excluir a liberdade econômica. É de boa técnica interpretativa a
integração dos princípios que aparentemente conflitam.
Expõe Ferreira Filho117 que a democracia econômica deve coincidir com a economia
de mercado, e o Estado deve respeitar a liberdade de decisão dos agentes econômicos, que o
116 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico Brasileiro, Celso Bastos Editor, São Paulo, 2000, p. 225. 117 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional Econômico, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 37.
61
Estado procura proteger o mercado, melhorá-lo e não destruí-lo, ou seja, sua intervenção,
quando ocorrer, é sempre respeitosa da lógica interna da economia de mercado e de empresa.
Ao examinar a tipologia da intervenção, Moncada118 adverte pelo fato de a intervenção
ser um fenômeno historicamente permanente. Segundo o jurista português é possível
estabelecer uma diferença entre intervencionismo, dirigismo e planificação, (sugerindo
conhecer a obra de V. S. Vigorita, L’Iniziativa Economica Privata nel Diritto Pubblico, 1959,
páginas 26 e seguintes), tudo, expressão do mesmo fenômeno genérico da intervenção do
Estado na atividade econômica.
A diferença entre intervencionismo e dirigismo é importante, considerada pelos
juristas e economistas como uma diferença qualitativa, dado que só o dirigismo, característico
do pós-guerra, pressupõe uma atividade coordenada em prol da obtenção de certos fins, ao
contrário do empirismo que caracterizava o intervencionismo.
No quadro das finanças contemporâneas do dirigismo, o Estado pretende obter da sua
atividade financeira fins de ordem socioeconômica e não apenas arrecadar receitas. A diferença
entre dirigismo e a planificação, lecionada com base no texto constitucional italiano de 1946, é
considerada de ordem quantitativa. Afirmam os juristas que a planificação é um dirigismo por
planos, e a diferença reside no grau de racionalização mais apurado que subentende o
documento planificatório.
Mostra Avelãs Nunes119 que a perspectiva clássica-marxista se inicia com os fisiocratas,
passa por Smith e Ricardo, desembarcando em Marx, modernamente renovada por Piero
Sraffa120, que prega:
Desde os fisiocratas que a ciência econômica se interroga acerca da
origem da riqueza e da natureza do excedente e procura explicar como é que
ele se distribui entre as várias classes sociais, em sociedades caracterizadas
pelo conflito social. E cremos que, desde os fisiocratas, se foi construindo a
ideia – que ficou clara com Adam Smith, Ricardo e Marx – segundo a qual as
leis (ou os princípios) que regulam a distribuição do excedente estão
intimamente ligadas às regras (ou princípios) que enquadram o processo
social de produção (ou, na terminologia de Marx, estão intimamente ligadas
à natureza das relações sociais de produção).
A segunda perspectiva pode distinguir-se pelo facto de assentar numa
concepção atomística da sociedade, de não incluir as classes sociais na análise
econômica, de ignorar a conflitualidade social e, com ela, os problemas do
poder (do poder econômico e do poder politico), de fazer das ideias de
118 MONCADA, op. cit. p.p. 44-45. 119 NUNES, Antônio José Avelãs. Uma Introdução à Economia Política. Editora Quartier Latin. São Paulo. Inverno
de 2007, pp. 18-19. 120 Jean-Baptiste Say e de William Nassou Senior; William Stanley Jevons, Carl Menger e Léon Walras, Lionel
Robbins, ed. de 1932.
62
equilíbrio dos mercados e de harmonia social o pano de fundo da sua
construção, de se afirmar como ciência pura, como ciência positiva, por
contraposição à economia politica ideológica e doutrinária.
Observa-se a evolução da economia política acerca do trabalho produtivo, e as noções
do capital e desenvolvimento social, vinculados a indústria e comércio, elementos presentes da
dinâmica burguesa121.
121 MARX, Karl, ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. 2a. ed.; Tradução: José Barata-Moura.
Editorial Avante – Lisboa - 1997.
A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes.
[Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo [Leibeigener], burgueses de corporação [Zunftburger] e
oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta
ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionaria de toda
a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta.
Nas anteriores épocas da história encontramos quase por toda a parte uma articulação completa da sociedade em
diversos estados [ou ordens sociais — Stande], uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga temos
patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores feudais, vassalos, burgueses de corporação,
oficiais, servos, e ainda por cima, quase em cada uma destas classes, de novo gradações particulares.
A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas
pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas.
A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A
sociedade toda cinde-se, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que
diretamente se enfrentam: burguesia e proletariado.
Dos servos da Idade Média saíram os Pfahlburger - das primeiras cidades; desta Pfahlburgerschaft desenvolveram-
se os primeiros elementos da burguesia [Bourgeoisie].
Os descobrimentos da América, a circum-navegação de África, criaram um novo terreno para a burguesia
ascendente. O mercado das Índias orientais e da China, a colonização da América, o intercambio [Austausch] com
as colônias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comercio, à navegação, à
indústria, um surto nunca até então conhecido, e, com ele, um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário
na sociedade feudal em desmoronamento.
O modo de funcionamento até aí feudal ou corporativo da indústria ja não chegava para a procura que crescia com
novos mercados. Substituiu-a a manufatura. Os mestres de corporação foram desalojados pelo estado médio
[Mittelstand] industrial; a divisão do trabalho entre as diversas corporações [Korporationen] desapareceu ante a
divisão do trabalho na própria oficina singular.
Mas os mercados continuavam a crescer, a procura continuava a subir. Também a manufatura ja não chegava mais.
Então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. Para o lugar da manufatura entrou a grande
indústria moderna; para o lugar do estado médio industrial entraram os milionários industriais, os chefes de
exércitos industriais inteiros, os burgueses modernos.
A grande indústria estabeleceu o mercado mundial que o descobrimento da América preparara. O mercado mundial
deu ao comercio, à navegação, as comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez,
reagiu sobre a extensão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comercio, a navegação, os caminhos-
de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais, empurrou todas as classes
transmitidas da Idade Média para segundo plano.
Vemos, pois, como a burguesia moderna é ela própria o produto de um longo curso de desenvolvimento, de uma
serie de revolucionamentos no modo de produção e de intercambio [Verkehr].
Cada um destes estádios de desenvolvimento da burguesia foi acompanhado de um correspondente progresso
político. Estado [ou ordem social — Stand] oprimido sob a dominação dos senhores feudais, associação armada e
auto administrada na comuna, aqui cidade-república independente, além terceiro-estado na monarquia sujeito a
impostos, depois ao tempo da manufatura contrapeso contra a nobreza na monarquia de estados [ou ordens sociais
— standisch] ou na absoluta, base principal das grandes monarquias em geral — ela conquistou por fim, desde o
estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, a dominação politica exclusiva no moderno Estado
representativo. O moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de
toda a classe burguesa. A burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário.
A burguesia, la onde chegou à dominação, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem
misericórdia todos os variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou
outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível «pagamento a pronto». Afogou o
63
A interpretação dada por Paiva122, ao relacionar pensamentos de Ricardo a Marx, (parte
4.3.1), e, ao abordar a posição lógico-histórica do intercâmbio mercantil, sugere:
Desde logo, é preciso que se entenda que, quando se redefine a discussão de
Aristóteles como uma discussão em torno das condições necessárias à
consolidação das trocas, ela é deslocada do plano ético-filosófico stritu sensu
(assim como a de Marx, que lhe é indissociável, desloca-se do plano
estritamente econômico), para tomar a forma de uma reflexão histórico-
antropológica. A forma que, aliás, mui justamente lhe atribui Karl Polany, em
seu memorável ensaio intitulado Aristoteles Descobre a Economia. Após
afirmar que “[...] o enfoque aristotélico aos problemas humanos era
sociológico”, Polany diz: “Isto deveria acabar com a crença de que Aristóteles
oferecia em sua Ética uma teoria dos preços.” [...].
Segundo Paiva, o intercâmbio visto por Aristóteles, tinha raízes nas necessidades da
família ampliada, cujos membros originalmente usavam em comum bens de propriedade
comum. Quando seu número cresceu e se viram obrigados a se estabelecerem separadamente,
começaram a carecer de algumas das coisas que anteriormente haviam utilizado em comum e,
por conseguinte, se viram obrigados a adquirir bens uns dos outros. Em pouco tempo, a
reciprocidade na distribuição se conseguia mediante atos de troca. Os termos de intercâmbio
deviam ser tais que mantivessem a coesão da comunidade, para atender o princípio regulador
constituído pelos interesses da comunidade, não pelos do individuo. Os bens e serviços
produzidos pela habilidade de pessoas de classificação distinta deviam ser intercambiados
frêmito sagrado da exaltação pia, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia pequeno-burguesa, na água gelada
do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem
adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos, de comércio. Numa palavra, no lugar da exploração
encoberta com ilusões políticas e religiosas, pôs a exploração seca, direta, despudorada, aberta.
A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as atividades até aqui veneráveis e consideradas com pia
reverencia. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados
pagos por ela. A burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma pura
relação de dinheiro. A burguesia pôs a descoberto como a brutal exteriorização de força, que a reação tanto admira
na Idade Média, tinha na mais indolente mandriice o seu complemento adequado. Foi ela quem primeiro
demonstrou o que a atividade dos homens pode conseguir. Realizou maravilhas completamente diferentes das
pirâmides egípcias, dos aquedutos romanos e das catedrais góticas, levou a cabo expedições completamente
diferentes das antigas migrações de povos e das cruzadas.
A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as
relações de produção, portanto as relações sociais todas. A conservação inalterada do antigo modo de produção
era, pelo contrário, a condição primeira de existência de todas as anteriores classes industriais. O permanente
revolucionamento da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento
eternos distinguem a época da burguesia de todas as outras. Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu
cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de
poderem ossificar. Tudo o que era dos estados [ou ordens sociais — standisch] e estável se volatiliza, tudo o que
era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na
vida, as suas ligações reciprocas
https://www.pcp.pt/sites/default/files/documentos/1997_manifesto_partido_comunista_editorial_avante.pdf -
acesso: 15/05/2018. 122 PAIVA, Carlos Águedo Nagel. Valor, preços e distribuição: de Ricardo a Marx, de Marx a nós. Porto Alegre.
FEE, 2008 – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia - Fundação de Economia e Estatística
Siegfried Emanuel Heuser - (Teses FEE, n. 9), pp. 173-175.
64
segundo uma equivalência proporcionada por esta distinção: os serviços do mestre-de-obras
valiam várias vezes os do sapateiro. Se isto não se cumpria, infringia-se a reciprocidade, e a
comunidade corria o perigo de dissolver-se123.
Segundo Amartya Sen, a economia teve duas origens muito diferentes, ambas
relacionadas com a política, mas de maneiras diferentes, ligadas respectivamente à ética, e por
outro lado aquilo a que se pode chamar de “engenharia”124.
A evolução de economias condicionadas a economias autônomas, como uma questão
de grau, moldando pensamentos de sobre a evolução da civilização humana, cujos
desdobramentos levam as concepções que se entrelaçam com a riqueza.
1.1.6 Alusão à riqueza
A distribuição da riqueza é uma das questões mais vivas e polêmicas que não perde
atualidade. São coisas em geral, bens externos que o homem identifica utilidade, e tem
dificuldade para adquiri-los. Face essas dificuldades Limongi125 entendeu que “riqueza é o
conjunto das coisas úteis, limitadas e materiais”, devendo-se decantar os serviços imateriais
como os decorrentes da inteligência do homem que não são propriamente riquezas, mas sim
causas de riquezas.
Gastaldi classifica riqueza como sinônimo de utilidades ou bens, gratuitos ou onerosos,
materiais ou imateriais. Havendo a riqueza efetiva ou absoluta, observando-se a quantidade da
utilidade usufruída pelo individuo ou pela nação. E a riqueza relativa, como a soma ou
quantidade dos valores materiais que possuem constitui a riqueza de um individuo, valores
possuídos.
Para Adam Smith a riqueza está na utilidade. Ao longo da vida os bens, as utilidades e
a riqueza estão presentes nas relações sociais, levando Piketty126 formular a questão abaixo:
Mas o que de fato sabemos sobre a sua evolução no longo prazo? Será que a
dinâmica de acumulação do capital privado conduz de modo inevitável a uma
concentração cada vez maior da riqueza e do poder em poucas mãos, como
123 POLANY, op. cit., 1976 - p. 134. 124 SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. Civilização Brasileira, 8a. ed. Almedina, 1017, p. 21. 125 LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina. Qualidade de vida no trabalho: conceitos e práticas nas empresas da
sociedade pós-industrial. São Paulo, Atlas, 2003. 126 PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI. Tradução de Monica Baugartende Bolle. Editora Intrinseca
Ltda., Rio de Janeiro, 2014, p. 9.
65
acreditava Marx no século XIX? Ou será que as forças equilibradoras do
crescimento, da concorrência e do progresso tecnológico levam
espontaneamente a uma redução da desigualdade e a uma organização
harmoniosa das classes nas fases avançadas do desenvolvimento, como
pensava Simon Kuznets no século XX? O que realmente sabemos sobre a
evolução da distribuição da renda e do patrimônio desde o século XVIII, e
quais lições podemos tirar disso para o século XXI? [...]
Piketty mostra alguns aspectos históricos:
Quando a economia política clássica nasceu, no Reino Unido e na
França, ao final do século XVIII e início do XIX, a questão da distribuição já
se encontrava no centro de todas as análises. Estava claro que as
transformações radicais entraram em curso, propelidas pelo crescimento
demográfico sustentado – inédito até então – e pelo início do êxodo rural e da
Revolução Industrial. [...]
Quais seriam as consequências dessas mudanças para a distribuição
da riqueza, a estrutura social e o equilíbrio político das sociedades europeias?
Talvez, aí aparece o entendimento de Malthus, mostrando preocupação com a
superpopulação e a escassez das fontes.
O cuidado de David Ricardo, em ‘Princípios de economia política e tributação’, em
1817, com a evolução no logo prazo do preço da terra e a sua remuneração, e o exame de acordo
com a lei da oferta e da demanda, o preço do bem escasso deveria subir de modo contínuo, bem
como os aluguéis pagos aos proprietários. No limite, os donos da terra receberiam uma parte
cada vez mais significativa da renda nacional, e o restante da população, uma parte cada vez
mais reduzida, destruindo o equilíbrio social.
A titulo de ilustração, traz alguns dados que fazem alusão ao conjunto de ativos não
humanos que podem ser adquiridos, vendidos e comprados em algum mercado, como o
conjunto formado pelo capital imobiliário (imóveis, casas), utilizado para moradia, e pelo
capital financeiro e profissional (edifícios e infraestrutura, equipamentos, máquinas, patentes
etc.), usado pelas empresas e pela administração pública em constante atividade lançados no
rol de bens abraçados pelo mercado. Para Piketty há inúmeras razões para excluir o capital
humano na definição que adotou de capital, e que seria a mais obvia, é que não pode pertencer
a outra pessoa, tampouco pode ser comprado e vendido. Com exceção, é claro, o que aconteceu
no regime imoral de escravidão.
O capital não humano, mencionado por Piketty, inclui todo tipo de riqueza que,
pressupõe poder ser transmitida, comprada ou vendida, de modo permanente, em algum
mercado. Na prática, o capital pode pertencer a pessoas naturais (físicas) e jurídicas privadas
66
ou ao Estado, sob gestão das administrações públicas com lastro no capital público. Existem,
também, as formas intermediárias de propriedade coletiva por parte de instituições (“pessoas
morais”) com objetivos específicos (como fundações, igrejas etc). E o capital não é um conceito
imutável: ele reflete o estado de desenvolvimento e as relações sociais que regem uma
sociedade.
Simplificando Piketty usa as palavras capital, riqueza e patrimônio de forma
intercambiável, como se fossem sinônimos perfeitos. Segundo algumas definições, entende que
deveria haver reserva no uso da palavra “capital” para designar o estoque de riqueza acumulado
pelo homem (edificações, máquinas, equipamentos etc.), excluindo a terra e os recursos
naturais, que a espécie humana herdou diretamente, sem ter de acumulá-los. Desse modo terra
seria um componente da riqueza, do patrimônio, e não do capital. Essa irradiação destaca a
existência de instituições de outras categorias que são importantes no seio da sociedade
contemporânea, interagindo como seguros contra acidentes, incêndios, e outros, cujos
indivíduos confiam e estabelecem relações no anseio de proteger suas formas de riqueza, com
amparo em leis que visam dar liquidez a esse patrimônio.
Pode-se dizer que essas configurações, pouco ou quase nada tem a ver com as
sociedades anônimas propriamente ditas, contudo, o que se constata ao examinar a sua
engrenagem, nesse bojo de interesses e negócios, ficam sob a regência dos gestores do Estado
e dos administradores das companhias privadas e públicas, as riquezas que detêm, extraindo
valores, como atribuído à vida e ao desenvolvimento das atividades mercantis, encetando
soluções empresariais e de consumo, num ciclo constante, a fim de exercitar a continuidade,
com o objetivo de nunca interromper essa cadeia de interesses.
A existência da riqueza, sem dúvida, aumenta a capacidade e o raio de ação do Estado,
e, ou quando este se arvora como administrador da distribuição da riqueza, em parte como
distribuidor direto de certos produtos, em certas áreas de maior importância que lege e atenderia
uma função social, muitas vezes desvia desse objetivo, ou distorce o viés. Assim percorre
caminho desnaturado para a sociedade empresária estatal.
A produção é destinada ao uso, e nem sempre visa o lucro, uma vez que muitas podem
ser os objetos da atividade dedicada à educação, à pesquisa para o desenvolvimento cientifico,
nas artes e em uma grande variedade de serviços que vão de estradas à moradias para a
população de baixa renda, sem retorno de lucro, ao denominado “custo zero”, a recreação via
produções não lucrativas, e muitos outros exemplos. A saúde também está enfeixada na
67
produção, e cada vez mais claro que essas funções não são comerciais, como não são muitas
outras coisas consideradas essenciais à vida humana, à fim de proporcionar a necessária
estabilidade e crescimento da sociedade, que estão sob gestão e responsabilidade do Estado,
como se apresenta a sociedade de economia mista ou empresa estatal127.
O complexo mercado de capitais, contribui no que simplesmente se alcunha de compra
e venda de papéis, para a manutenção desse negócio avalia-se a liquidez da companha, a sua
própria higidez e perante o próprio mercado, para com todos acionistas e terceiros que se
interessam e desejam envolver-se na comercialização e ou conversão das ações em dinheiro.
A Revolução Industrial instalou-se a fábrica como forma de produção. A revolução da
sociedade anônima instituiu novos conceitos, criando um novo quadro de relações econômicas,
com a prevalência do princípio da responsabilidade governamental, agitando pensamentos
filosóficos na economia de mercado, provocando preocupação quanto a busca de
desenvolvimento. Esses fatos estimulam, encorajam o governante a criar novos
empreendimentos e metas, que por sua vez exigem novos empregos diante de uma necessidade
técnica, econômica e social reconhecida, dependente da exigência de uma base comercial.
É possível, como afirma Walt Rostow, que a população simplesmente fique entediada,
e caso aconteça, será porque a estética, as artes, o esforço de entender, usar e desfrutar as
maravilhosas possibilidades abertas pela ciência, e a busca sem fim de significado, terão ficado
tragicamente para trás em relação ao progresso econômico. Não é impossível que o professor,
o artista, o poeta e o filósofo regulem a marcha da humanidade e da próxima era128.
A verdadeira revolução de nosso tempo ainda é pouco percebida. Compreender as
particularidades econômicos encravadas na sociedade pelo Estado, exige uma constante
observação dos interesses da sociedade envolvida na produção, no consumo de bens com
interação com o mercado. Obviamente é uma árdua tarefa vigiar a visualização desses
elementos e aspectos. Os dados históricos imiscuídos no mercado, penetram na ordem
127 Um dos efeitos do sistema que acondiciona a sociedade tem sido o estabelecimento de um sistema paralelo de
circulação da “propriedade-riqueza”, onde a riqueza flui de um proprietario de riqueza a outro. Obviamente que a
riqueza não pode ser explicada pelas antigas máximas econômicas financeiras, apesar dos argumentos apaixonados
e sentimentos de economistas neoclássicos que gostariam que acreditasse que o antigo sistema não se modificou,
tanto assim que se torna importante compreender a analise que se faz a respeito da figura do comprador de ações,
apesar de algumas interpretações de que o adquirente de ações não contribui com suas economias para uma
empresa, não possibilitando assim que esta aumente suas instalações ou suas operações, não assume “riscos”,
destacando inclusive quando se trata investimentos de grande porte em alguma operação nova, simplesmente
porque estaria a uma prática especulativa, na avaliação e da possibilidade do aumento do valor dessas ações no
mercado de capitais. O considerado famigerado rentista. 128 RIBEIRO, Flávio Diniz. Walt Whitman Rostow e a problemática do desenvolvimento: Ideologia, Politica e
Ciência na Guerra Fria. Tese doutorado USP, São Paulo, 2007/2008.
68
econômica, possibilitando gerar conflitos com os esteios da Constituição, com os agentes de
comunicação e condução político, social e jurídica da nação, principalmente quando há
discutível intervenção estatal na ordem econômica.
1.2 O Estado e o exercício da atividade empresarial
Apresenta-se o Estado envolvido pelo povo e pelo mercado, fomentando uma constante
transformação do quanto existente, a modelar pela vontade do homem ou pelo interesse da
coletividade organizada visando atender certas necessidades, como sugere Cobos129, porque o
homem é um sujeito de necessidades.
Para Brito130:
Isso significa que as pessoas possuem carências e, por isso, estão
constantemente em desempenho para satisfazê-las.
O estudo do princípio da satisfação das necessidades comporta considerações
sobre o êxito desse desempenho, porque são numerosas e variadas e não
podem ser atendidas em um único momento. Para mais, a aquisição dos bens
econômicos na sociedade de hoje depende de renda monetária disponível, para
cada individuo e para a sociedade, em conjunto, depende da capacidade de
bens que esta possa produzir, valendo ressaltar que esta quantidade decorre de
vários fatores, como o trabalho dos indivíduos, os recursos disponíveis, os
métodos de produção, todos eles condicionados aos padrões culturais de cada
grupo humano.
Nesse compasso, colhe-se a afirmação de que o Estado, quando efetivamente
estruturado procura colocar-se, como aconteceu em diversas fases históricas, e à medida que
podia introduzir esteios conforme os seus interesses, e numa medida para atender os anseios da
sociedade, desenvolve ações na formatação das atividades econômicas ao longo do tempo,
demonstrando a sua importância na ordem econômica e na sociedade organizada, com maior
intensidade em períodos de crise.
Depreende-se que o Estado maneja e assume, e até pode reconhecer que se encarregou
de muitas obrigações. A história revela, em geral, o Estado como provedor do interesse geral.
Esse interesse de provedor encaixa-se numa ordem política-institucional, ou na ordem
129 COBOS, J. A. de Cienfuegos. Curso de economia politica. Madrid. Reus, 1945, p. 116. 130 BRITO, Edvaldo. Reflexões jurídicas da atuação do Estado no domínio econômico. 2a ed. – São Paulo,
Saraiva, 2016, p. 15.
69
econômica, agindo espontaneamente ou não, atuando também como empresário numa ordem
econômica que o agasalha sob os auspícios da lei.
A história revela dados que permeiam situações em que o Estado usa do seu poder para
intervir na ordem econômica131.
Salienta Caio Tácito132 que a empresa constituída pelo Estado visava fins econômicos,
como aconteceu com as companhias holandesas e portuguesas nesses períodos, corporificando
investimentos da Coroa destinados a alcançar conquistas dos mares e terras desconhecidas,
obtendo novas fontes de suprimentos para o mercado europeu mediante intercâmbio e
importação de mercadorias.
A doutrina desenvolvida por Adam Smith133 prega que o mercado se regularia
naturalmente pelas leis da oferta e da procura, conhecido como a “mão invisível”, designando
papel ao Estado na ordem econômica para assegurar total liberdade de mercado.
Comenta Fonseca134 que os princípios liberais do século XVII estavam apoiados pelas
doutrinas jusnaturalistas. Naquele período, a teoria mercantilista suplantada pela ideia do
liberalismo econômico, assentada nos princípios do liberalismo filosófico e político, exaltava
princípios de liberdade, da valorização do indivíduo, da revolta contra os privilégios e contra o
poder absoluto dos reis. O liberalismo assume variadas formas, mas o que sucedeu ao
mercantilismo caracterizou-se pela defesa do desenvolvimento econômico de conformidade
com as leis naturais do mercado, sem os grilhões anteriormente postos pelo Estado. Com o
liberalismo econômico desaparece a participação da ação estatal na ordem econômica sob a
forma fiscalizadora, reguladora, exercitando uma modelagem participativa empresarial.
No início do século XX constatou-se que a plena liberdade de comércio, com a livre
regulamentação da economia por meio da “mão invisível” defendida pelos economistas liberais
dos séculos XVII e XVIII, não podia mais prosperar. Recapitula Venâncio Filho135 que durante
o transcorrer do século XIX, importantes transformações econômicas e sociais alteraram
profundamente o quadro com esse pensamento político-jurídico.
131 OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. O Estado empresário. O fim de uma era. Revista Informação
Legislativa. www2.senado.leg.br, 15/8/2016. 132 TÁCITO, Caio. Regime Jurídico da Empresas Estatais. Revista de Direito Administrativo, n. 195. 133 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações – Biografia por P.J. O Rourke. http://lelivros.top/book/a-riqueza-das-
nacoes-de-adam-smith-p-j-orourke/ . 134 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 7a. ed., Forense. 2014. 135 VENANCIO FILHO, Alberto. Intervenção do Estado no domínio econômico. Rio de Janeiro - Fundação
Getúlio Vargas, 1968.
70
As implicações cada vez mais intensas das descobertas científicas e suas implicações,
processadas com celeridade a partir da Revolução Industrial fazem aparecer gigantescas
empresas fabris, trazendo em consequência a formação de grandes aglomerados urbanos,
provocando mudanças profundas na vida social e política dos países, acarretando alterações
acentuadas nas relações sociais, exigindo paulatinamente que o Estado abarcasse um maior
número de atribuições, intervindo assiduamente a vida econômica e social das nações
detentoras desses perfis econômicos.
Leopoldino da Fonseca136 salienta que:
[...] o fenômeno da concentração empresarial foi, segundo Farjat, o elemento
decisivo para o surgimento do Direito Econômico, pois que, a partir de então,
surgiu a necessidade de o Estado intervir (através de normas) no mercado, não
para impedir a concentração de empresas, como falsamente se entende, mas
para garantir efetivamente a liberdade de mercado, com a proteção das classes
que poderiam vir a ser desfavorecidas com a nova feição das empresas.
Nesse sentido defendia-se a intervenção do Estado na economia, de modo a superar a
crise vivenciada àquela época pelo capitalismo, passando o Poder Público a regular as políticas
econômicas a serem desenvolvidas na sociedade, mostrando que a postura do Estado deveria
exercer uma influência orientadora.
Acerca da intervenção do Estado, Grau diz que no século XX:
[...] deixa o Estado, desde então, de intervir na ordem social
exclusivamente como produtor do direito e provedor de segurança, passando
a desenvolver novas formas de atuação, para o que faz uso do direito positivo
como instrumento de sua implementação de políticas públicas – não atua
apenas como terceiro-árbitro, mas também como terceiro-ordenador.
Pelo entendimento de Grau, a intervenção estatal na economia não se limitou apenas na
regulamentação da ordem econômica, mas também na participação estatal em setores de
prestação de serviços e produção de bens, até então próprios da iniciativa privada. O Estado
passa a agir como empreendedor, tornando-se um verdadeiro empresário (Estado-empresário).
No período “pós-guerra” a ação empresarial estatal cresceu por quase todo mundo,
surgindo muitas críticas, que Grau elenca em três modalidades de intervenção: a) intervenção
por absorção ou participação; b) intervenção por direção, c) intervenção por indução.
O sentido precípuo da liberdade de contratar é de viabilizar a realização dos efeitos e
virtualidades da propriedade individual dos bens de produção, e esse entendimento da liberdade
136 Leopoldino da Fonseca, João Bosco. Direito Econômico/João Bosco Leopoldino da Fonseca. 7. ed. rev. e
atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
71
de contratar é instrumental do princípio de propriedade privada dos bens de produção. Daí
porque a atuação do Estado sobre o domínio econômico tem impacto de modo extremamente
sensível sobre o regime jurídico dos contratos137 dada a sua configuração, como instituto
fundamental na economia de mercado, conformando muitas relações contratuais no exercício
da própria atividade econômica, numa constante transformação das práticas e também na
economia de mercado administrado, ordenado ou organizado, através de instrumentos
dinâmicos voltados para alcançar não apenas os fins almejados pelas partes, mas, também, para
se coadunar com aos ditames do Estado dentro de uma ordem econômica138.
Advertem os especialistas para o excesso de liberdade, quando há possibilidade de
movimentação para uma decomposição da liberdade de contratar, chagando os interessados a
optar por a uma abstenção de contratar, ocorrendo, em consequência, certas limitações.
A título de exemplificação, confere-se os contratos de transferência de tecnologia e
análogos, em especial os celebrados com empresas do exterior, que influem periodicamente nos
mercados domésticos e internacionais, com novas práticas e inovadora tecnologia que passam
a se tornar necessárias para as relações de comércio interno e externo.
Essas contratações, com os seus instrumentos adicionais, vem invadindo e servindo de
paradigma para vários tipos de pactos mercantis, criando novas técnicas que envolvem desde
os contratos de loteamento, de seguro, nas convenções condominiais, redimensionando
inúmeras fórmulas então existentes em modelos contratuais que interferem nos agentes
econômicos, e por consequência, geram ação ou reações nos mercados e seus respectivos atores.
Exemplo marcante foi o acontecido, quando da fixação de preços pelo Estado impondo
obrigação para o agente econômico, para praticar em um limite fixado, produzindo sequelas no
âmbito dos dois ramos do direito, no público, no Estado, de ver cumprida sua determinação,
tendo em vista a satisfação do interesse social; o no privado, da parte adversa contratante, de
ver satisfeito o seu interesse, pessoal, em não pagar mais do que definido pelo texto normativo.
A ordenação da atividade econômica supõe, no âmbito contratual, a definição de normas
que alcançam níveis de limitação para os agentes econômicos encetar comportamentos a serem
assumidos perante a Administração, e comportamentos admitidos pelos demais agentes
econômicos no mercado dos negócios privados.
Deve-se ficar atento, não apenas com relação as normas que se conformam, se
137 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13a. ed., Malheiros, 2008, p.p. 91-94. 138 René Savatier.
72
condicionam e se direcionam para o exercício da atividade econômica pelos seus agentes
perante na relação com o agente econômico estatal, como também tem efeito com relação as
pessoas que criam direitos e obrigações perante os que agem no âmbito privado, nas relações
contratuais dos agentes econômicos entre si139.
Em situações de crise, muitas vezes é o anseio popular que leva o Estado a estabelecer a
fixação de preços, o controle dos juros, e muitos outros limites provindas, em geral, das
reclamações que os governados expressam, sentem necessidade, que sejam monitoradas, como
isso fosse suficiente para resolver a crise existente. Na realidade, muitas vezes, não são capazes
de solucionar o quanto aflige a sociedade, de cujas medidas criadas para superar a crise, mesmo
acolhida pelo agente estatal, não debelou a crise, senão, a depender das circunstâncias, agrava-
la.
De outra parte, enquanto a liberdade estimula uma contratação livre, sem as peias do
Estado, muitas vezes uma parte leva a um resultado mais favorável a utilizar certos caminhos
presumivelmente com a essência da liberdade. Em outras oportunidades, quando livre em
demasia impede a justa contratação, exaspera-se a submissão a uma determinada vontade,
estraçalhando uma justa, leal, espontânea vinculação contratual.
O princípio em questão torna-se então sujeito a limitações, que Larenz140 classifica em
limitações imanentes ao próprio instituto contratual, e limitações derivadas de princípios de
economia dirigida. Entre as primeiras estão as obrigações de contratar dos concessionários de
serviços públicos e a obrigação de fazê-lo quando a recusa contraria os bons costumes141.
Quanto às segundas, surgem no clima de ordenação dos mercados e se distinguem daquelas
imanentes ao princípio da liberdade contratual.
A classificação de Larenz apresenta a virtude de distinguir hipóteses em que a obrigação
de contratar independe de definição legal – limitações imanentes – e em que o dever de o fazer
decorre de expressa previsão do Poder Legislativo: limitações não imanentes.
No direito positivo nacional estão presentes inúmeros casos, exemplos de contratação
coativa alinhados em expressas disposições legais, como as de que estão assentadas na Lei nº.
12.529, de 2011142, objetivando a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem
139 CARNELUTTI. 140 LARENZ. Karl. Derecho de Obligaciones. Ed. Revista de Derecho Privado. Madri. 1958, Tomo I, pp. 66 ss. 141 Pietro Barcellona, Intervento Statale e Autonomia Privatta nella Disciplina dei Rapporti Economici, Giufffrè
editore, Milão, 1969, pp. 37 e ss). 142 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações
contra a ordem econômica. altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de
73
econômica, consoante os ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência,
função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder
econômico, em favor da coletividade, que é a titular dos bens jurídicos protegidos por Lei.
Dessas circunstâncias é que leva a atuação estatal ordenadora do processo econômico a se
manifestar de modo incisivo que, por vezes, o Estado interfere na celebração dos contratos, no
próprio exercício de atividade econômica.
Observa Farjat143 que nas diversas situações de contratação coativa restam margens
suficientes ao exercício, pelas partes contratantes, da liberdade de configuração interna dos
contratos. E Moncada144 mostra que nas intervenções globais, setoriais e pontuais ou avulsas:
Quando o Estado adopta normas gerais de fixação de margens de
comercialização ou de encorajamento do investimento global, a intervenção
relaciona-se com a economia no seu conjunto; temos intervenções globais.
Se concede crédito bonificado a dado sector (turismo, exportação, por
exemplo), se adopta medidas de organização e disciplina de determinado
sector da produção, se adopta medidas de desenvolvimento do sector
siderúrgico, por ex., ou da viticultura, temos intervenções setoriais.
Diferentemente, quando estamos perante contratos de viabilização,
perante uma declaração de uma empresa em situação econômica difícil,
quando o Estado determina a intervenção ou desintervenção de uma empresa
ou celebra com ela um contrato-programa, temos intervenções de caráter
avulso, intervenções pontuais, muito embora estas intervenções devam
obedecer a critérios estratégicos gerais de ordem objetiva.
O jurista português adianta, da mesma forma, quando os poderes, intervêm diretamente
na economia quando persiste objetivos diretamente econômicos, tem-se intervenções imediatas;
é o caso das medidas de polícia ou de apoio ou fomento de atividades econômicas, bem como
das intervenções diretas, traduzidas na atuação das empresas.
Tem-se também as intervenções unilaterais e bilaterais, as diretas e as indiretas, bem
como a regulação, possibilitando a postura do Estado para assumir técnicas dinâmicas, de
atuação interventiva sobre o domínio econômico, evidenciando a amplitude dos temas
albergados pelo Direito Econômico. No Brasil observa-se a atuação participativa do Estado na
ordem econômica, envolvendo a atividade empresarial sob os ditames da Constituição de 1988.
O Direito apresenta-se como um sistema de normas, de regras para atender a uma ordem
da conduta humana dentro de determinada realidade, com princípios que norteiam a
outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei
no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. 143 FARJAT, Gerard. Droit Privë de l’Economi. PUF. Paris. 1975. Pp.109-110. 144 MONCADA, op. cit. p. 45.
74
concretização da Lei Maior de modo a hierarquizar e vincular o sistema eleito as finalidades
estatais, inclusive a intervenção do Estado na vida econômica e social do país, organizando a
Administração Pública sustentando a manutenção da ordem social e a proteção dos direitos do
povo, por ser a matriz e o padrão de todas as leis145, fortalecendo a dignidade humana como
fundamento do Estado Democrático de Direito, e priorizando a proteção da pessoa.
Oportuno trazer as palavras de Henry David Thoreau contidas em “Desobediência
Civil”: “O melhor governo é o que menos governa”, avivando que a força do Estado, que o bom
governo surgirá quando os homens estiverem preparados para esse tipo de governo. O próprio
governo, para ele, é uma simples forma que o povo escolheu para executar a sua vontade,
mesmo admitindo que estará sujeito a abusos e perversões, antes mesmo que o povo possa agir.
Busca-se a paz, e esta só ocorre quando os governados são minimamente molestados pelos seus
governantes.
No horizonte daquela época Thoreau diz que sempre se deseja ter um governo melhor,
e não aspirar o fim de um governo. Pois, se cada um pode expressar o tipo de governo capaz de
ganhar respeito, espera-se conseguir formá-lo. Mesmo que seja pela vontade da maioria, esse
governo não alcança a justiça, uma vez que essa maioria pode estar traduzida pelo interesse da
conveniência de cada um. Desse modo deve-se ir em busca da consciência, que será o lastro
para instalar uma corporação de homens conscienciosos, formando uma corporação de
consciência, e consequentemente um governo ideal.
Segundo Thoreau o homem nasce nobre demais para ser simplesmente propriedade, e
tampouco serviçal utilizável para ser instrumento do Estado. Deve-se ser em primeiro lugar
homens, depois súditos146. A experiência de Thoreau em sua época reflete da vida dos países
buscando exercitar uma democracia plena.
No curso da história tem-se a forma encontrada após a Segunda Guerra Mundial para
vencer a crise enfrentada pelo capitalismo contando com o auxílio do Estado, intervindo na
ordem econômica. A intervenção estatal no domínio econômico ocorreu basicamente por meio
da regulamentação, planejamento e controle da economia de mercado e da participação direta
na atividade empresarial.
Com o fim da segunda Guerra Mundial, o redesenho do mundo (cuja nova
configuração já estava em elaboração ainda em plena guerra) começa a ganhar
145 LIMA, Ruy Cirne. O Código Civil e o Direito Administrativo. Porto Alegre. Sulina. 1960, p.p. 53-54. 146 THOREAU, Henry David. Desobediência Civil. 1849. ebooks Brasil 2001. http://www.ip.pt/˜234535 –
acesso agosto 2016.
75
contornos mais precisos. Desencadeiam-se múltiplas ações em diferentes
campos para levar adiante projetos, particularmente do governo dos Estados
Unidos, visando garantir a hegemonia americana nesse processo. Rostow se
propõe a incluir o seu trabalho no esforço para compreender e intervir no
comportamento político de várias nações no pós-guerra. Explicita que o faz
de acordo com a perspectiva do Departamento de Estado dos Estados Unidos.
No campo teórico, toma todas as cautelas quanto ao caráter exploratório e
especulativo das suas formulações, mas em relação ao campo político assume
inequivocamente a sua tomada de posição a partir do Departamento de Estado.
Portanto, Rostow faz aí um exercício de método, com o qual constrói um
arcabouço (segundo suas próprias palavras exploratório e especulativo, mas
que continuou sendo por ele citado e não foi revisto posteriormente) de uma
teoria geral da sociedade, que Rostow pretende possa ter um alcance político
bem determinado [...]147.
Os esforços teóricos desenvolvidos por vários idealizadores, à exemplo de Rostow
conduzem ao entendimento marcado pela utilidade prática imediata do conhecimento
produzido para uma política estatal, especialmente a política desenvolvida pelos Estados
Unidos da América como a grande potência hegemônica que se impõe no pós-guerra. Seu
objetivo maior foi a utilidade prática que suas formulações se tornaram importantes projetos do
Estado, detendo o maior poder de decisão.
A participação direta do Estado na ordem econômica, destaca-se com o envolvimento e
a presença do Estado-empresário, realçando que a ação estatal passou a contemplar tanto os
serviços públicos propriamente ditos, como também, principalmente a partir daí os serviços
peculiares da atividade econômica empresarial, agindo e interferindo nos empreendimentos
comerciais e industriais na esfera privada.
No momento que apareceu o “Estado do Bem-Estar Social” (welfare state) ou “Estado
Providência”, o Poder Público passou a desenvolver esse modelo, intervindo e explorando a
atividade econômica com o fito de auxiliar a iniciativa privada em crise. O Estado passou a
executar serviços públicos de natureza comercial ou industrial, além daqueles próprios da
atividade estatal objetivando a promoção do bem-estar.
Com o surgimento do Estado Social houve significativo aumento das atividades em
funções públicas para atender os interesses coletivos, acarretando transformações sociais,
econômicas e culturais.
147 RIBEIRO, Flávio Diniz. Walt Whitman Rostow e a problemática do desenvolvimento: Ideologia, Politica e
Ciência Guerra na Fria. Tese doutorado USP, São Paulo, 2007, p. 105.
76
Jorge Miranda enfatiza a relação do Estado neutro com a do Estado ético, do Estado
mínimo ao Estado providência, do Estado polícia ao Estado de bem-estar, do Estado jurídico
ao Estado cultural, e do Estado legislativo ao Estado Administrativo148.
Para intervir em atividades comerciais e industriais típicas da iniciativa privada, o
Estado constituiu empresas públicas com finalidades, aspectos de natureza econômica, política
e social, praticando atos de comércio e indústria ao lado dos particulares, concorrendo com a
iniciativa privada por meio de suas empresas.
O empreendimento econômico sob responsabilidade do Estado, hodiernamente
questionado, estaria sob práticas de concorrência desleal, uma vez que ao se aproximar das
atividades mercantis típicas aufere indevidos vantagens e benefícios quando comparados os
resultados na disputa de mercado entre as empresas públicas e privadas, prevalecendo as
primeiras.
A justificativa dessas análises está assente na visão de muitos críticos sobre o porquê do
crescimento das denominadas “estatais” com atividades administrativas sem medidas,
colocando em risco os interesses dos empreendedores privados perante o mercado, face o
exercício advindo do caráter interventor do Estado.
No Direito Econômico quando o tema é intervenção do Estado, de logo mostra a
presença do Poder Público na economia, por não atender efetivamente as demandas da
coletividade, face a ineficiência da iniciativa privada. E por isso a preocupação que o poder
executivo exagere no acúmulo de controle do mercado149, ampliando o exercício da gestão
através da sociedade de economia mista e em outras empresas e em atividades mercantis
assemelhada.
A respeito Cretella Junior destaca que:
Tem sido, aliás, observado pelo legislador constituinte brasileiro, sem
exceção, o princípio que coloca em primeiro lugar o particular, no tocante a
exploração de atividade econômica, permitida a intervenção do Estado nesta
área quando inoperante ou ineficiente a iniciativa privada, variando, tão-só,
de Constituição para Constituição, os fundamentos invocados para legitimar
a intervenção do Estado no domínio econômico, como ocorreu na vigência da
Constituição de 1934, art. 116 (‘por motivo de interesse público e autorização
em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou
atividade econômica’), na Constituição de 1937, art. 135 (‘a intervenção do
Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da
148 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra, 4a. edição – 1990, T. 1, p.p. 88-89. 149 FINGER, Ana Cláudia. O principio da boa-fé no Direito Administrativo. Tese doutorado: Universidade Federal
do Paraná - Curitiba, 2005, p. 20.
77
iniciativa individual’), na Constituição de 1946, art. 146 (‘a União podera,
mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar
determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interesse
público e por limites os direitos fundamentais nesta Constituição’), na
Constituição de 1967, art. 157, e na EC no 1 de 1969, art. 163 (‘são facultados
a intervenção no domínio econômico e monopólio de determinada indústria
ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de
segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido
com eficacia no regime de competição de liberdade iniciativa’). E, ainda, em
1969, art. 170: ‘apenas em carater suplementar da iniciativa privada o Estado
organizara e explorara a atividade econômica’ (art. 137, paragrafo único). Em
1988, a colocação é a mesma, justificando-se a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado somente quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em
lei150.
O aludido comentário mostra a ação estatal na atividade econômica presente no curso do
século XX, como uma conduta intervencionista também adotada no Brasil, como relata Orlando
Gomes151 [...] “realmente, em demonstrar que o desenvolvimento econômico de um pais
atrasado precisa contar com o apoio do Estado, por meio de uma politica que se traduza
juridicamente numa legislação adequada”. E acentua que:
No Brasil, o processo de acumulação capitalística, acelerado nos últimos anos,
não ocorreu por força espontânea, mas pela execução de política de estímulo
e de incentivo à produção, levada ao extremo da participação direta do Estado
na atividade empresarial.
No que se refere à realização de atividade econômica empresarial, o Estado brasileiro
criou modalidades de entes que como ordena o art. 5º do Decreto-Lei nº. 200/67: empresa
pública e sociedade de economia mista: quando o capital social é formado pelo Poder Público
e pelo particular, constituídas por meio da modalidade de sociedades anônimas, inclusive
estando submetidas aos imperativos da Lei nº 6.604/76.
Realça-se que o objeto social das empresas públicas e das sociedades de economia mista
sob as disposições do direito privado - § 1º do art. 173 da Constituição de 1988 -, consoante
princípios obrigatórios da Administração Pública, trata os entes integrantes da Administração
Pública Indireta, nos termos do caput do art. 37 da Constituição de 1988, que as paraestatais
em questão, atuam em atividades “monopolizadas” pelo Estado ou, então, nas atividades
denominadas como “necessarias”, isto é, quando exigir a segurança nacional ou interesse
coletivo, previsto no aludido caput.
150 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Forense Universitária. 1998. 151 GOMES, Orlando. Prefácio in Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico. Autor:
Edvaldo Brito. 2a ed., Saraiva, 2016, p. 11.
78
Na exploração das atividades econômicas denominadas “necessárias”, o Poder Público,
legitimado nas situações contempladas no caput do art. 173 da Constituição Federal de 1988,
tem-se a segurança nacional ou interesse coletivo, ao lado dos particulares no desenvolvimento
das atividades para as quais as paraestatais foram criadas.
O Supremo Tribunal Federal decidiu questionamento da legitimidade de o Estado
continuar, após a nova ordem constitucional de 1988, intervindo na atividade econômica, além
das hipóteses autorizativas expressas no caput do art. 173 da Constituição Federal de 1988.
A expressão “ordem econômica” é considerada e utilizada na linguagem jurídica como
termo de conceito de fato, dando sentido experimental de determinada economia concreta, ao
mesmo tempo que estabelece alguma norma regulando uma realidade, encadeando conceito de
ordem econômica constitucional na direção de Constituição Econômica.
Pelo artigo 170 da Constituição de 1988 as relações econômicas ou a atividade econômica
estão estabelecidas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames de justiça social. Daí a observação numa linha
do pensamento liberal proporcionando uma conotação de ordem econômica como sendo
substituída por uma ordem econômica intervencionista.
Nessa caminhada de depuração das relações econômicas que chega para o Estado praticar,
alguns afirmam, compelido a refinar o desempenho das funções pelas quais responde,
proporcionando integração, modernização e legitimação capitalista, levando-o a implementar
políticas públicas, produzindo novas ordens econômicas, preconizados nas Constituições
Econômicas diretivas.
A doutrina portuguesa fomenta entendimento em um conjunto de preceitos e instituições
jurídicas garantidores, definindo um sistema econômico sob determinada forma de organização
e funcionamento, numa determinada ordem econômica, a partir de sua função, formada pelo
ordenamento essencial da atividade econômica, contendo os princípios e as normas essenciais
ordenadoras da economia, dos quais decorrem sistematicamente as restantes normas da ordem
jurídica da economia152, observando-se que há uma com relação a Constituição Econômica
material que:
[...] integra o núcleo essencial de normas jurídicas que regem o sistema
e os princípios básicos das instituições econômicas, quer constem quer não do
texto constitucional: máxime, quer seja ou não dotada da particular
152 FRANCO, Antônio L. Sousa. Noções de Direito da Economia, v. I, Associação Acadêmica da Faculdade de
Direito de Lisboa. Lisboa, 1982/1983, p. 91.
79
estabilidade que caracteriza as normas nos textos constitucionais.
[...] compreenderá apenas as normas, tal como acima definidas, que
estejam integradas no texto constitucional e dotadas dos seus requisitos e
características formais: ou outras normais constantes do texto constitucional
formal com incidência econômica, ainda que desprovidas, de per si daquela
particular relevância material.
O fato é que concebido o conjunto de preceitos que institui determinada ordem
econômica, no denominado mundo do ser, ou como conjunto de princípios constituem regras
ordenadoras da economia, mesmo provocando criticas ao entender que o conceito de
Constituição Econômica envolve uma ficção, por preencher normas jurídicas constitucionais,
quer pelo ponto de vista orgânico, quanto de colocação hierárquica.
Adverte Eros Roberto Grau que: “a crise do nosso tempo é, em sua origem, não da
intervenção estatal na e sobre a economia, porém crise do Estado”, pois este não consegue mais
suportar as funções que teve de assumir durante o período de crise enfrentado pelos diversos
setores econômicos, principalmente durante o início e meio do século passado. Daí ter chegado
à conclusão que a figura do Estado foi, de certa forma, totalmente desconfigurada, com ele
absorvendo funções além daquelas que lhe são próprias. A decorrência natural de tal fator, no
geral, levou à baixa eficiência apresentada pelo Poder Público nas áreas onde atua.
Em um novo contexto político, social e econômico debate-se o papel a ser desenvolvido
pelo Estado, se deve ser ou não aquele modelo desenhado para atender o Estado de “Bem-Estar”
ou “Providência”, uma vez que o aludido paradigma teria se revelado ineficiente, incompetente
para competir com a atividade privada, por considerar que os formatos desenvolvidos pelos
particulares atuam em ambiente, que pressupõe de melhor organização e dinâmica.
Verifica-se o questionamento a proposito do papel da ação empresarial pelo ângulo
constitucional a ser desempenhado pelo Estado somente nas atividades consideradas essenciais,
como de segurança nacional ou se limitaria ser praticado para alcançar o interesse coletivo
definido em lei.
A aludida discussão abrangeria chegar a iniciativa privada por meio dos processos
denominados de privatização ou desestatização, considerados como momentos sob influencia
política neoliberal, postulando a interferência na economia em setores que podem ser melhor
executadas por empresas privadas153.
Considerando que o processo de privatização torna-se importante em determinadas fases
153 LANDAU, Elena.
80
de reestruturação do Estado, devendo o Poder Público dedicar-se com mais intensidade e afinco
as atividades consideradas essenciais para o interesse da coletividade por ele tutelada, numa
redefinição das finalidades estatais, por isso que argumentam alguns juristas haver uma fuga
para o direito privado, por ser um caminho alicerçado, decorrente do processo de
mundialização, a globalização da economia, como uma espécie de libertação das vinculações
jurídico-públicas, não obstante acirradas criticas acerca dos riscos ao patrimônio público e aos
direitos dos cidadãos154.
Fundamental sopesar o equilíbrio na conjugação entre o Direito Público e o Direito
Privado, de modo a que se evite uma publicização excessiva, com o intuito de superar qualquer
dificuldade em harmonizar as necessidades de eficácia, como garantia de direitos.
Hoje, a actividade administrativa tende a ser encarada numa perspectiva
global, na qual assumem relevância comportamentos que podem, ou não, ser
pré-determinados legalmente e que podem expressar-se através de actos
materiais, técnicos, organizatórios, operativos, cognoscitivos, inspectivos,
decisórios ou mesmo extra procedimentais. A ideia principal é a de que perde
cada vez mais relevância a tradicional distinção em termos rígidos entre o
“acto” e a “actividade” uma vez que “o todo é a acção administrativa”155.
Não restam dúvidas que a iniciativa privada está melhor preparada para atingir o lucro no
exercício de suas atividades empresariais privadas e privatizadas, por ter sido este o caminho
desenvolvido ao longo dos séculos, e ser este o objetivo do setor empresarial propriamente dito.
Aponta-se que o exercício das atividades econômicas desenvolvidas por meio das
empresas estatais, inclusive as que operavam antes de privatizações, muitas não obtinham lucro
face a má gestão, inapta na administração, sem maior interesse no desenvolvimento dos seus
negócios, fazendo o Estado assumir várias atividades em determinados momentos extrapolando
o campo de ação Estado-empresário.
Adverte-se e até é de se impor, deve-se conferir pelos devidos procedimentos legais se o
Poder Público agiu sobre a atividade econômica, criando empresas ou incorporando outras da
iniciativa privada, combalidas em determinada época, porque foi convocado para tanto, ou se
interessou sob alguma influência equivocada de aceno de sucesso. Assim deve ser examinado,
se colocou em suas mãos atividades empresariais com o fito de solucionar, ou tentar amenizar
a crise existente, em episódios que os mesmos empresários do setor privado aproveitaram-se
de politicas, indevidamente, com propensão ao descalabro econômico, como algumas que se
154 ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da atividade de direito
privado da administração pública. Almedina, Coleção Teses - 1996. 155 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo contrato administrativo. Almedina, 2003, p. 67.
81
aproveitaram de incentivos fiscais em áreas pré-determinadas ditas carentes com o proposito
de promover o desenvolvimento regional.
Alguns empreendedores aproveitaram ou aproveitam dos incentivos fiscais nos períodos
programados, para implantar atividade que conferem pioneirismo, desenvolver progresso, mas,
muitas vezes, outros, não afinados com esses propósitos, tão logo findos os benefícios,
abandonam, encerraram as atividades mercantis, levando a economia local à “banca rotta”,
provocando prejuízos, com significativos danos e repercussões nas áreas dessas alocações no
pais, até mesmo com diversas sequelas para a nação.
A comprovação desses resultados está no acirramento do desemprego, o aumento da
pobreza, a provocação da migração, ampliando o impulso ao êxodo, que leva ao tumulto
demográfico, convolando miséria. Situações que não podem ser repetidas, devendo o Estado
dar efetiva solução para superar esses problemas políticos, econômicos-sociais, extirpando da
sociedade contemporânea.
O poder político estabelecido na Constituição Econômica é para conciliar o mercado e os
bens ambientados no país. Estorninho156 reitera que a ação administrativa, enquanto
consequência de atos, atividades, operações e comportamentos, traduzindo a realização de uma
função que tem relevância, não apenas como procedimento, mas como atitude que visa o
desenvolvimento dessa função. Essa atitude traduz-se hoje, não em assegurar a conformidade
da atividade administrativa a uma ordem normativa pré-existente (“legalidade-legitimidade”),
mas sim em “dar vida, através da participação e do confronto de todos os interessados
convolvidos”, a uma justa e original composição de interesses” (“legalidade-justiça”).
O direito aflora a harmonização e a participação, para evitar o confronto dos atos e
atividades administrativos públicos e privados, para reduzir as hipóteses de intervenção no
Estado.
156 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo contrato administrativo. Almedina, 2003, p. 67.
82
1.2.1 O mercado e os bens na ordem econômica
Em geral parte-se do pressuposto de que os mercados não são afetados, nem se
comprometem com os bens que sofrem alguma regulamentação. Alega-se que na realidade os
bens materiais e imateriais passaram a ter uma nova configuração, com marcas próprias,
adaptando-se as circunstâncias econômicas-sociais de cada momento. Procedeu-se dar uma
visão distinta das coisas que sempre estiveram ou passaram a figurar em um rol semelhante,
que o homem necessitou para viver, ou acumulou para sobreviver.
O “bem” no contexto jurídico e no sentido amplo, alinham-se na ordem econômica
disposta na Constituição Federal de 1988, com a face dada pelo direito econômico, debatido
além-fronteiras, que se desenvolveu no campo do direito originário e derivado, prevalecendo
sobre o direito interno, seja de que nível hierárquico for, que na linguagem de Moncada157, no
âmbito do direito econômico, observando as constantes transformações, em variadas escalas,
envolvendo interesses e valores como a proteção, dadas as interpretações dos fatos e
circunstancias vivenciadas na Comunidade Europeia.
Os princípios fundamentais da CE do nosso país não se oferecem ao
intérprete dispostos numa rigorosa relação hierárquica que lhe permitisse
resolver facilmente as antinomias e divergências derivadas do conteúdo de
cada um deles. As referidas antinomias são uma consequência da escala
heterogénea de interesses e valores protegidos e traduzidos pelo texto
constitucional.
Estamos, pois, perante um problema de interpretação das normas
constitucionais, que não pode deixar de ser resolvido senão admitido uma
contração do conteúdo máximo de cada um daqueles princípios em ordem a
viabilizar a respectiva coexistência. O conteúdo destes princípios só deve
ceder na medida absolutamente indispensável aos direitos de cidadania dos
restantes.
Para além das antinomias aludidas, importa referir que os princípios
gerais da CE não têm todos a mesma natureza jurídica. Não é só o conteúdo
respectivo que é por vezes antinómico, sendo também diversa a proteção
jurídica que lhes concede a lei constitucional, em função nomeadamente do
seu caráter programático (normas do art. 81.º, por ex.) ou impositivo (os
direitos subjetivos da área econômica, por ex.) assim remetendo a respectiva
disciplina para diferentes órgãos do Estado e assim para ela exigindo certa
forma normativa (haja em vista o regime especial que para os direitos
subjetivos decorre do art. 18.º, componente essencial da ordem jurídica da
economia do nosso país)158.
157 MONCADA, Luís S. Cabral de Moncada. Direito Económico. 6a. ed. Coimbra Editora, 2016, p. 136-137. 158 Idem - p.p. 136-137.
83
Os conjuntos e parâmetros de antinomias jurídicas contidos na história, em especial na
economia, configura o ‘bem’ como esteio econômico, que na dicção do direito constitucional,
agita o conhecimento, proporcionando interpretação dos aspectos da intervenção dos poderes
públicos na economia que modificaram, alteraram o comportamento dos governados, não só
em decorrência do conteúdo de uma lei, mas também, quando dirigentes criam ou colocam
novos modelos econômicos para se relacionar com o Estado, numa ampla expectativa que se
opera num efetivo Estado democrático de Direito. Quando assim não acontece de verdade, esses
modelos e experiências causam rupturas, ou pelo menos podem continuar a causar transtornos,
danos de variada intensidade aos governados. Idealiza-se metas para obter uma condução com
um mínimo de percalços, adotando direcionamento após um minucioso estudo de causas e
efeitos, para então inserir e configurar uma ordem jurídica e econômica.
Leciona Cunha Junior159 que:
O conceito de ordem induz a uma ideia de organização e, por essa razão,
de uma seleção dos elementos que integram um conjunto, direcionada a uma
finalidade. Toda organização tem um direcionamento para uma meta. Daí
dever-se entender ordem como uma organização que envolve dois
movimentos. Há um movimento de colocar juntos elementos compatíveis,
coerentes entre si. Este primeiro movimento é estático, em que se visualizam
os elementos que integram o conjunto numa perspectiva de compatibilidade,
de não-rejeição. E há um segundo movimento, que complementa e integra o
primeiro com a perspectiva dinâmica.
Dentro desse quadro, ordem significa um conjunto de elementos
compatíveis entre si e, para além dessa coerência, voltados para o futuro,
direcionados a uma teleologia.
Essa lição leva a compreensão que a ordem econômica adquiriu dimensão jurídica a
partir do momento em que as Constituições passaram a disciplina-la, não somente no campo do
direito público, atendendo também o domínio privado.
A Constituição Federal brasileira proporciona os elementos definidores da atuação do
Estado em harmonia com a ordem econômica desejada e adotada pelo constituinte de 1988.
Apropriado não esquecer das antigas experiências, ao mesmo tempo idealiza-las para um futuro
melhor. Aponta José Afonso da Silva160 que a posição relativa dos homens em face dos meios
de produção, distingue os sistemas econômicos, mostra que a essência do capitalismo não se
encontra contida na consagração da propriedade privada dos bens de produção, também pode
ser encontrada na posição ocupada pelo indivíduo diante da produção social, mercê da qual o
159 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. JusPodivm – 10a. ed. 2016, p. 1145. 160 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31a. Ed. p. 785.
84
acesso a ela se dá através do intercambio, e sob ótica do caráter coletivo da produção. Muitas
outras raízes também estavam presentes nessas realizações, e que se projetam cotidianamente
para se encapsular nesse meio de produção, muitas vezes visível, e em outras circunstâncias se
apresentam de modo opaco.
Enfatiza Vidigal161 que a Constituição enfoca a liberdade e a propriedade privada, bem
assim do direito de herança, embora lastime que no Título da Ordem Econômica, não se
encontra dispositivo expresso que assegure o funcionamento do mercado, ou esclareça qual
regime adota, não obstante da opção constitucional por um regime de mercado organizado,
atribuindo à expressão organização dos mercados significação mais ampla do que é corrente.
Denomino Direito da Organização dos Mercados a disciplina jurídica
corretora do conjunto das distorções características das soluções de liberdade
de mercado, abrangendo não apenas as distorções que afetam a competição,
como as que induzem repartição desigual e as que alimentam flutuação em
direção à crise162.
Este direito da organização dos mercados consubstancia a “disciplina dos agentes
privados, no exercício de atividades privadas, inspirada no interesse coletivo”163, imprimindo
importância para verificar os parâmetros que pode ou deve atuar o Estado, no exercício da
função de organizador dos mercados, de onde estão presente inúmeras opiniões, e com relação
ao comportamento estatal164 face aos excessos e a arrogância que o Estado exercita em algumas
situações na condução da economia, como aconteceu na vigência da Constituição de 1967 e
Emenda Constitucional nº. 01/69, quando os governantes põem o Estado praticando graves
erros.
Os pesquisadores sobre o tema lembram a Constituição Imperial (1824-1891), ao dispor
que: “a Pessoa do Imperador é inviolavel e Sagrada: Elle não esta sujeito a responsabilidade
alguma” - (art. 99) -, expressando o principio jurídico nascido nas monarquias absolutistas,
adotado pelo direito inglês, o qual preserva não só a pessoa do rei, mas também do Estado165.
Aponta Vidigal que: “ [...] o Estado ainda não se apercebeu de que precisa ser modesto
e moderado, em sua presença econômica, porque está sujeito a erros tanto quanto os
indivíduos”166. Salienta ser necessário que o Estado exerça sua presença com extrema modéstia
161 VIDIGAL, Geraldo. A Ordem Econômica – A Constituição brasileira – 1988 - Interpretações. Forense
Universitária. Rio de Janeiro. 1988, p.p. 373 e ss. 162 VIDIGAL, Geraldo. Teoria Geral do Direito Econômico. Revista dos Tribunais, 1977, p. 47. 163 VIDIGAL, op. cit. p. 40. 164 VIDIGAL, op. cit., p. 375. 165 The king can do no wrong. 166 VIDIGAL, op. cit. p.p. 378-381.
85
e moderação sem perturbar a liberdade de iniciativa e sem tumultuar a economia. Devendo o
Estado considerar que deve fiscalizar no exercício do poder de polícia, de modo a promover
incentivo, atuando de forma mais modesta, principalmente quando se tratar da economia.
Moncada167 ao abordar a noção de bem público, assevera que:
A noção do bem público não é independente do bem privado. É simplesmente
um conjunto dos bens privados. É o conceito de um sujeito transcendental e
autónomo relativamente aos fins exteriores, ou seja, capaz de uma atividade
(económica) independente, que está na origem da desconfiança liberal face
aos valores e fins que ao individuo possam ser impostos pelo Estado.
O exercício da liberdade individual que tem como consequência na esfera
económico o lucro é, já por si, critério da moralidade liberal, uma moralidade
pensada como autonomia, independente de outros fins que não sejam os do
próprio individuo livre.
Por ser assim, a fonte da atividade económica é a vontade privada e o seu
critério o do interesse privado. A subordinação da atividade económica à
vontade do Estado é, neste enquadramento, algo que não faz sentido e que só
poderia conduzir à tirania e ao irracionalismo, pois que substituir a vontade
do Estado à vontade dos particulares no domínio de aplicação, a economia,
essencial para a sua plena realização, suprimindo a liberdade individual em
nome da arbitrariedade dos poderes públicos, cuja atuação, no domínio da
economia, só poderia além do mais conduzir ao desperdício e escravizar o
individuo, pois que, impondo-lhe fins a ele estranhos, o Estado quebraria a
ligação entre liberdade individual e resultado económico.
A atividade individual decorre não somente de explicações para os fatos sociais, como
se desenvolve através de alguma ideia filosófica que o pensador se detém sobre determinado
assunto. Procede-se uma análise dos bens e mercados no sentido amplo e jurídico classificados
ao titular do domínio.
Classificam-se os bens, em atenção ao titular do domínio
(proprietário), em públicos e particulares.
Segundo o art. 98, consideram-se públicos os bens do domínio
nacional pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público interno, sendo
particulares todos os demais, seja quem for seu proprietário.
O art. 99, por sua vez, classifica os bens públicos em bens de uso comum do povo (rios, mares, estradas, ruas, praças); bens de uso especial
(edifícios ou terrenos destinados ao serviço da administração pública); bens
dominicais (os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de Direito
Público, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades).
Enquanto conservarem sua classificação, são inalienáveis os bens de
uso comum do povo e os de uso especial (art. 100). Já os dominicais podem
ser alienados, observadas as exigências da lei (art. 101).
Seja qual for sua classificação, tradicionalmente nenhum bem público
sujeita-se à usucapião (art. 102). Esse entendimento, no entanto, tende a
167 MONCADA, op. cit. p. 19.
86
mudar, ao menos no que toca aos bens dominicais. Há estudos em Direito
Administrativo nesse sentido168.
Quando a matéria não está restrita ao Direito Civil e se mescla com as de Direito Público
quando o foco é o mercado, como atividade ampla no campo da economia, neste regime de
mercado organizado, tem-se a presença da intervenção do Estado, que Farjat169 mostra, que,
qualquer que seja a conjuntura, crise ou prosperidade, o intervencionismo se desenvolve. O
referido autor avaliou como próximo do liberalismo clássico, âmbito onde haveria a presença
de um Estado gendarme, que simplesmente estende suas funções à organização da economia,
em razão do surgimento de poderes econômicos privados e da prática de abusos de poder.
Sustenta Reale170 que houve iniludível opção dos constituintes pelo tipo liberal para
coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio
Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólio, ao abuso do poder
econômico, visando ao aumento arbitrário dos lucros, expressando que:
À luz do que as suas disposições enunciam, estou convencido de que a Carta
Magna, ora em vigor, optou por uma posição intermédia entre o liberalismo
oitocentista, infesto a toda e qualquer intervenção do Estado, e o dirigismo
estatal. Dir-se-ia que sua posição corresponde à do neoliberalismo ou social-
liberalismo, o único, a meu ver, compatível com os problemas existenciais de
nosso tempo”. Enfatiza a consagração constitucional dos princípios da livre
iniciativa e da livre concorrência e o caráter excepcional da exploração
econômica pelo Estado, [...]
Do acima, portanto, a Lei Maior brasileira fomenta princípios atinentes a livre iniciativa
e a livre concorrência, exorcizando as características que estribou as Constituições vigentes nos
regimes de exceção. Grau171 após o exame das opiniões de diversos constitucionalistas sobre a
Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado.
Desse exame vê-se que a ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a
economia de mercado, distanciada, porém do modelo liberal puro e ajustada à ideologia
neoliberal, que são vistas nas expressões e posições políticas cotidianamente veiculadas por
organizações envolvidas na órbita empresarial, patronal, sindical, e operários, demandando
repudio ao dirigismo. Observe-se que ao acolher o intervencionismo econômico, este age contra
168 DONIZETTI, Elpidio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil, 5ª ed., Atlas, 05/2016. VitalBook
file. 169 FARJAT, Gérard. Droit Économique. Paris, Presses Univs., Thémis. 1971. p. 176. 170 REALE, Miguel. Inconstitucionalidade de congelamentos – in Folha de S. Paulo, 19.10.88, p. A-3;
Constituição e economia, in O Estado de S. Paulo, 24.1,89, p. 3; O Estado no Brasil, in Folha de São Paulo,
19.9.89, p. A-3. 171 GRAU. Op. cit.
87
ou favor mercado, ou simplesmente desfavorece os governados, contudo, face as evoluções e
transformações constantes dos bens e serviços que são criados e colocados à disposição dos
indivíduos, necessário se faz um acompanhamento para as adequações morais, e do interesse
ético contemporâneo.
Quando se examina e leva a considerar a existência de uma Constituição capitalista, com
liberdade exercida no interesse da justiça social, confere prioridade aos valores do trabalho
humano sobre todos os demais valores da economia de mercado, também há crítica a
Constituição brasileira vigente.
O artigo 1º, IV a Constituição de 1988 enuncia como fundamento da República o valor
social da livre iniciativa. O artigo 170, caput, afirma que a ordem econômica está fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e que tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, conduzindo ao entendimento que a
ordem econômica está fundada na livre iniciativa. Destarte, consubstancia-se princípios
políticos constitucionais conformadores a fim de atender a livre concorrência, pois os princípios
constitucionais pertencem à ordem jurídica positiva, constituindo um importante fundamento
para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo172.
Note-se que o trabalho humano tem como objeto a sua constante valorização, e é neste
sentido que José Afonso da Silva sustenta que a ordem econômica dá prioridade aos valores do
trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.
A Constituição coloca o Estado na posição de agente regulador, nem por isso pretendeu
implantar uma economia de cunho centralizado. Não permite esse entendimento nem a análise
dos princípios consagrados expressamente, nem o estudo sistematico do ‘Texto’, segundo
Bastos173, que a expressão regular quer dizer calibrar, colocar em harmonia, expelindo toda
sorte de manipulações que empresários não éticos possam implantar. Por essa perspectiva
procura-se alcançar o Estado de Direito o qual não comporta a noção de poder arbitrário, o qual
é concebido sempre que o detentor ou agente está acima da diferença entre lícito e ilícito, e, por
isso mesmo, está sempre a enfrentar o problema do poder ilícito174.
172 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra -
Almedina, 1997. 173 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit. 174 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. WMFMARTINS FONTES, São Paulo, 2013,
p. 95.
88
Confere-se que o Estado adita normas no sentido de purificar o mercado, para evitar
deturpações. Contudo, deve-se estar atento ao fato que algumas vezes o Estado, a pretexto de
melhor regular, intervém no preço praticado no mercado, como aconteceu ao estabelecer
tabelamento de preços, utilizando o poder de intervenção de forma drástica no mercado.
A experiência brasileira constatou que tal prática não foi auspicioso, não proporcionou
vantagem e ou validade na economia nacional em momento de crise. Interessante observar o
opinativo de Caggiano175. Por exemplo, pode-se citar a questão atinente ao tabelamento de
preços. Quando este foi exercitado no Brasil, demonstrou e surtiu efeito contrário. Prejudicou
a economia do país. Não trouxe benefícios, não alcançou um desiderato propício para um ajuste
de proteção socioeconômico. A experiência provou que o procedimento de tabelamento
conduziu a especulação, submetendo a população a um cruel estímulo a prática de ágio,
favorecendo os especuladores, protagonistas de plantão, para a obtenção de vantagens.
De igual maneira como o que aconteceu com os mirabolantes planos econômicos levados
a cabo por governantes e colaboradores inconsequentes, levando o povo as circunstâncias que
experimentou, com nefastos episódios, que de forma equivocada implantou regras, que muitos
críticos rotulam como procedimentos calamitosos.
No se pode desprezar a redação do quanto disposto no artigo 174 da Lei Maior que limitou
a atuação estatal a três funções: fiscalização, incentivo e planejamento. O Estado está autorizado
a exercer a fiscalização, exercitar o seu poder de polícia para verificar se os agentes econômicos
estão cumprindo as disposições normativas incidentes sobre suas respectivas atividades. Assim
sendo o Estado não pode se furtar a algumas atividades que, sem implicarem na prestação direta
da atividade econômica, propriamente dita, venham a colaborar, com um processo de maior
conformação da atividade das junções, tendo objetivo mais pleno possível dos elencados no
artigo 170 da Carta Magna. Porque cabe ao Estado fiscalizar, desde quando desfruta de um
poder amplo, designado poder de polícia, objetivando manter a atividade privada dentro do
estabelecido pela Constituição e pelas leis.
Na ótica de Vidigal176 o Estado pode intervir para propiciar incentivos, que é a mais
moderada forma de presença do Estado na economia. O incentivo já traz em si a ideia de
estímulo, de ajuda, enfim, de concessão de benefícios no implemento da atividade privada. É
dizer, o Estado pode incentivar determinados ramos da economia, quando no seu mais rápido
175 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Controle de Mercado por via de Tabelamento, in Revista de Direito
Público, 1991, v. 100, p. 43. 176 VIDIGAL, Geraldo de Camargo. A Constituição brasileira. Forense Universitária. 1988, p. 381.
89
desenvolvimento de atender ao interesse coletivo. É o que acontece, sobretudo, nas regiões onde
se aplica uma política visando a redução das desigualdades regionais (com apoio no art. 170,
VII da CF). O próprio objetivo da busca do pleno emprego também serve de respaldo a um
sistema de subsídio, isenções e outros meios de incentivo. O incentivo estatal pode dar-se pelas
modalidades de estímulo e apoio, através da concessão de isenções tributárias, incentivos
fiscais, creditícios, e muitas outras escalas e estratégias de engenharia e desenvolvimento.
Ultimamente economistas sustentam novas percepções sobre a produção e consumo de
bens materiais, mas, também situações e interesses sobre o comportamento humano em certos
programas de incentivo financeiros.
Sandel177 destaca que alguns modelos de programas de incentivos experimentados, ainda
são discutidos como a prática para esterilizar mulheres, a remuneração para as crianças obterem
boas notas, prêmios nas universidades para alcançar melhor desempenho acadêmico, dentre
muitos outros, como os experimentos na saúde com produtos sob pesquisa médica, o estimulo
à leitura, o controle da imigração, a multa proveniente da política de filho único na China, a
procriação em diversos países, o controle do efeito estufa, os créditos nas emissões de carbono
na atmosfera, outras situações e exemplos.
Constata-se, muitas vezes, os incentivos não se originam somente do poder publico, mas
também são criados pelos particulares em estudos, no desenvolvimento de diversas pesquisas
científicas para atender algum setor da vida.
Comenta-se que na segunda metade do século XX, a obra de Paul Samuelson,
“Economics”, considerada à época como importante manual de economia nos Estados Unidos,
associa a economia ao seu objeto tradicional: “o mundo dos preços, salarios, taxas de juros,
ações e títulos, bancos e crédito, impostos e gastos”. Entende que a economia não diz respeito
apenas à produção, à distribuição e ao consumo de bens materiais, alcança à interação humana
em geral e aos princípios que regem a tomada de decisões pelos indivíduos.
Para Sandel o tema dos incentivos permeia a economia atual, chegando a ser declarado
como pedra angular da vida moderna. A economia estuda os incentivos, com destaque no século
XX, quando os mercados e a lógica de mercado aumentaram sua influência. Em 1968,
incentivou seu uso, que se generalizou perante os economistas, executivos de corporações,
burocratas, analistas políticos e jornalistas, passando a ser utilizada como uma versátil dicção.
177 SANDEL, Michael J. O dinheiro não compra. Civilização Brasileira, São Paulo, 2017. P. 85.
90
Apesar dessa tendência à incentivos, a maioria dos economistas insistem na distinção
entre economia e ética. Daí Sandel aproveitar a afirmação de Levitt e Dubner, que a economia
simplesmente não lida com a moralidade. A moralidade representa a maneira como as pessoas
gostariam que o mundo funcionasse, e a economia representa como ele de fato funciona178, mas,
a final das contas, o que se percebe é que o economista de fato precisa lidar com a moralidade.
O Estado pode, e, a depender da sua política, deve comparecer na economia para planejar
numa busca de eficiência, adotando mecanismos que não castrem os movimentos mercantis
legítimos, e não deixem de observar a ética. Observa-se que o planejamento foi e é em principio
próprio dos países socialistas, que tiveram ou têm suas economias, desta natureza, sempre
seguindo projetos, estratégias envolvendo diversos agentes econômicos, dentre estes, as
empresas estatais que obedecem a um plano único nacional traçado por um poder central, plano
este, também, centralizado e obrigatório para as empresas. O que se verificou ao longo dessa
experiência em diversas nações, é que interferindo de modo extremamente audaz, propicia o
desaparecimento da força do mercado, e a direção das empresas segue tão-somente os ditames
do planejamento, metas radicais que não se compatibilizam com a economia já estruturada, e
muitas vezes com a ética.
Os críticos sobre a matéria observam que existem diferenças, frequentemente
imperceptíveis face os detalhes incrustados, inclusive, porque muitos planos não são totalmente
vinculantes, como aconteceu quando na banda ocidental do planeta exercitou o planejamento,
que penetrou de forma moderada, não com força obrigatória absoluta, mas como meio de
orientação da atividade dos particulares, significando que apenas foram vinculantes com
relação ao Estado.
No que respeita aos particulares, contêm estímulos e incentivos para que sejam adotados
ou seguidos, mas não são obrigatórios ou cogentes. O plano econômico é passível de ser
definido como um ato jurídico que tem por finalidade definir e hierarquizar fins econômicos a
serem perseguidos, assim como estabelecer as medidas ou os meios próprios à sua concepção,
estabelecendo um plano econômico, composto de diagnostico e prognóstico. Sendo que no
primeiro reúnem-se os dados globais e setoriais; e no segundo projeta-se, para o futuro, o
conjunto de estimativas, tidas por mais plausíveis e extraídas do diagnostico. O plano é antes
de tudo um instrumento técnico, de caráter prospectivo, e fortemente matizado pela
178 LEVITT Em Dubner. Freakonomics, pp. 190, 46, 11.
91
contabilidade. Esse plano, a depender dos objetivos sociais e econômicos, democráticos ou
tiranos, atendem a sociedade em geral, ou esta repudiará em algum momento.
Há os que negam a juridicidade do plano. Diz Cabral de Moncada que para esta teoria o
plano seria mero instrumento da política econômica, constante de um documento sem e
nenhuma eficácia jurídica. O plano seria um ato idêntico ao programa de Governo, destinado a
obter um simples voto de confiança parlamentar, e consistindo numa mera declaração de
princípios do Governo, como aconteceu na França, cuja doutrina tem muitos adeptos. O plano
se concretiza numa pluralidade de atos jurídicos que vão desde a lei ao ato administrativo,
concretizado em contrato próprio, amiúde tendo por objeto, ou decorrente de uma previsão para
engajamento político, não obstante o planejamento se dar inicialmente por via de lei com caráter
estrutural.
Muitos desses planos concebem que as empresas públicas, as sociedades de economia
mista e suas subsidiárias explorem atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Contudo,
existem divergências, críticas ao sistema, e posicionamentos contrários com definições a
respeito a participação do Estado nas atividades mercantis. Uma delas é que não se vê muito
bem como uma empresa governamental pode simultaneamente submeter-se às regras de um
planejamento determinante e ao mesmo tempo beneficiar-se da liberdade das leis de mercado.
A direção da Constituição Federal do Brasil de 1988 definiria um modelo econômico de
bem-estar, desenhado nos artigos 1º e 3º, até mesmo enunciado no artigo 170, não ignorando o
Poder Executivo a vinculação pelas definições constitucionais de um caráter conformador e
impositivo. A esse respeito mostra Cunha Junior179:
De efeito, malgrado tenha a Constituição de 1988 consagrado uma
economia de livre mercado, de natureza capitalista – porque instrumentalizou
uma ordem econômica apoiada na apropriação privada dos meios de produção
e na livre iniciativa econômica privada -, instituiu ela numerosos princípios
limitando e condicionando o processo econômico, no intuito de direcioná-lo a
proporcionar o bem-estar social ou melhoria da qualidade de vida. O primeiro
– e de todos o mais importante -, em direção ao qual todos os demais princípios
se encaminham e se encontram, está consubstanciado como o próprio fim da
ordem econômica: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social.
179 CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional, Juspodium, p. 1150.
92
Lamenta-se, que, infelizmente não há no Brasil uma consonância com o aludido
entendimento, pois significativos setores da economia nacional, empresários nacionais e
estrangeiros não se ativeram em assumir este papel, tampouco estão a inovar, sequer arcam com
as devidas responsabilidades sociais. Paradoxalmente, sempre deixam os encargos ao Estado
para que promova e suporte o custo social, e introduza as inovações empresariais.
Neste sentido, o Estado brasileiro caracterizou-se, como alguns dizem, ser
‘schumpeteriano’, defendendo um pensamento bem particular sobre o desenvolvimento
econômico, relacionando este processo com as mudanças endógenas e descontinuadas na
produção de bens e serviços, destacando a figura do empreendedor como agente fundamental.
Isto faz lembrar os movimentos de criação de empresas estatais acontecidos no governo Getúlio
Vargas e durante o regime militar, bem como o denominado desenvolvimentismo implantado
na era do governo Juscelino Kubitschek, obtendo-se uma visão do papel do BNDES e outras
agencias e sociedades governamentais, engajadas numa proposição estatal, cujos resultados
nem todos foram promissores.
É de entender que mesmo com relação ao setor público, o planejamento não possa ser tão
determinante a ponto de frustrar o regime da livre empresa de que gozam os entes estatais
voltados ao desempenho da atividade econômica.
No curso da década de cinquenta do século XX, associava a economia aos elementos
tradicionais que agitavam a vida do cidadão americano, como o mundo dos preços, salários,
taxas de juros, ações, títulos, créditos, impostos, e gastos. O objetivo da ciência econômica era
concreto e bem delimitado: explicar de que maneira as depressões, o desemprego e a inflação
podem ser evitados, estudar os princípios que ensinam a manter alta a produtividade e a
melhorar o padrão de vida das pessoas180.
Para Mankiw “uma economia é simplesmente um grupo de pessoas interagindo na
condição de suas vidas”. Resumidamente: “Não existe mistério no que é a “economia”181.
Afirma Sandel182 que:
Se uma sociedade justa requer um forte sentimento de comunidade, ela
precisa encontrar uma forma de incutir nos cidadãos uma preocupação com o
todo, uma dedicação ao bem comum. Ela não pode ser indiferente às atitudes
e disposições, aos “habitos do coração” que os cidadãos levam para a vida
180 SANDEL, Michael J, O que o dinheiro não compra. Civilização Brasileira. 8a. ed. 2017, p. 85. 181 MANKIW, N. Gregory. Principles of Economics. 3a. ed. Mason, Thomson South-Western, 2004, p. 4. 182 SANDEL, Michael J. . Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 13a. ed. 2014, p. 325.
93
pública, mas precisa encontrar meios de se afastar das noções da boa vida
puramente egoístas e cultivar a virtude cívica.
Os divulgadores das teorias contratualistas mostram o interesse na realização do livre
encontro das vontades individuais, como critério não apenas da origem como também da
extensão do âmbito da intervenção do Estado na vida social e econômica, entendendo que é a
lei o expoente qualificado do livre e racional encontro das vontades individuais, como esclarece
Moncada183.
A intervenção na economia obrigou a lei constitucional a assumir novo conteúdo, que se
traduz no reconhecimento de direitos e deveres econômicos e sociais, bem como na tomada de
posição a favor de uma certa e determinada ordem econômica a construir.
O Estado de Direito torna-se permeável a conteúdos socioeconômicos que alteram o seu
entendimento, dá garantia e estabelece limites do poder e do respeito pela liberdade individual,
transforma-se num programa normativo de realizações, como pontifica Moncada, acentuando
que o conceito de Estado de Direito reveste-se de uma natureza positiva, no sentido de passar a
incorporar uma ação estadual que não é apenas subsidiária, mas conformadora do modelo
socioeconômico184, não se podendo ficar numa mera expectativa e em uma busca de depuração,
pois muitos séculos da estruturação da civilização passaram almejado esse objetivo, e estão à
mostra desde os primórdios da humanidade, proporcionando constantes buscas pelos
pesquisadores sobre as obras que estão concretizadas pelas conquistas vividas AC, e que se
desenvolvem ao longo dos séculos d.C. (Anno Domini).
Colhe-se no prefácio posto por David Korten em o ‘Capitalismo Alternativo e o futuro
dos negócios’, de autoria de Marjorie Kelly185, que:
A maioria dos grandes conflitos políticos dos últimos 5 mil anos pode
ser reduzida a uma simples pergunta: quem terá a posse da terra, da água e dos
recursos fundamentais da vida – e com que finalidade? Nas mais antigas sociedades humanas, a propriedade dos recursos fundamentais da vida era de
uso comum pelos membros de uma tribo e incluíam responsabilidades de
supervisão sagrada. Poderíamos descrever essa modalidade como uma forma
de propriedade compartilhada.
À medida que as sociedades passaram por uma transição e se tornaram
estruturas de poder centralizado, a propriedade da terra, da água e de outros
meios essenciais de produção foi monopolizada por poucos. Até mesmo no
movimento em direção à democracia, a propriedade da riqueza permaneceu,
em grande medida, mas mãos de uma elite. Hoje em dia, o débito debilitante,
as falências e as execuções de hipotecas são um lembrete de como as coisas
183 MONCADA, op. cit. p. 24-25. 184 MONCADA, op. cit. p. 36. 185 KELLY, Marjorie. Capitalismo Alternativo e o futuro dos negócios. Editora Cultrix. São Paulo. 2016, p. 9.
94
mudaram pouco e de como muitos entre nós – inclusive os jovens oprimidos
pelos empréstimos estudantis – vivem à mercê do poder daqueles que
controlam a emissão do crédito.
E, Kelly na sua obra se esforça para traçar uma nova estrutura objetivando remodelar as
criações que se encontram sedimentadas no curso do século XX, na busca de um futuro melhor,
comprometido com o bem-estar, restaurando os relacionamentos, com a obrigação de
administrar e conservar os bens comuns, entendendo que nem o capitalismo nem o socialismo
jamais alcançaram o seu ideal, mas cada um deles chegou suficientemente perto, e revelam que
ambos fracassaram.
Observando-se os mecanismos de sobrevivência de um modelo que surgiu com
predominância no capitalismo, aparece forte a partir do início do século XX, agitando os
procedimentos de marketing, publicidade, preço, sistemas de produção, sistemas de
distribuição, envolvendo a noção de como o mercado vai se adaptando para gerar demanda e
atrair consumidores186.
Sugere Sandel187 que o economista poderia reconhecer para explicar o mundo terá de se
envolver em questões de psicologia ou antropologia moral, para descobrir quais as normas que
prevalecem, e de que maneira os mercados poderão acolher, e ao mesmo tempo, estar atento no
que pode afetá-las.
Vê-se que, não obstante o empenho na preservação de empreender, as defesas da livre
iniciativa e da livre concorrência, como elementos estabelecidos de livre mercado,
amalgamados no exercício da atividade empresarial, não são suficientes para atender o bem-
estar social e os legítimos interesses constitucionais. Em muitos momentos, amplia a
preocupação com os mercados que corroem as normas alheias, merecendo uma correção de
rumo.
Dessas observações, leva-se ao campo moral, como esta pode ser descartada pelo
mercado. Tem-se o exame das coisas que o dinheiro pode, não pode e ou não deve comprar que
pode residir no consentimento, escolhas voluntárias ou uma serie de situações, exemplos
habituais e históricos, como a prostituição, o descarte de lixo nuclear, a doação de sangue,
órgãos, a comercialização desses bens, no mercado negro, e outros bens que ficam na peneira
do mercado penetrando ou não na vida das pessoas, governados por normas alheias ou a ideia
186 CRUZ, Luiz Sergio da. Tempos hipermodernos: Felicidade e consumo em Gilles Lipovetsky. Tese mestrado
em filosofia. Universidade São Judas Tadeu. Programa de Pós-graduação stritu sensu, São Paulo, SP. Agosto,
2015. https://www.usjt.br/biblioteca/mono_disser/mono_diss/2016/340.pdf, acesso 21/9/18. 187 SANDEL. O que o dinheiro não compra. 2017, Civilização Brasileira, p. 90.
95
de que os mercados não afeta, os seguros de vida contratados pelo patrão e não por pessoas que
tenham algum liame de afeto ou parentesco, por visões que entendem conspurcar ou não, os
negócios praticados.
96
2. A LIVRE INICIATIVA E A LIVRE CONCORRÊNCIA
A atividade empresarial é um pilar que alicerça os meios de produção na construção de
um sistema econômico sob molde capitalista, onde o Estado aparece, ora como incentivador,
ora como regulador, a depender da estrutura constitucional de cada país, ou a cada instante
econômico-social que este atravessa. Quando se ventila atividade comercial, pressupõe haver
um exercício com liberdade mercantil sem a intervenção do Estado em um determinado lugar.
Transformações das mais variadas acontecidas nos campos da tecnologia, das ciências
em geral, forçam novos panoramas econômicos e consequentes avaliações, encetando decisões
empresariais, que são adotadas sem a devida preocupação com os interesses do povo e a
soberania do país. As inovações, e as constantes transformações geram perspectivas técnicas,
econômicas e jurídicas. O novo cenário impõe novas visualização e concepção sobre a
preservação e a capacidade de autodeterminação dos povos e do Estado, convivendo com a
livre concorrência no mercado nacional e mundial, exercitando, como dever, o respeito
simultâneo às normas e práticas supranacionais relacionadas à atividade econômica188.
Nessa trilha de inovações o direito comercial se modificou, sofreu transformações e se
submeteu a uma constante evolução, convivendo com pensamentos sob formulações filosóficas
e inovações tecnológicas, econômicas e jurídicas, funcionando sob o controle do poder político-
econômico do Estado, para atender a sociedade, o cidadão, fomentar o bem comum, atender o
interesse privado, devendo o poder estatal concretizar e não somente contribuir para o efetivo
exercício do Estado democrático de direito.
A livre inciativa e a livre concorrência são elementos essenciais que caracterizam uma
economia de mercado, como enseja a Constituição brasileira de 1988. A livre iniciativa
dimensiona sua importância no ordenamento pátrio, na sua ordem econômica, observando e
proporcionando condições de funcionamento para atender os fundamentos de importância, com
os valores erigidos no seio da comunidade, que devem ser respeitados em um Estado
Democrático de Direito.
Em 1905, Henrique Coelho189 referindo-se à atribuição do congresso nacional de legislar
sobre o comércio, considera-o como um dos poderosos instrumentos do capitalismo que a lei
188 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo, Método, 2003, p.p. 147-149. 189 COELHO, Henrique. O poder legislativo e o poder executivo no direito público brasileiro. 1905: Livro de
domínio público – disponibilizado pela Rede Virtual de Bibliotecas; veiculado pelo E book - Kindle 2012.
97
fundamental cedeu à vulgar orientação econômica, com o silêncio guardado a respeito da
competência para regular a questão, entendida como idêntica, ou talvez de maior valor, sob o
ponto de vista moral e da ciência, como a do direito do trabalho e ao produto do trabalho,
entende como dever inerente à missão do Estado, onde quer que se acatem os mandamentos da
justiça, a importância da atividade do comércio. E essa manifestação tem relevante expressão
quando revela sentimento vivido no início daquele século:
[...] que são eles os eternamente esquecidos, nos lucros alcançam para os
patrões, os verdadeiros fatores da prosperidade dos diversos estabelecimentos,
os incansáveis obreiros da grandeza mercantil, os novos proletários,
sacrificados, nas justas compensações de sua laboriosa e utilíssima existência,
como os artífices a quem as fabricas, as oficinas, que se desenvolvem ou
progridem, graças aos seus braços, só contemplam, na mais clamorosa das
iniquidades, com a mesquinhez do ínfimo salário.
Como estes últimos, pertencem aqueles outros à mesma categoria dos
fracos, dos vencidos, nas brutalidades da concorrência social, em favor dos
quais não cessam os espíritos generosos de reclamar o patrocínio da
autoridade e da lei.
Para bem atender aos empregadores, aos empregados, aos trabalhadores estão as leis, e
para proteção dos últimos, a legislação trabalhista, todas fundadas sob a proteção da
Constituição Federal vigente. No artigo 170, II, da CF brasileira tem-se um modelo de ordem
econômica, que prevê a propriedade privada como princípio, possibilitando o individuo adquirir
bens para garantir a sua sobrevivência190. O princípio da liberdade econômica está consagrado
como direito essencial nas disposições constitucionais, instituindo o livre exercício do trabalho
ou ofício, a plena liberdade de associação, a liberdade de criação de associações e assegura o
direito de propriedade.
A Constituição de 1988 alicerça os elementos básicos da economia de mercado, como a
liberdade de iniciativa; a liberdade de competição econômica; a liberdade de contratação e de
apropriação, e, como em qualquer economia moderna e de mercado uma injunção de liberdades
concernentes a atividade econômica, e o consagrado modo de produção capitalista.
Extrai-se de Eizirik191, que:
Conforme referido doutrinalmente, o princípio da liberdade de inciativa é
temperado pelo princípio da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da
liberdade de empresa é moderado com o principio da função social da
empresa; os princípios da liberdade de lucro e de competição são moderados
com a repressão ao abuso do poder econômico; o postulado da liberdade de
contratação é limitado pela aplicação dos princípios da valorização do
trabalho e da harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção;
190 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 847. 191 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S.A. Comentada. São Paulo, Quartier Latin, 2011.
98
e o principio da propriedade privada é temperado pelo principio da função
social da propriedade.
Importante destacar a validade de princípios que norteiam e moderam a liberdade de
iniciativa, visando a sua conservação, jamais a sua negação. Daí estar a atividade do Estado
necessariamente vinculada, quando intervém empresarialmente no domínio econômico, a esses
princípios que remetem a valores e a diferentes modos de promover resultados. Costuma-se
afirmar que os valores dependem de uma avaliação eminentemente subjetiva, envolvendo um
problema de gosto192. Por outro lado, estão no convívio as regras que podem ser dissociadas
quanto ao modo como prevalecem o comportamento.
Os princípios, como normas, tem qualidade na busca de determinada realização de um
fim juridicamente relevante, estabelecendo um estado ideal de coisas a ser atingido, em virtude
do qual deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já
escolhido, para resguardar esse estado de coisas, e que pode ser definido como uma situação
qualificada por determinadas qualidades, transformando-se em fim quando alguém aspira
conseguir gozar ou possuir as qualidades presentes naquela situação.
Desse modo, pode-se admitir a relação na concepção, que a intervenção operacional do
Estado na ordem econômica tem caráter de excepcionalidade, estando estritamente jungida às
exceções previstas na Constituição e nas leis que a permitem. E assim é de se entender no que
se refere ao criar sociedades de economia mista, estribar na linha do princípio da estrita
legalidade, própria do direito público, ou seja, de modo a evidenciar que a atividade empresarial
do Estado não é livre, e é neste sentido que não poderia expandir-se além das especificações
dispostas em lei. Moncada diz que tal direito faz parte do núcleo da constituição econômica, o
que significa que a ordem econômica dele resultante à medida da expressão da personalidade
dos agentes econômicos privados é elemento primeiro do modelo econômico193.
O direito compreende várias vertentes como a liberdade de criação de uma empresa ou
de iniciar uma atividade econômica e a de agir autonomamente, ou seja, sem interferências
externas. A primeira vertente compreende a liberdade de acesso ou de investimento e a segunda
a de organização e a contratual. Mas não é um direito absoluto, porque estuda-se os limites que
do direito fundamental decorrem os princípios da reserva de setor empresarial do Estado e da
livre iniciativa dos poderes públicos. Moncada adverte que não foi no seu conteúdo máximo
192 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5a. ed., Malheiros
Editores. Ltda., 2006, p. 64. 193 MONCADA, Luís S. Cabral de Moncada. Direito Económico. 6a. ed., Coimbra Editora, 2016, p. 151.
99
que a Constituição portuguesa consagrou tal fundamento, mostra que não concorda
inteiramente com G. Canotilho e Vital Moreira quando dizem (Constituição Anotada, 3a. ed.
1993, anot. IV ao artigo 61.º, pág. 327), que a livre iniciativa econômica privada não garante
um direito de não ser privado das empresas mediante nacionalização. As nacionalizações são
possíveis, mas a problemática respectiva cai no âmbito da proteção à propriedade privada.
2.1 Livre iniciativa
No regime constitucional fundado na economia de mercado e na liberdade de iniciativa,
ao Estado é permitido atuar em setores reservados aos particulares, num sistema de
supletividade restrita, ressalvados os casos previstos na Carta Maior. A exploração direta de
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo194.
A atual Constituição brasileira menciona a livre iniciativa, que se entende como conceito
amplo, com opiniões de que a inserção da expressão contida no artigo 170, caput, tem
conduzido à conclusão, restrita, de que toda livre iniciativa se esgota na liberdade econômica
ou de iniciativa econômica, com desdobramento na liberdade. Há entendimento, ser um
princípio alusão ao Estado de Direito, estabelecendo estados de coisas, como a existência de
responsabilidade do Estado, como a previsibilidade, o equilíbrio entre os interesses públicos e
privados, e a proteção dos direitos individuais. Ao mesmo tempo considera uma perspectiva
substancial, como resistência ao poder, e como reivindicação por melhores condições de vida,
como preservar a liberdade individual, a liberdade social e econômica.
Ditam não somente os juristas, que na liberdade descortinam-se a sensibilidade e a
acessibilidade, levando a alternativas de conduta e de resultado, e que os bens jurídicos são
situações, estados ou propriedades essenciais que merecem a proteção jurídica, atendendo, por
exemplo, o princípio da livre iniciativa na busca de realizações com autonomia, protegidos pela
liberdade de escolha. A liberdade é um valor, e por isso deve ser buscada ou preservada.
Devendo ter sempre em mente a razoabilidade, a proporcionalidade e a proibição de excesso195.
194 Caput, do artigo 173 da CF. 195 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos, op. cit. p. 131.
100
Examinada pela perspectiva institucional, tem-se o traço constitutivo e diferencial da
liberdade, na linguagem de Cerroni196, o seu caráter jurídico. Existem as liberdades,
mundanizadas e laicizadas, enquanto objeto de reconhecimento jurídico e sistematização
positiva. O perfil da liberdade, ou os perfis das liberdades, se decompõe em inúmeras espécies:
liberdade política, econômica, intelectual, artística, de saber, de ensino, de palavra, de ação, e
outras, que tem definição pela ordem jurídica.
Extrai-se de Grau que a liberdade de iniciativa econômica não se identifica apenas com a
liberdade de empresa, porque ela abrange todas as formas de produção, individuais ou coletivas,
expressando a ideia de liberdade como acessibilidade e sensibilidade a alternativas de condutas
e de resultados, pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe usar a
possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento – aí, a sensibilidade.
E não se pode chamar livre aquele ao qual tal acesso é sonegado, aí, a acessibilidade197.
Portanto pode-se e deve-se exercitar direitos, não só acenar, para que haja livre atuação
na contratação e na associação entre trabalho e atividade empresarial, asseverando Franco que:
[...] as empresas são apenas as formas de organização com característica
substancial e formal (jurídica) de índole capitalista. Entre as formas de
iniciativa econômica encontra-se a iniciativa privada, a iniciativa cooperativa,
a iniciativa autogestionária e a iniciativa pública.
[...] Quanto à inciativa pública198, reportando-se ao art. 61 da
Constituição de Portugal, para dizer que “não fala em iniciativa pública: pois
a iniciativa do Estado e de entidades públicas não poderia caber em nenhuma
forma de direitos do homem ou direitos fundamentais199.
Uma das faces da livre iniciativa se expõe como liberdade econômica, ou liberdade de
inciativa econômica, cujo titular é a empresa. Em sua raiz o principio era expressão de uma
garantia de legalidade, tornando explicita a observação de Galgano200, nos termos da qual o
conceito de Estado de Direito exprime, em relação ao burguês singelamente, aquela mesma
exigência de um limite à ação pública, para salvaguarda da iniciativa privada, que o conceito
de Estado liberal exprime em relação à burguesia no seu todo. Nesse cenário saltam inúmeros
sentidos, com faces de liberdade de comércio e indústria, e de liberdade de concorrência.
196 CERRONI, Umberto. La libertad de lós modernos, trad. De R. La Iglesia, Ed. Martinez-Roca, Barcelona, 1972,
p. 11. 197 GRAU, Eros. A Ordem econômica na Constituição de 1988. 8a. ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p. 181 198 FRANCO, Antônio Sousa. op. cit. p. 236. 199 FRANCO, Antônio Sousa. Noções de Direito da Economia. Lisboa. Associação Acadêmica da Faculdade de
Direito de Lisboa. 1982-1983, p. 228. 200 GALGANO, Francesco. Il Diritto Privato fra Codice e Constituzione, Zanichelli Bolognam 1979, p. 39
101
Assinala-se o critério classificatório, acoplando-se ao que leva à distinção entre liberdade
pública e liberdade privada, e desse critério equaciona-se com a liberdade de comércio e
indústria. A atividade econômica proporciona a liberdade publica de criar e explorar não sujeito
a qualquer restrição estatal, senão em virtude de lei, bem como exercitar a liberdade de
concorrência.
A liberdade privada confere a faculdade de conquistar a clientela, desde que não através
de concorrência desleal, e abusos. O Estado deve procurar atuar com a maior neutralidade diante
do fenômeno concorrencial, sem interferir na prática mercantil entre os concorrentes.
Importa deixar bem vincado que a livre inciativa é expressão de liberdade não apenas
pela empresa, mas também com relação ao trabalho. Portanto a livre iniciativa se expressa e se
valoriza no trabalho livre em uma sociedade livre e pluralista. A participação espontânea do
homem na produção com algo novo, funda e estimula a produção de riqueza, elevando-se como
fator estrutural que não pode ser negado pelo Estado, tampouco por qualquer pessoa natural ou
jurídica, a impedir a livre iniciativa.
A liberdade amplamente considerada como real, material, é um atributo inalienável do
homem, concebida em um todo social, e não tratado, exclusivamente com caráter individual. A
livre iniciativa é um dos desdobramentos do direito de liberdade humana.
Para Sandroni201: Princípio do liberalismo econômico que defende a total liberdade do
individuo para escolher e orientar sua ação econômica, independentemente da
ação de grupos sociais ou do Estado. A liberdade para as iniciativas
econômicas, nesse sentido, implica a total garantia da propriedade privada, o
direito de o empresário investir seu capital no ramo que considerar mais
favorável fabricar e distribuir os bens produzidos em sua empresa da forma
que achar mais conveniente à realização dos lucros.
Constata-se uma contemplação da livre iniciativa no sistema capitalista, com sentido de
livre iniciativa empresarial que visa o lucro, apoiando-se na atividade mercantil. A livre
iniciativa está vinculada a livre concorrência, embora não se deva confundir como um
significado contrário a alguma situação de combate ao monopólio, bem como as distorções que
se apresentam no mercado em constante competição.
201 SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 2a. ed., São Paulo, Best Seller, 1999, p. 352.
102
2.2 Livre concorrência
Preceitua Barbieri Filho202 que a concorrência é disputar em condições de igualdade, cada
espaço, com objetivos lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais. A livre concorrência
erigida na Constituição de 1988, congrega princípios que são considerados inerentes a uma
ordem econômica, pressupondo vários competidores num campo de liberdade de disputas
licitas, objetivando alcançar êxito econômico ditados e sob as leis de mercado, não podendo
esquecer a repressão ao abuso do poder econômico sob a perspectiva da dualidade dos
processos decisórios público e privado.
Ajusta-se203 a um quadro de princípio constitucional impositivo, dentro do que considera
princípios constitucionais como a alma de uma Constituição. Impositivos seriam todos os que
instituem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e execução de
tarefas, sem esquecer as garantias em favor dos cidadãos.
Reconhece Grau204, observando o “abuso do poder econômico”, mesmo por
circunstância, não tem o condão de banir da realidade, soando estranha a consagração
principiológica da livre concorrência, e para que tal não ocorresse, em presença da consagração
do princípio: “A lei reprimira os abusos decorrentes do exercício da atividade econômica ...”.
Isto levaria entender como um “livre jogo das forças de mercado, na disputa de clientela”, a
partir de um quadro de igualdade jurídico-formal. Essa igualdade, contudo, é reiteradamente
recusada, uma vez que a própria Constituição abre janelas nas suas disposições, quando por
exemplo, dispõe que dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, definidas
em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivar a simplificação de suas obrigações
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas
obrigações por meio de lei.
O que se constata ao longo da história da atividade mercantil, o mais comum é a existência
da desigualdade entre os que se dedicam ao comércio. Essa constatação não mudou muito, tanto
assim, que, contemporaneamente o exercício empresarial com os agentes econômicos são
vivenciados nos mais diversos modelos e setores, com características apoiadas em uma ordem
econômica fundada na livre iniciativa, agitando a livre concorrência, numa efervescência a cada
202 BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico. São Paulo.
Resenha Tributária, 1984, p. 119. 203 CANOTILHO. Op. cit. 204 GRAU. Op. cit.
103
dia maior, fazendo surgir novos modelos, cada mais engenhosos, face as incríveis inovações a
deixar perplexo o observador.
A desigualdade é uma figura típica, presente num regime de livre iniciativa, inafastável
pela rivalidade exercitada entre os atores desse cenário, sendo uma nítida realidade no seio da
estratificação empresarial, que enseja e permite competição, visando a exploração de
empreendimentos dos mais variados, por mais diminuto que seja, inovando e transformando as
atividades vigentes, proporcionando comodidades e facilidades para os empresários e
consumidores.
A livre concorrência sobrevive mesmo que não se estabeleça limitações num determinado
mercado, permite que cada atividade empresária dispute fatias da economia, com todas as suas
forças e armas, desde que estejam e se submetam a uma paridade legal, postas pelo próprio
mercado, atuando com lealdade. Nessa circunscrição deve haver igualdade de atuação,
evitando-se destemperos dos atores quando desprovidos de imanar talento para concorrer,
preferindo buscar eliminação do concorrente com armas desiguais, resultando danos e prejuízos
a economia popular.
A livre concorrência é a garantia de oportunidades iguais a todos aqueles que se dedicam
a atividade mercantil, envolvendo-se na competitividade que gera vários tipos de agentes, com
dimensões variadas, uns de tipos intermediários, comumente designados como medianos, e
grandes e pequenos agentes econômicos, mas todos com garantias para um exercício mercantil
equilibrado.
Debatendo o tema Salomão Filho205 mostra o direito como uma ciência valorativa e
finalista, cujo fundamento é discutir sua função objetivamente, porque as ideias passaram do
campo econômico para o das ciências sociais, influenciando o direito.
Colhe-se nos comentários de Carvalho e Lima206 sobre a noção de concorrência, a ideia
de luta, de competição em busca de vantagens, geralmente econômicas, conferindo que
concorrer é abrir caminho, e alargá-lo com conquistas, podendo ocorrer predominância e até
mesmo oligopólio. Na área econômica a obtenção do lucro representa conquista, mesmo que
205 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4a. ed., Malheiros, 2011, p. 17 e seguintes. 206 CARVALHO, Vinicius Marques de; LIMA, Ticiana Nogueira de Cruz. A nova lei de defesa da concorrência
brasileira: comentários sob uma perspectiva histórico-institucional. Publicações da Escola da AGU, n. 19, p.p. 9-
33.
104
seja em detrimento da sobrevivência das empresas que competiram ou competem para obter
maior vantagem e melhor espaço no mercado.
Importante considerar e ressaltar que a concorrência não é um fenômeno uniforme e a-
histórico, e que a sua intensidade depende de uma série de fatores culturais, econômicos,
políticos e sociais, tanto assim, que, modernamente a livre concorrência é considerado um
processo comportamental competitivo, que admite gradações, pluralidade e fluidez.
A concorrência numa economia clássica, quando o mercado apresentava-se num processo
de interação entre sujeitos privados, regulado pelo pressuposto da busca do aperfeiçoamento,
com o passar do tempo absorveu densamente técnicas, levando-o a patamares diversos, dentre
eles o da intervenção estatal, a missão de aperfeiçoamento para atender às novas tarefas que se
apresentam ao Estado para ser o exercitador dessas novas funções, inclusive para promover o
bem-estar social, garantindo o sistema de livre mercado, assegurando o respectivo equilíbrio
econômico e social.
Quando no Estado pós-liberal o principal objetivo da política econômica foi a expansão
da renda nacional e o desenvolvimento das forças produtivas por meio da sua ação propulsiva
em que o Poder Público, com vistas ao crescimento, procurou alcançar através das estruturas
do sistema econômico, o aperfeiçoamento e processos de transformação.
Esses exercícios, quando vivenciados em países denominados subdesenvolvidos, nem
sempre obtiveram resultados alvissareiros, ou pelo menos não obtiveram a velocidade desejada
para aqueles momentos. Hoje, uns mais céticos, outros menos, encaram que determinadas
práticas podem ser renovadas, reinventadas, ou simplesmente abandonadas a fim de evitar
nefastas repetições, com decepções já experimentadas, desenvolvendo-se novas criações em
moldes para bons produtos.
Os projetos de caráter experimental, não devem ser colocados no mercado nos períodos
de estágio para criar qualquer dano ao consumidor. É comum que produtos em pesquisa sejam
divulgados criando expectativas pelas novidades, mas sem a devida comprovação de eficiência.
O consumidor não pode ser enganado por um novo rotulo, mascarando produtos sem
confirmação da qualidade. Qualquer postura sob esse figurino propicia lucro indevido,
vantagem econômica financeira impropria. A atividade concorrencial não admite negócios
desleixados que acarrete dano ao consumidor, por maior que seja a expectativa do resultado
benigno do produto.
105
O mercado enquanto instituição social passou a ser entrecortado por uma série de
objetivos de políticas públicas, convivendo os seus atores subordinados a estratégias de ação
pública que dificilmente consideravam os ditames da livre iniciativa e da busca do efetivo
equilíbrio. Existia uma predominância do subterfugio e do sub-reptício que possibilitava
eliminar a autoria dos bons negócios e das criações. Mas as reações da astucia e a inteligência
humana tem superado as mazelas da área.
A expansão da ideia de desenvolvimento não foi bem absorvida no debate econômico sob
um devido processo de aperfeiçoamento que favoreça o equilíbrio. Na realidade houve um
estímulo para a concentração de interesses, muitos deles inconfessáveis, mas sem a devida
garantia de segurança técnica ou jurídica.
O estudo desenvolvido por Galbraith207, cujo maior destino e densidade foi enfocar a
economia americana naquele instante, propicia dele colher análises dos aspectos úteis às
considerações de ordem geral, como a causa das transformações da postura do Estado frente à
organização econômica e ao mercado, dado a uma possível derivação, ou compreensão da
decadência de uma teoria do capitalismo, vivenciado nos séculos passados, onde, tem-se, ou
busca-se uma compreensão de uma economia estruturada.
Na economia estruturada com base em um sistema, todos os estímulos incitam ao
emprego de homens, capital e recursos naturais para produzir com a máxima eficiência o que a
população mais deseja, e sobretudo quando o mercado se empolga. O pressuposto básico de
alcançar melhores níveis de eficiência, fundava-se na inexistência ou irrelevância do poder
econômico privado.
O caráter pouco ameaçador do poder econômico era visto como regra geral, decorrência
automática do ambiente concorrencial que prevalecia na vida econômica, e não eram exigidas
maiores intervenções do Estado. Muitas mudanças ocorreram no cenário mundial,
especialmente em face do questionamento teórico da economia clássica. Keynes208
considerando a teoria econômica liberal (do laissez-faire), entendida simples e bela, que
frequentemente se desprezava o fato dela não decorrer da realidade, mas de uma hipótese
incompleta, formulada com a finalidade de simplificação, gerando uma ideia de que os
indivíduos agem de maneira independente para seu próprio bem.
207 GALBRAITH, John Kenneth. O novo Estado Industrial. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1986. 208 KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro a Moeda. Os Economistas. Trad. Mario R. da
Cunha. Editora Nova Cultural. 1996, Circulo do Livro Ltda.
106
A intensificação da atuação do Estado na órbita econômica estaria associada a um
questionamento não apenas teórico, mas acentuadamente prático, do que Galbraith
convencionou chamar de modelo baseado na concorrência.
Da crítica à “Lei de Say” Keynes caminha em busca de uma explicação analítica para o
desemprego, e tenta dar fundamento teórico as sugestões de intervenção estatal como geradora
de demanda para garantir níveis elevados do emprego. E importante notar que inúmeros
economistas de orientação ortodoxa também advogaram gastos públicos para combater o
desemprego, a exemplo de Pigou e Robertson. A crítica de Keynes se concentra na
inconsistência entre os fundamentos teóricos desses autores, de um lado, e suas recomendações
praticas, de outro.
Interessante avivar situação acontecida nos Estados Unidos proibindo contratos e
combinações que restringissem o comércio, e as tentativas de monopolização de setores
econômicos. Com base nessas regras, algumas decisões importantes foram tomadas pela
Suprema Corte americana, ainda nos primeiros anos de vigência da lei, amplamente conhecido
e denominado como Sherman Act de 1890 (durante o Movimento Progressista com John
Sherman)209 / 210.
Partindo do pressuposto de que a concorrência não é um fenômeno uniforme e a-histórico,
tem-se também aspectos relevantes que influenciaram, e que são vistos na evolução histórica e
institucional do direito da concorrência com enfoque nas mudanças ocorridas no cenário
brasileiro. Desse modo, percebe-se da necessidade de haver uma legislação para contextualizar
e para defender a concorrência, explicando os principais avanços institucionais da reforma.
Chama atenção Calixto Salomão Filho211 que para a escola estruturalista, em uma
indústria concentrada, as firmas estão protegidas da competição por barreiras à entrada,
consistentes em economias de escala, exigências maiores de capital, know-how escasso e
209 O mencionado ato estabelecia regulação para garantir a concorrência entre empresas nos Estados Unidos,
evitando que qualquer uma se tornasse suficientemente grande para ditar as regras do mercado em que atuava,
provocando intensos debates políticos sobre as melhores formas de controlar a aceleração da concentração
econômica, promovida pelas grandes corporações econômicas e disciplinadas por meio de um instrumento
contratual chamado trust. Em decorrência daquele ato houve uma aceleração de mecanismos legais de controle,
em virtude de processo que era visto como ameaçador ao desenvolvimento econômico, e até político da nação,
como o próprio senador Sherman afirmou: ‘Nós temos falado apenas das razões econômicas que proíbem o
monopólio; mas há outras, baseadas na crença de que grandes indústrias são inerentemente indesejáveis, à parte
os resultados econômicos. Além disso, “a concentração excessiva de poder econômico gera pressões políticas
antidemocraticas” 210 KEYNES, John Maynard. O fim do Laissez-Faire. In SZMRECSÁNYI, Tamás (org.). Coleção os grandes
cientistas sociais, vol. 6. São Paulo. Ática, 1984. P. 117.7 FIORI, op. cit. 48. 211 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial – as Condutas. Malheiros. 2003.
