UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE DIREITO
GABRIELA REVOREDO PEREIRA DA COSTA
COMPLIANCE, LEI DA EMPRESA LIMPA E LEI SAPIN II - UMA ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO REGIME DE OBRIGATORIEDADE DE ADOÇÃO DE
PROGRAMAS DE INTEGRIDADE CORPORATIVA NO BRASIL
Orientador: Prof. Dr. Marco Bruno Miranda Clementino
NATAL/RN 2017
GABRIELA REVOREDO PEREIRA DA COSTA
COMPLIANCE, LEI DA EMPRESA LIMPA E LEI SAPIN II - UMA ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO REGIME DE OBRIGATORIEDADE DE ADOÇÃO DE
PROGRAMAS DE INTEGRIDADE CORPORATIVA NO BRASIL
Monografia apresentada ao Curso de Direito como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Prof. Dr. Marco Bruno Miranda Clementino
NATAL/RN 2017
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Costa, Gabriela Revoredo Pereira da. Compliance, lei da empresa limpa e lei sapin II: uma análise da aplicação
do regime de obrigatoriedade de adoção de programas de integridade corporativa no Brasil / Gabriela Revoredo Pereira da Costa. - Natal, RN, 2017.
111f. Orientador: Prof. Dr. Marco Bruno Miranda Clementino.
Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Direito.
1. Corrupção – Monografia. 2. Programas de Integridade - Monografia. 3. Lei da Empresa Limpa - Monografia. 4. Lei Sapin II - Monografia. 5. Obrigatoriedade de Compliance - Monografia. I. Clementino, Marco Bruno Miranda. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 328.185
Dedico este trabalho ao meu avô Bá, que de
outro plano, o escreveu junto comigo.
AGRADECIMENTOS
Estudando o Compliance, percebi que o individualismo e a centralização não são tão
eficazes quanto a comunhão de esforços e, com o fim deste trabalho, uma das certezas que
ficam é a de que não se chega a nenhum lugar sozinho. Por esta razão, tenho muito a
agradecer.
Agradeço aos meus pais, Italo e Mylene, pela dedicação incondicional, pela
confiança inabalável, pelo exemplo de trabalho e honestidade, por abrirem meus olhos e, ao
mesmo tempo em que são lar, por me provocarem a pensar sempre mais além. Agradeço aos
meus irmãos e parceiros de jornada, Mariana e João Pedro, que do jeitinho deles, também
contribuíram para que eu chegasse até aqui.
Além deles, meu muito obrigada também vai para o meu amor e melhor amigo,
Matheus, com quem compartilho ideias, sonhos e planos e em quem sempre encontro uma
palavra de ternura, incentivo e confiança.
Por fim, aos meus amigos - da escola, da Universidade, do trabalho e da vida -
também agradeço enormemente. Cada um deles deixou um pedacinho de si em mim e
contribuiu com a feitura deste trabalho.
“Tudo o que não puder contar como fez, não faça” Immanuel Kant
“Eu posso sempre escolher, mas devo estar ciente de que, se não escolher,
ainda assim estarei escolhendo” Jean-Paul Sartre
RESUMO A corrupção é problema sistêmico que atinge o mundo todo e, no combate a esse ilícito, o compliance é ferramenta que ganha destaque ao convocar os particulares, em especial as empresas, a repelir as práticas dessa natureza. O presente trabalho tem por escopo analisar a aplicação de uma disciplina jurídica de obrigatoriedade na adoção de programas de compliance anticorrupção no Brasil, semelhante ao que ocorre na França a partir do disposto na Lei Sapin II. Essa análise se dá especificamente pela identificação das características do cenário de combate à corrupção no Brasil e no mundo, da importância dos programas de integridade no cumprimento desta tarefa, bem como do tratamento atualmente dado pelo ordenamento jurídico brasileiro ao compliance pela Lei da Empresa Limpa (lei n. 12.846/2013) - que definitivamente inseriu esses mecanismos anticorrupção no sistema jurídico nacional. Também analisa as disposições de obrigatoriedade da Lei Sapin II e reflete se o tratamento de facultatividade na adoção dos programas de compliance é suficiente para o efetivo fomento da cultura de integridade entre os particulares, que se faz necessária. Demais disso, sob a perspectiva do método da proporcionalidade, avalia se a disciplina de obrigatoriedade é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, considerando-se o conflito entre a autonomia privada e os valores que são resguardados com o combate à corrupção. Palavras-chave: Corrupção. Programas de Integridade. Lei da Empresa Limpa. Lei Sapin II. Obrigatoriedade de Compliance.
ABSTRACT
Corruption is a systemic problem that affects the whole world. As a tool to fight against the issue, compliance programs are particularly interesting because they invite the individuals - as well as the companies – to prevent and repel these practices. The purpose of this monograph is to analyze if a discipline of compulsory implementation of compliance programs, similar to the one that occurs now in France (due to the Sapin II Law) would apply in Brazil. To do so, the analysis aims to identify the characteristics of the current global anti-corruption scenario, including Brazil, as well as the juridical treatment currently given to the compliance programs by the Brazilian Clean Company Act, which has definitely put the institute into Brazil’s legal order. For that reason, it analyses the obligation of compliance programs brought in by the Sapin II law and if the juridical treatment of optional adoption of compliance programs is enough to effectively promote a much-needed culture of integrity among individuals and companies in Brazil. Furthermore, using the proportionality method, it assesses whether the discipline of compulsory implementation of compliance programs is compatible with Brazil’s legal system, considering in this evaluation the conflict between the individual autonomy and the constitutional values that are protected by the fight against corruption. Keywords: Corruption. Compliance programs. Brazilian Clean Company Act. Sapin II Law. Obligation of Compliance.
ÍNDICE DE SIGLAS E ABREVIATURAS CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica CGU - Controladora Geral da União CVM – Comissão de Valores Mobiliários DOJ - Department of Justice FCPA – Foreign Corrupt Practices Act IBDEE - Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa LAC – Lei Anticorrupção Empresarial ou Lei da Empresa Limpa OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OEA – Organização dos Estados Americanos ONU – Organização das Nações Unidas SEC – Securities and Exchange Comission SOX – Sarbanes-Oxley Act UKBA – United Kingdom Anti-Bribery Act USSC – United States Sentencing Comission
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
2. O COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO ............................................................................. 4
2.1 CONCEITO, FUNÇÃO E IMPORTÂNCIA PARA A ATIVIDADE EMPRESARIAL .... 6
2.2 HISTÓRICO E PRINCIPAIS DIPLOMAS ESTRANGEIROS SOBRE O TEMA .......... 14
2.3 ELEMENTOS CONSTITUINTES DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE E A
APURAÇÃO DE SUA EFETIVIDADE NO BRASIL ............................................................ 20
3. A DISCIPLINA DADA PELOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS BRASILEIRO E
FRANCÊS AOS PROGRAMAS DE INTEGRIDADE CORPORATIVA ....................... 28
3.1 A LEI ANTICORRUPÇÃO EMPRESARIAL DO BRASIL - LEI N.o 12.846/2013 ....... 28
3.1.1 Antecedentes ................................................................................................................... 29
3.1.2 Natureza Jurídica e Fundamento Constitucional ....................................................... 34
3.1.3 Aspectos Gerais .............................................................................................................. 42
3.1.3.1 Responsabilização objetiva, judicial e administrativa de pessoas jurídicas..................42
3.1.3.2 Atos Ilícitos e sanções previstas...................................................................................45
3.1.4 Disciplina dada aos programas de integridade empresarial no Brasil e seu estágio
atual de maturidade no país .................................................................................................. 50
3.2 A LEI “SAPIN II” E A NOVA DISCIPLINA FRANCESA DE OBRIGATORIEDADE
DA ADOÇÃO DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE NA FRANÇA ................................ 54
3.2.1 O contexto de criação da Lei “Sapin II” em matéria de combate à corrupção ....... 55
3.2.2 A obrigatoriedade de adoção de práticas de Compliance nas empresas e seus
parâmetros de aplicação ........................................................................................................ 58
3.2.3 A Agência Francesa Anticorrupção (AFA) e as sanções pela não conformidade .... 63
4. DA APLICAÇÃO DE REGIME DE OBRIGATORIEDADE DA ADOÇÃO DE
PROGRAMAS DE COMPLIANCE NO BRASIL ............................................................... 68
4.1 DA NECESSIDADE DE MUDANÇA NA DISCIPLINA DADA AO COMPLIANCE NO
BRASIL E A OBRIGATORIEDADE DOS PROGRAMAS DE INTEGRIDADE ................ 68
4.2 DA COMPATIBILIDADE DE UM REGIME DE OBRIGATORIEDADE DE
PROGRAMAS DE COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO COM O ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO – ANÁLISE DA PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA E
DISCIPLINAS SEMELHANTES NO BRASIL ...................................................................... 74
4.3 UMA PROPOSTA DE CONCRETIZAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DE
COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO ............. 82
4.3.1 Parâmetros da obrigatoriedade – os destinatários e a sanção em caso de
descumprimento ...................................................................................................................... 83
4.3.2 A problemática da fiscalização ..................................................................................... 87
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 89
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................92
1
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho volta seu olhar ao amplo e bastante comentado tema do combate
à corrupção, problema sistêmico que atinge o mundo inteiro, direcionando a apreciação
especialmente aos mecanismos de Compliance, como ferramentas de extrema valia nessa
empreitada.
Esses instrumentos, também chamados de programas de integridade, apenas
recentemente passaram a ser reconhecidos pelos diplomas normativos brasileiros, por meio da
Lei n.o 12.846/2013 (“Lei da Empresa Limpa” ou Lei Anticorrupção Empresarial), sendo o
objeto desta pesquisa a disciplina a eles conferida pelo ordenamento jurídico nacional e
estrangeiro.
Ressalte-se que tal tema se mostra relevante ante as recentes revelações de
escândalos de corrupção no Brasil, o enrijecimento no cenário pátrio e internacional das
sanções às práticas de suborno, assim como a novidade da lei nacional que estabelece a
responsabilização objetiva, civil e administrativa, das pessoas jurídicas por ilícitos desta
natureza. Mais ainda, as recentes previsões de obrigatoriedade de adoção de programas de
compliance anticorrupção que emergem a todo momento invocam com bastante ênfase o
estudo desta matéria.
Utilizando-se do método de pesquisa bibliográfico e documental, de caráter
descritivo e exploratório, direcionou-se a investigação ao tema do compliance e das
legislações anticorrupção, debruçando-se sobre livros, artigos acadêmicos, monografias e
teses, os diplomas normativos em si, bem como relatórios elaborados por organizações não-
governamentais, empresas privadas de auditoria e órgãos oficiais da França, Reino Unido,
Estados Unidos e, evidentemente, do Brasil.
Com isso, o trabalho busca solucionar o seguinte problema de pesquisa: uma
previsão normativa que exija a adoção de programas de integridade pelas empresas privadas
seria aplicável no Brasil? O questionamento se faz pertinente quando se considera que não há
disciplina geral de obrigatoriedade no país, mas mero estímulo à adoção do compliance via
sanções premiais.
Para responder essa pergunta, faz-se necessário de início abordar o tema do
compliance, ainda relativamente novo e desconhecido. Deste modo, no primeiro capítulo
serão esclarecidos os conceitos de corrupção corporativa e de compliance, com enfoque em
sua campanha antissuborno, para melhor delimitar o objeto. Também se apresentará um breve
2
histórico do instituto do compliance, enfatizados os normativos estrangeiros que o moldaram
e moldam, para fins de recolher pistas acerca de seu direcionamento evolutivo.
Ainda no primeiro capítulo, serão apontados alguns benefícios trazidos pelas práticas
de integridade corporativa, sobretudo às empresas, quando estão adequadas às necessidades
da entidade. Isso para que, na sequência, seja possível visualizar com mais clareza as
diretrizes principais que norteiam um programa de compliance de sucesso, as quais serão
analisadas, pari passu, aos parâmetros por meio dos quais a administração pública brasileira
apura sua efetividade.
No capítulo seguinte, serão estudados os tratamentos atualmente dados aos
programas de compliance no Brasil e na França, respectivamente pela Lei da Empresa Limpa
e Lei Sapin II.
Quanto ao normativo brasileiro, serão elaboradas considerações a respeito dos
antecedentes da norma, que interessarão também como expositores do contexto de combate à
corrupção que vem ascendendo nos últimos anos no país.
Em seguida, serão identificados os fundamentos constitucionais e a natureza jurídica
que lastreiam e se expressam na Lei n.o 12.846/2013, investigação de grande valia para que se
vislumbrem os valores jurídicos resguardados pelo combate à corrupção à luz do ordenamento
brasileiro.
Somente após essas contextualizações a respeito da Lei Anticorrupção Empresarial é
que serão elencados seus dispositivos mais relevantes para este estudo, principalmente a
disciplina dada aos programas de integridade corporativa no Brasil. Na sequência, serão
expostos dados colhidos de relatório elaborado pela empresa de auditoria KPMG para que se
possa verificar, com base no critério do setor econômico, qual o atual estágio de maturidade
do compliance das empresas no país.
Na segunda parte deste capítulo, será analisada a lei francesa Sapin II, evidenciando-
se, simetricamente, seu contexto de criação, algumas de suas previsões normativas e,
mormente, a disciplina de obrigatoriedade expressa de adoção de programas de compliance
anticorrupção que ela introduz.
Na sequência, também serão trazidas algumas disposições dessa lei de interesse à
análise feita do presente trabalho, porquanto sugerem de maneira bastante visível o modo por
meio do qual a obrigatoriedade se concretizará em solo francês diante do dever de
compliance.
Oferecidos tais pontos, importantes para que se tenha substrato teórico necessário ao
momento de reflexão que se seguirá, o último capítulo deste estudo se voltará ao
3
enfrentamento direto da problemática da aplicação de um regime de obrigatoriedade de
adoção de programas de integridade no Brasil, a exemplo da vanguardista lei francesa.
Para tanto, o raciocínio avançará primeiro pela apreciação da necessidade de
alteração na disciplina atualmente dada ao compliance no Brasil, para que se possa, no tópico
seguinte, adentrar na verificação da compatibilidade propriamente dita. Esse estudo da
compatibilidade utilizará versão simplificada do método da proporcionalidade, proposto por
Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis.
Ao final, considerando-se a matéria analisada e as informações obtidas, será
esboçado cenário de concretização da obrigatoriedade de adoção de programas de integridade
no Brasil, indicando possíveis destinatários da norma, sanções e a problemática que cerca a
figura do eventual órgão fiscalizador.
4
2. O COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO
O combate à corrupção é, certamente, um dos temas de maior relevância da
atualidade, o que se observa pela amplitude de tratados internacionais assinados nos últimos
anos1, bem como a edição de legislações internas em diversos países do mundo sobre o tema,
diga-se, com disciplina cada vez mais severa para os infratores.
Se antes algumas práticas de corrupção eram consideradas parte das técnicas
normais, e até mesmo necessárias ao negócio2, hoje em dia elas não são mais toleradas de
modo transnacional, mediante crescente cooperação entre os países.
Seja pelo desvelar de escândalos que revelam o agravado estágio de disseminação
deste tipo de ilícitos no país e a crescente insatisfação popular que dela decorre3 (manifesta
notadamente nos protestos iniciados em junho de 2013, que culminaram com a edição da
inovadora Lei n.o 12.846/2013); seja pela austeridade das sanções que passaram a ser
aplicadas aos envolvidos com maior efetividade4, o Brasil se inclui no rol de países que têm
se posicionado energicamente nessa empreitada, podendo-se falar, inclusive, em verdadeira
revolução moral em terras tupiniquins. E não sem motivo.
A corrupção, entendida como gênero de condutas reprováveis no qual se inserem
diversas espécies de práticas de abuso de poder delegado em benefício particular5, é endêmica
no país.
1 A exemplo da Convenção Interamericana Contra a Corrupção, de 1996; a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE, de 1997; a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003 (retomadas mais adiante neste trabalho); e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo de 2000. 2 SANTOS, Renato Almeida dos; GUEVARA, Arnoldo José de Hoyos; AMORIM, Maria Cristina Sanches. Corrupção nas organizações privadas: análise da percepção moral segundo gênero, idade e grau de instrução. In: R. Adm., v.48, n.1, p.53-66, jan./fev./mar. 2013. 3 Rogério Sanches Cunha e Renee Souza fazem apanhado com pesquisas de opinião de 2014, 2015 e 2016 que demonstram “o crescente repúdio e preocupação do povo brasileiro com atos de corrupção” (CUNHA, Rogério Sanches; SOUZA, Renee. Lei Anticorrupção Empresarial. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. P. 20). 4 Tomem-se como exemplo os dados do Ministério Público Federal, a respeito da Operação Lava-Jato, que até 31 de janeiro de 2017, ensejou 120 condenações criminais com penas que, somadas, ultrapassam 1257 anos de prisão (MENDES, Francisco Schertel; CARVALHO, Vinicius Marques de. Compliance: concorrência e combate à corrupção. São Paulo: Editora Trevisan, 2017. p. 25). 5 Inseriu-se no gênero corrupção as espécies “Grande Corrupção”, dos altos escalões, e a “Pequena Corrupção”, a corrupção administrativa, no contato direto do cidadão com agentes públicos nas questões predominantemente burocráticas. É interessante apresentar também a definição da CGU, adotada em SANTOS; GUEVARA; AMORIM (2013), que trata corrupção como “relação social (de caráter pessoal, extra mercado e ilegal) que se estabelece entre dois agentes ou dois grupos de agentes (corruptos e corruptores), cujo objetivo é a transferência de renda dentro da sociedade ou do fundo público para a realização de fins estritamente privados. Tal relação envolve a troca de favores entre os grupos de agentes e geralmente a remuneração dos corruptos ocorre com o uso de propina ou de qualquer tipo de pay-off, prêmio ou recompensa”.
5
Da famosa mentalidade do “jeitinho brasileiro”, aos tipos elencados no Código
Penal6, os atos caracterizados como ilícitos de corrupção em sentido amplo são figuras
sistematicamente presentes no cotidiano nacional – tanto que, para o ano de 2016, a
organização não-governamental “Transparência Internacional”, famosa por seu ranking de
percepção de corrupção no mundo, inseriu o Brasil no 79o lugar da lista de 176 países,
organizados em ordem crescente, do menos ao mais corrupto7.
Segundo o preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção8, tais
práticas, ao concederem ilegítimas benesses a poucos em detrimento dos demais, violam a
premissa básica da igualdade entre os indivíduos, enfraquecem as instituições democráticas e
os valores da democracia, ética e da justiça, comprometendo ainda o desenvolvimento
sustentável das nações, a segurança e o Estado de direito. Não fosse só isso, o mesmo
preâmbulo acrescenta que o enriquecimento pessoal ilícito pode ser particularmente nocivo
para as economias nacionais e internacionais, ante a interligação que existe entre os mercados.
Neste contexto, ainda que a mentalidade de obtenção de vantagens pessoais
indevidas seja, por si só, temerária para a coletividade, porquanto rompe a confiança e
lealdade que devem permear a vida em sociedade, o presente estudo se volta especialmente a
uma das suas perniciosas manifestações: a corrupção corporativa ou organizacional.
Considerando-se que é fenômeno estudado em caráter interdisciplinar - a exemplo do
direito, economia, ciências políticas e sociologia - a corrupção corporativa tem de conceito de
difícil delimitação.
Para os fins deste estudo, no entanto, ela pode ser caracterizada em todos os atos,
sistematicamente praticados no setor privado, notadamente por diretores e colaboradores de
empresas ou terceiros que atuem em seu nome, no sentido de prometer, oferecer ou dar, direta
ou indiretamente, vantagens indevidas a agente público ou terceiro que a ele se vincule com o
escopo de obter vantagem indevida para si ou para outrem.
Além dessa hipótese, também se configuram como práticas inseridas no grupo
‘corrupção corporativa ou organizacional’ para os fins deste trabalho, toda manifestação de
suborno, tráfico de influência, pagamento de propina, obstrução de justiça, fraudes em
licitações e na execução de contratos com o setor público, quando praticados por agente 6 A exemplo dos crimes de Concussão (art. 316, caput), Corrupção passiva (art. 317, caput), Tráfico de Influência (art. 332), Corrupção ativa (art. 333) e dos tipos previstos no Capítulo II-A, todos do Código Penal. 7 A título de curiosidade, numa análise regional, o Brasil ficou muito atrás de vizinhos como Uruguai (21o lugar) e Chile (24o lugar). Disponível em: <https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_2016#regional>. Acesso em 02 set. 2017. 8 Trata-se da Convenção de Mérida, de 2003, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n.o
5.687, de 2006, a qual será abordada com maiores detalhes adiante.
6
privado em nome de empresa no seio de transações comerciais nacionais ou internacionais,
em prejuízo à administração pública e, em última análise, ao interesse público.
Não se olvida que existem também manifestações de oportunismo e abuso de poder
corporativo nas relações exclusivas entre particulares, que poderiam se encaixar no grupo
acima descrito. No entanto, elas não se inserem diretamente no foco do objeto do presente
estudo, que se volta às práticas nocivas à administração pública em razão da disciplina dada
pelo ordenamento jurídico pátrio, a ser analisada adiante.
Perceba-se que, em comum, além de serem práticas sistêmicas, as condutas inseridas
na corrupção corporativa deste trabalho envolvem agentes econômicos e autoridades da
administração pública, e interferem na tomada das decisões, muitas vezes do alto escalão do
poder, manipulando políticas, instituições e alocação de recursos, principalmente públicos,
não em benefício da coletividade, mas no interesse dos envolvidos, sobretudo na direção do
enriquecimento ilícito e da obtenção de vantagens competitivas nos negócios.
Essas práticas corporativas, como hipóteses de corrupção lato sensu que são, por
serem sistematicamente praticadas, representam cultura empresarial temerária para a
sociedade como um todo, devendo ser repelidas sem exceção.
Nessa trilha, e considerando a já mencionada mudança de mentalidade e aumento da
aspereza no tratamento de práticas de corrupção, tornam-se relevantes e devem receber
disciplina jurídica diferenciada todos os instrumentos que auxiliem as pessoas, naturais ou
morais, a antecipar e evitar a ocorrência de tais práticas ou, se for o caso, identificar sua
ocorrência para a devida correção.
É nesse cenário que ganham destaque os programas de integridade, ou programas de
compliance, objeto do presente estudo.
Nos tópicos a seguir, serão apresentados alguns aspectos do instituto, sendo o
presente capítulo responsável por sua introdução, apontando o conceito, histórico, seus
principais elementos caracterizadores e como se avalia sua efetividade.
2.1 CONCEITO, FUNÇÃO E IMPORTÂNCIA PARA A ATIVIDADE EMPRESARIAL
Em uma análise superficial, o conceito de compliance é imediatamente associado à
ideia de conformidade e de manutenção de um estado de adequação às determinações legais
por parte das pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas.
7
No entanto, um programa de compliance, ou programa de integridade como este
trabalho prefere chamar a medida, envolve muito mais do que a mera existência de código de
conduta ou a pura observância das normas positivadas por determinado sujeito.
De fato, ainda que a literalidade da tradução de compliance 9 se refira ao
cumprimento de determinações e, portanto, de conformidade a algo que foi estabelecido, o
presente trabalho entende que o termo carrega em si também as noções de integridade10, ética
empresarial11, transparência12, governança corporativa13 e, em última análise, os próprios
valores morais de quem “está em compliance”.
Neste estudo, a pessoa jurídica – especialmente a empresa - é o sujeito que adota as
estruturas de integridade, de modo que as definições serão em maior ou menor medida
limitadas a sua perspectiva.
Assim sendo, o conceito de compliance que se quer apresentar é amplo,
interdisciplinar e apresenta duas dimensões: abarca não só os mecanismos utilizados pelas
empresas para garantir o cumprimento das leis e observância dos regulamentos internos (a
dimensão da conformidade), mas todo o sistema de práticas de uma entidade para se induzir
seus componentes, e os demais agentes da área em que atua, a fazer o certo e não apenas
buscar inconsequentemente o lucro (a dimensão da integridade)14.
Essa definição aparentemente levanta certa problemática quando se considera o
conceito de “fazer o certo” e sua possível relativização15. Não obstante isso, o estudo não
pretende exaurir as hipóteses de caracterização do estado de integridade corporativa, o que
9 Do inglês “to comply”, que deriva do latim “compleō” ou “complere”. Significa, em sua origem, completar, preencher completamente. Na língua inglesa a expressão indica o estado de conformidade, de cumprimento de algo que foi estabelecido. 10 Integridade deve ser lida como o conjunto de ações e comportamentos consistentemente pautados por uma série de princípios e parâmetros éticos e morais, de modo a criar uma barreira às eventuais tentativas de desvios. 11 Em simplificada explanação, Ética Empresarial é definida como “tradução da filosofia e os objetivos fundamentais de um negócio” (ANTONIK, Luis Roberto. Compliance, Ética, Responsabilidade Social e Empresarial: uma visão prática. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016). 12 Na ótica do Compliance, a Transparência se refere à característica de governos, empresas e indivíduos que se mantém abertos a esclarecer e disponibilizar informações, planos, processos e ações por eles adotados para que se facilite a percepção, por terceiros, da postura praticada. 13 Segundo o IBGC, Governança Corporativa “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”. 14 GIOVANINI, Wagner. Programas de Compliance e Anticorrupção: Importância e Elementos Essenciais. In: SOUZA, QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Coord.). Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. p. 457-473. 15 Numa visão antropológica, Rita Segato afirma inclusive que são tantas as evidências da diversidade de visões de mundo e sistemas de valores, que a moral e o direito estão hoje claramente diferenciados (SEGATO, Rita Laura. Antropologia e direitos humanos: alteridade e ética no movimento de expansão dos direitos universais. Mana, [s.l.], v. 12, n. 1, p.207-236, abr. 2006. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/s0104-93132006000100008>. Acesso em: 30 out. 2017).
8
demandaria profunda reflexão sobre os conceitos de ética e moral já que há inclusive quem
defenda que “compliance é estado de espírito”16.
Deste modo, apontada a concepção de compliance como um conceito jurídico
indeterminado17, ele será, para fins práticos do presente estudo, tratado como um conjunto de
mecanismos adotados por uma empresa privada para estímulo da boa-fé e lealdade nas
relações, bem como o controle e mapeamento de riscos e estabelecimento de parâmetros
éticos internos, de modo a prevenir, identificar e remediar ilícitos, principalmente as
manifestações da já mencionada corrupção corporativa.
Perceba-se que a face do programa de integridade objeto do estudo é o compliance
anticorrupção, isto é, a parte do sistema que uma empresa adota internamente para prevenir
fraudes, desvios e demais atos reprováveis dessa natureza, ofensivos ao direito fundamental à
probidade administrativa, à função social da empresa e, como se verá, à própria ordem
econômica.
Essa delimitação é importante porque, pela perspectiva ampla da Integridade que foi
apresentada, os programas de compliance envolvem toda a filosofia da empresa e podem ser
utilizados para garantir o cumprimento das regras de ordem moral e, ainda, de diversos ramos
de um ordenamento jurídico, a exemplo das leis ambientais, trabalhistas, tributárias e de
defesa da concorrência.
Ao delimitar a análise ao compliance anticorrupção, objetiva-se direcionar o
raciocínio ao tratamento dado ao instituto pela Lei Anticorrupção Empresarial, a Lei n.o
12.846 de 2013, que definitivamente inseriu os programas de integridade no sistema
normativo brasileiro e cuja análise será feita em tópico posterior.
Por essa razão, pertinente colocar, desde já, o conceito de programa de integridade
adotado pelo Decreto n.o 8.420/2015, que regulamenta a referida lei e estabelece em seu
artigo 41 que, no âmbito de uma pessoa jurídica, programas de integridade são o conjunto de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades, bem como a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e
diretrizes que tenham por objetivo detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos
ilícitos praticados contra a administração pública nacional ou estrangeira.
Note-se que a definição contida no dispositivo faz referência expressa a um sistema
que efetivamente previne, detecta e remedia práticas de ilícitos “contra a Administração 16 CANDELORO; RIZZO apud RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e a lei anticorrupção nas empresas. In: Revista de Informação Legislativa, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. 17 CUNHA; SOUZA, 2017. p.77.
9
Pública nacional ou estrangeira”, o que suscita algumas considerações interessantes sobre o
tema.
A primeira delas está na apuração da efetividade de um programa de integridade, a
qual será abordada novamente e com maior profundidade adiante. Por ora importa assinalar
que, segundo previsão inserida no parágrafo único18 do mesmo artigo 41 do decreto sob
análise, a efetividade de um sistema de compliance pressupõe sua estruturação
individualizada, considerando as idiossincrasias da área de atuação da pessoa jurídica, seu
porte, histórico e demais características que interfiram na criação de ambiente de maior ou
menor risco ao cometimento de ilícitos.
Para que tenha efetividade, também se exige que, uma vez instalado, o programa de
integridade passe por contínua e periódica revisão, com vistas a assegurar o aprimoramento e
adaptação às mudanças nas circunstâncias que balizaram sua individualização.
