UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
JOHNATAN RAFAEL SANTANA DE BRITO
FINANÇAS PÚBLICAS E FEDERALISMO FISCAL:
Uma análise da efetividade fiscal dos municípios brasileiros.
Natal/RN,
2017
JOHNATAN RAFAEL SANTANA DE BRITO
FINANÇAS PÚBLICAS E FEDERALISMO FISCAL:
Uma análise da efetividade fiscal dos municípios brasileiros.
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte para obtenção
do título de Doutor em Administração na Área
de Política e Gestão Públicas.
Orientador: Prof. Dr. Hironobu Sano
Natal/RN,
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Brito, Johnatan Rafael Santana de.
Finanças públicas e federalismo fiscal: uma análise da efetividade fiscal dos
municípios brasileiros / Johnatan Rafael Santana de Brito. - Natal, 2017.
887f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Hironobu Sano.
Tese (Doutorado em Administração) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Ciências
Administrativas. Programa de Pós-graduação em Administração.
1. Administração - Tese. 2. Finanças públicas. 3. Federalismo fiscal - Tese. 4.
Municípios brasileiros - Tese. I. Sano, Hironobu. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 336.1(81)
JOHNATAN RAFAEL SANTANA DE BRITO
FINANÇAS PÚBLICAS E FEDERALISMO FISCAL:
Uma análise da efetividade fiscal dos municípios brasileiros.
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte para obtenção
do título de Doutor em Administração na Área
de Política e Gestão Públicas.
Aprovada em: 21 / 08 / 2017.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Hironobu Sano
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
______________________________________________
Profa. Dra. Maria Arlete Duarte de Araújo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
______________________________________________
Prof. Dr. Thiago Ferreira Dias
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
______________________________________________
Prof. Dr. Ítalo Fittipaldi
Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
______________________________________________
Prof. Dr. Luiz Antônio Abrantes
Universidade Federal de Viçosa – UFV.
DEDICATÓRIA
Esta tese é dedicada à minha esposa, Jéssica,
pelo apoio incondicional dispensado no
processo de construção deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Ao longo desta jornada para se obter o título de doutor, iniciada ainda durante o processo
de seleção do PPGA, algumas pessoas foram fundamentais para que tudo isso se consolidasse
e fosse possível atingir esse objetivo. Primeiramente agradeço ao Professor e amigo João Matos
Filho, o principal responsável por me inserir no instigante (as vezes frustrante) mundo das
finanças públicas, desde a graduação no curso de Economia da UFRN e principalmente durante
o mestrado, também em Economia, quando brilhantemente me conduziu no processo de
orientação que culminou na construção e publicação de um trabalho premiado.
Agradeço ainda aos professores Edward Costa, pelo incentivo à minha entrada no
PPGA, Luciano Sampaio, pelo acolhimento nos meses iniciais do Doutorado, Maria Arlete pelo
apoio, incentivo e confiança dispensada a mim, um aluno egresso da Economia, mas muito bem
acolhido por seus ensinamentos e orientações, à professora Dinah e ao professor Ítalo Fittipaldi
por suas contribuições ao longo da construção do trabalho, à professora Jomária pela
compreensão e sensibilidade no trato com os alunos e ao professor Manoel Veras, coordenador
do PPGA, sempre resolutivo e disposto a contribuir.
Sou muito grato também à Universidade Federal de Campina Grande, organização à
qual tive a honra de ser admitido como docente durante o segundo semestre do doutorado e que
me permitiu sair em afastamento nesse último ano para concluir minha tese. Destaco os nomes
de Camilo Allyson, Paulo Pamplona, Érica Cristine, Roberto Queiroga, Daniel Casimiro e
Mônica Tejo, colegas de trabalho e amigos que me deram total apoio e incentivo ao longo
desses anos de estrada entre o Sertão Paraibano e a capital Potiguar.
É necessário ainda deixar palavras de gratidão à minha família, que, com algumas
exceções, não compreendem bem o que é esse negócio de doutorado, que as vezes me
perguntam quando vou parar com esse negócio de viver estudando, sempre me respeitando e
apoiando. Não me cansarei de repetir e jamais esquecerei de agradecer ao Professor George
França, meu tio, a peça fundamental que deu o impulso necessário na minha carreira acadêmica.
Uma jornada tão longa e desgastante não seria possível de ser vencida sem a
cumplicidade de amigos. Assim, agradeço em especial aos meus grandes parceiros e também
doutores Patrick Reinecke e Marcos Adller. Vocês foram fundamentais nessa caminhada. A
Alemanha nos espera, amigos!
Apesar de grandes alegrias vividas ao longo de todo o doutorado, também houve
momentos de desânimo e preocupações, coisas tais que fizeram surgir o meu maior aliado na
empreitada de conclusão do doutorado que foi meu inestimável orientador, Hiro. Obrigado por
ter me acolhido num momento tão importante, por ter me auxiliado a reencontrar meu caminho,
pelo nível de exigência com que corrigia meus manuscritos, pelas críticas ao material e por todo
incentivo e apoio dado, nunca duvidando da minha competência e capacidade. Muitíssimo
obrigado mesmo, sem sua essencial ajuda a história teria sido outra.
Por fim, agradeço à Jéssica, minha fiel escudeira, a quem dedico este trabalho.
Companheira que me deu incondicional apoio nas horas que quase passei a desacreditar que
conseguiria, que cobrava ação nos dias de morosidade, que era implacável na revisão do
material, mas que estava sempre ao meu lado, me ouvindo, me ajudando, me incentivando e me
oferecendo seu ombro para que eu pudesse descansar e me reenergizar. Sou grato por sua
compreensão quando não foi possível ver os episódios das séries que gostamos, por sua
dedicação e abnegação quando tivemos que ir morar tão longe por causa do meu trabalho e
viajar tantas vezes por causa do meu doutorado. São tantos “meus” e “eus” aos quais você se
dedicou, as vezes deixando de lado suas vontades e seus desejos... por isso, dedico não só esta
tese como meu título de Doutor a você, quem deu toda a base para que iniciássemos o processo
de conquista de nossos sonhos. Esse é mais um passo e você foi a peça chave disso tudo.
Obrigado.
Nenhuma dessas pessoas e nenhuma dessas coisas haveria acontecido senão pela
providencia soberana de Deus, cuidando em cada momento para que tudo ocorresse de forma
perfeita, me apresentando às pessoas certas nas horas certas e me dando as condições
necessárias para o crescimento intelectual, debaixo de sua graça. Soli Deo Gloria.
“Todavia, não é nossa função controlar todas as
marés do mundo, mas sim fazer o que pudermos
para socorrer os tempos em que estamos
inseridos, erradicando o mal dos campos que
conhecemos, para que aqueles que viverem depois
tenham terra limpa para cultivar. Que tempo
encontrarão não é nossa função determinar”.
(J. R. R. TOLKIEN, O Senhor dos Anéis: O
retorno do Rei.)
“- O que teme, senhora? - Uma gaiola, disse ela.
- Ficar atrás das grades, até que o hábito e a
velhice as aceitem e todas as oportunidades de
realizar grandes feitos estejam além da lembrança
e do desejo”.
ibid.
RESUMO
A estrutura fiscal-federativa brasileira apresenta algumas peculiaridades que a torna distinta,
sobretudo no que diz respeito às competências relativas aos governos locais. O modelo de
transferências e a ocorrência de fenômenos tais como o flypaper effect e a ilusão fiscal, lançam
questões acerca do comportamento da gestão fiscal dos municípios brasileiros. O caráter
autônomo dessas esferas de governo é questionado do ponto de vista orçamentário, tendo em
vista a dependência existente dos recursos oriundo de transferências, tanto verticais como
horizontais. Além disso, o caráter descentralizado do modelo acentua o nível de desequilíbrio
fiscal nos municípios, gerando dúvidas quanto a efetividade fiscal desses entes. Diante desse
contexto, questiona-se qual o padrão funcional do comportamento fiscal derivado da estrutura
organizacional do federalismo fiscal brasileiro. O objetivo desta tese é apresentar uma análise
acerca do modelo fiscal-federativo brasileiro à luz da perspectiva dos municípios, considerando
a autonomia orçamentária e o desequilíbrio fiscal efetivo, de maneira a compreender as
diferenças no que diz respeito aos níveis de efetividade fiscal obtido pelos governos locais e
assim observar qual o padrão da gestão fiscal dos municípios em face à estrutura do modelo
brasileiro. A hipótese levantada é que os aspectos intrínsecos ao modelo fiscal-federativo
praticado no Brasil, tais como o sistema de transferências e o flypaper effect, não apenas afetam
a gestão fiscal dos municípios como são fatores preponderantes para o funcionamento do
próprio modelo, gerando, por consequência, um padrão de comportamento quase compulsório
e pouco autônomo. Para observar essas questões, foi construído um Coeficiente que
desempenha a função de parâmetro gerencial para identificar do nível de efetividade fiscal da
menor esfera de governo (Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios – CEFM), sendo
este uma proxy analítica da estrutura do federalismo fiscal brasileiro. Além das variáveis
orçamentárias, considerou-se algumas características socioeconômicas dos municípios a
aplicou-se uma análise de cluster afim de agrupá-los em função de suas semelhanças e assim
poder observar, posteriormente, as mudanças nos agrupamentos ocasionadas pela inclusão do
parâmetro fiscal. Como resultados, verificou-se a ocorrência de níveis distintos de efetividade
fiscal dos municípios e a verificação do referido padrão de comportamento ao qual os
municípios se enquadram em função dos aspectos que o modelo fiscal-federativo impõe a estes.