107
diferenciação dos produtos. Nessa estrutura, em que há poucos vendedores no mercado, há uma
diminuição dos custos e das dificuldades de atuação em conjunto, o que proporciona acordos
tácitos ou explícitos entre as empresas com objetivos de redução da produção e aumento de
preços. E o mesmo Salomão Filho relata que:
O direito comercial é tradicionalmente considerado um setor dinâmico
nos institutos e regras, mas o dinamismo é visto como oriundo da capacidade
de transformação e busca por originalidade do meio econômico (e não do
direito) – ou seja, o dinamismo dos institutos jurídicos deriva normalmente do
ritmo aclarado das mudanças no mundo econômico.
Normalmente, inclusive no cenário internacional, direito comercial
vem associado a manutenção das estruturas e conservadorismo, mesmo em
época que o sistema capitalista tão gritantemente clama por mudanças de
fundo212.
No caso brasileiro, a análise sobre a organização histórica da intervenção do Estado na
organização das relações econômicas se reflete na história legislativa, referente ao papel
desempenhado pela defesa da concorrência nesse processo, reflexões são exercitadas sobre
mudanças na ordem constitucional, na forma de atuação do Estado, inclusive críticas sobre o
relacionamento e funcionamento de empresas, dos mercados dentro dos limites que as
estruturas econômicas podem impulsionar ou demarcar os efeitos das estruturas alteradas.
A evolução econômica e política do Brasil213 no período colonial, Portugal impunha uma
relação eminentemente fiscalista, utilizando o poder da metrópole para forçar impostos à
colônia. A referência expressa à liberdade econômica aparece pela primeira vez na Constituição
brasileira de 1934, em seu artigo 115, prevendo que a ordem econômica seria organizada
conforme os princípios da justiça e das necessidades da vida nacional, possibilitando a todos a
existência digna, limites dentro dos quais seria garantida a liberdade econômica. As limitações
à liberdade dos agentes econômicos decorriam da necessidade de fazer frente à crise econômica
que teve início com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929.
O primado da iniciativa privada foi colocado na Constituição Federal de 1937 de maneira
explícita no artigo 135, possibilitando a intervenção estatal, ressalvando, no entanto, que seu
212 Idem. Teoria crítico-estruturalista do direito comercial. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.p. 7-10. 213 GOMES, Laurentino. 1822. Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 2010. O Brasil conseguiu manter a integridade do
seu território e se firmar como nação independente, como espaço politico decorrente de ação dos trunfos, desde a
vinda de D. João VI, que, com a transferência da Corte portuguesa teve início uma série de iniciativas que
acabariam por fomentar o desenvolvimento do país, dentre as quais a abertura dos portos, a fundação do Banco do
Brasil e a liberação da manufatura e indústria, revogando-se o Alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibia suas
instalações na colônia. A independência do Brasil com o esforço dos mais variados seguimentos, inclusive sob os
auspícios de lojas maçônicas213, tinham como finalidade, dentre outras, o estímulo ao livre comércio sob um regime
liberal, isso não impediu que a crescente influência da aristocracia agrária no governo imperial, assegurando para
si uma série de privilégios, principalmente por meio das tarifas alfandegárias.
108
destino era para suprir as deficiências da iniciativa individual e para coordenar os fatores de
produção, a fim de evitar ou resolver os possíveis conflitos. Também está presente o principio
da proteção à economia popular estribada no artigo 141 (da Constituição de 1937), dando
fundamento ao decreto-lei 869, de 1938, que tipificou, pela primeira vez, algumas dessas
condutas, como o açambarcamento de mercadorias, a fixação de preços mediante acordo entre
empresas, e a venda abaixo do preço de custo. É de advertir que o aludido decreto-lei estava
concebido sob previsão de que a intervenção do Estado na economia se daria de maneira apenas
subsidiária, gerando efeitos apenas na repressão de fraudes contra o consumidor, tendo pouca
influência na defesa da concorrência.
O Decreto-lei nº. 7.666, de 1945, foi o primeiro texto normativo a tratar das infrações à
ordem econômica como infrações administrativas, e não penais (como o fazia o Decreto-lei
869). Foi o primeiro documento brasileiro a estabelecer a necessidade de autorização de um
órgão administrativo, pois, desde então havia necessidade de apreciar a realização de certos
atos empresariais, como a formação, incorporação, transformação e agrupamento de empresas,
ajustes e acordos que produzissem ou pudessem produzir os efeitos de aumentar o preço de
venda dos produtos daquelas empresas, suprimir a liberdade econômica ou influenciar o
mercado de modo a estabelecer um monopólio.
Em 05 de outubro de 2011 surge a lei nº. 12.529, que Carvalho e Lima214 examinam com
o novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, entendendo como um desenho
institucional eficiente para a implementação da política brasileira de defesa da concorrência,
mostrando as alterações e avanços no que tange à implementação de políticas no âmbito do
SBDC, do direito material frequentes discussões sobre as normas até então vivenciadas pelo
antigo regime, entendendo-se que a nova lei teria aberto caminhos para uma política de defesa
da concorrência, em especial, com vistas a repressão às infrações contra a ordem econômica.
Segundo esses pesquisadores, a nova lei promove uma alteração na estrutura dos órgãos do
governo responsáveis pela proteção e defesa da concorrência no país, buscando alcançar uma
adequada conformação no que tange a consolidação das funções de investigação e decisão no
Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
214 Vinicius Marques de Carvalho e Ticiana Nogueira da Cruz Lima. A nova lei de defesa da concorrência
brasileira: Comentários sob uma perspectiva histórico-institucional. Escola de Advocacia Geral da União,
Ministro Victor Nunes Leal, Revista Ano IV, n. 19. Jul./2012. Brasília.
109
Nos comentários de Carvalho e Lima extrai-se dados da tese de Camila Cabral Pires
Alves215 mostrando a influência, as dimensões jurídica e econômica, aplicando os conceitos e
princípios econômicos num contexto jurídico-institucional, selecionando princípios e métodos
que devem ser incorporados na legislação. Os aludidos pesquisadores observam práticas
antitruste num arcabouço, cujos limites decorrem das condições institucionais e dos agentes
que atuam na sua aplicação, buscando soluções para os casos antitruste que tende a se expandir
de forma crescente, nas principais economias do mundo. Os fatos econômicos que substanciam
as alegações com respeito as situações traumáticas, conduz para uma demonstração e cálculo
para ressarcimento de danos, bem como a identificação de mercado relevante e poder de
mercado, sem deixar de avaliar os efeitos competitivos de condutas e fusões, e outros aspectos.
Do comentado, tem-se uma visão do que se apresenta como inovações institucionais mais
importantes na Lei nº. 12.529/11, com os estudos sobre o mercado como mecanismo para
aproximar a política concorrencial e do consumidor, na medida em que procuram acomodar
uma perspectiva mais ampla do que apenas organizar fundamentos para se iniciar uma
investigação, viabilizando recomendações na área de defesa do consumidor.
No eixo criminal, os penalistas lecionam que a Lei nº 12.529/11 alterou a tipificação
dos crimes contra a ordem econômica previstos na Lei nº 8.137/90. Na área civil há estímulo à
cultura da reparação de danos causados por cartéis, apontando para ações de ressarcimento
contra cartéis, face, os prejuízos sofridos, e também uma via reparatória, que pode ser
deflagrada por iniciativa do Ministério Público e por entidades de defesa do consumidor ou
pelos próprios consumidores, com base no artigo 47 da aludida lei.
O direito, ainda mais que outras ciências sociais, tem a capacidade de valorizar o
elemento humano no conhecimento social. Não são leis econômicas, de mercado ou
deterministas que influenciam o conhecimento social, mas sim o individuo, por vezes isolado,
por vezes como ente coletivo e historicamente considerado216. Nessa perspectiva jurídica do
conhecimento, o direito empresarial ganha importância e sentido novos, compreendendo não
ser possível que o direito empresarial se apresente como um mero observador e receptor dos
215 ALVES, Camila Cabral Pires. Métodos Quantitativos na Avaliação dos Efeitos de Fusões e Aquisições: uma
analise econômica e jurídico-institucional. Tese de doutorado. Instituto de Economia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. 2009. 216 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 4a. ed., Malheiros, 2011, p. 19.
110
dados da vida empresarial. Ao transformar esses dados em valores, influencia o próprio
conhecimento da vida econômica217.
Importante observar que é no campo regulatório que a concepção valorativa do
conhecimento entra em choque, até mesmo ideológico, com a concepção determinista da
ciência econômica. Choque esse que, como sugere a doutrina, ocorre exatamente em um campo
onde Marx vislumbrava a prova do caráter conflitivo do sistema capitalista. Daí a importância
do direito, que deve tentar eliminar, ou diminuir esse conflito218.
Dessa visão do direito empresarial, situa-se a cooperação como um dos meios mais
modernos de superação dos problemas de informação entre concorrentes. Salomão Filho
acentua, que a cooperação empresarial (lícita), é uma das formas mais adiantadas e eficientes
de eliminar os problemas de informação no mercado.
Edvaldo Brito219 trata da figura do ato de concentração, como forma de abuso do poder
econômico, assevera que:
O ato de concentração tem uma interface com a concorrência, por isso,
ele pode ser lícito, quando não ofende, e ilícito, quando a dificulta ou a
elimina. Nem sempre ele é facilmente identificável, razão por que o legislador
sempre descreve hipóteses para configurá-lo em situações disfarçadas de
legitimidade.
Os processos de eliminação da concentração ofendem, em primeiro
plano, o consumidor que fica à mercê de preços abusivos e de bens para a sua
subsistência, abaixo do padrão de qualidade.
Existindo a concorrência, instaura-se a possibilidade de escolha
desses bens, pautando-se sobre os melhores.
A livre concorrência esbarra, algumas vezes, infelizmente, numa legislação lesiva,
perniciosa, cujas lacunas possibilitam práticas ilícitas, criada por negligência ou até mesmo por
intenção de legisladores sem compromissos maiores para com o povo.
O legislador não deve estar distante do compromisso de lealdade e proteção que tem
para com a sociedade que o elegeu. É um juramento inafastável para com o cidadão, seu
representado. Esse descumprimento eiva a aplicação da legislação, que se torna impropria,
senão maléfica, porque não irá satisfazer os interesses da sociedade.
Em geral a legislação lacunosa implica proporcionar interpretações maliciosas, sem
sintonia que leva ao aforismo: “Aos inimigos o rigor da lei. Aos amigos as falhas / benefícios
217 Idem, p.p. 19-20. 218 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário; 4a. ed., Malheiros, 2011, p. 20. 219 BRITO, Edvaldo. Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico. São Paulo, 2a. ed., Saraiva,
2016, p.p. 231-232.
111
da lei. Aos indiferentes, simplesmente a lei”, que seria o resultado de uma deformidade do
quanto Maquiavel expressou: “Aos amigos do rei as benesses da lei. Aos inimigos, os rigores
da lei”. Da mesma forma a necessária consideração a respeito dos tipos odiosos de cartel, que,
quando estabelecidos e controlados, podem transformar em métodos de eliminação de
assimetria a outras pessoas. Observa-se também com relação a superprodução, considerada vilã
para os agentes econômicos, quando desperdiça riquezas que poderiam ser alocadas em
benefícios favorecendo pessoas e lugares onde a produção de bens tem escassez e a troca de
informação serve para minimizar esses efeitos econômicos e sociais negativos, reduzindo o que
os economistas chamam de dispersão de preços e/ou quantidades produzidas220.
Cabe sublinhar que a liberdade de concorrência é um imperativo constitucional, como
se pode deduzir no contexto do inciso IV, do artigo 170 da Constituição Federal, harmonizando
com o princípio de iniciativa, disposto no caput do artigo 170 da mesma Carta, mostrando a
necessária presença do Estado regulador e fiscalizador, capaz de disciplinar a competitividade
enquanto fator relevante na formação de preços221.
Vale lembrar Moncada ao tratar dos direitos econômicos, sociais e culturais e a
igualdade material, ao dizer que:
O objetivo da transformação das estruturas económicas, sociais e
culturais consequente à efetivação dos direitos e deveres económicos e sociais
e culturais, é a promoção da igualdade material entre os cidadãos. A igualdade
material logra-se através da melhoria das condições de vida e consiste no
programa do Estado Social. A referida melhoria obtém-se através de um
conjunto alargado de prestações. É valor integrante da opção constitucional
pela democracia económica, social e cultural, não apenas a consequência
decisão maioritária avulsa.
O princípio da igualdade comporta uma obrigação de tratamento
idêntico daquilo que é igual e uma obrigação de diferenciação das situações
distintas. A igualdade é a formal perante a lei, mas também é a material a obter
através da lei. Analisa-se esta num dever legislativo de diferenciação
compensatória. Ora, tal dever tem consequências evidentes na situação material de largas camadas da população, precisamente as mais
desfavorecidas e traduz-se numa politica económica e social do Estado, pelo
que o combate a certas desigualdades se apresenta como parte integrante e
significativa da CE. Manifestações desta ideia são as alíneas a) e b) do artigo
81.º, a título de incumbências prioritárias do Estado. A justificação desta
política legislativa de compensação das desigualdades de facto é a
consideração de que a autonomia do individuo, condição do conteúdo moral
da sua atividade, não fica perfeita sem um mínimo de condições materiais que
assegurem o respectivo exercício.
220 SALOMÃO FILHO, op. cit. p. 21 221 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia. São
Paulo: Atlas, 1999, p. 128.
112
Isto significa que as concepções constitucionais da igualdade fazem
parte considerados de justiça material. A igualdade não é assimilada como um
puro conceito abstrato. Ora, isso coloca a questão da adequada distribuição
das liberdades, desconhecida dos direitos de tipo clássico. Resta saber que
noção de igualdade distributiva se vai adoptar 222.
Tal como o direito europeu, em especial no direito português, como salienta
Moncada223, os critérios da posição dominante atende ao que estabelece como uma quota de
mercado, e que o critério da posição dominante deixou de ser ‘objetivo’ e passou ser, tal como
o europeu, predominantemente ‘subjetivo’, e que o direito português da concorrência utilizando
um muito amplo conceito de empresa, preocupa-se com a repressão da posição dominante
sobretudo por efeito dos grupos de empresas atuando estrategicamente no mercado. E enfatiza
o jurista português que não é a posição dominante que se sanciona mas o respectivo abuso. O
que se pretende é impedir que a empresa possa atuar como se estivesse sozinho no mercado. Os
comportamentos abusivos, por sua vez, podem ser os mesmos que justificam a nulidade dos
contratos, decisões de associações e práticas concertadas e práticas concertadas que lhes dão
origem (preços inferiores, recusas de venda, discriminações, certos descontos, etc.).
O direito, em geral, é sensível as situações de abuso, inclusive o denominado ‘abuso
vertical’ que decorre de certo grau de dependência econômica por via contratual entre empresas
independentes de qualquer participação no capital, muitas vezes não expresso na lei, porque
podem certas empresas não ser dominantes no mercado, lembrando algumas situações
concernentes aos subsídios estatais não deve restringir ou afetar de forma significativa a
concorrência no todo ou em parte do mercado.
Postas essas considerações sobre livre iniciativa e livre concorrência, matérias
irmanadas, indissocialmente interligadas, tem-se, que não se pode reduzir a liberdade de
concorrência a uma concepção privada, mas, reconhecer que a coibição de práticas
anticoncorrenciais podem residir na proteção, quando desenvolvida de forma leal, respeitadas
as regras mínimas de comportamento entre os agentes econômicos. Observa-se por exemplo a
repressão e apropriação da clientela, dentre outras.
Em certos países de economia de mercado à exemplo da França, a proteção às pequenas
e médias empresas depara-se com a polêmica que se insere na luta politica, que as forças
222 MONCADA, Luís S. Cabral. Direito Económico. Coimbra Editora. 6a. ed. 2012, p. 182-183. 223 Idem, op. cit. p.p. 574/578.
113
politicas marxistas criticam asperamente por considerar como uma ilusão ou uma medida de
prestigiditação que só beneficiará as grandes empresas e os grupos econômicos de maior porte.
Não se pode deixar de considerar que muitos ditames das posturas mercantis se originam
das pessoas jurídicas e das empresas que possuem órgão, como companhias estatais que
interferem no mercado sob justificativa da contrapartida da prestação de serviço de interesse
geral, e de certos exclusivos e direitos especiais concedidos pelo Estado, unilateralmente ou em
consequência de algum contrato administrativo de concessão de serviço público, cujos
dinâmicos aspectos contribuem na estruturação jurídica e em certas atividades da sociedade de
economia mista, presente nos mais diversos cenários de uma realidade econômica.
114
3. PESSOA JURÍDICA - SOCIEDADE ANÔNIMA - ÓRGÃO
O sistema jurídico no Brasil atribui direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e
exceções a entes humanos ou a entidades criadas e entendidas para atuação no amplo campo do
direito. Uma delas é a pessoa jurídica considerada como oriunda do mundo fático, fruto da
criação humana, cabendo ao direito reconhecê-la e protegê-la.
Uno de los conceptos jurídicos que mayor debate ha producido en la historia
de la legislación civil y comercial lo constituye sin duda el de persona jurídica
y, consecuentemente, su régimen legal, tanto en el derecho patrio como en el
comparado.
[...] En consecuencia, a renglón seguido el codificador distingue entre las
personas de existencia ideal y las visibles y cabe puntualizar que, al enunciar
el concepto de persona, no se pretende decir qué es persona o cuál es su
esencia, sino que el ordenamiento jurídico reconoce que el carácter de persona
humana puede ampliarse cuando una colectividad se articula conjuntamente.
De allí, que el debate más relevante giró en torno a las teorías relativas a la
persona jurídica y, entre estas, a las llamadas personas de existencia ideal que
receptaban en un primer momento la conjunción colectiva de personas físicas.
Sin embargo, a poco de andar, se apuntó que la persona jurídica era una
construcción artificial y ficticia afirmada a partir de una decisión política del
Estado, es decir, un sujeto creado artificialmente capaz de tener un patrimonio,
incapaz de querer y obrar, para lo cual necesita representante4.
Va de suyo que, como dice la doctrina5, la conceptualización de la persona
jurídica ha provocado un brillante torneo de opiniones y construcciones
sutilísimas, cuya utilidad práctica para la vida es harto dudosa, pero que hoy
en día nuevamente se pone en juego en la búsqueda de definir cuándo hay
personalidad y cuáles son los rasgos o notas que definen a la persona jurídica.
Abierto el juego de opiniones en el esfuerzo de conceptualizar una institución
o figura, por otra parte bien distinto en cada país, ese debate conceptual, como
los referidos a la naturaleza jurídica de algunos institutos, deviene inútil si de
ello no se infieren efectos distintivos. Por tal no dejaremos de referirnos a
ellos, y al porqué y el para qué de la personalidad224.
Assim concebida, a pessoa jurídica é real da mesma forma da pessoa natural, tem deveres
e obrigações, legitimação passiva nas ações e exceções, e legitimação processual passiva.
Adotando-se o princípio da criação personificante, tal como acontece às associações de
fins ideais, ou principio da concessão estatal, que faz depender de vontade, e não só de exame
do Estado, a personificação jurídica, ou o princípio da determinação normativa, que apenas
exige a satisfação de certos pressupostos de direito material, com ou sem exigência de registro
ou publicação.
224 JUNYENT BASI, Francisco A. e RICHARD, Efrain Hugo. Acerca de la Persona Jurídica. A propósito de los
debates sobre su conceptualización y otros aspectos derivados de ello. 2009. Academia en relación al V Congreso
de Derecho Civil, Córdoba septiembre 2009.
115
Afirma-se que a pessoa jurídica tem capacidade de obrar, capacidade negocial de atos
jurídicos stricto sensu, de atos-fatos jurídicos e de atos ilícitos. Quem pratica seus atos é o
órgão, ou são os órgãos com funções distribuídas, porque os órgãos são parte dela.
Desse trato sobre o órgão, confirma-se que órgão é órgão, não é representante voluntário,
nem legal. Para Pontes de Miranda, a personalidade do membro do órgão, ou do membro único,
não aparece, não se leva em conta, o que não ocorreria se de representação se tratasse. Enfatiza-
se que o órgão atua e recebe, como o braço, a mão, a boca, ou os ouvidos humanos. O ato e a
receptividade são da pessoa jurídica, porque resulta da sua organização constitucional, do seu
ato constitutivo ou dos estatutos, no que o órgão se distingue do empregado.
O órgão surge quando ele é criado, e as pessoas que o compõem surgem quando nomeadas
ou eleitas. Os atos do órgão são da pessoa jurídica, como órgão e não como representante da
pessoa jurídica. Os doutrinadores admitem a existência de órgãos necessários ou facultativos,
e em decorrência de lei. Só os atos constitutivos e os estatutos dizem como se nomeia ou elege
a pessoa ou colégio, explicitando quais são os poderes e não poder de representação. Se a pessoa
ou pessoas que compõem o órgão atuam fora dos limites da competência, o ato não é ato de
órgão, portanto não é ato da pessoa jurídica, e assim por diante.
Quando se trata de averiguar os atos, necessário se faz procurar a origem, ver de onde
estão vindo, de qual órgão nascem. Isto importante para a vida e a relação dos negócios para
com terceiros, desde quando, um exame prévio do estatuto proporciona um sinal de advertência
ou suprimento para aperfeiçoar os devidos laços, sendo uma fonte do provimento, como ato
constitutivo. Assim, não acontecendo, não há que se pensar em órgão. Pois o estatuto determina
as funções do órgão, tudo decorrendo da regra estatutária.
Com a existência de uma regra estatutária, encontra-se o elemento do tráfico, da sua
concepção e da função, mostrando que o ato não é da pessoa jurídica, face o entendimento de
que a regra jurídica não é interpretativa, mas dispositiva. Seja como for, não há função de órgão
se o ato constitutivo ou os estatutos não o conhecem.
Por outro lado, entende-se que a pessoa jurídica não é responsável pelo ato do órgão que
não obedeceu a forma que o ato constitutivo ou o que os estatutos exigiram, salvo situações
jurídicas especificas que a lei e doutrina explicitam, com a corroboração dos tribunais. Sem
isto, não se pode fazer distinções, para avaliar violações das regras de forma.
O órgão pode ser subordinado, ou não, no todo ou em parte, a outro órgão. Se o
provimento ou o ato do órgão infringiu o ato constitutivo ou os estatutos, a aprovação pelo
116
órgão competente sana a invalidade, o que, na dúvida, não se há de entender. O que pode ser
previsível dessa revisão, de um órgão por outro, à exemplo quando se trata da sociedade
anônima que possui Conselho de Administração e Diretoria, e relembrar a assembleia
considerado como órgão maior da instituição.
Uma longa jornada foi trilhada para depurar a figura da pessoa jurídica, e a concepção
doutrinaria sedimentado nessa gama de estudos, inclusive com a manifestação da importância
do direito civil constitucional, proporcionando uma coexistência harmônica, formada pelos
estatutos jurídicos e leis especiais.
Nos axiais estudos225 que servem de alicerce a tantos pesquisadores, estão salientes as
regras próprias, inclusive as que sustentam a ter direito a personalidade, como dado real, o
suporte fático da pessoa jurídica, escopo que envolve o suporte fático da pessoa natural, e do
mesmo modo confere-se a construção com relação a figura do órgão, uma vez que a pessoas
jurídicas, em geral institui o órgão, levando ao entendimento de que: Quem tem órgão pode
consentir, pois o órgão pode. E o órgão não representa; presenta, pois, é órgão. As pessoas
jurídicas não são incapazes de obrar, pois tem órgão.
As pessoas jurídicas trabalham de per si, e por assim ser, acentua-se a diferença entre a
representação das pessoas naturais e o órgão das pessoas jurídicas: em vez de se ter a atividade
do órgão como uma das espécies de representação, devendo-se conhecer o que contrapõe (O.
Von Gierke, Deutsches Privatrecht citado por Pontes de Miranda)226.
Pelo entendimento de R. Von Jhering227, tornava transparente a pessoa jurídica, e de igual
modo para se chegar à negação dela: em verdade, lá estariam pessoas naturais, membros da
sociedade, destinatários dos interesses das sociedades constituídas. E. Holder e J. Binder228
mostram por traz da figura irreal da pessoa jurídica, aquele, órgão, ou os componentes,
conforme a natureza, altruísta ou egoísta, do que compôs, e esse só os membros.
225 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I - Introdução. Pessoas
Físicas e Jurídicas, 4ª. ed., São Paulo, RT, 1974, p. 284:
“A expressão ‘pessoa jurídica’ vem do começo do século passado (A. HEISE, 1807). Substituiu outros, como
‘pessoa mística’ e ‘pessoa moral’. Empregou-a F. VON SAVIGNY, o que lhe deu o prestígio que se seguiu (cf.
O. VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, I, 369; W. FREISTAEDT, Die Körperschaften, 5). Tal o nome que o
Código Civil adotou”. 226 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I, 1954. Editor Borsoi. 227 Idem, op. cit. - Geist, III, 1, 216 s; Der Zweeck im Reccht, I, 469 – citado na mesma obra - autor acima
mencionado. 228 Idem, citados na obra de Pontes de Miranda.
117
No mundo fático também faz surgir as pessoas jurídicas criadas pelo homem, ainda em
se tratando do Estado, alguns homens o criaram no passado, talvez um só, ou alguns, ou, por
alguns, todos, conforme lhes pertencia o poder estatal, praticando atos prévios, o dado fático
com que operam.
Deve-se ao embate entre teorias229 ao tratar do que há de comum e diferencial nas
posições doutrinarias que servem para aproximar e ou para afastar as ideias declinadas sobre a
representação, que através de uma exposição didática de Stolze Gagliano e Pamplona Filho,
numa linguagem contemporânea, observa a legislação vigente sobre os vertentes jurídicos,
focando os dispositivos do Código Civil brasileiro (anterior e atual), que a personificação da
pessoa jurídica é de fato construção de técnica jurídica, podendo operar na suspensão legal dos
seus efeitos, por meio da desconsideração, em situações excepcionais admitidas por lei 230. A
doutrina aponta a existência de pessoas jurídicas de direito publico, interno e externo, e de
direito privado, como dispõe o artigo 40 do atual Código civil de 2002.
A pessoa jurídica por se tratar de um ente cuja personificação é decorrência da técnica
legal, sem existência biológica ou orgânica, dada a sua estrutura, exige órgãos de representação
para poder atuar na órbita social. Obviamente não se pode comparar ou trazer a titulo de
exemplo um sentimento de uma pessoa natural, como o elo para estabelecer um vinculo
matrimonial. O órgão da pessoa jurídica possibilita que a união de uma companhia a outra
sociedade empresária, possibilitando transformação, modificação ou formatação legal,
promover fusões, incorporações, cisões, e outras fórmulas de aproximação de negócios, como
uma espécie de casamentos, que podem ser duradouros ou efêmeros.
A pessoa jurídica tem presentação, provem da sua capacidade, a mesma pessoa jurídica.
O artigo 47 do atual Código Civil estabelece a pessoa jurídica os atos administrativos, limites
e poderes definidos na estrutura constitutiva dos seus estatutos para atender o desiderato legal.
As pessoas jurídicas podem possuir órgãos, e assim tendo, os órgãos podem exprimir vontade,
podem gerenciar, dirigir e resolver situações, que podem ser movimentadas no âmbito interno,
e externo.
229 G. Beseler, O. Von Gierke 230 Gagliano, Pablo Stolze, Pamplona Filho, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, 12a. ed., Saraiva, 2010, p.p.
232-270.
118
Esses atos-fatos jurídicos poderão ser praticados por outros, ou sejam, por pessoas
naturais e ou outras pessoas jurídicas, conforme as circunstâncias a propiciar, ou com relação a
outras pessoas jurídicas e pessoas naturais, na forma dos seus estatutos, inclusive o mandato.
A respeito da autoria das ações e recepções que produzem efeitos para a pessoa jurídica,
com o necessário concurso das pessoas naturais dos seus diretores, administradores ou
funcionários, como se refere Cavalcanti231.
Clóvis Beviláqua tratando das pessoas naturais como representantes legais, emprega para
designá-las a locução “órgãos representativos”. Entende-se que a representação necessária é
uma expressão sinônima de representação legal. A doutrina contrária à teoria orgânica
reconhece na palavra órgão valor figurativo que a torna eficiente do ponto de vista da
linguagem, conquanto juridicamente seja um conceito inaproveitável232.
Alguns autores entendem como órgãos apenas os internos, tendo como representantes
voluntários e não como órgãos externos da pessoa jurídica os seus administradores, ou, mais
restritamente, os administradores nomeados posteriormente à constituição da pessoa jurídica.
No tratamento das considerações a respeito dos arguidos problemas de linguagem,
decantar algumas locuções utilizadas para não designar determinada conceito de órgão das
pessoas jurídicas, na fala de Cavalcanti233:
Ainda quando não se admita a existência de relações entre a pessoa jurídica e
seus órgãos, de relações dos próprios órgãos entre si, nem a existência de
relações jurídicas unissubjetivas, a expressão “relação com terceiros” não sera
tautológica, dada a existência de uma relação entre representado e
representante, da qual decorre para o último poder de relacionar o primeiro
com terceiros.
Segundo Mortati o nome órgão deve ser reservado aos cargos que tenham relevo externo,
exercendo uma atividade juridicamente relevante fora do âmbito da pessoa jurídica, dado que
os órgãos internos não relacionam a pessoa jurídica com terceiros, descabe estabelecer qualquer
identificação ou distinção relativamente aos representantes, cuja função é precisamente a de
relacionar o representado com terceiros. A esse respeito, manifestou-se Messineo:
Observe-se como aqueles que negam o conceito de órgão (e são a maioria),
referindo-se ao caso dos administradores, não se tenham advertido de que o
conceito de órgão é ineliminável, quando se trata de definir a natureza jurídica
231 CAVALCANTI, José Paulo. Estudos Jurídicos em homenagem ao Prof. Orlando Gomes. 232 FERRARA, Francesco. Teoria de las personas jurídicas. Ed. Reus, Madrid, 1929, nº. 45, p.p. 204-205. 233 CAVALCANTI, José Paulo. Da representação voluntária no Direito Civil, da retificação no Direito Civil.
1965.
119
da assembleia, à qual o conceito de representação é inteiramente inaplicável
(o mesmo se diga de cada associado).
Mas, se a assembleia é considerada órgão (e não representante), não se
entende porque deveriam ser representantes os administradores, que têm a mesma natureza da assembleia, enquanto tanto a assembleia quanto os
administradores são instrumentos indispensáveis para que a pessoa jurídica
possa participar da vida do direito.
A assembleia não é representante, porque não relaciona a pessoa jurídica com terceiro, e
a representação supõe esse relacionamento, que é efetuado pelos administradores, que são, por
isso representantes; não têm a mesma natureza, portanto, a assembleia e os administradores,
não obstante ser considerada a assembleia o órgão de maior relevo.
Além da assembleia geral ser entendida como órgão máximo da associação, é muito que
o seu estatuto autoriza a composição de um conselho administrativo ou diretoria, e de um
conselho fiscal. A estrutura organizacional da entidade, respeitados preceitos legais de ordem
pública, depende do conteúdo normativo de seu estatuto. O novo código civil cuidou de
disciplinar um campo de atuação privativo da assembleia geral, ressaltando a sua característica
de órgão deliberativo superior234.
Ao admitir a existência dos órgãos internos não importaria aceitar o conceito de órgão,
ou seja, não aceita a unidade entre pessoa jurídica e pessoa natural, porque, não é a própria
sociedade que exterioriza vontade através dos seus órgãos internos, mas sim são as pessoas
naturais, inclusive na assembleia, exteriorizam a vontade, com eficácia para atender o
mecanismo de funcionamento da pessoa jurídica. Entende-se que a deliberação tomada em uma
assembleia de uma sociedade anônima é decisão da própria pessoa jurídica.
Observa Ferrara que:
A corporação age diretamente, em forma solene, na assembleia geral. A parte
da doutrina considera erroneamente a assembleia como órgão, quando se trata da forma de presentação coletividade da mesma. A totalidade dos membros
forma o corpo da associação, que aparece de forma solene e legalmente
organizada na assembleia: a assembleia geral é o modo oficial de apresentação
da corporação. Não importa que na assembleia não intervenham todos, porque
basta que todos tenham sido convocados; a massa dos associados se reduzirá
aos que voluntariamente compareçam, que representam, ou melhor, que atuam
obrigatoriamente, segundo os estatutos, também pelos abstidos ou ausentes”
(cit. Teoria de las Personas Jurídicas”, nº. 112, p. 763). “Entre assembleia e
corporação não há nenhuma relação de alteridade; se a assembleia age mal,
não é responsável perante o ente; não é concebível uma ação de reembolso da
corporação contra a assembleia, como o é, ao invés, relativamente ao diretor,
ou aos administradores ou aos conselheiros fiscais. Por quê? A razão é óbvia:
234 Reale, Miguel. O projeto do novo Código Civil. S. Paulo, 1999, 2a.ed. p. 65.
120
não se pode ser responsável para consigo mesmo; e a totalidade dos membros
reunidos na assembleia é a associação. (Página 765 obra citada)235.
Entretanto a inexistência de ação da pessoa jurídica contra a assembleia decorre,
precisamente do fato de que não é esta última quem delibera, mas a totalidade ou a maioria dos
seus membros, contra os quais, por isso mesmo, tem a pessoa jurídica ação (art. 115, parágrafos
3º. e 4º. da Lei nº. 6.404/76). Comenta Cavalcanti ao invocar o artigo 115, parágrafos 3º. e 4º.
da Lei nº. 6.404/76, no que tange a disposição sobre a incompatibilidade entre a parte inicial e
a parte final do aludido parágrafo 3º. - o acionista responde pelos danos causados pelo exercício
abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido, esclarecendo que:
O enunciado contém uma contradição nos próprios termos, porque se o voto
não prevaleceu não pode ter “causado” nenhum dano.
O parágrafo não impõe nenhuma pena pelo só fato do voto abusivo,
independentemente de qualquer dano efetivamente causado à sociedade, única
hipótese em que a regra não encerraria uma contradição; prescreve, ao invés,
a indenização do dano causado pelo voto, exigindo, assim, um dano à
sociedade e a relação de causa e efeito entre voto abusivo não prevalecido e,
assim, não tenha causado dano algum, a parte final do parágrafo pretende uma
logicamente inviável causalidade sem nexo de derivação, sendo, em
consequência, autófaga ou autodestrutiva: supondo um absurdo, é uma regra
de incidência impossível.
A relação que se estabelece entre as pessoas jurídicas e as pessoas naturais foi
inicialmente entendida como uma relação de representação, mais precisamente de
representação legal, dada a analogia existente com a situação dos incapazes, também
impossibilitados de agir, senão através dos seus representantes.
Para Cavalcanti236 convém estar atento a certas expressões convencionais, uma vez que
estar em algum contexto equivocado, quando se procura exprimir representação nascida em um
negócio bilateral, no entanto, na realidade, seria um negócio unilateral do representado, como
em um instrumento, a exemplo da procuração.
Embora o entendimento das pessoas naturais, como representantes legais da pessoa
jurídica, ainda se diz como dominante entre autores contrários à teoria orgânica. Parte da
doutrina antiorganicista trata a representação das pessoas jurídicas como uma terceira espécie,
denominada representação institucional ou representação orgânica, ao lado da representação
voluntaria e da representação legal, tendo esta última como pertinente apenas aos incapazes;
235 Ferrara, p. 765. 236 CAVALCANTI, José Paulo, op. cit.
121
caracterizando-se a representação institucional ou orgânica pela coligação não ocasional ou
provisória, mas estrutural, existente entre pessoa jurídica e pessoa natural.
Do exame dos aspectos da pessoa jurídica como sociedade anônima e órgãos, suas
deliberações e consequências em uma plataforma jurídica especifica, própria, que a sociedade
anônima adota numa estrutura histórica e legal, conduzida para a modelagem e constituição da
sociedade de economia mista no Brasil.
3.1 Sociedade Anônima
A história do direito mostra que na França a partir de 1867, com a Lei de 24 de julho, as
manifestações sobre as sociedades mercantis ganharam ênfase com a criação do modelo da
sociedade empresarial por ações, possibilitando uma regulamentação naquele momento. Dessa
história se extrai a afirmação que não existe um conceito “puro”, imutavel de sociedade
anônima, ou até mesmo um conceito de sociedade mercantil, quanto se procura encontrar
definição atinente à mesma. Tecendo-se observações e aproximações de cada época confere-se
uma permanente evolução da vida humana gerando situações jurídicas que se coaduna com
antigos conceitos que proporcionaram esteio para os estudos posteriores.
Constitui truísmo reconhecer que a sociedade ocidental, em primeiro lugar, e a
humanidade inteira, em seguida, sofreram profundas transformações em seu modo de vida, que
dentre tantas, operou-se a “revolução industrial”. A ciência jurídica abandona a sua posição
meramente interpretativa, para assumir uma autêntica função criadora, como verdadeira
“engenharia social”237. Essa nova concepção apresenta o Estado na economia, a pessoa jurídica
e o órgão, a evolução do mercado com suas características dinâmicas, reunindo os elementos
relevantes da sociedade empresária, em especial com relação a sociedade anônima que serviu
para estruturar a sociedade de economia mista.
O termo sociedade no campo empresarial vem correspondendo a formação de um contrato
gerador de obrigações para uma pessoa, ou quando duas ou mais pessoas se reúnem em ordem
237 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 90.
122
à consecução de um fim comum, não obstante que se admite a sociedade empresária unipessoal
e similar238.
Para Varela239 a sociedade está num contrato, e na comunhão de pessoas, ou no organismo
dele resultante, serem cobertas pela mesma designação, não obstante a consolidação da
personalidade jurídica das sociedades comerciais, gerando a cada passo imprecisões na
doutrina, ou que leva, ou pelos menos não facilita a exposição dos problemas relativos às
sociedades. Alude o jurista português que a confusão em certo aspecto semelhante à que,
durante séculos, se estabeleceu nos Códigos, e nos tratados entre contrato e obrigação, e que
ainda hoje persiste entre o contrato e a relação (contratual) dele emergente; mas com a agravante
as duas realidades distintas serem batizadas com o mesmo iuris. Os estudos sobre a sociedade
mercantil, em especial nos desenvolvidos pelos autores alemães, entendendo em regra que
sociedade corresponde à relação jurídica resultante do contrato, mas, também, admitem o duplo
aspecto que reveste tal relação, que resulta na sociedade240, é não só uma relação obrigacional
entre os sócios, mas, também uma comunhão de pessoas ligadas por um vinculo jurídico-social,
que, como tal, necessita de um quadro mínimo de organização e deve ser distinguida, como
conjunto organizado, dos seus sócios isolados e até da simples reunião deles (von Ihrer Summe).
Comentadores italianos realçam o avanço do artigo 2.247 do Código de 1942 da sua
pátria:
Com o contrato de sociedade duas ou mais pessoas concorrem com bens ou
serviços para o exercício em comum de uma atividade econômica, com o fim
de repartirem os lucros”. O posicionamento doutrinario estava alinhado com
o fato de a sociedade constituir um fenômeno que, além aspecto negocial,
envolve um elemento organizativo mais importante na realização do fim
comum241.
Segundo Varela os lados atinentes ao aspecto contratual e a realidade orgânica da
sociedade suscita conflito aparente entre si. O termo sociedade é usado para designar, ora o
contrato celebrado pelos sócios, ora a comunhão ou órgão de caráter duradouro que polariza os
interesses comuns dos sócios, ora a relação jurídica ou o fenômeno que abrange
simultaneamente os dois aspectos – negocial ou contratual de um lado; organizatório ou
comunitário, do outro – da atividade concertada entre os sócios.
238 Lei nº. 12.441, de 17/7/2011 apontada por C. Salomão Filho, “A sociedade unipessoal”, São Paulo, Malheiros,
1995, p. 68 e ss. 239 VARELA, João de Matos Antunes. O conceito de sociedade anônima, in Estudos Jurídicos em Homenagem ao
Professor Orlando Gomes, Forense, 1979, p.p. 495 a 521. 240 Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, 9ª ed., II, 1968, §, I, p. 288. 241 FERRI, Giuseppe. Delle società, no Comentário de Scialoja e Branca, 2ª. ed. 1968.
123
Seja qual for o elemento a que deva aplicar o vocábulo sociedade, o que importa é destacar
a existência de dois lados ou aspectos distintos na constituição e funcionamento da sociedade:
o contratual, expresso na vinculação originária dos contraentes; o orgânico ou institucional,
resultante da criação e satisfação subsequente de interesses comuns a todos eles.
Em regra, avança o aludido autor português, que há concordância entre os dois lados do
fenômeno societário, assente na sua complementaridade. Cada um dos sócios quer constituir a
comunhão ou organização capaz de assegurar a realização do fim proposto. E sabe que a atuação
dessa organização, subordinada ao princípio específico das decisões por maioria, pode implicar
no sacrifício mais ou menos persistente da sua vontade individual às deliberações tomadas pelos
órgãos colegiais.
O direito conferido aos sócios de participação na administração da sociedade, de fiscalizar
a gestão dos negócios sociais, de eleger os dirigentes e de obter informações dos assuntos
atinentes, quer sejam relevantes ou não, para facilitar a compreensão na busca de conciliação
entre os interesses individuais de cada sócio, e os interesses específicos da comunhão dos
sócios, em cada momento representados pelos órgãos sociais, no exercício do seu mandato.
Apesar haver certa preferencia dos empreendedores brasileiros, nas atividades
empresariais, por um exercício mercantil individual, ou através de uma sociedade limitada, não
obstante haver o emprego de diversas formas societárias, dentre elas, as sociedades anônimas,
especialmente as abertas, que proporcionam um interagir da poupança popular com o mercado
de capitais, mecanismo cada vez mais sofisticado, constituído para alcançar sucesso, obtenção
de ganhos mais expressivos e de riscos, não somente em favor dos empreendedores, mas
também em favor dos investidores que se tornam acionistas da(s) companhia(s), que acreditam
e apostam no retorno dos investimentos nos empreendimentos. Esses investidores aplicam seus
recursos através de mecanismos desenvolvidos pelo mercado de capitais, também nos
denominados fundos de investimentos mais próximos das camadas da população que se
empolgam na busca de ampliar suas poupanças.
No direito brasileiro até o Decreto nº. 575, de 10 de janeiro de 1848, a sociedade anônima
dependia para sua constituição de leis especiais, sujeita a autorização governamental, como
disposto no art. 1º: “Nenhuma sociedade anônima podera ser incorporada sem autorização do
Governo e sem que seja por ele aprovado o contrato, que a constitui”.
Nessa trajetória, os empresários e os juristas conviviam com a experiência da sociedade
anônima no Brasil, perceberam da necessidade de imprimir à mesma uma nova disciplina,
124
consentânea às exigências da atualidade. A Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, passou
a refletir essa nova face, que os economistas e juristas ajustaram pensamentos para atender o
financiamento do desenvolvimento nacional.
As modificações aconteceram no Brasil na década de sessenta do século XX, visando
objetivos para a constituição de uma poupança interna através do mercado de capitais, e ao
mesmo tempo procurava reduzir a inflação. Para tanto necessitava aumentar as eficiências
alocativas e produtivas do setor privado, fortalecendo a capacidade do sistema de canalizar
fundos para empreendimentos modernos e eficientes, dinamizando a administração e o
planejamento das empresas, a fim de obter aumento da produtividade. Um dos principais
instrumentos de que o governo de então se valeu, foi da legislação para a consecução dos
objetivos, aproximando as qualidades da sociedade anônima de capital aberto para incentivar o
mercado de capitais.
O mercado de ações agita não só o campo econômico, também perturba o terreno
ideológico, como se observa na fala de Rosa Luxemburg242, ao tratar “Da adaptação do
capitalismo”, na obra “Reforma Social ou Revolução”, apontando que: “Os mais eficazes meios
de adaptação da economia capitalista são a instituição do crédito, a melhoria dos meios de
comunicação e as organizações patronais”.
Comecemos pelo crédito. Das suas múltiplas funções na economia
capitalista, a mais importante é a de aumentar a capacidade extensiva da
produção e a de facilitar a troca. No caso em que a tendência interna da
produção capitalista para um crescimento ilimitado ultrapassa os limites da
propriedade privada, as dimensões restritas do capital privado, o crédito
aparece como o meio de ultrapassar esses limites no quadro do capitalismo,
intervém para concentrar um grande numero de capitais privados num só – é
o sistema das sociedades por ações – e para assegurar aos capitalistas a
utilização de capitais estrangeiros – é o sistema de crédito industrial. Por outro
lado, o crédito industrial acelera a troca das mercadorias, por conseguinte o
refluxo do capital no circuito de produção. Percebe-se facilmente a influência
que exercem essas duas funções essenciais do crédito na formação das crises.
Sabe-se que as crises resultam da contradição entre a capacidade de extensão,
a tendência expansionista da produção por um lado, e a capacidade restrita de
consumo do mercado por outro lado, nesse caso o crédito é precisamente,
vimo-lo já, o meio específico de destruir essa contradição tantas quantas as
vezes possíveis. Em primeiro lugar, aumenta a capacidade de extensão da
produção em proporções gigantescas; é a força motriz interna que a leva a
ultrapassar constantemente os limites do mercado. Mas é uma faca de dois
gumes. Na sua qualidade de fator de produção, contribui para provocar a
superprodução, na sua qualidade de fator de troca só pode, durante a crise,
ajudar na destruição radical das forças produtivas que por ele foram
242 LUXEMBURG, Rosa. Reforma Social ou revolução. 1900. Militant Publications, London, 1986. The
Marxists Internet Archives. Org. 2002. Parte Prefácio.
125
movimentadas. Desde os primeiros sintomas de estrangulamento do mercado,
o crédito funde-se, abandona a sua função de troca precisamente no momento
em que seria indispensável; revela a sua ineficácia e inutilidade quando ainda
existe, e contribui, no decurso da crise, para reduzir ao mínimo a capacidade
de consumo do mercado. citamos os dois efeitos principais do crédito, atuando
diversamente na formação das crises. Não somente oferece aos capitalistas a
possibilidade de recorrer aos capitais estrangeiros, mas encoraja-os a
utilizarem ativamente e sem escrúpulos a propriedade alheia, ou, dito de outra
maneira, incita a especulações arrojadas. Assim, na qualidade de fator secreto
da troca de mercadorias, não só agrava a crise, mas ainda facilita a sua
aparição e extensão, fazendo da troca um mecanismo extremamente complexo
e artificial, tendo por base real um mínimo de dinheiro-metal, facto que, na
primeira ocasião, provoca perturbações nesse mecanismo. Desta forma, o
crédito em vez de contribuir para destruir ou mesmo atenuar as crises é, pelo
contrário, um seu agente poderoso. Não pode ser de outra maneira. A função
específica do crédito consiste – exposta muito esquematicamente – em corrigir
tudo o que o sistema capitalista pode ter de rigidez, introduzindo-lhe a
elasticidade possível, em tornar todas as forças capitalistas extensíveis,
relativas e sensíveis. Só consegue, evidentemente e por isso mesmo, facilitar
e agudizar as crises que se definem como o choque periódico entre as forças
contraditórias da economia capitalista.
Nessa toada observa-se os comentários desenvolvidos sobre os problemas do socialismo
quando Eduard Bernstein243 se debruçou no início do século XX, gerando polêmicas que ainda
perduram, como está na afirmação abaixo.
Se o determinismo mecanicista e dogmático adotado pelo marxismo ortodoxo
representou, como foi demonstrado, a ocultação do potencial transformador e
revolucionário dos sujeitos históricos, por outro lado, a rejeição e exclusão da
dialética marxista efetuada por Bernstein posicionou-o do outro lado dos
extremos, aproximando-o do idealismo kantiano e da ciência positivista.
Deste modo, excluiu de seu sistema teórico todas as patentes contradições do
modo de produção capitalista, ocultando-lhe os antagonismos sociais e
partindo em defesa de um reformismo não atrelado ao compromisso
revolucionário. Como consequência, esvaziou a teoria marxista de todo
conteúdo crítico e transformador, levando a social-democracia a endossar as
teses liberais e a legitimar o sistema capitalista. Conforme previra Rosa
Luxemburgo, o revisionismo bernsteiniano levou à descaracterização da social-democracia e à sua identificação com um democratismo liberal apático
e comodista244.
243 BERNSTEIN, Eduard. Ferdinand Lassale: le réformateur social. Paris: Marcel Riviere, 1913. Cromwell and
communism: socialism and democracy in the great English Revolution. New York: Kelley, 1966. “El mensaje de
Bernstein al Congresso de Stuttgart”. In: Socialismo teórico y socialismo practico. Buenos Aires: Editorial
Claridad, 1966. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El
revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982. Selected writings of Eduard Bernstein: 1900
– 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996. Socialismo evolucionario. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 244 ANDRADE, Joana El-Jaick. O Revisionismo de Eduard Bernstein e a Negação da Dialética. Tese de Mestrado
em Sociologia, USP – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais. São Paulo, 2006, p. 226.
126
E nessa linha Comparato245 encara as transformações no que tange as modificações
operadas no seio da sociedade anônima, entendendo que “[...] o modelo legal da sociedade por
ações revelou-se, em suas metamorfoses, francamente tributário dessas diferentes concepções
políticas ligadas à evolução do conceito de soberania”.
Salomão Filho246 salienta que:
Ocorre que a concentração do poder econômico, dentro e fora da empresa é
um óbice extremamente relevante para o estabelecimento de agendas
progressistas e transformadoras na sociedade, representando de fato
instrumento de manutenção das estruturas reinantes e de vigas de sustentação.
Experiências históricas relevantes demonstram essa relação. A mais
importante e trágica de todas é o desaparecimento da República de Weimar e
o subsequente aparecimento do nazismo. Não há muita dúvida entre os
historiadores que estudaram o período que os fatores mais relevantes para o
desaparecimento da experiência transformadora da República de Weimar
foram exatamente a tolerância havida com o poder econômico (que aliás só
fez crescer nessa época) e com as estruturas de poder militar (que não só se
mantiveram, mas também se reforçaram). Ambas as instâncias, poder
econômico e poder militar, vieram mais tarde a fornecer as bases de
sustentação para o aparecimento do regime nazista.
Tal fenômeno (entrelaçamento entre poder econômico e poder militar) não é
estranho a história brasileira. Poder econômico e poder militar se unem em
1964 para garantir um longo período de dominação e, paralelamente, de
retrocesso em termos sociais. Ora, a gênese da lei societária brasileira se dá
no período militar. Não deve espantar, portanto a relevância dada a esta ao
reforço do poder no interior da organização societária (o poder de controle)
visto como instrumento de fortalecimento da grande empresa.
No particular, admite-se que a interferência militar acontecida em 1964, aflora aspectos
ideológicos à semelhança dos que foram agitados à época e ainda hoje servem de avaliações
sobre e com as subsequentes sequelas no Brasil, é de anotar, de algum modo, naquele período
as sociedades estatais vieram à tona com maior sofisticação, enformadas como sociedades de
economia mista, algumas dirigidas por graduados oficiais, possivelmente para melhor expressar
segurança, circunspecção e firmeza na conjugação do poder politico de então com a
institucionalização com o poder econômico, inclusive face o porque e da detenção do poder de
controle das companhias, circunstancias que motivaram criticas e manifestações das mais
diversas.
245 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder de controle na sociedade anônima.
Forense, 6a. ed., 2014, p. 30. 246 SALOMÃO FILHO, Calixto. Teoria crítico-estruturalista do Direito Comercial. São Paulo: Marcial Pons,
2015. P. 33.
127
Decorridas décadas da vigência do Decreto-lei nº. 2.627/1940, foi a obra considerada
magnifica em seu tempo, como se depura das palavras de Batalha247 ao lavrar o prólogo do
“Comentarios à lei das sociedades anônimas”, compreendendo, que, superando a ansiedade do
Decreto nº. 434/1891, ainda persistia, aquela época, sentia-se em suas linhas mestras, a
necessidade de imprimir às sociedades anônimas nova disciplina. Por isso é que a Lei nº.
4.728/1965 procurou dar impulso, avanço e fornecer uma estrutura aos órgãos institucionais do
mercado de capitais, os chamados “retoques” na sistematica introduzidos pelo Decreto-lei nº.
2.627, Leis nº. 5.589/1970, e a de nº. 4.137/1962 e pelo Decreto nº. 52.025/1963, porque não
se revelaram suficientes para satisfazer às múltiplas imposições daqueles dias, conduzindo ao
entendimento de que era necessário modificar as bases da sistemática legislativa adaptando-as
aos novos tempos.
Com a chegada da Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, surge um novo diapasão
jurídico para a sociedade anônima. O exame de Batalha248 sobre a natureza jurídica da
sociedade anônima, quando ainda estava em vigor o Código Civil de 1916. Para o referido
jurista, a sociedade anônima mesmo quando constituída com capitais públicos, no todo ou em
parte, encarava que a simples forma de ser considerada uma sociedade anônima conferindo à
pessoa jurídica caráter privatístico, despindo-se das prerrogativas do Poder Público.
A estrutura em que se estabelece a sociedade anônima, de acordo com a literatura
estrangeira e nacional, que no capital social da companhia está presente o caráter não só de
participação, como também de investimento acionário, influenciando a composição da diretoria
da sociedade, e firmando um controle submetido a esses investidores. Portanto, o controle pode
acontecer pela via da participação no capital, que não se deve confundir com a simples
participação. É de observar que os diretores de uma companhia não precisam ser acionistas, e
nem sempre o controlador exerce ou assume as funções diretivas por ser detentor de um maior
número de ações. Por isso que a concepção da sociedade anônima serve de modelo para
implantar a sociedade de economia mista.
O Decreto-lei nº. 200, de 25.2.1967, com a redação dada pelo Decreto-lei nº. 900, de
29.9.1969, pelo art. 5º., III, define a sociedade de economia mista como sendo “a entidade
dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei, para a exploração de
247 BATALHA, Wilson de Sousa Campos. Comentários à lei das sociedades anônimas. Forense, 1977 – pp.
prólogo. 248 Idem, vol. 1, p.p. 52-53.
128
atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto
pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da Administração Indireta”.
A constituição da sociedade anônima caracteriza-se como negócio jurídico plurilateral de
caráter instrumental, sendo um negócio jurídico que tem em mira a realização de objetivos
lícitos, mediante forma adequada, em que não se conciliam, como nos contratos típicos,
interesses antagônicos, mas em que todos os participes têm idêntico interesse e idêntica
finalidade a realizar. Como negócio jurídico plurilateral devem participar pelo menos duas
pessoas físicas ou jurídicas. E como negócio jurídico de caráter instrumental, mercê da criação
de um novo ente jurídico, como instrumento. Os interessados objetivam à melhor satisfação de
seus interesses individuais e à realização de finalidades que individualmente não poderiam
alcançar.
Vale lembrar a fala de Batalha249 ao enfocar o entendimento de F. de Steiger250, que a
teoria do contrato prevalecia outrora, defendendo a teoria da criação que vê na constituição de
uma sociedade anônima não a conclusão de um contrato de sociedade, mas um ato constitutivo
social formado de declarações de adesão, como unilaterais. A seu turno, Francesco Messineo
sustenta que a constituição de sociedade anônima não se caracteriza como contrato, mas como
ato coletivo. Daí o entendimento que efetivamente na constituição de sociedade mediante
assembleia, não se exige a unanimidade dos subscritores, de forma a excluir-se a natureza
tradicionalmente contratual de dita constituição.
O mesmo Batalha esclarece que Ripet insurge-se contra a ideia de que a constituição da
sociedade seria um contrato, enquanto Ascarelli251 sustenta que a constituição da sociedade
anônima decorre de um contrato e, mais precisamente, de um contrato plurilateral, subespécie
da categoria geral do contrato, diversa da dos contratos comutativos, ponderando que:
É substancialmente do ponto de vista do contrato concluído entre os sócios
que nos devemos colocar ao examinarmos a constituição da sociedade,
embora não esquecendo tratar-se de um contrato sujeito a uma disciplina
diversa daquela dos contratos de “permuta”.
A “pluralidade” deste contrato permitira distinguir os vícios do contrato e os
vícios das adesões individuais; estes últimos sós influem sobre todo o contrato
quando determinam a impossibilidade de consecução do objetivo social. A
circunstância de se constituir, através do contrato, uma organização destinada
a entrar em relações com terceiros, com patrimônio separado, exige que se
examine até que ponto os vícios do contrato ou das adesões individuais põem
249 BATALHA, op. cit. p. 413. 250 STEIGER, F. de. op. cit. p. 86. 251 ASCARELLI, Tulio. Problemas das Sociedades anônimas e Direito comparado, 1946, p. 372; 2a. ed. 1969, p.
349.
129
estar sujeitos as normas do direito comum; quais os seus efeitos para com os
terceiros e como podem este último ser tutelados. Essa distinção, por sua vez,
acentua a distinção entre as condições relativas à constituição e as relativas à
permanência da sociedade já constituída, permitindo entender-se por que nem
todas as condições requeridas no primeiro caso são cabíveis no segundo.
Esta distinção reflete-se na possibilidade de distinguir um ato constitutivo, em
sentido restrito, do estatuto, que ele também tem seu fundamento na vontade
contratual das partes, mas se destina a funcionar quase como lei interna da
sociedade.
A mudança das pessoas dos sócios e a tutela de quantos entram a fazer parte
da sociedade, adquirindo ações, podem levar a seguir, na interpretação do
estatuto, um critério objetivo.
Na mesma obra Ascareli aprofunda análise do contrato plurilateral, distinto dos contratos
do tipo permuta, asseverando que o “conceito de contrato plurilateral acaba coincidindo com
aquele de sociedade”. E Carvalho de Mendonça esclarece que:
[...] o prospecto tem, em regra, o simples valor de uma proposta ou oferta
pelos fundadores, sob as condições legais exigidas para a constituição das
sociedades anônimas. A subscrição importa aceitação dessa proposta, por
outra, a manifestação da vontade de fazer parte da sociedade, prometendo o
subscritor entrar com uma quota parte do capital anunciado, correspondente a
uma ou mais ações e subordinando-se desde esse momento à deliberação
definitiva da maioria. A vontade da assembleia dos subscritores, superpondo-
se, absorve as vontades individuais dos subscritores. A subscrição realiza,
portanto, um contrato entre o fundador ou os fundadores e o subscritor. Se não
se subscreve integralmente o capital ou se se modificam as bases descritas no
prospecto, resolve-se aquele contrato. Fora desses casos, não é lícito ao
subscritor, mediante ato próprio e individual, arrepender-se e retirar a sua
assinatura. A subscrição é irrevogável. Os fundadores, que são os contratantes
de outro lado, não podem recusar quão quer que se apresente como subscritor
até o preenchimento do capital exigido do público, salvo bem entendido a
verificação da capacidade jurídica do subscritor ou ainda da capacidade
econômica, se reservaram este direito no prospecto. Obrigam-se, portanto, os
fundadores, em seu nome pessoal, a constituir a sociedade, atribuindo a cada
subscritor, senão todas as ações subscritas, ao menos número proporcional à
subscrição. A obrigação dos fundadores fica dependente da condição
suspensiva da subscrição do capital integral.
Trajano de Miranda Valverde opina que:
Entre promotores, fundadores ou incorporadores e subscritores não se forma,
na verdade, nenhum contrato, porque não ficam eles ligados por obrigações a
cumprir, uns para com os outros, porém todos eles estão, quanto ao fim, em
idêntica posição jurídica, visam à criação de uma corporação. Concurso de
vontades não opostas, mas paralelas, pluralidade de atos unilaterais, ato
complexo, tal é o que dá nascimento às companhias ou sociedades anônimas.
É possível que entre promotores ou fundadores se tenha formado um contrato
regulando as suas relações, os direitos e as obrigações de cada um no que toca
ao lançamento da companhia. Mas essa associação, esse contrato, não se confunde com o ato constitutivo, ainda quando suas estipulações interessam à
futura sociedade. Por via de regra, os subscritores, na constituição da
companhia por subscrição pública ou sucessiva, se desconhecem.
130
Subscrevendo partes do capital social e aderindo aos estatutos, não
manifestam eles senão a vontade de concorrer para criação da pessoa jurídica,
de se tornar acionistas e de se submeter às disposições estatutárias, que
regularão as relações entre eles e a sociedade, entre esta e terceiros. A figura
do fundador não altera a situação jurídica. A iniciativa do empreendimento
somente acarreta responsabilidades que decorrem diretamente da lei. Esta é
que fixa as atribuições e as obrigações do fundador... Se a companhia não se
forma estão os fundadores obrigados, como depositários, a restituir aos
subscritores as importâncias recebidas... Os subscritores não contratam, pois,
com os fundadores, mas, ao lado deles, concorrem para a constituição de uma
companhia, confiantes no êxito da empresa, que os primeiros tiveram a ideia
de organizar. A abertura da subscrição pública, mediante as formalidades
legais, e a assinatura dos tomadores de partes do capital social na lista ou
boletim de subscrição são, consequentemente, dois atos unilaterais
independentes, dos quais decorrem, ex vi legis, direitos e obrigações a serem
exercidos ou cumpridos a bem do interesse comum... Se os atos constitutivos
das companhias ou sociedades anônimas não entram na categoria dos
contratos, erro também é nela incluir os estatutos.
Afigura-se que a constituição da sociedade anônima se caracteriza como negócio jurídico
plurilateral e complexo, inconfundível com os meros contratos, através do qual a vontade de
dois ou mais indivíduos se unifica, no processo formativo de Direito, criando novo ente regido
pelas normas fixadas especificamente, como pela legislação pertinente à espécie, que lhe regula
as condições de validade, estabelece cláusulas supletivas, fixa limites à vontade, impõe
responsabilidades sociais e institui a comunidade da empresa.
Na linguagem de Batalha esse negócio jurídico complexo, composto de várias fases ou
momentos, os participantes não harmonizam interesses contrapostos, mas unificam interesses
idênticos, para a realização de objetivos comuns, tanto assim que o fundador não contrata com
os subscritores, nem estes contratam com a sociedade in fieri, por isso significativo suscitar o
artigo 116, parágrafo único da Lei de S.A. :
O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia
realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e
responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela
trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses
deve lealmente respeitar e atender (grifo / destaque nosso).
Descartando reflexões sobre o poder nas ciências sociais, sem adentrar nas concepções
filosóficas, econômicas e outras, apenas com o objetivo de se limitar o estudo ao campo
especifico presente, complexo é o entender do poder, como realidade que independe de vontade,
mas com o qual se convive, não adentrando a analise o que se pode e ou o que se deve combater,
como ele se comporta visto as convergências, derivações em linhagens filosóficas, sociológicas,
ideológicas, outros pensamentos, porque existe, deve ser eliminado, porque?!
131
A sociedade anônima tem forma mercantil, independentemente do seu molde e objeto, é
um instrumento que propulsiona riqueza, porque inerente ao intuito especulativo, tendo o lucro
como meta, não devendo haver concepção para servir de instrumento e fins de beneficência,
filantropia e assemelhados, uma vez que a compreensão de fim especulativo não deve ser
alargado, tampouco avançar para permitir exercício empresariais em atividades contrárias à lei,
à ordem pública, tampouco aos bons costumes.
Não pode o objeto da companhia envolver-se em atividade que a lei considera contrária a
seus preceitos mercantis como as que possam ser caracterizadas como atividade delituosa
contravencional ou entendida simplesmente como ilegal. A ordem pública constitui não apenas
o que envolve o interesse do Estado na sua segurança e garanta as instituições, não é um
conjunto de normas de proteção social e política. Reúne critérios que devem estar calcados nos
interesses políticos, sociais, morais e econômicos, agrupando estimativas fundamentais desses
elementos e critérios relacionadas com o povo em determinado período, que se concebe como
englobante, abrange a soberania nacional, a ordem social e política, e de igual forma os bons
costumes. Portanto, a constituição da sociedade mercantil deve ser pautada num standard de
moralidade, retratada no pacto social, gerida pelos órgãos sociais e fiscalizada pelos associados.
A redação contida no atual Código Civil dispõe que celebram contrato de sociedade as
pessoas que reciprocamente se obriguem a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício
de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. E o parágrafo único do artigo 982
do Código Civil de 2002: Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a
sociedade por ações; e simples, a cooperativa.
No caso de sociedade, as vontades dos associados obedecem a um esquema diferente. Não
se contrapõem, não tem conteúdo oposto, concorrem na mesma direção, que é a constituição da
comunhão pessoal entre os associados e a prossecução do fim lucrativo comum. A sociedade
não nasceria, assim, de um contrato, mas de um ato coletivo, como sustenta Messineo252.
Há crítica à tese do ato coletivo, por entender que não retrata com fidelidade necessária
relação com a estrutura do ato constitutivo da sociedade. Suscitam que, quando vários se
reúnem para fundar uma associação de caráter humanitário, beneficente, literário, cientifico,
religioso, desportivo ou de natureza semelhante de fim desinteressado ou de fim ideal pode com
inteira propriedade falar-se num ato coletivo, porque as declarações de vontade nele
252 MESSINEO. Tese: ‘La Struttura della Società e Il Cosidetto Contrato Plurilaterale’, contida na Enciclopedia
Del Diritto, p. 148, noya 25, tanto antes como depois da publicação do Código Civil italiano.
132
incorporadas tendem de fato, a um fim comum como a divulgação da cultura, a propagação da
fé, a intensificação das modalidades desportivas, a prática da caridade ou do altruísmo, e outros.
Quando as pessoas se congregam para constituir uma sociedade, cada pessoa busca um
interesse próprio, com alvo de obter o maior proveito individual à custa da contribuição comum.
O interesse individual de cada sócio pode ser alterado de acordo com o resultado social, a
depender da existência de maior ou menor for o lucro ou o prejuízo comum, decorrente da
comunhão social.
Há uma advertência dos juristas que se dedicam ao campo empresarial, debatendo o que
realmente move cada interessado não é o benefício comum em si mesmo considerado, como
nas associações, nem é o lucro de cada um dos outros sócios, mas a sua participação pessoal
nos proveitos da sociedade. E por causa desse objetivo essencial, que os acionistas e a própria
sociedade empresaria ter necessidade continuada de precaver-se contra pretensões dos outros
associados, averiguando sinalizações opostas, devendo estar atento na gestão dos negócios
sociais, conhecer a escolha dos fornecedores, o porque da facilitação do crédito a clientes, quem
estará na ocupação dos cargos diretivos, e as hipóteses de reforma do pacto social, além de
acompanhar a formação de reservas, a distribuição de lucros, enfim, de todas as condutas e
resultados da sociedade e de sua gestão, uma vez que os procedimentos devem estar pautados
em princípios, paradigmas da ética, da probidade, da boa-fé e bons costumes, alerto aos
dispositivos dos artigos 187 e 422 do Código Civil em vigor.
Relevante conferir os elementos que podem afetar a contribuição individual do sócio, que
possam prejudicar a validade do contrato (especialmente, quando houver mais de dois sócios),
se a falta do sócio molestar decisivamente a realização do fim comum proposto pelos outros
sócios. Essa compreensão explica, porque, fora dos casos excepcionais previstos nas ‘letras’
dos incisos I, II e III do artigo 206, preveja (na ‘letra b’ do inciso II) a dissolução da companhia,
quando se alegue e comprove que ela não pode preencher o seu fim. Contudo, não se pode
deixar de ventilar a natureza econômica do fim proposto pelos contraentes, pois o fim comum
proposto pelos contraentes, tal como as obrigações mútuas de contribuições com bens ou
serviços, constitui elementos essenciais do contrato de sociedade.
É com o resultado positivo da atividade mercantil, o lucro, que se propicia a formação do
patrimônio da sociedade, gozando de personalidade jurídica, cujo lucro se destina, de acordo
com a intenção dos contraentes, dever ser distribuído entre os sócios.
133
Por isso que é significativa a definição do contrato, consoante o texto do artigo 2º da lei
das sociedades anônimas em vigor, dispondo que “pode ser objeto da companhia qualquer
empresa de fim lucrativo, não contrário a lei, à ordem pública e aos bons costumes”. E, o
parágrafo primeiro do citado artigo 2º da Lei n. 6.404/76, dispõe que qualquer que seja o objeto,
a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.
Interessante compreender o significado dos termos prática comercial, usos do comércio;
historicamente, alguns poderão analisar à luz dos valores políticos e econômicos de cada época,
do seu tempo; inclusive, as práticas de mercado, em especial, aquelas que pouco sofreram
impactos políticos e socioeconômicos, estando muitas práticas sendo exercitadas à contento.
Desses cenários históricos, e das circunstâncias que as nações experimentam
periodicamente, observa-se o intuito de entender como necessária a busca da lucratividade,
especialmente com relação a sociedade anônima, como um dos principais atores da economia,
quando, volta e meia, cita-se a figura do lucro.
No curso da atividade mercantil, a sociedade anônima apresenta-se como a de maior
envergadura, e que proporciona mais atrativo aos empreendedores. E por isso, quando os
investidores estão à procura de resultados vultuosos, as engenharias de negócios visam o
mercado de ações das companhias consideradas mais produtivas, que podem proporcionar
pagamentos de dividendos, a fim de auferir maior lucratividade, retorno do investimento.
Os autores anglo-saxônicos apelidam de profit marking companies, (companhias
lucrativas), as sociedades empresarias que se amoldam aos interesses dos investidores que
aplicam seus recursos com maior risco no mercado de capitais, em um leque de maior
intensidade lucrativa, que podem proporcionar um retorno do valor investido em curto ou médio
prazo, com uma margem de lucro superior as aplicações tradicionais, entendidas de menor
risco.
A sofisticação da organização empresária repercute de forma diferenciada na vida e nos
interesses dos empregados, sócios, credores, clientes, e outros interessados. E pela sua
versatilidade, a sociedade anônima pode se envolver com maior agilidade nas hipóteses de
interagir nas participações societárias, com objeto social distinto, definido no corpo estatutário.
No exame da sociedade anônima não se pode olvidar a definição do objeto social, e de
igual modo, as situações e poderes gerenciais, que não venham colidir ou escapar do controle
legal administrativo para não desaguar para o exercício de algum ato que possa ser considerado
improprio e até mesmo ‘ato ultra vires’.
134
3.1.1 Doutrina ‘ultra vires’
A doutrina tem alertado para certas situações de ordem prática quando o empreendedor se
desvia do traçado contido no contrato social da sociedade, ou previsão do estatuto social da
companhia, exercitando negócios não previstos no aludido texto, fora dos interesses
preestabelecidos entre os sócios. Tais desvios geram divergências. Dissensos que molestam não
só o relacionamento entre sócios, também podem gerar contendas interferindo nos resultados
econômico-financeiros. Essas arengas podem ser consideradas estratégicas para certos
acionistas e terceiros como estratégias que se aproveitam de determinadas conjunturas, que
através de apropriadas análises percebem hipóteses de precariedade e comprometimento de
determinada atividade empresarial.
Os juristas que se dedicaram ao assunto, desenvolveram, o que se denominou de doutrina
“ultra vires”, consistindo numa definição de imputabilidade da administração, quando e ou por
haver ultrapassado os lindes do objetivo social da sociedade empresária.
Tantas foram e são as facetas dessa tribulação, que a doutrina mantem estudo minucioso,
em especial pelos juristas britânicos, norte-americanos e sul-africanos, conceituando como
excesso de poder de um órgão da sociedade quando extravasa as finalidades declaradas no
estatuto ou contrato social da sociedade mercantil.
Passou-se entender o ato exercitado pelo gestor para o qual a sociedade não está autorizada
de forma expressa ou implícita pelos seus dispositivos estatutários a praticar, como um ato que
pode ser compreendido como perfeitamente legal. Entretanto, alguns minimizam, porque a
sociedade pode desapossar-se de executá-lo, simplesmente porque a faculdade de exercer essa
linha de atividade não está conferida no contrato social ou no estatuto da companhia.
Pelos atos praticados fora dos objetivos sociais responde a sociedade, na medida dos
benefícios que de tais atos auferiu. Discute-se se os administradores respondem civilmente,
perante a sociedade, pelos prejuízos ocorridos, ultrapassando os limites estatutários do objetivo
social, respondendo, também, perante terceiros pelos prejuízos acaso sofridos253.
Prudentemente deve ser tratada tais circunstâncias, de modo prévio, pelos gestores, atentos
por todos os atos empresariais que poderão ser praticados de modo aleatório, que não sejam
253 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das sociedades anônimas. Forense, 1977, vol. 1,
pp. 71-72.
135
tratados com fieldade com o objeto social da sociedade (companhia), eliminando de logo
possíveis acidentes de percurso.
Visto o ato “ultra vires” como elemento que pode ser vivenciado pela sociedade anônima,
e quando assim exercitado, nota-se a forte necessidade de perquirir do órgão, o ato praticado
fora do objeto do contrato social da sociedade empresária ou estatuto social da companhia.
3.2 Órgão
Tratando especificamente do órgão, Pontes de Miranda254 entende que órgão é órgão, não
é representante voluntário, nem legal. A personalidade do membro do órgão, ou do membro
único, não aparece, não se leva em conta, o que não ocorreria se de representação se tratasse.
Enfatiza-se, que o órgão atua e recebe, como o braço, a mão, a boca, ou os ouvidos humanos.
O ato e a receptividade são da pessoa jurídica, porque resulta da sua organização constitucional,
do seu ato constitutivo ou dos estatutos, no que o órgão se distingue do empregado. O preposto,
o empregado e o estranho podem representar a pessoa jurídica, não pode funcionar como órgão,
sem o ser. Mostra como exemplo a figura do porteiro que é empregado, não é órgão, a do caixa
de um banco é empregado, praticam atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos podem
estar nessas posições mas não de órgãos. Para que fossem órgãos teriam que estar constituídos
por força dos estatutos ou por ato constitutivo. O órgão surge quando criado, e as pessoas que
o compõem são nomeadas ou eleitas.
A função do órgão não é a do preposto, tampouco o locador de serviços, ou, em geral,
trabalhador. Os atos do órgão são da pessoa jurídica, como órgão, tampouco como
representante, e nem como núncio. Os doutrinadores admitem a existência de órgãos
necessários ou facultativos e em decorrência de lei. Só os atos constitutivos e os estatutos dizem
como se nomeia ou elege a pessoa ou colégio, quais são os poderes e não de representação.
Nesse quadro confere se a pessoa ou pessoas que compõem o órgão atuam fora dos limites da
competência, e se o ato não é ato de órgão, portanto não é, será ou seria ato da pessoa jurídica.
Quando se trata de averiguação de atos, necessário se faz procurar ver a origem do ato,
de qual órgão nasceu. Isto é de valiosa importância para a vida e a relação de negócios para
com terceiros. Importante exame prévio do estatuto, que é a fonte do provimento, como ato
254 PONTES DE MIRANDA. op. cit.
136
constitutivo, para assegurar desdobramentos das decisões empresariais. Pois o estatuto
determina as funções do órgão. A regra estatutária é um elemento do tráfico, da concepção e
função, mostrando que o ato não é da pessoa jurídica, e não esquecendo, seja como for, não há
função de órgão, se o ato constitutivo ou os estatutos não o conhecem.
A pessoa jurídica não é responsável pelo ato do órgão que não obedeceu a forma que o
ato constitutivo ou o que os estatutos exigiram, embaçando se pode fazer distinções, para avaliar
violações das regras de forma. O órgão pode ser subordinado, ou não, no todo ou em parte, a
outro órgão. Se o provimento ou o ato do órgão infringiu o ato constitutivo ou os estatutos, a
aprovação pelo órgão competente sana a invalidade, o que, na dúvida, não se há de entender. O
que pode ser previsível dessa revisão, de um órgão por outro, quando a sociedade anônima
possui Conselho de Administração e Diretoria.
Interessante observar o órgão quando desaparece, por modificação do ato constitutivo ou
dos estatutos se extingue, e estar atento a consequência com relação a pessoa e ou as pessoas
que o compunham deixam de preenche-lo quando destituídas, ou acaba o tempo para qual foram
designadas. Também quando uma sociedade anônima se transforma em uma sociedade
limitada, e esta não constituiu, não criou órgão para atender um alinhamento gerencial, quando
o comando é direto sob as rédeas de um diretor ou administradores com funções especificas de
gestão, o que se distingue de órgão. A sociedade limitada ou uma sociedade anônima pode ter
vários gerentes ou diretores dentro de uma hierarquia criada para um organograma sem a figura
do um conselho considerado órgão, não obstante, muitas sociedades limitadas, em geral de
grande porte, inclinar-se para uma administração mais complexa, erigindo algum órgão gestor.
Os órgãos da administração da companhia têm suas origens em várias concepções, que
podem ser resumidas, consoante Karsten Schimdt, quando a administração é composta de dois
órgãos: a diretoria (Vorstand) e o conselho de supervisão (Aufsichtsrat), forma de estruturação
concebida para eliminar as deficiências verificadas e proporcionar um maior controle dos
acionistas sobre a atividade cotidiana da sociedade, exercida pelo diretor-presidente255.
Em si mesmo considerando, o sistema dualista ostenta a forma mais
racional de estruturação do poder social, ao segregar perfeitamente as
atividades de gestão (execução e representação) das atividades de supervisão
e de tomadas das estratégicas de decisão (orientação geral e apreciação de
resultados da gestão), segregação essa que se tem hoje assente nos princípios
de boa administração. Além disso, o sistema dual favorece a alternância e a
renovação de lideranças dentro das companhias, o que não ocorre no sistema
monista, em que a força preponderante do presidente tende a ser mais
255 ADAMEK, op. cit. pp. 18-25.
137
marcante e opressora. No sistema dual, pelo contrário, a convivência de
distintas gerações de pensamento normalmente verifica-se com a admissão de
jovens executivos bem preparados na diretoria, a qual atua sob a supervisão
do conselho, em um segundo momento, dá-se a renovação por meio da
transferência dos diretores, já agora experimentados e maduros para o
conselho, abrindo, pois, espaço para a estrada de novos administradores na
diretoria, e, assim, sucessivamente, em um constante movimento de
renovação. O sistema dualista fez escola na Europa e hoje é previsto, mesmo
que de forma facultativa, na maioria dos países daquele continente.
Esse mesmo sistema foi adotado no direito brasileiro, desde a vigente Lei nº. 6.404, de
15 de dezembro de 1976, uma vez que o Decreto-lei nº. 2.627, de 26.09.40, adotou o sistema
monista, que de certa forma continuou influenciando algumas situações das sociedades
empresárias contemporâneas, daí ter Foderado declarar que se está ainda muito distante da
límpida e exata definição do conceito de órgão.
Uma sociedade empresária pode constituir uma diretoria ou um órgão que possa
considerar necessário para uma melhor administração mercantil, ou pode preferir em algum
momento extingui-lo por não mais atender seus interesses funcionais, ou deixar de ser requisito
para a sua atividade. Da mesma maneira de uma assembleia dos membros tratando-se de
sociedade, pois para a extinção de qualquer órgão necessário, com a modificação do ato
constitutivo ou dos estatutos. Pode haver um termo final prevendo a extinção de um órgão
decorrente de um ato constitutivo que assim estabeleceu, não obstante haver indagação se pode
ficar a puro arbítrio da diretoria ou da assembleia geral que não exija a mesma maioria para
alteração do ato constitutivo ou dos estatutos. Existem órgãos necessários e órgãos facultativos.
A diretoria e a assembleia geral nas sociedades mercantis são órgãos necessários.
No âmbito do direito administrativo, Modesto entende que: “órgãos são unidades de
atuação jurídica despersonalizadas”256. Cassagne257 expressa que:
Os órgãos são compostos por dois elementos: a) um elemento objetivo
e estático – um conjunto de atribuições (círculo de competência ou conjunto
institucionalizado de deveres e poderes funcionais e (b) um elemento
subjetivo e dinamizador – a vontade e capacidade das pessoas físicas que
titularizam o órgão.
Continuando, Modesto mostra que:
256 MODESTO, Paulo. A Hora e a Vez das Relações Interorgânicas. Ano 2016, NUM 226; Colunistas – acesso
09/11/2016, 00:01:00. https://goo.gl.xdzlqw 257 CASSAGNE, Juan Carlos. Derecho administrative. 7a. ed. Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 2002, t. I, p.p. 251-
252.
138
A vontade do titular do órgão, se expendida no campo das atribuições
do órgão, é imputada diretamente ao órgão, que assim atua, formando a
vontade do Estado. Órgão como simples complexo de atribuições, sem
composição volitiva ou subjetiva, confunde-se com a própria previsão abstrata
de competências legais, sem qualquer aptidão para exprimir a dinâmica da
pessoa jurídica estatal, razão de ser dos órgãos. O titular do órgão não atua
para o Estado, atua como Estado: é a voz do Estado em determinado conjunto
específico e delimitado de competências, sendo o ato de manifestação do
agente o suporte de fato necessário para concretizar dado feixe abstrato de
competências. Aliás, a teoria orgânica surgiu exatamente para explicar a
posição das pessoas que manifestam a vontade do Estado e, em particular, da
Administração Pública258.
E o mesmo autor traz reflexões a respeito do conceito jurídico de órgão, que não se
encontra pacificado, questionando:
Se são unidades despersonalizadas, que exteriorizam a pessoa jurídica
em que estão encartados, como os órgãos podem expressar vontade
individualizada face a órgãos superiores ou de mesma hierarquia, firmando
acordos de gestão ou aspectos procedimentais? Como são possíveis relações
jurídicas interorgânicas de acordo ou convenção, previstas em diversos
ordenamentos jurídicos, inclusive no Brasil, se ambos os envolvidos no
acordo exprimem e formam a vontade da mesma pessoa jurídica?
O jurista baiano aponta dois modos diretos de resolver a questão, combinando com
Mello259, que:
Os órgãos não passam de simples partições internas da pessoa cuja
intimidade estrutural integram, isto é, não tem personalidade jurídica. Por isso,
as chamadas relações interorgânicas, isto é, entre órgãos, são, na verdade,
relações entre os agentes, enquanto titulares das respectivas competências, os
quais, de resto – diga-se de passagem -, têm direito subjetivo ao exercício
delas e dever jurídico de expressarem-nas e fazê-la valer, inclusive contra
intromissões indevidas de outros órgãos. Em síntese, juridicamente falando,
não há, em sentido próprio, relações entre os órgãos, e muito menos entre eles
e outras pessoas, visto que, não tendo personalidade, os órgãos não podem ser
sujeitos de direitos e obrigações. Na intimidade do Estado, os que se
relacionam entre si são os agentes manifestando as respectivas competências
(inclusas no campo de atribuições dos respectivos órgãos). Nos vínculos entre
Estado e outras pessoas, os que se relacionam são, de um lado, o próprio Estado (atuando por via dos agentes integrados nestas unidades de plexos de
competência denominados órgãos) e, de outro, a pessoa que é contraparte no
liame jurídico.
Noutra orientação, os juristas mostram o órgão como centro parcial de imputação, e o
Estado como centro total de imputação. Pela orientação de Vilanova260, por exemplo:
258 MODESTO, Paulo. A Hora e a Vez das Relações Interorgânicas. Op. cit. p. 02. 259 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26a. Edição, São Paulo: Malheiros,
2009, p.p. 140-141; ed. 33a. de 2016, igual redação pp. 144-145. 260 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.
273.
139
Cada órgão é sujeito-de-direito, é um centro unitário de imputação, de
atribuição de direitos e deveres. É um dado do direito positivo brasileiro que
Senado e Câmara são órgãos dotados de subjetividade, que entram compondo
outro sujeito-de-direito, que é o Congresso. Há direitos, poderes, deveres de
cada um deles. A personificação é um processo técnico, uma construção
dogmático-positiva de unificação: sem a unificação personificadora, há
dispersão de direitos e deveres e não se demarcam as competências, que
pressupõe, subjetividade (o ser sujeito-de-direito, ativo e passivo, termo de
relações jurídicas).
Recusa-se ao órgão a personalidade. Tem-se a personalidade como
exclusiva do Estado. A personalidade total, sim. E soberana: o que não impede
a repartição da subjetividade entre os órgãos. O que é a unidade da
personalidade total do Estado, sob o ponto de vista normativo, é a soberania
exclusiva, a supremacia do Estado em face de todos os grupos e em face dos
seus órgãos (sobretudo o monarca). Carré de Malberg mostra, em penetrante
análise crítica, o significado jurídico e político da soberania do Estado em face
da teoria da soberania do rei ou da nação. E, ainda, a despersonalização dos
órgãos. Mas seria ir contra os dados do direito positivo não advertir que cada
órgão é um centro de imputação, é um sujeito-de-direito, como cada
indivíduo-membro da comunidade o é, e cada universalidade de pessoas o é.
A referência unitária de direito/deveres é um processo homogêneo, como
sempre sustentou Kelsen, no direito privado e no direito público [...].
A unidade, que requer o ser sujeito-de-direito, não se compromete pelo
fato de em seu interior haver relações jurídicas. Relações jurídicas verificam-
se entre termos. Os termos da relação são sujeitos, não objetos, coisas,
situações objetivas. A relação entre um juiz e outro juiz, entre juiz singular e
órgão colegial julgador é relação jurídica, ainda que entre subórgãos de um
órgão total – o Poder Judiciário.
Apresentam-se posições doutrinarias no seio do direito administrativo, que órgão não é
pessoa, por ser unidade despersonalizada, quando integrante da Administração Pública, quer
direta e ou indireta, mas pode ser sujeito de direito, termo de relações interorgânicas e parte em
relações processuais, como manejam a doutrina contemporânea e a jurisprudência dos tribunais
no Brasil261.
Ao tratar dos pressupostos processuais, Didier 262 fala das condições da ação, que há mais
entes capazes de direito que pessoas. Ser ou não sujeito de direito é questão que não comporta
relativização, porque o Direito reconhece a possibilidade de titularizar situações jurídicas, ou
não se é sujeito de direito. Não pode ser sujeito de direito para algumas situações, e não ter
capacidade jurídica para outras. A capacidade de exercício pode ser dividida em absoluta e
relativa: pode-se estar autorizado a praticar determinado ato jurídico sozinho e não ter
autorização para praticar, sem representação, outro ato jurídico. Portanto, o que se verificar
261 MODESTO, Paulo, op. cit. 262 DIDIER Jr., Fredie. Pressupostos Processuais e Condições da Ação. Saraiva, 2005, pp. 119-120.
140
nessa engrenagem estaria apto por si ou não estar em juízo. A fim de dirimir dúvidas nessa
seara, mostra que o legislador não poderia ficar restrito às pessoas físicas e jurídicas, porque:
O processo tem de estar apto a resolver todos os tipos de conflitos que
possam ser encontrados no sistema jurídico, quer esses conflitos envolvam
“pessoas”, quer não as envolvam. A legislação processual avançou no tema
da redefinição do conceito de sujeito de direito muito mais do que a legislação
material, ainda presa ao binômio pessoa física-pessoa jurídica. Não há quem
conteste a capacidade de ser parte do condomínio, da massa falida, da
sociedade em comum e dos órgãos despersonalizados.
É possível imaginar, portanto, um processo envolvendo, de um lado,
um órgão de uma pessoa jurídica e, de outro, essa mesma pessoa jurídica.
Acontece frequentemente em cidades do interior, onde, por questões políticas,
surge uma quizília envolvendo a Câmara de Vereadores em face do
Município, para fazer valer as suas prerrogativas, por exemplo. Imagine-se a
situação de uma faculdade pertencente a uma universidade: se o comando da
universidade, por qualquer motivo, não repassar verbas a que faz jus a unidade
de ensino, de acordo com critérios estabelecidos pela própria universidade,
não poderia a faculdade ingressar em juízo, em face da universidade a que está
vinculada, pleiteando a entrega da quantia? Parece não haver dúvidas de que
a resposta é positiva.
A atribuição de capacidade de ser parte a todo ente que possa ter
interesse juridicamente tutelado é decorrência do direito fundamental à
inafastabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário de alegação de lesão ou
ameaça de lesão a direito, previsto no inciso XXXV do atr. 5° da CF/88.
No campo da legislação processual o tema avançou, com redefinição do conceito de
sujeito de direito muito mais do que a legislação material, uma vez que os órgãos tidos como
despersonalizados podem ser parte, como acentua Didier.
Na área do registro empresarial, para os fins da pessoa jurídica hão de constar da
declaração exigida pelo direito. Se não constam, o registro pode ser atacado, segundo os
princípios. Se constam e, sendo ilícitos, cabem na classe dos fins ilícitos a que se refere a norma
legal, sem que o oficial do registro, ou o juiz haja recusado a inscrição, os fins ilícitos são
tratados como qualquer outra causa de invalidade, aí não revestido o ato pela fé pública oficial,
porque a ilicitude de fim, como a impossibilidade do objeto, a falta de forma, e a incapacidade,
ou a infração de requisito, não é revestida pela fé pública.
Os processualistas afirmam que não precisa propor ação ordinária para a anulação da
escritura pública se o juiz tem diante de si a prova de que a pessoa, que dela consta, como
figurante, é incapaz. Nem se há ilicitude ou impossibilidade do objeto, ou espécie da lei. Porém
a alegação de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude contra credores, tem de ser através de
ação, o que afasta o problema da discrepância entre a alegabilidade sobre invalidade do ato
jurídico e a alegabilidade contra a escritura pública.
141
No que tange a capacidade delitual das pessoas jurídicas, não se pode incluir o órgão da
pessoa jurídica porque desse não é patrão, amo, ou comitente, da pessoa jurídica. O órgão é a
mesma, de modo que essa não responde por dano que resulte de ato ilícito, absoluto ou relativo,
que seja praticado pelo órgão, como tal. Ato de órgão, responsabilidade da pessoa jurídica. O
que é preciso, portanto, é que o ato tenha sido em exercício de funções. No âmbito da
responsabilidade observa-se que deriva de causa de nulidade ou de anulação também se
estabelece, pelo ato do órgão, contra a pessoa jurídica.
Ato jurídico do órgão é ato da pessoa jurídica, e não de quem é órgão, sem precisar de
pensar em representação, na qual o ato do representante se faz ato do representado. O órgão da
pessoa jurídica é parte dela, como o cérebro é parte da pessoa natural. De longos e inafastáveis
perquirições sobre o tema, os juristas chegam a entender ser falsa a afirmativa de que
representantes da pessoa somente possam ser os órgãos. A pessoa jurídica pode ter o órgão e
ter representante. Órgão não representa, presenta, repita-se, como enfatiza Pontes de Miranda.
A própria pessoa, que é parte do órgão, ou o próprio órgão, pode ter recebido, apenas, in casu,
poder de representação. A pessoa jurídica tem ação regressiva contra o órgão, como contra o
representante, se há culpa. A regra jurídica que diz responder a pessoa jurídica pelo ato do órgão
é de direito cogente. Os estatutos podem estabelecer cautelas para os atos do órgão; não pré-
excluir a responsabilidade.
No campo das sociedades anônimas preconiza Adamek263:
O funcionamento mais eficiente e concatenado de qualquer ente
coletivo tem como pressuposto inafastável a distribuição, especifica e
ordenada, de diferentes funções, deveres, responsabilidades, direitos e
prerrogativas, entre várias células ou núcleos, dotados, assim, de atribuições
próprias e necessárias tanto para a formação da vontade coletiva como para a
sua ulterior exteriorização e execução, bem como para a fiscalização de seu
cumprimento.
A esse modo de ver como na sociedade civil, estão presentes uma divisão de poderes no
âmbito das pessoas políticas quando confere funções distintas na busca de um mesmo objetivo,
o alvo, o bem comum. Acontece com semelhança na sociedade anônima, adotando estrutura
hierárquica, ainda que em grau e sob formas distintas, variáveis, aglomerando atuações ora mais
simples, ora de maior complexidade. Essa similaridade também faz com relação aos poderes
específicos na esfera da sociedade civil, transportando o modelo para a sociedade empresarial.
263 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São
Paulo. Saraiva. 2009, p. 11.
142
A engenharia desses órgãos vem da engrenagem jurídica, cuja doutrina, e experimentação
levou a criação de uma legislação, que se moveu de acordo com as células, atribuições de
poderes criados para atender as regras dos estatutos sociais da companhia, chegando-se aos
órgãos sociais.
Na busca de definição para órgão da sociedade anônima, depara-se com a elaborada por
Correia264, que expressa como centro de imputação de poderes funcionais exercidos, por um ou
mais indivíduos que nele estejam investidos, para formar e manifestar à vontade juridicamente
imputável à pessoa jurídica. Para Valladão Azevedo e Novaes França265 órgão é o individuo
(ou grupo de indivíduos), enquanto age para o desenvolvimento de um interesse coletivo, ou
seja, enquanto cumpre uma função de grupo.
Adamek adota noção de órgão com vinculo genérico à de vontade social, como uma
decorrência lógica do conceito de interesse coletivo266, e que na opinião de Karsten Schimidt,
mostra que o órgão pode ser integrado por uma ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, mas não
é a pessoa investida no cargo, e sim, concretamente, o próprio cargo ou centro de imputação de
poderes funcionais. E nesta posição o órgão pode expressar vontade própria, obedecendo
mecanismos próprios, inclusiva de natureza psicológica, uma vez que nele está presente o
individuo, membro ou titular, cuja volição é inerente a pessoa natural, cuja natureza não se pode
dissociar.
Tem-se os órgãos singulares, composto de um titular. Os órgãos compostos de mais de
um membro, órgãos plurais, que podem ser sucessivos, quando a atuação de um titular se opera
na falta ou impedimento de outro, ou simultâneos, quando há simultaneidade de poderes de
vários administradores.
Observa-se que os órgãos podem se dividir, e quando isto acontece, surgem os órgãos de
funcionamento separado, que alguns denominam de ‘disjunto’, atuando sozinho, com poderes
iguais e independentes dos demais titulares. Nesta situação, o exercente do órgão pode em
situações peculiares fazer oposição ao outro. Quando conjunto ou coletivo, vários titulares
atuam em um ou mais grupos, independentemente de deliberação em conselho ou assembleia.
264 CORREIA, Luís Brito. Os administradores de sociedades anônimas. Coimbra, Almedina, 1993, p. 203. 265 AZEVEDO, Erasmo Valladão; FRANÇA, Eva Novaes. Invalidade das deliberações de Assembleia de S/A.
São Paulo. Malheiros, 1999, n. 7, p. 29. 266 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São
Paulo. Saraiva. 2009. Op. cit. p. 12.
143
Na existência do órgão colegial os titulares atuam em grupo, mediante deliberação tomada em
reunião.
Ainda há de observar a existência dos órgãos em face da competência, que são os externos
e os internos. Os órgãos internos nem sempre necessitam da participação do órgão
representativo para produzirem efeitos perante terceiros, agindo no âmbito das relações
institucionais, mas concretizando atos de sua autoria. Daí a existência dos órgãos considerados
obrigatórios ou essenciais, e os facultativos.
Dessas concepções sobre o órgão na sociedade anônima, passa-se ao exame da sobre as
estruturas empresariais estatais.
144
4. ESTRUTURAS EMPRESARIAIS ESTATAIS
No campo do direito como ciência, apesar do constante debate e enérgicas discussões
sobre os mais variados assuntos que afetam a paz social, os juristas procuram diminuir a
intensidade do possível impacto, preocupados a adotar procedimentos de atenuação eficientes,
que denominam de ‘esbatimento’.
No estudo entre o direito público e o direito privado, que dá esteio para a analise do tecido
jurídico que envolve o direito público na economia, perpassando pelo direito administrativo,
vem à tona discussão sobre a ordem jurídica contemporânea por não imputar adequada
autonomia da vontade privada a resposta definitiva às exigências com que o direito se depara267.
Sendo a ordem social e econômica um terreno de interesses em conflito, quando não
irredutíveis, não se espera que do simples jogo das vontades e interesses privados, surja
espontaneamente a melhor solução para os problemas que necessitam de solução.
Nessa perspectiva, o direito intervém no sentido de conformar e condicionar o exercício
da vontade privada em ordem a interesses, que assume em nome dos princípios da solidariedade
social e outros. O referido condicionamento exprime os limites de normativamente impostos,
relevantes no âmbito da autonomia privada, como é particularmente claro no atual direito dos
contratos, na tipicidade dos direitos reais e nas formas sociais, mas exprime-se também em
obrigações de facere coativamente impostas, como é nítido no domínio do direito do trabalho,
e na figura do ônus jurídico, colocando o particular na situação de ter de proceder de certo modo
para obter certas vantagens ou conservá-las, o que é particularmente frequente no terreno do
direito econômico.
Os limites ao relevo da autonomia da vontade privada como critério e fonte do direito
deixaram de ter caráter excepcional, passaram a constituir um verdadeiro sistema jurídico
alicerçado em regras próprias.
O Estado quando objetiva executar serviços públicos de natureza comercial ou industrial,
está a intervir em típicas demandas da iniciativa privada, e tal empreendimento econômico
arcado pelo Estado, ora é aplaudido, ora é questionado, chegando alguns a entender que se
trataria de uma pratica de concorrência desleal, haja vista, segundo expõem os seus apologistas,
267 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico – Coimbra, 6ª. ed., 2012, p. 32-33.
145
as vantagens e benefícios de que dispõem as empresas publicas na disputa de mercados em
relação as empresas particulares.
Pinto Junior268 enfoca certas distorções no setor público empresarial, como o exacerbado
corporativismo, a falta de compromisso com resultados e o risco de aparelhamento político-
partidário. Visando compreender a empresa estatal, em especial como foi colocada no cenário
com destaque, força e interesse do Estado, desafiando o mercado com relação a atividade
privada. A empresa estatal, como molde seria, não propriamente para atingir e manter padrões
de eficiência semelhantes ao da iniciativa privada, mas, sim, ter missão pública, dando-lhe
contorno jurídico adequado para viabilizar a convivência com acionistas privados e permitir a
atuação ordenada no mercado disputado por outros atores econômicos269.
Na busca de uma dissecação sobre os elementos que ensejaram o surgimento da empresa
pública, um deles, com destaque, é a intervenção do Estado. A intervenção é um fenômeno
historicamente permanente270, sendo relevante a visão do dirigismo estatal na economia, com
considerações que leva a uma imensa discussão, por ser um tema controvertido, não só no
aspecto jurídico, mas, também, face as nuances econômicas e ideológicas.
A intervenção é um fenômeno historicamente permanente. Na verdade,
desde sempre existiram formas de intervenção na economia por parte do
Estado, embora qualitativa e quantitativamente diferentes das que são
características do Estado de Direito Social dos nossos dias.
A problemática jurídica da intervenção estatal na economia descreveu
assim uma clara evolução, cujos contornos interessa precisar de modo a
melhor identificar as suas características principais nos nossos dias.
A maioria das normas interventoras anteriores às atuais assumia um
caráter proibitivo e repressivo, não se pretendendo com elas levar os entes
privados a adoptar certos comportamentos ou a efetuar certas prestações
positivas conformes ao interesse geral definido pelas autoridades. É por esta
razão que se fala, para caracterizar esta forma de intervenção, que se
prolongou, com a exceção do período mercantilista, até final da I Grande
Guerra, de um “dirigismo econômico” (HUBER), assente em simples atos
preventivos e repressivos das autoridades.
A atitude de abstenção na conformação da atividade económica por
parte do Estado corresponde a um determinado modelo jurídico e a uma
determinada ideologia. O modelo jurídico correspondente é o liberal e a
ideologia a do individualismo. Está presente a concepção liberal do Estado,
corolário necessário daquele modelo jurídico e daquela ideologia271.
268 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal Função Econômica e Dilemas Societários. Atlas, São Paulo,
2ª. ed., 2013. 269 Idem, ob. cit., p. 3. 270 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico, Coimbra. 6a. ed., 2012, p. 17. 271 Idem, ob., cit. p. 17.
146
O modelo de dirigismo que Elson Gottschalk272 mostra pela influência da União
Soviética, com a vivência histórica, a convivência daquela reunião de nações com os contornos
da economia mundial à época, após o conflito mundial, com regras econômicas ditadas e que
foram absorvidas em várias partes do mundo. A expressão economia dirigida ou simplesmente
dirigismo ganhou certa popularidade, após a primeira guerra mundial, quando a experiência dos
planos quinquenais despertou o mundo para um novo mecanismo estatal, com aparente êxito
de sua execução, encetando o surgimento de uma nova direção da econômica.
Adverte-se que não se deve confundir intervencionismo com dirigismo, pois, muitas das
ações interventivas do Estado no campo das instituições privadas, embora, sob considerações e
reveladoras restrições da liberdade individual, entendidas que não passaram de medidas ditadas
por um interesse superior de polícia.
O mundo jurídico liberal assenta-se em postulados essenciais, para Moncada estaria na
separação absoluta entre direito público e o direito privado; cada um deles com a sua esfera de
aplicação perfeitamente diferenciada, e o predomínio da autonomia da vontade privada na
esfera econômica. A atividade econômica era considerada como um simples prolongamento da
atividade privada geral, e como tal não era merecedora de outra ordenação jurídica que não
fosse a que resultava do direito privado. A ordem jurídica da atividade econômica restringia-se
pois ao direito privado. O modelo jurídico do Estado liberal limitava ao mínimo do direito
público, restringindo a sua esfera de influência ao tratamento de questões que nada tinham que
ver com a atividade econômica, associada ao entendimento esposado por Moncada273.
Nesse arcabouço observa-se uma certa pigmentação da linha traçada por Schumpeter
quanto a restrição do direito público, face um mínimo indispensável para obter a garantia do
funcionamento da vida social e política. Ao que parece, caracterizar o dirigismo, seria como
um remédio para as enfermidades do liberalismo, com as crises atribuídas à politica liberal, o
consumo desenfreado de bens pela chamada sociedade de consumo, afligindo o emprego,
desaguando na absurda e continua alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade, gerando
uma desordem na produção e na distribuição. Diante de tal quadro de aparente desordem e
anarquia é que surge o pensamento do dirigismo estatal na economia.
A ideia-mestra foi a de colocar a força do Estado à serviço da economia, para estimular
entendimento de que já não bastava fazer a intervenção no mero sentido da interdição nas
272 GOTTSCHALK, Elson. Empresa Pública: Ponta de Lança do Dirigismo Moderno. in Estudos Jurídicos em
homenagem ao Professor Orlando Gomes, pp. 451- 492. Forense. 1979. 273 MONCADA, Direito Economico, op. cit. p. 18.
147
práticas de atos, defendiam prescrever a intervenção, e, ao mesmo tempo forçar a sua execução
por ação da autoridade instalada, de modo geral e prolongada, evitando-se tratamentos
esporádicos de simples intervencionismo. Assim a ação do Estado na economia deve originar-
se de um plano, em uma economia bem dirigida.
Críticas são feitas a essa formulação, porque não proporcionaria de modo claro, tampouco
natural, uma fácil condução para se saber qual o momento em que se deve implantar o
intervencionismo para alcançar o dirigismo. Por outras palavras, não se mostra fácil saber
quando o legislador se propõe a defender a ordem pública ameaçada ou intenta contribuir para
o desenvolvimento econômico, ou simplesmente não passaria de mecanismo político, sem
consistência. O dirigismo na economia abriu um vasto campo de ação para que os economistas
e tecnocratas engendrassem hipotéticas soluções socioeconômicas, especialmente no auge em
que países de regime autoritário dominaram o cenário político internacional.
Esclarecem os historiadores que o antigo regime corporativo possuía complicada
engrenagem para administrar a economia, atualmente não se aceita um poder corporativo para
reger a economia. Relembrando que a organização da economia com o concurso dos
interessados foi uma tentativa frustrada da Carta de 1937. Na Itália, a carta del lavoro. Na
França, pela charte du travail. Falharam sobretudo pelo seu conteúdo essencial de supressão da
liberdade universal, como assinalou Walter Lippmann274, em La cité libre:
[...] nossa geração está aprendendo, pela própria experiência, o que sucede
quando a humanidade retrocede ao ponto de organizar seus negócios
coativamente.
E nessa linha está a fala de Savatier sobre:
O exemplo da União Soviética, cujo plano dirigido do alto, não admitia
nos escalões inferiores, senão roldanas, roldanas que rolam e se engrenam
segundo o mecanismo estabelecido pelos que, a partir do motor, conduzem
esta imensa máquina. Estas rodagens não são mais contratos; não há nada livre
e voluntário275.
Reconhece-se a viabilidade de uma planificação democrática respeitosa do mercado,
quando a planificação deixa às empresas dos setores público e do privado o cuidado de chegar
a metas previsíveis. O conjunto econômico planificado reveste a forma mista de injunções e de
atos econômicos espontâneos; de trocas livres nos esquemas gerais estabelecidos pela lei, e de
274 LIPPMANN, W. (1937b). La cité libre, p. 61. Paris, Librairie de Médicis, 1946. 275 SAVATIER, R. Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil daujourd’hui. 1948. Dalloz, p.
76/77.
148
trocas controladas no esquema complementar imposto pelo plano, coadunando-se os
argumentos de Bartolli276.
Com relação ao principio da planificação da atividade econômica, Moncada mostra que
a constituição econômica consagra um principio geral de planeamento (ou planificação) da
atividade econômica, e exemplifica que o sistema de planeamento é composto pelas leis das
grandes opções e pelos planos nacionais propriamente ditos, podendo estes integrar programas
específicos de âmbito territorial e de natureza setorial, indicando de modo esclarecedor,
exemplificando como base o que a Comunidade Europeia consagra um princípio geral para
tanto.
Para o jurista português277 o princípio do planeamento vincula todos os mecanismos de
direção estadual da economia, desde os planos nacionais de desenvolvimento econômico e
social até ao orçamento do estado, transmitindo a lógica provisional específica dos planos
globais numa perspectiva temporal adequada, de modo a racionalizar a decisão pública
envolvida, e que:
Ao coordenar todos os mecanismos de direção estadual da economia vai o
planeamento nacional exercer, muito embora em diversa escala, influência
sobre a atividade econômica. Nesta medida, pode afirmar-se que a influência
econômica do planeamento transcende em muito o âmbito estadual.
Em suma, o dirigismo é uma política que não se choca frontalmente com o capitalismo,
contudo pode criar inquietação pelo desrespeito ao interesse privado, mas logo o tranquiliza
pela resistência ao socialismo integral.
Por outro lado, não é de admirar que os argutos capitalistas sensíveis aos seus próprios
interesses privados, defendem em muitas ocasiões, o dirigismo estatal da economia, não raro
beneficiando-se dele. O dirigismo da economia, como ação política do Estado, determinou
novos critérios na apreciação do valor das leis e abalou estruturas tradicionais do Direito, como
explanam Gomes e Varela278, entendendo que o estado de espírito predominante aplaude e
condena uma lei incite ou dificulte, o desenvolvimento econômico. A regra de direito não se
ordena mais a uma ideia de justiça; passa a ser aferida pela eficácia técnica. Empolgado por
esse pensamento, o legislador convenceu-se de que as leis devem ser, antes de mais nada, um
meio, um instrumento, uma técnica a serviço do Estado no cumprimento da programação
econômica nacional. Daí porque as Constituições regem a ordem econômica, voltando-se para
276 BARTOLLI. Henri. Science économique et travail, Paris, Dalloz, 1957, p. 41. 277 MONCADA, op. cit. p. 256. 278 GOMES, Orlando; VARELLA, Antunes. In Direito Econômico. Saraiva, São Paulo. 1977, p. 17.
149
novas realidades e reservam à iniciativa pública importante papel na produção e distribuição da
riqueza. O Estado assume a gestão de atividades econômicas e controla a iniciativa privada e
seus empreendimentos.
Existindo uma nova política legislativa esta repercute na dogmática jurídica, por isso que
as inovações normativas se ajustam à estrutura de institutos tradicionais, quer através de
configuração diferente, quer mediante recondicionamento. Em consequência, certos princípios
esvaziam-se, alguns instrumentos jurídicos mudaram de função, e fórmulas dúbias ou meras
designações terminológicas surgiram. Como exemplo cita-se o negócio jurídico que vem
perdendo sua função tradicional de instrumento da autonomia privada para se tornar “simples
estrutura formal, idônea a acolher e realizar tanto os interesses públicos quanto os do
particular”.
Com o dirigismo estatal na economia, o livre mercado foi substituído por “um sistema no
qual o movimento da produção e da reprodução sociais se realiza, não por meio de contratos
particulares entre unidades econômicas autônomas, mas graças a uma organização centralizada
e planificada por grandes monopólios virtuais”, ou uma economia de mercado, que os alemães
denominam de “mão leve” (leichten Hand), pela qual a inciativa particular é, em principio,
livre, mas o Estado pode dirigir a economia, se bem que dentro de limites previamente fixados
na Constituição ou nas leis, e tendo a intervenção, fundamentalmente, função supletiva,
orientadora e estimulante da atividade dos particulares.
Além dos mercados nacionais o capitalismo moderno se propõe a controlar o mercado
internacional. Ao contrário do que ocorrera entre as duas guerras, período marcado por forte
tendência à autarquização das economias nacionais, no último quarto do século XX as
atividades internacionais aumentaram no mundo capitalista com rapidez bem maior que o
produto global. Mas ainda nas atividades transnacionais, isto é, as empresas que estão
organizadas no campo da produção em um espaço que compreende vários países, expandiram-
se ainda mais rapidamente que as relações internacionais tipo tradicional. Essas atividades
transnacionais escapam em grande medida ao controle dos centros de decisão nacionais e
plurinacionais atualmente existentes, especialmente quando acontecem crises que avançam
fronteiras, a exemplo a crise que se iniciou em 1973, escapando dos sistemas de controle e
coordenação existentes, colocando em ‘xeque’ as medidas corretivas (inflação/desemprego)
que venha a tomar qualquer país isoladamente, provocando repercussão nas empresas
multinacionais e transnacionais, e na estrutura do Direito, dado inquestionável nos tempos
modernos.
150
Diz Moncada279 que:
Nos países em que se mantêm o sector empresarial do Estado os
problemas essenciais que se colocam hoje são os da criação de novas formas
organizatórias públicas próprias para a atividade económica e os de utilização,
aliás, predominante, das formas privadas existentes para os mesmos fins,
nomeadamente de sociedade anónima. É em torno do primeiro problema que
assume importância a definição da empresa pública e em torno do segundo o
da natureza da sociedade de capitais públicos, participada ou mista, [...].
A atividade econômico-social do Estado moderno vem crescendo incessantemente, e
nesta nova área de ação em que se manifesta o dirigismo da economia mais do que o simples
intervencionismo de outrora, impõe-se a descentralização de vários serviços, que estão sendo
desmembrados por meio de técnicas novas da administração indireta, dentre as quais destaca-
se, pela sua obsedante atualidade, a empresa pública.
Não obstante, a empresa pública esteve e ainda se apresenta, como quase em definitivo,
inserida nos quadros do direito público dos países capitalistas, como ponta de lança do
dirigismo econômico moderno. Para Moncada a empresa pública é uma pessoa coletiva pública
autônoma relativamente ao Estado, e entende que dispõe de personalidade jurídica própria, e o
ato de nacionalização extinguiu a pessoa jurídica privada e criou ope legis uma nova pessoa
jurídica, a empresa pública. Desse modo compreende-se que o objeto da empresa pública é
sempre definido especificamente pela lei, nem outra coisa se compreenderia, pois que ela existe
para o desempenho de uma função de interesse público.
O objeto da empresa pública delimita a sua competência, sendo nulos todos os atos e
contratos praticados, celebrados pela empresa que transcendam, contrariem esse objeto, não
podendo praticar atos senão aqueles especificados na lei e do seu estatuto.
No Estado liberal e não intervencionista, tais formas teriam forçosamente de restringir-se
à execução direta, mediante os próprios órgãos da administração, ou à execução indireta,
através de terceiros, a quem delegasse a tarefa de executá-lo, como acentua Paiva280:
De qualquer maneira, há quem entenda haver a sociedade de economia
mista atingido seu apogeu, tendendo, por isso mesmo, a ceder lugar a outros
tipos de empresa pública, tais como a sociedade pública de um só membro e
a sociedade de pessoas jurídicas de direito público.
A sociedade pública de um só membro tem como acionista único o
Estado, de modo que são exclusivamente governamentais, a propriedade, a
direção e administração de tais empresas.
279 MONCADA, Direito Económico, op. cit. p. 310. 280 PAIVA, Alfredo de Almeida. As sociedades de economia mista e as empresas públicas como instrumentos
jurídicos a serviço do Estado. Revista. V. 100.
151
A sociedade de pessoas jurídicas de direito público, ao contrário, tem
como acionistas, consoante o próprio nome está a indicar, não só o Estado,
mas as demais pessoas jurídicas de direito público, que dela queiram
participar.
Ambas configuram as chamadas empresas públicas, das quais se exclui
a participação dos particulares, contrariamente ao que ocorre com as
sociedades de economia mista, que contam com tal participação.
Efetivamente há quem negue a tais entidades, particularmente à
empresa pública de um só membro, a característica de sociedade, dado que
lhe faltariam os elementos caracterizadores daquela figura jurídica,
representados pela affectio societatis e o animus lucrandi. Contra tal objeção se argumenta que na sua conceituação moderna a
sociedade anônima tão somente exige a presença de dois elementos: a empresa
organizada e o patrimônio autônomo. Assim é que se tornou possível o
enquadramento da empresa pública no campo das sociedades anônimas.
Foram abandonados os requisitos subjetivos: affectio societatis e animus lucrandi. Passou-se a atender exclusivamente aos elementos objetivos.
11. Semelhanças e distinção das sociedades de economia mista.
Excluída desses tipos de sociedade a participação das pessoas físicas ou
jurídicas de direito privado, por isto que delas apenas participam pessoa ou
pessoas de direito público, continuam, quanto ao mais, a revestir-se de
características mais ou menos semelhantes às das sociedades de economia
mista, pois, igualmente são organizadas sob a forma de sociedade comercial,
regendo-se, principalmente, pelas normas do direito privado.
A fim de melhor compreender a opinião supra, conveniente ficar atento para o princípio
da economicidade, no que diz respeito a impossibilidade ou limite de lucro, não de deva
confundir o princípio da economicidade que exige menor custo, mas não despreza o lucro
empresarial. Os preços praticados pela empresa devem ser superiores ao custo, como alerta
Moncada281, não significa isto que o Estado não possa subsidiar as empresas de modo a que
elas mantenham preços inferiores àqueles que se estabeleceriam no mercado (preços políticos)
de modo a responder a necessidades sociais ou de política econômica. Tem-se como exemplo
o aumento de exportações e outras medidas, como subvenções compensatórias às empresas
públicas com relação a tarifa de transportes, quando se recusa a permitir-lhes aumentos de
tarifas.
