UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA
MESTRADO E DOUTORADO EM ECONOMIA
ALICE DAIANE ROCHA DE MATTOS
EQUIDADE E EFICINCIA NO ENSINO SUPERIOR: UMA ANLISE DA
POLTICA DE COTAS NA UFBA
SALVADOR
2017
ALICE DAIANE ROCHA DE MATTOS
EQUIDADE E EFICINCIA NO ENSINO SUPERIOR: UMA ANLISE DA
POLTICA DE COTAS NA UFBA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Economia da Faculdade de Economia da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial obteno do
grau de Mestre em Economia.
rea de concentrao: Economia da educao.
Orientadora: Prof. Dra. Cludia S Malbouisson Andrade.
SALVADOR
2017
Ficha catalogrfica elaborada por Vnia Cristina Magalhes CRB 5- 960
Mattos, Alice Daiane Rocha
M435 Equidade e eficincia no ensino superior: uma anlise da poltica de
cotas na UFBA./ Alice Daiane Rocha Mattos. - Salvador, 2017.
97f. il. quad.; graf.; fig.; tab.
Dissertao (Mestrado em Economia) Faculdade de Economia,
Universidade Federal da Bahia, 2017.
Orientadora: Profa. Dra. Cludia S Malbouisson Andrade..
1. Ensino superior - Ingresso. 2. Universidade Federal da Bahia
Cotas. 3. Programas de ao afirmativa na educao. 4. Economia da
educao. I. Andrade, Cludia S Malbouisson. II. Ttulo. III.
Universidade Federal da Bahia.
CDD 379.26098142
RESUMO
Alcanar os objetivos sociais de equidade e eficincia um desafio para qualquer
sociedade. Para parte da literatura econmica h um trade-off entre esses dois objetivos,
onde no h para alcanar mais de um sem que seja sacrificado um tanto do outro, em
contrapartida h autores que argumentam que maior igualdade de oportunidade ou
equidade traz resultados positivos tanto para os indivduos como para a sociedade. Essa
discusso tambm est presente na rea de educao e lida com a questo de que
polticas que visam aumentar a igualdade de oportunidades podem prejudicar a
excelncia educacional das instituies. Dentre essas polticas esto s polticas de
aes afirmativas para o ensino superior que visam a promoo da equidade, a exemplo
a poltica de cotas. Essa dissertao teve como objetivo analisar se a implementao da
poltica de cotas na UFBA impactou na eficincia da Instituio. Para isso foi utilizado
o mtodo economtrico de estimao de dados em painel por efeitos fixos e aleatrios.
Os resultados encontrados mostraram que o sistema de cotas na UFBA influenciou
positivamente na eficincia da universidade, o que levou a refutar, neste caso, a
existncia do trade-off entre equidade e eficincia.
Palavras-chaves: Equidade. Eficincia. Aes afirmativas. Poltica de cotas. Ensino
superior.
ABSTRACT
Achieving social goals of equity and efficiency is a challenge for any society. For part
of the economic literature there is a trade-off between these two objectives, where there
is no more to achieve one without sacrificing some of the other, in contrast there are
authors who argue that greater equality of opportunity or equity brings positive results
both for individuals as to society. This discussion is also present in the area of education
and deals with the issue that policies aimed at increasing equal opportunities may
undermine the educational excellence of institutions. Among these policies are
affirmative action policies for higher education that aim to promote equity, such as
quota policy. The purpose of this dissertation was to analyze whether the
implementation of the quota policy at UFBA impacted the Institution's efficiency. For
this, we used the econometric method of estimation of panel data by fixed and random
effects. The results showed that the quota system at UFBA positively influenced the
university's efficiency, which led to the refutation, in this case, of the trade-off between
equity and efficiency.
Keywords: Equity. Efficiency. Affirmative actions. Quota policy. Higher education.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Variveis dummys antes da agregao 54
Quadro 2 Descrio das variveis utilizadas 55
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Evoluo do nmero de IES por Categoria Administrativa 26
Grfico 2 Percentual de jovens com idade de 18 a 24 anos segundo quintil de
renda e acesso ao ensino superior- Brasil 2004 a 2015
27
Grfico 3 Percentual de jovens com idade de 18 a 24 anos segundo cor
autodeclarada com acesso ao ensino superior - Brasil 2004 a 2015
27
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Caixa de Edgeworth produo 41
Figura 2 Caixa de Edgeworth trocas 41
Figura 3 Mdia das variveis renda 5 sal, negro e fundpblica por rea de
conhecimento de 2003 a 2010 rea I
58
Figura 4 Mdia das variveis renda 5 sal, negro e fundpblica por rea de
conhecimento de 2003 a 2010 rea II
58
Figura 5 Mdia das variveis renda 5 sal, negro e fundpblica por rea de
conhecimento de 2003 a 2010 rea III
59
Figura 6 Mdia das variveis renda 5 sal, negro e fundpblica por rea de
conhecimento de 2003 a 2010 rea IV
59
Figura 7 Mdia das variveis renda 5 sal, negro e fundpblica por rea de
conhecimento de 2003 a 2010 rea V
60
Figura 8 Mdia das variveis dependentes por rea de conhecimento de 2003
a 2010 rea I
62
Figura 9 Mdia das variveis dependentes por rea de conhecimento de 2003
a 2010 rea II
62
Figura 10 Mdia das variveis dependentes por rea de conhecimento de 2003
a 2010 rea III
63
Figura 11 Mdia das variveis dependentes por rea de conhecimento de 2003
a 2010 rea IV
63
Figura 12 Mdia das variveis dependentes por rea de conhecimento de 2003
a 2010 rea V
64
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Taxa de frequncia bruta a estabelecimento de ensino da populao
residente, por grupos de idade - Brasil - 2004/2014
25
Tabela 2 Estatsticas descritivas sobre as variveis utilizadas 56
Tabela 3 Estatsticas descritivas para as variveis, renda, negro e fund_pblica
de 2003 a 2010.
57
Tabela 4 Estatsticas descritivas para as variveis de resposta 61
Tabela 5 Correlao entre variveis presentes no modelo 68
Tabela 6 Correlao entre variveis presentes no modelo 69
Tabela 7 Regresso por Dados em painel Taxa de concluso mnima 70
Tabela 8 Regresso por Dados em painel Taxa de concluso mdia 71
Tabela 9 Regresso por Dados em painel Taxa de reteno 72
Tabela 10 Regresso por Dados em painel Taxa de evaso nos 4 primeiros
semestres
73
Tabela 11 Regresso por Dados em painel Taxa de evaso nos demais
semestres
74
Tabela 12 Regresso por painel de efeitos fixos e aleatrios: rea I 75
Tabela 13 Regresso por painel de efeitos fixos e aleatrios: rea II 76
Tabela 14 Regresso por painel de efeitos fixos e aleatrios: rea III 76
Tabela 15 Regresso por painel de efeitos fixos e aleatrios: rea IV 77
Tabela 16 Regresso por painel de efeitos fixos e aleatrios: rea V 78
SUMRIO
1 INTRODUO 10
2 AES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR 14
2.1 DEFINIES E OBJETIVOS 14
2.2 ACESSO AO ENSINO SUPERIOR POR RESERVA DE VAGAS 19
2.2.1
Experincia Internacional 19
2.2.2
Experincia Brasileira 24
2.3 A POLTICA DE COTAS NA UFBA 31
40
3 EQUIDADE E EFICINCIA 35
3.1 EQUIDADE E EFICINCIA EM ECONOMIA 35
3.2 EQUIDADE E EFICINCIA EM EDUCAO 42
3.2.1
Poltica de Cotas: Equidade e Eficincia no Ensino Superior 46
4 DADOS, ESTRATGIA EMPRICA E RESULTADOS 53
5
4.1 DADOS 53
4.2 ESTRATGIA EMPRICA : EFEITOS FIXOS E ALEATRIOS 64
4.3 RESULTADOS 68
5 CONSIDERAES FINAIS 80
REFERNCIAS 84
APNDICES 91
10
1 INTRODUO
Esta dissertao resultado parcial do Projeto Determinantes da Equidade no Ensino
Superior: uma exame da variabilidade dos resultados do ENADE no desempenho de cotistas e
no-cotistas realizado com apoio do Programa Observatrio da Educao (OBEDUC) e
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES/Brasil), que tem por
objetivo estudar, dentre outras temticas, a rea de Economia da Educao e Avaliao de
Polticas Pblicas.
Uma questo recorrente nos estudos em Educao Superior tem sido como ampliar o acesso
de modo mais equitativo sem que haja perda de eficincia nas Instituies de Ensino Superior
(IES). Para o alcance da equidade entende-se, de forma geral, que polticas pblicas devem ser
colocadas em prtica. Uma destas polticas a denominada, poltica de aes afirmativas que
segundo Ismail (2015) se propem a atrair minorias sub-representadas para as universidades
na tentativa de combater as desigualdades e compensar as injustias histricas.
As aes afirmativas podem ser definidas como polticas pblicas ou privadas que buscam
atenuar as desigualdades existentes entre grupos da sociedade. Essas medidas possuem carter
provisrio e visam promover a igualdade de oportunidade a uma parte da populao que se
encontra em condies de desvantagem, indivduos menos favorecidos e com um persistente
histrico de discriminao. Tais medidas tm como objetivo aumentar a representatividade
das minorias em ambientes frequentados majoritariamente por indivduos brancos e de maior
status socioeconmico.
Para Oliven (2007) a ao afirmativa visa remover barreiras que impeam o acesso de certos
grupos ao mercado de trabalho, universidades e posies de liderana. Polticas caracterizadas
como medidas de aes afirmativas tm sido empregadas ao redor do mundo com o
argumento de que so um instrumento eficaz na busca da igualdade real e da equidade
social, que pode ser conceituada de forma mais geral como igualdade de oportunidades para
todos e alcance da justia social. Ao mesmo tempo, a adoo destas polticas tem sofrido
algumas crticas, para alguns estudiosos uma parte da literatura elas so inconstitucionais e
no contemplam questes de habilidade e mrito.
11
As polticas de aes afirmativas tm gerado ainda mais discusses quando direcionadas para
o acesso ao ensino superior, onde so aplicadas por meio do sistema de cotas, que reserva um
percentual das vagas para grupos sub-representados, ou bonificao que funciona atravs de
um acrscimo na pontuao final do vestibular (ROSEMBERG, 2013). O debate sobre a
utilizao destes mecanismos em admisses universitrias tem se mostrado antagnico do
ponto de vista das provveis externalidades que podem surgir a partir da sua aplicao.
