UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Rafael dos Santos Henrique
EVOLUÇÃO HUMANA: O QUE PENSAM OS ESTUDANTES INGRESSANTES EM UM CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
SOBRE O ASSUNTO?
São Paulo
2011
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
RAFAEL DOS SANTOS HENRIQUE
EVOLUÇÃO HUMANA: O QUE PENSAM OS ESTUDANTES INGRESSANTES EM UM CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
SOBRE O ASSUNTO?
Monografia apresentada ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos exigidos para a conclusão do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas.
Orientadora: Profª Drª Mônica Ponz Louro
São Paulo
2011
“...o macaco pelado pode deslumbrar-se [de sua cultura] a tal ponto que se arrisca a esquecer que por baixo de sua brilhantíssima aparência continua a ser, em muitos aspectos, um primata.”
(Desmond Morris)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Universidade Presbiteriana Mackenzie e ao Centro de
Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) pela oportunidade do conhecimento e
crescimento acadêmico através da realização deste trabalho.
Agradeço a professora Drª Mônica Ponz Louro, sempre compreensiva e
atenciosa, por ter me orientado e muito me ensinado, tanto na realização deste
trabalho como em suas riquíssimas aulas durante o curso.
Aos professores Adriano Monteiro de Castro, Rosana dos Santos Jordão
e Magda Medhat Pechliye, por terem me proporcionado uma ótima formação
acadêmica em licenciatura. Professores esses que pretendo lembrar-me de
seus ensinamentos durante minha vida profissional em busca de uma melhor
qualidade na educação brasileira.
Agradeço aos amigos de sala, que juntos trilhamos esse caminho árduo,
porém com resultados grandiosos no final deste curso. Com vocês dividi
momentos de felicidade e angustia além das muitas noites sem dormir, que
serão sempre lembradas.
Agradeço a todas as pessoas que me ajudaram, de alguma forma, a
realizar este trabalho. Garanto, que todos vocês serão futuramente lembrados.
Agradeço também aos meus outros queridos amigos que me apoiaram na
realização deste trabalho e que aguardam ansiosamente que eu retorne a vê-
los.
Agradeço em especial a minha família, que aprendeu a me apoiar na
vida acadêmica e mesmo sem saberem muito do que o respectivo trabalho se
trata sempre procuraram respeitar os momentos de produção e meus dias de
mau humor.
RESUMO
O ensino de evolução humana é um tema que, por natureza, prende a
atenção dos alunos. Contudo, se não for devidamente trabalhado, pode gerar
concepções errôneas se levarmos em conta os fundamentos da biologia
evolutiva, além de poder reforçar características antropocêntricas nos
estudantes. Partimos de um pressuposto que muitos alunos apresentam visões
antropocêntricas em relação aos animais, considerando o ser humano como
um ser a parte na evolução dos mesmos. A partir dessa problemática, o
objetivo desse trabalho foi analisar as concepções de alunos ingressantes em
um curso de Ciências Biológicas de uma universidade particular de São Paulo
sobre a origem e evolução humana. A ferramenta utilizada para coletar os
dados da pesquisa foi o questionário. A partir dessa coleta, os dados foram
devidamente categorizados e tabulados, para serem analisados tanto
qualitativamente como quantitativamente segundo os referenciais teóricos
propostos. Pôde-se perceber que uma parte dos alunos sabe comentar sobre a
evolução humana de modo considerado correto destacando a descendência a
partir de um ancestral em comum com os chimpanzés. Contudo, outra parte
apresenta conceitos evolutivos errôneos, sendo a evolução humana
caracterizada como uma entidade linear em busca de um progresso na
complexidade.
Palavras-chave: Evolução, ensino de evolução, evolução humana,
ancestralidade comum.
ABSTRACT
The human evolution teaching is a theme that, by nature, catches the
students attention. However, if it’s not properly handled, it can generate
misconceptions if we take in consideration the basis of evolutionary biology, and
it can also reinforce anthropocentric characteristics on the students. We start
with the assumption that many students present anthropocentric views about
animals, considering the human being as a being who is aside in their evolution.
From this set of problems, the objective of this work was to analyze the
conceptions of students who are getting into a Biological Science course of a
private University from São Paulo, about the human origin and evolution. The
tool used to collect the data of this research was a questionnaire. From this
collect, the data was properly categorized and tabulated, to be analyzed in as
much as qualitatively as quantitatively according to the proposed theoretical
referential. It could be noticed that a part of the students can comment about
human evolution in a way that is considered correct pointing out the descent
from an ancestral in common with all the chimpanzees. However, another part
presents wrong evolutionary concepts, being the human evolution characterized
as a linear entity looking for a progress within complexity.
Key words: Evolution, evolutionary teaching, human evolution, ancestry in
common.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...............................................................................................08
2. REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................10
2.1. Ciência e o processo de ensino e aprendizagem............................10
2.2. Biologia evolutiva: da sua origem aos dias atuais............................15
2.3.Evolução Humana.............................................................................24
2.4. O ensino de evolução.......................................................................34
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................41
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO.....................................................................46
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................61
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................63
Anexo 1 – Modelo de questionário...................................................................69
Anexo 2 - Modelo de Carta de informação ao sujeito de pesquisa..................72
Anexo 3 – Modelo de Carta de informação à instituição...................................73
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1. INTRODUÇÃO
A evolução humana é um tema fascinante e tem como característica
própria o poder de despertar o interesse em animais autodenominados Homo
sapiens. Contudo, o interesse que esses animais sentem pela linhagem
evolutiva da sua própria espécie, muitas vezes, é saciado através de linhas
tortas. Ou seja, muito se fala sobre a evolução humana, mas pouco se ensina
de maneira coerente.
Isso se dá, pela característica tradicional brasileira no ensino de
Ciências e Biologia, que na maioria dos casos, não se encontra integrado nem
com seus temas específicos e muito menos com outras disciplinas. Essa
integração se faz necessária para uma compreensão significativa da evolução
humana, pois o ser humano é complexo demais para ser estudado apenas por
uma área do conhecimento.
Para o fiel entendimento da natureza deste animal, além de aprofundar-
se em estudos das suas origens e os aspectos biológicos do comportamento
dessa espécie tão peculiar, deve-se sempre lembrar que o animal humano é, e
sempre será, apenas mais um dentre tantos outros que dividem um espaço
precioso neste planeta. Os meios de se fazer com que os alunos tenham essa
concepção são vários, mas a zoologia é uma área ideal para que os mesmos
percebam que as outras espécies não estão no mundo aos seus favores e que
muitas delas evoluíram e continuam evoluindo juntamente com o ser humano,
o que caracteriza um ensino de biologia menos antropocêntrico durante a vida
escolar desses alunos.
Foi essa, a problemática que nos motivou a investigar as concepções de
alunos a respeito de qual seria o posicionamento do ser humano na evolução
dos animais, ou seja, o que os mesmos pensam sobre a origem e evolução
humana, afinal, esses alunos serão grandes responsáveis pela divulgação de
informações sobre este tema.
A presente pesquisa possui como objetivo, analisar as concepções de
alunos ingressantes em um curso de Ciências Biológicas de uma universidade
particular de São Paulo sobre a origem e evolução humana. Para isso devemos
fazer um levantamento das ideias dos alunos acerca do assunto, identificar o
que os mesmos sabem sobre origem e evolução dos seres humanos e
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hominídeos além de identificar e analisar as concepções os alunos a respeito
de conceitos relacionados à evolução, como o conceito de ancestralidade
comum e o de cladograma.
Para tanto, a primeira parte deste trabalho constitui um referencial
teórico sobre ciência e o processo de ensino e de aprendizagem, assim como
um breve histórico do surgimento do pensamento evolutivo até os dias atuais e
as mais recentes explicações sobre a evolução humana. Destacamos também,
o ensino de evolução e de evolução humana em escolas brasileiras no final
desta primeira parte.
Em seguida, descrevemos a metodologia utilizada para coleta e análise
dos dados. Esta parte do trabalho inclui informações referentes aos sujeitos
escolhidos para a aplicação do questionário, as questões que foram formuladas
para a coleta de dados, como os resultados obtidos foram categorizados e
analisados assim como as respectivas justificativas de cada procedimento
realizado durante toda a confecção do trabalho.
Depois, apresentaremos os resultados obtidos a partir da coleta de
dados de uma forma organizada e categorizada juntamente com a análise dos
mesmos a partir dos referenciais teóricos previamente abordados.
Por último, serão apresentadas algumas considerações a respeito dos
resultados obtidos a partir do desenvolvimento deste trabalho assim como
alguns modelos de documentos utilizados durante a pesquisa.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
O ensino de evolução e mais especificamente o ensino de evolução
humana são tópicos abordados no ensino básico (Ensino Fundamental e
Ensino Médio), como parte das disciplinas Ciências e/ou Biologia (podendo
também ser abordado dentro da disciplina História, no caso da evolução
humana). Por isso, antes de nos aprofundarmos na questão do ensino de
evolução, devemos nos dedicar à discussão do ensino de ciência e de como
este se dá segundo o processo de ensino e aprendizagem, uma vez que estas
disciplinas que abordam o conteúdo fazem parte de um contexto maior, o
contexto da ciência, ao qual pertencem algumas teorias importantes, como a
teoria da evolução e a evolução humana, que também serão aqui discutidas.
2.1. Ciência e o processo de ensino e aprendizagem
Discutir ciência não é algo fácil e seria tema de um trabalho voltado
somente para este assunto, porém, alguns autores nos ajudam a elucidar a
concepção de ciência. Para Pechliye (2010), a definição de ciência depende de
diversos fatores. Um deles é o que quem define ciência a faz segundo
vivências, experiências e interesses pessoais (ou de um grupo). Desta forma,
trata-se de uma definição carregada de diferentes concepções tornando-se
diferente dependendo do contexto em que ela está sendo definida. A autora
ainda nos diz que, por ser uma atividade humana, o desenvolvimento da
ciência e o movimento de descobertas dos fenômenos da natureza dependerão
da curiosidade e da necessidade do ser humano. O contexto histórico que um
cientista está inserido ao mesmo tempo em que o impulsiona, o limita em suas
descobertas científicas (CAMPOS E NIGRO, 1999). A ciência depende de
provas científicas, e estas não são definitivas, já que nem só de fatos vive a
ciência, pois a mesma não é caracterizada como a busca pela verdade
absoluta, sendo assim, processual e provisória, avançando juntamente com o
avanço da tecnologia e a necessidade e curiosidade humana, como dito
anteriormente (PECHLIYE, 2010).
Essa definição de ciência acima explorada deve, segundo Delizoicov e
Angotti (1991), transcender para o ensino de Ciências, pois este está sempre
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vinculado ao desenvolvimento científico da região que o influencia, no caso, o
desenvolvimento científico brasileiro influenciando o contexto do ensino de
Ciências do país. No Brasil, o ensino de Ciências, ainda segundo esses
autores, não possui muita tradição se comparado com o de países europeus e
se estabeleceu a partir do século XX ocorrendo no nível das escolas básicas
somente pela necessidade que o país se encontrava em gerar mão de obra
qualificada para ingressar no processo de industrialização brasileiro. Porém o
Estado começou a intervir no ensino de Ciências a partir da década de 1950
sendo que após a década de 1970, esses investimentos oficiais ganharam
força com o título brasileiro de 8ª economia do mundo. Em suma, o contexto
histórico do ensino de Ciências no Brasil passou por três fases distintas
(DELIZOICOV E ANGOTTI, 1991).
A primeira fase, ainda segundo Delizoicov e Angotti (1991), se deu
desde o início do século XX até o final da década de 1950, e o ensino de
Ciências se baseava em outras disciplinas e no ensino tradicional. Na
abordagem tradicional, como explica Mizukami (1986), ensinar é transmitir
conhecimento e, além disso, o professor é detentor de todo o conhecimento e
este é transmitido aos alunos de uma forma expositiva. Guimarães et al. (2006)
ainda completa dizendo que esse conhecimento é transmitido em uma
perspectiva enciclopédica, cumulativa e fragmentada na qual o priorizado é o
saber acadêmico. Nessa abordagem, a hierarquia professor-aluno é bem
delineada, colocando o aluno em uma posição de submissão e passividade na
qual as normas devem ser aceitas sem qualquer pressuposto de críticas
(GUIMARÃES et al., 2006). Ainda segundo Mizukami (1986), o ensino é
caracterizado por uma maior preocupação na quantidade de saberes, mesmo
que de forma resumida ou básica, de vários conteúdos, ao invés de se
preocupar com a reflexão do mesmo.
Aprender, na abordagem tradicional descrita por Mizukami (1986) é
decorar, absorver a maior quantidade de conteúdo possível e saber transmiti-lo
de forma objetiva. O aluno somente terá aprendido se ele souber repetir as
mesmas palavras que definem o conteúdo que está escrito em algum livro ou
então dito por algum professor. Esta abordagem forma alunos automáticos que
saberão resolver situações que dependam do conteúdo aprendido somente se
estas forem idênticas as vistas em sala de aula. Delizoicov e Angotti (1991)
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completa dizendo que este tipo de ensino visava o ingresso do aluno no ensino
superior e que, após a instalação de escolas profissionalizantes para a
indústria e comércio, passa a buscar uma formação rápida para ocupar vagas
do crescente mercado de trabalho.
Com a expansão da rede pública de ensino e o surgimento de novas
tendências pedagógicas a partir do final da década de 1950, surgem projetos
estrangeiros de caráter tecnicista, voltados para o ensino de Ciências e de
Biologia, que caracterizam, portanto, a segunda fase do ensino de Ciências no
Brasil (DELIZOICOV E ANGOTTI, 1991). O modelo tecnológico, descrito por
Guimarães et al. (2006), adapta a escola tradicional e seu currículo ao novo
contexto socioeconômico trazido pelo desenvolvimento da ciência e da
tecnologia. Segundo Chassot (2004) sempre que há evolução da ciência e da
tecnologia há a necessidade de se atualizar o currículo escolar. Guimarães et
al. (2006) ainda nos mostra que este modelo não perde suas características
tradicionais, contudo, ele moderniza o modelo tradicional, atualizando, por
exemplo, o conteúdo das apostilas, currículo e atividades práticas, sempre com
ênfase na eficiência do ensino. Essa ênfase é adquirida com a preocupação no
produto (conteúdo) e no processo. Esse modelo se assemelha muito com o
modelo tradicional, pois se preocupa muito com o conteúdo, porém há a
centralidade nos métodos utilizados e não no professor, como ocorre na
abordagem tradicional.