Isto mostra que quando o Estado impõe às empresas missões especiais que se afastam da
sua gestão normal, deve atribuir-lhes as necessárias compensações financeiras de modo a não
comprometer o seu equilíbrio. Mas adverte Moncada, só nestes casos, pois o lucro empresarial
era a regra, e o subsídio à exploração a exceção.
Pelo argumento do jurista português, supõe-se que se pode aproveitar a distinção de
origem francesa entre as empresas públicas comerciais e industriais e as de serviço público
281 MONCADA, op. cit. pp. 328-330.
152
criadas, estas últimas, ex novo, especialmente para a prossecução de atividade de natureza
«social», praticando preços abaixo do mercado, não remuneratórios e por isso mesmo
carecendo de um regime jurídico que facilite o desenvolvimento das suas atividades. Assim o
legislador pode atribuir privilégios especiais de ordem pública, criando a seu favor um «regime
administrativo», tais como poderes para expropriar ou cobrar taxas, poderes disciplinares e
impróprios, dentre outras.
Quando o Estado Liberal, não intervencionista ou abstencionista, começou a abandonar
esta postura tão do agrado do individualismo liberal, para assumir outra condizente com a ação
imposta pelo Estado Social dirigista, ativo, não apenas criador de “interdições”, mas sobretudo
agenciador de “planos e arbitro de sua execução”, concomitantemente estava invadindo a area
da economia privada, até então reservada à autonomia individual. Assim é que o Estado foi se
servindo, a princípio, de empresas concessionarias, permissionárias, fundações corporações,
autarquias, empresas de economia mista, até chegar à empresa pública, nem sempre de maneira
coerente, mas sempre procurando incorporar um risco arsenal de institutos de Direito Público
e Privado, idôneo à realização de seus fins.
A sociedade de economia mista sucedeu cronologicamente o regime de concessão e
permissão, conquistando simpatias gerais. Via-se nela um corretivo feliz à gestão puramente
egoísta dos particulares e à gestão somente pelo Estado, das empresas de interesse geral.
Louvava-se nesta fórmula porque ela permitiria tomar a cada um desses sistemas o que ele tinha
de bom. Não dando, nem a economia privada nem a economia pública resultado absolutamente
satisfatória, a economia mista deveria certamente constituir a solução ideal.
O direito não pode se contentar com soluções unilaterais ou simplificadas, uma vez que
o mercado regulado tem papel a desempenhar, e que o Estado pode e deve ser um modernizador
no âmbito da atividade econômica e no amparo social.
Depreende-se que uma instituição de enorme relevância é a empresa de economia mista,
com enorme influencia nas atividades econômicas, proporcionou entusiasmo, atingindo seu
apogeu, ora atenuado, tende a ceder lugar a outros modos de utilização pelo Estado das
sociedades empresariais, tais como a sociedade pública de um só membro e a sociedade de
pessoas jurídicas de direito público, observando-se, inclusive, em virtude de muitas críticas que
são creditadas ao posicionamento de Bilac Pinto282.
282 PINTO, Bilac. O Declínio das Sociedades de Economia Mista e o Advento das Modernas Empresas Públicas.
Revista Forense. V. 146; fls. 597/598.
153
Do acima explicitado, haveria uma evolução do conceito de serviço público, inclusive no
âmbito do direito administrativo, tanto assim que Bilac Pinto esclarece:
[...] um dos aspectos mais característicos da evolução do Estado moderno é,
sem dúvida, o da progressiva ampliação da área ocupada pelos serviços
públicos. Esse volume das atividades do Estado tem suscitado apreensões a
muitos pensadores e políticos e constitui tema de importantes estudos, ensaios
e obras contemporâneas.
O direito brasileiro, acompanhando este novo instrumento jurídico, entendeu como
testado e aprovado em outros países, e adotou a empresa pública, destinando-lhe, primeiro
“atividades de natureza empresarial” (Dec.-Lei nº. 200). Depois de um modo genérico,
atribuindo-lhe a exploração de atividade econômica (Dec.-Lei nº. 900).
Comum encontrar certa confusão que se faz entre o paraestatal e o autárquico, e até
mesmo com o estatal, resultando consequências que desperta aversão. Para dissipar a confusão,
tem-se em conta que paraestatal é o gênero do qual são espécies distintas as empresas públicas,
as sociedades de economia mista, as fundações instituídas pelo Poder Público e os serviços
autônomos. Os dois últimos não compõem a chamada administração indireta, porque são
considerados simples entes de cooperação. A condição de entidades auxiliares do Estado é que
lhes confere o caráter paraestatal. Não são paraestatais, porque integram a administração
indireta, alguns deles; se assim o fosse, as autarquias seriam, também, órgãos paraestatais e,
efetivamente, não o são. O interesse prático da distinção consiste na atribuição de privilégios e
prerrogativa. O serviço autárquico beneficia-se, automaticamente de todos os privilégios
administrativos do Estado. O serviço paraestatal só aufere os que lhe forem concedidos, caso
por caso, na lei especial de sua criação.
Não há como confundir, portanto, as várias espécies de entes paraestatais, cuja criação é
meramente autorizada por lei, com as autarquias, que são criadas diretamente pela lei. Além
disso, as entidades paraestatais têm sempre personalidade de direito privado, ao passo que as
entidades autárquicas têm sempre personalidade de direito público; e mais: aquelas executam
quaisquer atividades de interesse ou utilidade pública; estas só realizam, ou devem realizar,
serviços públicos típicos, próprios do Estado, desmembrados do Estado. A análise de sua
função leva ao conhecimento da noção de serviço público, um dos aspectos mais controvertidos
da ciência da administração e do direito administrativo, consoante Rafael Bielsa283.
283 Rafael Bielsa, Ciencia de la Administración, B. Aires, 1955, p. 81 e seguintes; Fernando Garrido Falla, “Las
Transformaciones del Regimen Administrativo, Madrid, 1962, p. 141 e seguintes; Auby et Ader “La Notion
Actuelle de Srrvice Public”, in Grands Services Publics, Paris, 1969, p. 23 e seguintes.
154
Do exame tem-se definição que serviço publico é qualquer atividade prestada pela
administração ou por seus prepostos. Exige-se, apenas, que esta atividade satisfaça
necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou mesmo vise à simples conveniência
do Estado. Daí os serviços prestados pela administração serem classificados, genericamente, de
essenciais ou simplesmente úteis à comunidade, que podem ser distintas em duas classes de
serviços públicos propriamente ditos e serviços de utilidade pública.
Um critério válido, no caso, para que tal ou qual atividade possa ser classificada como
serviço publico é a vontade soberana do Estado, que, por necessidade ou conveniência, declare
como público ou de conveniência pública a respectiva atividade para sua prestação pela
administração direta ou indireta.
Os entes paraestatais, bem como os autárquicos, que compõem a administração indireta
especializam-se na execução, direta ou indireta, de serviços específicos. Daí a definição de
Santi Romano: “Autarquia é uma forma específica de capacidade de direito público”284.
A atividade do Estado deve ser considerada de natureza econômica quando as prestações
exigidas para a produção de bens ou serviços obedeçam ao custo de produção, e este custo
venha a ser coberto com o preço da venda ou troca do produto ou serviço.
Tem-se o requisito da economicidade como elemento intrínseco para a atuação da
empresa pública. Não obstante haver entendimento quanto a economicidade, há também
entendimento de que esse requisito, criaria incompatibilidade com as finalidades do Poder
Público, tanto assim que esses mesmos serviços podem ser realizados mediante concessões a
empresas privadas. Basta que a empresa pública seja autorizada a fornecer as prestações, que o
serviço comporta, por um preço capaz de remunerar os fatores de produção empregados.
Da compreensão sobre a economicidade, os juristas levam a entender, que conduz à
profissionalidade da empresa pública se tiver entre seus fins estatutários o exercício de
determinada atividade. Se a empresa se cria para objetivar fins inteiramente diversos e,
ocasionalmente desenvolve, também, atividade econômica, o exercício desta não pode
transformar sua caracterização imposta pelos fins estatutários, bem como entender o problema
principal da noção de empresa pública, se as empresas pertencem ao Estado, se tem maioria do
capital ou não tem a maioria do controle, ou não tem a maioria do capital, mas tem o controle,
se o controle abrange os serviços não personalizados de tipo indústria e comercial? E os
284 Santi Romano. Corso di Diritto Amministrativo, 3a. ed., 1937, p. 84.
155
personalizados? Para Moncada285 tais indagações em Portugal, cuja noção tinha força
normativa, porque a lei portuguesa das empresas públicas criadas e com capital do Estado, para
explorar as atividades de natureza econômica ou social, dotada de personalidade jurídica
distinta.
Segundo Vicente286, o setor empresarial público português atravessou momentos de
profundas mudanças, não só pela alteração por meio de sofisticadas disposições disponíveis a
gestão pública, quer por movimentos de concentração, desenhando, em alguns casos, ensaio
para a privatização, o que se viu a partir da década de 80 do século XX, a uma progressiva
descrença no Estado Social, particularmente, porque interventor na eficiência da gestão pública.
Destaca M. Porto e Calvão da Silva287 que “O Estado Providência ao assumir cada vez
maior número de tarefas econômicas e sociais, vê a sua intenção de resolver tudo traída pela
finitude de meios ao seu dispor”288.
Os estudos de Laswell, Simon, Lindblom e Easton desenvolvidos nas décadas do século
XX, apontados por Souza289, propiciam especial enfoque no campo das politicas públicas, em
particular na adoção de políticas restritivas de gasto, conduzindo à definição de orçamentos
equilibrados entre receita e despesa, bem como à limitação da intervenção do Estado na
economia, fazendo ressurgir a importância do conhecimento denominado políticas públicas,
com regras e modelos que regem elaboração, implementação e avaliação, adotando vários
fatores que contribuem para a maior visibilidade na área econômico-financeira das sociedades
mercantis que estão no âmbito público.
O primeiro foi a adoção de políticas restritivas de gasto, que passaram
a dominar a agenda da maioria dos países, em especial os em
desenvolvimento. A partir dessas políticas, o desenho e a execução de
políticas públicas, tanto as econômicas como as sociais, ganharam maior
visibilidade. O segundo fator é que novas visões sobre o papel dos governos
substituíram as políticas keynesianas do pós-guerra por políticas restritivas de gasto. Assim, do ponto de vista da política pública, o ajuste fiscal implicou a
adoção de orçamentos equilibrados entre receita e despesa e restrições à
intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais. Esta agenda passou
a dominar corações e mentes a partir dos anos 80, em especial em países com
longas e recorrentes trajetórias inflacionárias como os da América Latina. O
285 MONCADA, op. cit. p. 311. 286 VICENTE, Pedro. Corporate Governance e o Setor Empresarial Público em Portugal, Almedina, 2015. 287 M. PORTO e CALVÃO DA SILVA, em ‘Corporate Governance nas empresas públicas’, Systemas – Revista
de Ciências Jurídicas e Econômicas, Ano 1, nº 2, 2010, p. 106. 288 ESTORNINHO, Maria João, citada por Porto e Calvão da Silva, na obra de Vicente, afirma ser o Estado Pós-
Social, Estado Regulador, com aspecto não de somenos importância, atento ao fato do Estado passar a ser regulador
e proprietário, cabendo-lhe, no entanto, dispensar igualdade de tratamento aos vários atores do mercado. 289 SOUZA, Celina. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul. /dez 2006, p. 20-45,
http:www.acielo.br/pdf/soc/n16/a03n16 .
156
terceiro fator, mais diretamente relacionado aos países em desenvolvimento e
de democracia recente ou recém-democratizados, é que, na maioria desses
países, em especial os da América Latina, ainda não se conseguiu formar
coalizões políticas capazes de equacionar minimamente a questão de como
desenhar politicas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento
econômico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população.
Respostas a este desafio não são fáceis nem claras ou consensuais. Elas
dependem de muitos fatores externos e internos. No entanto o desenho das
políticas públicas e as regras que regem suas decisões, elaboração e
implementação, também influenciam os resultados dos conflitos inerentes as
decisões sobre política pública290.
Entende-se que o setor público de atividade se divide entre os campos administrativo e
empresarial, e essa realidade, refere-se comumente, o envolvimento das empresas de capitais
públicos.
Para Vicente o setor público empresarial é definido pelo próprio Estado como o conjunto
das unidades produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma empresarial, integrando as
empresas públicas e as empresas participadas, fazendo distinção entre empresas públicas, como
as empresas em que o Estado ou outras entidades estaduais possam exercer, isolada ou
conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante decorrente da detenção
da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria
dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização. E em empresas particulares em
que não se encontrando reunidos os requisitos para serem consideradas empresas públicas,
existe uma participação permanente do Estado291.
Vale trazer a colação o que a legislação portuguesa sinaliza para atender não só à
importância do SEE (Sector Empresarial do Estado) integrado no Sector Público Empresarial,
(cujo regime jurídico foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, em 3 de outubro de 2013),
projetando prioridade ao enquadramento, enquanto atividade econômica empresarial em um
todo, designando o setor público empresarial, de natureza pública parcial, ou seja, em empresas
cujos capitais são parcialmente públicos.
Nesse contexto vê-se uma administração indireta, cujas funções que lhe são cometidas
não lhe pertencem como funções próprias, antes devem considerar-se funções que de raiz
pertencem a outra entidade pública, geralmente ao próprio Estado, que no âmbito do direito
português tem-se uma lógica das empresas públicas, que se diferencia dos serviços
personalizados do Estado, as fundações públicas, os estabelecimentos públicos é mercantil ou
290 Idem, SOUZA – 16 de março de 2017. 291 VICENTE, Pedro. Op. cit.
157
não. O mesmo se pode afirmar das empresas participativas, em que só parte do capital social é
de natureza pública. Desta forma, e para além da sua intervenção reguladora e de autoridade
pública, o Estado e outros entes públicos intervêm na economia, assumindo-se o setor público
em duas vertentes estruturais: setor público administrativo e setor público empresarial.
Observando-se o conceito português de empresa pública, verifica-se alguns elementos
do seu proceder e do enquadramento específico, face o tratamento dado a certas unidades de
produção, que se destacam pela sua lógica de funcionamento mercantil e pelo fato de sua
atividade visar o lucro, até de forma independente.
Amaral292 afirma: “[...] aquilo que (...) caracteriza e distingue as empresas, dentro das
unidades produtivas, é, pois, o facto de elas terem institucionalmente um fim lucrativo”.
Mostrando ser este um elemento, uma característica fundamental no intuito a preservar e ou
reabilitar o empreendimento.
Em Portugal o Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de abril (Estatuto das Empresas Públicas)
dispõe que:
Os preços praticados [pelas empresas públicas] devem assegurar receitas que
permitam a cobertura dos custos totais de exploração e assegurem níveis
adequados de autofinanciamento e de remuneração do capital investido.
A legislação portuguesa ofereceu o Decreto-Lei nº 75-A/77, de 28 de fevereiro de 1977,
estabelecendo o princípio da obrigatoriedade de remuneração do capital das empresas públicas.
O setor público constitui um vetor fundamental do desenvolvimento
econômico. Encontram-se nele investidos capitais públicos vultuosos, cuja
adequada rotação e remuneração deve ser assegurada, sob pena de lhes ser
desvirtuada a função e se deixar incompleta ou incorreta a avaliação dos
resultados globais da rentabilidade das empresas.
O legislador português definiu a obrigatoriedade de remunerações dos capitais
estatutarios da seguinte forma: “Os capitais estatutarios atribuídos às empresas públicas pelo
Estado serão obrigatoriamente remunerados nos termos previstos neste diploma”. Ao fazer uma
incursão em considerações e enquadramento jurídico no setor empresarial público português,
confere-se que o mesmo proporciona, serve de parâmetro ao presente estudo, face os resultados
obtidos, podendo-se colher os mesmos frutos que os portugueses alcançaram com a aplicação
de normas na busca do aprimoramento da atividade empresarial pública naquele país. O setor
público português dividiu sua atividade entre os campos administrativo e empresarial.
292 AMARAL, Freitas do. Curso de Direito Administrativo. Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 341.
158
O Estado português procura organizar sob forma e gerência empresarial, integrando as
empresas públicas e as empresas participadas, por força do que se apresenta no Sector
Empresarial do Estado (SEE)293 vinculado ao Sector Público Empresarial do Ministério das
Finanças, é o que se extrai da Direção-Geral do Tesouro e Finanças294.
Explana Vicente295 que os institutos públicos constituem em primeiro lugar, pessoas
coletivas públicas, dotadas, como tal, de personalidade jurídica própria. Distinguem-se dos
fundos e serviços autônomos do estado, nele integrados e, como tal, sem personalidade jurídica
autônoma.
Isto porque um último aspecto fulcral que caracteriza os institutos públicos é
o facto de integrarem uma administração indireta: ... as funções que lhe são
cometidas não lhe pertencem como funções próprias, antes devem considerar-
se funções que de raiz pertencem a outra entidade pública 296. Geralmente do
próprio Estado.
Pelo que se apresenta na voz do legislador português, tem-se algo absolutamente
estruturante, por um lado, o inicio de uma nova fase da reforma da Administração Pública, no
sentido de a tornar eficiente e racional na utilização dos recursos públicos e, por outro lado,
para o cumprimento dos objetivos de redução da despesa pública a que o país esta vinculado.
Com efeito, mais do que nunca, a concretização simultânea dos objetivos de
racionalização das estruturas do Estado e de melhor utilização dos seus recursos humanos é
crucial no processo de modernização e de otimização do funcionamento da Administração
Pública, inclusive e em especial no que concerne o Brasil.
Importa decididamente repensar e reorganizar a estrutura do Estado, no sentido de lhe dar
uma maior coerência e capacidade de resposta no desempenho das funções que devera
assegurar, eliminando deficiências, e reduzir substancialmente os seus custos de
funcionamento.
293 O SEE é constituído pelo conjunto das unidades produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma
empresarial, integrando as empresas públicas e as empresas participadas. Empresas públicas são: i) as
organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei
comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma
direta ou indireta, influência dominante e ii) as entidades públicas empresariais. Empresas participadas são as
organizações empresariais em que o Estado ou quaisquer outras entidades públicas, de caráter administrativo ou
empresarial, detenham uma participação permanente, de forma direta ou indireta, desde que o conjunto das
participações públicas não origine influência dominante. 294 www.dgtf.pt - acesso 30 de julho de 2016. 295 VICENTE, Pedro. Op. cit. 296 AMARAL, op. cit. p. 318.
159
No âmbito da natureza jurídica, tem-se no terceiro setor as organizações sem-fins
lucrativas como as associações e fundações. Nas cooperativas, sociedades de pessoas
constituídas para prestar serviços associados, cuja distribuição de resultados está vinculada às
operações pelo sócio com a sociedade e cujos direitos políticos estão ligados as pessoas e
desvinculados da participação no capital.
Nas sociedades limitadas tem-se as sociedades de pessoas ou de capital com fins
lucrativos, constituídas para fornecer serviços ou mercadorias a terceiros, cuja distribuição de
resultados e direitos políticos estão vinculados à participação no capital, com reduzida estrutura
administrativa, de controles internos e transparência, sem permitir acesso a recursos através do
mercado de capitais.
As sociedades anônimas - sociedades de capital com fins lucrativos, constituídas para
fornecer serviços ou mercadorias a terceiros, cuja distribuição de resultado e direitos políticos
estão vinculados à participação no capital, com complexa estrutura administrativa e de controles
internos e ampliada transparência.
Nesta reunião de dados, constata-se uma certa permissão para ter acesso a recursos através
do mercado de capitais. Pode ser de capital aberto ou fechado, conforme os valores mobiliários
de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado.
No Brasil, pelo Decreto-Lei nº. 900, enumerando a atividade econômica como motivo
determinante da criação da empresa pública, não excluiu a possibilidade de instalação da
mesma para gerir serviços públicos típicos. Uma empresa pública gestora de serviços públicos
típicos, não adquiriria o status de empresa econômica porque, ocasionalmente, e de forma
alheia a seus estatutos, realizasse operações de crédito. Faltar-lhe-ia, para tanto, o traço da
profissionalidade. Do mesmo modo, o requisito da profissionalidade não pode ser atribuído ao
ente político, isto é, ao Estado, no seu complexo; visto como sendo este caracterizado por
muitos outros fins, que não o gerir uma empresa, torna-se impróprio considera-lo empresário,
somente por antonomasia autores falam em “Estado-empresário”.
O conceito jurídico de empresa corresponde a atividade econômica organizada, com
caráter profissionalizante, através de um complexo de bens. O artigo 75 da Constituição Federal
dispõe o exercício de tal atividade pelo Estado, alinhando-se ao artigo 173, admite concorrer
com o setor privado, aparecendo o requisito de cunho material, o relevante interesse coletivo.
160
Para Abranches297 a divisão da autonomia da empresa estatal está em diferentes planos:
autonomia política, gerencial, de capital e financeira. A autonomia política refere-se à
capacidade da empresa estatal em tomar decisões quanto à definição de seus projetos, sem
interferência externa. A autonomia gerencial diz respeito ao grau de liberdade que a empresa
estatal possui para administrar seus próprios empreendimentos. A autonomia de capital refere-
se a liberdade que a empresa estatal tem para utilizar livremente seu excedente no que tange à
diversificação de seu setor produtivo, ou mesmo ampliação de sua capacidade instalada.
Enquanto a autonomia financeira ocorre à medida que a empresa aumenta sua receita
operacional. A autonomia financeira é condição necessária, mas não suficiente, para a
existência dos outros níveis de autonomia.
O exame da finalidade econômica da empresa pública é de suma relevância jurídica. A
empresa pública pode ter uma dupla finalidade: exercitar atividades econômicas ou serviços
públicos. No primeiro caso, exerce uma atividade assimilável à da iniciativa privada; no
segundo, confunde-se com as atividades próprias do Estado. Se se trata de saber a quem
compete criá-la, por lei, se ao Estado-membro, Município ou União, torna-se indeclinável o
exame da natureza das funções que serão exercidas, para a solução do problema de sua criação.
Como somente à União foi reservada a faculdade de, por lei federal, intervir no domínio
econômico, não pode remanescer ao Estado-membro e ao Município idêntica competência, nem
mesmo por derivação residual. A empresa pode ser instituída para gerir serviços públicos, como
instrumento opcional mais eficaz no processo de descentralização. Neste caso, o Estado-
membro e o Município conservam a competência residual ou explicita para organizar seus
serviços públicos estaduais e municipais. Trata-se de competência estadual e municipal
concorde com as respectivas autonomias. Há, pois, possibilidade de empresas públicas
brasileiras serem utilizadas para o processo de descentralização. Desse modo, empresas
públicas federais, estaduais e municipais, prestadoras de serviços públicos, não são limitadas
por barreira alguma, quer de conteúdo, quer de forma.
Com a introdução da Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016, no cenário nacional,
dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e
subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vê-se uma
nova postura estatal, a fim melhor conduzir essas empresas, cujo artigo primeiro enfeixa a
297 ABRANCHES, Sérgio Henrique. A questão da empresa estatal: economia, politica e interesse público.
Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro, FGV, 19(4):95-105, out. /Dez. 1979.
161
exploração da atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou
seja de prestação de serviços públicos.
Antes da edição da supra citada Lei, muitas batiam no seio da sociedade brasileira face
as necessidades econômicas e sociais, introdução de novas tecnologias para amparar tanto a
atividade mercantil privada, quanto aos serviços públicos, por um ajustamento legislativo.
Os juristas e os legisladores ajustam ideias sobre os aspectos legais, doutrinários,
filosóficos e ideológicos para concretizar uma regulamentação para satisfazer os reclamos,
eliminar lacunas, agregar elementos de maior densidade, com adequações, em especial, a
atividade administrativa com ética.
Não obstante tal empenho, deve ser feita a lembrança que no Brasil, a empresa pública
para a exploração de serviços administrativos deve obedecer às formalidades prescritas na Lei
nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que regula as sociedades por ações. Por ser tratada como
matéria de direito público, e em face das dificuldades de uma adaptação formal, provoca
questionamentos ininterruptos no que concerne a apresentação de uma regulamentação própria
para empresa pública brasileira, que segundo contemporâneos apreciadores da matéria,
aguardam maior pertinência a tratar dos aspectos da lei, atentos para com os instrumentos
clássicos de atuação direta do Estado na economia, que são as empresas estatais, pessoas
jurídicas de Direito Privado criadas com base em autorização legal pela Administração Pública,
tanto para o exercício de atividades econômicas stricto sensu, como para a prestação de serviços
públicos298.
Para Reale e Cretella Junior299 o termo autárquico abrange todas as espécies de
autonomizações dos serviços públicos, desde as autarquias propriamente ditas até as entidades
paraestatais, as fundações de direito público, as sociedades de economia mista e as empresas
públicas, todas modalidades ou graus diversos de um único fenômeno, como potenciação,
meios de agir do Estado nos dias atuais. Haveria vários matizes de autarquias, sendo um deles
as empresas públicas autárquicas, que seriam formalmente empresas, porque organizadas sob a
forma da lei das sociedades anônimas; e materialmente seriam autarquias, porque o seu
conteúdo envolve predominantemente matéria relativa ao serviço público propriamente dito.
298 Grau, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p.p. 98-106. E Guedes: A Atuação do Estado na
Economia como Acionista Minoritário, p.p. 64-65; 84-85. 299 CRETELLA JUNIOR. Empresa Pública, p.p. 275-276.
162
Sintonizando as opiniões dos juristas com apontamentos múltiplos sobre os motivos que
justificam a subordinação da empresa pública à mesma disciplina jurídica da empresa privada,
enfatizando que a razão fundamental deve se ancorar na circunstância que a empresa é em sua
essência igual, sejam privados ou públicos os sujeitos que a exercem.
Ao tratar da identidade substancial da empresa, Ruffalo300 entende que esse exercício se
desenvolve de igual modo, seja em regime capitalista ou comunista. Essa fundamental
igualdade conduz à substituição de regimes jurídicos. Troca-se o regime administrativo com
prerrogativas, mas também caracterizado por sujeições, limitações, travas, mais livre, mais
desburocratizado, mais desvinculado.
O fenômeno da comercialização do direito administrativo é reconhecido por autores que
tratam a matéria não só de uma página virada, histórica do direito comercial, mas da própria
comercialização do direito civil, ou da própria unificação do direito privado. Com esta postura,
vê-se a presença do Estado na atividade econômica, através das empresas públicas e nas
sociedades de economia mista admitindo a regência de normas aplicáveis às empresas privadas.
E o § 5º do artigo 1º. da Lei nº. 13.303/2016, enfatiza (bem como em outros dispositivos legais)
a vinculação das empresas estatais e sociedades de economia mista à Lei das Sociedades
Anônimas (Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976).
É de toda evidência que além das normas mencionadas no âmbito constitucional, as
concernentes as de registro público da sociedade empresária, à escrituração contábil, as
obrigações fiscais e judiciais incidem sobre a empresa pública, ou sobre a sociedade de
economia mista, misturam-se com as égides das empresas privadas.
Observa-se que, quando o serviço publico é submetido ao regime administrativo, tem
desempenho de modo lento e menos eficiente. Por esta razão é que os apegados a um sistema
mais público, esperam o aprimoramento do serviço público para ser exercido com maior
liberdade de ação, e ao mesmo tempo para agir com responsabilidade, rapidez e energia.
Responsabilidade que proporcione, confira ao cidadão, ao consumidor, a sociedade em geral,
os mesmos direitos que estes podem reclamar das sociedades empresárias privadas, devendo a
estatal jurídica responder eficientemente (economicamente), e ressarcir ao cidadão e as pessoas
jurídicas pelas perdas e danos quando ofendidos.
300 RUFFALO, G. La Grande Impresa nella Società Moderna, Torino, 1967.
163
Com efeito, se a empresa deve substituir com os proventos que usufrui da troca do que
produz e consome com os fatores de produção, logicamente deve intervir na vida econômica
em posição análoga à da empresa privada e, consequentemente, deve tomar decisões e concluir
negócios jurídicos com os mesmos ônus e agilidade. Muitas vezes a empresa pública desfruta
de uma situação de monopólio e, nessas condições, não atuando no regime de concorrência,
torna-se mais difícil sua caracterização como empresa, atenuado como o é, no caso, o aspecto
da economicidade acima salientado. Cretella Júnior avaliando este aspecto, entende que deve
haver e ser feita a devida distinção, não somente do que seja preço, mas também no que
concerne a tributação nos produtos vendidos.
Alguns autores destacam na caracterização da entidade pública como sendo empresa o
elemento subjetivo, na qual a intenção do legislador foi a de configurar determinado serviço
público como de natureza industrial e comercial, resultando numa organização tipo empresarial.
Por conseguinte, a empresa pública deve agir não só com igual potencialidade da empresa
privada, mas também deve oferecer a terceiros, que com ela venham se relacionar, condições
de segurança e certeza jurídica análogas às oferecidas pela empresa privada, não podendo
desprezar a confiança e o crédito.
A confiança e o crédito de terceiros decorrem da certeza que possuem, que as obrigações
e direitos oriundos dos negócios jurídicos realizados com a empresa pública são idênticos aos
da empresa privada. Da mesma forma deve haver perante o judiciário, quando comparecer,
estar em posição semelhante à de qualquer particular. Do contrário o privilégio resultaria em
danos das diversas dimensões, para o cidadão e demais atores sociais, inclusive com relação à
livre concorrência, onde a empresa pública exercita atividades e que devem estar dentro dos
parâmetros legais.
Houve temor do maior poder que o Estado pode exercitar, receio que tem certo
fundamento, em especial do que se percebe acontecido ao longo dos períodos onde a postura
governamental exagera no trato com os particulares e para com os créditos destes, criando
embaraços, como acontece quando o ente público é o devedor, à exemplo nos precatórios
executivos contra a Fazenda Pública (uma verdadeira odisseia!). Imagine-se, no absurdo, que
aconteceria, caso houvesse distinção de tratamento processual além dos já previstos.
Por outro lado, se a empresa pública deve competir com as outras que desenvolvem
atividades análogas, ipso fatum, deve admitir e tratar o seu pessoal do mesmo modo que o
tratam as empresas privadas. Daí decorre a natureza privada das relações de trabalho dos
164
dependentes das empresas públicas. Mas, como sempre sucede, o Estado, quando se autolimita
para se posicionar como simples particular, não foge à tentação de permear as normas de direito
privado, com que se autolimita, com normas de direito público, até chegar ao ponto de se dar a
si mesmo foro privilegiado.
Doutrinadores tradicionais no campo do direito comercial compreendem haver duas
grandes categorias de normas: uma se referindo aos contratos e as obrigações comerciais; outra
pertinente ao regulamento da profissão de comerciante. As primeiras podem ser estendidas, sem
grande dificuldade e com proveito, às empresas públicas; com as segundas, o mesmo não
acontece.
O direito contratual comercial adapta-se, extremamente bem às necessidades das
organizações econômicas. Menos formalista, menos solene do que o direito civil e ou o direito
público, favorece a conclusão rápida dos contratos e a transferência das dívidas de forma
simplificada, graças, sobretudo, aos títulos de crédito. Tornou, igualmente, mais flexíveis as
normas de execução das obrigações: entre a execução forçada e o pagamento integral, dá lugar,
por exemplo, ao abatimento do preço, à substituição por diligência do credor, ao pagamento
por conta. Em compensação, é muito mais exigente a respeito da palavra empenhada e cerca-
se de cautelas mais eficazes que as do direito civil.
Trata-se na verdade da esfera de aplicação e do fundamento clássico do direito comercial,
que está impregnado do espírito de especulação e do lucro pessoal. Mas adverte Escarra301: o
critério da comercialidade, porém, vem sendo abandonado dia a dia; o direito comercial deve
ser definido pelo objeto da atividade do comerciante e pela forma sob o qual este organiza a
sua empresa, e não tanto pelo móvel que o orienta.
Tem-se a empresa independente do estímulo ideológico que a anima, tem necessidades
próprias que o Direito Comercial, mais que o Direito Civil ou o Direito Público, aparelhado
para satisfazer.
A empresa pública encontra-se, ainda, limitada pelo seu objeto. Na lei, que é o ato
constitutivo de toda empresa pública, está indicada a atividade que a mesma deve desenvolver.
O que deve ser observado, e que inspira a atividade empresarial, a ação é o fim do lucro, porque
se este não é da essência da empresa pública tanto quanto o é na iniciativa, não pode ser
desprezado e deve ser perseguido.
301 ESCARRA. Cours de Droit Commercial, 1952, nºs. 41 e 91.
165
O lucro indica a eficiência da empresa e, permitindo o seu autofinanciamento e expansão,
há de constituir um de seus fins essenciais. O empolgamento de uma empresa por parte do
Poder Público justifica-se pela possibilidade de satisfazer por tal modo um interesse público, e
tal possibilidade torna-se maior quando a eficiência da empresa aumenta. Deduz-se que o limite
imposto pelo Poder Público competente à expansão de determinada empresa, derivando de
diretriz com autoridade apenas interna, a violação da mesma acarreta a responsabilidade dos
diretores, não podendo ferir direitos de terceiros.
A empresa pública como forma de organização distingue-se do restante da administração
pública pelos seus elementos estruturais. A estrutura é seu requisito fundamental para que possa
atender a economicidade exposta. Necessário se torna que as despesas realizadas para a
produção de bens e serviços e os ingressos obtidos com as trocas dos mesmos sejam
contabilizados de forma distinta das despesas com o restante da administração. O organismo
que se encarrega da atividade da empresa deve possuir um adequado orçamento descritivo
desses fatos econômicos. Ademais, a empresa como unidade econômica deve dispor dos meios
necessários para desenvolver sua atividade e para avaliar os resultados da sua gestão.
Para Moncada é que o direito não se reduz a economia. Pelo contrário, a atual intervenção
do Estado invoca a seu favor critérios valorativos absolutamente estranhos à economia, a
satisfação plena de necessidades básicas, a efetividade da livre empresa, a atenuação dos riscos
provocados pela atividade econômica privada e pública, aqui com especial destaque para a
erradicação de riscos ambientais e ecológicos. Para a compreensão acabada dos fins da
intervenção é necessária uma visão plena e integrada do meio econômico, mas também social
em que vivemos esbatendo fronteiras entre diversos níveis de atividade302.
A empresa, ademais disso, deve admitir o pessoal exigido pelo seu particular tipo de
atividade em condições diferentes daquelas vigentes para os outros dependentes da
administração pública, consoante dispõem os artigos 16 e seguintes da Lei nº. 13.303/2016,
estabelecendo novos requisitos para a empresa pública e a sociedade de economia mista
adotando regras de estruturas e práticas de controle interno. Essas regras abrangem as ações dos
administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana, envolvendo as áreas de
auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário, e verificação de cumprimento de obrigações
e gestão de riscos.
302 MONCADA. Luís Cabral de. Direito Econômico, 6a. ed., Coimbra.
166
Para alcançar a efetividade, a nova lei expressa o dever, o exercício, o cumprimento de
princípios, valores e missão de vedação de atos de corrupção e fraude, com orientação sobre a
prevenção de conflito de interesses, adequando as regras de boa prática de governança
corporativa303.
No que se refere ao regime da responsabilidade civil das empresas públicas, Moncada304
mostra que o atual regime de responsabilidade em Portugal, distingue consoante prática de atos
de gestão pública ou de gestão privada, aplicando-se ao primeiro a lei de responsabilidade civil
extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público no exercício da função
administrativa. Alerta Moncada que o regime regra é o da responsabilidade solidária com
direito de regresso. Mas se a atividade for de gestão privada, aplica-se o regime do direito civil,
ou seja, as empresas respondem civilmente perante terceiros pelos atos ou omissões dos seus
administradores, nos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos
comissários, de acordo com a lei geral, ou sejam de acordo com o artigo 501 do Código Civil
português.
A empresa pública para bem desempenhar a sua missão deve dispor, como na iniciativa
privada, de bens que lhe foram atribuídos em dotação, alienando-os ou substituindo-os por
outros mais idôneos à finalidade da produção em que está empenhada. Pode recorrer à fonte de
financiamento interno ou externo para melhor se aparelhar tecnicamente ao desempenho da
atividade.
Depreende-se que o novel modelo para as empresas estatais, para o exercício da empresa
pública, necessário se torna a criação de adequada estrutura, um apropriado organismo que
tenha por objeto a gestão da empresa. Portanto, um organismo que possa com autonomia
decidir, tomar decisões, e que seja dotado de competência externa, gozando de autonomia
contábil, patrimonial, financeira, e que seja submetida ao controle de órgão especializado da
administração pública.
Difícil é conjugar os dois elementos aparentemente disformes: a empresa e interesse
público, precisamente porque a empresa é organismo econômico, o interesse público não é
perseguido imediatamente por ela, mas é possível fazer distinção. Trata-se, pois, de interesse
público externo à empresa, que lhe é inspirado de fora para dentro.
303 O § 1º. do artigo 17 da supracitada Lei, que o estatuto da empresa pública, da sociedade de economia mista e
de suas subsidiárias poderá dispor sobre a contratação de seguro de responsabilidade civil pelos administradores. 304 MONCADA, Luís Cabral de. Direito Econômico, 6a. edição, Coimbra, p. 341.
167
A respeito dos motivos que podem levar o Poder Público a gerir a empresa, muitas são e
poderão emergir da conjuntura político-econômica-social em que a sociedade vive, ou está
submetida a uma postura de força pelo Estado. Quem gere a empresa, o faz ajustado a um
interesse particular, e quando pelo Estado enformado por suas diretrizes.
Quando o Estado se intromete na gerência como um particular, entende-se, ou melhor
dizendo presume-se, que está desejoso a praticar, dentro de uma conjugação de forças
democráticas, que está se adaptando para cunhar um critério de maior economicidade para
atender um fim público, o bem comum. Mesmo neste caso, torna-se necessária maior vigilância
a fim de que o maior proveito obtido numa situação de monopólio não venha a prejudicar outros
interessados públicos.
Quando a empresa tem por objeto a realização de um serviço público, pode subsistir
pertinaz contraste entre gestão econômica e exigências públicas conexas com a prestação do
serviço público. Em tal caso, o dissidio há de ser resolvido com a intervenção do órgão que é
titular do interesse público, a fim de que se satisfaça ao mesmo, e, portanto, dever-se-ia
reconhecer o poder de participar na determinação das tarifas, bem como em tudo que se
relaciona com a expansão ou redução do serviço, atribuindo-se lhe acentuado poder de controle.
Nos demais casos o Estado deve apenas determinar as diretrizes gerais das empresas
públicas. O Estado pode intervir na ordem econômica segundo métodos adotados desde há
muito pelo Estado Liberal, isto é, praticando o intervencionismo na base de medidas de
autorizações, expedição de ordens, de proibições, dando e retirando incentivos fiscais. Até aí o
Estado não sobrepassa o intervencionismo tradicional praticado desde há muito tempo. Mas o
emprego dessas medidas não é suficiente para a obtenção de uma conduta da parte da empresa,
que seja a mais condizente com o que, em dado momento histórico, se considera corresponder
melhor ao interesse público.
Quando se pretende acelerar a industrialização de uma determinada área, ou dar ênfase
ao desenvolvimento de base, ao invés de consumo, ou de industrias que utilizam novas fontes
de energia, pode ocorrer, e tantas vezes tem ocorrido, que nenhum empresário privado,
malgrado os incentivos proporcionados, se predisponha a operar tais indústrias. O Poder
Público, embora possua técnicas apropriadas para impedir a ação de iniciativa privada, não as
possui, no entanto, para lhe levar à ação, impondo-lhe uma conduta positiva.
168
O comentário concernente ao aspecto da economia sobre a questão das externalidades
abordada por Coase305, procura-se basicamente estudar até que ponto o mercado privado é
eficaz para lidar com as externalidades, e chegar a conclusão de que os agentes econômicos
envolvidos podem negociar, sem custos de transação, a partir de direitos de propriedade bem
definidos pelo Estado, alocando recursos de modo mais eficiente, para solucionar os problemas
existentes.
O direito comercial desde a sua origem esteve intimamente relacionado com as estruturas
econômicas e sociais, com o desenvolvimento econômico, e, sobretudo, a partir da revolução
industrial a empresa passou a constituir fenômeno de fundamental importância, impondo-se ao
estudo dos sociólogos, economistas e juristas, enfim, de todos aqueles que procuram estudar a
realidade social em vários campos.
Na área da economia os estudos de Coase sobre a empresa, “The Nature of the Firm”,
desde Adam Smith, os economistas baseiam-se na ideia de que o sistema econômico é
autossuficiente, funcionando de acordo com o mecanismo de preços. Vale dizer, os recursos se
orientam em uma direção ou em outra, exclusivamente em conformidade com o sistema de
preços, independentemente de qualquer intervenção externa. Coase identifica a fronteira da
empresa no ponto em que os custos da transação no mercado, que obedece ao mecanismo de
fixação dos preços são mais elevados do que os custos da transação na empresa, que é conduzida
segundo a lógica de autoridade e direção306.
Extrai-se em Mankiw307, resumindo o ‘Teorema de Coase’, que:
Os agentes privados podem solucionar os problemas das externalidades
entre si, desde que os custos de transação não sejam excessivos. Qualquer que
seja a distribuição inicial dos direitos, as partes interessadas sempre podem
chegar a um acordo pelo o qual todos ficam numa situação melhor.
Nessa discussão perdura a questão da necessidade de o Estado passar ao dirigismo direto
da economia, utilizando-se de novos organismos, novas técnicas para se fazer substituir à
iniciativa privada, ocupando o lugar desta.
305 Ronald Coase, economista da Universidade de Chicago, que desenvolveu em 1960 estudo denominado de “O
Problema do Custo Social”, o que lhe garantiu a indicação e a obtenção do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas
em 1991. 306 MUNHOZ, Eduardo Sch. Empresa Contemporânea e Direito Societário. Ed. Juarez de Oliveira, 2002, n.p.
184-187. 307 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. São Paulo: Thomson Learning, 2006, p. 210-211; capitulo
10.
169
Ocupando esses espaços e utilizando dessas técnicas, passa, então, o Estado a criar suas
próprias empresas, que lhe permitam imprimir diretrizes planejadas da economia, segundo os
fins públicos que tem em vista. Daí dizer que o aspecto público da empresa e, portanto, sua
coordenação com o interesse público, realiza-se, pois, atribuindo-se ao Estado o poder de
direção sobre as empresas de que pode dispor para alcançar tal desiderato. Evoluindo de
intervencionismo tradicional para um dirigismo direto da economia, o Estado moderno serve-
se da empresa pública como instrumento mais eficaz de realização do interesse público. Dessa
premissa, entende-se, para dar sustentação a importância da empresa pública no conjunto da
economia de um país em crescimento308.
Ninguém nega a importância de empresa pública na vida econômica, tanto assim, apenas
para dar um exemplo do que aconteceu na França, calcula-se que as empresas públicas
representavam em 1972, mais de dez por cento da produção interna bruta, e que seus
investimentos formavam cerca de trinta e cinco por cento da formação bruta do capital das
empresas309.
A tendência para a criação de empresas públicas, partindo de ato originário, ou
transformadas de autarquias, de concessionárias, de permissionárias, de departamentos de
serviços públicos, de grupos de trabalho, isto no âmbito federal, estadual ou municipal, que
buscam preencher finalidades socioeconômicas, mostra uma proliferação muitas vezes
excessivas, conduzindo ao aparecimento de uma aristocracia de funcionários, detentores de
super empregos mantidos em “mordomias custosas” ao Erário público, que, não raro,
transformam-se em escândalos.
Forçoso dedicar espaço ao problema nos antigos países comunistas que a partir utilizaram
formas convencionais para a execução de planos de governo, prendendo-se ao fato da empresa
ter começado a ser considerada como eixo essencial da atividade econômica, atribuindo-se-lhe
muito mais autonomia em matéria de gestão econômica, indo até à relativa disponibilidade
sobre os meios circulantes. A preferência pela “gestão econômica” que se cifrava na tentativa
de obtenção de um excedente da atividade empresarial, que colidia com um mínimo de
308 As empresas públicas são consideradas, nos países pesquisados, um fenômeno característico da época, segundo
Relatório Congresso Internacional de Ciência Administrativa, realizado em Paris, julho, 1965, (ver Nicola Balog,
“A Organização Administrativa das Empresas Públicas, R. D. A., v. 87/45). 309 Em 1972 empregavam mais de um milhão de pessoas, segundo Manoel de Oliveira Franco, em “Fundações e
Empresas Públicas”, Editora R. T., S. Paulo, p. 159. Estas estatísticas de anos passados devem estar de muito
superadas, mas espelham uma permanência do Estado nesse campo.
170
autonomia empresarial, face o rígido principio de gestão planificada, cuja gestão das empresas
do Estado se fazia na dependência direta do plano e segundo as prioridades governamentais310.
O plano econômico central fixava normas imperativas que os autores soviéticos
reconheciam haver certa especificidade em relação aos contratos civis, cuja natureza jurídica
era objeto de discussão, com entendimento de natureza própria conferindo uma nova figura a
não contratos civis sui generis aproximando-se aos contratos de adesão, aspecto reforçado da
situação das partes contratantes ser desiguais tendo em conta os especiais atributos de
autoridade de que se revestia o Estado de modo a tornar imperativo o plano311.
É praticamente unânime a expressão da sociedade brasileira de haver controle nessa área
de atividade, ser exercido pelo Congresso Nacional, pela legitimidade e legalidade
constitucional, tanto mais necessário quanto muitos dos que dirigem as maiores entidades
públicas econômicas, acumulando um imenso poder econômico, que deve ser controlado no
interesse da coletividade, devendo lembrar sempre que os serviços que prestam são para o
público, e que eles, na expressão de Brandeis, são public servants, isto é, criados ou servidores
do público.
Com a introdução da Lei nº. 13.303/2016 no sistema jurídico nacional, assenta-se um
comportamento para preservar as empresas estatais, a empresa pública vinculada à
administração indireta, não sujeita ao controle direto, hierárquico, mas sim a um controle
diverso, finalístico, atenuado, normalmente de legalidade, e excepcionalmente de mérito, trata-
se de controle que visa unicamente manter as finalidades institucionais, enquadrando-se num
plano global da administração vinculada e fiel às suas normas regulamentares.
A observação de que não há poderes gerais de tutela e sim medidas particulares de tutela,
que a lei concede a certas autoridades com o escopo de salvaguardar o interesse geral contra os
interesses particulares das coletividades, e de assegurar a unidade de conduta de todas as
pessoas morais administrativas, sendo um controle de orientação e correção superiores,
apreciando os atos internos e a conduta funcional dos dirigentes em condições especialíssimas,
autorizadas por lei.
O controle sobre as empresas públicas apresenta-se com pelo menos duas faces: de
controle interno, e outro externo, sendo que o primeiro é exercido por setores da própria
empresa, por força da competência que lhe é atribuída pelos seus estatutos. Antes da lei nº.
310 MONCADA, Luiz Cabral de. Direito Econômico, Coimbra Editora, 6ª. ed. 2006; p. 629. 311 Idem, p. 630.
171
13.303/2016, tinha-se o Conselho Fiscal, normalmente encarregado da fiscalização de suas
atividades, exercitando o controle de ação direta ou imediata em razão dos fins programados,
mas depois, pela tutela, passa a ser externo, na maioria dos casos, sujeitando-se as entidades
empresariais ao Tribunal de Contas da União ou ao das demais entidades políticas. Nas
empresas públicas no Brasil esses dois modos de controle visam: a) assegurar o cumprimento
da finalidade para a qual a empresa foi legalmente instituída; b) sustentar a eficiência ou alcance
dos resultados com o emprego dos dinheiros públicos.
Com a Lei nº. 13.303/2016, adota-se o Código de Conduta e integridade e outras regras
de boa prática de governança corporativa (art. 12, I, II). Tem-se o Comitê de Auditoria
Estatutário, previsto na Seção VII, art. 24, opinando sobre a contratação e destituição de auditor
independente, supervisiona as atividades dos auditores independentes, avaliando sua
independência, a qualidade dos serviços prestados e a adequação de tais serviços às
necessidades da empresa pública ou da sociedade de economia mista, supervisionando as
atividades desenvolvidas nas áreas de controle interno, de auditoria interna e de elaboração das
demonstrações financeiras da empresa pública ou da sociedade de economia mista.
A nova lei introduz o monitoramento e a integridade dos mecanismos de controle interno,
das demonstrações financeiras e das informações e medições divulgadas pela empresa pública
ou sociedade de economia mista, dentre outros previstas no artigo 24.
Quem dirige uma empresa pública goza de fato, de ampla discricionariedade no que
concerne à escolha das opções empresariais. Deve haver, portanto, uma responsabilidade para
esses dirigentes, quando tenham agido em violação à lei ou de outras normas a que estão
obrigados a respeitar; ou porque hajam contraído compromissos sem qualquer relação com o
objeto de empresa; ou porque incluíram no relatório dados inverídicos, etc. Por esta razão, em
alguns países chega-se a falar em disciplina penal das empresas públicas, e por isso a Lei nº.
12.846/2013, objetiva sanções nas hipóteses de atos lesivos à administração pública nacional e
estrangeira. Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os
fins dessa Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único
do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios
da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, lá
definidos.
Vale lembrar Gottschalk ao mostrar da necessidade que se torne efetiva a
responsabilidade civil desses dirigentes, pois, no Brasil se intentou sem muito êxito instituir um
172
órgão especifico para o controle das empresas públicas, a chamada Comissão de Defesa dos
Capitais Nacionais, instituída por decretos, exatamente para o exame dos privilégios que
beneficiam as empresas públicas. Porque às vezes são privilégios exorbitantes do direito
comum, e não devem os mesmos serem interpretados extensivamente.
A expressão ente público no exercício da função administrativa justifica-se pelo fato de
que mesmo as entidades privadas que estejam no exercício de função pública, ainda que tenham
personalidade jurídica de direito privado, como enfatiza Di Pietro, por exemplo, as que se
submetem à licitação. Salienta a jurista que as entidades da Administração Indireta, com
personalidade de direito privado, como empresas públicas, sociedades de economia mista e
fundações, costumam ser chamadas por alguns autores de entidades públicas de direito privado,
por terem regime direito comum parcialmente derrogado por normas de direito público312.
No estudo do direito econômico, o direito é simultaneamente direito público e direito da
economia, conferindo uma vocação interdisciplinar, que orienta a pesquisa e impõe
interrogações sobre o objeto dos dados nos últimos períodos da vida. J. Hamel e G. Lagarde313
identificam o direito econômico com todo direito relativo à economia, ou seja, o direito da
economia. Destarte, tem a passagem do simples intervencionismo do estilo liberal para o
dirigismo estatal da economia, mesmo em país de regime capitalista, opera-se através de
medidas de caráter geral e prolongada, por meio de planejamentos ou programações de
governo; e se concretiza por meio de ação direta da autoridade pública, que exercita uma
intervenção por obra de suas próprias empresas, e não por veiculo de incentivos ou proibições
às empresas privadas.
Em razão desse dirigismo estreito da economia, o Direito sofreu profundas alterações,
exercitando o legislador o convencimento de que as leis devem ser, acima de tudo, um meio,
um instrumento, uma técnica a serviço do Estado no cumprimento da programação econômica
nacional. E a dogmática jurídica tradicional teve de se ajustar às novas realidades econômico-
sociais, “recondicionando” o conceito de institutos arcaicos para reajusta-los à nova exigência
da vida moderna. Incontestável que a empresa pública está, em definitivo, inserida nos quadros
do direito dos países capitalistas, como ponta de lança do dirigismo econômico moderno.
312 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Forense, Rio de Janeiro, 29a. 2016, p. 411. É o
caso dos dispositivos constitucionais que impõem licitação (arts. 22, XXVII, e 37, caput, combinado com o
inciso XXI, e com os arts. 173, § 1º, inciso III, da Constituição. 313 HAMEL, J. e LAGARDE, G. . Traité de Droit Commerciel, 1954. T. I, p. 14.
173
Os serviços públicos encerram um conceito fluido e elástico, abrangendo qualquer
atividade que o Estado, com vistas ao interesse público declare, por oportunidade ou
conveniência de utilidade pública. A atividade do Estado deve ser considerada de natureza
econômica quando haja equipolência entre o custo de produção e o preço de venda ao
consumidor. E a economicidade e a profissionalidade da empresa pública são requisitos
essenciais para a definição da natureza jurídica da mesma, em face de efeitos jurídicos previstos
em lei. Qualquer que seja o regime político que a enquadre, seja o capitalista, seja o socialista,
a empresa pública, pela substancial identidade, pode ser regulada por disciplina jurídica
análoga.
O Direito Comercial se adapta às necessidades das organizações econômicas públicas. As
limitações de objeto, impostas pela lei às empresas públicas, não constituem entrave a que seus
titulares exerçam todos os atos e negócios indispensáveis à realização de seus fins públicos,
dentro do critério de economicidade. Para a realização de seus fins, a empresa pública deve
dispor de uma estrutura, de meios e de certa autonomia compatível com a ação pronta e segura.
Embora difícil, não é impossível conjugar o interesse público, que se inspira o Estado
com o espírito empresarial, que deve dinamizar a empresa gerida pelo mesmo. Portanto, as
regras sobre privilégio da administração aplicam-se para melhor obtenção de seus fins públicos,
donde decorre a necessidade de se distinguir, na empresa pública, a que possui essencialmente
fins econômicos das que predominantemente gerem serviços públicos típicos.
As considerações de Davis314 assentadas em relevantes dados da noção de serviço
público, envolvendo a empresa estatal e as demais entidades que se perfilam numa estrutura de
direito público, e quando entrelaçada com o direito privado na constituição de empesas e na sua
administração, dão uma noção próxima, quase inafastável da atividade mercantil propriamente
dita. Conquanto a noção genérica de serviço público se ofereça hoje em dia imprecisa e variável,
atenta a crescente ampliação das zonas de intervenção e atuação do Poder estatal no campo de
inúmeras gestões e atividades tradicionalmente privadas, todavia, não é possível que se
desmesure a elasticidade, que se lhe dê, absurdamente, abranger, todas as manifestações do
interesse público ou da utilidade pública, porque tudo ou quase tudo poderia ser arvorado em
“serviço público”.
314 DAVIS, M.T. de Carvalho Britto. Tratado das Sociedades de Economia Mista. José Konfino Editor. V. I. Rio
de Janeiro. 1969, pp. 65 e seguintes.
174
Pode haver uma mescla, quase império do interesse público sobre a atividade mercantil,
destacando a importância do Estado na direção da sociedade de economia mista na qual decorre,
ou de sua qualidade de maior acionista, ou de disposição legal ou estatutária, configurada a
hipótese de sua participação no capital social, mostrando a importância da companhia.
Apesar da existência de divergência, como a que entende, quando classifica
indistintamente, como sendo empresa pública, não só a sociedade pública de um só membro,
como também as sociedades de pessoas jurídicas de direito público, preferindo-se adotar o
critério de somente denominar de empresa pública aquela que só dispunha de um acionista.
Discute-se se não está diante de uma sociedade de economia mista quando não se verifica
a direção do Estado com a sua participação, como atuante e responsável como entidade de
direito público. Um dos dados a observar é que não basta haver a direção e a participação
constante quando não se verificar na sociedade, a direção do Estado, ou seja, a participação
constante, atuante e responsável, como entidade de direito público, mas desde que o Estado
participe no capital social, mesmo minoritariamente, decorrente de alguma disposição
legislativa. No agito dos interesses políticos, sempre que o Poder Público subscrever ações de
uma sociedade anônima, mas não participar da gestão dos negócios, em suma, não executar
atos em sua administração, não estará configurada a existência dessa entidade. Dessa situação
é que há entendimento de considerar como híbrida a sociedade de economia mista.
Cogitando da empresa pública quando sociedades de um só membro, bem como das
sociedades de pessoas jurídicas de direito público, como acionista único o Estado, de modo que
são exclusivamente governamentais a propriedade, a direção e a administração de tais
empresas, distanciando-se da concepção da sociedade anônima, que Britto Davis subdivide a
sociedade de economia pública: em empresa pública e sociedade pública. Tanto a sociedade de
economia mista quanto as empresas públicas, constituem preciosos e eficientes instrumentos
jurídicos postos a serviço do Estado moderno, no instante em que as solicitações do interesse
público reclamam e exigem crescente intervenção no domínio econômico.
As sociedades de economia mista e as chamadas empresas públicas evidentemente
haverão de subsistir como instrumentos jurídicos a serviço do Estado Moderno, no seu mister
e empenho de atender aos interesses gerais da coletividade, mas isto realmente só será possível
na medida em que se mantiverem fiéis às suas características de empresa privada, de forma, a
não permitir sua transformação em simples órgão da administração pública descentralizada.
Britto Davis frisa, com exceção das sociedades de economia mista, considera as demais
175
empresas estatais (empresas públicas e sociedades públicas) como órgãos da administração
descentralizada.
Ainda se tem o conceito de Sousa315:
Surgiria, assim, uma nova figura jurídica, a empresa pública, identificada pela
instituição e pela gestão financeira e administrativa, exclusivamente por parte
do Estado, combinadas com a adoção de uma forma estrutural regida pelo
direito privado. Mas, assim sendo, não nos parece que a empresa pública se
pudesse diferenciar da autarquia, já firmemente enraizada na nossa
organização administrativa, e que se conceitua, exatamente, como um serviço
estatal desempenhado em regime de descentralização e de autonomia
financeira e administrativa”... ... “Portanto, a chamada empresa pública
reuniria os mesmos elementos conceituais da autarquia: ora, a forma jurídica
da organização, não sendo um desses elementos, não poderia (pelo fato de ser
uma das formas regidas pelo direito privado) impedir a confusão da empresa
pública com a autarquia, resumindo-se, portanto, aquela, na simples negativa
da colaboração entre o poder público e o capital privado, que é, justamente, a
ideia básica da sociedade de economia mista.
A considerar a empresa pública como entidade componente da administração
descentralizada, não se pode endossar a opinião de que não existe diferenciação com a
autarquia. Existem alguns traços comuns entre as duas, mas não se pode desprezar os demais
caracteres que levam a reconhecer diferenças, recomendando-se examinar o fato de a
Constituição de 1967 dispôs no § 2º do art. 163 que:
Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas, as
autarquias e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas
aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das
obrigações, [...]
A aludida observação conduz a um entendimento que não invalidaria a argumentação
expedida. Opina Gil316 ser favorável a um conceito amplo do que seja sociedade de economia
mista:
Se existe uma conceituação legal de autarquia (Decreto-lei nº, 6.016,
de 1945, e Lei nº. 830, de 1949), parece-me fora de dúvida que fora dessa
conceituação dever-se-á enquadrar toda e qualquer sociedade que, malgrado
possa revestir da tipicidade legal, tem possibilidades de, no curso de sua
existência, afastar-se do modelo preestabelecido. Contrariamente ao que
ocorre com as autarquias, as Sociedades de economia mista não estão presas
a nenhum estatuto legal, abarcando, em consequência, na amplidão de seu
315 SOUZA, Rubens Gomes de. Petrobras – Sociedade de Economia Mista – Monopólio – Imunidade e Isenções
Tributárias – Pessoas Jurídicas de Direito Público e de Direito Privado. Parecer emitido em 22/9/1958, in R.D.A.,
nº 54, pp. 474-491. 316 GIL, Otto E. Vizeu. Sociedade de Economia Mista – Natureza Jurídica da Rede Ferroviária Federal S.A. –
Isenção Fiscal – in R.D.A. – vol. 60, pp. 385-393. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v60.1960.20922 .
176
conceito, qualquer entidade da qual, ao lado da economia privada, participe o
Estado317.
Quando trata do controle das empresas públicas Vito318 adverte que a definição imprecisa
do controle é reflexo da concepção imprecisa de empresa pública. Segundo ele, a doutrina já
examinou os elementos que fazem uma atividade econômica do Estado uma empresa pública;
tratando-se agora de examinar o outro termo, isto é, a noção de empresa. E, indaga o professor
de Milão: No que se refere à empresa pública onde se exerce a função de empresa? Nos
organismos do Estado ou na empresa? – “A resposta parece estar contida no slogan: “O Estado
na qualidade de empreiteiro” (der Staat als Unternenhmar). Essa fórmula, que se tinha em conta
de futurista, não obstante foi entendida como obsoleta. O Estado é empreiteiro quando gerir
diretamente um serviço ou uma administração, daí ter sido entendida como slogan resposta
capciosa, pois, estaria o proprietário, assumindo risco, tomando decisões sem outro controle
que o dos órgãos internos. E é justamente porque atualmente não se sente à altura de grandes
tarefas de gestão em diferentes setores da produção que ele faz apelo à colaboração de entidades
privadas e organiza sua coexistência pela criação desse elemento essencialmente ambivalente
que é a empresa pública.
O princípio da indisponibilidade relacionado pelos doutrinadores, segundo Di Pietro319,
está vinculada a administração pública, e que se constitui em uma restrição à liberdade
administrativa, tanto assim que se exige que as empresas estatais embora regidas pelo regime
de direito privado, uma vez que administram recursos total ou parcialmente públicos, nos
termos do artigo 137 da Constituição Federal, § 1º, III, dispositivo alterado pela Emenda 19 que
prevê que as empresas públicas e as sociedades de economia mista e subsidiarias que explorem
atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou prestação de serviços sejam
regidas estatuto jurídico que disponha contratação com observância aos princípios da
administração pública.
Em pleno século XXI as alternativas do exercício das empresas privadas no âmbito e
setores públicos ficam mais evidentes com a utilização de tecnologia e esforços mais eficientes
quando manejados pelo particular, mesmo que o público esteja presente, como fiscal e ou até
mesmo participe e interessado no resultado final da atividade constituída para atender o bem
317 Britto Davis examinando mais de perto este conceito de Otto Gil. O art. 2º, do Decreto-lei nº. 6.016. 318 VITO, Francesco. Controle da Empresa Pública. R.D.A. 1960 – vol. 60, pp. 414-429.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/37036/35806
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181220/000370193.pdf?sequence=3 319 DI PIETRO, Sylvia Maria Zanella. Direito Administrativo. Forense, 29a. ed., Rio de Janeiro, 2016, p. 415.
177
comum. “A função da empresa reside na empresa pública e não no Estado”. Tal assertiva de
que na situação versada, a função da empresa reside na empresa pública e não no Estado; o que
não impede de achar alguma imprecisão, segundo Davis.
Cogitando das entidades autárquicas e paraestatais, Ráo320 ao citar Fleiner justificando as
razões que determinaram a criação de entidades públicas autárquicas, especialmente aquelas
que visam à intervenção na ordem econômica, foram as necessidades de ordem prática,
contrariadas pelas formas rígidas e burocráticas da Administração Pública, que provocaram a
distinção entre o exercício das funções decorrentes do poder soberano e o exercício das funções
de carater econômico; distinção essa que só foi possível alcançar mediante a “autonomia” das
funções financeira, econômica, técnica e de assistência, perante o exercício da soberania. Para
Ráo estabeleceram-se as categorias “de órgãos, entidades ou empresas, dotadas de funções
administrativas, ou destinadas a exercer serviços públicos”:
a) Administração propriamente dita, com órgãos subordinados em
relação hierárquica; b) Órgãos ou Organizações pertencentes à
Administração, mas dotados de certo grau de autonomia; c) Entidades
Autárquicas, criadas pela Administração ou dela destacadas, constituindo
pessoas jurídicas de direito público; d) Entidades ou empresas, com
personalidade jurídica de direito privado, que, com a participação do Estado,
realizam fins ou serviços de ordem geral ou administrativa (sociedade de
economia mista); e) Empresas, ou pessoas jurídicas de direito privado, que,
por delegação ou concessão, realizam serviços públicos; f) Sociedades ou
associações de direito privado que cooperam na execução dos fins
econômicos, ou sociais, do estado e são, por isso, reconhecidas como de
utilidade pública. Assim, à vista da classificação supra, considerar as empresas
públicas, como pertencentes à letra ‘d’.
Salienta Basavilbaso321 que as personalidades dos sujeitos de direito público têm sua
origem unicamente na lei (lato sensu), e se formam por desprendimento do Estado, das
províncias e municípios. Devendo em todos os casos ser considerados como órgãos do Estado.
Conceitua Bielsa322 que a pessoa autárquica pode ser definida como todo ente jurídico
que, dentro dos limites do direito objetivo, tem capacidade para administrar-se e constitui por
sua vez um órgão descentralizado do Estado (“Derecho Administrativo”, t. II, p. 8) – colhe-se
que tais entidades:
[...] son distintas del estado (lato sensu), pero están iseparablemente unidas a
él por el vinculo, de la autarquia, ao mesmo tempo sublinhando que son
organismos descentralizados del Estado a quienes la ley les confia la gestión
320 RAO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, 1º. Vol. 1960, Max Limonad. Itens 231-232. Derecho
Administrativo, p. 100. 321 BASAVILBASO, Benjamin Villegas. Derecho Administrativo. B. Aires. 1950, pp. 181-187. 322 BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo. Buenos Aires. T. II. 1929.
178
de un determinado servicio público o de um conjunto de servicios públicos,
afectándoles um patrimônio (bienes y recursos públicos) y provyéndoles de
una estrutura orgânica administrativa.
Prega Basavilbaso que a individualidade da autarquia está integrada de três elementos
fundamentais, sem os quais não se concebe o ente autárquico: 1º. a personalidade jurídica, 2º.
o fim público e 3º. o patrimônio.
Destaca Bilac Pinto que os alemães preferem denominar “sociedade pública de um só
membro” quando as sociedades anônimas tem como único acionista o Poder Público. Nos
países de língua inglesa são denominadas: government Corporation, public enterprise ou public
Corporation. E na Itália de Le societá commerciali pubbliche or Le Imprese Pubbliche. Na
França são as empresas públicas denominadas de établissements nationaux societés nationales
e de enterprise publique323. Após salientar que os fatores determinantes da criação das empresas
públicas não são os mesmos em todos os países, Bilac Pinto fornece as seguintes características
externas:
1a.) adota a forma das empresas comerciais comuns (S/A ou sociedade de
responsabilidade limitada) ou recebe do legislador estruturação específica;
2º.) a propriedade e a direção são exclusivamente governamentais;
3º.) têm personalidade jurídica de direito privado.
Destarte, vê-se que a primeira e terceira características também são encontradas no caso
das sociedades de economia mista. Quanto as características internas, manifesta Bilac Pinto:
Ao adotar, para as empresas públicas, as técnicas e os processos da
empresas privadas, o Estado incorporou a este novo órgão de suas atividades
todas as vantagens da administração particular, dentre as quais devemos
destacar, como mais relevantes: 1a.) completa autonomia técnica e
administrativa; 2a.) capitalização inicial; 3a.) possibilidade de recorrer a
empréstimos bancários; 4a.) possibilidade de reter os lucros para ampliar o
capital de giro e constituir reservas, 5a.) liberdade, em matéria de despesas e
rapidez de ação; 7a.) capacidade para acionar e ser acionada; 8a.) regime de pessoal idêntico ao das empresas privadas.
Arnold Wald324 salienta características de empresas públicas de modo mais elucidativo.
1a.) Possuem a qualidade de comerciante; 2a.) São sujeitas à fiscalização
do Tribunal de Contas; 3a.) têm patrimônio autônomo; 4a.) Os litígios em que
são partes pertencem à competência da jurisdição ordinária; 5a.) Os contratos
firmados por estas empresas são submetidos ao direito privado; 6a.) Adotam a
forma das sociedades comerciais comuns; 7a.) A propriedade, direção e
administração das empresas públicas são exclusivamente governamentais; 8a.)
têm personalidade jurídica de direito privado; 9a.) As suas relações com o
323 L. Julliet de la Morandière et Maurice Byé - “Les Nationalisations en France et à L’Etranger”, Recueil Sirey,
1948, p. 18. 324 WALD, Arnold. R. F. nº. 152/516
179
pessoal se regem, não pelas normas de direito administrativo, mas pelo direito
trabalhista.
Há observação a respeito desta enumeração, por haver entendimento em completá-la com
dados contábeis e financeiros, que devem acrescentar outros itens, como os superávits de
balanço, e não distribuídos sob a forma de dividendos. E, quando a gestão, a de que os
administradores que via de regra não são eleitos, mas sim nomeados por decreto. São órgãos da
administração descentralizadas; não possuem “fundo de comércio”; a autonomia administrativa
e financeira, menos que a apontada pela sociedade de economia mista. Wald aborda os
comentários desenvolvidos por Leonard D. White325 em torno das empresas públicas norte-
americanas, alertando:
A análise das empresas públicas não nos revela um tipo simples e uniforme
de estrutura. Elas variam no método da constituição, nas suas relações com a
estrutura administrativa central, no grau de autonomia, na fonte dos seus
capitais e na sua organização interna. Não existe uma definição de empresa
pública geralmente aceita.
Pondé326 enfatiza a finalidade da sociedade, ao dizer:
Entendo que as sociedades de economia mista têm uma figura inteiramente
diversa das entidades autárquicas, ainda mesmo quando nelas o Estado seja
majoritario”... ... “A finalidade, na sociedade de economia mista, fixa-lhe o
destino e a categoria para que funcione como corpo de direito privado”.
Hely Lopes Meireles conceitua os serviços centralizados, descentralizados e delegados:
Serviços centralizados são os que a Administração Pública executa por suas
próprias repartições integrantes do organismo estatal. Serviços
descentralizados são os que a Administração Pública realiza através de órgãos
autônomos (autarquias) vinculados à entidade central, mas com
independência administrativa e financeira. Serviços desconcentrados são os
que a Administração Pública distribui entre as várias repartições de uma
mesma chefia administrativa. Serviços delegados são aqueles cuja execução o
Poder Público transfere a entidades ou particulares estranhos à administração
competente para realiza-los. Assim, tanto são serviços delegados os executados por entes paraestatais, ou por concessionárias e permissionários,
como os que uma entidade estatal comete a outra para sua execução327.
As entidades paraestatais, organizações de personalidade privada, que recebem
delegações oficiais para o desempenho de certas atividades de interesse coletivo, mas
inconfundíveis com os serviços públicos realizados pelas entidades estatais ou por seus
325 WHITE, Leonard D., Introduction to the study of public administration, 3a. ed., 1951, p. 119. 326 PONDË, Lafayete, Anais do 1º Congresso de Tribunais de Contas do Brasil, São Paulo, 1959, 1º vol., p. 189 e
329. 327 Op. cit. p. p. 278/9.
180
prolongamentos autárquicos, possuem personalidade privada e organização de entidade
particular, destinadas a realizar empreendimentos públicos de caráter industrial, consoante
Brunetti328:
È certo comunque che non è da confondere la posizione dello Stato Azionista
con quella degli enti paraestatal. I caratteri Dellénte publlico è quello che si
trova con lo Stato in un particolare rapporto di diritto pubblicosvolgendo a suo
servizio unáttività, che deve riternesi própria dellénte cosi per la titilarità como
per l’esercizio. Gli enti parastatali sono intituiti per attuare servizi e finalità
rispondenti ai compiti dello Stato e interessante tutto il suo território. Son
riconscibili per proprie caractteristiche, ciò: a) per la costituzione ad opera
dello Stato, che puó avvenitre o col conferimento dela personalità a uno dei
suoi organi o con la creazione de un ente per mezzo de elemti del tutto nuovi;
b) per il finanziamento dellénte da parte dello Stato, sia che venga constituita
una dotazione di beni sia che esso si assicuri una entrata fissa sul bilancio; e)
perciò che l’ente non ha, per regola, il carattere dela corporazione ma solo
quello dell’istituzione o fondazione pubblica. Si trata, como si vede, di
categoria di enti publlici che sono a contato imediato dello Stato como parti a
sè, distaccate dall’amministrazione centrale.
A respeito da empresa pública Meirelles329 assevera que a sua característica é a de prestar-
se ao desempenho de atividade públicas propriamente ditas, sob a forma de sociedade privada,
mas constituída, subvencionada e dirigida pelo Poder Público.
Os ditames do Decreto nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967, art. 5º., conceitua autarquia
empresa pública e sociedade de economia mista. No entanto, o tema é tormentoso e tem
merecido atenções de doutrinadores administrativistas.
A Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016, procura viabilizar ajustes éticos e político para
promover um aperfeiçoamento jurídico, minimizar as discussões que envolvem as empresas,
vulgarmente conhecidas, como empresas do governo.
4.1 Sociedade de economia mista
Debruçando-se sobre o exame das sociedades de economia mista, confere-se nuances
envolvendo vários ramos do Direito, por exemplo o ressurgimento do denominado poder
central, o Estado exercitando funções com supremacia. Confere-se o desenvolvimento do
Direito Público assumindo inúmeras funções no campo social e econômico. O Estado atuando,
328 BRUNETTI, Antonio. Trattato del Diritto dele Società, T. I. Milano, 1948, p. 90. 329 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit. – p. 304.
181
controlando, regulando as atividades privadas, direta ou indiretamente, inclusive na condição
de empresário. Essa dinâmica tem levado os juristas a dissecar o Direito Público e o Direito
Privado, procurando diferenças nesses ramos do Direito.
A sociedade de economia mista serve de exemplo e objeto de dissecação, porque vem
sendo entendida como uma propriedade estatal, sob parcial domínio do Estado, face a posição
acionaria e ou de controle adotando um modelo de sociedade empresária sob a égide do Direito
Privado, compartilhando os interesses privado e público.
A experiência dessa atividade, a funcionalidade desse tipo de sociedade empresária, a
intenção, a finalidade enredada para dar rumo de eficiência administrativa estatal, dentro de
forma, modelo gerencial que o Direito Administrativo proteja para a Administração Pública,
para que possa atender o agigantamento do Estado, imprimindo caracteres, envolvendo a função
social e a propriedade privada.
As interpretações e impasses sobre o bem comum, os entendimentos e os conflitos de
interesse, objetos de exame, de significativa importância para o desenvolvimento da teoria
econômica e jurídica, para implementação de politicas e medidas governamentais em vários
países, especialmente pelo governo dos Estados Unidos da América, quando da criação da
Securitizes and Exchange Commission, oferecendo leis para estimular a formação de poupança
popular e aplicação no mercado de capitais, passando a deter valores mobiliários.
Destacam Berle e Means330 que nas primeiras décadas do século XX, o deslocamento
de cerca de dois terços da riqueza industrial dos Estados Unidos da propriedade individual iria
para a propriedade de grandes empresas financiadas pelo público, modificando a vida dos
proprietários, a vida dos trabalhadores e as formas de propriedade, resultando, quase
necessariamente, uma nova forma de organização econômica da sociedade. O entendimento
dos mencionados autores não se limitou aos Estados Unidos, ao contrário, foi alargado, e
disseminado pelo mundo, chegando, inclusive, no Brasil.
Com a modernização da sociedade anônima, receios advieram causando preocupações
baseados no predomínio crescente da forma, especialmente do poder que as sociedades
anônimas passaram a deter, e consequente, com postura cada vez mais passiva dos acionistas
não controladores da companhia, face a pulverização das ações nas bolsas de valores e balcões
de negócios envolvidos nessa seara de investimentos.
330 BERLE, Adolf A.; MEANS, Gardiner C.. - A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada. 3a. ed.,
tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo, Nova Cultural – 1988, p.p. 3-7.
182
Curiosamente, quase um centenário após a exposição dos estudos de Berle e Means
avaliando o cenário do antes da segunda grande guerra mundial, ainda está a perturbar, a
provocar indagações e estudos sobre o tema, especialmente em virtude da transformação da
economia, da riqueza no planeta agitada ao longo do século XX. Uma dessas facetas está no
denominado capitalismo coletivo, encapsulando um sistema de incorporação acionária, fazendo
com que os indivíduos voltassem suas vistas a um novo papel de desenvolvimento em busca de
rentabilidade, causando seria violência a agricultura, considerado à época como um bastião da
propriedade privada.
Naquela época havia sinalização que os diretores das sociedades anônimas, eram seus
“proprietarios”, e não eram efetivamente representantes dos acionistas, e por consequência não
se obrigavam a seguir suas instruções. Essa assertiva foi comprovada, vista que, como quase
previsível, quando conferiu que o fator dessa concentração foi maior nas indústrias de serviço
público.
Quando Berle e Means em 1968 divulgaram a nova edição da “A Moderna Sociedade
Anônima e a Propriedade Privada”, com significativa gama de dados, maior do que aquelas da
contidas na primeira edição da aludida obra, atualizando o armazenamento das informações até
então colhidas, vivenciadas em um século exuberante e extremamente fértil para o
desenvolvimento econômico e financeiro, inclusive, algumas situações consideradas
extravagantes, iriam influenciar decisivamente nas bases e nas decisões econômicas nas
décadas subsequentes, interferindo até mesmo no conceito de propriedade, diante do que se
examinou sobre o controle gerencial das companhias no mundo corporativo e nas formas do
poder de dominação.
Hoje é quase imperceptível no cotidiano, não causa estranheza quando se conversa ou
se entabula negociações, em geral, inclui-se no diálogo algum dado sobre as atividades
mercantis, sobre a performance de alguma sociedade anônima, o trato particular de uma
sociedade empresária, atem-se ao mercado de capitais, palco comezinho de transações de
oscilantes intensidades, que afeta a vida deste planeta, apesar de ser quase uma ordem, uma
pauta do dia a dia, mesmo que sem qualquer maior prospecção cientifica, ou por mera vista ou
visitação na atividade burocrática das companhias, examinam-se balanços e noticias sobre o
desempenho das empresas que tem papeis na classificados do mercado de capitais, com
divulgação comum nos noticiários sobre economia e negócios, publicidade que serve de baliza
para avalições e negócios.
183
Contemporaneamente as relações mercantis ficam expostas em vários meios de
comunicação, que divulgam a comercialização e levam aos mais variados interesses, propondo
especulações de bens, serviços, etc., para atender eficientemente aos expectadores, interessados
nos contratos mercantis, assimilando custos e benefícios, descortinando cenários.
Sem desconsiderar a utilidade e aperfeiçoamento da tecnologia aplicável, o eclético
mercado de capitais negocia envolvendo os mais variados tipos de papeis, desde as tradicionais
apólices de seguro, aos títulos de crédito, ações sobre direito a ressarcimento, indenizações,
pensões e congêneres, aos outrora impensáveis direitos sobre carbono, química pura, biologia,
clones e embriões, e muitos outros.
Diante da expressiva carga mercantil e de riscos, os negócios vivenciam as suas
variedades, como as companhias de seguros e até mesmo as mais simples partes envolvidas,
precavidamente, procuram incutir no eixo subliminar a cobertura do patrimônio do cidadão do
infortúnio, dos danos, do prejuízo avassalador à vida e aos bens da vida, como acontece n
maiorias dos países, exercitando atividades de interesse na construção de pontes, instituição de
pedágios em rodovias, funcionamento de ferrovias, de bancos e múltiplas corporações. No
curso do século XX foram salientes as atividades na manufatura, comércio, transformação,
agricultura, serviços, etc..; e no século XXI apresenta-se a cibernética331, com a evolução da
informática com os algoritmos, projetando a inteligência artificial, além das invasões nos
bancos de dados e similar, e tantos negócios sem os esclarecimentos necessários sobre riscos.
Os contratos utilizados são especialmente redigidos para impossibilitar a recusa do mais
frágil contratante, impelido ao contrato de adesão negocial, reduzindo as chances de se
contrapor as múltiplas cláusulas e condições preestabelecidas, muitas vezes em idioma
estrangeiro. E quando via cibernética, esse discernimento limita-se ‘assinar/aceitar’ por mero
“aceito”, um “clik” por teclado eletrônico.
Esse complexo mercado submete posições dos mais diversos participantes, desde um
imberbe estudante ao detentor do controle acionário da companhia, interagindo em uma volátil
compreensão de siglas que atende conversações técnicas engendradas por gestores,
praticamente, desconhecidos, invisíveis, cobertos pelos sistemas de informática, em estruturas
de parco conhecimento e transparência, sob constante crítica, em um mercado seletivo, pouco
331 TAVARES, José Augusto Teixeira. Concepção Teológica da natureza e Teoria Cibernetica. Editora
Mensageiro da Fá, 1970; Da Ciencia a filosofia textos básicos de cosmologia, 1971, Editora UFBA.
184
ou não democrático, cujos administradores detém aparente autossuficiência para prover
decisões interna corporis.
Sem transparência e segurança a sociedade se preocupa com a falta de suporte técnico,
uma vez que as nuances econômicas e financeiras que envolvem a vida cotidiana do cidadão e
empresarial, das companhias, nesse manto tecnológico, influi com efetivos reflexos no
comportamento dos negociantes e acionistas, no desempenho da produção, e consequentes
valorações das ações.
Os estudos econômicos que envolvem as sociedades anônimas mostram o
fortalecimento desses tipos de papeis, considerados como alma da companhia, que
movimentam os balcões de negócios financeiros, as bolsas de valores e similares, que de modo
fragmentado de negócio gera uma nova forma de circulação da riqueza, construindo uma nova
figura e geração de propriedade, desencarnando da primitiva concepção de propriedade,
outrora, diretamente exercitada entre os interessados para fazer a transitoriedade da pose e o
domínio dos bens.
Transformação aconteceram e continuam aparecendo, como reduzir o interesse na
aquisição de um certo bem que pretenderia concretizar certo negócio a fim de torna-lo em
propriedade, preferindo adotar a “posse” de um bem, como pode suceder com relação a um
direito individual sobre ações, bônus e outros títulos líquidos, derivados do capital, inclusive in
abstrato, fortalecendo o âmago das companhias, em especial nas sociedades anônimas de
capital aberto. Posse que pode acontecer desde os tradicionais penhor/caução de ações e prévios
acertos de participação acionaria em assembleias.
Essa nova organização de bens e riqueza força uma veloz estruturação ou restruturação
econômica financeira, mas não altera necessariamente as definições clássicas, desde quando
elas são fundamentais para dar sustentação jurídica no trato de definir direitos e métodos de
transferência, manejo de direitos intercorrentes, e das miríades de problemas secundários de
transmissão e ajustes, considerados tradicionais, presentes nas conjunturas que servem de
sustentação para as bases jurídicas e econômicas das sociedades por longo tempo, com
concepções conservadoras de posse e propriedade.
Afirma Berle que a propriedade se divide em duas categorias:
a) propriedade de consumo, e b) propriedade produtiva – propriedade dedicada à produção, manufaturas, serviços ou comércio, com a finalidade de
oferecer, por certo preço, bens ou serviços ao público, com os quais seu
possuidor espera obter um lucro. E esta se divide em dois tipos: 1) a que
185
embora não dirigida pelos proprietários ativos, é administrada de forma a
proporcionar a proporcionar um retorno sob forma de juros, dividendos ou
distribuição do lucro, a 2) a dominada e controlada pelos representantes ou
delegados de proprietários passivos, cujas decisões agora estão sujeitas a um
processo politico em andamento, que ainda não se completou, mas deixa
indeléveis marcas.
Analisa-se alguns dos fatores semipúblicos da sociedade anônima que compartilha com
os elementos da sociedade de economia mista com o poder de decisão, de gestão, que advém
do acionista controlador, que por força da legislação brasileira recai na figura do Estado,
responsável pela sua própria constituição, assumindo papel de importância fundamental neste
tipo de companhia, que ao mesmo tempo interfere nos preços, no mercado de capitais,
expandindo ou inibindo a circulação da riqueza, que abalam a economia, a politica e o direito,
operando transformações significativas.
Não obstante haver uma tendência de desvincular o acionista do administrador,
fenômeno que tende acontecer nas grandes corporações de capital aberto, face a intenção de
separar patrimônio e controle. Essa situação acontece com nítida relação com a empresa estatal,
onde o Estado detém patrimônio e controle, inclusive na sociedade de economia mista.
Ocorre significativa alteração com a propriedade empresarial e o poder de controle, cuja
substância está sendo exercitado normalmente pelas mãos privadas para o controle estatal332;
no caso é a constatação da presença inafastável do Estado, detendo o patrimônio e o controle
da sociedade de economia mista. Com a edição da Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016, cujo
Art. 1o passou a dispor sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia
mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de
economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore
atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda
que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação
de serviços públicos, alertando que o Título I da Lei, exceto o disposto nos arts. 2o, 3o, 4o, 5o,
6o, 7o, 8o, 11, 12 e 27, não se aplica à empresa pública e à sociedade de economia mista que
tiver, em conjunto com suas respectivas subsidiárias, no exercício social anterior, receita
operacional bruta inferior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais).
Do mesmo modo, deve-se observar a aplicação inclusive à empresa pública dependente,
definida nos termos do inciso III do art. 2o da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000,
332 BERLE, Adolf; MEANS, Gardiner C.. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada. 3a. ed.
Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo. Nova Cultural, 1988, p. 82.
186
que explore atividade econômica, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de
monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos, e submetem-se ao regime
previsto na referida Lei a empresa pública e a sociedade de economia mista que participem de
consórcio, como disposto está no art. 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, na
condição de operadora.
Pela linguagem da nova lei, e do quanto a legislação anterior e em vigor, observa-se
haver um liame com a atividade empresarial privada, que, quem administra uma companhia
estaria a administrar um patrimônio alheio, e sendo o Estado detentor das ações que controla e
administra a sociedade, consequentemente, trata de uma riqueza que pertence ao povo, que afeta
o ente social, constituindo um claustro estatal.
A constante preocupação com as políticas que produzem atos e decisões que afetam a
vida das pessoas, como a exploração do subconsciente, incute o medo da manipulação, da
demagogia e da violência. Esses modos de agir, podem resultar em um espolio de guerra,
possibilitando a decadência, a imoralidade, a deformidade humana. Deve-se contrapor, a fim
de preservar a liberdade irrestrita, e participar efetivamente nas deliberações públicas sem
violentar o interesse do povo.
4.2 Características da sociedade de economia mista
Após as considerações sobre a sociedade anônima, da empresa estatal e a sociedade de
economia mista, passa-se ao exame sobre as características da sociedade de economia mista.
Iniciou-se uma discussão no desenrolar da segunda guerra mundial sobre uma nova
estrutura socioeconômica que serviria como uma revolução política. Curiosamente, a
introdução dessa estrutura dava ascensão aos managers, como classe dominante, tanto nos
países capitalistas, quanto naquelas nações dominadas pelo comunismo ou pelo nazi-fascismo.
Aparece o Estado-empresário, ao qual foi conferido uma forma durável de organização
estatal para envolver as sociedades industrializadas, a propriedade estatal nos meios de
produção, a considerar a emergência de uma poderosa estratificação social com técnicas
gerenciais, questionamentos sobre as funções indispensáveis da sociedade para ter acesso ao
187
controle dos meios de produção, o inevitável agir do cidadão, como fosse os seus próprios
interesses, como Milovan Djilas anunciou no pós-guerra333.
Dentre essas considerações abordou-se com intensidade sobre as sociedades anônimas
em que o Estado tem participação social majoritária ou ingerência controladora na sua
administração. Surgem as sociedades de economia mista, subespécie das sociedades anônimas,
entidade de direito privado, questionadas quanto às suas origens, confundindo-se com as que
lhes deram origem, daí o porquê da continuidade dos estudos sobre esse tipo de sociedade
empresarial.
Afirma-se que a origem da denominada sociedade de economia mista está nas sociedades
anônimas - as societates vectigalium ou societates publicanorum -, que na antiga Roma tiveram
papel preponderante como arrecadadoras de tributos, fornecedoras de gêneros para os exércitos
e até mesmo encarregadas de construções públicas. Outros estudiosos as vêm reguladas na
Tábua Amalfitana, as conhecidas colonnas, e, mais tarde, com as mossas ou maonas, bem como
o Banco de San Giorgio, este, pelos seus fins especulativos, caracterizou-se como sociedade
anônima334.
Com relação a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, Tullio Ascarelli335
reportando-se a Companhia Holandesa das Índias Orientais de 1602, destacou a importância
delas, que o Direito Público e o Direito Privado se apresentavam nos interesses comerciais e
expansão colonial, pondo em relevo as companhias francesas pelo caráter público, frequente a
participação, inclusive financeira das autoridades públicas, destacando o caráter privado mais
acentuado nas companhias holandesas. Davis336 fala sobre esse “carater privado acentuado nas
companhias holandesas”, reportando-se às origens históricas das empresas estatais, com a
manifestação de Waldemar Ferreira sobre a palavra de Lous Pauliat, informando que:
[...] (in Louis XIV et La Compagnie des Indes Orientales de 1664, C, Levy,
Paris, 1866, p. 29), acha que “os holandeses têm a glória de iniciadores na
Europa e de haver efetivamente criado companhia cujos princípios, estatutos
e funcionamento foram logo depois copiados por todos os outros povos”,
333 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 61. 334 Na Idade Média seriam as associações destinadas a construir ou explorar navios, as célebres Collona, cujo
contrato foi regulado pela Tábua Amalfitana em 1131. O Banco de São Jorge constituído em Gênova em 1407, foi
reconhecido como a primeira sociedade anônima com fins especulativos, porque os seus associados não recebiam
simplesmente os juros do capital empregado, visava também obter lucro com as realizações dos negócios.
Modernamente é dado como precursor das Companhias Coloniais. 335 ASCARELLI, Tulio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparato. Saraiva, 2a. ed., 1969, p.p.
313-316. 336 DAVIS, M. T. de Carvalho Brito. Tratado das Sociedades de Economia Mista, Tomo I, 1952, pp. 38 e
seguintes.
188
sendo, portanto, de opinião que a citada Companhia foi a primeira sociedade
por ações, que ja existiu. Diz ele: ‘Essa Companhia das Índias Orientais e,
principalmente, a Companhia das Índias Ocidentais, esta criada por Lei de 3
de junho de 1621, e ainda mais caracteristicamente que aquela, não foram tão
somente as primeiras sociedades anônimas como também as primeiras
sociedades anônimas de economia mista, como hoje se qualificariam e o
qualificado se lhes ajusta com precisão de luva’.
O intervencionismo do Estado sempre esteve presente na vida das sociedades anônimas.
No principio concedendo “licença”, que era um privilégio governamental, depois, aplicando a
autorização ou concessão, abrangidas ou regidas por normas do direito privado, pois não
caracterizavam quanto ao montante da participação acionária do Estado, não sendo elemento
qualificador da sociedade anônima mista, porque, mesmo na hipótese minoritária, o Estado
poderia assegurar gestão da empresa, consoante o entendimento de Barros Leães337/338.
Os juristas apontam o artigo 5º, III, do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967,
redação do Decreto-Lei 900, de 29 de setembro de 1969, para sustentar e até mesmo conceituar
a sociedade de economia mista como uma entidade dotada de personalidade jurídica de direito
privado, criada por lei, para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade
anônima, cujas ações, com direito a voto, pertencem em sua maioria à União, ou a entidade da
administração indireta.
Face o conteúdo do mencionado dispositivo legal, este daria maior firmeza, quando a
atividade for submetida a regime de monopólio estatal, a maioria acionária caberá à União em
caráter permanente, chegando a constituir, em princípio geral e pacifico, que, não somente na
esfera federal, como também na estadual, não se vê nenhum inconveniente na participação
majoritária do ente estatal, assegurando o controle direcional da sociedade, com a participação
mínima de 51% no capital social da sociedades de economia mista.
Observa-se singelamente alguns aspectos da legislação, não somente atinente as
sociedades de economia mista, emitindo lampejos para compreender e para conceitua-la como
sociedade empresária hibrida. À semelhança, fundada na sociedade anônima, devido à sua
função semipública, de propriedade múltipla, a sociedade de economia mista penetrou em
vários setores da economia, predominando inicialmente em setores de utilidade pública, de
337 BARROS LEÃES, Luiz Gastão Paes de. O conceito jurídico de sociedade de economia mista, in Revista de
Direito Administrativo. V. 79. Jan/Mar 65, p. 1. 338 Por outro lado, sociedades existem cuja participação acionária do estado é minoritária, mas que como de
economia mista devem ser reputadas, por terem sido suscitadas pelo Estado, para objetivarem fins de política geral,
e nas quais este influi ativamente, dispondo de poderes que exorbitam aos concedidos pelo direito comum aos
sócios de sociedade anônima. André Delion aponta o caso extremo da Societé Francaise des Nouvelles-Hébrides,
em que o Estado não detém senão 2,77% do capital social, mas onde lhe é assegurada a gestão da empresa”.
189
transporte coletivo, e outros, comparando as atividades, que denominaram de força centrípeda,
reunindo riqueza, e ao mesmo tempo concentrando controle e poder.
No que concerne à exclusividade do Estado na direção da sociedade de economia mista,
cumpre distinguir entre a direção executiva, representada pelos diretores executivos, e aquela
outra direção, mais de supervisão ou de controle, a priori ou a posteriori, exercida pelos órgãos
comumente denominados: Conselho de Administração, Conselho Consultivo, e outros órgãos
que integram a companhia, mas composta por simples Diretores, que se intitulam “Diretorias”.
Todos os órgãos e ou dirigentes ficam subordinados aos interesses de comando empresarial,
que, pela opinião de Berle, os “gerentes” passaram a envergar posições de maior dimensão e
poder na administração empresarial.
Procura-se o desate dessa questão, vinculando-se cálculo relativo ao percentual na
participação acionária para constituir a sociedade de economia mista. Entendem, que quando a
participação estatal fosse da ordem de 70 a 100%, deveria competir ao Estado, exclusivamente,
a indicação, ou melhor, a eleição de todos os membros da Diretoria Executiva, o que não
impediria, que o capital privado dispusesse do direito de participar do citado Conselho ou de
outros órgãos de controle.
Noutros casos em que a participação do Poder Público no capital social da empresa estatal
fosse de menor monta, mas sem prejudicar o controle majoritário (51 a 69%), aos representantes
dos acionistas particulares deveria ser assegurado o direito de elegerem um ou mais membros
da Diretoria Executiva, além de participar do Conselho. Mas sob qualquer hipótese, o
presidente da empresa, quer o capital público seja majoritário ou não, deveria recair sempre em
pessoa indicada pelo Estado, sem quaisquer injunções dos acionistas particulares339.
O entendimento de Eunápio Borges que o Estado ao dirigir, ao invés de simples auxiliar,
faz, via de regra, tão desastradamente que a empresa se abastarda, posição que Davis considera
injusta e superada, dado o caráter generalizador, abrangendo por igual as empresas estatais bem-
sucedidas e vitoriosas, administradas inteiramente por diretores eleitos, ou melhor dizendo,
escolhidos pelos governantes idôneos. Compreende-se a posição de Eunápio Borges, uma vez
que, sempre presentes severas críticas, face as preocupações com a desordem na órbita estatal.
É dever do Estado, como acionista principal impor na direção empresarial os cuidados de
eleger para os órgãos de direção da empresa administradores com habilidade técnica e
339 DAVIS, M. T. Brito. Tratado das Sociedades de Economia Mista, vol. I, op. cit. p. 187.
190
reconhecida capacidade em seus respectivos setores de labor. Estes administradores
privilegiados pelo ente público angariam poderes, ampliam influência nos cenários econômicos
e sociais, destoando do rol de gestores de negócios em atividades, competências similares, sem
o convívio administrativo estatal. A legislação atual exige idoneidade ilibada para todos os
gestores.
Por mera argumentação, não se admitiria que haveria administradores que pudessem ser
qualificados como inferiores, menos dignos, ou menos capazes para o exercício de funções em
qualquer tipo de uma sociedade empresária, sob o controle exclusivo de capital privado ou não.
O argumento dos adversários da sociedade de economia mista, repetindo Ripert, uma vã
tentativa de “conciliação do inconciliavel”. Eunapio Borges não lhes da razão, afirmando que
os dois interesses, o público e o privado, se completam e se harmonizam, sem que haja
verdadeira oposição entre eles, “sem as exorbitâncias que tornam condenavel a busca
desenfreada e sem limites de um lucro insaciável, procurado por quaisquer meios, como um
fim em si. Não havendo nenhum antagonismo fundamental e irredutível entre o interesse
público e o interesse privado, a fundirem-se no caminho da economia mista, “não se pode
obscurecer as dificuldades com que se defrontam os juristas – os do direito público e o direito
privado”. E, utilizando-se de imagem traçada por Ascarelli340, ressalta, que em tais
circunstâncias o Estado não pode abdicar totalmente das prerrogativas do poder, que lhe cumpre
usar na tutela do bem comum.
O pronunciamento de Eunápio Borges conduz ao entendimento teórico sobre a natureza
jurídica da sociedade de economia mista, por considerar as características que estruturam a
referida sociedade, porque esta diante de uma entidade “hibrida”, por não se encontrar
perfeitamente definidas ou delimitadas as zonas de influência do direito público e ou do direito
privado nessa esfera de negócios.
O entendimento esposado por Jolly341 é no sentido:
[...] de que importad estabelecer claramente que a Contribuición del capital
privado no neutraliza el régimen público o administrativo de entidade. Esa
contribuición, cuando más, explica la adjetivación de esta classe de entidades
“mixtas”. La mera concurrencia del capital privado, para la prestación de un
servicio público subordinado al régime del derecho público, no puede
desnaturalizar este régimen [...].
340 ASCARELLI, Tulio. Problemas das sociedades anônima, p. 155. 341 Jolly. Des Conditions dans lesquelles l’Etat, les Départaments, les Comunes et les Établissements Publics
peuvent jouer le rôle d’Actionnairs. Paris, 1928, p. 149, apud Basavilbaso, ob. cit. p. 199.
191
Essa afirmação gerou controvérsia, por entender a contribuição do capital público,
minoritaria ou majoritaria, na formação da sociedade de economia mista, não “neutraliza” o
regime de direito privado da sociedade. A participação minoritária de entidade de direito
público, no capital de uma sociedade por ações, não é de molde a desconfigurar a existência de
uma sociedade de economia mista. Entretanto, por outro lado, entende-se que as características
predominantes, e porque não dizer determinantes, de tal sociedade são representadas não só
pela presença de controle majoritário por parte do Poder Público, como também a participação
efetiva deste na administração do negócio.
Dentre os autores não brasileiros que estuda as sociedades de economia mista, está
Zwahlen342, afirmando que:
Ao aparecer, a sociedade de economia mista conquistou simpatias gerais. Via-
se nela um corretivo feliz à gestão puramente egoística dos particulares e à
gestão somente pelo Estado, das empresas de interesse geral. Louvava-se esta
fórmula porque permitia tomar a cada um desses sistemas o que ele tinha de
bom. Não dando, nem a economia privada nem a economia pública, resultados
absolutamente satisfatórios, a economia mista deveria certamente construir
solução ideal. Hoje, este entusiasmo já está bem atenuado; a economia mista
atingiu seu apogeu e tendo a ceder lugar a outros modos de utilização, pelo
Estado, das sociedades comerciais, tais como a sociedade pública de um só
membro e a sociedade de pessoas jurídicas de direito público, segundo uma
evolução que ficou demonstrada [...] .
A obra de Zwahlen editada em 1935, época que o Brasil não tinha experiência com esse
tipo de sociedade, acentuando que em pleno século XX, nos países europeus de economia
altamente industrializada, não existia problema de escassez de capitais, o que não sucedeu com
outros países, o Estado brasileiro entendeu necessária essa construção jurídico-empresarial para
alguns setores, encetando uma ação supletiva, proporcionando iniciativas de infraestrutura em
outros setores, numa plêiade de benefícios, para harmonizar a indústria e o comércio nacional.
Assevera Zwahlen:
Na nossa opinião, entretanto, - e a experiência o demonstrou, - esta associação
entre o Estado e os particulares não pode, senão excepcionalmente, conduzir
a bons resultados. Uma associação não beneficia, com efeito, a todos os
associados senão quando eles visem a um fim comum, ou, pelo menos, a fins
análogos, excluída a oposição entre uns e outros. Ora, em uma empresa de
economia mista, os fins visados pelo Estado e pelos particulares são
diametralmente opostos; eles se excluem reciprocamente. O capitalista
particular não tem em vista senão seu interesse pessoal; ele quer lucros
elevados que lhe assegurarão bons dividendos e procura fixar o preço de venda
mais alto que a concorrência permita, se ela existir. O Estado, ao contrário,
342 Henry Zwahlen professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Lousanne, que Britto Davis
reproduz trechos da sua obra intitulada “Des Societés Commerciales avec Participation de l’Etat”, 1935.
192
intervém com a intenção de salvaguardar o interesse geral, seja o dos
consumidores ou o dos utentes; ele se esforça, então, para manter o preço de
venda em níveis baixos. Nasce, assim, entre os dois grupos de associados, um
conflito irredutível, no qual um deles será inevitavelmente a vítima. Nesse
caso, ou são os particulares que empolgam a direção, e a empresa passa a ser
dirigida com fim lucrativo, como uma empresa privada; ou o Estado tem êxito
em fazer prevalecer o ponto-de-vista favorável à comunidade e, nessa hipótese
são então os particulares que não alcançam os proveitos que tiveram em vista
ao investirem os seus capitais. Se as forças desses dois grupos de associados
mais ou menos se equilibram, a oposição de interesses subsiste e surge o risco
de sua repercussão sobre a direção da empresa, de consequências sempre
lamentáveis; os conflitos se repetem continuamente e, são resolvidos ora num
sentido, ora noutro, comprometendo, assim, a unidade da direção. A empresa
passa a ser, então, um corpo com duas cabeças, ou para usar uma expressão
de Fayol, “um monstro que não vale a pena viver.
A opinião do jurista suíço teoricamente alcança de certa forma a contemporaneidade, não
perde por completo o sentido do pensamento, o que assim não se entendia na década de sessenta
do século passado, e o que ainda se exercita no país.
Os inconvenientes apontados por Zwahlen poderão ser evitadas em países onde a
participação estatal nas empresas é feita geralmente sob a forma de controle majoritário, ou
seja, quando o Poder Público, via de regra detém no mínimo 51% do capital votante.
No Brasil a associação entre Estado e particulares deu e têm dado frutos em determinadas
ocasiões, apesar das críticas dedicadas a situações, setores considerados precários para atender
o interesse empresarial. Contudo, tais censuras não podem levar ao abandono as boas
experiências que proporcionaram resultados satisfatórios em determinados seguimentos
econômicos, em um bom convívio com o mercado. O resultado das que foram bem colhidas
nesses anos, talvez necessita de uma readequação, que não seja de uma restrição generalizada,
desde quando o incentivo seja complementado para um exercício efetivo em benefício do
desenvolvimento socioeconômico nacional em acentuados períodos.
Por isso sempre é bom recordar dos primeiros tempos, quando da pretensão de implantar
a sociedade de economia mista no Brasil, questionamentos houveram a respeito da
possibilidade da coexistência da sua organização administrativa com o sistema legal vigente.
Esse questionamento, provocou a indagação, se o Poder Público estaria devidamente
aparelhado para coibir abusos como os referidos por Zwahlen, essencialmente, dentre outros,
como os afetados pela corrupção, lucros desviados, preços distanciados do mercado e violação
à economia popular. Muitas respostas advieram e foram experimentadas pela sociedade
brasileira, ao que parece ainda não está suficiente, para decidir através de certas apologias,
193
programas eleitorais, mas que realmente devem ser implantados para efetivamente alcançar
resultados políticos escolhidos para bem legislar e governar.
Verifica-se que a depender do sistema reinante, o Estado possui o efetivo controle das
empresas estatais, inclusive as de capitais mistos, podendo com facilidade impedir as aludidas
más práticas, como as de abuso do poder econômico, pois as leis aí estão para serem cumpridas,
foram feitas para observar seus desideratos e serenar os anseios ou ânimos inflamados.
Qualquer interesse egoístico de acionistas, quer seja do Estado acionista, dos acionistas
privados, ou de representantes, implantados na direção, na administração da sociedade de
economia mista, deverá esbarrar na legislação protetiva, com a intransigente determinação do
Poder Público, através dos seus gestores, administradores por ele nomeados ou eleitos visando
a defesa da coletividade, do bem-estar público, aproximando-se do conceito jurídico de
sociedade de economia mista oferecido por Barros Leães, uma reflexão sobre os interesses
público e privado343.
Consta que no Brasil os interesses privatísticos praticados de forma direta ou
indiretamente, utilizando a sociedade de economia mista, quando em movimento contrário aos
interesses da coletividade não podem ser justificados, e que qualquer cidadão tem legitimidade
para pleitear reparação de prejuízo de uma sociedade de economia mista, gerando o alerta que
o investidor privado deve considerar solidamente a advertência para estar vigilante ao investir
em empresas sob controle estatal, estar fadado ao malogro, face as possíveis práticas, abusos
referidos por Zwahlen, sintonizando com Kaeppelin344, apregoando a cautela para que se
examine atentamente os estatutos da companhia, as justificativas e lastro estratégicos das
politicas públicas do governo com suas exposições de motivos. A recomendação, ou lastro à
criação da companhia, é para conferir se as mesmas não estão assentadas sobre um elemento
343 BARROS LEÃES, Luiz Gastão de. O conceito jurídico de sociedade de economia mista.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/26726/25594 . Para não fazermos referencia a
todos os diplomas legais que consubstanciam o estatuto legal das sociedades de economia mista em nosso País,
recordemos, entre outros, o artigo 141, § 38, da Constituição federal de 1946, que dispõe sobre a chamada “ação
popular”, pela qual qualquer cidadão sera parte legitima para pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos
lesivos do patrimônio das sociedades de economia mista; o Decreto-Lei n. 6.464, de 2 de maio de 1944 (artigo
1.0), em que se permite as sociedades, cuja maioria das ações ordinárias pertença a pessoas jurídicas de direito
publico, a emissão de ações preferenciais em qualquer quantidade; o Decreto n. 50.068, de 8 de fevereiro de 1961,
que dispõe sobre os depósitos bancários obrigatórios dos institutos de previdência e de outras autarquias federais,
bem como de sociedades de economia mista com preponderância do capital do Governo, no Banco do Brasil S/A;
o Decreto nº.
54.018, de 14 de julho de 1964, que reorganiza o Conselho Nacional de Política Salarial,
estabelecendo normas sobre a política salarial dos empregados de sociedades de economia mista, de que a União
ou qualquer de suas autarquias detenha a maioria do capital social, etc., etc. 344 KAEPPELIN, Roger. Le Systeme dit “d’économie miste”dans les enterprises publiques en Allemagne. Rev.
dӎcon. Polit., 1920, p. 568, apud Bilac Pinto, R.F. 146/12.
194
absolutamente indispensável. Que esteja presente a confiança recíproca animando os
associados, e repelindo a aproximação daquele espírito com segundas intenções ou reticências.
O entendimento esposado por Kaeppelin mostra que as partes devem estar atentas a união
pretendida, se a contratação tem algum caráter transitório, mesmo a considerar quando uma
parte tem necessidade do capital e ou da experiência industrial e comercial, que visem uma
consolidação de interesses das pessoas como acionistas nas sociedades, o que não impede a
transitoriedade que alude o referido autor, levando à compreensão de que enquanto existir a
affectio societatis, a sociedade perdurará, apesar da admissão que as sociedades comerciais são
como os indivíduos, nascem, vivem e morrem.
Adverte Seabra Fagundes345 em parecer sobre a “histórica” ‘F.N.M.’346, quanto a
admissibilidade da aplicação da lei das sociedades anônimas nos pontos que tratam da
autorização para regência da empresa estatal, o modo que da aplicação da lei comum sobre as
sociedades mercantis, naquilo que for omissa a lei especial, o receio de recorrer ao direito
privado no propósito das relações e participação do Estado. Colhe-se em Seabra Fagundes e
Britto Davis, o apoio vindo de Arena347:
Se nada impedia o legislador de ir mais longe ao derrogar a Lei de Sociedade
por Ações, caso fosse intuito seu emprestar à sociedade de capital misto
características mais distantes do tipo padrão de sociedade comercial, e ele
preferiu restringir-se a umas disposições especiais, há de entender-se que agiu
deliberadamente, com o propósito de preservar, ao máximo, a estrutura e o
sistema de funcionamento prescrito pelo direito comum, às sociedades do tipo
adotado.
Do acima exposto, vale conferir as análises desenvolvidas por Arno Schilling
considerando que a sociedade de economia mista é uma instituição moralmente frágil, porque,
quando está a exercer alguma atividade mercantil, faz por concessão de um serviço público,
entendendo que é natural se crie uma situação anômala, complicada na prática e prenhe de
conflitos, por estar atenta a posição do Estado, que é, ao mesmo tempo, acionista da sociedade,
e, na qualidade de poder concedente, apresenta-se como titular das faculdades de controle e
fiscalização.
Argumenta-se que o governante público pode nomear, eleger os administradores da
companhia porque possui participação com capacidade de a sociedade anônima mista, não
345 FAGUNDES, M. Seabra. Parecer emitido em 16/10/1951, in R.F., volume 146, p.p. 86/91. 346 Ficou famosa Fábrica Nacional de Motores, conhecida pela sonoridade nordestina, - sotaque – fonemas,
pronunciada “fênêmê”, face o emblema que ostentava na parte frontal dos veículos, caminhões que trafegavam, à
época, nas péssimas rodovias nacionais. 347 ARENA, Andrea. Le Società Commerciali Pubbliche, 1942. Giuffre, p. 257..
195
significa que a empresa irá operar inteiramente livre das peias e dos controles administrativos
exercidos sob a autoridade pública, desde quando, a moderna técnica de Administração Pública,
com os controles dos mais diversos, pode exercitar procedimentos por órgãos próprios e
subordinados, não por um só, mas por vários Ministérios e Tribunais, os quais além de fiscalizar
possuem mecanismos de não apenas freios, obstáculos, proibições e impedimentos a possíveis
práticas que possam coibir condução a uma “situação anômala”, aludidos por Arno, sobretudo,
porque a companhia através dos seus órgãos e gestores podem e devem previamente procurar
preservar os interesses dos acionistas e da própria companhia, evitando danos de logo acontecer,
aplicando a devida censura.
É inegável que os conceitos jurídicos até então desenvolvidos sobre a exploração das
atividades econômicas pelo Poder Público, quando de interesse coletivo, os conceitos jurídicos
são pouco determináveis, uma vez que o direito administrativo trata do assunto usando
conceitos abertos, o que proporciona uma escolha pela autoridade administrativa348. Há de
observar que não se trata propriamente de discricionariedade escolher o administrador ou
membros dos órgãos da companhia, visto que a lei349 não confere uma livre escolha dos
gestores, uma vez que os ditames legais preveem escolhas entre cidadãos de reputação ilibada
e de notório conhecimento, dentre outros requisitos.
A legislação ao dispor sobre a necessidade de um currículo compatível destacando a
idônea experiência do gestor no campo da atividade empresarial, é exatamente para
impossibilitar a admissão, a escolha de pessoa incompetente e inidônea para integrar os quadros
da companhia. Assim procedendo, inclusive, atende o requisito da mobilidade previsto no
sistema jurídico, proporcionando acolher o requisito técnico para a condução de obtenção de
resultados positivos, alinhando a evolução empresarial ao princípio da legalidade, essencial
presença nas atividades da Administração Pública.
Ressalta Seabra Fagundes350 o fato de que os princípios são extensivos a todas as
atividades estatais, e que a submissão à ordem jurídica não atinge apenas os atos do Poder
Executivo, porque as atividades estatais devem estar sempre os exercitando. Portanto, é de
observar que o Estado nascido de um ato institucional limitativo da sua atividade e tem por
finalidade a edição e realização do direito, necessariamente deve se conformar à ordem jurídica.
O desenvolvimento da sua ação, é uma característica que permite ao Direito Econômico
348 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar – 2016: pp. 218-219. 349 Lei nº. 13.303, de 30 de junho de2016. 350 FAGUNDES, Seabra. Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, Forense – 1957, p. 113 e 114.
196
estabelecer um dinamismo, que é entendido como inerente à atividade econômica,
possibilitando mudanças notadamente quando o Estado intervém na exploração de atividade
econômica através da sociedade de economia mista, que também imprime a forma de empresa
pública para atender o interesse coletivo.
Relevante mostrar que no âmbito do interesse coletivo, está presente a dinâmica das
oscilações no tempo e espaço, de modo a justificar a instituição da sociedade de economia mista
em determinado momento, como pontifica entendimento do Poder Judiciário expresso no
acórdão do Excelso Supremo Tribunal351.
Obviamente, mesmo com os entendimentos jurisprudenciais que podem levar a
interpretações divergentes, o que não deve ser motivo de preocupações, desde quando o
controle dos atos administrativos pela via judicial, existe e é exatamente para proporcionar
tranquilidade aos jurisdicionados. Com um Poder Judiciário apoiado em um sistema judicial
justo, apto para bem examinar e reparar quaisquer desvios da administração pública, cuja
incumbência é para decidir sobre situações em que o Estado esteja intervindo direta e ou
indiretamente na economia sem a devida fundamentação, evitando-se ilicitudes e injustiças352.
O exame sob um sentido restrito de conjugação de capitais públicos e privados, para
consecução de fins de interesse coletivo, senão, ipso facto, é possível a constituição da
sociedade de economia mista com participações estatal e particular, confeccionada de outro
modo que se detém no princípio da liberdade de eleição fundado no Direito Público ou do
Direito Privado.
A doutrina que se dedica ao estudo do fenômeno da privatização, apresentando a
liberdade de escolha das formas de atuação ou do direito aplicável que traduz a possibilidade
de subordinar uma entidade jurídico-pública quer ao Direito Administrativo, quer ao Direito
Privado, portanto, exercitando a função administrativa através dos instrumentos jurídicos
próprios do Direito Administrativo ou, ao invés, dos instrumentos jusprivatísticos. Por outro
lado, a liberdade de escolha pode revelar-se quanto às formas de organização. Neste caso, a
liberdade respeita à opção entre a personalidade jurídica pública e a personalidade jurídica
privada353.