Parte da literatura sustenta a hiptese de que as aes afirmativas no acesso s universidades
aumentam a equidade no acesso e a diversidade, na medida em que inserem minorias que no
teriam oportunidades caso a poltica no existisse, o que traz resultados positivos tanto para o
indivduo como para a sociedade, pois indivduos com maior educao formal tendem a
influenciar positivamente na educao da gerao posterior.
Do outro lado, a hiptese admitida de que as polticas de reserva de vagas ao no utilizarem
sistemas de admisses por mrito, inserem estudantes que no possuem as habilidades
necessrias para cursar o ensino superior, o que acarreta em resultados inferiores para as
instituies, tanto em taxas de graduao, como no desempenho dos alunos.
No Brasil as aes afirmativas no ensino superior so aplicadas na maioria das universidades
pblicas atravs do mecanismo de reserva de vagas. A justificativa de utilizao dessa poltica
nas universidades brasileiras reside no fato de um passado escravocrata e de recursivas
injustias sociais. Esse histrico aliado a uma lenta expanso do Ensino superior no Brasil
culminou em uma significativa concentrao no acesso educao superior, sendo este
frequentado majoritariamente por alunos brancos e com um nvel socioeconmico mais alto.
Mesmo antes de se tornar obrigatria para as universidades federais pela Lei 12.711 de 2012,
as cotas tanto raciais, como sociais tm sido utilizadas por algumas universidades brasileiras
com o objetivo de aumentar o acesso e consequentemente a representatividade de minorias
sociais nesses espaos (BRASIL, 2012). Contudo, assim como em outros pases onde foram
aplicadas, no Brasil o embate ideolgico tambm latente e controverso.
Autores como Francis e Pianto (2012), Pereira (2013) tem argumentado que de fato a poltica
promove a equidade de acesso e aumenta a representatividade das minorias nas universidades
brasileiras, porm, em alguns cursos, principalmente os considerados de alto prestgio, os
12
diferenciais de desempenho so maiores e os resultados educacionais, como taxas de
concluso, podem ser inferiores para os cotistas.
No diferentemente, na UFBA, objeto de pesquisa desta dissertao, essas anlises tambm
tm sido feitas no sentido de verificar os impactos da implantao da poltica na universidade.
Estudos recentes tem verificado que de fato o sistema de cotas tem ampliado as chances de
estudantes negros e de renda mais baixa ter acesso ao ensino superior, em contrapartida, os
resultados educacionais podem ser piores para esses alunos.
Na literatura econmica estes resultados educacionais representam um forte indicador de
eficincia para as universidades, ou seja, se estes resultados tm sido mais baixos, significa
dizer que o nvel de eficincia da universidade tem diminudo. Desse modo, este trabalho
pretende analisar se a poltica de cotas, como poltica que promove um acesso mais equitativo
pode acarretar em perda de eficincia para a universidade. Na teoria econmica comumente
identificada uma relao conflitante entre equidade e eficincia, o denominado trade-off. Para
algumas vertentes, equidade e eficincia configuram-se como objetivos econmicos
reciprocamente excludentes, ou seja, no d para alcanar mais de um, sem abdicar um tanto
do outro.
Dessa forma, pretende-se avaliar se no caso da UFBA, h ou no o trade-off entre equidade e
eficincia. Dado que a poltica de reserva de vagas na UFBA promove uma maior equidade
no acesso, pretende-se verificar como essa maior equidade tem influenciado nas taxas de
concluso, reteno e evaso, utilizadas neste trabalho para descrever a eficincia da
universidade.
Para isso foram utilizados os dados da UFBA em perodos que antecedem as cotas e em
perodos que h vigncia do sistema de reserva de vagas. As informaes foram organizadas
em painel, o que permite acompanhar os mesmos indivduos/ unidades de observao em
vrios perodos de tempo. A metodologia utilizada um painel de efeitos fixos, pois atravs
dele possvel controlar as caractersticas especficas de cada unidade de observao,
conseguindo assim mensurar o efeito puro de uma mudana/poltica nas variveis de resposta
que se pretende analisar.
13
Assim sendo, as unidades de observao nesta dissertao sero os cursos da UFBA , que
sero acompanhados de 2003 a 2008. As caractersticas individuais de cada curso podem
afetar as variveis de resposta que denotam a eficincia da instituio. Ao utilizar esta
metodologia, supe-se que a heterogeneidade constante ao longo do tempo, sendo assim, ela
no influenciar no valor estimado dos coeficientes.
Essa dissertao est dividida em quatro captulos alm desta Introduo. O segundo captulo
far uma discusso a cerca das definies e objetivos da Ao Afirmativa, sua aplicao nas
universidades e os principais resultados encontrados a nvel internacional e nacional. No
terceiro captulo feita uma anlise sobre os conceitos de equidade e eficincia presentes na
literatura econmica e no mbito da educao, alm disso, utilizada a teoria de formao de
habilidades para explicar o trade-off entre equidade e eficincia no ensino superior. No
quarto captulo sero apresentados os dados, o modelo emprico que ser utilizado nas
estimaes e os resultados alcanados. No quinto e ltimo captulo so expostas as
consideraes finais do trabalho.
14
2 AES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR
As aes afirmativas podem ser conceituadas como um conjunto de medidas que visam conter
discriminaes (PISCINO, 2006). O debate sobre aes afirmativas altamente controverso e,
de acordo com Ulrich (2016), lida com questes polmicas como igualdade, equidade e
constitucionalidade. Este captulo tem como objetivo discutir a adoo das polticas de aes
afirmativas no contexto da Educao Superior. Para tanto, na primeira seo sero discutidos
os conceitos e objetivos de aes afirmativas na literatura, em seguida sero revisadas as
experincias das polticas de aes afirmativas nas universidades e, por fim, a implantao das
aes afirmativas no ensino superior brasileiro e os desdobramentos da poltica de cotas na
Universidade Federal da Bahia.
2.1 DEFINIES E OBJETIVOS
A ao afirmativa uma poltica reguladora que tem como objetivo aumentar a representao
de pessoas pertencentes a subgrupos no campo da educao, emprego ou contratao de
empresas. Segundo Piovesan (2007) as aes afirmativas cumprem uma finalidade pblica
decisiva para o projeto democrtico, que a de assegurar a diversidade, a pluralidade e
equidade social, descrita por Davey e Devas (1996) como a promoo do acesso justo e
igualitrio de todos os indivduos superao das necessidades sociais bsicas.1
As Polticas de Aes Afirmativas podem ser definidas como um conjunto de medidas e
iniciativas polticas que visam favorecer minorias sociais que se encontram em piores
condies de competio em qualquer sociedade (BRANDO; AMARAL, 2007). Em outras
palavras, representam um conjunto de medidas que se prope a reduzir desigualdades
existentes entre grupos da sociedade excludos, discriminados e/ou vitimados devido a
caractersticas socioeconmicas, questes tnicas, raciais, religiosas, de gnero no passado ou
presente. Tais medidas podem ser estabelecidas de forma voluntria ou compulsria, como
uma estratgia temporria de promoo da incluso e igualdade de oportunidade para todos.
1 Outras definies de equidade sero discutidas no captulo 3.
15
No que se refere sua durao, Tomei (2005) coloca que a poltica de ao afirmativa possui
um carter provisrio, mas no necessariamente de curto prazo. Para o autor(a) o objetivo
seria atuar por um perodo, amenizando as desigualdades existentes entre grupos na sociedade
at que se alcance o objetivo esperado.. Nesse sentido, pode-se salientar que uma medida
emergencial que atua com a inteno de amparar uma gerao que j teve seus direitos e
oportunidades tolhidas pelo contexto social e econmico e que no teria oportunidades caso
tais polticas no existissem, dessa forma atuam no sentido de promover uma sociedade mais
equitativa.
Gomes (2007) ressalta que as aes afirmativas so polticas pblicas e privadas voltadas
concretizao do princpio constitucional da igualdade material e neutralizao dos efeitos
da discriminao racial, de gnero, de idade, de origem nacional e de compleio fsica. Em
seu entendimento, ... a igualdade deixa de ser simplesmente um princpio jurdico a ser
respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcanado pelo Estado e
pela sociedade.
De acordo com Oliven (2007), o termo ao afirmativa refere-se a um conjunto de polticas
pblicas para proteger minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido
discriminados no passado. A ao afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que
impeam o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posies de
liderana. De acordo com este autor, a sub-representao de grupos em instituies e posies
de maior prestgio o reflexo da discriminao social, e por isso preciso buscar o equilbrio
entre os percentuais de cada minoria na populao em geral e os percentuais dessas mesmas
minorias na composio dos grupos de poder nas diversas instituies que fazem parte da
sociedade.
Segundo Garcelon (2015) a representatividade nesses ambientes faz parte das justificativas de
implantao de polticas de aes afirmativas, pois estas oferecem Melhores Modelos para
indivduos de grupos marginalizados, nos quais que podem se inspirar. Adicionalmente
apresenta a justificativa de Necessidade de servir melhor as comunidades, j que existem
casos em que um membro do grupo dominante pode no ser capaz de atender adequadamente
s necessidades dos membros do grupo marginalizado. Outra justificativa no menos
importante a Necessidade de diversidade, segundo a autora, a introduo de medidas
16
afirmativas aumenta a diversidade, criando assim um ambiente mais enriquecido,
beneficiando todos os indivduos e a sociedade como um todo.
De forma geral, na literatura no existe consenso sobre a adoo de aes afirmativas. Os
argumentos pr-aes afirmativas indicam que elas so um instrumento eficaz, capaz de
promover a equidade. Avaliam que impossvel haver justia se as pessoas no se encontram
no mesmo patamar, principalmente em relao s condies socioeconmicas, o que s
possvel se no lhes forem negados, sobretudo, o acesso educao, emprego e necessidades
fundamentais.
J as crticas direcionadas s polticas de aes afirmativas indicam que as medidas so
inconstitucionais, pois priorizam determinado grupo da populao em detrimento de outro,
no levando em conta a igualdade descrita na justia formal, de que todos so iguais perante a
lei. Alm disso, seus opositores acreditam que tais polticas utilizam medidas compensatrias
de benefcios exclusivos a um segmento, deixando de lado questes como habilidade e
meritocracia.