Palavras-chave: Federalismo Fiscal; Autonomia Orçamentária; Desequilíbrio Fiscal Efetivo;
Efetividade Fiscal; Municípios.
ABSTRACT
The Brazilian fiscal-federative structure presents some peculiarities that make it distinct,
especially with regard to the competences related to local governments. The transfer model and
the occurrence of the flypaper effect and fiscal illusion raise questions about the fiscal
management behavior of Brazilian municipalities. The autonomous nature of these spheres of
government is questioned from a budgetary perspective, given the existing reliance on resources
from both vertical and horizontal transfers. In addition, the decentralized nature of the model
accentuates the level of fiscal imbalance in the municipalities, generating doubts as to the fiscal
effectiveness of these entities. Given this context, the research question is: what is the functional
pattern of fiscal behavior derived from the organizational structure of Brazilian fiscal
federalism. The purpose of this thesis is to present an analysis of the Brazilian fiscal-federative
model in the light of the municipalities' perspective, considering the budgetary autonomy and
the effective fiscal imbalance, in order to understand the differences in the levels of fiscal
effectiveness obtained by the governments localities and thus to observe the standard of the
fiscal management of the municipalities in face of the structure of the Brazilian model. The
hypothesis raised is that the aspects intrinsic to the fiscal-federative model practiced in Brazil,
such as the transfer system and the flypaper effect, not only affect the fiscal management of the
municipalities, but are also preponderant factors for the functioning of the model itself,
consequence, a pattern of almost compulsory and not autonomous behavior. In order to observe
these questions, a Coefficient was constructed that performs the function of managerial
parameter to identify the level of fiscal effectiveness of the smallest sphere of government
(Fiscal Effectiveness Coefficient of municipalities - CEFM), which is an analytical proxy of
the structure of Brazilian fiscal federalism. In addition to the budgetary variables, we considered
some socioeconomic characteristics of the municipalities, a cluster analysis was applied in order
to group them according to their similarities and thus to be able to later observe the changes in
the clusters caused by the inclusion of the fiscal parameter. As results, it was verified the
occurrence of distinct levels of fiscal effectiveness of the municipalities and the verification of
the mentioned pattern of behavior to which the municipalities are classified according to the
aspects that the fiscal-federative model imposes on them.
Keywords: Fiscal Federalism; Budgetary Autonomy; Effective Fiscal Imbalance; Fiscal
Effectiveness; Municipalities.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Estrutura analítica ........................................................................................................ 82
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Participação das transferências no orçamento dos municípios brasileiros. ............. 48 Tabela 2 - Resumo quanto ao número e percentual de municípios observados. ....................... 84
Tabela 3 - Sumário estatístico de clusters em 1º momento referente ao ano de 2001. ............. 85 Tabela 4 - Sumário estatístico de clusters em 1º momento referente ao ano de 2012. ............. 85 Tabela 5 - Percentual de participação das Receitas Tributárias e de Transferências no total do
orçamento municipal (2001 e 2012). ........................................................................................... 87 Tabela 6 - Síntese dos resultados dos níveis de efetividade dos municípios (2001 e 2012). ... 94 Tabela 7 - Sumário estatístico de clusters em 2º momento referente ao ano de 2001. ............. 94
Tabela 8 - Sumário estatístico de clusters em 2º momento referente ao ano de 2012. ............. 94 Tabela 9 - Variação da quantidade dos municípios na composição dos clusters 1º momento (1º
M) e 2º momento (2º M). .............................................................................................................. 97
Tabela 10 - Variações dos componentes dos clusters entre momentos por ano. ...................... 98 Tabela 11 - Variações dos componentes dos clusters do ano inicial para o final em 1º e 2º
momentos. ...................................................................................................................................... 98
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Participação na receita total disponível (2001 - 2012).............................................. 47
Gráfico 2: Participação na despesa efetuada (2001 – 2012) ....................................................... 47 Gráfico 3: Comportamento das despesas orçamentárias dos municípios (2001 – 2010) ........ 49 Gráfico 4: Distribuição percentual dos municípios observados por região ............................... 84
Gráfico 5: Dendrograma – Clusters em 1º momento (2001). ..................................................... 87 Gráfico 6: Dendrograma – Clusters em 1º momento (2012). ..................................................... 88 Gráfico 7: Comportamento do FPM por Cluster (2001 e 2012) ................................................ 89
Gráfico 8: Comportamento do ITR por Cluster (2001 e 2012) .................................................. 89 Gráfico 9: Comportamento da Cota-Parte do ICMS por Cluster (2001 e 2012)....................... 89 Gráfico 10: Comportamento da Cota-Parte do IPVA por Cluster (2001 e 2012) ..................... 90
Gráfico 11: Comportamento da LC 87/96 por Cluster (2001 e 2012) ....................................... 90 Gráfico 12: Comportamento das Transferências Voluntárias por Cluster (2001 e 2012) ........ 90 Gráfico 13: Comportamento do Investimento por Cluster (2001 e 2012) ................................. 91
Gráfico 14: Comportamento das Despesas Correntes por Cluster (2001 e 2012) .................... 91 Gráfico 15: Relação entre o Crescimento das Transferências e da Despesa Corrente ............. 93 Gráfico 16: Dendrograma – Clusters em 2º momento (2001). ................................................... 95
Gráfico 17: Dendrograma – Clusters em 2º momento (2012). ................................................... 96
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Publicações, foco da análise, métodos e aspectos que afetam as decisões no âmbito
da gestão fiscal. ............................................................................................................................. 66 Quadro 2 - Situações para Determinação do IAO e do IDFE. ................................................. 101
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art Artigo
CEFM Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios
CF Constituição Federal
DC Despesa Corrente
DFE Desequilíbrio Fiscal Efetivo
FEP Fundo Especial do Petróleo
FF Federalismo Fiscal
FFEB Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros
FINBRA Finanças do Brasil
FIRJAN Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FPM Fundo de Participação dos Municípios
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
I Investimento
IAF Indicador de Autonomia Financeira
IAO Indicador de Autonomia Fiscal Orçamentária
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDFE Indicador de Desequilíbrio Fiscal Efetivo
IDFM Índice de Desempenho Fiscal dos Municípios
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IE Imposto sobre Exportação
IEF Indicador de Esforço Fiscal
IFGF Índice Firjan de Gestão Fiscal
IGF Imposto sobre grandes fortunas
II Imposto sobre Importação
IOF Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro.
IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano
IPVA Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores
IQGP Índice de Qualidade de Gasto Público
IR Imposto de Renda
IRF-QG Índice de Responsabilidade Fiscal e Qualidade da Gestão
ISS Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza
ITBI Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter vivos
ITCMD Imposto sobre transmissão causa mortis e doação
ITR Imposto Territorial Rural
LC Lei Complementar
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal
MANOVA Análise Multivariada da Variância
MQO Mínimos Quadrados Ordinários
ORCorr Outras Receitas Correntes
PIB Produto Interno Bruto
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RBS Revisão Bibliográfica Sistemática
ROrc Receita Orçamentária
RTransf Receita de Transferência
RTrib Receita Tributária
STN Secretaria do Tesouro Nacional
UF Unidade Federativa
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 17
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO FEDERALISMO BRASILEIRO. ................... 29
2.1 Aspectos Gerais Sobre o Federalismo: Um enfoque no modelo brasileiro. ............. 29
2.2 Caracterização do Modelo Fiscal-Federativo e seus Desequilíbrios ......................... 33
2.2.1 A perspectiva da descentralização, das competências tributárias e das transferências... 33
2.2.2 Flypaper Effect e Ilusão Fiscal ........................................................................................... 40
3 FEDERALISMO NO BRASIL: Alguns Aspectos Empíricos. ................................... 46
3.1 Análise Geral das Questões Fiscais................................................................................. 46
3.2 Base Econômica Municipal e seus Reflexos no Contexto Fiscal ................................ 54
4 ASPECTO GERENCIAL E O COMPORTAMENTO DOS MUNICÍPIOS. ......... 58
5 ASPECTOS METODOLÓGICOS: Modelo de análise e manejo de dados............. 63
6 ANÁLISE DA EFETIVIDADE FISCAL DOS MUNICÍPIOS E SUAS INTERPRETAÇÕES TEÓRICO-EMPÍRICAS.......................................................... 83
6.1 Aspectos Gerais.................................................................................................................. 83
6.2 Modelo de Cluster em Primeiro Momento .................................................................... 85
6.3 Apresentação e análise do Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios (CEFM) e apresentação dos clusters em segundo momento. ..................................................... 92
6.4 Análise comparativa entre os momentos. ...................................................................... 97
7 REFLEXÕES FINAIS .................................................................................................... 104
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 110
APÊNDICE A – Competências dos Municípios em Termos de Prestação de Serviços . 130
APÊNDICE B – Aspectos Tributários do Brasil .................................................................. 131
APÊNDICE C – Principais Características das Transferências destinadas aos municípios.