351 STF, DJ – 15/9/1995; ADI 234/1, RJ. Rel. Min. Néri da Silveira. 352 Alexandre Herculano (apud Adroaldo Mesquita da Costa, in “Parecer nº. 184-H, de 7-5-1965): “Só não muda
de opinião quem opinião não tem”; bem como a de Manoel de Oliveira Lima no seu “D. João VI”: “A inconstância
nem sempre é fraqueza e a incoerência muitas vezes é inteligência”. 353 COXO, Ana Raquel Cadavez Gouveia. O Direito Administrativo Privado – contributos para a compreensão do
direito sui generis. Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Porto para cumprimento
197
A manifestação de Hely Meirelles354 é no sentido que:
Não se infira, porém, que toda a participação estatal converte o
empreendimento particular em sociedade de economia mista. Absolutamente,
não. Pode o Estado subscrever parte do capital de uma empresa, sem lhe
atribuir o caráter paraestatal. O que define a sociedade de economia mista é a
participação ativa do Poder Público na vida e realizações da empresa, Não
importa, seja o Estado sócio majoritário ou minoritário; o que importa é que
se lhe reserve, por lei ou convenção, o poder de atuar nos negócios sociais”.
Perfeito, assim também o entendemos, apesar de ressalvarmos a expressão
“paraestatal”.
A posição de Hely Meirelles tem afinidade com Aliomar Baleeiro355, aproveitando o
entendimento de Bielsa:
Claro que não se transforma em sociedade mista qualquer sociedade anônima,
fundada e controlada por particulares, pelo fato de o Estado possuir
eventualmente algumas ou várias ações dela. A instituição por lei, a maioria
do capital governamental, o escopo público ostensivo ou indireto, a diretoria
nomeada pelas autoridades, o controle por estas, os privilégios legais,
inclusive isenções, enfim a própria declaração da lei que a empresa
desempenha serviço público – tudo isso caracteriza a sociedade mista e a
distingue da simples sociedade na qual o Estado acidentalmente possui ações.
E Cavalcanti356 acentua que o: “[...] Estado acionista é o Estado revertido de todos os
característicos da pessoa privada”... “embora tenha um predomínio numérico no capital da
sociedade”. E, depois de enumerar entre os elementos constitutivos das sociedades de economia
mista, afirma que o modelo é “[...] a estrutura de direito privado, quase sempre sob a forma de
sociedade anônima”, e adverte:
É evidente, porém, que qualquer que seja o grau de integração na vida
administrativa do Estado, qualquer que seja a intensidade da penetração do
interesse público na vida dessas empresas, elas não podem perder a sua
qualidade de direito privado, enquanto, conservarem a estrutura de uma
sociedade civil ou comercial, isto é, a forma da entidade de direito privado.
Entende-se que mesmo havendo penetração eventual do interesse público na vida
societária, e até mesmo que o investimento público seja em caráter transitório ou acidental, num
período relativamente curto ao status quo ante, não se estaria diante de uma sociedade de
economia mista. Pelo entendimento de Leopoldo Braga357, a predominância do capital público
não modifica o caráter privado inerente à empresa mista; sendo essa, informa ele, a orientação
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Direito. Julho, 2013, p. 17. 354 MEIRELLES, Hely L. . Direito Administrativo. 355 BALEEIRO, Aliomar. Parecer, in R.F. vol. 190-56. 356 CAVALCANTI, Temistocles. Tratado de Direito Administrativo. 2a. ed., 1949, vol. IV, pp. 334, 337 e 338,
apud L. Braga, “RDPG-EG, nº. 12-86. 357 BRAGA, Leopoldo. In RDPG-EG, nº. 12, p.p. 89-90.
198
tradicional do direito brasileiro, “em harmonia com a melhor doutrina, dominante, a bem dizer,
no mundo inteiro, e da qual quase só se registram dissidências no direito argentino358. E
continua: mesmo as chamadas empresas públicas, de um só membro, não perdem
absolutamente o seu caráter de pessoas de direito privado, pela razão de serem todas as ações
de propriedade do Estado.
Treves359 conceitua a empresa pública moderna como sendo un’impresa privata
dell’ammisnistrazione ... per ilraggiungimento di un fine di interesse pubblico ... enti privati
possono agire per fini di interesse coletivo (apud L. Braga, ob. cit., páginas 88 e 91).
A compreensão de Nonato360 exposta no parecer lavrado em novembro de 1962, faz saber
que:
A empresa mista aparece sempre como processo de intervenção do Estado na
gestão da empresa privada. E essa intervenção não na desnatura, posto venha
o Estado, como acionista maior, a ter a direção da empresa. Como disse
Meschini, essa intervenção é “meramente acidental” e não pode ser elevada
“a elemento distintivo e qualificativo de sua natureza jurídica”. Aliás, essa
intervenção avulta, segundo alguns, como elemento conceitual da sociedade
de economia mista.
O supracitado autor assevera que até mesmo as chamadas “sociedades públicas de um
só membro”, em que o ente público se apresenta como único acionista, conservam a sua
personalidade jurídica de direito privado, e reproduz a opinião de Marcel Waline361:
Mais juridiquement ce sont toujours des sociétés de commerce, astreintes aux
lois commerciales non seulement pour leus organisation aux tiers clientes ou
fournisseurs, tout cela est régi par le droit comercial, et l’on le principal
actionnaire se trouve être L’Etat.
E Braga após referir-se ao conceito de Michelle Fragalli, de que “[...] en la sociedad de
economía mixta no se encuentra ninguna característica de la persona jurídica de derecho
público, ni se trata de un tipo especial de sociedade”362, salienta:
Luigi Raggi, em cujo parecer a “característica indefectível” da pessoa pública
é o poder de império (ius imperi) exercido em nome próprio, reconhece que o
Estado pode interessar-se na constituição de pessoas jurídicas privadas,
fornecendo-lhes até o patrimônio necessário, mas lhes conservando sempre a
personalidade privada quando não exerçam um verdadeiro serviço público,
358 Idem – BRAGA. Op, cit. Concepção de alguns autores helvéticos, entre os quais avulta Raymond Racine
(L’Entreprise Orivée au Service des Nationalisations”, Neuchâtel, 1958), em certa corrente juristas belgas
liderada por Buttgenbach (“Théorie Générale des Modes de Gestion des Services Publics en Belgique”, Liege,
1952) e numa pequena minoria de autores franceses. 359 TREVES, Giuseppino. Le Imprese Pubbliche. Turim, 1950. 360 NONATO, Orozimbo. Parecer de novembro de 1962. 361 WALINE, Marcel. RDPG-EG, nº. 12/125. 362 Na empresa de economia mista, não existe uma característica da pessoa jurídica de direito público, não se tarta
de um tipo especial de empresa. (Tradução livre, pelo autor); ob. cit., pág. 130.
199
mostra que existem pessoas jurídicas que satisfazem a interesses coletivos e
não são públicas, exemplificando com a sociedade comercial anônima, que è
persona di diritto privato, sebbene attenda ad un esercizio d’interesse
pubblico” citando, em especial, o caso da “Società dei Trams Elettrici di
Genova” e dos aquedutos Nicolay e Galliera; e tem por exato o critério de que
non sono certo pubbliche le persone che perseguono un interesse econômico privato (“Diritto Admmnistrativo”, 2a. ed., Pádua, 1953, vol. IV, págs. 103,
194 e 107).
Destaca Oliveira Filho363 que não se pode confundir as empresas de interesse público,
que denomina de “serviços públicos aparentes”, por entender que não são de ordem particular
– são aqueles que correspondem à intervenção do Estado no domínio econômico, “quer
organizando empresas em concorrência com as organizações particulares, quer
monopolizando determinada indústria ou atividade”, aliando à liberdade que tem, e deve ter o
Estado para a realização de seus fins, escolhendo as formas e processos de direito público, ou
de direito privado, criar ao seu alvedrio entes públicos ou entes privados.
Braga transmite a seguinte lição de Treves364:
Ma in realtà, per conseguire un dato fine, l’Ammninistrazione può speso
scegliere fra il procedimento a lei riservato dal diritto pubblico a quello
offertole dal diritto privato ... ... Ma per soddisfare um dato interesse pubblico
nel campo econômico lo Stato può creare tanto enti pubblici che enti privati,
seguendo ragioni di convenienza.
Face a oportunidade, a conveniência, o interesse da administração pública para atingir um
determinado fim, passou o Poder Público a escolher o processo reservado ao direito público e
ao que é assegurado pelo direito privado, para que possa bem atender o particular, interesse
público via o campo econômico do Estado, podendo criar entidades públicas e entidades
privadas, de acordo com a conveniência, sintonizando com a realidade. Desse modo, pode-se
entender as críticas daqueles preconcebidamente, fazem com relação a criação de novas
empresas estatais, sob o argumento de que elas promovem a gradativa estatização da economia
brasileira, comprometendo o sistema da “livre iniciativa”, assegurada na Constituição.
Para Wald365:
Efetivamente, a sociedade de economia mista deixa de ser técnica empregada
para a satisfação das necessidades públicas essenciais, neste campo, pela
empresa pública. Mas a companhia mista torna-se uma forma pela qual o
Estado incentiva a produção em caso de insuficiência dos capitais particulares.
Enquanto a nossa doutrina ainda não atinou com essa verdade, o legislador
pátrio já aplicou tal conclusão, com o adiantamento que os homens práticos
têm sobre a companhia da doutrina. O nosso direito positivo já concebe a
363 OLIVEIRA FILHO, João Glicério de. A hierarquização dos princípios da ordem econômica na Constituição
Brasileira de 1988. Tese de doutorado. Universidade Federal da Bahia. Salvador – Bahia - 2012. 364 TREVES, Giuseppino. Le Imprese Pubbliche. Turim, 1950, p.p. 30 e 114. 365 WALD, Arnold. in RF nº. 152, pp. 512 e 514.
200
companhia mista não mais como meio de realizar serviços públicos, mas como
processo de incentivo à produção”...
... “Deste modo, a sociedade de economia mista de outrora, que realizava
serviços, foi substituída pela empresa pública, mas foi dada nova missão à
companhia mista, já agora considerada como técnica de intervenção estatal
para incentivar a produção” ... ... “Por outro lado, o novo destino das
sociedades mistas, já pressentido por Miranda Valverde e assinalado por
Chenot, é a sua transformação em técnica de auxílio à produção, substitutiva
das subvenções, enquanto a empresa pública sucede à economia mista e, mais
remotamente, às concessões, no campo da realidade dos serviços públicos.
Importante analisar a atividade empresarial quando se imiscui no poder público, com o
incentivo à produção, como instrumento para a implantação de política nacionalista, de defesa
das riquezas nacionais ou no combate aos abusos do capitalismo interno e internacional,
encetando a sua utilização como empresa incumbida da captação de recursos advindos da
poupança nacional, convergindo-os para os empreendimentos pioneiros, que demanda
maturidade.
Caetano366 discorrendo sobre as sociedades de interesse coletivo, diz que se tratam de
sociedades comerciais que recebem por lei ou ato administrativo, o encargo do exercício de
certa função pública. Para ele, tais sociedades, formadas como as demais, de finalidades
burocráticas, representam a Administração pública, podendo ficar sujeitas de relações jurídicas
com posição de autoridade na medida em que para elas tenham sido transferidos,
temporariamente, por concessão, os poderes de uma pessoa coletiva de direito público, ou
quando a lei expressamente lhes atribua tais poderes.
Alude Caetano à intervenção do Estado no setor econômico, como fato determinante a
multiplicação de empresas, através das quais a Administração persegue interesses, que o
legislador julgou conveniente introduzir no seu âmbito de ação.
O jurista luso cita o exemplo de sociedades de capitais públicos resultantes de
nacionalização ou socialização de certos setores da vida econômica e das empresas dominantes,
representadas por sociedades anônimas que tem o Estado como único acionista, “verdadeiras
sociedades unipessoais que apenas conservam a orgânica, a flexibilidade e a contabilidade de
sociedades comerciais”; bem como aquelas outras que têm exclusivamente por sócios pessoas
coletivas de direito público, exortando que as empresas públicas e as sociedades de pessoas
jurídicas de direito público tratam-se de “sociedades de capitais públicos”. Diz, igualmente,
frequente em Portugal, as sociedades de economia mista em que o Estado ou outra pessoa
366 CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo, 7a. ed., Lisboa, 1965, p.p. 146-148.
201
coletiva de direito público se associa com particulares no próprio ato de constituição da
sociedade, ou em todo o caso por ato que se integra no pacto social, juntando capitais privados
e públicos, organizando a gerência com representantes dos dois setores.
Sugere Davis que as várias modalidades de empresas estatais se constituem em
sociedades de interesse coletivo, cogitando da descentralização de serviços na organização
administrativa. Já o jurista português acima referido, afirma que a administração
descentralizada se exerce através das autarquias locais, ou seja, várias pessoas coletivas de
Direito Público com a faculdade de praticar atos definitivos e executórios. Estas pessoas não
estão sujeitas a dependência hierárquica. No caso da administração centralizada (concentrada
ou desconcentrada), aquela faculdade de praticar atos está confiada a uma só pessoa.
Caetano não vê um “futuro risonho” na descentralização territorial, à maneira classica do
municipalismo doutrinário, mas é otimista quanto à descentralização institucional ou por
serviços, “que consiste em o Estado entregar a gestão de certo interesse ou feixe de interesses
coletivos a um serviço personalizado e autônomo – isto é, a um instituto público com autonomia
administrativa ou financeira, ou administrativa e financeira”.
Oportuno trazer a colação apontamento com relação a ideologia municipalista como uma
das construções discursivo-programáticas mais antigas e resilientes da cultura política
brasileira, compreendendo que essa resiliência e capacidade de renovação estria associada,
fundamentalmente, à uma ambiguidade de conceito quando o municipalismo adquire em larga
medida o status de “leito de Procusto”367.
Leva-se a crer que Caetano não se refere às empresas estatais, mas tão-somente às
entidades autarquicas, sublinhando que o mencionado “instituto público”, no caso de exercer
atividade industrial, é gerido tanto quanto possível segundo os moldes e processos das empresas
privadas. Em tais casos, o Estado realiza uma administração indireta, pois atribuições suas são
confiadas a distintas pessoas coletivas, e assim versa sobre os novos processos de
descentralização, exercidos por meio da administração corporativa em Portugal e pelas
empresas públicas, prelecionando que:
367 Procusto era um bandido que vivia na serra de Elêusis. Em sua casa, ele tinha uma cama de ferro, que tinha seu
exato tamanho, para a qual convidava todos os viajantes a se deitarem. Se os hóspedes fossem demasiados altos,
ele amputava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama, e os que tinham pequena estatura eram esticados
até atingirem o comprimento suficiente. Uma vítima nunca se ajustava exatamente ao tamanho da cama porque
Procusto, secretamente, tinha duas camas de tamanhos diferentes. Continuou seu reinado de terror até que foi
capturado pelo herói ateniense Teseu que, em sua última aventura, prendeu Procusto em sua própria cama e cortou-
lhe a cabeça e os pés, aplicando-lhe o mesmo suplício que infligia aos seus hóspedes.
202
Modernamente, o alargamento da intervenção do Estado na vida social, em
especial no setor econômico, tem obrigado à adoção de novos processos de
realização dos interesses a seu cargo. Esses processos, porém, nem sempre se
mantêm no quadro jurídico próprio da Administração Pública. O Estado
institui pessoas coletivas com o estatuto do Direito privado a cujas normas
obedecem na sua atuação, salvo alguns aspectos em que a importância dos
interesses por elas perseguidos obriga a abrir exceções nesse estatuto mediante
normas em que se manifestam as prerrogativas da autoridade. Está-se, pois,
perante processos de descentralização da ação do Estado, embora seja
duvidoso que se possa afirmar serem-no de descentralização da Administração
pública na medida em que não existe devolução de poderes.
Os juristas que comentam a opinião de Caetano encaram como uma discussão de um
ponto de vista sobre devolução de poderes, que seria admissível unicamente no caso de
empresas públicas, porém, dizem que doutrinariamente seria impossível em se tratando de
sociedade de economia mista, o que leva Davis368 expressar que:
O Direito Administrativo só tem que ver com esta forma de administração
privada de interesse (sociedade de economia mista) na medida em que na
direção, tutela ou atuação das empresas públicas se apliquem normas
orgânicas ou princípios fundamentais do seu âmbito próprio. E, como ficou
acentuado, ela só representa modalidade da descentralização administrativa
na medida em que as empresas sejam incumbidas de exercício de poderes que
antes pertencessem ao Estado.
Alguns juristas desenvolvem estudos sobre as sociedades de economia mista formulando
indagações a respeito da natureza hibrida ou a contrafação do instituto de direito privado, com
alusão a empresa estatal no âmbito do direito brasileiro, somente considerando como sociedades
mistas aquelas criadas por lei, para o exercício de atividade de natureza econômica, sob a forma
de sociedade anônima, tanto assim que alguns autores entendem que não seria necessária a
forma anônima para a constituição da sociedade mista, entendendo que o Estado pode utilizar
o tipo das sociedades limitada.
O Supremo Tribunal Federal, pelo voto do Ministro Osvaldo Trigueiro 369, decidiu que:
“[...] a partir do Decreto-Lei 200, esta controvérsia já não tem razão de ser; legem habemus, e
contra ela não podem prevalecer atos legislativos anteriores de igual categoria ou inferior, nem
as preferências dos tratadistas”.
O Consultor-Geral da República, Rafael Mayer, opinando no processo 019/77, afirmou
que:
[...] a definição legal corresponde a uma concepção doutrinária aceite e
constitui a tônica do sistema. Para que a empresa se qualifique, legalmente, de
368 DAVIS, op. cit. 369 R.T.J., v. 69.
203
economia mista, não basta que atenda aos requisitos substanciais que o
coloquem no plano de intervenção do Estado na ordem econômica em que
assegure o controle majoritário de entidade estatal.
É preciso, notadamente, a observância de um requisito formal, conditio sine qua, ou seja, a criação autorizada em lei especial, inclusive para excepcionar,
na hipótese, a regência comum da legislação das sociedades por ações”370.
Os que dissecaram o aludido parecer entenderam que o assunto nele contido restringia-se
à participação da sociedade de economia mista entre outras sociedades, e que a autorização
legislativa poderia ser concedida na própria lei que instituiu a sociedade participante ou
adquirente do capital da sociedade privada, sempre em lei que autorizasse a participação371.
Para João Pinheiro Lins ao aceitar em parte a opinião de Luiz Rafael Mayer, que a criação
das mistas deve ter autorização legislativa, lançando entendimento que em face do que se
apresentava na legislação contemporânea ao estudo de 1979, inconsistente qualquer discussão
sobre a possibilidade de considerar as sociedades de economia mista como entidades públicas,
embora não se desconheça, nem se infirme a sua “substancia estatal”. Por isso, e apesar de tudo,
não considerou impertinente destacar que tais organismos são tratados, mais das vezes, como
se fossem órgãos de administração direta. Opinam que pelo Decreto-Lei 200/67, compreende-
se que os órgãos de administração direta e indireta, a exemplo da sociedade anônima, conquanto
o seu artigo 19 submete aqueles órgãos à supervisão do ministro de Estado competente, aditam
que o artigo 242, da Lei nº. 6.404/76, exclui as sociedades de economia mista do processo de
falência a que toda empresa privada está sujeita.
Enfatizou Pinheiro Lins que a Constituição de então, no § 2º do artigo 170 declarava a
exploração pelo Estado, a atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades de
economia mista reger-se-ia pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao
direito do trabalho e ao das obrigações. Considerava que esta mistura de conceitos e de posições
arranhavam o elo privatista, e chegou a considerar inconstitucional o artigo 242 da Lei das S.A.,
porque a Constituição determinava que as sociedades mistas, reger-se-ia pelas normas
aplicáveis às empresas privadas, acima enfatizado, no que abrangeria disposições de direito
falimentar, entendendo que a Constituição não excepcionou, porque não concedeu nenhum
privilégio às empresas públicas ou às sociedades de economia mista, pelo contrário.
O entendimento acima que as sociedades anônimas, empresas privadas, estão sujeitas ao
regime falimentar, as sociedades mistas também por estar no mesmo pé de igualdade, não
370 Processo 019/C/77-PR 3.644/77. 371 PENTEADO, Mauro Rodrigues. As sociedades de economia mista e as empresas estatais perante a Constituição
de 1988”, Revista de informação legislativa – vol. 26, n. 102, abr./jun. 1989.
204
havendo justificativa a inferioridade do credor de uma sociedade de economia mista, inclusive
porque esta tem patrimônio próprio, e o Estado é o proprietário dos bens da sociedade de
economia mista, e ele será sempre mero credor.
Afirma Matheus Carvalho372 que inicialmente as Empresas Públicas e Sociedades de
Economia Mista não estão sujeitas à falência, conforme determina o artigo 2º da Lei 11.101/05.
Com efeito, a lei de falências e recuperação judicial, expressamente, afasta a sua incidência
quando se tratar de empresas públicas ou sociedades de economia mista, não fazendo qualquer
distinção em relação à natureza das atividades prestadas. Concordando com o entendimento
estampado na lei, Marçal Justen Filho mostra que “a falência é uma causa de dissolução da
empresa derivada da insolvência, visando à liquidação de seu patrimônio, ao pagamento de seus
credores em situação de igualdade e à posterior extinção. E que não pode haver falência de
empresa estatal, porque somente a lei pode determinar sua criação, dissolução ou extinção”.
Defende ainda o referido autor que é incompatível com as empresas estatais a realização
da falência pelo fato de que, nesses casos, o controle da empresa deverá ser transferido para um
particular designado como administrador judicial para dirigir os atos finais da entidade. Sendo
assim, suspende-se o controle dos sócios da falida, entregando a condução de suas atividades a
um particular. Por fim, explicita que em relação às empresas estatais, o Estado tem
responsabilidade subsidiária, o que torna impossível a realização do procedimento da falência
nos moldes definidos na lei de gestão do instituto.
Ocorre que o art. 173, §1º, II, da Constituição Federal define que as empresas estatais que
atuam na exploração de atividades econômicas se sujeitam ao mesmo regime aplicável às
empresas privadas, no que tange às obrigações civis e comerciais. Desse modo, estaríamos
diante de uma aparente incompatibilidade da lei com o texto constitucional, haja vista o regime
falimentar das empresas particulares se configurar regramento comercial, devendo, portanto,
ser estendido a estas entidades da Administração Pública, ressaltando que, em relação a este
tema, tem sido formada uma doutrina administrativa que entende pela aplicação da lei de
falências quando estas entidades forem exploradoras de atividade econômica. Isso porque o
texto constitucional determina que elas, necessariamente, seguirão o mesmo regime aplicável
às empresas privadas.
Pelo exposto, o entendimento mais razoável seria o de que o art. 2º, I da Lei nº. 11.101/05
deve sofrer interpretação conforme a Constituição Federal. Nesse sentido, passa-se a entender
372 CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. JusPodivm, 2014.
205
que a legislação, ao afastar a incidência do regime falimentar para as empresas estatais, quis
definir somente que tal regime não se aplica às empresas estatais que atuem na prestação de
serviços públicos. Ainda se relembre, como forma de rebater o entendimento doutrinário
contrário, que a responsabilidade subsidiária do estado por danos causados pelos agentes das
empresas estatais somente se configura em casos de entidades que atuam na prestação de
serviços públicos.
Em casos de exploração de atividade econômica, não há que se falar em responsabilização
subsidiária do ente estatal. Logo, conforme esse entendimento, a legislação de falências não se
pode aplicar às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços
públicos, inclusive porque há impenhorabilidade dos bens atrelados à prestação do serviço,
sendo impossível a concorrência de credores. No entanto, no que tange às empresas estatais que
exploram atividades econômicas, será plenamente aplicável o regime de falências e
recuperações, em observância ao disposto na Carta Magna.
Nesse sentido Celso Antônio Bandeira de Mello opina que: “quando se tratar de
exploradoras de atividade econômica, a falência terá curso absolutamente normal, como se de
outra entidade mercantil qualquer se tratara. É que, como dito, a Constituição, no art. 173, §1º,
II, atribuiu-lhes sujeição ao ‘regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto
aos direitos e obrigações civis, comerciais (…)’. Disto se deduz, também, que o Estado não
poderia responder subsidiariamente pelos créditos de terceiros que ficassem descobertos, pois,
se o fizesse, estaria oferecendo-lhes um respaldo que não desfrutam as demais empresas
privadas”.
Desta forma, não obstante a divergência acerca da matéria, o entendimento que respeita
as disposições constitucionais e é adotado nesta obra, é o de que a aplicação da lei de falências
às empresas estatais que exploram atividade econômica se impõe373/374.
Nas décadas da segunda metade do século XX os governos estaduais passaram a estimular
a centralizar o poder face a certa permissividade politico social, abusando de fórmulas e
desvirtuando os modos, o conceito e os objetivos das sociedades de economia mista sem dar
importância aos aspectos jurídicos destas, usando-as como função politica, a exemplo, como
aconteceu com os bancos estatais controlados pelo estado-membro. Muitos críticos lembram
373 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 26a. ed., 2009. 374 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Fórum, 14a. ed., 2009.
206
que essas empresas gozam de privilégios e algumas vezes até de monopólio, não podendo ser
consideradas entidades de direito privado.
Diz João Pinheiro Lins que esse tratamento é fruto da contrafação das sociedades de
economia mista, arvorando-se em órgãos sociais quando implantam e aprovam objetivos sociais
assentados nos estatutos daquelas entidades mediante decreto, desconsiderando que tal
atribuição é da Assembleia Geral. Uma vez que: “Para qualquer plano governamental a que se
queira dar ênfase, cria-se uma sociedade de economia mista, mesmo que o seu objeto não seja
aquele aos “fins visados pelo Estado”. A justificação é sempre o aproveitamento da capacidade
empresarial privada, embora os integrantes das administrações desses órgãos, por vezes, ou na
quase totalidade, não possuem vivência empresarial. E no que concerne a remuneração dos
administradores das empresas públicas, entende que duas mentalidades antagônicas estão
presentes: a do empresário privado e a do administrador público.
Definida a sociedade de economia mista o governante recruta e habilita pessoas,
transformando-as, e permitindo que se tornem administradores como no âmbito da empresa
privada. Algumas posturas da sociedade de economia mista sujeitam-se desde a sua criação, ao
molde de sua constituição, dentro de uma política própria para atender a um determinado fim
social, muitas vezes numa concepção que objetiva ou persegue resultados sociais mais
específicos, abdicando da lucratividade, desde quando, efetivamente os esforços e objetivos são
declaradamente “a fundo perdido”.
O Estado pode e muitas vezes deve levar a fundo perdido o custo operacional visando o
bem comum, num exercício do múnus próprio do Poder Público, não exercitando a força
empresarial em desfavor do participe privado da companhia, ou dos seus condutores. Nos trinta
anos que precederam o final do século XX, muitas foram as criações dadas para atender
objetivos de desenvolvimento em atividades sociais e negócios sociais “a fundo perdido”.
O Estado com recursos próprios e com apoio financeiro de entidades não-governamentais,
inclusive de origem internacional, cumpriu projetos de saneamento básico, atendimento a
implantação de programas habitacionais a ‘custo zero’, consoante políticas públicas de
erradicação das habitações denominadas de subnormais e assemelhadas.
Resume Pinheiro Lins que o Estado deve intervir em certas situações quando o interesse
econômico público visa a proteção da coletividade, como as questões que envolvem a segurança
nacional e a liberdade.
207
Não obstante, a sociedade de economia mista é vista e considerada perdulária, numa
prática de auto violência aplicando aportes estatais, partidas de atos governamentais, muitas
vezes, desproporcionais e sem a devida atenção econômico-financeira. Por isso, existem
argumentos de que essas sociedades não devem ser submetidas a fórmulas para investimentos
públicos, desde quando o governo possui e deve utilizar dos instrumentos necessários, próprios
para ocupar espaços sem a constituição de empresas públicas, lançando bônus ou títulos de
participação como aporte de capital, na hipótese, enfim, de um sem número de títulos de crédito
que a necessidade e a imaginação criadora de “plantão” a justificar. Tal entendimento segundo
os críticos, não pode ser endossado, especialmente porque pode dar asas à imaginação criadora
do governante, que tantas desgraças podem impingir à nação.
A Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ao dispor sobre o estatuto jurídico da empresa
pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias no âmbito da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, apelidada como “lei de responsabilidade das estatais”, mescla os
institutos de direito público e direito privado, estabelecendo uma série de mecanismos de
transparência e governança para a devida implantação, que devem ser observados pelas estatais,
por exemplo, como as regras atinentes para divulgação de informações, práticas de gestão de
risco, códigos de conduta, formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade, constituição e
funcionamento dos conselhos, assim como requisitos mínimos para nomeação de dirigentes. O
referido diploma legal estipulou prazo de 24 meses para a devida adequação das novas regras
estatuídas, tão esperada pela sociedade brasileira.
O artigo 5º da Lei nº. 13.303/2016, combinados com outros dispositivos, atende o regime
jurídico das empresas estatais numa conjugação com o regime jurídico das pessoas jurídicas de
direito privado, criadas no âmbito das entidades federativas, com o escopo de exploração de
atividades econômicas, inclusive no que tange o estatuto da empresa pública, da sociedade de
economia mista e de suas subsidiárias. Estas deverão observar regras de governança
corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno,
composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua proteção, todos
constantes na referida Lei.
Pelo Art. 7o do mesmo diploma legal, aplicam-se a todas as empresas públicas, às
sociedades de economia mista de capital fechado e as suas subsidiárias as disposições da Lei
no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e as normas da Comissão de Valores Mobiliários sobre
escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, inclusive a obrigatoriedade de
auditoria independente por auditor registrado nesse órgão.
208
No que se refere o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista
e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços, sem maiores discussões advindas das críticas lançadas quanto
a sua aferição, especialmente os comentários quanto ao exercício do controle interno e externo
das empresas estatais, uma vez que os artigos 89 e 90 procuraram preservar a autonomia das
estatais, ao dispor sobre as ações e deliberações do órgão ou ente de controle que não podem
implicar interferência na gestão das empresas públicas e das sociedades de economia mista a
ele submetidas nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas
públicas.
Entende-se que face aos aspectos de inovação, porque toda novidade cria expectativas e
certa instabilidade no primeiro instante de sua implantação, mas, também propicia confiança, e
assim espera que os mecanismos agilizem o exercício do controle sem comprometer a
autonomia das estatais para o desempenho da atividade econômica. Contudo, provavelmente,
críticas advirão, elas não faltarão.
O que se observa é que o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia
mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização
de bens ou de prestação de serviços, deveria entre outros conteúdos dispor sobre matérias
combatendo a interferência política, a fim de proporcionar tranquilidade, bem-estar ao cidadão,
afastando as costumeiras invasões políticas. Pelas considerações tecidas por Guedes375 que dão
espaço para auferir uma ampla gama de definições devido a sua fluidez, dificultando
sobremaneira o controle judicial sobre a intervenção direta na economia, sendo possível extrair
os limites à atuação estatal.
Colhe-se alguns conceitos desenvolvidos por Grau376, para compreender o serviço
público como atividade. Segundo o referido jurista, ... sujeita-se ao regime de serviço público
porque é serviço público, e não o inverso ..., como muitos propõem, ou seja, passa a ser tida
como serviço público porque estão sujeitas ao regime de serviço público. Grau mostra que está
sempre tomando em consideração um modelo específico, aplicável à hipótese particularmente
caracterizada de que se pensa, em cujo formato é demarcado mediante a aplicação de alguns
princípios de Direito Público, sobre hipótese incidentes. Não há, pois, senão princípios de
Direito Público – ou, mais especificamente, de Direito Administrativo – e a definição do regime
375 GUEDES, Felipe Machado. A Atuação do Estado na Economia como Acionista Minoritário, pp. 80-85. 376 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. Malheiros, pp. 117 e seguintes.
209
de Direito Público é consequente à construção e modelo diferenciado em relação a cada caso
concreto a que deva ser aplicado.
Descreve Bandeira de Mello377 que o regime jurídico-administrativo está estruturado
sobre dois princípios e dezenove corolários. Isso apenas para exemplificar quando vem à tona
tratar das empresas estatais, como entidades da Administração Indireta, que desenvolvem tantos
serviços públicos quanto a iniciativa econômica, atuando na construção de modelos específicos
de regimes de Direito Público e de Direito Privado.
Forçoso lembrar o princípio da legalidade como raiz do comportamento dos entes
públicos e das personalidades privadas, uma vez que sempre que um gestor estiver desalinhado
com a lei, não resta dúvida que o fato deve ser sempre submetido a legislação aplicável, e se
necessário judicialmente, para um ajustamento de conduta, para atender o cumprimento da lei
e observar a sujeição do infrator à mesma378.
Vale observar a classificação que faz Figueiredo379 das empresas públicas e sociedades
de economia mista quando as inclui no campo do Direito Privado, parte de um modelo a priori
ou, na realidade se esses entes estão submetidos ao mesmo regime que as de personalidade
privada, argumentando que existem “formas híbridas”, e não de Direito Privado, afirmando que
nas relações obrigacionais, ora se submetem ao regime de Direito Privado, ora ao regime do
Direito Público.
Na linha de pensamento de Grau380 a empresa pública tem marcante distinção entre
momentos estrutural e funcional, face a existência dos objetos distintos dos regimes jurídicos
estrutural e funcional das empresas estatais, ser preciso cogitar em dimensionamento e no
desenvolvimento das suas atividades, que devem ser visualizadas desde a perspectiva dos
particulares, ou a perspectiva do próprio Estado. De tal posição, observa-se que o regime
estrutural da empresa estatal tem formato institucional, com funcionalidade interna, exercitando
relações de empresa com o Estado. E no ambiente funcional externo, tem-se a prática de
377 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25a. ed., Malheiros Editores, 2008. 378 Meyer-Anschütz: A Administração não é uma mera aplicação da lei, mas uma atividade dentro dos limites
legais ... A lei não é pressuposto, mas limite para a atividade administrativa. A administração pode fazer não
meramente aquilo a que a lei expressamente a habilite, mas tudo quanto a lei expressamente não lhe proíba. “ (cf.
Eduardo Garcia de Enterria, Legislación Delegada, Potestad Reglamentaria y Controle Judicial, p. 286), - doutrina
do negative Bindung; positive Bindung: a Administração não pode atuar neste ou naquele sentido senão quando a
lei expressamente a tanto a autorize. Wikler (cf. Eduardo García de Enterría, ob. Cit., p. 289) “Keine Handlung
ohne Gesetz”. 379 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. São Paulo: Revista dos
Tribunais,1978. 380 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. Malheiros.
210
relações da empresa com o setor privado, suscitando a existência de um regime jurídico
estrutural, podendo caracterizar a empresa como sociedade de economia mista ou não.
No nível do regime jurídico funcional interno debate-se, por exemplo o tipo e a extensão
dos controles estatais a que está sujeita a empresa. Já no nível do regime jurídico funcional
externo discute-se a celebração de contratos entre a empresa e particulares seria ou não do tipo
denominado administrativo ou privado. Essa apreciação apesar de incitar o estudo não se
perquire como elemento necessário para o desenvolvimento, mesmo que se considere imperioso
de interpenetração para abordar os aludidos regimes. Apenas, em nome do princípio da
supremacia do interesse público, é que aborda o Estado atuando no interior da sociedade de
economia mista, como definido para os efeitos do Decreto-lei nº. 200/67, que proporcionaria a
uma apropriação de um regime jurídico estrutural, para atuar com o privilégio, em posição
assimétrica em relação aos acionistas privados, cuja postura pode incorporar, ou se arvorar,
apoderando o princípio da supremacia do interesse público, com suposto e ou válido supedâneo,
como argumentação para se sobrepor ou confrontar terceiros.
Essa assimetria suscita o cidadão estar atento para a hipótese da empresa estatal atuar de
má fé, com abuso do exercício da situação de privilégio, confrontando o Estado, os acionistas
privados e a comunidade, pervertendo o princípio da supremacia do interesse público,
especialmente quando evidente ou não visíveis os conflitos de interesses na administração da
companhia para o bem comum. Pertinente a observação da circunstância de atuação no âmbito
dos serviços públicos, no campo da atividade econômica, o Estado.
Serviço público é o serviço gerido em regime de Direito Administrativo, regime especial
marcado pela submissão dos interesses privativos aos interesses públicos, atividade
indispensável à consecução da coesão social, que pode ir além ao conjugar ao interesse público
os serviços essenciais, em função de imperativo da segurança nacional ou para atender relevante
interesse coletivo.
Não se pode deixar de observar que monopólio é de atividade em sentido estrito, sendo
exclusividade, senão situação de privilégio, o que leva ao exame da constituição da sociedade
de economia mista, numa ligeira menção ao aspecto do conceito jurídico da affectio societatis,
por alguns considerado superado, mas, pertinente face a evolução de pensamentos jurídicos que
se montam e se desconstituem, transformando condicionantes de ordem política, e da cultura
do direito interno, consequência das experiências desenvolvidas na base da realidade jurídica
vivenciada, e entendidas como vigorosas na realidade social.
211
4.3 Constituição da sociedade de economia mista
Quando se objetiva constituir sociedades empresariais o elemento de fundamental
importância é do entendimento entre os sócios, a affectio societatis. Não obstante a affectio
societatis, contemporaneamente, sofrer críticas, ainda no ambiente científico do direito, tem-se
considerações a respeito dos conceitos, expondo-se novos entendimentos sobre a affectio
societatis.
A concepção efetiva, a intenção, o ânimo para constituir uma sociedade mercantil
comum, essa mesma vontade e entendimento conduz para a hipótese de constituir uma
sociedade de economia mista, obviamente, considerando os relevantes aspectos legais, jurídicos
para tanto.
A sociedade de economia mista invariavelmente busca atender ao interesse da
coletividade com a ajuda e ou interferência do Estado, este detendo a posição do controle
acionário ou posição de acionista majoritário da companhia, que de antemão idealiza a
constituição da companhia. A protagonização da sua criação é do Estado, assumindo poderes,
participação no capital social da sociedade por ações, combinando as estruturas jurídica,
financeira e gestão empresarial, fincados em uma plataforma de sociedade anônima, que dá
semelhante suporte a sociedade de economia mista para alcançar fins programáticos, definidos
no seu objeto social.
Portanto não se pode olvidar o quanto prevê a Lei nº. 13.303/2016, ao exigir que a
sociedade de economia mista terá a função social de realização do interesse coletivo ou de
atendimento a algum imperativo da segurança nacional, expressa no instrumento de autorização
legal para a sua criação, e que a realização do interesse coletivo de que trata esta lei, deverá ser
orientada para alcançar o bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos
recursos geridos pela companhia mista, bem como atender a ampliação economicamente
sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da sociedade de economia mista.
Inclusive, quando necessário, priorizar (privilegiar) a utilização de recursos tecnológicos,
encetando o desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de
produtos e serviços, sempre de maneira economicamente justificada. Como um incentivo para
a própria segurança interna e externa.
212
Uma das críticas que se faz a essa estrutura jurídica, estaria sob o lastro da legislação de
direito privado, cujo esboço não proporcionaria uma boa compreensão no que pertine a
constituição da sociedade de economia mista, porque seus elementos caracterizadores estariam
muito mais próximos de um arcabouço de direito administrativo. Vê-se que muitas críticas
existem sustentando que a criação da sociedade de economia mista está estribada numa
legislação de direito privado, pelo modelo do artigo 80 da Lei nº. 6.404/76, para constituir a
sociedade anônima, semelhantes ‘requisitos preliminares’ previstos nos artigos 235 e outros da
aludida Lei. O nascimento da companhia subordina-se a esse eixo de plataforma jurídica da
sociedade anônima.
A Lei nº. 13.303/2016 nos seus artigos 5º e 6º. dispõem que a sociedade de economia
mista será constituída sob a forma de sociedade anônima, ressalvado o disposto nesta Lei, estará
sujeita ao regime previsto na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
O estatuto da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias observará regras de
governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de
controle interno, composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua
proteção, todos constantes na referida Lei.
Oioli esclarece que:
Ainda, cada vez mais nota-se a tendência da particularização da
disciplina dos tipos societários – mesmo aqueles sob o signo da “sociedade
anônima” – vis-à-vis uma disciplina geral de aplicação supletiva, falando-se
cada vez mais em estatutos jurídicos da macro empresa ou até em “sociedade
anônima simplificada”. Isto é reflexo do reconhecimento cada vez maior do
perfil multifacetado da sociedade anônima, que possui um núcleo estrutural
comum aos diversos ordenamentos que a disciplinam e que fez desse tipo
societario um modelo “vencedor” no darwinismo empresarial, o que justifica
sua escolha como instrumento de organização das mais variadas atividades
empresariais, dos mais diversos tamanhos e objetos, e consequentemente, leva-a a assumir os diferentes perfis a que se refere acima381.
Importante salientar que o legislador procurou dar tratamento diferenciado ao acionista
da companhia de economia mista, quando detentor do poder de controle (acionista majoritário).
Sendo dever do acionista de impor e orientar a companhia, com a tarefa de evitar uma condução
que possa ser estranho ao fim do objeto social, ou deixe a companhia numa situação lesiva ao
interesse nacional. Tampouco o controlador pode levar, ou concorrer favorecimento para outra
381 OIOLI, Erik Frederico. A superação do modelo de concentração acionária no Brasil: o regime jurídico das
companhias de capital disperso na lei das sociedades anônimas. Tese de doutorado, 2013, Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, p. 21.
213
sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas, dos demais
sócios, dando destaque para atender os acionistas minoritários, em especial no que implica nos
lucros, no acervo da companhia e até mesmo, quando pode acontecer alguma interferência na
economia nacional.
O norte que o acionista controlador tem a tomar é tornar próspera a companhia, e na
hipótese de vir ocorrer transformação, incorporação, fusão ou cisão, deve protege-la para evitar
vantagens indevidas, inclusive e em especial para si (acionista controlador/majoritário), e
consequente prejuízo aos demais acionistas, aos trabalhadores da empresa, e aos investidores
em valores mobiliários emitidos pela companhia, de práticas duvidosas ou maliciosas no
mercado de capitais. Também o acionista controlador ou majoritário deve estar atento a adoção
de políticas e decisões que cause danos e possa avariar o fim e o interesse da companhia,
causando prejuízo aos acionistas minoritários da companhia.
As relações externas das sociedades empresárias regem-se via contratos privados e
obrigações extracontratuais dessa natureza. Assim no plano contratual também deve agir a
sociedade de economia mista dentro da estrita isonomia, comutatividade e irrevogabilidade,
não podendo prevalecer-se dos objetivos de interesse público primário ou coletivo que
justificam a sua criação, para impor o contrato público. Contudo esse entendimento se amplia
quando as relações externas não podem ser visualizadas face barreiras de qualquer natureza que
possam impedir a transparência dos atos da companhia envolvido com uma maior dimensão do
interesse publico e coletivo, devendo submeter-se as regras da publicidade contidas no âmbito
do direito publico como estabelecem dispositivos constitucionais e de direito administrativo.
Examinando no plano externo, os estudiosos sobre a matéria mostram que nas relações
com terceiros de absoluta igualdade jurídica, mercê do contrato privado, e, nas relações
extracontratuais, o regime jurídico das sociedades de economia mista é de estreita simetria com
as sociedades privadas sem qualquer privilégio. E, nessas relações extracontratuais com
terceiros, a sujeição dá-se consoante o direito comum, não podendo, portanto, a sociedade mista
invocar o interesse público para o qual foi criada para eximir-se das obrigações e
responsabilidades extracontratuais que decorrem de sua atividade empresarial.
Está delineada na Constituição, na lei orgânica da administração pública (Decreto-Lei nº.
200, de 1967), nas leis societárias e demais regras gerais e especiais do ordenamento que as
sociedades de economia mista têm nas suas relações externas, a natureza funcional privada, e
nas relações internas com seu controlador, ou seja, o Estado, sujeitam-se às regras
214
administrativas, de constituição, indicação de administradores e de fiscalização, próprias do
direito público.
No plano interno, o regime de constituição e organização, referido na lei societária, na
realidade é regido por lei administrativa, para tanto basta conferir a redação do art. 235, caput,
da Lei nº. 6.404/76. Nas relações externas, também como referido prevalecem as leis aplicáveis
às empresas privadas no plano contratual, do contrato privado e extracontratual.
Com o advento da Lei nº. 13.303/2016, os seus artigos 31 e seguintes determinam que as
licitações realizadas e os contratos celebrados por sociedades de economia mista destinam-se a
assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do
objeto. E para evitar operações que possa caracterizar sobrepreço ou superfaturamento, deve
observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional
sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do
julgamento objetivo.
De igual modo, não pode deixar de observar que a sociedade de economia mista pode
adotar procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e
projetos de empreendimentos com vistas a atender necessidades previamente identificadas,
cabendo ao regulamento a definição de suas regras específicas, não se descuidando de ficar
atento a política de integridade nas transações com partes interessadas, e observar o que dispõe
o artigo 37 da Lei nº. 13.303/2016 que a sociedade de economia mista deve informar os dados
relativos às sanções por elas aplicadas aos contratados, nos termos definidos no art. 83, de forma
a manter atualizado o cadastro de empresas inidôneas de que trata o artigo 23 da Lei no 12.846,
de 1o de agosto de 2013.
Aplicam-se às licitações e contratos regidos pela Lei nº. 13.303/2016 as normas de direito
penal contidas nos arts. 89 a 99 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. As sociedades de
economia mistas no que respeita às suas atividades empresariais e, portanto, às suas relações
com terceiros, equiparadas às empresas comerciais, ainda que os fins dessa atividade visem o
interesse público e sejam elas pessoas de direito público, na conformidade do art. 4º do Dec.-
Lei nº. 200, de 1967, sujeitando-se ao regime de concorrência simplificada ou de tomada de
preços.
215
No que tange à sua atividade-meio, Mello382 adverte que: (...) “... o Legislativo não pode
conferir autorização genérica ao Executivo para instituir pessoas. É preciso que a lei designe
nomeadamente que entidade pretende gerar, que escopo deverá por ela ser cumprido e quais as
atribuições que para tanto lhe confere”.
Para outros administrativistas, que a exigência constitucional de prévia autorização
legislativa explicita a área específica de atividade das subsidiárias que serão criadas.
Tanto assim que o inciso XX do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que depende de
autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no
inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada, e Caio Tácito
comenta que a especificidade da autorização legislativa para a participação de capital público
em empresa privada não importa, necessariamente, na indicação expressa de empresa na qual
deva ser feito o investimento. A expressão constitucional “em cada caso” podera ser entendida
como indicativa apenas de área ou atividade especifica a ser contemplada.
Não se pode desconhecer que existem preceitos ditados, como os requisitos comuns à
constituição da companhia por subscrição pública ou particular, sob um molde de subscrição
de pelo menos duas pessoas, exceto nas hipóteses de subsidiária integral, da totalidade das ações
em que se divide o capital inicial, fixado no estatuto, a realização mínima de dez por cento do
preço de emissão de todas as ações subscritas para realização em dinheiro. Para certos tipos
ações, exige-se realização mínima inicial superior a dez por cento, como por exemplo as
sociedades bancárias, sociedades de crédito imobiliário. Nas sociedades de capital autorizado
o mínimo de realização inicial é fixado pelo Conselho Monetário Nacional383. Menção à parte,
entretanto, merece atenção especial a subsidiária integral, configurada na lei, que merece
apurados estudos.
A sociedade anônima sob regime de direito privado tem constituição prevista nos artigos
80 e seguintes da Lei nº. 6.404/76. Carvalhosa ao examinar esse assunto, comenta o que dispõe
o artigo 235, do referido diploma legal, Capítulo XIX, ao trata das sociedades de economia
mista, que pode ser interpretada como esfera imprópria do direito privado: Mantém-se, no
entanto, a prevalência hierárquica: na atividade empresarial do Estado, as leis administrativas
382 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Direito administrativo. 383 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das S.A. Forense, 1977, p. p. 412-413.
216
sobrepõem-se à lei societaria. Essa prevalência existe a despeito da expressão “sem prejuízo
especiais de lei federal” inserida no caput do artigo ora comentado384.
Desse entendimento pode se extrair que não faz diferenciação, prevalecendo o conceito
legalista contido no Decreto-Lei nº. 200 que são sociedades de economia mista aquelas criadas
por lei. Não obstante, o diploma legal societário de 1976 obedecer ao princípio hierárquico de
subsidiariedade do direito privado e prevalência do direito público, com respeito à natureza
pública e estrutura das sociedades de economia mista.
O interesse pela vida da companhia deveria estar atrelada à aqueles que exercem cargos
elevados na empresa, dos que realizam uma espécie particular de investimento, tanto quanto os
sócios ou credores, considerando que deveriam se preocupar, porque investem na mesma
empresa, e suas reputações profissionais, estão assentadas nos resultados positivos que advirão
das suas aplicações, competências, habilidades na gestão, e no desenvolvimento empresarial da
companhia.
A expertise e a seriedade do quanto os administradores servem a sociedade empresaria, é
a justa medida determinada na atividade exercida para a empresa (firm-specific capital), com o
desenvolvimento de habilidade especifica, relaciona-se com determinado tipo de cliente
(cliente-specific capital), bem como sua capacidade intelectual, adquirida ao longo dos anos de
estudo e de experiência (intelectual capital), são os maiores investimentos feitos e tendência de
exigirem participação no controle da empresa385. Caso seus gestores sejam inaptos, moral ou
tecnicamente para cuidar do objeto social da companhia, estará fadada ao insucesso, no entanto,
responderão solidariamente com o acionista controlador pela desventura.
Apesar da critica que se faz à lei das S.A. ela é considerada tecnicamente de boa
qualidade, não obstante ter sido legislada em época sob regime de exceção. Historicamente o
diploma das sociedades anônimas de 1940 nada dispunha a respeito da matéria congregando a
hipótese de criação da sociedade de economia mista, apesar disso, na prática já tivesse
consagrado o regime de criação por lei das sociedades de economia mista.
Cumpre lembrar que esse regime autorizativo remonta à fundação e à refundação do
Banco do Brasil, tendo sido adotado posteriormente quando se avivou o trato legal para
constituir sociedades de economia mista. Semelhante, ou até o mesmo regime de autorização
384 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, volume 4, Saraiva, 1998. 385 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa Contemporânea e Direito Societário – Poder de controle e grupos de
sociedades. p.p. 201-202.
217
legislativa foi observado na oportunidade da criação das grandes sociedades de economia mista
nos anos 40, à exemplo da fundação da Cia. Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica
Nacional (ambas em 1943). Na mesma época surgiram as denominadas indústrias estatais de
base, subordinadas ao regime societário de 1940. Algumas grandes companhias de economia
mista foram criadas sem a observância da prévia autorização legislativa, a exemplo da Cosipa,
Acesita e Telesp386.
Segundo Carvalhosa387 o diploma legal vigente reflete a preocupação que dominava o
setor privado dos anos 70, com a expansão descontrolada das atividades das sociedades de
economia mista, através da criação de subsidiárias fora dos seus objetivos sociais. Essa
expansão, notadamente daquelas exploradoras de atividade econômica, limitava e constrangia
o setor público. As atividades concorrenciais das grandes sociedades de economia mista
levavam a um abuso de posição dominante no mercado.
Ao examinar o Decreto-Lei nº. 200, de 1967, artigo 5º, I e II (o inciso II com as alterações
do Decreto-Lei nº. 900), referente a devida autorização legislativa, que no trato da matéria.
Carvalhosa tipifica uma organização da administração indireta, despicienda no âmbito do
direito societário, tendo efeito meramente reiterativo de um regime legal já imposto em sede
própria.
A Carta de 1988 também reflete esse quadro histórico à época de abuso da posição
dominante das grandes sociedades de economia mista, possibilitado a criação de infindáveis
subsidiárias, exercitando atividades tipicamente concorrenciais, aptas a ter funcionalidade pelo
setor privado.
A lei nº. 6.404/76 dispõe sobre as sociedades por ações, mas não enuncia expressamente
uma definição do termo sociedade de economia mista, limitando os artigos 235, 236, 237
mencionar que as sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta Lei, sem
prejuízo das disposições especiais de lei federal, sujeitas às normas expedidas pela Comissão
de Valores Mobiliários, e que a sua constituição depende de prévia autorização legislativa, e
somente explorar empreendimentos ou exercitar as atividades mercantis previstas na lei que
autorizou a sua constituição.
O artigo 238 trata da pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista para
observar os deveres e responsabilidades do acionista controlador consoante os artigos 116, 116
386 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo, p. 331 e seguintes. 387 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Sociedades Anônimas, páginas 358 e seguintes.
218
A e 117, mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público
que justificou a sua criação, não obstante haver acolhimento às linhas fundamentais de
definição contemplada pelo artigo 5º, III, do Decreto-lei nº. 200/67.
Alude-se que não há correspondência plena no trato da conceituação da sociedade de
economia mista adotada pelo Decreto-lei nº. 200/67, porque não estaria contemplada na Lei nº.
6.404/76, isso ocorre na medida em que a Lei nº. 6.404/76 trata como se não fossem sociedades
de economia mista sociedades uma criação paralela, e que nos termos do Decreto-lei nº. 200/67,
estaria definido e por consequência entendidas como sociedades de economia mista no âmbito
do direito administrativo – direito público.
O § 2º do artigo 235 da Lei nº. 6.404/76388 demonstra que a sociedade de economia mista
está subordinada a referida Lei, como as companhias de participarem, majoritária ou
minoritariamente, sem as exceções previstas no capítulo XIX. O referido Capítulo da Lei nº.
6.404/76 no qual inserido o art. 235, trata justamente das sociedades de economia mista. No
artigo 235 da lei estão definidas as disposições especificas aplicáveis às sociedades de economia
mista, inclusive na medida em que às companhias de que participarem, majoritariamente (ou
minoritariamente), salvo as disposições específicas – ‘exceções’ – previstas em lei, tem-se por
evidente que para os efeitos da lei, são entendidas como sociedades de economia mista.
Importante salientar que há interpretação do Decreto-lei nº. 200/67 concebendo a
existência de sociedades de economia mista de primeiro e de segundo grau, entendendo que as
do primeiro grau, seriam aquelas sob controle da União; e as do segundo grau, são aquelas sob
controle de entidade da Administração Indireta, compreensão essa que causa uma serie de
discussões com densidade acadêmica, adiante analisado.
Pelo artigo 4º, II, ‘c ‘, do referido Decreto-Lei, as sociedades de economia mista são
entidades da Administração Indireta, matéria assentada no voto do Ministro Eros Roberto Grau,
quando julgou o RMS 24.249, em 14 de setembro de 2004, entendendo que:
Diversamente, para os efeitos da Lei n. 6.404/76, não são sociedades de
economia mista as companhias de que participarem, majoritariamente, as
sociedades por elas concebidas como de economia mista – vale dizer, as
sociedades de economia mista de primeiro grau.
388 As sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta Lei, sem prejuízo das disposições especiais de
lei federal.
§ 1º As companhias abertas de economia mista estão também sujeitas às normas expedidas pela Comissão de
Valores Mobiliários.
§ 2º As companhias de que participarem, majoritária ou minoritariamente, as sociedades de economia mista, estão
sujeitas ao disposto nesta Lei, sem as exceções previstas neste Capítulo.
219
A esse respeito, ou seja, estabelecer a existência de sociedades de economia mista de grau
diferentes. Oportuno as considerações de Penteado389 ao examinar as sociedades de economia
mista e subsidiárias ou empresas controladas por outras sociedades de economia mista,
alertando, que a exigência de autorização legal, tecendo especificas contribuições ao comentar
a Constituição de 1988, dizendo inexistir qualquer dificuldade no tocante à fixação da natureza
das empresas controladas por sociedades de economia mista. Da mesma forma que estas
últimas, as subsidiárias dessa espécie societária somente poderão ser criadas após a competente
“autorização legislativa”, requisito que igualmente é exigido para “a participação de qualquer
delas em empresa privada”.
Inexistindo lei autorizativa, a subsidiária ou controlada de sociedade de economia mista,
consoante Hely Lopes Meirelles: “... em empresa, sem sentido estrito, simples sociedade
anônima, em que pese à participação majoritaria em seu capital” de ente da Administração
Pública, assim sustentavam Oscar Saraiva, Arnold Wald, Caio Tácito, Waldemar Ferreira e
Seabra Fagundes.
Com relação ao enquadramento das mencionadas subsidiárias na categoria das sociedades
de economia mista resulta, a par do texto constitucional vigente, e dos diplomas legais, do
Decreto-Lei nº. 200/67, art. 5º. Inciso III, e da Lei nº. 6.404, cujo art. 236, caput, que definem
a sociedade de economia mista como entidade dotada de personalidade jurídica de direito
privado, criada por lei para a exploração econômica, sob forma de sociedade anônima, cujas
ações pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta390.
Existindo subsidiárias e controladas de sociedades de economia mista que não participam
da mesma natureza jurídica de suas acionistas ou sócias controladoras, o mencionado decreto
estabeleceu que “consideram-se empresas estatais, mista, suas subsidiárias e todas as empresas
controladas, direta ou indiretamente, pela União” – art. 2º.
Para Penteado não é apenas o Poder Executivo Federal, através de Decretos-Lei,
389 PENTEADO, Mauro Rodrigues. As sociedades de economia mista e as empresas estatais perante a
Constituição de 1988”, Revista de informação legislativa – vol. 26, n. 102, abr/jun. 1989. 390 Entende-se que diversa é a natureza jurídica dos entes societários, criados por sociedades de economia mista,
ou cujo controle acionário seja por esta assumido, sem prévia e específica autorização do Poder Legislativo. À
falta desse requisito, reputado como essencial a insuprimível – mesmo quando inexistiam normas constitucionais
ou legais sobre a matéria -, as subsidiárias e controladoras de sociedades de economia mista têm a natureza de
sociedades de Direito comum, não fazendo parte, se vinculadas à União, da Administração Federal Indireta
(Decreto-Lei nº. 200/67, art. 4º). Para essas sociedades, que existem às dezenas, pelo Decreto nº. 84.128, o conceito
operacional de empresa estatal, instituindo no Sistema de Planejamento Federal, um subsistema centralizado na
SEST – Secretaria de Controle de Empresas Estatais.
220
Decretos, Portarias e outras normas administrativas, que reconhece e trata apartadamente dessa
categoria de sociedades de economia mista, também o Poder Legislativo adota e aplica
diferentemente os referidos conceitos, cediços que são. Tanto assim pretendeu que as
sociedades tivessem suas contas submetidas ao crivo do Tribunal de Contas. Com a Lei nº.
6.525, de 11/4/1978, operou substancial modificação na respectiva legislação de regência (Lei
nº. 6.223, de 14/7/1975), alterando o que dispunha o seu art. 7º. Para explicitar que “as entidades
com personalidade jurídica de direito público, de cujo capital a União, o Estado, o Distrito
Federal, o Município ou qualquer entidade da respectiva Administração indireta seja detentora
da totalidade ou da maioria das ações ordinárias, submetidas à fiscalização financeira do
Tribunal de Contas competente, sem prejuízo do controle exercido pelo Poder Executivo”.
Pela palavra de Penteado inexiste sociedade de economia mista enfeixada numa categoria
de segundo grau, que seriam aquelas constituídas sem prévia e especifica autorização legal, mas
em decorrência de previsão genérica constante da lei de regência dos entes que as criaram,
lembrando que encontrou três autores admitindo a espécie, Walter Douglas Stuber, Eliana
Donatelli de Moura, Cotrim Neto (nota 14 - rodapé p. 58). E comenta proposição doutrinaria
que chegou a refletir-se no âmbito da Administração Pública Federal, por curto período,
acolhida que foi em parecer do Consultor-Geral da República, Rafael Mayer (Parecer nº. L-
154, de 21-7-1977, publicado no Diário Oficial da União, de 26 de julho de 1977, pp.
9.519/9.521), com base no argumento de que a existência, na Lei nº. 2.004, objeto do referido
parecer, de autorização genérica para a constituição ou participação em outras sociedades,
equivaleria a uma autorização legislativa implícita para a instituição de outras sociedades, que
também seriam de economia mista, ditas de “segundo grau”.
Acentua Penteado que o mencionado ponto de vista, que já não resistia ao confronto com
o texto do Decreto-Lei nº. 200, esbarrava em dois outros óbices intransponíveis: a) o primeiro
de ordem constitucional, uma vez que tanto a Constituição de 1967, quanto à a Emenda
Constitucional nº. 1, de 1969, vedavam a delegação do procedimento legislativo próprio (leis
delegadas, promulgadas conforme arts. 52, usque da Emenda n. 1); b) o segundo, inscrito no
art. 237 da Lei nº. 6.404, que exige da lei autorizativa de criação de economia esta especificação
dos “empreendimentos” e “atividades” a serem explorados.
E Penteado complementa: Ora, nenhuma das leis que continham a referida autorização
genérica, que se pretendeu qualificar como implícita, continham tal explicitação. Mais do que
isso: muitas dessas extravagantes sociedades de economia mista de “segundo grau” eram
companhias preexistentes constituídas por particulares, com objetos sociais diversificados, cujo
221
controle acionário foi posteriormente transferido para o órgão da Administração Federal
Indireta. Aqui, a transgressão ao mencionado dispositivo da lei acionária ficava ainda mais
flagrante, na medida em que autorização genérica e implícita muito raramente explicitava o
“empreendimento” ou “atividades” da sociedade controlada ou colegiada.[...]391/392.
Tem-se a verificação de opinativos pela distinção se há ou não, efetivamente,
correspondência plena entre a definição de sociedade de economia mista adotada pelo Dec.-lei
nº. 200/67, e o conceito de sociedade de economia mista adotado pela Lei nº. 6.404/76.
De outro exame se extraí que, assim como há empresas sob controle do Estado que não
se acomodam às definições legais de sociedade de economia mista – e de empresa pública -
algumas (as de segundo grau), que para os efeitos do Dec.-lei n. 200/67 são entendidas como
391 Até 21-7-1977 data deste último parecer -, o citado órgão consultivo federal inadmitia as chamadas sociedades
de economia mista “de segundo grau”. O primeiro parecer de que se tem notícia sobre o assunto (nº. 297-H, de
18-1-1966, anterior, portanto, ao Decreto-Lei nº 200, de 1967, é de autoria do Dr. ADROALDO MESQUITA DA
COSTA e foi aprovado pelo Presidente da República, versando a situação jurídica da Companhia Siderúrgica da
Guanabara – CONSIGUA. Nessa manifestação, o ilustre Consultor-Geral destacou que “a simples participação de
ações pelo Poder Público não basta para a determinação de uma sociedade de economia mista”. Louvando-se na
doutrina dominante, que sera indicada no item abaixo, o aludido jurista acrescentava que “não se pode perder de
vista, outrossim, que a sociedade de economia mista, embora criada nos moldes da lei comercial comum, a sua
instituição depende, no entanto, de autorização legislativa, por envolver a aplicação de recursos públicos, como
porque significa a execução de uma determinada incumbência do Estado (sic).
Essa diretriz – que é a que atualmente deve ser observada pela Administração Federal – prevaleceu até 21-7-1977,
tendo sido expressamente retomada em 2-9-1981, através do Parecer nº. P-010, elaborado pelo Consultor-Geral
da República, Dr. PAULO CÉSAR CATALDO, com aprovação do Presidente da República. [...]
Afirmamos que o argumento invocado pelo ilustre Consultor-Geral reveste-se de inteira pertinência posto que
lança uma pá de cal sobre a tese afastada, evidenciando que sustentar a criação originária ou derivada de sociedades
de economia mista “de segundo grau”, sem prévia e expressa previsão legal, equivale a tornar letra morta o disposto
no citado art. 235, § 2º., da lei acionária em vigor. [...]
Com o advento da Lei nº. 6.404/76 e em razão do modo inequívoco com que a vigente lei acionária disciplinou as
sociedades de economia mista, os autores, à unanimidade, se puseram de acordo sobre a tese aqui comentada (v.g.
WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, JOSÉ DA SILVA PACHECO, JOSÉ WASHINGTON COELHO).
Neste último período merecem especial destaque duas outras importantes manifestações, por abordarem
especificamente o tema das inexistentes sociedades de economia mista “de segundo grau”. A primeira de autoria
de ARNOLDO WALD, da qual extraímos as seguintes considerações: “quanto às chamadas sociedades de
economia mista de segundo grau, ou seja, aquelas cujo controle pertence a uma sociedade de economia, deveremos
fazer uma distinção para atender ao disposto no Decreto-Lei nº. 200. Se a subsidiária foi criada por lei, será
sociedade de economia mista. Caso contrário, obedecerá ao regime das sociedades anônimas comuns ... a ideia do
legislador (de 1976) foi excluir do rol das sociedades de economia mista as chamadas sociedades de economia
mista de segundo grau, ou seja, as subsidiárias de sociedades de economia mista, quando não criadas por lei ... ao
excluir do rol das sociedades de economia mista as que, embora controladas direta ou indiretamente pela União
Federal ou pelos Estados e Municípios, não foram criadas por lei, o legislador acabou submetendo ao regime
comum das sociedades anônimas numerosas companhias, entre as quais se destacam, só no campo federal, a
COSIPA, a UNIMINAS, a ACESITA, a USIBA, a Companhia Telefônica Brasileira, a TELESP, assim como
numerosas subsidiárias da ELETROBRÁS, da EMBRATEL, da PETROBRÁS e da vale do Rio Doce.[...]
Por derradeiro, cabe reiterar que, além da orientação, controle e fiscalização da gestão das referidas espécies
societárias, pelo Poder Executivo, estão sujeitas à obrigação de prestar contas ao Tribunal de Contas, nos termos
da Lei nº. 6.223, de 14-7-1975, com a redação dada pela Lei nº. 6.525, de 11-4-1978. 392 PENTEADO, Mauro Rodrigues. As sociedades de economia mista a as empresas estatais perante a Constituição
de 1988. Revista de informação legislativa, v. 26, n. 102, p. 49-68, abr./jun. 1989.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/181939 - 27/09/2016.
222
sociedades de economia mista, não podem ser entendidas como sociedades de economia mista
para os efeitos da Lei nº. 6.404/76. Não são estas duas, no entanto, as únicas concepções no
direito positivo brasileiro, das quais decorre o discernimento de conceitos legais de sociedade
de economia mista. Porque, até o advento da Lei nº. 6.404/76, segundo os tributaristas, as
sociedades de economia mista mereciam tratamento especial na legislação do imposto de renda.
E a participação majoritária no capital com direito a voto, presta para caracterizar as sociedades
de economia mista, mas nem tanto. Essa posição majoritária e considerada privilegiada, resulta
também para os seus efeitos e considerações para a admissão da existência, constituição das
sociedades de economia mista estaduais e municipais.
Há entendimento no que concerne as sociedades constituídas pelos estados e municípios,
com a advertência de que não poderiam existir, enquanto modelo jurídico especial, com
característica da sociedade de economia mista, dado que somente a União poderia legislar sobre
direito comercial, matéria que mereceu discussão.
O conceito de sociedade de economia mista a considerar, para os efeitos de aplicação,
tem-se as adotadas pelo Decreto-Lei nº. 220/67, bem como do que se extrai da Lei nº. 6.404/76,
e os artigos 37, XVI e XVII, e 54, I e II, da Constituição do Brasil, e pelo que enuncia o § 4º do
artigo 6º da Lei nº. 6.264/75, que apontam as sociedades de economia mista, aquelas – anônimas
ou não – sob controle da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Portanto pode-se entender que se convive, há coexistência no direito positivo brasileiro de mais
de um conceito legal de sociedade de economia mista. Observe-se que a recente lei nº.
13.303/2016, expressamente dispõe sobre dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública,
da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, confirmando a linha traçada acima.
Portanto, pela compreensão dos juristas, face a dinâmica do direito, nada de estranho ou
inusitado há nessa coexistência de raciocínio, pois os conceitos jurídicos não são ideias,
reflexões sobre a essência das coisas, mas ferramentas que se forja para desenvolver a realidade,
tendo em vista a realização de determinadas finalidades, e dão ênfase, insistem, que não é
demasiado relembrar que a finalidade é do criador de todo o direito e que não existe norma ou
instituto jurídico que não deva sua origem a uma finalidade. Normal conceber que os conceitos
jurídicos tem que estar na medida apropriada viabilizando a aplicação das normas jurídicas,
definindo o âmbito onde um determinado ordenamento haverá aplicação.
223
Por isso entender que não deve censurar a adoção, por distintos ordenamentos, sob a
mesma designação, conceitos diversos de sociedade de economia mista entre si. Portanto
podem estar corretos, nos vários sentidos que se faz referência, para os efeitos dos
ordenamentos que se procura definir. Assim sendo, para os efeitos do disposto no art. 37, XVII,
da Constituição Federal, são sociedades de economia mista aquelas – anônimas ou não – sob
controle da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios,
independentemente da circunstância de terem sido ‘criadas por lei’.
Importante destacar, como alguns ressaltam, que se o Estado não mantém o controle
acionário ou o controle de sua administração, tal sociedade não pode ser classificada como
mista, porque não é a simples reunião de capitais públicos e privados ou o controle estatal da
administração da companhia que caracterizaria a sociedade mista. Embora tida como livre a
constituição das sociedades anônimas, atualmente ainda existe exceção, quando o poder público
condiciona à sua autorização a constituição ou funcionamento de determinadas sociedades
anônimas.
Requião393 entende que:
Mantêm o direito moderno, ao lado das sociedades livres, as privilegiadas e
as autorizadas. Em nosso país, as sociedades bancárias, de capitalização, de
investimentos, as estrangeiras, por exemplo, antes de se constituírem umas ou
de funcionarem outras, necessitam de carta autorização, concedida pelo poder
público. A par dessas, algumas são constituídas especificamente por lei, que
lhes traça a estrutura jurídica, com determinados privilégios, como as
sociedades anônimas estatais, citando-se entre elas a Petrobras S.A., a
Eletrobrás S.A., a Novacap S/A, a rede Ferroviária Federal Nacional S/A.
E João Pinheiro Lins observa:
Consideradas as sociedades anônimas a maior invenção dos tempos
modernos, o Estado não se limitou a intervir na sua constituição ou
funcionamento, passou, também, a usá-la, como se a forma societária servisse
de panaceia ou fórmula mágica e garantidora de êxito para os
empreendimentos.
Não me parece que as maonas – constituídas pelos credores do Estado para, cobrando os impostos, pagarem-se dos seus créditos – pudessem ser
consideradas como precursoras das sociedades anônimas em geral,
simplesmente porque o seu capital era dividido em partes de iguais valores
que poderiam ser transferidas pelos seus titulares.
Nessas organizações, o Estado não aparecia como titular de capital, mas como
concedente e privilégios.
Outra diferenciação que deveria ser exigida, a que, porém, o Estado não dá
ênfase, é a de que o objeto das sociedades de economia mista há de ser aquele
de interesse social, cuja atribuição é do próprio Estado.
393 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, v. II, p. 5, 8a. ed., Saraiva, 1977.
224
Não será a simples concessão ou autorização de funcionamento ou
organização eu transforma estas sociedades em mistas.
A participação do Estado na formação de sociedades anônimas de economia mista, surgiu
pela necessidade do Estado promover a exploração da capacidade empresarial do particular e
favorecer o empreendimento empresarial privado, carente de capital. Para entender, e até
mesmo para fundamentar a participação do Estado no seio da sociedade de economia mista, sob
uma forma de intervencionismo, embora considerado legitimo, existem críticas no que concerne
aos aspectos basilares dessas sociedades, porque atraem os pequenos poupadores, na captação
de capital. Em outra posição, há os que defendem a posição de governo estar presente em setores
onde não há condições financeiras para que as empresas privadas nacionais se situem e onde,
por várias razões, não se permite a inserção de capital e ou empresas estrangeiras.
Entendem que no Brasil a atuação do Estado além de ter sido uma necessidade para
acelerar decisões e promover rapidamente o desenvolvimento do pais, beneficiando as áreas
carentes e o próprio setor privado, sendo curioso observar que em determinados momentos da
vida empresarial brasileira, o comportamento de parcela do empresariado nacional manifesta a
manutenção e mesmo ampliação do setor estatal de que dependa para produzir ou comercializar
seus produtos, não podendo esquecer as possíveis distorções resultadas dos favores
governamentais, encobrindo ineficiências que podem refletir nos empreendimentos privados.
A ampliação das atividades do Estado no domínio econômico não chegou de chofre às
sociedades anônimas. Bilac Pinto394 aponta que a intervenção não se faz mediante planos
prévios ou em consequência de uma preparação doutrinária. O instituto surgiu da concessão de
serviço público como processo de execução dos primeiros serviços públicos industriais, entre
os quais pode-se incluir os de transporte coletivo urbano à tração animal, os de iluminação a
gás e os de estradas de ferro a vapor, hoje chegando as mais sofisticadas e evoluídas criações
dos transportes urbanos de velocidade, as companhias de energia nuclear, engenharias
astrofísica, aviação civil e militar, dentre tantas outras.
Desse cenário confere-se a criação, a constituição da sociedade de economia mista, bem
como as situações que implicam a relação e a responsabilidade do Estado como acionista
principal no desenvolvimento das sociedades empresariais inserta na iniciativa privada, e passa-
se ao exame do voto representativo, o dever de lealdade sob uma análise jurídica das posições
394 PINTO, Bilac. Declínio das Sociedades de Economia Mista e o Advento das Modernas Empresas Públicas; in
Revista Forense, v. 146, março/abril 1953, p.p. 9-10.
225
conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no
conselho de administração na sociedade de economia mista.
226
5. VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE
JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE
DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA
O artigo primeiro da Lei nº. 6.404 de 1976 dispõe que a sociedade anônima terá seu capital
dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de
emissão das ações subscritas ou adquiridas. Deste conteúdo legal parte-se para colher uma
concepção do acionista, que necessariamente vincula-se a “ação”.
O vocabulo ‘ação’ pode significar no campo do direito societario uma parcela do capital
social, correspondendo a um direito inerente a quem obtém um título que o direito societário
constitui para conferir um feixe de direitos e obrigações a aquele que investe em sociedade
anônima, passando a qualidade de acionista.
Uma ‘ação’ representa a menor parcela do capital social de uma sociedade por ações395.
A ‘ação’ constitui uma parcela do capital social da companhia, entendendo-se que o detentor
deve considerar como um “bem”. Contudo alguns juristas entendem que esse investidor não
seria proprietario desse título de crédito. Ha compreensão que a ‘ação’ pertence a companhia,
ela é que a proprietária do título, a ação não seria um bem que passaria a integrar o patrimônio
pessoal do investidor. A ação pertenceria à sociedade anônima, e esta é quem coloca o título à
disposição do mercado de capitais, cuja estrutura legal proporciona a qualquer pessoa natural
(física) ou pessoa jurídica optar por essa modalidade de investimento.
Portanto o acionista seria um ou o investidor que aplica seus recursos convertendo-os em
bens ou direitos no campo dos valores mobiliários, participando do patrimônio social de uma
sociedade anônima, estimulado pelos negócios agitados no âmbito do mercado de capitais.
Na sequencia desse entendimento da ação de uma sociedade anônima, observa-se a
consideração a respeito de ser ou não um titulo de participação, inclusa no rol dos títulos de
crédito, reconhecendo-se a liquidez, certeza e exigibilidade, caracterizando-a com os elementos
satisfatórios para atender a demanda dos negócios em que estão presentes os títulos de crédito,
e assim é vista a ‘ação’ com a função de exercitar direitos, num contexto em que é um título,
395 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro – produtos e serviços. Qualitymark Editora Ltda. - 2005, 16a. ed.,
p. 559.
227
oriundo da sociedade anônima. Daí o entendimento que a ‘ação’ da sociedade anônima é
reconhecida como um bem.
Entre os tipos de investidores, destacam-se os quatro tipos básicos: as pessoas físicas; as
pessoas jurídicas; os investidores externos; e os investidores institucionais. Estes últimos estão
sempre presentes no mercado, com um caráter de aplicações compulsórias, de acordo com as
normas de composição e diversificação de suas carteiras, baixadas pelo Conselho Monetário
Nacional, com o duplo objetivo de reduzir o risco de seus investimentos e de direcionar recursos
para aplicações consideradas prioritárias pelo Governo396.
A posse legal das ações indica quem esta autorizado a agir perante a sociedade, exercendo
direitos, podendo atuar no seio ou fora das fronteiras da companhia, inclusive quando deter
poderes específicos de gestão. Contudo, é de advertir que quem responde pelo cumprimento
das obrigações e deveres societários é a companhia, notadamente quanto a integralização das
próprias ações. Mas, essa mesma posse legal não prejulga a verdadeira titularidade da posição
acionária. O portador legal das ações de uma companhia recebe dividendos ou retira
certificados de ações bonificadas, subscreve novas ações de aumento de capital ou manifesta-
se em dissidência pedindo o recesso. A companhia não interessa saber, nem esta ela autorizada
a indagar, se, de fato, tais ações pertencem ao portador legal que exerce tais direitos e poderes,
ou se ele age no interesse de outrem, proprietário ou sócio oculto397.
O exercício da atividade empresarial está no capital social, que constitui um ponto
essencial aos interesses dos sócios e de terceiros, que sustenta a gestão da sociedade. Nesse
sentido está assentado o princípio que decorre da estrutura patrimonial pela formação e
preservação jurídica. Ressalte-se que a subcapitalização (capital manifestamente insuficiente
para o empreendimento), o falseamento do capital social no curso das atividades empresariais
e a confusão patrimonial são fatores que a jurisprudência vem reconhecendo como suficientes
para a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente atribuição de
responsabilidade a seus membros, o que demonstra o caráter essencial da responsabilidade para
com o capital social398.
396 FORTUNA, op. cit. p. 561. 397 COMPARATO, Fábio Konder. O Direito de Subscrição em Aumento de Capital, no Fideicomisso Acionário.
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66918/69528 398 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa Contemporânea e Direito Societário – Poder de controle e grupos de
sociedades. p.p. 75-76.
228
Para Batalha399 o acionista não é credor da sociedade, ele investe numerário, bens ou
direitos no patrimônio social, assumindo o risco do empreendimento. O acionista assume o
risco, pois o capital investido em ações é ‘capital de risco’. Ao contrário do credor que não
sofre a álea do negócio, é estranho às vicissitudes da sociedade, salvo se a mesma incorre em
falência ou insolvência.
Portanto a ação constitui título mobiliário que representa a participação no capital, e ao
mesmo tempo que representa o patrimônio da sociedade. E o acionista é obrigado a realizar nas
condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às
ações subscritas ou adquiridas. Se o estatuto e o boletim forem omissos quanto ao montante de
prestação e ao prazo ou data do pagamento, caberá aos órgãos da administração efetuar a
chamada, mediante avisos publicados na imprensa para o pagamento. O acionista que não fizer
o pagamento nas condições previstas no estatuto ou boletim, ou na chamada, ficará de pleno
direito constituído em mora, sujeitando-se ao pagamento dos juros, da correção monetária e da
multa que o estatuto determinar.
Por outro lado o valor subscrito, pago, não assegura ao que passa a deter a ação o direito
de receber e ou negociar exatamente com base no valor desembolsado, desde quando as ações
podem sofrer desvalorização ou simplesmente descapitalizar, quando o capital social da
companhia perder a capacidade produtiva, sem ativos para respaldar o valor primitivo ou
histórico.
A lei impõe ao acionista a obrigação de integralizar a parcela do capital que subscreveu,
de acordo com as condições previstas. Até o integral pagamento do preço de emissão das ações
subscritas o acionista estará na posição de devedor. Poderá, portanto, a companhia, como
credora, constituir o acionista em mora e obrigá-lo ao pagamento por qualquer dos meios
previstos em lei. Cumprida a obrigação de integralizar a quantia subscrita a título de capital,
não responde o acionista por esta obrigação, e passa a posição de sócio da companhia.
A lei especifica responsabilidades dos acionistas quando se revestem na qualidade de
controladores e ou exercem o direito de voto. Tais responsabilidades, no entanto, não têm
caráter de obrigação, por isso que defluem de direitos – de controle e de voto – que devem ser
exercidos sem abuso de poder e de direito, respectivamente. Por esse entendimento, é que há
posição de que a única obrigação do acionista seria a de integralizar a ação subscrita, e que a
prática de abuso de poder e outras que possam ser utilizadas, não seriam propriamente
399 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à lei das sociedades anônimas, Forense, 1977, p. 159.
229
obrigação. Contudo o estatuto pode especificar restrições aos acionistas, e considerar obrigação
fundamental e irretratável do acionista. O que a lei impõe é a de pagar integralmente o preço
de emissão das ações que subscreveu ou adquiriu, pois a obrigação de cada acionista que
subscreveu ações é direta e pessoal.
Convém lembrar discussão a respeito do ato de subscrição, que vale trazer o comentário
de Modesto Carvalhosa ao explicar que a subscrição, com efeito, é um dos elementos da própria
constituição da sociedade, embora insuficiente para configurar a existência da pessoa jurídica,
é, contudo, requisito necessário para o início da sua constituição. Assim o ato de subscrição não
representa em si mesmo um contrato plurilateral, mas uma das cláusulas da avença que inclui
ainda a realização mínima e o depósito previsto em lei, que via assembleia de constituição ou
escritura pública e demais formalidades complementares, como o arquivamento e a publicação,
vão alcançar o objetivo visado, que é a constituição da companhia.
Segundo Modesto Carvalhosa, sem o cumprimento de todos esses procedimentos, o
contrato plurilateral de constituição não logra êxito, e não faz presente a companhia ao mundo
jurídico. O caráter plurilateral do contrato de constituição da sociedade, do qual faz parte o ato
de subscrição, é inquestionável, já que se trata de avença entre duas ou mais pessoas, em que a
prestação de cada uma é dirigida à consecução do fim ali propugnado. Não se trata, pois, de um
contrato preliminar ao de sociedade, condicionado à constituição desta. Cuida-se de requisito
essencial à constituição da companhia, que é parte integrante do próprio contrato de sociedade.
Tanto assim que a lei ao falar em “requisitos preliminares” não ha determinação dos
requisitos prejudiciais, ou seja, aqueles que não podem faltar ao conjunto das deliberações
plurilaterais consubstanciadas no respectivo contrato de constituição da companhia, sem as
quais a vontade confluente dos signatários não alcançará eficácia. Portanto, o ato de subscrição
é uma das cláusulas impostas pela lei, que integra o contrato plurilateral de constituição da
companhia ou da sua alteração, quando dos aumentos de capital por subscrição.
Com relação as subscrições posteriores de capital de companhias já definitivamente
constituídas, o caráter prejudicial ou preliminar da subscrição é idêntico. Assim, também, neste
caso haverá a alteração do contrato social, in casu o estatuto depende do preenchimento dos
requisitos prejudiciais previstos no artigo 170, da Lei das Sociedades anônimas.
Outro prisma que os juristas dão ênfase é a importância das participações públicas, pelo
potencial que tem em variados graus de influir no comportamento das empresas privadas
participadas, que, indiscutivelmente possuem uma importante função regulatória, que se
230
manifesta tanto na sua integração com outros agentes econômicos, quanto no âmbito interno da
companhia400.
A participação estatal minoritária também pode ser empregada com o objetivo de regular
internamente a atuação em sociedades privadas que receberam aportes de recursos públicos.
Nesse caso, as participações cumprem um duplo papel, sendo, ao mesmo tempo, um mecanismo
de incentivo e financiamento daquela atividade econômica e um meio de fiscalização e controle
do comportamento daquela empresa401.
Quando a lei fala da obrigação do acionista de integralizar, torna-se necessário distingui-
lo nitidamente da figura do subscritor, pois na doutrina nem sempre é nítida, como salienta
Pontes402.
Os elementos condutores para a constituição do capital social de uma companhia,
indubitavelmente mostra que o subscritor, sendo pessoa natural ou jurídica que subscreve ações
de uma companhia em constituição, adquirirá automaticamente a qualidade de acionista logo
que esta se constitua em definitivo. Para adquirir a qualidade de sócio, o subscritor deve
aguardar a constituição efetiva da companhia, pois não há acionista sem sociedade, por isso que
não pode haver relação jurídica, no caso, entre um sujeito de direitos, subscritor, e uma entidade
que ainda não está juridicamente personalizada (pois a companhia estaria em fase de
constituição).
Numa sociedade constituenda o subscritor faz uma promessa de integralização que lhe dá
a vocação para se tornar sócio, a partir do momento em que a companhia se constitua. Porém,
é certo que essa promessa não lhe traz a qualidade de sócio, se a companhia não estiver
constituída ou se, por qualquer motivo, não vier a se constituir. Não completado o ritual jurídico
da constituição de uma sociedade anônima, mesmo depositados os valores a compor o capital
social considerado suficiente para a vida empresarial como o apontado no objeto social, não
autoriza o funcionamento da mesma, seria um interessado exercitando uma expectativa.
Resumidamente esclarece-se que integralizar uma ação é pagar a dívida nascida do ato
de subscrição, que Modesto Carvalhosa adverte das mais diversas razões têm sido invocadas
para justificar a exigência legal de uma integralização inicial mínima. Com essa medida,
evitam-se as subscrições fictícias ou imprudentes. Por outro lado, ela permite à companhia ter
400 GUEDES, Filipe Machado. A atuação do Estado na economia como acionista minoritário. 2015. São Paulo:
Almedina Brasil, p. 113. 401 Idem, op. cit. p. 117. 402 PONTES, Aloysio L. op. cit. v. 2, p. 7.
231
desde logo quantias necessárias ao início do empreendimento, ao mesmo também, impede a
especulação que os subscritores poderiam realizar sobre ações subscritas, transacionando-as,
sem haverem desembolsado quantia alguma.
Desse movimento de ações das companhias, que agita o capital social quando ocorrem
aportes de capital privado, ou aporte de capital público em sociedade empresaria, o mercado
pode ficar inseguro, numa percepção, temor, propiciando um receio que atos de sagacidade
possam estar sendo exercitados por algum ator no mercado de capitais, posto em um sitio
sensível a especulações na movimentação de ações, interferindo e gravitando sobre o capital
social das companhias, com injeção ou manipulação de significativos valores, cujos montantes
podem desestabilizar a estrutura, a politica econômica das companhias, e caso esteja presente
nesse cenário o Estado como acionista em sociedades, vulneráveis suas ações, passivas de haver
negociações na bolsa de valores e mercados similares.
Essas articulações dos empreendedores não se limitam, ou, serve apenas como
instrumento de especulação, mas de qualquer modo, também intervém nas áreas de
investimentos, criando circunstancias econômicas que podem fomentar ou regular o setor, indo
ou não em socorro das sociedades em dificuldades financeiras, gerando sequelas imprevisíveis,
e influindo na gestão das companhias que atuam no mercado de capitais.
Nesse contexto, quando se tratar da participação societária estatal pode ser encarada como
um verdadeiro mecanismo de regulação mercadológica, tendo em vista que é direcionada as
empresas participadas, estando apta a influenciar o mercado num todo, produzindo efeitos na
conduta dos diversos agentes ao influir sobre as variáveis econômicas de oferta, demanda e
preço403.
A participação do Estado no capital social das sociedades empresárias pode se dar de
diversas formas, como detentor de parcelas, que podem ser consideradas, traduzidas como
acionista, de forma intencional ou de forma acidental. De forma intencional, ela se apropria de
participações societárias privadas como forma de intervenção na ordem econômica, podendo,
para isso valer-se de meios de Direito Público ou de Direito Privado404.
O Estado pode criar empresas estatais, bem como pode desapropriar ações de sociedades
privadas, também é possível o uso estatal de instrumentos característicos do Direito Privado,
403 GUEDES, Filipe Machado. A atuação do Estado na economia como acionista minoritário. 2015. São Paulo:
Almedina Brasil, p. 119. 404 Idem, p. 59.
232
como o contrato de compra e venda, e diante de decisão do Poder Público procurando atuar no
domínio econômico. Assim o Estado pode ter participações em sociedades mercantis, e manter,
como ocorre no âmbito privado, corriqueiro, no linguajar comercial, uma carteira de
participações, em que figura a titularidade do Estado em pessoas jurídicas, à exemplo das
sociedades de economia mista.
É considerado vulgar a transferência para a titularidade do Estado ou de outras pessoas
coletivas públicas, envolvendo o exercício dos correspectivos poderes de gestão, de um
conjunto de títulos representativos de participação no capital de sociedades privadas. Esta
transferência pode fazer-se através dos meios de direito privado; compra-e-venda, sucessão
legitimaria, doação, etc., ou no veio de direito público405. O Estado fica assim transformado em
acionista, titular das ações e consequentes direitos decorrentes dessa posição acionária,
assumindo a posição de sócio, majoritário ou não, participando na produção, na administração
da companhia ou possibilitando a sua ingerência nos destinos na vocação empresarial.
De fato, o Estado passa a ter a possibilidade jurídica de direito privado, e numa
circunstância bem peculiar, é que o Estado fica suscetível de atribuir a essa gestão, não somente
poderes, mas também os que podem advir dos poderes públicos, que podem suscitar conflitos
de eficácia de ação, uma vez que pela dinâmica empresarial privada, esta é mais dotada de
agilidades, rapidez de decisão, enquanto pelo encaminhamento pela via assimilada do poder
público, fica adstrito às suas próprias normas.
A intervenção do Estado manifesta-se no controle destas empresas privadas que passam
a ser utilizadas como instrumento dos fins públicos. O controle fica atrelado à maior titularidade
exercida pelo Estado detentor da maioria das ações, impondo seus poderes unilaterais de
império, mesmo quando a sua posição possa não ser maioritária, ou mesmo nula, nomeia
administradores e gestores, representantes dos seus interesses e desígnios, dotados de poderes
especiais, tais como os de suspender a executoriedade ou vetar as deliberações sociais. A
posição de controle do Estado pode derivar também da sua titularidade de ações privilegiadas,
como se disse, tendo em atenção os especiais direitos de sócio que conferem, suscetíveis de
assegurar, não obstante minoritárias, mas, mesmo assim, detém um caráter excepcional406.
Ainda oportuno ventilar a respeito das “golden shares” do Estado, que são direitos
especiais permitindo ao Estado ou outras entidades públicas intervir na tomada de decisões da
405 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. Coimbra; 6a. ed., 2012, p.p. 390-391. 406 Idem - p. 392.
233
sociedade comercial e na delimitação da sua estrutura acionista, detendo uma parcela do capital
social, por vezes associada ao direito de veto sobre as deliberações sociais.
Através das “golden shares” o Estado controla o mérito da própria decisão societária,
mas, como adverte Moncada, a jurisprudência europeia entende que o interesse em salvaguardar
a concorrência não é qualificado para viabilizar os direitos especiais. De um modo geral, esta
jurisprudência é exigente quanto à medida daquele interesse e restaria nas exceções à liberdade,
uma vez que, deve-se impedir que existam maiores privilégios em favor de determinado
acionista, inclusive impedindo que sócios concorram na gestão e no controle da sociedade
empresária, medida que evidencia diminuição aos direitos dos demais acionistas.
O direito europeu viabiliza as “golden shares” não discriminatórias relativamente a
estrangeiros e justificadas por razões de ordem pública e de segurança, designadamente no
âmbito dos serviços de interesse econômico geral. Portanto a sua presença é uma
excepcionalidade, encarada até como uma anomalia na ordem legal407
Espera-se do Estado Empresário, quando Estado acionista, eficiência, usando seu cabedal
na prossecução dos fins públicos, fomentando benefícios e vantagens à coletividade nacional,
atos que a comunidade espera como uma proteção em seu favor e em beneficio para o interesse
público coletivo, como uma autopreservação de uma gestão orientada exercitada pelo Estado-
empresário, na posição de acionista controlador da sociedade mercantil sob o molde de
sociedade de economia mista, exercitando vontade que deve ser do interesse da coletivo.
Desse quadro há se ser observado e considerado o direito de votar, o voto bom.
5.1 Voto
O ponto de contato de uma modelagem de vontade para exprimir uma opção sobre
algum interesse coletivo está na experiência do voto, criado para atender de forma proveitosa,
e para minimizar os conflitos em várias esferas, especialmente nas de poder e negócios,
podando confrontos e ambições desregradas.
No desenvolvimento social das coletividades e dos seus integrantes, líderes e pensadores
decantaram e aplicam o instrumento do voto em diversas situações políticas para obter soluções
407 MONCADA, op. cit. pp. 411/413.
234
úteis e pacíficas. Utilizando do voto as pessoas conseguiram atender vários interesses,
superando iminentes e possíveis beligerâncias, bem como possibilitou predominar a vontade da
maioria aspirando soluções honestas, prudentes, rápidas e seguras, proporcionando a paz social.
O sufrágio expressa um desejo de deliberar, e ao mesmo tempo reúne outras vontades
para alcançar, efetivar determinado objetivo.
O voto faz aderir o individuo a um interesse. Assim considerado, e enquanto
enquadrados, deve-se exercitar o voto como direito.
Compreende-se voto, oriundo do latim votum, como uma promessa solene, às vezes, um
pedido, como súplicas que os fiéis faziam aos deuses em práticas religiosas.
Uma noção que não deve ser desconsiderada, bem presente na vida de muitas pessoas,
são o voto de castidade e o voto de pobreza, que se supõe, praticados com intensidade por
integrantes de certas ordens religiosas, e outras pessoas desapegadas aos bens materiais.
Também aparece a expressão usual “faço votos de que ele se recupere da doença”, como
tradução de desejo benfazejo.
Nas igrejas e nos santuários aparece os ex-votos (“por causa de promessa”), pinturas ou
imagens de cera e outras espécies, colocadas por pessoas que tiveram uma graça alcançada.
No final do século XV o termo passou a designar também a opinião que o cidadão
manifesta a respeito de uma proposta ou de um candidato; num verdadeiro regime democrático,
todos os assuntos importantes são decididos pelo voto, isto é, pela escolha livre dos eleitores408.
Sustenta Messineo que o direito de voto tem conteúdo não-patrimonial e nele se
concretiza uma parcela da soberania social, uma expressão política de cidadania. A liberdade
do votante, quando assim se compatibiliza com a figura do eleitor, para garantir a expressão
sincera da vontade do cidadão, sem abrigar dependências, de modo que esteja seguro para
afirmar a sua opinião, sem qualquer ameaça de corrupção ou vinganças, impedindo que o eleitor
fique à mercê de qualquer constrangimento, pressão, abuso de imposição, para que não aconteça
qualquer tibieza quanto ao seu legitimo direito e dever de agir. Um ato livre de intromissões,
um exercício equilibrado.
Essa configuração também está no campo do direito societário, onde o participante da
assembleia geral, como o sócio ou não, pode exercer uma atividade independente (uti singulus),
408 Dicionário etimológico – www.dicionarioetimologico.com.br
235
ou quando essa atividade é absorvida pela do corpo colegial de que é parte (uti socius), pode
exercitar essa faculdade de expressão pessoal que repercute no seio das sociedades empresárias
que dependem da deliberação a conduzir os seus destinos. O voto do acionista pode ser exercido
pessoalmente ou por intermédio de procurador, amoldando-se as disposições legais pertinentes.
É relevante o direito de voto no seio do direito societário, na medida em que se vincula a
condução de uma sociedade empresária, de modo que os sócios e dirigentes expressem vontade
e direito, evitando-se que possa haver distorção desse exercício de vontade subordinada a regras
próprias.
Ao longo de muitos anos as atividades das sociedades anônimas sedimentam os seus
envolvimentos, em especial naquelas que tem ações dispostas junto ao mercado de capitais,
com os acionistas usando-o como reduto de soberania e poder para determinar os destinos da
companhia, como arma de essencial importância, no direito de votar. O exercício do direito de
voto está presente no controle da sociedade, bem como em muitas e significativas
circunstâncias e interesses dos acionistas, ou de alguma forma em favor da companhia.
O princípio capitalista que caracteriza a sociedade anônima e que pode ser encarado como
prática democrática, é o voto, e este leva a um comando, que pode ser majoritário, ou
corresponder a uma proporcionalidade. O direito não constitui um direito intangível do
acionista, esse direito decorre da lei, do estatuto social da companhia, e até mesmo por alguma
decisão estribada na norma legal para o bom exercício, limitar ou elidir.
O adquirente de ações da sociedade em formação, ou já constituída, para integralizar o
capital social da sociedade, com ou sem direito a voto, torna-se acionista. Os juristas alinhados
a esse entendimento, denominam investidor, passando a detentor de direitos, com direito a se
manifestar em assembleia expressando a sua vontade, opinando, e a depender da espécie do
tipo da ação poderá exercitar o voto nas deliberações da companhia, de acordo com a sua
posição acionaria, podendo traçar o destino da sociedade empresária.
Colhe-se em Corrêa-Lima409 que:
Como regra, o acionista tem grande liberdade de julgamento em matéria de
voto. A propriedade de uma ação votante não lhe impõe o dever de votar.
Confere-lhe o direito de voto.
Se ele exerce tal direito, não há objetar que seus motivos são egoísticos e de
proveito pessoal, ou determinados por mero capricho. O limite de sua
liberdade é encontrado no dever de lealdade que o acionista tem para com os
409 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Direito de voto na Sociedade Anônima. Revista da Faculdade de Direito
UFMG, pp. 134-156.
236
demais acionistas. E esse dever de lealdade vai ser explicitado pela
jurisprudência, com os ingredientes fornecidos pelo artigo 115 da lei.
Pelo artigo 110 da Lei nº. 6.404/76 a cada ação ordinária corresponde um voto nas
deliberações da assembleia-geral. O estatuto pode estabelecer limitação ao número de votos de
cada acionista, possibilitando em situações muito especificas, vistas na prática, uma vez que na
realidade nem sempre estão presentes na assembleia o acionista singular, talvez porque não
seja, amiúde, haver o interesse ou condições desses acionistas minoritários comparecer a essas
reuniões, inclusive face o deslocamento, não obstante, o acionista deve ter liberdade para
apreciar e julgar matéria que deve ser decidida pelo exercício do voto. A propriedade de uma
ação votante não lhe impõe o dever de votar, confere direito de voto. Há inclinação conceber
que esse direito não deve sofrer limitação, tampouco ferir a liberdade do eleitor.
Nessa linha a lei das sociedades anônimas pelo parágrafo primeiro do art. 115, apresenta
o voto como elemento de proteção do interesse social, regulando as hipóteses de impedimento
de voto por acionistas em assembleia geral. Esse dispositivo pode ser entendido como um
mecanismo de proteção dos acionistas minoritários, não obstante haver questionamento quanto
a sua aplicação, especialmente, tendo em vista as particularidades das sociedades de economia
mista em relação às demais companhias, questionando-se eventual impacto do quanto dispõe o
art. 238 da Lei nº. 6.404/76, permite que a pessoa jurídica que controla a companhia de
economia mista poderá orientar a gestão, as atividades da sociedade de economia mista para o
fim de sua criação, nas discussões sobre impedimento de voto do acionista controlador em
sociedades de economia mista.
Sendo o acionista o detentor desse direito, uma das indagações que emerge é com relação
a esse direito sob uma hipotética subordinação do membro de um conselho a um dever de
lealdade para com o acionista que o escolheu, ou elegeu (o conduziu) a essa posição de gestão.
Este é um ponto crucial, talvez o axial, decifrar esse dever, esse limite de liberdade e de vontade.
De igual modo, observa-se quando o acionista de uma companhia aberta, ou de uma
sociedade de economia mista, estando na posição de acionista controlador ou majoritário,
indica, escolhe (elege) um acionista ou não, para compor o Conselho de Administração dessa
companhia. Então, compondo o órgão, na posição de membro torna-se um condutor de decisões
do referido acionista, devendo assumir o encargo com independência e responsabilidade,
podendo discordar do acionista que o conduziu ao aludido Conselho.
237
Com a Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016 apresentam-se requisitos para compor as
obrigações dos gestores da sociedade de economia mista. Lá estão as diretrizes que exigem
cumprimento, que não deve se comportar como um simples expectador, uma vez que a atitude
na condução do voto perante o aludido órgão deve se coadunar com as disposições da lei
sincronizando os interesses dos acionistas sintonizados com os interesses sociais, e não
simplesmente com o interesse do acionista eleitor, majoritário / controlador da companhia.
O voto significa o poder do acionista, expressando a capacidade de decidir a diretriz do
comando empresarial, que por sua vez interfere no resultado na gestão da companhia.
De algum modo, também interfere nos destinos dos habitantes da localização da sede e
do parque fabril, que pode gerar não somente emprego e mão de obra terceirizada, mas conviver
com interferências no meio ambiente, precarizando a segurança e a economia do território.
Onde está estabelecida a companhia, convive-se com o denominado direito custo, que
atrai benefícios a população e aos entes públicos, com a arrecadação de impostos e retribuição
tributária para a região, e ao mesmo tempo experimenta os elementos exógenos dessa atividade.
A atuação da sociedade de economia mista sob escolha do governante, submete-se a
estratégia de política publica do mesmo, que enlaça a sociedade empresária a um projeto
predeterminado para atender a uma realidade econômica-social.
As decisões advindas do voto podem ser consideradas positivas ou negativas,
ocasionando embaraços ou não aos demais acionistas, minoritários ou não. O certo é que o voto,
de qualquer modo intervém na vida da companhia. Quando se trata do exercício do voto em
uma sociedade de economia mista, este alcança também, a coletividade gerando algum
resultado econômico social, por isso é que a comunidade suscitar questões dessa ordem quanto
aos destinos da sociedade empresária.
Nesse conjunto de indagações apresenta-se em especial, se o voto representativo do
conselheiro no conselho de administração está subordinado, vinculado a um dever de lealdade
perante o acionista que o conduziu ao órgão da companhia, idealizando o comportamento do
membro do órgão como suporte de uma obrigação indeclinável, a ser cumprida no âmbito
econômico social, deparando-se com a opção de manter vínculo de subordinação ao Estado-
acionista, por um dever de lealdade hierárquico, ou por outra motivação, ou dedicar-se aos
interesses coletivos além do intramuros da companhia.
238
Uma série de reflexões, conflitos, princípios éticos e democráticos, e muitos outros
entram na depuração da relação jurídica entre governante e governados, todos presentes nos
interesses sociais, políticos e partidários, e nos discursos recepcionados pela população
expectadora dos acenos, das promessas conclamadas nas campanhas eleitorais para eleição dos
governantes e representantes nas casas legislativas.
O sentimento da sociedade em um todo, pela significativa parte, é de malogro.
Predominando a hipócrita procura de sintonia e simpatia popular, decepcionada com a máquina
do poder estatal, numa estrutura política prevalecendo a vontade do governante, sem esbater as
motivações que violentam a boa ordem ética, jurídica, econômica, política.
Ao perquirir o direito, nem sempre propicia as desejosas respostas que estão no pedestal
do interesse coletivo. As respostas em geral derivam de situações inescrupulosas, que
contaminam o âmbito do direito societário, que se afasta da ética e do atendimento ao bem
comum.
Dispõe o artigo 115 da lei da sociedade anônima, que o acionista deve exercer o direito
do voto no interesse da companhia, e será considerado abusivo o voto exercido com o fim de
causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem
a que não faz jus e de que resulte, ou possa acontecer prejuízo para a companhia ou para outros
acionistas.
O ponto relevante do aludido dispositivo legal é que o voto deve ser exercitado no
interesse da companhia. O acionista exercita a sua vontade investido dos poderes concentrados
no interesse da companhia, com os limites atinentes a carga de especulação dada a
subjetividade.
O votante exercita o seu poder de decisão que não pode ser por mero capricho ou antipatia
para com os gestores da sociedade empresaria, ou simplesmente votar desaprovando contas
quando estas não merecem censura, devendo ater-se naquelas que realmente devem ser
impugnadas, ou criticada para os devidos consertos, sob pena da companhia a percorrer um
traçado injusto, pernicioso, acarretando danos à mesma, aos acionistas, por consequência a
coletividade, face algum interesse egoísta, sentimentos desairosos do eleitor.
O direito de voto deve ser exercitado pelo acionista, motivado para o bem comum, sem
qualquer carga egoísta ou na busca de proveito pessoal que viole as disposições legais.
Tampouco o acionista deve usar o direito do voto no seio empresarial por mero capricho,
239
limitando qualquer “vínculo” com o alegado dever de lealdade que tem, ou possa ter, para com
os demais acionistas, quer sejam ou não, controladores ou majoritário da companhia.
Quando o acionista vota contra a verdade dos fatos, expressa abusividade, destempera a
integridade desse direito por ser procedimento doloso, a causar prejuízo a sociedade empresária
e ou aos acionistas. A obtenção de vantagem indevida, para si próprio ou terceiros, gera dano
que deve ser reparado, por isso o voto tem significativa importância, cujo exercício deve ser
exercido pelo acionista com responsabilidade, não podendo exasperar, ir além das fronteiras
dos interesses da companhia.
O artigo 117 da Lei das S. A. mostra os contornos de voto abusivo, a manifestação de um
negócio que envolve uma declaração de vontade destinada a unir-se com outras declarações dos
demais sócios, fundindo um acordo coletivo, expressando à vontade social. O voto abusivo
envolve sempre um elemento subjetivo. O dolo caracteriza intenção deliberada do acionista de
causar dano à companhia ou a outros acionistas ou de obter vantagem indevida para si próprio
ou para terceiros, em detrimento da companhia ou os outros acionistas410.
O direito de voto é concedido ao acionista para a defesa de seus interesses na
administração dos assuntos comuns. É um poder na expressão de von Tuhr411, é um exercício
de um direito que afeta os demais acionistas e apenas quanto estes sejam prejudicados se
apresenta a questão de saber se a defesa dos próprios interesses justifica o prejuízo causado,
questão a que, conforme os princípios sobre o abuso de direito, se deve sempre dar resposta
negativa, se o prejuízo serve apenas à satisfação de interesses individuais extra sociais do
acionista que vota e não à dos interesses individuais comuns.
O voto constitui declaração unilateral de vontade, destinada à formação da vontade do
órgão social, obedecendo pressupostos legais. A vontade declarada individualmente deve
preencher os requisitos de regular instalação da assembleia, atendendo o quórum previamente
adotado, que pode ser de maioria legal e de validade da declaração individual, cujo resultado
passa a constituir manifestação de vontade da assembleia geral imputável à sociedade.
O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia, sem olvidar o
desiderato da companhia, mesmo que seja um acionista pessoa jurídica. O abuso no exercício
410 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8a. ed., Rio de Janeiro. Renovar. P. 329. 411 VON THUR, Andreas. Partie Gênérale du Code Federal des Obligations, trad. de Maurice de Torrente e
Emile Thilo, 2a. ed., Lausanne (Imprimerie Centrale),1933, vol. I, § 3.
240
do direito de voto quando praticado com o fim de causar dano à companhia não somente macula
esse direito, num fim improprio.
Deve-se destacar que um ato ilegal viola direito ou transpõe limites objetivos fixados para
o exercício do direito.
O ato abusivo é praticado no exercício do direito, dentro dos limites fixados pelo
ordenamento jurídico, representando um desvio da finalidade para a qual o ordenamento
conferiu esse direito. Importante enfatizar não só o ato emulativo com objetivo de prejudicar,
também o ato praticado com intuito de fraude, mas é o ato que representa um desvio de
destinação do direito, é o exercício do direito contrariamente a seu fim ou função social,
conforme a dicção de Batalha412.
O direito de voto deve ser exercido no interesse da sociedade, que deve superar os
interesses individuais dos acionistas quando em conflito. O caput do artigo 115 da lei da S.A.
considera-se abusivo o exercício do direito de voto com o fim de causar dano à companhia ou
a outros acionistas (exercício do direito ad aemulation, consoante teoria mais antiga, endossada
por Filomusi-Guelfi413; obter, para si ou para outrem, vantagem a que faz jus e de que resulte,
efetiva ou potencialmente, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
Assinala Josserand414 que os limites traçados ao direito são exteriores à teoria do abuso
dos direitos, à sua utilização em direção diversa da direção legal, à violação do espírito da
instituição. A ideia harmoniza-se com os preceitos do artigo 116, parágrafo único, que impõe
ao acionista controlador o dever de usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu
objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionistas da empresa, com os que nela trabalham, para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
Importante realçar aspecto histórico na legislação das sociedades anônimas, uma vez que
o diploma de 1940 não instituiu a figura do acionista controlador, fundava-se o diploma em
critério diverso, qual seja, o do voto prevalecente em cada assembleia. Os acionistas eram
simplesmente divididos entre ordinaristas e preferencialistas. E para aqueles ordinaristas, cuja
vontade prevalecia, não criava responsabilidade alguma. Não havia com efeito, sequer a figura
do acionista majoritário na lei revogada, na medida em que não era ele tratado de forma distinta
412 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdução ao Direito. São Paulo, 1968, v. II, p. 854. 413 FILOMUSI-GUELFI, Francesco. Enciclopédia Giuridica, 1910, p. 219. 414 JOSSERAND, Louis. De l’Esprit des Droits et de leur Relativité. 2a. edição, 1939, nº. 17.
241
no confronto com os acionistas em geral. Assim, para os acionistas que logravam eleger os
diretores não criava o antigo diploma de responsabilidades específicas. Estas eram previstas
apenas para os administradores. Em consequência, o comando da companhia era atribuído à
sua administração, que respondia solidariamente pela má gestão.
Mesmo quando a lei de 1940 tratava da participação da sociedade em outras sociedades
empresárias, o art. 135, § 2º determinava que os diretores, no seu relatório, deveriam fornecer
informações nos balanços sobre o valor dessas participações, sem alusão ao controle. Assim,
somente na prática societária, sem nenhum efeito legal, é que se fazia menção à figura do
acionista majoritário.
No antigo regime societário de 1940, os próprios acionistas com maior número de ações
votantes é que se auto elegiam para a diretoria. Havia assim, na prática societária, uma confusão
entre propriedade de ações e comando da sociedade. Era a época dos denominados “capitães”
de indústria, tempo em que a história retrata o forte poder desses empreendedores, e dos grupos
acionários familiares, dirigiam a companhia sem maiores gestos para atender a função social
da empresa.
O diploma de 1940 não outorgou à minoria acionária nenhuma participação institucional
nas decisões da assembleia geral, prevalecendo o quórum majoritário absoluto na eleição de
todos os membros da administração da sociedade.
Aqui vale abrir um parêntese para abordar um ponto que pode dar relevo no âmbito das
sociedades anônimas, e poderia até mesmo ser entendido como dispensável por se tratar de uma
matéria alheia a base da decisão empresarial, contudo, ultimamente tempera-se discussões sobre
a função social da empresa, envolvendo-se ideologias, direitos individuais, mesmo que não
sejam considerados direitos dos acionistas.
Oportuno destacar um alerta quanto aos aspectos da desproporção de poderes nas
sociedades de economia mista quando está a exercitar múltiplas funções, como a debatida
tríplice função do Estado como acionista controlador, regulador do setor e formulador de
políticas públicas, invocando o guia da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OECD que estabelece medidas de proteção, aguçando leis, políticas e práticas
relativas aos consumidores para impedir comportamentos fraudulentos, enganosos e desleais.
Estas proteções são indispensáveis para suscitar, trazer à tona a confiança dos consumidores,
estabelecer, uma relação mais equilibrada entre empresas e consumidores nas transações
comerciais.
242
Os direitos individuais dos acionistas reconhecido pela legislação específica das
sociedades anônimas em diversos países, têm apresentado muitas vezes contorno ideológico,
refletindo evidente concepção política do constitucionalismo, gerando declarações que estão
estampadas com caráter unitário ou esparsa das prerrogativas inderrogáveis dos sócios nas
legislações ocidentais, com matizes diversas. Carvalhosa faz refletir a visão da sociedade
política de cada país em determinados períodos.
Adverte Pedrol415 que os direitos próprios (individuais) dos acionistas (Sonderrecht) do
direito alemão, consagrados no seu Código Civil, desde a entrada em vigor, sofreu nítida reação
da lei alemã de 1937, (mas não os reconheceu no período nazista). Por outro lado, nos países
eminentemente democráticos, como a França e a Suiça, o direito de voto do acionista é erigido
como prerrogativa fundamental e inderrogável. No Brasil onde o direito de voto político não
era respeitado no Estado Novo, o Decreto-Lei nº. 2.627, de 1940, deixava de incluí-lo no elenco
de prerrogativas disposto no artigo 78.
Importante trazer a colação a afirmação de Modesto Carvalhosa416 que a lei vigente de
1976, seguindo a esteira da anterior, refletia o sistema político do momento. Não só deixa de
incluir o direito de voto entre as prerrogativas essenciais dos acionistas, como nega
praticamente esse direito aos não controladores, ao retirar o seu exercício às ações ordinárias
ao portador (art. 112), discriminação odiosa que, por razões diversas, acabou sendo revogada
pela Lei nº. 8.021, de 1990, dando a entender como uma crítica à legislação de outrora.
Temos, assim, que as Leis nº. 6.404, de 1976, e 9.457, de 1997, não somente
deixaram de evoluir com referência à lei de 1940, como involuiram
profundamente no que respeita ao principal direito do acionista, qual seja, o
de participar das deliberações sociais em assembleia geral.
A Lei nº. 6.404, de 1976, não pode, com efeito, ser alinhada na concepção
democrática da sociedade anônima, fundada no contrato social, em que o voto
é o principal instrumento de participação e de representação social.
Adotou-se, com efeito, no direito societário de 1976, um institucionalismo
germânico da empresa em si (Unternehmen an sich), segundo o qual os controladores e seus administradores deveriam administrar a companhia sob
sua própria responsabilidade, para o bem da empresa e de seus empregados e
no interesse comum do povo e do Estado.
Na lei de 1976, o acionista controlador é guindado à posição de mando
absoluto da companhia. Consequentemente, torna-se responsável pelo destino
da sociedade e pelo cumprimento de seu papel institucional.
Com efeito, dispõe essa lei que o acionista controlador deve usar o poder com
o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir sua função social
e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa,
415 PEDROL, Antonio. La anónima actual y a la sindicación de acciones, Madrid, Ed. Revista de Derecho
Privado, 1969, p.p. 70, 113 e 119. 416 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, 2º vol., p. 374.
243
os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e
interesses deve lealmente responder e atender (art. 116, parágrafo único).
O artigo 110 e seguintes da lei de sociedades anônimas expressam o direito de voto,
conduz a compreensão que os acionistas isolados e independentemente do importe de suas
participações no capital da sociedade, são titulares de direitos mínimos, ou essenciais, que
podem ser postergados pelo estatuto ou pelas assembleias gerais. São os Sonderrechte (direitos
especiais) ditados pelos autores alemães, ou o do direito adquirido impostergável
(Wohlerworbene Recht - direitos adquiridos).