Além dessas questões, o conceito de programa de integridade efetivo envolve
também a construção de um hábito, uma cultura de observância natural das normas morais e
jurídicas dentro da empresa e postura proba nas relações comerciais. Pela perspectiva jurídica,
essa construção, como melhor demonstrada em tópico posterior, pode se dar por meio da
função promocional ou repressiva do direito, sendo certo que, uma vez edificada, dá-se início
à continuidade cíclica de boas práticas.
Essas características permitem entender um programa de integridade, portanto, como
espécie de armadura interna da pessoa jurídica, feita sob medida, com demanda por constante
polimento e renovação, e que, ao mesmo tempo em que a protege dos riscos das práticas de
ilícitos, possui apetrechos que identificam as falhas na estrutura e as reparam naturalmente,
uma vez instaladas.
Isso demonstra que não se pode falar em modelo único ou conceito engessado
quando se busca a efetividade de compliance anticorrupção: cada programa é absolutamente
único e permanentemente inacabado.
Num segundo comentário que se faz do conceito inserido no dispositivo legal,
percebe-se que o programa de integridade empresarial ali disposto se volta à vertente externa
do compliance. Isso porque, em um mesmo sistema de integridade corporativa, é possível
18 Decreto n. 8.420/2015 - Artigo 41, Parágrafo Único. “O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.”
10
identificar duas faces distintas da busca pela probidade nas atividades da pessoa jurídica19 –
uma de caráter interno e outra de caráter externo.
O caráter interno de um programa de integridade corporativa diz respeito aos
protocolos, filosofias e demais mecanismos adotados pela empresa com o intuito de prevenir,
identificar e sancionar práticas de funcionários e colaboradores que sejam lesivas aos
interesses e patrimônio da pessoa jurídica, e em geral previstos naturalmente pelo
regulamento interno. Dentre as condutas que se busca repelir com essa frente de ação do
compliance estão as já mencionadas práticas de oportunismo e abuso de poder nas relações
exclusivas entre particulares e prejudiciais apenas à empresa, que não são o foco deste estudo.
De toda forma, neste ponto, faz-se um breve paralelo entre o caráter interno do
compliance e as hipóteses de demissão por justa causa do empregado, elencadas nos itens do
artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)20. Por se voltar para a prevenção,
identificação e remediação de práticas lesivas à empresa, pode-se afirmar com segurança que
essa vertente busca reprimir os atos de improbidade de colaborador (item “a”), negociação
habitual do empregado, que constitua ato de concorrência à empresa e prejudique o serviço
(item “c”), violação de segredo da empresa (item “g”) e atos de indisciplina (item “h”), por
exemplo.
A seu turno, a face externa dos programas de integridade os direcionam a evitar e
inibir práticas ofensivas a interesses sociais e de terceiros, incluindo-se a administração
pública, tal qual previsto no Decreto n.o 8.420/2015.
Na já mencionada visão ampla do compliance, a vertente externa se preocupa com a
observância das leis (ambientais, tributárias, concorrenciais, anticorrupção, etc.) tanto em
atenção aos interesses da coletividade – manifestando a dimensão da Integridade - quanto
para evitar as sanções decorrentes da não observância dessas normas, que é o que se busca
com a conformidade.
19 CABETTE; NAHUR apud ZANETTI, Adriana Freisleben de. Lei Anticorrupção e Compliance. In: Revista Brasileira de Estudos da Função Pública – RBEFP, Belo Horizonte, ano 5, n. 15, p. 35-60, set./dez. 2016. p. 51. 20 Art. 482, da CLT – “Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar.”
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É evidente que existem pontos de interseção entre as duas vertentes (interna e externa)
do compliance, até porque são faces da mesma moeda e não raro uma mesma conduta enseja,
simultaneamente, prejuízos à empresa e à sociedade. Dessa maneira, um mesmo sistema de
integridade corporativa não só pode como deve possuir medidas que atendam tanto aos
interesses internos quanto aos alheios à pessoa jurídica.
De toda sorte, considerando-se a previsão acima, para os fins da Lei n.o 12.846 de
2013, o Decreto n.o 8.420/2015 deixa claro o interesse na vertente externa do programa de
integridade, porquanto assinala que o objetivo do programa de compliance deve ser “detectar
e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração
pública, nacional ou estrangeira”, pouco importando a existência de mecanismos que inibam
ilícitos prejudiciais unicamente à própria empresa. E não poderia ser diferente.
As empresas privadas, como principais destinatárias do diploma normativo
regulamentado pelo decreto em análise, são regidas pelos princípios do direito privado, dentre
os quais a autonomia privada, que estabelece o poder que têm os particulares de, nas relações
privadas, praticarem ou se absterem dos atos de acordo com seus interesses e conveniências,
desde que respeitada a boa-fé e a lealdade, e que não prejudiquem outrem21.
Nessa perspectiva, o legislador não deve interferir na maneira como uma empresa lida
com as irregularidades que lhe prejudicam unicamente, devendo, por outro lado, inibir
práticas que sejam temerárias à administração pública, nacional ou estrangeira, e à
coletividade, o que será retomado em tópico posterior.
Desta feita, estabelecida uma definição inicial do compliance e delimitado o presente
estudo ao compliance anticorrupção, que é tratado pela Lei n.o 12.846/2013, fica mais fácil
identificar a função dos programas de integridade corporativa e a importância que carregam
dentro da estrutura de uma empresa.
Como dito anteriormente, a corrupção corporativa é geradora de diversos males à
sociedade, sobretudo às instituições democráticas, aos valores da justiça e da probidade e à
ordem econômica, de modo que todos os instrumentos disponíveis para inibi-la e
eventualmente erradicá-la são de extrema valia.
Nesse sentido, o compliance anticorrupção é instrumento que cumpre função crucial
nessa missão, ao encorajar práticas probas nas transações e municiar as empresas de
ferramentas que prevejam esses ilícitos antes de acontecerem, e os identifiquem e remedeiem
caso se concretizem. Todavia, deve-se ter em mente que um programa de integridade
21 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB. Salvador: Editora Juspodivm, 2013. p. 93.
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corporativa, ainda que extremamente bem sucedido, não elimina por completo os riscos das
empresas.
Isso porque, a sociedade contemporânea é, sabidamente, uma sociedade de riscos22, o
que significa, em linhas gerais, que as evoluções trazidas pelo desenvolvimento das ciências e
das tecnologias são tamanhas que é mais possível prever, com absoluta certeza, todos os
aspectos futuros que as mesmas ciências e técnicas podem gerar, o que vale também para o
setor corporativo.
Aliás, para além da imprevisibilidade decorrente das evoluções científicas e
tecnológicas, há também de se considerar que a atividade empresária é exercida
essencialmente por pessoas, e que as relações empresariais são “em última instância, [...]
relações interpessoais, não raro embasadas em emoções, anseios e fraquezas inerentes ao ser
humano”23 o que, quando não estimula, invariavelmente oportuniza a ocorrência de desvios
dos mais variados tipos, incluídas aí as práticas de corrupção.
Alguns aspectos, no entanto, ainda poderiam ser estimados e antecipados24 e nessa
brecha de previsibilidade estaria a função dos programas de integridade, como artifício útil na
gestão, mapeamento e minimização dos riscos, mas sem os eliminar por completo, já que
permanecerá sempre alguma influência do imponderável.
Essa, inclusive, é uma das razões pelas quais o “estado de compliance” deve ser lido
como ideal a ser perseguido: algo que se busca e sempre deve ser buscado, mas que não se
conclui nem se estagna, estando em constante estado de perfectibilização e aprimoramento.
Sabendo da crescente aspereza no tratamento dado pelos Estados às práticas de
corrupção e das melhorias no gerenciamento dos riscos que os programas de integridade
oferecem, é evidente que as empresas são grandes interessadas na sua adoção. Mas não é essa
a única vantagem advinda da adoção deste tipo de postura corporativa.
Se num primeiro momento os programas de integridade na sua dimensão de
Conformidade reduzem os riscos de a pessoa jurídica sofrer sanções (e despesas dela
decorrentes25) por atos de corrupção corporativa de seus diretores, colaboradores ou terceiros
22 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. 384 p. Tradução de: Sebastião Nascimento. 23 TRAPP, Hugo Leonardo do Amaral Ferreira. Compliance na Lei Anticorrupção: uma análise da aplicação prática do art. 7o, VIII, da lei 12.846/2013. Boletim Jurídico. Uberaba/MG, a. 13, no 1237. Disponível em: <http://www.boletimjurídico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3969>. Acesso em: 24 jul. 2017. 24 Adriana Freisleben de Zanetti fala que o conceito contemporâneo de risco seria formado por componentes previsíveis e imprevisíveis, sendo uma das partes “perceptível, mensurável e controlável” e a outra “caótica, aleatória e complexa” (ZANETTI, op. cit., p. 50). 25 Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz assinalam que a implantação de uma política de Compliance anticorrupção implica em custos de transação para a organização empresarial, mas destacam que os prejuízos causados pela corrupção, na falta deles, são bem superiores. A título ilustrativo, as autoras apontam
13
que atuem em seu nome, a adoção de tais ferramentas se mostra vantajosa às empresas por
uma série de outros fatores.
O primeiro deles é a visão panorâmica que ele concede do negócio. A
individualização que se exige em um programa de integridade efetivo permite à empresa
entender quais são as áreas de maior e menor risco, seus pontos de maior ou menor
produtividade, bem como as razões que levam a essas particularidades.
Ainda quando se volta para a redução dos ilícitos unicamente prejudiciais aos
interesses da empresa, é certo que o mapeamento em questão favorece a que as falhas internas
sejam sanadas e amplia a efetividade da entidade, melhorando a qualidade dos produtos ou
serviços que oferece ao mercado e reduzindo os próprios custos de produção26. Perceba-se
que neste ponto, o conceito de programa de compliance se aproxima bastante da ideia de boa
governança corporativa que, como dito, diz respeito à maneira como uma empresa é dirigida,
administrada ou controlada.
Não fosse só isso, há incontestável melhora na reputação e credibilidade da empresa,
o que é considerado seu mais precioso bem imaterial27, tanto perante clientes, cada vez mais
conscientes da importância da probidade28, quanto perante investidores, ávidos pelo ambiente
de segurança e estabilidade que a existência concreta e efetiva um programa de integridade
proporciona.
Além deles, há melhora da reputação da entidade perante a própria administração
pública, ante a demonstração de boa-fé da empresa, o que facilita a celebração de acordos
com autoridades regulatórias e mitiga as sanções a serem aplicadas29. Este último efeito, a
propósito, será abordado com bastante profundidade mais adiante.
Deve-se assinalar, ainda, que, no caso específico de empresas que interagem com
mercados externos mais maduros, para os quais as autoridades exigem maior rigor nas
transações econômicas e a probidade é elemento obrigatório, a existência de programas de
integridade facilita a adaptação da entidade aos padrões externos. Guardadas as proporções30,
esse tipo de exigência de idoneidade já se observa no Brasil, nos casos de empresas que
interagem diretamente com o poder público por meio de licitações.
estudos que mostram que a cada um dólar gasto com programa de compliance, economiza-se cinco dólares que seriam gastos com os custos de transação da corrupção corporativa, aí inclusos “processos legais, danos à reputação e perda da produtividade”. (RIBEIRO; DINIZ, 2015, p. 94). 26 MENDES; CARVALHO, 2017, p. 35. 27 ANTONIK, 2016. p.103. 28 RIBEIRO; DINIZ, op. cit., p. 94. 29 MENDES; CARVALHO, op. cit., p. 42. 30 Como se verá, alguns mercados de países estrangeiros já exigem a adoção de programas de Compliance pelas empresas.
14
Não obstante isso, quanto ao objeto do presente estudo, e considerando os custos
sociais da corrupção corporativa31, a grande contribuição dos programas de integridade
repousa na concretização da Função Social da Empresa, assim entendida como baliza que
deve pautar a atividade empresarial no sentido de promover a geração de empregos, tributos e
riquezas e contribuir com o desenvolvimento econômico da comunidade em que atua, sem
descuidar da resistência às práticas de abuso do poder econômico e de concorrência desleal.
Note-se que a Função Social da Empresa é um pilar do ordenamento jurídico pátrio
que flexibiliza as atividades dos particulares para condicionar sua legitimidade ao
atendimento de interesses que ultrapassam os individuais, tal qual ocorre com a Função Social
da Propriedade32.
Dá-se especial ênfase neste ponto também porque uma adoção sistemática dos
programas de integridade implica na mudança da cultura negocial e do padrão de
comportamento das empresas de toda uma nação, sendo a rejeição coletiva de atos de
corrupção organizacional vantajosa para todos, ante a melhora reputacional do ambiente
econômico do país e o fortalecimento das instituições democráticas e valores constitucionais.
2.2 HISTÓRICO E PRINCIPAIS DIPLOMAS ESTRANGEIROS SOBRE O TEMA
Apresentadas as noções introdutórias do conceito de compliance, sua função e
importância para a atividade empresarial, faz-se mister tecer alguns comentários a respeito do
histórico do instituto, os principais diplomas estrangeiros sobre o tema e como eles
influenciaram no tratamento dado aos programas de integridade corporativa no Brasil.
Em se tratando de histórico, o primeiro setor da economia que realmente atentou para
o compliance, ainda que inicialmente apenas para as questões de conformidade, foram as
instituições financeiras.
31 Já foi dito que as práticas de corrupção desviam recursos que seriam aplicados em setores como saúde, educação e segurança. Essa afirmação se torna palpável em interessante ferramenta criada pelo portal virtual do jornal Estado de S. Paulo (‘Estadão’), por meio da qual é possível converter os valores indicados em denúncias e notícias de corrupção em quantidades de bens e serviços públicos, caso tivessem sido destinados ao interesse da coletividade. Disponível em: <http://derealpararealidade.com.br/>. Acesso em 26 set. 2017. 32 Facchini Neto informa que este é preceito constitucional consagrado no art. 170, III, que condiciona “a fruição individual do proprietário ao atendimento dos múltiplos interesses não proprietários” (FACCHINI NETO, Eugênio. Comentário ao artigo 170, inciso III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1798-1801).
15
Nessa primeira fase, que há quem defenda ter iniciado já em 1913 com a criação do
Banco Central norte-americano (Federal Reserve)33, as entidades financeiras perceberam a
necessidade de se criar um sistema mais seguro e padronizado, que permitisse maior controle
das instituições bancárias. Por essa razão inseriram gradativamente nos padrões financeiros
internacionais um conjunto de regras mestras e mecanismos de estímulo às boas práticas e à
cooperação.
Isso se viu, por exemplo, com a criação, em 1975, do Comitê de Regulamentação
Bancária e Práticas de Supervisão, também chamado de Comitê da Basileia, como um esforço
dos bancos centrais de países do G-10 de proteger o sistema financeiro internacional mediante
o aprimoramento das práticas de supervisão das instituições financeiras e seu consequente
fortalecimento.34
No entanto, ainda que os primeiros passos do compliance tenham sido com a
valorização dos mecanismos de controle e boas práticas no âmbito das instituições
financeiras, é de se notar que os grandes avanços no instituto se deram com o surgimento de
marcos regulatórios internacionais de viés anticorrupção.
Como visto, a percepção da corrupção como temerária para a ordem econômica não
foi automática, sendo tais práticas, no início, inclusive, compreendidas como elemento
incontornável nas transações econômicas, o que, por conseguinte, deixou os programas de
compliance por muito tempo fora do radar das empresas e das políticas dos Estados.
Sem embargo, em decorrência principalmente dos escândalos Watergate 35 e
Lockheed36, os Estados Unidos se tornaram a primeira nação a efetivamente se preocupar com
os efeitos negativos advindos da improbidade corporativa, editando o chamado Foreign
Corrupt Practices Act (FCPA), ou Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, normativo
federal americano de 1977, que trata especificamente de sanções às práticas de corrupção
estrangeira.
33 TRAPP, 2015. 34 Ibidem. 35O escândalo Watergate não só levou à renúncia do presidente Richard Nixon, mas também revelou que mais de quatrocentas companhias americanas haviam pagado centenas de milhões de dólares em propinas a oficiais de governos estrangeiros para assegurar, via expedientes escusos, a obtenção e manutenção de negócios no exterior. (DEPARTMENT OF JUSTICE; SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION (United States). FCPA: A resource guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act. 2012. 130p. Disponível em: <https://www.justice.gov/sites/default/files/criminal-fraud/legacy/2015/01/16/guide.pdf>. Acesso em: 13 set. 2017) 36O escândalo Lockheed acompanhou a descoberta do pagamento de uma série de propinas milionárias pela empresa de construção de aeronaves de mesmo nome a autoridades de diversos países em troca da compra das máquinas.
16
As descobertas do período expuseram a fragilidade do tratamento dado até então aos
atos dessa natureza nos EUA e ensejaram o reconhecimento de que as práticas de corrupção
corporativa desequilibram o livre mercado, porquanto destroem a premissa básica de que a
livre concorrência se funda na busca de qualidade, eficiência e produtividade pelas empresas.
De fato, as práticas de corrupção corporativa, ao concederem vantagens indevidas
que garantem o lucro de determinado agente sem lastro na excelência, mas em favorecimento,
criam ambiente propício a que os envolvidos se despreocupem com o que oferecem e,
consequentemente, negligenciem a melhoria de seus produtos e serviços. Isso prejudica a
competitividade e o próprio atendimento dos consumidores, ao mesmo tempo em que leva à
ineficiência e instabilidade tanto nos mercados internos, quanto estrangeiros – já que se
estruturam sobre uma premissa de falsa concorrência.
Nessa ótica, buscando recuperar a confiança nos negócios dos Estados Unidos e a
própria integridade financeira das companhias norte-americanas, o FCPA foi aprovado.
Tal normativo foi paradigmático para o compliance anticorrupção, pois além de
proibir práticas de corrupção de autoridades estrangeiras nas negociações comerciais, exigia
que toda empresa sob sua jurisdição mantivesse registros e apresentasse relatórios contábeis
periódicos de seus negócios às autoridades, bem como criasse e mantivesse um sistema
interno de auditoria e controle de suas atividades.
Todavia, destaque-se que a consciência dos males da corrupção, florescida primeiro
nos EUA, não se estendeu automaticamente para os demais países do mundo.
A bem da verdade, imediatamente após a edição do FCPA, as empresas norte-
americanas perderam competitividade nos mercados internacionais, já que estavam limitadas
pelas amarras anticorrupção do normativo, inexistente até então para empresas de outras
nações.
É substancial notar, nessa trilha, a importância da harmonia entre os ordenamentos
jurídicos em matéria anticorrupção e a necessidade de tornar a integridade corporativa
exigência sistemicamente adotada por todos os Estados. Se na década de 1970 a previsão
isolada de normativo anticorrupção já impactou nas transações econômicas das empresas,
com muito mais força isso se observa nos tempos atuais, em que os mercados estão
fortemente interligados e interdependentes em decorrência da globalização.
Nesse sentido, foi justamente na busca por se harmonizar com as diretrizes mais
modernas anticorrupção 37 que, em 2010, o Reino Unido atendeu às recomendações
37 Em março de 2011, pouco antes da entrada em vigor da lei, o Ministério da Justiça britânico publicou guia para melhor compreensão do diploma. Em mensagem introdutória, o então Secretário de Estado para a Justiça
17
internacionais, que desde o FCPA vinham sendo elaboradas, e aprovou o United Kingdom
Anti-Bribery Act (UKBA), outro diploma normativo internacional de grande expressividade
para os programas de integridade corporativa.
Sem embargo do relativo atraso de sua criação, trata-se de lei que, além de
repreender severamente as práticas de corrupção corporativa, vai além da legislação
americana.
Dentre suas principais disposições destacam-se a responsabilização objetiva (strict
liability) dos infratores e, noutro giro, a possibilidade de empresa acusada alegar a existência
de programa de compliance como único argumento de defesa, excluindo a dita
responsabilidade. Conforme se verá, essa disciplina é semelhante à que ocorre atualmente no
Brasil, ante as disposições da Lei n.o 12.846/2013 pátria, que muito se espelhou na lei
britânica.
Todavia, uma das questões mais importantes trazidas pelo UKBA - e que não foi
reproduzida no Brasil - é a caracterização do fracasso das organizações comerciais na
prevenção de práticas de suborno38 (Section 7 - Failure of commercial organisations to
prevent bribery) como uma infração pertencente ao espectro dos ilícitos vergastados no
combate a corrupção. Trata-se, em outras palavras, de verdadeiro reconhecimento da
responsabilidade das empresas, como agentes econômicos e partícipes da sociedade, na
prevenção real dos ilícitos de corrupção organizacional.
Não cumprido esse dever de cautela, a pessoa jurídica será responsabilizada, salvo
se, como visto, alegar que possui um programa de integridade corporativa, ou o que o diploma
britânico chama de “procedimentos adequados” (adequate procedures), escolha vocabular
que provoca algumas reflexões.
A partir da definição trazida pelo dicionário Oxford39, é possível entender que a
noção de “adequateness” ou “adequacy”, (estado ou característica do que é “adequate”),
carregam em si, na língua inglesa, dois sentidos. O primeiro deles é o da adequação como
amoldamento, ajuste ou individualização ao sujeito ou objeto, na concepção de que os
(Secretary of State for Justice) Kenneth Clark revela a importância do diploma na atualização do ordenamento jurídico do país e na sinalização para os parceiros internacionais do Reino Unido de que ele está na vanguarda do combate à corrupção mundial. Disponível em: <http://www.justice.gov.uk/downloads/legislation/bribery-act-2010-guidance.pdf>. Acesso em: 02 set. 2017. 38 Em tradução livre: “Seção 7 – Fracasso de Organização Comercial em Prevenir Suborno - 1) Uma organização comercial relevante (“C”) é culpada do ilícito desta seção se uma pessoa (“A”) associada a “C” suborna outra pessoa com o intuito de: a) obter ou reter negócios para “C”, ou b) obter ou reter vantagem na condução dos negócios para “C”. 2) Mas em sua defesa, “C” pode alegar que adotava procedimentos adequados projetados para prevenir pessoas associadas a “C” de realizar tais condutas”. 39 Disponível em: <https://en.oxforddictionaries.com/definition/adequateness>. Acesso em 28 set. 2017.
18
procedimentos adequados necessariamente serão aqueles pensados para atenderem as
particularidades de cada empresa.
O segundo sentido se reporta à visão teleológica da adequação, que a percebe como
qualidade ou estado daquilo que é apropriado, aceitável ou satisfatório para o alcance do fim a
que se propôs.
Esse segundo sentido, associado ao primeiro, leva à conclusão de que um “adequate
procedure” está intimamente vinculado à efetividade no programa de compliance para que
sua existência seja argumento hábil a excluir a responsabilização da empresa, já que a
efetividade, como visto, está atrelada à individualização e constante atualização dos
mecanismos para que seus objetivos sejam satisfatoriamente alcançados.
Perceba-se que, com isso, a lei britânica cria, indiretamente, a obrigação de combate
a corrupção no seio das empresas mediante a adoção de programas de integridade efetivos,
sob pena de, uma vez configurada irregularidade, não havendo a adoção de compliance, a
entidade responder objetivamente pelo ilícito.
Isso porque a aparente facultatividade na adoção dos programas de integridade pelas
empresas sob sua jurisdição, quando combinada com a responsabilização objetiva da empresa
em caso de fracasso na prevenção de práticas de corrupção corporativa e único argumento de
defesa na existência de compliance, indubitavelmente conduz à adoção deste tipo de
programa.
De fato, considerando os quatro cenários possíveis – i) sucesso na prevenção de
suborno com programa de compliance efetivo; ii) sucesso na prevenção de suborno sem
programa de compliance efetivo (inclusa a completa ausência de programa); iii) fracasso na
prevenção de suborno com programa de compliance efetivo; e iv) fracasso na prevenção de
suborno sem programa de compliance efetivo (inclusa a sua completa ausência) -, apenas dois
interessam ao UKBA, que são a ocorrência de ilícito com (iii) e sem (iv) programa de
integridade adequado.
Não é excessivo acrescentar que a hipótese (i) é o cenário de comportamento das
empresas que se pretende induzir com essa norma, e a hipótese (ii) é situação que se aproxima
do utópico, já que, como visto, as relações empresariais são feitas por pessoas que, em seus
subjetivismos, estão suscetíveis aos desvios de conduta.
Nessa perspectiva, considerando que é excludente de responsabilidade apenas a
existência de “adequate procedures”, somente é punida a ocorrência de ilícito sem programa
de compliance (iv), seja por sua inexistência, seja por sua ineficiência.
19
O que se extrai desse raciocínio é a intenção do diploma normativo britânico em
induzir a adoção dos mecanismo de integridade corporativa pelas empresas. Sabendo que o
cenário (ii) é virtualmente inalcançável e com vistas a evitar a responsabilização por eventual
prática de corrupção organizacional de seus colaboradores, é evidente que as companhias
seguirão na direção da hipótese (i), ou pelo menos, da (iii), caso em que será responsabilizado
apenas o agente da empresa, e não a entidade.
Essa questão será retomada mais à frente, quando analisado o tratamento incompleto
que a Lei n.o 12.846/2013 deu aos programas de integridade corporativa. Por enquanto,
importa deixar sublinhado que a indução britânica é composta por três elementos e isso não se
viu na Lei Anticorrupção Empresarial brasileira.
Evoluindo no sentido da obrigatoriedade da adoção de programas de integridade
pelas empresas privadas, outro normativo que merece destaque é o Sarbanes-Oxley Act
(SOX), lei dos Estados Unidos de 2002 que disciplinou especificamente o mercado de capitais
do país.
O SOX, em suma, impôs a todas as empresas com valores mobiliários registrados
junto à SEC (Securities and Exchange Comission, versão norte americana da CVM40), a
obrigatoriedade na adoção de mecanismos e protocolos de controle, gestão e transparência, de
modo a promover a ampliação da credibilidade das escriturações contábeis das empresas,
prevenir fraudes e fortalecer a confiança no mercado de capitais americano.
Perceba-se que esse tratamento de obrigatoriedade é voltado com mais atenção às
questões contábeis e de escrituração, não diretamente sobre a temática da corrupção que é o
foco deste trabalho.
Não obstante isso, ainda que tenha sido criada especificamente para esse setor41,
também em decorrência de fraudes financeiras envolvendo grandes corporações42 o SOX é
sinal significativo de que, em determinados campos da economia considerados estratégicos,
os programas de compliance devem se estabelecidos como um padrão mínimo para todos.
Mais recentemente, em dezembro de 2016, uma nova lei francesa que entrou em
vigor em junho de 2017 ampliou essa perspectiva ao estabelecer expressamente a
obrigatoriedade da adoção específica de programas de compliance anticorrupção para
determinadas empresas. Trata-se da loi Sapin II, ou Lei Sapin II, que também será abordada
com maior profundida em tópico próprio. 40 Comissão de Valores Mobiliários, autarquia que disciplina e fiscaliza o mercado de capitais brasileiro. 41 Razão pela qual foi mencionada fora da ordem cronológica no presente histórico. 42 A exemplo da Enron, empresa do setor de energia, e da Arthur Andersen, empresa de consultoria, que inclusive foi à falência.
20
Além desses diplomas estrangeiros, os quais revelam a evolução do compliance no
mundo – da busca por padronização e segurança nas instituições financeiras até a imposição
do dever de prevenir práticas de corrupção - destacam-se, por derradeiro, três convenções
internacionais que, por versarem sobre a temática do combate à corrupção, sugerindo a
atuação dos particulares (inclusive empresas) nesse desiderato, fortaleceram a importância
dos programas de integridade corporativa.
As três serão abordadas no capítulo referente à Lei Anticorrupção Empresarial
brasileira, por isso a opção por simplesmente mencioná-las no presente tópico: a Convenção
Interamericana Contra a Corrupção, de 1996; a Convenção sobre o Combate à Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE, de
1997; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003.
No plano nacional, como se verá mais adiante, a temática do compliance foi
definitivamente positivada e estimulada com a edição da Lei n.o 12.846/2013, a chamada “Lei
da Empresa Limpa” ou Lei Anticorrupção Empresarial (LAC).
Bruno Soares Santos Araújo fala em algumas manifestações incipientes anteriores a
esse normativo, a exemplo do artigo 10o, III, da Lei n.o 9.613/199843, antiga Lei da Lavagem
de Dinheiro, que previu a necessidade de adoção de políticas, procedimentos e controles
internos, compatíveis com seu porte e volume de operações para algumas empresas. No
entanto, como se verá, nenhuma delas se compara ao impacto trazido pelo diploma de 2013
no que toca o compliance.
2.3 ELEMENTOS CONSTITUINTES DE UM PROGRAMA DE COMPLIANCE E A
APURAÇÃO DE SUA EFETIVIDADE NO BRASIL
Pelo que foi dito até agora, é inquestionável a importância, nos dias de hoje, da
estruturação apropriada de um programa de integridade corporativa para que seja ferramenta
capaz de evitar as práticas de corrupção organizacional.