...................................................................................................................................................... 133
APÊNDICE D – Outputs dos testes para validação dos Clusters (1º momento) – Utilização
do pacote Stata (Statistics Data Analysis 11.0). .................................................................... 135
APÊNDICE E – Outputs dos testes para validação dos Clusters (2º momento) – Utilização
do pacote Stata (Statistics Data Analysis 11.0). .................................................................... 138
APÊNDICE F – Outputs do modelo para o teste do IDFE por meio da substituição da
Receita Tributária pela Receita Orçamentária como variável do referido Indicador... 139
ANEXOS ..................................................................................................................................... 140
17
1 INTRODUÇÃO
Os aspectos fiscais do federalismo brasileiro continuam se apresentado como um tema
de importantes debates acadêmicos e da agenda política. Desde a Constituição Federal de 1988,
e mais profundamente após a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000,
diversos estudos foram publicados1 dando enfoque às questões relativas à descentralização e
equalização fiscal, às transferências verticais e, fundamentalmente, às características e
competências dos municípios nesse cenário federativo, posto que, no modelo brasileiro, estes
passaram a ser entes autônomos com funções específicas e poder de decisão política,
administrativa e orçamentária.
Assim, o contexto ora apresentado está circunscrito dentro de uma perspectiva
federativa pactuada na Constituição Federal de 1988, cujas premissas descentralizadoras
culminaram na implantação de um modelo no qual o município passa a ser um ente federado
autônomo. Vale salientar que, apesar de existirem outras experiências de modelos federativos
com três níveis de governo (como por exemplo na Alemanha e na Austrália), esse poder
autônomo, nos termos prescritos na CF/1988, é uma peculiaridade exclusiva do modelo de
federalismo brasileiro (FFEB, 2009)2.
Ficou estabelecido, conforme os princípios definidos na CF/1988, que cada esfera de
governo detém competências específicas de arrecadação tributária, o que fez com que o
município também passasse a possuir autonomia orçamentária, ou seja capacidade de arrecadar
e gerir suas próprias receitas de maneira independente. Todavia, segundo Amaral et al (2003)
e Giroldo e Kempfer (2012), o que ocorreu na verdade foi o surgimento de uma nova
perturbação quanto à equalização fiscal: o município entra no bojo dessa disputa por uma maior
fatia na redistribuição de recursos (antes o debate era apenas entre a União e os estados),
sustentando-se no argumento das necessidades orçamentárias locais e com base no princípio da
equidade (GONDAR, 2012).
De maneira sucinta, a arrecadação da maior parte dos impostos, inclusive daqueles de
maior magnitude, dentre os quais destacam-se o Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI), são da União – atingindo cerca de 70%3 do total arrecadado no
1 FFEB (2009); REZENDE (1995) e (2006); PRADO (2008); GIROLDO e KEMPFER (2012), dentre outros. 2 Programa de estudos que busca debater e apresentar análises de temas de interesse dos estados cujo foco está
centrado na área fiscal e tributária. Surgiu em 2004 e foi coordenado pela FGV até o ano de 2009, quando a
ESAF passou a dirigir. 3 Ver Apêndice B.
18
país. Aos estados e municípios compete uma parcela diminuta do montante da arrecadação,
25% e 5%, respectivamente (AMARAL et al, 2013).
Prado (2008), bem como o estudo desenvolvido pelo Fórum Fiscal dos Estados
Brasileiros (FFEB, 2009), demonstram que o volume de recursos necessários aos municípios é
maior que a capacidade de arrecadação que estes dispõem. Essa situação é caracterizada como
um desequilíbrio fiscal que Rezende (1995; 2006) chama de “brecha vertical”, definindo-a
como sendo a diferença entre as competências designadas aos municípios pelo pacto federativo
em termos de gasto e a base tributária estabelecida para estes. É importante ressaltar que tal
definição não diz respeito apenas à diferença entre a arrecadação própria e as despesas
orçamentárias, mas considera os aspectos normativos das competências tributárias, ou seja, leva
em conta aquilo que o município deveria arrecadar, conforme estabelecido no pacto federativo.
Ainda de forma conceitual, verifica-se que, para a Secretaria de Política Econômica, do
Ministério da Fazenda, brecha vertical é a insuficiência de receita em função do desequilíbrio
entre os tributos próprios auferidos e a necessidade de gasto, enquanto que desequilíbrio fiscal
é a diferença ente receita e despesa orçamentária4. Assim, a brecha vertical se configura como
um desequilíbrio fiscal vertical, todavia nem todo o desequilíbrio é causado pela brecha,
podendo ser resultado de outros problemas de composição orçamentária e/ou de distúrbios na
estrutura de gasto.
Diante dos conceitos apresentados, verificou-se que há uma lacuna no que diz respeito
à analise quanto a atividade arrecadatória e o equilíbrio fiscal dos municípios. Considerando as
despesas correntes e os investimentos como gastos prioritários dos governos locais, ou seja, os
gastos mínimos que são exigidos para que esses entes possam cumprir com suas prerrogativas,
as definições ora apresentadas não discutem a relação entre essas despesas e as receitas
tributárias. Acreditando ser esse um assunto de significativa importância em função das
atividades hodiernas desenvolvidas na esfera municipal.
Analisando o cenário de insuficiência das receitas tributárias para o cumprimento das
despesas dos governos locais, Rezende (1995; 2006), Loureiro e Abrúcio (2004) e Prado (2008)
estabelecem que a brecha vertical é originada dentro da própria dinâmica do federalismo.
Segundo os autores, ocorre nos municípios simultaneamente a insuficiência de arrecadação e
um elevado gasto público. Assim, diante desse contexto, admite-se que a dinâmica de gastos,
4 Ver em http://www.spe.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/auditorias /arquivos/acesso-a-informacao/auditor
ias/arquivos/relatorio-de-gestao-7.
19
ou seja, a forma de como o município desembolsa seus recursos5, é tão importante quanto o
perfil de composição de suas receitas, tendo em vista que a relação inversa entre eles denota o
tamanho do desequilíbrio (AFONSO e ARAÚJO, 2000; ARRETCHE, 2005).
Assim, nesta tese será considerado o conceito de Desequilíbrio Fiscal Efetivo, que se
configura como sendo o resultado da diferença entre a arrecadação tributária municipal e
os gastos em despesas correntes e investimento, diferenciando-se do conceito de brecha
vertical que apresenta um aspecto conceitual e mais normativo. Apesar dessa distinção, é a
definição de brecha vertical que serve de base para construção desse novo conceito e para
estruturação teórica desenvolvida ao longo deste estudo.
Dando continuidade à discussão da análise acerca das questões fiscais dos governos
locais apresentadas por Rezende (1995), Garson (2009), Giroldo e Kempfer (2012), Gondar
(2012), dentre outros, é possível destacar dois dos principais aspectos que dificultam a
formulação de uma teoria que generalize e verse sobre os municípios de maneira uniforme: a
assimetria de características entre os diversos municípios brasileiros e a variabilidade das
características da composição orçamentária, cuja semelhança está na elevada demanda de
recursos para realização de suas competências.
Em síntese, ao conduzir a esfera municipal ao patamar de ente federativo, com
atribuições e autonomia administrativa, política e financeira, que legitimam a execução de suas
ações, não se ofereceu as condições necessárias para a constituição de receitas próprias6 que
sejam suficientes para atender toda a demanda orçamentária dessa esfera. Em outros termos, “a
autonomia financeira foi confundida com a liberdade para gastar sem a equivalente
responsabilidade de tributar” (REZENDE, 1995), ou seja, as obrigações de gasto quase sempre
são superiores à capacidade de arrecadação tributária.
Nesse contexto se insere um conceito importante que é o de gestão fiscal. A CF/1988
estabelece em seu Título VI os aspectos relativos às questões fiscais, à tributação e ao
orçamento dos entes federados, definindo ainda a necessidade de Lei Complementar para o
ordenamento da gestão fiscal dos municípios. Em função disso, foi estabelecida a Lei de
Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000, que define responsabilidade fiscal como:
5 Por mais importante que o tema seja, não é foco de análise desta tese a observação quanto à eficiência do gasto
público municipal. A ideia neste trabalho, que justifica o uso dos dados de gasto público, é analisar os aspectos
relativos ao seu volume e sua relação com o montante da arrecadação tributária dos municípios, afim de
identificar o comportamento fiscal dos municípios com base nessas variáveis. 6 De acordo com a LRF, todos os entes possuem competências tributárias distintas e não é permitida a renúncia
tributária. Pode-se trabalhar com a perspectiva de isenção fiscal em algumas situações.
20
(...) a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios
capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas
de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que
tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e
outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por
antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar (LC/101,
art. 1º, §1º, 2000).
Uma revisão bibliográfica realizada à luz da literatura relativa ao tema apontou para um
conceito que foi sintetizado por Peters e Pierr (2010), definindo Gestão Fiscal como a parte da
administração pública que tem como foco os aspectos relativos à tributação, ao orçamento
público e à destinação dos recursos financeiros disponíveis. Diante desses conceitos, assume-
se como Gestão Fiscal, o conjunto de ações planejadas cujo foco está centrado na administração
das receitas e dos gastos, necessários ao atendimento dos objetivos de determinado ente público.