Muitos dos argumentos utilizados para defesa da poltica so baseados no princpio de Justia
defendido por Rawls (1981). Segundo o autor, uma sociedade justa ou equitativa somente
aquela onde h mitigao das desigualdades e da discriminao socioeconmica. Quando
expectativas de pessoas que possuem as mesmas habilidades no so realizadas devido raa,
gnero ou classe social tem-se uma sociedade injusta, que necessita de leis que promovam a
igualdade real. Essa formulao est ancorada nos ideais de justia social e distributiva, que
transcende a justia formal, onde todos so iguais perante a lei.
Menezes (2001) salienta que alm do objetivo de compensao, como um meio de indenizar
os danos causados, as aes afirmativas tm como objetivo agir no sentido de eliminar
privilgios para que se alcance a igualdade real entre todos os indivduos, dando reais
oportunidades as minorias sub-representadas no intuito no somente de favorec-los
individualmente, mas de, sobretudo, formar uma sociedade mais justa e equitativa.
De acordo com Piovesan (2007) proibir a discriminao no o suficiente. necessrio
desenvolver mecanismos que de fato promovam a incluso de grupos historicamente
vulnerveis. Nesse sentido, as aes afirmativas podem configurar um instrumento eficaz de
17
incluso social. Estas aes constituem medidas especiais que visam remediar um passado de
discriminao, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade
substantiva.
A busca pela igualdade substantiva, ou a denominada equidade social segundo Del Rey e
Racionero (2007), se configura como objetivo da ao afirmativa. Tais polticas so
introduzidas como forma de compensao por maus-tratos passados que se perduram ao longo
dos anos e colocam indivduos de determinados grupos em desvantagem. Segundo os autores,
as medidas so bem sucedidas para atingir os objetivos de equidade e de diversidade.
Roemer (2007) salienta que as desigualdades s devem ser toleradas apenas se advm das
diferenas de empenho, mas no devem ser aceitas de forma alguma caso dependam de
circunstncias que no podem ser controladas, como questes de raa, gnero ou condio
socioeconmica. Desigualdades sociais geradas por tais questes devem ser combatidas com
polticas que promovam a igualdade de oportunidade ou equidade.
Seguindo essa mesma linha Santos e Queiroz (2013) define como objetivo das aes
afirmativas o combate desigualdade e a qualquer tipo discriminao que se torne uma
barreira realizao individual e que coloque o indivduo em condies inferiores de
competio. Assim, a realizao de um objetivo pessoal no deve estar condicionado a
caractersticas pessoais ou sociais, devem apenas ser resultado do esforo individual.
J para Pojman (1998), a ao afirmativa simplesmente implica em uma discriminao
reversa, pois beneficia determinados grupos, como os negros, hispnicos, asiticos, mulheres
em detrimento de jovens homens brancos, e homens brancos pobres. Para o autor no faz mais
sentido discriminar em favor de um negro rico ou mulher que teve oportunidade de ter uma
famlia mais estruturada e educao disponvel, contra um pobre branco.
De acordo com Maggie e Fry (2004), no possvel corrigir sculos de desigualdade de
qualquer tipo, racial ou no, por meio de uma poltica que no tenha nenhum custo material,
econmico. De acordo com os autores, a nica maneira de se mitigar as desigualdades
atravs de uma forte poltica de redistribuio de renda que corrigiria as diferenas
econmicas consideradas por estes, a raiz do problema.
18
Esse argumento compactua com a ideia defendida por Sowell (2004), de que as medidas
afirmativas no tm capacidade de reduzir as desigualdades sociais. Para o autor, a
desigualdade social um processo altamente complexo que no ser resolvido permitindo
somente o acesso determinados espaos. Os argumentos de que as aes afirmativas
promovem a equidade e aumentam a representatividade de grupos sociais, utilizados para a
sua defesa, no so suficientes para justificar sua aplicao, pois estudos empricos tm
demonstrado que o uso das polticas tm tido resultados negativos, como por exemplo,
conflitos civis (SOWELL, 2004).
Brando Jnior e Amaral (2007) ao analisarem as aes afirmativas sugerem que um
indivduo pertencente a um grupo sub-representado e beneficiado por tais polticas, por no se
encontrar em condies iguais de competio, poder obter vantagem, independente das
questes de mrito, qualidades e habilidades individuais, gerando assim conflitos entre os
direitos dos indivduos e os direitos de certos grupos e segmentos sociais.
O termo Ao afirmativa foi empossado pela primeira vez em 1961, durante um discurso o
presidente norte-americano John F. Kennedy sobre a igualdade de direitos entre brancos e
negros nos EUA. Pela Ordem Executiva 10.925, o ento presidente estabeleceu diretrizes para
prticas no discriminatrias na contratao e emprego em algumas empresas
governamentais. Essa Ordem inclua clusulas que visavam assegurar a igualdade de
oportunidade, desconsiderando questes ligadas ao status e qualificao, a fim de atingir uma
composio mais igualitria da fora de trabalho (GUPTA, 2006).
Embora a consolidao formal do termo tenha surgido nos Estados Unidos, polticas com o
objetivo de alocar recursos para grupos excludos devido a caractersticas socioeconmicas j
eram praticadas ao redor do mundo. O primeiro pas a utilizar polticas pblicas para incluso
e reduo das desigualdades foi ndia em 1948, o objetivo das medidas era incluir os
cidados que pertenciam as castas inferiores. As primeiras polticas registradas na ndia
foram o sistema de cotas para cargos administrativos, o que abriu caminho para a reserva de
vagas em admisses universitrias (BERTRAND et al., 2010).
A Europa se familiarizou com as polticas em 1980 quando se tornou evidente que medidas
legislativas no eram suficientes para promover a reduzir as desigualdades entre mulheres e
homens nos locais de trabalho. Os programas de aes afirmativas na Europa so dirigidos,
19
sobretudo para mulheres e tm como objetivo principal assegurar o progresso social e as
condies de vida e trabalho para ambos os sexos (KRSTI, 2003).
Na frica do Sul, as medidas de aes afirmativas foram implantas por volta de 1993, o
intuito das polticas era promover a incluso de minorias sociais, como mulheres, negros e
deficientes fsicos no Ensino Superior pblico. J na Amrica Latina, de acordo com Zegarra
(2008), as aes afirmativas surgem como estratgia para inverter o quadro scio-racial de
marginalizao e discriminao histrica exercida contra negros, indgenas, mulheres.
O Brasil adotou polticas de aes afirmativas, atravs das cotas em 1995 para candidatura
poltica de mulheres. A partir de 2004 algumas Universidades passaram a adotar a poltica de
reserva de vagas, j em 2012 atravs da lei 12.711 de 2012 o estado tornou obrigatria s
cotas no Ensino Superior pblico para negros, pardos, indgenas e estudantes de baixa renda e
oriundos de escolas pblicas (HERINGER; FERREIRA, 2009)
A discusso sobre as Aes Afirmativas e o critrio de justia social sugeriu discusses em
todos os pases que a adotaram. O debate se tornou ainda mais arrefecido quando voltado para
as admisses nas IES, onde tais polticas funcionam em geral sob o mecanismo de cotas ou
sistemas de bonificao e visam criar sistemas de admisso que promovam a diversidade de
grupos e a equidade. A prxima seo discute a adoo das polticas de aes afirmativas no
Ensino Superior Pretende-se revisar as formas praticadas das aes afirmativas e os principais
resultados alcanados por essas polticas.
2.2 ACESSO AO ENSINO SUPERIOR POR RESERVA DE VAGAS
2.2.1 Experincia Internacional
A adoo de polticas de aes afirmativas no ingresso ao ensino superior foi marcada por um
debate antagnico sobre as potenciais externalidades para a formao e manuteno do capital
humano das universidades. Parte considervel dos estudos que analisam o efeito das polticas
de reserva de vagas em admisses universitrias est concentrada na experincia norte-
americana. Os Estados Unidos adotaram a poltica de cotas, bnus na dcada de 1970, quando
a Suprema Corte dos EUA estabeleceu as regras que regiam as polticas de aes afirmativas
20
para admisso em universidades com o objetivo de atenuar o histrico americano de
segregao racial.
Todavia, alguns estados americanos tm suspendido as medidas afirmativas para ingresso no
ensino superior, tendo inicio em 1996 no Estado da Califrnia2, que passou a proibir todas as
instituies governamentais de discriminar ou dar tratamento preferencial a qualquer
indivduo ou grupo no emprego pblico, educao pblica ou contratao pblica com base
na raa, sexo, cor, etnia ou origem nacional (ROTTHOFF, 2007).
A discusso sobre as aes afirmativas nas universidades pode ser dividas em duas categorias.
De um lado trabalhos que evidenciam a importncia da poltica para reparao histrica
mostrando os resultados positivos para o indivduo e sociedade. Do outro lado estudos que
renem os argumentos desfavorveis evidenciando, sobretudo, perda na qualidade do capital
humano das universidades. Assim, a poltica de ao afirmativa no acesso ao ensino superior
mesmo com fortes argumentos polticos de incluso social e aumento da equidade de acesso,
tem lidado com vrias crticas, como por exemplo, discriminao reversa, criao de
esteretipos e a existncia de incompatibilidade acadmica entre os estudantes, intitulada
hiptese de Mismatch3.
Bok e Bowen (1998) demonstraram que para cada cinco instituies mais seletivas dos
Estados Unidos a eliminao da ao afirmativa, reduziria a probabilidade condicional de
entrada de um estudante negro nessas Universidades de 42% para 13%. J Dickson (2006)
observou como a eliminao das aes afirmativas nas faculdades pblicas do Texas afetou a
porcentagem de minorias que se candidatavam faculdade. Evidenciaram a reduo no
nmero de negros e hispnicos que se candidatavam faculdade em 2,1 e 1,6 pontos
respectivamente.
Card e Krueger (2005) por sua vez, avaliaram a partir da experincia da Califrnia e do
Texas, se a eliminao da ao afirmativa causou alguma modificao nas admisses de
2 Aps uma nova deciso da Suprema Corte norte-americana que passou a deixar deciso de utiliz-las ou no, a cargo de cada estado, removendo empecilhos constitucionais para estados que resolvessem banir a aplicao de critrios raciais na admisso de suas universidades (ROTTHOFF, 2007)
3 A hiptese de incompatibilidade acadmica ou hiptese de Mismatch sustenta que os indivduos devem se alocar em ambientes acadmicos que sejam compatveis com seus nveis de conhecimento. A insero de indivduos em um ambiente onde seus pares possuem um nvel de habilidade maior trazem resultados negativos para os mesmos (SANDER, 2004).