Esses projetos que eram desenvolvidos no exterior passam a ser
produzidos no Brasil a partir do final da década de 1960 com grande
repercussão na década de 1970. Esses projetos apresentaram resultados de
aprendizagem que não valorizavam a discussão crítica e esvaziavam o caráter
conteudista do modelo tecnicista, caracterizando assim, a terceira e última fase
do ensino de Ciências no Brasil (DELIZOICOV E ANGOTTI, 1991). A partir da
década de 1970 até os dias atuais, ainda segundo Delizoicov e Angotti (1991),
as pesquisas sobre o ensino de Ciências voltaram-se para a análise dos
projetos já vigentes e para as vertentes não consideradas adequadas para o
processo de ensino e aprendizagem, representando um progresso da reflexão
sobre o processo e as práticas até então realizadas. Essas reflexões, segundo
Fumagalli (1998), são realizadas no modelo construtivista de ensino e
aprendizagem. Coll e Solé (2006) defendem que esta abordagem é um
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conjunto articulado de princípios na qual o professor diagnostica, julga e toma
decisões fundamentais sobre o ensino. Essas decisões têm como foco a
resolução de problemas a partir de uma solução dialética e interativa guiada
pelo professor. O processo de ensino e de aprendizagem está fortemente
ligado à cultura e à sociedade em que está inserido. É a partir desse processo
que os alunos buscam adquirir conhecimentos prévios sobre tudo que os
cercam. Esses conhecimentos prévios, segundo Fumagalli (1998), são
subsídios fundamentais na estruturação de um ensino que vise à
aprendizagem significativa de Ciências nas escolas.
Krasilchrik e Marandino ressaltam a importância desse tipo de processo:
No caso da escola, o que se aspira hoje é despertar o
interesse dos indivíduos para conceitos fundamentais e verificar
quais as suas idéias sobre o assunto em estudo, e, após
envolver em atividades de explicação de fenômenos naturais,
torná-los capazes de aplicar os conhecimentos adquiridos em
novas situações (2004, p.33).
Ainda segundo Coll e Solé (2006), esses conhecimentos prévios serão
ferramentas para o aluno na construção do seu conhecimento. Aprender na
abordagem construtivista é construir. Os conhecimentos prévios internalizados
nos alunos poderão ser modificados, integrados ou então associados a outros
conhecimentos, construindo assim, um conhecimento novo, carregado de
sentido e significado para esses alunos. Este nunca será o final de um
processo, pois o conhecimento construído poderá um dia servir de subsidio à
construção de um novo conhecimento. Fumagalli (1998) complementa que a
mudança desses conhecimentos prévios será desenvolvida a partir de
situações que os coloquem à prova e os contrariem, visando sempre aproximá-
los do conteúdo científico que se pretende ensinar.
Carvalho comenta:
Um ensino que vise a aculturação cientifica deve ser tal
que leve os estudantes a construir o seu conteúdo conceitual
participando do processo de construção e dando oportunidade
de aprenderem a argumentar e exercitar a razão, em vez de
fornece-lhes respostas definitivas ou impor-lhes seus próprios
pontos de vista transmitindo uma visão fechada de ciências
(2004 p.3).
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O ensino na abordagem construtivista “é um conjunto de ajudas ao aluno
no processo pessoal de construção de conhecimento e na elaboração do
próprio desenvolvimento” (MAURI, 2006, p.88) e ele está focado em um aluno
que aprenderá que o mais importante na construção de seu conhecimento é
saber como o mesmo é construído. O aluno e o professor devem entender
tanto o produto (conteúdo) como o processo, ou seja, o caminho que o aluno
utiliza para a criação do conhecimento (MAURI, 2006).
Esse modelo de ensino e aprendizagem acima citado é o que diversos
autores (COLL E SOLÉ, 2006; MAURI, 2006; FUMAGALLI, 1998) consideram
ser o que melhor assegurará um ensino significativo, no caso um ensino
significativo de Ciências. Mas afinal, por que ensinar Ciências para crianças
dentro da sala de aula?
Se analisarmos os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de
Ciências, encontramos respostas interessantes para esse tipo de pergunta,
como destacada no trecho a seguir:
Na educação contemporânea, o ensino de Ciências
Naturais é uma das áreas em que se pode reconstruir a relação
ser humano/natureza em outros termos, contribuindo para o
desenvolvimento de uma consciência social e planetária (1998,
p.22).
Porém, respondendo a essa pergunta, Fumagalli (1998) diz que o ensino
de Ciências na escola fundamental se justifica por três principais motivos. O
primeiro deles é que toda criança tem o direito de aprender ciência uma vez
que as crianças não são somente o “futuro” e sim também o “hoje”, ou seja,
fazem parte do mesmo corpo social que os adultos, que possuem o direito de
conhecer a cultura elaborada pela sociedade em que estão inseridas e utilizar
esses conhecimentos para transformar o seu mundo. Em seguida, a autora diz
que a escola é o lugar onde o corpo social representado pelas crianças teria
acesso de maneira adequada à cultura elaborada por toda a sociedade. Por
fim, Fumagalli (1998) defende que enquanto integrantes da sociedade,
possuímos conhecimentos cotidianos (senso comum) e que é papel da ciência
trabalhá-los para que possa ocorrer participação ativa e crítica numa sociedade
como a atual, visando à ação de forma consciente nos diversos temas
científicos vinculados ao bem-estar da sociedade que se está inserido.
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2.2. Biologia Evolutiva: da sua origem aos dias atuais
A evolução nem sempre foi interpretada como ela é nos dias de hoje.
Aliás, ela nem se quer era pensada antigamente, pois acreditava-se viver em
um mundo estático que foi desenhado por um Criador e que desde seu
surgimento nenhuma mudança houvera ocorrido. As contribuições de Charles
Robert Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913) foram as
grandes responsáveis pela mudança nesse tipo de pensamento para outro em
que se aceitava a mutabilidade como ordem natural das espécies. Porém,
outros pensadores e cientistas, como Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829),
influenciaram o contexto histórico da Biologia Evolutiva. O entendimento deste
contexto histórico se faz necessário para o entendimento da biologia evolutiva
moderna (FUTUYMA, 2003a).
Segundo Futuyma (2003a), a teologia cristã muito influente no mundo
ocidental teve elementos da filosofia de Platão incorporados em sua estrutura.
O elemento dessa filosofia que foi incorporado à teologia cristã foi basicamente
o conceito da “forma” ou “ideia”. Com isso, acreditava-se na existência de
formas ideais em um plano superior, que eram imitadas imperfeitamente pelos
seres vivos do mundo, ou seja, um coelho, por exemplo, era uma imitação
imperfeita de uma forma ideal de coelho que existia em um plano superior, e
quaisquer que fossem as variações nos coelhos do mundo, nenhum
conseguiria se igualar a perfeição do coelho ideal. Com isso, as variações que
surgem nas espécies durante as gerações, que seriam futuramente abordadas,
não fazem sentido para esse tipo de pensamento, pois todos os seres buscam
se igualar as suas formas ideais.
Com o ganho de popularidade da teologia cristã, toda a sociedade
humana, tanto de classes baixas como altas, adotam o pensamento da Criação
Divina como perfeição, ou seja, Deus, que é perfeito, criou, no começo, tudo
que se encontra no universo nos dia de hoje, como transposição de suas
ideias, ou seja, por ser perfeito, todo o resultado de sua criação também o é.
Por isso, não há como seres se extinguirem ao longo do tempo, já que
acreditar na eliminação de um ser, que foi criado de forma perfeita, era negar a
existência da criação divina. Com isso, a criação de Deus se enquadra na
Scala Naturae, que não apresenta lacunas e classifica os seres (inclusive os
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inanimados) em uma progressão que ia de pedra, plantas, animais “inferiores”,
seres humanos a seres divinos como os anjos, sendo a mesma imutável, pois
uma mutação nessa escala também negaria a existência da Criação, tornando
natural tudo o que segue essa escala e como consequência, tudo o que é
natural é bom, e deve ser o melhor para a vida humana (FUTUYMA, 2003a).
Com o cenário histórico acima descrito, o papel dos cientistas naturais,
ainda segundo Futuyma (2003a), era o de catalogar os seres dentro dessa
Scala Naturae e com isso, evidenciar ainda mais a obra divina. Porém, com a
chegada da ciência empírica, esse pensamento foi sendo mudado. Muitos
cientistas1 foram responsáveis por essa mudança no modo de se pensar da
humanidade. Dentro da linha de desenvolvimento das ciências naturais e que
vieram a influenciar a biologia evolutiva mais diretamente estão as
contribuições de Georges-Louis Leclerc Conde de Buffon (1707-1788) e James
Hutton (1726-1797), na história natural e na geologia, que posteriormente
serviram de subsídios para o geólogo Charles Lyell (1797-1875) escrever sua
obra Principles of Geology, que muito influenciou Darwin em seu pensamento
evolutivo.
Porém, o primeiro naturalista a elaborar uma teoria evolutiva que
pudesse ser reconhecida hoje como satisfatória foi, segundo Ridley (2006), o
francês Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829). O autor nos diz que Lamarck
afirmava que ao longo do tempo, as espécies mudam e assim se transformam
em outras espécies, porém o mesmo não menciona que as espécies se
ramificaram ou extinguiram-se. Lamarck não menciona também, segundo
Futuyma (2003a), que as espécies descendem de um ancestral comum, mas
sim que os seres “inferiores” surgem por geração espontânea e uma vez
surgidos progridem inevitavelmente a um aumento na complexidade e busca
pela perfeição, pois todos os seres possuem uma tendência inerente em
direção à complexidade.
Para Ridley (2006), Lamarck apresentava dois mecanismos pelos quais
as espécies mudariam. O primeiro se referia à “força interna” que todo ser
possui que o faz produzir uma prole levemente diferente dele mesmo. Com
isso, depois de várias gerações e de várias mudanças sucessivas nas proles, a
1 Cientistas como René Descartes (1596-1650), Isaac Newton (1643-1727), Immanuel
Kant (1724-1804) e Pierre Simon Marquis de Laplace (1749-1827).
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prole final teria acumulado um número alto de diferenciações que a tornava
visivelmente diferente da prole inicial e assim, poderia ser classificada como
uma nova espécie. Essas diferenciações seriam moduladas pelo ambiente, ou
seja, quanto mais necessário fosse a utilização de uma característica na vida
do animal, mais provável seria que essa característica fosse mantida. Esse
mecanismo ficou muito conhecido como o “uso e desuso de Lamarck”. O
segundo mecanismo, que já havia sido usado por Aristoteles (384a.C. -
322a.C.), é a então mais famosa “herança de caracteres adquiridos”. Esse
mecanismo diz respeito aos caracteres adquiridos durante o desenvolvimento e
vida de um organismo que, se passado adiante para sua prole, poderia
caracterizar a transformação em uma nova espécie.
Contudo, segundo Martins (1997), muitos autores só caracterizam dois
mecanismos evolutivos de Lamarck, dizendo que o mesmo desenvolveu
apenas duas leis de variação das espécies, a lei de “uso e desuso” e a
“herança de caracteres adquiridos”, como citados acima, quando na verdade,
Lamarck trabalhou na perspectiva de quatro leis de variação das espécies.
Segundo a autora, isso ocorre porque esses autores se baseiam apenas nas
leis descritas na obra principal de Lamarck, a Philosophie zoologique, sendo
que muito se é falado em outras obras do naturalista, só que as mesmas, não
são ao menos mencionadas.
A primeira lei, segundo Martins (1997), se refere ao aumento da
complexidade no indivíduo e nas espécies, ou seja, o indivíduo tende a nascer
com um baixo grau de complexidade e ao se desenvolver esse indivíduo vai
ganhando níveis mais altos de complexidade, ocorrendo o mesmo na escala
evolutiva das espécies.
A segunda lei, ainda segundo Martins (1997), diz que devido à
necessidade e os hábitos, há a tendência ao surgimento de novos órgãos
como, por exemplo, o surgimento de tentáculos na cabeça de moluscos
gastrópodes pela necessidade de tatear o ambiente em que se encontra. Essa
lei se apóia ou dá subsídios à terceira lei de variação das espécies que diz
respeito ao desenvolvimento ou atrofia de órgãos em função de seu emprego,
ou seja, quanto mais se usa um órgão, mais ele se desenvolve e vice-versa.
Essa é a lei que ficou famosa como a lei do “uso e desuso” descrita acima.
Vale ressaltar que essa lei é empregada apenas a mudanças no indivíduo e
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não na espécie e que essas mudanças nunca ultrapassam o limite do tamanho
da complexidade intrínseco a cada espécie.
Essa é, segundo Martins (1997), a lei mais mal interpretada de Lamarck
e um dos motivos dessa má interpretação é a tradução errada de um termo do
francês para o inglês. Na obra de Lamarck, escrita originalmente em francês, é
citada a palavra désir e traduzida como “desejo”, no sentido de que o animal
tem “desejo de evoluir” quando na verdade essa palavra tem melhor
associação com uma “necessidade fisiológica” de o animal evoluir. Na natureza
são encontrados vários exemplos que poderiam se enquadrar no “uso e
desuso” de Lamarck, como por exemplo, os olhos vestigiais da salamandra
Proteus que vive em águas de cavernas escuras que não recebem luz solar e
com isso, não haveria a necessidade de se manter um olho já que não seria
possível visualizar nada ali dentro. No caso do uso, temos como exemplo as
membranas interdigitais de patos que nadam mais facilmente do que se não
tivessem essas membranas que aumentam a quantidade de água empurrada
para facilitar a natação do animal.
Por último, porém não menos importante, Lamarck apresenta a lei da
herança do adquirido. Essa lei mostrava que as características adquiridas
durante a vida de um animal seriam passadas para a sua prole, porém essas
características deveriam ocorrer em ambos os sexos. Lamarck não explicou o
mecanismo evolutivo embutido nessa lei que, ao contrário do que muitos falam,
excluía a herança de mudanças acidentais (MARTINS, 1997).
Lamarck, segundo Futuyma (2003a), é injustamente lembrado como um
cientista que estava errado, porém o mesmo merece crédito por ser o primeiro
a tentar explicar os mecanismos evolutivos que os seres vivos apresentam.
Suas contribuições para a biologia evolutiva foram rejeitadas, pois na época em
que vivia não se reconhecia na academia as evidências da evolução
necessárias para que suas hipóteses fossem aceitas. Isso, segundo Ridley
(2006), fez com que a ideia fixista ganhasse mais força ainda entre os
cientistas.
É neste cenário que, segundo Hopkinson (2009) e Strathern (2001),
Darwin se encontrava fazendo suas anotações e desenvolvendo suas ideias do
que posteriormente seria uma das maiores teorias científicas de todos os
tempos. Charles Robert Darwin (1809-1882) foi uma criança que sempre
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gostou de colecionar coisas, principalmente rochas e besouros e gostava de
explorar a natureza em busca de coisas novas. Na adolescência, entra para a
faculdade de medicina por gosto de seu pai, porém odiava as aulas de
anatomia e ao presenciar uma cirurgia, decide que esse não era o caminho que
desejava para a sua vida, e sai do curso.
Contudo, seu pai não gostou da ideia e queria que o filho seguisse uma
profissão. Darwin decidiu então entrar para o curso de teologia em que
conheceu um professor que foi importante na sua vida. John Steavens Henslow
(1796-1861) era professor de botânica e foi convidado para ir a uma expedição
cartográfica a bordo do navio Beagle pelo capitão Robert Fitzroy (1805-1865) e
indicou Darwin. Fitzroy queria uma pessoa a bordo de seu navio para que
pudessem conversar nos longos períodos de viagem, já que a conversa com os
tripulantes do navio não o agradava (HOPKINSON, 2009; STRATHERN, 2001).
Saíram, ainda segundo Hopkinson (2009) e Strathern (2001), no final de
1831 para uma viagem que durou cinco anos. Essa era uma viagem que daria
a volta no mundo e Darwin passou por algumas regiões importantes durante
essa viagem. Passou pelo Brasil, Argentina, Ilhas Galápagos, Oceania, África,
entre outros lugares. Ficou encantado com a diversidade biológica do Brasil
(principalmente com as plantas parasitas) e ao passar pelo Rio de Janeiro,
ficou inconformado com a escravidão de negros que ainda existia no país.