Na hipótese de acordo de acionista não se admite ter em mira qualquer objeto ilícito, não
obrigando a parte seguir a diretriz fixada no aludido ajuste. O acionista deve seguir a previsão
legal contida no artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Da compreensão do voto, da sua essência desse ato-direito que a lei confere ao acionista
que interfere na condução da sociedade de economia mista promove expectativas ao cidadão, e
não somente aos acionistas e dirigentes, uma vez que essa manifestação singular do voto,
alcança também a comunidade em geral, esperando que esse exercício aconteça dentro dos
limites traçados no direito, sem qualquer nódoa, contrariar ou abusar direitos e deveres,
obrigações que impõe também ao acionista controlador de usar o seu poder para alcançar o fim
da companhia, cujo objetivo é de cumprir a função social da empresa.
Adverte-se que esse modelo não enseja desvelo no cumprimento de algum acordo de
acionista, que também deve ser examinado com extrema atenção, para não conferir validade a
um instrumento que possa desmerecer validade.
O acordo de acionistas deve ser lavrado de acordo com o anseio dos acionistas e da
comunidades onde está instalada a sociedade empresária, não podendo ser construído por
circunstancias, motivações de erro, coação, e outros vícios, que venham impedir a validade do
vinculo acordado, a ser considerado abusivo, e sob suspeita de violação.
O direito de votar está vinculado a lei, e não a meras questões que possam ser entendidas
como episodicamente relevantes para a condução da companhia, desde quando essa justificativa
não pode ter amparo legal, e sequer poderá contribuir para o interesse entre acionistas.
É por meio do voto, em um regime legal representativo que circunda a missão, por mais
difícil que seja, de cuidar, de harmonizar os interesses dos eleitores no cumprimento da lei,
contribuindo valiosamente com as luzes e o saber que manda a justiça, e a cidadania, com
244
interferência direta ou indireta nas responsabilidades para com o país, extirpando perigos de
erros, pressões, influencias e intrigas.
Visto o direito de voto pelo acionista, passa-se a compreensão sobre o quórum como
requisito para a completude do ato de votar.
5.2 Quorum
Quando pessoas se reúnem para apreciar, discutir algum assunto do interesse de todos,
que variam no tempo e espaço, este conjunto de pessoas pode ser denominado de assembleia,
ou simplesmente reunião, que no âmbito da sociologia chama-se grupo.
A agregação desse plenário objetiva deliberar, decidir para que haja uma solução para
atender um ou vários interesses dessas pessoas que compõem esse grupo, a fim de votar e
proclamar o resultado para adotar o assunto aprovado. Esse colegiado com o resultado da
apuração busca dar solução para atender a necessidade desse grupo. Em geral utiliza-se de
procedimento simples. Indaga-se a cada dos participantes como resolver a necessidade, e o
procedimento correspondente a adotar. Assim, cada um dos presentes com direito a voto,
sufraga o seu voto a fim de traçar algum rumo ou obter entendimento para estabelecer uma
decisão. A soma do escrutínio, é a conclusão da votação, cujo resultado leva-se ao
consequentemente desiderato.
Quanto se tratar de eleições, deve haver e corresponder aos verdadeiros intuitos, porque
a escolha exige a observância rigorosa da norma que construiu esse mecanismo, que pode ter
substrato costumeiro ou não. O importante nesse escopo é que fique e está assegurando o direito
do voto, capacitando cada um eleitor a faculdade de intervir na escolha do quanto do interesse
submetido. A votação é uma oportunidade, às vezes obrigatória, outras sem qualquer peia.
Quando o grupo determina que deve haver um procedimento próprio, procura seguir um
roteiro previamente estipulado a fim de obter determinado resultado que interessa ao grupo, ao
mesmo tempo que procura preserva-lo, estabelecendo regras de comum acordo, para deliberar
e fazer cumprir a decisão adotada para o mesmo grupo, ou além das suas bordas.
Em geral, indica-se previamente o assunto que será submetido (pauta) a um determinado
número mínimo de participantes, presente em determinado local, em hora e dia previamente
245
estabelecidos, onde haverá o encontro dos componentes do grupo, conferindo-se a presença
desse número mínimo de integrantes a deliberação que se pretende.
Essa convenção que é mais conhecida sob a denominação de assembleia, tem o objetivo
de não poder se reunir e tampouco deliberar o assunto em pauta, sem o assentimento de uma
certa parte das pessoas que a compõem, dai entender-se da necessidade, e como princípio de
número necessário, que em situações envoltas no campo jurídico, expressa um número legal,
que passou a denominar de quórum. Esse número mínimo serve para atender totalidade dos
corpos coletivos heterogêneos, consagrado como de grande utilidade nos ajuntamentos de
cunho democrático, que adotaram esse mecanismo para evitar concessões injustas e descabidos
privilégios.
Em geral essa reunião desse ente coletivo, que estabelece um numero mínimo que se
passou a denominar quórum, que em vários lugares e idiomas, incorporou-se costumeiramente,
não só na linguagem jurídica, também utilizado, como apropriada, em vários ambientes,
especialmente de possível beligerância, bem como no legislativo para indicar um certo numero
de membros em uma assembleia que necessita para validar as resoluções dela emanada417.
Montesquieu considerava que o corpo legislativo não deve estabelecer confluência por si
mesmo, porque um corpo não se considera como possuidora de vontade, senão quando estão
presentes, juntos todos os componentes. Havendo época própria, mais oportuna do que outra
para funcionar o corpo legislativo. Precioso que seja regulado esse tempo de celebração, através
da duração das sessões, tendo em vista as circunstâncias que se concebe para bem obter os
resultados de forma adequada.
Deve-se observar as conveniências de ordem e de método que as comunidades precisam,
quando se trata definir a prevalência de uma opinião onde estão presentes uma diversidade de
posições, manifestada no seio das corporações por escolha e critério, a fim atender, divulgar a
contento o que deve prevalecer, afirmar a vontade, a base da decisão do grupo.
A deliberação vencedora mostra a sua constituição de modo definindo a compreensão
para a sua efetividade, inclusive conferindo transparência, proporcionando a segurança da
vontade predominante. Essas decisões e expressões são adotadas com veemência na seara do
direito público, que também foram adotadas no campo das atividades privadas, demonstrando
417 COELHO, Henrique. O poder legislativo e o poder executivo no direito público brasileiro. 1905: Livro de
domínio público – disponibilizado pela Rede Virtual de Bibliotecas; veiculado pelo E book - Kindle 2012.
Capitulo V.
246
quanto assemelhados são tais comportamentos, e até mesmo a modo de sofisticação quando
aparece desenvolvendo o direito societário, alargando-se nas manifestações de grupos,
assentando-se nos mais diversos colegiados, como acontece nos condomínios residenciais, em
assembleias sindicais, no seio das sociedades empresárias, com maior intensidade nas
sociedades anônimas.
Nas sociedades anônimas a vontade social se realiza por votação através dos acionistas
votantes na assembleia-geral, quando concorrem todos os acionistas com direito de voto. A lei
dispõe certas condições para que a vontade social seja determinada de forma expressiva,
estabelecendo critérios mínimos para a realização da votação. Existem vários tipos de
movimentos que a forma legal reconhece, como as hipóteses de vários tipos de quorum. São
conhecidos e praticados como os quorum denominados de instalação, de deliberação e quorum
qualificado.
No quorum de instalação da assembleia-geral, fora das exceções previstas em lei, em
primeira convocação será realizada com a presença de acionistas que representem, no mínimo,
um quarto do capital social, com direito de voto; em segunda convocação, instalar-se-á com
qualquer número. Não cogita a lei, nem, portanto admite, a alteração desse quorum por
disposição estatutária.
O quorum de deliberação, ressalvadas as exceções previstas em lei, será tomado por
maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco. Esse quorum pode ser
alterado, por norma estatutária, somente nas companhias fechadas para certas deliberações,
desde que especifiquem as matérias.
Em casos de quorum qualificado, a lei exige para a aprovação, acionistas que representem
metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior não for exigido pelo estatuto da
companhia fechada, para certas deliberações importantes, na forma das alíneas do artigo 136.
O quorum de instalação e o de deliberação são tomados tendo em vista o número de votos
presentes à assembleia-geral, ao passo que o voto qualificado tem por critério básico o número
de ações com direito a voto.
Os estudiosos sobre o assunto entendem que deve ficar claro que as normas que regem o
quorum, nos seus diversos aspectos, constituem, como frisado, um mecanismo para a apuração
da vontade social. Não constituem, em si, apenas uma forma de proteção para atender a minoria,
pois se referem a todos os acionistas com direito a voto, independentemente de seus interesses.
247
Apenas o problema do quorum fica situado como um mecanismo de interesse da minoria
quando se estabelecer, por norma dispositiva, expressa no estatuto, o quorum de deliberação e
o quorum qualificado, que são admitidos apenas para as companhias fechadas.
Estabelecendo quorum mais elevado, a sociedade através do estatuto, restringe ou
dificulta a ação da maioria, que necessitará de maior força para certas deliberações e decisões.
Assim, através do quorum especial a minoria, em certos casos, poderá deter, com votação mais
ponderável, os ímpetos da maioria. Essa restrição relativa aos poderes da maioria, através de
norma estatutária agravadora do quorum, pode chegar, para a segurança da maioria, à totalidade
da votação. A lei não impede que, por conveniência dos acionistas, o quorum de deliberação ou
o quorum qualificado possam ser fixados, estatutariamente, na totalidade dos votos da
sociedade anônima.
Para certas ocasiões e em alguns casos, sobretudo na composição dos interesses dos
acionistas na fundação da sociedade, podem por eles ser previsto que, em determinada matéria,
a decisão seja de todos os acionistas, em unanimidade. Isso pode ocorrer também na alteração
do estatuto, quando ingressar um grupo de acionistas sem controle, mas que deseje ter
influência em certas decisões, de acordo com o trato feito com a maioria. Assegurando assim o
voto da minoria podem ser resolvidas importantes situações no interesse da coletividade dos
acionistas418.
Analisando o que ocorre com o quorum especial majorado, por conveniência estatutária,
nota-se o funcionamento de um sistema que visa proteger potencialmente a dissidência. O
interesse conflitante entre uma minoria dissidente, e a maioria controladora, poderá
precisamente ser resolvido através do quorum especial majorado estatutariamente. Sem ele a
minoria potencialmente dissidente não se comporia com os acionistas maioritários
controladores, não participando, portanto, da sociedade ou dela se demitindo pelo recesso. Para
evitar a perda do concurso da minoria, a maioria concorda estatutariamente conceder um
quorum especial, majorado, assegurando assim o interesse dos minoritários.
Por esse motivo sustenta-se que o quorum especial majorado, em casos expressos dos
estatutos, contem em seu bojo os acionistas potencialmente dissidentes. Constitui, pois, esse
418 Desse entendimento, surge indagação, se seria correto incluir o quorum especial, de deliberação e qualificado,
entre os casos de proteção do acionista dissidente? Essa dúvida foi construída em face da concepção de Rubens
Requião de que o acionista minoritário e o acionista dissidente serem expressões equivalentes. Seria, pois,
adequado considerar dissidente um acionista que se prevalecesse do voto especial e qualificado para realizar o seu
interesse, permanecendo assim na sociedade em composição com a maioria?
248
quorum um mecanismo apropriado para conter a dissidência, não a absorvendo na maioria do
controle, mas mantendo em destaque com seus interesses especiais, em favor da sociedade e
dos acionistas minoritários.
Tratando-se de assembleia-geral, deverá votar a maioria dos presentes. A maioria ausente
não é uma maioria, como deixam claro os artigos 125, 135 e 136 da Lei das S.A.. Os dois
primeiros artigos preveem quóruns especiais para a primeira convocação de Assembleia Gerais
Ordinárias e Extraordinárias, que poderá instalar-se em segunda convocação com qualquer
quórum, podendo prevalecer o voto da maioria caso a maioria esteja ausente. O referido, último,
dispositivo determina a obrigatoriedade da aquiescência da maioria dos acionistas com direito
a voto para as deliberações que ali não estejam enumeradas, poderão ser aprovadas por
acionistas representando a minoria do capital com direito a voto419.
Assim modelado o quórum, examina-se as relações, atuação e decisão entre os acionistas,
que de alguma forma não deixa de ser uma discussão tormentosa para os sócios que representam
uma maioria e os que estão em posição minoritária.
5.3 Relações entre acionistas
Visto o quórum como elemento necessário para que os acionistas exercitem suas vontades
em reuniões que se dedicam examinar determinada pauta, diagnosticar a vida da companhia
que detém ações com direito a voto, passa-se a perquirir as participações e relações dos
acionistas com a companhia.
As participações dos sócios na sociedade empresária, quando maioria ou quando minoria,
tem posições visíveis, principalmente no ambiente das sociedades anônimas.
A modelagem societária propicia considerações a respeito de uma assimetria jurídica.
Verifica-se que os acionistas das sociedades de economia mista têm aparentemente as mesmas
relações que os acionistas das companhias particulares, desenvolvem suas posições em ambas
companhias se preocupando não somente como sócios, mas, também a promover, provocar
investidas em buscas de soluções quando a enfrentar problemas e crises empresariais.
419 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 58.
249
Os juristas articulando estudos no exame das vontades dos sócios sobre suas aptidões e
requisitos necessários para o atendimento pela companhia, vêm, quando os acionistas se
deparam em vários tipos de impasses.
Os conflitos que não foram resolvidos espontaneamente, desejosos de dirimi-los entre
seus pares, e atualmente preferem a submissão dessas querelas a peritos, via tribunal
/arbitragem, a fim de obter uma solução mais célere, em vez de aguardar a decisão proferida
pelos tradicionais tribunais de justiça (Poder Judiciário estatal).
Ao examinar o envolvimento dos sócios em busca de soluções pacíficas, Requião420
atento a exasperada questão - acionistas majoritários versus os minoritários -, manifestou-se em
artigo, sob crítica, mas, com ou sem sofreguidão, aguça a curiosidade sobre as posições, debates
dos sócios das sociedades anônimas, a observação da construção sistemática voltada ao
ordenamento das normas legais sobre a responsabilidade da maioria e a proteção da minoria.
Percebe Requião que os termos responsabilidade da maioria e proteção da minoria não se
entrelaçavam mutuamente, porque a maioria deve respeitar os direitos da minoria, e que uma
companhia bem planejada deve agir conforme o estado de direito, atuando com respeito e
responsabilidade, sob pena violar as normas jurídicas, sujeitando-se à responsabilidade civil, e
até mesmo a criminal.
A proteção da maioria está assegurada em função dos atos legítimos realizados pela
própria maioria. O desamparo dos direitos da minoria, quando esta minoria estiver afetada,
importará na responsabilidade da maioria, ou de quem, venha no seio da companhia praticar
algum dano que afete o acionista e ou a própria sociedade empresária.
Importante ressaltar que qualquer acionista, minoritário ou majoritário, tem o direito de
voto no interesse da sociedade, mas responde pelos danos causados pelo exercício abusivo
desse direito (art. 115, §3º da Lei das S/A).
A consistência e viabilidade do funcionamento normal da sociedade empresária está na
correta administração, atendendo os mecanismos jurídicos fundamentais, adequando o
funcionamento de comportamento pela ética.
As forças de gestão estão no equilíbrio administrativo, envolvendo as normas econômicas
e financeiras que se mesclam com preceitos éticos e jurídicos, e os nítidos princípios em defesa
da relação com minoria acionária. Por isso a ênfase que balizaram os autores do então projeto
420 REQUIÃO, Rubens. Responsabilidade das maiorias e a proteção das minorias nas sociedades anônimas, in
Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Orlando Gomes, Forense, 1979, pp. 543/577.
250
da Lei das Sociedades Anônimas quando ainda não editada, a proclamar axiomaticamente que
toda a lei das S.A. é um sistema de proteção da minoria, como adverte Lamy Filho421. Essa
concepção legislativa resultou, e inspirou, a reforma da lei anterior pela orientação
governamental, procurando propiciar uma dinâmica atuação sobre o mercado de capitais no
Brasil, impulsionando a proteção da minoria, ao tempo em que o governo ia em busca, procurou
ofertar maior fluxo da poupança popular na capitalização das empresas, através do sistema de
ações no mercado de capitais.
Diante de um novo quadro, necessário, portanto, em uma conjuntura desfavorável ao
sistema de captação acionária, e em face do abuso dos investidores particulares, desacorçoados
por anos de pilhagem, acenaram maiores garantias, uma vez que a politica de incentivos fiscais
ficou ineficiente e, como os analistas grafavam, com insuficiência psicológica, que não
incrementava. Dessa apreciação, resultou a afirmativa de Lamy Filho de que “cada artigo
compõe um sistema em que está presente a posição da maioria, que precisa administrar a
sociedade, e da minoria, que não pode ser espoliada em seus direitos”. Ademais, o
funcionamento do sistema, dentro da harmonia desejada, desperta duas ordens de ideias:
primeiro, a de que as normas legais visam à proteção da minoria em si e, segundo, que essa
proteção se inscreve no interesse público, na medida em que estimula a captação da poupança,
para autofinanciamento da empresa, fomentando o desenvolvimento nacional. Assim visava
atender a segurança dos investimentos, acoplando com o interesse público e com a proteção da
minoria.
Nesse cenário busca-se resguardar o equilíbrio entre os interesses da empresa e os
interesses individualistas da minoria. Para Lamy Filho, nessa ordem de ideias, explicou em
conferência realizada no Instituto dos Advogados Brasileiros, no Rio de Janeiro, em 1976, que:
[...] a leitura do anteprojeto revelará a existência em cada uma de suas normas,
dessa preocupação permanente de buscar o ponto adequado de equilíbrio entre
os interesses em jogo, de definir direitos e obrigações, de proteger o publico
investidor, que constitui as minorias acionárias, e até de explicar normas e
formas de procedimento que ajudam a corrigir hábitos e práticas errôneas,
vigentes entre nós.
No documento inicial dos estudos da reforma da legislação, intitulado “Orientação Geral
do Anteprojeto”, a comissão elaboradora, na parte aos “direitos dos acionistas e proteção da
minoria”, ressaltou que: “é sabido que toda a lei de sociedade anônima é um sistema de
equilíbrio de interesses entre maioria, minoria e credores, mas é através da proteção que
421 LAMY FILHO, Alfredo. Bolsa, nº. 201, 1975.
251
assegura ao acionista que se afere sua validade e eficácia”. Dessa concepção, os juristas já
encaravam como problema, e notórias dificuldades, por entenderem que tal proteção à minoria
há de ser feita sem imobilizar o administrador, vale dizer, sem suprimir a capacidade da empresa
de lograr seus objetivos, que, afinal, constitui o interesse maior de todos os acionistas, pois é
esta a condição de sua sobrevivência.
O entendimento dos autores da lei é que estaria nela a própria definição em termos
positivos, as regras da responsabilidade da maioria, perfeitamente delineadas, bem como as
normas de proteção da minoria, e essa proteção poderia ser percebida não só em relação aos
interesses da minoria, mas, também em defesa do bem comum.
Oportuno esclarecer que há entendimento de que a responsabilidade da maioria não
coincide com a responsabilidade do administrador, que teriam conceitos distintos, porque a
responsabilidade da maioria pressupõe a violação de normas a que estão sujeitos os acionistas
controladores. As regras de responsabilidade dos administradores nem sempre pressupõem ao
acionista controlador, pois a administração – no que se refere aos membros da diretoria – pode
ser constituída por não acionistas, como por exemplo no caso de diretor executivo profissional.
Quando os acionistas, sejam eles controlador ou majoritário, optam na contratação de um
administrador habilidoso que não se encontra no rol de acionistas da sociedade empresária,
comumente escolhido entre profissionais de reconhecida competência em atividade entre
concorrentes e junto a terceiros, inclusive os egressos das universidades que passam a ser
cobiçados pelo mercado de gestão, aposta-se que esse condutor organizará a companhia para
alcançar o sucesso, e concomitantemente estabelecer boas relações entre acionistas e mercado.
Dispensável afirmar que os acionistas majoritários e minoritários agem e se comportam
de modo não igualitário, desde quando poucas vezes os seus interesses se canalizam para um
mesmo alvo. Portanto é preciso compreender que os interesses dos acionistas da sociedade
anônima são diferentes dos que militam em outros tipos de sociedades mercantis.
Cada um ou cada grupo de acionistas pode se dirigir para determinados interesses, em
face do que a sociedade se propõe, ou o entendimento que se faz do momento do mercado, e
através de análises futuristas, muitas vezes falhas e outras cientificamente aproveitáveis.
Tornou-se clássica a análise do financista De La Veja, 1688, Amsterdã, lembrada e
divulgada por Joaquim Garrigues, do diferente comportamento dos acionistas, tendo em vista
seus interesses pessoais, em príncipes da renda, mercadores e jogadores. Dessa arcaica
nomenclatura poderia, em termos modernos, ser substituída para acionista rendeiro ou
252
investidor, que pretende auferir renda de seus cabedais aplicados através de investimentos de
ações da sociedade anônima.
De outro lado está o acionista empresário ou controlador que se preocupa precipuamente
com a sociedade em seu todo, visando a estabilidade, segurança e prestígio da empresa, e como
detentor do poder, busca a longevidade e sucesso do empreendimento.
Apresenta-se o acionista especulador, visto como um jogador no pregão das bolsas,
preocupado, sobretudo, com a cotação de suas ações, para auferir lucros decorrente da
especulação bolsista. Muitas vezes também a figura do especulador, que interfere na bolsa,
induz a erro um investidor de menor cabedal, a fim de inverter cenários de determinados papeis
– valores mobiliários – para depreciar as ações que estão em oferta de negócio no mercado,
para auferir ganhos irreais, levando o imberbe investidor a sangrar com significativos prejuízos.
A clássica figura do especulador que investe apenas com o objetivo de ganho imediato,
garantindo o nível de liquidez do mercado. Desde que não seja um manipulador, não chega a
provocar uma distorção de preços422.
Nesse cenário destaca-se a figura do acionista empresário ou controlador que concentra
os seus interesses no vigor da companhia, procurando investir o máximo de seus rendimentos
para fortalecê-la financeiramente, especialmente quando a companhia não consegue manter os
resultados financeiros esperados em determinadas conjunturas. Por isso que a política dos
acionistas detentores do controle é considerada até compreensível. É admitida, não forçando a
exclusão ou desconhecimento dessa política, face a necessidade de defesa dos interesses que
estão em jogo. E, com relação ao acionista rendeiro ou investidor, considera-o displicente para
com a economia da empresa.
Muitos acionistas minoritários quando não se agrupam, tornam-se numa massa
absenteísta, por não comparecer ou não atender as convocações para participar nas assembleias-
gerais, levando outro grupo minoritário a engendrar outros interesses (matizes), de não só
aprovar os itens da pauta, fortalecendo o auferir de dividendos, rendimentos como alguns
mantém a sua vida pessoal. Esse grupo que aproveita a ausência dos absenteístas promove
estratégias para controlar a companhia e administra-la, não como um mero aplicador ou nos
investimentos mais atrativos no mercado de valores mobiliários, mas para assumir decisões que
chegam a afetar o referido mercado.
422 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro. Qualitymark, 16a. ed., 2005, p. 562.
253
O acionista especulador se detém visceralmente na preocupação com a compra e venda
de ações, especulando no pregão bolsista, colhendo proveitos econômicos. Sua função não
deixa de ser útil para a sociedade, pois assegura principalmente a liquidez das ações,
dispensando, na análise dos negócios da sociedade, sua atenção para auscultar aqueles que
apresentam maiores perspectivas de valorização de seus aportes em especulação. É uma espécie
de termômetro de negócios.
Em termos de funcionamento da sociedade, o acionista rendeiro ou investidor é o que
mais interessa à administração social, pois ele pode assegurar a massa de investimentos para o
autofinanciamento da empresa. Se a sociedade anônima não estimula o interesse desse acionista
na distribuição de seus lucros, investirá ele em outros setores financeiros. Se não for satisfeito
nos seus objetivos e interesses que procurou na companhia, esse acionista pode gerar conflitos
com a maioria, possibilitando complicadores no controle administrativo financeiro da
companhia, e inconformado, operar alguma dissidência.
Diversas são as situações e posições em que esse acionista minoritário investidor se
apresenta, e mesmo sendo admitido como um investidor, que propicia circulação de bens e
riqueza, ao mesmo tempo é visto como ave de rapina. Contudo deve-se fazer uma necessária e
importante ressalva no que concerne aos pequeninos investidores, tão diminutos que são
invisíveis nas grandes companhias, que sequer, na maioria das vezes não comparece as
assembleias, e quando se apresenta, ingenuamente, se aventura como um “player” (business
player), em um palco que não conhece os atores e suas cordas de comando. Submete-se a uma
rede de ávidos negociantes, e fica à mercê da maestria e decência de um mercado pouco
generoso para com os ingênuos ou imberbes participes.
Os que escolhem o mercado de capitais para investir suas poupanças, reconhecem ser
uma arena periculosa, tanto assim que chegam a ilustrar alguns logradouros com alegorias, à
exemplo “Wall Street, N.Y. USA) com escultura de animais rudes, destemidos, como que fosse
uma advertência, especialmente, aos neófitos quando se interessar nesse ramo de negócios,
onde os ignorantes devem temer. Aconselham os especialistas aos atraídos, não se aventurem
sozinhos, optem na contratação de ‘experts’, que agem como intermediários conhecedores da
engenharia financeira, no mercado de capitais.
Atenção ao jugo dos grupos institucionalizados que manejam com maestria esse mercado,
que só após contabilizar seus ganhos e destacar bônus aos seus gestores, sopesa balanços, e,
254
acaso positivo, distribui migalhas aos participantes, cotistas de fundos, com parcimônia. Porque
quando negativo o balanço, nada distribui, apontando como justificativa os prejuízos.
Visto esse quadro, talvez pouco alentador, avança-se para compreender aspectos da
maioria versus minoria.
7.4 Maioria e minoria
Com a edição da lei nº. 6.404/76 procurou-se instituir um sistema de proteção aos
acionistas minoritários, evitando sacrificar a ação livre da maioria e dos administradores, que
entusiasmou Simonsen423 sobre o tema. E Lucca424 apreciando a redação do artigo 109 da
aludida lei, entende que o dispositivo dos chamados direitos essenciais, como direitos
intangíveis, fundamentais ou inderrogáveis do acionista.
No plano constitucional a compreensão é que emergiram direitos e garantias individuais
como forma de coarctar os abusos de poder dos governantes, considerados analogamente, como
direitos essenciais do acionista, que em certo sentido, declarados para conter os atos de abuso
de poder por parte dos controladores, como expressa Luis Gastão Paes de Barros Leães:
Assim, à semelhança dos direitos individuais dos cidadãos, cuja
inviolabilidade é assegurada pela Constituição Federal (art. 153), a Lei de
Sociedades Anônimas firma o elenco dos direitos essenciais dos acionistas,
assegurando-lhe a intangibilidade, de maneira expressa e taxativa. Esses
direitos, somados a poderes, ônus e obrigações atinentes aos acionistas,
compõem o chamado status socii, que se define como aposição do sócio
dentro da coletividade social, e pressuposto comum e constante de tais direitos
e deveres.
Rubens Requião425 observou que o conceito de “maioria”, em contraposição ao de
“minoria”, deve ser mensurado e caracterizado pela forma classica de “metade mais um”. Com
a formatação da economia moderna houve uma certa forma de favorecimento para que ocorra
uma enorme dispersão do capital das ações das sociedades anônimas no mercado de capitais,
transferindo das mãos dos tradicionais detentores para as mãos de inúmeros acionistas
423 SIMONSEN, Mário Henrique. A Importância da Lei, in S/A. para empresários, Rio, Índice, O Banco de
Dados, 1977, pág. 4. 424 LUCCA, Newton. Direito de recesso no direito brasileiro e na legislação comparada. 425 REQUIÃO, Rubens. Os Acionistas e as Sociedades Anônimas, in Balancete, S. Paulo, 1.12.1974, nº2.
255
considerados meros poupadores individuais, sem qualquer maior intenção senão de
efetivamente amealhar recursos.
Esses pequenos investidores não estão no comando empresarial, e tampouco próximos
das atividades mercantis da sociedade empresária que possam interferir nos destinos da mesma.
Essa situação criou o que denominam de ‘fenômeno do absenteísmo acionário’, contrapondo-
se aos acionistas que participam ativamente e colaboram nos negócios da sociedade. Assim a
prática e os objetivos de agrupar ações que se encontram no mercado de capitais, nem sempre
exprime capacitação para estabelecer maioria e ou controle de alguma companhia que negocia
seus ‘papéis’ no mercado aberto.
Percebe-se que o acionista ou grupo de acionistas pode não representar ou ter expressão
para ser reconhecido possuidor estratégico com o número de ações que detém, e que poderia
até permitir a concretizar de uma consideração para alcançar de alguma maneira uma maioria
absoluta (metade mais um) no capital social da empresa, tampouco ter o controle da sociedade
empresária.
A expressão “controle” tecnicamente pode corporificar uma ‘certa’ maioria de ações de
acionistas com voto, que pode alcançar efetivamente, deter o poder da sociedade empresária,
no entanto, pode não estar a reter a maioria absoluta das ações para essa finalidade. Na
engrenagem das atividades sociais desenvolvidas nas sociedades anônimas, existem as que
podem ser desempenhadas somente pelos acionistas com direito a voto, titulares das ações com
voto, que podem deter a posição de comando absoluto da companhia, e até aqueles que tem
ações sem direito a voto, mas a depender da situação econômica financeira e jurídica da
companhia pode episodicamente passar a ter direito a votar em determinada circunstancia.
Não se pode tecnicamente considerar maioria os denominados acionistas absenteístas que
são enquadrados como um grupo de acionistas chamados indiferentes, que não atuam ou não
desejam atuar no seio da companhia, pelos mais variados motivos que podem motivar a assim
se comportar.
Distinções e exemplos de acionistas, especuladores que marcam estratégias para angariar
maior ganho no mercado de capitais, outros desdenham dos interesses mais internos da
sociedade empresária, apenas se preocupando com as perspectivas, elevar a cotação de suas
ações, como constituir e conduzir simples mercadoria para o mercado acionário. Há o acionista
especulador que se interessa pela sociedade, mas o faz tão somente na medida em que ela
apresenta prestígio e rentabilidade para assegurar boa cotação em sua negociação. Portanto não
256
se pode considerar que haja uma minoria amorfa, passiva de acionistas individuais. De qualquer
modo se presume que os acionistas estão mais interessados em resultados positivos, do que
voltados, preocupados com a gestão empresarial e a seu desenvolvimento, senão os que
realmente mantem o fortalecimento da companhia.
A vida da sociedade empresarial conta com a participação dos acionistas interessados na
economia da empresa, que podem ser controladores, formando uma “maioria” ativa na
sociedade. Também estão presentes os acionistas minoritários, vulgarmente vistos como
acionistas conformados em uma posição acionaria sem possibilidade de acesso ao poder e
comando empresarial, considerados meros espectadores da atividade econômica financeira da
companhia, ou possíveis dissidentes, atuando de modo pontual quando algum interesse pessoal
não se alinhar ao dos gestores da empresa.
O conceito técnico concebido por Rubens Requião é muito mais para diferençar os
impulsos dos acionistas, e em síntese, levando ao entendimento que acionista maioritário ou
acionista controlador, é o que desfruta do poder sobre a sociedade, determinando a composição
de sua administração. E por acionista minoritário o acionista desprovido de poder que
efetivamente se opõe ao controle, tornando-se acionista dissidente, além de estar nessa posição.
Compreende-se, tecnicamente, como simples acionista aquele que detendo ações, não participa
e nem controla a companhia. Pode até estar presente, ou atua, mas, muito mais como dissidente.
Ainda a considerar, a menção de “acionista não controlador”, contida no artigo 277 da lei
das sociedades anônimas, quando trata do Conselho Fiscal do grupo de sociedades, enuncia que
o funcionamento do Conselho Fiscal da companhia filiada a grupo, quando não for permanente,
poderá ser pedido por acionista não controlador que represente, no mínimo, cinco por cento das
ações ordinárias, ou das ações preferenciais sem voto. E Coelho426 explica que:
[...] ser considerada minoritária ou não controladora cada sociedade
filiada, por todos os acionistas que a integram, frente à sociedade de comando
(controladora) e às demais filiadas (art. 276, §1º). Estas formam-se ao lado da
sociedade de comando exatamente porque dela são controlados e, nesse
pressuposto, aderem à sua orientação e seguem suas determinadas.
Na ordem das ideias relativas ao grupo de sociedades427 com suas características de
verticalidade e horizontalidade, independente os aspectos subjetivos que podem ser exercitados
por quaisquer tipos de empresários (individuais aos sócios que compõem sofisticadas
426 COELHO, José Washington. A Nova Lei das Sociedades Anônimas. Resenha Universitária, 1977, p. 9. 427 MEIRELES, Edilton. Grupo econômico trabalhista. LTr, S. Paulo, 2002.
257
sociedades empresarias, além das coligações e controladas atuando através de um mosaico de
hierarquias e estratégias comerciais.
Nessa composição apresenta-se para as devidas considerações o conceito especial de
acionista minoritário, resultado do delineamento contido no § 1º, do artigo 276 da lei das
sociedades anônimas, que considera minoritários, para os efeitos das sociedades filiadas nos
termos da convenção de grupos, “todos os sócios da filiada, com exceção da sociedade de
comando e das demais filiadas”. No caso de grupamentos de sociedades, a lei lança visão para
acertar certos mecanismos jurídicos, por precisar conceitos especiais de acionistas não
controlador e sócios minoritários. Daí levar ao entendimento que essa nomenclatura específica,
relativa a acionistas, não afeta, todavia, os conceitos que se traz genericamente no decorrer
deste estudo, mas de algum modo provoca discussão que chega aos tribunais superiores para
decidir nas causas que estão sendo agitadas.
Com os elementos conceituais expostos pode-se adotar uma sistematização para alcançar
situações diferentes, que geram problemas aos interesses dos acionistas e despertam no seio das
sociedades anônimas modernas, e por via de consequência se espraia nas sociedades de
economia mista, com discussões de várias tonalidades, quando determinados acionistas são
alijados de interferir na gestão da companhia estatal.
Quando, diante de diferentes posições de acionistas em uma sociedade anônima estatal,
as discussões entre acionistas são reativadas, uma vez que o interesse predominante não é o da
minoria, em geral, e sim do Estado.
A doutrina tem seguido uma linha que desenha a possibilidade de sistematizar, em face
do Direito positivo, a responsabilidade da maioria, vale dizer, do controle, ao passo que da
minoria analisa-se os preceitos que asseguram a sua proteção nos embates em que dissentem
dos interesses do controle. Essa é uma situação de apreciar a posição simples do acionista como
apenas detentor de ações, sem participação e sem interesse na vida da empresa. Recentes
posições de acionistas estrangeiros, com interesse na performance da sociedade de economia
mista tem exercitado reivindicações judiciais e extrajudiciais, face prejuízos sofridos por má
gestão.
Desses desenhos, a doutrina toma por base, o que seria a hipótese ideal do acionista no
sistema da Lei nº 6.404/76, que seria e ou é possuir ação com direito a voto simplesmente. No
entanto, há uma visão que não seria compreendida como desinteressada em integrar a minoria,
ou o não interesse de participar também do controle da sociedade. Consequentemente
258
conduziria a uma interpretação de que se não se compõe com a maioria, também, na hipótese
aventada, a ela não se opõe, não integrando a dissidência. Essa concepção é de que esse
acionista não configura acionista minoritário. É simplesmente um acionista qualquer, embora
possua direito a voto, do qual por desinteresse dele não cuida da estrutura e dinâmica
empresarial.
Desse apanhado observa-se pela mesma linha doutrinaria, que a lei, entretanto, à sua
revelia, assegura-lhe certos direitos que são considerados essenciais. Compreende-se que esses
direitos essenciais abrangem também outros acionistas, sejam os de controle, sejam dissidentes.
Apenas considera-se que o acionista majoritário ou controlador não necessita de escudar, em
seus interesses, em regras fundamentais, pois sua atuação deve ser vista como legitima, e o
controlador não precisa impor. Ele, como se sabe, detém consigo o poder. A minoria, com mais
forte razão, usará desses direitos com mais desenvoltura, na qualidade de dissidência. Mas, de
qualquer forma, todos os acionistas qualquer que sejam, sem distinção, estão tutelados pelos
direitos essenciais. Esses direitos decorrem da lei e são da própria essência natural da sociedade
anônima. São estritamente de ordem pública.
Ninguém precisa patrocinar, senão a própria ordem jurídica. São, portanto, como se
insiste, preceitos de ordem pública, e se expressam pela regra já identificada na lei de que nem
o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar qualquer acionista dos direitos
essenciais, consagrados, expressa no artigo 78 do antigo Decreto-Lei nº 2.627, de 1940, e
mantida pelo artigo 109 da atual Lei das Sociedades por Ações.
A teoria dos direitos essenciais dos acionistas foi reconhecida nos meados do século XIX,
no sistema continental europeu, sofrendo variações conforme a evolução desse conjunto
acionário. Aludindo a esses direitos, Jean Escarra, na França, observou que são eles de ordem
pública “no sentido em que se impõe aos fundadores, à sociedade, aos credores, aos próprios
acionistas e que não é permitido, mesmo aos interessados, derrogá-los, a não ser operando a
transformação do próprio direito, ou seja, negando a instituição”. E, reafirmando, expressou
que, “como direitos próprios dos acionistas, entendem-se as prerrogativas que não podem ser
supridas pela lei da maioria”428.
Os direitos essenciais do acionista, segundo a lei vigente, são os de participar dos lucros
sociais; fiscalizar, na forma prevista na lei, a gestão dos negócios sociais; preferência para
subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em
428 ESCARRA, Jean. Les societés commerciales, 3º tomo, nº 1.193, 1955, p. 261.
259
ações e bônus de subscrição, observado os dispostos nos artigos 171 e 172; e de retirar-se da
sociedade nos casos previstos da lei. Os meios, processos ou ações que a lei confere aos
acionistas para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela
assembleia-geral.
Esses direitos essenciais na sociedade anônima têm correspondência com aqueles direitos
fundamentais do cidadão, expressos na Constituição Federal. Ninguém pode derrogá-los, ainda
que assim todos o desejem afetar o princípio vital da sociedade. Eles transcendem os direitos
da minoria, que ao invocá-los não expressa essa qualidade, mas sim uma prerrogativa que lhe
é concedida pela lei, como acionista e não pode ser suprida, como explicou Escarra, pela lei da
maioria. Por isso, tecnicamente, não se coloca os direitos essenciais entre as normas de proteção
da minoria, mas, sim como uma prerrogativa superior de qualquer acionista e de seus credores.
Fala-se inclusive em maior ativismo dos minoritários, sobretudo institucionais, como
instrumento de mudanças das práticas e da ética corporativa, tanto assim que a literatura revela
a respeito essa tendência, face recentes estudos mostrando uma relação inversa entre grande
concentração e valor de mercado da companhia, demonstrando a capitalização das empresas e
o desenvolvimento do mercado de capitais, e a diluição acionária como necessária.
Daí o entendimento que eleva a importância de que seja introduzido regras que possam
desempenhar função para diluir o controle de modo equilibrado e que não gere crise no mercado
acionário, avançando para atender o bem social, e empresarial, como apregoado por juristas
nacionais e internacionais.
Assim o acionista, com o direito ao voto, com o entendimento do quórum, convive com
a força estatutária, a lei, exprimindo a sua vontade.
5.4 A maioria – o acionista controlador - voto
Comentada a figura do acionista como participe no capital social da companhia,
examinados alguns aspectos do sócio como mero expectador, ou como integrante de um grupo
minoritário, ou numa simples posição em defesa dos seus interesses econômicos, financeiros,
de poupador e ou de investidor, e o vasto poder de decisão que o acionista controlador ou na
posição majoritária, pode utilizar esse conjunto de forças, obtendo mecanismos para alterar os
260
estatutos, fazer atuações na companhia, passa-se um olhar para o acionista com direito a voto e
controle da companhia.
Um ou vários acionistas ao deter a maioria das ações, em muitas situações estarão ou não
apto(s) a alcançar o poder de controle da companhia. Essa configuração pode ser vista através
das articulações políticas engendradas de comum acordo e interesse entre acionistas, por
liderança, ou por algum pretexto estratégico, a promover entendimentos com um alvo fim.
Pelo conceito legal acionista controlador não é apenas aquele que possui a maioria do
capital com direito a voto, ou, pelo menos, que detenha parcela significativa do poder em
decorrência da titularidade de ações votantes, controlador é a pessoa natural ou jurídica ou
grupo de acionistas vinculados por acordo de voto (voting trust, voting agreement), ou sob
controle comum, que não só é titular de votos, de modo permanente, assegurando a maioria nas
deliberações assembleares e o poder de eleger a maioria dos administradores. E, também nesse
desenho, usa efetivamente do seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da sociedade.
Exige-se, portanto, não necessariamente a titularidade individual da maioria dos votos,
porque há possibilidade de integrar-se em grupos constitutivos formando a denominada
maioria, através de acordos de voto ou controle comum dos votos, além do efetivo exercício de
poder para dirigir a sociedade e compelir o funcionamento dos órgãos da sociedade nos
interesses do controlador, ou liderar o controle do grupo.
Pelo que se depreende do estudo da moderna corporação e da propriedade privada,
calcada na obra de Berle e Means, dados esboçados em 1929, vê-se a dissociação entre
propriedade acionária e poder de comando empresarial, propondo-se a classificar o controle
interno em várias espécies de conteúdos e hierarquias, não obstante parecer impossível traçar
uma nítida linha divisória, mas entendida pelos juristas como merecedora de análise, que esses
mecanismos funcionam efetivamente.
No direito brasileiro, por exemplo, sem embargo da consagração legal do princípio
majoritário, subsistem sempre algumas hipóteses em que a unanimidade é regra. Assim, o
consentimento unânime dos acionistas é exigido para a mudança de nacionalidade de uma
companhia brasileira e a sua transformação em outro tipo societário, quando não prevista no
ato constitutivo ou nos estatutos429. Dessa conferência sempre emerge uma constante indagação
429 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.
Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. p. 45-46.
261
que os juristas formulam: “Mas por que a maioria deve comandar?” A resposta vem do mesmo
autor da indagação: “Parte-se, sem dúvida, do postulado de que a sociedade existe no interesse
dos sócios, e como ninguém, em principio, está investido de decidir pelos interesses alheios,
prevalece sempre a vontade do maior número, julgando cada qual segundo o seu próprio
interesse”430. A aludida observação advém da experiência contábil desenvolvida para permitir
um olhar de uma situação pulverizada do controle por acionista, que não detenha a tradicional
metade mais um, que no dizer de Walter431:
[...] um ou mais acionistas, em conjunto, poderão deter o controle acionário
de companhia participando com apenas 16,67% do capital social, desde que
possua metade, mais uma, de ações com direito a voto.
A Resolução nº 401/76 do Banco Central, ao conceituar alienação de controle, pelo item
II, menciona que o negócio pelo qual o acionista controlador, pessoa física ou jurídica, transfere
o poder de controle da companhia mediante venda ou permuta do conjunto das ações de sua
propriedade que lhe assegura, de modo permanente, a maioria de votos nas deliberações da
assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia.
A mesma Resolução dispõe que se o controle da companhia é exercido por grupo de
pessoas vinculadas por acordo de acionistas, nos termos do art. 118 da Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, ou sob controle comum, entende-se por alienação de controle o negócio
pelo qual todas as pessoas que formam o grupo controlador transferem para terceiro poder de
controle da companhia, mediante venda ou permuta do conjunto das ações de sua propriedade
que lhes assegura, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia
geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia. E acrescenta que na
companhia cujo controle é exercido por pessoa, ou grupo de pessoas, que não é titular de ações
que asseguram a maioria absoluta dos votos do capital social, considera-se acionistas
controlador, para os efeitos da referida Resolução, a pessoa ou o grupo de pessoas vinculadas
por acordo de acionistas, ou sob controle comum, que é titular de ações que lhe assegurem a
maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembleias gerais da
companhia.
Do conjunto desses esclarecimentos colhe-se uma coloração técnica, como a ideia de
Comparato que está na base do princípio majoritário, com apoio em Kelsen, que o ordenamento
430 Idem, p.p. 50-51. 431 WALTER, Milton Augusto. Aspectos Contábeis da Nova Lei das Sociedades Anônimas, 1977, p. 92.
262
social deve estar de acordo com o maior número possível de sujeitos, e em desacordos com o
menor número possível432. Significa isso constranger a minoria e desprezar os seus interesses?
Evidentemente que não, desde que a minoria aceite essa regra fundamental do jogo. O princípio
majoritário, afinal, pressupõe necessariamente a unanimidade, pelo menos uma vez, no
momento de constituição da sociedade, como postulado da razão social433. É o que
corriqueiramente acontece quando da formulação de algum contrato em que as forças entre
interessados são desiguais, e onde o patrono da parte mais frágil adverte que aquele momento
da construção do contrato é ou será talvez a única oportunidade para dissentir do mais forte.
O acionista controlador tem o dever de lealdade para com os demais integrantes da
companhia, quer se trate dos outros acionistas ou dos administradores, e ou trate dos
empregados. O preceito vai além e, numa visão institucionalista da sociedade anônima, impõe
ao acionista controlador o exercício de seu poder no sentido de atender a comunidade em que
atua, e não apenas para com o círculo de pessoas vinculadas à empresa, como sócios,
administradores e empregados. Não se pode desprezar, e é importante conferir que é o interesse
relevante da economia nacional a sobrepairar, tanto assim, que no conceito amplo que os
legisladores adotam, estão os interesses particularistas dos acionistas controladores ou do grupo
de controle.
Significativa a menção de Batalha a respeito da função social da empresa, num
indisfarçável apagamento dos conceitos meramente contratualistas, abrindo os caminhos para
o conceito institucional da empresa organizada sob forma de sociedade anônima.
O poder deve ser exercido no interesse da sociedade como um todo (in the best interests
of the Corporation as a whole), sem opressão ou congelamento (freese) da minoria, através de
frustração de dividendos, desvio de lucros mediante elevação dos salários ou remunerações e
outros expedientes fraudulentos de que se encontram infindáveis exemplos na prática nacional
e estrangeira434.
Na Grã-Bretanha o Cohen Commitee aponta a dispersão dos pequenos acionistas como
fator importante de fraudes e abusos, não obstante sejam numerosos tais acionistas. O poder de
controle social deve ser exercido de maneira leal perante os membros da sociedade, nas diversas
432 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.
Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 51. 433 Idem, p.p. 51-52. 434 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e Preceres de Direito Empresarial. Forense, 1978. Apud, LUSK,
Harald. op. cit., p. 524.
263
posições em que se encontram, sendo condenável o tratamento opressivo das minorias e a
administração social com objetivos fraudulentos e ilegais435.
A Lei nº. 10.303, de 2001, consagrou o dever de informar, sendo os sujeitos passivos do
dever de informar são: os acionistas, os administradores e os membros do Conselho Fiscal,
consoante os artigos 157 e 165-A.
Concebida a teoria dos direitos fundamentais como prerrogativa de qualquer acionista,
como acentuava a lei anterior, conveniente abordar temas centrais das preocupações relativas
da responsabilidade da maioria, frisado que a concepção de maioria se ajusta à do controle da
sociedade. A função da maioria não é outra senão a de gerir os negócios, ou levar que outrem
o faça sob suas vistas. Usando da expressão de Lemy Filho, a maioria “precisa administrar a
sociedade”.
No sistema dominante o acionista majoritário, sobretudo no estágio superior do sistema
do anonimato, não administra pessoalmente a sociedade, mas investe na situação de
administração, gerentes, geralmente profissionais, para em seu nome e segundo seu interesse,
administrar os negócios da companhia. Constitui, portanto, um ponto alto no direito positivo, a
criação da lei da figura perfeitamente definida do acionista controlador, com responsabilidades
claras e definidas.
O acionista controlador é, sem dúvida, o acionista majoritário na sistemática legal. O
artigo 116, define em termos concretos esse personagem proeminente da companhia. Entende-
se por acionista controlador, a pessoa natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por
acordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem,
de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de
eleger a maioria dos administradores da companhia; e usa efetivamente seu poder para dirigir
as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Tirante o caso
especial das companhias estatais, em que a atribuição da personalidade jurídica funciona como
mera técnica de desconcentração administrativa, e com relação a constituição de sociedades
unipessoais por particulares é admitida em países da União Europeia436.
Nas companhias de economia mista é assegurado à minoria o direito de eleger um dos
membros do conselho de administração, e maior número não lhe couber pelo processo de voto
435 Companies Act de 1967, seção 38. 436 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.
Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 48.
264
múltiplo (art. 239). Várias hipóteses estão assentadas na legislação no que tange a direitos de
acionistas em percentuais de cinco por cento no capital social da companhia, inclusive, por
exemplo, em especial propor ação social de perdas e danos contra a sociedade controladora
pelos danos causados à companhia controlada, por abuso de poder.
As hipóteses de restrição de poder de controle, estão estreitamente ligadas ao controle
majoritário simples e majoritário absoluto, conforme exista ou não uma minoria qualificada,
nos termos da lei.
Por outro lado, quando da existência de um bloco majoritário, este pode não ser
constituído por um único acionista, nem se apresentar, necessariamente, como um grupo
monolítico de interesses. É usual que dois ou mais acionistas, ou grupos de acionistas,
componham a maioria, associando interesses temporária ou permanentemente convergentes.
Pode-se falar, em tais hipóteses, de um controle conjunto ou por associação437.
Se um acionista não desfrutar – integrando o grupo de pessoas vinculadas por acordo de
voto, ou apenas nele influir, não constitui, na concepção técnico-legal – acionista controlador
ou majoritário. Apresenta-se, no mundo jurídico e econômico da sociedade, apenas como
simples acionista, conforme sustentado acima. Não tem ele direitos e obrigações de controlador
e, por conseguinte, não se sujeita à decorrente responsabilidade civil pelos atos sociais.
Esclarecendo assim o perfil do acionista majoritário ou controlador, pode-se então
sistematizar, com os reflexos da lei, as suas responsabilidades fundamentadas em termos éticos,
que servem de “pano de fundo” das normas positivas.
A partir da Lei nº. 13.303/2016, pelo artigo 14, passa a exigir que o acionista controlador
da sociedade de economia mista deverá fazer constar do Código de Conduta e Integridade,
aplicável à alta administração, a vedação à divulgação, sem autorização do órgão competente
da empresa, de informação que possa causar impacto na cotação dos títulos da companhia e em
suas relações com o mercado ou com consumidores e fornecedores, de modo a preservar a
independência do Conselho de Administração no exercício de suas funções, bem como a de
observar a política de indicação na escolha dos administradores e membros do Conselho Fiscal.
Pelo artigo 15 da aludida lei, o acionista controlador da sociedade de economia mista
responderá pelos atos praticados com abuso de poder, nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, sem olvidar da ação de reparação que poderá ser proposta pela sociedade,
437 Idem, p. 53.
265
nos termos do artigo 246 da Lei nº. 6.404/76, pelo terceiro prejudicado ou pelos demais sócios,
independentemente de autorização da assembleia-geral de acionistas.
Com efeito, o § único, do artigo 116, estabelece regras de comportamento jurídico, de
nítido característica ética, para atuação da maioria. Esse preceito legal preconiza e impõe que
“o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu
objetivo e cumprir a sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionistas, da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve legalmente respeitar e atender”.
A lei impõe para a maioria um amplo e definido programa de ação ética. Extravasa sua
recomendação imperativa ao âmbito da empresa, como uma instituição, para abranger todos os
elementos da vida social na qual ela vive e atua. Nele são abrangidos não só acionistas, a
maioria, como também os que nela trabalham e para com a comunidade em que vive. Deve
respeitar e atender os interesses legítimos da coletividade. Consagra a lei em destaque a
responsabilidade pelo abuso de poder que o acionista controlador praticar. Enuncia o artigo
117, o principio de que “o acionista controlador responde pelos danos causados por atos
praticados com abuso de poder”.
O poder, no âmbito da sociedade anônima, deve ser usado pelos acionistas controladores
de forma adequada aos seus fins, sem violação das normas legais e éticas. Por isso, o artigo
117, positivando o preceito do parágrafo único do artigo 116, indica as modalidades de
exercício do abuso do poder, enumerando as seguintes hipóteses:
a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional,
ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação
dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia, ou da
economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação,
fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida,
em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em
valores mobiliários emitidos pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas
ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem causar prejuízos a
266
acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores
mobiliários emitidos pela companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou,
descumprindo seus deveres definidos na lei e no estatuto, promover, contra o interesse da
companhia, diretamente através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em
condições de favorecimento ou não equitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento
pessoal, ou deixar de apurar denuncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique
fundada suspeita de irregularidade.
A figura do acionista controlador é focalizada em algumas legislações, ad exemplum, nos
Estados Unidos discute-se se os acionistas controladores (controlling Shareholders) assumem
obrigações perante os outros acionistas, quando transferem o controle da companhia. A
jurisprudência tem entendido que são responsáveis quando transferem o controle a pessoa que
deveriam saber não irem agir no melhor interesse da companhia.
Existem algumas decisões entendendo que os acionistas controladores são responsáveis
para com os outros acionistas pelo ágio pago pelo controle, além disso, os acionistas
controladores são assim considerados responsáveis por não terem dado a outros acionistas a
oportunidade de participar de recapitalização quando resulta em grandes lucros para os
controladores438. Corley439 faz referência que alguns tribunais declararam a liquidação de
sociedades a pedido de acionistas quando provado que os respectivos controladores agiram
ilegalmente, de forma fraudulenta ou opressiva (illegally, fraudulently, or oppressively).
Não deixando de mencionar, outrora, quando prevalecia a teoria denominada robber
baron theory, a irresignação de muito que se sentiram aviltados por algum procedimento que
passaram a exclamar denominação aos homens de negócio que se tornaram milionários
utilizando-se de métodos ilícitos, desonestos, violentos e desleais nos mercados do setor
financeiro, siderúrgico, ferroviário e do petróleo, nos Estados Unidos, na segunda metade do
século XIX. Chegando a ”prevalecer como teoria” robber baron theory, segundo a qual a
maioria tinha o direito de fazer o que bem entendesse, inclusive expulsar a minoria (squeeze
438 LUSK, Harold. Business Law, 1974, p. 571. 439 CORLEY, Robert N. Principles of business law, 1975, pp. 751; 781.
267
out, freeze out): por exemplo, a maioria não distribuía dividendos, mas se atribuía altas
remunerações e gratificações.
Observa-se, muito embora as conjugações das posturas sejam para um mercado
transparente e menos injusto, desrespeitoso as vezes, são os interesses de acionistas não
suficientemente transparentes que prevalecem, principalmente quando há mistura na
composição da companhia por acionistas de diversas matizes, origens, diante de alguma nuance,
face a oportunidade do mercado de capitais globalizado, a contaminar ambiente de negócios, ,
quando agem e focam exclusivamente no denominado capitalismo selvagem.
Embora conduta da maioria não seja ilegal ou fraudulenta, pode ser considerada
opressiva, ofensa onerosa, severa e injusta (burdensome, harsh and wrongful), como violação
ao dever fiduciário de boa fé (violation of the fiduciary duty of good faith). E assim esses
comportamentos levam a o que alguns até entendem intrigantes, interessante, e é denominado
como fenômeno do controle minoritário, fundado quando o número de ações inferior à metade
do capital votante e que os autores norte-americanos designam working control, agem
deliberadamente a fim de encetar duvidosas práticas mercantis.
A doutrina europeia epilogou o assunto, contra a situação de absenteísmo da grande
maioria nas macro companhias, pretendendo-se por um reforço de proteção legal dos direitos
do acionista, notadamente do direito à informação sobre a situação patrimonial da sociedade,
diante de uma perspectiva obvia de ocorrer maleficio, desfavorecendo esses investidores
espalhados e de difícil reunião. Isto na verdade já vem acontecendo, quando o investidor
singular é informado, mas os custos para comparecer a uma assembleia não propicia qualquer
benefício, senão custos individuais que não compensam o deslocamento.
Desde sempre, na grande empresa, a par de uma minoria de empresários, que detém
efetivamente o poder de comando, formou-se uma maioria dos aplicadores de capitais, quer
com o objetivo de poupança, quer com intuito especulativo440.
A partir da Lei nº. 6.385/76, nos termos do artigo 4º, IV, b, compete a CVM proteger os
titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra atos ilegais de
administradores e acionistas controladores das companhias abertas. O abuso do poder cria o
dever de ressarcimento dos prejuízos decorrentes.
440 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.
Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. p. 54-55.
268
O acionista controlador, ou grupo de controle, deve exercer legalmente suas forças na
sociedade e sua figura assume e tem relevo, bastando mencionar o que dispõe o artigo 122,
parágrafo único, impondo que ele seja ouvido quando os administradores desejarem formular
pedido de falência ou de concordata, entenda-se em vez de concordata a figura da recuperação
da empresa face a nova legislação. Portanto, sempre que houver urgência, convoca-se a
assembleia geral posteriormente.
A existência de um controle minoritário está implicitamente reconhecida na lei, ao fixar
as regras de quórum e maioria no funcionamento da assembleia-geral. A norma geral é que a
reunião se instala, em primeira convocação, com a presença de acionista que representem no
mínimo um quarto do capital social com direito a voto – que normalmente pode constituir
apenas metade do capital social, e, em segunda convocação, com qualquer número. Tratando-
se de reforma estatutária, é necessária, para a validade da deliberação em assembleia, a presença
de acionistas representando dois terços do capital votante em primeira convocação e qualquer
número de detentores de ações votantes em segunda convocação.
O preceito teve em mira fornecer o elenco das modalidades de exercício abusivo do poder.
Sumariamente pode-se tecer algumas hipóteses legais, como desvio dos objetivos da
companhia, liquidação e operações substanciais à organização social com intuitos fraudulentos,
alteração estatutária, emissão de valores e politicas prejudiciais, eleição de administradores ou
fiscais ineficientes, interferência desleal na administração e na ratificação de ilegalidades
praticadas, contratação em condições prejudiciais ou não equitativas, aprovação de contas
irregulares ou negligencia na apuração de denuncia, dentre outros.
Desses apontamentos sobre o acionista ou acionistas que controlam a companhia,
pertinente observar o possível exercício abusivo do acionista, em especial quando na posição
de controlador.
5.5 O exercício abusivo do acionista controlador (atos “ultra vires”)
No rol dos atos que devem ser praticados pelo acionista controlador destaca-se o de fazer
a companhia realizar o seu objeto social, observando os ditames legais. E na lista dos atos que
não devem exercitados pelo sócio maior, é o abuso das atribuições normais da sociedade, muito
269
comum no exercício da administração da sociedade empresária, e por consequência é fonte de
dissídios entre maioria e minoria.
Oportuno relembrar a Exposição de Motivos do projeto da atual lei ao tratar da violação
do objeto social como um dos pontos vitais da sociedade empresária, especialmente quando o
intuito é a proteção dos acionistas minoritários.
[...] o anteprojeto procura construir com normas que se distribuem
praticamente por todos os capítulos – sistema de proteção dos acionistas
minoritários -, sem sacrificar, todavia, a ação livre, ainda que responsável, da
maioria e dos administradores, indispensável ao funcionamento e à própria
viabilidade da empresa. Valem ser citados como exemplos: a) exigência da
definição estatutária precisa e completa do objeto social, para cuja consecução
se associam os acionistas, de modo a limitar a área de discricionariedade dos
administradores e da maioria e facilitar a caracterização do abuso do poder
[...]
Quando os fundadores das companhias arregimentam interessados para a subscrição das
ações visando a constituição da sociedade anônima, agem como mentores, revelando o
propósito de fundar a sociedade com um objetivo definido. Consequentemente os que vão aderir
à criação da companhia confiam que o objeto social é exatamente aquele divulgado no
prospecto, e que exprime nas outras peças e protocolos destinados a coincidir com os interesses
e esperanças no sucesso do empreendimento.
Por isso se deve debruçar sobre esse assunto, que gera polemicas e problemas, apesar de
ser considerado básico para a sociedade anônima, com graves consequências envolvendo a
responsabilidade da maioria, em especial quando há questão de abuso de poder relacionado
com o objeto social da companhia. A matéria foi aprofundada na legislação inglesa no século
XIX, na Joint Stock Companies Act, 1844, dando ênfase a doutrina sobre o ato ultra vires.
Consagrava o artigo 7º, daquela Lei, o princípio de que “o ato constitutivo devia conter, entre
outros elementos essenciais, a descrição do objeto social”. O artigo 25 destinava, em
complemento, a doutrina ultra vires, ao dispor que a capacidade da sociedade ficava
circunscrita ao cumprimento do objeto social, prevalecendo o entendimento pela observância
da inalterabilidade do mesmo.
Esse direito evoluiu, ficou patente o princípio de que o objeto social determina a
capacidade da sociedade, tornando nulos todos os atos da administração praticados à margem
daquele objeto. A doutrina ultra vires inglesa foi absorvida pelo Direito norte-americano, que
amenizou os seus efeitos, mostrando que a capacidade da personalidade jurídica concedida pelo
Estado, o object clause, contida na charter, fixa a validade da atividade societária.
270
A teoria dos poderes implícitos dos administradores para levar a termo atos “acessórios”
ao objeto principal, como observam alguns juristas, tem permitido aos tribunais norte-
americanos consolidar ad infinitum os atos realizados por aqueles.
Diante desses possíveis desvios dá-se importância a discussão sobre a doutrina do ato
ultra vires, principalmente no que diz respeito à disciplina do controle e da administração da
sociedade empresária, e se inscreve entre as medidas acautelatórias dos direitos das minorias
acionárias.
A respeito do objeto social a doutrina inglesa sustentava que durante a existência da
sociedade, é inalterável o seu objeto, e Carvalho de Mendonça com relação ao disposto no
Decreto nº 434 e no Decreto nº 8.821, de 1882, diz que:
[...] a experiência e as conveniências aconselhavam, não raro, a aplicação ou
restrição do objeto definido nos estatutos ou no contrato social; no primeiro
caso, por exemplo, para acréscimo de novos ramos da exploração mercantil
ou industrial a carga da sociedade, para outra organização comercial mais
extensa, para que a sociedade tenha objetivo mais modesto. Tudo isso é
permitido, sustentava o jurista, visto que se não trata de mudar ou transformar
o objeto da sociedade, porém simplesmente de estendê-lo a restringi-lo. A lei
condena a substituição radical do programa antigo, que serviu de base à
constituição da sociedade e que, de ordinário, lhe dá o nome. A sociedade
fundada para operações bancárias não pode passar a ter por objeto a
construção e exploração de estradas de ferro. Para a substituição do objeto
essencial, a sociedade precisava ser dissolvida, a fim de que com seus
elementos, constituir-se outra. Isso quer dizer que era mister o consenso
unânime dos acionistas. (Tratado, v. II, nº 882).
Nesses termos o respeito ao objeto social constituía um direito essencial dos acionistas,
tendo o Direito moderno evoluído no particular desde então.
No Decreto-Lei de 1940 não se concebia a alteração do objeto social como um direito
essencial do acionista, cuja modificação somente seria permissível se houvesse unanimidade
de decisão a respeito. Aquele diploma legal permitia a alteração do estatuto na parte relativa ao
objeto social, por maioria de votos. Contemporaneamente a alteração do objeto social deve ser
feita por quorum qualificado, cuja aprovação exige uma representação de metade dos acionistas
no mínimo, das ações com direito de voto se maior quorum não for exigido pelo estatuto. Nesse
quadro o direito do acionista minoritário ainda é resguardado, possibilitando a sua retirada
como direito do acionista.
Um grave problema é com relação ao ato ultra vires quando isoladamente praticado pelo
acionista controlador ou por administradores da sociedade anônima. No atual sistema brasileiro
se o objeto da sociedade determina a sua capacidade, como se observa na doutrina inglesa, é
271
considerada rígida. Na doutrina norte-americana o ato ultra vires será tido como ato nulo,
consideradas as circunstâncias do caso concreto em relação à sociedade. Quem realiza o aludido
ato será o único responsável pelo ato ilícito praticado.
Determinado, como se vê, que a capacidade da sociedade decorre do objeto social, o ato
praticado ultra vires será ineficaz. Assim se deduz do julgamento do Supremo Tribunal, que
declarou a: “A firma social não se obriga perante terceiros pelos compromissos tomados em
negócios estranhos à sociedade”441.
Nessas condições, a deliberação do acionista majoritário controlador que afrontar as
balizas do objeto social que determina a sua atuação, ir além do objeto da sociedade, consumada
com a complacência dos administradores, há de ser considerado ineficaz em relação à
sociedade, tornando-se da responsabilidade civil de ambos. Essa solidariedade se estabelece
entre o controlador e o administrador, por força da regra do § 2º, do artigo 117, que determina
que o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista
controlador.
Não se deve confundir os atos ultra vires praticados além do objeto social, com os atos
violadores de cláusulas restritivas dos poderes de gerência. As cláusulas que limitam os poderes
dos gerentes, proibindo-lhes a prática de certos atos pessoais e obrigacionais, tais como a
concessão de aval, endossos, de fianças, etc., não afetam o objeto social, estão contidas pela
jurisprudência dominante de nossos tribunais, na responsabilidade pessoal de quem os praticar,
não atingindo a sociedade. Portanto consiste em orientar a companhia para possíveis fins
estranhos aos objetivos sociais.
No direito britânico e norte-americano aparecem o ato ultra vires the company e o ato
ultra vires the agente, consistindo o primeiro em ultrapassar os objetivos sociais, ou desviá-los.
O segundo consiste em ultrapassar os objetivos sociais, ou desviá-los. Isto porque pode haver
uma extensão da responsabilidade civil do acionista quando na posição de controle da
companhia, ou praticado em decorrência de uma postura do gestor, e até mesmo de uma decisão
colegiada oriundo de uma diretoria ou órgão da sociedade empresária que traçou o desvio.
Essa prática ou postura está associada ao tema que os membros do Conselho de
Administração desenvolvem no colegiado por voto próprio, ou através do voto representativo
do acionista que o conduziu ao órgão. Por isso Waldírio Bulgarelli442, alerta para os “atos dos
441 R. E. nº 361, in R. F. 1/217; R. E. nº 68.104, de 1969. 442 BULGARELLI, Waldírio. 2003, p. 129.
272
administradores que violarem ou ultrapassarem os limites do objeto social definido no estatuto
serão ultra vires, ou seja, serão atos exercidos além dos poderes da sociedade”.
As consequências jurídicas de maior relevância, quando configurado o ato ultra vires,
aparece a hipótese de entender a não vinculação obrigacional da sociedade em negócio jurídico
que extrapolou o objeto social, ou a nulidade do negócio. Mas existe tendência para
compreender que de tal situação advém responsabilização solidaria, por entender existir vínculo
da sociedade empresária e do administrador.
Da digressão sobre o tema colhe-se opiniões sintetizando quando uma sociedade praticar
atos contrários ou excedentes ao objeto social, não expressamente permitidos ou vedados pelo
estatuto, respondera perante aqueles que de boa-fé sofreram danos, quer sejam acionistas,
sócios, credores, concorrentes ou terceiros que direta ou indiretamente sejam os prejudicados.
A sociedade empresária responde perante terceiros, o administrador responde perante a
sociedade, e ao sócio ou acionista fica ressalvado o direito à dissolução parcial ou à retirada.
Com a observação do entendimento que a sociedade só não respondera quando puder provar a
ma-fé de quem pretende responsabiliza-la. Observe-se o art.158 da Lei das Sociedades
Anônimas.
Portanto o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair
em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão, o que difere de responsável civil.
Há responsabilidade civil quando o administrador causar prejuízos decorrentes da “violação da
lei ou do estatuto”. Assim visto, convém o exame da situação do acionista minoritário,
envolvendo o acionista dissidente.
5.6 O acionista minoritário (acionista dissidente)
Quando se aborda as relações entre acionista majoritário e acionista minoritário aparece
necessariamente, o exame das posturas de proteção em favor da minoria dissidente, e a proteção
em favor da minoria acionária.
O controle minoritário pressupõe a existência de uma minoria organizada de acionistas,
ao lado de uma maioria isolada e desinteressada no exercício de seus direitos. A organização
273
da minoria visa a contrabalançar o poder de controle, bem como a concentração de votos dos
não-controladores, para o exercício dos direitos próprios dos minoritários443.
O legislador brasileiro admite implicitamente a possibilidade de um controle minoritário,
assentado no entendimento que nunca é presumido de acordo com as circunstâncias, tal como
ocorre em algumas legislações estrangeiras444.
A rigor, um controle minoritário bem estruturado, em companhia de grande
pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle
majoritário. Mas a lei brasileira estabelece uma distinção importante, ao
impor, para a aprovação de certas deliberações, o concurso do voto de metade,
no mínimo, do capital com direito a voto (Lei nº. 6.404/76, art. 136)445.
Da afirmação de Lamy Filho compreende-se o quanto ressaltado na Lei das Sociedades
Anônimas, a existência de um sistema de proteção de minoria, assentado no conceito legal,
desde os primeiros documentos oficiais divulgados sobre o Anteprojeto de Lei das Sociedades
por Ações, em maio de 1975, quando explicou, procurando construir normas que se distribuem
praticamente por todos os seus capítulos, um sistema de proteção dos acionistas minoritários,
sem sacrificar, todavia, a ação livre, ainda que responsável, da maioria e dos administradores,
indispensável ao funcionamento e à própria viabilidade da empresa.
Essa dimensão leva a necessária busca de proteção da minoria nos escaninhos da lei. Para
tanto, formula-se não só uma concepção da proteção da minoria em sentido técnico. Por essa
razão é que David446 observa que em diversas legislações estrangeiras o acionista possuindo
certas frações do capital pode convocar ou fazer convocar uma assembleia-geral; pode requerer
de uma autoridade administrativa ou judiciária a designação de peritos para o controle da
contabilidade, e outros. “Tem-se visto na existência de semelhantes disposições, uma proteção
das minorias de acionistas; mas se trata, antes, na realidade, duma proteção de todos os
associados, isto é, da própria sociedade (op. cit., p. 5). E assim formula o princípio de que uma
disposição não protege a minoria, senão na medida em que ela limita a aplicação do princípio
majoritário, não permitindo que a maioria de votos vença a oposição da minoria. Semelhantes
disposições existem, acentua ele, porque não é possível admitir sem reservas, a predominância
da maioria.
443 FARAH, Fátima Regina França. Direito de Voto. Revista de Ciência Politica, 29 (1): 85-95. Jan./mar. 1986. 444 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.
Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 55. 445 Idem, p. 57. 446 DAVID, René. La Protectionles Minorités dans lês Societés par Actions. 1926, p. 5.
274
A proteção, no caso da lei brasileira, contida no artigo 15 da Lei nº.10.303/2001, procurou
colocar uma redoma maior, por entender como necessárias, e doutrinadores dão razão a esse
posicionamento, uma vez que ao separar, de algum modo, aparecem regras que possibilitam
distinguir, e ao mesmo tempo dão efetiva proteção a minoria, que possa servir, e para permitir
dissidência na composição da sociedade anônima, tutelando os interesses legítimos quando
violados.
A proteção específica do acionista minoritário tem sede em texto legal, mas não é nítida
no âmbito das normas da proteção geral do acionista e da sociedade. Por isso é que na discussão
em que examina essa proteção, é importante mostrar os mecanismos postos à disposição da
minoria, para realizar seus propósitos de participação efetiva na sociedade. Essa proteção
também precisa de constante aperfeiçoamento na linha desenvolvida por Comparato e Salomão
Filho, afirmando que:
A rigor, um controle minoritário bem estruturado, com companhia com grande
pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle
majoritário. Mas a lei brasileira estabelece uma distinção importante, ao
impor, para a aprovação de certas deliberações, o concurso do voto de metade,
no mínimo, do capital com direito de voto. (Lei nº. 6.404/74, art. 136)447.
Esses mecanismos que se põe em destaque são os que asseguram, como os basicamente
estão veiculados, como:
a) representação da minoria no conselho de administração e no conselho fiscal;
b) o direito de retirada do minoritário, nos casos previstos na lei;
c) o “quorum”, da assembleia-geral, quando agravado por norma estatutária.
Compreende-se e vale insistir que esse panorama se refere apenas às hipóteses especificas
na qual a minoria atua por sua iniciativa, com a determinação ativa de participar da vida social,
opondo-se à maioria controladora, e não se refere às regras de ordem pública essenciais de que
a lei possa atuar nesse setor; a minoria dissidente há de ter a determinação de se confrontar com
o controle para realizar concretamente o seu interesse.
A representação da minoria constitui um dos mais expressivos direitos de proteção na
relação entre sócios, e com maior envergadura no seio das sociedades anônimas, e de igual
forma nas sociedades de economia mista. Pode-se de igual modo estabelecer sintonia no que
tange a participação do membro no conselho de administração e no conselho fiscal, pois,
447 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.
Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 57.
275
também nesses órgãos há presença das maioria e minoria, especialmente quando a maioria não
tem capacidade de imposição de membros nesses conselhos, por alguma deficiência politica e
ou até decorrente de situação estatutária ou legal, tendo que ajustar a composição nesses
quadros via negociação. Sabe-se que a administração da companhia competirá, conforme
dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria.
O conselho de administração é órgão de deliberação coletiva, sendo a representação da
companhia privativa dos diretores. Descarta-se, assim, da representação minoritária, desde
logo, a diretoria, pois esta é da escolha do conselho de administração e, não existindo esse, da
assembleia-geral, salvo em situações singulares e decorrente de alguma negociação.
Quando se trata da minoria no Conselho de Administração, ou seja, quando o aludido
colegiado tenha representação da minoria, o que ocorre amiúde no conselho de administração,
quando este existe, porque nem sempre o conselho de administração é obrigatório, mais
presente nas companhias abertas, na sociedade de capital autorizado e nas sociedades de
economia mista, são obrigatórias, devem estabelecer ajustes de forma a atender os meandros da
matéria. Assim, as sociedades fechadas sem conselho de administração não ensejam a
representação da minoria, por obvia inadequação, salvo em situações excepcionais.
Dispondo o estatuto da companhia que deve existir um conselho de administração, como é
obrigatório para as companhias abertas e para as de capital autorizado, mas facultativo
conforme o estatuto para as sociedades anônimas fechadas, a minoria tem à representação em
seu seio, e essa parcela de acionistas tem representação que é efetivada, e expressa sua vontade
através do voto.
A disposição legal que regula o exercício do voto múltiplo, trata da eleição dos conselheiros
mostra a faculdade dos acionistas, que representem no mínimo um décimo do capital social
com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção desse processo,
atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho. Reconhece-se
ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-lo entre vários. Essa
faculdade deverá ser exercida por acionistas até quarenta e oito horas antes da Assembleia-
geral, evidentemente para dar tempo para a maioria se compor em torno de seus candidatos. A
mesa que dirigir os trabalhos da assembleia informará previamente à vista do Livro de Presença,
o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho.
Dispõe a lei que se o número de membros do conselho de administração for inferior a cinco,
é facultado aos acionistas que representam 20% (vinte por cento) no mínimo do capital com
276
direito a voto, a eleição de um dos membros do conselho de administração nem sempre
ocorrerá, devido ao processo de eleição e do número de votos estabelecidos pelo presidente de
mesa, para a eleição da cada membro do conselho.
No Brasil a lei societária consagra o controle minoritário como princípio dentro do capital
total da sociedade. A famosa regra que permitia a existência de até dois terços do capital total
da empresa representados por ações preferenciais – sem voto – agora reduzida a no máximo
50% do capital total – nada mais é que a consagração legal em busca do controle minoritário.
O sistema brasileiro pode ser caracterizado como um sistema em que há opção clara pelo
controle minoritário, no que respeita o capital total da companhia448.
O controle minoritário e o seu grau de aceitação que Comparato e Salomão Filho dão ao
tema, são importantes e precisa ter o cuidado para dissecar o controle minoritário dentro do
capital com direito e voto do capital total. Por isso alertam os doutrinadores para a ausência de
uma definição legal do poder de controle, gerando inquietação, que presume estar superada com
o advento do artigo 116 da atual lei, compreendendo ser eventual a hipótese de haver
controlador minoritário.
Abordadas algumas das circunstâncias que envolvem o acionista minoritário, aspectos da
maioria e minoria, vale comentar, pelo menos tenuamente, a oclusão da representação da
minoria por manobra da maioria.
5.7 A oclusão da representação da minoria por manobra da maioria
Dizem que a oclusão da representação da minoria seria uma manobra da maioria, por uma
situação construída ou desenvolvida por acionistas interessados em obstruir o direito da minoria
através de manobras que poderão tornar-se ou considerar-se corriqueiras no mundo de negócios,
onde alguns procuram fazer prevalecer a vontade do mais forte, o uso de expedientes não
admitidos em lei, engendrando astucias, ou aproveitando-se de algum descuido do concorrente,
do adversário, para usufruir, fomentar vantagem e benefícios.
É comum observar que essas praticas acontecem em circunstancias entre muros da
sociedade empresaria, especialmente naquelas constituídas sob a forma de sociedade anônima,
448 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.
Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 57.
277
quer fechada e ou aberta, cujos membros da sociedade ou representantes da maioria convocam
assembleia-geral, ditando matérias para discutir em uma pauta, alvo de deliberação, por
exemplo: a extinção do conselho de administração, promover a alteração do estatuto, e outras
que podem gerar significativas mudanças na vida societária.
Dentre as hipóteses de interesses dos acionistas, pode acontecer a manipulação das
condições de gestão da companhia, como a busca de preencher espaços que de algum modo
consignam concretizar objetivos não transparentes, utilizando de habilidades próprias ou de
terceiros para influenciar seus pares com a finalidade de obter alinhamento e parcerias.
É comum, a titulo de exemplo, a inserção de determinado assunto numa pauta de
discussão que propicia atender certas conveniências, conduzir sequencialmente para obter
deliberação que afete os interesses de alguma parcela inadvertida de acionistas da sociedade
empresaria, como a hipótese de alteração estatutária que somente pode ser admitida com
determinado quorum, e em outras situações singulares, cujos objetivos podem se concretizar,
senão, via subterfúgios.
Alguns versados em estratagemas chegam a afirmar que contra essas manobras a minoria
pouco se dá conta, em virtude da inadvertência, ignorância, desprezo pela participação diligente
na defesa dos seus interesses no colegiado; tornam-se absenteístas, sequer atento ao direito de
recesso.
Igual procedimento da maioria pode acontecer com a representação da minoria no
conselho fiscal e em outros órgãos societários, quando pode haver frustração da minoria no seu
propósito de representação em algum colegiado. Basta para isso que a maioria destaque
acionistas de seu grupo que se disponha falsamente declarar dissidência para disputar a
representação do terço do conselho fiscal e suplente, numa manobra que pode se caracterizar
em uma suposta verdadeira minoria dissidente. Pois, existindo uma suficiente força eleitoral, a
falsa minoria pode empalmar a eleição, destruindo assim a ação dos verdadeiros acionistas
dissidentes, suplantado por aqueles que tem o maior poder de votos. Contra isso nada podem
fazer os autênticos acionistas minoritários, que ficarão frustrados nos seus direitos de
representação.
No Brasil a hegemonia com relação aos privilégios e as responsabilidades são totalmente
atribuídos aos controladores, com base no dispositivo que determinava que somente os titulares
de ações nominativas, endossáveis e escriturais poderiam exercer o direito de votar. A Lei nº.
278
8.021, de 1990 acabou sendo o involuntário veículo de democratização das ações ordinárias, ao
tornar, todas, a partir de 1992, nominativas registradas ou escriturais.
A evidente hegemonia dos controladores permanece, no entanto, pelo contingente de
preferenciais sem voto mantido inalterado para as companhias abertas e fechadas constituídas
antes da vigência da Lei nº. 10.303, de 2001 (art. 15, c/c o art. 8º da Lei nº. 10.303, de 2001),
pelos acordos de acionistas, e, ainda pela criação de classes de ordinárias, nas companhias
fechadas. Tem-se como consequência direta o esvaziamento do poder real da assembleia de
acionistas, que por força do art. 118, face a redação dada pela Lei nº. 10.303, de 2001, passa a
ser exercido pela reunião prévia dos controladores.
Por interpretação dada a Lei nº. 10.303 de 2001, teria sido projetada para dar cabo ao
fechamento de fato do capital de grande parte das companhias estatais privatizadas e para
introduzir padrões de governança corporativa que permitiriam o convalescimento do mercado
de capitais. O artigo 4º estabelece a obrigatoriedade de Oferta Pública Obrigatória – OPA de
fechamento de capital. E, o artigo 15 determina que as companhias constituídas após a vigência
da Lei n. 10.303, de 2001, obedeçam ao regime de paridade entre ações preferenciais e
ordinárias. Para Carvalhosa nesse avanço estão isentas as companhias preexistentes, que
poderão ad alterum manter a disparidade de ordinárias e preferenciais (art. 8º da Lei n. 10.303,
de 2001). No artigo 17 está a favor dos preferencialistas uma séria de possibilidades de
dividendo preferencial, que deverão ser, no entanto, escolhidos pela companhia, em alteração
estatutária. Lamenta Carvalhosa que nesse passo verifica que a única medida salutar trazida
pela Lei n. 9.457, de 1997, obrigando as companhias a pagar dividendos de 10% a maior para
os preferencialistas, a par do critério de dividendo fixo ou mínimo, foi desbaratada pela Lei nº.
10.303, de 2001.
Muitas manobras poderão ser exercitadas pelo acionista majoritário, ou quando vários
acionistas se reúnem formando um feixe que venham criar situações fáticas e ou de direito
possibilitando impedir que a minoria possa levar ao órgão, a qualquer colegiado, pleito que
venha sofrer dano, ou possa ser reconhecido algo em desfavor da maioria.
Portanto, muitas são as situações em que a maioria pode usar de alguma nuance de poder
acionário, inclusive com um lastro recheado de artifícios sob manto de legalidade, mas com
algum intuito inconfessável de prevalecer interesse, conveniência.
Desse modo, vale examinar, mesmo de modo singelo o direito de retirada do acionista
minoritário quando perceber não só do dano a acontecer, mas, também, da impossibilitado de
279
defender a sua posição na sociedade empresaria, quer em relação ao todo da companhia ou
quando em circunstancia pessoal, individual, sozinho, tem de exercitar alguma posição mais
severa.
5.8 O Direito de retirada
O tema é vasto e controverso, mas encontra amparo legal, que, resumido, inicia-se com o
conteúdo do artigo 109 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que disciplina as sociedades
por ações, o qual, segundo abalizados juristas, estabelece os chamados direitos essenciais. Esses
direitos, também conhecidos por direitos intangíveis, fundamentais ou inderrogáveis do
acionista.
Dita a dispositivo legal, que: nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar
o acionista dos direitos de participar dos lucros sociais; participar do acervo da companhia, em
caso de liquidação; fiscalizar, na forma prevista na Lei, a gestão dos negócios sociais;
preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures
conversíveis em ações e bônus de subscrição, devendo observar o disposto nos arts. 171 e 172,
inclusive, retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.
Da mesma forma a lei expressa que os meios, processos ou ações estão assegurados,
conferindo ao acionista, seus direitos, que não podem ser elididos pelo estatuto ou pela
assembleia geral. Verifica-se, pois, haver, numa primeira aproximação com o tema, que o
direito de recesso se insere no âmbito desses direitos essenciais ou intangíveis, expressos no
inciso V do art. 109 da Lei das sociedades anônimas.
Coadunando com esse entendimento, merece destacar a definição esposada por Modesto
Carvalhosa sobre o direito de recesso, como a faculdade legal do acionista de retirar-se da
companhia, mediante a reposição do valor patrimonial das ações respectivas. Nessa linha e
estudo, compreende como um direito que tem o acionista discordante das deliberações da
assembleia geral sobre matérias taxativamente previstas em lei, de retirar-se da companhia
mediante o reembolso do valor de suas ações.
Sustenta Requião que o direito de se retirar da sociedade nos casos previstos em lei,
conforme o inciso V, do artigo 109, além de ser um direito essencial, constitui especificamente
um direito de proteção da minoria. E, com efeito, se o acionista minoritário identifica o acionista
280
ativo na defesa de seus interesses a ponto de se colocar em dissidência perante a maioria,
portanto, o direito de retirada será próprio da atuação específica do acionista minoritário.
Considera-se que o direito de retirada constitui uma garantia do acionista dissidente, e não
apenas do acionista em geral.
A aprovação da criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem
guardar com as demais, salvo se já previstos no estatuto, alterações nas preferenciais, vantagens
e condições de resgate e amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação
de novas classes mais favorecidas; alteração do dividendo obrigatório; mudança de objeto da
companhia; incorporação da companhia em outras, sua fusão ou cisão; dissolução da companhia
ou cessação do estado de liquidação; participação em grupo de sociedades, são motivos que
proporciona ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante o reembolso
do valor de suas ações, se o reclamar à companhia no prazo de trinta dias contados da publicação
da ata da assembleia-geral.
Como se vê, a retirada do acionista com seus haveres sociais constitui um dos mais
importantes mecanismos que a lei concede ao acionista minoritário que dissentir da atuação da
maioria, nos casos legalmente indicados e acima enunciados. Entretanto, em benefício da
sociedade, pode a maioria reconsiderar a deliberação do minoritário dissidente, e convocar, nos
dez dias subsequentes ao termo do prazo de trinta dias, a assembleia-geral. Essa decisão
reconsidera ou ratifica a aludida deliberação. Entendem os preocupados com a saúde econômica
financeira da sociedade empresária, que decisão pelo pagamento do reembolso das ações aos
acionistas dissidentes, que exerceram o direito de retirada, poderá colocar em risco a
estabilidade financeira da empresa. Importante destacar que decaíra do direito de retirada o
acionista que o não exercer no prazo fixado.
O direito de recesso ou de dissidência do acionista, ou pela redação legal como direito de
retirada, é matéria que vem dando margem às mais calorosas discussões, muitas vezes situa-se
no epicentro dos conflitos entre acionistas controladores ou que disputam esse comando de um
lado, e os acionistas minoritários de outro.
O recesso é o instituto que reflete a tensão entre os interesses individuais dos sócios,
gerando conflitos, forçando discussões de grande importância, face as necessidades para o
desenvolvimento da empresa, consideradas válidas ou não.
O acionista pode por vontade não querer permanecer participando no capital social de
uma empresa que não atende mais aos seus interesses, por isso o legislador procurou proteger
281
esse acionista e permitir que ele se desligue da companhia, pela qual ele não mais se sente
atraído. A par das discussões essencialmente jurídico-doutrinárias sobre a natureza desse
direito, em princípio, a de um negócio jurídico que produza extinção da relação jurídica entre
o acionista e a companhia, caracterizando-se por ser uma manifestação unilateral de vontade
ou reclamação, como soa na voz de Pontes de Miranda.
Na visão de Lucca449 haveria impropriedade no quadro dos direitos individuais dos
acionistas, face o caráter eminentemente ideológico desse direito, mostrando posições
convergentes como a de Aurélio Menéndez Menéndez, depois de assinalar que a concepção
democrática da sociedade anônima, enquanto forma de grande empresa em crise com a
tendência de concentração e de unificação do poder, acelerando-se cada vez mais, dado que a
necessidade de assegurar a maior eficácia possível à gestão da empresa social, fez com que o
poder se deslocasse para os chamados órgãos da administração, tecendo as seguintes
considerações:
Si es esta Ia realidad, es natural que nos preguntemos sobre eisentido que
desde esta perspectiva puede tener la diferenciación entre accionistas de
control y accionistas inversores defondos, o si se quiere, para seguir
recordando Ias ideas expuestas, sobre ei sentido que tienen las acciones sin
voto. Parece que por este lado Ia respuesta no es dudosa: Ias acciones sin voto
significarían que en uma buena parte Io que era Ia piedra de toque de Ia
organización dei poder queda suprimida. En otros términos, que frente a una
sociedad anônima de base democrática, com ei voto dei sócio como
origendetodo poder y Ia soberania de Ia junta como principio cardinal de su
estructura, caminamos hacia una sociedad anônima que, volvendo encierto
modo — solo encierto modo — a Io que fueen sus orígenes, trata de suprimir
ei voto dei accionista y de constituirse sobre una base más bien oligárquica,
fundada en ei domínio de los sócios que aspiran a participar en Ia
administración y en ei poder de gestión concentrado en los órganos de
dirección y Ias minorias de control. Pero desde este momento decae o
desaparece ei instrumento de defensa dei accionista en forma particularmente
aguda. Y ei Derecho que, como Ia Naturaleza — según uma feliz expresión
— 'tiene horror ai vacío', buscará, sin duda, los mecanismos compensadores
ai poder liberado de los administradores y los equipos de dirección.
Lucca aventa a possibilidade de não estar convencido de que o conteúdo do direito de
recesso não se confunde efetivamente com a essência dos chamados direitos individuais ou
intangíveis do acionista, resultando daí, talvez, a melhor explicação para a sua assimetria entre
as mais diversas legislações, e mesmo para a completa inexistência de outras. Assim não se
confundiria pela simples razão de que entre os direitos individuais dos acionistas estão
albergados direitos de natureza diversa. Para tanto mostra o entendimento de Fábio Konder
449 LUCCA, Newton. Direito de recesso no direito brasileiro e na legislação comparada. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. V. 94. 1999. p.p. 105-107.
282
Comparato, destacando tanto a existência de direitos materiais, com a finalidade voltada à
obtenção de bens econômicos, quanto a de remédios jurídicos, estes consubstanciados nos
meios ou recursos de realização ou de proteção daqueles direitos materiais.
Esclarece Comparato, que alguns dos direitos individuais dos acionistas correspondem
a prerrogativas essenciais do sócio, independentemente do tipo de sociedade mercantil, pois
tais prerrogativas seriam inerentes a qualquer sociedade, podendo-se afirmar que, sem aquelas
não existiria esta última. Exemplifica “com o caso paradigmático do direito de participar dos
lucros sociais, com a correlata regra da nulidade das sociedades leoninas”, assentado no art.
288 do Código Comercial.
Completa Comparato:
Já o mesmo não ocorre quando o direito individual é reconhecidoem lei
unicamente para a proteção do interesse minoritário, a modo de contrapeso ao
princípio do governo social pela maioria. Exatamente porque não se cuida, aí,
de prerrogativa ligada à própria essência da sociedade, nem todas as
legislações consagram tais direitos, ou os alçam à categoria de poderes
intangíveis.
Afirma Lucca que a inserção do direito derecesso no âmbito dos chamados direitos
individuais, essenciais, intangíveis ou fundamentais do acionista - a par de sua notória
insuficiência teórica, posto situar-lhe o gênero próximo sem, contudo, indicar-lhe a diferença
específica, que pode representar até mesmo um certo perigo, na medida em que parece retirar
do direito de recesso a sua verdadeira natureza de um remédio jurídico. E por se tratar de
remédio, entende Lucca ser francamente favorável à existência desse direito de recesso, não-
obstante os problemas que a sua utilização abusiva gera, não apenas na vida empresarial
brasileira, como, igualmente na legislação de outros países.
Arrematando: “Mas já se disse, com felicidade, que a diferença entre o remédio e o
veneno é a quantidade. Pois bem: o recesso bem dosado sempre foi e continuará sendo um
remédio jurídico; se mal, infelizmente, degenera em abuso”.
Importante ressaltar, que pode deixar de existir fundamento para o exercício do direito
de recesso nas companhias abertas quando o acionista tem ampla e irrestrita possibilidade de
negociar livremente os seus papéis nas Bolsas de Valores.
Argumentam outros doutrinadores que o direito de recesso fora utilizado de forma
impertinente de suas verdadeiras funções, a ponto de falar-se numa “indústria do recesso”. No
entanto, como alude Lucca, que esse direito representa um dos mais importantes mecanismo de
283
contrapeso ao poder incontrastável do acionista controlador, sendo, de certo modo, o reverso
da medalha, na qual um de seus lados estampa a garantia constitucional de cada um poder
associar-se livremente.
Vistos os aspectos dos fundamentos relativos ao direito de retirada do acionista
minoritário, passa-se ao exame da assembleia como órgão supremo da companhia.
5.9 Assembleia
Assembleia é o órgão de participação direta pelo qual os sócios tratam das grandes decisões
da organização, considerado como o órgão social supremo da sociedade anônima. A assembleia
geral tem o cerne do poder social. É o órgão legislativo e de supervisão com poderes para
nomear e revogar nomeações para os outros órgãos da companhia, criar órgãos sociais não
previstos na lei, e alterar os estatutos da sociedade empresária.
Nos primeiros momentos da sociedade por ações no Brasil, a assembleia-geral era um
órgão inexistente, o seu aparecimento foi em 1808 nos estatutos do Banco do Brasil, reunindo
quarenta dos seus maiores acionistas capitalistas.
O Decreto-Lei nº. 2.627, de 1940, pelo artigo 86 definia a assembleia geral como a
reunião dos acionistas, convocada e instalada na forma da lei e dos estatutos, a fim de deliberar
sobre matéria de interesse social.
Analogamente na pesquisa da realidade de poder na sociedade anônima, não se pode
contentar com a afirmação legal de que a assembleia-geral, convocada e instalada de acordo
com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da
companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento. O
controle manifesta-se através dos poderes decisórios da assembleia de acionistas como
necessária legitimação do seu exercício. Mas essa legitimação é meramente formal ou
procedimental450.
A assembleia pode ser entendida como o conjunto de acionistas reunidos, mediante
convocação e instalação realizadas de acordo com a Lei das Sociedades Anônimas e na forma
do estatuto da companhia, para deliberar sobre matéria de interesse social, quaisquer negócios
450 COMPARATO, Fábio Konder. SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6a.
ed., Forense, Rio de Janeiro, 2014, p. 33.
284
relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e
desenvolvimento.
A assembleia geral é um órgão legislativo da sociedade, que toma deliberações, que
constituem, ora declarações de vontade, ora declarações de ciência. Quando a assembleia geral
modifica estatutos, quando elege ou destitui diretores, quando aprova balanços e contas, revela
uma declaração de vontade da maioria que se torna vinculativa para todos os acionistas,
constitui, preenchidas as formalidades de registro e publicidade, uma declaração de vontade da
própria sociedade, com eficácia relativamente a terceiros, como afirma Ascarelli.
Para Massineo a assembleia é um corpo colegiado, e as suas deliberações constituem
manifestações de vontade colegial, atos unilaterais não receptícios, atos complexos ou
coletivos, no qual todos os participes não tem em vista interesses divergentes, mas interesse
comum nas palavras de Navarrini.
Para Rodrigo Uria as deliberações assembleares constituem negócios jurídicos
unilaterais, embora formados pela coincidência de uma série de vontades individuais (as dos
sócios, que votam a favor de certa deliberação), que se fundem para formar a vontade coletiva,
porque é declaração de vontade de uma só parte (a sociedade) e porque, ademais, é ato colegiado
no sentido lato, isto é, ato que, embora se realize por pluralidade de pessoas, como estas agem
como componentes de um mesmo órgão, não perde sua condição unitária.
Até a deliberação unânime da assembleia dos componentes (resultado formal), ou da
assinatura da escritura, há apenas declarações de vontade paralelas, todas vinculativas, se
preencheram os requisitos legais. Atendidos essas exigências, a deliberação da assembleia com
a assinatura da escritura pública, aquelas vontades perfazem o ato jurídico coletivo.
Semelhante, quanto às sociedades anônimas, conforme a subscrição do capital, totalmente
cheia ou sucessiva é pressuposto necessário. Dentre os órgãos comuns da sociedade anônima,
estão a assembleia geral, a diretoria, o conselho de administração, o conselho fiscal. A
assembleia geral enfeixa a maior soma de poderes, é o órgão ou o poder supremo da sociedade
anônima, “l’âme même de La personne morale” – na expressão de E. Thaller451, o centro
propulsor do organismo social.
Para os doutrinadores do século passado, a assembleia geral é o poder legislativo da
sociedade empresaria, ela faz o estatuto da companhia que é a lei da mesma, podendo reforma-
451 E. Thaller. Traité Élémentaire de Droit Commercial. Editora Arthur Roussseau, 1910, nº. 681, pág. 438.
285
lo, proporcionar a realização dos contratos mais importantes, que afetam a sociedade, bem
como fazer com que outros instrumentos possam ser convalidos por sua condição legal, e
autorizar que os administradores realizem atos jurídicos específicos sob a sua expressa
determinação.
Na expressão de J. X. de Carvalho de Mendonça, a assembleia geral representa a vontade
social nos limites da lei e dos estatutos. A assembleia geral tem poderes para resolver todos os
negócios relativos ao objeto de exploração da sociedade, e para tomar as decisões que julgar
convenientes à defesa desta, e ao desenvolvimento de suas operações.
A assembleia tem a liberdade de aprovar, modificar ou rejeitar as propostas que são
apresentadas. O voto conferido numa assembleia pode não levar em consideração alguma
posição contida na pauta para a realização, bem como de não tratar assunto que entenda não
relevante, além de não abrir discussão sobre um objeto da ordem do dia, equivale à rejeição.
Os poderes das assembleias gerais são amplos, não são, todavia, ilimitados. O círculo de
sua ação acha-se traçado na lei e nos estatutos (ou contrato social a depender do tipo da
sociedade empresária), sendo nulas ou anuláveis as deliberações que, de qualquer forma, firam
ou contrariem a lei ou os estatutos.
Assim é que não poderá a assembleia geral privar qualquer acionista a direito de participar
dos lucros sociais, observada a regra da igualdade de tratamento para todos os acionistas da
mesma classe ou categoria, bem como do direito de participar, nas mesmas condições do acervo
social, no caso de liquidação da sociedade, e do direito de fiscalizar a gestão dos negócios
sociais, do direito de preferência para a subscrição de ações no caso do aumento do capital e do
direito de se retirar da sociedade de acordo com a legislação. A assembleia é considerada uma
redoma da paridade societária que se propõe resolver internamente os conflitos entre sócios.
Não pode a assembleia geral limitar ou anular os direitos conferidos em lei aos acionistas,
quer individualmente, quer como parte componente da sociedade, nem favorecer um acionista,
ou qualquer que seja a pretexto aparente invocado em apoio de decisões, não obstante a sua
regularidade formal.
Não poderá ainda a assembleia ofender direitos adquiridos de um ou mais acionistas,
ainda a pretexto de modificar os estatutos, suprimir obrigações assumidas (salvo com expresso
consentimento dos acionistas), tampouco ofender direitos e interesses de terceiros. Muito
menos deliberar sobre doações ou incompatível liberalidade com o objeto a que se propõe a
sociedade. Não pode haver prorrogação dos poderes de seus administradores, suscetíveis apenas
286
de renovação pela reeleição. Essas limitações, práticas, e atos não só constituem como princípio
aceito sem discrepância, como visam evitar atos de prepotência.
Atente-se para o aspecto de atribuir as assembleias poder discricionário, que muitos se
opõem, porque seria subverter todos os dogmas da injunção contratual entre os contraentes e
armar as assembleias de soberania para aniquilar, invalidar, confiscar direitos, cuja aquisição
perfeita e consumada feriria de infirmeza e incerteza talante da maioria dos acionistas, sequer
contra os compromissos firmados, fixados e assumidos de lado a lado no contrato estatutário.
Se as assembleias aprovarem um ato contra os estatutos, esse ato é nulo, e eles não podem se
afastar da orbita por eles traçada. Por isso não podem as assembleias tratar de assuntos estranhos
ao objeto e ao fim da sociedade. As resoluções propostas ao voto na assembleia hão de ser
concordes com o espírito do pacto social, e preceder de noção de utilidade para a sociedade.
Da mesma forma, deve procurar seguir a uma pauta previamente elaborada, que em geral
adota com caráter obrigatório o quanto as disposições legais descrevem, como na convocação
as matérias que serão conhecidas, examinadas e votadas se for assim deliberado. Também
elencam assuntos importantes do interesse da companhia, e ou dos acionistas para exame e
decisão, quer por iniciativa dos administradores, quer por provocação dos sócios.
As matérias que presentes na ordem do dia, pauta, sejam compatíveis com os dispositivos
legais, com os assuntos empresariais, que sejam para atender os interesses dos acionistas /
sócios da sociedade empresária.
Cada órgão da sociedade anônima tem poderes definidos, cujo estatuto tem as suas
atribuições perfeitamente estabelecidas, com as propriedades legais para delegar poderes a
outra pessoa, evitando-se confusão ou perturbação no mecanismo das sociedades anônimas. A
assembleia geral embora seja o órgão supremo de direção e administração da sociedade, é o
que maiores poderes enfaixam.
A diretoria, o conselho de administração, o conselho fiscal e outros órgãos criados por lei
ou pelo estatuto, possuem poderes próprios.
Existe ato que a assembleia geral não pode examinar e tampouco executar por se tratar
da alçada exclusiva da diretoria, ou do conselho de administração, ou do conselho fiscal, ou de
determinado setor, especialmente conferido na lei, ou quando a lei ou estatuto social
expressamente delimita esse ato. Portanto é imprescindível que esteja presente e ocorra a
harmonia entre os órgãos, para que a sociedade possa perfeitamente se desenvolver, e desse
bom comportamento, gerar a consecução dos objetivos sociais, com o funcionamento
287
sincrônico dos órgãos, cada qual se desincumbindo de suas atribuições, auxiliando-se
mutuamente, sem interferir na esfera de ação dos demais. Dai a importância que a definição do
poder de dominação ou controle na sociedade anônima, é sempre feita em função da
assembleia-geral, pois é ela o órgão primário ou imediato da corporação, que investe todos os
demais e constitui a última instância decisória452.
Na reunião dos sócios também é um momento relevante de prestação de contas, para a
prática da transparência pela administração, sendo oportunidade valiosa para que os sócios
possam contribuir com a organização, apresentando ideias e opiniões.
No corpo do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa453 vê-se as
práticas que devem ser encetadas pelos sócios quando participar da assembleia geral. Os sócios
devem comporta-se de forma diligente e informada, uma vez que têm responsabilidades para
com a organização e devem exercer seu direito de voto no melhor interesse dela. Os
administradores devem utilizar a assembleia geral para efetiva prestação de contas, a fim de
permitir que os sócios avaliem o desempenho da organização.
Pelo mesmo Código estão elencadas as práticas de Governança Corporativa,
determinando a aqueles que administram recursos de terceiros, gerencia fundos de
investimento, e se envolvem com investidores institucionais, tem o dever de participar das
assembleias, exercendo seu voto no melhor interesse da organização.
Incluem-se entre as principais competências da assembleia geral: aumentar ou reduzir o
capital social e reformar o estatuto/contrato social; eleger ou destituir, a qualquer tempo, os
conselheiros de administração e fiscais; tomar, anualmente, as contas dos administradores e
deliberar sobre as demonstrações financeiras; deliberar sobre transformação, fusão,
incorporação, cisão, dissolução e liquidação da organização; deliberar sobre a avaliação de bens
que venham a integralizar o capital social; aprovar a remuneração dos administradores e
conselheiros fiscais.
Visto os aspectos relevantes da assembleia, examina-se o Conselho de Administração e
o membro do órgão.
452 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6a.
edição, 2014, GenForense, p. 43. 453 Código das Melhores Práticas de Governança Corporativas. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
5a. edição. São Paulo - www.ibgc.org.br
288
5.10 O conselho de administração e o conselheiro
Os atenienses instituíram a figura do conselho para coadjuvar as decisões das suas
assembleias. Os séculos passaram. As sociedades continuam na procura de se organizar cada
vez mais, utilizando das opiniões de pessoas sábias, para dar norte aos seus rumos. Muitos
ciclos e marcos civilizatórios foram sedimentados pela vivência, experiências do ser humano.
Procede-se um salto para avançar no tempo.
Observando alguns acontecimentos que mereceram destaques, com discussões das mais
diversas, com o intuito de obter acertos ou para superar as dificuldades encontradas, muitos
desses procedimentos obtiveram sucesso, proporcionando o sabor da vitória para ensejar novas
empreitadas e desafios.
No curso da vida os homens se depararam com muitas demandas que necessitava de uma
segura opinião, que foram submetidas a mais de uma pessoa. Os grupos sociais resolveram
sabiamente formar, reunir certas pessoas para obter conselhos, servindo como elemento
facilitador para conseguir soluções para oferecer ao líder desse grupo.
Assim o administrador do grupo político-social, depura opiniões, e constrói ações. As
opiniões e soluções proporcionadas, especialmente quando as endossadas pelo líder da
comunidade, passaram a ser um procedimento costumeiro cujo hábito perdura e se engaja, a
considerar como elemento do processo evolutivo do convívio social.
Assim, atravessando vários períodos, saltando de época em época, chega-se ao ano de
1848, na França, lembrando o momento da criação do conselho de Estado naquela nação, com
um parlamento, ou seja, uma casa de representantes com apenas uma assembleia. Essa
recordação avive com preocupação, até mesmo perturba, face algumas das nefastas práticas
registradas naquele lapso da história.
Vê-se que os conselhos cada vez mais são instituídos e reconhecidos, considerados nas
mais diversas órbitas, como necessários para atender as instituições, comunidades,
implementando recomendações, correições no intuito de aprimorar e ajustar decisões que
afetam diretamente os grupos sociais e as sociedades empresárias.
Desses conselhos, em geral, advém fórmulas de pensar e agir, encetando novos
mecanismos, movimentos propícios para melhor construir a sociedade.
289
No campo político surge a optação pela dualidade legislativa para servir de modelo para
as associações, com a disposição de atender a gestão dos interesses coletivos. Esse modelo
serviu e amolda para atender a gestão coletiva política, bem como para aperfeiçoar a sociedade
empresária.
A sociedade empresária passou adotar órgãos à semelhança dos encontrados e praticados
nos grupos político-sociais para deliberar assuntos dos seus interesses de maior relevância, e
por sua vez, por semelhança, as sociedades de economia mista utilizam os mesmos alicerces da
administração da sociedade anônima, numa intrínseca conexão para atender a sua
funcionalidade, e obtendo bons resultados, procura alcançar com a igual eficiência que acontece
nas sociedades anônimas, praticamente com as mesmas instalações e funções454.
Os órgãos constituídos no âmbito das atividades mercantis concatenam suas práticas que
se interligam, agindo como pressuposto da distribuição de tarefas.
O Conselho de Administração é órgão obrigatório nas sociedades anônimas de capital
autorizado, nas de capital aberto, e nas sociedades de economia mista; sendo facultativo para
as sociedades anônimas de capital fechado. Esse órgão proporciona estabilidade, segurança e
orientação geral nos negócios da companhia, dentre outros objetivos é a de alcançar as metas
econômicas, sociais e políticas traçadas pelos seus sócios. Os membros desse órgão
habitualmente são denominados conselheiros, escolhidos necessariamente pelos acionistas que
compõe a sociedade empresária. Compete ao Conselho de Administração eleger, destituir, fixar
competências e fiscalizar a gestão dos diretores, além de convocar assembleia geral, manifestar-
se sobre relatórios, contas e atos, deliberar sobre emissão de ações e bônus, autorizar alienação
de bens, ônus reais e garantias, escolher e destituir auditores independentes.
O conselho de administração não tem qualquer poder de representação, já que a
administração externa compete privativamente aos diretores, é apenas órgão deliberativo, de
planificação e orientação da gestão, e de fiscalização da diretoria.
A finalidade da atribuição dos cargos dos conselheiros é diversa da dos diretores. Mas
nem por isso os conselheiros forram-se de maior ou menor responsabilidades perante acionistas
ou terceiros, na medida em que, da sua atuação ou inação, podem resultar prejuízos externos455
e internos para a companhia.
454 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São
Paulo. Saraiva. 2009. 455 Idem - p. 22.
290
O estudo especificamente do Conselho de Administração nas sociedades empresárias tem
sido uma questão controvertida, considerada por alguns como algo intrincado, que fomenta
certa disceptação doutrinária. Contemporaneamente, com certa intensidade quando se dedica
ao exame desse órgão na realidade da sociedade de economia mista.
Esse órgão exerce uma posição de orientação, de recomendação, aprovação de gestão,
com poderes de interagir em nome e perante os acionistas da companhia, e não somente
internamente perante os demais pares do órgão. Também reconhece que o Conselho de
Administração age sobre determinadas matérias envolvendo os interesses da sociedade
empresária perante terceiros.
A lei dispõe sobre a criação do Conselho de Administração, como órgão de deliberação
colegiada, nas sociedades anônimas ou nas sociedades de economia mista. O artigo 13 da Lei
nº. 13.303/2016, dispõe sobre a constituição e funcionamento do Conselho de Administração,
distinguindo-se da estrutura e comportamento do órgão como sociedade empresária anônima
no âmbito privado.
O membro desse órgão não deixa de ser um gestor, apesar de habitar em uma orbita
distinta do administrador singular, é comumente denominado ‘executivo’ no âmbito de gestão
monista, exercitando com habitualidade os atos privativos de gerência ou administração de
negócios da empresa. Esse integrante do órgão, por delegação ou designação de assembleia, ou
em decorrência da sua eleição.
O Conselho de Administração da sociedade empresária é considerado como o principal
orientador da administração da vida empresarial das sociedades empresárias que dispõem desse
órgão.
Os membros do Conselho de Administração são eleitos pelos acionistas da companhia
em assembleia geral para exercer mandato, facultada a reeleição, salvo as pessoas não
acionistas, empregados da companhia, na forma prevista no parágrafo único do artigo 140 da
Lei nº. 6.404/76, que se inclina para a denominada cogestão, conhecida no direito alemão, como
Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik456 desenvolvem didaticamente o assunto.
O conselho de administração da sociedade anônima assenta-se numa estrutura entre a
assembleia geral e a diretoria, conjugando deliberações advindas dos seus integrantes,
denominados conselheiros. Esses componentes votam exteriorizando não somente para
456 CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova lei das S/A., São Paulo, 2002, p. 297.
291
expressar o poder conferido pela legislação e estatuto da companhia, também o poder que
advém pelo interesse do ou dos acionistas que elegeram na pertinente assembleia geral.
Nesse rumo os seus integrantes do órgão agem, perfilando-se ou não ao princípio da
fieldade, sob a orientação do acionista. Esse liame cada vez mais debatido, visando depurar o
poder dos acionistas e a vontade assentada prevalente do acionista controlador ou majoritário
como único eleitor.
A aludida posição pressupõe uma subordinação ou fidelidade do conselheiro, atrelando a
condução da sociedade a exclusiva vontade política do acionista majoritário ou controlador no
exercício da gestão executiva (da diretoria). O conselho de administração não tem poder de
representação, essa competência pertence a diretoria, que detém poderes de administração
interna e externa da companhia.
O Conselho é um órgão deliberativo, de planificação, orientação e de fiscalização da
diretoria, mas os juristas asseveram que nem por isso os conselheiros fogem de
responsabilidades perante os acionistas e terceiros.
Explica-se na atualidade que os órgãos de administração tem limitação de poderes,
inclusive para expressar a vontade coletiva perante terceiros – administração externa -, mas, em
certos casos, somente participam da formação e da expressão da vontade social no âmbito
interno da própria sociedade, e isso, é claro, nada tem que ver com a hipótese de representação
legal ou convencional457.
Sendo o conselho de administração órgão eminentemente colegiado deve o conselheiro
quando divergir, mandar consignar na ata competente o teor do entendimento e voto no livro
próprio como dispõe o inciso VI, do artigo 100 da lei das S.A. . O integrante do órgão deve
registrar a divergência sobre a matéria deliberada, inclusive para atender a previsão dos artigos
142 e 289 da lei nº. 6.404/76, cumprindo os fins de publicidade, cada dia mais dado maior
importância ao parágrafo sétimo do artigo 289 da lei das S.A. .
Adamek458 entende que:
Dentro desse contexto operativo, a responsabilidade dos titulares do conselho
de administração é sempre responsabilidade coletiva, própria da
administração colegial, [...]
Convém aqui registrar que não se trata de responsabilidade objetiva: a
solidariedade porventura resultante de ato de administração colegial não
457 ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. 458 ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as ações correlatas.
Saraiva, 2009, p. 23.
292
decorre do só fato de o conselheiro integrar o órgão, mas apenas resultar de
sua própria contribuição para a tomada da deliberação ou de sua própria
omissão na adoção de providências para impedir ou atenuar as consequências
danosas do ato colegial. Por isso, não julgamos correto afirmar a
responsabilidade coletiva é sempre solidária, [...].
O citado jurista esclarece que:
A deliberação tomada pelo conselho de administração, assim como a
deliberação da assembleia geral, é ato colegial, e o ato colegial distingue-se
do ato coletivo, em que as distintas declarações de vontade dos vários agentes,
embora concorram para a formação de vontade coletiva, não se fundem em
numa só. A posição exposta no texto não contrasta com o que acabamos de
expor, precisamente porque a responsabilidade em análise é do administrador,
e não do órgão, e é imputável a seu comportamento, e não apenas ao fato de
pertencer ao órgão. Assim, da mesma forma como o acionista pode ser
responsabilizado por voto abusivo (o que não se aplica negar o caráter colegial
da deliberação assemblear), também o membro do conselho de administração
o poderá ser individualmente, sem isso brigue com o caráter colegial das
deliberações do órgão da administração459.
A diretoria e o conselho de administração têm conformação própria na forma da lei das
sociedades anônimas. Pelo estatuto, a companhia pode criar órgãos técnicos e consultivos,
(artigo 160 da Lei nº. 6.404/76).
A Lei nº. 13.303/2016 passou a dispor de regras mais especificas sobre as funções dos
órgãos. A doutrina e a jurisprudência abordam a evolução legislativa, definindo, à semelhança
do que o estatuto jurídico do Conselho de Administração, mostrando as vertentes aplicáveis.
Esclarece Adamek que:
Conquanto a teoria do contrato de mandato tenha sido largamente aceita
na doutrina, notadamente devido às verbas legis empregadas nas leis
societárias, as insuficiências de sua explicação, tanto para justificar a posição
da administração em relação à companhia como para explicar o vínculo que
une o administrador à companhia, efetivamente são manifestas, [...]