21
estudantes minoritrios, mesmo naqueles de maior habilidade. Mostraram que apesar do
nmero de negros e hispnicos terem diminudo consideravelmente nas Universidades
pblicas de elite, o comportamento das minorias mais qualificadas no mudou, continuaram a
fazer parte das selees para admisso.
Fisher e Massey (2006) centraram-se em analisar a existncia de incompatibilidade acadmica
e a ameaa do esteretipo ao se utilizar as polticas de aes afirmativas. Suas estimativas no
apresentaram evidencias para a hiptese de incompatibilidade, alm de no evidenciar relao
direta entre pontuao SAT (pontuaes utilizadas nas admisses) abaixo da mdia
institucional e conduo ao fracasso (no concluso e mau desempenho). Quanto segunda
hiptese, foram encontradas evidncias consistentes que h um efeito negativo do esteretipo
no desempenho acadmico, porm o efeito modesto quando comparado a outras variveis
determinantes do sucesso acadmico4.
Bertrand, Hanna e Mullainthan (2008) investigaram sobre as polticas de aes afirmativas
para grupos conhecidos como de castas inferiores nas faculdades de Engenharia da ndia.
Examinaram se os candidatos minoritrios realmente se beneficiam economicamente da
poltica, se sim, como esses ganhos se comparam as potenciais perdas dos candidatos que no
foram admitidos por conta da poltica. Para isso foram coletados dois conjuntos de dados,
primeiro um recenseamento de todos os indivduos admitidos em 1996 e depois uma
entrevista com cerca de 700 famlias desse recenseamento entre 2004 e 2006 para observar
suas atuais condies de vida.
Os resultados obtidos que as polticas de aes afirmativas podem ser uma ferramenta bem
sucedida tanto no aumento da diversidade dentro da universidade como na alocao de
recursos para famlias desfavorecidas. A ao acarreta maiores retornos para as castas
inferiores, porm esses retornos no so maiores que os custos do efeito negativo no nvel de
renda dos candidatos de castas superiores que no foram admitidos por conta da poltica.
Segundo os autores, o tamanho da amostra limitado e h grandes erros-padro nas
especificaes economtricas o que impede tirar concluses slidas desses achados do
mercado de trabalho (BERTRAND; HANNA; MULLAINTHAN, 2008)
4 Tambm denominado sucesso escolar, o processo pelo qual o aluno percorre os anos escolares em progresso crescente, desenvolvendo a aprendizagem (GATTI et al., 2010).
22
Del Rey e Racionero (2008) analisaram as polticas utilizando um modelo de externalidade
intergeracional para o exame da introduo de Aes Afirmativas e consideraram que os
membros educados de um grupo criam um efeito positivo sobre as geraes futuras. O fato de
o indivduo obter o ensino superior aumenta as chances de o seu filho ter acesso ao ensino
superior. Assim, promover uma maior equidade de acesso atravs do sistema de reserva de
vagas no ensino superior, cria uma externalidade positiva, pois minorias que no teriam
acesso caso a poltica no existisse, passam a ter oportunidade de aumentar seu capital
humano, o que influenciar na educao da gerao posterior, atenuando as diferenas sociais
ao longo do tempo.
Backes (2012) utilizando dados provenientes do Sistema Integrado de Dados da Educao
Superior (IPEDS) sobre matrcula e concluso dos beneficirios de aes afirmativas em
Universidades de diferentes nveis de seletividade nos Estados Unidos, examinou se com a
proibio da poltica os alunos minoritrios passaram a ter menos chances de se matricular
e/ou receber um diploma. Para o autor, considerar a taxa de concluso5 ao invs de somente a
inscrio necessrio para avaliar o bem-estar e direcionar melhor o caminho da poltica.
As estimativas revelaram que houve pouca mudana no nmero de negros que se inscreveram
e uma diminuio no nmero de hispnicos. Quanto concluso, o resultado obtido que o
graduado mdio da faculdade foi menos propenso a ser negro ou hispnico. Em geral as
estimativas mostraram que houve uma queda no nmero de negros e hispnicos que se
formavam em Universidades pblicas aps a proibio (BACKES, 2012).
Sander e Taylor (2012) a partir da hiptese de Mismatch (ou teoria da incompatibilidade)
analisou a utilizao das aes afirmativas em escolas de elite norte- americanas.
Argumentaram que a ao afirmativa deve ser abolida, pois coloca o negro e estudantes
hispnicos em instituies muito acima de suas habilidades acadmicas, como resultado esses
alunos tm desempenho inferior, no se formam, ficam descontentes e no caso dos graduados
da faculdade de Direito, falham no exame final. A soluo de acordo com os autores que os
5 A definio adotada pelo MEC a proporo do nmero de graduados em relao ao nmero de
ingressantes.
23
estudantes incompatveis devem se deslocar para escolas de nvel inferior que se encaixem em
seus ndices acadmicos.
Neville e outros (2013) discordam de algumas anlises feitas por Sander e Taylor (2012),
pondera que existem algumas falhas tcnicas na anlise dos autores. Avalia que os
argumentos estatsticos utilizados so bastante generalizados, no diferenciam negros de
hispnicos e no identificam quem so os estudantes beneficiados pela Ao Afirmativa.
Alm disso, sugere que os resultados que obtm a cerca da menor taxa de graduao dos
negros so limitados pois abarcam somente as reas de Cincias, Tecnologia, Engenharia e
Matemtica (STEM). Utilizando dados institucionais, Brooks mostra que a taxa de concluso
desses estudantes em faculdades de elite tem sido alta e que Sander e Taylor (2012) no
consideraram que um ambiente acolhedor e programas de apoio acadmico tm impacto
positivo nessa taxa.
Prasad e Adlin (2014) colocam que muitos crticos das aes afirmativas sugerem que estas
promovem padres mais baixos de admisso o que implica em criao de esteretipos
negativos para alunos beneficirios da poltica, e por isso sugerem admisses group-blind
(por concorrncia ampla). Contudo, os autores analisaram, que quando a criao de
esteretipo um problema social, estes persistem mesmo em admisses group-blind. Para os
autores, mesmo que a ao afirmativa no combata os esteretipos negativos, ela pode ser
justificada por possuir outros objetivos, como igualdade de representao e preocupao com
a diversidade.
Howell (2015) utiliza um modelo de deciso de candidatura como escolha de um portflio de
Universidades para examinar como uma proibio nacional de aes afirmativas em
admisses universitrias nos EUA poderia afetar as escolhas individuais dos estudantes.
Salienta que em algumas faculdades onde as polticas j foram proibidas, os resultados foram
queda nas taxas de admisso minoritria nas instituies, diminuio subsequente das
inscries e alunos minoritrios optando por Universidades menos seletivas.
A autora faz uma previso de como se comportariam esses resultados em um mundo sem ao
afirmativa nas admisses universitrias. Verificou que a representao negra e hispnica nas
faculdades diminuiriam 2% caso a poltica fosse proibida em escala nacional, j essa
representao das minorias em universidades mais seletivas cairia 10,2% (HOWELL, 2015).
24
Esses estudos internacionais tm demonstrado que o uso de aes afirmativas em admisses
universitrias apresentam resultados tanto positivos quanto negativos. Conforme foi
identificado, as polticas permitem o acesso de grupos minoritrios a ambientes universitrios,
aumentando a diversidade, a representatividade e a equidade no ensino superior.
Alm disso, as medidas podem trazer externalidades positivas para a sociedade e retornos
considerveis para seus beneficirios. Por outro lado, alguns estudos salientam que tais
polticas alocam jovens em ambientes acadmicos sem habilidades suficientes, o que promove
a criao de esteretipos negativos e piores resultados educacionais. A seo seguinte
abordar a recente expanso do Ensino Superior, a poltica de cotas e alguns resultados de sua
aplicao em Universidades Brasileiras.
2.1.2 Experincia Brasileira
No Brasil, a desigualdade social e racial, aliada lenta expanso na oferta de educao
superior, culminou em um acesso altamente restrito s IES. De acordo com Corbucci (2014)
isso pode ser explicado, em parte, no s pelo passado escravocrata e pela implantao tardia
de cursos superiores no pas, mas tambm pela natureza e abrangncia das polticas e aes
voltadas reverso ou mitigao desta situao.
Segundo o IBGE (2004), a taxa de jovens entre 18 e 24 anos que tinham acesso ao Ensino
Superior no incio da dcada passada era de aproximadamente 13%. Apenas 1% desses
jovens pertencia ao grupo com faixa de renda inferior, enquanto 71% faziam parte do grupo
com faixa de renda mais alta. No quesito raa, a proporo de jovens negros (soma de pretos e
pardos pela metodologia do IBGE) era de apenas 5%, enquanto o percentual de brancos era de
21%.
Essa concentrao no acesso educao superior tambm influenciada pela realidade do
sistema educacional brasileiro, caracterizado pelas altas taxas de evaso e reteno escolar,
observada nas fases anteriores da educao, sobretudo nas escolas pblicas, onde observado
um nmero expressamente maior de alunos pretos e pardos e com o nvel de renda mais
baixo.
25
Segundo dados do IBGE (2004), at a dcada de 90 a taxa de repetncia e evaso para o
ensino fundamental era de 21,6 e 4,8, respectivamente. No ensino mdio essa realidade era
ainda mais agravante, pois nesse mesmo perodo apenas 23% dos alunos matriculados
conseguiam concluir o ensino mdio no tempo previsto. Para Neves e outros (2007) a razo
principal da iniquidade do acesso no ensino superior de fato o insucesso dos nveis
anteriores de ensino.
A realidade do acesso e frequncia ao ensino fundamental e mdio comeou a se modificar e
apresentar resultados um tanto diferentes a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional (LDB) 9.394 de 1996 que props a universalizao do ensino fundamental. A lei
tornou compulsria a frequncia escolar de crianas de 6 a 14 anos. A Emenda Constitucional
n. 59, de 2009, ampliou, progressivamente, a obrigatoriedade da educao bsica para a faixa
de 4 a 17 anos de idade at 2016. A Lei n. 12.796, de 2013, oficializou essa mudana,
alterando o texto original da LDB, (BRASIL, 1996a, 2013a). A educao bsica passou a ser
obrigatria dos 4 aos 17 anos de idade.