Ainda que já tenha sido falado que cada programa de integridade é absolutamente
único, voltado às características de cada empresa e independente de modelos engessados, é
certo que existem linhas mestras, diretrizes ou que se convencionou agora chamar de 43 ARAÚJO, Bruno Soares Santos. A Lei 12.846/13 e os incentivos aos mecanismos de Compliance: uma análise da Lei Federal e seus regulamentos. 2016. 67 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/16263/1/2016_BrunoSoaresSantosAraujo_tcc.pdf>. Acesso em: 27 set. 2017.
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elementos constituintes, de um programa de compliance, que norteiam sua elaboração.
Portanto, eles e os meios adotados pelo ordenamento jurídico brasileiro para apurar a
efetividade de um programa deste tipo serão apresentados.
Inicialmente, deve-se reiterar que um programa de compliance típico se volta para a
prevenção dos ilícitos44 – mediante medidas de controle, mapeamento, gestão e sensibilização
dos componentes da empresa a respeito do dever de fazer o certo, seja ele o que a lei
determina ou o que a moral orienta. No entanto, uma vez praticados atos ilícitos, inclusive os
de corrupção corporativa, também é da competência de um programa de integridade efetivo
identificá-los e remediá-los.
Isso se consegue por meio de uma infinidade de métodos e técnicas, sendo vários os
guias criados e publicados pelos países e instituições no sentido de orientar a adoção do
programa45, com a indicação de elementos que, em regra, funcionam para a maioria das
empresas.
Por pertinência ao direcionamento que se dá ao presente trabalho, serão mencionados
aqueles elementos elencados nos dezesseis incisos do artigo 42 do Decreto n.o 8.420/201546,
em análise combinada ao guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas” 44 GIOVANINI, 2017, p. 460. 45 Cite-se, por exemplo, o “Principles of Federal Prosecution of business Organizations” elaborado pelo D.O.J.; o “U.S. Sentencing Guidelines”, compilado pela USSC; “Guia de Boas Práticas em Controles internos, Ética e Compliance” da OCDE; Guia para o UKBA feito pelo Ministério da Justiça britânico; os “Nove Princípios Empresariais para Combater Corrupção” da Transparência Internacional; e o “Código de Compliance Corporativo: Guia de Melhores Práticas de Compliance no Âmbito Empresarial”, elaborado pelo IBDEE. 46 Decreto n. 8.420/2015 - Art. 42. Para fins do disposto no §4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros: I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa; II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos; III - padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade; VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica; VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões; IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento; X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé; XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade; XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.
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expedido pela CGU47 em setembro de 2015. Essa escolha se justifica porque, além de
bastante completos, os dois documentos contêm os parâmetros considerados pelas autoridades
brasileiras na avaliação da existência e efetividade de compliance.
Nessa senda, da análise combinada dessas duas fontes, é possível identificar cinco
grandes diretrizes para a estruturação de um programa de integridade corporativa, quais
sejam: (i) o comprometimento da alta direção da empresa; (ii) a criação de “setor” específico
de compliance; (iii) o mapeamento do perfil da pessoa jurídica e das zonas de riscos às quais
ela está exposta; (iv) a estruturação de um sistema normativo interno, com a criação de
regulamentos, códigos, treinamento de funcionários, bem como a adoção de instrumentos de
ouvidoria e medidas disciplinares; e (v) o perene aperfeiçoamento das estruturas.
Já no inciso I do art. 42, do Decreto n.o 8.420/2015 está expressa a importância do
comprometimento da alta administração da empresa com o programa de integridade para que
ele tenha sucesso.
Isso evidencia, desde logo, que o suporte da liderança da empresa repercute
sobremaneira na criação da cultura da entidade, principalmente porque a alta administração é
naturalmente seguida – seja por medo, seja por admiração48 - e porque suas ações são vistas
como expressões dos legítimos valores da empresa. Quando a alta direção e aqueles que têm
poder de mando na entidade decidem implementar um programa de integridade, é dado
exemplo do comprometimento com o que ele significa – os valores da empresa, seus objetivos
e o compromisso com a ética e a honestidade nas práticas e relações. Esse é o primeiro passo
para um programa de integridade efetivo.
Destaque-se, no entanto, que o suporte dos ocupantes dos cargos mais altos na
hierarquia da companhia precisa ser contínuo e concreto – não pode ser pontual e nem mero
discurso. Esse comprometimento se materializa tanto com a submissão da alta direção a todas
as regras previstas no código de conduta e regulamentos da empresa, quanto pela opção por
destinar os recursos necessários à consolidação do programa.
Isso porque, no segundo pilar apresentado pela diretriz da Controladoria Geral da
União, está a previsão de criação de um “setor” especificamente responsável pelo programa
de compliance (ii) e, conforme estabelecido no inciso IX do dispositivo regulamentar, dotado
de independência, estrutura e autoridade para aplicá-lo e fiscalizar sua observância pelos
demais – inclusive membros da alta direção.
47 Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf>. Acesso em: 10 set. 2017. 48 GIOVANINI, 2017, p. 460.
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Esse “setor”, no entanto, não precisa ser inchado e nem custoso: a depender do porte
da empresa basta um agente de compliance, desde que dotado de independência, para que o
elemento esteja satisfeito. Na verdade, para este pilar do programa de integridade, o
fundamental é que a estrutura de compliance tenha um responsável – seja setor próprio, seja
um único funcionário - com competência e recursos para concretizar o programa e autoridade
para aplicar sanções quando cabível.
Quanto a esse pilar da estruturação de um programa de integridade, é interessante
perceber também o quanto seu papel é estratégico, e não só porque é diretamente responsável
pela implementação e manutenção do programa.
De fato, seu valor reside – talvez principalmente – no fato de que é essa instância
interna a incumbida de garantir a sustentabilidade do compliance49, considerando-se que o
programa não pode ser tão custoso a ponto de tolher sua adoção pela empresa, devendo seu
responsável torná-lo efetivo utilizando-se apenas dos recursos necessários. Como se verá mais
à frente, a efetividade do programa também está atrelada a que sua adoção seja vista como
interessante para a empresa.
Na terceira coluna de sustentação de um programa de integridade estão o
mapeamento das características da empresa e a identificação dos domínios mais vulneráveis e
suscetíveis aos riscos de corrupção e fraudes (iii). Essa análise é de extrema valia porque
oferece ao responsável de compliance uma visão panorâmica do negócio, expondo as
peculiaridades da empresa como a quantidade de funcionários em cada área, setores de maior
ou menor contato com o Poder Público nacional ou estrangeiro e o perfil das instituições com
as quais realiza operações societárias, por exemplo.
Tal conhecimento permite a tomada de decisões mais conscientes por parte do
responsável pelo compliance, com a gestão eficiente dos riscos, priorização da atuação nos
setores mais vulneráveis, elaboração de sugestões para aumento de produtividade e ainda a
facilitação da elaboração dos mecanismos de prevenção e reparação de ilícitos que
eventualmente ocorram. Essa etapa é, portanto, crucial na individualização do programa de
integridade corporativa e deve ser refeita periodicamente.
Dos incisos do art. 42 do Decreto n.o 8.420/2015, o item XIV exemplifica
perfeitamente as medidas deste terceiro pilar, já que se refere à verificação prévia do
cometimento de irregularidades pelas empresas ou “existência de vulnerabilidades nas
pessoas jurídicas envolvidas” em hipótese de fusão, aquisição ou reestruturação societária.
49 GIOVANINI, 2017, p. 463.
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Além delas, o guia da CGU elenca outras situações que, regra geral, importam risco tais quais
participação em licitações; contratação de ex-agentes públicos; oferecimento de presentes a
agentes públicos e contratação de terceiros, por exemplo.
Traçada a cartografia geral da empresa e identificadas as suas fragilidades, passa-se
ao quarto pilar na estruturação de um programa de integridade, em que está a criação e prática
dos mecanismos mais adequados à necessidade da empresa (iv). Esses são os elementos
constituintes de um programa de integridade que primeiro são associados ao compliance, mas,
como visto, não surgem sozinhos e nem são suficientes em si mesmos.
Dentre alguns mecanismos que surgem nessa etapa estão códigos de conduta que
indiquem claramente os valores da empresa e padrões de comportamento esperado dos
funcionários, em linguagem objetiva e acessível; procedimentos de prevenção e redução de
riscos nas áreas consideradas críticas, inclusive com o estabelecimento de austeros padrões de
registro contábil; ampla divulgação do código e das políticas internas para todos os
funcionários e respectivo treinamento; a criação de canais de denúncia, bem como regras de
proteção aos denunciantes de boa-fé; a previsão clara de aplicação de sanções disciplinares
aplicáveis a todos em caso de descumprimento das normas ou prática de ilícitos; a previsão de
medidas de reparação do ato lesivo causado, inclusive com a comunicação às autoridades
competentes.
Tais normas internas e procedimentos de controle, prevenção, detecção e remediação
são bem ilustrados pelos incisos II, III, IV, VI VIII, X, XI, XII, XVI do já mencionado artigo
42 do decreto regulamentador.
No quinto e último pilar de um programa de integridade robusto, como não poderia
deixar de ser, está a postura de perene revisão dos riscos e das medidas adotadas (v), o que se
justifica pelo dinamismo das relações e características da empresa, bem assim pela
possibilidade de falhas dos mecanismos inicialmente adotados.
Esse pilar deixa claro que um programa de compliance anticorrupção demanda
constante monitoramento e aprimoramento, não podendo de modo algum ser encarado como
construção estática e acabada – até porque, como dito anteriormente, o estado de estar
plenamente compliant50 é um ideal a se a alcançar.
Expostos os pilares norteadores da instalação de um programa de integridade
corporativa robusto e completo, que precisam ser independentes, fortes e interligados, passa-
50 Segundo o Dicionário Oxford, é o estado de quem está em Compliance. Não se traduziu para “conforme” ante os dois sentidos que se atribui ao Compliance no presente estudo, de Conformidade e Integridade. Disponível em: <https://en.oxforddictionaries.com/definition/compliant>. Acesso em: 30 set. 2017.
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se à indicação de como, no ordenamento jurídico brasileiro, é apurada a efetividade do
compliance anticorrupção de uma empresa.
Para tanto, traz-se o que estabelece a Portaria n.o 909/2015, expedida pela CGU,
quanto à avaliação dos compliance anticorrupção das empresas para os fins da Lei da
Empresa Limpa e seu decreto regulamentador.
Da leitura dos artigos da portaria em questão, extrai-se a necessidade de apresentação
de dois relatórios51 pela empresa avaliada – os chamados relatório de perfil e relatório de
conformidade do programa - sendo o primeiro voltado à indicação das características da
entidade e o segundo aos procedimentos e mecanismos por ela adotados em seu programa de
compliance anticorrupção.
A avaliação da robustez do programa considerará, neste roteiro, a comparação desses
dois relatórios, isto é, a adequação dos mecanismos e estruturas de compliance adotados ao
perfil da empresa.
Isso porque, como dito anteriormente, a efetividade do programa de integridade
corporativa, assim entendida como a capacidade que ele tem de satisfatoriamente cumprir
seus objetivos de prevenir, detectar e eventualmente remediar ilícitos de corrupção
corporativa, demanda, no caso concreto, a individualização dos procedimentos adotados pela
entidade às suas peculiaridades, características e riscos da sua atuação. Sem esse
amoldamento e a tomada de medidas pertinentes, devidamente documentadas, o sucesso na
avaliação do programa de integridade da empresa restará comprometida.
É evidente que, na demonstração da compatibilidade entre as demandas específicas
da empresa e os mecanismos adotados, a entidade cujo programa se submete a avaliação deve
demonstrar o que alega nos relatórios52, sob pena de ser considerado inexistente o que não for
comprovado, já que, do contrário, haveria temerária facilitação dos chamados programas de
compliance “de papel”, criados apenas para a obtenção dos benefícios previstos em lei no
caso de sua adoção.
Como se verá no próximo capítulo, de acordo com a Lei n.o 12.846 de 2013, a
existência de um programa de integridade corporativa efetivo promove alguns efeitos para a
pessoa jurídica, os quais serão dosados pela efetividade das medidas de compliance adotadas.
51 Portaria CGU n.o 909/2015 - Art. 2º - Para que seu programa de integridade seja avaliado, a pessoa jurídica deverá apresentar: I - relatório de perfil; e II - relatório de conformidade do programa. 52 Portaria CGU n.o 909/2015 - Art. 4º, §1o: A pessoa jurídica deverá comprovar suas alegações, devendo zelar pela completude, clareza e organização das informações prestadas.
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Neste caminho, é interessante assinalar que a portaria ora analisada, ao estabelecer
como se dará a avaliação de um programa de integridade, acertadamente não estabelece
critério engessado para tanto, o que aconteceria, por exemplo, se exigisse quantidade mínima
de elementos dentre os elencados no artigo 42, do Decreto n.o 8.420/2015. Em escolha
louvável, prezou-se, portanto, pela flexibilidade do método de apreciação da efetividade dos
programas de compliance anticorrupção.
Aliás, para além dos critérios de avaliação efetuados pela administração pública, há
de se atentar que a flexibilização acima apontada também é acertada quando se considera a já
mencionada sustentabilidade de um programa de integridade pela ótica da empresa.
Deveras, da observância dos elementos anteriormente arrolados, ao mesmo tempo
em que um programa de integridade corporativa efetivo exige a conscientização dos
integrantes da instituição, também requer que seja feito certo investimento por parte das
companhias.
Nessa trilha, a partir de um raciocínio simples importado da análise econômica do
direito, pode-se entender que o sucesso de um programa de integridade corporativa, pela
perspectiva da empresa, está intimamente ligado não só à presença dos fatores acima
elencados, mas também – e talvez principalmente – aos custos de sua implantação e de como
o empresariado os encara.
Pela lógica utilitarista de maximização dos lucros e benefícios, os sujeitos que
norteiam as práticas da corporação só adotarão os programas de compliance se a sua adesão
for mais vantajosa do que a prática de ilícitos de corrupção que se pretende evitar53.
Deste modo, ainda que no plano do ideal os programas de integridade devam ser
vistos como uma obrigação moral pelas empresas e, por isso, ser espontaneamente adotados, é
certo que, na prática, ao menos a priori, essa não será a mentalidade dominante no meio
empresarial.
Sem querer adentrar as questões relativas às minúcias dos custos de transação de um
programa de integridade e dos custos de transação da corrupção (o que demandaria análise
aprofundada de teorias de Law and Economics e de gestão de empresas), para o presente
trabalho importa salientar a importância de criação de maior benefício para as empresas na
adoção de programas de integridade como estímulo à efetividade dos programas. 53 Cf. o ensinamento de Ronald H. Coase: “Naturalmente, (...) o aumento do valor do resultado que uma nova constelação de direitos permite precisa ser comparado ao custo de efetuar as transações necessárias para atingir essa nova constelação, e esse arranjo de direitos só será empreendido se o custo das transações necessárias para atingi-lo for menor do que o aumento no valor que tal arranjo permite”. (COASE, Ronald H.. A Firma, o Mercado e o Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2017. (Coleção Paulo Bonavides). p. 13).
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Esse destaque se justifica por se tratar de lógica a indicar um caminho para o papel
do Estado na condução de comportamentos – o que será retomado adiante.
Nessa visão, com o escopo de não engessar o que se concebe por programa de
integridade efetivo, e por evitar definir um custo com o qual o empresariado deva
necessariamente arcar, considera-se acertada a previsão de flexibilidade dos programas de
integridade a serem adotados pelas empresas. Isso não só porque a individualização do
programa contribui para um melhor tratamento das dificuldades específicas de cada entidade,
mas também porque, sem uma “receita de bolo”, as empresas podem adaptar as medidas de
compliance a seus orçamentos54.
Sem embargo do que foi dito até agora, há de se salientar, por fim, um último
elemento de extrema importância para a efetividade dos programas de integridade: a
cooperação dos colaboradores da empresa.
De fato, se é verdade que as entidades adotarão programas de compliance mais
facilmente se os dirigentes entenderem que essa escolha é mais vantajosa para a empresa do
que permanecer em vulnerabilidade perante as práticas de corrupção, também é certo que os
empregados da companhia seguirão as diretrizes do programa se acreditarem que aquilo que
ele estabelece faz sentido e lhes será benéfico.
E isso não se alcança apenas com a noção de responsabilidade social que deve existir
em todos os indivíduos, mas envolve toda a criação de um sentimento de pertencimento dos
sujeitos (pessoa física) àquela pessoa jurídica, sua missão, visão e valores.
Tal engajamento pode ser obtido por meio da valorização dos empregados,
treinamentos periódicos e acessíveis, bem como o estabelecimento de um plano de cargos e
salários objetivo e automático55, por exemplo, que lhes dê perspectiva de futuro e vínculo
pessoal com o crescimento e sucesso da organização.
De toda sorte, ainda que todas essas medidas sejam adotadas, é certo que a
efetividade de um programa de compliance é algo que se afere na análise do caso concreto e,
como visto, não implica necessariamente a extinção definitiva de todos os riscos, os quais
permanecerão enquanto existir atuação humana nas empresas.
54A propósito, em interessante guia para implantação de programas de integridade em empresas de pequeno porte, Joseph E. Murphy sugere uma série de medidas de baixo ou nenhum custo que, ainda assim, garantem programas de integridade efetivos, com gasto previsto de um dólar por dia. Disponível em: <https://www.corporatecompliance.org/Portals/1/PDF/Resources/CEProgramDollarADay-Murphy.pdf>. Acesso em 30 set. 2017. 55 RIBEIRO, DINIZ, 2015, p. 103.
28
3. A DISCIPLINA DADA PELOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS BRASILEIRO E
FRANCÊS AOS PROGRAMAS DE INTEGRIDADE CORPORATIVA
Uma vez pincelados os conceitos iniciais de corrupção corporativa e compliance
anticorrupção, importantes para a compreensão do objeto do presente estudo, passa-se à
apresentação da disciplina dada aos programas de integridade empresarial no Brasil e na
França.
Essa análise se faz necessária para que se tornem perceptíveis algumas diferenças de
tratamento dado ao instituto nos dois países, as quais serão devidamente exploradas em
capítulo posterior.
Neste caminho, os diplomas normativos sob análise serão a Lei n.o 12.846/2013 do
Brasil - também chamada de Lei Anticorrupção Empresarial ou Lei da Empresa Limpa – e a
francesa Lei Sapin II, uma vez que ambas se voltam especificamente para o tratamento da
questão da corrupção corporativa e são os marcos que inseriram previsões relativas ao
compliance em seus respectivos ordenamentos jurídicos. Por pertinência, nessa apresentação,
serão expostos com mais destaque os pontos relativos ao suborno organizacional e aos
programas de integridade, a despeito das outras disposições de cada lei.
Assim, quanto à Lei Anticorrupção Empresarial brasileira serão apresentados seus
antecedentes, fundamento constitucional e natureza jurídica, bem como suas disposições
principais, porquanto o estudo desses elementos permite que se tenha uma visão ampla do
histórico, valores e das medidas utilizadas no Brasil no combate ao malfeito da corrupção.
Apenas após essa análise se chega à disciplina dada pela lei aos programas de
integridade empresarial no país, no que tange a exigência de sua adoção. Um adendo será
feito no tocante ao estágio atual de maturidade do compliance no Brasil.
Por sua vez, na apresentação das disposições da recente lei francesa Sapin II,
descrever-se-á o contexto de criação do diploma na França, a disciplina de obrigatoriedade de
adoção de programas de compliance que ela traz e as outras determinações que decorrem
diretamente dessa escolha legislativa. Passe-se, pois, à análise.
3.1 A LEI ANTICORRUPÇÃO EMPRESARIAL DO BRASIL - LEI N.o 12.846/2013
29
A Lei n.o 12.846/201356, também chamada de “Lei Anticorrupção Empresarial” ou
“Lei da Empresa Limpa”, é objeto deste trabalho porquanto aborda a temática do combate à
corrupção a partir da ótica da iniciativa privada, isto é, a partir da punição - e inibição - de
práticas de corrupção praticadas por Pessoa Jurídica de Direito Privado, em prejuízo da
Administração Pública nacional e estrangeira.
Trata-se de distinção que deve ser feita desde logo, uma vez que, antes da
promulgação da Lei n.o 12.846 de 2013, já havia, no Brasil, disciplina normativa a respeito de
atos de corrupção praticados por pessoas físicas, sejam elas particulares ou agentes públicos, a
exemplo das disposições do Título XI do Código Penal (“Dos Crimes Contra a Administração
Pública”) e a própria Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.o 8.429/1992).
Não existia, no entanto, previsão normativa sancionatória especificamente
direcionada para as Pessoas Jurídicas corruptoras, seja porque o foco estava voltado ao Estado
corrupto, seja porque concentrava a punição na pessoa física corruptora.
Sanando a lacuna que existia no ordenamento brasileiro, foi aprovada a Lei da
Empresa Limpa, importante ferramenta de combate às temerárias práticas de corrupção
organizacional57, seja porque inseriu as pessoas jurídicas corruptoras no radar dos órgãos que
sancionam práticas de corrupção, seja porque inseriu - de maneira definitiva - no ordenamento
jurídico brasileiro, os programas de compliance anticorrupção.
Portanto, o foco deste tópico será dado às questões decorrentes da disciplina trazida
pela Lei n.o 12.846 de 2013 (associado ao Decreto n.o 8.420/2015, que a regulamenta) quanto
à responsabilização das pessoas jurídicas por práticas de corrupção, dando destaque,
principalmente, à inovação trazida pela norma na responsabilização objetiva das empresas e
ao estimular à adoção de Programas de Integridade que auxiliem na prevenção, detecção e
remediação destes desvios de conduta.
Antes, no entanto, é interessante verificar os antecedentes da lei brasileira, bem como
o fundamento constitucional e natureza jurídica do diploma, para que se entenda o contexto
de sua criação e os valores que o normativo resguarda.
3.1.1 Antecedentes
56 Com entrada em vigor em 2014. 57 As nefastas repercussões da corrupção corporativa já foram apontadas anteriormente, mas serão retomadas mais adiante, principalmente quanto ao dano impingido à Ordem Econômica e ao Direito Fundamental à Probidade Administrativa.
30
A Lei n.o 12.846/2013, ainda que não sozinha 58 , representou uma rápida e
significativa resposta do Congresso Nacional brasileiro às manifestações de junho de 2013.
As passeatas, incialmente movidas pela insatisfação popular com o aumento do valor das
passagens de ônibus na cidade de São Paulo, rapidamente se espalharam por diversas capitais
brasileiras e ampliaram o rol de reivindicações para temas como a qualidade na prestação dos
serviços públicos de saúde e educação e, ainda, a questão da corrupção.
Não obstante isso, mesmo que não se possa negar que os referidos protestos foram,
se não o maior, um grande gatilho propulsor da rápida transformação do então PL n.
6.826/2010 na atual Lei Anticorrupção Empresarial, há de se destacar que vários outros
antecedentes ensejaram a aprovação desta lei, dentre os quais a já mencionada carência de
uma disciplina legal no ordenamento pátrio de específica responsabilização das pessoas
jurídicas que praticam atos de corrupção.
De fato, havia muito tempo que um regramento específico para a sanção de pessoas
jurídicas corruptoras se fazia necessário no Brasil, principalmente após a redemocratização
consolidada pela Constituição Federal de 1988 e a abertura econômica ocorrida na década de
199059.
Neste ponto, a Carta Magna de 1988 inaugurou ordem jurídica na qual surgiram
diversos diplomas normativos que tratavam do combate à corrupção nas esferas civil e
administrativa, a exemplo da aludida Lei de Improbidade Administrativa e da Lei de
Licitações – o que é passo interessante porque, até então, as rejeição do ordenamento jurídico
brasileiro à corrupção tinha sempre cunho penal60.
Por sua vez, a abertura econômica da década de 1990, que inseriu o Brasil de
maneira consistente no mercado internacional61, deu origem à necessidade de inovadora
disciplina jurídica, destinada a garantir a ética empresarial do novo momento econômico do
58 Felipe P. Braga Netto afirma que as manifestações de Junho/2013 ensejaram ainda outras respostas legislativas: “Em junho de 2013, em questão de dias, diante do notável aumento da presença da população nas manifestações de rua, o Congresso Nacional: a) rejeitou – por esmagadora maioria, de 430 votos conta apenas 7 favoráveis, - a PEC 37, que retirava poderes investigatórios do Ministério Público (o que, frise-se, até poucos dias antes gozava de larga aceitação dentre os parlamentares); b) destinou expressivos royalties do petróleo para a saúde e educação (o Congresso alterou a proposta do Executivo – que propunha destinar 100% dos royalties para a educação – destinando-os 75% para a educação e 25% para a saúde); c) incluiu a corrupção no rol dos crimes hediondos”. (NETTO, Felipe P. Braga. Uma nova hipótese de responsabilidade objetiva na ordem jurídica brasileira? O Estado como vítima de atos lesivos In: SOUZA, Jorge Munhós de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Coord.). Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. Salvador: Editora Juspodivm, 2017, p. 23). 59 TRAPP, 2015. 60 Ibidem. 61 Mediante significativas reformas legislativas “que promoveram mudanças estruturais – como a abertura de setores para a iniciativa privada e a privatização de empresas estatais – visando a adoção de um modelo compatível com aquele praticado por economias mais maduras” (MENDES; CARVALHO, 2017, p. 26).
31
país, considerando que até aquele momento não existiam grandes mercados a se regular e nem
pressão estrangeira para que fosse estabelecido um ambiente empresarial estável e
moralmente controlável62, compatível à nova realidade econômica.
Neste cenário, inclusive, é criada a Lei n.o 8.884/1994, que dá os primeiros passos na
estruturação de ambiente de defesa da concorrência no país ao tornar o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) uma autarquia e dispor sobre a prevenção e
repressão às infrações contra a ordem econômica, mais tarde substituída pela Lei n.o 12.529
de 2011, que efetivamente estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
(SBDC)63.
Além da Constituição Federal de 1988 e da inserção brasileira no mercado
internacional, também tiveram grande influência na elaboração da Lei n.o 12.846/2013 as
convenções internacionais relativas à questão da corrupção das quais o Brasil fora signatário –
sendo as três de maior relevo para o presente estudo64 a seguir apresentadas.
A primeira delas foi a Convenção Interamericana Contra a Corrupção, ocorrida em
Caracas no ano de 1996 e incorporada ao ordenamento jurídico pátrio apenas em 2002 com o
Decreto n.o 4.410. Deste diploma, alguns pontos merecem destaque.
Além de a convenção definir em rol exemplificativo as práticas consideradas atos de
corrupção, há a assunção, por parte dos países signatários, do compromisso de envidar todos
os esforços para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções
públicas e nos atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.
No entanto, a principal contribuição desta convenção da OEA está no compromisso
firmado pelo Brasil, como signatário, de aplicar em seu ordenamento jurídico medidas que
impeçam o suborno de funcionários públicos nacionais e estrangeiros, notadamente
mecanismos para garantir que as sociedades mercantis e outros tipos de associações
mantenham registros que, com razoável nível de detalhe, reflitam com exatidão a aquisição e
alienação de ativos e mantenham controles contábeis internos que permitam aos funcionários
da empresa detectarem a ocorrência de atos de corrupção.
62 RIBEIRO; DINIZ, 2015, p. 103. 63 Lei 12.529/2011 - Art. 1o. Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. 64 Por uma escolha de pertinência temática, optou-se por não abordar a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo de 2000, incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto n.o 5.015/2004, que aborda a corrupção sob o aspecto penal, e não civil e administrativo como o fazem os demais tratados.
32
Vê-se, pois, germinar no ordenamento jurídico pátrio, com a ratificação desta
convenção, a noção de necessidade de adoção de medidas inibitórias às práticas de corrupção
dentro das próprias empresas. A segunda pactuação internacional cujo destaque é relevante neste estudo é a
Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em
Transações Comerciais Internacionais, da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), realizada em Paris, em 1997, e incorporada ao ordenamento jurídico
brasileiro pelo Decreto n.o 3.678/2000.
De início, este diploma repercutiu no direito brasileiro apenas em matéria criminal,
visto que, em seu artigo 1o, orientava seus signatários a incluir nas legislações criminais
respectivas um tipo penal específico para o delito de corrupção de funcionários estrangeiros.
Isso foi efetivado, no Brasil, com a edição da Lei n.o 10.467 de 2002, que inseriu o
capítulo II-A no Código Penal (“Dos Crimes Praticados por Particular contra a Administração
Pública Estrangeira”), definiu o conceito de funcionário público estrangeiro (art. 337-D) e
incluiu os crimes de ‘Corrupção Ativa em transação comercial internacional’ (art. 337-B) e
‘Tráfico de Influência em transação comercial internacional’ (art. 337-C) no rol dos “Crimes
Contra a Administração Pública” (Título XI).