A importância desse conceito está ligada ao comportamento apresentado pelos
municípios brasileiros em função de sua condição de ente autônomo da federação, cujas
escolhas quanto à prestação de serviços depende das escolhas admitidas do ponto de vista
orçamentário, portanto, diz respeito às questões relativas às receitas e despesas realizadas pelos
municípios.
Em função de algumas prerrogativas imputadas à Gestão Fiscal dos entes federados via
LRF, as despesas municipais passaram a ser alvo de constante análise do ponto de vista do
controle fiscal (ASAZU e ABRUCIO, 2003; ARRETCHE, 2005; FIORAVANTE et al, 2006;
2008). Ainda assim, consoante Fioravante et al (2008), o quadro não apresentou mudanças
significativas e os resultados apresentados pelos municípios, embora demonstrem alguma
melhoria com relação ao controle de suas despesas, não sugerem uma possibilidade de se atingir
o equilíbrio entre receitas e despesas.
Ao mesmo tempo que o pacto federativo estabelece as competências dos entes
federados, tanto em termos de oferta de serviços como acerca das responsabilidades tributárias,
ele identifica a existência da brecha vertical e oferece soluções para tal. O sistema fiscal-
federativo prevê um mecanismo de ajuste orçamentário que são as transferências, que podem
ser verticais (intergovernamentais)7, ou horizontais – entre entes da mesma esfera de governo.
A lógica das transferências é compensar a diferença entre o arrecadado e o necessário para o
cumprimento das despesas (BAIÃO, 2013; COSTA e CASTELAR, 2013; 2015), sendo um dos
pilares de sustentação do modelo, mas que no caso brasileiro proporciona desdobramentos na
forma de como se executa o sistema federativo, sobretudo no que diz respeito à autonomia local.
7 Baseadas no repasse de recursos captados por outras esferas para os municípios
21
Guedes e Gasparini (2007) consideram que as transferências devem ser entendidas como
uma variável de ajuste, por meio da qual o desequilíbrio da brecha vertical deve ser transposto.
Todavia, eles apontam que essa relação é uma espécie de fórmula indutora da ineficiência8 do
modelo brasileiro, em função do tamanho da diferença entre as obrigações dos municípios e os
recursos que estes podem obter por meio de sua arrecadação tributária. Assim, admite-se como
pressuposto que a análise realizada a partir da inclusão das transferências no bojo das receitas
orçamentárias municipais encobre um problema central dos municípios, qual seja: o tamanho
da brecha vertical. Tal perspectiva aponta para uma significativa dependência de recursos
oriundos de transferências, numa proporção tal que os tornam menos autônomos, seguindo o
contra fluxo do que fora previsto no pacto federativo. Além dos argumentos teóricos, dados
empíricos também dão subsídios para a utilização desse pressuposto.
Ao analisar os resultados fiscais a partir da receita orçamentária9 ou das receitas
correntes10, não se consegue perceber quão distante do equilíbrio fiscal, ou seja, da paridade
entre os valores das receitas tributárias e das despesas orçamentárias, os governos locais se
encontram, já que, observando a média dos municípios brasileiros a partir dos dados publicados
pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), suas receitas tributárias correspondem a apenas
20% das despesas orçamentárias e não atingem sequer 30% das despesas correntes .
Verificando ainda os dados publicados pela STN11, entre 2001 e 2012 a média da
participação relativa das transferências no total das despesas correntes variou entre 79%, no
primeiro ano da série, e 75%, no último ano, revelando que tais recursos financiam a maior
parcela dos gastos realizados pelos municípios na execução de suas funções mais básicas, em
outras palavras, até mesmo as despesas para a manutenção das atividades dos órgãos
administrativos dos governos locais dependem de recursos que não são gerados no próprio
município (FINBRA, 2001 a 2012).
Esse panorama retrata uma conjuntura de vulnerabilidade orçamentária e fiscal por parte
dos munícipios, ou seja, um cenário de dependência no qual a grande parcela dos recursos
orçamentários destes é definida de forma exógena, não controlada pela administração
municipal, o que implica em uma situação na qual uma mínima redução nas receitas de
8 Os autores apontam como eficiência o bom uso dos recursos públicos, ou seja, a aplicação mais adequada dos
recursos considerando a correspondência entre os valores de receita tributária e despesa. 9 Conforme a STN, seguindo as definições estabelecidas pela lei 4.320/64, as receitas orçamentárias
correspondem ao volume total de recursos do orçamento municipal, sendo a soma das receitas correntes com as
receitas de capital (disponível em: http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/glossario/glossario_r.asp). 10 Receitas correntes são aquelas destinadas a atender apenas as despesas correntes, conforme Lei 4.320/64. 11 Os dados da STN se referem às publicações dos dados contábeis dos municípios Finanças do Brasil – FINBRA.
22
transferências resulta no descumprimento de suas obrigações de pagamento e,
consequentemente, no seu nível de endividamento, o que ocorreu, por exemplo, entre os anos
de 2008 e 2009 e que reverbera até os dias atuais (CUNHA e GARCIA, 2012). Na ocasião, em
função de uma severa crise econômica mundial, houve uma desoneração (e em alguns casos
total renúncia de receita) da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, que é
base de constituição do Fundo de Participação dos Municípios, o principal recurso de formação
do orçamento dos governos subnacionais locais brasileiros, fazendo com que estes tivessem
uma redução real de suas receitas orçamentárias e tivessem seus problemas fiscais mais
aprofundados (ASSUNÇÃO et al, 2012).
Observando a capacidade arrecadatória dos governos locais, verifica-se que eles captam
tributos preponderantemente por meio do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do
Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (ISS). Em função disso, compreende-se que para
se arrecadar recursos dessa natureza numa quantidade representativa é necessário que haja uma
população relativamente elevada, uma atividade econômica pujante, baseada no setor de
serviços, e um controle eficiente da arrecadação (COSTA e CASTELAR, 2013). Acontece que
aproximadamente 60% dos municípios brasileiros têm menos que 15 mil habitantes (IBGE,
2010), do que se infere que para a maioria deles torna-se difícil obter valores significativos
desses tributos, o que se coaduna com os argumentos apresentados por Costa e Castelar (2013)
que apontaram para a baixa capacidade de arrecadação dos governos locais. Além disso,
conforme Oliveira et al (2009), Oliveira e Silva (2012) e Silva et al (2013), existe uma relação
causal entre os resultados fiscais12 obtidos pelos municípios dentro desse paradigma federalista
brasileiro e o desempenho econômico local, ou seja, que o desequilíbrio fiscal é, em parte,
causado pelo baixo poder de geração de riqueza, já que a arrecadação de ISS depende do volume
de serviço produzidos endogenamente no município.
Retomando a caracterização do objeto em estudo sob a ótica das transferências e seus
desdobramentos, Gomes e Mac Dowell (2000) destacam que aquelas apresentam uma
correlação negativa com o nível de desenvolvimento e renda gerado nos municípios. Ainda
segundo os autores, quanto maior o volume de transferências, menor o poder de se produzir
desenvolvimento endógeno no município13 (que se refletiria também na menor capacidade
12 Equilíbrio ou desequilíbrio fiscal obtido por meio da diferença entre receitas auferidas e despesas
orçamentárias. 13 De acordo com Sachs, (2000), o desenvolvimento endógeno se refere àquele que é produzido a partir da
realização e fortalecimento das atividades econômicas no ambiente local. A ideia de potencializar a capacidade
de desenvolvimento endógeno do município ocorre por meio do crescimento econômico (PIB) proporcionado
pelas atividades econômicas locais, ou seja, pela geração de riqueza em âmbito municipal, melhorando o nível
23
técnica de tributação já discutida), tendo em vista que este não estará potencializando sua base
econômica, mas subsistindo de recursos recebidos de outros níveis de governo (CHALFUN,
2005). Em consequência desse cenário, a dependência das transferências limita a geração de
fluxos distributivos que ampliaria o poder de gasto e promoveria uma melhora nos níveis de
investimento próprio. Assim, o município que pouco tributa é “desincentivado” a tributar (pela
própria lógica do sistema) e não cria alternativas para elevar suas receitas, nem tampouco
potencializa sua capacidade técnica de tributação, tendo em vista que o modelo lhe garante o
recebimento de recursos (REZENDE, 2006).
Diante desses aspectos relativos ao orçamento dos municípios, compreende-se a
necessidade de se estabelecer um termo apropriado para análise da capacidade orçamentária
dos municípios. Doravante, será chamado de Autonomia Orçamentária a capacidade
autônoma de um município definir seu orçamento com base na sua arrecadação
tributária, ou ainda, o nível de participação relativa das receitas tributárias na
composição orçamentária municipal.
Todas essas características observadas na atuação dos municípios sintetizam o retrato
atual da esfera municipal brasileira, principalmente nos pequenos municípios, em termos
orçamentários: alta dependência das transferências, vulnerabilidade orçamentária em função do
baixo volume de receitas tributárias que tem como causas a preguiça fiscal e a falta de
capacidade de tributar (CHALFUN, 2005; COSTA e CASTELAR, 2013; VARSANO, 1997).