Em síntese, o administrador pratica não só atos jurídicos, mas também
atos materiais. Sua função não se restringe a representar a sociedade em atos
jurídicos (até porque nem todo administrador tem esse poder), mas também a
praticar atos de gestão. Ele investe na gestão econômica-patrimonial da sociedade. Os poderes próprios de sua função são privativos e não podem ser
exercidos pela assembleia. A autonomia com que atua o administrador mal se
concilia com as regras de mandato. Também não poderia ser considerado
mandatário, porquanto a sua designação pode decorrer de ato da maioria dos
acionistas, que podem até ter votado contra essa designação – e, ademais, nem
mesmo a assembleia pode revogar os atos praticados pelos administradores.
Por fim, a definição da extensão dos poderes dos dirigentes não depende
propriamente da vontade do suposto mandante – a pessoa jurídica -, mas
essencialmente da lei. Se ainda hoje se faz referência a “mandato” de
459 ADAMEK, op. cit. nota 33, p. 23.
293
administrador é com o mesmo sentido empregado em direito público, como
sinônimo de função460.
Adamek complementa que próxima à teoria do mandato estão as teorias da agency e do
trust, praticadas na common law, creditando que essa pratica à remota origem das sociedades
anônimas nas partnerships, vivenciadas no direito inglês, onde os administradores teriam para
a companhia deveres fiduciários, análogos àqueles que os trustees têm para com os
beneficiários do trust, concluindo que esse entendimento é imperfeito, porquanto na sua
estrutura, os administradores da companhia não são titulares dos bens sociais, ao contrário dos
trustes, que o são dos bens do trust. E, pelo aspecto da funcionalidade, também equivocada,
uma vez que o administrador da companhia não é de mera conservação dos bens, mas sim de
fazê-los frutificarem por conta de gestão eficiente. Também, há de se observar que não é função
do administrador evitar a assunção de riscos, senão assumi-los de maneira inteligente em busca
da consecução da finalidade lucrativa comum da sociedade.
Comenta Carvalho de Mendonça na vigência do Decreto nº. 434/1891, os arts. 97 e 98
definiam os diretores como mandatários:
Não obstante os textos legais falarem do mandato dos administradores, estes
não são mandatários por força da convenção ou da lei; não exercem simples
mandato. Os administradores agem, na qualidade de órgãos da manifestação
externa da sociedade, personificam esta. Eles ao mesmo tempo que põem a
sociedade em contato com os terceiros, tutelam os interesses da mesma
sociedade, dos acionistas e de terceiros: fiscalizam a observância da lei e dos
estatutos; obram, como se vê, motu próprio. Ora, não se daria isso se fossem
simples mandatários. O mandato é livremente fixa a extensão dos poderes.
Aqui não existe esta dupla liberdade. A sociedade é obrigada a nomear os seus
administradores e há um mínimo de poderes dos quais estes não podem ser
privados. Muitos princípios e normas legais sobre o mandato mercantil são,
entretanto, aplicáveis aos administradores, pela grande analogia que existe
entre o mandato e a administração.
Quanto à figura do administrador pondera Gomes461 que:
[...] está evidentemente superada a teoria que qualifica esse vínculo como uma
relação jurídica informada pelo contrato de mandato. Prevalece atualmente o
entendimento de que é uma relação sobre a base da representação orgânica
(Brunet-Cañizares, Buenos Aires, 1960). Em termos mais simples: o diretor
de sociedade anônima não é um mandatário, mas seu órgão.
O jurista baiano afirma que:
Desta aquisição doutrinaria no campo da análise da pessoa jurídica segue-se
que a responsabilidade do administrador não é contratual, pois a
responsabilidade orgânica é responsabilidade ex lege. Por outro lado,
460 ADAMEK, op. cit. p. 42-43. 461 GOMES, Orlando. Revista dos Tribunais. 1971, vol. 429, p. 16.
294
predomina, em doutrina, a tese de que a condição de administrador decorre
não de um contrato com a sociedade, mas de um ato jurídico unilateral, por
via do qual se lhe atribui, com os respectivos poderes, a qualidade de órgão
da pessoa jurídica. Conquanto esse ato unilateral, denominado nomeado, nem
por isso se torna contratual, porquanto ela é simples condição de eficácia.
Desta qualificação técnica resulta que o ato de nomeação pode ser revogado
sem que o nomeado tenha direito a agir contra a sociedade como se ela fora
responsável por inexecução contratual. Entretanto, pode aceitar-se a
orientação do direito alemão de admitir-se, ao lado do ato unilateral de
nomeação, o contrato de emprego, Anstellung, como instrumento de regulação
das relações internas entre o administrador e a sociedade.
O Decreto-lei nº. 2.627/40 considerava os diretores como representantes da sociedade,
mas não os conceituava como mandatários.
Atribui-se ao Conselho de Administração e à Diretoria a qualidade de “órgãos”, aquele
de deliberação colegiada e esta de execução e representação social. Como órgão da sociedade,
sua vontade, nos termos da lei e do estatuto, ou das deliberações assembleares, é imputada à
sociedade.
A sociedade anônima, como pessoa jurídica, tem personalidade criada por lei e não tem
vontade psicológica, nem pode praticar atos de qualquer natureza. A vontade psicológica
decorre das pessoas que integram os órgãos sociais (assembleias, Conselho de Administração,
Diretoria, etc.) é atribuída, quando respeitados os pressupostos legais, à própria pessoa jurídica
e constitui vontade apenas normativamente. Os atos praticados pelos órgãos, respeitados os
requisitos prévios de legitimidade, são imputáveis à sociedade – são, normativamente, atos da
sociedade.
Destarte não existe quanto aos membros do Conselho de Administração e diretores aquela
duplicidade de pessoas que se configura no mandato. No mandato existe: mandante e
mandatário. O mandatário exerce atividades que lhe foram atribuídas pelo mandante e atua
segundo a vontade do mandante.
Na representação pelos diretores, não há aquela duplicidade, são atos da sociedade, sua
vontade é a vontade da sociedade, desde que exercida dentro dos pressupostos de legitimidade
fixados pela lei, pelos estatutos ou pelas assembleias gerais. Diga-se o mesmo quanto aos
membros do Conselho de Administração.
Desse modo, a qualidade de órgão da sociedade, que detêm os diretores, não se confunde
com a qualidade de mandatário. Se alguns princípios concernentes ao mandato, em certas
295
eventualidades, poderiam ser invocadas a propósito da representação da sociedade pelos
diretores, isso ocorreria em decorrência de aplicação meramente analógica de preceitos legais.
A lei brasileira possibilita as sociedades anônimas estruturar-se com um só órgão de
administração, sem impedir a utilização do sistema dualista em empresas de maior porte e nas
que a lei exigem expressamente. Em suma, no direito brasileiro, a administração da companhia
compete à diretoria, órgão obrigatório da companhia, e ao conselho de administração, como
órgão de deliberação colegiada com atribuições especificas elencadas nos artigos 138, § 1º, e
142 da Lei nº. 6.404/76, cada qual com competências privativas e indelegáveis com
responsabilidade dos seus atos, que tem deveres e responsabilidades indistintas como preconiza
o artigo 145 do referido diploma legal.
Considerando a mencionada figura do trust, conveniente esclarecer que neste estudo não
se detém sobre a figura da holding, considerando que as empresas estatais brasileiras podem
ser envolvidas quanto ao seu controle, com possível reflexo na composição do Conselho de
Administração, e ou pelo menos na Diretoria e na administração em geral, oportuno as
observações oferecidas por Carneiro462, que ao definir holding-company como sendo uma
modalidade de concentração de capitais e interesses de companhias, nas mãos de uma outra
empresa, que assim as controla, “ordinariamente isto se verifica entre atividades do mesmo
ramo ou correlatas, como uma empresa que controla a distribuição, fabricação, venda em grosso
e a retalho de gasolina; a que controla jornais, revistas, estações de radio, etc.”, frisando que a
holding é uma forma mascarada de trust. Sob outra opinião está M. T. de Carvalho Britto
Davis463.
O entendimento de Robinson464 é que a holding substituindo as finalidades econômicas e
jurídicas dos trusts, visam eliminar a concorrência, por diversas modalidades, “concentrando
nas mãos de alguns interessados a produção ou a distribuição de determinados produtos
açambarcando o mercado que têm em vista, etc. etc.”.
Estribado em Magalhães465, Erymá assevera que o regime das holding surge como uma
consequência do regime de economia liberal “pela apropriação por parte de determinados
462 CARNEIRO, Erymá. O Balanço das sociedades anônimas, pp. 162-168. 463 Erymá Carneiro diz o que caracteriza é o sistema de sociedades filiadas, em que uma é a cabeça – sociedade
mãe ou controladora – e as demais lhe são subsidiárias ou subordinadas: sociedades filhas ou controladas. O jurista-
contabilista acentua, e Britto Davis entende como correto, que, todas, ou seja, a empresa-mãe e as subsidiarias
“têm personalidade jurídica própria e distinta uma das outras, mas, do ponto-de-vista econômico e administrativo
elas estão realmente em função da empresa matriz, da sociedade-mãe, que as controla”. 464 ROBINSON, Joan. The Economics of Imperfect Competition. 1969. 465 MAGALHÃES, Agamenon. Abuso do Poder Econômico. Recife, 1949.
296
grupos, dos meios de produção, fazendo com que tais meios girem em torno de determinados
interesses”.
Expõe Britto Davis466 que tais críticas não procedem face um erro de perspectiva. Um
trust pode estar estruturado sob a forma de holding, ou seja sob a forma piramidal, mas um
holding não é necessariamente um trust. Prosseguindo com essa análise, Erymá Carneiro trata
a holding, baseado no estudo à luz do moderno desenvolvimento da economia capitalista,
apontando o seguinte:
a) a holding pressupõe uma filiação e subordinação por meio de controle do
capital;
b) só se deve considerar uma companhia como subsidiária de outra, se a
controladora possui o controle da direção e dos negócios da outra;
c) se, porém, uma sociedade mantém sua independência econômica ou
financeira em relação à outra, tendo apenas relações financeiras para
estabelecer mútuos acordos de interesse recíproco, não se constata a existência
de uma subsidiária, mas apenas de uma filiada, ou companhia operante;
d) na economia interna dessas empresas, nas subsidiárias, os resultados são
incorporados à sociedade-matriz, enquanto nas sociedades operantes, mas
juridicamente autônomas, os resultados apresentados se revelam nos balanços
de cada uma delas.
Portanto, a companhia pode ser controlada e administrada em situações e decorrências
diversas, no sentido mais forte de poder de dominação, com um controle que pressupõe a
capacidade de influenciar e ou de decidir comportamento de indivíduos que detém autoridade
ou participam das decisões empresariais.
No direito societário tem-se alusões originárias da lei de sociedades anônimas
expressando o poder de controle como capacidade de determinar decisões em última instância,
face a figura do acionista controlador o qual possui atribuições de deveres e responsabilidades
específicas estribadas no artigo 116 da Lei nº. 6.404/76, assegurando-lhe, por maioria de votos,
deliberar na assembleia-geral para eleger os administradores da companhia, bem como usar
desse poder para dirigir as atividades sociais, orientar o funcionamento dos órgãos da sociedade
a fim de realizar, cumprir o objeto e a função social da companhia.
A designação e a aceitação dos administradores indicados pelo acionista controlador,
segundo Adamek, “[..] não são, em suma, negócios jurídicos unilaterais contrapostos; a eleição
466 BRITTO DAVIS. Tratado das Sociedades de Economia Mista, tomo II, p. 306.
297
é declaração negocial reptícia, integrante do negócio jurídico de que faz parte igualmente a
aceitação. Há, pois, contrato467”.
Para Lamy Filho:
[...] toda lei de S.A. constitui, ou deve constituir, um sistema, que não
comporta emendas setoriais que a desfigurem e comprometam seu objetivo
maior que é assegurar o bom funcionamento da empresa, a célula base da
economia moderna; mas, não há lei mercantil eterna ou perfeita, porque a
economia é um processo em permanente transformação. Há por isso que estar
atento ao funcionamento do mercado, às suas exigências, às suas novas
criações, para atender aos seus justos reclamos, para remover os empecilhos
ao seu bom funcionamento [...]468.
As posições jurídicas que procuram dissecar o assunto no proposito de encarar as
mudanças econômicas e sociais que envolvem as atividades mercantis, provocando
interpretações e criações, como a teoria do contrato de prestação de serviços, onde haveria uma
relação entre administrador e companhia num contrato de prestação de serviços.
Por outro exame há condução à teoria do contrato de trabalho, possibilitando os
empregados da companhia integrar os colegiados da sociedade empresária, inclusive, tornar-se
diretor da companhia. Muitos consideram que esse entendimento tem caráter acidental,
originário de um exercício paralelo, seja de atividade de prestação de serviços, seja ao contrato
de emprego, pois o administrador não se une a companhia necessariamente pelo vínculo da
prestação de serviço ou vínculo laboral.
Não obstante os entendimentos esboçados, a jurisprudência trabalhista dá guarida a essa
situação, apesar de considerar um liame da subordinação, admite que o empregado possa
exercer atividade executiva na companhia, a depender da sua admissibilidade e poderes de
gestão, permitindo que se compatibilize com a aludida atividade, quando diretor, poderão ser
destituídos pelo Conselho de Administração e ou pela assembleia geral, a depender dos
interesses da companhia e das hipóteses legais que envolvem a discricionariedade.
Com relação ao componente no conselho de administração pairam dúvidas quanto a
possibilidade imediata de destituição sem a expressa (devida) vontade oriunda da assembleia
geral, cujo óbice estaria nas mãos do acionista controlador ou majoritário para deflagrar a
destituição, ou recomposição do conselho de administração, por isso lembra Gastone Cottino,
467 ADAMEK. Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas,
Saraiva, 2009, p. 42. 468 LAMY FILHO. Temas de S.A. – Exposições, Pareceres, Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p. 177.
298
que na realidade a relação assembleia-administrador é uma relação de controle e não de
supremacia hierárquica469.
Os juristas acentuam os aspectos relativos a distinção entre relação de emprego e relação
de trabalho, face a transitoriedade da função de titular do órgão, pois, quando a pessoa natural
é levado ao encargo de diretor já preexistia um contrato de emprego, mesmo sob o entendimento
de estar suspenso, não ocorrendo a sua extinção, salvo quando houver destituição, ocorrer o
rompimento do vínculo empregatício, e não existindo situação de estabilidade contratual. O
entendimento é de que havendo uma relação de emprego entre o administrador e a companhia
o contrato deve ser considerado como sui generis, devendo ser examinado no âmbito do direito
do trabalho.
Entende-se que o conselho de administração é uma figura que não estaria atrelada aos
contratos de mandato, de emprego e ou de prestação de serviços, face a sua autonomia. O
entendimento esposado por Luís Brito Correia serve para ajustar quando se afirma, que o
contrato de administração é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição ou
sem ela, a prestar a sua atividade de gestão e representação orgânica da sociedade anônima, sob
a orientação da coletividade dos acionistas, e sob a fiscalização do conselho fiscal.
Observa-se a crítica de Adamek, que traz o entendimento esposado por Francesco
Galgano, julgando inadequado que se tenha por exata a definição do contrato de administração
como contrato inominado a vincular o titular do órgão de administração à companhia. E
acrescenta:
[...] pois termina concebendo os poderes dos administradores como poderes
derivados, que encontram a sua fonte em um contrato de administração
celebrado entre a sociedade e os administradores. No entanto, os poderes dos
administradores, indisponíveis por parte da assembleia geral, devem ser
concebidos como poderes originários, ou seja, como poderes que os
administradores, na sua condição de órgãos necessários para execução do contrato de sociedade, recebem diretamente desse contrato, do mesmo modo
como derivam dele os poderes da assembleia e dos sócios. Como reflexo, a
responsabilidade dos administradores para com a sociedade tem, pois,
natureza de responsabilidade contratual, isto é, responsabilidade pela
violação, de sua parte, do contrato de sociedade. GALGANO sustenta, por
isso, que a nomeação do administrador por parte da assembleia e a aceitação
da nomeação por parte do administrador não devem ser compreendidas como
acordo entre as partes para a constituição de nova relação jurídica distinta do
contrato de sociedade, mas que tem por objeto a sua execução. Está-se, sim,
diante de um contrato, do contrato de sociedade, na execução do qual devem,
por imposição legislativa, concorrer outros sujeitos diferentes das partes do
contrato de sociedade: os sócios não podem abster-se de nomear os
469 GASTONE COTTINO. Diritto commercialle. CEDAM, 1987, V. 1, t. 2, n. 111.2.
299
administradores e exercer diretamente os poderes legislativamente atribuídos
ao órgão de administração; eles também não têm, por consequência,
necessidade de concluir algum contrato especifico para atribuir tais poderes
aos administradores. E conclui: A nomeação dos administradores, seguida
pela aceitação por parte dos mesmos, não é um ato de atribuição de poderes;
é, mais simplesmente, o ato que designa as pessoas escolhidas para o órgão ao
qual, por lei, é atribuído o dever de executar o contrato; e as pessoas, uma vez
escolhidas, exercerão os poderes e cumprirão as correlativas obrigações
inerentes à função que é própria do órgão470.
Da referida análise, inclina-se aceitar que a vinculação do titular de órgão de
administração ocorra por força de contrato, não crendo que nomeação e aceitação constituam
atos unilaterais autônomos. Esta matéria que tem sido objeto de muitas reflexões e sem uma
maior cristalização doutrinaria para conduzir a unanimidade471, lembra Cottino que a relação
assembleia versus administrador é uma relação de controle e não de supremacia hierárquica472.
Opina-se no sentido de tratar de uma relação contratual decorrente de lei, com pluralidade de
funções derivadas dos estatutos e da legislação concernente as atividades e deliberações sociais.
O conselho de administração tem poderes para expressar a vontade coletiva oriunda da
assembleia geral e ou da orientação do acionista que representa perante terceiros através da
administração externa, não obstante essa expressão da vontade social fora construída, lançada
dentro do órgão. Pois é o órgão por meio dos seus titulares que expressa à vontade imputada à
pessoa jurídica.
Oportuno destacar que a partir de precedente da lei alemã, uma nova visão passou a
influenciar outras legislações, inclusive a brasileira, cuja concepção prevalece na atual lei das
sociedades anônimas, regulando a diretoria e o conselho de administração como órgãos. E
Adamek473 acentua que desde o advento do Decreto-lei nº. 2.627/1940, a teoria organicista tem
recebido o interativo acolhimento na doutrina nacional, sob o entendimento de que o vínculo
interno formado entre a sociedade e a administração tem efetivo caráter orgânico; pois que a
natureza da administração, como elemento da companhia, é orgânica.
Estudiosos convocam múltiplas teorias para debater a matéria, e Luis Brito Correia474
entende que se deve limitar a crítica a três vertentes de maior sintonia no estudo da natureza da
470 ADAMEK, op. cit. pp. 50-51. 471 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A nova competência da Justiça do Trabalho (uma contribuição para a
compreensão dos limites do novo art. 114 da Constituição Federal de 1988), RLTr 70/38-49. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/7599>. Acesso em: 1 nov. 2016. 472 COTTINO, Gastone. Diritto commerciale. Le società, 4a. ed. Padova: CEDAM, 1997, V. 1. T. 2. 473 ADAMEK, op. cit. pp. 36-39. 474 CORREIA, Luis Brito. Os administradores de sociedades anônimas. Coimbra, Almedina, 1993.
300
relação entre a sociedade e o administrador, como usual referência, as teorias contratualistas,
unilateralistas e dualistas.
Pela lei brasileira, a designação de alguém para ocupar a posição de titular de órgão de
administração pode decorrer de eleição em assembleia de constituição, de eleição pela
assembleia geral ordinária, do sistema excepcional de cooptação e de eleição por trabalhadores,
como acima ventilado.
Esses casos, os atos de designação de administradores dependem sempre da aceitação
dos eleitos, pois seria inconcebível que alguém ficasse sujeito a estatuto jurídico próprio sem
ou contra a sua vontade. Pois a eleição é declaração negocial reptícia, integrante do negócio
jurídico de que faz parte igualmente a aceitação, elemento vinculado à vontade.
Convém avivar a matéria diante do disposto no artigo 1º da recente Lei nº. 13.303/2016,
que trata das empresas públicas e a sociedade de economia mista. E no artigo 4º expressa que
a sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado,
com criação autorizada por lei.
A nova lei ratifica entendimento esposado pela doutrina e jurisprudência nacional,
indicando de modo insofismável na parte final do parágrafo primeiro (acima transcrito), que
quem controla a sociedade de economia mista tem o dever e responsabilidade do acionista
controlador, e exercer o poder respeitando o interesse publico que justificou a sua criação. Ou
seja, o interesse público é o amálgama da sociedade de economia mista, como enfatiza a referida
lei nº. 13.303/2016 (vide artigo 14).
O acionista controlador da sociedade de economia mista responde pelos atos praticados
com abuso de poder nos termos da lei de sociedade anônima, e a nova legislação acrescentou a
obrigatoriedade da escolha dos componentes do Conselho de Administração, os quais devem
possuir reputação ilibada e notório conhecimento, além dos requisitos elencados no texto legal
(vide artigo 17 da Lei nº. 13.303/2016).
A lei nº. 13.303/2016 estabelece atribuições aos componentes do Conselho de
Administração a fim de que as matérias aprovadas sejam envolvidas de praticas de governança
corporativa, bem como os relacionamentos com as partes interessadas, desenvolvendo uma
politica de gestão de pessoas, estabelecendo um código de conduta para os agentes, de modo a
se coadunar com os artigos 18 e seguintes, que pormenorizam as competências contidas na Lei
nº. 6.404/76.
301
Examinando de modo singelo, admitindo o perfunctório como pecado, transporta-se à
titulo de informação, sob hipótese de uma comparação do que a nova lei sugere e entender como
algo assemelhada a um conselho de supervisão, como denominado na França como conseil de
surveillance, onde foi concebido um sistema dualista como um segundo órgão de administração
aplicando-se aos membros as mesmas regras de investidura do conselho de administração, a
pautar a missão principal e permanente sobre a atividade da diretoria.
Essa atenção não só estaria dirigida para atender a um prisma da regularidade dos atos
da diretoria, mas também para dar um juízo de oportunidade, não se limitando esse órgão
apreciar questões contábeis e financeiras. Oportuno, também, avaliar todos os aspectos e
negócios que a companhia desenvolve no mercado, inserido nesse exame as decisões que
abrangem as atividades técnicas e as práticas comerciais pronunciadas pelos diretores nas suas
respectivas áreas de gestão. Esse tipo de subordinação da diretoria a um órgão proporciona uma
inspeção técnica intermitente nos negócios da companhia, de modo a complementar algum
escape das decisões advindas da assembleia geral atendendo os membros que compõe o órgão
a fim de bem cumprir suas funções que ficam submetidos as averiguações dos atos que poderão
ser considerados culposos incorridos no exercício da respectiva gestão.
Esse tipo de controle exercitado com afinco no direito comercial francês traz à baila a
ação social “uti universi”, destinada a reconstituir o patrimônio da companhia e reparar danos
coletivo.
Esclarece Adamek que:
O exercício competia (como até hoje compete) à própria companhia
representada por seus representantes legais, que, na espécie, era o conselho de
administração ou o seu presidente. A aprovação (quitus) da gestão social e das
contas do exercício encerrado, votada em assembleia geral ordinária,
importava renúncia à pretensão de responsabilizar os administradores.
Admitia-se a renúncia ao exercício daquela pretensão ou a transação que tivesse por objeto. Além disso, os estatutos sociais usualmente continham
disposições subordinando o exercício de toda ação contra administradores à
concessão de prazo de aviso-prévio à assembleia geral (claus d’avis) ou à
aprovação de seu exercício pela assembleia geral (claus d’autorisation):
aquela disposição não afetava em si o direito de agir do prejudicado, mas
permitia que se estabelecesse debate prévio perante a companhia e dava ao
administrador a possibilidade de justificar os seus atos aos próprios acionistas.
Por outro lado, a última disposição estatutária tinha efeito mais abrangente,
pois deixava à própria assembleia geral decidir se a ação deveria ser iniciada
ou não. Para além disso, GASTON LAGARDE registrou a existência e a
admissão até mesmo de cláusulas proibitivas (clauses prphibitives),
verdadeiras “renúncias antecipadas a toda ação de responsabilidade”.475
475 ADAMEK, op.cit. p. 62.
302
Ainda, a ação individual do acionista, a que competia ao acionista ou grupo de
acionistas, e que tinha por objeto a reparação de dano pessoal e direto por eles experimentado,
independia da ação social, e não ficava prejudicado pelo quitus outorgado pela assembleia geral
nem se subordinava a cláusulas como a de pré-aviso ou autorização.
Observa-se que a ação individual do terceiro era qualificada pela jurisprudência como
ação proposta contra os administradores por terceiros estranhos ao quadro de acionistas, não
sujeita à evidência, a restrições ou limitações próprias da ação social. Por fim, tem-se, sob certas
condições a ação social pudesse ser exercitada ut singuli pelos próprios acionistas, rompendo o
dogma do direito processual civil francês de então, segundo o qual ninguém poderia exercer
direito alheio. Ao contrário do que hoje se tem como assente na maioria dos países, a ação
social exercida ut singuli distinguia-se não somente da ação individual, mas, sobretudo, da
própria ação social ut universi476.
No âmbito do direito italiano, outro órgão responsável pela representação externa da
companhia e pela gestão cotidiana da empresa, é o conselho de gestão (consiglio di gestione),
composto necessariamente por dois ou mais membros estranhos ao conselho de supervisão, mas
por ele eleitos, e encarregado da prática de todos os atos e operações necessárias à atuação do
objeto social. Dependendo sempre de prévia deliberação da assembleia.
Em Portugal o Código das Sociedades Comerciais – CSC, assim como a maioria das
legislações europeias, consente com a estruturação monista ou dualista da administração.
Na estrutura dualista, voltada para a grande companhia e composta por dois órgãos
distintos, tem-se o conselho geral e de vigilância. O conselho de administração executivo,
outrora designado direção, outro órgão do sistema dualista, é integrado por um número ímpar
de membros até o máximo de cinco, podendo ser um apenas, se o capital social ficar aquém do
valor fixado em lei, os quais não necessitam ser acionistas. Os administradores executivos são
eleitos pelo conselho geral e de supervisão ou, então, pela assembleia geral, se os estatutos
assim determinarem. Podem ou não ser acionistas, mas não podem ser pessoas jurídicas,
membros do conselho geral e de supervisão ou de órgão de fiscalização da companhia ou de
outras sociedades que esteja em relação de domínio ou de grupo.
O conselho em Portugal refere-se expressamente aos deveres de diligência e lealdade477,
pelo qual se impõe aos administradores a obrigação de atuar com diligência própria de um
476 Idem - op. cit. pp. 63-64. 477 Artigo 64, CSC - Portugal
303
gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios
e ponderando trabalhadores, clientes e credores. Também tem o dever de relatar a gestão e
apresentar contas, a obrigação de não-concorrência, o dever de não atuar com conflito de
interesses, o dever de não-concorrência, o dever de informação e obrigação de respeitar as
deliberações válidas da assembleia geral.
Os administradores podem ser civilmente responsáveis perante a companhia, os
credores sociais, os sócios e perante terceiros – e essa responsabilidade, em qualquer um dos
seus planos, não pode ser limitada ou excluída, mas pode ser solidária, aplicável a todas as
sociedades comerciais, os administradores ou diretores respondem para com a sociedade pelos
danos a esta causados por omissões ou atos praticados com preterição dos deveres legais ou
contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.
Os administradores são responsáveis para com os sócios e terceiros em geral, credores
ou não, pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício de suas funções. Adamek478
complementa, advertindo que:
E necessario, pois, que se trate de dano direto: “os danos indiretamente
sofridos pelos acionistas e decorrentes de uma diminuição do patrimônio
social não fundamentam a responsabilidade civil dos administradores perante
os acionistas, com apoio em Pedro Caetano Nunes (Responsabilidade civil dos
administradores perante os acionistas, Coimbra, Almedina, 2001- p. 47).
O mesmo Adamek ao desenvolver sobre o direito alemão, especialmente do pós-guerra,
mostra, o que se positivou, a preocupação de reforçar a posição dos acionistas, particularmente
diante da administração, tendo em vista o proposito legislativo de obter a maior dispersão das
ações junto às camadas menos favorecidas da população. Assim, ao contrário do regime
anterior, voltou-se, por exemplo, a reconhecer aos acionistas o direito de deliberar sobre a
destinação dos lucros; e, pela primeira vez, foi prevista extensa regulamentação para os grupos
de sociedades.
Portanto todos os membros do conselho de administração e as demais pessoas
encarregadas da gestão da companhia devem exercer as suas atribuições com toda a diligência
necessária, velando fielmente pelos interesses da sociedade.
No direito inglês, face as leis serem consideradas lacunosas ao disporem sobre a
estrutura administrativa da companhia, o que seria um reflexo de sua origem nas partnerships,
de cunho marcadamente contratual, e nas quais sempre se reconheceu aos seus membros ampla
478 ADAMEK, op. cit. p.p. 75-80.
304
liberdade para dispor sobre a divisão interna de poderes, exige-se que tenham dois órgãos –
assembleia geral e diretoria.
Dentre os deveres fiduciários, destacam-se os deveres de lealdade e boa-fé, vinculados
não apenas aos administradores eleitos, mas também a todos os exercentes de funções de que a
companhia tem, os administradores, cada qual individualmente, ainda quando integrem órgão
colegiado e não tenham atribuições individuais.
Diante disso não há necessidade de que advenha decisão de um tribunal, pois, de logo é
consequência agir de boa-fé no sentido que eles consideram ser do interesse da sociedade.
Outra consequência é que eles devem exercer os seus poderes tendo em vista o fim para
o qual foram concedidos, o que os impede de exercer os seus poderes não só para fins ilegais
ou contrários à ordem pública, mas com desvio de sua finalidade. Também não podem
submeter-se a quaisquer atos ou acordos que venham a limitar o livre exercício de seus poderes,
mantendo-se com irrestrita isenção e autonomia para decidirem sobre a condução da empresa.
Do mesmo modo há impedimento de agir em situação de interesse conflitante com a companhia,
restringindo as negociações conflitando com os deveres de lealdade e boa-fé, cujos
desdobramentos alcançam o dever de gerir a companhia de forma inteligente (care and skill),
observando os deveres de informação e sigilo (insider trading, etc.).
Tem-se uma teia de proteção para os acionistas e não acionistas, não permitindo que os
administradores errantes sufoquem processos resultantes de seus próprios erros, como se
estabeleceu no direito inglês face a secular restritiva de legitimação de agir, conhecida por regra
Foss v. Harbottle. Também, do direito inglês dos negócios empresariais, extrai-se
representative action, pela qual o acionista individual propõe em seu nome e em nome de outros
que se encontrem em situação idêntica na busca de reparação de dano homogêneo.
Acerca da ilicitude, apenas para avivar, que é sempre algo contrario ao direito, que se
apresenta em desconformidade aos preceitos normativos. Muitos doutrinadores utilizam os
termos antijuridicidade e ilicitude como sinônimos, enquanto outros se esforçam em distingui-
los. O conceito de ilicitude impulsiona observar duas orientações distintas: a concepção
objetivista; e a concepção subjetivista. A questão é saber se a ilicitude deve ser compreendida
em um plano puramente objetivo, como conduta ou fato em si mesmo contrario ao preceito
normativo, ou se, ao contrario, a ilicitude apenas se constitui em relação a condutas voluntarias,
ou seja, em um plano subjetivo. A concepção objetivista da ilicitude mira apenas a conduta em
305
sua materialidade, tal como se exterioriza, verificando a sua desconformidade com os preceitos
e valores.
Segundo Calixto479 a antijuridicidade se constitui pela contrariedade, pura e simples, ao
direito. A ilicitude, entretanto, é mais ampla do que a antijuridicidade, visto que, além desta,
também exige para a sua configuração o requisito fático do dolo ou da culpa.
Vale ressaltar que no elo referente ao dever de ressarcir daquele que se encontre em
estado de necessidade por fato inteiramente imputável a terceiro, numa situação de licitude,
causando danos a outrem, Noronha480 distingue ilicitude de antijuridicidade:
Nem sempre, porém, a licitude de tais ofensas apaga completamente a
antijuridicidade: é o que acontece quando sejam lesados direitos de terceiros,
isto é, outras pessoas, que não aquelas geradoras da situação contra a qual se
possa falar em atuação justificada. Nesse caso, a circunstância de o ato
justificado ser lícito não impede que seja antijurídica a consequência
produzida: a lesão do direito da pessoa estranha que tiver sido atingida. Só não
serão antijurídicos os danos causados ao próprio agressor ou ao criador do
estado de perigo. Se os danos causados a terceiros no âmbito de atos
justificados ainda são antijurídicos, compreende-se que eles obriguem o
agente à respectiva reparação: esta sera uma hipótese de responsabilidade
objetiva (ou pelo risco), como teremos oportunidade de ver.
A concepção subjetiva envolve a qualificação de um ato ilícito como necessário, através
de um juízo de valor acerca de uma conduta, de um ato humano, consciente e livre,
correspondendo a um ilícito subjetivo.
Opiniões revelam muitas construções jurídicas a esse respeito, explicando que a
concepção objetiva de ilícito propugnando de jure condendo, generalização da responsabilidade
objetiva, a adoção como regra da possibilidade de se exigir a indenização de prejuízos causados
por fatos dos quais o indenizante não pode considerar-se autor no plano ético-jurídico. Uma das
explicações dos caminhos desta generalização é de considerar ilícito todo ato danoso,
entendendo como tal o não cumprimento de um dever mesmo sem culpa, mas desde que origine
prejuízos. Nesse ponto emerge aspecto filosóficos, na busca em saber qual a verdadeira função
da norma jurídica: função valorativa, função imperativa ou simultaneamente as duas funções:
valorativa e imperativa.
No desenvolvimento desse juízo, abordando o plano do interesse ou utilidade social, ou
seja, aprecia-se se certa conduta, ou resultado dela, é socialmente vantajosa ou socialmente
479 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil. Estrutura e função. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 162. 480 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações; 3a. ed. São Paulo, Saraiva, 2010, p. 396.
306
nociva. Portanto, sempre que houver uma situação contraria à norma jurídica, examina-se o
valor que serve de fundamento acerca da natureza ético-jurídica do comportamento do sujeito,
estabelecendo distinção entre o comportamento antissocial, socialmente nocivo, e o
comportamento que, além de ser alvo desse juízo de valor, é também objeto de um juízo de
caráter ético-jurídico, na medida que representa a uma oposição voluntaria contra a ordem
jurídica.
Nos Estados Unidos da América a legislação atinente aos negócios empresariais de
grande porte quase todos estão sob a órbita das legislações estaduais, por vezes com diferenças
marcantes. Os órgãos principais na denominada Corporation, centralizam poderes e deveres
via a assembleia geral, a diretoria (board of directors) e officers que são considerados
mandatários – agents – da companhia, de índole fiduciária.
Vale uma observação comparativa com o direito inglês, ao contrário, os deveres
fiduciários dos administradores existem não somente para a companhia, mas, em certas
situações impõem-se, inclusive, para com os acionistas e os investidores.
No plano da responsabilidade civil, o sancionamento desses deveres e dos atos ilícitos
dos administradores dá-se tanto por meio das ações sociais – propostas pela companhia ou,
então, pelos seus acionistas (derivative actions) – como por meio das ações individuais dos
prejudicados (direct actions).
A moderna sociedade anônima deixou de ser uma simples organização empresária,
especialmente no caso das denominadas macro empresas, transformando-se em uma nova
técnica de organização empresarial.
As leis da sociedade anônima e a denominada lei das “empresas estatais” – (nºs.
6.404/76 e 13.303/2016) - têm de um lado a liberdade de atuação dos administradores,
conferindo-lhes atribuições e poderes privativos e indelegáveis – arts. 138, § 1º, 139 e 144 da
LSA -, e do outro lado, pauta o comportamento dos administradores por padrões de conduta
gerais e abstratos, numa estrutura de cláusulas absolutas, de eficácia, proteção, constituindo
importante elemento de regulação da conduta dos administradores, procurando tornar efetivos
os deveres no plano societário, (interno e externo), direcionando para a consecução do interesse
da companhia.
Dessas práticas administrativas procura-se alcançar a denominada governança
corporativa, mostrando a necessidade de adotar procedimentos de boa gestão societária para
garantia, e os administradores atuem realmente no interesse dos sócios, inclusive sopesando os
307
interesses dos colaboradores da empresa, pregando um rebuscamento dos deveres fiduciários,
inclusive os de diligência e lealdade, conjugando com as medidas de transparência, com o
aperfeiçoamento dos sistemas de informação sobre a gestão social, somando com os
mecanismos de fiscalização e controle.
Nesse panorama a economia mundial experimenta um ciclo capitalista de produção,
vivenciando e extraindo efeitos que afloram preocupações com a gestão das companhias
abertas. Objetiva-se transparência para atender os interesses dos investidores, alargando-se num
continuado aprimoramento, com os elementos ditados em novos códigos de auto-regulação, à
exemplo do American Law Institute, USA – (1992), e Code os Best Practice, UK (Greenbury
Report, Hampel Report 1998; e Higss Review/2003).
No Brasil a Lei nº. 10.303/2001 visa oferecer melhores mecanismos de informação para
dar tratamento mais equitativo aos sócios minoritários, reprimindo condutas ilegais, evoluindo
na fiscalização dos negócios, levar a compreensão para a boa formulação do direito societário,
especialmente, em razão dos problemas funcionais enfrentados pelas empresas estatais
envolvendo gestão e princípios éticos.
Estão assentados na Lei das S/A os deveres de diligência, a obrigação de dar
cumprimento às finalidades das atribuições dos cargos de gestão, devendo seus ocupantes estar
atentos ao exercício da lealdade, evitando possíveis conflitos, atentos a proteção das
informações sociais, com o resguardo do sigilo. Contudo esses administradores tem o dever de
informar dados pertinentes a obrigação da devida publicidade, concomitantemente fincar a
devida vigilância com os deveres de índole fiduciária.
O dever de diligência contido no artigo 153 da Lei das sociedades anônimas expressa
que o administrador da companhia deve empregar, no exercício das suas funções, o cuidado e
diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios
negócios, que tem na essência o critério do bônus pater famílias. Esse padrão de
comportamento vem sendo adotado por vários países, em especial na Europa.
No Brasil existem muitas são as críticas com relação à falta de compromisso, e por isso,
a exigência é cada vez mais acentuada para com os gestores exercitem suas obrigações de odo
seguro, assegurando o apropriado desempenho das funções de administrador empresarial. Daí
porque a necessária advertência com relação a certas concessões e assunções de riscos
consideradas admissíveis e corriqueiras na condução dos negócios, não se pode negligenciar e
308
tampouco aceitar situações vulneráveis, especialmente quando estão em jogo, com maior
intensidade interesses de terceiros.
Não obstante haver visão que considera secundária a discussão dessa matéria,
importando reconhecer que as dificuldades que envolvem o dever de diligência, resulta da árdua
tarefa de assegurar, e não só extrair um comportamento considerado razoável, ou uma
expectativa do administrador nas hipóteses de conflitos desses interesses com os referidos
atributos e compromissos.
Da mesma forma deve-se exigir do administrador o dever de diligência ordinária no que
se refere a tomada de decisão, o envolvimento com os recursos disponíveis e todas as
particularidades que são imperiosas para o desempenho da função designada, sem desprezar o
cuidado de avaliação daquele que sempre atuou de forma diligente, a fim de evitar injustiça,
aferindo a realidade dos fatos à luz das circunstancias apresentadas.
Vale a observação que Adamek481 faz com relação a decisão de mérito, ao esclarecer
que não é tão absoluta como a descrição da business judgement rule poderia sugerir, lembrando
Gastone Cottino, que a decisão de realizar uma politica de investimento em país destinado à
bancarrota é típica decisão estratégica, o que não subtrai a censura se resultou de uma
equivocada valoração da situação. Com isso, em certa medida, está-se introduzindo um juízo
de mérito sobre a atividade administrativa482.
Os deveres, os atos dos administradores devem ser cada vez mais bem elaborados,
burilados, aconselhando aos participantes das reuniões empresariais, especialmente nas
assembleia geral e outras, com alerta ao condutor da ordem do dia, seguir fielmente a pauta,
visando que qualquer decisão a tomar pelo Conselho de Administração ou outro órgão
colegiado, inclusive, quando decisão conjunta ou não da Diretoria, devem ser proferidas na
forma da lei e do estatuto.
Advogam os doutrinadores que não deve ocorrer intervenção nos órgãos das sociedades
empresariais pelos acionistas que não estejam alinhados as decisões adotadas pelos mesmos,
salvo por ato previsto no estatuto social ou expressamente determinado em lei.
A nível de competência, o preenchimento de cargos, e a relação estabelecida entre
assembleia geral e administração é antes de tudo de controle e orientação, e não de supremacia.
Até mesmo, porque o poder atribuído pela lei acionária à assembleia geral para decidir todos
481 ADAMEK, op. cit. 482 Idem - op. cit. p.p. 112-132.
309
os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à
defesa e desenvolvimento, é especialmente, quando se tem a preponderância da vontade do
acionista controlador, a quem cabe o efetivo poder de ditar os rumos da companhia, não
obstante a competência da administração ser privativa, e os administradores não podem ser
instrumentos passivos das decisões de outrem.
Observa-se que os administradores, apesar de certa vinculação ao cumprimento das
deliberações da assembleia geral que estejam diretamente relacionadas com matérias de gestão,
não podem curvar-se a estipulações de acordos de acionistas usurpadores de suas privativas
competências, pois os poderes sociais estão institucionalmente distribuídos entre os vários
órgãos, e todo órgão é soberano no âmbito de sua própria esfera privativa de competência.
Na prática, caso deixe de cumprir a deliberação da assembleia, indispondo-se com os
acionistas, ou em especial com o maior proprietário, quando aparece a figura do acionista
controlador, corre o risco de ser destituído, este é o ônus que deve ou pode suportar.
O administrador da companhia não deve cumprir deliberação em desfavor da companhia
quando for ilegal, não podendo justificar, caso não se abstenha dessa atitude, sob alegação de
estar subordinado às ordens ou decisões advindas da assembleia geral, tal justificativa não
abrandará ou isentará de responsabilidade o culpado por procedimentos indevidos, impróprios
e danosos a mesma e aos seus acionistas.
Essas mesmas posturas estão imbrincadas com todos os tipos de administradores,
componentes de diretoria, membros do conselho de administração e demais órgãos. Da mesma
forma que os diretores não estão jungidos a dar cumprimento a deliberações extravagantes, os
membros do conselho de administração admitir posturas violadoras à lei e ao estatuto. O
administrador que se submete a dar cumprimento a toda e qualquer deliberação de outro órgão
sem observar as mínimas recomendações legais e éticas, estará em nítida postura de não
cumprimento aos deveres que lhes compete.
Exercer a administração é cumprir as atribuições não somente do estatuto e da lei,
atender os fins, interesse da companhia, a função social da empresa, termos do artigo 153 da
Lei nº. 6.404/76, sem desvio do objeto social da companhia, guiando a sua atuação para a
consecução do escopo-meio da mesma, como está saliente no caput do artigo 154 da referida
lei das sociedades anônimas.
Há entendimento como expressão vaga que dependeria de concreção à luz de cada caso,
que em atenção a figura do bem público e da função social da empresa, pode-se dar
310
configuração de finalidade empresarial em favor do bem comum, compreendendo que o
interesse público está arrimado na disposição do artigo 154 da Lei nº. 6.404/76.
Considerando que a sociedade de economia mista tem como maior acionista o Estado,
e este está na posição de controlador da companhia, detendo ações da companhia, integrando o
patrimônio estatal no interesse do bem comum, inclusive no que se refere a boa atividade do
objeto social da empresa, amoldado para alcançar resultados positivos, a lucratividade do
negócio, escopo-meio perseguido, que de qualquer modo reverte em favor do Estado, que
converge no atendimento dos governados.
5.11 Elos de gestão e responsabilidade do dirigente
O gestor administra o negócio sempre no interesse do dono, e que se o negócio for
utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome483. E dita o
paragrafo 5º do artigo 173 da Lei Maior que: A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual
dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às
punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e
financeira e contra a economia popular.
Escreve Ferreira Filho484 que a responsabilidade civil da pessoa jurídica por atos de seus
dirigentes ou prepostos de há muito está consagrada no direito pátrio, sendo os administradores
personagens essenciais, responsáveis para executar o objeto social, a fim de que a companhia
realize suas atividades da maneira mais eficiente485.
O comportamento do dirigente da companhia, sujeita-se a uma responsabilidade como
a criminal, permitindo aplicação de uma punição, com penas compatíveis com sua natureza,
sempre que tenha sido ‘autora’ de atos contra a ordem econômica e financeira e contra a
economia popular. Tais punições, entretanto, não afastarão a responsabilidade penal dos
dirigentes da empresa pelos mesmos atos.
483 Artigos 868 – 869 do Código Civil. 484 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. Saraiva: 1995; v. 4,
p.p. 13-4. 485 SPINELLI, Luis Felipe. O conflito de interesses na administração da sociedade anônima. Malheiros. 2012, p.
19.
311
Para os versados sobre a matéria, teria ocorrido uma ruptura com um dos princípios que
vigorava no sistema legal nacional, o de que a pessoa jurídica, a sociedade empresária, não é
passível de responsabilização penal. Essa ideia se expressa no brocardo latino: societas
delinquere non potest.
O direito penal faz impressionar que a pena por excelência no campo criminal é a
privativa da liberdade física, e pela impossibilidade de enclausurar uma pessoa moral ou
jurídica. Os desdobramentos e princípios do direito penal vêm demonstrando que a modalidade
clássica de apenamento é passível de ser substituída por outras, sem a perda do caráter
penalistico da condenação. Pedrazzi e Costa Júnior486 ao comentar citação de Tupinambá
Miguel Castro do Nascimento, dão clareza ao assunto no ‘Direito penal das sociedades
anônimas’. Não se pode omitir que os juristas agitam o tradicional princípio ‘societas
delinquere non potest’, inclusive que há alusão no campo de direito penal econômico487/488.
A responsabilidade penal das pessoas jurídicas está admitida nos ordenamentos anglo-
saxões com reflexo na doutrina nacional e decisões judiciais. A Constituição de 1988 encampa
o princípio da punibilidade criminal das pessoas morais, tanto assim que o artigo 225, parágrafo
3º da Constituição Federal, dispõe que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais, e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Os juristas que se dedicam com maior intensidade ao direito criminal, entendem que
mesmo que na Carta Maior não expresse uma responsabilidade especificamente penal as
pessoas jurídicas, não deve ser excluída a obrigação desta responder por atos próprios e ou de
terceiros, uma vez que a determinação da responsabilidade das pessoas jurídicas não encontra
no Texto Constitucional ressalva, senão de que as punições sejam compatíveis com a sua
natureza489.
A personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a
prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução. O
preceito constitucional não é auto executável. A efetiva apenação depende, sem dúvida, de uma
486 PEDRAZZI, Cesare; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito Penal Societário. Malheiros. 1966. 487 PEDRAZZI, Cesare. Direito penal das sociedades anônimas, Revista dos Tribunais, 1973. 488 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem econômica e financeira e a nova Constituição. Aide,
1989, p. 31. 489 TUPINAMBÁ DO NASCIMENTO, economia.
312
lei que o integre, inclusive para a satisfação de princípio da legalidade, segundo o qual não pode
haver nenhum crime e nenhuma pena sem lei anterior que os defina.
A vontade do texto Constitucional, segundo os que tratam da matéria, visível a eficácia
do princípio da responsabilização civil, desde que seja efetivamente implementada, inclusive
com a possibilidade da imposição de multas, e outras hipóteses que impõem indenizações
proporcionais às forças econômicas da própria pessoa jurídica causadora do agravo.
Também há de ser observado que a personalidade jurídica do responsável por infração
da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou do contrato social.
A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, provocados pela má
administração, não se descurando da repressão das infrações da ordem econômica, desde
quando não há exclusão da punição por violação legal e prática de outros ilícitos previstos em
leis extravagantes.
No que diz respeito à responsabilidade das empresas, cumpre dizer que elas são
civilmente responsáveis, passiveis de multas administrativas, podendo a penalidade ser
agravada, inclusive sofrer intervenção, que, no entanto, deverá ser judicialmente determinada.
Decisões do Superior Tribunal de Justiça vem corroborando este entendimento, como
as proferidas em ações penais envolvendo representantes legais de pessoas jurídicas,
observando-se a complexidade e as dimensões das investigações, revelando da necessidade da
releitura da jurisprudência de modo a estabelecer novos parâmetros interpretativos para a prisão
preventiva, adequados às circunstâncias do caso e ao meio social contemporâneo aos fatos.
[...] Em grupo criminoso complexo e de grandes dimensões, a prisão cautelar
deve ser reservada aos investigados que, pelos indícios colhidos, possuem o
domínio do fato - como os representantes das empresas envolvidas no
esquema de cartelização - ou que exercem papel importante na engrenagem
criminosa. Havendo fortes indícios da participação do paciente em
‘organização criminosa’, em crimes de ‘lavagem de capitais’ e ‘contra o
sistema financeiro nacional’, todos relacionados com fraudes em processos
licitatórios dos quais resultaram vultosos prejuízos a sociedade de economia
mista e, na mesma proporção, em seu enriquecimento ilícito e de terceiros,
justifica-se a decretação da prisão preventiva, para a garantia da ordem
pública. [...] (STJ/HC n° 302.604/RP, Rel. Ministro Newton Trisotto, Quinta
Turma).
313
O entendimento acima esposado, confere que o caminho pode ser encampado pelo
Direito Penal, como de resto as ciências jurídicas exigem que se adapte aos tempos, aos fatos e
à sociedade.
A Lei nº. 12.846/2013 introduziu na legislação pátria um novo ajuste de conduta, que
passou a ser conhecido por “Acordo de Leniência”, diante dos casos de corrupção, reprimindo
a pessoa jurídica corruptora, os atos lesivos à administração pública, tendo como alvo prevenir
práticas que se desviam da ética.
A lei que passou a ser denominada como “Lei anticorrupção” se vincula à defesa da
concorrência, como um programa a fim de consolidar uma estrutura, amarrando a necessária
vigilância dos órgãos estatais destinados controlar licitações e punir fraudes.
Para Fragoso490 a função básica do Direito Penal é a defesa social, e que os interesses
que o direito tutela corresponde sempre às exigências da cultura de determinada época e de
determinado povo, resultando benefícios a ordem econômica nacional, impedindo desvios de
conduta empresarial.
Do exposto, passa-se ao exame do vínculo do acionista, a responsabilidade da maioria
quando na posição de acionista controlador, compondo o conselho de administração da
companhia.
5.12 O acionista controlador e o membro do conselho de administração
A ideia de controlador ou acionista majoritário no âmbito acionário leva-se à concepção
de que a maioria corresponde a um determinado acionista ou união de acionistas que detém o
maior número de ações da companhia.
Essa situação proporciona controlar, comandar a sociedade empresária. Mas o
entendimento que se espraiou, em geral, seria exercitar qualquer comportamento sem maiores
preocupações, sem deveres, desprezando obrigações para com a companhia, e sem velar pelos
interesses dos acionistas e outros interessados na vida e destino da sociedade empresária.
O acionista ou grupo de acionistas controladores possuem poderes para indicar as pessoas
para compor o conselho de administração da companhia, quer estejam na posição de acionista
490 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, 11ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 1987, p. 2.
314
majoritário ou controlador, pode se autonomear, ou designar outra pessoa, inclusive que não
seja acionista da companhia, para ter assento no Conselho de Administração da mesma.
O acionista que detém essa competência, deve refletir do grau de responsabilidade é
dispor dessas atribuições, submetendo-se às regras e responsabilidades dos administradores
contidas na Seção IV, do capítulo XII, da Lei das Sociedades Anônimas.
O controle majoritário consiste na união de acionista, ou do acionista que dispõe da
maioria dos votos na assembleia geral. A existência de uma maioria organizada com percentual
mínimo de ações pode conduzir o comando, a gestão empresarial, caracterizando a figura do
acionista controlador, que se aproxima da compreensão, do mister de ser administrador, como
preconiza a lei das sociedades anônimas, no artigo 116 da Lei nº 6.404, de 15/12//1976.
A responsabilidade do acionista controlador deve estar atento ao comando empresarial,
face da possibilidade de caracterizar a solidariedade com o agir do administrador, como dispõe
o § 2º, do art. 117 da Lei das S.A. uma vez que “o administrador ou fiscal que praticar o ato
ilegal responde solidariamente com o acionista controlador”.
A responsabilidade civil do administrador, como a do acionista controlador, não é
subjetiva, não decorre do simples fato da responsabilidade imposta pela lei, in abstracto, não é
presumida. A responsabilidade de um ou de outro é concreta, vincula-se ao ato lícito ou ilícito
pessoalmente praticado.
Discute-se sobre a exclusão da responsabilidade do diretor de uma sociedade empresária
por acusação de atos ilícitos, a respeito da responsabilidade presumida e coletiva da diretoria.
Essa matéria foi examinada por Vicente Ráo, invocando os princípios jurídicos e doutrinários
atinentes a matéria, como revela o parecer de sua lavra, e que foi útil ao Ministro Costa Manso
ao fazer referencia a situação do diretor da companhia, afirmando que:
[...] sua responsabilidade, sempre pessoal, decorre da culpa ou dolo, com que
haja procedido dentro de suas atribuições ou poderes, ou ocorre quando, fora
desses poderes ou atribuições, haja violado a lei ou os estatutos, por ato
próprio, entenda-se. Em nenhuma das hipóteses indicadas acima, portanto, se
admite, por lei, a solidariedade em lugar da personalidade ou autoria pessoal
do dever de reparar dos danos; não se admite, isto é, responsabilidade sem
dolo, ou culpa, ou pelo dolo ou culpa de outrem [...]491.
491 RAO, Vicente. R. T., 251/52.
315
A corrente institucionalista se manifesta pela superposição do interesse público sobre o
interesse societário, atribuindo aos controladores a missão de perseguir, preferentemente os
objetivos que beneficiem a comunidade, e o próprio Estado.
Nessa linha de estudo aparecem os acionistas, que tem interesse na gestão, os
controladores, e os que tem interesse no retorno do capital. Os controladores aparecem como
possuidores de ações ordinárias, que, com esse lastro, e categoria, estabelecem a possibilidade
de maior participação no capital social, na forma prevista na Lei nº. 10.303, de 2001. Convém
observar que há entendimento que o colégio de acionistas preferencialistas, aparecem como
credores e não propriamente como acionistas, e nesse sentido há proteção legal, notadamente
ao instituir o dividendo obrigatório (art. 202), disposto no art. 17, alterado pela Lei nº. 10.303,
de 2001.
O papel fundamental do acionista controlador é fazer com que a empresa cumpra os fins
institucionais que lhe cabe, no entanto, questiona-se de servir também como instrumento de
política do Estado. Há sugestão que determinados direitos individuais dos acionistas, poderiam
ser derrogados por decisão dos controladores, gerando controvérsias, encarada como uma
espécie de limitação de poderes dos acionistas. A discussão é que, não poderia haver eliminação
de direitos senão pelas normas do estatuto e por deliberação da assembleia geral.
A interpretação estaria na hipótese que os alguns aspectos que a lei espraia,
proporcionaria arguição que todos os direitos devem estar declarados de forma expressa para
contrabalançar o enorme caráter institucional da sociedade anônima, e talvez maior ainda
quando se trata, do contexto jurídico que envolve o âmago da sociedade de economia mista.
As inderrogáveis prerrogativas conferidas aos acionistas, segundo os doutrinadores da
matéria, adviriam das nuances contratualistas da sociedade anônima, cuja reminiscência levaria
a uma versão dos direitos individuais constitucionalmente reconhecidos. Alega-se que não tem
razão aqueles que não consideram comparáveis, que os direitos individuais dos acionistas são
eminentemente pecuniários, porque existe disposição de caráter constitucional incluindo entre
os direitos e garantias individuais a prerrogativa de caráter patrimonial.
Os direitos inderrogáveis dos acionistas não são apenas pecuniários ou propriamente
patrimoniais, há dentre eles prerrogativas pessoais como a de fiscalizar o desempenho da
administração. Segundo classificação doutrinária, há direitos individuais administrativos, e
direitos patrimoniais.
316
Há juízo sobre o princípio da maioria na companhia, que a soberania dessa vontade não
é absoluta, no sentido de que não pode modificar as regras que protegem determinados direitos
dos acionistas, em geral, e dos minoritários, em especial. Não podendo esquecer que no Estado
democrático de direito, a representação da maioria pode modificar os direitos, inclusive
constitucionais da minoria através de uma Constituinte ou de reformas constitucionais.
Na sociedade anônima os controladores estão submetidos a certas restrições legais com
referência à imutabilidade de determinados direitos dos acionistas, que não podem ser
modificados pela lei interna da companhia. Foge, portanto, da competência dos acionistas
detentores do controle a modificação desses direitos. Carvalhosa compara essa situação à
cláusula pétrea prevista na Constituição de 1988, art. 60, § 4º.
Assim, a base da organização da sociedade anônima, quando sociedade de economia
mista é entendida como um suporte ao interesse do governo estatal, passível de manipulação
pelos controladores, que, inclusive, tem instrumento, possibilidade, para modificar o estatuto
da companhia, com exceção daqueles direitos fundamentais dos acionistas assegurados por lei.
Diante dessas possibilidades, agitam-se perquirições quanto ao abalo nos alicerces da
atividade empresarial, especialmente as calcadas nos princípios da boa-fé e manutenção dos
fundamentos jurídicos democráticos da empresa, a função social, e outros coadjuvantes da
companhia contemporânea.
Essas circunstâncias levam os interessados buscar maior esteio para proteger os acionistas
contra a possibilidade de atuação arbitrária do grupo controlador, como o desvio e abuso do
poder, a vulnerabilidade dos direitos individuais dos acionistas. Daí haver debate sobre as regras
estabelecidas no art. 109 da Lei das S.A., e a discussão sobre o entendimento de que não estão
sujeitos a modificações as normas internas da companhia, e muito menos submetidos ao arbítrio
dos órgãos da sociedade, sendo crucial tratar dos limites, poderes dos acionistas que venham a
ter o poder de controle.
Essa discussão leva a advertência de Moncada com relação a natureza jurídica dos
administradores por parte do Estado, cujos subsídios são significativos para conhecer a
modelagem das estatais, especialmente face a experiência europeia, mostrando que a figura do
delegado do Governo não se confunde com a do administrador por parte do Estado.
O delegado é um ser estranho à empresa, alheio aos respectivos órgãos, muito embora
possa ter influência decisiva na conformação da respectiva vontade social, com atenção ao
conteúdo dos seus poderes de intervenção. Já os administradores por parte do Estado podem
317
ser nomeados para o representar junto de sociedades em que seja acionista ou em que tenha
participação nos lucros, bem como junto as sociedades que explorem atividades em regime de
exclusivo ou com privilégio, ou exclusivo, não previstos em lei geral. E os delegados do
Governo podem ser nomeados para sociedades concessionárias de serviços públicos ou de
utilização de bens do domínio público, que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou
por ele garantidos, e empresas de navegação de interesse nacional, bem como junto de outras
empresas492.
Percebe-se que administradores e delegados são representantes do Estado atuando em
nome deste. Contudo, imprescindível não olvidar que todo poder exercitado na sociedade de
economia mista pelo governante, na realidade deve ser compreendido que o efetivo controlador
(o povo), que pode não ser desconhecida, tampouco descortinada, imperceptível e invisível ao
governante.
Pelo artigo 14 da Lei nº. 13.303/2016, o acionista controlador da empresa pública e da
sociedade de economia mista deverá fazer constar do Código de Conduta e Integridade,
aplicável à alta administração, a vedação à divulgação, sem autorização do órgão competente
da empresa pública ou da sociedade de economia mista, de informação que possa causar
impacto na cotação dos títulos da empresa pública ou da sociedade de economia mista, e em
suas relações com o mercado ou com consumidores e fornecedores.
Da mesma forma deve preservar a independência do Conselho de Administração no
exercício das suas funções, observando a política de indicação na escolha dos administradores
e membros do Conselho Fiscal, sem se esquecer que o acionista controlador da sociedade de
economia mista responderá pelos atos praticados com abuso de poder, nos termos da Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1976.
5.13 Sociedade - O acionista – O cidadão – O detentor invisível do poder -
Dominação empresarial ‘ab extra’ - O povo soberano
Após uma visão da sociedade de economia mista, o controle do acionista majoritário, os
gestores, diretores, os integrantes do conselho de administração, não se pode ignorar o meio
492 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. Coimbra, 6a. edição, 2012, p. p. 423-424. Entendimento
fundado na lei portuguesa. Decreto-Lei nº. 40.833, 29/10/1956. Dec.-Lei nº. 44.722/62.
318
onde convivem, a coletividade, o povo e o seu interesse, a soberania da nação, Nesse ambiente
está o acionista formal de uma sociedade empresária, aferindo-se a inafastável integração
social, e, com a sensibilidade politica dos governantes desenvolver práticas democráticas
efetivas.
O povo, e pelo povo deve existir o Estado. Sendo o povo o legitimo detentor, delegador
do poder, visível ou invisível; conjugando ações para conferir legitimidade ao poder, através de
mecanismo democrático, como a eleição para constituir representantes, reunindo e gerando
independentes pensamentos para situações concretas, e, observando o voto, que o utiliza como
fio condutor da representatividade em um estado de diligencia e confiança, em um consenso
objetivando a integridade do grupo social para promover estabilidade e paz social, afastando as
situações conflitantes.
O eleito, escolhido pela assembleia exerce o múnus conferido por um procedimento
institucionalizado, legitimando a representação. Aproveita-se a preleção de Canotilho493 quanto
a grandeza pluralística formada por indivíduos, associações, grupos, igrejas, comunidades,
personalidades, instituições, veiculadores de interesses, ideias, crenças e valores plurais,
convergentes ou conflitantes, levando o observador compreender o poder da modificação
constante do habitat, provocando uma autoconvocação para elaborar uma constituição. Quando
assim reunidos esses elementos, cria-se um agrupamento que se converte em poder constituinte,
que na realidade é o povo entendendo que é uma convocação feita por ele mesmo.
Essa convocação que se extrai do pensamento de Canotilho tem finalidade necessária para
aferir, averiguar alterações oportunas, para constatar se os interesses, os costumes, o habitat, a
vontade transformando-se, assimilados no tempo, absorvendo as variações acontecidas ao
longo das gerações e da própria historia, moldando uma estrutura do constitucionalismo
fundamentado na atividade político-social, sedimentando as leis, e atualizando as
transformações civilizatórias que a sociedade constrói em seu favor.
Deve-se ter um pleno convencimento que esse poder em uma carta para ter longevidade,
para não haver interrupção, que sua estrutura seja firme e que possa ter continuidade através de
leis ordinárias e de outras normas, para que haja um processo de realização ininterrupta, à
medida que a própria sociedade se modifica, o legislador renove a vontade e necessidade do
povo.
493 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed.
11. reimpressão, Coimbra: Almedina, 2011, p. 66.
319
Esse conjunto de situações devem ser objeto de uma concreta avaliação por todas as
camadas da população, e sempre através de eleições convocadas, inserindo outros
procedimentos não só populares, mas também pela via do poder legislativo, quando, todos
afinados com as aspirações da sociedade, estando a fim de emanar normas, inclusive podendo
criar emendas no texto constitucional, permitindo a oxigenação da cidadania sob os esteios dos
princípios fundamentais, com a máxima liberdade e consciência.
Para a Teoria da Constituição Dirigente a Carta Maior é um programa para o futuro,
fornecendo linhas de atuação para a política, com destaque para atitude de interdependência
entre Estado e sociedade, preconizando que a Constituição Dirigente é estatal e social494.
Não obstante as severas criticas, que até se entende plausíveis quando se estende em
demasia o poder constituinte do povo, porque é visto por boa parte do pensamento político e
constitucional como um “terribile potere”, do qual pode sempre se desconfiar, contestando sua
razoabilidade, legitimidade e cientificidade, porque o direito tem dificuldades em compreender
a produção jurídica como proveniente de um poder “de fato”, extraordinário e livre na
determinação de sua própria vontade.
O poder constituinte contradiz as pretensões do ordenamento jurídico de estabilidade,
continuidade e mudança dentro das regras previstas. A aversão dos juristas à soberania popular
e à teoria do poder constituinte do povo, segundo Cantaro, vem de uma visão política e
filosófica que atribui as origens do totalitarismo à soberania popular. A democracia absoluta
fatalmente degeneraria para a violência, o terror e o totalitarismo495/496.
Necessário atentar que um dos princípios fundamentais do Estado brasileiro é a soberania
popular, princípio da democracia participativa, e este pilar deve servir para refletir nas
pretensões de mudanças que afetem o maior interessado que é o povo.
O princípio da democracia participativa deve ser analisado sob duplo
aspecto. O primeiro viés, que não nos interessa diretamente no presente estudo, diz respeito à participação popular, por meio dos instrumentos
elencados no art. 14 da Constituição Cidadã, como expressão do exercício da
494 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituinte Dirigente e Vinculação do Legislador Contributo para a
Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, 2a ed. - Coimbra Ed. 2001. 495 BERCOVICI, Gilberto. O Poder Constituinte do povo no Brasil: um roteiro de pesquisa sobre a crise
constituinte. Lua Nova: Revista de Cultura e Politica.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452013000100010&lng=en&nrm=iso - acesso
em 13 de abr. de 18. 496 CANTARO, A. 1994. "Costituzionalismo versus potere costituente?". Democrazia e Diritto, v.94, nº. 4/v.95,
n.1, pp.139-164. (Cantaro, 1994, pp. 139-45), (näturliche Macht), um poder pré-jurídico ou metajurídico. (Steiner,
1966, pp. 31-6; Henke, 1968, p. 180; 1980, pp. 181-2; 1992, p. 276; Klein, 1996, pp. 115-21). Pedro de Vega
García (García, 1998, p. 47).
320
soberania, como o plebiscito, referendo e a iniciativa popular. O princípio
democrático também se revela por meio da garantia da participação efetiva da
população no processo de tomadas de decisões fundamentais do Estado,
colaboração ativa que deve ser franqueada nos três Poderes, ja que o poder
soberano pertence ao povo. E o chamado exercício democrático do poder 497.
Gaia mostra que apesar da participação popular, embora visível nos poderes Executivo e
Legislativo, também é observada no Poder Judiciário, embora com menor frequência. E que
principalmente em razão do processo de recrutamento dos seus membros, através de eleições,
difere dos demais poderes, não são eleitos pelo povo, mas sim escolhidos no primeiro grau de
jurisdição pelo critério próprios, entre eles a antiguidade e a meritocracia, após a previa
submissão a concurso público de provas e títulos.
Esse poder, também é invisível, quando o povo diretamente não se manifesta através
desses mecanismos, mas é possuidor de um poder de maior dimensão, envergadura, que escolhe
os seus dirigentes democraticamente, que podem ser substituídos periodicamente, face a
alternância do poder via o voto, e até mesmo a retirada do dirigente do poder através do processo
de impedimento, via o Poder Legislativo.
Há muitos anos que várias nações democráticas vêm exercitando, no intuito de
autoproteção, procedimentos visando as garantias democráticas implantadas, e um desses
pilares está assentado no direito do voto, como meio para alcançar soluções, para decidir
conflitos, atingir desideratos eminentemente democráticos. O voto é uma das essências para a
vida do cidadão, entendendo-se como um importante meio para proporcionar a sua participação
no meio em que está inserido.
O princípio da soberania popular, do qual decorre o princípio da democracia participativa,
expresso na vontade do povo, que é o constituinte originário ininterrupto, muitas vezes
considerado invisível. E essa efetiva participação na vida política do país, envolve os três
Poderes, independentes e harmônicos entre si, que devem agir para obter resultados favoráveis
ao povo, mesmo que a provocação advenha do Estado.
Dessa confluência de poder, inequívoco que o povo é o detentor das coisas do Estado, e
o povo é quem pode e deve utilizar desses bens, e quando necessário expor seus desejos de
transformações e interesses para alcançar e definir as devidas realizações e compreensões do
497 GAIA, Fausto Siqueira. O povo como guardião da Constituição – Estudo sobre a legitimidade do controle preventivo de constitucionalidade realizado pela Corte Constitucional brasileira. Revista de Informação legislativa. Ano 51. N. 202 – abr./jun. 2014 – p. 150.
321
poder estatal, mesmo que, por mais especifico que seja, como acontece a utilização do direito
privado pela administração pública.
Interessante trazer uma nota que se tornou celebre, há várias décadas, uma decisão de
Benjamin Cardozo, e a jurisprudência norte-americana reconhece que a sociedade anônima está
sob “... uma influência dominante poder ser exercida por meios diversos de voto. [...] O
controlador, no caso, não é necessariamente membro de qualquer órgão, mas o seu poder de
dominação ab extra498.
O poder dominante no direito societário é relativo, uma vez que a influência pode advir
de diversas formas e pessoas, calcadas em circunstâncias plurais. Por exemplo, que no direito
concorrencial o termo ganha sentido, com o objetivo de manter ou garantir a manutenção de
estruturas de mercado consideradas desejáveis do ponto de vista econômico, orienta a
identificação e o tratamento jurídico do poder societário.
A preocupação é com a determinação por interesses estranhos aos
interesses da sociedade dos destinos do patrimônio social. Tal escopo é,
obviamente, muito mais indefinido do ponto de vista econômico e jurídico que
a hoje já bem teorizada discussão sobre as estruturas concorrenciais mais
convenientes. Daí porque a ideia de influência dominante no direito societário
é de pouco valor explicativo.
[...]
O “controle” tanto dos rumos patrimoniais quanto dos rumos
empresariais da sociedade passa a ser relevante499.
Esses pensamentos voltados para o contemporâneo, colabora para estabelecer ponto de
compreensão sobre adaptações e transformações políticas e sociais, mas de pronto alertado que
todo e qualquer controle deve ser por um aprofundamento do direito constitucional, com
responsabilidade das tarefas conferidas para os devidos exames nas áreas apropriadas, com
prospecção para elucidar e não extirpar direitos, propondo soluções, respondendo as devidas
perquirições.
Apenas para suscitar um exemplo, que se entende pertinente observar, o caráter da
poupança popular e do investimento público que circundam a matéria, porque as ações de uma
sociedade de economia mista como as ações (títulos/valores mobiliários), à semelhança das
sociedades anônimas, são bens, alvo do interesse dos investidores e que se conecta com as
perspectivas de progresso econômico dessas companhias, mesmo considerando o objeto de
498 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. edição, Rio de Janeiro. Forense, 2014, pp. 69-79. 499 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. edição, Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 78.
322
especulação no mercado de capitais (por investidores nacionais e estrangeiros), e de qualquer
modo está nos interesses público e privados.
Na atualidade observa-se a variação dos preços dos produtos com a incidência dos
encargos, especialmente dos tributos (impostos vários) custos, fundos de depreciação, e
obviamente a margem e perspectiva de lucros. Nesse quadro, estão presentes os elementos em
curso da moderna sociedade anônima.
O “proprietario” legal do capital arrecadado tem poder absoluto de decisão sobre ele e
segue seu curso econômico próprio. Vê-se transformações nos cenários econômicos, como a
relação inicial dos acionistas históricos que passavam os seus investimentos originais aos netos,
e estes aos bisnetos, os cessionários a outros, e quase tudo se transformou.
O executivo tornou-se, de uma forma estranha, o administrador sem controle de uma
espécie de truste que tem o privilégio da acumulação perpétua. O acionista como usufrutuário
passivo, não só do “truste” original, como também de seus acréscimos anuais. Por essas
amostras de comportamento, outras e novas amostras emergem formando um novo conjunto de
políticas, inclusive políticas públicas, para atender um corpo de leis constituídas para proteger
e tratar de situações que envolvem, indubitavelmente, expectativas para o desenvolvimento
civilizatório.
Inevitavelmente o sistema legal se modifica para atender as novas áreas da propriedade
produtiva a fim de normalizar as relações nessas novas áreas, como revelam fatos acontecidos
ao longo do século XX, especialmente na sociedade norte-americana, quando normas jurídicas
e leis administrativas foram experimentadas, passando a influenciar outros povos, inclusive o
Brasil, como a implantação do salário mínimo, a pacificação das relações de trabalho, a
proteção das atividades voltadas ao consumo pessoal, com atenção para com os
empreendimentos oferecendo bens ou serviços ao público.
Nesse contexto foram concebidos algumas relações e atividades de produção, de bens
ativos nos Estados Unidos, percebendo-se que muitos serviços e atividades passaram a ser
incisivamente subordinados, impostos criados, porem sujeitos às regras inclusive as derivadas
da Declaração dos Direitos, visando assegurar direito constitucional em várias áreas, inclusive
nos campos da hospedagem, restaurantes, locais de diversão e muitos outros produtos, para
todos os cidadãos, face a irresignação de parte da população norte-americana diante dos
avanços dos direitos civis, amparados pela maioria com respeito aos direitos humanos.
323
Valiosa a observação que Berle faz sobre a tendência do poder, que passava a ser
absorvido na sociedade norte-americana, num deslocamento silencioso da lei constitucional do
campo dos direitos políticos para o campo dos direitos econômicos, e que os principais
contornos desse novo corpo legal, quase não eram discerníveis. Mostra que no curso de 1952 a
sociedade anônima, aquela mesma que foi uma criação do Estado, sujeita ao próprio Estado e
às limitações constitucionais. Se esse princípio que veio à luz for levado às ultimas
consequências, uma sociedade anônima que tenha poder econômico e, supostamente, poder
jurídico, para apropriar-se de bens, negar a prestar serviços, fazer discriminações entre pessoas,
grupos ou raças, estará negando, numa certa medida, a igual proteção das leis, ou violando, de
alguma forma, as limitações constitucionais, está sujeita à ação legal direta500.
A preocupação, o ideário do povo norte-americano envolvido nos princípios da
Declaração dos Direitos, na preservação dos indivíduos, cuja personalidade não devia ser
invadida, que passou a ser revista no curso do século XX, com intensidade na sua segunda
metade, adotou-se a possibilidade de reduzir essa liberdade quando da recusa de atender os
primados da Lei dos Direitos Civis de 1964, obviamente que não foram para afetar diretamente
as propriedades produtivas, mas para manter a proteção constitucional.
Interessante lembrar, que nesse contexto Berle destaca ser uma política retrograda proibir
fusões de empresas, porque, caso forçada a esse ponto, provavelmente a concorrência
prejudique a produção e a distribuição para que as melhore. Fato significativo é que em geral
as normas procuram assegurar que a propriedade produtiva não seja usada para impedir a
produção segundo as diretrizes do processo competitivo, na forma concebida pela ciência
econômica clássica, sob as suas condições, de acordo com a procura para manter uma imagem
civilizatória.
A interpretação que se dá, embora o Estado ache que pode controlar a estrutura e as bases
da produção e do comercio, ainda assim não pode dizer às pessoas o que ou como consumir,
apesar de já ter sido essa ordem experimentada em certas plagas.
Não deixa de ser uma advertência, face as proporções cada vez maiores, e o crescente
poder das sociedades anônimas americanas, dividiram automaticamente o pacote de direitos e
privilégios compreendidos pelo antigo conceito de propriedade, quando separou a pessoa do
proprietário, e usufrutuário da pessoa do administrador da empresa.
500 BERLE, Adolf Augustus; MEANS, Gardiner Coit. A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada.
3a. ed. 1988, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, p.p. 10-11.
324
O pensamento da liberdade de produção considera próprias “coisas”, incluindo os
elementos intangíveis, “pertencem” à sociedade anônima que possui o título legal de sua
propriedade.
Outro ponto importante é o debate sobre o interesse final de usufruto, expresso pela ação,
por entender representar uma expectativa, de que uma parte dos lucros que restam depois de
pagos os impostos, será declarada como dividendo em favor do sócio – acionista - que, no caso
relativamente pouco provável de liquidação, toda ação obtenha sua parte correspondente dos
ativos. A primeira expectativa é bem nítida; a segunda é tão remota que pouco representa em
termos de aumentar o valor de mercado das ações.
Essa discussão ratifica o que legalmente já se encontra pacificado, que os acionistas
realmente têm o direito de votar, mas a importância disso é cada vez menor à medida que
aumenta o número de acionistas em cada empresa, chegando de fato a ter uma importância
desprezível, à medida que as empresas se tornam gigantescas, e nas assembleias poucos
acionistas se fazem presentes, conferindo campo de manobra aqueles que estão mais próximos
das cotidianas deliberações empresárias.
É o que se apercebe nas chamadas comunidades participativas, como os fundos de
investimentos, que podem ser manipulados no mercado de ações, quando, para proporcionar
uma suposta oferta plural para captação de recursos, há um fomento, engendrado, para captar a
poupança popular que servirá de lastro para uma suposta economia nacional.
À medida que o número de acionistas aumenta, a capacidade de cada um deles expressar
opiniões torna-se extremamente limitada. Ninguém se preocupa com eles, embora possam ter
uma importância política, semelhante à dos eleitores que escrevem cartas a seus parlamentares,
ou as crianças que enviam bilhetes ao ‘papai Noel’.
Finalmente, têm o direito – difícil de ser posto em prática – de processar a empresa e seus
administradores, exigindo que ela seja indenizada por qualquer prejuízo que possa ter sofrido.
Essas ações comuns, embora poucos acionistas estejam envolvidos nelas, podem ser um
impedimento à desonestidade e deslealdade da gestão.
Contemporaneamente o mercado de capitais, agitando as ações de companhias
aparentemente prosperas, ‘papéis’ que passaram a ser desejados. Tornou-se uma forma
predominante de riqueza pessoal, vivenciada e alcançada através das bolsas de valores,
adquirindo “liquidez duvidosa”, que possibilitam, e dão capacidade de efetivar ‘bons negócios’.
Vendas à vista, em questão de minutos, horas ou poucos dias, para não falar em pequenas
325
frações de tempo, diante da volatilidade de alguns tipos de ações que despertam “maior
interesse”, “prestígio momentâneo”, ou ao contrário, caem em desgraça por mero boato ou
divulgação de nota contábil desabonadora. São negociadas eletronicamente, em tempo real, na
linguagem própria desses profissionais, usando jargão dos corretores de valores mobiliários,
balcões e bolsa de valores, muitas vezes ignorando os investidores ignorantes, os que não
dominam o assunto, que são usados, mero ‘joguete’ no mercado, ludibriados insanamente.
O acionista embora não seja mais o herdeiro universal de todos os lucros, é importante
“herdeiro” de um quinhão, uma vez que estimativas sofisticadas indicam que os dividendos
auferidos, combinados com o aumento do valor de mercado das ações, tem proporcionado
significativos crescimentos, cujos percentuais nas últimas gerações, quando não manipulados
obscenamente, inspiram, podem ser confiáveis, ao espelhar uma realidade econômica.
As expectativas e os direitos da propriedade massiva, mostraram-se satisfatórios, o
bastante para induzir um número crescente de pessoas a colocar suas economias sob essa forma
de propriedade, que de forma continuada, sinalizam trilhões de dólares agitando o mercado de
capitais pelo mundo.
Nos maiores grupos das instituições intermediárias estão os fundos previdenciários
mantidos por empresas ou grupos de empresas, ditas para beneficiar seus empregados. Esses
fundos arrecadaram as economias dos empregados de empresas ao longo de décadas, através
de pagamentos via prestações regulares, visando, mais tarde obter de alguma forma
aposentadoria e outros benefícios previdenciários privados ou semelhantes.
Outro grupo que interfere na poupança popular, estão os denominados fundos mútuos,
cuja atividade gera a ‘posse de carteiras’ de ações diversas, negociando, interagindo na compra
e venda de “variados papéis”. Concomitantemente participam em diversos grupos de negócios,
manipulando ações de sociedades anônimas e de sociedades de economia mista, as conhecidas
estatais cobiçadas, chegando a interferir na composição, e até mesmo controle e gestão de
alguma dessas companhias.
Outras são as que estão presentes nos mais variados seguimentos do mercado de ações,
como companhias de seguro, de previdência privada, etc., engendrando novas formas de
propriedade e negócios no sistema de circulação da riqueza.
Importante salientar os aspectos da proteção às pessoas e aos seus bens, advertindo-se
para os viés e escapes que geram perdas da propriedade, da posse, da qualidade, do valor, da
326
utilização e capacidade de uso, além da violação quando da retenção do bem, e a limitação de
prosperidade, gerando uma anarquia nos investimentos públicos e privados.
Frequentes são os contratos de empréstimo em que credor exige em garantia a caução de
ações, em especial, detendo o denominado ‘bloco de controle’. A lei brasileira não suprime o
direito de voto do acionista caucionante, mas admite que se possa estipular no contrato que o
acionista não poderá, sem consentimento do credor caucionado ou pignoratício, votar em certas
deliberações501.
De igual maneira, vê-se o Estado credor, quando em posição de preponderância, que é
usual, contar com formidáveis modelos e poderes de pressão. Usa o extraordinário poder de
fixação de preços em bens estratégicos, no controle de produção, nas taxas de juros bancários,
de feição de crédito oficial, interfere na celebração dos contratos e da concessão de benefícios
fiscais.
A lei das sociedades anônimas, no seu artigo 159, dispõe que “compete à companhia,
mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o
administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio”. Essa deliberação podera ser
tomada em assembleia-geral. Como se vê, a ação é exercida pela sociedade. Pode ocorrer,
entretanto, que a sociedade, pela sua assembleia-geral se recuse deliberar não promover a ação.
Nessa hipótese, será ela promovida por acionista minoritário que represente 5%, pelo menos,
do capital social.
Analisa-se não só o acionista que represente certo percentual legal para promover a defesa
dos seus interesses no âmbito da companhia, mas também o cidadão como detentor da outorga
da representação política, quando se tratar de interesse comum da comunidade e na sociedade
de economia mista, da dominação ab extra.
O direito comercial, na verdade, possui, desde as origens, um instituto
próprio para configurar essa responsabilidade solidária do credor de um comerciante, pessoa física ou sociedade, que passa a dominar a empresa, seja
para tentar cobrar de modo mais efetivo e rápido o seu crédito; seja para apurar
um lucro adicional ao estipulado pagamento do crédito: é a figura do sócio
oculto. Não se trata, aqui, da situação, à qual já nos referimos, do sócio ou
acionista, oficial ou ostensivo, que exerce o controle totalitário ou largamente
majoritario da sociedade: o chamado sócio “soberano” ou “tirano”, como
denominam alguns autores italianos. Nestas últimas hipóteses, há sempre um
controle interno. A figura do sócio oculto, no direito brasileiro, é a de autêntica
atividade empresarial, em colaboração com um comerciante ostensivo, pessoa
física ou jurídica. Tal colaboração empresarial, em se tratando, sobretudo de
501 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 79.
327
um credor do comerciante ostensivo, costuma, frequentemente, transformar-
se em autêntica dominação, ou controle externo502.
Essa situação é enfatizada por Comparato e Salomão Filho abordando a lei acionária
alemã pioneira a prever a situação do “aproveitamento de influência sobre a sociedade”
(Benutzung des Einflusses auf die Geselschaft), descrevendo como o ato de induzir dolosamente
um administrador, procurador ou representante a agir em detrimento da sociedade, mediante
abuso de influência, deixando o legislador de prever a hipótese do abuso de influência sobre o
acionista controlador. Mesmo porque o fundamento da responsabilidade, a defraudação da
confiança suscitada quando não há qualquer dever de lhe corresponder, em fatos, o caráter
desconforme com a ordem jurídica de um comportamento que viola a confiança alheia,
prejudicada no tráfico negocial culposo ou ilegítimo.
Dessa situação tem-se um esteio da relação, do dever de lealdade entre o membro do
Conselho de Administração, do acionista controlador e o poder soberano do povo detentor da
parte do capital da sociedade empresária estatal. E dessa dissecação, nítida, macula à boa-fé,
quando há ato e abuso de influência circunscrito de uma situação, devendo o aproveitador
ressarcir à companhia e aos acionistas pelos danos causados aos seus patrimônios.
Das várias hipóteses que a doutrina revela sobre o controle externo, mostra-se que é
exercido mais de fato do que de direito. Há situações em que a dominação empresarial ab extra
é legitimada pela ordem jurídica, como a que previu a Suíça no artigo 762 das Obrigações, em
que uma pessoa jurídica de direito público interno tem “um interesse público numa empresa”
explorada sob a forma de companhia, os estatutos podem atribuir a essa entidade estatal, ainda
que não acionista, o poder de delegar representantes em seus órgãos administrativos e de
fiscalização. A responsabilidade desses administradores e fiscais delegados pelo Poder Público,
perante a companhia, seus acionistas ou credores sociais, é imputada à pessoa jurídica que os
nomeou, sem prejuízo da ação regressiva contra o agente faltoso503.
Assim, confecciona-se um critério do interesse social, uma coparticipação nos rumos da
empresa, com respeito às relações de regulação-direito societário nas empresas públicas e de
economia mista. Uma nova engenharia social, motivando a qualquer acionista, ut singulis, a
legitimidade para provocar a responsabilidade do faltoso.
502 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade
anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 81. 503 IDEM – op. cit., p. 85.
328
Certo é que a faculdade da minoria qualificada de deliberar, logo após a recusa da
sociedade, pela assembleia-geral, de promover a ação, constitui uma das mais positivas e sérias
garantias da minoria e de sua proteção.
O mesmo ocorre, agudamente, na franquia do acionista minoritário singular, após três
meses de inação da assembleia-geral, de ele próprio, individualmente promover a ação de
responsabilidade civil dos administradores.
Neste capitulo, apesar do quanto intitulado, pela inferência que se possa extrair,
especialmente nos aspectos de dano, responsabilidade e ação judicial, de logo salienta-se que
não se pretende abordar e ou aprofundar temas sobre danos e responsabilidade, apenas dedicar
frações das situações em que a companhia fica exposta a ataques, desprotegida, bem como seus
acionistas e terceiros, por circunstancias advindas de posturas, decisões dos governantes, que
agem em nome do Estado-empresário, violentando o patrimônio coletivo.
Um dos caminhos, presente, na sociedade capitalista é a aplicação de recursos na busca
da consolidação da poupança, inclusive com caráter previdenciário, e especulativo, a fim de
auferir benefícios, e de ficar a salvo de adversidades, frustrações, prejuízos, danos que lhes
retire um bem ou o valor do bem, em decorrência de práticas danosas, irresponsáveis na gestão
desses recursos.
No campo da economia, uma das figuras salientes está a do investidor em ações da
sociedade anônima, e em ações de sociedades de economia mista.
Importa visualizar, verificar a segurança do investimento, para conferir os riscos, as
probabilidades de perdas e ganhos, o alcance dos resultados do empreendimento, especialmente
as posturas desses agentes e gestores públicos, que utilizam de métodos que podem prever e
apurar os resultados dos investimentos, gerando nocividade ao investidor, ou pelo mesmos,
reduzindo os benefícios que podem advir desses bens proporcionados.
Dessas análises, e tantas outras das mais diversas, saltita uma delas, defronta-se com o
que os economistas denominam de análise da poupança popular, e ou recursos contidos nos
planejamentos econômicos do Estado, quando este passa a ser idealizador, o incentivador e
propulsor da riqueza nacional. Dessas circunstancias emergem vários personagens, como a do
investidor, quer seja uma pessoa natural, quer seja uma pessoa jurídica, e o Estado planejador,
no dever de interessado no desenvolvimento econômico do país, na preservação dos interesses
do povo, especialmente quando criou para tanto, empresas estatais, e em especial, a sociedade
de economia mista.
329
Desse conjunto, um exemplo a tratar é do acionista, o do terceiro, a comunidade, todos
de boa-fé que seduzidos, conquistados, envolvidos, direta e ou indiretamente, são induzidos a
atender a propalação do estatal de promover desenvolvimento, granjear riquezas, e utilizando
no investimento, na subscrição de ações de sociedade de economia mista, inclinando-se,
submetendo-se, postando-se diante de alardeadas vantagens, muitas vezes ostentando ofertas
como excepcionais, ou pela simples expectativa de resultados positivos, satisfatórios, que
aparecem com uma áurea de proteção à economia popular e segurança as economias de
qualquer investidor.
Equívocos ocorrem algumas vezes em um contexto quando foge aos usos e costumes do
investidor popular, por alguma divulgação não usual, anormal no trato de algum dado perante
o mercado, que é considerado singelo para uns, e sofisticado para outros, desde quando o
mercado de capitais alcança uma variedade de interesses e negócios na sociedade moderna, que
está revestida e amparada por um arcabouço jurídico e econômico aparentemente mais volátil
que sólido, propício a significativas mudanças de cenários de negócios, que ensejam perdas,
afetando a economia pessoal e de tantos outros por consequência, inclusive as finanças públicas
e com sequelas na poupança popular. Todos, inclusive os governantes, devem estar atento a
esses cenários, precavendo a sociedade da adversidade. Confere-se que a confiança se dirige à
observância das exigências de um comportamento honesto, minimamente atento aos bens e
interesses da contraparte.
Dessas situações entende-se que se pode obter amparo legal, cujo socorro, por hipótese,
está no artigo 402 do Código Civil, que as perdas e danos devidos ao credor, abrangendo, seja
ressarcido, além de que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. E o
artigo 186 do mesmo diploma legal, com relação aos atos ilícitos, aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Em sintonia tem-se o artigo 51 do Código de
Defesa ao Consumidor.
Esse entendimento alcança as sociedades anônimas, uma vez que se reputa fraudulenta
qualquer declaração feita por fundadores, administradores e acionistas controladores da
companhia emissora ou de sociedades interligadas, no sentido de induzir direta ou
indiretamente pessoas à subscrição de ações, com a promessa de inexecução da dívida, por
exclusão de qualquer dos meios legalmente previstos. Portanto, assim tratado, tem-se típica
ocultação fraudulenta ao subscritor de norma de ordem pública que não admite renúncia por
parte da companhia.
330
Pertinente a observação da responsabilidade da sociedade controladora, regulada no
Capitulo XX da Lei, quando a minoria pode promover ação para reparar os danos que sofrer ou
causar a companhia, por atos praticados conforme previsão contida nos artigos 116 e 117 da
Lei das S/A. Compreende-se ofensa aos princípios fundamentais e ser necessário ajustar
técnicas jurídicas e políticas econômicas destinadas a garantir o cidadão contra os riscos reais
da economia, sustentar garantias contra os perigos vindos da sociedade estatal, e quando
necessário que restabeleça a estabilidade econômica e os valores perdidos, via uma análise da
representação política.
Abordando problemas que causam prejuízo e exasperam o acionista, Bulhões Pedreira504
no simpósio promovido pela Abrasca em 1976, disse, que em princípio, todo acionista que
promove uma ação não ganha nada, porque o resultado da ação é em benefício da companhia.
Se ele é um acionista pequeno, ele participa nesse resultado praticamente com nada. Pode ser
um por cento da sociedade, ou menos, ele é obrigado a fazer um esforço, e se aborrecer, para
promover a responsabilidade do acionista controlador e dos administradores, e no final não tem
recompensa nenhuma. Isto parte de reconhecimento de que não adianta nada definir melhor os
direitos dos acionistas minoritários se esses direitos não forem exercidos. Senão, toda a lei fica
letra morta. Não é razoável se esperar com o acionista controlador e ao final não recebe nada,
quando muito o reembolso das despesas. Então, somente neste caso, onde os agravos das
minorias são maiores entre sociedades coligadas e controladas, é que se estabelece um prêmio
para motivar o acionista pequeno a realmente promover a responsabilidade do acionista
controlador.
O exemplo típico que mostra a responsabilidade do Estado no engenhoso sistema de
poupança popular criado e assentado nas décadas de sessenta e setenta do século XX, quando
se organizou, numa ação de governo de então, numa presunção de boa-fé como fala
Magalhães505:
A sua preocupação de organizar um sistema que permitisse a cada brasileiro
possuir casa própria seguiu-se outro talvez ainda mais utópico: construir um
instrumento que permitisse a cada individuo ser acionista de empresas. Pois,
na sua visão, a paz social exigia que cada um se sentisse participe efetivo do
patrimônio coletivo, que todos ajudavam a construir.
[...] instituiu um incentivo fiscal específico, para democratizar o mercado de
capitais. Cada brasileiro contribuinte do imposto de renda poderia adquirir
504 Simpósio promovido pela Abrasca em 1976, (um dos autores do projeto da lei das S.A., referindo-se ao
prêmio de 5% do acionista dissidente, explicando os fundamentos dos direitos do acionista minoritário). 505 GATTO, Coriolano. PEDREIRA, José Luiz Bulhões – A invenção do Estado Moderno Brasileiro. Rio de
Janeiro: Insight Engenharia de Comunicação, 2009.
331
quotas dos Fundos 157, então criados sob administração de algum banco,
utilizando parcela do imposto de renda a pagar. O contribuinte se tornava,
assim, na condição de quotista do fundo, sócio indireto de empresas nacionais
de capital aberto, que dispunham, assim, de um eficiente mecanismo de
capitalização. Posteriormente, tudo foi devorado no curso das décadas
perdidas.
Debruçou-se, também, sobre modalidades racionais de participação dos
empregados no lucro das sociedades em que trabalhassem, sob forma de
participação em seu capital e/ou nos seus resultados. Como chegou a trabalhar
com a possibilidade de converter cada brasileiro em acionista das empresas
publicas pela redistribuição de suas ações aos trabalhadores, em razão inversa
da renda individual de cada qual. Com os óbvios cuidados para evitar a venda
das participações, sempre sob a inspiração de fortalecer a economia de
mercado, mas, atento, também, ao viés social, que deveria ser inserido nos
procedimentos regulatórios.
Fizemos, juntos, alguns exercícios nesta linha. Pois a ele incomodava, como
a mim, a profunda assimetria entre a situação dos proprietários e a dos não-
proprietarios, o que o levava à busca de caminhos novos para conciliar os
interesses do capital e do trabalho, a partir de formulações concretas que
acentuassem a colaboração e não o conflito, mediante a construção negociada
de objetivos comuns, corporificados na empresa como instituição básica para
a organização da cooperação e, ao mesmo tempo, do sucesso do capitalismo.
Pelo que escreve Raphael de Almeida Magalhães na apresentação da referida obra, é
exatamente a engenharia que o Estado brasileiro se comprometeu em fazer, com que os
trabalhadores brasileiros contribuíssem na criação de fundo de poupança, para fortalecer a
economia de mercado e sobretudo construísse um patrimônio coletivo. Nesse cenário, avista-
se uma estratégia para desenvolver o mercado e o Brasil, abriu-se não somente conceitos, mas
se instituiu uma política desenvolvimentista social506.
Na mostra estaria o sentido da representação política à qual dá-se o nome de representação
existencial. Para Souza Junior507 a comunidade política começa quando ela se articula e produz
um representante. Essa representação é desempenhada pelo Chefe de Estado,
independentemente da forma de Governo adotada, e o ingrediente fundamental, é que o Estado
depende, para a sua existência, de um órgão que represente a unidade da sociedade consolidada
nos valores constitutivos do bem comum.
Para Torres508, nas repúblicas parlamentares a representação da comunidade nacional
integra-se na unidade ideal do Estado em seus múltiplos órgãos, enquanto nos regimes
presidenciais, recaindo a chefia do Estado no Presidente da República, chefe, também, do
Governo. Confere-se a existência de um centro político agregador que represente aquilo de
507 SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como poder: uma nova teoria da divisão dos
poderes. Memória jurídica. São Paulo, 2002, p. 26. 508 TORRES, João Camillo de Oliveira. Harmonia política. Belo Horizonte: Itatiaia, 1961. p. 81-82.
332
comum que há entre os homens, e que essa representação surja do reconhecimento da própria
comunidade acerca da imprescindibilidade de tal elemento unificador para a sua existência.
A marca dessa representação, portanto é a auctorita509 que vem da raiz de ‘autor’, o que
gera ou produz. A autoridade gera a unidade social pelo direito. Para isso deve o poder político
ser uno na sua esfera de ação, e se tem a ideia de soberania, como qualidade de supremacia
definitiva do poder510.
E Lima511 acentua:
O bem comum faz a unidade social. E a autoridade é a força de unificação e
equilíbrio que opera a união e a convergência das vontades individuais para o
bem coletivo de qualidade superior.
Confirma-se que a auctoritas deve estar presente nas esferas da representação política.
Observando o alerta de Torres512, que na representação da unidade política estatal ela é a
protagonista, inclusive, para os perigos da existência de potestas. E a autoridade, por seu turno,
apresenta características fundamentais, sólida e limitada, augusta e respeitada, consentida e
poderosa, una e transcendente.
A função governamental é uma relação que se estrutura com várias comportas da
representação política, a fim de preservar o bem comum, preservando-o, como um substrato
unificador do Estado. Essa unidade está fundada em valores - genéricos e abstratos – que se
assenta e está representada na figura do Chefe de Estado.
O governo representa a evocação política em busca do bem comum, e assunção da
responsabilidade perante o povo. E desse cotidiano da atividade política, do seu bom
desempenho na direção dos negócios políticos garante – em nítido caráter meritocrático – a sua
permanência; deslizes, em contrapartida, levam-no à bancarrota, valendo um registro histórico
no que pertine a uma característica da representação politica, no que diz respeito à natureza do
mandato, enraizado no Direito Privado, no âmbito da vontade de uma pessoa é exercida em
nome de outrem, o mandatário. Contudo no contexto político os teóricos buscaram uma
natureza própria para o mandato político, a fim de separar do direito privado.
509 No direito romano é definida por auctoritas uma certa legitimação socialmente reconhecida, que procede de
um saber e que se outorga a uma série de cidadãos. Ostenta a auctoritas aquela personalidade ou instituição, que
tem capacidade moral para emitir uma opinião qualificada sobre uma decisão. 510 SOUZA, José Pedro Galvão de. Politica e Teoria do Estado. S. Paulo. Saraiva, 1957, p. 143. 511 LIMA, Alceu de Amoroso. Política. Agir, 1956, 4a. ed. P. 48. 512 TORRES, op. cit. pp. 55-56.
333
A representação política contribui para a complexa engrenagem que constitui a
Democracia contemporânea.
Os procedimentos, como as eleições, o processo legislativo e o processo
judicial, são, para Luhmann, a melhor maneira de garantir decisões
vinculativas, além de reduzir as complexidades sociais. Ao submeterem-se as
regras e necessidades do sistema processual, todos os envolvidos são
obrigados a aceitar a decisão final, mesmo contrariados, pois eles próprios
participaram do procedimento. A legitimidade pelo procedimento é uma
legitimidade institucional, não proveniente de derivações valorativas.
A
representação política, por exemplo, passa a ser vista como um conjunto de
ações que confere legitimidade ao poder. A eleição popular cria uma
identificação simbólica entre representado e representante, gerando um
mínimo de consenso
e tornando esse consenso independente da situação
concreta em que ele é obtido. Desta maneira, o representante exerce um
mandato não apenas referente ao que lhe foi conferido, mas também ao que
não lhe foi. O representante foi eleito num procedimento institucionalizado,
portanto é digno de representar o representado. O poder representativo se
legitima não porque expressa um consenso real, mas porque permite uma
antecipação bem-sucedida do consenso presumido dos representados513.
Segundo Montesquieu a comunidade utiliza-se da Razão Prática para identificar e eleger
os potenciais líderes que devem ser verdadeiro phronimos (o prudente), o mais esclarecido. O
eleito, no entanto, não é um mero mandatário a executar os desejos dos eleitores. Ele fora
escolhido por contar, naquele momento, com os melhores predicados (prudenciais) para o
exercício da atividade política514.
Nesse meio emerge a necessidade de estabelecer uma ética nos negócios como condição
para dar maior convívio econômico com o mercado. A ética envolve, obrigatoriamente, os
deveres do empresário em relação ao conjunto dos interesses em torno dos quais gravita a
atividade empresarial. Deveres para com os credores, deveres para com os devedores, deveres
para com os empregados. Deveres para com a comunidade, deveres para com a sociedade
política, representada pelo Estado, garantidor, em última instância, da existência e prosperidade
da própria empresa.
Assim, deve-se estar atento à situação e funcionalidade das empresas como patrimônio
coletivo, que deve se modernizar, adequando-se ao mercado e a exigência de se atualizar
consoante as leis e as necessidades do povo, especialmente quando este sinaliza ao legislador,
criando e fiscalizando o seu desenvolvimento e critério no funcionamento.
513 BERCOVICI, Gilberto. Constituinte e Politica: uma relação difícil. Luanova nº. 61, 2004, p. 15.
http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n61/a02n61.pdf 514 GUSSI, Evandro Herrera Bertone. A Representação politica. Teses USP, Acesso 11/10/2016, pp. 47-48.
334
As iniciativas de grande importância, apareceram os foot prints conceituais básicos que
deveriam informar decididamente o desempenho empresarial, seus compromissos éticos com o
bem comum e seus deveres para com a sociedade circundante.
Desse meandro encontra-se a figura de proa, o cidadão, sendo fundamental entender o
seu papel, ganhando significativa atenção de Aristóteles:
Para o filósofo, os cidadãos são todos aqueles que podem participar da
vida pública na cidade, isto é, “a característica eminentemente distintiva do
verdadeiro cidadão é o gozo das funções de juiz e de magistrado”. As
magistraturas, no pensamento aristotélico, dizem respeito às assembleias
populares em que as questões de bem comum eram deliberadas.
O conceito de cidadão revela, portanto, a dimensão política da pessoa humana,
ou seja, esta se dedica à deliberação em busca do bem comum. Uma das
grandes originalidades aristotélicas é constatar que o ser humano possui um
aparato racional que o habilita a tal tarefa. Ao lado desse aparato, entretanto,
devem existir outros critérios que limitam, dentro do povo, aqueles que são os
cidadãos515.
Estendendo o pensamento aristotélico aos nossos dias, o cidadão é ao mesmo tempo
homem, marido, pai, rico, pobre, empregado, desempregado, em atividade empresarial, e
exercitando atividade política, onde ele tem a capacidade de transcender e sempre que entender
necessário, na maior medida possível, os seus acidentes a fim de se posicionar como o homem,
animal político em constante busca do bem comum, deliberando como figura de simples
cidadão ou como líder político. E, ora como cidadão e ou líder, portanto, como membro da
sociedade política, com os elementos recíprocos na representação política516. E nessa sequência
à ideia de cidadão, está a de cidadania, que a qualificam como aquilo que é próprio do cidadão.
Uma visão no campo constitucional, pelo ângulo de uma sistemática estatal
contemporânea, há uma regulamentação de requisitos para se reconhecer a capacidade político-
deliberativa à pessoa humana como expressam os textos constitucionais.
O conceito de cidadania, entretanto, vem sendo vítima de uma inflação
semântica. Ao lado de seu significado original e essencial, outras conotações
foram adicionadas de modo indiscriminado. A primeira manifestação desse
fenômeno – que não nos parece trazer problemas mais sérios – deu-se com a
sinonímia em relação à nacionalidade. Os termos cidadão e nacional passaram
a ser considerados como equivalentes (o que ocorreu também com cidadania
e nacionalidade)517.
Desse modo, observa-se uma nova visão do conceito de cidadania, e para Tércio
515 Idem - Acesso 10/10/2016, p. 49. 516 ARISTÓTELES. La Política. 9. ed. Trad. de Patricio de Azcárate. Madri: Espasa-Calpe, 1962. 517 GUSSI, Evandro Herrera Bertone. A Representação politica. 2009. Teses USP, Doutorado em Direito do
Estado. Faculdade de Direito. Acesso 10/10/2016, p. 51.
335
Sampaio Ferraz Junior, significa que, constitucionalmente está reconhecido que o homem tem
um lugar no mundo político em que age, reconhecendo que: “A cidadania, na Constituição
brasileira, tem um sentido amplo, equivalente a todos os direitos e obrigações decorrentes da
nacionalidade, bem como um sentido estrito referente à participação no Governo”, e identifica
a cidadania com as garantias da Ordem Econômica e Social e com um plexo de direitos que não
guardam relação analógica. Gussi expressa que:
Essa postura apresenta duas consequências imediatas. Porque o conceito
possui o seu âmbito de significação indistintamente aumentado, têm-se, no
fundo, um enfraquecimento do sentido autêntico do termo. Se cidadania quer
dizer tudo (sem um recorte semântico bem delimitado), de fato, ela passa a
não significar mais nada. Ainda, é possível observar o enfraquecimento do
conceito de dignidade da pessoa humana em virtude de sua crescente
substituição pelo de cidadania (na sua versão ampliada) 518.
Para alicerçar o quanto desenvolvido, Gussi traz a colação entendimento esposado por
Hesse519, que o:
O perigo dessa substituição pode ser pressentido diante das palavras de Hesse
acerca do significado constitucional da dignidade da pessoa humana, como
fundamento último da ordem constitucional depois da Segunda Guerra
Mundial: “o artigo de entrada da Lei Fundamental normaliza o princípio
superior, incondicional e, na maneira da sua realização, indisponível, da
ordem constitucional: a inviolabilidade da dignidade do homem e a obrigação
de todo o poder estatal, de respeitá-la e protegê-la. Muito distante de uma
fórmula abstrata ou mera declamação, à qual falta significado jurídico, cabe a
esse princípio o peso completo de uma fundação normativa dessa coletividade
histórico-concreta, cuja legitimidade, após um período de inumanidade e sob
o signo da ameaça atual latente à ‘dignidade do homem’, esta no respeito e na
proteção da humanidade”. (HESSE., Konrad. Elementos de Direito Constitucional
da República Federal da Alemanha).
Desse modo tem-se um alicerce que o sistema representativo oferece pertinente o
reclamo do cidadão no caráter existencial da dimensão política da pessoa humana. Para Cunha
Junior520 a Declaração dos direitos do homem e do cidadão são poderes que traduzem meios de
participação do homem no exercício do Poder Político, incluindo-se os direitos de participar da
vontade geral, de consentir no imposto e de controlar o dispêndio do dinheiro público, e de
pedir contas da atuação de agente público.
Estabeleceu que a finalidade de toda associação política é a conservação dos
direitos naturais e imprescritíveis do homem (art. 2º). Ou seja, a Declaração
518 GUSSI, Evandro H. B. Ob. cit. doi:10.11606/T.2.2009.tde-21082009-094450. Acesso: 2016-10-11. P. 52. 519 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. de Luis
Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. 520 CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 10a. ed., 2016. JusPodivm, pp. 509-511.
336
francesa confirmou exatamente o postulado inquestionável de que o Estado
nasce de uma filosofia política que o justifica pela necessidade de dar proteção
aos direitos humanos fundamentais. Vale dizer, o Estado existe e só se
justifica para fazer o Homem feliz. O Estado é o instrumento por meio do qual
o homem – o fim – satisfaz os seus direitos e alcança a sua felicidade. O Estado
só existe e só se justifica se respeita e promover os direitos fundamentais do
homem. O Estado, em suma, nasce exatamente pela necessidade de dar
proteção aos direitos fundamentais521.
A atividade deliberativa própria do cidadão segue como fundamento indispensável da
vida política, tanto na sua postura quanto na escolha dos representantes, como no exercício do
mandato representativo. Ser cidadão significa atuar politicamente, ou seja, em busca do bem
comum, com substância na relação existente entre o representante e o representado,
compreendendo que o significado da expressão - representação da vontade -, deve ter alcance
democrático, cuja concepção permita
que a relação entre representantes e representados
controle o elemento vontade.
A noção de vontade está na engrenagem subjetiva do individuo, que talvez seja mais um
tema psicológico, filosófico do que mesmo político, mas a grande literatura no pensamento
ocidental adentrou, chegando a formulações, como remonta a Santo Agostinho, que buscando
respostas morais nas escolhas e ações, guiadas por crenças e desejos. Agostinho “identifica a
vontade com um movimento livre da mente em direção a tomar ou manter alguma coisa”. Ele
declara que a vontade está ligada à liberdade do homem e que aquela pode levá-lo ao pecado e
à graça. Ela passa a ser compreendida, portanto, como algo interior, pertencente às faculdades
da alma.
Para Tomás de Aquino522 a vontade ganha contornos definitivos sob a tradição
intelectual, que se desdobra desde o período clássico. O contorno fundamental desse
pensamento é que Vontade e Razão constituem elos incindíveis da ação prática, com objetivo
maior de se alcançar a realização plena do ser humano e da sociedade, definindo à vontade
como rational appetite, e a sua característica essencial é ser controlada racionalmente. Isso
significa dizer que a Vontade, impulsionada pela razão, está orientada teleologicamente, e pode
ser julgada boa ou má, à medida que busca ou não o fim próprio da pessoa humana nas várias
dimensões existenciais em que está inserida (família, sociedades intermediárias e a comunidade
política). Essa concepção de vontade que alguns autores, heterodoxamente, remontam a
521 Idem, op.cit. 522 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. 2. ed. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de
Brindes; Livraria Sulina, 1980.
337
Aristóteles
só pode ser compreendida a partir da Razão Prática (phronesis) que lhe dá
suporte523.
Aduz Gussi, que graças a uma redução sistemática de seu campo de atuação – pelo qual
se confundiu verdade com certeza, observa-se rompimento epistemológico que teve como
consequência principal o fato de ser considerado científico apenas aquilo que dizia respeito ao
conhecimento matemático, ou o que pudesse ser deduzido da verificação empírica. E mostra
que:
[...] a partir dessa redução do alcance da Razão, as questões afetas a valores e
a opiniões – que estavam ligadas à Razão Prática tanto na Filosofia Moral
quanto na Política – não eram mais questões racionais. Estavam adstritas ao
eu, à subjetividade de suas emoções. Como ensina MacIntyre, no
emotivíssimo, “Todas as crenças e todos os juízos de valor são igualmente não
racionais; todos são instruções subjetivas dadas aos sentimentos e às
emoções”524.
Explica Gussi que na Moral e em Política tudo ficou reduzido à vontade e aos diferentes
modos pelos quais se pudesse viabilizar a coordenação das vontades individuais no ambiente
estatal, e que essa ideia forneceu terreno fértil para a representação da vontade, pois, se a
Política não é mais o local para racionalmente se buscar o bem comum, mas sim o ambiente
para o melhor equacionamento possível das vontades emotivas e individualistas, nada melhor
que a representação se fundamentar na vontade. Explicando a passagem dessa concepção
filosófica para a vida cotidiana, tem-se mostra de MacIntyre, insistindo que: “Esse elemento de
arbitrariedade da nossa cultura moral – e Política, dizemos nós – foi apresentado como uma
descoberta filosófica (...) muito antes de se tornar lugar-comum no discurso cotidiano”.
Vê-se que a expressão vontade do povo se tornou comum no discurso político e
acadêmico, especialmente quando o tema é democracia. A democracia é concebida em regime
de governo em que a vontade do povo é ouvida e obedecida. A consequência dessa tomada de
posição não poderia ser outra: prega-se uma vinculação do eleito aos seus eleitores de um modo
a caracterizar o que denominam de mandato imperativo. Sob essa concepção é que os últimos
levantamentos da opinião pública brasileira têm demonstrado a crescente perda de confiança
do povo brasileiro na atividade dos agentes políticos, sobretudo aqueles que exercem funções
parlamentares, cujo comportamento tem sofrido severa critica. Portanto, pelo visto, o
comportamento dos representantes com poder, estaria certa parcela de parlamentares, ao
exercitar os poderes de representação prejudica, ou pelo menos, na iminência de prejudicar o
523 GUSSI, op. cit. pp. 55-56. 524 Idem (GUSSI) op. cit. pp. 58-59.
338
representado.
Apegando-se ao princípio democrático em defesa da coletividade, em especial no trato
das coisas essenciais aos homens em comum, o instinto ou desejo político é que se têm e deve
ser preservado. Alicerçado nessa crença democrática, espera-se que o Governo pratique o que
o cidadão deseja e espera. E, as coisas mais importantes devem ser como leis, em que o Estado
deve obedecer a vontade do povo, compatibilizando com os seus anseios.
Assim, reconhecendo o valor das opiniões dos homens em geral, o regime democrático
confere plenitude à política, como regime para bem ser exercitado pela pessoa humana.
O Chefe do Estado representa. Isso significa a convergência dos fins últimos do Estado,
isto é, do bem comum, para atende-lo de uma maneira viva e construtiva no trato da
representação, que transcende as divisões do corpo eleitoral e que se estabelece em um diálogo
perene com os valores do bem comum.
A figura do representante, por seu turno, tem contornos especiais, já que o líder político,
e dele se espera, que seja um cidadão qualificado. Essa qualificação não decorre simplesmente
de virtudes individuais do representante, mas sim da virtude comunitária, já que este,
constantemente, será nutrido e nutrirá uma causação circular cumulativa, deliberando,
organizando-se para construir com aqueles que julgam serem os mais capazes, nutrindo um
ideário político consoante as inspirações dos governados. Essa engenharia que tem caráter
constitucional, não somente pressupõe a organização do Estado com funções capazes de abrigar
os interesses dos governados num sociedade política, onde o povo tem o domínio sobre as ações
de governo, e por via de consequência, sobre as ações que o ente público detém nas esferas de
comando, inclusive, no trato da sociedade de economia mista.
As ações que asseguram a posição de controlador em uma sociedade de economia mista,
observa-se o mesmo domínio do ente público do poder sobre o bem comum. Os atos de
governança, são atos de dirigentes da sociedade como controladores, atos que devem preservar
a companhia e a economia popular, convalidam poderes dos representantes do povo em atenção
ao princípio da boa-fé e lealdade.
Desse modo, a proposição deve ser alargada, para abranger todos os casos de
responsabilidade praticados pela sociedade anônima ou pelo acionista controlador e
administrador. Praticando qualquer ato molestador ao bem comum, submete-se o infrator à
justiça.
339
Canotilho525 traça linhas do acesso à justiça constitucional, relembra lições de Hans
Kelsen, em La garantie juridictionelle de la Constitution (La Justice Constittutionnelle),
argumentando possíveis dúvidas quanto a sinonímia de conceitos – garantia jurisdicional e
justiça constitucional, e que a expressão linguística “Justiça Constitucional”, não é inteiramente
seguro como critério da distinção, porque, quando se fala de acesso à justiça constitucional,
pretende-se, em geral, individualizar as vias para se chegar ao Tribunal Constitucional ou aos
Tribunais com competência de fiscalização da constitucionalidade.