Não obstante isso, a disposição da convenção da OCDE sobre o Combate à
Corrupção de Funcionário Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais
que repercutiu na Lei n.o 12.846/2013 está disposta em seu artigo 2 e no item 2 de seu artigo
3.
Nesses dispositivos o instrumento internacional previu a necessidade de cada país
signatário acrescentar a seus respectivos ordenamentos jurídicos um “mecanismo de
responsabilização de pessoas jurídicas” pela corrupção de funcionários públicos estrangeiros,
se não mediante a edição de tipos penais, ao menos por meio de “sanções não-criminais
efetivas”, incluindo sanções financeiras, que sejam proporcionais e que desestimulem a
ocorrência de práticas de corrupção de agentes públicos estrangeiros, o que não existia no
Brasil à época da assinatura do documento.
Ademais, a terceira e última convenção internacional abordada no presente tópico é a
Convenção de Mérida, também chamada de Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 31 de outubro 2003 e incorporada aos
diplomas normativos brasileiros por meio do Decreto n. o 5.687/2006.
Essa pactuação representou, dentre outros pontos, o compromisso assumido
internacionalmente pelo Brasil de implementar em sua legislação interna “medidas para
33
prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria no setor privado” e prever
“sanções civis, administrativas ou penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas em caso de
não cumprimento dessas medidas” pelo setor privado, conforme estabelece o art. 12,
parágrafo 1o do diploma.
A responsabilização de pessoas jurídicas corruptoras também veio prevista, desta vez
no artigo 2665 do diploma, o que enfatizou ainda mais a necessidade de uma disciplina de
responsabilização de empresas no Brasil.
Não obstante isso, ainda merece destaque o que foi previsto no parágrafo 2o do
Artigo 12 da convenção, que traz uma série de medidas a serem adotadas para que se combata
a corrupção no setor privado, dentre as quais destacam-se os itens “b”, “c” e “f”66.
Tais itens foram salientados porque, ainda que exemplificativos, remetem com
nitidez à necessidade de uma atuação positiva dos Estados signatários no combate à
corrupção no setor privado, seja na formulação de normas e procedimentos e na promoção da
transparência em entidades privadas, seja fiscalizando a manutenção de estruturas de
controles contábeis internos que auxiliem na prevenção e detecção de atos de corrupção.
Portanto, tendo assinado a Convenção de Mérida, o Estado brasileiro não só se
comprometeu a responsabilizar as pessoas jurídicas corruptoras, mas também, e
principalmente, a implementar regramentos que efetivamente induzam as empresas privadas,
“tendo em conta a sua estrutura e tamanho”, a terem mecanismos de combate à corrupção.
Os mecanismos de prevenção à corrupção aos quais o dispositivo se refere são, como
visto em tópico anterior, os programas de compliance anticorrupção adotados pelas empresas.
Isso permite que se chegue à conclusão de que, já na Convenção de Mérida, havia
65Artigo 26 - Responsabilidade das pessoas jurídicas - 1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em consonância com seus princípios jurídicos, a fim de estabelecer a responsabilidade de pessoas jurídicas por sua participação nos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 2. Sujeito aos princípios jurídicos do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser de índole penal, civil ou administrativa. 3. Tal responsabilidade existirá sem prejuízo à responsabilidade penal que incumba às pessoas físicas que tenham cometido os delitos. 4. Cada Estado Parte velará em particular para que se imponham sanções penais ou não-penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas jurídicas consideradas responsáveis de acordo com o presente Artigo. 66 Artigo 12 – SETOR PRIVADO - 2. As medidas que se adotem para alcançar esses fins poderão consistir, entre outras coisas, em: (...) b) Promover a formulação de normas e procedimentos com o objetivo de salvaguardar a integridade das entidades privadas pertinentes, incluídos códigos de conduta para o correto, honroso e devido exercício das atividades comerciais e de todas as profissões pertinentes e para a prevenção de conflitos de interesses, assim como para a promoção do uso de boas práticas comerciais entre as empresas e as relações contratuais das empresas com o Estado; c) Promover a transparência entre entidades privadas, incluídas, quando proceder, medidas relativas à identificação das pessoas jurídicas e físicas envolvidas no estabelecimento e na gestão de empresas; (...) f) Velar para que as empresas privadas, tendo em conta sua estrutura e tamanho, disponham de suficientes controles contábeis internos para ajudar a prevenir e detectar os atos de corrupção e para que as contas e os estados financeiros requeridos dessas empresas privadas estejam sujeitos a procedimentos apropriados de auditoria e certificação; (grifos acrescidos).
34
compromisso de indução a implementação de práticas deste tipo no Brasil, já sendo
demonstrado, desde antes da criação da Lei Anticorrupção Empresarial, o reconhecimento da
compatibilidade do compliance com o ordenamento jurídico pátrio.
Em acréscimo aos fatores elencados até agora, hão de ser destacados, ainda como
antecedentes, os diplomas estrangeiros que, anteriores à Lei n.o 12.846/2013, já previam a
responsabilização das pessoas jurídicas em caso de práticas de corrupção e serviram de
modelo à lei pátria. Trata-se dos já mencionados Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) de
1977 e United Kingdom Anti-bribery Act (UKBA), de 2010.
Neste ponto, é pertinente sublinhar a influência das legislações estrangeiras sobre a
disciplina dada, no Brasil, à questão da responsabilização das pessoas jurídicas em casos de
prática de corrupção porque, conforme se verá, o Estado brasileiro, quando positivou sua
própria lei, reproduziu em grande parte o que diziam os normativos alienígenas, o que é
tendência bastante relevante para o presente estudo.
Assim, aliados, os antecedentes elencados fizeram com que, em 1o de agosto de
2013, fosse aprovada a Lei Anticorrupção Empresarial, disciplinando pela primeira vez, no
Brasil, a questão da corrupção corporativa.
3.1.2 Natureza Jurídica e Fundamento Constitucional
Passado o estudo dos antecedentes à Lei n.o 12.846/2013, é pertinente apresentar a
natureza jurídica, bem como o fundamento constitucional de validade do referido diploma.
Assim, no que toca a natureza jurídica da Lei Anticorrupção Empresarial, cujo
apontamento é de grande importância para melhor compreender o normativo67, tem-se o que
segue.
Segundo o artigo 1o da Lei Anticorrupção Empresarial (LAC), o diploma dispõe
sobre a responsabilização objetiva, civil e administrativa de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Tais atos são elencados no artigo
5o da referida lei e, em suma, são ilícitos entendidos como manifestação de corrupção
67 Sobre a natureza jurídica de um instituto do direito, ensina Maurício Godinho Delgado: “Consiste em se apreenderem os elementos fundamentais que integram sua composição específica, contrapondo-os, em seguida, ao conjunto mais próximo de figuras jurídicas (ou de segmentos jurídicos), de modo a classificar o instituto enfocado no universo de figuras existentes no Direito. É “atividade lógica de classificação”, pela qual se integra determinada figura jurídica no conjunto mais próximo de figuras existentes no universo do Direito, mediante a identificação e cotejo de seus elementos constitutivos fundamentais” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTr. 2015, p. 74-75).
35
corporativa, ou a ela equiparados. Essa seleção de ilícitos aponta o foco da lei para a sanção
da empresa corruptora, sendo o Estado tratado como vítima.
Destaque-se, por oportuno, que, embora tenha havido sugestões em tratados
internacionais assinados pelo Brasil68 e já apresentados neste trabalho como antecedentes que
levaram à edição da referida lei, a LAC não disciplina qualquer sanção de natureza penal para
as pessoas jurídicas no caso de práticas de corrupção, permanecendo, no ordenamento jurídico
pátrio, a limitação das hipóteses de responsabilização criminal de pessoas morais aos casos de
cometimento de crimes ambientais69.
Isso porque, como se sabe, em atenção ao princípio e garantia fundamental da
legalidade, constitucionalmente previsto no artigo 5o, inciso XXXIX e, com a mesma redação,
também o artigo 1o do Código Penal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal”. Considerando que não há qualquer previsão de responsabilidade
penal para as pessoas jurídicas em caso de cometimento de ilícitos contra a administração
pública no ordenamento, sua responsabilização se dará, por opção legislativa, apenas nos
âmbitos civil e administrativo.
Sobre essa escolha por adotar apenas por sanções extrapenais para as pessoas
jurídicas, a doutrina ensina que se tratou de preferência legislativa pela efetividade, já que o
legislador percebeu que o direito penal encontra limitações na sua capacidade de punição de
pessoas jurídicas, e prever uma sanção penal levantaria demasiada resistência doutrinária,
principalmente combinando a sanção criminal com a responsabilidade objetiva70.
Considerando-se que a responsabilização criminal de um sujeito (pessoa física ou
jurídica) deve ser entendida como ultima ratio e que havia previsão de sanções de natureza
civil e administrativa para os ilícitos de corrupção corporativa no então projeto de Lei n.o
6.826/2010; considerando também que as pessoas jurídicas não podem, por impossibilidade
física, se submeter à típica sanção penal de restrição de liberdade, acredita-se que foi acertada
a delineação feita pelo legislador.
A isso, some-se que a aprovação da referida lei contemplando em seu rol sanções
penais à pessoa jurídica, graças à já mencionada celeuma doutrinária, exigiria maiores
discussões legislativas, as quais levariam mais tempo do que o disponível para a sua 68 A exemplo da já mencionada Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionário Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, que orienta a criação de mecanismos de responsabilização de pessoas jurídicas de natureza criminal e “não-criminal” (artigo 3), a depender do sistema jurídico. 69 Possibilidades expressamente previstas no art. 225, da Constituição Federal e no art. 3o da Lei 9.605/1998. 70 SOUZA, Jorge Munhós de. Responsabilização Administrativa na Lei Anticorrupção. In: SOUZA, QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Coord.). Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. P. 191.
36
aprovação – ante o cenário de urgência trazido pelas manifestações populares de junho de
2013.
Nesta perspectiva de disciplina não-criminal de pessoas jurídicas corruptoras, há de
se acrescentar o que afirma Ronaldo Pinheiro de Queiroz, para quem a Lei n.o 12.846/2013 se
insere em “verdadeiro microssistema anticorrupção, o qual abrange desde a Constituição da
República até as normas internacionais (devidamente incorporadas ao direito pátrio) e leis
específicas sobre o tema” 71.
Trata-se, pois, de diploma normativo de natureza jurídica evidentemente
sancionadora, não-criminal, que, em realidade, não pertencente a um único ramo do direito,
porquanto apresenta elementos dos domínios administrativo e civil, ao mesmo tempo em que,
ao se voltar à sanção de pessoas jurídicas, principalmente às empresas, disciplina
responsabilização que se relaciona também com o direito empresarial.
Essa inserção da Lei da Empresa Limpa em “microssistema anticorrupção”, segundo
Rogério Sanches Cunha e Renee Souza72, daria ao diploma normativo fundamento de
validade em duas previsões constitucionais: no chamado Direito Fundamental à Probidade
Administrativa e na Função Social da Propriedade, que lastreia a Função Social da Empresa.
A eles, o presente estudo acrescenta e enfatiza o fundamento constitucional da Livre
Iniciativa, disposto no artigo 1o, IV, da Constituição Federal.
No entanto, antes de adentrar nos fundamentos propriamente ditos, cabe assinalar
que a identificação de fundamento constitucional de validade de qualquer instituto jurídico se
justifica em atenção à supremacia da Constituição73, que vigora em nosso ordenamento, bem
como à constitucionalização do direito74.
71 QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Responsabilização Judicial da Pessoa Jurídica na Lei Anticorrupção. In: SOUZA, QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Coord.). Lei Anticorrupção e Temas de Compliance. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. p. 576-577. 72 CUNHA; SOUZA, 2017. P.24. 73 Nos dizeres de José Afonso da Silva, “Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legitimados na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores. 2013. p. 47). 74 Para Luís Roberto Barroso, trata-se de fenômeno distinto da Supremacia da Constituição: “A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares”. (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art04102005.htm>. Acesso em: 17 set. 2017).
37
O fundamento constitucional de validade de um dispositivo jurídico seria justamente
seu lastro na Carta Magna, o que, neste estudo, significa o conjunto dos valores
constitucionalmente protegidos que justificam e legitimam a edição da Lei n.o 12.846/2013 e,
portanto, constituem informação de bastante relevância para a correta compreensão do
espírito por trás da regra sob análise.
Mais à frente esses valores constitucionais serão retomados, já que, na análise da
obrigatoriedade de um programa de integridade corporativa, por se tratar de criação de
imposição estatal, deve-se sopesar a intervenção do Estado nas liberdades dos indivíduos, em
contraposição aos bens jurídicos que se pretende proteger com essa obrigatoriedade.
Com isto em mente, o primeiro fundamento apontado é o já mencionado “Direito
Fundamental à Probidade Administrativa”, previsto no parágrafo 4o do artigo 37 da
Constituição Federal75. Este dispositivo constitucional revela a base do regime jurídico-
administrativo brasileiro e autoriza a existência do direito administrativo sancionador, na
hipótese de sua inobservância.
Destaque-se que as previsões contidas no artigo 37, §4o da Constituição Federal,
muitas vezes são associadas apenas à Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.o 8.429/1992)
e à disciplina dos agentes públicos.
No entanto, as previsões desse dispositivo, em realidade, orientam a moralidade e a
probidade administrativas de todos aqueles que se inserem no conceito de agente público mas,
ainda, aos particulares que mantêm vínculos jurídicos com o poder público, ou com o Estado
prestador de serviços públicos, direta ou indiretamente76. Essa vinculação do particular cria o
dever de moralidade e de rejeição às práticas de corrupção também no âmbito das pessoas
jurídicas, sejam elas entidades que interagem com o poder público ou que exercem atividades
de caráter público.
Não fosse só isso, Rogério Sanches Cunha e Renee Souza, fazendo referência a
Robert Alexy, ensinam que a grande maioria dos direitos são princípios, o que autoriza a
percepção de que os valores constitucionais do artigo 37, §4o, se equiparam a direitos
fundamentais, ou aquilo que os autores chamam de “Direito Fundamental à Probidade
Administrativa”77.
75 Constituição Federal - Art. 37. §4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. 76 FIGUEIREDO, Marcelo. Comentário ao artigo 37, parágrafo quarto. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 894-902. 77 CUNHA; SOUZA, 2017. P. 23.
38
Esse entendimento de que o artigo 37, §4o, da Constituição consagra o “Direito
Fundamental à Probidade Administrativa”, por conseguinte, permite que a ele se aplique o
dever de manutenção da probidade administrativa nas relações dos particulares, ante o efeito
horizontal dos direitos fundamentais78, o que se vê com clareza nas disposições da Lei
Anticorrupção Empresarial, voltada à disciplina de combate à corrupção corporativa, isto é,
aquela feita pelos particulares.
A bem da verdade, em determinados ilícitos previstos pela Lei n.o 12.846/2013, afora
a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sendo o Estado colocado como vítima das
condutas dos particulares corruptores, é como se também existisse uma espécie de “eficácia
vertical inversa” dos direitos fundamentais, já que, com o Direito Fundamental à Probidade
Administrativa, estar-se-ia defendendo a administração pública (Estado) dos abusos
perpetrados pelas pessoas jurídicas corruptoras (particulares).
Além deste fundamento constitucional, Cunha e Souza destacam a Função Social da
Empresa, decorrente da Função Social da Propriedade (artigo 170, III, da Carta Maior) como
outra disposição constitucional que agasalha a Lei da Empresa Limpa.
No entanto, como visto, acredita-se que a Função Social da Propriedade não é o
único componente da ordem econômica tutelado pela Lei n.o 12.846/2013 – a própria Livre
Iniciativa também é protegida.
Deveras, sabe-se que os princípios constitucionais da ordem econômica, inseridos
nos incisos do artigo 170 do Texto Maior, não configuram fins em si mesmos, devendo ser
lidos e aplicados como ferramentas para a consecução dos desígnios apontados no caput do
referido dispositivo, qual seja, o de “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social”.
Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que os princípios da atividade econômica a
modelam, devem estar compatibilizados com os demais valores constitucionais, notadamente
a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF) e a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária (art. 3o, I, CF), de modo a garantir que as práticas econômicas se direcionem no
sentido de concretizar estes que são, respectivamente fundamento e objetivo da República
Federativa do Brasil. 78 Em linhas gerais, o efeito horizontal dos direitos fundamentais pode ser entendido como ideia de origem doutrinária e jurisprudencial que defende a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares. Essa construção é interessante porque os direitos fundamentais a priori tinham a função única de resguardar os interesses dos particulares perante o Estado (contra violações e abusos perpetrados aos direitos dos indivíduos), em relação de eficácia vertical, ante a posição de dominância do Estado. Com a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, eles passam a ser oponíveis a terceiros, projetando-se nas relações entre os particulares. (DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Editora Atlas, 2012).
39
Dito isso, tem-se que a Função Social da Empresa e da Propriedade devem ser
entendidas como preceitos que condicionam “a fruição individual do proprietário ao
atendimento dos múltiplos interesses não proprietários”79, flexibilizando a percepção e a
utilização da propriedade pelo particular, para condicionar sua legitimidade ao atendimento de
interesses para além dos individuais.
Quando se fala de pessoas jurídicas, mais precisamente das empresas, principais
destinatárias da LAC, isso se traduz na obrigação de um agir ético, pautado pela moralidade e
condutas compatíveis com interesses da sociedade, e não apenas de lucro.
Não é demasiado lembrar que a sociedade tem interesse direto na inocorrência de
práticas de corrupção corporativa, que, como visto recentemente em operações como a Lava-
Jato80, dentre outros ilícitos, ocasiona desvios de verbas públicas, fraudes fiscais e em
licitações e concede benesses indevidas decorrentes de tráfico de influência81. Essas práticas,
além de reduzirem os recursos públicos disponíveis para atender os interesses da população,
também causam desequilíbrios na própria ordem econômica.
De fato, aí está a pertinência da Lei Anticorrupção Empresarial para o terceiro
fundamento constitucional apontado neste trabalho: não se pode falar na concretização da
Livre Iniciativa tal qual prevista na Carta Magna em um ambiente econômico contaminado
por práticas de corrupção corporativa.
Em realidade, de acordo com Cláudio Mascarenhas Brandão82, a livre iniciativa
vigente no Brasil não diz respeito, simplesmente, à adoção do sistema econômico liberal-
capitalista.
Ao estabelecer a livre iniciativa ao lado do valor social do trabalho como
fundamento da República no mesmo inciso IV83 do artigo 1o, a Constituição aponta o valor
79 FACCHINI NETO, Eugênio. Comentário ao artigo 170, inciso III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1798-1801. 80 Segundo o Ministério Público Federal, Operação Lava-Jato é o nome por meio do qual como ficou conhecido o conjunto de investigações, iniciadas em março de 2014, perante a Justiça Federal em Curitiba, na qual “foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio.” A partir dessas investigações, o Ministério Público Federal recolheu provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras, maior empresa estatal do país. A Operação Lava-Jato foi premiada pela Transparência Internacional, organização não-governamental que busca promover o combate à corrupção no mundo, com o Anti-Corruption Award de 2016, por seu combate ao que chamou de um dos maiores escândalos de corrupção do mundo. Disponível em: <https://www.transparency.org/getinvolved/awardwinner/operation_car_wash_task_force>. Acesso em: 08 set. 2017. 81 MENDES, CARVALHO, 2017, p. 24. 82 BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Comentário ao artigo 1o, inciso IV. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 128-132.
40
social da livre iniciativa, compreensão que insere nesta liberdade diversos outros valores
sociais, dentre os quais i) a igualdade, tanto de oportunidade, quanto de participação
econômica e social; ii) a livre concorrência, com vistas a impedir o abuso do poder
econômico; iii) a proteção aos consumidores, como objetivo de equilibrar a posição de
desigualdade diante do fornecedor; e iv) o desenvolvimento sustentável, hábil a aproximar
meio ambiente do desenvolvimento econômico e qualidade de vida das gerações presentes e
futuras.
Sendo essa a visão de livre iniciativa pátria, ainda que o Brasil tenha efetivamente
adotado modelo de economia de mercado, isso não exclui em absoluto a possibilidade de
intervenção do Estado no domínio econômico, via regulação, para corrigir eventuais
distorções, desde que essas intervenções se mostrem compatíveis com os valores e limites
estabelecidos no próprio texto constitucional84.
E a corrupção corporativa deve ser entendida como uma das distorções que ensejam
a intervenção estatal no domínio econômico, porquanto é prática que, quando exercida pelos
agentes econômicos – a exemplo das empresas - lesa interesses sociais constitucionalmente
protegidos, vide os preâmbulos das convenções internacionais mencionadas no tópico
anterior85.
Ressalte-se, neste ponto, a grande interseção que existe entre o combate à corrupção
e a defesa da livre iniciativa e livre concorrência.
Nas palavras de Francisco Schertel Mendes e Vinícius Marques de Carvalho, não
raro se percebe que sistemas duradouros e consolidados de corrupção estão ligados com a
prática de atos anticompetitivos, principalmente por meio da alocação de fatias do mercado
entre os concorrentes a partir da organização de cartéis86 e outros esquemas que fraudam as
dinâmicas competitivas.
83 Constituição Federal - Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. 84 BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luis Roberto. Comentários ao artigo 1o, inciso IV In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 133-135. 85Convenção Interamericana de Combate à Corrupção - “Preâmbulo - OS ESTADOS MEMBROS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, (...) PERSUADIDOS de que o combate à corrupção reforça as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e deterioração da moral social; (...) CONVIERAM em assinar a seguinte CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO”. No mesmo sentido, a Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionário Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais: “Preâmbulo - As Partes, Considerando que a corrupção é um fenômeno difundido nas Transações Comerciais Internacionais, incluindo o comércio e o investimento, que desperta sérias preocupações morais e políticas, abala a boa governança e o desenvolvimento econômico, e distorce as condições internacionais de competitividade; (...) Acordam o que se segue:”. 86 MENDES; CARVALHO, 2017. p. 29.
41
Conforme será retomado mais adiante, dessa conexão que existe entre as práticas de
corrupção corporativa e os atos anticompetitivos, pode-se concluir sem maiores esforços
mentais que esta espécie de corrupção é particularmente ofensiva à ordem econômica.
Neste espeque, cabe acrescentar que o próprio art. 174, da CF, ao versar sobre a
função regulatória do Estado87, também sustenta esse entendimento, já que autoriza o Estado
a “exigir das empresas alguns comportamentos, sempre acessórios a suas atividades principais
– via de regra consequências lógicas de seu exercício -, que contribuam para realizar o
interesse público”88.
Perceba-se que a Lei Anticorrupção Empresarial responsabiliza as pessoas jurídicas
por ilícitos de corrupção corporativa, ofensivos à administração pública mas igualmente
temerários ao interesse da sociedade em geral e da ordem econômica, o que inibe diretamente
a prática de tais atos. Mais do que isso, a Lei Anticorrupção Empresarial, mediante a
positivação do estímulo à adoção de programas de integridade corporativa pelas empresas,
induz os agentes econômicos a efetivamente caminharem em sentido contrário a este tipo de
comportamento, em clara manifestação de regulação da atividade econômica.
O que se defende neste ponto, portanto, é o reconhecimento de que as práticas de
corrupção corporativa - incluindo suborno, tráfico de influência e semelhantes, ao conferirem
aos corruptores vantagens econômicas indevidas: i) desequilibram as dinâmicas econômicas,
já que interferem na igualdade de condições entre os agentes econômicos e reduzem a
preocupação com a máxima eficiência para manutenção da competitividade (artificialmente
mantida por benesses indevidas); e ii) prejudicam interesses sociais, já que ensejam, dentre
outros, desvios de verbas públicas, fraudes fiscais e fraudes em licitações, de modo a
patrocinar indivíduos em detrimento do interesse público.
Isso afronta o valor social da livre iniciativa, que, como visto, só subsiste em sua
plenitude em condições de igualdade, livre concorrência, proteção ao consumidor e
desenvolvimento sustentável – o que é incompatível com um sistema corrompido de
concessão de benefícios a particulares mediante a troca de vantagens por vias escusas.
É nessa perspectiva, e com este lastro constitucional, que surge a Lei da Empresa
Limpa, inibindo práticas de corrupção corporativa por meio da responsabilização civil e 87Para Alexandre Santos de Aragão “a regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis”. (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Comentário ao artigo 174. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1835). 88 Idem.
42
administrativa das empresas e, mais ainda, do estímulo à adoção de programas de integridade,
os chamados programas de compliance.
As disposições gerais da Lei n.o 12.846/2013, elaboradas em consonância com esses
parâmetros constitucionais e com natureza de sanção não-criminal a condutas reprováveis
praticadas por pessoas jurídicas, serão abordadas a seguir.
3.1.3 Aspectos Gerais
Ante a delineação da natureza jurídica da Lei Anticorrupção e seus fundamentos
constitucionais feita acima, passa-se à exposição de algumas das disposições trazidas pelo
diploma sob análise, com apontamentos complementares da regulamentação do já
mencionado Decreto n.o 8.420/2015.
Destaque-se que não se pretende, no presente tópico, exaurir a análise da referida
legislação, mas apenas apontar alguns de seus pontos marcantes, como a responsabilização
prevista na lei, os ilícitos os quais ela se propõe a reprimir e as sanções aplicadas.
Esses aspectos serão trazidos porquanto conversam diretamente com a disposição
mais importante da LAC para os fins deste estudo, qual seja, a disciplina dada aos programas
de integridade – devidamente abordada em tópico próprio, a posteriori.
3.1.3.1 Responsabilização objetiva, judicial e administrativa de pessoas jurídicas
Um dos aspectos mais importantes da Lei Anticorrupção Empresarial e, como visto,
disposto já no artigo 1o89, é a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, nas esferas
administrativa e judicial, em caso de prática de atos de corrupção corporativa lesivos à
administração pública nacional ou estrangeira.
Desta previsão legal, sobremaneira influenciada pela responsabilidade objetiva (strict
liability) estabelecida pelo já mencionado UKBA, extraem-se algumas considerações.
A primeira delas está na responsabilização das pessoas jurídicas corruptoras. Não
obstante o diploma ter ficado conhecido como “Lei Anticorrupção Empresarial” (por se
destinar precipuamente às empresas), a possibilidade de responsabilização de pessoas
jurídicas em geral estende a aplicabilidade do diploma para além das sociedades empresárias,
89 Lei 12.846/2013 - Artigo 1o, caput: Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
43
abarcando também as sociedades simples, fundações, associações de entidades ou pessoas,
incluindo sociedades estrangeiras que possuam sede, filial ou representação no Brasil. É o que
informa o artigo 1o, parágrafo único, do diploma90.
Em decorrência do texto legal, neste mesmo rol de sujeitos aos quais a lei se destina
estão inseridos os partidos políticos, sindicatos, cooperativas e as empresas individuais de
responsabilidade limitada (EIRELI) – todos inseridos no artigo 44, do Código Civil.
Embora tenha havido certa controvérsia inicial quanto à aplicação da Lei n.o
12.846/2013 às empresas públicas e sociedades de economia mista91, com a edição da Lei n.o
13.303/2016, que será retomada em tópico adiante, é possível afirmar com segurança que a
Lei Anticorrupção Empresarial também se aplica às empresas estatais, ressalvadas algumas
sanções, por incompatibilidade com sua natureza pública92.
Noutra perspectiva, há de se assinalar que a previsão de aplicação de sanções civis e
administrativas à pessoa jurídica, e não a seus agentes, implica em independência nas
apreciações de responsabilidade. De fato, a responsabilização da entidade não depende da
responsabilização individual de seus diretores, prepostos, funcionários ou terceiros que com
ela mantenham vínculo funcional, sendo certo que a pessoa jurídica pode ser penalizada ainda
que o indivíduo, que no plano dos fatos cometeu o ilícito, não o seja.
No entanto, o contrário também é verdade, já que a responsabilidade das pessoas
naturais não é eximida pela aplicação de punições à pessoa jurídica – até porque a apuração
de responsabilidade segue parâmetro bastante diferente, já que a pessoa jurídica responde
objetivamente, e a pessoa natural – seja diretor, colaborador, funcionário ou terceiro - só pode
ser punida pelos atos ilícitos praticados na “medida de sua culpabilidade” (artigo 3o, §2o, da
LAC), o que alude a apreciação de elemento subjetivo.
90 Lei 12.846/2013 - Artigo 1o, parágrafo único: Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. 91 Segundo Jorge Hage Sobrinho (apud CUNHA; SOUZA, 2017, p. 28-29), a problemática existiria na submissão de empresa estatal à possibilidade de aplicação das sanções de dissolução compulsória e proibição de receber recursos públicos, ambas punições judiciais previstas na Lei 12.846/2013, já que isso constituiria, respectivamente, ofensa à separação dos poderes (sentença judicial desconstituindo uma empresa criada por ato do Legislativo) e situação paradoxal (proibição de empresa estatal receber recursos públicos). 92 Lei 13.303/2016 - Art. 94. Aplicam-se à empresa pública, à sociedade de economia mista e às suas subsidiárias as sanções previstas na Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, salvo as previstas nos incisos II, III e IV do caput do art. 19 da referida Lei.