Esse conjunto de argumentos teóricos contribuem para a reafirmação do pressuposto assumido
e alicerça a inferência de que as transferências intergovernamentais brasileiras se configuram
como a redenção dos municípios e ao mesmo tempo como seu algoz, já que ao passo que tende
a mitigar os desequilíbrios, fortalece a trajetória de dependência e oculta o desequilíbrio fiscal,
ou seja, suprime a discrepância existente entre os valores arrecadados via tributação e a
necessidade de recursos para cobrir as despesas municipais.
Ainda com relação às questões relativas às transferências, ao analisar os aspectos fiscais
dos municípios, considerando estas como uma variável de composição orçamentária, a
literatura identifica a ocorrência de dois fenômenos. O primeiro é o flypaper effect, que diz
respeito a uma tendência apresentada pelos governos locais de elevar suas despesas em função
de um aumento do volume de recursos por meio das transferências intergovernamentais, não
ocorrendo a mesma tendência de aumento do gasto caso haja um aumento da arrecadação
de renda da população (PIB per capita), sendo essa renda pouco concentrada (GINI) e com melhoramento dos
serviços básicos e da qualidade de vida da população (IDHM).
24
própria em função da elevação da renda da população local, ainda que este seja da mesma
magnitude da elevação das transferências (ACOSTA, 2010; COURANT et al, 1979). No caso
brasileiro, tal efeito já foi observado por alguns trabalhos, tais como Cossio e Carvalho (2001),
Cossio (2002), Mendes (2002), Schettini (2012), que demonstram sua relação com as
transferências e os gastos municipais.
O segundo fenômeno observado é o da ilusão fiscal. Empoli (2002) demonstra que a
população local, composta por eleitores médios14, é incapaz de perceber o real custo marginal15
do gasto público. Partindo dessa ideia, admite-se que uma elevação das despesas que produza
um benefício social é analisada pela sociedade apenas do ponto de vista do produto gerado,
obliterando-se de avaliar o ônus fiscal produzido. É, portanto, uma relação entre os gastos
públicos e os benefícios gerados por estes que não são percebidos de maneira adequada pela
sociedade, desencadeando uma visão deturpada dos fatos fiscais, tornando inverossímil
qualquer avaliação precisa dos efeitos das escolhas das finanças públicas (EMPOLI, 2002;
GUEDES e GASPARINI, 2007).
Esses dois efeitos estão presentes no modelo de gestão fiscal dos municípios brasileiros
em função dos aspectos socioeconômicos e da estrutura orçamentária e fiscal prevista no pacto
federativo vigente, conforme indicam Costa e Castelar (2015) e Nojosa e Linhares (2015). Além
disso, tais fenômenos apontam para questões relativas à capacidade dos governos locais
atenderem às prerrogativas estabelecidas a eles pela CF/1988, o que retoma o debate relativo à
autonomia obtida por eles com o advento na própria Constituição.
Seguindo a análise verifica-se que tanto o flypaper effect como a ilusão fiscal causam
impacto na gestão fiscal quando observados os aspectos da autonomia orçamentária e do
desequilíbrio fiscal efetivo. Tendo em vista que a principal fonte originária dos recursos não
está na competência tributária municipal, verifica-se que o fato de um governo local elevar seus
gastos em função de receitas recebidas sem esforço ou contrapartida não confere ao município
a capacidade do pleno exercício de sua autonomia orçamentária, nos termos anteriormente
estabelecidos e, portanto, não há garantias da execução do planejamento estabelecido (GRIN,
2014). Além disso, as transferências, que fazem com que o orçamento municipal seja – ao
menos – suficiente para cumprir com suas obrigações, camuflam um desequilíbrio fiscal
efetivo, aspecto ignorado pela visão corrente acerca dos aspectos fiscais dos municípios.
14 São considerados eleitores-médios aqueles indivíduos que escolherão sempre a cesta de consumo que represente
a mediana das quantidades demandadas pela sociedade que ele compõe (ver Courant et al, (1979)). 15 Na Economia, o conceito diz respeito ao acréscimo gerado ao custo total de produção quando o produto varia
por meio do acréscimo de uma unidade produzida. Assim, nos termos aplicados a esta tese, o conceito refere-
se ao acréscimo de recursos despendido para se obter o efeito do benefício produzido.
25
Assim, considerando os argumentos apresentados, o problema fundamental que se
busca discutir nesta tese é: Qual o padrão funcional do comportamento fiscal dos
municípios, derivado da estrutura organizacional do Federalismo Fiscal brasileiro? Para
se discutir tais aspectos, definiu-se como premissa de análise a perspectiva da efetividade da
estrutura fiscal-federativa do Brasil, aplicada aos governos municipais, analisada por meio da
verificação quanto à autonomia do ponto de vista orçamentário e do desequilíbrio fiscal.
Para compreender melhor o mecanismo de análise do problema apresentado, é
necessário admitir algumas questões. A primeira delas é assumir por efetividade fiscal a
capacidade de produzir efeitos positivos, ou seja, benefícios oportunizados à gestão fiscal
dos municípios, tais como a qualidade na gestão dos recursos disponíveis, de maneira que
quanto maior o nível de efetividade fiscal, melhor a qualidade da gestão fiscal dos municípios.
Assim, o parâmetro analítico em destaque torna-se um elemento capaz de oferecer uma
interpretação dos aspectos fundamentais relativos aos aspectos fiscais dos municípios
brasileiros.
Em síntese, analisa-se aquilo que os municípios arrecadam por meio de sua base
tributária própria (excetuando-se da observação as demais receitas que são de direito, mas não
de competência arrecadatória dos governos locais) e o que eles precisam gastar com suas
despesas correntes e com investimento, sendo a relação entre autonomia orçamentária e
desequilíbrio fiscal efetivo a medida da efetividade fiscal.
Nesse sentido, são observadas as características dos municípios que se enquadram
dentro de um mesmo perfil em termos de volume orçamentário, tamanho populacional e
geração de riqueza, bem como comparados os seus resultados fiscais, ou seja, o volume de
recursos destinados às despesas correntes e ao investimento e sua diferença em relação às
receitas tributárias, para identificação dos seus níveis de efetividade fiscal.
Diante de tal perspectiva, o objetivo dessa tese é apresentar uma análise acerca do
modelo fiscal-federativo brasileiro à luz da perspectiva dos municípios, considerando a
autonomia orçamentária e o desequilíbrio fiscal (ao qual se chamou de efetivo), de
maneira a compreender as diferenças no que diz respeito aos níveis de efetividade fiscal
obtido pelos governos locais e assim identificar o padrão de comportamento da gestão
fiscal dos municípios. Foram observados ainda a semelhança entre os municípios, em termos
socioeconômico e orçamentário, e a relação entre as receitas tributárias e o gasto público
relativo às despesas correntes e aos investimentos realizados por estes. Ao longo da análise
26
buscou-se ainda classificar os municípios brasileiros quanto a sua efetividade fiscal por meio
da autonomia orçamentária e do desequilíbrio fiscal, nos termos anteriormente estabelecidos.
Após a categorização dos municípios brasileiros conforme similaridade de
características socioeconômicas e orçamentárias ao longo do período e a definição do perfil de
cada agrupamento, busca-se estabelecer um indicador de efetividade fiscal compatível com os
pressupostos assumidos nesta tese, ou seja, que considere como variável de análise as receitas
tributárias e sua relação com a composição de gastos, de maneira a não incorrer nos problemas
analíticos relativos à subestimação do desequilíbrio em função do uso das receitas
orçamentárias, conforme apresentado anteriormente. Outro objetivo específico é realizar uma
análise quanto às variações dos componentes dos agrupamentos, identificando a mudança de
perfil em função da variável fiscal. Os últimos passos são traçar os perfis das variações
ocorridas nos grupos de municípios e observar à luz dos pressupostos teóricos qual a relação de
tais mudanças com os aspectos constitutivos do modelo fiscal-federativo do Brasil.
Ressalta-se que, ao se construir o indicador de efetividade fiscal, nos moldes
estabelecidos, aponta-se para uma nova perspectiva acerca da estrutura fiscal-federativa no
Brasil. A definição dos agrupamentos e caracterização dos perfis dos municípios por meio do
uso desse indicador estabelece como foco a apresentação de uma situação fiscal que melhor
equaciona o tamanho do desequilíbrio, indicando o padrão operacional do comportamento
fiscal dos municípios brasileiros.
A importância de tal debate encontra-se em alguns aspectos. O primeiro é a necessidade
de se reproduzir a situação vigente nos municípios em termos de capacidade fiscal e
orçamentária. Por meio desse primeiro aspecto é possível estabelecer argumentos relativos ao
comportamento fiscal dos municípios.
O segundo aspecto é que ao assumir as receitas tributárias como variável, inibe-se a
ocorrência do que este tese considera como equívocos analíticos de subestimação do
desequilíbrio e superestimação da efetividade fiscal, além de não se sujeitar de forma direta aos
efeitos de choques exógenos, tendo em vista que a vulnerabilidade é observada já na base
orçamentária, possibilitando a formulação de soluções efetivas ao desequilíbrio, cujo foco seja
conduzir o governo local a um patamar de maior autonomia orçamentária. Além destes, um
terceiro aspecto diz respeito à transparência quanto ao contexto do desequilíbrio fiscal à
sociedade, aos gestores da administração pública e aos analistas das finanças públicas, fazendo
com que o flypaper effect e a ilusão fiscal não sobrepujem a situação fiscal.