Esse é seu primeiro momento de “discussão com Deus”. Darwin não
conseguia entender como um Deus que se diz bondoso e perfeito, permitiu que
negros fossem escravizados por brancos. Na Argentina, Darwin viu fósseis de
preguiças gigantes extintas que nunca tinha pensado ter existido e em
Galápagos observou a formação geográfica do local, corroborando com as
ideias de Charles Lyell, de que a terra está em transformação lenta e gradual,
escritas na sua obra Principles of Geology, a qual tinha lido anteriormente
(HOPKINSON, 2009; STRATHERN, 2001).
Para Ridley (2006), houve dois momentos fundamentais na vida de
Darwin que o fez ligar as ideias em sua cabeça para então desenvolver suas
teorias que posteriormente seriam escritas em A origem das espécies. O
primeiro momento seria quando Darwin, ao analisar seus tentilhões coletados
nas Ilhas Galápagos, observou que os exemplares de todas as ilhas
apresentavam pequenas variações, principalmente no formato de seus bicos,
20
porém, Darwin achava que essas seriam variações dentro de uma mesma
espécie. Mesmo assim, Darwin enviou seus tentilhões para seu amigo
ornitólogo John Gould (1804-1881), que para sua surpresa, lhe respondeu que
os diferentes exemplares enviados pertenciam a diferentes espécies, ao
contrário do que Darwin havia pensado. Isso fez com que ele desenvolve-se a
ideia de que todos os tentilhões das ilhas menores haviam evoluído a partir de
um tentilhão da ilha principal, ou seja, a partir de um ancestral comum.
Contudo, “A sua teoria teria que explicar não somente porque as
espécies mudam, mas também porque elas são bem adaptadas à vida”
(RIDLEY, 2006, p.33). Futuyma (2003a), completa dizendo que Darwin não
estava preocupado apenas em demonstrar evidências de que a evolução
ocorre, mas também em tentar explicar quais eram os mecanismos evolutivos
que a tornava viável. Essa explicação ficou elucidada quando, segundo
Futuyma (2003a) e Ridley (2006), Darwin leu o Essay on the Principle of
Population (1798), de Thomas Robert Malthus (1766-1834), que dizia que o
crescimento populacional humano seguia uma progressão geométrica
enquanto que o alimento disponível para os seres humanos seguia uma
progressão aritmética, ou seja, no futuro, haveria muita gente para pouco
alimento resultando em fome em nível mundial. Porém, Darwin percebeu que
não era isso que ocorria de fato, que algum mecanismo impedia que os seres
humanos morressem de fome. Nas suas próprias palavras, Darwin apud Ridley
diz:
Em outubro de 1838, isto é, 15 meses depois de eu
começar minha investigação sistemática, li por divertimento o
Essay on Population e, estando preparado para apreciar a luta
pela vida que acontece em todo lugar, graças à longa e contínua
observação dos hábitos doa animais e plantas, subitamente me
ocorreu que, sob essas circunstâncias, variações favoráveis
tenderiam a ser preservadas e variações desfavoráveis, a serem
destruídas. O resultado disso seria a formação de uma nova
espécie (2006, p.34).
Esses dois momentos foram de grande importância para que Darwin
desenvolve-se as duas teorias principais de A Origem das Espécies, ou seja,
que todos os seres vivos surgem e descendem com modificações a partir de
21
um ancestral comum a todos eles e que, essas modificações seriam então
selecionadas de acordo com as pressões ambientais que cada espécie está
sofrendo naquele momento de sua vida, pela seleção natural (FUTUYMA,
2003a).
Contudo, segundo Futuyma (2003a), Darwin não publicou sua obra
assim que desenvolveu suas ideias principais. Isso aconteceu por alguns
motivos. Primeiramente, a obra de Robert Chambers (1802-1871), que tratava
a origem da vida2, tinha sido ridicularizada na academia e juntamente com a
obra de Lamarck, Darwin tinha medo de como sua obra seria recebida pelos
naturalistas e pensadores da época. Por isso, se ocupou por quase 20 anos,
em descrever exemplos da ação da seleção natural e da descendência com
modificações, para que quem lesse sua obra não tivesse dúvida do mecanismo
que o mesmo estava propondo. Outro problema para Darwin era romper com
Deus, pois vinha de uma família religiosa e publicar sua obra significaria tirar de
Deus, o papel da Criação, que era o aceitado em sua época. Após a morte de
sua filha mais querida, Darwin rompe definitivamente com Deus, pois o mesmo
não consegue entender como Deus pôde tirar a vida de uma criança nova
como sua filha.
Porém, o estopim que fez Darwin publicar sua obra foi o recebimento de
um artigo assinado por Alfred Russel Wallace (1823-1913), no qual, em poucas
páginas, Wallace descrevia as mesmas ideias que Darwin havia levado anos
desenvolvendo e escrevendo-as. Para garantir a autoria de ambos, Darwin e
Wallace publicaram juntos dois artigos no mesmo número da Linnean Society e
um ano depois, Darwin então publicou o seu livro A origem das Espécies
(FUTUYMA, 2003a).
A obra de Darwin teve uma repercussão mista em sua época. A ideia de
descendência com modificação a partir de um ancestral comum convenceu a
quase todos em um período de tempo relativamente curto. Porém, a seleção
natural não teve a mesma repercussão. Para os naturalistas da época, a
seleção natural seria capaz apenas de eliminar os indivíduos desfavoráveis,
mas não criar novas espécies, pois muitos possuíam ainda a visão platônica
das espécies (FUTUYMA, 2003a). Ainda, segundo Ridley (2006), a descrença
2 Obra chamada Vestígios (Vestiges of the Natural History of Creation), publicada na Inglaterra
em 1844.
22
na seleção natural foi devido à teoria de hereditariedade baseada na
miscigenação dos fatores, ou seja, como por exemplo, se uma galinha de
penas pretas fosse cruzada com um galo branco, a sua prole seria
essencialmente cinza, pois houve a mistura dos fatores, como se
misturássemos duas tintas para obtermos uma terceira (prole) derivada dessas
duas outras (parentais). Com isso, teríamos inevitavelmente uma
homogeneização das populações com o passar dos tempos e qualquer nova
característica, seria então descartada.
O primeiro a contribuir para a compreensão da questão da
hereditariedade foi Friedrich Leopold August Weismann (1834-1914), que
defendia que o plasma germinativo era independente do plasma somático e
não sofria influências das alterações ocorridas neste último. Com isso,
Weismann tira o papel influente do meio ambiente sobre as questões
hereditárias do indivíduo, refutando a teoria da herança dos caracteres
adquiridos (FUTUYMA, 2003a; MAYR, 2006a; RIDLEY, 2006).
Porém, foi apenas depois das contribuições de Gregor Johann Mendel
(1822-1884) que as descrenças na hereditariedade começaram a perder força.
Contudo, seguidores das ideias de Mendel e naturalistas não entram em um
consenso no começo das interpretações de Mendel. Para os primeiros
cientistas partidores das ideias de Mendel, as espécies próximas eram
diferentes em pequenas características morfológicas e que essas diferenças
surgiam por também pequenas mutações. Com isso, se uma espécie nova
surgisse apenas por uma mutação da espécie já existente, a formação de
novas espécies não dependeria da seleção natural. Com isso, a teoria da
seleção natural de Darwin cai em total descrença pela não interpretação
conjunta entre os geneticistas e naturalistas dos trabalhos de Mendel e Darwin
(FUTUYMA, 2003a; MAYR, 2006b; RIDLEY, 2006).
Ainda segundo Futuyma (2003a), Ridley (2006) e Mayr (2006b), as
conciliações entre as teorias genéticas e as teorias evolutivas mais as
contribuições da sistemática, embriologia e da paleontologia, formaram a
Síntese Moderna. Tudo começou com as contribuições de Ronald Aylmer
Fisher (1890-1962), John Burdon Sanderson Haldane (1892-1964) e Sewall
Green Wright (1889-1988), que diziam que a seleção natural poderia operar
com a genética mendeliana, não precisando de nenhum outro processo,
23
descaracterizando de vez a herança das características adquiridas e a
macromutação. Com isso, a teoria de Darwin, que havia pecado por não ter
uma base firme em alguma teoria hereditária bem fundamentada, estava então
com seu problema solucionado. Outros cientistas3 contribuíram com estudos
em genética de populações assim como George Lealyard Stebbins (1906-
2000) contribuiu com trabalhos em sistemática e genética vegetal.
A Síntese Moderna não foi um período de grandes inovações, mas sim
um período de educação mútua entre as diversas áreas, incorporando novas
informações, questões e controvérsias e com isso desenvolveu uma visão
unificada sobre a natureza da mudança genética incorporando várias áreas do
conhecimento à biologia evolutiva (FUTUYMA, 2003a; MAYR, 2006b; RIDLEY,
2006). Em suma, a síntese, como comenta Futuyma, foi capaz de determinar
que:
As características presentes são determinadas, em
partes, pelos processos de desenvolvimento que traduzem
genótipos em fenótipos e estes, por sua vez, são os produtos da
história evolutiva. O estudo dos mecanismos evolutivos não
pode ser divorciado do estudo da biologia do desenvolvimento e
da história, o tema básico da sistemática e da paleontologia
(2003a, p.14)
Nas décadas seguintes, outros trabalhos, principalmente nas áreas da
genética, fisiologia e química dos organismos, contribuíram, segundo Mayr
(2006c), para que o Darwinismo ganha-se cada vez mais força e fosse
interpretado nos dias atuais como um fato, sendo as novas fronteiras da
biologia evolutiva a elucidação da estrutura do genótipo e o papel do
desenvolvimento no processo evolutivo, assim como a relação entre esses
componentes que determinam o fenótipo do organismo e os trabalhos com
biologia molecular e “evolução em mosaico”, os tópicos da biologia evolutiva
que hoje estão em destaque nos trabalhos científicos atuais.
3 Como Theodosius Hryhorovych Dobzhansky (1900-1975), Julian Sorell Huxley (1887-1975) e
Edmund Brisco Ford (1901-1988).
24
2.3. Evolução Humana
A evolução humana, segundo Futuyma (2003b), é estudada a partir da
compreensão e da interrelação de vários pontos de vistas de diferentes áreas
do conhecimento, pois se trata de um tema de complexidade tão elevada que
não é possível ser abordado em apenas uma área do conhecimento, como
somente nas ciências biológicas. Esse tema é amplamente discutido seja na
comunidade científica, em escolas ou mesmo na grande massa, já que, a
evolução humana interessa quase todas as esferas da sociedade em quase
todo o planeta.
Contudo, nem sempre foi assim. Antes de Darwin, segundo Gould
(2004), pouco ou quase nada se falava sobre o assunto, pois a crença religiosa
era a única opção da população. Alguns autores da época, como Charles Lyell,
chegaram a desenvolver ideias que englobam todos os seres vivos, desde a
poeira primordial até o chimpanzé, colocando o ser humano, em um plano
excepcional. Wallace, cocriador da teoria da Seleção Natural, ao discutir sobre
a espécie humana, mencionou que a partir do ser humano, a seleção natural
não funciona mais.
Um autor pioneiro e que contribuiu muito com os trabalhos sobre a
origem e evolução humana foi, segundo Bizzo (2006), Thomas Henry Huxley
(1825-1895), amigo de Darwin. Huxley publicou seu livro “Man’s place in
nature” em 1863 (oito anos antes de Darwin publicar seu livro sobre a origem
humana) que continha análises críticas de desenhos e descrições de espécies
primatas publicadas anteriormente por outros autores. Foi nesse livro que pela
primeira vez aparece uma imagem que se tornou a base de uma das maiores
confusões em relação à evolução humana.
Essa imagem (Figura 1) se refere a uma síntese da taxonomia dos
grandes primatas, que foram colocados lado a lado todos em um sentido só,
sendo o esqueleto da espécie humana o último da linha dando a entender que
um primata se transformaria em outro até chegarem então ao produto final, que
seria o ser humano. Outros equívocos são cometidos também ao serem
apresentados desenhos de ossos da pelve e de cérebros de chimpanzés e
humanos sem estarem em escala, aparentando serem de mesmos tamanhos e
proporções (BIZZO, 2006).
25
Figura 1 – Desenhos feitos a partir de espécimes reais do Royal College of
Surgeons por Mr. Waterhouse Hawkins, contido no livro de Huxley (O gibão
está ampliado duas vezes). Fonte: http://sociologias-
com.blogspot.com/2009/12/metamorphoses-de-levolution-le-recit.html
Mesmo Darwin, ao publicar sua mais famosa obra “A origem das
espécies”, segundo Gould (1999), não quis ir além e mostrar suas ideias a
respeito do ser humano. Nesta obra, em sua primeira edição4, Darwin apenas
mencionou que “luz será lançada sobre a origem do homem e sua história” e
somente na sexta edição, o mesmo acrescenta um “muita” no início da frase.
Foi somente depois de alguns anos que ele então publica sua obra “The
Descent of Man and Selection in Relation to Sex”.5
Toda via, na época de Darwin, segundo Dawkins (2009), o mesmo não
tinha acesso, pois não tinham sido encontrados ainda, à fósseis que ligavam os
seres humanos aos grandes primatas e mesmo assim Darwin, apenas
observando os primatas viventes, acreditava que o ser humano fosse parente
muito próximo dos grandes primatas africanos, o gorila e o chimpanzé.
Porém, segundo Futuyma (2003b), a evolução humana é um tema que
sofre muita influência individual por parte dos autores da área ao publicarem
seus trabalhos, pois o tema é caracterizado em alguns casos, a partir de
afirmativas que não são baseadas em evidências. Morris (2010) observa que
essa subjetividade presente nos trabalhos de evolução humana, poderia ser
4 Publicada em 1859. 5 Traduzida para o português como “A origem do Homem e a Seleção Sexual”.
26
evitada se tratássemos cada vez mais o ser humano como qualquer outra
espécie, esperando para ser descrita em algum laboratório de taxonomia de
primatas.
Atualmente, o ser humano é classificado, segundo Pough et al. (2008),
dentro dos táxons Primata, Euprimates, Haplorhini, Antropoidea, Catarrhini,
Hominoidea, Hominidae, Homo e Homo sapiens. Os seres humanos
compartilham com os demais primatas as características presentes no Quadro
1.
Quadro 1. Características compartilhadas dos primatas.
Retenção da clavícula como um elemento proeminente da cintura escapular
Um ligamento no ombro que permite alto grau de movimento dos membros em todas as direções e um ligamento no cotovelo.
Retenção generalizada de cinco dígitos funcionais nos membros. Mobilidade aumentada dos dígitos, especialmente o polegar e o hálux, que usualmente são oponíveis aos outros dígitos
Garras modificadas em unhas achatadas e compridas
Desenvolvimento de terminações sensoriais táteis na região distal dos dígitos
Tendência à redução do focinho e dos aparatos olfatórios, posicionando a maior parte do crânio caudal as órbitas.