De acordo com dados do IBGE (2014) essas leis trouxeram resultados positivos para as taxas
de frequncia no ensino infantil, fundamental e mdio. Observou-se um crescimento de 21,
2% na taxa de frequncia da educao infantil. A taxa de frequncia escolar bruta6 das
pessoas de 6 a 14 anos de idade permaneceu prxima da universalizao7. A proporo de
jovens entre 15 e 17 anos de idade com frequncia escolar tambm teve um aumento de 2,4
durante o perodo em destaque, como demonstra a tabela 1.
Tabela 1 - Taxa de frequncia bruta a estabelecimento de ensino da populao residente, por grupos de
6 a proporo de pessoas de uma determinada faixa etria que frequenta a escola em relao ao total de pessoas da mesma faixa etria (IBGE, 2014).
7 Significa que todas as pessoas em idade escolar ou no devem frequentar a escola ou pelo menos ter uma vaga garantida pelo Estado.
26
idade - Brasil - 2004/2014 Alm da taxa de frequncia houve tambm uma mudana substancial no nmero de
estudantes que conseguiam concluir o ensino fundamental e o mdio. No ensino mdio, por
exemplo, de acordo com a IBGE (2014) houve crescimento na taxa de concluso, que passou
de 45.5% para 60.8% entre 2004 e 2014, ou seja, em uma dcada houve um aumento de mais
de 15% no nmero de jovens que passaram a ter pelo menos o ensino mdio completo.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP), o
problema de repetncia e a evaso escolar tm sido tratados com maior ateno nas ltimas
duas dcadas, porm apesar dos seus nveis terem sido reduzidos consideravelmente, a
defasagem ainda permanece elevada (INEP, 2007).
As mudanas que ocorreram no ensino bsico influenciaram as transformaes sucedidas no
Ensino Superior nos ltimos anos, pois o aumento na taxa de frequncia e concluso no
ensino mdio certamente acelerou o processo de crescimento na demanda por ensino superior.
Segundo dados do IBGE (2015), a matrcula no Ensino Superior nos anos 90 alcanava pouco
mais de 1,5 milhes de estudantes, em 2005 o nmero de matrculas ultrapassou a marca dos
3 milhes, j em 2014 este nmero mais que dobrou alcanando quase 8 milhes de
matrculas nas Instituies de Ensino Superior (IES).
Alm do aumento da demanda, outro fator que contribuiu para essa expanso foi o aumento
na oferta de vagas nas IES. Segundo dados do Censo da Educao Superior, o aumento de
IES foi bastante acentuado entre 2000 e 2015, chegando a um crescimento superior a 100%
que se deu majoritariamente no setor privado. Nesse perodo, separando por setor
Faixa de idade 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
0 a 3 anos 13,4 13,0 15,4 17,0 18,1 18,4 20,8 221,2 23,2 24,6
4 a 5 anos 61,5 62,8 67,5 70,0 72,7 74,8 77,4 78,1 81,4 82,7
6 a 14 anos 96,1 96,5 96,9 97,0 97,5 97,6 98,2 98,2 98,4 98,5
15 a 17 anos 81,8 81,6 82,1 82,1 84,1 85,2 83,7 84,2 84,3 84,3
Fonte:IBGE(2004/2014).
27
administrativo, a rede particular cresceu 106%, enquanto a rede pblica teve um crescimento
de 67% no nmero de IES (GRFICO 1) (IBGE, 2016).
Grfico 1- Evoluo do nmero de IES por Categoria Administrativa
Fonte: Elaborao prpria (2017) / com base no INEP (2016).
Contudo, somente a expanso no acesso no possibilitou mudanas significativas na
composio social dentro das IES. O acesso de minorias sociais ainda permaneceu restrito,
por exemplo, no incio da dcada passada quando o nmero de matrculas no ensino superior
tinha praticamente triplicado desde os anos 90, o acesso de estudantes pretos e pardos e de
renda mais baixa continuava limitado.
Grfico 2- Percentual de jovens com idade de 18 a 24 anos segundo quintil de renda e acesso ao
ensino superior- Brasil 2004 a 2015
28
Fonte: Elaborao prpria (2017) com base em IBGE- PNAD (2016).
Grfico 3- Percentual de jovens com idade de 18 a 24 anos segundo cor autodeclarada com acesso ao
ensino superior - Brasil 2004 a 2015
Fonte: Elaborao prpria (2017) com base em IBGE-PNAD (2016)
Observando os Grficos 2 e 3, percebe-se que de fato no acesso ao ensino superior h uma
grande diferena entre os 20% da populao mais pobre (1 quintil) e os 20% da populao
mais rica (5 quintil), principalmente quando observa-se os primeiros anos presentes no
grfico. Nos anos mais recentes verifica-se uma leve queda desses diferenciais. Em relao
cor autodeclarada, percebe-se que a diferena entre brancos e no brancos tem diminudo ao
longo do tempo em anlise, porm o grfico demonstra que a cor continua a ser um
determinante no acesso educao superior.
29
Na tentativa de amenizar essas diferenas, polticas educacionais tm sido largamente
utilizadas nos ltimos anos com o propsito de aumentar no somente o acesso de forma
geral, mas o acesso gradativo de minorias sociais nas IES. As principais polticas utilizadas
com este intuito so as polticas de aes afirmativas, por meio do sistema de cotas e/ou de
bonificao. A adoo destas polticas um claro e profundo esforo de ampliar a
participao de diferentes sujeitos sociais no ensino superior pblico (SOUSA; PORTES,
2011). Dando reais oportunidades para esses grupos que se encontram em um estado histrico
de desvantagem e excluso desses espaos.
O sistema de bonificao funciona como um acrscimo na pontuao final do vestibular
conforme as caractersticas do grupo beneficiado pela medida de ao afirmativa
(ROSEMBERG, 2013). J o sistema de cotas, segundo Lima e outros (2014) consiste em
estabelecer um determinado nmero ou percentual de vagas a ser ocupados por
determinado(s) grupo(s), que pode ocorrer de maneira proporcional ou no, de forma mais ou
menos flexvel.
No Brasil, a maioria das universidades optou pelo sistema de reserva de vagas (cotas) como
medida de ao afirmativa. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a
Universidade do Norte Fluminense (UENF) em 2001, atravs da adoo de cotas raciais para
negros e indgenas, implantaram a primeira experincia com aes afirmativas nas
universidades do Brasil.
Entre as Universidades que optaram pelo sistema de bonificao esto a Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP) que bonificava o estudante em 30 pontos caso oriundo do
sistema pblico de ensino e 40 pontos para os afrodescendentes, a Universidade do Estado de
So Paulo (USP) que oferecia um acrscimo de 3% na primeira e segunda fase do vestibular
para estudantes da rede pblica e a Universidade Federal Fluminense (UFF) que adicionava
10% nota do estudante caso proveniente de escola pblica.
Outras Universidades adotaram o sistema de reserva de vagas, cada uma delas institua o
percentual e o pblico ao qual a poltica se destinaria. As universidades tinham autonomia
para definir os critrios de reserva de vagas variando desde critrios raciais ao tipo de escola
que o estudante cursou o ensino mdio. A Universidade de Braslia (UnB), por exemplo,
30
adotou o sistema de reserva de vagas em 2004, sendo a primeira no Brasil a utilizar o sistema
de cotas raciais.
No Nordeste a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) foi a precursora na implantao do
sistema de reserva de vagas em seu processo seletivo. A partir de 2004 passou a adotar a
poltica mesclando critrios sociais e raciais de cunho auto- declaratrio. 40% das vagas eram
destinadas para alunos negros oriundos de escolas pblicas.
Em 2012, com a deciso do Supremo Tribunal Federal a favor da constitucionalidade das
cotas e a publicao da lei n 12.711/2012 (BRASIL, 2012) ficou garantida a reserva de 50%
das vagas com base em critrios sociais e raciais, todas as universidades e institutos federais
foram compelidos a adotarem o sistema de cotas. Antes desta lei o percentual de reserva de
vagas para grupos minoritrios e os critrios de seleo (racial, renda ou escola pblica)
ficavam a cargo de cada Universidade.
Os efeitos e as pretenses da poltica de cotas tm sido amplamente pesquisados na literatura
nacional. Recentemente, observa-se um nmero cada vez maior de trabalhos empricos que
procuram avaliar e estimar o impacto do sistema de cotas sobre alguns ndices educacionais.
Os resultados versam entre aspectos positivos e negativos, como aumento da equidade de
acesso e diversidade, modestos diferenciais de desempenho em determinados cursos, por
outro lado, impacto negativo na aquisio de habilidades, diferenciais de desempenho
significantes em cursos de alto prestgio e resultados educacionais mais baixos para cotistas.
Ferman e Assuno (2005), por exemplo, verificaram o impacto do uso das cotas nas
universidades brasileiras UERF, UENF e UNEB sobre a proficincia (habilidade) dos alunos
do ensino mdio. Os autores sugeriram que o acesso dos estudantes s informaes sobre a
mdia alcanada pelos cotistas e no cotistas no vestibular podem ter impactado de forma
negativa no esforo de estudo. Para essa anlise foi utilizada a base de dados do Sistema
Nacional de Avaliao da Educao Bsica (SAEB) de 2001 e 2003 e a metodologia dif-in-
dif. Estimou-se que, em mdia a proficincia dos estudantes negros de escola pblica do Rio
de Janeiro foi 5,7% menor, j na Bahia essa reduo foi de 2,7%. Outros estudantes provveis
beneficirios das cotas no foram afetados. O trabalho dos autores indica que a poltica de
ao afirmativa pode reduzir esforos para a aquisio de habilidades.
31
Pereira (2013) analisou o impacto da implantao das cotas na nota do Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes (ENADE). Para isso utilizou os modelos tericos de Su e Bishop
para medir o esforo do estudante. Utilizando o estimador diferena-em-diferenas (DD)
conjugando ao mtodo Propensity Score Matching (PSM) chegou ao resultado que o impacto
das cotas na nota do Enade foi negativo para cursos considerados de maior prestgio social e
positivo em outros.