44
Aliás, quanto à opção93 do legislador por responsabilizar objetivamente as pessoas
jurídicas, deve-se destacar que esta foi escolha pensada tanto para facilitar a punição de
empresas envolvidas em práticas de corrupção corporativa (e ressarcir os cofres públicos de
prejuízos sofridos), quanto para estimular, de maneira indireta, a adoção de programas de
compliance pelas empresas – o que será retomado adiante.
De fato, com a responsabilização objetiva das pessoas morais, é dispensada a
necessidade de se comprovar o elemento subjetivo do dolo ou da culpa para que sanções
possam ser aplicadas sob a égide da Lei n.o 12.846/2013. Assim, uma vez caracterizado ato
lesivo à administração pública previsto na lei, em benefício direto ou indireto da empresa, se
guardado nexo de causalidade entre atividade sua e o dano, independentemente de se tratar de
prática intencional ou descuidada, a pessoa jurídica será responsabilizada, civil e
administrativamente94.
Facilitado o castigo das empresas, é certo que a tendência seguida pelas organizações
será de reduzir ao máximo as possibilidades de se enquadrar em cenários de responsabilização
– daí o estímulo indireto à adoção dos programas de integridade corporativa que, como dito
anteriormente, são importantes ferramentas de controle e redução de riscos por promoverem a
prevenção, detecção e remediação de práticas corruptas.
Sem embargo do aparente sensatez da escolha pela responsabilização objetiva das
pessoas jurídicas, esta disposição, que é um dos pilares da LAC, não está livre de críticas de
parte da doutrina95 – e, mais fortemente, do empresariado.
93 Maria Sylvia Zanella Di Pietro faz interessante colocação sobre a opção legislativa: “Aparentemente, a Lei quis dar aos entes privados o mesmo tratamento que a Constituição, no artigo 37, §6o, dá ao Estado e seus agentes: o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros, porém os agentes causadores do ato lesivo respondem subjetivamente” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2015. p. 1000). 94 CUNHA, SOUZA, 2017, p. 30. 95 Por este ponto de vista, Pierpaolo Bottini e Igor Tamasauskas ponderam: “Sem tecer profundas considerações — que ensejariam uma reflexão mais detida — nos parece que imposição de uma pena, de um castigo, para além da mera reparação, exige a constatação de algum nexo de vontade ou de descuido por parte do agente — justamente aquilo que merece repreensão. No caso da empresa, como visto, pode-se caracterizar este nexo por inúmeras construções dogmáticas, mas deixa-lo de lado não parece legitimo. (...) A pena, o castigo, é para quem tem culpa. E esta culpa, na pessoa jurídica, revela-se na decisão de burlar a lei ou na estruturação deficiente, na ausência de programa de compliance efetivo e funcional, na complacência ou condescendência com comportamentos suspeitos. A empresa que instala e incorpora políticas de integridade, dedicada à implementação programas de prevenção a delitos à apuração de qualquer ato suspeito, que demonstre seu compromisso real com a ética e com a transparência, não merece ser penalizada. Merece — como já dissemos — reparar o dano, arcar com os prejuízos, ver sustados ou anulados os benefícios que eventualmente obteve com o comportamento ilícito do qual não participou. Mas, qualquer coisa que vá além, com a finalidade de restribuição [sic] ou de prevenção, não encontra justificativa, pela ausência de culpabilidade.” (BOTTINI, Pierpaolo; TAMASAUSKAS, Igor. Direito de Defesa - A controversa responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção. 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-09/direito-defesa-controversa-responsabilidade-objetiva-lei-anticorrupcao>. Acesso em: 21 set. 2017.)
45
Ainda que não se concorde plenamente com a crítica à responsabilização objetiva da
pessoa jurídica96, a explanação desta tese traz luz ao ponto central deste trabalho, a ser
abordado em momento posterior: atualmente a existência de programas de integridade não
exime a responsabilidade da pessoa jurídica, porquanto é circunstância que não tem o condão
de romper o nexo de causalidade entre o dano à Administração e o ilícito corporativo, sendo
este um elemento atenuante na dosimetria97 das sanções civis e administrativas a serem
aplicadas.
De toda sorte, seguindo o exemplo da Lei de Defesa da Concorrência - Lei n.o
12.529/2011, que guarda estreita relação com as finalidades da LAC na proteção à ordem
econômica - preferiu-se dispensar a comprovação da intenção do agente para a punição de
condutas ilícitas praticadas por empresas98, privilegiando-se, pois, a “proteção mais incisiva
do ordenamento jurídico”, a exemplo do que já ocorria com a legislação ambiental e
consumerista99.
3.1.3.2 Atos Ilícitos e sanções previstas
Além da responsabilização objetiva, civil e administrativa, de pessoas jurídicas,
outros aspectos trazidos pela Lei da Empresa Limpa que interessam para os fins do presente
estudo são o rol de atos ilícitos considerados na aplicação das punições civis e administrativas
e as sanções propriamente ditas.
Neste caminho, importa trazer as práticas que o artigo 5o da Lei n.o 12.846/2013
apresenta como atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira. São elas: i)
prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a
96 A principal ressalva do presente trabalho em concordar com a tese apresentada está na dificuldade de comprovação do elemento subjetivo no caso da responsabilização das Pessoas Jurídicas que, como se sabe, são fruto da técnica jurídica e têm elemento volitivo de complexa delimitação – o que tornaria a responsabilização subjetiva ineficiente na inibição de práticas de corrupção. Considerando-se a relevância dos valores constitucionais tutelados pela Lei Anticorrupção, bem como a teoria do risco, compatível com a atividade empresária, parece acertado e coerente a escolha pela responsabilização objetiva, priorizando-se a reparação do dano. 97 Há parcela da doutrina que entende esta ponderação de elementos no estabelecimento da sanção como uma espécie de “apreciação de culpa” da empresa: “Constata-se que a Lei Anticorrupção se despiu de certos dogmas garantistas do Direito Penal, a fim de flexibilizar a rígida noção de culpabilidade que impera nesse terreno. Ainda assim, é fundamental perceber que embora a Lei Anticorrupção fale em responsabilidade objetiva, seu método de sancionamento administrativo não prescinde da verificação de culpa, já que aplicação das penas leva obrigatoriamente em consideração o grau de diligência adotado pela pessoa jurídica para prevenir e reprimir a corrupção” (PRISCO, Alex Vasconcellos. Responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção. Jota, 04 nov. 2016. Disponível em: <https://jota.info/artigos/responsabilidade-objetiva-na-lei-anticorrupcao-04112016>. Acesso em: 21 set. 2017.) 98 MENDES; CARVALHO, 2017. p. 90. 99 CUNHA; SOUZA, 2017. p. 27.
46
terceira pessoa a ele relacionada; ii) comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de
qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei; iii)
comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou
dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; iv)
frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo de procedimento licitatório público; v) impedir, perturbar ou fraudar a realização
de qualquer ato de procedimento licitatório público; vi) afastar ou procurar afastar licitante,
por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; vii) fraudar licitação
pública ou contrato dela decorrente; viii) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa
jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; ix) obter
vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de
contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato
convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; x) manipular
ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração
pública; xi) dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou
agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e
dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
Segundo o caput do art. 5o da Lei da Empresa Limpa, esses ilícitos atentam contra o
patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra os princípios da administração pública e
contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no sentido do combate à
corrupção.
Perceba-se, desde logo, que a Lei n.o 12.846/2013 considera no espectro de ilícitos
da corrupção empresarial condutas semelhantes ao tipo de corrupção ativa prevista no Código
Penal100, mas não só isso.
Deveras, a Lei Anticorrupção Empresarial também insere no mesmo rol os atos que
atentem especificamente contra a probidade das licitações e contratações públicas (itens “iv” a
“x”) e contra as investigações e fiscalizações de órgãos com essa competência e a atuação de
agências reguladoras (item “xi”), o que indica elastecimento da concepção de corrupção
corporativa, como desvio de conduta empresarial que se quer reprimir, e previsão de
tratamento equiparado para esses ilícitos, que são interligados e tão reprováveis quanto.
100Decreto-lei 2.848/1940 (Código Penal) - Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
47
A preocupação legislativa com a corrupção nas licitações, a propósito, merece
atenção especial das empresas, já que, no Brasil, trata-se de uma das situações de maior risco
de ocorrência de ilícitos, principalmente na obtenção de vantagens indevidas por um dos
licitantes em detrimento dos demais, ou ainda na estruturação de cartéis nas licitações101.
De toda forma, é pertinente assinalar que o conceito de corrupção corporativa
apresentado no início deste trabalho abarca todos os ilícitos previstos no artigo 5o da Lei n.o
12.846/2013, agasalhando, portanto, a ampliação da visão tradicional do suborno
organizacional que o normativo propõe.
Afora isso, sobre esse rol de ilícitos, também se elaboram mais alguns comentários.
O primeiro deles diz respeito ao caráter taxativo que este estudo credita a esse rol. De
fato, ainda que parte da doutrina 102 entenda se tratar de apontamento meramente
exemplificativo, acredita-se que essa perspectiva, ainda que razoável em alguns pontos,
encontra certa problemática quando combinada à responsabilização objetiva das empresas.
De fato, ainda que as práticas arroladas digam respeito a ilícitos de caráter extrapenal
– e que, portanto, não se submetem à legalidade estrita do ramo criminal do direito - parece
desproporcional a possibilidade de se sancionar pessoas jurídicas independentemente da
comprovação de elemento subjetivo, por conduta que não esteja previamente elencada no
diploma legal. Percebe-se lastro na concepção ora defendida ao se verificar que o próprio
artigo 5o da LAC, antes de elencar os ilícitos, os anuncia por meio da expressão “assim
definidos”, o que sugere este caráter de restrição.
Um segundo comentário está na evidente preocupação do legislador nacional em
equiparar as disposições pátrias ao que já previam os normativos de outros países
(notadamente o que dispõem o FCPA e o UKBA) quanto à reprovabilidade de suborno de
101 Situação descrita por Rogério Sanches Cunha e Souza, em que “empresas independentes, que atuam num mesmo ramo de atividade, organizam-se em loteamentos ou rodízios de forma a monopolizar o mercado, criando uma disputa artificial” (CUNHA; SOUZA, 2017, p. 43). 102 Ibidem, p. 39.
48
agentes públicos estrangeiros103, sem embargo das pressões internacionais decorrentes dos
tratados assinados pelo Brasil104 também nesse sentido.
Por fim, uma última questão relativa aos ilícitos previstos na LAC que merece
destaque para os fins deste estudo está no fato de que, ao contrário do que se viu
anteriormente no UKBA, o diploma brasileiro não previu como ilícito inserido no elenco de
práticas sancionadas o ‘fracasso na prevenção das práticas de corrupção’.
Esse ponto, ainda que aparentemente irrelevante, será retomado no próximo capítulo
porque repercute sobremaneira no estímulo que a Lei da Empresa Limpa dá à adoção de
programas de compliance pelas empresas no Brasil, já que não reconhece o dever de zelo das
organizações no combate à corrupção, o que pode significar tratamento inacabado aos
programas de integridade corporativa.
Com efeito, ante a ausência de previsão de ilícito deste tipo, as empresas não são
satisfatoriamente compelidas no sentido da implantação de programas de compliance, ao
contrário do que se viu que acontece no UKBA.
Dando continuidade à exposição, passa-se às sanções previstas na Lei Anticorrupção
Empresarial, sobre as quais impende enfatizar alguns pontos.
Deveras, a previsão de responsabilidade objetiva, civil e administrativa, trazida pela
lei em estudo ocasionou a previsão de sanções civis e sanções administrativas no mesmo
normativo – listadas respectivamente nos artigos 6o e 19 do diploma.
Assim, caso se condenem, na esfera administrativa, pessoas jurídicas por atos de
corrupção corporativa, são sanções previstas na Lei Anticorrupção Empresarial a aplicação de
multa105 e a publicação extraordinária da decisão condenatória. Interessante perceber que a
sanção pecuniária de multa é calculada tendo por base o faturamento bruto da empresa, o que
pode representar montante bastante expressivo.
103 Lei 12.846/2013 – Art. 5o: §1o Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro; §2o Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais; §3o Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais. 104Em especial a já mencionada Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 105 Lei 12.846/2013 – Art. 6o, inciso I: multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.
49
No âmbito judicial, por sua vez, as sanções aplicáveis incluem o perdimento de bens,
direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da
infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; a suspensão ou interdição
parcial das atividades da pessoa jurídica condenada; a dissolução compulsória da pessoa
jurídica; bem como a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou
controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos106.
Resgate-se, nesse ponto, o que foi dito anteriormente a respeito das sanções previstas
na LAC que se aplicam às empresas estatais e suas subsidiárias: segundo o art. 94 da Lei n.o
13.303/2016, apenas as punições de natureza administrativa e, na dimensão judicial, o
perdimento de bens, direitos ou valores relativos ao proveito econômico auferido podem ser
impostas a essas componentes da administração pública indireta.
De toda sorte, as sanções de natureza administrativa e civil podem ser aplicadas
cumulativamente107 entre si e não prejudicam as responsabilizações decorrentes da Lei de
Improbidade Administrativa (Lei n.o 8.429/1992) ou de ilícitos alcançados pela Lei de
Licitações (Lei n.o 8.666/1993)108.
Sem querer adentrar profundamente nas questões relativas aos pormenores das
sanções previstas na LAC, para os fins do presente estudo, faz-se mister destacar que, do rol
de punições previstas atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que aplicáveis
depois de já consumado um ilícito de corrupção corporativa, não existe qualquer previsão
relativa à adoção de programas de integridade pela pessoa jurídica corruptora como forma de
penalidade. Essa observação se mostra pertinente por dois motivos.
O primeiro deles, como se verá mais adiante, está no fato de que essa previsão – de
obrigatoriedade de programas de compliance como forma de punição - já existe em alguns
países, destacando-se em especial a França, para os fins desse estudo.
106 Interessante observação trazida por Ronaldo Pinheiro de Queiroz remete à omissão da LAC em prever como sanção a proibição de contratar com o poder público: “Chega a surpreender essa omissão da Lei 12.846/2013, principalmente porque o seu foco é a punição da pessoa jurídica corruptora e não há medida mais profilática do que proibi-la de contratar com o Poder Público, afastando-a de qualquer vínculo negocial com o Estado, mas o fato é que, em se tratando de direito punitivo, as sanções devem ser interpretadas restritivamente (nulla poena sine lege) e não há como condenar a pessoa jurídica a uma parcela de sanção que não existe na lei” (QUEIROZ, 2017, p. 583). 107 Lei 12.846/2013 – Art. 18. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial. 108 Lei 12.846/2013 – Art. 30. A aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e II - atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011.
50
A segunda razão repousa no fato de que, nos Estados Unidos, onde há aplicação
consolidada de uma lei anticorrupção – qual seja, o FCPA – percebe-se grande preocupação
das autoridades com a prevenção de futuras novas práticas ilícitas.
Isso faz com que, na aplicação de sanções e celebração de acordos, as autoridades
norte-americanas, de maneira corriqueira, tenham exigido das empresas corruptoras a
implementação de programas de compliance, ou seu aprimoramento109, a exemplo dos
acordos celebrados com a empresa Panalpina, em 2010, e com a Johnson & Johnson, em
2011.
Tal prática pode indicar interessante sugestão de direcionamento a ser tomado no
Brasil quando da maturidade de sua própria Lei Anticorrupção Empresarial, visto que a
exigência de adoção ou aprimoramento de programas de integridade como penalidade para
empresas corruptoras, ainda que não prevista expressamente, não é incompatível com o
ordenamento jurídico brasileiro.
Deveras, tanto em acordos de leniência, quanto na própria ação judicial para
apuração da responsabilidade de pessoas jurídicas por práticas de corrupção, que adota o rito
das ações civis públicas110, está prevista a possibilidade de se elaborar pedido relativo a
obrigação de fazer ou não fazer111, o qual é hábil a realizar esse tipo de exigência das
empresas.
3.1.4 Disciplina dada aos programas de integridade empresarial no Brasil e seu estágio
atual de maturidade no país
Considerando as colocações feitas anteriormente a respeito de aspectos gerais da Lei
n.o 12.846/2013, as quais serão de grande importância para a conclusão que se pretende
alcançar, traz-se agora à baila a disposição da Lei Anticorrupção Empresarial que mais
interessa para o presente estudo, qual seja, a disciplina dada aos programas de compliance no
Brasil.
Ressalte-se que, a análise do tratamento conferido aos programas de integridade
corporativa pelo ordenamento jurídico pátrio feita por este trabalho se pautará precipuamente
109 MAEDA, Bruno Carneiro. Programas de Compliance Anticorrupção: importância e elementos essenciais. In: DEBBIO, Alessandra del; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva (Org.). Temas de Compliance & Anticorrupção. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. Cap. 9. p.179. 110 CUNHA, SOUZA, 2017, p.93. 111 Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) – Art. 3o: A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
51
pelo referido diploma uma vez que, como mencionado anteriormente, foi ele o responsável
por inserir o instituto do compliance anticorrupção no sistema normativo brasileiro de forma
definitiva, ao mesmo tempo em que, em se tratando de combate à corrupção também
representa a regra geral.
De fato, e como visto, em sendo identificada a prática de algum dos ilícitos
elencados no artigo 5o, da Lei Anticorrupção Empresarial, poderão ser aplicadas sanções civis
e administrativas às empresas, isolada ou cumulativamente, sem que se ofenda a vedação ao
bis in idem. Isso porque são duas esferas distintas de responsabilização da pessoa jurídica por
ato lesivo à administração pública, nacional ou estrangeira.
Tais sanções, no entanto, não são aplicadas de maneira absolutamente igual para
todas as entidades, sendo certo que a LAC previu, em seu artigo 7o, circunstâncias a serem
consideradas na dosimetria das punições diante do caso concreto, de modo a auxiliar o
julgador na particularização da penalidade às peculiaridades da pessoa jurídica corruptora, em
atenção ao princípio constitucional da individualização da pena112. A dosimetria em questão é
prevista na Lei da Empresa Limpa tanto para as sanções administrativas quanto para as
sanções civis, nos termos do art. 19, §4o, da Lei n.o 12.846/2013113.
Neste caminho, prevê o mencionado artigo 7o que serão considerados na aplicação
das sanções elementos como a gravidade da infração (inciso I); a vantagem auferida ou
pretendida pelo infrator (inciso II); a ocorrência ou não de consumação da infração (inciso
III); o grau de lesão ou perigo de lesão causado à Administração nacional ou estrangeira
(inciso IV); o efeito negativo produzido pela infração (inciso V); a situação econômica do
infrator (inciso VI); a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações (inciso
VII); o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública
lesados (inciso XI).
Além dessas circunstâncias, uma última, prevista no inciso VIII do artigo 7o, merece
especial destaque por sua importância chave para o presente trabalho: na aplicação das
sanções será levada em consideração a existência de mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de
códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. Trata-se, pois, da valoração dada,
112 Constituição Federal - Art. 5o, inciso XLVI: A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos. 113 Lei 12.846/2013 – Art. 19, §4o: O Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação judicial, ou equivalente, do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, conforme previsto no art. 7o, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé.
52
pelo ordenamento jurídico pátrio à adoção de programas de compliance anticorrupção pelas
empresas.
Em complemento a essa informação, o artigo 5o, parágrafo 4o do Decreto n.o
8.420/2015114 surge com a previsão de que os programas de integridade podem ser usados
como argumento de defesa pelas pessoas jurídicas no bojo de suas razões apresentadas
durante o Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), e a comissão processante
desse feito o examinará “para a dosimetria das sanções a serem aplicadas”.
Esse exame seguirá os parâmetros de avaliação que foram apresentados
anteriormente no presente trabalho quando da explanação a respeito da efetividade de um
programa de compliance, o que, como visto, remete ao disposto no capítulo IV do Decreto n.o
8.420/2015 (em especial os artigos 41 e 42) e a Portaria n.o 909/2015, expedida pela antiga
CGU.
Esse conjunto de disposições permite concluir que, no Brasil, a existência de
programas de compliance anticorrupção por parte de empresas é considerada como mero
elemento atenuante na aplicação de sanções administrativas às pessoas jurídicas que
pratiquem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, ou melhor, que
cometam atos de corrupção corporativa.
Aliás, é importante deixar claro que a adoção de programas de integridade pelas
empresas apenas mitiga a aplicação de sanções civis e administrativas, de modo a torná-las
menos duras, uma vez concretizado o ato lesivo à Administração. Trata-se, pois, de diferença
substancial para com aquilo que ocorre nos Estados Unidos diante do disposto no FCPA115 e
no Reino Unido, com o UKBA, já que não há exclusão da responsabilidade, mas apenas
atenuação das penalidades aplicadas.
Neste ponto em especial vale salientar que, de acordo com os parâmetros já
apontados no capítulo anterior, apenas os programas de compliance cuja efetividade foi
devidamente avaliada possuem o condão de abrandar as punições civis e administrativas na
medida de sua efetividade. Essa característica ganha especial realce quando se considera o
114 Decreto 8.420/2015 – Art. 5o, §4o: Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas. 115 No caso dos Estados Unidos, vale mencionar episódio de 2012, que ganhou bastante notoriedade, no qual o Departamento de Justiça americano (DOJ) e a SEC deixaram de processar a instituição financeira Morgan Stanley após terem avaliado que a empresa adotou todas as medidas que estavam a seu alcance para prevenir ilícitos de corrupção, por meio de um programa de Compliance efetivo, não obstante a concretização do ilícito por parte de seu funcionário Garth Peterson. Assim, apenas o funcionário corruptor foi processado, mas não a pessoa jurídica. Disponível em: <https://www.justice.gov/opa/pr/former-morgan-stanley-managing-director-pleads-guilty-role-evading-internal-controls-required> . Acesso em: 23 out. 2017.
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tamanho das multas que podem ser aplicadas, as quais, como visto, são balizadas pelo
faturamento da empresa116.
Ademais, a partir dos dispositivos mencionados, é de se enfatizar principalmente o
caráter facultativo que a previsão da Lei n.o 12.846/2013 confere à adoção deste tipo de
estrutura no Brasil, o que atrai mais algumas considerações.
Deveras, segundo ensinam Rogério Sanches Cunha e Renee Souza, a facultatividade
da adoção de programas de compliance que vigora como regra geral no ordenamento pátrio
atualmente sugere opção legislativa pelo soft law, ou mera indução de comportamentos, ao
contrário de coação117.
Essa escolha do legislador fica evidente quando se considera a sanção premial que a
Lei n.o 12.846/2013 insere em suas disposições, consubstanciada, conforme fora mencionado,
no reconhecimento das práticas de compliance anticorrupção efetivas como simples
circunstância apaziguadora de castigos.
Esse tratamento indutivo, no sentido da instalação de programas de integridade
corporativa pelas empresas sujeitas à LAC, indica que o ordenamento jurídico brasileiro
reconhece o valor e o poder dos referidos sistemas como úteis combatentes das práticas de
corrupção corporativa. Entretanto, quando se analisa a maturidade do compliance
anticorrupção no país, fica clara a fragilidade do incentivo concedido ao instituto.
Na verdade, em segunda edição de relatório elaborado pela empresa de auditoria
KPMG118 publicada em janeiro de 2017, resta evidenciado que, ainda que crescente, a
aplicação de sistemas de compliance pelas empresas ainda é inconsistente entre os
seguimentos do mercado.
Segundo o relatório, a implementação de estrutura mínima de compliance – isto é,
com a adoção de, no máximo, código de ética, políticas e procedimentos - é o que se vê em
55% das empresas estudadas do setor de bens de consumo; 45% do grupo “governo e
infraestrutura” (setores de saúde, educação e esportes); 41% das indústrias (farmacêuticas,
energia e recursos naturais, manufatura industrial, ciências da vida) e 42% das situadas no
segmento de tecnologias, mídias e telecomunicações. Em outros setores, essa implementação
116 CUNHA, SOUZA, 2017, p. 85. 117 Ibidem, p. 91. 118 KPMG. Pesquisa sobre Maturidade do Compliance no Brasil: 2a edição. 2017. Disponível em: <https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/br/pdf/2017/01/br-kpmg-pesquisa-maturidade-2a-edicao.pdf>. Acesso em: 23 out. 2017.
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meramente rudimentar de estruturas de compliance119 chega a alcançar 60% das empresas
estudadas.
Como se viu, a simples existência de código de conduta, políticas e procedimentos
não garante por si só a excelência do programa de integridade, o que denota a deficiência.
Algumas razões para isso podem ser o pouco tempo desde a entrada em vigor da lei
em fevereiro de 2014; a ausência de bagagem história nas empresas no sentido da adoção
dessas estruturas; os custos de implantação ou, ainda, a disciplina de facultatividade na
adoção de programas de integridade corporativa.
Isso porque, indo de encontro à tendência que ainda se verifica nos diversos setores
econômicos do Brasil, as instituições financeiras despontam como segmento em que as
políticas deste tipo estão mais maduras, apresentando a função de compliance integrada e
associada a práticas de investigação, consultoria, treinamento e desenvolvimento de cultura de
integridade em 65% das organizações estudadas.
Contudo, observando-se o que foi dito a respeito de as práticas de compliance
encontrarem sua gênese nas instituições financeiras, a informação não surpreende. Ademais
disso, e como se verá no próximo capítulo, essa dissonância se justifica porque tais empresas
estão inseridas em segmento extremamente regulado – havendo, inclusive, normativo que
exige a adoção de programas de compliance, expedido pelo Banco Central do Brasil120.
Sem embargo, o que se conclui disso tudo é um conjunto de evidências que apontam
para a deficiência do tratamento dado atualmente aos programas de integridade no Brasil –
principalmente no sentido de estimular, na prática, a adoção do compliance anticorrupção.
3.2 A LEI “SAPIN II” E A NOVA DISCIPLINA FRANCESA DE OBRIGATORIEDADE
DA ADOÇÃO DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE NA FRANÇA
Uma vez expostos os principais pontos de interesse do presente trabalho na disciplina
dada pelo ordenamento jurídico brasileiro aos programas de integridade, passa-se à
explanação dos aspectos trazidos por recente inovação legislativa francesa, consubstanciada
119 No estudo da KPMG, foram apontados cinco níveis de maturidade (sem infraestrutura; infraestrutura mínima; função de monitoramento; função de integração; alta performance). O que se nomeou “estrutura meramente rudimentar” no presente trabalho diz respeito à soma das porcentagens relativas a empresas inseridas nos níveis de maturidade “sem infraestrutura” e “infraestrutura mínima”. 120 Resolução n.o 4.595, de 28 de agosto de 2017, que dispõe sobre a política de conformidade (Compliance) das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
55
na chamada Lei “Sapin II” (Lei n.° 2016-1691)121.
Este diploma trata, em realidade, de verdadeiro pacote legislativo relativo à
transparência, à luta contra a corrupção e a modernização da vida econômica na França.
A despeito dos cento e sessenta e nove artigos inseridos no diploma normativo
francês, que dispõem sobre matérias que vão do direito processual penal, passando pelo
direito administrativo ao direito do consumidor, o presente trabalho se concentrará na análise
daqueles que estabelecem marcos relevantes para a disciplina de obrigatoriedade de adoção de
programas de compliance no país europeu e que, portanto, interessam ao objeto deste estudo –
notadamente as disposições dos artigos 1o, 2o, 3o, 4o, 17 e 18122.
Perceba-se que não se presume, com este estudo, exaurir a análise da lei francesa,
mas sim apresentar as mudanças por ela trazidas para a perspectiva específica da disciplina
jurídica dada ao compliance anticorrupção, principalmente porque, por se tratar de norma
recente, pode significar o próximo passo na empreitada internacional de combate à corrupção
corporativa e a possível evolução do tratamento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro à
matéria123.
Por este caminho, no presente tópico será introduzido o contexto de criação da Lei
Sapin II, bem como serão descritos o regime de obrigatoriedade direcionado aos programas de
compliance anticorrupção empresarial, a Agência Francesa Anticorrupção e, ainda, a criação
de um tipo penal que sanciona empresas pela “não-conformidade”.