Redução no número de dentes, quando comparados aos mamíferos primitivos, mas com a retenção dos padrões simples da coroa dos molares bunodontes
Aparato visual complexo com alta acuidade, grande percepção de cores e com tendências ao desenvolvimento de olhos binoculares voltados para frente e percepção de três cores
Cérebro grande em relação ao tamanho do corpo, com aumento considerável do córtex cerebral
Somente duas glândulas mamárias (com algumas exceções)
Tipicamente, somente um filhote por gravidez, associado a infância e adolescência prolongadas
Tendência de manutenção ereta do tronco, o que leva ao bipedalismo facultativo
Fonte: Pough et al., 2008.
A subordem Haplorhini, ainda segundo Pough et al. (2008), contém as
infraordens Tarsiliformes e Anthropoidea, na qual o homem está incluso. Os
antropóides são animais (na sua maioria) frugívoros ou folívoros, diurnos e com
sistemas sociais complexos. Possuem locomoção arbórea e são diferentes dos
prósímios, pois segundo Pough et al. (2008) apresentam:
Osso craniano frontal fundido
Sínfise mandibular fundida
27
Oclusão pós-orbital
Cérebro maior
Dieta rica em fibras (alta mastigação)
Não possuem a garra do segundo dedo
Dentro de Anthropoidea, há as parvordens Platyrrhini e Catarrhini. Os
Catarrhini são os macacos do velho mundo, incluindo os seres humanos e
compartilham as seguintes características: nariz voltado para baixo com
narinas muito próximas; dois pré-molares de cada lado da mandíbula; abertura
óssea nasal no crânio menor que a dos Platyrrhini e cauda curta ou ausente
(POUGH et al., 2008).
A superfamília Hominoidea, inclusa dentro da parvordem Catarrhini, é
ainda segundo Pough et al. (2008), a superfamília em que o ser humano está
inserido incluindo os viventes gibões, orangotangos, gorilas e chimpanzés
(Figura 2). Segundo o autor, eles compartilham as seguintes características:
Aumento lateral e dorso-ventral do tronco em relação ao
comprimento do corpo
Clavículas alongadas; expansão larga do ilíaco; esterno
organizado como um único osso plano
Escápulas se posicionam sobre costas amplas e planas
Vértebras caudais vestigiais
Crânio com extensa formação de sinos
Figura 2 – Cladograma mostrando as relações filogenéticas dos
Hominoidea (Baseado em Pough et al., 2008).
Homo Pan Gorilla Pongo Hylobatidae
28
No que diz respeito à evolução humana propriamente dita e as relações
entre os membros da Família Hominidae, segundo Dawkins (2009), é
necessário discutir alguns pontos em relação ao ancestral comum entre os
hominidae e os chimpanzés. Esse ancestral comum vem comumente sendo
denominado de “o elo perdido” entre os chimpanzés e os seres humanos e
provavelmente possuía um cérebro com tamanho semelhante ao dos
chimpanzés (DAWKINS, 2009) e um andar sobre os tornozelos (FUTUYMA,
2003b).
Análises moleculares do DNA de chimpanzés e de seres humanos
mostram que, segundo Gould (2004) e Futuyma (2003b), o genoma dos dois
são virtualmente idênticos, apresentando menos de 1% de diferença em seus
pares de bases. Isso representa, segundo o relógio biológico desses animais,
que ambos estão a apenas 5 milhões de anos de distância do provável
ancestral comum.
As principais características dos Hominidae segundo Pough et al.
(2008), são:
Encurtamento de todo o focinho
Maxilas em forma de arco; dentes em linha curva; caninos
pequenos com pontas rombudas e dentição relativamente
uniforme e sem espaço entre os dentes
Palato arcado
Côndilo occipital e forame magno assumem uma posição mais
ventral
Caixa craniana muito aumentada
Testa proeminente e vertical
Nariz proeminente na face com ponte e ponta distintas
As propostas sobre a evolução humana estão, segundo Neves (2006),
fortemente baseadas nas análises dos registros fósseis encontrados ao longo
dos anos. A partir desses fósseis pode-se desenhar a possível árvore
filogenética dos hominídeos. Esses fósseis são datados de épocas diferentes e
segundo Pough et al. (2008) e Neves (2006), a ordem cronológica dos fósseis
da linhagem evolutiva dos hominídeos é apresentada na Tabela 1.
29
Tabela 1 – Ordem cronológica das principais espécies de hominídeos da
linhagem evolutiva humana
Espécie Cronologia (em milhões de anos)
Ardipithecus ramidus 4,4
Australopithecus anamensis 4,2 a 3,9 Australopithecus afarensis 3,7 a 2,5
Australopithecus garhi 2,5 Homo habilis 2,4 a 1,6
Homo ergaster 2,0 a 1,4 Homo erectus 1,8 a 0,4
Homo antecessor 0,8 Homo neanderthalensis 0,2 a 0,03
Homo sapiens 0,2 - atual
Fonte: Pough et al. (2008) e Neves (2006)
As relações filogenéticas e evolutivas que serão apresentadas no
presente trabalho dentro dos gêneros de hominídeos até a única espécie
vivente (no caso, o Homo sapiens) serão baseadas nos trabalhos de Pough et
al. (2008) e Neves (2006).
Se considerarmos o Ardipithecus ramidus como a mais antiga espécie
hominídea (desconsiderando os confusos Sahelanthropus tchadensis e Orrorin
turgenensis) de 4,4 milhões de anos, teremos um ancestral parecido com os
chimpanzés, porém bípede. Essa espécie pode ter sido também a antecessora
do gênero Australopithecus que tinha como principais características a dentição
modificada, com uma camada mais fina de esmalte nos dentes e caninos
pequenos; crescimento e maturação rápidos e eram onívoros e bípedes
(POUGH et al., 2008; NEVES, 2006).
A primeira espécie do gênero Australopithecus é a A. anamensis que
pode ter sido a antecessora da mais famosa espécie do gênero, o
Australopithecus afarensis (POUGH et al., 2008; NEVES, 2006). Essa é a
espécie de Lucy, um exemplar datado de 2,9 a 3,3 milhões de anos atrás e que
têm quase 40% dos seus ossos completos, uma grande coleção de ossos,
levando-se em conta que muitas espécies são descritas apenas a partir de
dentes ou do crânio. Os ossos da pélvis de Lucy mostram claramente que A.
afarensis era bípede e caminhava ereta, revelando que a postura vertical
aperfeiçoada foi atingida a mais ou menos 4 milhões de anos, diminuindo a
30
importância que geralmente se dava ao endireitamento gradual da postura na
evolução humana (GOULD, 2004). Neves (2006) completa que a fixação do
bipedalismo precedeu em milhões de anos a fixação de um cérebro muito
desenvolvido e da capacidade tecnológica obtida na evolução humana.
Com isso, tem-se que a fixação do bipedalismo se deu, segundo Neves
(2006), em duas etapas. A primeira era um bipedalismo postural adquirido nos
primeiros ancestrais humanos que ainda permaneciam muito arborícolas e a
segunda seria um bipedalismo vertical, adaptado completamente ao meio
terrestre, que teria sido fixado em torno de 2,5 milhões de anos atrás,
coincidindo mais ou menos com o surgimento do gênero Homo e com a nova
configuração da paisagem africana que deixava de ser uma floresta com
muitas árvores e passava a ser mais parecida com a savana e desertos atuais,
ou seja, com poucas árvores.
Porém, antes do surgimento de espécies do gênero Homo, houve uma
espécie de Australopithecus que foi considerada o “elo perdido” entre os
gêneros Australopithecus e Homo. O Australopithecus garhi surgiu em torno de
2,5 milhões de anos e foi o primeiro dos hominídeos que se alimentavam de
carne e usavam ferramentas primitivas na obtenção da mesma. Contudo,
esses animais não possuíam capacidade craniana superior aos primeiros
bípedes, sendo muito similar a dos mesmos (em torno de 450cm³). Ou seja, o
A. afarensis não possuía um cérebro capaz de fabricar ferramentas para a
utilização na obtenção de comida, o que os mesmos utilizavam não passavam
de lascas de pedras (POUGH et al., 2008; NEVES, 2006).
Com o ambiente se tornando cada vez mais escasso em árvores,
tornavam-se mais escassos também os alimentos provenientes de hábitats
arbóreos. Tendo a possibilidade de utilizar lascas para a obtenção de
alimentos, o A. garhi começa então a se aproveitar de carcaças de animais
mortos e abatidos por outros animais, como felinos e hienas, e com isso
introduz o aporte de proteína animal em quantidade expressiva em sua dieta,
sendo assim o hábito cotidiano de lascar pedras de forma controlada fixado por
seleção natural (NEVES, 2006).
Com o aporte de proteína animal, ainda segundo Neves (2006), houve a
possibilidade do aumento cerebral na linhagem evolutiva dos hominídeos, pois
seria impossível para um animal estritamente vegetariano, manter um cérebro
31
muito grande, pois os alimentos provenientes de uma alimentação vegetal não
demandariam a grande necessidade energética dos cérebros dos nossos
ancestrais hominídeos.
O Homo habilis é um animal representativo dessa faixa de transição
entre cérebros relativamente pequenos de Australopithecus (em torno de
550cm³) e cérebros grandes de animais pertencentes ao gênero Homo (a partir
de 800 cm³), pois os fósseis encontrados de H. habilis (que não são muitos)
possuem capacidade craniana na faixa de 550cm3 a 750cm³ (POUGH et al.,
2008).
Os primeiros animais com cérebros realmente maiores foram os Homo
erectus e Homo ergaster (versão africana do Homo erectus e possível
ancestral do mesmo). O H. erectus foi o primeiro dos hominídeos a ser
intercontinental, indo para a Europa e Ásia há mais ou menos 1,8 milhões de
anos. Eram animais de corpo grande, não subiam em árvores e possuíam
dentes e mandíbulas relativamente pequenas com erupção dentária atrasada
(o que sugere um possível cozimento dos alimentos e uma extensão da
infância). Houve uma redução do dimorfismo sexual o que levou a passarem de
animais poligâmicos a animais monogâmicos (POUGH et al., 2008; NEVES,
2006).
Esses animais possuíam cérebros de 775cm3 a 1100cm³ (POUGH et al.,
2008) e o aumento cerebral pode ter sido resultado de um aumento da
inteligência social, ou seja, com a exploração de carniças (o que era feito em
grupo com outros H. erectus) havia a necessidade de se criar laços com
parceiros na hora da alimentação, pois não conseguiam fazê-la sozinhos sem
que outros animais os atacassem. Com isso, os que possuíam memória
seletiva e acurada relativamente elevada para distinguir quais parceiros
realmente colaborariam na hora de caçar dos parceiros que pegariam toda a
carne e sairiam correndo, tinham uma vantagem evolutiva no processo, que
devia então ser fixada e mantida (NEVES, 2006).
O Homo ergaster pode ter sido também o possível ancestral do Homo
antecessor de 800 mil anos atrás. O H. antecessor seria o então ancestral
comum entre Homo sapiens e Homo neanderthalensis. Esses dois últimos,
juntamente com o Homo erectus, foram contemporâneos, ou seja, viveram os
três na mesma época (POUGH et al., 2008).
32
Por serem contemporâneos e através de análises de DNA, o homem de
Neanderthal (como ficou conhecida a espécie H. neanderthalensis) não era
ancestral direto do H. sapiens como algumas pessoas pensam. Eram animais
de corpo grande com membros curtos e com um cérebro tão grande quanto o
dos H. sapiens, porém o cérebro de H. neanderthalensis possuía a região
occipital aumentada enquanto que o dos H. sapiens possuem a região temporal
e central aumentadas (POUGH et al., 2008).
É aqui que muitas controvérsias aparecem em relação aos antigos
hominídeos. Alguns autores, como Pough et al. (2008), sustentam que esses
animais já usavam ferramentas do tipo mousteriana, viviam em sociedades
bem organizadas com linguagem complexa e já apresentavam rituais de
sepultamento. Enquanto que outros autores, como Neves (2006), sustentam
que algumas dessas características, como apresentar rituais de sepultamento,
são exclusivas de H. sapiens e que representaria um nível de significação,
característica amplamente concordada ser apenas de H. sapiens.
Outro ponto de muita discórdia também é se houve ou não
intercruzamento entre H. sapiens e H. neanderthalensis. Pough et al. (2008)
propõem que esse cruzamento não deve ter ocorrido, enquanto que Futuyma
(2003b) sugere que as característica dos H. sapiens modernos europeus são
provenientes do cruzamento entre H. sapiens e H. neanderthalensis no
passado e que esse pode ter sido um dos fatores que acabou eliminando o
homem de Neanderthal da natureza pois teriam perdido suas características
peculiares.
Seja qual for o motivo que tenha levado o homem de Neanderthal à
extinção, o H. sapiens ao se dispersar para fora da África acabou substituindo
os Neandertais na Europa e o H. erectus na Ásia (POUGH et al., 2008). Porém,
existe ainda uma última grande discussão em relação a evolução humana. O
que nos torna essencialmente humanos? O que nós temos que nenhum outro
animal tem e jamais teve?
Segundo a visão zoológica de Pough et al. (2008), o seres humanos
possuem curvatura em S da coluna vertebral; modificação da pélvis e da
posição do acetábulo; alongamento dos ossos da perna e posicionamento
abaixo da cabeça e tronco; pé plano e alinhamento próximo e paralelo de todos
os cinco dígitos e metatarsos. Além das modificações no esqueleto, o cérebro
33
do H. sapiens aumentou muito graças ao aumento na eficiência do forrageio e
a maior quantidade e qualidade dos alimentos.
Contudo, essas modificações anatômicas, que ocorreram principalmente
no esqueleto, propostas por Pough et al. (2008), para Neves (2006) são as
modificações da primeira etapa evolutiva do homem moderno. Este último autor
propõe que o homem passou por duas etapas evolutivas. A primeira delas
formou o homem anatomicamente moderno por volta de 200 mil anos atrás.
A segunda etapa evolutiva do ser humano não envolveu nenhuma
modificação esquelética. Essa está fielmente ligada ao comportamento
moderno do ser humano. Nenhum outro hominídeo anterior ao H. sapiens criou
artefatos ou ferramentas com estilo pessoal, ou do grupo, a partir de matérias
primas como ossos e dentes. Nem mesmo tinham manifestado qualquer tipo de
atividade artística ou estética, ou seja, nenhum outro animal apresenta
significação em relação as coisas do mundo (NEVES, 2006). Neves sintetiza
ao dizer que:
...nossa vida, nosso comportamento, nosso cotidiano
estão inquestionavelmente marcados pela atribuição de
significado, de valores simbólicos e subjetivos a tudo que
formulamos e/ou interagimos (2006, p. 273).
Foi a partir da obtenção da capacidade de significação que, segundo
Neves (2006), o ser humano conseguiu desenvolver uma fala articulada, pois
foi através da associação entre sons e o que cada som significava para um
determinado grupo de seres humanos que a fala foi desenvolvida. O poder da
significação permitiu que os seres humanos fossem capazes de ser criativos
em todas as dimensões da vida.
E foi a partir da revolução do significado, por volta de 45 mil anos atrás,
que o H. sapiens deixou a África, substituiu qualquer hominídeo arcaico (H.
neanderthalensis e H. erectus) e conquistou todo o território do planeta
(NEVES, 2006). Mais uma vez utilizamos da síntese de Neves:
A seleção natural fixou em nós uma entidade mental que
escapou de seu jugo, pelo menos parcialmente. Uma entidade
com vida própria, gerida majoritariamente por critérios arbitrários
e não adaptativos (2006, p. 280).