Na linha que se extrai do trabalho de Canotilho, o “mercantilismo” tendente a acentuar a
erosão da constitucionalidade e da legalidade. Todavia a história do instituto da
responsabilidade por danos causados por entidades públicas desempenha ou pode desempenhar
uma importante função de estabilização sistêmica da democraticidade e juridicidade do poder.
O direito de acesso à justiça constitucional como instrumento de mobilização cidadã, leva a
tutela coletiva e status procuratoris. Assim, o cidadão enquanto administrado e enquanto
cidadão, busca posições para bem percorrer, e defender a sua vida. Os direitos procuratórios
(jus procuratoris) garantem aos respectivos titulares a defesa de interesses públicos,
independentemente da proteção de interesses individuais.
A Constituição e as leis reconhecem ao particular o direito de “mobilizar” e de pôr em
andamento a ordem jurídica de forma a promover a defesa de interesses públicos (saúde,
qualidade de vida, preservação do ambiente, patrimônio cultural, domínio público).
A articulação que se faz sobre direitos procuratórios e ação popular, a necessidade de
recortar direitos processuais autônomos a fim de assegurar o exercício daqueles direitos, leva a
compreender que ao cidadão, pessoalmente ou através de associações de defesa de interesses,
deve ser reconhecida a legitimidade de defesa de interesses, a legitimidade para, sem invocação
de um direito ou interesse pessoal ter acesso direto às instâncias administrativas (direitos
procedimentais), ou aos tribunais (direitos processuais) para promover a defesa de interesses
públicos. O reconhecimento destes direitos implica a autonomização de direitos processuais e
procedimentos/autônomos / como direitos subjetivos públicos. Em vez de se insistir no esquema
dicotômico entre direito substantivo e direito adjetivo, ou entre direito e exercício do direito,
procura-se partir do status jurídico multipolar do cidadão que não se concretiza apenas na defesa
de direitos individuais, mas também na dinamização de direitos procuratórios.
525 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito de Acesso à Justiça Constitucional. Luanda, junho de 2011.
340
O sistema jurídico multipolar abre também a possibilidade para uma nova compreensão
do direito de ação com a finalidade de defesa dos chamados interesses difusos. O cidadão é um
individuo desarmado quando procura autolegitimar-se sozinho à defesa de interesses, como são
os interesses difusos, que comportam duas dimensões subjetivas, uma individual e outra supra
individual. Demarcando-se claramente dos sistemas jurídicos fechados em torno da proteção
judicial individual dos direitos fundamentais. E no âmbito do direito constitucional português
consagra o direito de ação, pessoalmente ou através de associações, destinado a promover a
prevenção, cessação e perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos
consumidores e a preservação do ambiente e do patrimônio cultural, como expressa Canotilho.
Extrai-se então condições para que as empresas nacionais ganhem escala, para o
florescimento, sem sobressalto, da economia de mercado, bem como cercar de proteção os
acionistas minoritários e a comunidade, especialmente no que concerne a sociedade de
economia mista, com a criação de severo código de conduta para ser cumprido pelo acionista
controlador e pelos administradores, como deveres éticos do empresário na condução dos seus
negócios.
Mesmo que se argumente da necessidade de conjunto maior de proteção, tudo pode e
deve ser complementado por um conjunto de regras para conhecimento e avaliação por terceiros
dos atos de gestão das companhias, disponibilizando informações padronizadas para
acompanhamento da gestão empresarial, inclusive inserida nas obrigações das ouvidorias,
convertida em nossos dias para atender o dever de transparência empresarial, estabelecendo
vínculos estáveis de fidelidade entre os acionistas e a sociedade, para a preservação da poupança
privada no mercado acionário, dos mercados financeiros, evitando qualquer ameaça virtual à
estabilidade funcional do próprio sistema, eliminando a possibilidade de torna-la predatória, e
de insuficiente controle.
Procura-se apontar caminhos sem inibir a capacidade de alocação de poupança e sem
tolher eventuais excessos, conjugando liberdade e responsabilidade, numa proposição
necessária para formulações inovadoras, para construir e abrir caminhos para a construção de
atividades mercantis (tecnologia, serviços públicos e privados, comercio e indústria) para
negócios em um país saudável.
341
5.14 O laço da boa-fé com a lealdade
Ganha espaço as discussões envolvendo o interesse pessoal para com os valores éticos,
cada vez mais em conflito, forçando o seu contínuo exame, pelos filósofos que se dedicam ao
assunto ao longo da existência da humana.
O debate cria e transforma muitas teorias. Oportuno apontando os questionamentos sobre
o interesse pessoal fazendo teorizações em verificações empíricas, pelo entusiasmo e do sucesso
de algumas economias de mercado, exibindo produção eficiente, com variações de
pensamentos, aparecendo o comportamento por interesse pessoal ter um sentido de dever, da
lealdade e da boa vontade, que os se dedicam ao exame das atividades mercantis, dedicando a
ética um papel importante a desempenhar no sucesso dos negócios.
Observam que negar que as pessoas se comportam sempre de uma forma interessada não
é o mesmo que dizer que agem sempre de uma forma egoísta, que existe uma pluralidade de
motivações e não apenas o interesse pessoal que move os seres humanos. Apura-se o
comportamento humano, se egoísta, altruísta, utilitarista, e muitos outros que afloram no
psíquico que os cientistas buscam decifrar, conferindo-se, muitas vezes, uma mistura com
grande variedade de atitudes e práticas que refletem nos meios sociais, como em associações
de grupo, que oscilam desde as relações de amabilidade e de comunidades, até aos sindicatos e
aos grupos de pressão econômica526.
Essas relações afetam áreas do direito que motivam o jurista a se debruçar sobre certos
comportamentos, como o do liame do dever de lealdade do membro do Conselho de
Administração com o acionista majoritário ou controlador da sociedade de economia mista,
numa linha de boa-fé como baliza, sinalizador de rumo das praticas negociais, relacionando as
gerencias que envolvem as atividades econômicas e seus comandos administrativos.
É de observar, não como um elemento oculto, mas como um integrante da ação mercantil,
desde em uma singela decisão exarada pelo empresário individual, mero mercador negociando
bens de pequeno monte, ou um procedimento de um conselheiro de um órgão compondo uma
engrenagem industrial de grande porte, ou por ato de um mandatário no cumprimento,
exercício, de um mandato ad-negocia.
526 SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Almedina, novembro/2012, p.p. 34/38.
342
Todos quando se envolvem em gestão, submetem-se a um modo de agir, com licitude,
coadunando práticas saudáveis, com observância legal, fundada na apropriada legislação que
delimita os encargos jurídicos, fiduciários e éticos no trato da atividade empresarial, elegendo-
se uma inseparável atitude de conduta ideal da vida em sociedade; ou postergar!
A ideia de conduta ideal não somente está no lastro do Direito, mas, também deve estar
na essência do comportamento, no caráter das pessoas para atender o pleno gerenciamento
empresarial, envolta no elemento da confiança, que se torna inseparável na composição das
obrigações, sem olvidar a pigmentação da ética. E por consequência, de igual maneira, com
relação a confiança.
O legado cultural das ideias morais e políticas, herdadas dos Gregos e dos Romanos
servem ainda hoje para sedimentar, consciente ou inconscientemente, por adesão ou rejeição
daqueles valores, para pelo menos merece alguma reflexão sobre os comportamentos
contemporaneamente.
A conduta ideal aparecem e se delineiam em comportamentos que dão algum sentido,
mesmo que seja para ou por um mero entendimento de caráter genérico, expressam significativo
realce de atuação no campo da ética, especialmente quando a estrutura da relação jurídica
implica discussão da hipótese de submissão dos gestores a uma pauta de deveres (obrigações),
ou premissas vinculadas ao fundamento da lealdade e ou obediência moral, que devem estar
presentes nas relações fiduciárias.
Utilizando o próprio termo latino, para evitar equívocos, fides que corresponde a fé ou
pietas que é entendida como piedade, tanto podem pertencer à área dos conceitos morais como
dos políticos. Fides, por exemplo, situa-se nos dois, e estende-se ao campo jurídico, ao passo
que dignitas, a que se atribuiria sentido moral, é um termo político527.
Principiando com esses valores, a “fé” implica numa atitude contrária à dúvida e está
intimamente ligada à confiança. Em algumas situações, como problemas emocionais ou físicos,
ter fé significa ter esperança de algo que vai mudar de forma positiva, para melhor.
De acordo com a etimologia, a palavra fé tem origem no grego “pistia” que indica a
noção de acreditar e no latim “fides”, que remete para uma atitude de fidelidade.
527 PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de história da cultura clássica. II Vol., Cultura Romana, 2a. ed.,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989.
343
No contexto religioso, a ‘fé’ é uma virtude daqueles que aceitam como verdade absoluta
os princípios difundidos por sua religião. Ter ‘fé em Deus’ é acreditar na sua existência e na
sua onisciência. A fé é também sinônimo de religião ou culto.
Na Bíblia há inúmeras referências ao comportamento do individuo que age com fé. Uma
das frases que tem afirmação é a de que: “A fé é o fundamento do que se espera e a convicção
das realidades que não se veem” - (Hebreus 11:1).
O termo “fé” aparece em expressões como: “Boa fé”: forma de agir honestamente, sem
quebrar um compromisso; enquanto “ma fé” é agir de forma intencional para prejudicar
terceiros.
A origem remota de fé na Lex Aquilia, de dano no direito romano, que tem relevo na
concepção medieval da culpa, que transcendeu à Era Moderna, e segundo os que se debruçam
sobre o tema, está envolvida na concepção de culpa, associada ao erro de conduta.
A boa fé emergiu do estudo histórico-crítico com perspectivas
escassas de tratamento sistemático central. Uma elaboração do tema, cientifica
no sentido cartesiano comum ainda utilizável, ficou comprometida. A
confirmá-lo, recorde-se o irrealismo metodológico e a mitificação da bona
fides, expressos na não aplicação – inaplicabilidade? – à boa fé, dos discursos
justeoréticos da primeira metade do século e no mundo de locuções,
grandiosas na linguagem e vazias no conteúdo que, na literatura, a
contemplam528.
Comte-Sponville busca dar solução a indagação sobre a boa-fé, ao dizer que:
Falta-me uma palavra aqui para designar, entre todas essas virtudes, a
que rege nossas relações com a verdade. Pensei primeiro em sinceridade,
depois em veracidade ou veridicidade (que seria melhor, mas que o uso não
abonou), antes de pensar, por um tempo, em autenticidade... Decidi-me
finalmente por boa-fé, sem desconhecer que essa opção pode exceder o uso
comum da palavra. Mas é boa-fé, por não ter encontrado palavra melhor.
O que é a boa-fé? É um fato, que é psicológico, e uma virtude, que é
moral. Como fato, é a conformidade dos atos e das palavras com a vida
interior, ou desta consigo mesma. Como virtude, é o amor ou o respeito à
verdade, e a única fé que vale. Virtude aletheiogal, porque tem a própria
vontade como objeto.
Não, claro, que a boa-fé valha como certeza, nem mesmo como
verdade (ela exclui a mentira, não o erro), mas que o homem de boa-fé tanto
diz o que acredita, mesmo que esteja enganado, como acredita no que diz. É
por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo, isto é, uma crença
ao mesmo tempo em que uma fidelidade. É crença fiel, e fidelidade no que se
crê. Pelo menos enquanto se crê que seja verdade. Vimos, a propósito da
fidelidade, que ela devia ser fiel antes de tudo ao verdadeiro: isso define muito
bem a boa-fé. Ser de boa-fé não é sempre dizer a verdade, pois podemos nos
enganar, mas é pelo menos dizer a verdade sobre o que cremos, e essa verdade,
528 CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Almedina, 2015, p. 1177.
344
ainda que a crença seja falsa, nem por isso seria menos verdadeira. É o que se
chama também de sinceridade (ou veracidade, ou franqueza), e o contrário da
mentira, da hipocrisia, da duplicidade, em suma, de todas as formas, privadas
ou públicas, da má-fé. Há mais, porém, na boa-fé do que na sinceridade – em
todo caso é uma distinção que proponho. Ser sincero é não mentir a outrem;
ser de boa-fé é não mentir nem ao outro nem a si. A solidão de Robinson, em
sua ilha, dispensava-o de ser sincero (pelo menos até a chegada de Sexta-feira)
e até tornava essa virtude sem objeto. Nem por isso a boa-fé deixava de ser
necessária, em todo caso louvável e devida. A quem? A si, e isso basta 529.
Da referida transcrição entende-se que “boa-fé” deve ser uma prática que todos devem
prestigiar! Consolida uma ideia de conduta ideal, constituída num dever de agir consoante
padrões de correção, honradez, lealdade e confiança, de cujo modo de agir deve haver a
reciprocidade.
Na fala popular, que poucos ou quando não muitos procuram exercitar a boa-fé, tanto
assim que, o Papa João Paulo II530, em Sollicitudo Rei Socialis, expressa que todos são
verdadeiramente responsáveis por todos, no intuito de não somente transmitir sentimento
cristão, mas, sobretudo assumir responsabilidade com esse intuito. Boa-fé é praticar um ato não
egoísta, assumindo um valor moral, com ausência de pecado, contrapondo-se à má-fé, pautando
um comportamento de correção e confiança mútuas, sobrepondo-se aos interesses egoísticos.
Podemos dizer, portanto, que a Encíclica Populorum Progressio é como que a
resposta ao apelo conciliar, contido logo no início da Constituição Gaudium et
Spes: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do
nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos do Cristo; e
nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco em seu coração».
Estas palavras exprimem o motivo fundamental que inspirou o grande
documento do Concílio, o qual parte da verificação do estado de miséria e
de subdesenvolvimento, em que vivem milhões e milhões de seres humanos.
A boa fé surge no campo civil, desde as fontes do Direito, sendo decisiva nos negócios
jurídicos, nos lastros dos institutos antigos e criações do pensamento jurídico cristão, de onde
percebe-se a interferência na posse, na aquisição de frutos, benfeitorias e casamento putativo,
e muitas outras regulações e níveis diversos, como a morte presumida, a condição, a simulação,
a ação pauliana, o enriquecimento sem causa, a acessão, e muitas outras outros. Matéria
529 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Martins Fontes, 1999. Tradução
Eduardo Brandão. 530 Carta EncíclicaSolicitado Rei Socialis, do Sumo Pontífice João Paulo II - Pelo Vigésimo Aniversário da
EncíclicaPopulorum Progressio. Roma, 30 de dezembro de 1987. w2.vatican.va/content/...paul-ii/pt/.../hf_jp-
ii_enc_30121987_sollicitudo-rei-socialis.h... http://w2.vatican.va/content/john-paul-
ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30121987_sollicitudo-rei-socialis.html
345
complexa, e por isso de uma difícil definição lapidar, por exprimir um modo de decidir próprio
de certa ordem sócio jurídico531.
Assim, desde o direito privado ao direito internacional, passando pela introdução do
conceito de bona fides, considerando os feitos do direito romano, pelas conotações religiosas,
que a exclamação que serve de conceito na base da vida de um povo que entendia, na época de
Cicero, que era pela fides e pela potestas que as províncias estavam unidas, servindo de cimento
do império romano, e característica distintiva do seu modo de ser no mundo.
As fontes históricas, filosóficas não somente sinalizam sobre a boa-fé, também
proporcionam muitas passagens que sobrevivem e levam a reflexão da vida de qualquer
cidadão. E nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo colhe-se que a boa-fé é como um estado de
espírito, que leva o sujeito a praticar um negócio em clima de aparente segurança, e assim apoia
a razão dos sistemas jurídicos se escudar no princípio da boa-fé, que supera até o princípio da
nulidade dos atos jurídicos, uma vez que, os atos nulos em certas circunstâncias podem
produzem algum efeito532.
Essas reflexões levam ao caminho da combinação, que intrica o poder no âmbito do
direito e negócios, como um elo bem estruturado, como fundamento das bases dos princípios
constitucionais da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, particularizando o critério
de coesão social em uma sociedade plural, implicando nos valores éticos do poder.
A boa-fé proporciona a defesa da dignidade da pessoa humana, da liberdade, dos deveres
de conduta nas relações entre pessoas, a proteção das posições jurídicas contra intromissões
danosas, inclusive da imposição estatal ameaçando os direitos fundamentais por intervenção e
excesso sob fundamento de supostos imperativos de tutela e vedação legal.
Também para alcançar uma postura de lealdade e responsabilidade para com a
coletividade, na defesa das posições pessoais ou patrimoniais, com os respectivos deveres de
proteção que devem ser salvaguardados, sob pena de assim não acontecer, gerar imputação de
danos ao conjunto social, desde quando, as normas legais assim estruturadas proporcionam
segurança jurídica, e a consequente paz social.
531 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da Boa fé no Direito Civil. Almedina. 2015, Coimbra,
p.p. 19-29. 532 Como no caso da validade do pagamento ao credor putativo ou dos efeitos em favor do cônjuge de boa-fé no
casamento putativo. Nessas situações não vigora o princípio segundo o qual o que é nulo não produz efeito – quod
nullum est nullum effectum producit.
346
Aqui não se atem a uma prospecção sobre a boa-fé percorrendo a essência de uma corrente
filosófica do direito. Sequer se pretende alargar conceitos ou sistemas jurídicos, apenas,
singelamente, examina-se a sustentação de dados limitados nesta pesquisa, não obstante a
riqueza da literatura especifica, já consagrada por renomados autores da antiguidade e pelos
doutrinadores contemporâneos, apontando as passagens na linguagem kantiana, de onde se
extrai que a boa-fé é um conceito de uma ideia ou de um valor, como enunciam, mas, no fundo
leva à compreensão como cânone hermenêutico-integrativo e como princípio.
A boa fé tem presença múltipla que não constitui um dado exclusivo, apresentando
disposição envolvendo princípios atendíveis dos mais amplos, podendo dar mostra em situações
mercantis ou não, como pode acontecer quando trata da anulação de uma assembleia geral de
associação, ou deliberações que merecem revisão, como nas passagens que a legislação
corporifica sob o incentivo da Ciência do Direito para resolver casos concretos. O contexto não
somente leva a compreensão de valor, também proporciona emergir uma inseparável noção de
um sistema, como uma ordenação lógica, buscando esclarecer e alicerçar fatos com situações
vivenciadas, extraindo-se modelos axiológicos, como algum fato ocorrido ou outro de ordem
prática como modelo ético ou jurídico.
Um fato acontecido no Brasil que vale relembrar, contido na obra “Liberata: a lei da
ambiguidade – ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX”, de
Keila Grinberg533, abordando um litigio submetido a Corte de Apelação do Rio de Janeiro,
historia do Brasil, por volta de 1813, cujo personagem principal é uma escrava que recorreu ao
Estado para reclamar direito à liberdade, decorrente de uma promessa não cumprida do seu
‘senhor’, o mesmo Estado que permitiu a escravidão.
Essa história faz espraiar o entendimento da fatuidade, além da obtenção da liberdade, a
oferta em condição de inteligibilidade de uma escrava, promessa enclausurando o bem maior:
a liberdade. Promessa essa que foi apreciada, admitida de ser cumprida, permeada de boa-fé
possessória de natureza psicológica diante da perspectiva de obter a liberdade por parte da
receptora, e a constatação da frustração. Esse fato ocorreu no século XIX, envolvendo uma
escrava que promoveu uma ação judicial que sacudiu a Corte de Apelação, passando a figurar
na história forense brasileira, sobre a relação entre um homem poderoso e uma jovem escrava,
tendo esta confiado na palavra desse homem, integrante de uma sociedade escravocrata.
533 GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade – ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro
no século XIX. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. www.centroedelstein.org.br.
347
O acontecido aborda a submissão e a busca para validar a “palavra dada”, elemento
confiança; a responsabilidade positiva assentado na palavra de quem a pronunciou, de quem
acreditou no seu cumprimento. O não cumprimento da promessa, exercita-se o direito, a
insubmissão, direito este conhecido na âmbito militar, quando um soldado insurge-se à uma
determinação superior - e não cumpre, que pode ser subsidiada por vários motivos, como
religioso, ideológico, etc., - por atos praticados, por Chefes militares, ditadores e
assemelhados534. A insubmissão significa, não somente combate a violência pela espera de um
ato anunciado, não cumprido, à espera da efetividade da promessa, da ‘palavra dada’, entendida
como “palavra de honra”, saliente e de modo significativo a esperança, a confiança de pessoas
ávidas para quebrar as barreiras desproporcionais, como para desvencilhar-se dos grilhões que
vão além das entranhas, como acontecido. Hodiernamente os juristas tratam a confiança como
parte fundante de todas as relações fiduciárias. Não obstante o episódio acima apontado ter
acontecido em pleno regime escravocrata brasileiro, a confiança deve ser considerada nas
situações vividas, crente na efetividade da palavra dada535, especialmente quando se trata de
fatos da vida, como a sobrevivência, preservação.
Aproveita-se do quanto acima exposto, para obter compreensão da referida história, que
trazer à baila, serve de ilustração, ou até como ou por mera comparação dos procedimentos que
chegam aos tribunais, inclusive em autos contemporâneos, para apreciar e julgar as relações
contratuais assentadas em promessas não honradas, construídas sob efetivos moldes da boa-fé.
Na atualidade a boa fé está visível nos discursos metodológicos oficiais, na dogmática
jurídica de onde se absorve ricas noções e implicações emotivas, psicológicas, de utilização
alargada, que se assenta nas falas acadêmicas e em discussões jurídicas, como as esposadas por
Menezes Cordeiro, no elemento da modificação, envolta numa mitificação536, como se observa
na linha de pensamento de Canaris, num panorama vivenciado por inúmeros estudos permitindo
sugerir investigações das mais amplas.
Nessa linha encontra-se o membro do Conselho de Administração, detentor de poder e
ator de decisão na condução dos interesses e negócios da sociedade de economia mista, traçando
534 Principio presente em Códigos Penais Modernos dos Estados Democráticos e de Direito, registrando como
beneficio do réu, como garante contra o abuso de autoridade, o absoluto autoritarismo, a violenta arbitrariedade
da autoridade maior, situações vistas quando praticados por Chefes de Estado e de Governo agindo ou tentando
agir como se fossem Monarcas, Imperadores, Reis Absolutos, ditadores. 535 SPINELLI, Luis Felipe. O conflito de interesses na administração da sociedade anônima. Malheiros, 2012, pp.
49-53. 536 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da Boa fé no Direito Civil. Almedina, 2015, Coimbra,
p.p. 41-42.
348
estratégias empresariais, convivendo em uma ambiente de constantes conflitos de interesses,
dos mais diversos, em momentos de hostilidades, mesmo considerados corriqueiros, ou não,
permeando deliberações para contemporizar nos agitados cenários que se apresentam na
pluralidade dos mercados.
Desde os tempos imemoriáveis que as comunidades exaltavam as qualidades dos
componentes de um conselho comunitário. Seus integrantes eram bem acolhidos pelos
indivíduos que compunham os respectivos grupos sociais, aceitando suas recomendações, e
assim atendendo, aplicavam as respectivas sugestões. Eram propósitos para atender o melhor
interesse da comunidade, exarando recomendações para obter um resultado favorável, e assim
quando bem sucedido era o sucesso, patenteando bem atender comunitário.
Em geral os grupos sociais apelavam para obter um pronunciamento de conselhos,
pretendendo alguma orientação a fim de traçar um caminho, quer seja para a paz social,
evitando beligerâncias, refreando os impulsos dos seus membros, impedindo que decisões
fossem tomadas sob emoção, propiciando ou obstando a deflagração de contendas entre os
indivíduos, ou a declaração de guerra. Entendia a comunidade que os participes desses grupos
de aconselhamento, pessoas sabias, cujas palavras e posturas serviam de modelo para todo o
grupo social, íntegros, atuando com lealdade, até mesmo quando se encontravam em luta no
campo de batalha, “o bom combate”537.
A concepção é que a orientação proclamada pelos conselhos, em geral, envidando
recomendações para o bom exercício do poder, de modo prudente, amoldando deveres de bem
servir e cumprir atividades perante os grupos sociais de modo respeitável e eficaz.
Sen faz alusão a George Stigler, quando este interpreta Smith, ao dizer que “embora os
princípios da prudência comum nem sempre orientem o comportamento de todos os indivíduos,
influenciam sempre o da maioria de qualquer classe ou ordem”, como que implicando que “o
interesse pessoal domina a maioria dos homens”538.
A receita da boa gestão no seio da sociedade de economia mista, para o bom desempenho
do integrante no Conselho de Administração está na reunião dos apropriados ingredientes da
logística empresarial, considerados essenciais para o objeto social da companhia, devidamente
537 Combater, o bom combate da fé, significa que estamos firmemente ancorados na Palavra no poder do Espírito,
considerando-nos mortos aos nossos sentimentos e ao nosso raciocínio humano, não deixando o pecado governar
em nosso corpo mortal obedecendo a suas concupiscências. Nós temos que fazer o que Jesus diz: Tomem nossa
cruz diariamente e negar a nós mesmos. (Lucas 9:23) Paulo também diz a mesma coisa: “Mas, se pelo Espírito
fizerdes morrer as obras do corpo, vivereis.” Romanos 8:13. 538 SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Almedina, novembro, 2012, p. p. 38-39.
349
ministrados com a legalidade, a lealdade, a confiança, a boa-fé, oferecendo a pertinente
transparência com os elementos axiais para compreensão da boa conduta, para alicerçar
quaisquer decisões, superando conflitos e atendendo a conjugação dos legítimos interesses
sociais.
A boa-fé não somente ampara, como também é um coadjuvante imprescindível para
embasar importantes decisões do órgão societário, que alumina a lealdade, ligando-se,
constituindo como um elo inafastável para a boa gestão.
Lealdade é uma conduto ideal, considerada em certos momentos a se igualar a uma
obrigação, assim entendida e vista para se comportar o membro do Conselho de Administração,
atento para bem agir no interesse da companhia.
O artigo 155 da lei das sociedades anônimas, dispõe que para servir com lealdade a
companhia, mantendo reserva sobre os negócios, consoante postura legal exige e espera do
membro do conselho de administração na sociedade de economia mista, não só com relação a
companhia, também como dever junto aos seus acionistas, e a coletividade que o circunda.
O bom gerenciamento empresarial é como um bem no seio da nação, sob pena de assim
não proceder gerar danosos reflexos nas relações obrigacionais, especialmente quando os atos
do administrador carecer de boa-fé, ou se debater com alguma deficiência moral, que não se
adeque a uma atitude de lealdade.
A conduta que se almeja do integrante do Conselho de Administração da sociedade de
economia mista é de abjurar atos que provoquem danos à companhia, ao acionista majoritário,
aos acionistas minoritários, ao povo em geral, porque dessa representatividade do acionista
maior e poderoso, está presente o poder de gestão vinculada a posição gerencial, confiada pelo
Estado que detém a posição acionaria dominante, conferindo o aludido múnus.
Fé significa “confiança”, “crença”, “credibilidade”, resplandecendo um sentimento de
total crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência que comprove a
veracidade da proposição em causa.
A relação de confiança pode ser praticada voluntariamente ou por força de lei. Os
particulares podem voluntariamente criar relações com base na confiança, que podem ser
unilaterais ou bilaterais, mas de qualquer modo a confiança inspira garantia de que alguma
coisa, o que se denominou ex voluntate, derivando uma prestação que deverá ser bem cumprida
ao atender os interesses daqueles que depositaram para a realização de determinado negócio.
350
Importante destacar que a confiança pode estar num vínculo de gestão em que alguém
está incumbido de gerir patrimônio próprio ou alheio, quando tem gerência e controle da sua
liberdade discricionária ou exerce sobre o interesse patrimonial alheio. A confiança passa a ser
um fundamento de ação em atividade ou crença a certas representações passadas, presentes ou
futuras, e de quem se espera efetividade em que se deposita esperança dos seus atos de maneira
ética, leal e honesta.
A boa fé tem sido estruturada doutrinariamente, e vem servindo de base para as
legislações com vocação para intervir, quando chamada, concretizando aspirações que passam
a ser codificações com a evolução da cultura contemporânea.
Pelo entendimento de Carneiro da Frada ao tratar da confiança539, salienta que estando
presentes as características e as relações do poder, bem como o elemento destas relações na
posição de poder conferido por uma das partes à outra, a reclamar o exercício desse poder de
acordo com os interesses próprios. Observa que na exposição particularmente intensa desses
interesses à interferência de outrem, sendo-lhe eles confiados para que este os promova ou
acautele. É o que pode acontecer (não apenas com o negócio fiduciário em sentido estrito) com
certos negócios que estão na base da atribuição de poderes representativos (máxime da
procuração), ou, em geral, com muitos daqueles através dos quais uma das partes se vincula a
desenvolver uma atividade no interesse do mandato, contratos de administração do patrimônio,
joint ventures).
No entanto essas relações contratuais não desprezam as costuras com as linhas da ética,
da moral, envoltos, em paralelo com o direito e a lei. A confiança não é um tema de fácil trato,
porque quando sob apreciação, as dificuldades que estão presentes transcendem os âmbitos
colocados, não proporcionando soluções imediatas para uma caracterização a fim ajustar a uma
definição legal com segurança jurídica absoluta.
Acredita-se que a confiança possa socorrer aqueles que estão envolvidos na diversidade
quando certas fronteiras não estão reguladas, sequer em reflexões dogmáticas. Tem-se um
constante esforço de garantir a confiança dos sujeitos, uma vez que ela constitui um pressuposto
fundamental de qualquer coexistência ou cooperação pacífica na busca e concretização da paz
jurídica. O desempenho dessa tarefa pelas regras jurídicas atuais permite convolar as relações
interpessoais a fim de que tenha eficácia as normas que sedimentam e institucionalizam
539 CARNEIRO DA FRADA, Manuel Antônio de Castro Portugal. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil.
Almedina. 1a. ed., 2004, p.p. 546-547.
351
juridicamente os mecanismos de interação e coordenação social. A confiança emerge das
relações multifacetadas, e até mesmo pode ser vista como paradoxal, valorando critérios para a
apreciação jurídica de situações em que interpretações das normas no que lhes dizem respeito,
não escapa da ética e do direito540.
Hoje vive-se em um cenário onde há um conjunto de leis que impõem normas de conduta
nos campos do direito, sempre atento na relação fiduciária marcada pelo poder de um sujeito
sobre os interesses patrimoniais de outrem, num ordenamento jurídico que objetiva dar suporte
as pessoas no cumprimento das promessas de acordo com a lei ou costumes, protegendo esses
direitos, mesmo quando não contratadas, uma vez que, em tempo de grandes incertezas, há
necessidade de ter um leque de opções para proporcionar justiça, especialmente quando a
balança está desajustada, necessita-se de segurança legal.
A ordem jurídica não pode se eximir de proteger a confiança, sob pena de não
corresponder às exigências mais profundas, especialmente quando se depara com frustrações
de expectativas, que podem desencadear pretensões indenizatórias, envolvendo
responsabilidade civil.
A experiência jurídica contemporânea é extremamente rica em apresentar manifestações
que podem desencadear múltiplas questões. A utilização de princípios gerais, como o da
proteção das expectativas, o compromisso de “informar”, é um “direito vivo”, moldado à luz
das exigências da racionalidade jurídica.
A reflexão sobre o direito vigente não cura a indagação habitual se resulta de estruturas,
como sustenta Frada, citando Canaris, quando da elaboração da dogmática da confiança, na
busca do alargamento da discussão jurídica no direito, possibilita a substituição da norma legal
pela subjetividade.
Vive-se sob um suposto modelo de governação local e global, ressentindo-se de uma
construção com princípios de regulação que predominem nas sociedades empresariais em um
contexto dito democrático. Portanto, necessário pensar algo para que o homem diga ao homem,
pensando sobre ele mesmo, exigindo da sociedade em que vive, e esta levar o jurista a um trato,
e não somente reflexões em que se deve estribar com elucubrações sobre a boa-fé, mas,
sobretudo, com sinceridade e retidão, não admitir a mentira, a hipocrisia, a má-fé. A boa-fé é
540 CARNEIRO DA FRADA, Manuel Antônio de Castro Portugal. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil.
Almedina. 1a. ed., 2004, p.p.17/19; 32-33; 78-80.
352
uma virtude moral, e como tal, pode-se afirmar que se relaciona com o amor, ou o respeito à
verdade.
Da mesma forma deve haver cautela diante de certas situações de raciocínios que podem
conter malicias de interpretação, subjugadas aos vícios de forma, ou de outros vícios que o
negócio jurídico pode se vincular. As hipóteses de errar na interpretação de uma tese jurídica,
e enceta-la em algum negócio jurídico pode gerar não somente expectativas, mas, também gerar
graves sequelas as partes, prejudicando o verdadeiro direito aplicável, e edificar obstáculos na
obtenção de uma justa decisão. Teme-se que ao fazer prevalecer um entendimento sedimentado
em sentimentos desprovidos de uma base legal legitima, relegue-se o bom compreender da lei
constitucional e macular este estribo jurídico, além de não conferir a aquele que confiou no
Poder Judiciário o fiel cumprimento da lei advinda do sistema escolhido pelos cidadãos aptos
para tanto.
A não realização voluntária de uma prestação em si não imposta juridicamente diante de
recusa de cumprimento, na linha de pensamento de Menezes Cordeiro, e na dicção de Frada,
chega-se a cometer abuso de direito, ao utilizar um instrumento de proteção da confiança, que
na realidade irá perturbar os fieis efeitos da conduta e da vontade humana.
Para o filósofo francês André Comte-Sponville541:
A boa-fé é uma sinceridade ao mesmo tempo transitiva e reflexiva. Ela rege,
ou deveria reger, nossas relações tanto com outrem como conosco mesmos.
Ela quer, entre os homens como dentro de cada um deles, o máximo de
verdade possível, de autenticidade possível, e o mínimo, em consequência, de
artifícios ou dissimulações. Não há sinceridade absoluta, mas tampouco há
amor ou justiça absolutos: isso não nos impede de tender a elas, de nos
esforçar para alcançá-las, de às vezes nos aproximarmos delas um pouco… A
boa-fé é esse esforço, e esse esforço já é uma virtude.
No dizer de La Rochefoucauld:
A sinceridade é uma abertura de coração que nos mostra tais como somos; é um amor à verdade, uma repugnância a se disfarçar, um desejo de reparar seus
defeitos e até de diminuí-los, pelo mérito de confessá-los.
Partindo do fato de que a caridade intramundana do cristianismo está ligada ao amor a
Deus, contudo, não só os pensadores, mas, as pessoas em geral podem seguir outras linhas
filosóficas, mesmo sem deter sofisticados conhecimentos, com maior ou menor densidade de
alguma doutrina jurídica.
541 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Martins Fontes, 1999. Tradução Eduardo
Brandão.
353
E Martins-Costa542 no estudo sobre a boa-fé, interligado o bom comportamento ao
princípio da autonomia da vontade, observa uma agregação aos deveres contratuais, os
chamados deveres principais de prestação, correspondentes a tipos contratuais e outros deveres
nomeados como instrumentais ou funcionais que estão presentes no cotidiano das pessoas.
A boa-fé subjetiva dá uma ideia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável,
acerca da existência de uma situação regular, crença que repousa, seja no próprio estado da
ignorância, seja numa errônea aparência de certo ato. Pode denotar, ainda, secundariamente, a
ideia de vinculação ao pactuado, no campo, especifico do direito contratual, nada mais aí
significando do que um reforço ao principio da obrigatoriedade do pactuado, de modo a se
poder afirmar, em síntese, que a boa-fé subjetiva tem o sentido de uma condição psicológica
que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito, ou na ignorância de se
estar lesando direito alheio, ou na adstrição “egoística” à literalidade do pactuado543.
O direito comparado indica uma faceta da boa-fé objetiva, a qual preenche, em matéria
contratual, o papel de norma ordenatória da atenção ao fim econômico-social do negócio,
matéria na qual se visualiza a concepção da relação obrigacional como um processo polarizado
por usar finalidade. Indicando o exemplo do direito italiano, acerca de litígio decorrente de
contrato de agência, foi ementada nos seguintes termos:
Na execução do contrato, o agente – cuja obrigação fundamental consiste no
desenvolvimento, na zona concedida, de atividade direcionada a promover,
por conta do proponente, a conclusão de contratos – deve comportar-se
segundo a boa-fé e com a diligência requerida pela natureza da atividade
exercitada.
Daí se segue que ele não pode limitar ao seu bel-prazer as prestações pelo
exclusivo fato de que o salário é proporcional negócios feitos, mas deve
desenvolver uma atividade quantitativamente e qualitativamente normal e
conformar o próprio comportamento aos sobreditos pré-requisitos, cuja
inobservância bem pode ser invocada pelo proponente como causa de
resolução do contrato e de ressarcimento dos danos, sobretudo quando esteja
especificamente previsto um determinado nível de produção, o qual assinala
a medida do interesse do preponente na conservação do vínculo contratual, e
esteja estabelecida a cláusula resolutiva expressa relativamente à ausente
obtenção daquele resultado.
Na execução de um contrato as partes devem agir com diligência de acordo com a sua
natureza, segundo a boa-fé, como dever fundamental do agente para promover as atividades no
542 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. Revista dos Tribunais. 1999. 543 Segundo Martins-Costa, ao conceito de boa-fé objetiva, estão subjacentes as ideias e ideias que animaram a
boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e,
principalmente, na consideração para com os interesses do “alter”, visto como um membro do conjunto social que
é juridicamente tutelado.
354
interesse proponente e para a conservação do vínculo contratual. Se o agente assim não agir
para promover a conclusão de negócios, fere o escopo do contrato, consequentemente fere a
finalidade contratual, ficando violados os deveres de diligência e boa-fé, caracterizando o
inadimplemento contratual.
Importa atentar que esse entendimento, tem a perspectiva e a potencialidade da boa-fé
para atuar não como um vago cânone de ética, um standard de cunho moral impreciso e incerto,
mas como verdadeiro elemento de identificação da função econômico-social efetivamente
perseguida de tudo consta no contrato. Dentro de uma concepção de negócio baseada na
performatividade, como ato de direito privado que tem efeitos jurídicos conformes ao seu
significado, criando, modificando substancialmente ou extinguindo por meio imprevisto, desde
quando os atos devem estar dotados de performatividade, reflexibilidade e autossuficiência
estrutural, como quando alguém faz uma promessa, desde quando a linguagem não é meramente
simbólica, uma vez que ela corporiza as próprias ideias, viabilizando-as, condicionando-as ou
detendo-as na fonte, que se pode apontar no próprio espirito humano.
Pertinente trazer à tona o convencimento, que pode levar a entendimento de que no seio
da boa-fé objetiva, não se examina a intenção das partes, mas uma situação do sinalagma, de
modo que exista equilíbrio na relação entre a prestação e a contraprestação no que concerne a
concreta finalidade do contrato, considerado como um processo, que pode se transformar ao
longo do tempo, devendo guardar as eventuais vicissitudes agasalhadas no pacto face o
denominado sinalagma funcional. Entendem que a questão da manutenção do sinalagma
funcional, acentua-se no nexo com o escopo contratual – ou economia contratual -, também
entendido como a função econômica geral à qual o contrato está concretamente predisposto,
independentemente de sua especificação categorial ou tipológica. Daí poder levar para o campo
do dever de lealdade do membro do Conselho de Administração, os aspectos funcionais da
sociedade de economia mista, especialmente no trato das coisas sob a sua orientação.
A relação de proteção assegura, dada a influência do modelo da responsabilidade
contratual, uma defesa vigorosa de bens e direitos já tutelados. Apropriado trazer os estudos de
Carneiro sobre as possibilidades de legitimação filosófica na sustentação da boa-fé544, assentada
numa avaliação crítica que apontam alternativas, que entende como substanciais, para um
modelo que denomina de hermenêutico heterorreflexiva.
544 CARNEIRO, Walber Araujo. Boa-fé intersubjetiva: das impossibilidades do espírito objetivo à ressignificação
heterorreflexiva.
355
Numa visão da boa-fé objetiva, assenta-se a racionalidade, que traz compreensão, que o
jurista denomina de clarividente, que pode ser aflorado no seio do direito societário, o mesmo
conjunto de valores, que pode variar nos assuntos e questionamentos, ou na condução das
diretrizes da sociedade empresária, validando a boa-fé e o dever de lealdade do conselheiro, em
especial, quando gera obrigações, laços, mesmo quando não subscritas entre o acionista
controlador e outros interessados. As obras de Martins-Costa e Carneiro proporcionam
contemplação, liames com as práticas dos gestores.
A boa-fé está sintonizada com vida legal, tanto assim que os artigos 113, 187, 422 do
Código Civil mostram que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e
com os usos do lugar de sua celebração. Observa-se que comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. E os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
O que não se exige em um determinado estado volitivo ou intelectivo daqueles que
praticam atos da vida civil, mas algo diferente, independentemente da crença, escusável ou não,
de que estariam agindo em conformidade com o direito. E, nesse sentido a boa-fé subjetiva seria
fato psíquico, de difícil aferição, relacionando-se à crença, ou ignorância escusável, de que não
se esta agindo em desconformidade com o direito. “Em contraposição, a boa-fé objetiva exigira
que determinados atos sejam praticados mediante um determinado padrão de conduta. Esse
caráter não subjetivo e deontológico é que permite a sua caracterização como “objetiva”545.
Seria possível dizer que a boa-fé objetiva exige que o sujeito aja de modo leal e confiável, o
que, todavia, não eliminaria a dúvida ou ate mesma alguma indagação sobre o que viria a ser
uma condução leal e confiável, especialmente quando o protagonista maior não é ou não está
visível.
Neste ponto sugere-se e surgem muitas reflexões, que podem eleger graus de importância
para a análise de cada comportamento. No caso do membro de um órgão, conselho de
administração da sociedade de economia mista, considera, louva-se nas convicções dos juristas,
que enfocam a exigência da boa conduta na boa-fé objetiva, que muitas vezes não foram e não
estão previstas pelo sistema jurídico, mas poderão advir e ser amparadas em razão da
545 Segundo o jurista, esse giro é normalmente atribuído à doutrina alemã (via interpretação objetiva da Treu und
Glauben), segundo a qual se passa a exigir que a ação, independentemente da crença ou vontade, siga os parâmetros
esperados para um homem leal. Neste sentido, a “boa-fé objetiva estabelece um dever de agir de acordo com
padrões socialmente recomendados”, não sendo coincidência o fato de que ela surgira no Código Civil
acompanhada da exigência de respeito aos “usos do lugar da sua celebração” e dos “bons costumes”.
356
elasticidade que se pretende conduzir subjetiva ou objetivamente, estaria ínsita, visível e
assentada em clausulas gerais de algum sistema aberto.
Essa elasticidade seria considerada imperiosa para amparar não só uma pessoa, um
individuo, mas toda uma comunidade, e assim acontecendo, as atitudes propiciam benefícios
em favor da coletividade. Por isso haver entendimento, pertinência, sintonia com a colocação
de Fraz Wieacker quanto as clausulas gerais como uma solução de conciliação546.
A norma, portanto, expande-se nas situações e perante os fatos. Extrai ou se lança como
proteção contra postura vil, enganadora dos que manipulam a recepção da vontade alheia. Daí
porque pode-se deparar, encontrar manifestações enganadoras, que podem estar sob vestes
ilusionistas, aparentando proporcionar benefícios empresariais aos seus associados, quando na
verdade não passam de manipulações, visando a obtenção de algo indevido, de algum beneficio
impróprio, e que além de danoso ao individuo ou a comunidade, eiva a aplicação das normas
legais.
Entende-se apropriado alertar para situações manipuladas, fictícias, aparentemente reais,
sob algum manto de boa composição que pode enganar e levar a crença e a um entendimento
confiável, e boa-fé, em planos subjetivo ou objetivo, impelindo o julgador aprofundar através
de investigações obter resultados, que muitas vezes os modelos tradicionais não prevejam e ou
proporcionem para identificar a conduta maliciosa, e consequente engodo.
Válida a observação de Larenz, ao dizer que:
Também é insustentável, segundo a concepção subjacente a este livro, a estrita
separação do Direito e da ética, que era característica do positivismo. ‘Deve
ser’ e ‘ser permitido’, pretensão e vinculatividade, responsabilidade e
imputação são em última instancia categorias éticas, mesmo quando cobram
uma significação específica em contextos jurídicos547.
Um dos pontos nodais da questão que a “objetividade” da boa-fé objetiva possui é levar
a várias dimensões.
[...] Uma negativa, na medida em que ela é objetiva pelo fato de não ser
subjetiva, isto é, por não dizer respeito a aspectos volitivos e/ou intelectivos.
Uma segunda, deontológica, na medida em que ela deve ser respeitada em
face de seu caráter jurídico-normativo, não sendo um mero fato da consciência
que, ausente em determinadas circunstâncias, poderia ensejar determinadas
consequências jurídicas. E uma terceira – a que, de fato, nos interessa – que
poderíamos chamar de ético-substancial, que pressupõe a existência de
546 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3.ed., Trad. portuguesa por Antônio Manuel Botelho
Hespanha. Lisboa: Calouste Gubenkian, 2004, p.p. 545-547. 547 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed., Trad. José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
1968, p. 208.
357
padrões de conduta socialmente recomendáveis, sem que essa recomendação
já seja fruto de normas presentes no próprio sistema. Neste aspecto, a boa-fé
objetiva e seus “bons costumes” representa – ou pelo menos sugere – a
abertura do direito a uma moral convencional antitética à Filosofia
contemporânea e aos estudos sociológicos que justificam, evolutivo-
funcionalmente, as características do direito de nossa época. Todavia, antes
de adentrar na critica e nas (im)possibilidades da ressignificação filosófico-
social da boa-fé não subjetiva, digamos assim, precisamos avançar sobre a sua
significação filosófica548.
Pode-se compreender a existência de uma mescla de comportamentos que variam a cada
situação, e a considerar que a política e negócios tem suas próprias dinâmicas, quando utilizadas
sob solo filosófico pode encontrar resguardo na boa-fé ou não.
Examinando-se através de um amplo sentido, envolvendo a realidade da vida pública que
proporciona entender a eticidade como feixes da vida em várias situações, que se propagam em
diversos setores da vida, inclusive no âmbito do Estado que acopla dimensões subjetiva e
objetiva, sob várias perspectivas, que influem a comunidade para auferir resultados que ao final
esta será a mais prejudicada.
Confere-se, que, eventualmente, quando há alguma falha na formalização do direito, pode
resultar em dano, e assim ocorra o prejuízo deve haver a compensação ao direito maculado,
para atender o ethos de uma comunidade. A sociedade ao assim perscrutar, se alvejada por
algum maleficio, deve exigir dos causadores desses danos as devidas compensações, mesmo
que estas compensações sejam variadas, materiais ou não.
Vale destacar que o culturalismo jurídico desenvolvido por Reale, considerada a
convergência com a última fase de sua fenomenologia, permitindo avançar na justificação
filosófica da objetividade por ele perseguida.
Nesse caminhar de observar fatos, valores e normas, e a boa-fé como condição matriz do
comportamento humano, por ser uma exigência de uma ‘hermenêutica jurídica estrutural’,
conclama-se, distinguindo-se da totalidade das normas pertinentes a determinada matéria, e por
isso, é possível pensar em uma forma de boa-fé que, diferentemente da subjetiva, devendo
apresentar-se como uma exigência de lealdade, como modelo objetivo de conduta, arquétipo
social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo,
obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal, a fim de estar num contexto que deve
ser reverenciado e respeitado pela coletividade.
548 CARNEIRO, Walber Araujo. Boa Fé Intersubjetiva: das impossibilidades do espírito objetivo à ressignificação
heterorreflexiva. 2016. Salvador – Bahia.
358
Dessa visão, quando no trato dos contratos, chega-se com naturalidade a formação destes
pela especial figura da confiança daqueles que estão no seio das negociações, entra na esfera
de influencia de outrem e nos deveres de comportamento sob os ditames da boa-fé, essência
adstrita ao comportamento diligente, correto e leal de uma parte para com a outra, sob pena de
suportar culpa e danos causados face alguma violação.
A boa-fé está ínsita no direito das obrigações, e deve ser um considerado como um
fundamento adequado para atender os casos de responsabilidade pré-negocial e nas hipóteses
de não-justificada, como os princípios que se constituem em normas imediatamente finalísticas
e mediante conduta.
Da mesma forma para avaliar e obter qualquer justificativa de decisão e ou de
interpretação, mensura-se os efeitos da conduta havida como meio necessário à promoção de
um estado de coisas posto pela norma como ideal a ser atingido, e também, pode,
consequentemente ser exercitada pelo autor da conduta quando se assim efetivada.
Por ser o princípio da boa-fé um anseio e uma busca de certeza e segurança jurídica,
espera-se obter com este princípio a garantia de lealdade que se relaciona, incorporando o valor
e a confiança ética. É no exercício leal, honroso e equânime, entrelaçado com o princípio da
boa-fé que se obtém a consagração das condições fundamentais da vida.
A ética está inserida na justiça, mesmo com suas peculiaridades, não há como fazer
distinção no que concerne a probidade, sinceridade e transparência entre os partícipes, em
qualquer diálogo, haja vista ter-se em mira sempre um resultado frutífero ou não, pactuado ou
não, mas deve prevalecer uma conversação sem distorções, prevaricações ou tergiversações.
Alega-se que em determinadas circunstancias não se pode esquecer da hipótese de
reconhecer a culpa in contrahendo, quando aparecem multiplicidade de desempenhos, avivando
aspectos da proteção das pessoas e patrimônio das partes envolvidas contra ingerências danosas,
mutuas, até finalidades mais pacíficas do instituto, como a de possibilitar uma adequada
circulação de informação entre os sujeitos com vista a uma contratação mais consciente ou
segura549, que, numa trilha da boa-fé, aparece como um inequívoco vinculo de lealdade.
Menezes Cordeiro ao citar Wilhelm Weber, que ao legislador não é possível prever todas
as hipóteses da vida. Aponta a incapacidade da doutrina para enquadrar a boa fé, usada como
549 FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil. 1a.
ed., fevereiro 2004, Almedina, reimpressão janeiro, 2016, p. 113.
359
meio de superar o óbice legislativo apontado, e dessas hipóteses depara-se com o
desenvolvimento do agir com dignidade550, sendo uma dessas hipóteses a lealdade.
5.15 Lealdade
A lealdade, à semelhança da boa-fé, emerge com nitidez dos sentimentos que se
agrupam, podendo envolver, provocar culpa, atingir a dignidade, suscitar responsabilidade,
dentre muitas outras sensações. Outras vezes, podem misturar, aferir condutas própria ou
alheias, ou simplesmente sentir amor ou decepções. Abelardo551 anota que:
Nenhuma pessoa sensata proibiria que se aprofundasse e discutisse a nossa fé
com argumentações racionais, nem razoavelmente se satisfará com aquilo que
é incerto, mas sim motivada pela razão. Quando se quer assegurar de alguma
coisa da qual duvida, a razão torna-se razão argumentativa, e a verdade
investigada é sempre mais firme do que a autoridade ostentada. Isso vale
qualquer que seja o argumento em questão, dado que de todo o ensino, tanto
escrito como oral, nascem controvérsias. Na defesa da fé não importa o que
está na verdade das coisas, mas a opinião à qual se pode dar lugar. A maior
parte das questões surge das palavras da mesma autoridade, que têm de ser
examinadas antes dos conteúdos aos quais se referem. Embora essa
investigação racional não tenha como resultado o verdadeiro, mas apenas o
verossímil, não deixará dúvida alguma e, portanto, nenhuma pergunta. Na
verdade, contigo [o filósofo] eu não deverei referir-me tanto à autoridade
como à razão, porque tu te baseias nesta e reconheces menos a autoridade da
Escritura. Ninguém pode ser refutado sem ser sobre aquilo que já admitiu,
nem pode ser convencido sem ser sobre a base dos argumentos que ele mesmo
aceita. Esta é, pois, a maneira de discutir contigo, distinta daquela outra com
a qual nós, os cristãos, nos confrontamos.
Assim ao apreciar o cristão com relação a ‘fé’, pode-se procurar a lealdade sem
mistificação ou adotar emblemas religiosos. Lealdade e diligência não se confundem. Lealdade
segundo a terminologia alemã, teria significado de boa-fé (Treu und Glauben). Diligência é a
perícia ou habilidade técnica com relação ao resultado que constitui a causa do negócio552.
Contudo, há uma consagração irrefutável da boa fé na vida jurídica, conferindo certa
autonomia, impossibilitando as veleidades de reconduzir a boa fé ao ius positum, remetendo-as
para a História, na interpretação negocial e na realização da prestação devida. E quanto falta à
lealdade, por parte de alguém, especialmente de quem tanto preza ou espera, opera-se
frustração, traumatiza os indivíduos.
550 CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Almedina, agosto, 2015. Coimbra. P. 1122. 551 ABELARDO, Pedro. Diálogo entre um Filósofo, um Judeu e um Cristão. 552 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial. Forense, 1978, p. 538.
360
A lealdade é um requisito essencial para consolidar uma relação, carreando benefícios
mútuos, entre as partes, sejam contratantes ou não. Pode ser o ponto nodal, um ponto forte para
dar sustentação e solidificar as relações humanas, bem como no campo das relações mercantis,
fortificando a competitividade entre as pessoas que ensejam a atividade empresarial,
proporcionando respeito e dignidade. O que se exige não é uma obediência cega a uma postura
impecável. Antes pelo contrário. A lealdade implica verdade, sinceridade, por isso exige-se que
as partes envolvidas estejam comprometidas com o elo e os objetivos postos, inclusive no curso
de uma contratação.
A importância do exame da lealdade, tem um interesse filosófico, desde quando é através
da filosofia que se busca dissecar a figura da lealdade na ética. O porquê desse caminho revolve
a moral, disseca as sinceras relações pessoais, e extrai-se sentimentos, como a amizade que está
alicerçada na bondade.
Cicero553 pontuou: “Qual seja a força da amizade não podendo encontrar-se senão entre
os bons. Os que merecem este título”. Ao concretizar a sua obra, em uma fala que confere ao
personagem Lélio, diz:
[...] Mas em primeiro lugar sou de parecer que não pode haver amizade senão
entre homens de bem, e isto não vamos desfiar muito, como costumam fazer
os que discorrem sobre subtilezas. Que isso será a verdade, mas não é o que
se encontra regularmente na vida humana. Dizem que não ha homem de bem
senão o sábio. [...]
Dessa assertiva nasce uma inflexão, pois, a cada dia, mais incisiva na sociedade de
negócios que a conversação decente, e decentes sejam as pessoas que estão dialogando sobre
decente negócio.
Quando os probos estão a se resguardar dos desconhecidos, sopesando quão honestos,
decentes são os seus interlocutores, procuram assegurar quão decente aquele com quem está
dialogando, para poder prosseguir e prosperar a conversação e alcançar o fim esperado, com
mutua satisfação. Da mesma forma acontece nas relações pessoais mais simples. Amiúde estão
presentes sentimentos de simpatia, que evoluem, se transformam sob esteios mais fortes,
criando laços de respeito e amizade.
Nas relações entre homens de bem, até mesmo em situações em que homens de bem
estejam em posições opostas, adversários em facetas do cotidiano, observa-se que mesmo sem
a existência de amizade entre os mesmos, a lealdade deve estar presente por se tratar de uma
553 CICERO. Diálogos sobre a Amizade. Capitulo V. www.psb40.org.br/bib/b7.pdf - 25 de julho de 2016.
361
relação entre homens decentes é o que deve imperar. Não obstante muitos combatem a amizade
e a bondade para ignorar a lealdade
Vamos nós mais ao corriqueiro (como se costuma dizer) e acreditemos que os
que vivem e se portam de maneira que experimentam a sua fidelidade, sua
integridade, sua bondade e liberalidade, que neles não se descobrem desejos,
nem leviandades, nem atrevimentos, e que são como os que acabo de nomear
de grande constância, como foram reputados por bons, assim se lhes deve
chamar; porque seguem (quanto é possível em homens) à natureza, que é a
melhor mestra da vida. A mim me parece que todos nascemos com certo
vínculo de sociedade, que a todos une, embora esta seja mais estreita na
proporção da conexão de uns com outros. E assim, são melhores para amigos
os cidadãos que os estrangeiros, os parentes que os estranhos; porque entre
estes a amizade foi engendrada pela própria natureza, embora não seja de
grande constância, pois nisto excede ao parentesco à amizade que nele dura,
e permanece ainda sem amor, e a amizade, não; porque faltando o amor, se
desfaz. Mas quão grande é a força da amizade, pode-se coligir de que uma
infinita sociedade que compõe a natureza, compõe-na a amizade, e a contrai
de sorte que une todo o amor em dois ou poucos mais indivíduos554.
E Aristóteles555 trata das atividades humanas, cada uma em sua especificidade, algumas
merecendo a denominação de ciência no todo rigor da expressão, como no caso da Filosofia.
Outras, que tematizam a ação naquilo que tem de livre e contingente, não compartilham o
mesmo estatuto teórico das ciências rigorosas, mas adaptam seu método as flutuações do objeto:
é o caso da Ética.
Aristóteles investiga o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta, levando em
conta a situação concreta do Homem, um ser que esta acima do animal, mas que não pode ser
definido apenas pela pura razão. Neste meio-termo se coloca, o que se deve entender
especificamente por virtude. Neste exercício procura-se, e encontra-se ideias, que ajudaram a
construir a civilização, e dão contribuições para o conhecimento do homem e do universo.
Também se ajusta à essa concepção a dos que identificam a felicidade com a virtude em geral,
ou com alguma virtude particular, pois que à virtude pertence a atividade virtuosa. Mas ha,
talvez, uma diferença não pequena, em se colocar o sumo bem na posse ou no uso, no estado
de animo ou no ato. Porque pode existir o estado de ânimo sem produzir nenhum bom resultado,
como no homem que dorme ou que permanece inativo. Mas, a atividade virtuosa não deve
necessariamente agir, e agir bem.
Visto que a virtude se relaciona com paixões e ações, e estas são atitudes voluntarias que
se dispensa louvor e censura. Enquanto as ações involuntárias, segundo o filósofo, merecem
554 ‘Dialogos sobre a Amizade’, Cicero. 555 ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W.
D. Ross.
362
perdão, e as vezes piedade, e, talvez, necessário a quem estuda a natureza da virtude distinguir
o voluntario do involuntário, porque tal distinção tera utilidade para aquele que legisla no que
tange à distribuição de honras e castigos.
Quando se avalia certas ações como são praticadas, os seus exercitadores são até louvados
algumas vezes, quando suportam alguma coisa vil ou dolorosa em troca de grandes e nobres
objetivos alcançados, caso contrario são censurados, porque quando expõem-se a situações
entendidas como maiores indignidades, sem qualquer finalidade nobre, ou por algum objetivo
insignificante, seria próprio de um homem inferior.
Difícil determinar o que se deveria escolher e a que custo, e o que deveria ser suportado
em troca de que vantagem. Também difícil permanecer firme nas resoluções tomadas, quando
o que se espera será algo doloroso, porque o que se impõe a fazer seria vil. Assim avalia-se
cada objeto será louvável ou ser, ou será censurado, no foram ou que não foram compelidos a
agir.
Se alguém afirmasse que as coisas nobres e agradáveis têm um poder compulsório porque
constrange de fora, todos os atos seriam compulsórios e forçados, pois tudo que se faz tem
motivação. E os que agem forçados e contra a sua vontade, agem com dor, mas os que praticam
atos por sua satisfação própria ou pelo que aqueles tem de nobre fazem-no com prazer. Por essa
razão os antigos entendiam ser um absurdo responsabilizar as circunstâncias exteriores e não a
si mesmo, julgando-se facilmente arrastado por tais atrativos, e declarar-se responsável pelos
atos nobres enquanto se lança a culpa dos atos vis sobre os objetos agradáveis. O compulsório
parece, pois, ser aquilo cujo princípio motor se encontra do lado de fora, para nada contribuindo
quem é forçado.
Ao avaliar a ignorância, pode relacionar por quaisquer coisas, qualquer circunstância de
algum ato. Se o homem ignora qualquer situação que leva agir involuntariamente, sobretudo se
ignorava os pontos mais importantes, que, na opinião geral, são as circunstancias e a finalidade
do ato, pode ser levado a pratica de um ato considerado involuntário, em virtude da ignorância,
mas, por consequência causará dor e trazer arrependimento.
Dentre essas atitudes humanas, tem-se a lealdade, que é uma atitude que implica
constância, é um valor que vai muito para além do servilismo e da idolatria. A lealdade implica
sinceridade nas relações humanas. Ser leal é ser sincero, é ser franco e honesto. Aquele que é
leal, é porque não falta as promessas que faz. No fundo, ser leal implica ser fiel.
363
Os conceitos vistos tocam-se e desaguam na vastidão dos questionamentos quanto a vida
das pessoas de modo singular. As relações das pessoas, dos povos numa amplitude maior, em
muitas circunstancias deparam-se com panoramas que exigem cumprimentos de lealdade e
fidelidade, que são atos civilizados, reverencias passam pela cultura, pela geografia politica,
pelas finanças, pelas relações laborais, pela relações contratuais, e jurídicas, chegando à
definição da carreira profissional e pela manutenção do emprego, e em muitas outras condutas
da vida humana.
Essa discussão, sempre que levados a um questionamento, até mesmo no campo
sociológico, e ou popular, as opiniões se dividem, para alguns chega-se a seguinte conclusão:
O mais importante não é ser fiel, mas ser leal. Uma pessoa pode ser fiel e não ser leal e vice-
versa.
Vivendo em uma época de competição desenfreada, de transformações das mais variadas,
vê-se essas atividades em batalhas sem tréguas; numa luta onde vale tudo e o que conta é o
“salve-se quem puder”. Desse cenário e dessas circunstâncias salta a indagação: Onde fica a
lealdade? E a pergunta que muitos fazem, e sem segura resposta.
A lealdade é, e continua a ser um requisito essencial para consolidar uma relação de
benefícios mútuos entre contratantes. Este é um ponto forte para harmonizar as relações
humanas, e quando envolvidas por interesses materiais, como a competitividade entre
empresas, o que se deve exigir não é uma obediência cega a um solerte principio de dominação
de mercado, mas, antes pelo contrário, implica que as atitudes, procedimentos sejam encetados
entre os atores dessa competição, que muitas vezes são irreversíveis, face a responsabilidade
perante os interlocutores.
Essas posturas fiéis e leais não somente estão no cerne dos detentores dos negócios, mas
também devem visar a virtude e as repercussões socioeconômicas. Ao primar, ao adotar a
lealdade, como esteio, o que implica na verdade ter um substrato que necessariamente se
vincula a sinceridade, que se exige das partes envolvidas, contratantes, como nos
compromissos, nos objetivos que afetam os relacionamentos em geral, e não somente para com
uma relação contratual, visando o bem maior, e em favor da coletividade.
Isto significa que as partes envolvidas desenvolvem um processo com recíproca virtude,
numa missão de proporcionar o melhor de si, cumprindo objetivos a que se propõem com
responsabilidade, almejando bons resultados negociais, com a fala da verdade e sem medo de
assumir posições sinceras por receio de perder algum proveito.
364
Não se pode desconhecer que os empresários estabelecem parcerias em variados projetos,
alguns visam o bem comum, outros através de contratos com benefícios mútuos, que devem
respeitar e valorizar o desenvolvimento de políticas baseadas no mérito, com participação e
recompensas sem eivas nos resultados empreendidos. Nesses compromissos devem estar
presentes a fidelidade, a lealdade, mesmo nos momentos que venham exigir decisões mais
difíceis na atividade desenvolvida no campo das relações mercantis, na definição da carreira
profissional, na preocupação na manutenção do emprego, adotando a lealdade como “pedra de
toque”.
As relações mercantis devem espelhar fidelidade, mesmo considerando que as boas
posturas não são virtudes fáceis, por isso não se espera que sejam decorrentes de simples
emoções ou de sentimentos nobres, mas devem ser lapidadas como algo precioso e singular,
mas não podem cair no esquecimento.
A lealdade implica numa reflexão de necessidade, que deve reconhecer que o homem
como ser sociável evolui ao longo da vida, e que deve ser auxiliado para melhoria do
crescimento, florescimento da humanidade, renovando-a continuadamente para auferir
qualidades superiores. Séneca556 afirmava convictamente que: “A lealdade é o bem mais
sagrado do coração humano”. Infelizmente, nos dias atuais, difícil conferir o exercício desse
sentimento tão nobre, cujo valor refletido nas atitudes responsáveis ajuda melhorar os destinos
dos povos.
Colhe-se na obra de Aristóteles, a virtude e o vicio que se relacionam com a escolha do
nobre, do vantajoso, do agradável, e seus contrários: o vil, o prejudicial e o doloroso. O homem
bom tende a agir certo e o homem mau a agir errado. O agradável e o doloroso cresceram com
o homem, desde a infância, e por isso é difícil conter paixões, quando enraizadas, que se
apresentam na vida de cada um, em alguns mais e outros menos, mede-se as próprias ações pelo
estalão do prazer e da dor. Por esse motivo, toda inquirição das ações gira em torno do fato de
legitimidade ou ilegitimidade. O prazer e a dor que se sente tem efeito, e se pode até mensurar
que não são efeitos de pequeno porte decorrentes das ações humanas.
Por outro lado, usando a frase de Heraclito: [...] é mais difícil lutar contra o prazer do que
contra a dor, mas tanto a virtude como a arte se orientam para o mais difícil, que até torna
melhores as coisas boas. Essa é também a razão por que tanto a virtude como a ciência política
556 Séneca morreu em Roma no ano 66.
365
giram sempre em torno de prazeres e dores, de vez que o homem que lhes der bom uso sera
bom, e o que lhes der mau uso será mau.
Quando a virtude está presente, ela tem a ver com prazeres e dores, ao examinar os
mesmos atos de que ela se origina, tanto é acrescida como, se tais atos são praticados de modo
diferente, destruída. E quando se busca a origem, de onde surgiu a virtude, vê-se que ela se
atualiza, e ao mesmo tempo provoca dilemas com relação as paixões, a cólera, a audácia, o
medo, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão, sentimentos
bons ou ruins.
Sandel557 encara o individualismo moral, e entende que a concepção das
responsabilidades assumidas pode ser libertadora. Sendo agentes morais, seres livres e
independentes. Livres das limitações de restrições morais preestabelecidas e capazes de definir
sozinhos os seus objetivos. A origem das únicas obrigações morais a que se deve obedecer é a
livre escolha de cada individuo, e não o hábito, a tradição ou a condição que se herda.
A deliberação moral envolve reflexões que abrangem um escopo maior de histórias do
qual faz parte de si. Diz MacIntyre: [...] jamais poderei buscar o bem ou praticar a virtude
apenas como indivíduo. Só entenderei a narrativa de minha vida se puder vê-la como parte das
histórias das quais faço parte. Para MacIntyre (assim como para Aristóteles), o aspect narrative,
ou teleológico, da reflexão moral está ligado à condição de membro pertencente ao grupo do
qual integra.
Para Rawls558: Todos abordamos nossas circunstâncias como portadores de uma determinada
identidade social. Sou filho ou filha de alguém, primo ou tio de alguém; sou
cidadão dessa ou daquela cidade. Membro de uma agremiação ou parte de
uma categoria professional; pertenço a esse clã, àquela tribo, a determinada
nação. Portanto, o que for bom para mim deve ser bom para alguém que
pertence a essas classes. Como tal, herdei de minha família, minha cidade,
minha tribo, minha nação uma série de deveres, tradições, expectativas e
obrigações legítimas. Essas condições constituem o que me foi dado na vida,
meu ponto de partida moral. Isso é, em parte, o que confere à minha vida sua especificidade moral.
E Sandel afirma:
Na concepção liberal, as obrigações só surgem de duas maneiras – como
deveres naturais que temos em relação aos seres humanos como tais e como
obrigações voluntárias nas quais incorremos por meio do consentimento. Os
557 SANDEL, Michael. Justiça. 558 RAWLS, John. A Theory of Justice, 2a. ed. 1999, Cambridge. The Belknap Press of Harvard University
Press, 1971.
366
deveres naturais são universais. Nós os devemos aos indivíduos, como seres
racionais. Aí incluem-se o dever de tratar as pessoas com respeito, o de fazer
justiça, o de evitar a crueldade assim por diante. Já que eles surgem da
vontade autônoma (Kant) ou do contrato social hipotético (Rawls), não há
necessidade de um ato de consentimento. Ninguém diria que alguém tem o
dever de não matar apenas por ter prometido não o fazer.
Diferentemente dos deveres naturais, as obrigações voluntárias são
particulares, e não universais, e surgem do consentimento. Se concordei em
pintar sua casa (em troca de pagamento ou, digamos, para retribuir um favor),
tenho a obrigação de cumprir o prometido. Mas não tenho obrigação de pintar
a casa de outras pessoas. De acordo com a concepção liberal, devemos
respeitar a dignidade de todos os indivíduos, mas, além disso, só devemos
aquilo que concordamos em dever. A justiça liberal exige que respeitemos os
direitos das pessoas (como estabelecidos na estrutura neutra), e não que
promovamos seu bem. O dever de nos preocupar com o bem dos demais
indivíduos dependerá dos acordos que tivermos feito, e com quem fizemos.
Uma importante consequência dessa concepção é que “não existe obrigação
política, no rigor do termo, para os cidadãos em geral”. Ainda que aqueles que
se candidate voluntariamente incorram em uma obrigação política (ou seja, de
servir ao país caso sejam eleitos), isso não se aplica ao cidadão comum. Como
escreve Rawls, “as responsabilidades políticas do cidadão comum não são
claramente definidas”. Portanto, se a concepção liberal de obrigação estiver
certa, o cidadão comum não tem nenhuma obrigação especial para com seus
compatriotas além do dever universal e natural de não cometer injustiças.
Do ponto de vista da concepção narrativa do individuo, a descrição liberal da
obrigação é muito frágil. Ela não leva em conta as responsabilidades especiais
que temos para com nossos compatriotas. E mais: ela não considera os deveres
de lealdade e de responsabilidades cuja força moral consiste, em parte, no fato
de que viver de acordo com eles é parte inseparável de nos concebermos como
os indivíduos únicos que somos – como membros de uma família, ou nação,
ou povo, como parte de sua história, como cidadãos dessa república559.
Assim sendo, todos seres independentes que escolhem livremente, sem quaisquer amarras
morais precedentes às suas escolhas, precisa-se de uma estrutura de direitos que mantenha a
neutralidade no que se refere às finalidades. Se cada um precede suas finalidades, o certo
também deve preceder o bom, pois, os contratos reais têm peso moral na medida em que
concretizam dois ideais – autonomia e reciprocidade.
Como atos voluntários, que podem estar expressos nos contratos expressando autonomia,
com as obrigações que eles criam tendo peso porque foram impostas pelos interessados e por
eles assumidos por livre e espontânea vontade. Como instrumentos de benefício mútuo, os
contratos inspiram-se um ideal de reciprocidade, e a obrigação um cumprimento, que se
recompensam mutuamente pelos benefícios que o ajuste proporcionou. Da mesma forma as
incumbências legais e seus exercitadores nas situações que a lei encapsula nos ideais de ética
com o bem comum.
559 SANDEL, M. Op. cit.
367
Na prática esses ideais estão à tona que não se realizam espontaneamente, mas alguns
acordos estabelecem reciprocidade, ainda que não exista em um contrato, especialmente quando
as partes estão imbuídos de propiciar uma obrigação moral, sem contrapartidas, à semelhança
do que exige a governança empresarial.
5.16 Aspectos da governança empresarial
No inicio do século XX os diversos conflitos envolvendo empresas em diversos países,
especialmente quando examinados os denominados custos de agência, que até então pouca
atenção era dispensada, considerados de pouca relevância, passaram a partir de então, provocar
uma nova discussão sobre a propriedade e o controle das grandes empresas que se encontravam
nas mãos de empreendedores familiares, e nos denominados “capitães da indústria”, os quais
se confundiam como administradores, sócios, acionistas, porque detinham os mais diversos
poderes de propriedade e comando empresarial.
A crise econômica de 1929 acarretou grandes perdas aos investidores, especialmente
nas grandes corporações, levando à desconcentração da propriedade e a criação de um novo
modelo de controle empresarial, surgindo um controle que foi entendido como principal titular
para o exame da propriedade mercantil, ao tempo em que via-se a delegação do poder a um
agente, a distribuição de funções e atuação dos poderes de decisão sobre bens, propriedade,
nascendo o que passou a ser entendida como teoria da agencia560 formalizada por M. Jensen e
W. Meckling, para solucionar conflitos entre agente e o titular da propriedade, como modelo
de custos para os acionistas, que se expandiu a partir de 1990, e ainda hoje se desenvolve.
É importante avaliar, observando alguns aspectos da governança empresarial,
principalmente nas últimas décadas, criadas, desenvolvidas e praticadas em alguns países, não
só no âmbito da atividade privada, também para a esfera governamental pública, que a adotaram
como mecanismo para proporcionar aos governados a tão desejada transparência administrativa
dos atos de gestão pública.
O tema ganhou força na década de 1980. No Brasil a evolução das práticas de
governança se intensificou com a abertura da economia, com o aumento dos investimentos
560 JENSEN. M.; MECKLING. W. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs, and ownership
structure. Journal of Financial Economics, v. 11, p. 5-50, 1976.
368
estrangeiros no país, inclusive quando houve interesse de algumas empresas brasileiras a
acessar o mercado internacional.
Nos últimos anos houve uma série de mudanças no ambiente das organizações
empresariais, como o renascimento do mercado de capitais, proporcionando a um grande
número de novas empresas listar seu capital na Bolsa de Valores. Esse aparecimento de
empresas com capital disperso e difuso, gerando fusões e aquisições de grandes companhias,
em movimento de reveses empresariais, de veteranas e novatas, vivendo uma crise econômica
mundial. Estes fatores trouxeram à tona algumas fragilidades das organizações e de seus
sistemas de governança, reforçando a necessidade da implementação, de fato, das boas práticas
gerenciais que passam a ser grafadas de Governança Corporativa.
Nesse cenário adotou-se programas de integridade para as empresas proporcionar aos
clientes, investidores, funcionários, fornecedores, a sociedade e demais públicos estratégicos
com quem se relaciona, informações da vida econômico-financeira da companhia com
transparência e ética.
As normas regulatórias aumentaram a responsabilidade das empresas e de seus
administradores, principalmente após a edição da Lei nº. 12.846/2013, conhecida como Lei
Anticorrupção, que prevê a responsabilização por atos lesivos cometidos por empresas. Esses
mecanismos passam a ser permanente, devendo compor o conjunto de estratégias empresárias
para alcançar o sucesso e sustentabilidade do negócio.
O papel das instituições de alguma forma vincula-se ao campo da atividade mercantil,
e em algum momento necessita reforçar e dar relevância as melhores práticas de governança,
adaptando-se as novas demandas e à realidade do mercado. Torna-se, pois, de fundamental
importância para atender a uma revisão dos caminhos dos gestores empresariais para percorrer
numa direção construtiva, e em um novo ambiente institucional. Esse mecanismo proporcionará
um modo de evolução, acompanhando as mudanças periodicamente adotadas pelos países mais
desenvolvidos, com largos passos à frente em relação ao mínimo considerado obrigatório para
as organizações brasileiras.
Visitando o cenário europeu, especialmente a doutrina portuguesa que proporciona
lições que podem ser ajustadas e aplicáveis no desenvolvimento da legislação e doutrina
brasileira, absorvendo a experiência da governança empresarial com os elementos advindos do
convívio entre público e privado, principalmente os ativados quando da integração da
Comunidade Europeia.
369
Em Correia/Amaral/Louvet561 e em Amaral562 colhe-se a designação de institutos
públicos, expressão doutrinaria substituta de serviços personalizados do Estado, sendo que certo
tipo de instituição não controlada diretamente pelo Estado, mas por autarquias locais, como
sucede nos casos de empresas e das participações locais, passam a defini-las como institutos
públicos, como pessoa coletiva criada para assegurar o desempenho de funções administrativas
determinadas, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.
A referida situação abrange particularmente um conjunto de entidades que tem como
elemento comum de identificação, a sua relação de superintendência pelo Governo, ou por
intermédio de outro ente público, em uma prossecução do interesse público quanto ao seu fim,
e com previsão estatutária ou institucional de lucro.
Para Correia/Amaral/Louvet os critérios de eficiência da governança empregados
integram as dimensões, como a: composição do Conselho de Administração, estrutura de
propriedade e de controle, modalidades de incentivo aos dirigentes, proteção dos minoritários
e transparência das informações publicadas563.
Importante relembrar que as revoluções liberais puseram fim ao Estado de Polícia, o
que proporciona relembra-los ao falar do Direito Administrativo, a ideia de que um dos
elementos necessários para que houvesse um Estado de Direito era a repartição funcional entre
as tarefas por ele executadas, excluindo qualquer possibilidade do poder ser exercitado
isoladamente, numa nítida ruptura com os pressupostos do Estado de Polícia, que concentrava
nas mãos do monarca amplas margens de atuação564.
No Brasil tomou corpo discussões sobre as experiências vivenciadas como as mudanças
no ambiente empresarial, com legislação e governança introduzidas em 2004, introduzindo
princípios e práticas da boa Governança Corporativa aplicáveis as organizações, independente
do porte, natureza jurídica ou tipo de controle.
Essas práticas tiveram foco inicial em organizações empresariais, incluindo, por
exemplo, as do ‘Terceiro Setor’, cooperativas, estatais, fundações e órgãos governamentais,
entre outros. Passando a indicação para que cada organização promova a avaliação de quais
561 CORREIA, Laise Ferraz; AMARAL, Hudson Fernandes e LOUVET, Pascal. Um índice de avaliação da
qualidade da governança corporativa no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 2011 - journals.usp.br 562 AMARAL, Freitas do. Curso de Direito Administrativo. Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1991. 563 CORREIA, Laise Ferraz; AMARAL, Hudson Fernandes e LOUVET, Pascal. Um índice de avaliação da
qualidade da governança corporativa no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 2011 - journals.usp.br – 21 de
março de 2016. 564 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. O exercício da função administrativa e o direito privado. Tese de doutorado,
2010, USP. Acesso em 18/4/2018.
370
práticas deve adotar, e as melhores formas de bem fazer. Assim os administradores procuram a
maneira que se adapte a estrutura e realidade da sociedade empresária, observando que essa
prática não é definível apenas em termos jurídicos. Ela abrange um conjunto de máximas
válidas para uma gestão de empresa responsável e criadora de riquezas em longo prazo,
controlando empresas e expondo a necessária transparência, envolvendo para tanto conceitos
econômicos, postulados morais e até bom senso565.
Outros aspectos que merecem destaque, são as iniciativas de estímulo e aperfeiçoamento
da governança no Brasil, entre elas, o desenvolvimento de um mercado de capitais mais
moderno, com adequação a legislação das sociedades anônimas, entrelaçando-se com as
Recomendações da Comissão de Valores Mobiliários - CVM com outras instituições.
Em Portugal, por exemplo, onde a expressão corporate governance era relativamente
desconhecida, e o tema constituía uma novidade, mas, a partir de 1999, destacou-se,
especialmente a introdução dos ‘Os Princípios da OCDE sobre o Governo das Sociedades’,
proporcionando uma visão em relação ao setor empresarial público.
Mesmo imberbe, o dispositivo legal passou apreciável, registrando um percurso, que é
entendido como de excelência na adoção de boas práticas no setor empresarial público, dando
conta, comparativamente, após o verificado nos aspectos da responsabilidade dos
representantes das companhias estatais, decorrentes da gestão nas empresas públicas no âmbito
das atividades empresariais portuguesas.
Pode-se entender Governança Corporativa como sistema pelo qual as organizações são
dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários,
Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de Governança
Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a
finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e
contribuindo para sua longevidade.
Os versados no assunto entendem que os princípios básicos de Governança Corporativa
são:
a) Transparência, que é mais do que a obrigação de informar, é o desejo de disponibilizar
para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas
565 OIOLI, Erik Frederico. A superação do modelo de concentração acionária no Brasil: o regime jurídico das
companhias de capital disperso na lei das sociedades anônimas. Tese de doutorado, Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, p. 23. 2013.
371
impostas por disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência resulta em um
clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. Não deve
restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores
(inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de valor.
b) Equidade que se caracteriza pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes
interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são
totalmente inaceitáveis.
c) Prestação de Contas (accountability), onde os agentes de governança
prestar contas de
sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões.
d) Responsabilidade Corporativa os agentes de governança devem zelar pela
sustentabilidade das organizações, visando à sua longevidade, incorporando considerações de
ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.
Não obstante essas conjugações de pensamentos e entendimentos, os modelos de
governança variam de país para país, mas, em geral, delimitam-se dois sistemas: o anglo-saxão,
que prevalece nos Estados Unidos e no Reino Unido, e o nipo-germânico, o qual predomina no
Japão, na Alemanha e na maioria dos países da Europa continental. O que diferencia esses dois
sistemas são as estruturas de controle e de propriedade, as formas de monitoramento usadas
pelos proprietários e suas visões a respeito dos objetivos finais das empresas.
No modelo anglo-saxão a propriedade é relativamente pulverizada (outsider system), e a
liquidez das ações é garantida nas bolsas de valores, o que diminui o risco dos acionistas. No
modelo nipo-germânico, existe mais concentração da propriedade (insider system), e as
participações acionárias são de longo prazo.
Enquanto no primeiro modelo o objetivo principal das empresas é a criação de valor para
os acionistas (shareholders), no segundo, as empresas buscam equilibrar os interesses dos
acionistas com os de outros grupos interessados na empresa; entre eles, empregados,
fornecedores, clientes e comunidade em geral (stakeholders).
No modelo shareholder, a obrigação primordial dos administradores é agir em nome dos
interesses dos acionistas, enquanto, no modelo stakeholder, além dos acionistas, há um conjunto
mais amplo de interesses que deve ser contemplado pala ação e pelos resultados da corporação.
372
Segundo Silva566, a forma de controle pode classificar os sistemas em: com controle
interno e com controle externo, de acordo com a concentração do seu controle acionário. O
primeiro sistema, o com controle interno, reúne empresas em que um pequeno grupo de
acionistas detêm a maior parte das ações e, como consequência, existe baixa liquidez, estruturas
de propriedade concentradas etc. No sistema com controle externo, estão as empresas com
grande número de acionistas, os quais apresentam alta liquidez e estruturas de controle diluídas.
Existem vantagens e desvantagens nos modelos agitados pela globalização, provocando
modificações e certa convergência entre os sistemas, como exprime o modelo nipo-germânico
que adota algumas características do anglo-saxão e vice-versa. No entanto, é difícil prever se
haverá uma convergência total ou se algum sistema prevalecerá, pois, suas divergências são
históricas, culturais e legais. O mais importante é que ambos os modelos podem ser eficientes
desde que cumpram os critérios de eficiência apropriados ao sistema e as particularidades
culturais, econômicas e históricas de cada país.
Uma das empreitadas que se deve esmerar é a missão de definir e conduzir a política
financeira do Estado e as políticas da Administração Pública para um bom êxito, reforçando-as
com um efetivo controle e fiscalização sobre os entes públicos e as áreas cruciais ligadas à
gestão de recursos humanos da Administração Pública.
Ao mesmo tempo fazer as necessárias intervenções nas operações patrimoniais e
financeiras do Estado, não descurando do acompanhamento das matérias respeitantes ao
exercício da tutela financeira sobre o setor publico administrativo e empresarial.
Com relação a função do acionista, a gestão integrada do patrimônio do Estado, ajustando
medidas e aplicação de organização, alinhadas com a gestão de recursos humanos próprias para
a Administração Pública, com estratégias de avaliação e Relações Internacionais de modo a
assegurar o apoio à formulação de políticas e ao planeamento estratégico e operacional.
Todas essas medidas devem estar em articulação com a programação financeira, cabendo
assegurar, diretamente ou sob a devida coordenação, as relações internacionais, para
acompanhar e avaliar a execução de políticas, dos instrumentos de planejamento e os resultados
dos sistemas de organização e gestão em articulação com os demais serviços públicos.
A implementação dos direitos fundamentais pelo Estado tomou força com a atual Carta
Política, promovendo políticas publicas e assegurando direitos sociais em um quadro conceitual
566 SILVA, André Luiz Carvalhal da. Governança corporativa e sucesso empresarial – Melhores práticas para
aumentar o valor da firma. Saraiva – 2006, p.p. 12-13.
373
construído pela literatura, que analisa as questões de viabilidade e utilidade da aplicação das
normas e princípios.
Na comunidade acadêmica o conceito de governança corporativa tem sido abordado
através de vários estudos, mas vale destacar o quanto exposto por Berle e Means 567, tecendo
considerações sobre o surgimento das modernas corporações nas quais houve separação entre
controle e gestão, mas é de bom sentido enfatizar, que somente a partir de 1980 o tema se tornou
importante no país de origem dos referidos pesquisadores.
Etimologicamente a palavra governança está relacionada a governo. Governança
corporativa refere-se ao sistema pelo qual os órgãos e os poderes são organizados dentro de
uma empresa (Corporation). Witherel568 apresenta definição sobre governança corporativa
como o sistema pelo qual as empresas são dirigidas e controladas, distribuindo direitos e
responsabilidades entre os diferentes participantes da empresa, tais como conselho de
administração, diretoria, proprietários e outros stakeholders.
Conceitua Siffert Filho569 como sistema de controle e monitoramento estabelecidos pelos
acionistas controladores de uma determinada empresa ou corporação, de tal modo que os
administradores tomem suas decisões sobre a alocação dos recursos de acordo com o interesse
dos proprietários.
Colhe-se em Nelson570 a governança como “um conjunto de ações dos administradores e
acionistas com intuito de negociar e determinar como valor da firma sera distribuído”.
Lethbridge571 conceitua o sistema de governança como o [...] conjunto de instituições,
regulamentos e convenções culturais, que rege a relação entre as administrações das empresas
e os acionistas ou outros grupos aos quais as administrações devem prestar contas.
Segundo Silva572, aproveitando o entendimento de Gilson, considera que o sistema de
governança determina os termos de um contrato de acionistas, os quais mencionam que os
567 BERLE, A.; MEANS, G. - The Modern Corporation and private propety. New York: McMillan, 1932. 568 W. Witherell, em The OECD and corporate governance. Financial Reporting, Paris, 1999, disponível em
http://www.oecd.org 569 SIFFERT FILHO, N. Governança corporativa: padrões internacionais e evidências empíricas no Brasil nos
anos 90. Revista do BNDES, v.5, n.9, p. 123-146, Jun. 1998. 570 NELSON, D. Essays on Corporate Governance. University of Arizona Dissertation, 1999. 571 E. Lethbridge em “Governança corporativa”, Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 8, p. 209-232, 1997 572 SILVA, André Luiz Carvalhal da. Governança corporativa e sucesso empresarial – Melhores práticas para
aumentar o valor da firma.
374
administradores têm autonomia para gerir os negócios da companhia e os acionistas devem
receber o lucro resultante das operações da empresa573.
Extrai-se contribuição na obra de Silva574 quando trata dos modelos de “corporate
governance” face a reforma acontecida em 2006, mostrando o modelo tradicional, o anglo-
saxão, e o modelo dualista, de acordo com o n. 1 do art. 278 do Código das Sociedades
Comerciais, com a redação dada pelo art. 2º do Decreto-lei nº. 76-A/2006, de 29 de março,
reforma que introduziu um novo modelo de corporate governance. Diz o citado jurista
português que a evolução da teoria do governo societário – a ideia de “corporate governance”
assume grande relevo já nos anos 30 do século XX, nos Estados Unidos, com a separação entre
propriedade do capital e “management”, e depois nos anos 70 com o financiamento ilegal da
campanha presidencial de Nixon – verificada nos últimos anos:
A raridade de o conselho de administração ser capaz de gerir ativamente uma
grande sociedade e a correspondente delegação de responsabilidades em
executivos profissionais, com tempo, disponibilidade e competência para a
gestão diária dos negócios da empresa.
O papel passivo do conselho de administração (delegante) na monitorização e
controle dos executivos (executive officers e CEO) da sociedade, com
frequente inversão de posições: o “domínio” do processo decisório do
conselho de administração pela comissão executiva, em especial pela CEO,
designadamente em sociedades com o capital disperso por muitos pequenos
acionistas e sem incentivo para controlar ativa e efetivamente a gestão – CEO
que controla a informação e a agenda das poucas reuniões do conselho de
administração a que muitas vezes preside, acumulando as funções de
chairman, e assim previne a aparição critica do desempenho da gestão, que
acaba por exercer os plenos poderes do conselho de administração,
transformado em órgão passivo, composto por “yes men”, de “ratificação
automatica” de atos daquela.
Dados de fato e fraudes verificadas em sociedades empresárias são examinadas sob
especial pressão com o intuito de evitar contemporizações com as respectivas gestões que não
envida uma efetiva e eficaz supervisão.
O movimento e reforma que envolveu a Alemanha, Itália, França, Inglaterra, e outros
países tendente a um saudável e prudente governo societário, impulsionado pelos fatos
desastrosos como os que envolveram a Enron e Worldcom, que essa busca se tornava
573 GILSON, Ronald J. - Transparency, Corporate Governance and Capital Markets, Latin American Corporate
Governance Roundtable, São Paulo, 2000. Acessso em 02/05/2018.
https://pdfs.semanticscholar.org/2e4b/fee2b8b71e1c37aaad1b47d20fb9ed29069c.pdf 574 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil dos administradores não executivos, da Comissão de Auditoria
e do Conselho Geral e de Supervisão - extraída do portal eletrônico da Ordem dos Advogados de Portugal.
http:www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=59032&ida=59049, em 09/03/16 – 10:21.
375
inafastável, na certeza de que um bom governo pelas sociedades empresarias, é um processo
orgânico adequado, dinâmico para atender os acionistas e o mercado.
Os elementos de “Checks and balances”, assente no fator humano, que exige
honestidade, competência, profissionalismo e cumprimento efetivo das responsabilidades de
cada um na posição que ocupa com a eficiência, passou a ser um determinante para atender a
todos, por uma gestão empresarial sem mácula.
A transparência e a accountability (prestação de contas) devem caracterizar e revelar as
posições decisivas para a confiança dos investidores e para a performance das economias
nacionais num mercado global mais exigente e mais concorrencial. Sendo para isso decisivas a
eficiência e a competitividade das empresas na criação de riqueza e de emprego, a nortear os
processos de reformas legislativas dos direitos nacionais num movimento de crescente
confluência e convergência funcional dos três grandes modelos de estruturação da governação
e fiscalização das sociedades comerciais, em especial das sociedades anônimas cotadas em
mercado regulamentado.
Enfatiza Silva575 que o sistema tradicional ou sistema clássico de estruturação do
governo societário, baseia-se na distinção entre um órgão de gestão (conselho de administração
ou administrador único) e um órgão de controlo (conselho fiscal ou fiscal único).
O conselho de administração é composto pelo número de administradores fixados no
contrato de sociedade, designados no contrato de sociedade ou eleitos pela assembleia geral ou
constitutiva.
Consabidamente são da competência do conselho de administração, não só a
representação plena e exclusiva da sociedade, mas, também a gestão das atividades da
sociedade compreendidas no objeto contratual e cujo exercício efetivo haja sido deliberado
pelos sócios, cabendo-lhe, por isso e para isso, deliberar sobre qualquer assunto de
administração, norma imperativa que confere competência própria e exclusiva de gestão: o
conteúdo da deliberação não está, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios ou é ofensivo
de preceitos legais inderrogáveis mesmo por vontade unânime dos sócios.
Os critérios de eficiência da governança empregados integram as dimensões e
composição do Conselho de Administração, estrutura de propriedade e de controle,
575 SILVA, op. cit.
376
modalidades de incentivo aos dirigentes, proteção dos minoritários e transparência das
informações publicadas.
Ainda para proteção de terceiros e da segurança do comércio em geral, os atos praticados
pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes substantivos e
procedimentais que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, sendo irrelevantes se
provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstancias, que o ato
praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por
deliberação expressa ou tácita dos acionista.
A imperatividade do funcionamento colegial do conselho de administração, quer do
quorum constitutivo, o conselho não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a
maioria dos seus administradores presentes ou representados quando o estatuto assim permita.
No que concebe a atribuição de encargo especial a algum ou alguns administradores e
responsabilidade solidária de todos os administradores, entende Calvão da Silva, comentando
a legislação portuguesa sobre a responsabilidade civil dos administradores não executivos, da
comissão de auditoria e do conselho geral e supervisão, que “A não ser que o contrato de
sociedade o proíba, pode o conselho encarregar especialmente algum ou alguns administradores
de se ocuparem de certas matérias de administração”.
Continua o jurista português afirmando que a lei contempla o encargo especial não pode
abranger as matérias previstas na legislação pertinente e não exclui a competência normal dos
outros administradores ou do conselho nem a responsabilidade daqueles, nos termos da lei.
Trata-se de mera distribuição interna de tarefas, com o conselho a cometer encargo especial a
algum ou alguns administradores, sem propriamente repartir as competências do conselho: este,
autor do encargo, e os outros administradores (não encarregados especialmente de se ocuparem
de certa matéria) mantêm, de iure, a competência para gerir as atividades da sociedade, com
todos os poderes e deveres normais de administração ou gestão da empresa, tal como se não
tivesse sido atribuído internamente, de fato, encargo especial a algum ou alguns
administradores.
Enfatiza Calvão da Silva:
Por isso mesmo, e em plena e justificada coerência, também não é excluída a
normal responsabilidade dos administradores não encarregados especialmente
de certa matéria: permanecendo, de iure, não só o poder mas também e
sobretudo o dever de gerir colegialmente (art. 410) a sociedade a cargo de
todos e cada um dos administradores, encarregados ou não especialmente de
se ocuparem, de fato, de certa matéria, nada mais natural do que a
377
responsabilidade de todos os administradores nos termos da lei:
responsabilidade para com a sociedade (arts. 72 a 77), responsabilidade para
com os credores sociais (art. 78) e responsabilidade para com os sócios e
terceiros (art. 79), não fazendo sentido a distinção entre administradores
executivos e administradores não executivos.
Em qualquer destas hipóteses, verificados os respectivos pressupostos ou
requisitos, a responsabilidade dos administradores (encarregados ou não
especialmente de se ocuparem de certas matérias) perante os lesados será
solidária, nos termos do art. 73, nº. 1, igualmente aplicável à responsabilidade
para com os credores sociais e à responsabilidade para com os sócios e
terceiros, ex vi do art. 78, nº. 5, e do art. 79, nº. 2, respectivamente. E só nas
relações internas entre os administradores o direito de regresso existirá na
medida das respectivas culpas e das consequências que delas advierem,
presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis (art. 73, nº. 2,; arts.
497, nº. 2, e 516 do Código Civil).
Vale isto por dizer que, na hipótese do nº. 1 do art. 407, a divisão fática das
tarefas no seio do conselho não desresponsabiliza nas relações externas os
administradores não encarregados especialmente de certa matéria, mantendo-
se o regime da responsabilidade solidária (art. 73, nº. 1), divisão de facto que
relevará apenas nas relações entre os administradores, na acção de regresso
(art. 73, nº. 2).
Sendo este o regime decorrente do nº. 2 do art. 407, protetor dos interesses da
sociedade, dos credores, dos sócios e de terceiros através da responsabilidade
solidária dos administradores (art. 73, nº. 1), percebem-se bem duas coisas:
- Que a divisão de facto de tarefas no interior do conselho de administração
seja possível, se o contrato de sociedade a não proibir (1a. parte do n. 1 do art.
407);
- Que mesmo assim o encargo especial não possa abranger as matérias
importantes, previstas nas als. a) a m) do art. 406, e fique circunscrito a outros
assuntos (menores) de administração da sociedade, dada a (desnecessária)
falta de autorização dos sócios e a atipicidade e impropriedade das atribuição
do encargo especial, que não chega a ser uma verdadeira e própria delegação
de poderes apesar da epígrafe do art. 407 (delegação de poderes de gestão).
No que concerne da delegação de poderes de gestão num ou mais administradores ou
numa comissão executiva e responsabilidade dos administradores não executivos apenas por
culpa própria in vigilando ou falta de intervenção do conselho perante conhecidos atos ou
omissões prejudiciais praticados ou o conhecido propósito de serem praticados por aqueles no
âmbito do Conselho de administração, merece ser observado o exame desenvolvido pelo jurista
Calvão da Silva, entendendo o que estatui o artigo 407, números 3, 4 e 8 da citada legislação
portuguesa, que o contrato de sociedade pode autorizar o conselho de administração a delegar
num ou mais administradores ou numa comissão executiva a gestão corrente da sociedade.
Que a deliberação do conselho deve fixar os limites da delegação, na qual não podem
ser incluídas as matérias previstas nas alíneas a) a d), l) e m) do artigo 406 e, no caso de criar
uma comissão, deve estabelecer a composição e o modo de funcionamento desta.
378
A delegação, pela ótica de Calvão da Silva, prevista nos números 3 e 4 não exclui a
competência do conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos; os outros
administradores são responsáveis, nos termos da lei, pela vigência geral da atuação do
administrador ou administradores delegados ou da comissão executiva e, bem assim, pelos
prejuízos causados por atos ou omissões destes, quando, tendo conhecimento de tais atos ou
omissões ou do propósito de os praticar, não provoquem a intervenção do conselho para tomar
as medidas adequadas.
Entende o jurista lusitano que:
[...] em primeiro lugar, que o conselho de administração só pode delegar a
gestão corrente da empresa num ou mais administradores ou numa comissão
executiva se o contrato de sociedade o permitir ou autorizar (art. 407, n. 3),
devendo fixar na deliberação os limites da delegação de poderes em que não
podem ser incluídas as matérias previstas nas alíneas a) a d) e m) do art. 406
(art. 407, n. 4) – atente-se na menor amplitude dos assuntos indelegáveis
relativamente à sobrevista figura de encargos especiais.
Em segundo lugar, a designação de poderes não exclui a competência do
conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos (art. 407, n. 8, 1a.
parte), chamando a si matérias objeto da delegação. Avocação de poderes essa
que constitui um poder ou faculdade, mas não um dever do conselho, salvo na
situação prevista na parte final do mesmo n. 8 do art. 407 em apreço: tendo
conhecimento de atos ou omissões ou do propósito de administrador
delegado/comissão executiva os praticar, impõe-se a intervenção do conselho
de administração para tomar as medidas adequadas, leia-se, para prevenir tais
atos/omissões ou minorar os sue efeitos.
O Conselho de Administração é um mecanismo de controle cujo papel estratégico
consiste entre outras funções, em contratar, remunerar e monitorar os dirigentes. No enfoque
da teoria da agência, para executar eficientemente o seu papel disciplinar, os Conselhos devem
ser compostos, sobretudo, de membros independentes em relação à equipe dirigente. Além
disso, recomenda-se que sejam compostos de poucos conselheiros e que o diretor geral da
empresa não acumule a função de presidente do Conselho576.
Na referida obra de Calvão da Silva ele destaca não somente os aspectos doutrinários,
mas esmiúça os elementos técnicos eficientemente ditando, além dos fundamentos relevantes,
aviva outros aspectos para a boa compreensão do leitor, sobretudo quanto o comportamento e
encargos especiais de algum ou alguns dos administradores, como a delegação de poderes que
576 CALVÃO DA SILVA. Ob. Cit. Fora desta hipótese do dever de provocar a intervenção do conselho, os
administradores não executivos ficam obrigados tão-somente à vigilância geral (e não de todo e qualquer acto
concreto) da actuação do administrador ou administradores delegados ou da comissão executiva (art. 407, n. 8) –
a vigilância (mais) especifica e analítica permanece no conselho fiscal (arts. 420 e seguintes).
379
libera os administradores não executivos, que são denominados de administradores delegantes,
face o dever de gestão corrente da sociedade e sobre eles impende apenas o dever de controlo,
a fiscalização ou vigilância geral da atuação dos administradores executivos vistos como
administradores delegados.
Compreende Calvão da Silva que a exigência de autorização dos sócios através do
contrato de sociedade está na figura da delegação de poderes, com sensu próprio. E não na
figura de atribuição de encargo especial a algum ou alguns administradores, porque, como na
delegação de poderes, diminuem os deveres e a responsabilidade dos administradores não
executivos. Na atribuição de encargo especial, diversamente, os deveres e a responsabilidade
dos administradores não encarregados especialmente de se ocuparem de certas matérias
mantêm-se inalterados. E justifica [...] Porque os administradores não executivos da gestão
corrente da sociedade estão obrigados a acompanhar o andamento geral da gestão, a exemplo
do quanto expressa a terminologia do art. 2381, n. 3, do Código Civil italiano, em ordem a
responsabilizá-los, nos termos da lei, pela vigilância geral da atuação dos administradores
executivos. Forçoso reconhecer o poder-dever de se informarem e serem informados
tempestivamente e adequadamente sobre a atividade social, a fim de poderem cumprir nos
termos devidos esse dever geral de vigilância que impende sobre todos e cada um deles.
Essa linha de raciocínio mostra que deve estar presente o direito-dever de informação
ativa e passiva, em coerência com a obrigação para que os administradores atuem em termos
devidamente informados, num processus decisionis razoável e segundo critérios de
racionalidade empresarial, a com os poderes de inspeção, de consulta e de inquirição, a exemplo
do que acontece com relação ao conselho fiscal.
Fica assente que o dever de ‘reporting’ individual, deve ser compreendido como uma
obrigação para todos e cada um dos membros não executivos do conselho a ser cumprido
adequada e tempestivamente (ex post e/ou ex ante conforme as circunstâncias o ditarem ou
recomendarem com vista ao escopo visado). Esse comportamento é mais uma exigência a fim
de que o direito-dever de controlo e monitorização da atividade dos administradores
delegados/comissão executiva seja também eficiente com relação aos outros administradores -
administradores não delegados ou administradores não executivos – para poder ter exercício
irrepreensível, com cuidado e diligência profissional.
Pelo quanto explanado, compreende-se que a legislação portuguesa acentua, que,
quando, tendo conhecimento, em principio, através do cumprimento do dever de informação
380
pelo administrador delegado ou pelo presidente da comissão executiva, de atos ou omissões
prejudiciais para a sociedade, ou para os credores sociais, ou para os sócios e terceiros, ou do
propósito da sua prática pelos administradores executivos, não provoquem a intervenção do
conselho para tomar as medidas adequadas, incumprindo assim o dever de impedir a
materialização de ações ou inações prejudiciais chegadas ao seu conhecimento ou de
eliminar/minorar os danos delas resultantes.
No âmbito da solidariedade, explica as nuances da veste dos administradores não
executivos, e só nas duas hipóteses de violação ilícita dos deveres de vigilância geral e de
intervenção, é que os mesmos respondem solidariamente, por culpa própria, aplicável também
à responsabilidade para com os credores sociais e para com os sócios e terceiro. E, afora as
hipóteses referidas, os administradores não executivos não respondem pelos atos ou omissões
ilícitos, culposos e causadores de danos à sociedade, aos credores sociais ou aos sócios e
terceiros, imputáveis aos administradores delegados ou administradores executivos. Estes – e
só os que na deliberação colegial da comissão executiva votaram a favor ou se abstiveram, não
já os que votaram vencidos e lavraram o seu dissenso nem os ausentes – é que são solidários na
responsabilidade perante os lesados, sem prejuízo do direito de regresso na medida das
respectivas culpas e das consequências delas resultantes, presumindo-se iguais as culpas dos
responsáveis.
Assinala Calvão Silva que os administradores devem cumprir os deveres que lhes são
impostos pela lei e pelo contrato com o cuidado adequado às suas funções e a diligência de um
gestor criterioso e ordenado no âmbito das suas específicas competências. E esclarece que a
competência para a gestão corrente da sociedade é apenas dos administradores delegados ou
administradores executivos, sempre que o conselho não chame a si uma matéria objeto da
delegação dos seus poderes – logo, não tendo participado nem tendo o dever de participar na
deliberação colegial da comissão executiva, os administradores não executivos não são
responsáveis, com a delegação de poderes a excluí-los do âmbito de aplicação direta da lei.
Por isso, cada um responde pelos seus atos ou omissões. Os administradores não
executivos sem culpa in vigilando do andamento geral da gestão, não devendo estender-se tão
desmesuradamente o dever de vigilância que na prática se caia em responsabilidade objetiva ou
como se o administrador não executivo devesse ser um administrador ideal e diligentíssimo a
ter de responder por culpa levíssima. Portanto entende-se que esse gestor, não têm de responder
solidariamente, nem pelos danos causados à sociedade por atos ou omissões de administradores
delegados violadores de deveres legais ou contratuais, nem pelos danos decorrentes para os
381
credores sociais da inobservância culposa pelos administradores delegados de disposições
legais ou contratuais destinadas à sua proteção, nem pelos danos diretamente causados a sócios
e terceiros pelos administradores delegados no exercício e por causa das suas funções previstas
me lei577. Sendo importante destacar que nas matérias não delegadas – e são indelegáveis, inter
alia, relatórios e contas anuais, prestação de cauções e garantias pessoais ou reais pela
sociedade, mudanças de sede e aumentos de capital, projetos de fusão, de cisão e de
transformação da sociedade – o conselho de administração funciona colegialmente na sua
plenitude, sem qualquer distinção no estatuto de administradores, com os respectivos poderes-
deveres, também para efeitos de solidariedade na responsabilidade ilimitada ad extra, relações
externas perante os lesados.
Não se pode deixar de avivar a advertência que faz Calvão da Silva, que só nas relações
internas entre eles, e entre outras coisas, na ação de regresso, se atenderá às culpas de cada
administrador e consequências delas resultantes, olhando à disponibilidade, à competência
técnico-profissional e ao conhecimento da atividade da sociedade adequados às funções, às
concretas incumbências atribuídas no seio do conselho e desempenhadas por cada
administrador, o que se denomina de parâmetro subjetivo, que nesse âmbito deve empregar a
diligência de um leal gestor consciencioso e ordenado (padrão objetivo) para atuar em termos
informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade
empresarial, no interesse da sociedade e dos sócios.
Há uma visão geral que os conselheiros no Brasil são, principalmente, acionistas
majoritários e executivos do que chamam de suas próprias empresas, sendo menor a proporção
de membros externos quando há um controlador, verificando, ainda, que os Conselhos são
pequenos, e que há acúmulo das funções de Chief Executive Officer (CEO) e de presidente do
Conselho578.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC define governança como o
sistema que assegura ao sócio proprietário o governo estratégico da empresa e a efetiva
monitoração da diretoria executiva. Segundo o IBGC, governança corporativa é o conjunto de
práticas e de relacionamentos entre acionistas, conselho de administração, diretoria, auditoria
independente e conselho fiscal, cuja finalidade é otimizar o desempenho da empresa e facilitar
o acesso ao capital.
577 CALVÃO DA SILVA. Op. cit. 578 CORREIA, Laise Ferraz; AMARAL, Hudson Fernandes e LOUVET, Pascal. In: Um índice de avaliação da
qualidade da governança corporativa no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 2011, p. 48 - journals.usp.br
382
A OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico579 diz que um
bom regime de governança corporativa representa forma eficaz de utilização de recursos, e as
empresas devem levar em conta os interesses não só dos acionistas mas também de uma gama
maior de stakeholders.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) conceitua governança corporativa como o
conjunto de práticas que tem por finalidade melhorar o desempenho de uma companhia ao
proteger todas as partes interessadas, por exemplo, investidores, empregados e credores,
facilitando o acesso ao capital. Segundo essa definição, a análise das práticas de governança
corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve principalmente: transparência, equidade
de tratamento dos acionistas e prestação de contas.
No que tange aos deveres gerais de cuidado e de lealdade, as normas em geral exigem
que os titulares de órgãos sociais com funções de administração e fiscalização devem observar
deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e
deveres de lealdade, no interesse da sociedade.
Na verdade, de acordo com o direito geral, cada um deve cumprir os seus deveres de
boa fé, com correção, a honestidade, a lisura e a lealdade próprias de pessoas de bem, e com o
cuidado ou a diligência do “bonus pater familias”.
No fundo, a ideia é de cada um deve fazer e bem feito, de modo sério, cuidado e leal,
apanágio das pessoas de bem, de boa formação e de são procedimento, os atos que estão
encarregadas de praticar, não só em nome da sociedade, mas é sobretudo daqueles que nela
confiam, inclusive por entender que devem estar submetidos ao menos a um padrão exemplar.
No caso desse comportamento que se exige das pessoas envolvidas na gestão
empresarial, em especial no exercício do múnus de conselheiro do conselho de administração,
in casu, porque em causa órgãos sociais, esses padrões ético-deontológicos significam que os
respectivos membros devem cumprir com cuidado e lealdade as funções que lhe estão
confiadas, no interesse da sociedade, dos acionistas, e de todos outros.
Deveres fiduciários, portanto, aqueles que incidem sobre os titulares de órgãos sociais,
a cumprir de boa fé, de modo normal e são, com a diligência e a lealdade exigíveis de “um bom
pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”, segundo o critério do profissional
579 OCDE é a sigla em português para Organization for Economic Cooperation, organização criada em 1947
pelos países europeus não-comunistas, que conta com 30 países-membros.
383
razoável (gestor, fiscal, médico, advogado, engenheiro, etc.) no condicionamento do caso
concreto.
A regra geral de cumprimento das obrigações inerentes ao exercício de uma atividade
profissional, nota-se o cuidado ou a diligencia que deve apreciar a relação com a natureza da
atividade exercida, com lealdade, próprios de gestor ou fiscal razoável posto nas mesmas
funções e circunstâncias, tendo em conta os conhecimentos especiais e a competência técnica
razoavelmente esperáveis de um profissional capaz, sensato, sagaz, avisado e zeloso em face
do condicionalismo próprio do caso concreto. No fundo, o estado objetivo e tipizado do “bonus
pater familias”, da diligência, o dever em relação à natureza da atividade, traduzido pelo
padrão, de gestor consciencioso ou criterioso, nos elevados padrões de diligência profissional
exigíveis aos titulares de órgãos de administração e fiscalização.
Entende-se que a lealdade devida decorre do princípio de boa fé e tutela da confiança:
dever de nortear a gestão e a fiscalização pelo interesse da sociedade, servindo esta como
fiduciário e não servindo-se dela.
A consagração de “deveres de cuidado” e “deveres de lealdade” não é inovadora na
substância da responsabilidade de administradores e membros de órgãos de fiscalização: traduz
a codificação ou “transplante legal” de origem anglo-americana no campo fiduciário.
O administrador deve ser cuidadoso em preservar e evitar a uma exposição a riscos
desnecessários. Se os administradores têm de correr riscos e decidir se assumem um risco com
vista a multiplicar o capital investido e de cuja gestão estão incumbidos, é porque ocupam uma
posição fiduciária na sociedade a cujos órgãos pertencem e devem, como consequência, atuar
de boa fé (com o cuidado e a lealdade devidos) no melhor interesse social e evitar colocar-se
em situação de interesses pessoais conflitantes com os da sociedade ou tirar benefícios
injustificados, garantindo os negócios confiados.
Observando a ilicitude e a culpa como pressupostos autônomos e distintos da
responsabilidade e a violação do dever de cuidado exigível como elemento da culpa, porque a
responsabilidade de membros da administração e de órgãos de fiscalização para com a
sociedade reveste natureza contratual, percebe-se a presunção de culpa consagrada na lei,
aplicável igualmente aos membros de órgãos de fiscalização: é a regra de direito comum.
Presunção de culpa inexistente, em conformidade com a regra geral da responsabilidade
aquiliana, nas hipóteses de responsabilidade para com os credores sociais ou para com os sócios
e terceiros, igualmente aplicáveis à responsabilidade dos membros de órgãos de fiscalização:
384
nestas hipóteses de responsabilidade extracontratual, os lesados têm de alegar e provar a culpa
de administradores e/ou supervisores, a inobservância culposa das disposições legais ou
contratuais destinadas à proteção dos credores; responsabilidade, os termos gerais, logo por
culpa provada.
Na ação social de responsabilidade obrigacional proposta contra administradores e/ou
supervisores, (ação social uti singuli, intentada por um ou vários sócios como substitutos
processuais), a sociedade (ou seu credor ad litem) ou o substituto processual só tem de alegar e
provar o incumprimento de dever legal ou contratual (preterição de deveres legais, estatutários
ou contratuais destinados à proteção do interesse social, o dano no patrimônio social e o nexo
de causalidade adequada entre aquele ato ilícito ou omissão ilícita e o dano sobrevindo.
Cabe aos administradores e/ou supervisores demandados ilidir a presunção legal da
culpa, mostrando que procederam com o cuidado e diligência devido: se provarem que não
houve culpa da sua parte, visto o ato de gestão ter sido praticado com a diligência de gestor
criterioso e ordenado e a vigilância cumprida com a diligência profissional exigível, a
responsabilidade para com a sociedade não ocorrerá por falta de culpa, apesar da ilicitude
cometida (preterição do dever legal ou contratual protetor do interesse social).
Neste contexto, a título de exemplo, socorre-se a sugestão de Calvão da Silva, de
proporcionar um “porto seguro” a administradores – e a supervisores (ex vi do artigo 81 da lei
portuguesa), introduzido pelo Decreto-lei n. 76-A/2006, o atual art. 72, que reza:
A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no
número anterior provar que atuou em termos informados, livre de qualquer
interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.
A versão portuguesa da business judgment rule, iniciada há cerca de dois séculos pelos
tribunais nos EUA e que continua vigorosa como forma de administradores (“honestos”)
gozarem do beneficio de atuarem devidamente informados, de boa-fé e não no seu interesse
pessoal, com a presunção relativa de que uma decisão empresarial foi tomada em base
informada, de boa-fé e honestamente, no melhor interesse da sociedade. Diferentemente, o
legislador português inverteu o “ônus probandi”, fazendo recair sobre os gestores e
supervisores a demonstração de que a decisão empresarial – decisão positiva (de facere) ou
negativa (de non facere), mas sempre uma ativa decisão empresarial, não se aplicando aos casos
em que administradores/supervisores abdicam das suas funções nem apura omissões ou inações
por esquecimento ou negligência – foi tomada:
385
- numa base adequadamente informada acerca do objeto, num eventual iter negociatório
e no processo decisório razoável, fundamentado em estudos e pareceres, a evidenciar a
importância da observação do cuidado exigível na leitura e ponderação de todo o material
informativo relevante com vista a ato de gestão ou de fiscalização consciencioso e racional: a
extensão da obrigação de estar informado e de exercer supervisão adequada depende
naturalmente da natureza da decisão, seu objeto e complexidade.