3.2.1 O contexto de criação da Lei “Sapin II” em matéria de combate à corrupção
A Lei n.° 2016-1691, de 9 de dezembro de 2016, conhecida como Lei “Sapin II” 124,
121 RÉPUBLIQUE FRANÇAISE. Loi n.o 2016-1691, du 9 décembre 2016, relative à la transparence, à la lutte contre la corruption et à la modernisation de la vie économique. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000033558528&dateTexte=20171003>. Acesso em: 03 out. 2017. 122 A análise dos dispositivos propriamente ditos seguirá a ordem de interesse para o presente estudo, e não necessariamente a arrumação observada no normativo, considerando ainda que os temas escolhidos guardam estreita relação entre si. 123 A Lei Sapin II, como um todo, constitui complexa produção legislativa com novidades outras para o combate à corrupção que não apenas as estudadas nos tópicos adiante – cita-se, por exemplo, a inserção na França de tipos penais relativos à Corrupção e Tráfico de Influência de agentes públicos estrangeiros; a previsão de proteção especial aos Informantes de boa-fé de práticas de corrupção (lanceurs d’alerte) e a regulamentação das práticas de Lobbying. Sem embargo de sua importância, mas considerando as delimitações de objeto feitas anteriormente, a análise desses tópicos no presente trabalho o tornaria demasiado extenso e enfadonho, de modo que se justifica o enfoque nos artigos elencados. 124 Em referência ao Ministro das Finanças e das Contas Públicas francês Michel Sapin. A designação “II” se dá porque, em 1993, entrou em vigor a Lei Sapin I, relativa à prevenção da corrupção e em prol da transparência da
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trouxe grandes novidades para o ordenamento jurídico francês, tendo sido, como visto, criada
com o escopo de modernizar a vida econômica e financeira do país, ao mesmo tempo em que
fortaleceu as medidas francesas de promoção da transparência e combate à corrupção.
Esse pacote legislativo foi, no que tange aos dispositivos afetos diretamente ao
combate à corrupção, verdadeira resposta da França às demandas internacionais para um
disciplinamento mais severo dos ilícitos dessa natureza no país. Como se verá adiante, esse
objetivo de colocar a França na vanguarda europeia e internacional do combate à corrupção
foi alcançado, o que torna as alterações em estudo de interesse para além do direito francês.
As inovações em questão, no entanto, não vieram sem antecedentes.
De fato, alguns documentos anteriores à Lei Sapin II, como o relatório da Comissão
Europeia sobre a corrupção de 2014 no âmbito do parlamento europeu; o relatório de
acompanhamento do grupo de combate à corrupção da OCDE, assim como as já mencionadas
Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em
Transações Comerciais Internacionais da OCDE de 1997; e Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção, de 2003, vinham sugerindo fortemente a adoção de medidas por seus
Estados componentes, dentre os quais a França, a estabelecer meios de combate à corrupção
nacional e transnacional, inclusive no setor corporativo.
Parte dessas medidas eram específicas para o país, tal qual a recomendação para que
a França assegurasse coerência na fiscalização, na formação e na sensibilização dos agentes
econômicos quanto à necessidade de prevenir e detectar atos de corrupção em todos os níveis
dos mercados e, ainda a repressão efetiva à corrupção de agentes estrangeiros em transações
comerciais internacionais. Isso porque, no caso da França, uma reforma deste tipo era
realmente necessária.
Segundo relatórios oficiais, o país reprimia a corrupção de agentes estrangeiros de
forma contida, tendo inserido um tipo penal de “corrupção de agente público estrangeiro”
apenas em 2000, com a Lei n.° 2000-595, e sem previsão semelhante para o caso de tráfico de
influência125. Aliás, até o mesmo ano 2000, na França, era possível haver a dedução tributária
de valores pagos a agente público estrangeiro com o escopo de assegurar ou manter vantagens
ou fatias de mercado em transações comerciais internacionais – uma prova de que, até então,
a corrupção de agentes públicos estrangeiros era prática corriqueira e, com mais gravidade, vida econômica e dos procedimentos públicos, regulando questões afetas à publicidade e ao financiamento de partidos políticos, por exemplo. 125 MINISTÈRE DES FINANCES ET DES COMPTES PUBLICS (République Française). Projet de loi rélatif à la transparence, à la lutte contre la corruption et à la modernisation de la vie économique (dossier de presse). 2016. 90p. Disponível em: <https://www.economie.gouv.fr/files/files/PDF/20160330_dp_pjl_sapin2.pdf>. Acesso em: 04 out. 2017.
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aceita pelo direito.
Ainda assim, com a criação deste tipo penal, a repercussão não foi como se esperava:
viu-se que, até março de 2016, apenas sete pessoas naturais haviam sido condenadas por
práticas de corrupção de agentes públicos estrangeiros, sendo que nenhuma empresa havia
sido punida por atos desse tipo126. Isso demonstrou a dificuldade de identificar a ocorrência de
ilícitos de corrupção no âmbito transnacional, principalmente porque muitas das práticas são
intrincadas e podem ser mascaradas com mais facilidade.
Além disso, em comparação com seus vizinhos europeus, a França também estava
em desvantagem. No já mencionado índice de percepção da corrupção elaborado pela
Transparência Internacional de 2016, o país ocupou a 23a posição, e, portanto, atrás da
Holanda (8o), Alemanha (10o), Reino Unido (10o) e Bélgica (15o), por exemplo.
Não fosse só isso, em Estudo de Impacto127 da eventual aprovação do então projeto
que mais tarde viraria a Lei Sapin II, fica evidenciada a carência de disciplina deste tipo no
país, ante o reconhecimento da insuficiência das estruturas anticorrupção até então existentes,
seja pelas limitadas leis que haviam, seja pelo fracionamento de competências e a ausência de
coordenação entre as várias entidades públicas responsáveis por fiscalizar e inibir tais
práticas.
Segundo esse mesmo estudo de impacto, percebeu-se a necessidade da construção de
uma estrutura una, coesa e específica para a detecção, prevenção e coordenação da luta contra
a corrupção, bem assim a criação, para as empresas, de uma obrigação geral de prevenção aos
riscos de ocorrência de corrupção organizacional ou tráfico de influência nacional e
internacional, e não só em benefício da coletividade, mas a serviço da competitividade e
desenvolvimento das próprias empresas francesas em um mercado internacional cada vez
mais exigente por ética e integridade de seus partícipes.
Isso porque, com maior urgência, constatou-se que, no ordenamento jurídico francês,
não havia qualquer dispositivo que induzisse - muito menos obrigasse - a adoção de
programas de compliance anticorrupção (“programme de mise en conformité
anticorruption”), a despeito da efetividade da medida na prevenção de futuros ilícitos desta
natureza.
Nessa ótica, o pacote legislativo inserido na Lei n.o 2016-1691 foi aprovado, tendo
126 MINISTÈRE DES FINANCES ET DES COMPTES PUBLICS (République Française), 2016, p. 36. 127 ÉTUDE D’IMPACT. Projet de loi relatif à la transparence, à la lutte contre la corruption et à la modernisation de la vie économique. 2016. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/affichLoiPubliee.do?idDocument=JORFDOLE000032319792&type=general&legislature=14>. Acesso em: 03 out. 2017.
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seus dispositivos entrado gradativamente em vigor a partir de dezembro de 2016128.
Assim, percebe-se desde logo que o intuito precípuo da elaboração das disposições
adiante analisadas pela França foi, mediante a criação de robustas estruturas anticorrupção e
austeras obrigações legais, contribuir para produção de ambiente favorável à atividade
econômica, ao mesmo tempo em que se torna o custo da corrupção corporativa tão oneroso
para as empresas corruptoras quanto para o Estado, de modo a desestimular radicalmente sua
prática.
3.2.2 A obrigatoriedade de adoção de práticas de compliance nas empresas e seus
parâmetros de aplicação
Chega-se agora a um ponto nevrálgico no presente trabalho, com a apresentação da
principal alteração trazida pela Lei Sapin II, e aquela considerada elemento basilar para este
estudo: a criação expressa e direta da obrigação de adoção de programas de integridade
anticorrupção, estabelecida no artigo 17.
De fato, segundo a tradução livre do item I desse artigo, os presidentes, diretores
gerais e gerentes de uma sociedade que empregue ao menos quinhentos empregados na
França, ou que pertença a um grupo de sociedades no qual a sociedade-mãe (holding) tem sua
sede na França, com o efetivo de empregados de pelo menos quinhentas pessoas e
faturamento (da empresa ou do grupo) superior a cem milhões de euros, são obrigadas a
adotar medidas destinadas a prevenir e detectar a comissão, na França ou no estrangeiro, de
práticas de corrupção ou tráfico de influência, observando os parâmetros apontados pela lei.
Trata-se, pois, de expressa previsão legal - a primeira - no sentido de obrigar as
empresas privadas a adotar em suas estruturas internas um programa de compliance
anticorrupção. Este dispositivo cria, portanto, uma obrigação - e não mera faculdade ou
indução indireta de adoção de tais medidas, como acontece, respectivamente, com a Lei
Anticorrupção Empresarial brasileira e o UKBA.
Outrossim, merece destaque o fato de que o dever imposto é de adoção de medidas
específicas de combate à corrupção (na França ou no estrangeiro) por parte das empresas, e
não apenas a elaboração e manutenção de registros contábeis e o fornecimento de relatórios
128 Uma vez que a Lei Sapin II modificou diversos dispositivos de códigos franceses distintos, a entrada em vigor de seus artigos variou - alguns passaram a valer imediatamente e outros só entrarão em vigor em 2018. Os artigos abordados no presente trabalho já estão em vigor, sendo os últimos, relativos à obrigatoriedade da adoção de programas de integridade corporativa, vigentes desde 1o de junho de 2017.
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de desempenho como prevê o já mencionado FCPA. A obrigação existe e permanece
independentemente da ocorrência de ilícitos de corrupção corporativa ou condenação anterior
da empresa, dizendo respeito, precipuamente, à prevenção desses ilícitos – ainda que inclua,
como se verá, dever de manutenção de estrutura que eventualmente os detecte.
Tal caráter único da Lei Sapin II, aliado ao relevante papel da França na inovação de
práticas internacionais e à própria influência que o direito francês exerce sobre o ordenamento
brasileiro129 enaltecem ainda mais a importância do estudo da imposição estatal francesa.
Sobre as entidades às quais esse dever legal se destina, importa assinalar que os
parâmetros estabelecidos pelo novo normativo são cumulativos e objetivos, afetos ao porte
das empresas: i) a quantidade de empregados na França (igual ou superior a quinhentos); e ii)
o volume do faturamento (superior a cem milhões de euros).
Essa informação permite concluir, por exemplo, que subsidiárias francesas (de grupo
de sociedades estrangeiro) que empreguem menos de quinhentos empregados não se
submetem à obrigação em questão, ainda que a empresa-mãe, ou o grupo como um todo,
ultrapasse esse número.
No entanto, o mesmo não necessariamente se aplicará quanto ao critério do
faturamento: se a subsidiária francesa não faturar mais de cem milhões de euros, mas o grupo
no qual ela se insere assim o fizer, o grupo, como um todo – incluindo empresas de outros
países – será submetida à obrigação de manutenção de programas de compliance
anticorrupção.
Deveras, por se preocupar com a prevenção e detecção de práticas de corrupção na
França e no estrangeiro, há verdadeiro caráter extraterritorial da lei francesa, de modo que,
num primeiro momento, todas as empresas, inclusive brasileiras, que desenvolvam operações
na França nas condições previstas na Lei Sapin II, se submetem a essa obrigação de manter
programas de compliance Anticorrupção, ainda que seus respectivos ordenamentos jurídicos
nacionais não o façam, sob pena de sofrer as sanções decorrentes do descumprimento do
dever legal.
Foi estimado que essa obrigação será oposta, na prática, a cerca de 1570 grupos130,
sendo que, em sua maioria, já há, em alguma medida, a presença de programas de integridade
129 Sobre este tema, veja-se interessante o trabalho de Antônio Junqueira de Azevedo “Influência do direito francês sobre o direito brasileiro”. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Influência do direito francês sobre o direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Vol. 89. P. 183-194. 1994. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67243/69853>. Acesso em: 05 out. 2017. 130 MINISTÈRE DES FINANCES ET DES COMPTES PUBLICS (République Française), 2016, p. 41.
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corporativa nestas empresas de grande porte – principalmente pela indução que já existia por
diplomas estrangeiros anteriores, como o FCPA, o SOX e o UKBA.
Aliás, não só as sociedades privadas passam a se submeter a esse tipo de obrigação:
os presidentes ou diretores gerais de estabelecimentos públicos131 franceses, ou o que o
legislador francês chama de “grupos públicos”, se empregarem mais de quinhentos
trabalhadores e possuírem faturamento superior a 100 milhões de euros, também se submetem
a essa exigência. Bem assim, a obrigação se estende ainda os membros do diretório132 de
sociedades anônimas que possuam a mesma quantidade mínima de funcionários e
faturamento.
Note-se, com isso, que a obrigação de adoção de programas de integridade
corporativa prevista na lei se impõe, a priori, às pessoas dos diretores, gestores e
administradores da empresa ou entidade pública, o que demonstra interessante escolha
coercitiva do legislador francês, já que os indivíduos que possuem poder de comando da
entidade, no intuito de se preservar, zelarão pela observância da imposição legal.
Neste especial ponto, é possível fazer um paralelo entre essa responsabilização dos
gestores das empresas para implementar programas de compliance anticorrupção e a lógica do
ordenamento jurídico brasileiro de aplicação das astreintes diretamente sobre a pessoa dos
responsáveis pelas entidades, em geral gestores públicos 133 , no sentido de garantir o
cumprimento de decisões judiciais.
As astreintes, ferramentas do direito processual civil brasileiro curiosamente
importadas do direito francês, se voltam à pressão do executado no sentido de efetivar a
obrigação134 judicialmente imposta e se assemelham à opção legislativa francesa do artigo 17
da Lei Sapin II porque, atingindo diretamente as pessoas naturais que tomam as decisões da
pessoa jurídica, compelem mais fortemente a entidade no sentido de um determinado
comportamento.
131 Na lei, fala-se em “estabelecimento público de caráter industrial e comercial” (établissements publics à caractère industriel et commercial - EPIC), que não se confundem com empresas estatais porque são pessoas jurídicas de direito público, mantidas por financiamento público e que se voltam à prestação de serviço de interesse público. Exemplo desse tipo de entidade é a SNCF, empresa francesa de transporte ferroviário. 132 No ordenamento jurídico francês, há dois tipos de sociedades anônimas quanto à estrutura que as administra: as sociedades anônimas dirigidas por um conselho de administração (sociedades clássicas); e as dirigidas por diretório e conselho de fiscalização (sociedades modernas). Como visto, ambas se submetem à obrigatoriedade sob análise. 133 Didier informa que “para evitar a renitência dos maus gestores, nada impede que o magistrado, no exercício do seu poder geral de efetivação, imponha astreintes diretamente ao agente público (pessoa física) responsável por tomar a providência necessária ao cumprimento da prestação”. (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Execução. Salvador: Editora Juspodivm, 2009, V. 5, p. 449.) 134 ABELHA, Marcelo. Manual de Execução civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 296.
61
Além desse fortalecimento do poder coercitivo da medida, com o engajamento direto
dos diretores, gestores e administradores decorrente da responsabilização pessoal, vê-se
atendido o primeiro pilar apresentado para a efetividade de um programa de integridade, qual
seja, o comprometimento da alta direção da empresa.
De toda sorte, o dever de implementar programas de compliance anticorrupção não é
apenas dos administradores ou diretores das empresas, mas também da própria pessoa
jurídica 135 , o que se considera ter sido escolha acertada para dissipar ainda mais
veementemente a possibilidade de não cumprimento do dever de adotar programas de
compliance anticorrupção, ante a dupla possibilidade de responsabilização na hipótese de sua
inobservância.
Neste caminho, além da obrigatória adoção de programas de compliance
anticorrupção, a disciplina trazida pela Lei Sapin II, também estabelece, no item II do artigo
17, os oito elementos mínimos que devem ser adotados pelas empresas, a seguir apresentados
em tradução livre: 1o) código de conduta que defina e ilustre os diferentes tipos de
comportamento banidos e que integre o regimento interno das empresas; 2o) mecanismo
interno de denúncias, destinado a permitir o recebimento de alertas de funcionários sobre a
existência de condutas ou situações contrárias ao código de conduta da empresa; 3o)
mapeamento de riscos sob a forma de documento regularmente atualizado e destinado a
identificar, analisar e hierarquizar os riscos de exposição da empresa a demandas externas de
corrupção, organizado em função da área de atuação e das zonas geográficas nas quais a
entidade exerce suas atividades; 4o) procedimentos de avaliação da situação de clientes e
fornecedores (diretos e indiretos) para o mapeamento de riscos; 5o) procedimentos de controle
contábil, internos ou externos, destinados a assegurar que os livros, registros e contas não
sejam utilizados para mascarar práticas de corrupção ou tráfico de influência; 6o) dispositivo
de treinamento destinado especialmente aos executivos e colaboradores mais expostos aos
riscos de corrupção e tráfico de influência; 7o) regime disciplinar que permita sancionar os
empregados em caso de violação ao código de conduta da empresa; 8o) dispositivo de controle
e avaliação interna das medidas implementadas.
Esses elementos levam a duas conclusões.
A primeira delas é a confirmação de que as medidas de compliance anticorrupção a
serem necessariamente adotadas pelas empresas não se voltam apenas à prevenção desses
135 Em tradução livre, afirma o final do item II do artigo 17 da lei Sapin II que “independentemente da responsabilidade das pessoas mencionadas no item I do presente artigo, a sociedade é igualmente responsável, como pessoa jurídica, em caso de falha na obrigação prevista no presente item II”.
62
ilícitos, mas também a sua detecção. Isso fica evidente, por exemplo, com o 2o e o 3o
elementos, respectivamente a instituição de um mecanismo interno de denúncias e o
mapeamento contínuo e atualizado dos riscos de corrupção.
Note-se, com isso, que a obrigação imposta às empresas é de prevenção e detecção
de ilícitos de corrupção e tráfico de influência, mas não de sua remediação. É certo que, como
visto, um programa de compliance de sucesso deve envolver também a correção dos ilícitos
que eventualmente não puderam ser evitados, mas, pelo estabelecido na Lei Sapin II, esta
retificação não entrou no espectro de obrigações das empresas submetidas ao normativo.
Essa opção legislativa, ainda que criticável, deixa evidente que a obrigação de
compliance imposta encontra lastro valorativo no dever de vigilância das empresas, não de
recomposição do dano causado.
A segunda conclusão se extrai dos elementos básicos que o programa de integridade
obrigatório deve ter, e diz respeito ao suposto “engessamento” da estrutura de compliance que
isso poderia implicar.
Como visto no primeiro capítulo deste estudo, a questão da efetividade de um
programa de compliance perpassa fundamentalmente pela individualização das medidas
adotadas à demanda da empresa e pelo seu constante aprimoramento, de modo que a fixação
de elementos mínimos de um programa deste tipo, numa primeira análise, poderia vir a
interferir no sucesso do programa, que careceria da especificidade necessária, num aparente
excesso legislativo.
Tal prognóstico de “exagero de legislação” encontraria até mesmo algum
fundamento na aparente tendência francesa à codificação136, ou à primazia do texto legal,
marcada pela escola da exegese137, de matriz francesa. Não obstante isso, da leitura do rol
acima elencado, é possível perceber que, ainda que detalhados, os elementos mínimos que a
lei francesa estabelece para um programa de compliance estão, como visto, em sincronia com
as diretrizes que seriam seguidas pelas empresas caso o adotassem espontaneamente.
136 Norberto Bobbio ensina que a codificação nasceu, efetivamente, com a edição do Código de Napoleão de 1804, uma vez que encontrou terreno fértil na racionalidade iluminista da Revolução Francesa. A codificação, segundo Bobbio, “nasce da convicção de que possa existir um legislador universal (isto é, um legislador que dita leis válidas para todos os tempos e para todos os lugares) e da exigência de realizar um direito simples e unitário”. (BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Editora Ícone, 2006, p. 65). 137 Bobbio também afirma que a característica mais marcante da escola da exegese é “a admiração incondicional pela obra realizada pelo legislador através da codificação, uma confiança cega na suficiência das leis, a crença definitiva de que o código, uma vez emanado, baste completamente a si mesmo”. (BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Editora EDIPRO, 2011, p. 121).
63
Ademais, a individualização das medidas a serem adotadas restou preservada – seja
porque a obrigatoriedade da adoção desses mecanismos é imposta a empresas de grande porte
e, portanto, de perfil econômico semelhante que possibilita a implantação desses
instrumentos; seja porque a lei fala em mecanismos, procedimentos e práticas de modo
genérico, indicando o sentido, mas não sua forma de concretização específica dentro da
empresa, o que variará de acordo com o mapeamento de setores de atuação, áreas geográficas,
perfil de clientes e outros (vide elementos 3o e 4o)138.
Vale dizer, por fim, que a disciplina de obrigatoriedade trazida pela lei francesa
implicou em uma série de outras alterações no ordenamento jurídico do país europeu a ela
relacionadas e importantes para sua eficiência, as quais serão analisadas a seguir.
3.2.3 A Agência Francesa Anticorrupção (AFA) e as sanções pela não conformidade
Quando se fala em disciplina de obrigatoriedade de qualquer prática, principalmente
as legalmente impostas, é presumível que surja, de mãos dadas ao dever, a competência para
uma entidade que fiscalize e controle o cumprimento dessa obrigação, bem como uma sanção
decorrente de sua inobservância.
Como visto, na França, um dos principais problemas na questão do combate à
corrupção residia na falta de coordenação entre as diversas instituições até então existentes139
e com competência para fiscalizar e inibir as práticas de corrupção, o que intensificou a
premência da criação de autoridade única, que concentrasse, em caráter nacional, a execução
dessas tarefas.
Nessa perspectiva, além da obrigatoriedade de adoção de programas de compliance
anticorrupção, a Lei Sapin II criou nos seus artigos 1o, 2o, 3o e 4o a Agência Francesa
Anticorrupção (AFA)140, vinculada simultaneamente aos ministérios da justiça e das finanças,
e responsável, em linhas gerais, pela prestação de serviço de auxílio às autoridades
competentes e aos particulares legalmente incumbidos na prevenção e detecção de práticas de
corrução, tráfico de influência, concussão, desvio de recursos públicos e outros ilícitos afins.
138 Em recomendações elaboradas pelo Governo francês sobre medidas anticorrupção a serem adotadas pelas empresas, submetidas ou não à obrigatoriedade, é salientado que cada entidade implementará os mecanismos indicados considerando, notadamente, seu tamanho e a natureza dos riscos. Disponível em: <https://www.economie.gouv.fr/files/files/directions_services/afa/2017-10-04_-_Presentation_des_recommandations_vd.pdf>. Acesso em 07 out. 2017. 139 A exemplo da MIEM (em tradução livre, Missão Interministerial de Investigação sobre os Mercados) e do SCPC (em tradução livre, Serviço Central de Prevenção à Corrupção). 140 Disciplinada pelo decreto n.o 2017-329 de 14 de março de 2017.
64
Essa agência será dirigida por um magistrado nomeado pelo Presidente da República
para mandato não renovável de seis anos. Será composta por estruturas internas, dentre as
quais uma “Comissão Sancionadora” (ou Comissão de Sanção), formada por membros
nomeados141 por decreto para mandato de cinco anos e oriundos de outras instituições de
relevo na estrutura orgânica do Estado francês, a exemplo de membros da Corte de Cassação
e da Corte de Contas.
Preocupando-se com a delicadeza da temática da corrupção, o legislador francês
previu algumas medidas de cautela para a AFA, destacando-se o fato de que o presidente da
Agência não poderá fazer parte da Comissão de Sanção e nem poderá acompanhar as sessões
do grupo, ao mesmo tempo em que se criou dever de sigilo profissional para os que atuam no
órgão fiscalizador.
Dentre as atribuições que a Lei Sapin II estabelece para a AFA estão a elaboração de
recomendações142 atualizadas, destinadas às pessoas de direito público e privado, no sentido
de auxiliá-las a prevenir e detectar práticas de corrupção, assim como a fiscalização de ofício
da qualidade e eficácia dos procedimentos anticorrupção adotados pela administração pública
francesa, direta e indireta143.
De ofício, aliás, está a mais importante das atribuições da AFA para os fins deste
estudo: controlar o respeito à obrigatoriedade de adoção de compliance anticorrupção pelos
responsáveis estabelecidos no já apontado artigo 17, seguindo-se os parâmetros mínimos que
o programa deve ter, também estabelecidos em lei.
Com isso, a AFA é a entidade dotada de competência para exercer a função de
avaliação da efetividade dos programas de integridade obrigatórios, a qual se manifestará por
meio da elaboração de relatórios transmitidos aos representantes da entidade sob análise,
contendo observações a respeito da qualidade dos mecanismos implementados e sugestões de
aprimoramento ou correção caso sejam necessárias.
Em não sendo respeitada a obrigatoriedade imposta por lei, independentemente da
ocorrência de ilícitos de corrupção naquela empresa, a entidade sofrerá a aplicação de
141 Uma interessante disposição trazida pela lei Sapin II está no dever estabelecido para o Conselho de Estado, responsável pela designação dos membros da Comissão Sancionadora, de especificamente observar a representação equilibrada entre homens e mulheres na indicação dos componentes. 142 Dada a recente criação da AFA, nem todas as recomendações foram elaboradas ainda. Em 04 de outubro de 2017, foram disponibilizadas os primeiros documentos desse tipo, voltados a orientar a elaboração de mapeamento de riscos, a implantação de código de conduta anticorrupção e de um dispositivo interno de recebimento de denúncias. Disponível em: <https://www.economie.gouv.fr/afa>. Acesso em 07 out. 2017. 143 Neste grupo estão inseridas, em tradução livre item 3o do artigo 3: o Estado francês e os territórios, seus estabelecimentos públicos e sociedades de economia mista, bem como associações e fundações de utilidade pública.
65
sanções, sendo algumas delas – de natureza administrativa - também de competência da
Agência Francesa Anticorrupção.
De fato, o artigo 17, em seu item IV, estabelece que, constatada falha na adoção dos
programas de compliance anticorrupção por uma das empresas obrigadas, cabe à AFA (mais
precisamente ao seu presidente), após ouvir o responsável pela instituição, endereçar
advertência aos representantes da entidade e encaminhar a questão do desacordo à Comissão
de Sanção.
No desempenho dessa função específica, o presidente da AFA não se subordina a
nenhuma autoridade administrativa ou governamental e, como visto, não participa da
Comissão de Sanção, o que se considera acertado para garantir sua independência e a
imparcialidade no cumprimento da tarefa.
Encaminhada a questão, a Comissão de Sanção, por sua vez, em decisão sempre
motivada e respeitando o contraditório, poderá aplicar medidas que vão da prescrição de
adaptações nas estruturas de compliance da empresa, passando por sanção pecuniária144, à
publicação da decisão de aplicação de penalidade à empresa por inobservância do dever de
compliance.
Perceba-se que as sanções administrativas previstas na Lei Sapin II guardam estreita
semelhança àquelas previstas na LAC brasileira, isto é, a aplicação de multa proporcional e a
publicação da decisão administrativa condenatória.
Interessante observar, no entanto, que no Brasil, por não haver disciplina de
imposição legal de programas de integridade, descabe qualquer penalidade pela inexistência
de programa de integridade, tampouco uma sanção administrativa de adaptação do programa
de compliance tal qual faz a lei francesa.
Sem embargo, em sede de acordos de leniência ou de ação de responsabilização por
ilícitos de corrupção no caso de ocorrência desses malfeitos de corrupção, como visto, é
possível, no ordenamento brasileiro, a imposição de obrigação de fazer que inclua a adoção
de programas de integridade corporativa.
De toda sorte, a Lei Sapin II, em seu artigo 18, também traz previsão de adoção de
programas de integridade como sanção penal complementar e judicialmente imposta, por até
cinco anos, nos casos de ocorrência de práticas de corrupção ou tráfico de influência (artigo
131-39-2, do Código Penal francês).
144 De até duzentos mil euros para pessoas físicas e um milhão de euros para pessoas jurídicas, estabelecidas em proporcionalidade às falhas identificadas e à capacidade financeira do agente penalizado, e convertidas em favor do Estado.
66
Nesses casos em que há cometimento de ilícitos, mesmo as organizações que não
estavam inicialmente obrigadas a implementar programa de compliance anticorrupção pelos
parâmetros da Lei Sapin II podem ter de obedecer a esta imposição estatal – sob pena de
caracterização de novo crime, o de “não conformidade” (artigo 434-43-1, do Código Penal
francês).
Note-se que, diferentemente do que ocorre no Brasil, na França uma empresa pode
ser condenada penalmente pela prática de corrupção.
De fato, segundo o Código Penal francês (artigo 131-38), as pessoas jurídicas, em
âmbito criminal, são penalizadas com multa cujo valor máximo representa o quíntuplo da
pena máxima prevista para as pessoas físicas. No caso de práticas de corrupção de agentes
públicos, a multa penal aplicável às empresas é de até cinco milhões de euros ou dez vezes o
produto da infração.
Isso permite concluir que a Lei Sapin II traz a obrigação de implementar programas
de integridade de duas formas distintas: a obrigação-vigilância e a obrigação-sanção.
A obrigação-vigilância diz respeito ao dever que as empresas de grande porte (com
pelo menos quinhentos empregados na França; e faturamento superior a cem milhões de
euros) têm de manter um programa de integridade corporativa voltado para a prevenção e
detecção de ocorrência de práticas de corrupção, e, portanto, antes mesmo de os ilícitos
ocorrerem, sendo que a inobservância dessa obrigatoriedade enseja a aplicação de sanções
administrativas. Atualmente, essa previsão não encontra paralelo no ordenamento jurídico
brasileiro.