27
No bojo dessa discussão, esta tese considera ainda como aspecto fundamental de análise
a diversidade de características dos municípios e a adequação do federalismo fiscal às suas
idiossincrasias. Tal perspectiva é importante pois verificou-se que parte da literatura publicada
acerca do tema defende que o sistema federativo não atende necessariamente às questões
municipais, pois leva em conta apenas alguns fatores mais globais, sem considerar de maneira
apropriada as diferenças quanto ao comportamento fiscal dos municípios16 (MENDES, 2002;
OLIVEIRA, 2007; SANTOS e GOUVÊA, 2014).
A partir de tal arranjo de informações relativas à caracterização do objeto de pesquisa,
levanta-se como hipótese deste trabalho a ideia de que, os aspectos intrínsecos ao modelo
fiscal-federativo praticado no Brasil, tais como o sistema de transferências e o flypaper
effect, não apenas afetam o comportamento fiscal dos municípios como são fatores
preponderantes para o funcionamento do próprio modelo, gerando, por consequência, um
padrão quase compulsório e pouco autônomo.
É diante dessa conjuntura apresentada que se destaca a lacuna quanto à análise da
efetividade fiscal dos municípios frente às agendas que lhes são imputadas pelo pacto federativo
e a definição quanto à oferta de mecanismos por parte do federalismo fiscal que possibilitem a
análise da autonomia aos municípios, sobretudo em função de sua composição orçamentária.
Assim, construiu-se o Coeficiente de Efetividade Fiscal dos Municípios (CEFM) com o
objetivo de medir o nível de efetividade fiscal dos governos locais, considerando as questões
teóricas ora apresentadas e tendo como base o Indicador de Autonomia Orçamentária (IAO) e
o Indicador de Desequilíbrio Fiscal Efetivo (IDFE), parâmetros construídos por meio da
associação das variáveis orçamentárias que considerem os argumentos lógicos apresentados,
conforme apresentado nos aspectos metodológicos desta tese.
Para alcançar os objetivos propostos, esta tese apresenta uma estrutura composta por
outros cinco capítulos, além desta Introdução (Capítulo 1) e das Reflexões Finais (Capítulo 7).
No capítulo 2, apresenta-se a discussão teórica do trabalho, subdividida em duas seções: na
primeira discute-se a estrutura do sistema federativo e as questões específicas do federalismo
brasileiro, tendo como marco a CF/1988; na segunda seção apresenta-se as principais
características do modelo fiscal-federativo e alguns argumentos teóricos para compreensão dos
fenômenos que ocorrem no âmbito dos municípios.
16 Refere-se ao potencial apresentado pelo município para arrecadação. Tal potencial pode ser entendido tanto
pela capacidade técnica de arrecadação, quanto pelo volume potencial de arrecadação oferecido ao município
pelo pacto federativo.
28
O terceiro capítulo traz como ponto principal a apresentação de argumentos empíricos
e suas interpretações, relacionados às teorias apresentadas no capítulo anterior e aplicados ao
caso brasileiro. Este também está dividido em duas seções que tratam, respectivamente, da
observação geral das questões fiscais e da maneira como a estrutura econômica dos municípios
influenciam em seus resultados fiscais. O capítulo seguinte apresenta uma discussão teórico-
empírica acerca do comportamento dos municípios no que diz respeito aos seus aspectos
gerenciais. Consiste em uma síntese da interpretação teórica e da verificação das práticas
vigentes nos municípios quanto à gestão fiscal. Posteriormente, caracteriza os aspectos
metodológicos e o modelo de análise desenvolvido, com foco nas definições dos métodos de
coleta e organização das informações, a estruturação do modelo de cluster e sua contribuição
para a compreensão do problema de pesquisa, a construção de um índice de efetividade fiscal
e sua utilização na análise de dados como elemento de análise gerencial dos governos
subnacionais.
Em seguida, no capítulo 6, procede-se com a análise a partir da apresentação dos dados
produzidos. Esse capítulo apresenta três subdivisões: na primeira parte discutem-se os
resultados obtidos por meio da estimação do modelo de análise de cluster, com os agrupamentos
de municípios e a descrição do perfil de cada agrupamento; em seguida procede-se com a
análise do Índice criado para mensurar a efetividade fiscal dos municípios e sua inclusão como
input do modelo de cluster, posteriormente a verificação das variações de comportamento dos
municípios em função do Índice; na última parte são analisados os resultados e apresentadas as
conjecturas e interpretações quanto aos fatores que definem o comportamento e a efetividade
fiscal dos municípios. Por fim, apresentam-se as reflexões finais indicando os principais
resultados obtidos, as limitações da pesquisa e a perspectiva futura quanto a evolução do tema
trabalhado.
29
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO FEDERALISMO BRASILEIRO.
Preâmbulo do capítulo
Para a elaboração desta etapa do trabalho e o cumprimento com o rigor metodológico
necessário, definiu-se inicialmente a estrutura a ser adotada e a técnica de construção. Em
função das características e peculiaridades que favorecem a estruturação do referencial, aplicou-
se o modelo de Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS), cuja premissa básica é a elaboração
de uma síntese das informações existentes acerca do tema em questão e de assuntos que
apresentam uma relação direta com o objeto em estudo.
Decidiu-se pela utilização dessa abordagem em função de sua exigência quanto à
exaustão na análise de estudos afins ao objeto, o que proporciona ao pesquisador a capacidade
de definir com maior precisão a base analítica de sua pesquisa e identificar possíveis lacunas
no conhecimento existente. Além disso, a RBS oferece uma sistematização das informações
prioritárias sobre a temática, de maneira a auxiliar na construção de trajetórias a partir da
compreensão mais profunda do que versa as teorias e o estado da arte do tema pesquisado.
(GALVÃO, et al, 2004; CONFORTO et al, 2011).
Admite-se, portanto, que essa metodologia de elaboração de revisão bibliográfica se
alinha ao propósito do trabalho, de consolidar em uma síntese as teorias que estão relacionadas
com a temática do federalismo brasileiro, com sua perspectiva fiscal aplicada à unidade
municipal, sobretudo no tocante a compreensão teórica da descentralização, das transferências
intergovernamentais verticais e, finalmente, da gestão fiscal por meio dos aspectos relativos aos
desequilíbrios fiscais e à autonomia orçamentária. Apresenta-se ainda as principais teorias que
versam sobre a relação entre os aspectos fiscais e a capacidade econômica dos municípios, ou
seja, seu potencial de geração de riqueza.
2.1 Aspectos Gerais Sobre o Federalismo: Um enfoque no modelo brasileiro.
O modelo de federalismo praticado no Brasil apresenta-se bastante particular, sobretudo
quando se observa os desdobramentos ocorridos ao longo de sua história, marcada por muitas
inconstâncias e oscilações. Segundo Arretche (2001a), desde a origem da federação brasileira,
houve diversas modificações institucionais até se chegar ao modelo de federalismo vigente. A
autora destaca a ocorrência de conjunturas nevrálgicas que foram marcos históricos da
30
organização do Estado brasileiro, tais como a instauração do governo federalista republicano
em 1891, o Estado Novo, o regime militar e a Constituição de 1988, os quais acarretaram em
mudanças significativas às relações federativas.
Apesar de se reconhecer a importância dos fatos históricos e dos aspectos políticos que
construíram a trajetória federativa do Brasil, esta tese concentrar-se-á nos aspectos federativos
a partir da vigência da CF/1988, tendo em vista que este é o marco fundamental da construção
das relações atuais no sistema brasileiro. E também porque, observando o fenômeno do
município, Tomio (2005) evidencia que na história da federação brasileira, com exceção da
Carta Magna de 1937, o município sempre foi observado como ente federativo, mas só na
CF/1988 é que se atribuiu “autonomia plena e prerrogativas invioláveis” a esta esfera de
governo (TOMIO, p. 123, 2005).
Significa dizer que o novo pacto tornou o município, em termos normativos, um ente
autônomo com liberdade para execução financeira e autogestão. Isso ocorreu sobretudo em
função das demandas oriundas da sociedade relativas ao avanço de escala e de escopo das
políticas públicas (CAMARGO, 1994; OLIVEIRA, 2007). Afonso et al. (1998) destacam que
essa pressão da sociedade que impulsionou a perspectiva descentralizadora da CF/1988 foi
motivada principalmente em virtude das intensas disparidades culturais, políticas e econômicas
do Brasil, do profundo processo de estagflação17 ocorrida ao longo da segunda metade dos anos
de 1980 e do sucateamento dos serviços públicos.