Francis e Tannuri-Pianto (2012) analisando a experincia da Universidade de Braslia (UnB),
primeira universidade federal a estabelecer o sistema de reserva de vagas, atravs das cotas
raciais, tentaram identificar o efeito da poltica sobre a raa e sobre o perfil socioeconmico
dos alunos da UnB. Verificaram que com a introduo da poltica houve um aumento na
proporo de estudantes de raa negra, e com status socioeconmico significativamente mais
baixo, alm disso, os resultados sugeriram que os diferenciais de desempenho so modestos e
que as cotas raciais induzem alguns indivduos a deturpar sua identidade racial, mas inspira
outros a se considerar negros.
Campos e outros (2016) analisou a diferena na taxa de evaso entre alunos cotistas e no -
cotistas nos cursos de Cincias Contbeis, Economia, Administrao e Relaes pblicas de
uma Universidade Federal Brasileira. Atravs de um modelo binominal, verificou que no h
diferenas estatsticas entre as taxas de evaso dos ingressantes por ampla concorrncia e por
cotas nesses cursos, sugerindo que as aes afirmativas no afetam significativamente as taxas
de evaso.
No artigo The redistributive equity of affirmative action, Francis e Tannuri-Pianto (2012)
analisaram at que ponto a implementao das cotas promovem a equidade educacional. Para
os autores, a raa, o status socioeconmico e o gnero representam barreiras ao acesso e ao
desempenho universitrio, assim sendo, as cotas servem para atenuar as barreiras impostas ao
acesso, porm, no resolvem questes de desempenho. Dessa forma, a poltica consegue
promover a equidade, mas de uma forma limitada. Avaliam, ento, que podem ser necessrias
polticas para melhorar a qualidade do ensino pblico brasileiro fundamental e mdio de
modo que uma gama mais ampla de indivduos entre grupos raciais e estratos
socioeconmicos estejam bem mais preparados para o sucesso na faculdade.
2.3 A POLTICA DE COTAS NA UFBA
32
As aes afirmativas na Universidade Federal da Bahia (UFBA) foram estabelecidas por um
sistema de reserva de vagas, ou sistema de cotas, o qual tinha como pblico-alvo estudantes
que cursaram todo o ensino mdio e mais uma srie do ensino fundamental em escolas
pblicas. Adotada para o ingresso por vestibular em 2005, a poltica de reserva de vagas da
UFBA atravs da Resoluo n 01/2002 de 13/13/2002 que determinava 45% para alunos
oriundos de escolas pblicas e os demais 55% para ampla concorrncia.
Os estudantes concorriam em seis categorias de seleo. Categoria A: candidatos de escolas
pblicas que se declararam pretos ou pardos; Categoria B: candidatos de escolas pblicas de
qualquer etnia ou cor; Categoria C: sem cotas, candidatos de escolas particulares que se
declararam pretos ou pardos; Categoria D: candidatos de escolas pblicas que se declararam
ndios; Categoria E: sem cotas, todos os candidatos independentes de etnia ou cor; Categoria
F: candidatos de escolas pblicas aldeados ou quilombolas (UFBA, 2013).
As categorias no so mutuamente exclusivas, caso as vagas destinadas a categoria A e B no
sejam preenchidas, elas devem ser disponibilizadas para a categoria C. Permanecendo no
preenchidas, elas devem ser transferidas para os candidatos da categoria E. Em resumo, a
categoria A subconjunto de B, que subconjunto de E. O mesmo se aplica para a categoria
D, que se no tiver completado todas as vagas devem ser transferidas para a categoria E. A
categoria F podia oferecer at duas vagas extras do total oferecido para candidatos declarados
ndios aldeados ou moradores das comunidades remanescentes dos quilombos, caso nas outras
categorias tivessem candidatos da categoria F ou no houvesse nmero suficiente de
candidatos aptos para preench-las no seriam oferecidas as vagas da categoria (UFBA,
2013).
A poltica de aes afirmativas na UFBA, conforme ressalta Almeida Filho e outros (2005)
composta por quatro eixos: preparao, ingresso, permanncia e graduao. As cotas atende
ao eixo ingresso ao reservar um percentual de vagas e tem fomentado um amplo debate. Os
que se posicionaram a favor defendiam que a poltica era uma estratgia para combater a
desigualdade de acesso a um espao habitado historicamente por minorias privilegiadas. Os
contrrios alegam que a introduo das cotas no respeita a noo de meritocracia, alm do
que pode acirrar ainda mais a diviso social dentro do espao universitrio (SANTOS;
QUEIROZ, 2006)
33
Estudos tm sido realizados pelas universidades no sentido de avaliar questes como mrito,
falta de isonomia, segregao, diferenas de desempenho, evaso, qualidade, eficcia e
eficincia na tentativa de identificar os impactos da adeso ao sistema de cotas. Santos e
Queiroz (2006) verificaram que a adoo das cotas scio raciais ampliou consideravelmente
as chances de estudantes negros em cursos universitrios, sobretudo aqueles considerados de
alto prestgio social, a partir dos microdados da UFBA verificaram que houve um crescimento
de 13,5% na participao dos estudantes negros.
No que tange ao desempenho, Santos e outros (2012) a partir dos dados dos ingressantes
identificaram que o diferencial de desempenho contra os cotistas ocorre nas reas de
Matemtica, Cincias Fsica e Tecnologia (rea I), Cincias Biolgicas e Profisses da Sade
(rea II) e Filosofia e Cincias Humanas (rea III). Nas demais reas (Letras rea IV e Artes
(rea V) esse diferencial no verificado. Resultados semelhantes foram encontrados por
Cavalcanti (2014) a partir da estimao por Propensity Score Macthing.
Ainda a partir de dados da UFBA, Silva Filho (2012) comparou dados de rendimentos dos
primeiros ingressantes por cotas em 2005 com o rendimento no semestre seguinte entrada
(2005.2) e o primeiro semestre de 2009, identificou um aumento significativo no contingente
de estudantes cotistas na faixa de rendimento mais elevada entre 7,0 e 10,0 pontos. Com
relao reprovao por falta, o autor encontrou que em 63,6% dos cursos os estudantes
cotistas estiveram menos sujeitos a este tipo de reprovao.
Santo e Santos (2014) em seu trabalho sobre a trajetria dos estudantes cotistas e no cotistas
nos dois cursos de maior concorrncia em cada rea de conhecimento da UFBA, calcularam
as tendncias de diplomao e reteno por categoria de acesso. No perodo de 2006.1 a
2012.1 observou-se que a taxa de diplomao dos no cotistas de 75,5% enquanto a dos
cotistas de 66,5%. Nos cursos analisados, a taxa de evaso maior para os cotistas do que
para os no cotistas, sendo 16,6% e 15,6% respectivamente.
Esses estudos tm apresentado comunidade acadmica os efeitos da poltica de cotas sobre
os chamados resultados educacionais8. Esses resultados esto intimamente ligados ao sucesso
escolar, que por sua vez, um forte indicador de eficincia das Universidades (LEMOS,
8 Reportam-se ao percurso dos alunos (nveis de frequncia, abandono, transio, reteno, diplomao, bem como competncias adquiridas).
34
2013). Sendo assim, a eficincia configura-se como um importante objetivo nos sistemas de
educao e por esse motivo tem sido colocada em pauta com mais frequncia problemtica
de que polticas que promovem um acesso mais equitativo no ensino superior podem acarretar
em uma perda de eficincia.
A poltica de reserva de vagas no ensino superior apenas uma das vrias formas de medidas
de aes afirmativas e se configura como um importante passo para o aumento da equidade e
da representatividade nas IES. Por outro lado, estudos como o de Francis e Tannuri Pianto
(2012) verificam que os alunos que possuem o perfil para ingresso por reserva de vagas tm
notas piores no vestibular do que os alunos que deixam de entrar por conta da poltica. Para
autores como Gordon e Zimmerman (2004) inserir alunos que possuem uma formao
inferior no ensino superior compromete no somente seu prprio aprendizado e sua
produtividade como de todos os estudantes devido ao que denominam de efeito dos pares9.
Este problema pode acarretar em resultados inferiores para toda universidade, incidindo em
menos produtividade, o que configuraria um trade-off, pois apesar de j atestado que a
poltica de cotas cumpre sua finalidade ao inserir grupos minoritrios que no possuam
acesso ao ambiente acadmico, o custo de oportunidade experimentado por sua execuo seria
a perda de eficincia. Esse pensamento est ancorado em vertentes da teoria econmica que
entendem a equidade e a eficincia como objetivos econmicos reciprocamente excludentes,
ou seja, que constituem um trade-off, ou uma escolha conflitante entre mais eficincia ou
mais equidade.
Segundo Lemos (2013) a equidade nos sistemas de ensino podem ter trs fases, a equidade de
acesso, o direito de todos frequncia, a equidade de tratamento, prestao de igual servio
educativo para todos e equidade de resultados. Quanto eficincia, o autor a separa em
eficincia absoluta (os resultados alcanados) e eficincia relativa (os resultados alcanados
em face dos recursos utilizados). Neste trabalho por se tratar de uma anlise da poltica de
cotas, a equidade em estudo a de acesso e a eficincia de que trataremos ser a eficincia
dados os recursos.
9 Segundo Gordon e Zimmerman (2004) existe efeito dos pares quando o comportamento de uma pessoa influenciado pela sua interao com seus pares iguais [aqueles que possuem caractersticas semelhantes], assim nos estudos em educao superior o efeito dos pares o resultado da interao entre alunos.
35
Dessa forma, pretende-se analisar se a poltica de cotas como uma poltica que promove a
equidade de acesso, poderia impactar negativamente na eficincia absoluta da Instituio,
especificamente da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Porm, antes de verificar atravs
dos dados a existncia ou no do trade-off importante discorrer sobre os vrios conceitos de
equidade e eficincia presentes na literatura tanto sob a perspectiva econmica como sob o
ponto de vista da educao. O que ser realizado no prximo captulo.
36
3 EQUIDADE E EFICINCIA
A existncia do trade-off entre equidade e eficincia comumente relatado na literatura
econmica, est atrelada a quais definies so utilizadas para descrever esse dois objetivos
sociais. Neste captulo sero apresentados alguns desses conceitos tanto sob a perspectiva
econmica como educacional no intuito de embasar a discusso sobre as aes afirmativas,
definidas como medidas promotoras de equidade e suas implicaes na eficincia das IES.
Para tanto, alm de estudos j realizados sobre o tema, ser tambm apresentado o modelo de
Heckman para a anlise do trade-off no ensino superior.