34
O ser humano a partir da revolução do significado consegue driblar a
seleção natural, pois ao mesmo tempo que a revolução do significado traz uma
perda em adaptação, ela traz aos seres humanos uma quantidade enorme de
adaptabilidade, ou seja, o ser humano se torna muito eficiente na capacidade
de se adaptar aos novos problemas que o mundo oferece (NEVES, 2006) e
aos novos territórios conquistados, sendo assim capaz de estar em todos os
ambientes do globo terrestre constituindo a diversidade racial dos humanos
modernos, presente nos dias atuais (FUTUYMA, 2003b).
2.4. O ensino de evolução
Depois de uma breve discussão a respeito dos conceitos básicos da
biologia evolutiva e da evolução humana, será então aqui desenvolvida uma
caracterização de como os mesmos vem sendo tratados no ensino brasileiro.
Como já mencionado anteriormente, ideias sobre a evolução biológica são
passíveis de serem ensinadas tanto no Ensino Fundamental como no Ensino
Médio. Isso porque, tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (1998) quanto para o Ensino Médio (2002) contemplam o
assunto.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (1998), o ensino de evolução deve estar atrelado em todos os
anos do Ensino Fundamental II, porém nas séries iniciais não se deve abordar
os temas conceituais de evolução, pois julga-se que as crianças não são
suficientemente maduras para a abordagem do assunto. O que é proposto para
os dois primeiros anos do Ensino Fundamental é que se atrele o conteúdo
sobre evolução à existência de registros fósseis, como formas de elucidar a
ocorrência da evolução.
Para os anos finais do Ensino Fundamental, os PCNEF (1998) sugerem
que os alunos entrem em contato com as teorias evolutivas. Segundo Oliveira
(2009), esse primeiro contato seria o momento de discutir as teorias de
Lamarck e Darwin e, ainda segundo a autora, os parâmetros oficiais visam que
essas teorias sejam abordadas no sentido de comparações de modelos e
teorias científicas, para que os alunos percebam a natureza da ciência e não a
35
perspectiva de superação da teoria de Lamarck pela teoria de Darwin, como,
segundo Santos e Calor (2007a), vem sendo abordado no ensino de evolução
nas escolas tradicionais brasileiras, como um modelo de evolução de Lamarck
versus Darwin.
Já para o Ensino Médio, os PCNEM (2002) propõem o ensino através do
desenvolvimento de competências e habilidades. A habilidade a ser
desenvolvida que engloba os conhecimentos da biologia evolutiva presente no
PCNEM, pretende:
Analisar idéias biológicas como a teoria celular, as
concepções sobre hereditariedade de características dos seres
vivos, ou, ainda, as teorias sobre as origens e a evolução da vida
como construções humanas, entendendo como elas se
desenvolveram, seja por acumulação, continuidade ou ruptura
de paradigmas (2002, p. 39).
Esses conhecimentos, segundo o PCNEM (2002), devem ser
trabalhados durante os três anos do Ensino Médio dentro dos seis eixos
estruturantes do ensino proposto pelo documento. Porém, os mesmos serão
mais profundamente trabalhados dentro do eixo temático “Origem e evolução
da vida” que possui as seguintes unidades temáticas:
Hipóteses sobre a origem da vida e a vida primitiva
Idéias evolucionistas e a evolução biológica
A origem do ser humano e a evolução cultural
A evolução sob intervenção humana
Ou seja, os PCNEM (2002) propõem que sejam trabalhados em sala de
aula temas desde a origem da vida e como a mesma se deu no passado; as
teorias evolucionistas de Darwin e Lamarck e seus respectivos mecanismos de
evolução; a evolução do homem assim como construção de árvores
filogenéticas dos hominídeos; a evolução cultural e a intervenção humana nos
processos evolutivos recentes.
Contudo, segundo Oliveira (2009), os aspectos abordados pelas
propostas oficiais não são integrados, ou seja, o ensino de biologia que
segundo Santos e Calor (2007a), deveria ser organizado segundo o arcabouço
evolutivo, não é interconectado com os assuntos evolutivos, não permitindo
36
que os alunos analisem situações reais relacionadas ao meio ambiente em que
vivem.
Indo mais além, Oliveira (2009) diz que a evolução deveria ser integrada
para enriquecer não somente os assuntos trabalhados na biologia e em suas
subdivisões, mas também em outras áreas como a antropologia, história,
geologia e paleontologia.
Oliveira (1995) apud Carneiro (2004), analisa que se em cursos de
Ciências Biológicas as disciplinas fossem todas estudadas à luz da evolução, o
ensino tradicionalmente estático e classificatório se tornaria um ensino
histórico, contextualizado, interpretando a dinâmica do passado para explicar o
presente.
Porém, a ideia de trabalhar a biologia evolutiva como eixo integrador do
ensino de biologia, segundo Silva et al. (2009), já está presente na educação
brasileira há mais de meio século e mesmo assim ainda não se verifica a
implantação significativa dentro das salas de aula desse tipo de embasamento
no ensino de biologia.
Segundo Carneiro (2004), o ensino de biologia evolutiva como eixo
organizador da vida não é uma prioridade nos currículos educacionais nem tão
pouco um motivo desencadeador de concessão de verbas para pesquisa na
área como deveria ser segundo sua relevância intelectual e sua capacidade de
contribuição com a sociedade.
Carneiro ainda completa dizendo:
O fato de a Evolução Biológica ser apresentada aos
alunos de ensino médio de modo fragmentado, impregnada de
ideologias e com distorções das informações científicas
atualmente aceitas, gera a necessidade desta ser efetivamente
trabalhada nas escolas de forma clara e precisa, fazendo
integração com diversos outros conhecimentos (2004, p. 63).
Ou seja, segundo Carneiro (2004), além de integrar a evolução aos
demais temas da biologia, deve-se tomar o cuidado com o ensino da mesma,
pois concepções erradas de termos evolutivos podem gerar um aprendizado
defasado de evolução.
Para Bellini (2006), muitos dos problemas relacionados a um fraco
ensino de evolução são gerados pelo uso excessivo do livro didático dentro da
37
sala de aula, que na maioria das vezes, não está completamente adequado
aos termos e visões científicas evolutivas mais aceitais atualmente.
O problema do livro didático, para Bizzo (2007), não está no livro em si,
mas em como o mesmo é utilizado em sala de aula. O que geralmente
acontece, é que muitos professores deixam o livro guiar suas aulas, quando na
verdade, o mesmo deveria ser apenas uma ferramenta de consulta que o
professor utilizaria em momentos oportunos em suas aulas.
Ainda, vários livros didáticos usam termos científicos complexos que não
são devidamente explanados aos alunos, tornando-os distantes dos mesmos.
Com isso, os alunos dizem que aprendem, quando na verdade, memorizam
frases e fórmulas para serem avaliados, esquecendo tudo no final do ano
(BELLINI, 2006).
A respeito do assunto, Bizzo (2007) considera que não se deve utilizar
textos muito complexos na prática escolar, ao mesmo tempo em que não é
adequado trabalhar apenas com textos de linguagem simplista e infantil. Para o
autor, deve haver uma mescla dos dois tipos de textos para que ao mesmo
tempo em que o aluno consiga aprender o tema trabalhado, ele entre em
contato com termos científicos importantes para a sua formação.
Essa mescla, segundo Bellini (2006), é facilmente atingida através do
uso de analogias e metáforas seja nos textos didáticos como nas explicações
do professor. “As metáforas são elementos constitutivos das teorias científicas
que ampliam os conceitos e o vocabulário das teorias...” (BELLINI, 2006, p. 4).
O uso de analogias e metáforas no ensino de ciência é um dos possíveis
caminhos seguidos por docentes da área. Esse caminho sempre estará
presente na vida humana, pois segundo Ferraz e Terrazzan (2003) todos os
seres humanos nascem prédispostos a pensarem analogicamente e têm a
necessidade concreta de entender a realidade. A busca pelo entendimento da
realidade é o objetivo das analogias e metáforas no ensino de ciência. Essa
realidade, segundo Christofilis e Kousathana (2005) será entendida pelos
estudantes ao mesmo tempo em que os mesmos desenvolverem o seu
entendimento da ciência.
Darwin utilizou uma importante analogia em seu livro A origem das
espécies. Com o intuito de elucidar para os leitores o conceito de Seleção
38
Natural, ele fez uma analogia com a seleção artificial feita por criadores de
animais e agricultores (BELLINI, 2006).
Contudo, o professor deve tomar cuidado ao utilizar analogias dentro da
sala de aula, pois uma analogia mal elaborada ou, mal discutida, pode
estimular os alunos a terem compreensões distorcidas sobre o assunto que
está sendo trabalhado (BASTOS, 1998). Uma analogia claramente distorcida é
a analogia de evolução como uma escada em que cada degrau representaria
uma espécie e quanto mais alto fosse um degrau mais recente a espécie seria,
sendo os degraus abaixo antecessores das espécies dos degraus acima
(GOULD, 1999).
Este tipo de analogia é fortemente utilizado ao se retratar a evolução
humana através das famosas representações lineares dos ancestrais
hominídeos dando origem ao homem moderno, mais aprimorado (BELLINI,
2006).
Há casos ainda que se é retratada a ideia de que o homem evoluiu de
macacos atuais, dando a idéia de que os macacos viventes são grupos
ancestrais do homem atual, transmitindo conceitos errôneos aos alunos
(SANTOS E CALOR, 2007b). “Nada mais preformista, criacionista do que ícone
tão propalado representando a evolução (linear, em escada) do macaco ao
Homo sapiens” (BELLINI, 2006, p. 13). Santos e Calor (2007b) completam ao
dizer que o Homo sapiens não é descendente direto de qualquer primata
vivente (inclusive o tão retratado chimpanzé), muito menos de qualquer outro
Australopithecus sp, mas sim de uma linhagem composta por todas as
espécies relacionadas do gênero Homo e que nos dias atuais (com exceção
obvia do homem moderno) estão extintas.
Essas espécies, segundo Santos e Calor (2007a), em algum momento
da evolução, foram todas ancestrais comuns com grupos ligados à linha
evolutiva humana. Assim como, em algum nível hierárquico, todos os
organismos tiveram ancestrais comuns em algum ponto, mesmo que este seja
muito antigo.
Talvez, os alunos tenham dificuldade nas compreensões filogenéticas
entre os animais, pois segundo Ferreira et al. (2008), a classificação dos seres
vivos vem sempre sofrendo alterações, porém no Ensino Médio, os alunos
aprendem a diversidade biológica através da classificação de Carolus Linnaeus
39
(1707-1778) e Aristóteles (384a.C. – 322a.C.), que tratavam as espécies como
essências imutáveis. Esse método de classificação dos seres vivos não permite
ao aluno uma análise do processo evolutivo dos grupos biológicos.
Lopes et al. (2007), comentam que também no Ensino Fundamental, o
ensino de Ciências, que está atrelado aos PCN’s, apresenta um currículo
também baseado no sistema de classificação de Linnaeus, sendo este um
método catalográfico e incoerente com as teorias evolutivas atualmente
aceitas.
Para que esse ensino se torne coerente, Lopes et al. (2007) consideram
que é fundamental identificar as transformações que uma linhagem sofreu ao
longo do tempo para chegar em seus representantes atuais, ou seja, entender
a dinâmica da vida segundo o processo evolutivo. Segundo Santos e Calor
(2007a), isso seria alcançado usando a sistemática filogenética no ensino de
temas como zoologia e botânica, que permitiria com que o aluno identificasse a
evolução das características dos seres vivos dentro dos grupos biológicos.
A zoologia serve como um contexto ideal para a introdução do ensino de
evolução através da filogenia dos animais no Ensino Fundamental. Lembrando
sempre que os termos e os conteúdos selecionados devem sempre refletir a
maturidade dos alunos naquele período de suas vidas (LOPES et al., 2007). Os
próprios alunos acham o estudo da diversidade biológica através da
sistemática filogenética mais dinâmico e atrativo (FERREIRA et al., 2008).
A utilização de cladogramas seria, segundo Santos e Calor (2007a), a
ferramenta que permitiria aos alunos visualizarem as mudanças nas estruturas
morfológicas dos seres vivos ao longo do tempo, demarcando bem os padrões
hierárquicos apresentados pelos grupos sob a luz da evolução.
Com isso, há a concordância entre o que se é ensinado e alguns tópicos
propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002),
destacando o ensino de construção de árvores filogenéticas que representem
as relações entre os seres vivos. É proposto também, que se ensine aos
alunos, construir a árvore filogenética dos hominídeos tomando o cuidado de
se basear em dados atualizados sobre a ancestralidade do ser humano
(BRASIL, 2002).
Santos e Calor, comentam:
40
Com uma visão científica e não essencialista do mundo
natural, e com um arcabouço filogenético organizando o
conhecimento biológico, questões sobre o posicionamento do
Homo sapiens na evolução podem ser mais bem compreendidos
e a ideia de que nossa espécie é a obra-prima da natureza,
facilmente refutada (2007b, p. 5).
Esse tipo de enfoque no ensino de zoologia e de botânica eliminaria a
tradicional classificação dos animais de acordo com a importância para o
homem, que começa nos anos iniciais do Ensino Fundamental e se segue até
o final do Ensino Médio (SILVA et al., 2000). É comum animais e plantas serem
classificados como, “nocivos ou úteis”, “selvagens ou domésticos” assim como
“plantas cultivadas ou daninhas” (OLIVEIRA, 1992).
Com essa visão antropocêntrica da natureza nos anos iniciais da
formação do aluno, reforça-se o egocentrismo natural de toda criança de 2 a 6
anos de idade (estágio pré-operacional) reforçando cada vez mais o homem
como um ser dominante e superior em relação a natureza (SILVA et al., 2000),
quando na verdade, deveria ser o momento de mudança desse pensamento
(OLIVEIRA, 1992). Ou seja, o momento de “desenvolver uma visão de mundo
menos antropocêntrica, vendo o homem como mais um ser vivo a habitar este
planeta e compartilhar o ambiente com os demais seres vivos” (OLIVEIRA,
1992, p. 15).
41
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente trabalho está fundamentado em pesquisas do tipo
qualitativas. A partir dos referenciais teóricos estudados e do objetivo do
trabalho, que é analisar as concepções de alunos sobre a origem e evolução
humana, foram consultados a responder questões, os alunos do primeiro
semestre do curso de Ciências Biológicas de uma universidade particular da
cidade de São Paulo. Estes participantes foram escolhidos por serem alunos
provenientes de diferentes escolas (tanto particulares como públicas) e por
serem alunos que provavelmente tiveram uma relação mais estreita com o
tema da pesquisa durante o Ensino Médio além de serem futuros biólogos que
desenvolverão o pensamento evolutivo mais aprofundado ao longo do curso e
em suas vidas profissionais.
Com isso, de acordo com Pádua (2002), o questionário é um dos
possíveis instrumentos para coleta de dados na área educacional que pode se
estruturar com base em perguntas fechadas, abertas ou ambas. As perguntas
fechadas são mais destinadas à quantificação dos resultados por serem mais
fáceis de tabular e codificar enquanto que as perguntas abertas trazem dados
para análises qualitativas já que as mesmas exigem que os pesquisados
desenvolvam uma resposta pessoal e espontânea refletindo em respostas que
nem sempre são anteriormente previstas.