- livre de qualquer interesse próprio, quer dizer, na ausência de conflito de
interesses significativo, com gestores e supervisores pessoalmente
desinteressados (independentes) no assunto da decisão;
- segundo critério de racionalidade empresarial: a decisão é racional, sensata,
faz sentido, acreditando razoável e honestamente, de boa fé, ser no melhor
interesse da sociedade.
Se um destes requisitos não estiver preenchido, a business judgment rule não protegerá
os administradores ou supervisores, sem que isso constitua prova automática da violação do
dever de cuidado exigível e, por conseguinte, a não elisão da presunção de culpa prevista no
número 1 do art., 72 do diploma legal português, que se traz a título de suporte legal comparado.
Ao invés, se os requisitos ficarem provados, a responsabilidade é excluída, sem mais o
tribunal não substitui o seu julgamento ou ponto de vista ao julgamento (decisão) de gestores
ou supervisores, se cumpridos cumulativamente os elementos referidos. Ou seja, o tribunal não
escrutina ex post a oportunidade e o mérito de uma decisão empresarial racional (razoavelmente
informada, tomada então na convicção séria, de boa fé, de ser no melhor interesse da sociedade),
consciente de que não tem (mais e melhor) habilitações para esse juízo e de que mesmo as
decisões empresariais honestas, informadas e racionais comportam riscos, podendo vir a
revelar-se de efeitos negativos (error in judicando).
E assim, através do teste da business judgment rule, os tribunais respeitam
decisões/deliberações empresariais tomadas com cuidado, de modo são e prudente – decisões
não arbitrárias, não irracionais, portanto -, no exercício do poder discricionário que preside à
administração das sociedades numa economia de mercado livre e competitivo.
Essas circunstâncias tem a vantagem de atrair gestores conscientes, de que o dever de
cuidado a que se sujeitam não constitui um “absoluto” absurdo por incumprível, porquanto não
será mais elevado do que o esperável do típico administrador razoável.
Por outro lado não limita a criatividade e a liberdade de gestão, com postura responsável
de riscos, indispensáveis ao progresso e à inovação do movimento de aceleração dos mercados
extremamente competitivos. Assim os membros de órgãos de fiscalização tem que se ajustar a
386
essas medidas de inovação, crescimento e transformações com decisões apropriadas,
selecionando proposições ao legislador e em situações próprias ao direito societário, à
assembleia geral a nomeação de consultorias, peritos para revisar as prestações, dos relatórios,
e sobre a sua própria ação fiscalizadora da eficácia do sistema de gestão de riscos, do sistema
de controlo interno e do sistema de auditoria interna, averiguando as deficiências encontradas.
A “business judgment rule” só não se aplica nas areas de responsabilidade dos órgãos
de fiscalização em que os seus membros não exerçam “business judgment rule”, isto é, não
atuem pela tomada de decisões, continuando, porém, o seu depoimento sujeito aos deveres
fiduciários de cuidado e lealdade, flexíveis, dinâmicos e evolutivos.
Tudo tem o enfoque no processo decisório, de apurar a decisão questionada foi uma
decisão de boa fé, independente, desinteressada, informada, com racional propósito
empresarial, na convicção séria e honesta de ser no melhor interesse da sociedade, e as decisões
dos administradores e supervisores fomenta o dever de cuidado e diligencia exigível, atuando
com racionalidade empresarial, de modo este “modus operandi” ou “modus deliberandi”, de
boa fé e na razoável convicção de ser no melhor interesse da sociedade.
A querer tudo isto significar, noutra formulação, mesmo que gestores ou supervisores
não provem ter procedido sem culpa substantiva, agindo com toda a diligência profissional
exigível, a sua responsabilidade é excluída se demonstrada a atuação informada, desinteressada
a racional (reasonable decisionmarking process), mesmo que a decisão substantiva seja
negligente.
Deste modo, a exclusão de responsabilidade está mais facilitada do que antes apenas
pelo mesmo preceito. Calvão da Silva580 sugere, pelo menos, com base pelo novo dispositivo
do preceito lusitano, que, no fundo, bem vistas as coisas, só haverá responsabilidade por
decisões dificilmente explicáveis por fundamento diferente da má fé, decisões arbitrárias ou
irracionais, portanto, normalmente tiradas em procedimento/processo doloso ou gravemente
negligente.
Impõe enfatizar, para efeito probatório, a importância da ata, cuja redação deve ser
lavrada com extremo cuidado, completa, pormenorizada, conferindo, identificando as pessoas
presentes legalmente identificadas, e das mesma forma as presenças dos acionistas que irão
apor as suas assinaturas, quando da hipótese dos correspondentes procuradores, obviamente na
580 SILVA, Calvão. Op. cit.
387
forma da lei, narrando com minúcia todos os assuntos discutidos, aprovados e rejeitados. Inserir
horário e data, o tempo despendido nas reuniões para sopesar as vantagens e os inconvenientes
dos temas tratado com dados de informações e estudos produzidos sobre matérias relevantes
tratadas, especialmente quando examinadas e ou contratadas por expert, mesmo que sejam
pessoas conceituadas e notório saber, detentor do assunto examinado que dará suporte as
decisões das assembleia de acionistas, dos conselhos, e ou de qualquer comissão comité, grupo
de trabalho interno ou externo da companhia.
Todos detalhes devem estar postos na ata, devidamente explanadas, não deixando
qualquer margem para dúvida, evitando omissão, para que em qualquer momento sejam
fielmente examinadas e da ata extraídos conclusões sobre os assuntos vivenciados.
É comum um acionista, ou componente de grupo, colegiados de qualquer espécie
encaminhar ao redator da ata alguma recomendação para constar no corpo da mesma, mas o
encarregado do texto pode desconsiderar, simplesmente entender desnecessário por alguma
subjetividade, desinteresse, deixando vulnerável a ata, tornando parte ou no todo, o conteúdo
passível de alguma nulidade ou anulabilidade. Por isso as atas devem ser redigidas
suscintamente, mas com a maior fidelidade do quanto aconteceu no colóquio. O que não pode
acontecer é deixar ao bel prazer do redator o texto da ata, uma que o ledor poderá dissecar os
assuntos ventilados com a segurança do quanto disseram assentar naquele momento. Por tanto
não pode haver negligência.
A ata redigida ao sabor de um redator infiel será fadada a algum questionamento e
conduzir a injustiça. O poder de síntese deve ser fiel e seguro, revelando a verdade. Preferível
a redundância, mesmo que repetitivo, mas proporcione fortuna de dados, informações e detalhes
dos objetos e falas.
No fundo, a exoneração de responsabilidade civil (por decisões empresariais racionais,
honestas e informadas) assenta na presunção de que os seus autores não violam o exigível dever
objetivo de cuidado e diligencia profissional e reforça a autoritas de decisões livres no exercício
das suas funções e no cumprimento dos seus poderes e deveres, ao impedir que na valoração a
posteriori de uma concreta decisão o juízo de oportunidade e mérito da administração ou
fiscalização seja substituído por um juízo de oportunidade e mérito do tribunal. Destarte, dever
de cuidado; business judgment rule interralacionam-se de modo tensional, complexo, intricado:
Se a business judgment rule não for de aplicar, por falta de um dos referidos
requisitos do processo decisório, isso não equivalerá a culpa in re ipsa (leia-
se, a automática violação do dever de cuidado), cabendo ao tribunal apurar se
388
esta ocorreu ou não, se foi ou não tomada uma “reasonable decision” – pode
escrever-se direito por linhas tortas, pode acertar-se na decisão por instinto,
superior inteligência/competência ou sorte grande ...;
Se a business judgment rule for de aplicar, por verificação cumulativa de todos
os pré-requisitos que exige a lei exclui a responsabilidade (como que)
presumindo a observância do exigível cuidado profissional no exercício do
poder discricionário dos decisores (membros da administração ou da
fiscalização), sem que o tribunal aprecie (ex post) a razoabilidade substantiva,
leia-se, a oportunidade e o mérito da decisão em si mesma, (desse que) tomada
de modo racional, desinteressado, honesto.
Naturaliter, o tribunal não pode coibir-se de apreciar a legalidade da decisão,
seja a ilicitude ou antijuridicidade do ato praticado com preterição de dever
legal, dever estatutário ou contratual específico, seja a ilicitude na modalidade
de abuso de poder discricionário de decidir581.
Parece que não se deve aplicar, ou apreciar a antijuridicidade. A business judgment rule
se relaciona em tensão com o dever de cuidado e diligência, e não com ilicitude enquanto
pressuposto da responsabilidade civil distinto e autônomo da culpa.
Os deveres de lealdade devem ser observados pelos administradores no interesse da
sociedade, atendendo a longo prazo os sócios, ponderando as conveniências dos demais sujeitos
presentes nas relações sociais, não olvidando dos benefícios relevantes para sustentabilidade da
sociedade, tais como os de utilidade em favor dos seus empregos, trabalhadores, clientes e
credores.
O legislador deve estar atento aos interesses da sociedade, o interesse comum ou
interesse coletivo dos sócios, a predominância da concepção contratualista na medida em que
deve atender aos interesses individuais de longo prazo dos sócios e ainda ponderar os interesses
dos demais stakeholders da sociedade, trabalhadores, cientes, credores e fornecedores.
Dessas observações confere-se uma certa hierarquização, que alguns dão como existir
uma importância descendente para o bom cumprimento dos deveres de todos aqueles que se
envolvem nos interesses e negócios da companhia, elegendo a lealdade dos administradores
como carga pesada, mas decisiva para atender o interesse social. Também, nessa linha, presente
os interesses individuais de longo prazo dos sócios que devem merecer “atenção”; por fim, os
interesses dos demais stakeholders da empresa ainda que devem ser “ponderados”.
Já os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de
lealdade, no interesse da sociedade, e não parece ser de sobrevalorizar a indicação apenas do
interesse social e considerar totalmente irrelevantes os outros interesses, sob pena de possível
incongruência sistémica: neutraliter, uma decisão da administração tida como leal, no juízo
581 SILVA, Calvão. Op. cit.
389
complexivo, global e englobante dos interesses vários, como se pode citar a título de exemplo,
as disposições contidas na supracitada lei portuguesa, não poderá ser vista (valorada) como
desleal pela fiscalização, porque e na medida em que atenda apenas e tão-só ao interesse da
sociedade.
Consabidamente, do princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações e no exercício
dos direitos correspondentes, decorrem deveres de lealdade, sem deixar de conferir a frequência
desses contratos de sociedade para os membros dos órgãos sociais e para os sócios explica-se
pela natureza fiduciária das relações estabelecidas, com a boa fé a jogar papel proeminente na
análise dessa fidúcia. Em razão do que, substancialmente, o dever de lealdade impõe que os
titulares de órgãos sociais promovem e proteja o interesse da sociedade, e se abstenham de
condutas que lesem a sociedade. Porque por aqui passa muito a eticização ou moralização do
direito societário, o dever de lealdade é de aplicação severa, rígida, não comprimível sequer
pela aplicação da business judgment rule.
O dever de lealdade implica prevenção de conflitos de interesses; a preservação dos
membros da administração e da fiscalização, a não poderem fazer negócios com a sociedade;
exercer por conta própria ou alheia atividade concorrente com a da sociedade nem exercer
funções em sociedade concorrente; votar sobre assuntos em que tenham um interesse em
conflito com o da sociedade; apropriar-se de oportunidades de negócio da sociedade; usar
segredos de negócios, informações internas reservadas ou confidenciais e outros ativos ou
mesmo a posição societária para fins pessoais; fixar remunerações exorbitantes, e outras
circunstâncias.
Não olvidando que conflitos podem ocorrer entre interesses opostos ou paralelos de
clientes colocados do mesmo lado ou em lados diferentes da transação: ninguém pode servir
(fielmente) a dois senhores.
Naturalmente, ainda, haverá violação do dever de lealdade por parte de quem sabe que
a sociedade tem sido defraudada e não denuncia esse fato.
A legislação portuguesa, considera nula a cláusula, inserta ou não em contrato de
sociedade, que exclua ou limite a responsabilidade de fundadores, gerentes ou administradores,
entendendo aplicável também a responsabilidade dos membros de órgãos de fiscalização,
seriam nulas todas as cláusulas de exclusão ou limitação da responsabilidade, independente de
dolo, culpa grave ou culpa leve. Porém, a interpretação desses preceitos não deve fugir à
390
problemática hermenêutica da norma de direito comum, não esquecendo as disposições do
Código Civil.
E, portanto, quem defende a interpretação restritiva contida em norma legal, segundo a
qual a proibição das cláusulas de irresponsabilidade não abrange a culpa leve, deve proceder
do mesmo modo na interpretação de algum dispositivo legal que esteja a amparar tal hipótese,
sendo nula a cláusula de irresponsabilização por dolo ou culpa grave inserta no contrato social,
no contrato de gestão ou no contrato de que resulte a crédito, tendo em conta a aplicação do
preceito em análise na responsabilidade para com os credores sociais e na responsabilidade para
com os sócios e terceiros.
Em abono da validade de cláusula ou limitação de responsabilidade por culpa leve
confere-se o alcance da business judgment rule, acima ventilado, reconhecendo a hipótese de
decisões empresariais comentando o que passou a ser encarada como erros “honestos”,
cometidos por mera negligencia ou culpa leve, e que em algumas circunstancias admite-se a
exclusão ou limitação da responsabilidade, salvo quando emergem normas legais que
possibilitam a inserção de cláusulas de exclusão ou limitação.
O ponto comum entre todas essas situações permite descrever a governança corporativa
como um conjunto de princípios e práticas que procura minimizar os potenciais conflitos de
interesse entre os diferentes agentes da companhia com o objetivo de reduzir o custo de capital
e aumentar tanto o valor da empresa quanto o retorno aos seus acionistas.
Tem-se organizações com controle definido que devem divulgar, com clareza, como o
poder político é exercido por seus controladores, ou seja, é preciso informar se esse controle se
da diretamente, através da maioria das ações, ou por meio de mecanismos de ampliação de
controle.
Aspecto relevante com relação a práticas entre sócios, é que devem conter mecanismos
para resolução de casos de conflitos de interesses, inclusive no que concerne as condições de
saída de sócios.
Os membros do Conselho de Administração deverão cumprir fielmente seu dever de
lealdade e diligência para com a organização. Esse dever deve sobrepor os interesses
particulares daqueles que os indicaram, como prevê o Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa.
391
Nessa linha compreende-se o Conselho de Administração como o órgão colegiado
encarregado do processo de decisão de uma organização em relação ao seu direcionamento
estratégico, é também considerado como órgão principal responsável por apoiar e supervisionar
continuamente a gestão da organização com relação aos negócios, aos riscos e as pessoas, que
não deve interferir em assuntos operacionais, mas deve ter a liberdade de solicitar todas as
informações necessárias ao cumprimento de suas funções, inclusive a especialistas externos,
quando necessário e fazer a divulgação, publicidade para que chegue a todos os acionistas
interessados.
O referido Conselho deve prestar contas aos sócios, incluindo lavrar um parecer sobre o
relatório da Administração e as demonstrações financeiras, além de propor que a Assembleia
exercite pertinentes deliberações sobre negócios e rumos na busca da preservação e correta
lucratividade empresarial.
No curso dessas práticas, muitas delas não são entendidas como satisfatórias aos
acionistas e em favor dentre os diversos interesses envolvidos. Essa circunstância incitou
estudiosos examinar o assunto com mais desenvoltura, debatendo o tema sobre governança
corporativa.
Vale destacar Means Berle, cujo trabalho, em 1932, levou a significativa mudança na
estrutura societária das empresas norte-americanas, cuja base acionária passou a se apresentar
mais dispersa.
A partir dos anos 1970, o enfoque contratual das relações econômicas despertou interesse
entre profissionais e acadêmicos em diversos países, gerando discussões que fez eclodir a teoria
da agência, pela qual a sociedade é concebida como uma rede de contratos, explícitos e
implícitos, os quais estabelecem funções e definem os direitos e deveres de todos os
participantes – principal e agente; este se situa no centro das relações entre todos os interessados
na empresa – empregados, fornecedores, clientes, concorrentes, acionistas, credores,
reguladores e governo.
Dessa forma, a firma pode ser analisada como ficção legal em que objetivos conflitantes
de indivíduos são colocados em equilíbrio por meio de contratos. No entanto estes não são
perfeitos e completos, pois é impossível prever todos os conflitos que possam existir entre
acionistas e diretores, e prevenir perdas.
Devida a separação entre a propriedade e a gestão, quem exerce efetivamente o controle
são os administradores das companhias, o que faz ocorrer uma assimetria de informações, pois
392
o agente tem acesso a dados a que o principal não tem. A hipótese fundamental dessa teoria é
que as pessoas têm interesses diferentes e cada uma busca maximizar seus próprios objetivos.
Embora se espere que as decisões do agente visem os interesses do principal, conflitos
podem surgir quando as ações do agente não estão de acordo com as expectativas dele. O
agente, muitas vezes, preocupa-se com sua própria riqueza, sua segurança no emprego e outras
vantagens pessoais, como os benefícios com seus honorarios e “bônus” (remuneração), o que
pode leva-lo a agir contrariamente à maximização de riqueza do principal.
Ao abordar relações econômicas bilaterais entre o principal e o agente, a teoria da
agência apresenta três condições: o agente dispõe de vários comportamentos possíveis de
adoção; a ação dos agentes não afeta apenas seu próprio bem-estar, mas também o do principal;
as ações do agente dificilmente são observadas pelo principal, por haver assimetria
informacional entre as partes.
As relações de agência estão presentes em inúmeras situações do cotidiano das
empresas. Conforme Shleifer e Vishny explicam, o conflito de agência ocorre, pois, geralmente,
os agentes aplicam o fluxo de caixa da empresa antes de prestar contas aos proprietários. E O.
Williamson 582 exemplifica algumas ações que podem gerar o conflito entre agentes e principal
expectativa de prazo de retorno dos projetos; investimentos não lucrativos que absorvem grande
parte do fluxo de caixa, o qual poderia ser distribuído na forma de dividendos; uso de recursos
da empresa para interesses individuais; exposição a riscos e conveniência de novos
investimentos; remuneração excessiva para os diretores da empresa; fusões e aquisições que
não agregam valor e compras de insumos com preços acima do valor de mercado.
Aponta Silva583 que na teoria tradicional a governança corporativa surge com vistas a
superar o conflito de agência. Na perspectiva da teoria da agência, a preocupação maior é criar
mecanismos eficientes – sistemas de monitoramento e incentivos – para garantir que o
comportamento dos executivos esteja alinhado com o interesse dos acionistas.
O alinhamento de interesses dos acionistas é dos efetivos controladores da empresa não
é automático; para tanto, são necessários estruturas e sistemas que harmonizam os conflitos de
interesse entre eles. A governança corporativa deve se voltar para a análise de como o principal
estabelece um sistema de monitoramento e incentivo que motive outro individuo a agir de
acordo com o interesse do primeiro.
582 WILLIAMSON, O. Corporate finance and corporate governance. Journal of Finance, 1988, v. 43, p. 567-591. 583 SILVA, André Luiz Carvalhal da. Op. cit. p.p. 7-9.
393
Os conflitos de interesse geram custos, pois são necessários medidas para monitorar os
administradores, as quais incluem: contratação de auditoria independente; implementação de
medidas de controle; gastos com seguros contra danos provocados por atos desonestos de
administradores; estabelecimento da remuneração dos agentes vinculada ao aumento da riqueza
dos acionistas, como concessão de ações aos administradores e outros incentivos ao
alinhamento dos interesses entre estes e a administração. Os custos de minimização do conflito
de agência são denominados custos de agência.
Mesmo que incorra nesses custos, os problemas de agência não podem ser totalmente
solucionados, pois nem sempre os agentes atuarão segundo os interesses dos acionistas. A perda
de riqueza decorrente do conflito de agência foi chamada de perda residual por Jensen e
Meckling. Portanto, os custos de agência são a soma total dos gastos com monitoramento por
parte do principal e com sem perda residual.
Os mecanismos de governança têm por objetivo controlar e monitorar a empresa de
forma que os administradores tomem suas decisões com vista aos interesses dos proprietários.
Por isso, uma estrutura de governança deve minimizar os conflitos e os custos de agência e
maximizar o valor da empresa.
No Brasil onde a propriedade das empresas é altamente concentrada nas mãos dos
acionistas controladores, que, geralmente, também fazem parte da diretoria executiva, o conflito
entre principal e agentes é relativamente reduzido. Ao contrário dos Estados Unidos e da
Inglaterra, o centro do poder de controle corporativo não está com a diretoria, mas, sim, com o
acionista controlador.
Nesse contexto, como existe um agente capaz de influenciar o controle de uma
companhia, um novo problema de agência pode surgir, desta vez entre os acionistas
controladores e os acionistas minoritários. Nas companhias brasileiras, os maiores conflitos
ocorrem entre o acionista controlador e os acionistas minoritários, uma vez que o primeiro
detém a maioria dos votos e o poder de eleger grande parte dos administradores. Nesse caso, a
governança corporativa deve se preocupar em resolver e em evitar os conflitos de interesse
entre os acionistas.
A transparência das informações (disclosure/divulgação) e os acordos de acionistas
podem ser usados para regular conflitos entre acionistas controladores e minoritários. Os
acordos podem restringir os poderes do acionista controlador, estabelecer matérias estratégicas
que necessitam de aprovação de acionistas minoritários, prever o direito de os acionistas
394
minoritários indicarem um determinado número de conselheiros, bem como lhes conceder o
direito de tag along (que é o direito de os acionistas minoritários venderem suas ações da
companhia em caso de alienação do controle acionário, nas mesmas condições e nos mesmos
preços pelo acionista controlador).
O modelo de governança corporativa depende do ambiente cultural, legal e institucional
em que está inserto. Nos países onde o mercado de capitais é ativo e desenvolvido, o conflito
menos líquidos e desenvolvidos, o conflito de agência ocorre entre acionistas controladores e
acionistas minoritários.
A análise dos principais modelos de governança corporativa, presentes em diferentes
países do mundo, passa a ter importância fundamental para atender as relações dos que
participam nessa seara, para que funcione bem, preservando patrimônio e investidores.
Tais reflexos necessariamente se projeta para as atividades empresárias quando envolve
o setor público, uma vez que este setor de atividade estar dividido entre os campos
administrativo e empresarial, face a esta realidade, refere-se comumente as empresas de capitais
públicos e o setor empresarial publico/privado. Este é entendido como conjunto de unidades
produtivas, organizadas e geridas de forma empresarial pelo Estado, integrando o mesmo.
O setor empresarial público sempre está atravessando momentos de perplexidade, que
não só passa pela alteração da sofisticação de meios de gestão, como também por movimentos
de concentração, e em alguns casos processos de privatização.
A partir da década de 80 do século passado, assiste-se a uma progressiva descrença no
Estado Social, particularmente interventor, e na eficiência da gestão pública. “O Estado
Providência, assume cada vez maior número de tarefas econômicas e sociais, vê-se a sua
intenção de resolver tudo traída pela finitude dos meios ao seu dispor”, Porto e Calvão da
Silva584 estaria a desenhar o que afirma ser o Estado Pós-Social. O Estado Regulador. Aspecto
este não de só menos importância, atento ao fato de que o Estado passa a ser regulador e
proprietário, cabendo-lhe, no entanto, dispensar igualdade de tratamento aos vários atores do
mercado.
Souza585 leciona trazendo os dados abaixo, que proporciona uma compreensão da
trajetória e desdobramentos sobre esses relevantes aspectos, procedimentos, segundo os seus
584 PORTO, M. e SILVA, Calvão. Corporate governance nas empresas públicas. Systemas. Revista Ciênciais
Jurídicas e Econômicas, Ano 1, nº. 2, 2010, pag. 106. 585 SOUZA, Celina. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, jul./dez 2006, pag. 20-45.
395
patrocinadores teóricos e ideológicos, visam proporcionar padrões de excelência na gestão
pública. Por essas vozes, outros registram fragilidades no modo de gestão, habitualmente
relacionados com falta de transparência de atos sociais, fraca ou nenhuma relação com o
acionista, isolamento da sociedade dos seus principais stakeholders e, em particular, os débeis
resultados econômicos e financeiros que apresentam, tratados.
O tecido empresarial público vem se esgarçando, gerando empobrecimento e perda de
importância das empresas públicas em sentido lato, sendo um obstáculo para os esforços de
modernização e de viabilidade econômica.
A inexistência de estudos que avaliem a relação entre a aplicação de regras de corporate
governance e valor societário no setor empresarial público constitui uma dificuldade neste
percurso que, associado à escassez de fontes sobre o tema, importa, necessariamente ser objeto
para suprimir a deficiência, salvo a jurisprudência administrativa em órgãos de julgamento de
contas públicas.
A importação para a regulação do setor empresarial público de preceitos relacionados
com a gestão das sociedades privadas, mormente das sociedades de capital aberto, cotadas ou
emitentes, tem determinado uma acrescida complexidade na gestão, mas também importantes
resultados relacionados com a sua eficiência. Tanto assim que nota-se grande influência de fuga
para o direito privado na organização da administração pública, que passou a recorrer, em várias
frentes, à assunção de formas de organização próprias do setor privado, entre as quais se contam
o recurso à via empresarial sob a forma jurídica privada, que originou o setor público
empresarial.
A divulgação pela mídia, exercendo pressão publicamente tem afetado no investimento
das sociedades estatais, com repercussões negativas na esfera do mercado que elas atuam.
Confere-se que a administração pública passou a recorrer, em várias frentes, à assunção de
formas de organização próprias do setor privado, face as dificuldades enfrentas num exercício
de gestão amoldada exclusivamente às disposições como ente público, em virtude das
dificuldades de competividade como inserido no conjunto das instituições, politicas e fatores
que determinaram um deficiente grau de produtividade, o que Maria João Estorninho586,
expressa aspectos da influência, de fuga para o direito privado.
586 ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado – contributo para o estudo da atividade de direito
privado da administração publica. Almedina, Coimbra, 1999.
396
Relevante assinalar que algumas organizações e certos juristas portugueses, à exemplo de
Pedro Vicente, dão ênfase a accontability (prestação de contas) e a transparência no governo
das sociedades como fatores decisivos para o aumento da competividade e para o crescimento,
sublinhando ainda a estrita necessidade do reforço de auditing e de reporting, e inova,
destacando a responsabilidade na gestão como um fator caracterizador de uma nova era, que na
verdade já deveriam estar a praticar desde o nascedouro.
A promoção de consertos nas áreas administrativas, econômicas das empresas estatais,
não somente revelam uma necessidade, mas, também um estimulo, para que sejam instituições
centradas nas pessoas e verdadeiramente integradas no mercado, exercitando-se uma
intervenção pedagógica estrutural, não apenas proveitosa numa reforma de enquadramento
especifico, aplicável a todos os responsáveis pelas instituições públicas, e ou assemelhadas.
Constitui um desafio! Para atender este fim tem-se as considerações exercitadas, as bases e os
conceitos de res publica e de interesse público, com as especificidades da gestão do setor, e
suas características.
Procura-se estabelecer práticas para o setor público empresarial a fim de cumprir não só
recomendações, princípios e legislação, sem dispersão, devendo agir de modo claro e
perceptível, ajustando-se como se fosse a um manual de gestor ético do setor empresarial
público, mais do que comprometido com as determinações do setor, porque tem todas as
companhias são empresas públicas, ou de capitais públicos, ou são de iniciativa estatal. Existem
as empresas constituídas num capital social de natureza pública parcial, dai porque existem
correntes que adotam divisão em duas vertentes estruturais: setor público administrativo e setor
público empresarial.
Nessa área e direção está o princípio da Responsabilidade Corporativa como uma
aplicação prática do princípio constitucional e do direito civil que é a “função social da
empresa”, e neste sentido esta a fala de Fabio Konder Comparato:
Como se vê, a lei reconhece que, no exercício da atividade empresarial, ha
interesses internos e externos que devem ser respeitados: não só os das pessoas
que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como os
capitalistas e trabalhadores, mas também os interesses da comunidade em que
ela atua.
E Modesto Carvalhosa mostra:
[...] Tem a empresa uma obvia função social, nela sendo interessados os
empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado,
que dela retira contribuições fiscais e parafiscais.
... Aqui se repete o entendimento de que cabe ao administrador perseguir os
fins privados da companhia, desde que atendida a função social da empresa.
397
A Governança Corporativa pode ser identificada também como um sistema de
normativos internos e externos que buscam assegurar os direitos dos acionistas, garantir a
difusão das informações, assegurar o exercício do direito das diversas partes interessadas e
regular a interação entre acionistas, conselhos de administração e gestores das empresas587.
A matéria impulsiona a uma reflexão, que pode entender como primária, mas necessária
ser colocada à tona para uma filtragem do comportamento humano. E mais que um impulso,
deve ser encarado como um processo de preparação, um exercício contínuo.
Admitindo-se mudanças que não estão, necessariamente, vinculadas a projeto teórico-
politico, e sim ao diagnóstico de tempo e suas consequências, inclusive em busca da
denominada liberdade perdida.
5.17 O voto na canalização da boa fé e lealdade
Ao enfocar os aspectos históricos do desenvolvimento econômica e social do homem com
a sumária consideração da estrutura primitiva à mais sofisticada atividade mercantil
contemporânea, revelando a ética como ingrediente relevante na economia.
Curiosidades aparecem como nos esforços de inteligência da engenharia, como em
“Viagem de Smith no Navio do Estado”, interpretação dada por George Stigler sobre
pronunciamento de Smith, que “embora os princípios da prudência comum nem sempre
orientem o comportamento de todos os indivíduos, influenciam sempre o da maioria de
qualquer classe ou ordem”, como que implicando que “o interesse pessoal domina a maioria
dos homens”588.
Os historiadores da filosofia que analisam a economia e a ética partir de Aristóteles, ao
se ater sobre o “bem para o homem”, incluía questões de gestão econômica, com exigências
correspondentes a engenharia econômica, pensamentos similares se fazem presentes e se
aplicam na relação comportamental do membro do Conselho de Administração na sociedade
de economia mista.
587 MARQUES, Roberta. Educados ou adestrados. Matéria veiculada no jornal ‘A Tarde’, edição de 13/02/2016.
Ano 104, nº. 35.372, p. A 8. (Bióloga e Professora da Universidade Federal da Paraíba). Oportuno trazer à baila
aspecto de comportamento humano, como a indagação “Você é educado?”. 588 SEN, Amartya. Sobre ética e economia”, Almedina, novembro, 2012, p. 38.
398
A economia denominada do bem-estar pode ser substancialmente enriquecida se lhe for
dada mais atenção ética589. Sandel entende estar muito longe da imagem do mercado como uma
mão invisível proposta por Adam Smith, e que o mercado surge como uma mão pesada e ainda
por cima manipuladora, que economistas insistem na distinção entre economia e ética, entre
lógica de mercado e logica moral.
Segundo Levitt e Dubner, citados por Sandel, a economia simplesmente não lida com a
moralidade, e esta representa a maneira como se gostaria que o mundo funcionasse, e a
economia representa a maneira como de fato funciona590.
Ao analisar decisões do membro do Conselho de Administração da sociedade de
economia mista, sob alinhamento ou não com as proposições do acionista majoritário, ou do
acionista controlador, a discussão sobre a divergência de orientações, encarada como uma
funcionalidade alinhada a uma questão de eficácia econômica, ou sob sustentação em alguma
versão da filosofia moral utilitária, sujeita a certas objeções, como a lógica de mercado que
carrega a questão da maximização da satisfação de preferencia independente do valor moral.
Irremediavelmente, tais questionamentos envolvem aspectos relacionados com a confiança e a
liberdade, auscultando opiniões dos que estão a contrariar os interesses e as expectativas da
sociedade empresária e ou dos governados.
A sociedade contemporânea presencia uma imensa, variada discussão de negócios que
provocam desdobramentos, que levam a inúmeras perquirições nas mais diversas áreas
mercantis, em cenários por vezes descompassado, desigual, criando uma ansiosa expectativa,
na esperança por dias melhores, por politicas confiáveis, sob pena de ampliar a angustia e
retardar efetivas soluções saudáveis para atender as aspirações dos governados, que perpassam
no emaranhado das análises políticas e jurídicas que eclodem em expressões de magnitude,
conduzindo a verificação do resultado que muitas vezes não se molda a essa mesma estrutura
social.
Utiliza-se o voto, para dar legitimidade a representatividade necessária, para atender o
figurino social, e a sua boa prática no ambiente empresarial, sendo reconhecido, o voto como
importante instrumento para atender as decisões corporativas. A literatura especifica sobre o
voto representativo, por seus cultores, contemplam a sua aplicação intensamente para a envolta
tarefa de esmiuçar a matéria, em especial sobre o desenvolvimento dos direitos dos acionistas,
589 Idem, op. cit. p. 101. 590 SANDEL, Michael J.. O que o mercado não compra: os limites morais do mercado. Civilização Brasileira,
São Paulo, 2017, p. 88/91.
399
suas prerrogativas nas assembleias e reuniões dos órgãos, aspirando as devidas respostas, afora
as críticas que se faz no ambiente empresarial.
A utilização do voto, como poder e direito, para ser entendido como um molde, ou para s
ter uma visão sob uma posição secundaria, ou como um mero coadjuvante no complexo cenário
da doutrina do direito societário. O assunto faz refletir a responsabilidade e extensão desse
direito, que também se apresenta como dever dos acionistas, quando estão no exercício da
prerrogativa ao direito do voto, expressando situações ditadas no âmbito do direito empresarial,
cujos estudos aplicados, sobre o voto, que é um instrumento de extrema importância
democrática, sobretudo quando exercitado com liberdade, e sob justa legislação, torna-se uma
preciosa ferramenta legal, que chega a ser insubstituível nas deliberações decisivas entre forças
ocultas.
Pelo quanto já percorrido para compreender a relação da lealdade do membro do conselho
de administração para com qualquer acionista da companhia pública e ou privada, acarreta
exame dos elementos da confiança e boa-fé, presentes nesse vínculo.
Além do voto, constata-se que o adequado contexto jurídico percorre o caminho que
perpassa por várias áreas do conhecimento humano.
Os filósofos abordam a ética, mas também se vincula os elementos psicológico,
sociológico, jurídico, proporcionando entendimentos nas próprias áreas, dimensionando a vida,
aspirando bons resultados. Nessa moldura, extrai-se as expressões da vontade verdadeira como
decisão de vida, a fim de agasalhar os destinos, os interesses, a sofreguidão, os sentimentos na
busca do bom direito e senso de justiça.
O homem como centro de tudo, a cognição, o processo evolutivo, as coisas do mundo,
emaranhando-se desde os momentos de vida primitiva do seu habitat, com inteligência
transforma os elementos, os bens encontrados no seu território, gerencia bens que passam gerar
riqueza. No início, para atender a sua satisfação, em seguida, com o excesso, oferta a terceiros.
Esse exercício proporcionou o surgimento da permuta, esta, por sua vez, levou ao comercio,
desenvolveu-se, ensejou o início da primitiva economia numa corrente que não parou, vive-se
o presente, alavanca o futuro.
Dessas agitações o homem se agiganta, constitui grupos sociais, tribos, nações, avança
com o Estado. Exercita poder e governos, experimentando constantes transformações políticas,
envolvendo-se nas atividades mercantis das mais diversas, num sistema de organização político
e social em extrema velocidade nestes últimos séculos, em continua imposição nas
400
comunidades, provenientes da inteligência humana, intercomunicando-se com bilhões de
semelhantes desiguais e diferentes.
Inegável que dentre essas experiências, uma delas, talvez, a atividade da relação de
negócios, o exercício do comércio pode ser visto como uma mística face pela busca incessante
do lucro como fim, em percurso que se emaranha a ganância, que podem levar a um campo
pernicioso.
Nesse conjunto de atividades de negócios, apresentam-se, necessariamente as sociedades
mercantis como instrumentos inafastáveis, criadas para administrar, fomentar o progresso
coletivo, e não causar prejuízo as criaturas.
Numa ficção maior dos órgãos societários, gerados para dar cabo as engenharias
estruturadas, desenhadas e colocadas à disposição do mercado apresenta-se o Conselho de
Administração nas sociedades de economia mista, e com este está a figura do voto condutor,
instrumento que está na linha de destino dos seus negócios.
Nesse arcabouço no âmbito do ‘mercado’, por sua vez, manifestam-se os acionistas,
organizando-se para atender as orientações empresariais, que tanto podem conduzir e obter
sucessos, como podem abalar direitos e deveres dos seus protagonistas em situações, ambientes
e leis próprias.
A lei não esmiúça as dobras do voto, suas consequências, e tampouco a manifestação da
comunidade para cada circunstância e sequela quando utilizado. Parece que ficou para o acaso.
As vicissitudes da vida forçam a busca de soluções para superar os percalços, e o conhecimento
dos problemas é um dos melhores meios e instrumentos para atender o interesse do homem.
O voto não somente força a discussão para a própria compreensão do que se escolhe com
liberdade, expressando vontade, subjetividade, sob sigilo, esse gozo do direito de votar; ou
abster-se, atrela-se ao individuo, e as suas volições.
No caso do exercício do múnus conferido ao Conselheiro na constância da incumbência
no Conselho de Administração, como órgão da sociedade de economia mista, prática esse
múnus de vontade e liberdade, com subjetividade, manifestando as amarras de dever ou de
submissão ao ditame do poder do governo.
O controle da autoridade vinculada ao membro do órgão pode torna-lo um dependente de
permissão de quem tem o domínio, e não só o controle das ações da sociedade empresária.
Também pode ter a alternativa de expressar lealdade a determinado interesse dado ao objeto da
401
atividade social; ou atender o valor político ou ideológico numa linha política e ou ideológica
traçada pelo acionista controlador ou majoritário para alcançar desideratos de governo.
Os itinerários da sociedade de economia mista envolvem não somente matérias da
atividade empresarial, e vai além da conveniência reservada à intimidade da companhia,
extrapola as bordas desse tipo de empresa cujo objeto social sustenta algum interesse em favor
do coletivo nacional, com significativo relacionamento com as matérias de interesse publico.
Diante das hipóteses de conflito, especialmente entre o interesse do governante e o dever
da coletividade, depara-se com dúvidas a respeito do dever do integrante do órgão da
companhia. O conselheiro deve optar pelo lastro do programa de governo, explicitando voto
com sintonia ou não com o projeto governamental, amparando ou não a proposição, ou decide
pela dissidência, fundamentando da mesma forma, diante da estrutura compreensível da
sociedade de economia mista, envolvendo a sua formatação e criação.
Como se pode extrair na declaração de caráter constitucional de que “todo o poder emana
do povo e em seu nome é exercitado”, e assim considerando como um enunciado de principio,
de valor pragmático, como disposição efetiva, vinculante à prática politica, onde a noção de
“povo”, mesmo que se entenda como uma revelação abstrata, conduz a eficácia dos direitos e
obrigações dos integrantes no conselho de administração na sociedade de economia mista.
O representante do acionista (sócio) majoritário na companhia, estabelece posturas,
decide perante o conselho de administração, gerando e assumindo reflexos na sociedade
empresária e perante a coletividade em geral. O resultado dessas decisões que se avalia, alcança
o exercício de liberdade, o sentir dos limites do dever de lealdade do conselheiro como
representante do sócio majoritário e responsabilidade para com a comunidade, exigindo um
mecanismo de preservação dos interesses societários, dos acionistas majoritário e minoritário
da sociedade de economia mista.
Colhe-se em Cunha Júnior 591:
Por muito tempo prevaleceu na teoria jurídica tradicional a ideia de que os princípios desempenhavam uma função meramente auxiliar ou
subsidiária na aplicação do Direito, servindo de meio de integração da ordem jurídica na hipótese de eventual lacuna. Nesse sentido, os princípios não eram
vistos como normas jurídicas, mas apenas como ferramentas úteis para sua
integração e aplicação. Eram uma categoria à parte, marginalizada e relegada à importância secundária. Esta posição reduzida nos princípios,
entre nós, foi adotada por nosso sistema jurídico positivado como se observa da leitura do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC, Decreto-lei
591 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. JusPodivm, 2016.
402
nº 4.657/42). “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Muitos já fizeram a caminhada para tratar o estado ideal de coisas, de um modelo para
adotar, servir de paradigma para encetar comportamentos necessários à sua realização. As
palavras de Ávila592 contribuem relacionando, que:
[...] 2.4.6.2 Pesquisa de casos paradigmáticos que possam iniciar esse processo de esclarecimento das condições que compõem o estado ideal de
coisas a ser buscado pelos comportamentos necessários à sua realização. Casos paradigmáticos são aqueles cuja solução pode ser havida como
exemplar, considerando-se exemplar aquela solução que serve de modelo
para a solução de outros tantos casos, em virtude da capacidade de generalização do seu conteúdo valorativo. Por exemplo, ao invés de
meramente afirmar que a Administração deve pautar sua atividade segundo padrões de moralidade, é preciso indicar que, em determinados casos, o dever
de moralidade foi especificado como dever de realizar expectativas criadas
por meio do cumprimento das promessas antes feitas ou como o dever de realizar os objetivos legais por meio da adoção de comportamentos sérios e
fundamentados. Enfim, é preciso substituir o fim vago por condutas necessárias à sua realização.
Bem concretamente, isso significa (a) investigar a jurisprudência,
especialmente dos Tribunais Superiores, para encontrar casos
paradigmáticos; (b) investigar a integra dos acórdãos escolhidos; (c)
verificar em cada caso, quais foram os comportamentos havidos como necessários à realização do princípio objeto de análise.
... Alguns casos investigados na análise do princípio da moralidade podem
revelar, de um lado, o dever de realizar o valor da lealdade e, de outro, a
necessidade de adotar comportamentos sérios, motivados e esclarecedores para a realização desse valor. Enfim, troca-se a busca de um ideal pela
realização de um fim concretizável.
Dessas proficiências tem-se a moralidade, que593 exemplifica:
A utilização dessas diretrizes pode ser exemplificada no exame da
moralidade, ainda que de modo sintético. O dispositivo que serve de partida
para a construção do princípio da moralidade está contido no art. 37 da Constituição Federal, que põe a moralidade como sendo um dos princípios
fundamentais da atividade administrativa. A Constituição Federal, longe de conceder uma palavra isolada à moralidade, atribui-lhe grande importância
em vários dos seus dispositivos. A sumária sistematização ao significado
preliminar desses dispositivos demonstra que a Constituição Federal
preocupou-se com padrões de conduta de vários modos.
[...] A sistematização do significado preliminar desses dispositivos termina por
demonstrar que a Constituição Federal estabeleceu um rigoroso padrão de
conduta para o ingresso e para o exercício da função pública, de tal sorte que, inexistindo seriedade, motivação e objetividade, os atos podem ser
revistos por mecanismos internos e externos de controle.
592 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 5a. ed., Malheiros,
2006, p. 92-93. 593 ÁVILA, op. cit. pp. 94-95.
403
E examinando a eficácia interna indireta:
[...] Relativamente às normas mais amplas (princípios), as regras exercem uma função definitória (de concretização), na medida em que delimitam o
comportamento que deverá ser adotado para concretizar as finalidades
estabelecidas pelos princípios. Por exemplo, as regras legais do procedimento parlamentar deverão especificar, para situações mais
concretas, a abrangência do principio democrático. Como já mencionado, as regras possuem uma rigidez maior, na medida em
que a sua superação só é admissível se houver razões suficientemente fortes
para tanto, quer na própria finalidade subjacente à regra, quer nos princípios superiores a ela. Daí por que as regras só podem ser superadas (defeasibility
of rules/regras de revogabilidade) se houver razões extraordinárias para isso, cuja avaliação perpassa o postulado da razoabilidade, adiante analisado. A
expressão “trincheira” bem revela o obstáculo que as regras criam para sua
superação, bem maior do que aquele criado por um princípio. Esse é o motivo
pelo qual, se houver um conflito real entre um princípio e uma regra e, não,
o princípio, dada a função decisiva que qualifica a primeira. A regra consiste numa espécie de decisão parlamentar preliminar acerca de um conflito de
interesses e, por isso mesmo, deve prevalecer em caso de conflito com uma
norma imediatamente complementar, como é o caso dos princípios. Daí a
função eficácia de trincheira das regras594.
594 ÁVILA, op. cit., p.p. 103-104. A esse respeito, convém registrar a importância de rever a concepção
largamente difundida na doutrina juspublicista no sentido de que a violação de um princípio seria muito mais
grave do que a transgressão a uma regra, pois implicaria violar vários comandos e subverter valores
fundamentais do sistema jurídico. Essa concepção parte de dois pressupostos: primeiro, de que um princípio vale
mais do que uma regra, na verdade, eles possuem diferentes funções e finalidades; segundo, de que a regra não
incorpora valores, quando, em verdade, ela os cristaliza. Além disso, a ideia subjacente de reprovabilidade deve
ser repensada. Como as regras possuem um caráter descritivo imediato, o conteúdo do seu comando é muito mais
inteligível do que o comando dos princípios, cujo caráter imediato é apenas a realização de determinado estado
de coisas. Sendo assim, mais reprovável é descumprir aquilo que “se sabia” dever cumprir. Quanto maior for o
grau de conhecimento prévio do dever, tanto maior a reprovabilidade da transgressão. De outro turno, é mais
reprovável violar a concretização definitária do valor na regra do que o valor pendente de definição e de
complementação de outros, como ocorre no caso dos princípios. Como se vê, a reprovabilidade deve – é o que se
defende neste trabalho – estar associada, em primeiro lugar, ao grau de conhecimento do comando e, em segundo
lugar, ao grau de pretensão de decidibilidade. Ora, no caso das regras, o grau de conhecimento de dever a ser
cumprido é muito maior do que aquele presente no caso dos princípios, devido ao caráter imediatamente
descritivo e comportamental das regras. Veja-se que conhecer o conteúdo da norma que se deve cumprir é algo
valorizado pelo próprio ordenamento jurídico por meio dos princípios da legalidade e da publicidade, por
exemplo. Descumprir o que se sabe dever cumprir é mais grave do que descumprir uma norma cujo conteúdo
ainda carecia de maior complementação. Ou dito diretamente: descumprir uma regra é mais grave do que
descumprir um princípio. No caso das regras, o grau de pretensão de decidibilidade é maior do que aquele
presente no caso dos princípios, tendo em vista ser a regra uma espécie de proposta de solução para um conflito
de interesses conhecido ou antecipável pelo Poder Legislativo. Veja-se que o respeito a decisões já tomadas
também é algo valorizado pelo ordenamento jurídico por meio da proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico
perfeito e à coisa julgada. Descumprir o que já foi objeto de decisão é mais grave do que descumprir uma norma
cuja função é servir de razão complementar ao lado de outras razões para tomar uma futura decisão. Ou dito
diretamente: descumprir uma regra é mais grave do que descumprir um princípio. Até porque, sem outro
argumento a modificar a equação, o ônus de superar uma regra é maior do que aquele exigido para superar um
princípio. Ao contrário do que se crê, portanto, a opção legislativa pela regra reforça sua insuperabilidade
preliminar.
Essas considerações revelam, pois, a diferente funcionalidade dos princípios e das regras: as regras consistem
com pretensão de solucionar conflitos entre bens e interesses, por isso possuindo caráter “prima facie” forte e
superabilidade mais rígida (isto é, as razões geradas pelas regras, no confronto com razões contrárias, exigem
um ônus argumentativo menor para serem superadas).
404
Para Alexy595 tanto as regras quanto os princípios são normas, simplesmente porque
ambos encerram um dever ser e podem ser formulados por meio de expressões deônticas do
dever, da permissão e da proibição. Afirmando que a distinção entre regras e princípios é
fundamental para a teoria dos direitos fundamentais, porque constitui a chave para a solução de
problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais, como os problemas relacionados à
restrição a direitos fundamentais, à colisão entre direitos fundamentais e ao papel dos direitos
fundamentais no sistema jurídico. E que a distinção entre regras e princípios não é de grau, mas
uma distinção qualitativa.
Assim, o ponto determinante, salienta Cunha Júnior596, entre regras e princípios consiste
em que os princípios são normas jurídicas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível, dentro, porém, das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. E, Alexy designa os
princípios – em expressões que ficaram famosas – como mandamentos de otimização, na
medida em que os princípios podem ser satisfeitos em variados graus, em conformidade com
as possibilidades fáticas e jurídicas. Acrescentando, que o desejado é que os princípios sejam
realizados em maior grau. Por outro lado, as regras são normas jurídicas que, ou são satisfeitas,
ou não são satisfeitas. Isto é, as regras, quando válidas, devem ser sempre satisfeitas, de modo
que se deve fazer exatamente aquilo que ela prescreve, nem mais, nem menos, pois elas contêm
determinações no âmbito daquilo que é sempre possível, fática ou juridicamente.
Assevera Alexy que a distinção entre regras e princípios acontecem nas situações de
colisões entre princípios e conflitos entre regras, e que a diferença reside na forma de solução
das colisões entre princípios e dos conflitos entre regras e, por consequência, nas distintas
Conexo a essa questão está o conflito entre normas, especialmente entre princípios e regras. Normalmente,
afirma-se que, quando houver colisão entre um princípio e uma regra, vence o primeiro. A concepção defendida
neste trabalho segue percurso diverso. Em primeiro lugar, é preciso verificar se há diferença hierárquica entre
as normas: entre uma norma constitucional e uma norma infraconstitucional deve prevalecer a norma
hierarquicamente superior, pouco importando a espécie normativa, se princípio ou regra. Por exemplo, se houver
conflito entre uma regra constitucional e um princípio legal, deve prevalecer a primeira; e se houver um conflito
entre uma regra legal e um princípio constitucional, deve prevalecer o segundo. Isso quer dizer que a prevalência,
nessas hipóteses, não depende da espécie normativa, mas da hierarquia. No entanto, se as normas forem de mesmo
nível hierárquico, e ocorrer um autêntico conflito, deve ser dada primazia à regra. Por exemplo, se houver um
conflito entre o princípio da liberdade de manifestação do pensamento e a regra de imunidade dos livros, deve
ser atribuída prevalência à regra de imunidade. Caso contrário, seria sustentável a imunidade de obras de arte,
porque também servem de veículo para a manifestação da liberdade, de manifestação do pensamento. É preciso
enfatizar que, no exemplo referido, melhor seria falar de conexão substancial entre as normas do que em conflito.
Em vez de oposição, há complementação. Há uma justificação recíproca entre a regra e o princípio: a
interpretação de regra depende da simultânea interpretação do princípio, e vice-versa [...]. 595 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução Virgilio Afonso da Silva. São Paulo, Malheiros,
2008, p. 87. 596 CUNHA JUNIOR, Dirley, op. cit.
405
formas de aplicação dessas normas jurídicas. Pois, um conflito entre regras somente pode ser
solucionado se se introduz, em uma das regras em conflito, uma cláusula de exceção capaz de
eliminar o conflito; ou se uma das regras for declarada inválida. Na primeira hipótese, cuja
solução se dá com a introdução de uma cláusula de exceção em uma das regras. Para melhor
compreensão cita o exemplo de duas regras em conflito, uma que proíbe sair da sala de aula
antes que o sinal toque e outra que exige sair da sala de aula se soar o alarme de incêndio. Se o
alarme de incêndio soar antes do toque do sinal de finalização da aula, haverá um conflito
concreto. Nessa situação, o conflito se resolve exatamente com a incidência da cláusula de
exceção introduzida na primeira regra, para o caso do alarme de incêndio soar antes de tocar o
sinal de finalização da aula. No entanto, caso não seja possível a solução do conflito com a
incidência de uma cláusula de exceção introduzida em uma das regras, o conflito somente pode
ser solucionado com a declaração de invalidade de uma das regras e sua posterior supressão do
sistema jurídico.
Já, quando se tratar da colisão entre princípios deve ser solucionada de maneira diferente,
pois não é possível se introduzir num princípio uma cláusula de exceção, tampouco declará-lo
inválido.
Apreciando o entendimento esposado por Alexy, Cunha Junior esclarece que a colisão é
resolvida a partir de uma relação de precedência condicionada. Isto é, quando dois princípios
colidem, um deles terá precedência em face do outro, sob determinadas condições. Excluindo-
se a ideia de precedência incondicionada, por compreender que nenhum princípio tem
precedência absoluta sobre o outro. Assim, em face da relação de precedência condicionada, o
princípio que não precedeu, ante as condições postas, cederá diante da aplicação do que
precedeu. Mas, sob outras condições, é possível que se inverta a relação de precedência, de
modo que o princípio que cedeu em face de condições anteriores, prevaleça em razão das novas
condições. Isso significa que, diante do caso concreto e das condições existentes, os princípios
se apresentam com pesos distintos, de modo que terá precedência o princípio que maior peso
revelar. Tudo dependerá do sopesamento que deve ser feito entre os interesses ou bens jurídicos
tutelados pelos princípios em colisão, para, avaliando as condições do caso concreto, aferir-se
qual dos princípios em colisão tem maior peso e, consequentemente, terá precedência.
Tudo isso leva à conclusão de que, na colisão entre princípios, um restringe as
possibilidades jurídicas de realização do outro. A estrutura das soluções de colisões é resumida
por Alexy na chamada lei de colisão, que, segundo o autor, tem o seguinte enunciado: “As
condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte
406
fatico de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência”.
Assim, para Alexy, enquanto o conflito entre regras deve ser solucionado na dimensão da
validade, devendo-se operar a subsunção; a colisão entre princípios deve ser resolvida na
dimensão do peso, aplicando-se da ponderação ou sopesamento.
O campo do exercício do condutor dessas prerrogativas, que visa se ancorar no poder,
para fazer o que desejar, sem amarras, por entender ser livre, com força, de pelo menos, buscar
de que assim pode proceder, com base em conceitos de liberdade que são difundidos com
variedade, tão rico em registros, que segundo Isaiah Berlin, citado por Robert Alexy, em sua
Teoria dos Direitos Fundamentais, fala de “mais de duzentos sentidos, registrados pelos
historiadores das ideias, para essa palavra multiforme”, por isso o conceito de liberdade é ao
mesmo tempo desenvolvido por um conceito pouco prático, contudo, e por consequência o seu
âmbito de aplicação parece ser quase ilimitado, e acentuado, que, quase tudo aquilo que a partir
de algum ponto de vista é considerado como bom ou desejável, é associado ao conceito de
liberdade. Tanto assim que se procura lançar como elemento valido para argumentação em
disputas filosóficas, bem quanto para polêmicas políticas.
Essas práticas e buscar de sustentação visam expressar, como aguça Aldous Huxley, em
seu ‘Eyeless in Gaza’: “Liberdade é um nome maravilhoso. É por isso que você está tão ansioso
para fazer uso dele. Você acha que, se você chamar o encarceramento de verdadeira liberdade,
as pessoas ficarão atraídas pela prisão. E o pior de tudo é que você tem razão.”
A conotação emotiva da palavra “liberdade” dificilmente poderia ser caracterizada de
forma mais precisa. Em geral, quem denomina algo como “livre” não faz apenas uma descrição,
mas expressa também uma valoração positiva e suscita, no ouvinte, um estímulo para
compartilhar desse valor. A conotação emotiva positiva, relativamente constante, pode ser
associada a significados descritivos cambiantes. Isso abre a possibilidade de uma definição
persuasiva (persuasive definition). Quem quer induzir alguém a uma determinada ação pode
tentar fazê-lo dizendo que liberdade é realizar essa ação. Essa deve ser uma das razões para a
perenidade da polêmica acerca do conceito de liberdade e a popularidade de sua utilização597.
Desse mote tem-se pelo menos uma visão que possibilita uma análise do termo liberdade,
que possam levar a uma compreensão ou exercitar algo a ele associado, não obstante poder
procurar outras vertentes, que leva a uma extensa verificação de entendimentos filosóficos,
597 Ob. cit. Páginas 218 e seguintes.
407
jurídicos e moral, que aqui não estão lançados, podendo o leitor, o interessado ampliar e dar a
sustentação que melhor aprouver, ou meramente suscitar.
Limitando-se apenas na observação da liberdade jurídica, que torna plausível supor que
liberdade é uma qualidade que pode ser atribuída a pessoas, ações e sociedades. Pois da maneira
mais simples do exame, pode-se entender que para ser uma pessoa livre não existiriam
embaraços, restrições ou resistências de qualquer espécie. A ausência de obstáculos, restrições
ou resistências constitui o cerne do conceito de liberdade que se extrai da definição clássica de
Thomas Hobbes, em “Leviantã”.
No exercício da liberdade não tem somente obstáculos, impedimentos, mas também
ideias pouco claras, emoções, impulsos sensoriais ou consciência equivocada, e conexão entre
conceitos de liberdade jurídica e de permissão no sentido de negação de deveres e proibições.
Segundo Hobbes, os casos nos quais o soberano não prescreveu nenhuma regra, o sujeito
tem a liberdade de agir ou de se abster de acordo com a sua própria discricionariedade. E,
segundo formulação de Bentham, desde que o legislador “não tenha ordenado ou proibido
nenhum ato (...) todos os atos são livres: todas as pessoas estão em liberdade em face da lei. E
é muito utilizado o enunciado ‘o que não é proibido é permitido’, passível de dúvida, uma vez
que, Christiane Weinberger/Ota Weiberger598 pronunciam:
O enunciado ‘o que é proibido é permitido’ é valido apenas se se
pressupõe que o sistema de normas é algo fechado, isto é, que, nesse sistema,
devido é apenas aquilo que expressamente foi definido como tal”. Isso é
correto apenas a partir do pressuposto de que o enunciado “o que não é
proibido é permitido” deva ser interpretado da seguinte forma: “o que não é
expressamente proibido é permitido”. Mas uma tal interpretação não é nem
necessária, nem apropriada. Ao contrário, parece ser mais apropriado
compreender o enunciado “o que não é proibido é permitido”.
Para Kant, em Mataphysik der Sitten, citado por Alexy 599:
Uma ação que não seja nem obrigatória nem proibida é meramente
permitida, porque, em relação a ela, não há nenhuma lei restritiva da liberdade
(competência) e, portanto, também nenhum dever (...) Seria possível
perguntar (...) se, para que alguém seja livre para fazer ou se abster segundo
lhe aprouver, é necessária, além da lei mandatória (lex. presceptiva, lex
mandati) e da lei proibitiva (lex prohibitiva, lex vetiti), também uma lei
permissiva (lex permissiva).
598 WEINBERGER, Christiane; Weiberger, Ota. Logik, Semantik, Hermeneutik, p. 116, 599 ALEXY, para Kant em Mataphysik der Sitten, p. 223, citado na p. 231).
408
A liberdade jurídica de realizar um ato jurídico pressupõe necessariamente a competência
para fazê-lo. Já o conceito de competência deve ser distinguido do conceito de permissão,
segundo Alexy (p. 238, op. cit):
O critério da alteração da situação jurídica é adequado para a distinção
entre a competência e a permissão, mas é inadequado para a distinção entre a
capacidade fática e a competência. Nem toda ação por meio do qual se produz
uma alteração de posições jurídicas pode ser considerada como exercício de
uma competência.
Merece exame, mesmo que aligeirado, concernente a liberdade não protegida, desse
quando ventila-se compreensões sobre normas permissíveis e liberdades protegidas, que
necessitam vasto e profundo estudo, o que aqui não se propõe e tampouco tem-se pretensão,
uma vez que, como inúmeros cientistas desenvolvem e tem pontificado, não há porque
considerar o cumprimento que deve ser exercitado, como uma obrigação, agir dentro de uma
postura e ou critério adotado com fundamento e ou alegação de assim fazer, ou acobertado, sob
a égide da liberdade, quando pode estar sendo negligente.
Da leitura de Austin, Raz faz observação as compreensões de “uma lei” como “um
comando geral de um soberano dirigido a seus súditos”, talvez, daí poder extrair a submissão
da liberdade a um comando que não pode o cidadão ter efetivo controle dos atos e vontade. E
nessa sequência de ordem600, examina que:
A palavra “soberania” ja fazia parte da terminologia filosófica e política
muito tempo antes de Austin. No entanto, ela sofrera uma transformação
recente nas mãos de Bentham, que escreveu: “Quando se supõe que um
número de pessoas (a quem podemos chamar súditos) estão habituadas a
prestar obediência a uma pessoa ou a uma assembleia de pessoas, de espécie
determinada e conhecida (a quem podemos chamar de governante e
governantes), afirma-se que tais pessoas conjuntamente (súditos e
governantes), encontram-se no estado de sociedade politica.
Daí poder extrai pensamentos desses cientistas, apondo duas inovações: A soberania não
é nem derivada da moral ou de princípios morais nem explicada por eles. Baseia-se
exclusivamente no fato social do hábito da obediência. O conceito de hábito e o de obediência
pessoal, isto é, obediência a uma pessoa ou grupo específico, se tornam os conceitos
fundamentais na análise da soberania.
Para Raz, analisando Austin e Bentham, mostra posição deste último:
Mas suponha uma grande sociedade política incontestável já
constituída. E suponha que um corpo menor se desgarre desta: por esta
ruptura, o corpo menor deixa de estar em estado de união política com a maior.
Desta forma, o corpo menor se coloca em estado de natureza em relação maior
(...) (e suponha que) os governantes subordinados, de quem o povo geralmente
600 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico, uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos, p. 9.
409
costumava receber comandos sob o antigo regime, são os mesmos que
comandam a nova sociedade. O hábito da obediência que estes governantes
subordinados tinham com relação àquela única pessoa, diremos, que era o
governante supremo de todo, se rompe de forma imperceptível e gradual. Os
velhos nomes pelos quais estes governantes subordinados eram conhecidos
(...) permanecem os mesmos agora que eles são supremos.
Para Raz a lei é um comando geral de um soberano a seus súditos. E comenta que,
diversamente de Bentham (e Kelsen), Austin entende que apenas comandos gerais, isto é,
aqueles que obrigam “atos ou omissões de uma classe”, podem ser leis:
O comando se distingue das outras significações de vontade (...) pelo
poder e intenção da parte que comanda de infligir dano ou sofrimento caso
sua vontade seja desrespeitada (...). O comando, então, é uma significação da
vontade. Mas se distingue de outras significações de vontade por esta
peculiaridade: que a parte a quem se dirige é passível de sofrer dano infligido
por aquele que comanda caso não obedeça à vontade deste.
Assim sendo, diante da aludida prospecção, tem-se sob exame da fala e postura do
conselheiro quando expressa entendimentos e recomendações quando provocado para, no
âmbito de suas atribuições e deveres, obrigações para com a comunidade e in casu, para
a companhia, quando assim investido, atem-se na sua competência e discricionariedade,
assunção de responder pelo poder conferido, e capacidade, concomitante arcar com
responsabilidade caso de causar dano, sofrimento, nos atos praticados como agente,
concomitantemente, representando o acionista majoritário vinculado ao governante
supremo.
O questionamento sobre o exercício livre do múnus, dos atos jurídicos advindos da
subjetividade do agente, da compatibilização desses procedimentos com os interesses
gerais e ou singulares, para atender aos reclamos dos cidadãos governados pelo dirigente
supremo, observa-se, paralelamente, o dever submetido as obrigações decorrentes da
outorga da vontade da coletividade, podendo criar ou estar sob conflito de interesses, ao
mesmo tempo que pode cercear direitos e ou negligenciar obrigações para com o pais,
cujos reais eleitores consagram o mandato popular, e constitui a força legislativa,
comprometendo o poder do governante, que recebeu mais do que um mandato expresso,
mas, também um mandato tácito de significativa abrangência envolvendo todos os
interesses do povo.
Em diversas passagens da história, como o acontecido relatado em livros sagrados,
trata do Êxodo do Egito, mostrando os sofrimentos de povos cativos, os crentes na
Divindade. Nele buscaram forças para sobrevivência, eliminar as opressões e grilhões,
impedindo a liberdade.
410
A liberdade não é algo óbvio, mas sim uma conquista. Assim confere a história da
humanidade, que se espera não seja minimizada, e que seja preservada o relato, para que
a memoria lembre e mantenha as conquistas permanentemente.
Não se deve ter a liberdade como um simples devaneio, uma recordação ou uma
utopia. Deve-se mantê-la viva, e constantemente exercitando-a, expressando na mente e
na prática ser inegociável. Deve-se com intensidade exprimir livremente todos os
pensamentos e obras, sem qualquer obstáculo, proibição. Deve-se lutar, denunciar,
combater a opressão de quem e de onde vier. A luta pela permanência da liberdade não
pode e não deve escolher lado, para que a escravidão não seja praticada, a fim de que não
seja necessária luta para aboli-la, e tampouco ações ou argumentos para minimizar
sofrimentos e derramamento de sangue.
Para os alinhados a Tönnies, nos seus conceitos de comunidade e sociedade podem
ter entendimentos separados, mas, extrai-se da obra de Arenari601, uma análise sobre o
pensamento de Ferdinand Tönnies na tradição sociológica, as bases epistemológicas na
tradição pré-sociológica do pensamento alemão, que na fala de Valério Merlo tem-se:
[...] um agregado de consciências tão aglutinadas entre si que nenhuma pode
mover-se independentemente dos outros; um modo comum de sentir e de
querer que mantém unidos os indivíduos que vibram em uníssono; os usos e
os costumes e a tradição regulam a vida do grupo. (MERLO,1995:122).
Teoricamente a sociedade consiste em um grupo humano que vive e habita lado a lado de
modo pacífico, como em uma comunidade, mas, ao contrário desta, seus componentes não estão
ligados organicamente, mas organicamente separados. Enquanto, na comunidade, os homens
permanecem essencialmente unidos, a despeito de tudo que os separa, na sociedade eles estão
separados, apesar de tudo que os une.
Neves602 exprime a evolução social como desenvolvimento da consciência moral e a
evolução do direito conforme os modelos filosóficos, sociológicos tecendo diferenças entre
comunidade e sociedade, formuladas por vários cientistas a exemplo de Tönnies, Durkheim,
Luhmann dentre muitos outros. E, alertando, que, inversamente a pensamento existente, o
instinto não representa apenas algo negativo, mas positivo na sociabilidade humana, na medida
601 ARENARI, Brand. O pensamento de Ferdinand Tönnies na tradição sociológica alemã: um primeiro ensaio -
XI Congresso Brasileiro de Sociologia1 a 5 de setembro de 2003, UNICAMP, Campinas, SP. Sociólogos do
Futuro, UENF, Campos dos Goytacazes, julho de 2003. 602 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma difícil relação. WMFMartins Fontes, São Paulo, 3a. ed., 2a.
Tiragem, 2013.
411
que este (instinto) é depositário da memória da espécie, conferindo unidade a mesma. Esta
vontade pautada no instinto que se manifesta no prazer, é a primeira instância das três
“subvontades” que formam a unidade da ‘Vontade Essencial’, que Tönnies chama de ‘Vontade
Vegetativa’.
A outra “subvontade”, a ‘Vontade Animal’, que contém a substância do animal e do
humano, se manifesta na formação dos hábitos, que são frutos da experiência e o
desenvolvimento das imposições da vida animal, sendo a alimentação, uma imposição da
natureza para a permanência e o desenvolvimento da vida, no homem torna-se hábito, divido
em refeições básicas, em especialidades culinárias, hábitos que provem da natureza e são
desenvolvidos pelo homem, não transformados, como na ‘Vontade Arbitrária’.
Em princípio, todavia, onde a inclinação primitiva constitui hábitos, o que foi
originalmente agradável passa a confortável e objeto de estima. Os modos de agir particulares
baseados no prazer tornam-se mais rápida e intimamente habituais; um determinado modo de
vida (e o ambiente natural), assim como um tipo de alimentação, agradáveis ao animal, passam
a hábitos e tornam-se finalmente indispensáveis. (Tönnies, 1995: 280).
E, assim do quanto exposto sobre tantos conhecimentos sobre a natureza humana, que
deixa qualquer leigo extremamente embasbacado. E face essas circunstancias, faz-se uma
ligeira incursão sobre fato nas relações em sociedade, por analogia, trazer à baila o instituto
denominado de Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), recentemente adotado pelo STF (na
ADPF nº 347/DF), e que o artigo de Dirley da Cunha Junior603 sobre o tema didaticamente
aborda a origem das decisões da Corte Constitucional Colombiana (CCC), face a constatação
de violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais, cuja finalidade é
para a construir soluções estruturais voltadas à superação do lamentável quadro de violação
massiva de direitos das populações vulneráveis decorrentes das omissões do poder público.
Entende-se como salutar uma harmonia entre os anseios legítimos da sociedade na busca
de rumos, e atenção que não implique desprezo aos mais relevantes princípios e regras da Carta
Federal, e da necessidade de haver um diálogo com a sociedade a respeito dos direitos
603 CUNHA JUNIOR, Dirley. Estado das Coisas Inconstitucionais. JusBrasil.com.br -
www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=16279 - acesso: 20.10.2016.
A primeira decisão da Corte Constitucional Colombiana reconheceu o ECI; foi proferida em 1997 (Sentencia de
Unificación - SU 559, de 6/11/1997), numa demanda promovida por diversos professores que tiveram seus
direitos previdenciários sistematicamente violados pelas autoridades públicas. Ao declarar, diante da grave
situação, o Estado de Coisas Inconstitucional, a Corte Colombiana determinou às autoridades envolvidas a
superação do quadro de inconstitucionalidades em prazo razoável.
412
fundamentais engajados no propósito constitucionalista de limitar o poder. Isso porque, como
postulado jusnaturalista, sempre foi da essência do homem ser livre e usufruir certos bens, sem
a interferência do Estado. Todos os homens são, por natureza, livres e titulares de direitos
naturais604.
Assinala Cunha Junior605 lembrando Meirelles Teixeira, que os direitos naturais e
inalienáveis da pessoa humana preexistem ao Estado e a este se sobrepõem, corolários que são,
como vimos, dos próprios atributos da pessoa humana, da natureza essencial desta. Portanto os
direitos fundamentais têm por fundamento filosófico o fundamento moral, referência a aspectos
transcendentais da vida dos indivíduos, a aspectos que afetam ao ser moral do homem, a sua
dignidade e a sua liberdade.
Dessa incursão nos campos filosóficos, sociológicos, jurídicos e políticos, constata-se ser
impositivo que o homem em comunidade e ou em sociedade deve se pautar com postura que
não pode e ou não deve associar a sua obrigação de agente publico aos sabores pessoais de
individuo. Pois, a atividade pública ainda que desempenhada conforme as prescrições legais,
não se justifica quando motivada por razões outras que não encontram garantia no interesse
público. Isso está no efetivo exercício do ofício com lisura e exação nas práticas funcionais.
Pois, um dos ditames para o exercício da atividade pública é o princípio da moralidade,
ancorado na máxima romana de que tudo o que é legal é honesto.
Porque moralidade deficiente, caso não represente atitude ética e de boa-fé, não será útil
a norma ou atividade. A moralidade consiste também na honestidade e na probidade
administrativa que devem governar os agentes públicos no trato dos negócios coletivos.
A ideia de moralidade que envolve o exame de poder, é imposta, vigora no próprio
ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo que
discricionário. Ela deve ser observada por todos, não apenas pelos administradores, mas
também pelo particular, que com ela se relaciona juridicamente, em consonância com a lei, os
bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade.
O princípio da moralidade administrativa revela-se como valor constitucional
impregnado de substrato ético, e encontra-se erigido à condição de vetor fundamental que rege
as atividades do Poder Público, representando um verdadeiro pressuposto de legitimação
604 CUNHA JUNIOR, Dirley. A Natureza Material dos Direitos Fundamentais.
https://www.brasiljuridico.com.br/artigos/a-natureza-material-dos-direitos-fundamentais.-por-dirley-da-cunha-
junior. Acesso: 25/10/2016. 605 TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. A defesa da Constituição.
413
constitucional dos atos emanados do Estado, como resulta da proclamação inscrita no art. 37,
caput, da Constituição da República.
Tem-se o escopo do preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL [...].
Os direitos fundamentais há muito não mais se restringem à clássica função de direitos
de defesa ou liberdade contra os poderes estatais. Em razão da crescente necessidade do
individuo e das desigualdades materiais que o debilitava, a presença do Estado passou a ser
cada vez mais exigida, para dele se reivindicar uma postura ativa que reduza ou atenue
desigualdades, libertando o individuo para obter as suas necessidades mais prementes.
Do quanto aqui estruturado, extrai-se os elementos concentrados que envolvem o voto
representativo, o dever de lealdade dos gestores, conselheiros na administração da sociedade
de economia mista, depurando os interesses da companhia e a dos acionistas.
Para Cunha Júnior:
Há direitos fundamentais que, não raro, dependem tão somente da
atuação normativa do Estado para ganharem sentido e apresentarem conteúdo
jurídico suficiente que possibilite o seu exercício pelo individuo. Nessas
situações, a função de prestação dos direitos fundamentais tem a missão de
prover o individuo de condições para exigir do Estado a imediata emanação
de normas concretizadoras e integrativas dos direitos carentes de regulação, e
nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação jurídica. Colhe-se, aqui,
o direito fundamental à prestação jurídica.
Por outro lado, há direitos fundamentais que têm por objeto uma utilidade concreta ou um benefício material, consistente em um bem ou
serviço, a ser prestado pelo Estado. Já aqui, a função de prestação dos direitos fundamentais tem a missão de prover o individuo de condições para exigir do
Estado a imediata realização de políticas públicas socialmente ativas, criando,
por conseguinte, as condições materiais e institucionais para o exercício
desses direitos, e nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação
material606.
Confere-se o dever do Estado de proteger os titulares de direitos fundamentais,
significando que o reconhecimento constitucional de um direito implica também para o Estado,
606 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, p.p. 493-494.
414
para além do dever de abstenção (função de defesa), o dever de prestação na obrigação de adotar
medidas positivas e eficientes, vocacionadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais
perante atividades de terceiros que venham a afetá-los. O Estado tem o dever de proteger o
direito à vida, à inviolabilidade do domicílio ou sigilo de dados e o direito de reunião, apenas
para citar alguns exemplos, de eventuais agressões de outros indivíduos.
E da mesma forma, entende-se que não há dúvida de que as sociedades empresariais
constituem forma de organização de empresa, e que a sociedade de economia mista amoldada
a estrutura da sociedade anônima reúne capitais de investidores para a exploração de atividade
empresarial, que tem por dever, também proteger o bem comum e a coletividade, desde quando
os recursos que constituem o lastro das ações do capital social, que consolida o Estado como
acionista maior ou controlador, obvio, perfila-se no bojo do corpo econômico financeiro estatal.
Os prestadores desses capitais, em especial o Estado e seus gestores, assumem
responsabilidades que interferem não somente na esfera e na condução efetiva da empresa, que
fica a cargo dos controladores, e dos seus administradores indicados pelo controlador, ou por
força de um acordo de acionistas, gestores escolhidos por interesses políticos, também na vida
do cidadão comum.
Em torno desses administradores escolhidos, eleitos por junção governamental está o
ponto nodal dessa matéria, por onde orbita e dá destino ao projeto, que se torna alvo, objeto das
construções econômicas, financeiras dos acionistas investidores e controladores da aludida
sociedade, concentrando os poderes de controle e de administração, detendo o poder e a
liberdade de agir, muitas vezes, premeditando abusos, e cooptando terceiros.
O direito não desconhece essa realidade, é o que se tem visto. E o legislador sonolento,
indulgente admite essa submissão, esse tipo de exercício de poder, permitindo imprimir um
exercício de tirania, produzindo uma fonte de lesão.
O direito societário assume a função de organizar, conformar o poder de controle, bem
como arbitrar conflitos de interesses existentes dentro e fora da companhia, podendo utilizar a
variedade de instrumentos para aprimorar um exercício primoroso, articulando os mecanismos
de controle, à exemplo da fiscalização, transparência, informação e conhecimento para toda
comunidade, enfim para a sociedade em geral, para todos conhecer, evitando comportamento
antijurídico.
Dentre as funções e deveres do Estado destaca-se a de proteger os direitos fundamentais,
significando que o reconhecimento constitucional de um direito implica que o Estado tem o
415
dever de defender o cidadão, adotando medidas positivas e eficientes, vocacionadas a esse
exercício com ênfase, concretizando a responsabilidade do Estado, evitando praticas
perniciosas contra o interesse da coletividade, não podendo o Estado se abster do combate as
lesões e ao sofrimento.
O funcionamento eficiente e concatenação do ente coletivo tem como escopo primordial,
inafastável, a preservação das funções dos agentes públicos de modo que seus exercícios não
violentem a vontade coletiva, cujo sedimento encontra-se lastreado em feixes de poderes
administrativos, substanciados em comunhão com as pessoas jurídicas controladas e
administradas direta e ou indiretamente pelo Estado, inclusive no âmbito da sociedade de
economia mista, ainda que em grau e formas distintas, atuando como impulsionador no
desenvolvimento geral.
Esses mecanismos que motorizam a gestão pública, quando estão no amago,
concentrando o poder político e econômico da sociedade estatal, no efetivo funcionamento e
atribuições das células ou centros de poderes dos órgãos sociais, espera-se proteção e progresso.
O órgão é um dos mecanismos dos poderes funcionais para formar e manifestar à vontade
juridicamente imputável à pessoa jurídica. Considera-se o órgão como individuo ou grupo de
indivíduos que age para o interesse coletivo, ou seja, enquanto cumpre uma função de grupo.
Nessa circunstancia de interesse coletivo, e é exatamente neste ponto que se louva a
compreensão de se exigir contas das condutas, que de algum modo, mesmo que não
expressamente previstas pelo sistema jurídico, mas amparadas nas disposições e interpretações
legais, do corpo constitucional, como das garantias fundamentais individuais e coletivas, pela
elasticidade semântica, ínsita as clausulas gerais em sistemas, dito abertos, observa-se as
situações que podem gerar abusos, danos, se não abortadas tempestivamente. É dessa
elasticidade é que pode ser considerada imperiosa também como norma a fim de amparar não
só uma pessoa, um individuo, mas em busca de proteção de toda comunidade.
A norma, portanto, expande-se nas situações e perante os fatos, e extrai, ou se lança como
proteção contra qualquer postura vil, enganadora, manipuladora, distorcendo a recepção da
vontade alheia.
Daí surge o alerta para a composição e à condição fática da boa-fé, quer ela esteja no
plano subjetivo ou objetivo, dependendo tão só daquele que julgará, mas também, e podendo
aprofundar através de modelos metódicos concretistas.
416
Em suma, no vigente direito acionário brasileiro, a administração da companhia compete
à diretoria, órgão de representação obrigatório como em toda e qualquer companhia desse tipo,
e ao conselho de administração, órgão de deliberação colegiada com atribuições especificas,
que, na forma da lei societária tem competências privativas e indelegáveis, com distintas
atribuições e responsabilidade.
De regra, as normas reguladoras dos deveres e responsabilidades dos administradores
aplicam-se indistintamente a membros dos órgãos da administração, sejam eles diretores ou
conselheiros. Dessa afirmação, lastreada na lei e no estudo aprofundado dos juristas que se
dedicam a matéria, ressalta-se a obrigação que recai sobre esses diretores e componentes de
órgãos de deliberação colegiada, o de comportar-se com lealdade, e dai surge a indagação se é
vinculo para com quem os conduziu as funções ou deve se incumbir de bem cumprir com
probidade e legalidade.
De um lado está o governante que politicamente recebeu poderes para bem conduzir os
governados, sintonizado com a comunidade, a expressar vontade da representação política,
pedra angular da democracia, exigindo do mandatário a obrigação de praticar atos em nome do
mandante, de bem representa-lo expressando a sua vontade como instruções.
A outorga de mandato jurídico confere poderes a outrem, implicando necessariamente a
prestar contas de seu desempenho, submete-se a possibilidade de revogação do mandato, por
ato do mandante. Se os senadores, deputados e vereadores são eleitos pelo povo e deve estar
vinculados à vontade e instruções de sues eleitores, estão como delegados do povo que os
incumbiu, com encargo no cumprimento dessa obrigação. Mesmo que o parlamentar procure
dissociar do seu mandato político a vontade popular para se vincular a uma plataforma e ou um
programa partidário, mesmo assim há um determinado fim, que é a responsabilidade política.
Apesar do mandato politico não ser igual a um mandato de responsabilidade jurídica, mas
por motivos pragmáticos, e para atender o seu emprego como vocabulário próprio, não se afasta
da figura da responsabilidade politica, não sendo possível um programa partidário a exercitar
possa abrigar uma atividade espúria, porque os partidos políticos são agrupamentos que se
visam atender aspirações de cunho social, e que para realizar, necessita do suporte para eleger
candidatos por sufrágio democrático, a fim de obter mandato politico arrimado com as forças
de eleição, conduzindo essa outorga com expressiva carga de poder que deve ser em favor do
bem comum.
417
Com o poder os eleitos podem decidir a nomeação de ministros, secretários e de outras
autoridades do primeiro e segundo escalão do Governo Federal e dos Governos Estaduais e
Municipais, assim como chefes de autarquias e de empresas estatais e as sociedades de
economia mista. Excetuada uma ou outra gestão, o desempenho das missões dos representantes
políticos e das próprias agremiações não geram grandes benefícios ao povo.
Para o povo muitos partidos nada mais são do que siglas, confundindo e criando uma
imensa balburdia. Boa parte do eleitorado ignora o que muitos dos representantes falsamente
colimam em benefício da coletividade. Desconhece os programas partidários, quando escritos,
são esquecidos ou desacreditados, não passando de ilusórias promessas, resultando em meras
quimeras, palavras ao vento de candidatos objetivando o governo, o parlamento, em geral
negligentes, improfícuos, descuidados com o povo e para com os problemas do país. Essas
atuações e interesses confusos confluem a malabarismos políticos, e à triste constatação de
“comércio”, “barganha”, e “troca de vantagens”. Sem a fidelidade dos representantes políticos
para com os ideários de interesse coletivo, não estabelecem uma saudável democracia, pois,
desdenham do povo.
O grande desafio é estabelecer uma segurança permanente com esteio concreto,
realizando os anseios da sociedade. Que as decisões dos órgãos planejadores estejam em
sintonia, e praticadas com a vontade outorgada, com lealdade. A representação política é uma
esperança, um anseio, um ideal de representação. É a busca de uma forma desejável da
sociedade, de um Estado congregando poder político para a realização do bem comum.
O desempenho de uma atividade decorrente de representação politica origina-se da
confiança depositado pelo mandante – por exemplo do povo - para que os exercícios de poder
fielmente interligados com o bem-comum, adimple um mandamento de honra e de direito,
atendendo os apelos, os anseios da coletividade, consagrando principio democrático de criação,
e em um processo de participação dos governados para alcançar a formação da vontade
governativa.
Aproveita Campolingo607 a palavra de Puceiro, ao dizer:
Como saber de autoridade, a ciência jurídica reproduz em sua estrutura
interna as exigências próprias de sua função na sociedade. Sua dimensão
essencialmente prática, dirigida ao controle social, à integração dos conflitos
ou à distribuição de autoridade, se reflete internamente no fortalecimento da
função autoritária de seu paradigma e matrizes disciplinares. Os resultados da
607 CAMPOLINO, op. cit. p.p. 33-34.
418
ciência jurídica são, além de produtos da comunidade cientifica, instâncias
portadoras de uma pretensão vinculatória em relação à comunidade política.
O direito regula fórmulas de distribuição de poder e autoridade. E Riper608, aponta que:
[...] todo e qualquer juízo demasiadamente livre sobre o fundamento
das leis se afigura perigoso aos que detêm o poder político. Considera-se
indesejável que os encarregados de interpretar, explicar o direito, saibam
demasiado e digam como e por quem é feita a lei. Aos soberanos agradam
mais os legistas que os juristas.
Dessas fórmulas e interpretações contidas no estudo envolvendo a atividade mercantil e
o poder soberano, não se pode olvidar da busca pela lei justa, o direito, e sobretudo o homem
como centro. Por isso, procura-se perpassar dados relevantes das transformações sociais e
econômicas, e sem permear aspectos mais sofisticados nos campos da economia, filosofia, ética
e direito, ventilando essas compatibilidades que buscam, o empenho e afinamento do direito
societário com as premissas do direito constitucional e direito administrativo que se entrelaçam.
A formação da riqueza, o patrimônio, o lastro de bens como sustentação destinada à
providência do cidadão interessado direto na defesa dos seus interesses e da coletividade,
estabelecendo elos éticos.
Nesse mosaico de aparência inofensiva pode-se detectar condução à violação dos direitos
societários/empresariais, a transgressão de direitos, e desprezo ao interesse coletivo.
Na variedade de cometimentos perpetrados pelo Estado-empresário, está o abuso no uso
do capital social da sociedade empresaria, a incitação à divergência na condução dos interesses
considerados impróprios, às vezes camuflados sob a intenção do enriquecimento do poder
estatal, mas quando depurado, constata-se façanhas prejudiciais à companhia e investidores
privados, acarretando sequelas à comunidade em geral.
608 RIPERT, Georges. O Regime Democrático e o Direito Moderno. São Paulo. Saraiva. 1937, p.p. 12-13.
419
CONCLUSÃO
Este trabalho envolve aspectos do voto representativo e o dever de lealdade. Propõe uma
análise jurídica das posições conflitantes do Conselheiro de Administração, diante dos
interesses da companhia e do acionista majoritário no Conselho de Administração na Sociedade
de Economia Mista.
Questiona aspectos das decisões provenientes do Conselho de Administração, a condução
da posição do acionista majoritário ou controlador da sociedade de economia mista, de alguma
macula legal, ética, moral.
Tem-se sob analise a figura do governante na relação das políticas públicas e construções
de governança corporativa envolvendo as empresas estatais na esfera da sociedade de economia
mista, averiguando as posições do membro no Conselho de administração quando exercitadas
no interesse da companhia e ou dos acionistas, refletindo sobre a coletividade, no todo da
sociedade.
A pesquisa extrai pinceladas na sociologia, ligeiras menções provocadas pela filosofia,
mesclando com os adornos do direito público e direito privado.
O tema atraiu a visão do poder de decisão do Estado-empresário, particularmente quando
o Estado assento no Conselho de Administração da sociedade de economia mista, derrama
variáveis que influenciam a governança corporativa, o trato interno da companhia, o mundo dos
negócios doméstico e internacional.
Parte-se da visão dos primeiros momentos quando o homem se apercebeu dos frutos, além
da destinação à sua alimentação, e diante do excesso procurou partilhar com os semelhantes
esses bens. Inicialmente presenteando, que em seguida veio a reação dos agraciados retribuindo,
provocando a troca, que passou a ter utilidade como elemento de importância e finalidade além
da gentiliza.
A aproximação do homem ao outro deve ter sido motivada por vários sentimentos que
ainda hoje os antropólogos se debruçam, mas daquele convívio que também ensejava afastar a
solidão, proporcionou a busca do convívio com o semelhante, instalando a oferta gratuita e
silenciosa da permuta, que iria iniciar o comercio primitivo.
420
Esse comportamento, que por melhor análise dos antropólogos e sociólogos, apõem,
categoricamente, afirmações que as motivações, que não podem desconsiderar, do interesse do
homem exercitando o poder e manter a dominação.
Não obstante o homem expressar sentimentos, a afetividade como exemplo de
solidariedade, ou pela razão, porque dotado de diversas aptidões que derrama em variadas
situações e circunstâncias de necessidade e experimentação, além da continuada luta contra
adversidades do meio, o homem criou procedimentos para atender a sua sobrevivência, face o
imperativo: viver. Para sobreviver, levou-o a atenção indispensável para o abastecimento, a fim
atender o presente, e acautelar-se das necessidades futuras pessoais e do grupo.
A história do comércio é a própria história da civilização, mostrando como um dos fatores
de dominação a circulação da riqueza. A indústria comete a incumbência ou função de receber
do produtor as utilidades produzidas, modificando ou transformando, encaminhando-as ao
consumidor.
O conceito de comércio como instituição intermediária ou medianeira, atribuindo-se a
função de atender às necessidades do consumo público. Juridicamente, então, significa a soma
de atos mercantis, atos executados com a intenção de cumprir a mediação, característica de sua
finalidade, entre o produtor e o consumidor, atos estes praticados, habitualmente, e com fito de
lucro. Daí nasce o mercado, situando locais e forma para a troca de bens e serviços, sem
privilegiar a busca da autossuficiência, por ser o alvo inafastável para atender a sobrevivência.
Adota-se lugares, localidades como prediletos para exercitar a oferta e procura de bens e
serviços, criando-se nesses espaços relações econômicas e sociais, com adaptações de processos
de cooperações e adequação da produção de acordo com o fluxo dos negócios, estabelecendo
uma regulação própria, fundada no princípio da complementariedade.
Nesse caminhar tem-se bens de que dispõe o individuo para o atendimento das suas
necessidades, formando o que se denomina de patrimônio, composto por um engrenagem de
utilidades e até mesmo sentimentos, provocando muitas vezes um conjunto harmônico, com
elementos que se tornaram usais e até mesmo essenciais para a vida do cotidiano humano.
Os homens evoluíram, passaram a ser civilizados, distinguem-se dos antepassados. Os
indivíduos passaram a se empenhar pela melhoria de vida, assegurando-se dos meios de
produção e negócios para o atender as suas necessidades, não somente por curto período, mas
por períodos mais longos e seguidos, quiçá medindo por geração, projetando uma maior
longevidade, a medida que a ciência e tecnologia impulsiona a vida, e, via de regra, indo cada
421
vez mais longe, além dos limites visíveis e vividos por geração, preocupando-se em garantir o
atendimento das necessidades presentes e das futuras gerações.
Para onde desejar olhar, observa-se que os povos, desde os primitivos aos civilizados,
desenvolveram, passaram a possuir um complexo sistema de previsão para o atendimento das
necessidades humanas, adotando ou introduzindo formas, métodos com a preocupação dos
homens na satisfação das necessidades imediatas, que evoluem, se transformam em previdência
no sentido de atender as necessidades e bens em tempos futuros. Daí passar a entender, que a
demanda de uma pessoa, a quantidade de bens necessários para satisfazer as suas necessidades
num certo período de tempo, que se estende para atender o futuro, passou a entender como
previdência.
A preocupação do homem pela satisfação das suas necessidades presentes e futuras,
esforça-se para obter segurança, atender às necessidades do tempo há vir, buscando estabelecer
garantias através de processos que seja eficiente servir como previdência ao horizonte que possa
ser adverso. Portanto, a considerar o entendimento que a demanda uma pessoa deveria
corresponder a uma quantidade de bens necessários para satisfazer as suas necessidades no
período de tempo que advirá, e passou a ser entendido como previdência.
A previdência dos homens, com referência ao atendimento de suas necessidades, exige
reconhecimento pressuposto, ter em mente a demanda com quantidade, e quantidades de bens
para atender a sobrevivência nos espaços de tempo.
Deve-se ter clareza sobre as quantidades de bens de que se dispõe para alcançar
determinado objetivo, numa ordem jurídica que atenda a proteção à propriedade para compor
um patrimônio entendido como riqueza, que os economistas sustentam como a totalidade dos
bens disponíveis a um individuo que desenvolve atividades econômicas, dando margem ao
estudo do valor e riqueza, produção, capital e tantos outros esteios econômicos.
A concepção de “bem econômico”, como todo objeto, com utilidade, quantidade,
determinado preço, e em uma economia submetida e regida por leis de mercado, convive com
políticas econômicas adotadas pelo Estado.
Os objetivos econômicos pressupõem visar o progresso, o desenvolvimento, o
crescimento, a estabilidade econômica, melhorar a distribuição de renda, a busca do pleno
emprego, a justiça social, o controle e o combate da inflação, dentre tantos outros objetivos, e
tratamentos contra as mazelas que corroem a economia doa países quando não tratados
adequadamente através de políticas econômicas bem sedimentadas.
422
Apresenta-se o Direito Econômico entendido como direito e direito da economia,
conferindo uma vocação interdisciplinar que orienta pesquisas em busca do conhecimento, em
princípios e tratados de direito comercial.
Observa-se as relações entre economia e direito porque não são uniformes e têm variado
ao longo do tempo, numa peregrinação aos lugares do conhecimento humano, perpassando por
pensamentos diversos, que servem de base para a atividade da ciência econômica como um
dado natural, proporcionando um prolongamento das liberdades individuais e geradora de
riqueza como a instituição do mercado.
A presença do mercado mostra que ele se rege por uma lógica própria, não totalmente
racional, desenvolvendo-se por meios institucionais, considerado próprio por favorecer o giro
produtivo dos capitais, fornecendo à atividade econômica num suporte normativo sistemático
e transparente, de fácil entendimento, capaz de proporcionar a previsibilidade e a segurança de
atividades que tanto necessita as empresas e os consumidores, para gerar obter ganhos,
resultados e garantias dela especificados, desde a riqueza à satisfação das necessidades
individuais.
Usa-se as palavras capital, riqueza e patrimônio de forma intercambiável, como fossem
sinônimos perfeitos, que se deve entender como reserva, para designar o estoque de bens
acumulados pelo homem.
Preza-se pela implementação de um controle prudente e responsável face as
peculiaridades a que estão submetidos os gestores públicos na complexidade dos seus
desempenhos e compromissos envolvendo funções administrativas em sociedade empresária
comandada pelo Estado.
Da análise das políticas públicas e o objeto deste estudo relacionados as decisões políticas
e os programas de ação dos governos, interrogando-se a génese dos problemas das decisões que
procuram resolver assuntos sociais, sustentando soluções formuladas e condições da sua
implementação, com as configurações que exigem processos complexos e multidimensionais
que se desenvolvem em múltiplos níveis de ação e de decisão, envolvendo localidades com suas
características regionais, alcançando elementos nos âmbitos nacional e transnacional,
administração pública, que agem em contextos geográficos e políticos específicos, visando a
resolução de problemas públicos, distribuição de poder e de recursos.
423
A governança das empresas, mais do que nunca, necessitam atuar em conformidade com
a ética, as normas, as leis, protegendo os personagens principais, e envolvidos nos
procedimentos de compliance.
Ementas:
1. Os negócios são uma realidade na vida da humanidade, para atender os seres
humanos, garantir o equilíbrio necessário haver gestão empresarial profissionalizada,
exercitando dinâmicas saudáveis para cada espécie de atividade mercantil,
coadunando a administração que serve para orientar os interesses de todas pessoas
envolvidas, desde o nascituro ao espólio de qualquer cidadão ou cidadã.
2. As constantes transformações, em variadas escalas, envolvendo interesses e valores
como a proteção, dadas as necessárias interpretações aos fatos e circunstâncias
vivenciados na sociedade contemporânea, passam a ser componentes, consideradas
essenciais para a ordem jurídica e econômica do país.
3. O Estado quando exercita alguma atividade de caráter mercantil, em geral procura um
canal competente para atender a proposição, uma dessas opções que viabilizou foi
através da sociedade de economia mista, delimitando seu objeto e capital social no
estatuto social da companhia e na forma da lei.
4. No estatuto da sociedade de economia mista ficam assentados não somente fim,
valores, mas, também responsabilidades, direitos e obrigações, regras e sanções para
todos os acionistas, inclusive para o próprio o Estado-empresário, instituidor da
companhia.
5. No curso das atividades mercantis institui-se protocolos, para dar formalidade,
concomitantemente facilitar o constante diálogo entre acionistas e demais
negociantes, exercitando, constituindo instrumentos essenciais para sustentação das
relações internas e externas da companhia, que devem ser praticados com licitude e
lealdade, beneficiando todos segmentos empresariais, proporcionando o
fortalecimento do sistema de governança.
6. O Estado formado pela vontade coletiva organizada, deve colocar o seu poder para
atender os interesses e anseios da sociedade em geral, desenvolvendo ações para que
a formatação das atividades econômicas e sociais, e quando constituir sociedades de
economia mista, estar em consonância com a necessidade e importância estabelecida
424
na ordem econômica da nação, apta para atender o momento econômico, superar as
dificuldades que se apresentam nos períodos de crise, alcançar e manter a paz social.
7. Constituída a sociedade de economia mista, o Estado comparece como acionista -
Estado-empresário -, assumindo as obrigações de provedor do interesse geral,
fundado na ordem política e institucional constitucionalmente.
8. O Estado-empresário quando atuar como acionista da sociedade de economia mista
estará vincado na livre inciativa e livre concorrência prolatada na Constituição, no
corolário da valorização do trabalho empreendedor, em todas as expressões e modos
da atividade mercantil livre, para atender a sociedade plural.
9. O desenvolvimento da estrutura da atividade econômica através da sociedade
empresária estatal, exercitada com liberdade, deve estar alinhada com o compromisso
de incentivar e proteger a criação, a livre iniciativa, servindo de instrumento inovador,
para manutenção e construção com respeito à ordem pública e aos bons costumes, em
um mercado lícito e moral.
10. Não obstante a sociedade de economia mista estar sob estrito poder do Estado, mas,
como Estado-empresário não lhe confere privilégios, devendo observar todos os
cânones legais, de “ordem pública” e dos “bons costumes”, standards da sociedade
democrática.
11. A ordem jurídica do Estado intervencionista atribui norma, assumindo um conteúdo
econômico e social, perdendo a neutralidade axiológica que possa caracterizar
ideologias, desprezar o homem centro de tudo.
12. O mercado deve atuar com noções flexíveis, variáveis no tempo, inclusive para
nortear o legislador; e quando motivado para submeter os atores desse ambiente, sob
provocação de novos instrumentos legais, deve avaliar as atividades mercantis
prudentemente.
13. Os novos tipos de empreendimentos estatais, devem ser examinados por prudente
critério dos órgãos reguladores antes das suas constituições, a fim estabelecer normas
que atendam não só o interesse politico alinhado, a segurança do Estado e as
instituições, com as convicções que se reputam indispensáveis à manutenção da vida,
a civilização, em um conjunto de normas de proteção social e politica, cujos critérios
425
de criação políticas, sociais, morais e econômicos devem fundamentar e harmonizar
a vida da em sociedade de acordo com cada época.
14. O conceito de ordem pública abrange a soberania nacional, a ordem social e politica,
os bons costumes inseridos no campo empresarial, levando o entendimento para cada
interessado que a obtenção do lucro se associa em favor, em proveito da sociedade
em geral, inclusive com relação a sociedade de economia mista, uma vez que o
objetivo essencial da companhia não deve ser interrompido, tampouco desconhecido,
devendo salvaguardar a função social da empresa.
15. Os gestores das empresas estatais, com quaisquer pretensões políticas que possam ter,
não podem utiliza-las para interferir, afetar a administração nos resultados
econômico-financeiros da companhia, qualquer que seja a justificativa para os
negócios sociais da companhia.
16. É insofismável a responsabilidade do acionista controlador, majoritário, pela:
nomeação dos gestores, escolha de fornecedores, facilitação do crédito a clientes,
ocupação dos cargos diretivos, reforma do pacto social, formação de reservas
econômicas e financeiras, distribuição de lucros, devendo pautar suas condutas,
procedimentos em princípios, em paradigmas da ética, probidade, boa-fé, lealdade e
bons costumes.
17. O papel do Estado como e quando acionista controlador, instado a se comportar como
Estado-empresário, deve percorrer os mesmos caminhos e determinações dos
empresários menores, das sociedades empresárias privadas, submetidos as obrigações
e mecanismo de conduta de acordo com a governança corporativa.
18. A responsabilidade de gestão da companhia de economia mista deve ser através dos
administradores diretos e ou indiretos, pelos membros do Conselho de Administração,
todos são considerados corresponsáveis pelas decisões da sociedade empresária,
inclusive nos atos considerados contrários à boa-fé, interferindo nas regras de
governança corporativa.
19. Os acionistas quando investidos do múnus no órgão Conselho de Administração,
Diretoria, ou qualquer outro comando empresarial no seio da sociedade de economia
mista, devem ser consubstanciados através do voto dos acionistas nas competentes
reuniões e ou assembleias, consoante estatuto da companhia, por ser este o elemento
condutor da declaração de vontade destinada à atender o quanto estipulado na
426
formação do objeto da empresa e no órgão, obedecidos os pressupostos legais, sempre
ungido de liberdade para bem legitimar os deveres e direitos de todos presentes no
proscênio.
20. A vontade do acionista deve ser declarada individualmente através do voto, que deve
ser sufragado com o preenchimento dos requisitos legais da regular instalação das
assembleias, reuniões de conselhos de administração, fiscal e demais órgãos,
respeitando o pertinente quorum mínimo necessário para dar validade a declaração
individual; constituindo essa manifestação de vontade, único condutor dos interesses
da sociedade empresária, que deve ser obedecido, cumprido para bem alcançar o
desiderato da companhia.
21. O abuso do exercício do direito de voto, praticado com o fim de causar dano à
companhia fica maculado, tornando-o invalido.
22. Ato ilegal viola direito ou transpõe limites objetivos fixados para o exercício do
direito. Ato abusivo praticado representa desvio da finalidade para a qual o
ordenamento não conferiu esse direito. Deve-se impedir qualquer ato emulativo com
objetivo de prejudicar, que deve ser considerado ato praticado com intuito de fraude,
representa um desvio de destinação do direito, exercício que contraria o fim e a função
social da atividade empresarial.
23. A livre concorrência erigida na Constituição de 1988, congrega princípios que são
considerados inerentes a uma ordem econômica, pressupondo vários competidores
num campo de liberdade de disputas lícitas, objetivando alcançar êxito econômico
ditados e sob as leis de mercado, não podendo sofrer qualquer repressão, abuso do
poder econômico sob a perspectiva da dualidade dos processos decisórios público e
privado.
24. O direito de voto deve ser exercido no interesse da sociedade, superando os interesses
individuais dos acionistas, e, quando estes – acionistas – estiverem em conflito, deve-
se observar os limites traçados pela lei, em favor do interesse comum, do bom direito,
para que não o voto não seja utilizado de modo abusivo, em prejuízo dos direitos dos
demais acionistas, impedindo que seja proclamada decisão que esteja em direção
diversa da disposição legal, violando o objeto social da instituição, correspondendo
não somente uma má pratica, como, pela possibilidade de provocar dissidências entre
os acionistas, gerar insanáveis prejuízos a sociedade empresaria.
427
25. Todos devem usar dos direitos com a carga de poder que é detentor, com o fim de
realizar o objeto e o bem da companhia, para que a mesmo possa bem cumprir a
função social da empresa, sob deveres e responsabilidades recíprocos, inclusive para
com os que nela trabalham e colaboram para com a comunidade em geral, atuando
lealmente, respeitando e atendendo o bem comum.
26. A declaração unitária ou esparsa das prerrogativas inderrogáveis dos acionistas
assegurados pela pertinente legislação, quando deve ser manifestada através do voto,
a sociedade empresaria deve previamente divulgar o objeto da convocação e
avaliação, através de publicidade própria da pauta, da ordem do dia para o devido
conhecimento e discussão entre seus pares, evitando sofrer influencias de matizes
diversos, para o merecido exame e reflexão de todos os eleitores, obtendo uma visão
da politica interna da sociedade empresária, especialmente nas proposições que visem
alterar a estrutura, o desempenho da empresa em determinado período ou seguimento,
por mais visionaria que seja.
27. Na hipótese de acordo entre acionistas, este pacto não pode abrigar qualquer ato, e ou
objeto ilícito. O acionista prejudicado nesse ajuste não fica obrigado a seguir a diretriz
lesiva fixada no ajuste. O acordo de acionistas deve seguir a previsão legal, consoante
disposição contida no artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de
probidade e boa-fé”, preservando o equilíbrio, harmonia entre os interesses dos
acionistas, subordinando-se as decisões dos conselhos, que devem estar a par das
opiniões dos diretores visando atender a companhia, seus acionistas e coletividade,
dando consistência, viabilidade ao funcionamento normal da sociedade pelos
mecanismos funcionais e jurídicos adequados, traduzindo o espirito das leis e o
comportamento ético.
28. O equilíbrio das normas econômicas e financeiras se mesclam com preceitos éticos e
jurídicos, com natural tendência de patrocínio de proteger os mais frágeis, sob os
princípios e agasalhos conferidos às minorias na trincheira da lei das Sociedades
Anônimas.
29. A atuação do acionista controlador deve ser legitima, comportando-se na defesa desse
direito, compatibilizando-se com o poder acionário majoritário, sem menosprezar o
direito e garantias da minoria, executando com justiça, temperança as decisões
428
quando em dissidência, tratando todos os acionistas sem distinção, sob tutela da
essência natural da lei e da ordem jurídica.
30. O Conselheiro deve observar seus deveres de acordo com a lei, adequar as postulações
daquele que o conduziu ao órgão, o sócio majoritário/controlador, com eficiência,
oportunidade e conveniência pública, compatibilizando os objetivos empresariais da
sociedade de economia mista, alinhada ao interesse coletivo, extirpando posições
politico-ideológicas, impedindo submissão, a não ser ao do objeto social da
companhia, a qualquer dirigismo partidário e ou ideológico, mesmo quando o
conselheiro convicto de alguma ideológica e ou ordem partidária.
31. Os administradores da sociedade de economia mista, enquanto Diretores e ou
membros do Conselho Administração da companhia, tem deveres para com os
acionistas inclusive os minoritários, e demais interessados na participação,
composição e funcionamento da companhia e dos órgãos, para com os deveres
fiduciários decorrentes da constituição da sociedade empresária, no molde da lei e do
estatuto, sem claudicar, sob pena das sanções, prevenindo-se das sequelas
provenientes das decisões danosas em desfavor dos acionistas e da companhia ou
terceiros.
32. O integrante do órgão da sociedade de economia mista observará a cultura das
relações sociais e jurídicas vinculadas a origem da companhia, com o linheiro enfoque
histórico e contemporâneo, exercitando seus deveres com lealdade em beneficio da
comunidade, consciente que o povo é o verdadeiro outorgante de representação
perante o governante quando presente nos órgãos da sociedade de economia mista.
33. O livre comércio é decisivo para o progresso econômico-industrial integrando o
desenvolvimento da riqueza, adequando-se e conciliando-se com os interesses sociais
do povo dispostos na Constituição Econômica da nação, resultado da civilização
material desenvolvida nos moldes propostos por cada geração, produzindo riqueza
necessária para sobrevivência, transmitindo-a às gerações subsequentes, auxiliando
com a devida proporção e razoabilidade aos povos necessitados, respeitando a
autodeterminação de cada povo.
34. As sociedades anônimas nasceram da reunião de poupanças. A sociedade de
economia mista tem seu capital, pelo menos, parcialmente, constituído por bens do
Estado, amoldada como acionista detentor de ações, preservará não somente o valor
429
primitivo do bem objeto na constituição do capital social, promovendo a
rentabilidade, ou o retorno do capital investido, e como ente público dar suporte à
coletividade na procura e melhoria das vidas dessa população ao utilizar o patrimônio
publico para qualquer fim.
35. A sociedade de economia mista não pode olvidar o risco inerente ao caráter
empreendedor, e o objetivo de lucro, e por essa razão o acionista controlador deve
estar atento as imperiosas oscilações do mercado, avaliando constantemente os fatores
de risco, os fundamentos econômicos e financeiros do quanto praticados no mercado.
36. Os dados econômicos e financeiros da companhia são os elementos ensejadores para
a sobrevivência do empreendimento, possibilitando as necessárias modificações para
evitar riscos, perdas e danos (alteration of variance), bem como os fatores de retorno
(valor dos ganhos ou perdas), e duração (tempo do negócio), sendo objeto de
constante negociação entre os participantes da atividade e os acionistas.
37. A partir da Lei nº. 13.303/2016, exige-se que a sociedade de economia mista terá a
função social na realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da
segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.
38. A realização do interesse coletivo de que trata a Lei nº. 13.303/2016 deverá orientar
os gestores para alcançar o bem-estar econômico e social, com alocação eficiente dos
recursos da companhia mista, para atender a ampliação economicamente sustentada
do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa, encetando o
desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de
produtos e serviços da companhia de maneira economicamente justificada.
39. O Estado-empresário quando compor sociedade empresária deve observar sua
posição e grandeza, além de conviver com as articulações do mercado com a presença
dos investidores convencionais.
40. O Estado-empresário convive com os demais investidores, pessoas naturais, pessoas
jurídicas publicas e ou particulares, trabalhadores, empregados possuidores de
poupança forçada oriunda dos valores em favor dos empregados que compartilham
os depósitos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que
voluntariamente ou não, provocados por “convite” pelo próprio Estado via seus
gestores públicos para aplicar em ações de empresas estatais.
430
41. O Estado ao promover a entrada de patrimônio publico e poupança popular no capital
social da sociedade de economia mista, transforma esse acervo em ações da
companhia que fica inserido no mercado de capitais, responsabilizando-se não só pelo
capital no investimento, responde pelo fracasso do empreendimento. Nessas
circunstâncias a companhia compatibiliza os anseios sociais via o governante, e ao
captar a poupança da população, responde pelo seu bem-estar, por ser acionista
responsável, com o dever de lealdade perante a coletividade.
42. O preceito institucionalista da sociedade empresária impõe ao acionista controlador,
no exercício do poder, dar sentido ao relevante interesse da economia nacional, ao
interesse transindividual, desde o momento da constituição da sociedade empresária
estatal a exercitar a atividade mercantil, sob qualquer forma empresarial, publica ou
privada, com deveres semelhança da sociedade empresarial sob regime privado.
43. No conjunto de deveres da sociedade de economia mista, está o do membro do
Conselho de Administração, a observar as rotas de atuação da companhia,
reverenciando a lei, não impondo programas de governo derivados de manto
ideológico, preservando o imperativo legal, institucional, salvo o alvo seja atender a
população a fundo perdido, cujo sentido e molde mais apropriado, a ser praticado
através de empresas estatais, com natureza jurídica mais consentânea para sintonizar
com a coletividade.
44. A atividade mercantil está determinada, na capacidade da sociedade, e se desenvolve
de acordo com o objeto social, e quando praticar ato ultra vires este será ineficaz,
consoante julgado do Excelso Supremo Tribunal, que a: “A firma social não se obriga
perante terceiros pelos compromissos tomados em negócios estranhos à sociedade”
(R. E. nº 361, in R. F. 1/217; R. E. nº 68.104, de 1969). A deliberação do acionista
majoritário / controlador que afrontar os lindes do objeto social, para determinar uma
atuação além do objeto da sociedade, consumado com a complacência dos
administradores, há de ser considerado ineficaz em relação à sociedade, tornando-se
responsável civil, estabelecendo solidariedade entre o controlador e o administrador
(§ 2º, do artigo 117).
45. O controle da empresa estatal deve garantir, resguardar os interesses maiores não só
da Administração Pública; bem cumprir a consecução da finalidade para a qual foi
criada a pessoa jurídica, no correto e bom emprego dos recursos dos acionistas, em
431
especial no que tange, ao patrimônio do majoritário / controlador quando advém de
recursos públicos.
46. A representação política tem sentido analógico, para admitir ou até mesmo explicar
sua utilização em situações em que envolve as responsabilidades da Chefia de Estado
Representativo, do Governo Representativo, observando os elementos da
representação na sua substância, a vista de bases racionalistas e fundamentos realistas,
vivenciados na órbita das sociedades de economia mista, sob controle constitucional.
47. Os acionistas podem promover reivindicações quando prejudicados, e de igual modo
a coletividade - o povo - que conferiu representação popular aos governantes que no
poder se afastaram dos ideais da coletividade, e que no exercício politico
prejudicaram a sociedade empresária, sendo os governantes e gestores, controladores
responsáveis com as devidas reparações, quando no exercício poder, foram autores de
decisões prejudiciais aos titulares, detentores de direitos, face os danos sofridos ao
patrimônio coletivo. Dentre as atitudes humanas, tem-se a conduta da lealdade, que é
um comportamento que implica constância, um valor que vai além do servilismo e da
idolatria. A lealdade implica sinceridade nas relações humanas. Ser leal é ser sincero,
é ser franco e honesto.
48. As ordens que levam o membro do Conselho de Administração à submissão, tem
caráter de imposição para atuar somente de acordo com as determinações do
controlador da sociedade de economia mista, orientando o rumo da companhia,
mesmo para atender a algum fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse da
sociedade, como o favorecimento a outra sociedade empresária, brasileira ou
estrangeira, em prejuízo dos acionistas minoritários, reduzindo os lucros ou o acervo
da companhia, com possibilidade de acontecer a liquidação da companhia impróspera,
forçando a transformação, incorporação, fusão, cisão, como opção de solução para
obtenção de vantagem, claudicando perante o mercado de capitais, com indução a
equívocos, especialmente quando levado a aprovar contas irregulares, dar como apto
balanço positivo, acenar ao mercado perspectivas de lucratividade suspeita,
desenvolvendo prática desleal.
49. Não só o acionista que represente certo percentual legal pode promover a defesa dos
seus interesses no âmbito da companhia, também o cidadão, como detentor da outorga
da representação politica, quando se tratar de interesse comum da comunidade na
432
sociedade de economia mista, da dominação ab extra, está na alça do dever de
lealdade como integrante do Conselho de Administração, conduzido incorretamente
pelo acionista controlador.
50. Deve-se examinar a limitação dos poderes dos órgãos de administração para expressar
a vontade coletiva perante terceiros, excepcionalmente no âmbito interno da
companhia não elimina a hipótese de representação legal ou convencional, desde
quando o conselho de administração, órgão eminentemente colegial, como dispõem
os artigos 138, § 1º, e 140, caput e inciso IV, da Lei nº. 6.404/76, pode e deve o
conselheiro divergir dos seus pares, mandando consignar na ata competente o seu
voto, entendimento e fundamento, como dispõe o artigo 100 do referido diploma
legal, quanto a matéria deliberada, inclusive para atender a previsão dos artigos 142
e 289 da referida lei, inclusive para fins de publicidade, atendendo com maior
extensão o parágrafo sétimo, sem prejuízo do caput do artigo 289.
51. Por ser a sociedade de economia mista detentora de expressivo capital estatal deve
primar pela função social para atender os interesses da coletividade em que se
encontra inserida, devendo o membro do Conselho de Administração não desprezar
dessa vinculação com o direito custo.
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