3.1 EQUIDADE E EFICINCIA EM ECONOMIA
Na Cincia Econmica, especificamente dentro da perspectiva da escola clssica, os conceitos
de equidade e a eficincia so apresentados como conflitantes, ou seja, a relao entre estes
dois conceitos na maioria das situaes constitui um trade-off, no podendo, portanto, serem
alcanadas simultaneamente. Uma poltica que tenha como objetivo a equidade, compromete
a eficincia na alocao dos recursos escassos, alm de ser um elemento exgeno, estranho ao
funcionamento dos mercados, assim sendo, uma interveno prejudicaria a dinmica da
economia, levando a uma queda na eficincia e consequentemente no crescimento.
Okun (1975) popularizou a ideia do trade-off entre eficincia e equidade a partir do seu livro
The Big Trade-off. O autor utiliza o conceito de eficincia produtiva e relaciona equidade com
maior distribuio de renda para embasar seus argumentos. Defende que a eficincia
alcanada custa das desigualdades de renda e riqueza e que as sociedades tm dificuldades
de escolherem entre eficincia e equidade, pois as polticas redistributivas distorcem a
alocao de mercado, na medida em que transfere renda dos mais produtivos para os menos
produtivos, implicando na reduo do esforo agregado, j que os primeiros no tero
estmulo para se tornarem mais produtivos, pois sua produtividade independe da sua renda, e
os mais produtivos perdero o estmulo para o esforo adicional.
Os conceitos de equidade e eficincia tambm foram e ainda so bastante discutidos pela
teoria econmica do Bem-estar, uma vertente do pensamento econmico que justifica as aes
37
individuais em funo do bem-estar individual. (NEUBERGER; MARIN, 2014) . Segundo
Varian (2003) economistas do bem-estar como Jeremy Bentham (1789), Stuart Mill (1861),
Jevons (1871) estiveram por muito tempo ancorados ao que denominaram utilitarismo, um
princpio que coloca a utilidade como o indicador do bem-estar geral de uma pessoa. De
acordo com Jevons (1983) a utilidade dada como a diferena entre prazer e dor, tudo que
capaz de gerar prazer ou evitar sofrimento pode possuir utilidade.
Dessa forma, o bem-estar alcanado a partir da maximizao da utilidade e o bem-estar
social obtido atravs da soma de todas as utilidades individuais. Sendo assim, as aes
individuais regidas pelo auto-interesse podem resultar em bem-estar social (VARIAN, 2003).
No utilitarismo clssico a maximizao do bem-estar medida somente atravs do critrio de
eficincia no sentido de Pareto10
, no se atendo a questo de distribuio. Contudo, essa teoria
apresenta algumas modificaes ao longo do tempo e passa a ser acrescentada a questo da
equidade, assumindo que a distribuio final dos produtos e servios deve ser equitativa.
Segundo Morey (2002) a distribuio equitativa no necessariamente uma distribuio
igual, para os economistas do bem-estar a distribuio deve ser justa. Essa equidade ou justia
descrita nesta teoria , contudo, relacionada existncia ou no de inveja, ou seja, uma
alocao de recursos completamente equitativa se nenhum indivduo inveja qualquer outra
posio, ou se nenhum indivduo deseja outra cesta de preferncias que no seja a sua.
Uma reestruturao em alguns desses conceitos originou a denominada nova teoria
econmica do bem-estar, de acordo com os economistas que a endossam (Hicks (1939),
Samuelson (1952), Myrdal (1953)) as comparaes interpessoais de preferncia como juzos
de valor subjetivos so no testveis e cientificamente ilegtimas, no havendo como avaliar
os resultados de uma poltica ou preferncias dos diferentes indivduos. Alm disso,
concordam que a comparao das utilidades de diferentes indivduos deve levar em conta uma
avaliao das posies econmicas relativas desses indivduos (BACKHOUSE, 2016).
10 Economista socilogo Italiano Vilfredo Pareto (1848 -1923), foi um dos primeiros a examinar as implicaes do conceito de eficincia (VARIAN, 2003, p. 15). A expresso eficincia de Pareto ser conceituada na subseo que tratar sobre as definies de eficincia.
38
O terico Sen (2000), tambm questiona esta interpretao dado a equidade e salienta que
altamente perversa, pois para ele, uma pessoa que teve uma vida repleta de infortnios e
ausncia de oportunidades mais suscetvel a conformar-se com as privaes que lhes possam
ser impostas. Dessa maneira, o fato de no existir inveja, por conta de o indivduo ser
altamente conformado com sua posio, traria uma percepo equivocada de equidade. Para
Sen (2000), a equidade nada mais que a igualdade de capacitaes bsicas. As capacitaes
so a liberdade que as pessoas devem possuir para optar por um conjunto de funcionamentos
bsicos, como alimentar-se, vestir-se, sentir-se livre de doenas, educar-se. Quando se priva o
ser humano de capacitaes, h uma perda de liberdade pessoal.
O argumento do autor que tratar todos os indivduos como iguais simplificar a questo da
equidade. O reconhecimento da diversidade fundamental dos seres humanos tem, de fato,
consequncias muito profundas [...] Se os seres humanos so idnticos, ento a aplicao do
princpio prvio da universalizabilidade na forma de "dar igual importncia ao interesse igual
de todas as partes" simplifica enormemente (SEN, 1979, p. 202). Assim, justifica que h uma
diferena entre igualdade e equidade que percebida quando se reconhece as diversidades
individuais, pois de acordo com o primeiro termo todos devem receber exatamente o mesmo
resultado, sem levar em conta as diferenas individuais, enquanto o segundo termo quer dizer
que todos devem receber os resultados de acordo com as suas necessidades.
A viso sobre equidade descrita na teoria do Bem-estar tambm criticada por Roemer
(1998). Para esse autor essa concepo responsabiliza inteiramente os indivduos pelas suas
realizaes. A formao de preferncias dos indivduos totalmente influenciada pelo seu
nvel de recursos, assim os indivduos no podem ser responsabilizados por escolhas que
esto atreladas a, por exemplo, a educao que receberam. Os resultados que os indivduos
sustentam so consequncia de circunstncias, esforo e poltica, onde as circunstncias so
aspectos do ambiente de um indivduo que esto alm do seu controle.
A maneira de corrigir esse problema segundo o autor promovendo a igualdade de
oportunidades, sendo este o caminho para alcanar uma sociedade mais equitativa. A
equidade pode ser descrita como a nivelao do campo de jogo, que nada mais do que
possibilitar que os indivduos estejam em condies iguais de competio. De acordo com
Roemer (1998), os resultados dos indivduos tm que ser apenas uma funo do seu prprio
39
esforo, assim argumenta que as pessoas devem ser compensadas pelo seu passado de
infortnios, mas devem ser responsabilizadas por muito do que elas fazem.
Rawls (1999), por sua vez, critica essa noo comum de igualdade de oportunidades como a
apresentada por Roemer (1998), e defende que esse conceito tem que reconhecer as
desigualdades naturais. Para o autor o esforo individual depende de questes naturais,
inerentes ao indivduo, por exemplo, algum que possua uma habilidade natural menor (ou
um QI menor), no ter os mesmos resultados daqueles que nasceram com o QI mais elevado.
Sendo assim, o autor acredita que h tambm injustia quando o destino do indivduo
determinado pelas desigualdades naturais e no somente pelas desigualdades sociais. Assim, o
destino de cada um no deve depender nem das condies sociais nem das condies naturais.
Rawls (1999) acredita que os benefcios de uma sociedade devem ser distribudos de
preferncia entre os menos privilegiados (social/ natural) para que assim ocorra a igualdade
real. Existem, segundo o autor os better off, os agraciados, por nascimento, herana ou dom e
os worst off, os mais necessitados e na sua concepo, os primeiros deveriam renunciar parte
dos seus bens em favor dos ltimos para se alcanar uma sociedade equitativa.
Para Enguita (2001) essa noo de equidade defendida por Rawls (1999) s cria uma
tendncia de alcanar o sucesso sem esforo e acaba por incentivar a irresponsabilidade. Para
o autor, seguindo a mesma linha de Roemer (1998), a equidade no significa o alcance de
resultados iguais, mas sim a promoo de direitos bsicos, garantido que todos os indivduos
tenham o mesmo ponto de partida e possam obter o sucesso como uma retribuio de seu
esforo pessoal. Para aqueles que so acometidos de deficincias naturais, em que a natureza
foi injusta, a sociedade deve ser solidria, apostando em uma desigualdade compensatria
para que alcancem resultados mnimos necessrios vida pessoal e social. Salienta assim, que
essa no uma questo mais de igualdade e equidade, mas sim de solidariedade.
Essas vises compem duas vertentes diferentes que versam sobre a equidade, a primeira
remete ao fato de promover igualdade de oportunidade, possibilitando que todos os indivduos
tenham as mesmas chances, no se preocupando com os resultados finais, assim coloca sobre
o indivduo uma parte da responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso. J a segunda
viso cr no fato que o indivduo no pode de forma nenhuma ser responsabilizado pelos seus
40
resultados, porque at seu esforo so influenciados por fatores que no esto sob seu
comando, fatores esse que podem ser sociais ou naturais.
De forma mais geral, a equidade comumente dividida entre equidade horizontal e vertical. A
primeira consiste no tratamento igualitrio entre pessoas que esto nas mesmas condies, ou
seja, tratar os iguais de forma igual, j a segunda implica em tratamento diferenciado para
aqueles que esto em situao de desvantagem, considerando as caractersticas dos
indivduos, ou seja, tratar os desiguais de forma desigual (WEST; CULLIS, 1979;
WAGFTAFF; VAN DOORSLAER, 1993).
A equidade pode ser tambm definida como a qualidade de ser igual e justa listada no
Oxford English dictionary, podendo ser considerada igualdade transformada em ao, em
processo de igualdade de justia. Para Fiske e Ladd (2004) a equidade conceituada como
igualdade de tratamento para todas as raas, iguais oportunidades educativas e adequao
educacional.
De acordo com Gonzlez e Fernndez (2009) o conceito de equidade inclui questes morais e
ticas onde um bem ou servio no pode ser distribudo igualitariamente sem beneficiar os
setores sociais mais desfavorecidos. Neste sentido, a equidade se relaciona com a questo da
justia social11
, j que o argumento utilizado que a distribuio de bens e servios de uma
sociedade deve ser realizada de acordo com a necessidade de cada um.