O instrumento utilizado nesta pesquisa foi o questionário, que contém
tanto questões abertas como fechadas, previamente planejadas e testadas em
outro público através de uma consulta prévia. Os dados coletados no teste
piloto não foram utilizados na análise da pesquisa, sendo excluídos. Após a
aplicação do teste piloto, foram feitas algumas modificações no questionário,
para que o mesmo corresponde-se melhor ao objetivo do trabalho.
Esse questionário e um projeto de pesquisa foram enviados a Comissão
Interna de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da
Universidade Presbiteriana Mackenzie para que a mesma avaliasse a
viabilidade da pesquisa. O projeto foi aceito segundo o protocolo da CIEP nº
L004/03/11. Anexo, segue o questionário que foi aplicado no público
pesquisado.
42
Antes da aplicação do questionário, foi enunciado na carta de
apresentação um termo de compromisso sobre o projeto à Universidade
envolvida. As finalidades, objetivos e procedimentos da pesquisa foram
detalhadamente expostos nesta carta de apresentação e informação, bem
como por comunicação pessoal.
Após o consentimento da instituição, os sujeitos (alunos) foram
abordados dentro da sala de aula, durante o período de aula, respeitando o
espaço e momento que foram permitidos pela universidade e pelo professor da
aula que cedeu o tempo para a aplicação do questionário.
Também foi entregue aos alunos uma carta que lhes apresentava e
informava as finalidades, objetivos e procedimentos da pesquisa, bem como
um termo de consentimento. Essas informações também lhes foram passadas
e explicadas por comunicação pessoal por parte do pesquisador. Além disso,
desde a apresentação, os sujeitos foram informados que poderiam ter acesso
aos dados no final da pesquisa e foram convidados a irem assistir à defesa do
trabalho.
O questionário foi aplicado durante cerca de 20 minutos. Foi entregue
um questionário para cada aluno da sala de aula, sendo o mesmo respondido
individualmente, com o uso de lápis ou caneta e sem a necessidade de
identificação de seus nomes na folha de respostas. No total, 50 alunos
participaram da pesquisa, respondendo o questionário. O questionário constou
de 6 questões, tratadas a seguir, sendo as questões 1, 3, 5 e 6 fechadas e as
questões 2 e 4 abertas.
As questões 1 e 2 tinham como objetivos principais identificar as
concepções dos alunos a respeito de conceitos relacionados à evolução num
contexto mais amplo assim como o conceito de ancestralidade comum, melhor
observado na questão 2.
A questão 3 tinha como objetivo identificar as concepções dos alunos
sobre quão próximos, filogeneticamente falando, o mesmos se consideravam
de outros primatas.
As questões 4 e 5, se relacionavam mais intimamente com o objetivo
principal do trabalho, que era analisar as concepções dos alunos a respeito da
origem e evolução humana. A questão 5 permitia também que fossem
identificados conceitos de ancestralidade comum e dos mecanismos evolutivos.
43
A última questão (questão 6) tinha como objetivo identificar as
concepções dos alunos a respeito da filogenia de hominídeos, além de
identificar se os mesmos sabiam interpretar cladogramas.
Após a aplicação do questionário, os dados coletados a partir das
respostas das questões abertas foram categorizados em categorias qualitativas
criadas segundo o conteúdo das respostas, para agrupar numericamente as
respostas com o mesmo sentido.
A questão 1, por ser fechada, não precisou de que suas alternativas
fossem categorizadas. Foram criadas apenas categorias novas para as
respostas dos alunos que responderam duas alternativas nessa questão. O
mesmo foi feito em relação a questão 5.
Já na questão 2, algumas categorias foram criadas segundo a
semelhança nas respostas dos alunos. A seguir, seguem quais foram as
considerações para que uma respostas fosse classificada em cada categoria:
Ancestralidade Comum – respostas que diziam que o osso fêmur
estava presente nos três grupos, pois os mesmos possuem um ancestral
comum em algum ponto da evolução.
Mesma Função – respostas que justificavam a presença do osso nos
três grupos, pois este apresenta a mesma função.
Proximidade Evolutiva – respostas que justificavam a presença do
osso nos três grupos, pois os mesmos eram muito próximos evolutivamente.
Resultados da Evolução – respostas que diziam que esse osso é
encontrado nos três grupos, pois o mesmo é resultado da evolução, sem
explicar quais seriam esses resultados e como isso aconteceria.
Respostas Mistas – respostas que apresentavam características tanto
das categorias “Ancestralidade Comum” como da categoria “Mesma Função”,
não sendo possível classificá-las em uma delas.
Respostas em branco – questões não respondidas.
O mesmo procedimento foi feito ao analisar as respostas da questão 4,
que foram classificadas nas seguintes categorias:
Homem evoluiu a partir de macacos – respostas que diziam que o
homem evoluiu a partir de macacos, sendo que em algumas respostas não
estão especificadas se essa descendência é a partir de macacos atuais ou
extintos.
44
Homem evoluiu a partir de um ancestral comum primata – respostas
que diziam que homem divide um ancestral comum com algum tipo de primata,
seja ele símio ou um macaco dos gêneros Australopithecus ou Homo.
Discorda da origem a partir de um primata – respostas que não
consideram o ser humano como o resultado da evolução de uma linhagem
primata.
Evolução humana no sentido linear – respostas que consideram a
evolução humana como sendo linear, ou seja, um animal dando origem a outro
no sentido de transformação.
Discorda do sentido da imagem – respostas que especificam apenas a
incoerência da imagem, sem abordar mais detalhadamente a evolução
humana.
Respostas mistas – respostas que apresentam característica de duas
ou mais categorias acima citadas, sendo difícil classificá-las em uma das
categorias propostas.
As respostas da questão 6 foram divididas em erros graves, erros leves
ou acertos, sendo que a justificativa para que uma resposta se enquadraria em
um dessas categorias foi a seguinte:
Acertos – respostas que contemplavam as sequências “EBCD” ou
“EBDC”.
Erros leves – respostas que contemplavam as sequências “XXCD”,
“XXBD” ou “XXED” (sendo x qualquer uma das opções e diferente de A). Essas
respostas foram assim consideradas, pois a posição do homem está
corretamente caracterizada, mudando apenas o ancestral comum do mesmo
com outros símios e suas posições, além de excluir o mico leão dourado como
um dos hominídeos.
Erros graves – respostas que contemplavam as sequências “DXXX”,
“XDXX”, “AXXX”, “XAXX”, “XXAX” ou “XXXA” (sendo x qualquer uma das
opções). Essas respostas foram assim classificadas, pois há em algumas das
sequências a inclusão do mico leão dourado como um dos macacos
hominídeos além de outras não posicionarem corretamente o ser humano na
evolução dos hominídeos.
Em branco - questões não respondidas.
45
Após todos os dados devidamente categorizados, tanto as questões
abertas (com suas respostas agora divididas em categorias) como as fechadas,
foram então tabuladas segundo as regras do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Para isso, foram calculadas as frequências absolutas e
relativas com o número de respostas associadas a cada categoria ou
alternativa e os valores destas frequências foram então analisados. Algumas
considerações cruzadas entre as questões também puderam ser observadas e
então destacadas.
A análise dos dados foi realizada concomitantemente à apresentação
dos resultados. Esta análise foi feita relacionando os resultados com os temas
teóricos citados. Algumas respostas individuais também foram selecionadas e
devidamente analisadas.
46
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A seguir foram apresentados os resultados da pesquisa e trechos de
algumas respostas em particular, para a análise das concepções dos alunos,
que foi realizada logo após cada resultado apresentado.
Tabela 1. Distribuição da frequência absoluta (n) e relativa (%) das respostas
de alunos que consideraram a sequência evolutiva dos animais segundo as
alternativas abaixo listadas. São Paulo, 2011.
Alternativa n %
a) Esponja, água-viva, planária, lombriga, minhoca,
caramujo, mosquito, estrela do mar, vertebrados 21 42
b) Peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos, homem 6 12
c) Não há uma sequência, pois a evolução não é linear 10 20
d) Não sei os intermediários, mas algo que começaria
com as esponjas e terminaria com o homem 6 12
e) Não sei 0 0
A e B 1 2
A e C 4 8
A e D 2 4
Total 50 100
Quanto a questão 1 do questionário, os resultados sobre qual seria a
sequência evolutiva dos animais foram apresentados na Tabela 1. 42% dos
alunos acham que a evolução dos animais segue a sequência “esponja, água-
viva, planária, lombriga, minhoca, caramujo, mosquito, estrela do mar,
vertebrados” e dentro dos vertebrados, 6% responderam que segue a
sequência “peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos, homem”. Essas são
sequências nas quais geralmente esses animais são estudados na educação
básica e também em aulas de Zoologia de cursos de graduação em Ciências
Biológicas. Estudar os animais nessas sequências, se não forem tomados os
devidos cuidados relacionados à evolução desses grupos, é, segundo Ferreira
et al. (2008), estudar os animais numa perspectiva de transformação linear, em
47
que um grupo mais “simples”, na verdade, mais basal, daria origem ao próximo
grupo, mais “complexo”, no caso, derivado. Para Lopes et al. (2007), isso
parece ser reflexo de um ensino de zoologia em que não foram tomados os
cuidado em relação à origem de cada grupo e em relação à ordem natural da
diversidade dos animais.
Esse tipo de erro nas aulas de biologia é segundo Santos e Calor
(2007a) comum, e força concepções nos alunos de que a evolução é linear e
progressiva, na qual o aumento da complexidade é regra. Concepções assim
parecem ser inviáveis, pois todos os grupos viventes estudados estão em um
mesmo horizonte temporal sendo assim impossível um grupo dar origem a
outro (SANTOS E CALOR, 2007b).
Assim, os conceitos implícitos ensinados de evolução são de que a
evolução é linear. Contudo, 20% dos alunos não concordaram com esse tipo
de perspectiva, pois responderam que a evolução não segue sequência
nenhuma, pois a mesma não é linear. Esses alunos podem ter tido um ensino
de zoologia no qual foi trabalhada a história evolutiva dos animais ressaltando
uma dinâmica evolutiva dos grupos (LOPES et al., 2007) através de conceitos
da sistemática filogenética, como o uso de cladogramas nas explicações
(SANTOS E CALOR, 2007a).
Contudo, 8% dos alunos responderam ambas as alternativas, tanto a
que tinha fundamentos de que a evolução é linear, como a resposta que dizia
que a evolução não é linear, apresentando uma incoerência nas suas
respostas. Isso pode ter ocorrido pelo não comprometimento na hora de
responder o questionário, como também pelo fato de que no momento em que
o aluno lia a primeira alternativa (evolução linear), aquela era uma opção válida
para ele, então o mesmo a assinalou. Ao ler a terceira alternativa (evolução
não linear) o aluno se convence daquela resposta e também à marca.
Há, ainda, alunos que responderam não saber os intermediários, mas
que a sequência evolutiva dos animais seria algo que começa com as esponjas
e termina com o homem. Essas respostas representaram 12% do total além
dos que responderam conjuntamente com a primeira alternativa (4%). Esse tipo
de resposta leva-nos a entender que os alunos consideram a evolução dos
animais como um aumento na complexidade e que o projeto final seria o
homem. Esse tipo de concepção é segundo Silva et al. (2000) e Oliveira
48
(1992), reflexo de um ensino, e mais especificamente do ensino de zoologia,
com fortes fundamentos antropocêntricos. Isso se dá devido ao modo como os
animais são abordados principalmente no ensino fundamental, no qual os
mesmos são classificados de acordo com sua relevância para o homem, como
por exemplo, “venenoso ou comestível”. Outro fator que também influencia
esse tipo de concepção é estudar o homem como um indivíduo separado dos
animais sendo ele dominante na natureza e superior a todos os outros.
A Tabela 2 mostra os resultados obtidos a partir da questão 2, que
perguntava porque o osso fêmur é encontrado tanto em cavalos como em aves
e em seres humanos. 42% das respostas justificavam a resposta escrevendo
que a causa dos três terem o mesmo osso é devido a todos terem
compartilhado, em algum momento da história evolutiva deles, um ancestral
comum que já possuía esse osso. Essa é uma resposta coerente, pois “todos
os organismos do planeta (incluindo as espécies extintas e o homem)
compartilham um ancestral comum em algum nível hierárquico” (SANTOS E
CALOR, 2007a, p. 01).
Outros (6%), responderam que isso ocorre, pois esses animais são
muito próximos evolutivamente. O fato de esses animais serem muito próximos
evolutivamente não garante que os mesmo terão as mesmas características.
Como por exemplo, todos os “répteis” assim são e mesmo assim, apresentam
características morfológicas muito distintas. Só pra citar um exemplo, cobras e
lagartos viventes são colocados na mesma Ordem Squamata, evolutivamente
são mais próximos que animais em classes diferentes (como é proposto na
questão), e como todos sabem, as cobras não apresentam o osso fêmur
enquanto que a maioria dos lagartos possuem (POUGH et al., 2008).
Alguns alunos (10%), responderam a questão mencionando que o fêmur
é encontrado nesses três grupos, pois isso é o “resultado da evolução”. O que
pode ser percebido nessas respostas é que não houve um aprofundamento
teórico ao responder a questão e dá a entender que alguns alunos usam a
evolução (que é tema do questionário) como saída para responder algumas
respostas, como que somente o fato de ser um resultado da evolução daria
conta de responder a questão.
49
Tabela 2. Distribuição da frequência
absoluta (n) e relativa (%) de respostas
cujo indivíduos consideram uma das
categorias abaixo a causa do osso
fêmur ser encontrado em cavalos, aves e
homens. São Paulo, 2011.
Categoria n %
Ancestralidade comum 21 42 Mesma função 16 32 Proximidade evolutiva 3 6 Resultados da evolução 5 10 Respostas mistas 4 8 Respostas em branco 1 2
Total 50 100
Mas algo marcante que aparece no resultado dessa questão é que
muitos alunos (32%) não relacionaram o que foi perguntado com nenhum
processo evolutivo. Os mesmos responderam a questão dizendo simplesmente
que o osso esta presente nos três grupos, pois ele apresenta a mesma função
nos três, como mostra a resposta de um dos alunos:
“Pois é um osso importante na locomoção e sustentação e os 3 grupos,
mesmo que de forma diferente, necessitam desse osso para essas funções”.
Isso parece ser segundo, Lopes et al. (2007), reflexo de um ensino de
zoologia que não teve fundamentos em evolução ou sistemática filogenética ao
passo que quando se tem um caráter conhecido e um aluno não consegue
situá-lo na filogenia dos animais, interpretando-o apenas através de
características morfológicas ou funcionais, ou seja, o mesmo deve ter estudado
os temas zoologia e evolução isoladamente, sem que os dois se
relacionassem.