Segundo Arretche (2005), a descentralização implantada no modelo federativo da
CF/1988 se contrapõe à perspectiva centralizadora do período militar. Segundo a autora, a
centralização havia instalado um cenário de “ineficiência, corrupção e ausência de participação
no processo decisório”, de maneira que a centralização era sinônimo de autoritarismo e ambos
eram tidos como “filhos da ditadura”. A partir disso, o Brasil passou por um processo de
“reformas das instituições políticas” – ao longo dos anos de 1980 e que culminou com o novo
pacto federativo – e posteriormente implantou-se um “programa de descentralização”, cujo foco
estava principalmente nas políticas sociais (ARRETCHE, 2005). Esse processo de
redemocratização elevou o poder político dos governos locais, tornando-os os principais
executores de políticas sociais (ARRETCHE, 2004; SOUZA, 2004).
Observando a diversidade social e econômica entre os seus entes, o Estado brasileiro
passou a buscar certa uniformidade de desenvolvimento entre os entes federados (BRANDÃO,
2013). Como componentes autônomos de um todo, tais entes apresentam características e níveis
17 Estagnação econômica acompanhada de um forte processo inflacionário.
31
de desenvolvimento distintos. Assim, prezando pela lógica da defesa dos direitos da
coletividade, uma nação sob o regime federativo deve arregimentar que estados e municípios
mais desenvolvidos auxiliem aos demais para que estes possam atingir o mesmo nível
econômico, social e de oportunidades (BRANDÃO, 2013).
Nesse sentido, a promulgação da CF/1988 instituiu o pacto federativo cujo foco seria
conciliar o aumento da arrecadação, no sentido de dar dinamismo ao sistema econômico fiscal
do país, a garantia da autonomia dos entes federados, sobretudo estados e municípios e a
redistribuição dos recursos de transferências18 (TOMIO, 2002; BRANDT, 2010).
Analisando a perspectiva federativa a partir da CF/1988, Horta (1995) aponta que se
assumiu no país um federalismo cooperativo e de equilíbrio, que distribui competências
legislativas, de forma a não agrupar todas elas no portfólio da União, atribuindo a esta a
autoridade para legislar sobre as regras gerais da federação, e em termos políticos, de atuar para
diminuição das discrepâncias de desenvolvimento das diferentes regiões. Cunha (2006)
apresenta que a cooperação do modelo brasileiro é evidenciada por meio da atuação
compartilhada entre os entes para se atingir os objetivos propostos na Constituição Federal.
Observando os textos ora citados, que compõem parte da literatura do tema em tela,
percebe-se a defesa da existência de um modelo descentralizado e cooperativo no federalismo
brasileiro. Todavia, as características relativas à definição dos modelos federalistas indicam
que, ao se estabelecer um processo de descentralização, cria-se uma perspectiva concorrencial
e não cooperativa entre os entes federados (DYE, 1990; AFFONSO, 2000). Essa linha de
pensamento é desenvolvida por outra parte da teoria do federalismo fiscal brasileiro.
Franzese (2010) afirma que a diretriz decentralizadora assumida pela CF/1988 no
tocante à distribuição de recursos instala na federação brasileira uma lógica concorrencial entre
os entes na busca pelos recursos, isso tanto entre entes da mesma esfera quanto nas diferentes
esferas de governo subnacional. Essa compreensão é defendida e comparada com a perspectiva
cooperativa por diversos outros autores. Rezende (1995), Kugelmas e Sola (2000), Abrucio
(2005b) e Sano (2008), argumentam que o modelo brasileiro não apresenta mecanismos de
cooperação eficazes, o que resulta em um cenário mais competitivo do que cooperativo. Souza
(2005) é ainda mais incisiva ao afirmar que o federalismo brasileiro é altamente competitivo e
que a cooperação se encontra longe de ser atingida em função tanto da inexistência dos
mecanismos indicados pelos autores citados anteriormente, como também de aspectos
18 Tais questões serão melhor apresentadas na seção que apresentará os aspectos fiscais do federalismo
brasileiro.
32
específicos dos governos subnacionais que os fazem diferir entre si em termos de capacidades
técnicas, financeiras e de gestão.
Observando o texto constitucional, verifica-se que ao mesmo tempo que se identifica a
defesa e a tentativa de promoção de um viés cooperativo é possível destacar o oferecimento de
condições propícias à concorrência entre tais entes. Na medida que se dá autonomia legislativa,
possibilita a elaboração de leis que incite o desencadeamento de uma disputa horizontal entre
os entes na busca por investimentos, tanto públicos como privados. Isso interfere diretamente
nas questões políticas e fiscais, com a implantação de disputas políticas e a partir de incentivos
fiscais (CUNHA, 2006; CABRAL, 2015).
No contexto municipal, a materialização da concorrência em busca de recursos pode ser
observada por meio do movimento de surgimento de novos municípios, conforme apresentado
anteriormente. De forma global, o crescimento do número de municípios elevou as despesas do
governo Federal e gerou desequilíbrio na estrutura fiscal (TOMIO, 2002; BRANDT, 2010).
Atualmente, a disputa atinge até a busca por aumentar a quantidade de seus habitantes para
mudança de coeficiente do FPM (TOMIO, 2005). Já nos estados, a disputa é ainda mais patente
e está prioritariamente relacionada à tributação do ICMS na origem ou no destino (SANO,
2008; FRANZESE, 2010).
Observando as diferentes perspectivas teóricas, Cunha (2006) expõe que de fato existe
um incentivo natural ao processo concorrencial entre os entes da federação brasileira, todavia
tal aspecto não se caracteriza como sendo algo conflitante com o caráter cooperativo das ações
conjuntas entre os diferentes níveis de governo, ao menos em termos normativos, tendo em
vista que a concorrência tem como finalidade gerar capacidades competitivas internas, algo
interessante para a gestão pública, mas que não afeta a necessidades de colaboração nas ações
públicas que exigem a participação conjunta da União, dos estados e dos municípios.
A ideia da ocorrência efetiva e simultânea de situações cooperativas e concorrenciais na
estrutura brasileira – indicando a existência de uma linha tênue entre a cooperação e competição
– é também argumentada por Abrucio (2005a). Essa perspectiva, que se estabelece por meio da
atuação de uma coordenação federativa mais ou menos efetiva, pode conduzir a um
desenvolvimento do pacto federativo e seu aprimoramento. Todavia, o mesmo autor alerta para
o perigo em potencial desse arranjo reconduzir o Brasil ao processo observado no período da
redemocratização, quando cada esfera de governo buscava encontrar seu papel específico e
atender seus anseios, sem ao menos haver incentivos para uma atuação consorciada.
33
O que se percebe é que, no que diz respeito ao texto constitucional e às prerrogativas do
federalismo brasileiro, se faz necessário a implantação de mecanismos eficazes para se evitar
problemas cruciais do sistema, como a superposição de ações, a concorrência ineficiente e as
omissões. Contudo, é neste domínio onde a CF/1988 não versa de forma precisa sobre critérios
de coordenação (SILVA, 2010).
Observando os aspectos federativo e a perspectiva brasileira relativa a este sistema de
governo, o estado da arte não define de maneira consensual qual o tipo de federalismo
brasileiro. Ao que parece na verdade é que o modelo federalista praticado neste país não é único
apenas no que diz respeito ao poder outorgado à esfera municipal, mas também ao formato de
seu posicionamento quanto a (des)centralização do poder entre os níveis de governo,
comportando-se ora como mais cooperativo, ora como mais concorrencial.
Assim, admite-se que, tanto em termos positivos como normativos, a caracterização
teórica do modelo brasileiro pressupõe um arranjo alternativo aos modelos existentes (de
cooperação e competição, ou ainda centralização e descentralização), tendo em vista que
apresenta atributos de cada um deles num modelo que se adequa em face às necessidades
vigentes e às diferentes situações que se apresentam (OLIVEIRA, 2007).
Em síntese, no que diz respeito ao caráter descentralizado do pacto federativo, a
premissa fundamental é a distribuição de competências entre as esferas de governo, inclusive
em termos municipais (TOMIO, 2002; AFONSO, 1994; AFONSO e LOBO, 2009; ABRÚCIO,
1993; 2000; AFFONSO, 2000; BRANDT, 2010). É diante desse contexto idiossincrático do
federalismo brasileiro que se estabelece as normas da estrutura fiscal, as competências
tributárias e, por conseguinte, a base orçamentária dos entes federados. Com fito nos
municípios, a seção seguinte evidencia essa conjuntura específica e seus desdobramentos,
dentre os quais o surgimento dos desequilíbrios fiscais dos governos locais.
2.2 Caracterização do Modelo Fiscal-Federativo e seus Desequilíbrios
2.2.1 A perspectiva da descentralização, das competências tributárias e das transferências.
A discussão acerca do federalismo fiscal (FF) também parte da compreensão quanto à
característica da descentralização presente no modelo federativo. Segundo Almeida (1995), a
distribuição de competências entre os entes federados, o modelo tributário e a equalização fiscal
são as variáveis fundamentais que definem todos os demais aspectos do arranjo federativo.
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Mais uma vez é necessário observar o estado da arte, agora dando um enfoque específico
às questões fiscais. O ponto de partida da literatura é a análise clássica discorrida por Samuelson
(1954; 1955), Tibout (1956), Musgrave (1969) e Oates (1972; 1999). Estes apresentam
conceitos, funções e instrumentos de controle fiscal distribuídos entre os níveis de governo e
coordenado pelo governo central. Essa teoria clássica adota o chamado teorema da
descentralização que postula que, admitindo um determinado bem público consumido pela
população em suas respectivas jurisdições, considerando ainda que o custo marginal de oferta
desse bem para cada jurisdição é constante e equivalente, tanto para o governo central como
para cada governo local, a oferta de bens e serviços pelo governo local é pelo menos tão
eficiente quanto no caso da oferta destes produtos serem realizadas pelo governo central
(MUSGRAVE, 1969; OATES, 1972; SHAH, 1991).