Garcelon (2015) por sua vez acredita que um ambiente equitativo aquele que inclusivo,
que promove a igualdade de oportunidades. Segundo a autora, a equidade promove mais
diversidade de gnero, social, racial, aumentando o sentimento de representatividade.
J apresentadas algumas definies de equidade presentes na literatura, passa-se discusso
do conceito de eficincia. De forma anloga ao caso do conceito de equidade, a literatura
econmica no apresenta um conceito universal nico para o termo eficincia, sendo que em
geral as definies esto ancoradas no conceito de otimalidade de Pareto ou Pareto-eficiente,
oriundo da teoria do Bem-estar. Segundo essa teoria um sistema de concorrncia perfeita e
11 Rawls (1971) define justia social como a garantia das liberdades fundamentais para todos assim como o alcance da igualdade equitativa de oportunidades e a manuteno das desigualdades apenas para o favorecimento dos menos favorecidos.
41
livre mercado ir necessariamente alocar os recursos de forma que a condio de um
indivduo no possa ser melhorada sem causar dano condio de outro indivduo. Segundo
Hall e Lieberman (2003) o alcance da eficincia econmica ocorre quando no existem outros
rearranjos da produo ou alocao de bens de uma maneira que uma pessoa melhore sem que
a outra piore.
Se pudermos encontrar uma forma de melhorar a situao de uma pessoa sem piorar a de
nenhuma outra, teremos uma melhoria de Pareto. Se uma alocao permite uma melhoria de
Pareto, diz-se que ela ineficiente no sentido de Pareto; se a alocao no permitir nenhuma
melhoria de Pareto, ento ela eficiente no sentido de Pareto (VARIAN, 2003).
De acordo com Morey (2002) a eficincia no sentido de Pareto pode ser dividida em
eficincia produtiva e eficincia na troca. A eficincia na produo dada quando
impossvel aumentar a produo de um bem sem diminuir a produo de algum outro bem,
isso implica o pleno emprego de todos os recursos, sem que haja desperdcio, por exemplo,
assumindo dois recursos (ambos em fornecimento fixo) K, L, e dois bens X e Y, a eficincia
na produo implica no mximo da combinao entre X = f (K, L) e Y = f (K, L).
De forma anloga, a eficincia na troca a eficincia na troca exige que os bens e servios
sejam alocados entre os membros da sociedade, de modo que impossvel aumentar a
utilidade de um indivduo sem piorar a do outro. Supondo que na sociedade h a produo de
dois bens e apenas 2 membros, esses bens so distribudos entre os dois membros, de forma
que para se ter eficincia todos os bens devem ser consumidos.
De acordo com o autor tanto a eficincia na produo como a eficincia nas trocas podem ser
analisadas utilizando a caixa de Edgeworth. As dimenses da caixa so determinadas pela
magnitude dos recursos (produo) ou bens (troca). Toda alocao vivel representada por
um ponto na caixa. A curva, por sua vez, constituda por todas as alocaes que so
eficientes (MOREY, 2002).
42
Figura 1- Caixa de Edgeworth produo Figura 2 - Caixa de Edgeworth trocas
Fonte: Morey (2002). Fonte: Morey (2002).
Outra definio de eficincia, encontrada na literatura econmica dada pelo autor Le Grand
(1991), uma alocao de recursos eficiente se impossvel avanar para a obteno de um
objetivo social sem se afastar da realizao de outro objetivo, ou seja, existem pontos na
fronteira de possibilidades onde h uma combinao de dois objetivos, em que no h como
aumentar o valor de um sem reduzir o valor do outro. Todos esses pontos situados na fronteira
de possibilidades so eficientes, assim, a aceitao dessa interpretao permite dizer que a
eficincia no um objetivo primrio de organizao social e econmica, a eficincia torna-se
um objetivo secundrio.
Conforme Belloni (2007), a eficincia pode ser analisada sob dois pontos de vista: da
eficincia produtiva e da eficincia alocativa. A eficincia produtiva, componente fsico que
se refere habilidade de evitar desperdcios produzindo tantos resultados quanto os recursos
utilizados permitirem, aproveitando o mnimo possvel de recursos para aquela produo.
Assim, a avaliao da eficincia produtiva pode ser orientada para o crescimento da produo,
que visa o aumento dos nveis de produo mantidas as quantidades de recursos; orientada
para a economia de recursos, que busca a reduo dos recursos utilizados mantendo-se os
nveis de produo; ou orientada para alguma combinao desses dois objetivos. Em todos os
casos, o objetivo obter ganhos de produtividade atravs da eliminao das fontes de
ineficincia.
Na literatura de crescimento endgeno, outras definies tambm so dadas a questo de
eficincia e equidade. A eficincia definida como crescimento econmico e a equidade
posta como sinnimo de igualdade. Nessa abordagem tem-se defendido que o trade-off no
existe. Segundo Osberg (1995) a presuno de literatura de crescimento recente uma
associao positiva entre igualdade e crescimento. Tem surgido uma variedade de estudos
43
empricos que relacionam positivamente igualdade e crescimento com base na teoria do
crescimento e uma das principais bases desse pensamento a importncia da transmisso
intergeracional do capital humano.
Seguindo essa linha, Banerjee e Newman (1994) salientam que uma distribuio inicial
desigual de oportunidades e de riqueza tendem a estagnar os padres de vida. Osberg (1995)
tambm faz um retrospecto de anlise do trade-off entre eficincia e equidade utilizando o
modelo de transmisso intergeracional do conhecimento, para o autor a igualdade de
oportunidades produz um efeito positivo nas geraes posteriores, havendo assim, uma
relao positiva entre igualdade/crescimento ou equidade/eficincia.
Por haver diferentes conceitos de equidade e eficincia, torna-se difcil instituir teoricamente
se de fato h o trade-off, pois essa hiptese se torna consistente ou inconsistente a depender de
qual abordagem ou de qual modelo utilizado. Para Le Grand (1991) o trade-off torna-se
evasivo porque depende das interpretaes que so dadas tanto eficincia quanto equidade,
seus conceitos so carregados de valor, o que complica ainda mais a interpretao do trade-
off.
3.2 EQUIDADE E EFICINCIA EM EDUCAO
Na rea de Educao um exemplo abrangente do trade-off entre equidade e eficincia que
para melhorar a igualdade de oportunidades educacionais, ou seja, a equidade, boa parte da
literatura indica que simultaneamente a excelncia educacional prejudicada, depreciando
assim a eficincia das instituies. De acordo com essa abordagem a educao abrangente e
equitativa pode produzir resultados piores para as instituies.
Segundo a Organization for Economic Co-Operation and Development (OECD) (2008),
equidade em educao tem a seguinte definio:
Equidade em educao tem duas dimenses: A primeira a questo da
justia, a qual implica assegurar a situao pessoal e social por exemplo,
sexo, situao socioeconmica ou raa o que no deve ser um obstculo
evoluo educativa. O segundo incluso, a qual implica assegurar um
padro bsico e mnimo de educao para todos por exemplo, que todos
devem ser capazes de ler, escrever, e fazer clculos aritmticos simples. As
duas dimenses esto intimamente ligadas: combater o insucesso escolar
ajuda a superar as privaes sociais, as quais muitas vezes causam o
insucesso escolar (OCDE, 2008, p.73).
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Para Ismail (2015), a equidade nos sistemas educacionais est ligada a igualdade de
oportunidades para desfrutar dos recursos oferecidos, j a eficincia, no campo da educao
pode ser descrita como o desempenho das instituies de ensino. Para Mortimore (1991) a
eficincia escolar dada como a capacidade da unidade educacional promover um
desempenho de seus alunos, condicionado as caractersticas individuais, socioeconmicas e
background familiar dos mesmos.
De acordo Woessmann (2006), a equidade nos sistemas de ensino alcanada quando, as
diferenas de raa, gnero ou questes econmicas no influenciam nos resultados dos
estudantes, sendo tais resultados frutos apenas do esforo de cada um. - Em relao
eficincia, o autor utiliza a definio de eficincia produtiva, o alcance do resultado mximo
no processo de produo educacional com dado insumo. Segundo o autor, as respostas at
ento encontradas tm demonstrado cada vez mais que a relao entre equidade e eficincia
nos sistemas de educao e formao assumem diferentes formas, dessa maneira tem-se
concludo que no determinstica a afirmao de que polticas eficientes so
necessariamente no equitativas e vice-versa.
Gonzlez e Fernndez (2009) partindo da definio de igualdade formal salientam que a
afirmao de que na educao todos os estudantes so iguais em direitos e liberdades, s
poderia ser aplicada se os estudantes fossem idnticos, porm no so nem geneticamente,
nem socialmente, nem culturalmente, as suas carncias devem ser consideradas, suas
limitaes e suas diferentes capacidades, sendo assim necessrio a busca pela equidade para
se estabelecer justia social, conseguindo abarcar a diversidade humana.
Para Soares e Andrade (2006) a equidade educacional alcanada quando se consegue
amenizar os efeitos das caractersticas individuais, como status socioeconmico, raa e gnero
do estudante no desempenho dos alunos, assim a instituio de ensino deve trabalhar para que
os estudantes, independente das suas condies fsicas e sociais possam obter resultados
educacionais e nveis de aprendizagem satisfatrios, ou seja, segundo o autor o ideal que a
instituio de ensino atravs de polticas e prticas pedaggicas consiga fazer a diferena nos
seus nveis de sucesso escolar.
Equidade educativa consiste em dar um tratamento diferenciado para suprimir as injustias
que se aplicam aos indivduos social e economicamente menos favorecidos, somente assim
45
alcana-se a justia distributiva (CAMPOS, 2006). De acordo com a Unesco (2002) a
equidade em educao do ponto de vista social uma real necessidade para comtemplar os
grupos sociais desprotegidos, sob a perspectiva econmica o alcance da equidade nos sistemas
de educao uma forma de promover um sistema educacional mais eficiente na alocao de
recursos.
Demeuse e Baye (2007) salienta que a equidade est intimamente ligada noo de justia. A
equidade definida como o grau em que os indivduos podem se beneficiar da educao em
termos de opes, acesso, tratamento e resultados. H equidade se os resultados educacionais
no dependem do status socioeconmico, da raa/etnia, gnero. Um sistema equitativo
aquele que no reproduz injustias. Para os autores o sistema eficiente se os recursos
colocados em jogo do o resultado mximo.
Lemos (2013) ressalta que a equidade em ed