Houve respostas consideradas “respostas mistas” (8%), pois o aluno
justificou a pergunta tanto pelo viés evolutivo quanto pela causa de ter a
mesma função, sendo que na maioria das vezes as respostas são coerentes
com a realidade. Contudo, há algumas respostas que apresentam alguns erros
conceituais como a apresentada a seguir:
50
“Porque somos todos descendentes de uma espécie em comum e em
termos específicos os ossos são análogos tem a mesma função”
Este aluno, respondeu corretamente ao escrever que os três descendem
de um ancestral comum, porém cometeu um erro ao mencionar que o fêmur é
análogo nos três animais. Neste caso, o fêmur é homólogo e não análogo.
Segundo Pough et al. (2008), estruturas análogas são estruturas que
apresentam a mesma função, contudo, possuem origens diferentes, que não é
o caso do osso fêmur. Este osso é homólogo nos três indivíduos, ou seja,
apresenta a mesma origem, a partir de algum ancestral comum.
Como dito anteriormente ao analisarmos a questão 1, há alunos que
entendem a evolução como um processo linear que, com o passar dos tempos,
apresenta o aumento da complexidade resultando em animais “mais
evoluídos”. Esse tipo de idéia também pode ser confirmada ao analisarmos a
resposta de um aluno que segue:
“Pois esses grupos são os mais evoluídos”.
Tabela 3. Distribuição da frequência absoluta (n) e relativa (%)
das respostas de alunos que consideraram a categoria que
se enquadrariam segundo as alternativas abaixo listadas.
São Paulo, 2011.
Alternativa n %
Eu sou um animal 24 48 Eu sou um animal e um primata 24 48 Eu sou um animal, primata e um macaco 2 4 Eu não sou um animal 0 0 Nenhuma das alternativas anteriores 0 0
Total 50 100
Na terceira questão (Tabela 3), foi pedido para que os alunos se
enquadrassem em uma das categorias propostas. Nenhum aluno se
considerou um ser à parte dos animais, respondendo que o mesmo não era um
animal. Esse é um dado positivo que revela que houve algum tipo de trabalho
durante a educação básica dos alunos para que os mesmo sejam estudados
juntamente com os animais. Ter consciência de que o ser humano é um
51
animal, é o primeiro passo para uma visão menos antropocêntrica do mundo
(OLIVEIRA, 1992; SILVA et al., 2000). Essa consideração, de que o ser
humano é um animal, foi respondida por quase metade dos alunos (48%).
Contudo, isso não é o suficiente para um verdadeiro estudo que coloque
o ser humano no mesmo patamar que os outros animais. Para isso, os
mesmos devem entender que além de ser um animal, o ser humano também é
um primata, como todos os outros animais que dividem conosco a ordem
Primates, e mais ainda, devem entender que alem de animal e primata, o ser
humano é também, um macaco (OLIVEIRA, 1992; SILVA et al., 2000).
Ao analisarmos as nomenclaturas usadas nos estudos de filogenia, para
consideramos um grupo válido, ou seja, um grupo monofilético, devemos
considerar todas as espécies diversificadas a partir do ancestral comum que
deu origem a esse grupo (FERREIRA et al., 2008). Com isso, considerar o
homem como não sendo um macaco, mas mesmo assim considerar a ordem
dos primatas como um grupo monofilético, é inviável, já que todos os primatas
descendem de um mesmo ancestral comum. Ou seja, o ser humano além de
ser um primata é um macaco (POUGH et al., 2008; NEVES, 2006). Essa
alternativa foi respondida somente por 4% dos alunos enquanto que 48%
consideram o ser humano como um animal e um primata, não colocando-o
como um macaco. Isso pode ser mais um reflexo do estudo separado dos
demais animais e dos seres humanos ou então do não emprego de conceitos
da sistemática filogenética dos animais ao estudá-los (LOPES et al., 2007;
FERREIRA et al., 2008).
A quarta questão (Tabela 4) era dividida em dois momentos. Em um
primeiro momento era perguntado o que os alunos sabiam a respeito da
evolução humana e em seguida pedia-se para que os mesmos relacionassem
o que sabiam com a figura proposta, dizendo se eles concordavam ou não com
a figura.
A maioria dos alunos (38%) concorda que o homem se origina a partir de
um ancestral comum primata. Alguns remetem a ideias de que esse ancestral
comum deu origem às linhagens dos seres humanos e dos chimpanzés (caso
1) e outros não relacionaram o ancestral comum com os chimpanzés, mas sim
com outros primatas extintos (caso 2).
52
Caso 1
“O homem descende de um ancestral em comum com os chimpanzés e
assumiu sua forma atual através de milhares de anos...”
Caso 2
“A relação da figura é a da evolução humana através de um ancestral
comum, pelo qual foi extinto e fora um ancestral comum para muitas espécies
próximas evolutivamente do Homo sapiens...”
Tabela 4. Distribuição da frequência absoluta (n) e relativa (%) das respostas
de alunos a respeito da evolução humana em uma das categorias abaixo
listadas e se concordam ou não com a figura proposta. São Paulo, 2011.
FIGURA (n)
Categoria n % Concorda Discorda Não opina Homem evoluiu a partir de macacos
11 22 9 - 2
Homem evoluiu a partir de um ancestral comum primata
19 38 11 3 5
Discorda da origem a partir de um primata
3 6 - 3 -
Evolução humana no sentido linear
7 14 7 - -
Discorda do sentido da imagem
2 4 - 2 -
Respostas Mistas 8 16 6 - 2
Total 50 100 33 8 9
Ambos os casos podem ser considerados coerentes, porém no primeiro
caso, a relação com o ancestral comum é anterior à relação com o ancestral
comum do segundo caso. Segundo Dawkins (2009), compartilhamos um
ancestral comum com os chimpanzés e que esse no caso, extinto,
provavelmente se assemelhava mais com nossos parentes macacos do que
conosco. Gould (2004) comenta que esse ancestral comum entre seres
humanos e chimpanzés provavelmente viveu na Terra há mais ou menos 5
milhões de anos.
As relações com os ancestrais comuns propostas pelo aluno do segundo
caso são provavelmente relações com primatas extintos dos gêneros
53
Australopithecus e Homo, ou seja, relações com ancestrais comuns mais
recentes do que o proposto no primeiro caso (NEVES, 2006).
Contudo, apesar desses alunos terem chegado a conclusões
consideradas coerentes apenas 3 de 19 relacionaram a figura com a evolução
humana de maneira também coerente.
A figura proposta, segundo Bizzo (2006), é um exemplo do reflexo de
uma figura do passado que foi interpretada como se a evolução humana fosse
linear. Ou seja, nesse tipo de figura dá-se a entender que a espécie à esquerda
deu origem a espécie à direita em um sentido de que uma se transformou na
outra. Apenas 3 alunos, dos que responderam que o ser humano descende de
um ancestral comum com os primatas, conseguiram perceber que a figura
proposta pode ser ambígua e dar um sentido errado à evolução humana.
Outros 2 alunos que também discordaram do sentido da imagem,
usaram o espaço reservado para responder a questão, para discorrerem sobre
a imagem. A resposta de um dos alunos é reproduzida a seguir:
“Eu discordo com a figura, com a intenção dela. Do modo que é
apresentado, ela da a entender que a evolução, ou a seleção natural, é um
processo direcionado, com o objetivo final como o ser humano. Isso é errado. A
natureza não tem antevisão, não tem objetivo”
O aluno apresenta argumentos coerentes com a realidade da evolução
pois a mesma, através da seleção natural, se caracteriza do jeito que o aluno
propõem, ou seja, sem objetivo final, não direcionada e muito menos tendo o
ser humano como produto final (FUTUYMA, 2003a; RIDLEY, 2006).
Totalmente ao contrário da concepção deste aluno, 14% dos alunos
responderam justamente no sentido de que a evolução humana é linear e
progressiva. Este tipo de pensamento, segundo Gould (1999), é comum, pois o
mesmo é reflexo de uma tentativa de se fixar “uma única e progressiva
sequência que ligue o símio ancestral ao homem moderno, através de uma
transformação contínua e gradual” (GOULD, 1999, p. 50). Contudo, o autor
deixa claro que:
O Homo sapiens não é o produto de uma escada que
desde o início sobe diretamente em direção ao nosso estado
54
atual. Constituímos tão-somente a ramificação sobrevivente de
um arbusto outrora exuberante (1999, p. 55).
Confirmando a concepção de evolução humana no sentido linear, os
alunos que assim responderam, concordaram todos com a imagem, sem
perceberem que ela pode apresentar problemas de interpretação.
Os últimos 3 alunos que discordaram do sentido da imagem, totalizando
apenas 8 alunos que discordaram da imagem independentemente da resposta
atribuída à questão, discordaram por outro motivo. Esses alunos discordaram
da imagem, pois os mesmos não acreditam que a linhagem humana tenha
origem a partir de ancestrais primatas. Ao responder a questão, um aluno
apresenta o seguinte argumento:
“Que existem 2 teorias, a teoria da evolução e a da criação. A figura
representa a teoria da evolução. Não concordo com a figura, pois não acho que
o homem originou dos primatas”
Parece que esses alunos apresentam forte crença no criacionismo, que
considera as espécies imutáveis e possui fundamentos religiosos (FUTUYMA,
2003a). Contudo, não é porque os mesmos acreditam na criação divina que
eles não possam conhecer os diferentes contextos quando se é tratada a
evolução. Nesse caso, a evolução se torna mais uma perspectiva de mundo e
que não necessariamente os que possuem crenças religiosas devam segui-las
ou então não conhecê-las (OLIVEIRA, 2009).
Pôde ser percebida também a grande importância que alguns alunos
dão ao endireitamento da coluna vertebral na linhagem que deu origem aos
seres humanos. Analisaremos a resposta que se segue:
“A espécie humana possui ancestrais comuns com os macacos, pois
ambos são primatas. A imagem relaciona o endireitamento vertical da coluna
vertebral e a diminuição de pelos no corpo, principais características que
diferenciam homens e macacos fisicamente”
Contudo, vimos que após o descobrimento do fóssil que foi chamado de
Lucy, ficou claro que Australopithecus afarensis era bípede e caminhava ereto,
55
revelando que a postura vertical foi atingida a mais ou menos 4 milhões de
anos, diminuindo a importância que geralmente se dá ao endireitamento
gradual da postura na evolução humana (GOULD, 2004).
Com isso, tem-se que a fixação da bipedia se deu, segundo Neves
(2006), em duas etapas. A primeira era uma bipedia postural adquirida nos
primeiros ancestrais humanos que ainda permaneciam muito arborícolas e a
segunda seria uma bipedia vertical, adaptada completamente ao meio terrestre,
que teria sido fixada em torno de 2,5 milhões de anos atrás, coincidindo mais
ou menos com o surgimento do gênero Homo e com a nova configuração da
paisagem africana que deixava de ser uma floresta com muitas árvores e
passava a ser mais parecida com a savana e os desertos atuais, ou seja, com
poucas arvores.
Pôde ser observado também, na resposta desse aluno, que o mesmo
considera que ter a coluna ereta e a diminuição da quantidade de pelos no
corpo, são as características que distinguem os seres humanos dos outros
macacos. Porém, o que é aceito atualmente é que o que nos define como
seres humanos é a nossa capacidade de significação das coisas que nos
circundam (NEVES, 2006).
Outra grande parcela de alunos (22%), respondeu que o homem evoluiu
a partir do macaco. Contudo, esse tipo de resposta se mostrou ambíguo, pois
segundo Neves (2006) o homem veio mesmo do macaco, contudo, não de um
macaco atual, e sim de um macaco extinto, que um dia foi ancestral da linha
humana. Com isso, em muitos casos não foi possível distinguir se o aluno quis
dizer que o ser humano veio de um macaco atual ou de um macaco extinto.
Como pode ser observado no exemplo abaixo:
“Que eu acredito que nós nos originamos dos macacos e que essa teoria
tem tudo a ver com essa figura”
Houve casos que essas diferenças foram melhor estabelecidas. No
primeiro exemplo abaixo, ficou evidente que o aluno tem uma concepção de
que os seres humanos evoluíram a partir de macacos atuais, já no segundo
exemplo, parece que o aluno se referiu a um macaco já extinto:
56
“Sobre a origem e evolução humana eu concordo com o Darwinismo e
concordo com a figura, pois acho que passamos por um processo evolutivo a
partir dos chimpanzés, pois testes feitos com o DNA de ambos mostram uma
semelhança”
“Eu diria que o homem evoluiu, segundo Darwin, de um macaco, como
mostra na figura abaixo, concordo com isso, pois é a explicação mais coerente”
Podemos elucidar melhor essas interpretações ao analisarmos os
resultados das respostas da questão 5 (Tabela 5). Nessa questão, foi
perguntado aos alunos se os mesmos concordavam com a afirmação de que o
homem evoluiu a partir de um macaco atual, como o chimpanzé.
Tabela 5. Distribuição da frequência absoluta (n) e relativa (%) das respostas
dos alunos que consideraram que o homem evoluiu a partir de um macaco
atual segundo as alternativas abaixo listadas. São Paulo, 2011.
Alternativas n %
a) Sim, pois existem provas de que o homem evoluiu a partir do macaco
7 14
b) Sim, pois ambos são muito similares 6 12 c) Não, ambos apresentam um mesmo ancestral comum 27 54 d) Não, o homem evoluiu a partir de um primata extinto 5 10 e) Não sei 0 0 A e B 2 4 C e D 2 4 Resposta em Branco 1 2
Total 50 100
Para esta questão, foi considerado como correto as alternativas C e/ou
D. 54% dos alunos responderam que o homem não evoluiu a partir de um
macaco atual como o chimpanzé, mas que ambos apresentam um mesmo
ancestral comum. Essa resposta contempla o que já foi discutido anteriormente
a respeito do que se considera mais aceitável em relação ao ancestral comum
entre chimpanzés e seres humanos (DAWKINS, 2009; GOULD 2004).
10 % dos alunos também discordaram da afirmação, mas justificaram
que o motivo é que o homem evoluiu a partir de um primata extinto,
possivelmente se remetendo a linhagens mais próximas da linhagem humana
57
do que a ancestralidade comum com chimpanzés, o que, novamente, já foi
discutido e considerado como coerente (NEVES, 2006).
Contudo, apenas 4% dos alunos perceberam que ambas as respostas
(C e D) estavam corretas e que uma era complementar a outra.
O que surpreendeu, foi o fato de que pouco mais que um quarto dos
alunos (26%) concordou com a afirmativa de que o homem realmente evoluiu a
partir de um macaco atual, como o chimpanzé. Esse tipo de concepção é
inviável uma vez que, como já discutido anteriormente, não há como o
chimpanzé evoluir em um ser humano, uma vez que ambos estão vivendo em
um mesmo horizonte temporal (SANTOS E CALOR, 2007b).
12% dos alunos que concordaram com a afirmativa, assim fizeram pois
consideram o fato de seres humanos e chimpanzés serem parecidos uma
prova de que o homem evoluiu do chimpanzé. Mais uma vez podemos recorrer
a exemplos da zoologia de vertebrados para percebermos que o simples fato
de serem parecidos não garante relações evolutivas próximas (ou não tão
próximas se compararmos a outros primatas do gênero Homo, por exemplo, já
que o chimpanzé é definitivamente próximo evolutivamente do ser humano). O
exemplo mais clássico a ser citado é a convergência evolutiva encontrada em
tubarões (peixes), Ictiossauros (répteis) e golfinhos (mamíferos). Os três
grupos são muito parecidos, contudo são muito distantes evolutivamente
(POUGH et al., 2008).