A obrigação-sanção, por sua vez, se refere à possibilidade de imposição de
programas de integridade como penalidade complementar às empresas após o cometimento de
práticas de corrupção, como forma de punir a prática passada e evitar reiterações do ilícito. A
inobservância dessa obrigatoriedade enseja a caracterização de tipo penal específico (“délit de
non mise en place d’un programme de conformité”), e aplicação de sanções penais dele
decorrentes.
No Brasil, por meio de acordo de leniência ou ação civil pública145, é possível a
criação dessa obrigação-sanção às empresas corruptoras, todavia, diante da natureza jurídica
145 Cf. nota de rodapé n. 111.
67
da LAC, a obrigação não tem caráter penal e nem tem repercussão criminal de sua
inobservância146.
Tal diferenciação se mostra relevante porque, no próximo capítulo, será feita a
análise da aplicabilidade de uma disciplina semelhante, no ordenamento jurídico brasileiro, da
obrigação-vigilância trazida pela Lei Sapin II.
146 Segundo o art. 16, §8o, da Lei 12.846/2013, havendo descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica fica impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de três anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.
68
4. DA APLICAÇÃO DE REGIME DE OBRIGATORIEDADE DA ADOÇÃO DE
PROGRAMAS DE COMPLIANCE NO BRASIL
Apresentados os aspectos de maior importância a respeito do compliance
anticorrupção para os fins do presente estudo, bem como a disciplina dada aos programas de
integridade pelo ordenamento jurídico brasileiro e francês, respectivamente, com a Lei
Anticorrupção Empresarial (lei brasileira n.o 12.846 de 2013) e Lei “Sapin II” (lei francesa n.o
2016-1691), torna-se possível adentrar na análise da aplicabilidade de um regime de
obrigatoriedade semelhante ao francês no Brasil, considerando-se as peculiaridades
brasileiras.
Assim, neste capítulo, chega-se ao cerne do trabalho, que defenderá a adoção de um
regime de obrigatoriedade – ainda que com parâmetros limitadores - de adoção de programas
de integridade corporativa – ou seja, de compliance anticorrupção - no ordenamento jurídico
pátrio.
Para tanto, será contextualizada a pertinência de uma disciplina nacional semelhante
à francesa, retomando-se o problemática da corrupção corporativa e a ofensa que ela
representa para a ordem econômica, destacando-se que o tratamento atualmente destinado às
políticas de compliance anticorrupção não se mostra suficientemente completo e nem em
sincronia com as demandas sociais contemporâneas.
Em seguida, será estudada a compatibilidade da disciplina de obrigatoriedade à luz
das normas brasileiras, a partir de versão simplificada do método da proporcionalidade
proposto por Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis, a partir do qual será examinado conflito
entre a liberdade das empresas e os valores que lastreiam o combate à corrupção.
Na sequência, para que se torne palpável o que se defende, será apresentada uma
forma de concretização dessa disciplina no direito brasileiro, considerando as idiossincrasias
pátrias, numa visão mais prática que propõe o que se veria caso a disciplina dada aos
programas de compliance anticorrupção fosse de obrigatoriedade, indicando-se parâmetros,
sanções e órgão fiscalizador competente. Passe-se, pois, à análise em questão.
4.1 DA NECESSIDADE DE MUDANÇA NA DISCIPLINA DADA AO COMPLIANCE NO
BRASIL E A OBRIGATORIEDADE DOS PROGRAMAS DE INTEGRIDADE
69
Foi dito anteriormente que a globalização é uma característica marcante da
atualidade e, aliada à maior facilidade de comunicação e deslocamento de pessoas e recursos
que ela promove, acaba por ensejar também a aproximação entre as políticas dos Estados, que
pendem para o caminho da homogeneização, num mundo cada vez mais interligado.
Com essa perspectiva em mente, vê-se que o combate à corrupção é uma das diretrizes
de maior relevo para os países, sendo, como visto, nos últimos anos, tópico objeto de vários
tratados internacionais e diplomas normativos estrangeiros, sempre na direção do
enrijecimento do tratamento dado às práticas corruptas e estímulo à adoção de medidas que
previnam e identifiquem os ilícitos antes de eles ocorrerem.
Seguindo esse direcionamento, a obrigatoriedade expressa de adoção de programas
de compliance anticorrupção pelas empresas privadas, trazida pela recentíssima lei francesa
Sapin II, desponta, pois, como mecanismo de vanguarda na inibição de práticas de corrupção
corporativa, sendo a mais recente inovação nesse sentido e um indício bastante enfático de
para onde os ordenamentos jurídicos das nações devem caminhar.
Com essa razão, despontam os primeiros sinais de que uma alteração da disciplina
dada no Brasil ao compliance anticorrupção se faz necessária, considerando-se a já
mencionada importância de um tratamento padronizado entre os países no mercado
internacional.
Isso porque, quando uma nação endurece o tratamento dado às práticas de
corrupção, as demais devem segui-la, sob pena de apenas se desviar o itinerário de
corruptores para fora daquele Estado específico, sem que se combata efetivamente o problema
da corrupção, que é ofensivo para todos.
Nesse sentido, não é excessivo relembrar o que se viu, na prática, quando, na década
de 1970, apenas os Estados Unidos se preocuparam com a temática da corrupção corporativa
e aprovaram o Foreign Corrupt Practices Act. Foi dito que, na época, a pioneira lei americana
não encontrou nenhuma medida semelhante nos ordenamentos dos outros países inseridos no
mercado internacional que, pelo contrário, ainda consideravam a corrupção como lubrificante
para a economia147.
Deste modo, como partícipes com maiores limitações do que seus concorrentes
estrangeiros, as empresas dos EUA sofreram para se equiparar, nas transações internacionais,
147 Segundo SPECK (apud SANTOS; GUEVARA; AMORIM, 2013, p. 55) antes de ser vista como um problema, “A corrupção era tratada na literatura com brevidade, fornecia material para anedotas e cochichos sociais, mas não era vista como problema a enfrentar por meio de políticas e reformas específicas, sendo considerada um lubrificante da economia, cuja existência era benéfica”.
70
às organizações comerciais oriundas de países que não lhes impunham as mesmas restrições
éticas que a lei americana.
A perda de competitividade inicialmente enfrentada pelas empresas norte-americanas
foi sinal marcante de que deve haver um esforço conjunto entre as nações no sentido de
combater a corrupção para que qualquer diligência seja eficaz.
Não seguir a “tendência” internacional, principalmente em um país de economia
considerada relevante148 como é o Brasil, é temerário porque alimenta uma lógica cíclica e
viciosa que considera a falta de mecanismos de inibição às práticas corruptas como algo
positivo – isto é, como ganho de competitividade em face de empresas que estariam
“limitadas” ao espectro do fazer o certo.
Por outro lado, quando todos se submetem a regras semelhantes, evidentemente
adaptadas à realidade de cada país, a corrupção deixa de ser um bom negócio em nível global
e essa mentalidade de dissipa, já que o bom negócio passa a ser “fazer o certo”.
Por óbvio, o que se defende no presente estudo não é a simples importação de
modelos estrangeiros tal qual se apresentam – até porque isso não soluciona a questão da
corrupção no Brasil, existente desde os tempos coloniais149 e, portanto, com histórico único e
diferente do francês, britânico e americano, por exemplo.
Não obstante isso, identificando-se a lógica dos mecanismos usados em outros
países, principalmente aqueles que funcionaram na inibição dos mesmos ilícitos que se quer
coibir, nada impede que, compatibilizando as disposições internas ao discurso anticorrupção
internacional, seja possível encontrar uma versão brasileira da disciplina de obrigatoriedade
acima mencionada.
E o Brasil se encontra em momento estratégico de sua história para tomar
providências como essa, que tornam mais austero o combate à corrupção ao expressamente
convocar os particulares para a tarefa.
Viu-se em capítulo anterior que a sociedade brasileira passa por verdadeira revolução
moral, no sentido de ampliação da consciência popular acerca dos males da corrupção e do
quão arraigadas estão tais práticas nos meios político, econômico e social.
148 Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), no ano de 2016 o Brasil ocupava a posição de 8a maior economia mundial. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/10/fmi-brasil-volta-ao-posto-de-8-maior-economia>. Acesso em: 24 out. 2017. 149Nicolás Rodriguez García, citado por ZANETTI (2016, p. 40) ensina que “desde início da colonização, há relatos de abusos e cobranças indevidas por parte dos primeiros colonizadores governadores-gerais e donatários de sesmarias”.
71
Exemplo disso está nas já mencionadas manifestações populares que aceleraram o
processo de aprovação da Lei n.o 12.846/2013; no desvelar da operação Lava-Jato150; no que
ficou conhecido como “Dez Medidas contra a corrupção”151; e nas pesquisas de opinião que
expõem a nova percepção da população brasileira sobre as práticas de suborno.
Para além disso, o amadurecimento institucional e fortalecimento de entidades com
competência investigativa e fiscalizadora como o Ministério Público e a Polícia Federal152,
bem como das Varas Federais especializadas em organizações criminosas e lavagem de
dinheiro e da própria Receita Federal também demonstram esse afinco crescente ao combate à
corrupção no Brasil – aí inclusa a corrupção corporativa.
Aliás, neste especial ponto é pertinente trazer à baila a relação que se identifica entre
os marcos históricos que existem no processo de evolução do sistema de compliance e os
grandes escândalos de corrupção governamentais e empresariais153.
Se antes os mecanismos de controle e governança eram usados apenas no âmbito de
instituições financeiras, com o rompimento de paradigmas trazidos pela descoberta de
escândalos de fraudes e suborno, viu-se a necessidade de ampliar o alcance de tais práticas
para outros setores.
Além dessa ampliação, viu-se também a necessidade de reformar as referidas
práticas, para inserir o elemento da ética empresarial, hoje adotada, em maior ou menor
medida, por todas as empresas que pretendem assegurar competitividade em um mercado
cada vez mais exigente por moralidade e integridade nas relações.
Tome-se, pois, o exemplo do escândalo Watergate e a edição do pioneiro FCPA, bem
como as fraudes financeiras envolvendo a Enron e a Arthur Andersen, que culminaram na
edição do Sarbanes-Oxley Act, em 2002. Se desses eventos surgiram marcos legais
significativos para a estrutura de compliance nos Estados Unidos – os quais se tornaram
referência para os demais países do mundo – no Brasil, em meio ao maior escândalo de
corrupção envolvendo autoridades estatais e grandes empresários de que se tem notícia154, não
150 Cf. nota de rodapé 80. 151 Em linhas gerais, trata-se de empreitada organizada pelo Ministério Público Federal no sentido de organizar projeto de lei de iniciativa popular (Projeto de Lei 4.850/2016) com o intuito de fortalecer o combate à corrupção no país. Algumas das medidas propostas se atentam para a recuperação dos valores desviados pela corrupção, a responsabilização objetiva dos partidos políticos e a inserção da corrupção no rol dos crimes hediondos. Disponível em: <http://combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medidas-anticorrupcao_versao-2015-06-25.pdf>. Acesso em: 24 out. 2017. 152 MENDES, CARVALHO, 2017, p.23. 153 ARAÚJO, 2016, p. 16. 154 Cf. sítio da nota de rodapé n. 80.
72
seria deslocado o surgimento de novo mecanismo, mais incisivo, de combate às práticas de
corrupção.
Aliado a esse contexto favorável à mudança na disciplina brasileira, está a
necessidade de revisão do tratamento que é dado atualmente no país aos programas de
compliance anticorrupção.
De fato, foi apresentado em capítulo anterior que a Lei Anticorrupção Empresarial
contém previsão de responsabilização objetiva, civil e administrativa, das empresas por atos
de corrupção, assim como incentiva, mediante a adoção de sanção premial155, a adoção de
programas de integridade corporativa pelas organizações corruptoras, caso seja adotado
programa de compliance anticorrupção efetivo.
O diploma brasileiro, embora fortemente influenciado por normativos estrangeiros,
principalmente o já apresentado UKBA, diferiu da lei britânica e não elencou no rol de ilícitos
punidos o “fracasso das organizações comerciais na prevenção de práticas de suborno”. Isso
culminou na fragilização do incentivo que se quis dar, no Brasil, à adoção dos programas de
integridade corporativa.
Como visto em raciocínio elaborado já no primeiro capítulo, a combinação dos três
fatores do UKBA – isto é, I) responsabilização objetiva da empresa; II) ilícito de fracasso na
prevenção de práticas de suborno; e III) programas de integridade efetivos (adequate
procedures) como excludentes da responsabilização – culminam em indução comportamental
bastante enfática no sentido da implementação de programas de compliance anticorrupção
pelas empresas submetidas à lei inglesa.
No Brasil, a falta da previsão do ilícito mencionado anteriormente, além de não
positivar verdadeiro dever de zelo (que deveria sempre existir) pela probidade nas relações
comerciais por parte das empresas, também retira elemento de coercibilidade indireta – já que
a prevenção pode se dar com ou sem compliance anticorrupção, sendo mais efetiva na
primeira hipótese - que, indubitavelmente, estimularia com maior vigor a adoção de
programas de integridade, tal qual ocorre no Reino Unido.
Assim, o que se percebe é que a LAC, ainda que louvável em vários pontos, dentre
os quais o próprio pioneirismo na sanção de pessoas jurídicas por ilícitos de corrupção no
ordenamento jurídico pátrio, destina tratamento incompleto aos programas de integridade,
como elementos cruciais que são no combate à corrupção corporativa.
155 Isto é, a “uma recompensa ou um prêmio, presentes em uma lei que incentive comportamentos” (SALGADO, Gisele Mascarelli. Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio. 2008. 275 f. Tese (Doutorado) - Curso de Filosofia do Direito, Pontifício Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p.125).
73
Destaque-se ainda a problemática que existe na valoração dos programas de
compliance apenas nas hipóteses de ocorrência de ilícito como mero atenuante na aplicação
de sanções, quando, em realidade, os mecanismos de integridade configuram estrutura que
visa principalmente prevenir a concretização do malfeito.
Rogério Sanches Cunha e Renee Souza afirmam, nesse sentido, que o legislador
incorre em situação de contradição bastante peculiar156, porquanto a Lei n.o 12.846/2013
estimula a adoção de mecanismos de integridade e, ao mesmo tempo, os considera úteis
apenas no cenário em que o ilícito a ser evitado se materializa. Ao se considerar que o escopo
da norma é incorporar a cultura de integridade nas empresas, esse paradoxo fica mais evidente
ainda.
Essa incompletude e contradição no estímulo à adoção de programas de integridade,
combinadas com o que foi dito a respeito da maturidade do compliance na maioria dos setores
econômicos do país, salientam a necessidade de mudança na disciplina dada à ferramenta
anticorrupção no Brasil.
Mais ainda quando se considera a discrepância entre o segmento das instituições
financeiras – que possuem uma disciplina específica e mais enfática para a adoção de
programas de compliance – e as demais organizações, o que sugere a insuficiência da indução
ofertada pela Lei n.o 12.846/2013.
Até porque os programas de integridade atuam diretamente no interesse das
empresas.
De fato, como foi dito, a adoção de compliance é uma necessidade das empresas,
tanto para a boa governança, domínio de seu próprio funcionamento e estrutura e aumento da
produtividade, quanto na melhora da reputação da organização perante clientes, fornecedores
e investidores que nasce da implementação de medidas de integridade e ética.
No cenário de ‘revolução moral’ que foi mencionado, tal aspecto se enfatiza, já que
se verifica a formação de uma nova horda de consumidores com visão crítica e consciente,
exigentes não só por produtos e serviços de qualidade, mas que também pelos padrões morais
elevados que seus fornecedores devem possuir157.
Esse ponto, aliás, remete à importante temática da responsabilidade social das
empresas. Para além das questões de marketing e boa imagem decorrentes da existência de
um programa de compliance efetivo, é inegável que a adoção sistemática e efetiva desse tipo
de estrutura anticorrupção atende ao dever de zelo e a preocupação com o bem estar de seu
156 CUNHA; SOUZA, 2017, p. 87. 157 RIBEIRO, DINIZ, 2015, p. 94.
74
público interno e externo, o que por sua vez também dialoga diretamente com a própria
função social da empresa.
Por fim, um último motivo merece menção na análise das necessidades de alteração
do tratamento dado no Brasil aos programas de compliance está no fato de que a corrupção é
temerária para toda uma sociedade, de modo que para a economia e para o desenvolvimento
dos países não é diferente.
O pagamento de suborno tanto torna a distribuição de riquezas ineficiente (já que
desvia valores que seriam gastos no interesse da coletividade para beneficiar alguns poucos),
quanto prejudica a qualidade dos produtos e serviços oferecidos pelas empresas corruptoras,
que, ao receberem benesses indevidas, se equiparam ou superam artificialmente concorrentes
honestos e acabam negligenciando aspectos afetos à produtividade e competitividade,
preocupando-se basicamente com o lucro.
Sendo o suborno de agentes públicos nacionais e estrangeiros um mal que afeta a
todos - empresas, governos, cidadãos, mercados o combate à corrupção é também dever de
todos, o que faz essa uma das principais justificativas para que se positive no ordenamento
jurídico brasileiro o dever de as organizações adotarem medidas que previnam a ocorrência de
ilícitos de corrupção organizacional, e, se for o caso, as detectem e remedeiem.
No cumprimento desse dever, a ferramenta do compliance anticorrupção se destaca
como principal artifício a ser explorado, daí a necessidade de reformulação do tratamento que
se dá a ele atualmente.
4.2 DA COMPATIBILIDADE DE UM REGIME DE OBRIGATORIEDADE DE
PROGRAMAS DE COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO COM O ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO – ANÁLISE DA PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA E
DISCIPLINAS SEMELHANTES NO BRASIL
Superada a demonstração de que há necessidade de mudança na disciplina
atualmente dada pela Lei da Empresa Limpa aos programas de compliance anticorrupção,
passa-se a analisar se um tratamento de obrigatoriedade na adoção dessas estruturas – como
aquele trazido pela Lei Sapin II - seria compatível com as regras e princípios do ordenamento
jurídico pátrio.
Antes disso, no entanto, importa explicar alguns pontos relativos às funções
repressiva e promocional do Direito, para que se perceba a diferença entre a disciplina de
75
obrigatoriedade na execução de determinada conduta, e a de sua indução via sanções premiais
– esta última, como visto, adotada atualmente como regra geral para o compliance na Lei n.o
12.846/2013. Veja-se.
Quando se entende o Direito como meio de regulação de comportamentos, a sanção
jurídica, considerando o posicionamento da doutrina majoritária, passa a ser percebida como
um de seus elementos mais importantes, sendo certo que ela está intimamente vinculada à
noção de monopólio da força por parte do Estado158, que se vale deste tipo de medida para
reger as condutas dos indivíduos no sentido de harmonizar a vida em sociedade.
Nessa perspectiva, a sanção é vista como elemento coercitivo para o direito, já que,
segundo Bobbio, a possibilidade de violação da norma e a consequente resposta a essa
violação estão inseridas em todo sistema normativo159. Não obstante isso, o que diferencia a
sanção jurídica das sanções morais e sociais, e é responsável por lhe conferir eficácia
ampliada se comparada a elas160, é seu caráter externo e institucionalizado, vinculado
justamente a esse monopólio da força pelo Estado.
Nessa trilha, as sanções jurídicas podem ser divididas em sanções negativas e
positivas, a depender da consequência que se confere a determinado comportamento: as
sanções negativas são punições voltadas à repressão de atos lesivos a bens jurídicos; e as
positivas, ou premiais, são bonificações concedidas a quem age no sentido de determinado
comportamento cuja observância se pretende incentivar.
Perceba-se, neste caminho, que as sanções negativas se reportam à função repressiva,
ao passo que as sanções premiais, ao induzirem determinadas práticas desejáveis, conduzem a
função promocional do direito.
Diante dessas premissas, a se falar na criação de uma regra que impõe expressamente
a obrigatoriedade de uma conduta, no sentido de assegurar seu cumprimento, está-se falando
de norma que restringe a liberdade dos sujeitos e que é dotada de sanção negativa, porquanto
sua inobservância ensejará a aplicação de penalidade.
Noutro giro, é sanção positiva aquela que “não consegue controlar propriamente os
comportamentos, mas sim direcionar por meio de um incentivo ou prêmio, o que torna
determinada ação interessante, mas não obrigatória”161. Deste modo, é fácil perceber que a
158SALGADO, 2008. p. 82. 159 BOBBIO, 2003, p. 55. 160SALGADO, Op. cit., p. 81. 161 Ibidem, p.124.
76
interferência das sanções premiais na liberdade dos sujeitos, ainda que levante certa
controvérsia162, é mais branda do que a das sanções negativas.
Com isso, não se pode deixar de notar que a sanção positiva, ainda que valorosa na
indução de condutas desejadas, por se tratar de mera premiação do bom comportamento,
contém em si a tolerância à discricionariedade do destinatário da lei: se o sujeito a quem o
comando se destina “agir bem” (cumprindo a conduta estimulada), deve ser premiado ou
recompensado; no cenário oposto, diante da não observância do comportamento, há a
complacência do Estado, que nenhuma consequência aplica.
A sanção negativa, por sua vez, pode ser percebida como menos tolerante à
inobservância do comportamento prescrito, porquanto inflige um ônus ou punição em caso de
descumprimento.
Essa reflexão sugere que as normas jurídicas dotadas de sanções negativas podem se
revelar mais firmes na regulação de comportamentos do que as com sanção premial. Fala-se,
inclusive, que as sanções positivas “não cabem para todo e qualquer comportamento, sendo
mais utilizadas para conteúdos econômicos”163, o que não desautoriza sua utilização para
outros assuntos, mas demonstra a fragilidade do poder condutivo dessa técnica jurídica.
No caso dos programas de compliance anticorrupção, que visam resguardar a ética, a
transparência e as boas práticas no âmbito das empresas, a priori, a aplicação de sanções
positivas poderia se mostrar como satisfatório método indutor de comportamentos164.
No entanto, quando se consideram os valores que se pretende resguardar com o
combate à corrupção que o compliance promove, fica evidenciada a importância de estímulo
mais incisivo do ordenamento jurídico brasileiro a essas estruturas. É nessa ótica que a
obrigatoriedade de adoção do compliance se torna pertinente.
Não obstante isso, deve-se considerar que qualquer obrigatoriedade imposta aos
cidadãos implica, em maior ou menor medida, na limitação de liberdades, nem que seja de
escolha do que fazer.
Dessa maneira, ao se falar em criação de dever de adoção de programas de
compliance para as empresas, torna-se necessário passar pela ponderação entre a restrição
imposta aos indivíduos (e à autonomia privada) e o bem jurídico cuja proteção requer
162Tércio Sampaio (apud SALGADO, 2008, p. 126) pondera que as sanções positivas podem não representar real aumento da liberdade dos indivíduos, mas sim uma outra forma mais sutil de controle social. 163 SALGADO, Op. cit., p.123. 164 Rogério Sanches Cunha e Renee Souza aduzem que a natureza premial do estímulo que é dado ao Compliance pela lei 12.846/2013 resguarda a autonomia da vontade, ao mesmo tempo em que estimula a prática de comportamentos desejados pelos sujeitos, dentro do ambiente da livre iniciativa e livre concorrência. (CUNHA; SOUZA, 2017, p. 89).
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resguardo mais contundente, in casu, os fundamentos constitucionais que se protege com o
combate à corrupção, a serem favorecidos pela obrigatoriedade do compliance.
Faça-se, por oportuno, uma analogia ao que acontece com os Equipamentos de
Proteção Individual (EPI), cuja obrigatoriedade de fornecimento gratuito ao trabalhador fora
imposta pela norma regulamentadora (NR) n.o 6 165 para as empresas em algumas
circunstâncias166. Trata-se de hipótese em que é estabelecido um ônus a mais a determinados
empregadores, devidamente justificado pela proteção que se quer conferir aos bens jurídicos
da saúde e vida do trabalhador.
É interessante notar que, mesmo nesse exemplo, a imposição do fornecimento e
fiscalização do uso dos EPIs não se aplica a todos os casos, mas apenas àqueles que colocam
em xeque a integridade física do empregado.
Isso permite entender que, em determinados cenários, quando o valor que se quer
resguardar (saúde e vida do trabalhador, ou aquilo que se protege no combate à corrupção) se
mostra mais precioso do que a autonomia individual, resta justificada a flexibilização desta
liberdade.
Repise-se que a obrigatoriedade não pode ser excessiva ou desarrazoada, devendo se
voltar tão-somente para as situações em que os valores que se quer proteger estão em risco, de
sorte que sua proteção se torna mais preciosa para o direito do que a manutenção da liberdade
de não se ter que seguir imposições estatais.
E quais seriam os valores do ordenamento jurídico brasileiro protegidos com a
obrigatoriedade de programas de compliance anticorrupção? As pistas já foram dadas quando
da análise dos fundamentos constitucionais da Lei n.o 12.846/2013, já que se referem àquilo
que se resguarda diretamente com o combate à corrupção.
Na presente análise, portanto, serão sopesados a favor da obrigatoriedade tanto o
direito fundamental à probidade administrativa, quanto a livre iniciativa dotada de valor social
e a própria função social da empresa.
Neste sentido, em se tratando de direito fundamental à probidade administrativa, foi
dito que se trata de garantia decorrente da tutela constitucional que se confere aos princípios
que orientam a administração pública. A elevação desses valores ao patamar de direito
fundamental, aliada à eficácia horizontal que tais garantias constitucionais possuem 165 Aprovada pela Portaria n.o 3.214/1978, do Ministério do Trabalho. 166 NR 6 – 6.2. A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, EPI adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, nas seguintes circunstâncias: a) sempre que as medidas de proteção coletiva forem tecnicamente inviáveis ou não oferecerem completa proteção contra os riscos de acidentes do trabalho e/ou de doenças profissionais e do trabalho; b) enquanto as medidas de proteção coletiva estiverem sendo implantadas; c) para atender a situações de emergência.
78
“estabelece mesmo nas relações privadas, verdadeiro dever cívico de todos os cidadãos em
combater os desmandos administrativos uma vez que a proteção a esse novo direito
fundamental é incumbência e responsabilidade de todos”167.
Mediante a criação de uma obrigação de adoção de programas de integridade
efetivos, como postura, modelo e paradigma internos, certamente esse dever de zelo será
atendido, assim como também haverá a assunção, por parte dos particulares - notadamente as
empresas - da parcela de responsabilidade pela probidade administrativa e combate à
corrupção que lhes cabe.
Por sua vez, quando se fala em tutela da livre iniciativa com a implantação
obrigatória de compliance, é interessante retomar o que foi dito a respeito da intersecção
bastante visível que existe entre o combate à corrupção no âmbito das empresas e a proteção
da ordem econômica. No Brasil, essas políticas são resguardadas respectivamente pelas leis
12.846/2013 e 12.529/2011, e seu cruzamento fica evidenciado principalmente nos ilícitos
elencados pela LAC relativos às licitações e contratos públicos.
De fato, os casos de fraude e realização de ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente que comprometa o caráter competitivo do procedimento licitatório público (art. 5o,
inciso IV, “a”, da LAC), são práticas que encontram inquestionável similitude com o que
estabelece o art. 36, §3o, inciso I, da Lei n.o 12.529/2011, notadamente o disposto no item
“d”168.
Tais condutas, além de práticas de corrupção puníveis pela Lei da Empresa Limpa,
se visarem o prejuízo à livre concorrência ou livre iniciativa (i), o domínio do mercado (ii), o
aumento arbitrário de lucros (iii) ou, ainda o exercício abusivo de posição dominante (iv),
também serão caracterizadas como infrações à ordem econômica pela Lei 12.529 de 2011.
Aliás, toda e qualquer outra prática empresarial – o que inclui cada um dos ilícitos
de corrupção corporativa previstos na Lei n.o 12.846/2013 - que tenha por objetivo ou possa
produzir algum dos efeitos previstos no caput ou incisos do art. 36169 da Lei de 2011 também
167 CUNHA; SOUZA, 2017, p.93. 168 Lei 12.529/2011 – Art. 36, § 3o: As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: (...) d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública. 169 Lei 12.529/2011 – Art. 36: Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
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caracterizarão infração à ordem econômica, estando seu autor sujeito, além das sanções da
LAC, às punições aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)170.
Considerada essa relação, tem-se que o combate ao suborno organizacional mediante
a adoção de programas de compliance também implica na proteção da ordem econômica e na
concretização da livre iniciativa tal qual prevista na Carta Magna – isto é, como detentora de
valor social - de sorte que neste ponto a disciplina de obrigatoriedade restaria igualmente
justificada.
Soma-se ainda a esses bens jurídicos a já mencionada função social da empresa que,
como visto, é bússola que deve orientar a atividade empresarial no sentido de promover a
geração de empregos, tributos e riquezas e contribuir com o desenvolvimento econômico da
comunidade em que atua, sem descuidar da resistência às práticas de abuso do poder
econômico e de concorrência desleal.