Shah (1991) explica que o princípio desse teorema é que os serviços públicos devem ser
oferecidos pela jurisdição específica que detém o controle de determinada área geográfica e a
partir disso internalize os seus benefícios e custos. Observa-se, pois, que tal teorema está
baseado numa lógica econômica neoclássica, a partir da qual pode-se definir que o nível do
bem-estar social, sendo este o produto da utilidade obtido pelo consumidor a partir da demanda
dos bens e serviços, será uma representação da eficiência de Pareto19.
Nesses termos, a descentralização fiscal, ou seja, a distribuição de funções dentro do FF,
tanto em termos de arrecadação como de obrigações de despesas, justifica-se pelo fato de que
os governos subnacionais se apresentam em condições idênticas entre si no tocante à oferta de
serviços, e com pelo menos o mesmo nível de eficiência do governo central (OATES, 1972).
Assim, se cada localidade apresenta sua cesta de consumo – com taxas marginais de
substituição equivalentes – cada indivíduo da população escolherá fixar residência naquela que
oferecer o pacote fiscal (cesta de consumo) que lhe proporcione maior utilidade20 (TIBOUT,
1956).
Destarte, a descentralização, nos termos apresentados pelo arranjo teórico clássico do
FF, é justificada pelo fato de que cada localidade apresenta características específicas que
demandam um determinado pacote fiscal que, embora sejam equivalentes em termos de custo,
representam as preferências de seu agrupamento de indivíduos (consumidores). Os pacotes
fiscais caracterizam-se ainda por serem complementares e, por isso, o conjunto de todos eles
19 Situação em que nenhum agente pode melhorar sua utilidade sem que cause prejuízo da utilidade de outro agente.
Nesses termos, as interações entre os agentes devem considerar sempre a equivalência da taxa marginal de
substituição, a capacidade de produção deve estar sobre a fronteira de possibilidades de produção e os bens
produzidos (ofertados) devem refletir as preferências dos consumidores (MUSGRAVE, 1969). 20 Modelo de Tibout.
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configura-se como sendo a estrutura do próprio modelo descentralizado (MUSGRAVE, 1969;
SHAH, 1991; OATES, 1999).
Um fato importante indicado por Afonso e Lobo (2009) é que a questão preponderante
que incentiva a adoção da descentralização fiscal é na verdade a busca por uma situação fiscal
de maior eficiência e eficácia no que diz respeito à alocação de recursos públicos, o que faz
com que tal perspectiva seja um importante mecanismo de política econômica.
Nesses termos, é possível afirmar que o mainstream do federalismo fiscal aborda a
descentralização como sendo uma característica endógena ao modelo cuja premissa
fundamental é a transferência natural e estruturada de autonomia do governo central para os
governos subnacionais (PANIZZA, 1999; GARRETT e RODDEN, 2003).
Em suma, conforme aponta Rodden (2005), a maior parte dos trabalhos publicados
apresentam versões positivas quanto aos benefícios associados à descentralização, sobretudo
no que diz respeito ao accountability, à mobilidade e à adequação da população local quanto às
suas preferências fiscais, à eficiência e aos resultados mais pujantes em termos de
desenvolvimento econômico local. Todavia, o mesmo autor indica que é crescente o desencanto
com relação à descentralização em função de evidências empíricas21 apresentadas em trabalhos
que se opõem à teoria vigente.
Mendes (2002), mediante uma reflexão sobre a evolução da teoria da descentralização
fiscal, aponta que existem alguns problemas relacionados à adoção de um modelo fiscal
descentralizado. Dentre os fatores ele destaca: i) a exportação de tributos, situação na qual, em
função da criação de tributos sobre não residentes, haveria a busca excessiva e indiscriminada
de se arrecadar por meio destes; ii) spillover effect, ou efeito transbordamento, que consiste na
busca de serviços pelos não residentes; iii) not in my backyard effect, que é a preferência pela
não oferta de determinados serviços em função de seu potencial risco local, como por exemplo
a implantação de depósitos de lixo, penitenciárias, dentre outros; iv) competição por base
tributária e guerra fiscal, originária pelo fato da existência de mobilidade indivíduos e empresas,
e potencializada pela existência da autonomia de criação de tributos por parte dos governos
locais; e v) regressividade tributária e do perfil dos gastos, oriunda também do efeito da
mobilidade de agentes que migram de uma localidade para outra em busca de melhores
benefícios fiscais.
Assim como nos aspectos políticos e normativos do sistema federativo, os aspectos
fiscais buscam uma maneira para melhor distribuir as competências tributárias e as
21 Algumas dessas são apresentadas no capítulo seguinte.
36
responsabilidades relativas à oferta de bens públicos. Em outros termos, o federalismo fiscal
busca definir quem tributa o quê e de quem é a responsabilidade de promover as diferentes
ações públicas (MENDES, 2002). É a partir de então que se estabelece o nível de participação
dos governos locais nos componentes fiscais, definindo-se quão descentralizado é o poder de
decisão e execução fiscal.
Desse modo, observando a construção do pensamento teórico acerca dos aspectos fiscais
do federalismo, percebe-se que, assim como no que diz respeito às premissas relativas ao
arranjo político, o elemento da descentralização é ponto central do debate. Concentrando-se
fundamentalmente no caso dos municípios, a literatura apresenta que, de modo semelhante às
características gerais do federalismo, o principal aspecto fiscal apresentado pela menor esfera
de governo diz respeito à distribuição de competências, neste caso tributárias, por meio das
quais aos municípios foi outorgado o direito de instituir e arrecadar tributos específicos, o que
lhe oferece a possibilidade de um melhor equilíbrio entre necessidade de gasto e a capacidade
de arrecadação a partir da base tributária dos próprios governos subnacionais22.
No Apêndice B desta tese, pode-se verificar os princípios tributários e a competência
tributária dos municípios baseada em três impostos, o ISS que tem base de incidência sobre os
serviços prestados no âmbito municipal, o IPTU que é taxado sobre a propriedade territorial
urbana, e o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis inter-vivos), que incide sobre a
transferência de bens imóveis. Além destes impostos, ficou estabelecida a possibilidade de
criação de taxas e contribuições para melhoria, conforme necessidade local.
Ainda no que diz respeito à perspectiva descentralizada dos aspectos fiscais, Rodden
(2006) expõe que o Brasil é o país com maior grau de descentralização entre os países em
desenvolvimento. Segundo ele, ao longo das últimas duas décadas, mais de um terço da
arrecadação tributária nacional foi realizada pelos governos subnacionais. Todavia, Andrade
(2012) apresenta que periodicamente o país se depara com crises fiscais, prioritariamente nas
esferas de governo estadual e municipal. Isso ocorre porque, embora o FF ofereça aos
municípios competências tributárias e os níveis de arrecadação tenham crescido23, em termos
médios, o volume de recursos é insuficiente para atender suas necessidades orçamentárias. Tal
cenário decorre do fato de que, no âmbito da descentralização, atribuiu-se mais
responsabilidades que capacidade de geração de receita própria aos municípios, o que de modo
geral não coaduna com a perspectiva descentralizada (MENDES, 2002).
22 O Apêndice B desta tese apresenta de forma sintética os aspectos gerais da estrutura fiscal e tributária do Brasil. 23 Ver gráfico 1.
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Analisando a autoridade tributária dos municípios brasileiros, Arretche (2005) destaca
que a descentralização fiscal consolidou a separação de fontes tributárias entre as esferas de
governo, de maneira que a União concentrou a maior parte da arrecadação e distribuiu mais
funções aos governos subnacionais, de modo que tal processo, ao contrário do que a própria
Constituição prega, não promoveu uma efetiva autonomia municipal.
Mesmo havendo a elevação da arrecadação municipal24, Afonso e Araújo (2001)
demonstram que a baixa capacidade de arrecadação própria dos municípios prejudica o avanço
na autonomia financeira destes entes e isso se deve fundamentalmente pela estreiteza da base
econômica e por problemas relacionados à falta de capacidade institucional e de uma gestão
tributária eficaz, gerando problemas planejamento, execução e controle na gestão fiscal dos
municípios.
Souza (p.37, 2004) aponta que a descentralização não implicou na transferência de
capacidades, apenas de responsabilidades, instalando um “sistema lubrificado por recompensas
e sanções” que restringiu a autonomia fiscal e de gasto dos governos locais. Tal constatação é
também observada por Arretche (2004) que aponta a existência de um problema fundamental
no modelo brasileiro no que diz respeito à coordenação e autonomia fiscal dos municípios.
Assim, ao passo que se instala um modelo descentralizado e se estabelece as
competências arrecadatórias, o modelo brasileiro cria um fator de desequilíbrio fiscal que é o
fenômeno da brecha vertical, que se caracteriza por ser a diferença entre as atribuições e
responsabilidades assumidas pelos