Com isso se comparamos as respostas de todos os alunos que
concordaram com a afirmativa (26%), com as respostas de 22% dos alunos
que responderam que o homem evoluiu a partir do macaco na questão 4
(Tabela 4), conseguimos tornar a ambiguidade que foi observada na questão
anterior um pouco mais esclarecida, pois na maioria dos casos não foi possível
determinar se o aluno se referia a um macaco extinto ou a um macaco atual.
Podemos perceber que provavelmente, esses alunos, que assim responderam
na questão 4, relacionaram a descendência a partir de um macaco atual e não
um outro macaco extinto.
Ao analisar as relações entre algumas questões, pôde-se perceber
também que 22% dos alunos responderam que o homem veio de um mesmo
ancestral que o chimpanzé na questão 5 e ao comparar com a questão 4,
esses alunos desenvolveram o mesmo tipo de resposta nessa questão.
58
Contudo, 36% dos alunos que responderam que o homem descende de
um mesmo ancestral que os chimpanzés na questão 5, não desenvolveram
essa idéia ao serem perguntados na questão 4. Isso mostra em alguns casos,
incoerência nas respostas, pois ambas se apresentam antagônicas. Em outros
casos, o aluno só toma esse partido ao responder a questão 5, mostrando que
no momento que o mesmo respondia a questão 4, essas ideias não estavam
totalmente formuladas em sua cabeça.
Mais curioso ainda, é o fato de que 12% dos alunos não responderam
que o homem veio de um mesmo ancestral que o chimpanzé na questão 5
porém, ao responderem a questão 4 apresentam a idéia de mesma
ancestralidade, mostrando uma possível leitura descompromissada das
questões ou a não associação das mesmas.
A última questão (Tabela 6) pedia para que os alunos relacionassem
alguns macacos propostos, com um cladograma também proposto. Este
cladograma se refere aos grandes símios, ou seja, aos hominídeos.
Tabela 6. Distribuição da frequência
absoluta (n) e relativa (%) das respostas
de alunos sobre a filogenia de
hominídeos segundo as categorias
abaixo listadas. São Paulo, 2011.
Categoria n %
Acertos 16 32
Erros leves 9 18
Erros graves 24 48
Em branco 1 2
Total 50 100
32% dos alunos fazem todas as relações corretas, ao posicionarem o
orangotango, o gorila, o chimpanzé e o homem em seus devidos lugares no
cladograma. Isso mostra, que este assunto foi trabalhado durante a vida
escolar do aluno e que provavelmente ele foi abordado segundo as propostas
de sistemática filogenética sugeridas por Ferreira et al. (2008), Santos e Calor
59
(2007a) e Lopes et al. (2007), nas quais o uso de cladogramas é uma
ferramenta para se trabalhar assuntos como zoologia e botânica.
Contudo, os alunos que não desenvolveram essa resposta tão bem
(18%), ou seja, que trocaram apenas o macaco que seria grupo irmão dos
seres humanos, parece serem alunos que ao contrario dos que acertaram, não
tiveram um ensino baseado em conceitos da sistemática filogenética. Essa
inferência é ainda mais clara em relação aos alunos que apresentaram erros
graves (48%), que inclusive incluíram o mico leão dourado como uma espécie
pertencente aos hominídeos.
Isso reflete que, mesmo depois dos Parâmetros Curriculares Nacionais
propostos em 2002, o ensino de zoologia na educação básica ainda não
parece promover aos alunos habilidades como as de construção e
interpretação de cladogramas. Segundo Brasil (2002), há a necessidade de se
trabalhar esses conceitos, inclusive relacionando-os com a linha evolutiva
humana, posicionando o homem como mais um animal dentre tantos outros.
Isso, para Oliveira (1992), é fundamental para que o ensino de biologia seja
menos antropocêntrico e mais voltado para a interpretação de um mundo
dinâmico onde o ser humano não é superior ou está no topo da evolução
animal.
Podemos confirmar algumas das concepções desses alunos ao
analisarmos as relações entre as questões 5 e 6. Percebemos que, 38% dos
alunos responderam que o homem veio de um mesmo ancestral que o
chimpanzé na questão 5 e demonstram corretamente isso na questão 6 ao
montarem o cladograma. Contudo os outros 16% que responderam a questão
5 dizendo que o homem divide um mesmo ancestral com os chimpanzés, não
demonstram corretamente isso na questão 6 ao montar o cladograma.
Este fato pode ser reflexo de conhecimentos provenientes de outros
meios, como por exemplo, a mídia, onde muito se fala na relação entre
chimpanzés e seres humanos, contudo, esses alunos podem não saber
interpretar cladogramas e ao demonstrar essa mesma ancestralidade, não a
fazem corretamente, mesmo que eles possuam a concepção de que homens e
chimpanzés descendem de um ancestral comum. Esse tipo de erro, segundo
Santos e Calor (2007b), também pode ser corrigido através do uso de
conceitos da sistemática filogenética em aulas de biologia.
60
Com um olhar mais amplo dessas respostas, ao analisar individualmente
as respostas dos questionários de cada aluno, pôde-se perceber que alguns
alunos tenderam a responder melhor as questões relacionadas à evolução
biológica ao passo que outros alunos saíram-se melhor ao responderem as
questões que tinham maior aprofundamento na evolução humana. Houve
alunos que sabiam conceituar termos como o de ancestralidade comum, mas
não os utilizou em momento algum ao responderem as questões de evolução
humana.
24% dos alunos não responderam nenhuma das questões do
questionário coerentemente enquanto que apenas 6% deles desenvolveram
respostas aceitáveis para todas ou quase todas as questões propostas.
61
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o objetivo principal deste trabalho, que foi analisar as
concepções de alunos ingressantes em um curso de Ciências Biológicas de
uma universidade particular de São Paulo sobre a origem e evolução humana,
pôde-se perceber que uma parte dos alunos sabe comentar sobre a evolução
humana de modo considerado correto destacando a descendência a partir de
um ancestral em comum com os chimpanzés.
Contudo, outra parte apresenta conceitos evolutivos errôneos, sendo a
evolução humana caracterizada como linear e que busca um progresso na
complexidade. Pôde ser observado também que muitos alunos não os
consideram como sendo um tipo de macaco, mas sim apenas um primata e
outros nem isso consideram, dizendo somente que são animais. Este pode ser
o resultado de um ensino de Ciências e Biologia com características
antropocêntricas, no qual raras são às vezes nas quais o ser humano é
corretamente relacionado com os demais seres vivos dentro da sala de aula.
Outro aspecto observado é que a provável deficiência neste tema seja
reflexo do ensino de zoologia e de evolução descontextualizados e separados,
no qual os animais são estudados separadamente dos seres humanos em
grupos estanques, sem a utilização de conceitos da sistemática filogenética.
Pôde-se perceber que quando perguntados sobre evolução e evolução
humana, os alunos tendem a relacioná-las exclusivamente às teorias
evolucionistas de Lamarck e Darwin, sugerindo que o ensino de evolução
desses alunos foi fortemente atrelado somente ao ensino das teorias destes
dois naturalistas, sem relacioná-las aos mecanismos evolutivos nelas contidos.
Houve alunos ainda, que apresentaram ideias criacionistas em relação à
origem do ser humano.
Alguns aspectos do questionário poderiam ser melhor direcionados para
a obtenção de dados mais refinados e robustos e que poderá ser feito para o
desenvolvimento de futuros trabalhos, como por exemplo, questões que
buscam identificar as concepções de alunos sobre as relações entre os
gêneros Australopithecus e Homo.
No entanto, o presente trabalho contribui para a compreensão do tema,
que é amplamente discutido, seja em trabalhos científicos, seja dentro da
62
escola ou então em rodas de amigos. Muitos dos aspectos ainda precisam ser
esclarecidos a respeito desse processo e de onde e como viemos a ser o que
somos. O primeiro passo para essa compreensão é refletirmos o que nós
mesmo pensamos sobre o assunto. Com isso, este trabalho contribui para
reflexões sobre o tema dos alunos participantes, dos autores responsáveis pela
pesquisa e serve como base para futuros trabalhos desenvolvidos sobre o
ensino de evolução humana.
63
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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estrutura conceitual da sistemática filogenética – II. Ciência & Ensino, volume
2, número 1, 2007b.
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STRATHERN, P. Darwin e a Evolução em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge
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Imagens disponíveis em:
http://darwinismo.files.wordpress.com
Acessado em 15/02/2011 às 22:35
http://sociologias-com.blogspot.com/2009/12/metamorphoses-de-levolution-le-
recit.html
Acessado em 02/05/2011 às 13:29
69
Anexo 1
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Sobre o questionário
Esse questionário se refere à investigação na área de educação, necessário
para a realização do TCC – modalidade licenciatura. Você não deve se identificar
nessa folha de respostas. Vale salientar que não existem respostas certas ou erradas
nesse questionário, o objetivo aqui é conhecer as concepções dos alunos a respeito
do tema abordado. As questões devem ser respondidas na ordem em que foram
apresentadas. O questionário pode ser respondido a lápis ou caneta. Obrigado.
1) Para você, qual(is) alternativa(s) mostra(m) melhor a
sequência evolutiva dos animais? Marque mais de uma alternativa se
achar necessário.
a) Esponja, água-viva, planária, lombriga, minhoca, caramujo,
mosquito, estrela do mar, vertebrados.
b) Peixes, anfíbios, répteis, aves, mamíferos, homem.
c) Não há uma sequência, pois a evolução não é linear
d) Não sei os intermediários, mas algo que começaria com as
esponjas e terminaria com o homem.
e) Não sei
2) “O osso chamado Fêmur é encontrado tanto nos membros
posteriores de cavalos e aves e nas pernas de seres humanos”. Na sua
opinião, por quê o mesmo osso é encontrado nesses três grupos
distintos?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
70
3) Se te perguntassem em qual das categorias a seguir você
melhor se enquadraria, o que você responderia?
a) Eu sou um animal
b) Eu sou um animal e um primata
c) Eu sou um animal, primata e um macaco
d) Eu não sou um animal
e) Nenhuma das alternativas anteriores. Comente:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
4) Se você fosse perguntado(a) sobre a origem e evolução
humana, o que você saberia dizer a respeito? Qual a relação destas com a
figura abaixo? Você concorda com o que essa figura quer dizer?
Comente.
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
71
5) “O homem evoluiu a partir de um macaco atual, como o
chimpanzé”. Você concorda com essa afirmação? Marque mais de uma
opção se achar necessário.
a) Sim, pois existem provas de que o homem evoluiu a partir do
macaco.
b) Sim, pois ambos são muito similares.
c) Não, ambos apresentam um mesmo ancestral comum.
d) Não, o homem evoluiu a partir de um primata extinto.
e) Não sei.
6) Relacione os animais propostos com o cladograma abaixo,
colocando a letra do animal nos espaços em branco do cladograma. Caso
não saiba (tudo ou parcialmente) deixe em branco.
A. Mico leão dourado B. Gorila C. Chimpanzé
D. Homem E. Orangotango
72
Anexo 2
CARTA DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO DE PESQUISA
O presente trabalho se propõe a analisar as concepções dos alunos ingressantes no curso de Ciências Biológicas de uma universidade particular da cidade de São Paulo sobre a origem e evolução humana. Os dados para o estudo serão coletados a partir de questionários aplicados nos alunos. Este material será posteriormente analisado, garantindo-se sigilo absoluto sobre as questões respondidas, sendo resguardado o nome dos participantes, bem como a identificação do local da coleta de dados. A divulgação do trabalho terá finalidade acadêmica, esperando contribuir para um maior conhecimento do tema estudado. Aos participantes cabe o direito de retirar-se do estudo em qualquer momento, sem prejuízo algum.
Os dados coletados serão utilizados no trabalho de conclusão de curso (TCC) da licenciatura do curso de Ciências Biológicas (CB) do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O material e o contato interpessoal oferecerão riscos mínimos aos colaboradores e à instituição.
Quaisquer dúvidas que existirem agora ou a qualquer momento poderão ser esclarecidas, bastando entrar em contato pelo telefone abaixo mencionado. De acordo com estes termos, favor assinar abaixo. Uma cópia deste documento ficará com a instituição e outra com os pesquisadores.
___________________________
___________________________
Rafael dos Santos Henrique Mônica Ponz Louro Pesquisador Orientadora
Telefone para contato: _______________
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente instrumento, que atende às exigências legais, o(a) senhor(a) _______________________________, sujeito de pesquisa, após leitura da CARTA DE INFORMAÇÃO AO SUJEITO DA PESQUISA, ciente dos serviços e procedimentos aos quais será submetido, não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e do explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância em participar da pesquisa proposta.
Autorizo a aplicação do questionário: □ Sim □ Não Fica claro que o sujeito de pesquisa ou seu representante legal podem, a qualquer
momento, retirar seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de participar do estudo alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho realizado torna-se informação confidencial, guardada por força do sigilo profissional.
São Paulo,__ de________________de______ ________________________________________ Assinatura do sujeito ou seu representante legal
73
Anexo 3
CARTA DE INFORMAÇÃO À INSTITUIÇÃO
Esta pesquisa tem como intuito analisar as concepções dos alunos ingressantes no curso de Ciências Biológicas de uma universidade particular da cidade de São Paulo sobre a origem e evolução humana. Os dados para o estudo serão coletados a partir de questionários aplicados nos alunos. Para tal solicitamos a autorização desta instituição para a aplicação de nossos instrumentos de coleta de dados; o material e o contato interpessoal oferecerão riscos mínimos aos colaboradores e à instituição. As pessoas não serão obrigadas a participar da pesquisa, podendo desistir a qualquer momento.
Todos os assuntos abordados serão utilizados sem a identificação dos colaboradores e instituição envolvida. Quaisquer dúvidas que existirem agora ou a qualquer momento poderão ser esclarecidas, bastando entrar em contato pelo telefone abaixo mencionado. De acordo com estes termos, favor assinar abaixo. Uma cópia deste documento ficará com a instituição e outra com os pesquisadores.
Obrigado. ___________________________
___________________________ Rafael dos Santos Henrique Mônica Ponz Louro Pesquisador Orientadora Instituição:
________________________ Telefone para contato:
_______________
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o(a) senhor (a)
__________________________________________________________, representante da instituição, após a leitura da Carta de Informação à Instituição, ciente dos procedimentos propostos, não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e do explicado, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO de concordância quanto à realização da pesquisa. Fica claro que a instituição, através de seu representante legal, pode, a qualquer momento, retirar seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO e deixar de participar do estudo alvo da pesquisa e fica ciente que todo trabalho realizado torna-se informação confidencial, guardada por força do sigilo profissional.
São Paulo, ____ de ____________________de ________
_________________________________________
Assinatura do representante da instituição
74
Estou ciente do conteúdo da Monografia “EVOLUÇÃO HUMANA: O
QUE PENSAM OS ESTUDANTES INGRESSANTES EM UM CURSO DE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS SOBRE O ASSUNTO?”.
________________________________________________
Profª. Drª. Mônica Ponz Louro
(Orientadora – Universidade Presbiteriana Mackenzie)
_________________________________________________
Rafael dos Santos Henrique
(Aluno – Código de Matrícula 4080385-6)
Trabalho a ser apresentado em: 13 de Junho de 2011 às 16h00m