Ainda que não esteja expressamente positivada na Constituição Federal, a Função
Social da Empresa guarda, como visto, íntima relação com a Função Social da Propriedade
(esta disposta na Carta Magna) de modo tal que, no resguardo da primeira, certamente estar-
se-á atendendo à segunda.
E como se viu, essa é uma das vantagens trazidas pelos programas de compliance.
Ao fornecer estruturas de prevenção, detecção e remediação de práticas corruptas às
empresas, os programas de integridade corporativa lhes municiam de ferramentas para atender
à função social.
A proteção a esses valores é o grande lastro argumentativo em prol da imposição
normativa de obrigatoriedade de implementação do compliance pelas empresas brasileiras
enquanto que, do outro lado da balança, está a “autonomia privada” das empresas.
Perceba-se que a hipótese ora analisada, para fins de simplificação do raciocínio,
aprecia-se a limitação que seria imposta apenas às empresas e sua “vontade”, ao passo que a
obrigatoriedade da Lei Sapin II é imposta tanto à pessoa jurídica quanto aos seus diretores,
gestores e administradores da entidade171.
Assim sendo, para a ponderação desses valores, o presente trabalho utilizará uma
versão simplificada da técnica da proporcionalidade proposta por Leonardo Martins e Dimitri 170 Lei 12.846/2013 - Art. 29. O disposto nesta Lei não exclui as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica. 171 De toda sorte, viu-se que, no Brasil, já há fenômeno semelhante quando se fala em astreintes e a pretensão judicial de compelir pessoa jurídica, mediante a coerção da pessoa física que a dirige, no sentido de determinado comportamento, o que não torna incompatível um tratamento semelhante ao da lei francesa. Neste caso, a ponderação de valores também apreciaria a limitação à autonomia da vontade versus o direito fundamental à probidade administrativa, a proteção à ordem econômica e o cumprimento da função social da empresa.
80
Dimoulis, na qual se aprecia a licitude dos meios e propósitos, a adequação do meio utilizado
e sua necessidade, elementos apurados quando se está diante de ato estatal que intervém no
âmbito de proteção de direitos fundamentais172.
Sem querer aprofundar demasiadamente esta análise, o que demandaria todo um
estudo próprio, tanto a licitude do propósito (o fortalecimento da prevenção e combate à
corrupção corporativa) quanto a licitude dos meios (instrumento legal), pelo que foi dito até
agora, se verificam com facilidade.
Quanto ao elemento da adequação – isto é, a aptidão de o meio utilizado alcançar o
propósito perseguido -, também não se vislumbram grandes dificuldades, já que os programas
de integridade, como visto, são estruturas que, quando efetivas, minoram ao máximo os riscos
de corrupção nas empresas que os adotam.
Aliás, se é verdade que o compliance não extingue em definitivo todos os riscos,
nenhuma outra ferramenta o fará, nem mesmo o próprio direito, já que, como visto, a
corrupção é fenômeno complexo (e absolutamente humano) e toda ferramenta de orientação
de comportamentos compreende hipótese de violação.
Para além disso, ainda se tratando de adequação do meio, tem-se que a
obrigatoriedade de adoção do compliance anticorrupção pelas empresas, como visto, é
ferramenta apta a direcionar os comportamentos para o propósito perseguido, vide a diferença
de acatamento dos programas de integridade entre as instituições financeiras, submetidas à
obrigatoriedade, e os demais segmentos da economia que foi apresentada.
O requisito da Necessidade, no entanto, requer um pouco mais de reflexão, já que se
preocupa em verificar se não há nenhum outro meio menos oneroso ao titular do direito, de
eficácia semelhante173, que possa ser adotado em seu lugar.
De fato, ainda que não se possa negar que o tratamento promocional destinado ao
compliance pela Lei n.o 12.846/2013 é definitivamente menos oneroso do que um expediente
de obrigatoriedade por não implicar em sanção repressiva, também é certo que a obrigação de
compliance anticorrupção não é exigência demasiado penosa, principalmente diante dos
benefícios que a própria empresa desfrutará com a adoção sistêmica desta prática – com
ganho de reputação, de produtividade, aumento de investimentos estrangeiros e, claro,
redução dos custos decorrentes da corrupção.
Se, como visto, a implantação do programa efetivo não precisa ser dispendiosa, e,
por outro lado, é vantajosa para as empresas, o único ônus que se verifica para as
172 DIMOULIS; MARTINS, 2012, p. 186. 173 Ibidem, p. 202.
81
organizações num cenário de obrigatoriedade seria a “perda” do poder de escolha de
combater, ou não, à corrupção – o que, este estudo demonstrou, é perspectiva que está em
descompasso com o dever de cuidado estabelecido pelo direito fundamental à probidade
administrativa e à própria função social da empresa.
Quanto à igual eficácia, a facultatividade na adoção de programas de compliance tal
qual está posta não é a disciplina mais apropriada - pelo menos não por agora.
Essa afirmação se faz com base no que foi dito a respeito da contradição existente na
valorização de programas de integridade após a ocorrência do ilícito, bem como na diferença
de vigor que existe entre um tratamento promocional e uma obrigatoriedade.
No plano do ideal, a simples existência de normas promocionais deveria ser
suficiente para se fazer cumprir o certo somente porque é certo – nesse plano não deveria
haver nem mesmo a necessidade de mecanismos de compliance, já que as condutas probas
seriam hábito automático.
No plano do real, no entanto, o que se vê é uma sociedade em amadurecimento moral
(crescente, diga-se), mas na qual ainda subsistem tendências a desvios de conduta. É nesse
último plano que o direito atua, tanto na construção do hábito da probidade, quanto na
proteção aos valores que necessitam de atenção diferenciada.
O que se conclui desse raciocínio, portanto, é que a criação de obrigação na
estruturação de políticas de compliance é compatível com o ordenamento jurídico pátrio, já
que limita liberdades apenas na medida em que resguarda os valores constitucionalmente
consagrados do direito fundamental à probidade administrativa e a higidez da ordem
econômica.
Esse entendimento é confirmado quando se verifica que, para além da imposição
feita por normativos estrangeiros174, já existem pontuais disciplinas de obrigatoriedade de
compliance no Brasil.
É o caso das recentíssimas disposições inseridas na Lei n.o 13.303/2016 (Lei das
Estatais)175, na Resolução n.o 4.595/2017176 do Banco Central do Brasil e na Lei Estadual n.o
7.753/2017177 do Rio de Janeiro.
174 Situação das empresas brasileiras cotadas nos Estados Unidos, em razão da SOX, e daquelas que se submetem à Lei Sapin II. 175 Lei 13.303/2016 – Art. 9o - A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam: I - ação dos administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana de práticas de controle interno; II - área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos; III - auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário. § 1o Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade, que disponha sobre: I - princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude; II - instâncias internas responsáveis pela
82
Além delas, existem alguns projetos de lei que tramitam e dispõem também nesse
sentido, dentre os quais cita-se o PLS 435/2016 (propõe alteração da Lei n.o 12.846/2013 para
exigir a certificação de gestor de sistema de integridade como condição para atenuar sanções
administrativas) e o PLP 303/2016 (que propõe inserção da adoção da política de compliance
como uma das exigências feitas pela Lei de Responsabilidade Fiscal para que haja repasse de
recursos federais aos estados, Distrito Federal e municípios).
Em consonância com o que se defendeu até agora, a criação do dever de
implementação de programa de compliance surge como sinalização estatal de que, em
determinadas circunstâncias, para determinados setores ou determinadas empresas, a ética, a
probidade e a transparência são imperativos mais preciosos do que a autonomia privada.
Isso indica que o caminho da obrigatoriedade não é só compatível com o
ordenamento brasileiro, como em alguns casos também indispensável para a preservação de
seus valores e objetivos. Resta agora saber como se dará sua concretização.
4.3 UMA PROPOSTA DE CONCRETIZAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DE
COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade; III - canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais; IV - mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias; V - sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Conduta e Integridade; VI - previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a política de gestão de riscos, a administradores. § 2o A área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos deverá ser vinculada ao diretor-presidente e liderada por diretor estatutário, devendo o estatuto social prever as atribuições da área, bem como estabelecer mecanismos que assegurem atuação independente. § 3o A auditoria interna deverá: I - ser vinculada ao Conselho de Administração, diretamente ou por meio do Comitê de Auditoria Estatutário; II - ser responsável por aferir a adequação do controle interno, a efetividade do gerenciamento dos riscos e dos processos de governança e a confiabilidade do processo de coleta, mensuração, classificação, acumulação, registro e divulgação de eventos e transações, visando ao preparo de demonstrações financeiras. § 4o O estatuto social deverá prever, ainda, a possibilidade de que a área de compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou quando este se furtar à obrigação de adotar medidas necessárias em relação à situação a ele relatada. 176 De 28 de agosto de 2017. Estabelece: Art. 1º - Esta Resolução regulamenta a política de conformidade (compliance) aplicável às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. (...) Art. 2º - As instituições mencionadas no art. 1º devem implementar e manter política de conformidade compatível com a natureza, o porte, a complexidade, a estrutura, o perfil de risco e o modelo de negócio da instituição, de forma a assegurar o efetivo gerenciamento do seu risco de conformidade. 177 Lei sancionada pelo governador do Rio de Janeiro em 17 de outubro de 2017, com entrada em vigor em 17 de novembro de 2017. Dispõe: Art. 1º - Fica estabelecida a exigência do Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração pública direta, indireta e fundacional do Estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.
83
Foi dito anteriormente que, na aproximação das previsões legais entre os países, a
simples importação de modelos estrangeiros tal qual se apresentam não se mostra profícua,
uma vez que cada nação possui histórico próprio e problemas que, por mais que se
assemelhem, jamais serão absolutamente iguais.
Por essa razão o presente trabalho não só defende a obrigatoriedade da adoção de
programas de compliance anticorrupção pelas empresas, mas percebe ser necessária a
propositura, ainda que embrionária, de alguns parâmetros e hipóteses de concretização de tal
disciplina no ordenamento jurídico brasileiro, considerando suas peculiaridades, setores de
risco e histórico.
Isso porque, para o estabelecimento de obrigatoriedade, o presente trabalho entende
que alguns elementos basilares precisam estar identificados, dentre os quais o que é imposto
(i), o que se resguarda com esta imposição (ii), o destinatário do dever legal (iii), o ente que
fiscalizará o cumprimento da obrigação (iv) e a sanção imposta em caso de inobservância (v).
Pelo que se apresentou até o momento, já foram delineados os elementos (i) e (ii), já
que se viu que a obrigatoriedade de implementação de medidas de compliance anticorrupção
pelas empresas encontra lastro no direito fundamental à probidade administrativa, na função
social da empresa e na proteção à ordem econômica.
Nos tópicos que seguem, portanto, serão feitos alguns apontamentos a respeito dos
demais elementos. Passe-se, pois, à proposta.
4.3.1 Parâmetros da obrigatoriedade – os destinatários e a sanção em caso de
descumprimento
A partir da leitura das disciplinas de obrigatoriedade já existentes no Brasil, é
possível perceber que cada uma delas se limita a cenários e destinatários bastante específicos:
de pactuação com a administração pública do estado do Rio de Janeiro, empresas estatais,
instituições financeiras e demais autorizadas a funcionar pelo Banco Central.
Na elaboração de proposta de concretização do expediente de obrigatoriedade de
programas de integridade corporativa, o presente estudo seguirá nesse mesmo percurso.
Isso porque, como dito anteriormente, em se tratando de imposição legal de uma
obrigação aos particulares, é necessário que ela siga o caminho da proporcionalidade e da
razoabilidade, para que não exceda o limite que a legitima. Assim, na concepção que se
84
defende neste trabalho, haveria uma expansão das hipóteses de obrigatoriedade, desta vez
imposta em diploma legal de aplicação nacional, mas observando critérios e parâmetros.
Não custa lembrar o que foi dito no primeiro capítulo sobre a necessidade de o
programa de compliance ser visto como algo benéfico e mais vantajoso pelas empresas e
indivíduos para ser efetivamente acatado, o que, por óbvio, deve ser considerado quando se
pretende acelerar o processo de incorporação de uma cultura de integridade nas empresas.
Deste modo, uma imposição ampla e irrestrita da implantação desse tipo de estrutura
para todas as empresas seria até mesmo perigosa, já que daria oportunidade ao surgimento de
antipatia do empresariado para com esta medida que, em realidade, atua no interesse das
organizações.
Nessa perspectiva, os parâmetros serão estabelecidos para que a imposição se volte
apenas aos casos em que o valor da probidade e integridade tutelado pelo compliance seja
mais importante, ou esteja mais vulnerável, a ponto de autorizar a determinação do Estado.
Um primeiro parâmetro que se vislumbra é aquele dos elementos componentes do
mecanismo, considerando-se que, como visto, ainda que haja linhas mestras para a
organização de estrutura robusta, um programa de compliance não deve seguir uma receita
pré-estabelecida e engessada, sob pena de perecer sua efetividade e de o “Estado passar a
responder pelas falhas dos programas de integridade”178.
Nessa ótica, parâmetros flexíveis de avaliação das estruturas e aferíveis no caso
concreto como aqueles expostos nos artigos 41 e 42 do Decreto n.o 8.420/2015 e na Portaria
n.o 909/2015 da CGU devem ser mantidos, sem que se exija um número mínimo de elementos
como o faz a Lei Sapin II.
Isso conduz a outra limitação formal da obrigatoriedade, relativa à vertente externa
do compliance. Foi dito anteriormente que existem duas faces da mesma moeda num
programa de integridade corporativa – uma interna e uma externa - a depender do interesse
que se busca resguardar com determinada manifestação da política de transparência da
empresa, o que, como visto, também não exclui hipóteses de intersecção entre essas faces.
A vertente interna, preocupada com a prevenção, detecção e remediação de ilícitos
que prejudiquem os interesses da empresa, muitas vezes se orienta pelos valores e pela
própria composição e disposição estrutural da entidade.
Neste caminho, ante a autonomia privada que autoriza as pessoas jurídicas a se
organizarem como quiserem, desde que licitamente e sem prejuízo a terceiro, não é razoável
178 ZANETTI, 2016, p. 57.
85
que a obrigação de compliance imposta às organizações se volte ao modo por meio do qual
elas devem se estruturar internamente no sentido de coibir prejuízos exclusivos a seus
próprios negócios, mas apenas aqueles que, de algum modo, lesem o interesse público.
Essa questão conversa com o que foi dito logo acima a respeito do engessamento da
estrutura de integridade, já que a obrigação de compliance deve ser no sentido de haver
políticas de integridade (anticorrupção) nas empresas, mas sem que se exija um conjunto de
elementos pré-definido ou uma estruturação interna em particular.
No que se refere às empresas às quais será imposto esse dever de compliance, a
concretização ora proposta deve ser calculada e direcionada precipuamente aos setores
econômicos nos quais o risco de corrupção é mais pujante no Brasil, bem como aos cenários
em que há maior exposição das organizações aos riscos de corrupção.
Perceba-se que, para a realidade brasileira, não é de primeira necessidade o
estabelecimento de uma disciplina de obrigatoriedade de programas de integridade pautada
apenas por um parâmetro abrangente como o porte da instituição, tal qual faz a Lei Sapin II,
sendo mais importante o direcionamento para setores especialmente sensíveis da economia –
o que já se viu, por exemplo, na obrigatoriedade do Regulamento n.o 4.595/2017, voltado
especificamente às instituições financeiras.
Isso não significa que descabe delineamento que considere o tamanho da empresa,
até porque um dos princípios da ordem econômica pátria remete ao dever de tratamento
diferenciado às empresas de pequeno porte constituídassob as leis brasileiras e que tenham
sua sede e administração no país (art. 170, IX, da Constituição Federal).
De todo modo, a presente proposta entende que o grande critério definidor dos
destinatários da obrigatoriedade deve ser, num primeiro momento, o segmento de mercado de
atuação das organizações.
Assim, para mais das instituições financeiras, alguns setores especialmente delicados
e estratégicos e que, portanto, atrairiam a obrigatoriedade para si, incluem as indústrias
extrativistas, como Petróleo e gás; segmentos de produção de energia elétrica,
telecomunicações, fármacos e saúde, por exemplo. Esses setores se submeteriam à
obrigatoriedade por serem bastante regulados179, o que cria a necessidade de interação
frequente com o poder público e abre espaço para corrupção.
179 Vide a existência das agências reguladoras federais ANP (Agência Nacional do Petróleo), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), dentre outras.
86
Além deles, o setor de infraestrutura e construção em larga escala, em bastante
evidência ante os avanços da operação Lava-Jato180, também se insere no grupo de risco por
requerer licenciamento e inspeções governamentais na construção de grandes obras públicas.
A propósito, algumas outras circunstâncias se somam a este contato com o poder
público e implicam em especial vulnerabilidade das empreiteiras, dentre as quais: i) a
ocorrência de licitações para a realização das obras, o que amplia a possibilidade de
articulação de esquemas de corrupção, em especial os direcionados a comprometer esse
procedimento administrativo181; ii) o enorme volume de recursos envolvidos em grandes
projetos, que podem vir a camuflar valores pagos a título de propina; iii) a possibilidade de se
dilatar os custos e modificar contratos182, o que deixa fresta para a ocorrência de desvios de
poder.
Aliás, ao se falar em interação com o poder público, é pertinente seguir o que foi
trazido pela Lei Estadual n.o 7.753/2017 do Rio de Janeiro no que se refere à obrigatoriedade
da adoção de programas de integridade por empresas que contratem, por qualquer forma, com
a administração pública direta, indireta e fundacional, desta vez elastecendo-se essa disciplina
para os demais entes federativos.
E por fim, mas não menos importante, também é apropriada a imposição legal de
dever de adoção de programas de compliance para aquelas empresas que já foram condenadas
ou se envolveram em práticas de corrupção corporativa, demonstrando, pois, estar
especialmente sujeitas ao cometimento desse tipo de ilícito.
A inserção desses destinatários se justifica uma vez que, como foi visto, ainda que já
seja possível, atualmente a obrigação de compliance decorre da discricionariedade do pedido
do Ministério Público em sede de ação judicial ou de disposição em acordo de leniência.
Para todos esses grupos de pessoas jurídicas mencionados, com fulcro axiológico no
direito fundamental à probidade administrativa, na função social da empresa e na proteção à
ordem econômica, seria imposto dever de manutenção de estruturas de compliance, sob pena
180 Segundo o portal de notícias G1, sete das dez maiores empreiteiras do país estavam de certo modo envolvidas com a Lava Jato. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2015/06/7-das-10-maiores-empreiteiras-tiveram-executivos-investigados-na-lava-jato.html>. Acesso em: 27 out. 2017. 181 Tome-se por exemplo, a cartelização de licitações ocorridas para contratos da Refinaria Abreu e Lima. (BRANDT, Ricardo et al. Laudo da PF indica cartelização em licitações da OAS e Odebrecht na Petrobrás. 2016. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/laudo-da-pf-indica-cartelizacao-em-licitacoes-da-oas-e-odebrecht-na-petrobras/>. Acesso em: 27 out. 2017). 182 Uma das chamadas “cláusulas exorbitantes” previstas no Direito Administrativo pátrio autoriza a alteração unilateral dos contratos por parte da Administração para atender interesse público (art. 65, I, “a”, da Lei 8666/1993), bem como a revisão de preços e prazos para reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da obra (art. 65, II “d”, da Lei 8.666/1993).
87
de se submeterem a sanções como multas de natureza administrativa ou proibições de
contratação com o poder público, por exemplo.
A multa, medida coercitiva por excelência e amplamente utilizada no direito
brasileiro com este intuito, se justifica porque efetivamente faz com que as empresas,
naturalmente direcionadas ao lucro, concluam que “é mais vantajoso cumprir a obrigação [...]
do que suportar os ônus da coerção que lhe é imposta”183, a exemplo do que ocorre com os
executados no âmbito do processo civil brasileiro.
Essa sanção pecuniária não deve, no entanto, ser superior à imposta pela Lei n.o
12.846/2013 em caso de efetiva prática de corrupção por parte da empresa, sob pena de ser
desproporcional, uma vez que a punição pela “não prevenção do ilícito” seria mais severa do
que o próprio cometimento do malfeito.
Em se tratando de proibição de contratação com o poder público, além do evidente
poder coercitivo da medida ante o interesse de contratar com o poder público184, há ainda a
redução de brechas para corrupção, já que se viu que a lida com o poder público é
circunstância que em si carrega riscos.
4.3.2 A problemática da fiscalização
Do mesmo modo que este trabalho sugere um esboço dos parâmetros da obrigação
de adoção de programas de compliance, cabe abordar, por fim, sua concretização sob o
aspecto do órgão que fiscalizará as estruturas de integridade que, num expediente de
obrigatoriedade, passarão e ser permanentes e demandarão vistoria também perene para se
manterem atentos à efetividade.
Tal necessidade passa a ser premente quando se percebe que, pela atual previsão
normativa para o compliance, a demanda pela apreciação desse tipo de estrutura surge apenas
pontualmente, quando a empresa processada alega em seu favor ter em funcionamento um
programa de integridade. Somente nessas hipóteses cabe à comissão processante do Processo
Administrativo de Responsabilização (PAR), formada especialmente para aquele PAR, a
fiscalização dos programas, e apenas para efeito de mitigação de penalidades.
Nesse cenário, uma circunstância se opõe desde logo à atuação do atual Ministério da
Transparência e Controladoria-Geral da União como órgão fiscalizador, e é justamente seu
183 ABELHA, 2015, p. 106. 184 Cf. nota de rodapé no 106.
88
status de ministério185, o que reduziria significativamente seu poder fiscalizatório perante
contratações de outros ministérios, por exemplo, não obstante se referirem a ele como “típica
agência anticorrupção do país”186.
Essa conclusão revela a problemática do órgão fiscalizador, não solucionada pela Lei
n.o 7.753 carioca187, que precisa ser autônomo e permanente, o que pode ser resolvido de dois
modos no panorama brasileiro.
O primeiro deles seria, nos moldes do estabelecido pela Lei Sapin II, a criação de
uma nova agência anticorrupção semelhante à Agência Francesa Anticorrupção (AFA). No
entanto, é importante relembrar que essa organização surgiu em razão da peculiaridade de
fracionamento na competência para fiscalização das práticas de corrupção entre diversos
órgãos que existiam na França, o que fragilizava a eficiência desse tipo de controle no país.
Essa solução, embora pareça bastante acertada num primeiro olhar, pode ter difícil
concretização, considerando-se os custos envolvidos na criação de mais um organismo dentro
da máquina pública. A isso soma-se a imperatividade de se conferir independência funcional e
estrutura e remuneração atraente para que seus membros, de modo semelhante ao que ocorre
com os membros a Magistratura, avaliem a efetividade das políticas anticorrupção das
empresas sem que possam ser influenciados.
A segunda hipótese, e talvez a mais realista diante dos custos acima mencionados,
seria a de concentração da competência de fiscalização dos programas de integridade para
estrutura independente que já exista, de preferência com bagagem técnica e experiência no
contato com empresas.
Dentro dessa instituição pré-existente seria criado novo setor, responsável pela
apreciação dos programas de compliance anticorrupção. Por essa ótica, o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que tem natureza de autarquia federal, é um
forte candidato nessa empreitada, considerando-se a experiência que tem na lida com o
empresariado e a já mencionada intersecção que existe entre os ilícitos de corrupção
corporativa e aqueles que ofendem a ordem econômica.
185 A antiga CGU foi extinta pela Lei no 13.341/2016, a mesma que criou o Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União, conferindo-lhe as competências do antigo órgão vinculado à Presidência da República. 186 Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/institucional/historico>. Acesso em: 28 out. 2017. 187 A lei estadual não previu órgão fiscalizador dos programas exigidos. Por sua vez, obrigatoriedade imposta pelo Regulamento 4.595/2017 do Banco Central será fiscalizada pelo próprio BACEN, ao passo que a Lei 13.303/2016 previu para as empresas públicas e sociedades de economia mista a criação de uma área responsável e independente, dentro da própria estatal, com competência para fiscalizar o cumprimento da obrigação (art. 9o, §2o, da lei 13.303/2016).
89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca por ampliar as armas de combate à corrupção é objetivo que levanta uma
série de possibilidades, que vão além da simples criação do tipo penal vedando este tipo de
comportamento. Neste espeque, as ferramentas que convocam o particular a repelir as práticas
corruptas, em especial os mecanismos de compliance, têm se mostrado cada vez mais
importantes para a tarefa.
Viu-se que, se efetivos, isto é, individualizados e sujeitos a contínuo aprimoramento,
os programas de integridade corporativa se mostram como excelente utensílio à disposição
das empresas na prevenção, detecção e remediação de ilícitos de corrupção organizacional.
Para além disso, o compliance também atua diretamente no interesse das empresas, uma vez
que melhora sua produtividade e a reputação da organização perante clientes, fornecedores e
investidores.
Essa efetividade das estruturas de compliance, no entanto, perpassa necessariamente
pela percepção das organizações e dos indivíduos de que o “fazer o certo” trazido por práticas
de integridade é mais vantajoso do que agir em desconformidade, o que aponta a importância
do papel do direito como condutor de comportamentos.
Não obstante isso, o tratamento geral atualmente dado pelo ordenamento jurídico
brasileiro ao instituto do compliance é meramente indutivo, já que a Lei n.o 12.846/2013
apenas concede sanções menos severas às empresas que cometeram ilícitos e possuem
programas de integridade corporativa em funcionamento. A referida lei também não positiva
qualquer dever de prevenção, detecção e remediação da corrupção no âmbito das empresas e
demais destinatários de suas prescrições.
Em hipóteses pontuais e bastante recentes, dispostas em leis esparsas e regulamentos
limitados a determinados setores e circunstâncias, o Brasil iniciou a proposição da
obrigatoriedade de compliance a algumas entidades. A disciplina geral prevista na Lei n.o
12.846/2013 ainda é de facultatividade na adoção dessas medidas, portanto, tidas como
simples atenuantes.
Tal expediente geral é incompleto e contraditório, uma vez que apenas reconhece o
valor do compliance, uma ferramenta voltada precipuamente à redução dos riscos de ilícitos
de corrupção, após a concretização do injusto.
Além disso, com um tratamento geral de facultatividade, a adoção dos programas de
integridade pelas empresas do país é lenta e frágil – apenas o setor das instituições
90
financeiras, que possuem o dever de implantação por um dos normativos acima mencionados,
se destaca pela maturidade do compliance. Isso abre frestas perigosas para a ocorrência de
corrupção no âmbito das empresas.
Apresentando disciplina bastante diferente da regra geral brasileira, foi introduzida
neste estudo a Lei Sapin II, de recente entrada em vigor da França, que estabelece a
obrigatoriedade na adoção de programas de compliance anticorrupção em empresas sob sua
jurisdição que possuam determinadas características, afetas principalmente ao porte da
instituição.
Isso aponta direcionamento a ser seguido internacionalmente na ampliação da
severidade com a qual se repelem as práticas se suborno, ante a importância da atuação
coordenada e a padronização de políticas anticorrupção entre os países, sob pena de não haver
combate efetivo à corrupção, mas apenas desvio de seus caminhos.
Todavia, ainda que sob a ótica de deficiência da disciplina brasileira e novos
direcionamentos internacionais, a criação de uma obrigatoriedade, diferentemente da
facultatividade, não deve ser feita de qualquer maneira, uma vez que implica na limitação das
liberdades do particular.
Nessa perspectiva, foi sopesado de um lado a liberdade das empresas, e do outro, o
direito fundamental à probidade administrativa e a proteção à livre iniciativa
constitucionalmente positivada, em razão da relação que existe entre as práticas de corrupção
e as ofensas à ordem econômica, assim como a Função Social da Empresa. Com isso, viu-se
que, de fato, a ampliação da obrigatoriedade de compliance no Brasil não só é compatível
com os valores do ordenamento pátrio, mas também se faz necessária.
Em continuidade a essa análise, foram demonstrados alguns parâmetros que devem
orientar a obrigação de implementar programas de integridade no Brasil, considerando as
peculiaridades nacionais.
Nessa análise, viu-se que a obrigatoriedade brasileira num primeiro momento deve
ser norteada pelos segmentos econômicos de maior risco de corrupção, ou seja, com maior
contato com o poder público, bem como entidades que já possuam condenação por práticas
desse tipo. A imposição da obrigatoriedade implicaria em sanções de multa e proibição de
contratação com o poder público.
Nessa concretização, percebeu-se, por fim, que a disciplina de obrigatoriedade de
adoção de medidas de integridade pelas empresas encontra certa problemática no que se
refere à entidade que fiscalizaria os programas em questão.
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Apesar disso, considerando-se que as melhores estratégias de combate a este mal
requerem esforço conjunto do Estado e da sociedade, o compliance anticorrupção representa
expressivo primeiro passo a ser estimulado no sentido de sinalizar que corrupção e as práticas
ímprobas são efetivamente um mau negócio.
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